ISBN 978-85-463-0231-4 Sumário - Ateliê de Filosofia · exclui a Filosofia enquanto disciplina...

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Filosofia e Educação: desafios e resistências | 1 ISBN 978-85-463-0231-4 Sumário

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    Filosofia e Educao Desafios e resistncias

    Lucrcio S Organizador

    Ideia Joo Pessoa 2017

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    ISBN 978-85-463-0231-4 Sumrio

    Nesta obra esto reservados todos os direitos do organizador. O contedo dos textos e ideias propagadas so de inteira responsabilidade dos respectivos autores.

    EDITORAO/CAPA: Magno Nicolau

    REVISO: Aryonne da Silva Morais

    Conselho Editorial

    Marcos Nicolau UFPB Roseane Feitosa UFPB Litoral Norte

    Dermeval da Hora Proling/UFPB Helder Pinheiro UFCG

    Elri Bandeira UFCG

    ________________________________________________________ F488 Filosofia e educao: desafios e resistncias / Lucrcio S

    (Org.). Joo Pessoa: Ideia, 2017. 99p. ISBN 978-85-463-0231-4

    1. Filosofia

    CDU: 1 ________________________________________________________

    EDITORA LTDA. (83) 222 5986

    www.ideiaeditora.com.br

    Impresso no Brasil Foi feito o depsito legal

    mailto:[email protected]

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    Sumrio

    P r e f c i o ............................................................................................................... 5 Roberto Rondon

    POR UMA FILOSOFIA IMANENTE: CONTRA A EXCLUSO DA FILOSOFIA NO CURRCULO BRASILEIRO ................................................................................................................ 7

    Lucrcio Arajo de S Jnior

    O ENSINO DE FILOSOFIA DE SUA ORIGEM AT O BRASIL ........................................ 15 Felinto Gadlha Segundo

    RETIRADA DA FILOSOFIA DO ENSINO MDIO OU O PORQU DO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO SER IMEDIATISTA ........................................................... 24

    Jos Anderson dos Santos Bezerra

    PARA UMA CRTICA DAS FORMAES EMBRUTECEDORAS: ENSINO DE FILOSOFIA E EDUCAO ESTTICA ............................................................................................... 27 Andr Vincius Nascimento Arajo O MESTRE CNICO: SOBRE EMANCIPAO EM RANCIRE .......................................... 34

    Gabriel Paulo Neves da Silva

    A EXPERINCIA DO ATELIE DE FILOSOFIA: UM OLHAR SOBRE A FORMAO DE PROFESSORES E O USO DOS TEXTOS CLSSICOS NO ENSINO MDIO ....................... 39

    Leandro Soares da Silva

    FILOSOFIA NO ENSINO MDIO E A COMPREENSO DAS MULTIPLICIDADES INDIVIDUAIS DO ALUNO E SEUS ASPECTOS EXISTENCIALISTAS E COMPORTAMENTAIS .................. 46

    Clvio de Carvalho Loureno Gilmara Pereira Coutinho

    A REFLEXO ENQUANTO ATIVIDADE LDICA NO ENSINO DE FILOSOFIA: UM RELATO DE EXPERINCIA A PARTIR DE A NUSEA DE SARTRE ................................................ 55

    Maurlio Gadelha Aires

    SCHOPENHAUER: O PESSIMISMO E O MUNDO ........................................................... 64 Tarcsio Alves dos Santos

    A MORAL NA ESCOLA PBLICA: PERCEPES DOS CURSISTAS DO PROGRAMA PROFUNCIONRIO .................................................................................................... 74

    Maria Genilda Marques Cardoso

    A FILOSOFIA KANTIANA E O MTODO ESCOTEIRO .................................................... 81 Luis Miguel Laszkiewicz Lineal Romero Verdejo

    IMPLICAES DA NOO DE VIRTUALIDADE NA GERAO Z ..................................... 91 Jos Antonio Leite Milanez Gilmara Pereira Coutinho

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    P r e f c i o

    sempre muito bom receber um novo livro discutindo o Ensino de Filosofia. Ainda mais quando fruto de uma experincia muito rica que o Atelier de Filosofia da UFRN, coordenado pelo professor Lucrcio S. Num pas onde a educao e a filosofia na escola

    continuam vivendo sob constante instabilidade, essa obra soma-se a uma srie de escritos sobre o tema, fundados nos princpios de formao e resistncia.

    Formao, porque vem auxiliar com suas reflexes e relatos de experincias, as diversas possibilidades do desenvolvimento das prticas escolares com o componente curricular Filosofia, que so desenvolvidas por professores e professoras em todos os cantos do Brasil, seja nas Universidades, grupos de pesquisa, ou na educao bsica. Publicaes como essa que ora apresento tem esse papel importante de colaborar com o desenvolvimento de nosso campo de conhecimento e colocar novas questes para o cotidiano de nossas salas de aula. Outro aspecto o incentivo produo intelectual dos estudantes e professores da escola bsica, muitas vezes sem voz nas nossas publicaes acadmicas, mas que so protagonistas na construo das ricas experincias que temos em nossas escolas.

    Porm, como dissemos acima, essa obra tambm tem um carter de Resistncia, pois em tempos de aprovao de mais uma reforma do ensino mdio em nosso pas, que visa atender aos interesses do grande capital, a atividade filosfica desenvolvida pelos docentes e estudantes de Filosofia cumpre um papel importante. No toa que, em conjunto com as artes, a educao fsica e a sociologia, ela uma das ameaadas de deixar o currculo escolar do ensino mdio, esvaziando a formao bsica de toda uma multido de jovens nesse pas, simplesmente para adequ-los a um mercado de trabalho precarizado e onde no interessante o desenvolvimento pleno do humano em todas as suas potencialidades, mas sim jovens subdesenvolvidos em suas dimenses corporais, estticas e intelectuais.

    O artigo do professor Lucrcio S faz uma qualificada anlise desse quadro e nos incita a refletir e resistir a esses ataques educao.

    O texto de Leandro Soares da Silva recupera a importncia dos textos clssicos da filosofia como parte da formao intelectual e de uma das tarefas mais desafiadoras de nosso tempo que a redescoberta do prazer e do estmulo leitura nas escolas. Na mesma linha, Tarcsio Alves dos Santos, Gabriel Paulo Neves da Silva, buscam nas filosofias de Schopenhauer, Rancire e Cioran, antecedentes para refletirmos sobre a importncia do ensino da filosofia na formao dos jovens.

    Clcio de Carvalho Loureno e Gilmara Pereira Coutinho discutem o papel e o lugar dos professores na construo de aspectos mais amplos da vida dos estudantes e como protagonistas no desenvolvimento dessa cultura num ambiente escolar marcado por fortes problemas e presses sociais.

    Andr Vinicius Nascimento Arajo destaca um dos mais esquecidos aspectos da nossa educao que a necessidade da formao esttica de nossos estudantes, como forma de estimular o que ele chama de dimenso dos afetos.

    Jos Anderson Bezerra, a partir do pensamento de Hegel, questiona as constantes ameaas presena da Filosofia nas escolas, e de como isso prejudica a formao de seres humanos mais completos e no apenas meros reprodutores da lgica do trabalho.

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    Felinto Gadelha Segundo nos convida a um passeio pela histria do ensino de filosofia, como forma de refletirmos sobre sua importncia e a dificuldade de sua presena, num contexto adverso ao desenvolvimento da atividade filosfica.

