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    DOIS CONCEITOS DE LIBERDADE, Isaiah Berlin

    Traduo: Aline Mesquita - UFABC

    Se os homens nunca discordassem sobre os propsitos da vida, se nossos ancestrais

    tivessem permanecido sem distrbios no Jardim do den, os estudos aos quais o Chichele Chair

    of Social and Political Theory se dedica dificilmente poderiam ter sido concebidos. J que esses

    estudos brotam e prosperam da discrdia. Algum pode questionar que mesmo em uma

    sociedade de anarquistas cheia de virtude, onde nenhum conflito sobre propsitos finais tem

    lugar, problemas polticos, por exemplo, problemas constitucionais ou legislativos, podem

    ainda surgir. Mas esta objeo se apia em um erro. Onde as finalidades so assentadas, as

    nicas questes restantes so aquelas sobre os meios, e essas no so polticas, mas tcnicas,

    isto , capazes de serem resolvidas por especialistas ou mquinas, como as discusses entre

    engenheiros e mdicos. por isso que aqueles que colocam sua f em algo maior, fenmenosque transformam o mundo, como o triunfo final ou razo da revoluo proletria, devem

    acreditar que todos os problemas polticos e morais podem, desse modo, ser transformados

    em problemas tecnolgicos. Esse o significado da frase famosa de Engels (parafraseando

    Santo Simon) sobre substituir o governo das pessoas pela administrao das coisas, e as

    profecias marxistas sobre o definhamento do Estado e o comeo da verdadeira histria da

    humanidade. Tal perspectiva chamada utpica por aqueles que especulam que essa perfeita

    harmonia social um jogo de fantasia ociosa. No obstante, um visitante de Marte para

    qualquer Universidade Britnica ou Americanahoje pode ser perdoado se ele sustentar a

    impresso de que seus membros vivem em algo muito parecido com esse estado muito

    inocente e idlico, por toda a ateno sria que dada aos problemas fundamentais da polticapelos filsofos profissionais.

    Ainda assim isso ao mesmo tempo surpreendente e perigoso. Surpreendente por

    que, talvez, nunca tenha havido um tempo na histria em que numero to grande de seres

    humanos, em ambos, Oriente e Ocidente, tivessem suas noes, e suas vidas, to

    profundamente alterados, e em alguns casos violentamente perturbadas, por se segurarem

    fanaticamente doutrinas sociais e polticas. Perigoso, por que, quando idias so

    negligenciadas por aqueles que devem atend-las isto , aqueles que foram treinados para

    pensar criticamente sobre idias elas algumas vezes adquirem uma dinmica desenfreada e

    um poder irresistvel sobre multides de homens que podem se tornar violentos demais paraserem afetados pela critica racional. H mais de um sculo atrs, o poeta alemo Heine alertou

    os franceses para no subestimarem o poder das idias: conceitos filosficos nutridos na

    quietude do escritrio de um professor podiam destruir uma civilizao. Ele falou sobre A

    Critica da Razo Pura de Kant como a espada com que o desmo alemo tinha sido decapitado,

    e descreveu as palavras de Rousseau como a arma manchada de sangue a qual, nas mos de

    Robespierre, se destruiu o antigo regime; e profetizou que o destino romntico de Fitche e

    Schelling um dia se tornaria, com efeitos terrveis, pelos seguidores alemes fanticos, contra a

    cultura liberal do Ocidente. Os fatos no desmentiram essas predies inteiramente; mas, se

    professores podem verdadeiramente empunhar esse poder fatal, no devem ser apenas os

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    outros professores, ou pelo menos, outros pensadores (e no o governo ou comits do

    congresso) que podem desarm-los?

    Nossos filsofos parecem estranhamente ignorantes desses fatos devastadores de

    suas atividades. Pode ser que intoxicados por suas realizaes magnficas nos reinos mais

    abstratos, os melhores entre eles olham com desdm sobre o campo onde descobertasracionais so menos provveis de serem feitas, e o talento por anlises pormenores so menos

    provveis de serem recompensado. Ainda, apesar de todos os esforos para separ-los,

    conduzidos por um pedantismo escolar cego, a poltica tem permanecido indissoluvelmente

    entrelaada a qualquer outra forma de investigao filosfica. Negligenciar o campo do

    pensamento polticos, porque sua matria instvel, com suas margens desfocadas, no

    capturada por conceitos fixos, modelos abstratos e instrumentos adequados para a lgica ou

    anlise lingsticaa exigir uma unidade de mtodos na filosofia, e rejeitar qualquer que seja

    o mtodo que no possa ser manuseado com sucesso meramente permitir-se ficar a merc

    das crenas polticas primitivas e no criticadas. Apenas um materialismo histrico muito

    vulgar nega o poder das idias, e diz que as idias so apenas interesses materiais disfarados.

    Pode ser que, sem a presso das foras sociais, idias polticas so natimortos: o que certo

    que essas foras, a menos que revestidas em idias, se mantm cegas e sem direo.

    A Teoria Poltica um ramo da filosofia moral que comea com a descoberta ou

    aplicao de noes morais na esfera das relaes polticas. No quero dizer, como creio que

    alguns Filsofos Idealistas podem ter acreditado, que todos os movimentos histricos ou

    conflitos entre humanos so reduzveis a movimentos ou conflitos de idias ou foras

    espirituais, ou at mesmo que eles so efeitos (ou aspectos) destes. Mas eu quero dizer que

    para entender tais movimentos ou conflitos , acima de tudo, entender as idias ou atitudes

    das vidas envolvidas neles, o que sozinho faz esses movimentos parte da histria humana, e

    no meramente eventos naturais. Palavras polticas, noes e atos no so inteligveis, salvo

    no contexto dos problemas que dividem os homens que os usam. Conseqentemente nossa

    prpria atitude e atividades so provveis a permanecer obscuras para ns, a menos que ns

    entendamos os problemas dominantes de nosso prprio mundo. O mais importante disso a

    guerra declarada que tem sido lutada entre dois sistemas de idias que do diferentes e

    conflitantes respostas para o que tem sido por muito tempo a questo central da poltica a

    questo da obedincia e coero. Por que eu (ou qualquer pessoa) deveria obedecer outros?

    Por que eu no deveria viver como desejo? Devo obedecer? Se desobedecer, serei coagido?

    Por quem e em qual grau, e no nome de que, e pro bem de que?

    Mediante as respostas para essas questes dos limites admissveis de coero pontos

    de vistas opostos so mantidos no mundo de hoje, cada um alegando a fidelidade de um

    grande numero de homens. Parece a mim, portanto, que qualquer aspecto dessa questo

    digno de exame.

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    Coagir um homem priv-lo da liberdadeliberdade de que? Quase todo moralista na

    histria humana elogia a liberdade. Como a felicidade e a bondade, como a natureza e a

    realidade, liberdade um termo cujo significado to poroso que h poucas interpretaes a

    que capaz de resistir. No proponho discutir nem a histria dessa palavra prtea nem seus

    mais de duzentos sentidos registrados por historiadores de idias. Proponho examinar no

    mais que dois desses sentidos mas eles so sentidos centrais, com uma grande quantidade

    de historia humana por trs, e, se me ousar a dizer, ainda por vir. O primeiro desses sentidos

    polticos de freedom ou liberty (usarei ambas para dizer o mesmo), que (seguindo muitos

    precedentes) vou chamar sentido negativo est envolvido na resposta pergunta Qual a

    rea em que o sujeito uma pessoa ou um grupo de pessoas ou deve ser deixado para

    fazer ou ser o que ele capaz de fazer ou ser sem interferncia de outras pessoas? O

    segundo, que devo chamar de sentido positivo envolve a resposta da pergunta Qual ou

    quem a referncia de controle e interferncia que pode determinar algum a fazer ou serisso ao invs daquilo? As duas questes so claramente diferentes, apesar de as respostas

    para elas talvez coincidirem.

    I

    A noo da liberdade negativa.

    Normalmente me dito para ser livre no grau em que nenhum homem ou corpo de

    homem interfira em minhas atividades. Liberdade Poltica nesse sentido simplesmente a rea

    em que cada homem pode agir desobstrudo por outros. Se sou impedido por outros de fazer

    algo que eu poderia, caso contrrio, fazer, sou naquele grau sem liberdade; e se essa rea

    contrada por outro homem alm de um certo mnimo, posso ser descrito como sendo

    coagido, ou, talvez, escravizado. Coero no , de qualquer forma, um termo que cobre toda

    forma de inabilidade. Se digo que no sou capaz de pular mais que dez ps no ar, ou que no

    posso ler, pois sou cego, ou no consigo entender pginas negras de Hegel, seria excntrico

    dizer que sou naquele grau coagido ou escravizado. Coao implica na interferncia deliberada

    de outros seres humanos em uma rea em que eu agiria de outra forma. Voc tem falta deliberdade poltica ou liberdade apenas se for impedido de atingir um objetivo por um ser

    humano. Mera incapacidade de se atingir um objetivo no falta de liberdade poltica. Isso

    trazido pelo uso de tais expresses modernas como liberdade econmica e sua

    contrapartida escravido econmica. discutido, muito plausivelmente, que se um homem

    muito pobre para obter algo em que no haja banimento legal po, uma viagem ao redor do

    mundo, recurso corte legal ele to livre para ter tais coisas quanto seria se elas fossem

    proibidas a ele pela lei. Se minha pobreza fosse um tipo de doena que me impedisse de

    compra um po, ou pagar uma viagem ao redor do mundo, ou ter meu caso ouvido, como

    claudicao me impede de correr, essa inabilidade no seria naturalmente descrita como falta

    de liberdade, muito menos falta de liberdade poltica. apenas devido a minha crena queminha inabilidade de ter tal coisa devida ao fato de que outro ser humano tomou

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    previdncias por meio de que eu sou, enquanto outros no so, impedido de ter dinheiro

    suficiente para pagar por isso, acredito que sou vitima de escravido ou coero. Em outras

    palavras, o uso do termo depende numa teoria particular social e econmica sobre as causas

    de minha pobreza ou fraqueza. Se minha falta de bens materiais reflete minha falta de

    capacidade mental ou fsica ento comeo a falar sobre ser privado de liberdade (e no

    simplesmente sobre pobreza) apenas se eu aceitar a teoria. Se, em adio, eu acreditar que

    estou sendo mantido em desejo por um acordo especfico que considero injusto ou desleal,

    falo de escravido econmica ou opresso. A natureza das coisas no nos enlouquece, apenas

    m vontade o faz, disse Rousseau. O critrio de opresso parte do que eu acredito ser o jogo

    jogado por outros seres humanos, direta ou indiretamente, com ou sem inteno de faz-lo,

    onde meus desejos so frustrados. Por ser livre, nesse sentido, quero dizer no sofrer

    interferncia dos outros. Quo maior a rea de no interferncia, maior minha liberdade.