    Maria Genilda Marques Cardoso, objetiva analisar a percepo dos cursistas do Profuncionrio sobre a moral e sua perspectiva na escola pblica. Apresentam valores morais importantes para a transformao dessa realidade escolar, entretanto, alguns so reais, concretos, outros, esto no plano do dever ser. A criticidade dos atos morais e o cultivo do dilogo so fundamentais para a construo de uma escola pblica democrtica, gratuita e de qualidade.

    Enfim, muitas ideias e muitos questionamentos que espero alcancem novos leitores e leitoras e possibilitem novas experincias pedaggicas, aes e lutas que garantam a presena dessa importante rea do conhecimento humano que a Filosofia. Num tempo cheio de temores, intolerncias e incertezas, onde a busca pela compra de respostas fechadas, prontas e tranquilizadoras esteja na moda, talvez a inquietude da atitude filosfica seja um bom antdoto contra a intolerncia e o embrutecimento, e que nos auxilie, enquanto professores e professoras, a instalar novos sentidos para a nossa ao nas escolas desse pas.

    Boa leitura,

    Roberto Rondon Joo Pessoa, maro de 2017

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    POR UMA FILOSOFIA IMANENTE: CONTRA A EXCLUSO DA FILOSOFIA NO

    CURRCULO BRASILEIRO1

    Lucrcio Arajo de S Jnior Coordenador do Grupo de Estudos Ateli de Filosofia (UFRN)

    E-mail: [email protected]

    Neste ensaio objetivo discutir a reforma do Ensino Mdio das Escolas Brasileiras que exclui a Filosofia enquanto disciplina obrigatria. O pensamento de Scrates (4170-399 a.C.) deixa uma grande perspectiva conceitual e pedaggica para a formao humana na atualidade, uma vez que podemos transpor seus ideais para a escola de Ensino Mdio que tenha como objetivo primordial o aperfeioamento do ser humano. Vislumbramos com o pensamento do referido filsofo, sobretudo discutir a formao humana para uma conscincia de si mesmo na esfera poltico-social, uma vez que como observa Scrates, a filosofia no ensina a verdade, mas ajuda o indivduo a descobri-la atravs da autonomia do pensamento. Para Scrates a verdade uma conquista pessoal e a educao sempre ato de um processo de amadurecimento interior que pode ser estimulado, mas no provocado, a partir do exterior (Alcebades I, Plato). A filosofia antropolgica, inaugurada por Scrates, pe ao longo da histria da filosofia algumas questes que favorecem ao homem, tais como: O que significa conhecer? O que a realidade? O que define a existncia? Como se deve viver? O que o tempo? Qual o conceito de Justia? As leis so formuladas a partir de quais princpios? Qual o objetivo da educao? Essas perguntas no fazem parte do pensamento comum da sociedade, o que bastante problemtico se considerarmos os anos que se passaram desde o nascimento da filosofia at o tempo atual. por meio de uma comparao clebre, entre o trabalho de uma parteira e o de um filsofo, que Scrates sustenta que a tarefa do sbio no propor afirmaes verdadeiras, mas favorecer o nascimento da verdade na alma do interlocutor. Nesse aspecto, a metodologia de ensino socrtica desenvolvida atravs de um trabalho que leva a tal resultado, um verdadeiro processo de gestao, prev um mtodo de investigao maiutico, baseado no colquio individual, na arte de escutar e de objetar e no sistemtico emprego da ironia para abalar as defesas intelectuais preestabelecidas (Teeteto, Plato). Uma das discusses em torno dessa problemtica do ensino de filosofia, que observamos atualmente nas escolas a existncia de algumas tendncias formativas, que correspondem ao relativismo do conhecimento, uma vez que o ensino pautado numa leitura empobrecida da sociedade, enfocando o ensino na relao do homem com o mundo do trabalho, na relao com as esferas materiais da vida prtica. Nesse sentido, convm lembrar a busca da verdade interior, a verdade do esprito, problematizando o indivduo a partir dele mesmo. Convm lembrar, tambm, que por meio da reflexo filosfica possvel ao homem ter viso de mais de uma dimenso, alm da que dada pelo agir imediato no qual ele se encontra mergulhado na prtica cotidiana. O ensino da filosofia atravs de uma anlise da vida pode dar o distanciamento para a avaliao dos fundamentos dos atos humanos e dos fins que eles se destinam, retomando a ao pulverizada no tempo, procurando compreend-la. Finalmente, a filosofia deve-se fazer nas escolas atravs de um exerccio no puramente intelectual, mas atravs de temas, questes e mtodos de ensino que possam levar os alunos a enfrentar as formas

    1 Texto apresentado Sociedade Portuguesa de Filosofia por ocasio do 2 Congresso Portugus de Filosofia na Universidade do Porto.

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    estagnadas de agir, para que consigam de modo prtico aceitar o desafio da mudana. No podemos deixar de lembrar que Scrates, atrevido a pensar, foi aquele que enfrentou com coragem o desafio mximo da morte. Por uma filosofia imanente

    O pensamento de Scrates inaugura a filosofia antropolgica. Figura simptica e ao mesmo tempo irritante, ele representou o ponto de mudana da Filosofia grega, no qual a reflexo autocrtica sobre a natureza dos conceitos e do raciocnio emergiu como uma das principais preocupaes, a par da especulao at ento no campo da cosmologia.

    Por ter subordinado todas as outras preocupaes que um homem pode ter em vida, logrando seu pensamento para a procura da sabedoria, Scrates o exemplo inquestionvel (raro) do modo de vida apropriado para um filsofo. Mesmo no dispondo de um mtodo formal, representa o modelo de um grande professor. Sua competncia no mtodo dialtico e inquiridor reforaram positivamente as doutrinas filosficas que surgiram ao longo da histria, e ainda hoje constituem temas de debate. Para Blackbourn (1997), todas as escolas gregas de filosofia afirmaram dever muito a Scrates, exceto os epicuristas que o detestavam intensamente, atribuindo-lhe o epiteto de o bufo ateniense.

    Plato, no Crton e no Fdon, aponta que Scrates recusou violar as leis de Atenas decidindo fugir, durante trinta dias que separam seu julgamento da execuo; em seu retorno os amigos saudaram a firmeza com que enfrentou a morte. Segundo o que se depreende de uma longa passagem da Repblica de Plato, Scrates teria sido o primeiro pensador grego a ousar criticar a mitologia tradicional como modelo educativo para a juventude. A crtica socrtica sobretudo poltica originou o libelo acusatrio que contra ele foi apresentado ao tribunal do povo (Boul).

    Para Scrates a educao deveria estar pautada no ensino da verdade, sem nenhuma mescla de erro consciente ou falsidade. O mundo antigo havia colocado como figura central no processo educativo, o educador iniciado, espiritualista e dramtico, reconhecendo-lhes qualidades que vo alm daqueles que so tpicos do mestre-docente. A educao no mundo antigo tambm uma educao por classes: diferenciada por papis e funes sociais, por grupos sociais e pela tradio de que se nutre. Na Grcia, a contraposio entre aristoi (excelentes) e demos (povo) ntida e fundamental. Vigora uma educao que mostra a imagem de uma sociedade nitidamente separada entre dominantes e dominados, entre grupos sociais governantes e grupos subalternos, ligados muitas vezes s etnias dominantes ou dominadas, mas que contrapem nitidamente os modelos educativos.

    No pr-surgimento da pedagogia grega, como reflexo sobre a educao distinta do ethos e tambm contraposta a este, com os sofistas este dualismo nitidamente tematizado: a educao retrica tpica daqueles que se empenham no governo da plis, que mergulham na vida poltica e querem participar da direo da coisa pblica; a educao anti-tecnica, que marginaliza toda forma de trabalho manual regulada, a fim de suprir as necessidades de qualquer carncia utilitria, destinada a efeitos prticos.