    Isso o que queriam dizer os filsofos polticos clssicos ingleses quando usaram essa

    palavra. Eles discordavam sobre quo grande deveria ser essa rea. Supunham que a rea no

    podia, como as coisas eram, ser ilimitada, por que se fosse, entrar-se-ia num estado no qual

    homens poderiam, sem limites, interferir com outros homens; e esse tipo de liberdade

    natural levaria ao caos social no qual as mnimas necessidades dos homens no seriam

    satisfeitas; ou ento a liberdade dos fracos seria suprimida pelos fortes. Por que perceberam

    que os propsitos e atividades humanas no se harmonizam automaticamente uns com os

    outros e por isso (independente de suas doutrinas oficiais) eles colocaram grande valor em

    outros objetivos, tais como justia, felicidade ou cultura, ou segurana, ou graus variados de

    igualdade, eles estavam preparados para reduzir a liberdade ante aos interesses de outros

    valores que eles acreditavam serem desejveis. Pois sem isso, era impossvel de se criar o tipo

    de associao que eles acreditavam desejvel. Conseqentemente, se assume que por essespensadores a rea de ao livre dos homens deve ser limitada pela lei. Mas, igualmente se

    assume, especialmente por tais libertrios como Locke e Mill na Inglaterra, e Constant e

    Tocquevilee na Frana, que deve existir certa rea mnima de liberdade pessoal que no deve,

    de forma alguma, ser violada, pois se ultrapassada, o individuo se encontrar em uma rea

    deveras estreita mesmo que para o mnimo desenvolvimento de suas faculdades naturais; o

    que por si s torna impossvel perseguir, e at mesmo conceber, os vrios fins aos quais os

    homens mantm bons ou certos ou sagrados. Segue-se que uma fronteira deve ser

    estabelecida entre a rea da vida privada e a da autoridade pblica. Onde deve ser

    estabelecida um problema de argumento, na verdade de barganha. Homens so

    amplamente interdependentes, e nenhuma atividade dos homens completamente privadaquanto a nunca obstruir as vidas dos outros de alguma forma. A liberdade dos peixes grandes

    a morte dos peixinhos; a liberdade de alguns deve depender da represso de outros. A

    liberdade para um professor de Oxford, outros so conhecidos por adicionar, uma coisa

    muito diferente da liberdade para um campons egpcio.

    A fora dessa proposio deriva de algo que , ambos, verdadeiro e importante, mas a

    frase se mantm um artifcio poltico. verdade que para oferecer direitos polticos, ou

    proteo contra a interveno do Estado, para homens meio-vestidos, iletrados, desnutridos

    ou doentes uma zombaria de sua condio; eles precisam de ajuda mdica ou educao

    antes que possam entender, ou fazer uso de um aumento em suas liberdades. O que liberdade para aqueles que no podem utiliz-la? Sem condies adequadas para o uso de

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    liberdade, qual o valor dela? Coisas principais vm na frente: h situaes nas quaispara usar

    um ditado atribudo satiricamente aos niilistas por Dostoivski botas so superiores a

    Puchkin; liberdade individual no a necessidade primria de todos. Pois liberdade no a

    mera falta de frustraes de qualquer tipo; isso inflaria o significado at que significasse muito

    ou muito pouco. Os camponeses egpcios precisam de roupas ou remdios antes, e mais que,

    liberdade pessoal, mas o mnimo de liberdade que ele necessita hoje, e o nvel mais alto que

    pode vir a precisar amanh, no uma espcie de liberdade peculiar para ele, mas idntica

    dos professores, artistas e milionrios.

    O que preocupa a conscincia dos Liberais do Ocidente , acredito, a crena, no de

    que a liberdade que o homem procura difere de acordo com suas condies econmicas e

    sociais, mas que a minoria que possui isso, ganhou-a atravs da explorao, ou pelo menos,

    evitando o olhar da vasta maioria que no a tem. Acreditam, com boas razes, que se a

    liberdade individual o final ultimo para os seres humanos, nenhum deveria ser privado dela

    pelos outros; muito menos que alguns deveriam experimentar dela a custos dos outros.

    Igualdade de liberdade; no tratar os outros como no gostaria que me tratassem;

    reembolsando meu dbito para aqueles que sozinhos tornaram possvel minha liberdade ou

    prosperidade ou esclarecimento; justia, em seu sentido mais simples e universal essas so

    as fundaes da moralidade liberal. Liberdade no o nico objetivo dos homens. Posso,

    como o crtico Russo Belinsky, dizer que se os outros so privados dela se meus irmos

    devem continuar na pobreza, misria e presos ento eu no quero a liberdade para mim

    mesmo, a rejeito com ambas as mos e prefiro infinitamente dividir de seus destinos. Mas

    nada se ganha pela confuso de termos. Para evitar a desigualdade gritante ou misria

    generalizada, estou pronto a sacrificar alguma, ou toda, minha liberdade. Posso faz-lo por

    vontade prpria e livremente; mas uma justia da qual estou desistindo pelo bem da justiaou igualdade ou amor por meus companheiros homens. Deveria ser atingido pela culpa, e com

    razo, se no estivesse em algumas circunstancias pronto para fazer tal sacrifcio. Mas um

    sacrifcio no um aumento no que est sendo sacrificado, nomeado liberdade, apesar da

    grande necessidade moral ou compensao por isso.

    Tudo o que : liberdade liberdade, no igualdade ou equidade ou justia ou

    cultura, ou felicidade humana ou uma conscincia tranqila. Se minha liberdade ou minha

    classe ou nao dependem da misria de um nmero de seres humanos, o sistema que a

    promove injusto e imoral. Mas, se me privo ou perco minha liberdade com objetivo de

    diminuir a vergonha de tamanha desigualdade, e desse modo no aumento materialmente aliberdade individual dos outros, uma perda absoluta de liberdade ocorre. Pode ser

    compensada por um ganho na justia ou na felicidade ou na paz, mas a perda da liberdade

    social ou econmica- aumentada. Ainda assim, se mantm verdade que a liberdade de

    alguns deve algumas vezes ser cortada para garantir a liberdade dos outros. Sobre que

    principio isso deveria ser feito? Se a liberdade um valor intocvel, sagrado, no pode existir

    tal principio. Uma ou outra regra ou princpio conflitante deve, de qualquer forma, na prtica,

    gritar mais alto: no por razes que podem ser claramente especificadas, muito menos

    generalizadas em regras ou mximas universais. Ainda assim, um compromisso prtico deve

    ser encontrado.

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    Filsofos com uma viso otimista da natureza humana e a crena na possibilidade de

    harmonia dos interesses humanos, como Locke ou Adam Smith, ou algumas vezes, Mill,

    acreditavam que a harmonia social e progresso eram compatveis com a reserva de grandes

    reas de vida privada superiores que nem o Estado ou nenhuma outra autoridade deveria ser

    permitido ultrapassar. Hobbes, e aqueles que acreditavam nele, especialmente pensadores

    conservadores ou reacionrios, discutiam que se fosse para os homens serem impedidos de

    destrurem uns aos outros e fazerem da vida social uma selva ou selvageria, protees maiores

    deveriam ser institudas para mant-los em seus lugares; ele desejava correspondentemente

    aumentar a rea de controle centralizado e diminuir a do individuo. Mas ambos os lados

    acreditavam que alguma poro da existncia humana deveria se manter independente da

    atmosfera do controle social. A invaso dessa preservao, mesmo que pequena, seria

    despotismo. O mais eloqente de todos os defensores da liberdade e privacidade, Benjamin

    Constant, que no esqueceu a ditadura Jacobina, declarou que no mnimo as liberdade de

    religio, opinio, expresso, propriedade deveriam ser garantidas contra invases arbitrarias.

    Jefferson, Burke, Paine, Mill compilaram diferentes catlogos de liberdade individual, mas adiscusso de manter a autoridade sob controle sempre substancialmente a mesma. Ns

    devemos preservar uma rea mnima de liberdade pessoal se no queremos degradar ou

    negar nossa natureza. No podemos permanecer absolutamente livres, e devemos desistir de

    alguma de nossa liberdade para preservar o resto. Mas rendimento total autodestrutivo.

    Qual ento deve ser o mnimo? Aquele que o homem no deve desistir sem ofender a essncia

    de sua natureza humana. Qual essa essncia? Quais os padres que contempla? Esse tem

    sido, e talvez sempre seja, um problema de debate infinito. Mas qualquer que seja o principio

    em que a rea de no interferncia deve ser desenhada, se aquele sobre lei natural ou

    direito natural, ou utilidade ou pronunciamentos de imperativos categricos, ou a santidade

    do contrato social ou qualquer outro conceito com o qual homens procuraram clarificar oujustificar suas convices, liberdade nesse sentido significa de, falta de interferncia alm,

    deslocamento, mas sempre reconhecvel limite. A nica liberdade que merece esse nome,

    aquela que busca nosso prprio bem de nosso prprio jeito, disse o campeo mais celebrado.

    Se assim, a compulso pode alguma vez ser justificada? Mill no tinha duvidas que sim. J

    que justia demanda que todos os indivduos tenham direito ao mnimo de liberdade, todos os

    outros indivduos tm necessidade de ser impedidos, se no por fora, privando qualquer um

    dela. Na verdade, a funo da lei era a preveno de que eu fizesse tais colises: o Estado era

    reduzido ao que Lassale desdenhosamente descreveu como as funes do guarda noturno ou

    policial de trfico.

    O que faz a proteo da liberdade individual to sagrada Mill? Em seu artigo famoso

    ele declara que, a menos que o individuo seja deixado para viver como deseja em a parte *de

    sua conduta] que diz respeito meramente a ele mesmo, civilizaes no podem avanar; a

    verdade no vai, por falta de mercado livre de idias, vir tona; no haver espao para

    espontaneidade, originalidade, gnios, para energia mental, para coragem moral. A sociedade

    ser esmagada pelo peso da mediocridade coletiva. O que for rico e diversificado ser

    esmagado pelo peso do costume, pela constante tendncia dos homens conformidade, que

    gera apenas capacidades murchas, homens apertados e ofuscados, comprimidos e

    inflexveis A auto-afirmao pag to digna quanto a autonegao crist. Todos os erros

    que [um homem] susceptvel de cometer contra conselho e advertncia, so compensados

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    pelo mal de permitir outros, para obrigar os outros ao que consideram seu bem. A defesa da

    liberdade consiste no objetivo negativo de afastar interferncias. Ameaar um homem com

    perseguio a menos que ele se submeta a uma vida na qual ele no exerce escolha alguma

    em seus objetivos; Bloquear em sua frente todas as portas exceto uma, no importa qual

    nobre a perspectiva em que se abre, ou quo benevolente so os motivos daqueles que

    organizam isso, pecar contra a verdade que ele um homem, um ser com uma vida prpria

    para viver. Isto a liberdade como foi concebida pelos liberais no mundo moderno dos dias de

    Erasmus (alguns diriam Occam) at os nossos. Cada pedido de liberdades civis e direitos

    individuais, todo protesto contra a explorao e humilhao, contra a invaso da autoridade

    pblica, ou a hipnose em massa do costume ou propaganda organizada, surgem dessa

    concepo individualista e muito disputada do homem.

    Trs fatos sobre esta posio podem ser notados. Em primeiro lugar, Mill confunde

    duas noes distintas. Uma que toda coero , na medida em que frustra os desejos

    humanos, ms como tal, embora possa ter de ser aplicada para evitar outros males maiores;

    enquanto a no interferncia, que o oposto de coero, boa como tal, embora no seja o

    nico bem. Esta uma concepo negativa da liberdade em sua forma clssica. A outra que

    os homens devem procurar descobrir a verdade, ou para desenvolver certo tipo de

    personagem que Mill aprovou critico, original, imaginativo, independente, no-conformado

    ao ponto de excentricidade, e assim por diante e que a verdade pode ser encontrada, e que

    tal personagem pode ser criado, apenas em condies de liberdade. Ambas essas vises so

    vises liberais. Mas elas no so idnticas, e a conexo entre elas , na melhor das hipteses,

    emprica. Ningum diria que verdade ou liberdade de expresso poderiam florescer onde o

    dogma esmagasse todos os pensamentos. Mas, a prova da histria tende a mostrar (como,

    alis, foi defendido por James Stephen em seu ataque formidvel Mill em seu Liberdade,Igualdade, Fraternidade) que integridade, amor pela verdade e pelo individualismo crescem

    pelo menos to freqentemente em comunidades severamente disciplinadas, entre, por

    exemplo, os Calvinistas puritanos da Esccia ou Nova Inglaterra, ou sob a disciplina militar,

    como nas sociedades mais tolerantes e indiferentes, e se assim, o argumento de Mill para a

    liberdade como uma condio necessria para o crescimento da genialidade humana cai por

    cho. Se seus objetivos se mostrassem incompatveis, Mill seria forado por um dilema cruel,

    independentemente das novas dificuldades criadas pela inconscincia de suas doutrinas com

    utilitarismo estrito, mesmo em sua verso humana delas.

    Em segundo lugar, a doutrina relativamente moderna. No parece haver qualquerdiscusso sobre liberdade individual como ideal poltico consciente (ao contrrio de sua

    existncia atual) no mundo antigo. Condorcet j havia observado que a noo de direitos

    individuais estava ausente das concepes jurdicas dos romanos e gregos. O que parece

    assegurar a igualdade aos judeus, chineses e todas as civilizaes antigas que, desde ento

    vieram luz. O domnio deste ideal tem sido a exceo e no a regra, mesmo na histria

    recente do Ocidente. Nem a liberdade, nesse sentido, regularmente incitou um grito de guerra

    para as grandes massas de seres humanos. O desejo de no ser usurpado, para ser deixado por

    si s, tem sido a marca das civilizaes em parte de ambos, indivduos e comunidades. O

    sentido de privacidade em si, da rea das relaes pessoais como sagrada como seu prprio

    direito deriva do conceito de liberdade que, por todas suas razes religiosas, dificilmente mais

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    velha em seu estado desenvolvido, que o Renascimento ou a Reforma. No entanto, seu

    declnio marca a morte da civilizao, de toda uma perspectiva moral.

    A terceira caracterstica dessa noo de liberdade sua maior importncia. que a

    liberdade nesse sentido no incompatvel com alguns tipos de autocracia, ou de qualquer

    forma com a falta de um auto-governo. Liberdade, nesse sentido a preocupao principalcom a rea de controle, no com sua fonte. Assim como a democracia pode, de fato, privar o

    cidado de um grande nmero de liberdades que ele poderia ter em alguma outra forma de

    sociedade, por isso perfeitamente concebvel que um dspota de mente liberal permita que

    seus sditos tenham grande liberdade pessoal. O dspota que deixa a seus sditos uma grande

    rea de liberdade pessoal pode ser injusto, ou incentivar as mais selvagens desigualdades,

    talvez se importe pouco pela ordem, ou virtude, ou conhecimento; mas se ele no cobe suas

    liberdades, ou pelo menos, se os restringe menos que outros regimes, ele cumpre as

    especificaes de Mill.

    Liberdade, neste sentido, no , em todo caso, logicamente, conectada comdemocracia ou autogoverno. Autogovernos podem, em conjunto, proporcionar uma melhor

    garantia de liberdades civis que outros regimes, e tm sido defendidos desse modo por

    libertrios. Mas no h, necessariamente, conexo entre liberdade individual e a regra

    democrtica. A resposta pergunta: Quem me governa? logicamente diferente da questo:

    Quo longe o governo interfere comigo? nessa diferena que o grande contraste entre os

    dois conceitos de liberdade negativa e positiva, no final, consiste. J que o sentido de liberdade

    positiva vem luz se tentarmos responder a pergunta, no que sou livre para fazer ou ser?

    mas Por quem sou governado? ou Quem pode dizer o que posso ser ou fazer? A conexo

    entre democracia e liberdade individual muito mais tnue que pareceu aos defensores de

    ambos. O desejo de ser governado por mim mesmo, ou de qualquer forma, de participar no

    processo pelo qual minha vida controlada, pode ser um desejo to profundo quanto aquele

    pela rea de ao, e talvez, historicamente mais velho. Mas no um desejo pela mesma

    coisa. To diferente que so, na verdade, que podem ter levado ao grande choque de

    ideologias que domina nosso mundo. Pois, a concepo positiva de liberdade, no liberdade

    de, mas liberdade para para liderar uma forma prescrita de vida o que os adeptos da

    negativa representam como sendo, s vezes, nada melhor que um disfarce capcioso de

    tirania brutal.

    II

    A noo de liberdade positiva

    O sentido positivo da palavra liberdade deriva do desejo da parte do individuo de ser

    seu prprio mestre. Desejo que minha vida e minhas decises dependam de mim, no de

    foras externas de forma nenhuma. Desejo ser meu prprio instrumento, no dos atos ou

    vontades dos outros homens. Desejo ser sujeito, no objeto; ser movido por razes, por

    propsitos conscientes, que so meus, no por causas que me afetem de fora. Desejo ser

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    algum, no ningum; um fazedor decidindo, no sendo decidido para auto dirigido e no

    influenciado por natureza externa ou por outros homens como seu eu fosse uma coisa, ou um

    animal, ou um escravo incapaz de atuar num papel de humano, isto , de conceber metas e

    polticas prprias minhas e realiz-las. Isto pelo menos parte do que eu quero dizer quando

    falo que sou racional, e que essa a razo que me distingue como ser humano do resto do

    mundo. Desejo, acima de tudo, ter conscincia de mim mesmo como um pensador, disposto,

    ativo, tendo responsabilidades por minhas escolhas e capaz de explic-las por referncias s

    minhas prprias idias e propsitos. Sinto-me livre no grau que acredito ser verdade, e

    escravizado no grau que sou feito para perceber que no .

    A liberdade que consiste em ser mestre de si mesmo, e a liberdade que consiste em

    no ser impedido de escolher o eu fao aos outros homens, pode, em face disso, parecer um

    conceito sem grande noo negativa de liberdade, historicamente desenvolvidas em direes

    divergentes, no sempre logicamente em passos respeitveis, at que, no final, elas vm em

    direo uma da outra e entram em conflito.

    Um modo de deixar isso claro em termos de quantidade independente de

    movimento que inicialmente, talvez uma metfora bastante inofensiva, de autodomnio

    adquirido. Sou meu prprio mestre; No sou escravo dos homens; Mas posso eu (como os

    Platonistas ou Hegelianos tendem a dizer) no ser escravo da natureza? Ou das minhas

    prprias paixes desenfreadas? No so essas muitas espcies de escravo alguns polticos

    ou legais, outros morais ou espirituais? Os homens no tiveram a experincia de se libertar da

    escravido espiritual, ou escravido natureza, e eles no se tornaram conscientes disso no

    curso, por um lado, de um eu que domina, e por outro, de algo neles que trazido para o

    restante? Esse eu dominante , ento, por alguns, identificado com razo, como minha

    natureza superior com o eu que calcula e que visa o que ir satisfazer em longo prazo, com

    meu eu real, ou ideal, ou autnomo, ou com meu eu em seu melhor; o que depois

    contrastado com impulsos irracionais, desejos incontrolveis, minha natura mais baixa, a

    procura de prazeres imediatos, meu eu emprico e heternomo , varrido por cada rajada de

    desejo e paixo, necessitando ser rigidamente disciplinado se para se elevar para a altura

    completa de sua natureza real. Presentemente os dois eus podem ser representados como

    divididos por um grande hiato; o eu real pode ser concebido como algo mais selvagem que o

    individuo (como o termo entendido normalmente), como um todo social do qual o

    individuo um elemento ou aspecto: uma tribo, um Igreja, um Estado, a grande sociedade dos

    vivos e dos mortos e os ainda no nascidos. Esta entidade ento identificada como sendo overdadeiro eu que, por impor sua coletividade, ou orgnico, vontade prpria sobre os

    membros recalcitrantes, atinge sua prpria e, portanto, a liberdade superior deles. Os

    perigos de usar metforas orgnicas para justificar a coero de alguns homens por outros a

    fim de elev-los ao nvel mais alto de liberdade foram muitas vezes apontados. Mas, o que d

    tal plausibilidade como h nesse tipo de linguagem que ns reconhecemos que possvel, e

    s vezes justificvel, coagir homens em nome de algum objetivo (deixe-nos dizer, justia ou

    sade pblica) que eles iriam, se fossem mais esclarecidos, exercerem eles mesmos, mas no o

    fazem, pois so cegos, ignorantes ou corruptos. Isso torna mais fcil para mim conceber-me a

    coagir outros para seu prprio bem, por eles, no por mim, j que no resistiriam a mim se

    fossem racionais e sbios como eu e entendessem seus prprios interesses como eu entendo.Mas posso continuar e argumentar um pouco mais que isso. Posso declarar que eles esto na

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    verdade apontando para o que em seu estado ignorante eles resistem conscientemente, por

    que existe dentro deles uma entidade oculta seus desejos racionais latentes, ou o

    verdadeiro propsito deles e que essa entidade, embora seja desmentida por tudo que eles

    sentem e fazem abertamente, o eu real deles, sobre o qual o eu emprico pobre no espao

    e tempo pode saber muito pouco ou nada a respeito; e esse esprito interior o nico que

    merece ter seus desejos levados em conta. Uma vez que eu tome este ponto de vista, estou

    em posio de ignorar os desejos verdadeiros dos homens e das sociedades. Para intimidar,

    oprimir, torturar em nome, e em beneficio, do eu real deles. Com a certeza de qual o

    verdadeiro objetivo dos homens (felicidade, dever, sabedoria, uma sociedade justa e auto-

    realizao) devem ser idnticos sua liberdade a livre escolha de seu eu verdadeiro,

    embora seu eu muitas vezes submerso e inarticulado.