    A mitologia grega, portanto, estava a servio de um modelo educativo injusto, segundo Scrates, uma vez que as narrativas expunham as conquistas dos deuses, atravs das brigas ferozes e, ainda baseada na distribuio de bnos e infortnios aos homens, como o caso dos relatos sobre os feitos de Zeus, o pai dos deuses, eminentemente ocupado em ofertar aleatoriamente benesses ou maldies, sem considerar, na crtica socrtica, o mrito ou demrito de suas aes.

    Afirma Scrates no Livro X A Repblica (607 b) que essas narrativas no passavam de invenes dos poetas, a fim de agradar o senso esttico da vida em sociedade, mas no com inteno de transmitir a verdade. A filosofia socrtica procurou, sobretudo, fixar um princpio

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    tico fundamental de que os homens em geral, e os governantes em particular, so sempre pessoalmente responsveis por seus atos ou omisses intencionais.

    A Crtica realizada por Scrates em relao ao ensinamento dos sofistas, os quais objetivavam fazer com que a juventude pudesse dispor da arte da oratria, transformando as questes de moral e justia em meros argumentos de debate poltico ou judicirio. Para os sofistas, a reflexo filosfica reduzia-se aos arranjos coerentes das palavras (orto logos), sem a menor preocupao com a descoberta da verdade. Esse procedimento educativo ocasiona o relativismo em questes de tica, e ao ceticismo no campo da epistemologia.

    Surge assim a oposio entre Logos e Techne, duas posies educativas, dois modelos de formao humana, socialmente separados. E, desse modo, se vemos no perodo helenstico ou em Roma, modelos bsicos do ideal pedaggico articulados em sistema de classes, observamos que atualmente nossas Escolas Pblicas de Educao Bsica esto condenadas a permanecerem reproduzindo essa estrutura do mundo antigo. A proposta da Medida Provisria que objetiva reformular o Ensino Mdio no Brasil (MP 746) est caracterizada pelo ideal de grupos dominantes com seu estilo de vida e seu desejo cultural e formativo contraposto ao demos, produtores e grupos dominados que se caracterizam pelo trabalho e s nele (e por ele) so formados.

    O mundo clssico a terra de origem de uma cultura, a nossa, ocidental; e mergulhar na histria, ir descoberta (ou recuperao) dos prerrequisitos, das estruturas profundas de toda a nossa cultura (cognitiva, tica, poltica, social) que l teve origem e que se impregnou daquela civilizao a partir da linguagem e da lgica do discurso.

    De acordo com Cambi (1999) a antiguidade o armazm dos modelos pedaggicos originrios da formao humana e social, dos quadros culturais dessa formao e dos princpios que a regulam, a Medida Provisria 746 escolhe o pior modelo, excluir a Filosofia, a Sociologia, as Artes e a Educao fsica do Currculo, propondo uma galeria de disciplinas tcnicas para a formao do estudante da Educao Bsica.

    A Medida Provisria (MP) 746/2016 foi publicada em edio extra do Dirio Oficial da Unio no dia 23 de setembro de 2016. O texto, que institui a Poltica de Fomento Implementao de Escolas de Ensino Mdio em Tempo Integral. Com a medida provisria, a carga horria mnima anual do ensino mdio dever ser progressivamente ampliada para 1.400 horas, a partir das atuais 800 horas. Transformada em emenda a MP altera diversos trechos da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB Lei 9.394/1996).

    De acordo com a proposta da Reforma, o currculo do ensino mdio continua abrangendo, obrigatoriamente, lngua portuguesa, matemtica, mundo fsico e natural, realidade social e poltica o mesmo vale para a educao infantil e para o ensino fundamental. Temas transversais, como filosofia e sociologia, que at ento eram disciplinas obrigatrias, passam a ser facultativas, as disciplinas para a formao tcnica podero ser includas nesses currculos se previstos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), dependendo de aprovao do Conselho Nacional de Educao e de homologao pelo ministro da Educao.

    A Reforma determina que o ensino mdio pode ser organizado em mdulos e com sistema de crditos ou disciplinas, que podero contar at para um futuro curso superior. Estabelece tambm que o ensino de arte e de educao fsica integram obrigatoriamente os currculos do ensino infantil e do ensino fundamental. O mesmo no ocorre no caso do ensino mdio. O texto obriga o ensino da lngua inglesa a partir do sexto ano do ensino fundamental, podendo outras lnguas serem ofertadas como matrias optativas, preferencialmente o espanhol. At agora a LDB obrigava apenas o oferecimento de uma lngua estrangeira moderna a partir da quinta srie.

    A proposta da Reforma estabelece ainda que o currculo do ensino mdio composto pela BNCC e por itinerrios formativos especficos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com nfase em linguagens, matemtica, cincias da natureza, cincias humanas e

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    formao tcnica e profissional. Os sistemas de ensino podero compor seus currculos com base em mais de uma dessas reas.

    A Reforma permite que sejam professores da educao escolar bsica, profissionais com notrio saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar contedos de reas afins sua formao. O governo anunciou que a implementao desse regime imediata e deve ocorrer em todas as escolas at 2018.

    Esse modelo educativo descaracteriza a formao humana fazendo emergir uma possibilidade educativa baseada na tchne, que devemos recusar a fim de recuperar um modelo de educao que seja verdadeiramente integral, como na Paidia Grega, fazendo emergir para a sociedade brasileira outras possibilidades, outras dimenses da formao humana.

    Observamos que a Escola pblica est fadada ao fracasso e sucateamento, uma vez que no ser capaz de dispor de estrutura fsica to pouco capital humano, para ofertar com qualidade uma educao que possibilite aos jovens o acesso ao ensino superior. Teremos a disputa para acesso universidade acirrada entre estudantes de instituies particulares, que ofertaro um cardpio variado e atrativo de disciplinas. O estudante da escola pblica continuar marginalizado, se conseguir acesso ao ensino superior ser infimamente. Os cursos de grande valia para o mercado de trabalho, como medicina, engrenharia, entre outros estaro ocupados pelas classes sociais historicamente dominantes dessas reas de saber.

    Com essa medida provisria, a Escola Pblica no tem, de forma alguma, autonomia, sendo determinada, de maneira absoluta pela classe dominante da sociedade, que a maneja livremente, por deter o poder poltico e econmico. O professor, veculo de injustia social, ficar com a misso de adequar as pessoas ao modelo institucionalmente colocado.

    Esta posio contrria falsa ideia que a escola no espao para poltica, a falsa ideia que coloca a escola como espao discriminatrio, desvalorizando sua capacidade como ferramenta para a conquista da justia social; a educao no e nunca poder ser uma atividade socialmente neutra, mas sim deve estar envolvida no conjunto da atividade poltica de uma estrutura social a fim de critic-la, repens-la e faz-la. Assim, o educador um profissional que deve receber formao adequada para a docncia em uma determinada rea de conhecimento, a fim de que esteja politicamente comprometido (com a conscincia ou no) da vida em sociedade. A escola no pode estar merc de profissionais de saber notrio, fragmentrio e tcnico, mas de saber qualificado. A escola no pode ser compreendida como uma instituio monoltica, uma vez que seu espao permevel aos conflitos sociais e s mudanas contnuas do tecido poltico em confronto nas sociedades de classes.