    Esse paradoxo tem sido freqentemente exposto. uma coisa dizer que eu sei o que

    bom para X enquanto ele prprio no sabe; e at mesmo ignorar seus desejos para seu prprio

    bem; e outra bem diferente dizer que ele eo ipso escolheu isso, no conscientemente, no

    como ele faz todo dia em sua vida, mas em seu papel como um eu racional do qual seu eu

    emprico no tem conhecimento o eu real que distingue bem, e no pode escolh-lo

    quando revelado. Essa representao monstruosa, que consiste em equacionar o que X

    escolheria se fosse algo que ele no , ou pelo menos no ainda, com o que X realmente

    procura e escolhe, o corao de todas as teorias polticas de auto-realizao. uma coisa

    dizer que eu posso ser coagido para meu prprio bem, que sou muito cego para enxergar: isso

    pode, na ocasio ser para meu benefcio; na verdade, pode alargar o mbito de minha

    liberdade. Outra dizer que se para meu bem, ento no estou sendo coagido, pois eu havia

    desejado isso, independente seu eu sabia ou no. E eu sou livre (ou verdadeiramente livre)

    mesmo enquanto meu pobre corpo terreno e minha mente tola rejeitam isso, e lutam comogrande desespero contra aqueles que buscam, mesmo que benevolentes, me imporem isso.

    Essa transformao mgica, ou por passe de mgica (pela qual William James to

    justamente zombou dos Hegelianos), pode sem dvidas ser perpetradas com a mesma

    facilidade com o conceito negativo de liberdade, na qual o eu com que no se deveria

    interferir no mais um individuo com desejos e necessidades reais como so normalmente

    concebidos, mas o homem real dentro identificado com a procura de algum propsito ideal

    no sonhado por seu eu emprico. E, como no caso o eu positivamente livre, essa entidade

    pode ser inflada em alguma entidade super-pessoal um Estado, uma classe, uma nao, ou

    mesmo a prpria marcha histrica. Mas a concepo positiva de liberdade como mestre de simesmo, que sugere um homem dividido contra si mesmo, tem em fato, e por questo

    histrica, de doutrina e prtica, que faz mais fcil essa diviso da personalidade em duas: o

    transcendente, controle dominante e o feixe emprico de desejos e paixes serem

    disciplinado. esse fato histrico que tem sido influente. Demonstra (se demonstraes de

    fatos to bvios so necessrias) aquelas concepes de liberdade diretamente derivadas de

    vises do que constitui o eu, uma pessoa, um homem. Manipulao suficiente da definio de

    homem, e liberdade pode ser feita para significar o que quer que o manipulador deseje. A

    histria recente tornou bem claro que a questo no meramente acadmica.

    As conseqncias da distino entre dois eus se tornaro ainda mais claras se algumconsiderar as duas principais formas de desejos auto-dirigidas dirigidas pela verdadeiro eu

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    de algumque foram historicamente tomadas: a primeira, de autonegao, a fim de alcanar

    independncia, a segunda, de auto-realizao, ou auto-identificao total com um princpio

    especfico ou ideal a fim de atingir o mesmssimo fim.

    III

    O retiro para a cidadela interior

    Sou possuidor de razo e vontade. Eu concebo fins e desejo atingi-los; mas, eu sou

    impedido de atingi-los, no me sinto mais mestre da situao. Posso ser impedido pelas leis da

    natureza, ou por acidentes, atividades dos homens, ou efeito, muitas vezes involuntrio, das

    instituies humanas. Essas foras talvez sejam demais para mim. O que devo fazer para evitar

    de ser esmagado por elas? Devo me libertar dos desejos que sei que no posso realizar. Desejo

    ser o mestre do meu reino, mas minhas fronteiras so longas e inseguras, por isso eu os

    contrato a fim de eliminar a rea vulnervel. Comeo desejando felicidade, poder,

    conhecimento, ou a realizao de alguns objetivos especficos. Mas eu no posso comand-los.

    Escolho evitar a derrota e desperdcio e, portanto, decido no lutar por nada que no posso

    obter. Determino-me a no desejar o que inatingvel. O tirano me ameaa com a destruio

    de minha propriedade, com pena de priso, com o exlio ou a morte de pessoas que eu amo.

    Mas se no me sinto mais ligado a propriedade, no me importo mais se estou na priso, se

    matei dentro de mim meus afetos naturais, ento ele no pode me dobrar s suas vontades,

    pois tudo que me sobrou no subjugado a medos empricos ou desejos. como se eu tivesse

    executado um recuo estratgico em uma cidadela interiorminha razo, minha alma, meu eu

    numnico que faz o que pode, nem foras externas cegas, ou a maldade humana, podemtocar. Retirei-me para dentro de mim mesmo; l, e apenas l, estou seguro. como se eu

    dissesse: Tenho uma ferida em minha perna. H apenas dois mtodos de me libertar da dor.

    Um curar a ferida. Mas se a cura muito difcil e incerta, h outro mtodo. Posso me livrar

    da ferida cortando minha perna. Se me treinar a no querer nada para que a posse da minha

    perna seja indispensvel, no sentirei a falta dela. Esta a auto-emancipao dos ascetas e

    quietistas , sbios esticos e budistas, homens de vrias religies ou de nenhuma, que fugiram

    do mundo e escaparam do jugo da sociedade ou opinio pblica, por algum processo de auto-

    transformao deliberada que lhes permite no se importar mais para qualquer valor da

    sociedade, para permanecer isolados e independentes na borda dela, no mais vulnerveis s

    suas armas. Todos os isolamentos poltico, toda autarquia econmica, toda forma deautonomia, tem algum elemento dessa atitude. Elimino os obstculos em meu caminho

    abandonando meu caminho; eu recuo em minha prpria seita, minha prpria economia

    planejada, meu prprio territrio deliberadamente isolado, onde nenhuma voz do lado de fora

    precisa ser ouvida, e nenhuma fora externa pode ter efeito. Essa uma forma de busca por

    segurana; mas tambm tem sido chamada de busca por liberdade pessoal, nacional ou

    independncia.

    A partir dessa doutrina, e sua aplicao aos indivduos, no h uma grande distncia

    das concepes daqueles que, como Kant, identificaram a liberdade no de fato como a

    eliminao dos desejos, mas como a resistncia a eles, e controle sobre eles. Identifico-mecom o controlador e escapo da escravido do controlado. Sou livre por que, e na media que,

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    sou autnomo. Obedeo s leis, mas eu as impus, ou as encontrei, em meu prprio eu sem

    coao. Liberdade obedincia, mas nas palavras de Rousseau, obedincia a uma lei que

    prescrevemos a ns mesmos, e nenhum homem pode escravizar a si mesmo. Heteronomia a

    dependncia a fatores externos, a responsabilidade de ser um joguete do mundo externo que

    no posso controlar inteiramente, e que, portanto, me controla e escraviza. Sou livre apenas

    no grau em que minha pessoa no algemada por nada, que obedece foras sobre as quais

    eu no tenho controle algum; no posso controlar as leis da natureza; minha atividade livre

    deve, portanto, em hiptese ser levantada acima o mundo emprico da causalidade. Esse no

    o lugar para discutir a validade dessa doutrina antiga e famosa, eu s gostaria de salientar que

    as noes de liberdade como resistncia (ou fuga) aos desejos irrealizveis, e como

    independncia da esfera a causalidade, desempenham um papel central na poltica no menos

    do que na tica.

    Pois se a essncia dos homens que eles so seres autnomos autores de valores,

    de fins em si mesmos, a autoridade mxima que consiste precisamente no fato que tem

    vontade livre ento nada pior que trat-los como se no fossem seres autnomos, mas

    objetos naturais, joguetes de influencias casuais, criaturas merc de estmulos externos,

    cujas opes podem ser manipuladas por sues governantes, seja por ameaas de fora ou

    ofertas de recompensas. Tratar os homens dessa maneira trat-los como se no fossem

    auto-determinados. Ningum pode obrigar-me a ser feliz a sua prpria maneira, disse Kant. O

    paternalismo o maior despotismo imaginvel. assim, pois tratar os homens como se no

    fossem livres, mas material humano para mim, o reformador benevolente, mold-lo de acordo

    com meu prprio, no deles, propsitos adotados livremente. Isto , claro, precisamente a

    poltica que os primeiros utilitaristas recomendaram. Helvetius (e Bentham) acreditavam no

    em resistir, mas em usar, a tendncia dos homens de serem escravos de suas paixes; elesdesejavam balanar recompensas e punies em frente aos homens a forma mais

    indesejvel possvel de heteronomiase, isso quer dizer que os escravos pudessem ser mais

    felizes. Mas, para manipular os homens, para impulsion-los em direo s metas que voco

    reformador social v, mas que eles no vem, negar a essncia humana, ou engan-los,

    isto , para us-los como meios para meus, no deles prprios, fins concebidos

    independentemente, mesmo se for para o prprio benefcio deles, , com efeito, trat-los

    como sub-humanos, se comportar como se os fins deles so menos finais e sagrados que os

    meus. Em nome de que posso at mesmo me ver no direito de forar os homens a fazer o que

    eles no desejam ou concederam? Somente em nome de algum valor maior que eles mesmos.

    Mas se, como Kant props, todos os valores so feitos de tal forma pelos atos livres doshomens, e chamados de valores apenas se so assim, no h valor maior que o individual.

    Portanto, fazer isso coagir os homens em nome de algo menor e menos final que eles

    mesmos submet-los ao meu desejo, ou para o desejo de outrem de felicidade ou

    convenincia ou segurana ou oportunidade. Estou visando algo desejado (por qualquer

    motivo, no importando quo nobre) por mim ou meu grupo, para os quais estou usando

    outros homens como meios. Mas essa uma contradio do que sei que os homens so, ou

    seja, fins neles mesmos. Todas as formas de adulterao dos seres humanos, chegando a eles,

    moldando-os contra sua vontade ao seu prprio padro, todo pensamento de controle e

    condicionamento, so, portanto, uma negao daquilo nos homens que os fazem homens e de

    seus valores fundamentais.

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    O individuo livre de Kant um ser transcendente, alm do domnio da causalidade

    natural. Mas em sua forma emprica em que a noo de homem aquela da vida comum

    essa doutrina era o corao do humanismo liberal, tanto moral e politicamente, foi

    profundamente influenciado por Kant e Rousseau no sculo XVIII. uma verso a priori da

    forma de um Individualismo Protestante secularizado, em que o lugar de Deus tomado pela

    concepo de vida racional e o lugar da alma do individuo que tenciona no sentido da unio

    com ele substituda pela concepo do individuo, dotado de razo, esforando-se para ser

    governado pela razo e apenas razo, e depender de nada que possa desviar ou iludi-lo

    envolvendo sua natureza irracional. Autonomia, no heteronomia: agir e no que ajam atravs

    de voc.

    A noo de escravido das paixes para aqueles que pensam nesses termosmais

    que uma metfora. Poi, me livrar do medo, amor ou desejo de conformar me livrar do

    despotismo de algo que no posso controlar. Sfocles, quem Plato relata dizendo que apenas

    a velhice libertou da paixo do amor o jugo de um mestre cruel relatado como uma

    experincia to real como a da libertao de um tirano humano ou de um proprietrio de

    escravos. A experincia psicolgica de observar-me cedendo a algum impulso inferior, agindo

    por um motivo que no gosto, ou fazer algo que no momento que fao detesto, e refletir mais

    tarde que eu no era eu mesmo, ou no estava em controle de mim mesmo, quando fiz aquilo,

    pertence a essa forma de pensar e falar. Identifico a mim mesmo com meus momentos crticos

    e racionais. As conseqncias de meus atos podem no importar, pois no esto em meu

    controle; apenas meus motivos esto. Esse o credo do pensador solitrio que desafiou o

    mundo e se emancipou das cadeias de homens e coisas. Nessa forma a doutrina pode parecer

    primariamente um credo tico, e dificilmente poltico; no entanto, suas implicaes polticas

    so claras, e entra na tradio do individualismo liberal, pelo menos to profundamentequando o sentido negativo de liberdade.

    Talvez valha a pena observar que em sua forma individualista o conceito do sbio

    racional que escapou para a fortaleza interior de seu eu verdadeiro parece surgir quando o

    mundo externo se provou excepcionalmente rido, cruel ou injusto. Ele verdadeiramente

    livre, disse Rousseau, quem deseja o que pode executar, e faz o que deseja. Em um mundo

    em que o homem buscando felicidade, justia ou liberdade (em qualquer sentido) pode fazer

    pouco, por que acha muitas avenidas de ao bloqueadas para ele, a tentao de retirar-se

    para si mesmo pode tornar-se irresistvel. Pode ter sido assim na Grcia, onde o ideal Estico

    no pode ser totalmente desconectado com a queda das democracias independentes ante centralizada autocracia Macednia. Foi assim em Roma, por razes anlogas, aps o fim da

    Repblica. Surgiu na Alemanha no sculo XVII, durante o perodo da mais profunda

    degradao dos Estados Germnicos que se seguiu Guerra dos Trinta Anos, quando o carter

    da vida pblica, particularmente nos pequenos principados, forou aqueles que valorizavam a

    dignidade da vida humana, no pela primeira ou ultima vez, a uma espcie e emigrao

    interna. A doutrina que sustenta que o que no posso ter, devo ensinar-me a no querer, que

    um desejo eliminado, ou resistido com sucesso, to bom quanto um desejo satisfeito,

    sublime, mas me parece, inconfundivelmente, uma forma de doutrina de uvas verdes: sobre o

    que no posso ter certeza, no posso querer verdadeiramente.

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    Isto deixa claro por que minha definio de liberdade como a habilidade de fazer o que

    desejao que , com efeito, a definio adotada por Mill no vai ser possvel. Se descubro

    que posso fazer pouco ou nada do que desejo, preciso apenas contrair ou extinguir meus

    desejos, ento serei livre. Se o tirano (ou persuaso oculta) consegue a condio de seus

    sditos (ou clientes) em perder seus desejos originais e abraando (internalizando) a forma

    de vida que ele inventou para eles, ele ir, em sua definio, ter tido sucesso em libert-los.

    Ele ir, sem dvidas, t-los feito sentirem-se livres como Epicteto se sente mais livre que seu

    mestre (e se diz que o homem proverbial sentiu-se feliz na tortura). Mas o que ele criou a

    verdadeira anttese de liberdade poltica.

    A autonegao asctica pode ser fonte de integridade, serenidade ou fora espiritual,

    mas muito difcil de ver como pode ser chamada de uma ampliao da liberdade. Se me

    salvo de um adversrio recuando para dentro e trancando cada entrada e sada, posso estar

    mais livre do que se tivesse sido capturado por ele, mas sou mais do que se tivesse derrotado-

    o ou o capturado? Se vou longe demais, me contraio dentro de espaos muito pequenos, vou

    sufocar e morrer. A culminao lgica de destruir tudo atravs de que posso me machucar

    suicdio. Enquanto eu existir no mundo natural, nunca poderei estar inteiramente seguro.

    Liberao total nesse sentido (como Schopenhauer corretamente percebeu) conferida

    apenas pela morte.

    Encontro-me em um mundo no qual encontro obstculos para minha vontade. Aqueles

    que esto apegados ao conceito de liberdade negativa talvez possam ser perdoados caso

    acreditem que a autonegao no o nico mtodo de superar os obstculos, que tambm

    possvel faz-lo removendo-os: no caso de objetos no-humanos, por aes fsicas; no caso de

    resistncia humana, por fora ou persuaso. Como quando eu induzo algum a abrir espao

    para mim em seu carro, ou conquistar um pas que ameaa os interesses do meu. Tais atos

    talvez sejam injustos, podem envolver violncia, crueldade, a escravido dos outros, mas

    dificilmente pode ser negado que, desse modo, o agente capaz no sentido mais literal de

    aumentar sua prpria liberdade. uma ironia da histria que essa verdade seja repudiada por

    aqueles que a praticam com mais fora, homens que, mesmo quando conquistam poder e

    liberdade de ao, rejeitam o conceito negativo de liberdade em favor de sua contrapartida

    positiva. Seu ponto de vista dominamais da metade de nosso mundo; deixe-nos ver sobre

    que fundao metafsica descansa.

    IV

    Auto-realizao

    O nico mtodo verdadeiro de alcanar a liberdade, nos dito, pelo uso da razo

    critica, a compreenso do que necessrio e o que contingente. Se sou um estudante, todas

    menos as mais simples verdades matemticas intrometem-se como obstculos ao livre

    funcionamento de minha mente, como teoremas cuja necessidade no entendo; so ditos

    serem verdades por alguma autoridade externa, e se apresentam a mim como corpos

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    estranhos que esperam de mim que mecanicamente absorva em meu sistema. Mas quando eu

    entendo as funes dos smbolos, axiomas, as formas e regras de transformaoa lgica pela

    qual as concluses so obtidas e compreendo que essas coisas no podem ser obtidas de

    outra maneira, pois elas parecem seguir a partir de leis que governam o processo de minha

    prpria razo, ento as verdades matemticas no intrometem-se como entidades externas

    foradas sobre mim que devo receber independente de querer ou no, mas como algo que eu

    desejo livremente no curso do funcionamento natural de minha prpria atividade racional.

    Para o matemtico, a prova desses teoremas parte de seu livre exerccio de sua capacidade

    natural de raciocnio. Para o msico, depois de assimilar o padro da contagem do compositor,

    e fazer dos fins do compositor seus prprios, a reproduo da musica no obedincia s leis

    externas, uma compulso e barreira para a liberdade, mas um exerccio livre, desimpedido. O

    msico no ligado contagem como um boi ao arado, ou um trabalhado fabril maquina.

    Ele absorveu a contagem ao seu prprio sistema, teve, ao entend-la, identificado-a consigo

    mesmo, mudou de impedimento uma atividade livre em um elemento dessa atividade em si.

    O que se aplica musica ou matemtica deve, nos dito, em principio se aplicar todos osobstculos que se apresentam como ndulos de coisas externas bloqueando nosso auto-

    desenvolvimento. Esse o programa de racionalismo iluminista de Spinoza para as ultimas

    (algumas vezes inconscientes) disciplinas de Hegel. Sapere aude. O que voc sabe, aquilo que

    voc compreende a necessidade a necessidade racional voc no pode enquanto

    permanecendo racional, querer fazer o contrrio. Pois, querer que algo seja diferente do que

    deve ser , dadas as premissas, a necessidade de governar o mundo ser pro tanto ou

    ignorante ou irracional. Paixes, preconceitos, medos, neuroses, nascem da ignorncia, e

    tomam a forma de mitos e iluses. Ser governado por mitos, se eles brotam da imaginao

    vivida dos charlates inescrupulosos que nos enganam a fim de nos explorar, ou por causas

    psicolgicas ou sociolgicas, uma forma de heteronomia, de ser dominado por fatoresexterna, em uma direo, no necessariamente desejada pelo agente. Os cientistas

    deterministas do sculo XVIII supuseram que o estudo das cincias da natureza, e a criao das

    cincias da sociedade no mesmo modelo, fariam a operao de tais causas transparentemente

    claras, e assim, permitiriam indivduos a reconhecer sua prpria parte no funcionamento do

    mundo racional, frustrando apenas quando mal interpretada. O conhecimento liberta, como

    Epicuro ensinou h muito tempo, eliminando automaticamente os medos e desejos.

    Herder, Hegel e Marx substituram seus prprios modelos vitalistas da vida social pelos

    mais velhos, mecnicos, mas acreditaram no menos que seus adversrios, que entender o

    mundo ser livre. Eles meramente diferenciaram-se deles sublinhando o papel desempenhadopela mudana e crescimento no que faziam seres humanos serem humanos. A vida em

    sociedade no podia ser entendida por uma analogia retirada da matemtica ou da fsica.