    Nesse sentido, estudar Scrates atual. cone da perseguio poltica, ele deixou claro no Fdon, ao oferecer o galo a Esculpio podem me matar, mas no podem me calar. A Reforma, assim como outros decretos, a exemplo da Reforma Capanema, mostram que a perseguio Filosofia, aos Filsofos, Crtica historicamente recursiva. A filosofia no silencia a crtica ao sistema social, isso tambm histrico. Mesmo com a inconstncia da presena da filosofia no currculo da escola brasileira, no podero acabar com o processo ininterrupto do filosofar. A este processo, podemos chamar de criticismo otimista, ao pretender indicar o valor que a Escola deva ter, e o espao que as disciplinas que levam a pensar devem ocupar o currculo sem cair na noo de neutralidade ou colocar a Filosofia como intil para a transformao social.

    Scrates, como sabido, ops-se resolutamente ao pensamento sofstico, relativizado na clebre frase de Protgoras que afirma o homem a medida de todas as coisas. Assim, neste modo de pensar, um cidado seria capaz de decidir, soberanamente, de acordo com o seu prprio critrio pessoal, todas as questes de conhecimento, ou de comportamento; o que significaria a impossibilidade lgica de se estabelecerem conceitos ou definies universais, com validade para todas as pessoas, em todos os lugares e tempos. Tal pensamento, significa pura e simplesmente a impossibilidade do saber racional, uma vez que este se funda, logicamente, sobre conceitos e ideias gerais e no sobre casos individuais.

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    O pensamento socrtico rejeita esse relativismo absoluto, uma vez que no pode ignorar a verdade intuitiva de que, entre a matemtica ou o mundo da natureza, de um lado, e a vida tica da pessoa humana, h uma diferena substancial e essencial. Enquanto no primeiro campo de saber citados, vigoram o rigor do raciocnio e a preciso de conceitos, no campo da tica o ato de julgar supe, necessariamente, uma margem irredutvel de variaes na apreciao dos atos humanos.

    Entre Scrates e Aristteles, num breve curso do tempo a Filosofia se afirma como cincia rgia (conexa com a metafsica, a tica, e a lgica em particular), e que vem a organizar-se em amplos e complexos sistemas especulativos, oferecendo uma imagem completa e rigorosa do mundo e dos problemas que o animam, mas tambm do homem e de suas caractersticas de agir, ticas e cognitivas.

    Para a atualidade a Paideia, representa um desenvolvimento extremamente complexo, articulando-se numa srie de modelos que refletem tanto a intensa problemtica da noo quanto as diversas perspectivas segundo as quais o homem em sociedade pode desenvolver-se. Falamos da paideia para uma educao geral, no apenas para a Filosofia, mas para a um modelo geral de educao desde os mdicos aos artistas, num leque bastante variado e complexo de modelos. Plato fixa em seu pensamento dois tipos de paideia, uma mais socrtica, ligada formao da alma individual, outra mais poltica, ligada aos papis sociais dos indivduos, distintos quanto s qualidades intrnsecas de sua natureza que os destinam a uma ou outra atividade social e papel poltico.

    Com Scrates o filsofo educador torna-se mestre de todos, desinteressado e impelido por uma forte motivao tico-antropolgica, que libera as conscincias com seu dilogo e que depois universaliza e radicaliza seu pensamento, a fim de observar a sociedade. Assim o ensino de filosofia saber, mas tambm pesquisa, uma vez que visa o amadurecimento do pensamento. A formao humana para Scrates uma maiutica que desperta, levanta dvidas, solicita investigar, dirigir, problematizar etc.

    A filosofia constitui por sua natureza uma ao educativa que objetiva favorecer um aprofundamento cada vez maior do conhecimento para se chegar a uma formulao mais universal e mais crtica. A paideia de Scrates problemtica e aberta; mas fixa no itinerrio que o individuo pode realizar, um ideal de formao humana dinmico e dramtico, ao mesmo tempo individual e universal. Trata-se da pedagogia do conhece-te a ti mesmo, ou a pedagogia da conscincia individual orientada pela filosofia.

    Na atual reforma do ensino mdio pensada para o Brasil observamos a predominncia de um ideal educativo, conservador. Em que a escola pblica estar fadada a reproduzir as injustias sociais. Uma vez que as elites que controlam o sistema educacional brasileiro pautam para a Escola a funo de aparelho ideolgico do estado destinado a perpetuar o sistema.

    Como observado por Horn (2016), a educao e mais propriamente a escola, teria a utilidade de fazer a cabea dos que a frequentam, criando disciplinas e um sistema meritocrtico de avaliao; para melhor controle, a Escola ser invadida por uma hierarquia assemelhada a do setor industrial, com diretores, supervisores, coordenadores inspetores e assistentes, fragmentando o poder interno e aumentando a dificuldade para identific-lo.

    Nas diversas formaes sociais que constituem a Humanidade tem predominado a diferenciao entre os vrios grupos internos, seja no referente propriedade dos bens materiais e ideais necessrios reproduo da existncia, seja na capacidade de ascendncia e controle sobre os outros grupos. Por isso, a produo de um currculo escolar, de contedos para as disciplinas no pode ser neutra, pois todo o sistema est no mbito do interesse capitalista dos grupos minoritariamente dominantes.

    Aps o impeachment, no Brasil os valores e conhecimentos que atendem aos interesses dos grupos sociais que esto situados em posio de predominncia na Sociedade, para dar maior sustentao ao domnio intersocial, acabam por ser difundidos e aceitos pela populao geral

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    como se fossem legtimos, isto se deve ao fato principal da mdia travestir os argumentos de um carter de universalidade.

    No parlamento brasileiro por imposio e convencimento, a maior parte dos valores e conhecimentos oriundos do escopo mais exclusivo daqueles que detm o poder scio/poltico/econmico seguido e acatado como tendo extenso globalizante e sempre verdadeira. Para este grupo que pensam uma escola sem partido, os processos educativos viso a adaptao dos sujeitos sociais ao sistema hegemonicamente constitudo.

    Paulo Freire pensa a importncia de nos defendermos das trapaas ideolgicas que nos pegam s vezes distrados, assim insiste ele na fora da percepo crtica como opositora,

    No exerccio crtico de minha resistncia ao poder manhoso da ideologia, vou gerando certas qualidades que vo virando sabedoria indispensvel minha prtica docente. A necessidade dessa resistncia crtica, por exemplo, me predispe, de um lado, a uma atitude aberta aos demais, aos dados da realidade; de outro, a uma desconfiana metdica que me defende de tornar-me absolutamente certo das certezas. (Freire, 1997, p. 151).

    Os processos pedaggicos no podem ser neutros, uma vez que os sujeitos sociais de que

    a escola se ocupa esto imersos no tecido social; assim a escola tem a tarefa de elaborar um currculo indispensvel ao amalgama da vida coletiva, sendo conservadores de saberes mas tambm inovadores, uma vez que os processos de existncia histrica e cultural devem ser enfocados e compreendidos. Neste sentido, que a alteridade socrtica se faz atual, pois os processos pedaggicos na sua modalidade intencional precisam ser acionados.

    Todos os educadores precisam estar atentos para reforar a conscincia dos valores e conhecimentos, e recusar que as disciplinas curriculares sejam pensadas a partir de determinaes de ordem utilitarista, resultante de uma objetividade materialista.

    O currculo escolar no pode priorizar apenas algumas formas de observao da realidade, uma vez que o conhecimento humano origina-se do que fazemos e, aquilo que fazemos, est embebido de cultura por ns produzida, ao nos produzirmos. Para HORN (2016) se o conhecimento relativo histria e sociedade, ele no neutro; todo conhecimento est mido de situaes histrico/sociais; no h conhecimento absolutamente puro, asctico, sem ndoa.