    Deve-se tambm entender a histria, que so as leis peculiares do crescimento contnuo, quer

    seja por conflitos dialticos ou de outra forma, que governam os indivduos e grupos na sua

    interao uns com os outros e com a natureza. No entender isto , de acordo com esses

    pensadores, cair num tipo particular de erro, isto , a crena que a natureza humana

    esttica, que suas propriedades essenciais so as mesmas o tempo todo, que regida por leis

    naturais invariveis, sejam elas concebidas em termos teolgicos ou materialistas, o que

    implica no corolrio falacioso que um legislador sbio pode, em principio, criar uma sociedade

    perfeitamente harmoniosa em qualquer tempo com a educao e legislao apropriadas, por

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    que os homens racionais, em todas as pocas e pases, devem sempre exigir as mesmas

    satisfaes das mesmas necessidades inalterveis. Hegel acreditava que seus contemporneos

    (e de fato todos os seus antecessores) interpretaram erroneamente a natureza das instituies

    por que eles no entendiam as leis as leis racionalmente inteligveis, j que brotavam da

    operao da razoque criam e alteram as instituies e transformam o carter humano e a

    ao humana. Marx e seus discpulos sustentaram que o caminho dos seres humanos era

    obstrudo no apenas por foras naturais, ou imperfeies de seu prprio carter, mas, ainda

    mais, pelo funcionamento de suas instituies sociais, que eles tinham originalmente criado

    (nem sempre conscientemente) para certos propsitos, mas cujo funcionamento eles

    sistematicamente vieram a compreender mal, e que logo em seguida tornou-se obstculo para

    o progresso de seus criadores. Marx ofereceu hipteses sociais e econmicas para a

    considerao de tais mal entendidos, em particular da iluso de que esses arranjos feitos pelo

    homem fossem foras independentes, como leis inevitveis da natureza. Como exemplos de

    tais foras pseudo-objetivas, ele apontou para as leis de oferta e demanda, ou a instituio da

    propriedade, ou da eterna diviso da sociedade entre ricos e pobres, ou proprietrios etrabalhadores, como muitas categorias inalterveis. No at que ns tivssemos atingido um

    estagio que os feitios dessas iluses pudessem ser quebrados, isto , at que homens o

    suficiente atingissem o estagio que sozinho lhes permitisse entender que essas leis e

    instituies eram elas mesmas o trabalho das mentes humanas e mos, historicamente

    necessrias em seus dias, e depois confundidas com poderes objetivos, inexorveis, poderia o

    velho mundo ser destrudo, e substitudo por uma maquina social libertadora e mais

    adequada.

    Somos escravizados por dspotas, instituies, crenas ou neuroses, que podem ser

    removidas apenas atravs de analise e entendimento. Estamos presos por espritos malignosque ns mesmo temosembora no conscientementecriado, e que podem ser exorcizados

    apenas por mim ao me tornar consciente e agir apropriadamente: de fato, para Marx

    entendimento a ao apropriada, Sou livre se, e apenas se, planejo minha vida acordo com

    meu prprio desejo; planos implicam regras; uma regra no me oprime ou escraviza se eu a

    impor a mim mesmo conscientemente, ou a aceito livremente, tendo entendido-a, sendo ela

    criada por mim ou por outros, desde que seja racional, isto , em conformidade com a

    necessidade das coisas. Entender por que as coisas devem ser como elas devem ser desejar

    que sejam assim. Conhecimento liberta no ao nos oferecer mais possibilidades abertas entre

    as quais podemos fazer nossa escolha, mas por preservar-nos da frustrao de tentar o

    impossvel. Desejar que leis necessrias sejam outra coisa ao invs do que so ser a presa dedesejos irracionaisum desejo de que o que deve ser deveria tambm ser no-X. Para ir mais

    longe, e acreditar que essas leis so outra coisa do que o que necessariamente so ser louco.

    Esse o corao metafsico do racionalismo. A noo de liberdade contida nela no a

    concepo negativa de um campo (idealmente) semobstculos, um vcuo no qual nada me

    obstrui, mas a noo de auto-orientao ou autocontrole. Posso fazer o que quero comigo

    mesmo. Sou um ser racional; o que quer que possa demonstrar a mim mesmo como sendo

    necessrio, incapaz de ser diferente em uma sociedade racional isto , em uma sociedade

    dirigida por mentes racionais, na direo de metas as quais um ser racional faria eu no

    posso, sendo racional, desejar varrer do meu caminho. Eu assimilo isso em minha substancia

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    como fao com as leis da lgica, da matemtica, da qual eu nunca poderei ser frustrada, uma

    vez que no posso querer que seja diferente do que .

    Esta a doutrina positiva de libertao pela razo. Formas socializadas dela,

    largamente dspares e opostas uma a outra como so, esto no corao das crenas

    nacionalistas, comunistas, autoritaristas, e totalitaristas de nossos dias. Ela pode, no curso desua evoluo, desviar-se longe de suas amarras racionalistas. No entanto, desta liberdade

    que em democracias e em ditaduras se discute sobre, e por ela se luta, em muitas partes do

    mundo hoje. Sem tentar traar a evoluo histrica dessa idia, gostaria de comentar algumas

    de suas vicissitudes.

    V

    O templo de Sarastro

    Aqueles que acreditam em liberdade como auto-direo racional esto sujeitos, cedo

    ou tarde, a considerar como ela pode ser aplicada no apenas para a vida interior do homem,

    mas para suas relaes com os outros membros de sua sociedade. Mesmo os mais

    individualistas entre eles e Rousseau, Kant e Fichte certamente comearam como

    individualistasvieram em algum ponto a perguntar a si mesmo se a vida racional no apenas

    para o individuo, mas tambm para a sociedade, era possvel, e se sim, como se alcanava.

    Desejo ser livre como minha vontade racional (meu eu verdadeiro) comanda, mas os outros

    tambm devem ser. Como posso evitar colises com suas vontades? Onde a fronteira quefica entre meus (racionalmente determinados) direitos e o direito idntico dos outros? Pois se

    sou racional, no posso negar que o que certo para mim deve, pelas mesmas razes, ser

    certo para os outros que so racionais como eu. Um Estado Racional (ou livre) seria um Estado

    governado por tais leis as quais todos os homens aceitariam livremente; isto quer dizer, tais

    leis as quais eles prprios teriam promulgado se tivessem sido perguntados, como seres

    racionais, eles exigiriam; da as fronteiras seriam as quais todos os homens racionais

    considerassem certo serem as fronteiras para os seres racionais.

    Mas quem, de fato, deveria determinar quais so as fronteiras? Pensadores desse tipo

    discute, que se os problemas morais e polticos fossem genunos como certamente eram eles devem, em principio, serem solucionveis; isto quer dizer, deve haver um e apenas uma

    soluo para qualquer problema. Todas as verdades poderiam, em principio, ser descobertas

    por um pensador racional, e demonstrada to claramente que todos os outros homens no

    poderiam evitar aceit-la; na verdade, esse j era o caso, em grande medida, nas novas

    cincias naturais. Nesta hiptese, o problema da liberdade poltica seria solucionvel

    estabelecendo uma ordem justa que daria a cada homem toda a liberdade para a qual um ser

    racional tinha direito. Minha reivindicao por liberdade irrestrita pode a primeira vista no

    ser reconcilivel com minha igualmente inqualificvel reivindicao; mas essa soluo racional

    de um problema no pode colidir com a soluo igualmente verdadeira de outrem, pois duas

    verdades no podem ser logicamente incompatveis; portanto, uma ordem justa deve ser, em

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    principio, detectvel uma ordem na qual as regras fazem possvel solues corretas para

    todos os problemas possveis que podiam surgir na mesma. Esse estado, ideal, harmonioso das

    coisas das coisas s vezes imaginado como o Jardim do den antes da Queda do Homem, um

    den de onde fomos expulsos, mas pelo qual ainda estamos cheios de saudade; ou como a

    idade do ouro ainda antes de ns, na qual homens, tendo se tornado racional, no ser mais

    direcionado aos outros, ou alienar ou frustrar um ao outro. Nas sociedades existentes,

    justia e igualdade so ideais que ainda pedem alguma quantidade de coao, pois a elevao

    prematura dos controles sociais podem ter levado opresso dos mais fracos e mais estpidos

    por mais fortes, mais capazes ou mais inescrupulosos. Mas apenas a irracionalidade da parte

    dos homens (de acordo com essa doutrina) que os leva a desejar oprimir, explorar, ou

    humilhar uns aos outros. Homens racionais respeitaro o principio da razo, e no ter

    qualquer desejo de lutar ou dominar uns aos outros. O desejo de dominar ele mesmo um

    sintoma da irracionalidade, e pode ser explicado e curado pelos mtodos racionais. Spinoza

    oferece um tipo de explicao e remdio, Hegel outro, Marx um terceiro. Algumas das teorias

    podem, talvez, em algum grau, suplementar a outra, outras no so combinveis. Mas todaselas assumem que em uma sociedade de seres perfeitamente racionais o desejo de dominao

    estar ausente ou ineficaz. A existncia de, ou vontade de, oprimir ser o primeiro sintoma de

    que a soluo aos problemas da vida social no foi ainda alcanada.

    Isto pode ser colocado de outra forma. Liberdade autodomnio, a eliminao dos

    obstculos minha vontade, quaisquer que sejam esses obstculosa resistncia da natureza,

    minhas paixes desgovernadas, instituies irracionais, desejo ou comportamento oposto dos

    outros. A natureza eu posso, ao menos em principio, sempre moldar atravs de meios

    tcnicos, e moldar minha forma. Mas como eu devo tratar seres humanos recalcitrantes?

    Devo, se puder, impor minha vontade neles tambm, mold-los ao meu padro, dar papeispara eles em minha pea. Mas isso no ir significar que apenas eu sou livre enquanto eles so

    escravos? Ser assim se meu plano no tiver nada a ver com os desejos ou valores deles,

    apenas com os meus prprios. Mas se meu plano inteiramente racional, ir permitir o

    verdadeiro desenvolvimento de suas verdadeiras naturezas, a realizao de suas capacidades

    de decises racionais, por fazer o melhor de si como parte da realizao de meu prprio eu

    verdadeiro. Todas as solues verdadeiras para todos os problemas genunos devem ser

    compatveis:m mais que isso, devem caber em um nico conjunto; pois isso que significa

    cham-los todos racional e ao universo harmonioso. Cada homem tem seu carter especifico,

    habilidades, aspiraes, fins. Se eu entender quais so esses fins e naturezas, e como eles se

    relacionam uns com os outros, posso, ao menos em principio, se tiver o conhecimento e afora, satisfazer a eles todos, desde que a natureza e as questes sejam racionais. A

    racionalidade conhecer as coisas e pessoas pelo que so: no devo usar pedras para fazer

    violinos; ou fazer violinistas natos tocarem flauta. Se o universo governado pela razo, ento

    no haver necessidade para coero; uma vida planejada corretamente para todos ir

    coincidir com a plena liberdade a liberdade de auto-orientao racional para todos. Ser

    assim se, e apenas se, o plano for o verdadeiro plano o padro nico que sozinho atende as

    reivindicaes da razo. Suas regras sero regras prescritas pela razo: elas s parecero

    cansativas para aqueles cuja razo est adormecida, que no compreendem as verdadeiras

    necessidades de seus prprios eus reais. Assim que cada parte reconhecer e desempenhar

    seus papeis dados a eles pela razo a faculdade que entende sua verdadeira natureza e

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    discerne seus verdadeiros finsno poder haver conflito. Cada homem ser um ator liberto,

    auto-dirigido no drama csmico. Assim, Spinoza noz diz que crianas, apesar de serem

    coagidas, no so escravas pois obedecem ordens dadas em seus prprios interesses, e que o

    sujeito de uma comunidade verdadeira no escravo, pois o interesse comum inclui o dele

    prprio. Similarmente, Locke diz Onde no h lei no h liberdade, por que a lei racional a

    direo para os interesses adequados ou bem geral de um homem; e acrescenta que desde

    que a lei desse tipo o que nos cobre de pntanos e precipcios ele mal merece o nome de

    confinamento, e fala dos desejos de escapar disso como sendo formas irracionais de licena

    como brutais e assim por diante. Montesquieu, esquecendo seus momentos liberais, fala de

    liberdade poltica como sendo no permisso de fazer o que se quer, ou mesmo o que a lei

    permite, mas apenas o poder de fazer o que ns temos vontade o que Kant praticamente

    repete. Burke proclama o direito do individuo de ser contido em seu prprio interesse,

    porque o consentimento presumido de cada criatura racional em unssono com a ordem

    predisposta das coisas.