    Todo conhecimento est impregnado, ou emprenhado, como diria Scrates de histria e sociedade, portanto, de mudana cultural. Dessa forma, preciso que recoloquemos o problema do sentido social concreto da Escola. A concluso final clara: todo indivduo deve gozar exatamente dos mesmos direitos garantidos a todos os outros.

    As polticas de reforma de muitos pases desenvolvidos, por vrias razes, renunciaram s grandes estratgias de renovar o sistema de ensino, adotando tticas mais pontuais focalizadas nas escolas. Existe uma razo muito clara que explica esta orientao (cf. Sacristan e Gomes, 2007). Os grandes projetos de reforma dos currculos durante os anos 60 e 70 em outros pases foram muito caros e no chegaram a penetrar nas praticas das salas de aula. A avaliao desses projetos de inovao curricular demonstrou que as reformas educativas alteram pouco as coordenadas bsicas do sistema educativo se no atendem s escolas, j que so os lugares nos quais se forjam os estilos de comportamento pedaggico dos professores/as e onde possvel ou no transformar em realidade determinadas estratgias inovadoras. Para mudar em sentido amplo e em profundidade os modelos educativos parecido incidir no funcionamento interno das instituies, na diviso do poder, alterar a estrutura de emprego dos docentes e distribuir o controle da educao.

    A prtica de planejar o currculo nas escolas tem que ser uma prtica real. No possvel que a instituio escolar esteja merc de grupos polticos, que tomam as rdeas do sistema educativo e regulam seu funcionamento e seus contedos. Com a reformulao do Ensino

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    Mdio brasileiro as instituies educativas e as escolas com tradies prprias, ou aquelas que surgiram ao amparo de ideologias filantrpicas, movimentos ou teorias pedaggicas, vo ficando paulatinamente como instituies residuais dentro de um sistema escolar universalizado cujas regulaes afetaro a todos. Se algumas escolas, como o caso das escolas privadas, apresentam uma imagem diferenciada do resto, esta costuma ter pouco a ver em sentido estrito com o currculo ou com projeto de ensino de mais qualidade; os sinais distintivos provem, em muitos casos, da condio social que lhes empresta o tipo de alunos/as que atraem e do estilo de gesto que desenvolvem.

    Um projeto educativo ou curricular para o Ensino Mdio deve ser discutido, decidido, debatido, gestado e avaliado de alguma forma por todos os envolvidos no ensino, antes de ser implantado. A realizao de um projeto de escola integral no pode ficar reduzida a uma formao tcnica de base especfica.

    As reformas que querem implantar novos estilos educativos e inovar os currculos, empreendida pelo governo ps-impeachment com a pretenso de estend-la em cascata a todo o sistema educativo at o ano de 2018, so bastante caras, exigem abundantes e variados recursos para torn-la realidade. A proposta da Reforma tem provocado, sobretudo, inmeros conflitos, e esta deciso s veio a complicar o sistema educativo, uma vez que no h garantia de que as expectativas utilitaristas dos diferentes grupos sejam satisfeitas: alunos, pais, professores.

    Num tempo em que a economia no permite esperar um grande incremento dos gastos dedicados a educao, as reformas globais mais ambiciosas e caras devem dar passagem a inovaes qualitativas do que j se tem. Sob um discurso de querer melhorar a qualidade dos processos educativos e do que as escolas fazem, se esconde um giro na estratgia poltica para a mudana: ambies do mercado, olhando para dentro do sistema capitalista que objetiva contabilizar a mo de obra que lhe ser ofertada.

    Graas ao universalismo prprio da razo os gregos puderam entender, bem antes dos demais povos, a existncia de uma justia comum a todos os homens, cujo fundamento ltimo se encontra na conscincia tica e no nas leis editadas pelos detentores do poder poltico.

    Referncias CAMBI, Franco. Histria da Pedagogia. Trad. lvaro Lorencini. So Paulo: Fundao Editora da UNESP (FEU), 1999. COMPARATO, Fbio Konder. tica: direito, moral e religio no mundo moderno. So Paulo: Companhia das Letras, 2006. CORTELLA, Sergio Mario. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemolgicos e Polticos. 14. Ed. So Paulo: Cortez, 2011. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperana: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. HORN, Geraldo Balduno. Et al. ALGUMAS NOTAS PARA ANLISE DA MP 746/2016. Texto no publicado, 2016. JAEGER. Werner. Paideia: a formao do homem grego. Trad. Artur M. Pereira. So Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2010. PLATO. A Repblica. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 10a. Ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian. 1949. QUEIROZ,Cintia Marques de. Et al. EVOLUO DO ENSINO MDIO NO BRASIL. http://www.simposioestadopoliticas.ufu.br/imagens/anais/pdf/EP07.pdf SACRISTN, J. Gimeno & GMEZ, A. L. Prez. Compreender e transforma o ensino. Trad. Ernani F. Da Fonseca rosa. 4a. ed. So Paulo: Artmed, 1998.

    http://www.simposioestadop/http://www.simposioestadop/

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    SINTE. CNTE: ANLISE DA MEDIDA PROVISRIA N 746, QUE TRATA DA REFORMA DO ENSINO MDIO em:http://www.sintet.org.br/ultimasnoticias-224-cnte-analise-da-medida-provisoria-n-746-que-trata-da-reforma-do-ensino-medio, acessado em 15/11/2016

    http://www.sintet.org.br/ultimasnoticias-224-cnte-analise-da-medida-provisoria-n-746-que-trata-da-reforma-do-ensino-mediohttp://www.sintet.org.br/ultimasnoticias-224-cnte-analise-da-medida-provisoria-n-746-que-trata-da-reforma-do-ensino-medio

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    O ENSINO DE FILOSOFIA DE SUA ORIGEM AT O BRASIL

    Felinto Gadlha Segundo

    Mestrando em Educao (PPGED/UFRN)

    E-mail: [email protected]

    O ensino de filosofia se consolida historicamente na sociedade. Sua origem grega

    apresenta-se como ponto de partida de um projeto pedaggico de ensino de filosofia que influenciou a formao da cultura ocidental. O objetivo desse artigo entendermos como este ensino de filosofia, que se consolida historicamente, chega ao Brasil, a partir de ento discutiremos o ensino de filosofia no Brasil, suas tenses e interesses polticos que carreiam at os dias de hoje.

    Portanto, iniciaremos nosso estudo apresentando em destaque que a cultura ocidental fora construda com o alicerce da filosofia e pedagogia grega maneira de pensar e de educar para a vida, que perpassa e desenvolve toda a histria humana do ocidente: sua cincia, sua maneira de representar as artes, o lazer, o direito, a medicina, a construo de conceitos, a poltica, entre tantas outras relaes culturais, enfim, tudo isso constitui antropologicamente e filosoficamente quem o homem e a mulher de nossa cultura ocidental, como indivduos sujeitos de subjetividade e criatividade, que transforma a natureza e domina a tecnologia. Mediante esta constatao, nos cabe retomarmos brevemente este contexto histrico que inter-relacionam filosofia, educao, e cultura, como a base constitutiva do homem e da mulher ocidental (SEVERINO, 2014).

    Primariamente destacamos que a filosofia tem sua origem nos gregos antigos a partir do sculo VI a.C, eles a definiram como: o amor a sabedoria. Seu ensino, desde ento, se preocupava em formar o cidado grego como um sujeito virtuoso, livre, justo, prudente, sbio em seu agir, que amava o conhecimento e que amava a verdade, Plato discorre bem num dos seus dilogos sobre o amor ao saber:

    [...] o amor uma espcie de elevador que, no primeiro andar, encontra o amor fsico, no segundo o espiritual, no terceiro, arte e depois, continuando, a justia, a cincia e o verdadeiro conhecimento, at chegar ao andar superior, onde reside o Bem (DE CRESCENZO, 1986, p.89).

    Importa-nos, tambm, recordarmos que aos gregos se devem o esforo da criao

    pedaggica, que transparecia mais nitidamente no domnio da filosofia desde os primeiros fsicos da escola de Mileto, e aos Pitagorismos que tornaram instituio a escola filosfica:

    O Pitagorismo, enfim, realiza esta ambio pedaggica: a escola filosfica. Esta, tal como aparece em Metaponte ou em Crotona, no mais uma simples hetairia do tipo antigo, ligando mestre e discpulos no mbito de relaes pessoais; uma verdadeira escola, que absorve o homem por inteiro e lhe impe um estilo de vida; uma instituio organizada, com sua sede, suas leis, suas reunies regulares... [...] Instituio caracterstica, ser mais tarde imitadapela Academia de

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    Plato, pelo Liceu de Aristteles, pela escola de Epicuro, e permanecer como a forma tpica da escola filosfica grega2 (MARROU, 1966, p.82).

    Ressaltamos que a esta educao filosfica os gregos chamam-na de Paidia: educao e formao tica de seus cidados. Esta educao se desenvolve ao longo da histria da antiga Grcia, sua pedagogia influenciar tambm, ao decorrer da histria ocidental, o perodo da histria medieval com a chamada Paidia crist, que continha a formao moral crist como base no estudo da teologia da revelao atravs da leitura e exegese bblica e nos ensinamentos de Jesus. Nos sete primeiros sculos ps Cristo estava em vigor a chamada Patrstica e posteriormente se funda a Escolstica (sculo IX at o final do sculo XVI), escolas filosficas que buscavam unir a f e a razo, porm desta segunda a responsvel pela criao das primeiras Universidades (MARROU, 1966; CAMBI, 1999; JAEGER, 2001).

    A filosofia aparece ainda como a relevante construtora da instituio universitria, sendo na Europa o lugar em que o ensino da filosofia finca seu status de rainha das cincias, ou serva da teologia. Mediante o nascimento das Universidades na baixa idade mdia a filosofia permanece em lugar de destaque referente educao que, inicialmente estudada na Faculdade de Artes, como propedutica ou introduo a qualquer estudo, na maioria dos casos, a teologia, ao direito, medicina (OBIOLS, 2002, p.27).

    No entanto, na estrutura das diversas variantes da escolstica que ainda hoje alguns cursos ou disciplinas de teologia e filosofia, comuns a cada uma das distintas carreiras universitrias, ao lado dos especficos correspondentes, na qual naturalmente ocupam maior espao na grade, sobrevivem estrutura de algumas universidades catlicas. (OBIOLS, 2002)

    Vale ressaltar que a partir dos sculos XVI-XVII que a filosofia se faz presente tambm nos colgios preparatrios, os quais so precursores da educao secundria, como podemos ler a seguir:

    Na realidade, at fins do sculo XVI e durante o XVII, ao sistematizar-se os estudos prvios para ingressar na universidade, so criados os colgios de cursos preparatrios com distintos nomes em diferente pases: escolas de humanas na Inglaterra, colgios privados e mais tarde liceus estaduais em Frana, ginsios na Alemanha e etc. Estes estabelecimentos, com o tempo, constituir-se-o nas escolas e colgios secundrios de nossos dias. Naquela poca, recebiam alunos de quatorze a quinze anos para dar-lhes uma educao preparatria durante trs ou quatro anos (OBIOLS, 2002, p.29).

    Assim, destacamos que todo o sistema educacional teve sua gnese na filosofia e esta permeia at os dias atuais as vrias prticas pedaggicas do ensino Universitrio ao Infantil, como construto histrico-social o que pe sempre em destaque a disciplina de filosofia como a precursora de toda e qualquer pedagogia, como observamos a seguir:

    Deve-se observar, incidentalmente, que o sistema educativo, do qual com propriedade podemos falar recentemente, a partir do sculo XIX, se constitui de cima para baixo: primeiro nas universidades, em seguida os colgios preparatrios (secundrios), a educao primria se generaliza na segunda metade do sculo XIX e posteriormente a 1950 se oficializa a educao inicial para crianas de 4 e 5 anos de idade (OBIOLS, 2002, p.29).

    Porm, ao longo da modernidade, a filosofia perde progressivamente o status de serva da teologia e passa por um momento de recolhimento nas universidades, tendo em vista que aquele era um perodo intenso das tendncias cientificistas, do nascimento das cincias sociais ao

    2Sugesto de bibliografia: DIGENES LARCIO, Vidas dos filsofos, I, 34.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_IXhttps://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XVI

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    apogeu do positivismo, que apontavam por diminuir sua importncia ou por reduzi-la a epistemologia. No entanto, o iluminismo que atribui ao seu ensino o papel emancipador, com o intuito de desenvolver nos homens a capacidade de pensar por si mesmos e libert-los do terreno de qualquer autoridade, de tal maneira, podemos destacar a seguir:

    O iluminismo moderno, em geral, e a tradio republicana francesa, em particular, deram a ela um papel emancipador, isto , a possibilidade da libertao das distintas tutelas, que haviam submetidos os homens. A Unesco, desde sua fundao, e atravs de distintos colquios, enfatizou a importncia do ensino da filosofia como base do ensino das cincias, por seu papel na formao do cidado e por constituir o ncleo de formao cultural e humanstica. (OBIOLS, 2002, p.21)

    Percorrendo tal histria sobre o lugar e o papel do ensino da filosofia, podemos constatar sua atual importncia no contexto educacional na cultura ocidental, como tambm sua insistente permanncia no mbito educacional brasileiro.

    Sabe-se que a histria da educao brasileira se constitui em sua origem pela presena da escola Jesutica Companhia de Jesus (1549-1759) e sua estreita vinculao a poltica colonizadora dos portugueses.

    A reforma das referentes Constituies da Companhia de Jesus entra em vigor a partir de 1599, chamada de Ratio Studiorum, nela continha um Plano de Estudo, concentrando-se na sua programao os elementos da cultura europia para a formao gratuita para o sacerdcio (formao de curso de humanidades, curso de filosofia, curso de teologia e por fim enviava seus aprendizes para conclurem seus estudos na Europa), porm a no adequao do ndio a formao sacerdotal catlica influenciou na proposio de um ensino profissional e agrcola, formao essencial vida da colnia, como tambm a instruo catequtica. Entretanto, os filhos dos colonos foram instrumentos de formao aos moldes da Ratio Studiorum, e de tal maneira, os colgios jesuticos passam a formar a elite colonial brasileira (RIBEIRO, 1991).

    Nesta situao, o ensino de filosofia se faz presente na formao educacional e cultural brasileira desde sua origem, porm seu ensino foi em seu incio marcado pela escolstica da filosofia medieval, longe de ser uma filosofia crtica, porm dogmtica.