    A suposio comum desses pensadores (e de muitos outros escolsticos antes deles e

    Jacobinos e Comunistas depois deles) que os fins racionais de suas naturezas verdadeiras

    devem coincidir, ou se fazer que coincidam, apesar de quo violentamente nossos pobres,

    ignorantes, cheios de desejo, apaixonados, eu emprico possa chorar contra esse processo.

    Liberdade no liberdade de fazer o que irracional, ou estpido, ou errado. Forar o eu

    emprico no padro correto no tirania, mas liberao. Rousseau diz me que se abandonar

    livremente todas as partes de minha vida para a sociedade, eu crio uma entidade que, por que

    foi construda da igualdade de sacrifcio de todos os seus membros, no pode desejar

    machucar nenhum deles; em tal sociedade, somos informados, no pode ser interesse de

    ningum prejudicar aos outros. Ao dar a mim mesmo para todos, no me dou para ningum,e recebo de volta a mesma quantidade que perco, como nova fora suficiente para preservar

    meus novos ganhos. Kant nos diz que quando o individuo abandona inteiramente sua

    liberdade selvagem, sem leis, para encontr-la novamente, intacta, num estado de

    dependncia de acordo com a lei, essa por si s a verdadeira liberdade, pois essa

    dependncia meu prprio trabalho agindo como legislador. Liberdade, longe de ser

    incompatvel com a autoridade, se tona praticamente idntica a ela. Este o pensamento e a

    linguagem de todas as declaraes dos direitos do homem no sculo XVIII, e de todos aqueles

    que desejam uma sociedade como um projeto construdo de acordo com as leis racionais do

    legislador sbio, ou da natureza, ou da historia, ou do Ser Supremo. Bentham, quase sozinho,

    obstinadamente passou a repetir que o negcio das leis no era libertar, mas conter: toda lei uma infrao da liberdade mesmo se tal infrao conduz a um aumento do montante de

    liberdade. Se os pressupostos subjacentes tivessem sido corretos se o mtodo de resolver

    problemas sociais assemelhava-se a forma em que se encontram as solues para os

    problemas das cincias naturais, e se a razo fosse o que os racionalistas diziam que era tudo

    isso talvez se seguisse. No caso ideal, liberdade coincide com leis: autonomia com autoridade.

    Uma lei que me impede de fazer o que eu no poderia, como ser so, possivelmente desejar

    fazer no uma restrio de minha liberdade. Numa sociedade ideal, compostas de seres

    totalmente responsveis, regras, por que eu dificilmente seria consciente delas, gradualmente

    desapareceriam. Apenas um movimento social foi ousado o suficiente para deixar este

    pressuposto bastante explcito e aceitar suas conseqncias aquele dos Anarquistas. Mas

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    todas as formas de liberalismo fundadas na metafsica racionalista verses desse credo mais

    ou menos diludas.

    No devido tempo, os pensadores que inclinaram suas energias para a soluo do

    problema nessas linhas vieram a ser confrontados com a questo de como, na prtica, os

    homens seriam feitos racionais nessa forma. Certamente eles deveriam ser educados. Pois osignorantes so irracionais, heternomos, e precisam ser coagidos, apenas para tornar tolervel

    a vida para os racionais para que possam viver na mesma sociedade e no serem obrigados a

    se retirar para um deserto ou para alguma altura Olmpica. Mas do ignorante no se pode

    esperar que entenda ou coopere com o propsito de seus educadores. A educao, diz Fichte,

    deve inevitavelmente trabalhar de tal forma que que mais tarde voc entender as razes do

    que estou fazendo agora. No se pode esperar das crianas que entendam porque so

    obrigadas a ir a escola ou do ignorante que , no momento a maioria da humanidade por

    que eles so obrigados a entender as leis que os tornaro racionais. Compulso tambm um

    tipo de educao. Voc aprende a grande virtude da obedincia s pessoas superiores. Se

    voc no consegue entender seus prprios interesses como um ser racional, no pode esperar

    que te consultem, ou cumpram seus desejos, no curso de te fazer racional. Eu devo, no final, te

    forar a se proteger contra a varola, mesmo que voc no o deseje. At mesmo Mill est

    preparado para dizer que posso foradamente impedir um homem de atravessar uma ponte se

    no h tempo de alert-lo que ela est prestes a cair, pois eu sei, ou sou justificado a assumir,

    que ele no deseja cair na gua. Fichte sabe que um Alemo ignorante de seu tempo desejava

    ser ou fazer melhor que possivelmente poderia saber por si mesmo. O sbio te conhece

    melhor que voc se conhece, pois voc a vitima de suas paixes, um escravo vivendo uma

    vida heternoma, obtusa, incapaz de entender seu verdadeiro objetivo. Voc quer ser um ser

    humano. o dever do Estado satisfazer seu desejo. A compulso justificada pela educaopor discernimento futuro. A razo dentro de mim, se para triunfar, deve eliminar meus

    instintos inferiores, minhas paixes e meus desejos, que me tornam escravo. Similarmente (a

    transio fatal de conceitos individuais para sociais quase imperceptvel) os elementos mais

    elevados da sociedade o melhor educado, o mais racional, aqueles que possuem a maior

    percepo de seu tempo e das pessoas pode exercer compulso para racionalizar o setor

    irracional da sociedade. Pois assim Hegel, Bradley, Bosanquet freqentemente nos

    asseguraram ao obedecer o homem racional, ns obedecemos a ns mesmos: No de fato

    como estamos, afundados em nossa ignorncia e paixes, criaturas fracas afligidas por

    doenas que necessitam um curandeiro, barreiras que precisam de um guardio, mas como

    poderamos ser se fossemos racionais; como poderamos ser mesmo agora, se pelo menosouvssemos o elemento racional que , ex hyoithesi, dentro de cada ser humano que merece

    esse nome. Os filsofos de Razo Objetiva, do Estado duro, rigidamente centralizado de

    Fichte, ao liberalismo suave e humano de T.H. Green, certamente se supunham ser

    satisfatrios, e no resitentes, as exigncias racionais que, no importa quo incipiente, seriam

    encontradas no peito de cada ser senciente.

    Mas devo rejeitar to otimismo democrtico, e me afastar do determinismo ideolgico

    dos Hegelianos para alguma filosofia mais voluntria, conceber a idia de impor a minha

    sociedade para sua prpria melhoria um plano de minha autoria, que elaborei em meu

    conhecimento racional; e que, a menos que eu aja por conta prpria, talvez contra os desejospermanentes da maioria de meus companheiros cidados, pode nunca vir a se concretizar. Ou,

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    abandonando o conceito razo completamente, posso conceber eu mesmo como um artista

    inspirado, que molda homens sem seus padres na luz de sua viso nica, como pintores

    combinam cores e compositores os sons; a humanidade o material cru sobre o qual eu

    imponho minha vontade criativa; mesmo que homens sofram e morram no processo, eles so

    elevados a uma altura a qual nunca teriam subido sem minha coercivamas criativaviolao

    de suas vidas. Esse o argumento usado por cada ditador, inquisidor ou valento que procura

    alguma justificativa moral, mesmo esttica, para sua conduta. Devo fazer para os homens (ou

    com eles) o que eles no podem fazer por si mesmo, e eu no posso pedir sua permisso ou

    consentimento porque eles no esto em condio de saber o que melhor para eles; na

    verdade, o que ele permitiria ou aceitaria pode significar uma vida de mediocridade

    desprezvel, ou talvez at mesmo sua runa e suicdio. Permitam-me citar o verdadeiro

    progenitor da doutrina herica, Fichte, uma vez mais: Ningum tem direitos contra a razo.

    O homem tem medo de subordinar sua subjetividade s leis da razo. Ele prefere a tradio

    ou arbitrariedade. No entanto, ele deve ser subordinado. Fichte apresenta as alegaes do

    que ele chama razo; Napoleo, ou Carlyle, ou autoritrios romnticos talvez adorem outrosvalores, e vejam em seu estabelecimento pela fora o nico caminho para a verdadeira

    liberdade.

    A mesma atitude foi claramente expressa por Auguste Comte, que quando perguntado

    por que, se no permitimos liberdade de pensamento na qumica ou biolgica, ns deveramos

    permitir isso na moral ou na poltica. Por que, de fato? Se no faz sentido falar de verdades

    polticas afirmaes de fins sociais que todos os homens, porque so homens, devem, uma

    vez descobertas, concordar por assim ser; e se, como Comte acreditava, o mtodo cientifico ir

    no devido tempo revel-las, ento qual caso h para liberdade de opinio ou ao ao menos

    como fim em si mesmo, e no meramente como uma simulao do clima intelectual tantopara indivduos quanto para grupos? Por que deveria se tolerar qualquer conduta que no foi

    autorizada por especialistas adequados? Comte colocou sem rodeios o que tinha estado

    implcito na teoria racionalista da poltica em seu comeo na Grcia Antiga. Se pode, em

    principio, haver apenas uma forma correta de vida; o sbio a segue espontaneamente, por isso

    chamado sbio; O ignorante deve ser arrastado para ela por todos as formas sociais em

    poder do sbio; por que deveria esse erro demonstrado sofrer e sobreviver e procriar? O

    imaturo e ignorante devem ser forados a dizer a si mesmo: Apenas a verdade liberta, e a

    nica forma na qual posso aprender a verdade fazendo cegamente hoje, o que voc, que

    sabe, me ordena, ou me coage, a fazer, na certeza de que s assim vou chegar em sua viso

    clara, e ser livre como voc. Temos vagado, na verdade, de nosso comeo liberal. Essadiscusso, empregada por Fichte em sua ultima fase, e depois deles por outros defensores da

    autoridade, dos escolsticos vitorianos e administradores coloniais ao ultimo nacionalista ou

    ditador Comunista, precisamente o que a moral dos Esticos e Kantianos protesta contra

    mais amargamente em nome da razo do individuo livre seguindo sua prpria luz interior.