    A Companhia de Jesus atingida e expulsa em 1759, resultado da nova situao poltica portuguesa, e das reformas do marqus Pombal (Sebastio Jos de Carvalho e Melo), enquanto ministro do monarca (D. Jos I), a fim de recuperar a economia portuguesa com bases no fortalecimento da coroa real e da modernizao da cultura, assim era necessrio tirar o maior proveito possvel da colnia. Para isso, intensifica a fiscalizao das atividades aqui desenvolvidas, essa requer um aparelhamento sofisticado administrativo exigindo um preparo elementar de recursos humanos, como tcnicas de leitura e escrita, surgindo assim instruo primria na escola brasileira, o que antes cabia famlia, essa educao visava formao modernizada da elite colonial (masculina), atendendo aos novos interesses da camada dominante. (RIBEIRO, 1991)

    Surge neste perodo (fase pombalina da escolarizao brasileira), o ensino pblico propriamente dito, desvinculado a formao da Igreja. Fora criado pelo alvar de 28 de junho de 1759 o cargo de diretor geral dos estudos, o mesmo determinava a prestao de exames para professores. O ensino secundrio com durao aproximadamente de 9 anos cursos de Letras Humanas e de Filosofia e Cincias passa por uma nova organizao, novos mtodos e novos livros. Neste contexto, assinalamos que o ensino de filosofia permanecia obrigatrio no ensino secundrio, porm, pouca referncia nos apresenta sobre seu contedo ensinado, como podemos observar na seguinte citao sobre o ensino da filosofia: As diretrizes para a aula de filosofia ficaram para mais tarde e, na verdade, pouca coisa aconteceu. Diante da ruptura parcial com a tradio, este campo causou muito receio ou muita incerteza em relao ao novo (RIBEIRO, 1991, p. 34).

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    A falta de consistncia da disciplina de filosofia no Brasil, assim como de todo o contexto nacional da educao perpassa tambm pelo perodo imperial (1822-1829) e pelo perodo da repblica velha (1889-1930), por vrias mudanas de regulamentos e decretos, que resultou em propostas educacionais liberais e positivistas com a inteno de integrar um processo de mudana da sociedade rural-agrcola para urbano-comercial. Assim, em 8 de novembro de 1890, Benjamin Constant, enquanto Ministro da Instruo Pblica, decretou uma reforma curricular do ensino primrio e secundrio, do Distrito Federal, propondo princpios de liberdade e laicidade do ensino, bem como gratuidade da escola primria, porm prioriza em seu currculo as cincias, explicitando a influncia das ideias do positivismo. Podemos observar tambm no decreto n 11.530 de 18 de maro 1915 - Carlos Maximiliano (Ministro da Justia) o utilitarismo do ensino secundrio, atravs da obrigatoriedade de disciplinas que desfoca o enfoque filosfico para o cientfico (GALLO et. al, 2001; RIBEIRO, 1991).

    A Reforma Vaz, com o decreto n. 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925, garantiu no ensino secundrio seis sries, incluindo o eixo de histria da filosofia nas duas ltimas sries, seu objetivo era fornecer no ensino secundrio uma cultura geral, no vinculada escolha profissional (GALLO et. al , 2001).

    A partir da revoluo de 1930, surgem novas reformas no campo educacional marcadas pela criao e implantao do capitalismo industrial brasileiro, ao qual houve grande expanso do ensino, pressionado pelos segmentos organizados, como o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), por exemplo, com sua defesa formal da escola para todos, conferindo visibilidade s contradies do nosso processo de escolarizao, estimulando o debate em torno da democratizao do acesso educao brasileira. Em relao a esse movimento podemos assinalar sua herana no ensino de filosofia nas reformas de Francisco Campos (1932) e de Gustavo Capanema (1942):

    A reforma Campos introduziu novas disciplinas no currculo do ciclo complementar, como, por exemplo, psicologia, sociologia e histria da filosofia. J na reforma de Capanema, a filosofia ocupa maior espao nos currculos dos cursos clssicos e cientficos. Constitua disciplina obrigatria na 2 e 3 sries do curso clssico e na 3 srie do cientfico. [...] A lgica, a moral e a sociologia tinham espao privilegiado nas aulas de filosofia do 3 ano do curso clssico. Mas, em 1954, a portaria n. 54 reduziu o nmero de aulas semanais, estabelecendo um mnimo de duas horas por semana nas sries do clssico e uma hora apenas, no cientfico. [...] Na ocasio de sua promulgao, Capanema enfatizou que esse nvel de ensino tinha como principal preocupao formar nos adolescentes uma cultura geral, com conscincia patritica e humanstica. (GALLO et. al, 2001, p.26 -27)

    A reforma Capanema representa um avano na efetivao do ensino obrigatrio de filosofia no currculo, em contra partida, com a lei n. 4.024/61, a disciplina de filosofia perde sua obrigatoriedade na medida em que ficou sob a responsabilidade do Conselho Federal de Educao a indicao, para todos os sistemas de Ensino Mdio, as disciplinas obrigatrias, e os conselhos estaduais de educao a indicao das disciplinas complementares, podendo a filosofia ficar entre elas (GALLO et. al, 2001, p.27) e com golpe militar de 64 torna a disciplina de filosofia optativa, com sua presena na grade passando a depender da direo do estabelecimento de ensino (GALLO et. al , 2001, p.28) representaram um retrocesso no ensino de filosofia, pois seu ensino perde espao conquistado no currculo escolar, constatando a falta de interesse da disciplina de filosofia num contexto da conjuntura poltica vigente no Brasil, que tinha o interesse de formar os cidados em vista da economia de industrializao econmica, na qual desinteressava o ensino de formao humana.

    Ao ensino fundamental e de segundo grau brasileiro, as leis n. 5.692/71 e n. 7.044/82 reforam o acordo e cooperao financeira da Agncia Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional Mec-Usaid, disso podemos averiguar a ausncia da disciplina

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    de filosofia como optativa no ensino dos cursos de Segundo Grau, em favor da incluso de novas disciplinas tcnicas no currculo (GALLO et. al , 2001).

    Mediante ao quadro desfavorvel da presena da disciplina de filosofia nas escolas brasileiras, surge a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - 9.394/96 (LDB) como marco para uma nova orientao curricular, esta contempla a reinsero da disciplina de filosofia no Ensino Mdio, porm, de acordo com Gallo (2001), o escrito traz um trecho vago e paradoxal, pois nem a define claramente em seus contedos nem a torna obrigatria. Como podemos observar no Art. 36, 1 da seo IV, captulo II ttulo IV, a seguir:

    Os contedos, as metodologias e as formas de avaliao sero organizados de tal forma que ao final do ensino mdio o educando demonstre(...)domnio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessrios ao exerccio da cidadania. (MINISTRIO DA EDUCAO, 2000, p.17-18)

    Contudo, muitas disputas polticas e ideolgicas foram travadas at a consolidao efetiva deste ensino previsto em Lei. Muitos interpretavam os conhecimentos filosficos como temas transversais, retirando sua importncia como cadeira especfica na grade curricular, outros interpretavam sob a crtica do modelo disciplinar da escola e em consequncia disso, a insero de mais uma disciplina escolar, a filosofia, seria uma medida infeliz, pois iria sujeit-la a rituais e tratamentos pedaggicos, contrrios ao pensar crtico, ao prazer e a autonomia. Dessa maneira, a Lei sobre a insero das disciplinas de filosofia e sociologia permaneceu por anos em discusso.