    Dessa forma o argumento racionalista, com sua suposio de uma nica soluo verdadeira,

    conduzido por etapas, que, se no logicamente valido, historicamente e psicologicamente

    inteligvel a partir de uma doutrina tica de responsabilidade individual e auto-

    aperfeioamento individual para um Estado autoritrio obediente s diretrizes de uma eline de

    guardies platnicos.

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    O que pode ter levado para uma reverso to estranha a transformao do

    individualismo severo de Kant em algo prximo a uma doutrina totalitria da parte dos

    pensadores, alguns dos quais que alegavam serem seus discpulos? Essa questo no

    meramente de interesse histrico, pois no foram poucos os liberais contemporneos que

    passaram pela mesma evoluo peculiar. verdade que Kant verdadeiramente insistiu,

    segundo Rousseau, que a capacidade de auto-orientao pertence todos os homens; que

    no poderia haver especialistas em questes morais, j que a moralidade no uma questo

    de conhecimento especializado (como os filsofos utilitaristas sustentam), mas do uso correto

    das faculdades humanas; e conseqentemente que o que faz dos homens livres no agir de

    maneiras auto melhorveis, que eles podiam ser coagidos a fazer, o que ningum poderia fazer

    porou em nome deoutra pessoa. Mas at mesmo Kant, quando veio a lidar com questes

    polticas admitiu que nenhuma lei, desde que fosse de tal forma que eu deveria, se

    perguntado, aprovar como um ser racional, poderia possivelmente me privar de nenhuma

    parte de minha liberdade racional. Com isso, a porta foi aberta amplamente para os

    especialistas das regras. No posso consultar todos os homens sobre todas as leis o tempotodo. O governo no pode ser um plebiscito continuo. Alm disso, alguns homens no so to

    bem sintonizados com a voz de sua prpria razo quanto outros: alguns parecem

    singularmente cegos. Se sou um legislador ou um governante, devo assumir que a lei que

    imponho racional (e posso consultar apenas minha prpria razo) ela ser automaticamente

    aceita por todos os membros de minha sociedade na medida em que eles sejam seres

    racionais. Pois, se eles desaprovarem, eles devem, pro tanto, serem irracionais; eles ento

    tero de ser reprimidos pela razo: se a deles ou a minha no deve importar, pois, os

    pronunciamentos da razo devem ser os mesmos em todas as mentes. Eu emito minhas

    ordens e se voc resiste, cai sobre mim reprimir o elemento irracional em voc que se ope a

    razo.Minha tarefa seria mais fcil se voc reprimisse isso em voc mesmo; eu tento educarvoc a faz-lo. Mas sou responsvel pelo bem-estar pblico, no posso esperar at que todos

    os homens sejam inteiramente racionais. Kant pode protestar que a essncia da liberdade

    subjetiva que ele, e apenas ele, tenha dado a si mesmo a ordem a obedecer. Mas esse um

    conselho de perfeio. Se voc falha em disciplinar-se, eu devo faz-lo por voc; e voc no

    pode reclamar de falta de liberdade, pois o fato de que o juiz racional de Kant te mandou para

    a priso a evidencia de que voc no ouviu sua razo interior, que, como uma criana, um

    selvagem, um idiota, voc mo maduro para se auto-orientar, ou permanentemente incapaz

    disso.

    Se isso leva ao despotismo, ainda que pelo melhor e mais sbio para o Templo deSarastro na Flauta Mgica mais ainda despotismo, o que acaba por ser idntica a liberdade,

    pode ser que haja algo errado com as premissas do argumento? Que as premissas bsicas so

    elas mesmas falhas? Deixe-me dizer-lhes mais uma vez: primeiramente, que todos os homens

    tem apenas um propsito verdadeiro, e apenas um, aquele da auto-orientao racional;

    segundo, que os fins de todos os seres racionais devem por necessidade se ajustar em um

    nico padro harmonioso universal, que alguns homens podem ser capazes de discernir mais

    claramente que os outros; terceiro, que todos os conflitos, e conseqentemente todas as

    tragdias, devem-se exclusivamente ao confronto da razo ou da insuficincia racional os

    elementos imaturos e no-desenvolvidos da vida, se individual ou comunitrio e tais

    conflitos so, em principio, evitveis, e por seres racionais completos, impossveis; finalmente,

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    quando todos os homens forem feitos racionais, eles iro obedecer leis racionais de suas

    prprias naturezas, que uma e a mesma em todos eles, e ento ser completamente

    cumpridores da lei e completamente livres. Ser que Scrates e os criadores da tradio

    central Oriental na tica e poltica que o seguem estavam errados, por mais de dois milnios,

    que a virtude no conhecimento, ou que a liberdade idntica a nenhum deles? Que, apesar

    do fato que eles governam a vida de mais homens que nunca antes em sua longa historia,

    nenhum desses pressupostos bsicos dessa viso famosa demonstrvel, ou talvez, mesmo

    verdade?

    VI

    A Procura por Status

    H ainda, mais uma abordagem histrica importante para esse tpico, que, por

    confundir liberdade com suas irms, igualdade e fraternidade, levam a concluses

    similarmente no-liberais. Desde que a questo foi levantada prximo ao fim do sculo XVIII, a

    questo do que quer dizer um individuo tem sido perguntada insistentemente, e com efeito

    crescente. Na medida em que vivo na sociedade, tudo que fao afeta inevitavelmente, a

    afetado por, o que os outros fazem. At mesmo Mill se esfora de forma extenuante para

    marcar a distino entre as esferas da vida privada e social que se rompem sob exame.

    Praticamente todos os crticos de Mill apontaram que tudo que eu fao talvez tenha

    resultados que iro prejudicar outros seres humanos. Alm disso, sou um ser social em umsentido mais profundo que minhas interaes com os outros. Pois, no sou eu o que sou, em

    algum grau, em virtude do que os outros pensam ou sentem por mim? Quando me pergunto o

    que sou, e respondo: um Ingls, um Chins, um mercador, um homem sem importncia, um

    milionrio, um condenado eu encontro atravs da analise que possuir tais atributos implica

    em ser reconhecido como pertencente de um grupo ou classe pelas outras pessoas da

    sociedade, e que esse reconhecimento parte do significado da maioria dos termos que

    indicam algumas de minhas caractersticas mais pessoais e permanentes. No sou a razo

    desencarnada. Nem sou Robinson Cruso, sozinho contra sua ilha. No apenas que minha

    vida material dependa de minha interao com os outros homens, ou que eu sou o que sou

    como resultado de foras sociais, mas que algumas, talvez todas as minhas idias sobre mim

    mesmo, em particular meu senso de minha prpria moral e identidade social, so inteligveis

    apenas em termos da rede social da qual sou (a metfora no deve ser pressionada demais)

    um elemento.

    A falta de liberdade sobre a qual homens ou grupos reclamam tanto, na maioria das

    vezes, para a falta de reconhecimento adequado. Eu posso estar procurando no pelo que Mill

    desejava que eu procurasse, ou seja, segurana contra a coao, priso arbitrria, tirania,

    privao de algumas oportunidades de ao, ou espao para que no preste contas ningum

    pelos meus movimentos. Igualmente, posso no estar procurando por um plano racional ou

    vida social, ou auto-aperfeioamento de um sbio desapaixonado. O que eu posso tentar

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    evitar ser ignorado, ou patrocinado, ou desprezado, ou presumir demaisem suma, no ser

    tratado com um individuo, tendo minha singularidades insuficientemente reconhecida, ser

    classificado como um membro de alguma amalgama sem traos, uma unidade esttica

    identificvel, especialmente traos humanos e meus prprios propsitos. Esta a degradao

    que estou lutando contrano estou procurando igualdade de direitos legais, ou liberdade de

    fazer o que desejo (embora, que possa querer isso tambm), mas uma condio na qual eu

    posso sentir que sou, por que sou levado a ser, um agente responsvel, cuja vontade levada

    em considerao por que eu tenho direito a isso, mesmo se eu for atacado e perseguido por

    ser o que eu sou, ou escolher o que eu escolho.

    Esse um anseio por status e reconhecimento: O mais pobre que h na Inglaterra tem

    uma vida a viver como o maior deles. Eu desejo ser compreendido e reconhecido, mesmo que

    signifique ser impopular e que as pessoas no gostem de mim. E as nicas pessoas que podem

    assim reconhecer-me, e assim, dar-me sentido de ser algum, so os membros da sociedade a

    qual, historicamente, moralmente, economicamente e talvez etnicamente, eu sinto que

    perteno. Meu eu individual no algo que eu posso separar de minha relao com os outros,

    ou daqueles atributos meus que consistem da atitude deles em relao a mim.

    Conseqentemente, quando exijo ser liberado do, digamos, estado de dependncia poltica ou

    social, o que eu exijo uma alterao da atitude deles para comigo daqueles cuja opinio e

    comportamento ajudam a determinar minha prpria imagem de mim mesmo.

    E o que verdade para os indivduos verdade para os grupos, social, polticos,

    econmicos, religiosos, isto , de homens conscientes das necessidades e propsitos que eles

    tm como membros de tais grupos. O que classes e nacionalidades oprimidas, como regra,

    demandam no simplesmente a liberdade de ao sem entraves para seus membros, ou,

    acima de tudo, igualdade de oportunidades sociais e econmicas, menos ainda, atribuies em

    um lugar num Estado orgnico, sem atritos concebido por um legislador racional. O que eles

    querem, na maioria da vezes, simplesmente reconhecimento (de suas classes ou naes, ou

    cor, ou raa) como uma fonte independente de atividade humana, como uma entidade com

    vontade prpria, com inteno de agir de acordo com isso (sem importar se bom ou legitimo

    ou no), e no ser governado, educado, guiado, por, no importa, quo leve a mo, como se

    no fossem plenamente humanos, e portanto, no sendo inteiramente livres.

    Isso d um sentido bem mais abrangente que um puramente racionalista para a

    observao de Kant que o paternalismo o maior despotismo imaginvel. O paternalismo

    desptico, no por que mais opressivo que a tirania nua, brutal, ignorante, nem

    simplesmente por que ignora a razo transcendente incorporada a mim, mas por que um

    insulto a minha concepo de mim mesmo como um ser humano, determinado a viver minha

    prpria vida de acordo com meus prprios (no necessariamente racionais ou benevolentes)

    propsitos, e, acima de tudo, o direito de ser conhecido pelos outros. Pois, se eu no for

    reconhecido, ento eu posso falhar em