    Por cerca de trs anos tramitou na Cmara e no Senado Federal um projeto de lei complementar que substitua o citado artigo 36 da LDB, instituindo a obrigatoriedade das disciplinas filosofia e sociologia nos currculos de ensino mdio. Aps aprovao nestas duas instncias do Poder Legislativo Federal, o Projeto foi vetado em outubro de 2001, pelo ento presidente Fernando Henrique Cardoso. Os argumentos que sustentaram o veto foram basicamente dois, j mencionados: a) a incluso da disciplina de filosofia e sociologia implicaria incremento oramento que seria impossvel de ser arcado pelos estados e municpios; b) no haveria suficientes professores formados para fazer frente s novas exigncias da obrigatoriedade da disciplina. (FAVERO et. al., 2004, p.260)

    Diante do exposto, o que se percebe claramente que estas razes no passam por falcias, pois, em primeiro lugar, o que est em jogo o remanejamento da carga curricular, o que no implica em aumento oramentrio e, em segundo, que existe uma grande demanda de pessoas formadas em filosofia, e que ao mesmo tempo, sua presena na grade do ensino de educao bsica, implicaria no interesse maior das instituies na formao mais adequada destes profissionais/professores. (FAVERO et. al., 2004)

    Diante destes entraves, surge em defesa insero da filosofia argumentos de cunho formativo e ideolgico na diretiva da formao da cidadania, garantindo uma introduo verdadeiramente consistente e sistemtica dos jovens, no mbito da reflexo filosfica (FAVERO et. al., 2004, p.261). O que culmina na audincia pblica, em 24 de junho de 2003, que teve como pauta a volta da filosofia e sociologia ao currculo do ensino mdio.

    Na referida audincia pblica sobre o ensino de filosofia e sociologia, o Projeto de Lei que ali tramitava faz referncia Declarao de Paris pela filosofia, discorrendo sobre a filosofia e sociologia:

    [...] tambm se percebe a correlao do seu ensino como o avano do processo democrtico, tornando-se imperativo restaurar um pensamento crtico em educao. Compreende-se que seja assim, pois no h

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    propriamente ofcio filosfico (nem sociolgico, mutatis mutandis) sem sujeitos democrticos e no h como atuar no campo poltico e cultural, consolidar a democracia, quando se perde o direito de pensar, a capacidade de discernimento, o uso autnomo da razo. Quem pensa ope resistncia. (BRASIL, 2003, p. 1)

    Perante aos embates em torno da obrigatoriedade da disciplina de filosofia no Ensino Mdio, em 2 de junho de 2008, entra em vigor a lei n. 11.684, que altera o art. 36 da LDB 9.394/96, incluindo a filosofia e a sociologia como disciplinas obrigatrias nos currculos do ensino mdio, este foi um grande avano ao ensino de filosofia, porm ela permanece com permanente campo de embates para sua permanncia. (FAVERO et. al., 2004)

    Em relao ao ensino de filosofia no Brasil para crianas no ensino infantil e fundamental, podemos observar sua insero em escolas privadas e pblicas, por volta de 1995, o que podemos constatar a seguir:

    Desde 1985, com a chegada ao Brasil do programa de Filosofia para Criana, criado por Mattew Lipman, algumas escolas em sua maioria particulares adotam a filosofia como disciplina em seus currculos do ensino fundamental. No ensino infantil h experincias sistemticas com a filosofia pelo menos desde 1995. Recentemente, alguns poucos municpios, particularmente na Bahia (Ilhus, Una, Itabuna) e no Mato Grosso (Cuiab), estabelece a obrigatoriedade do ensino de filosofia na rede pblica no nvel fundamental ao nvel mdio (...) De modo geral, no ensino fundamental h registros de escolas privadas trabalhando com filosofia em quase todos estados e das pblicas em alguns deles (Distrito Federal, Rio de Janeiro, Mato Grosso, So Paulo, Bahia). Por exemplo, em Itabuna, quarta maior cidade da Bahia, h filosofia no ensino fundamental, de 5 9 srie, em todas as escolas do municpio (FAVERO et. al., 2004, p.266-267).

    Vale pena ressaltar que escolas e universidades desenvolvem pesquisas e metodologias prprias no ensino de filosofia nos nveis infantil e fundamental (FAVERO et. al., 2004, p.267).

    No Brasil, a educao de filosofia para crianas teve crescente interesse a partir da dcada de 80, com o conhecimento, a traduo e a difuso dos materiais e mtodos do Programa de ensino de filosofia para Crianas de Matthew Lipman, realizado por Catherine Young Silva (1937-1993), mestre em educao em filosofia para crianas na Montclair State University, Estados Unidos, dirigida por Matthew Lipman. Em 1984, junto com um grupo que ainda hoje trabalham com o programa, divulgou-o dentro das suas prprias instituies de ensino, a escola de ingls Yzigi, em So Paulo. No mesmo ano, mais duas escolas privadas receberam a experincia de realizar informalmente o programa com o material incompleto. (WUENSCH, 1998).

    Tambm, no mesmo ano (1984), o grupo que apoiou Catherine realiza a formao de professores para atuarem em escolas pblicas e no ano seguinte cria o (CBFC) Centro Brasileiro de Filosofia para Crianas como entidade civil, que se dedicaria a formao de professores, traduo e divulgao dos materiais e do programa, conforme podemos observar em Wuensch, 1998:

    Com o apoio de Marcos Antonio Lorieri (que tinha sido professor de Catherine no curso de Filosofia da PUC-SP), e das professoras de filosofia e ingls Ana Luiza Falcone e Sylvia Hamburger Mandel, foram feitos contatos para realizar a formao de professores e a implantao do trabalho em diversas escolas pblicas da zona leste de So Paulo, o que aconteceu no ano seguinte. Em janeiro de 1985, este grupo criou o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianas (CBFC) (p.51-52)

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    A partir de ento, a filosofia para crianas e seu interesse ganha um percurso que pode ser chamada de movimento de filosofia para crianas no Brasil, donde o grupo que representava o CBFC formava novas geraes de professores e promovendo ao mesmo tempo conferncias e palestras. Em algumas delas houve a presena do idealizador do programa Matthew Lipman que esteve no Brasil, em 1985, apresentando o tema Filosofia para Crianas, isto possvel? Em 1988, no II Congresso Internacional de Filosofia para Crianas e do I Seminrio Nacional de Filosofia, Desenvolvimento do Raciocnio e Educao: Uma relao Possvel. (WUENSCH, 1998).

    Na dcada de 90, o movimento de ensino de filosofia para crianas se fortalece, nas regies de So Paulo SP, Florianpolis SC, Belo Horizonte BH, Braslia DF, Curitiba PR, Petrpolis RJ, So Luiz MA, em especial nas instituies privadas, com crescente experimentao e criao de novos recursos pedaggicos inteirados com projetos pedaggicos das prprias instituies. Nas escolas pblicas, o programa de ensino de filosofia para crianas passam pela institucionalizao acadmica atravs de monitores conduzidos pelo trabalho de professores acadmicos como Marcos Louriere em So Paulo, Peter Btter, em Mato Grosso e Auri Cunha, em Campinas (WUENSCH, 1998).

    Em 1995, o Instituto de Filosofia e Educao para o Pensar (IFEP) fundado com o objetivo de fornecer a formao de professores, difundindo o programa de ensino de filosofia para crianas de Lipman. E, em 2010, o CBFC encerra suas atividades, conferindo suas responsabilidades ao IFEP. A seguir podemos observar as atividades realizadas de 1995 a 2009. Dados retirados da pgina da internet, IFEP, 2016:

    Encontro de Professores: I Encontro de professores A discusso filosfica na Comunidade de Investigao (Marcos Antonio Lorieri) 17/05/97 150 professores II Encontro de professores O Filosofar como Educao para a Cidadania (Jos Auri Cunha) 28/07/2000 250 professores Palestras: 1. Ann M. Sharp, realizada em 25/08/2001, Colgio Marista Santa Maria, Curitiba/ PR Temas: A filosofia e o desenvolvimento de habilidades e competncias de pensamento A pedagogia da comunidade de investigao e a educao para valores e cidadania 2. Prof. Dr. Marcos Antonio Lorieri, realizada em 23/02/2007, Universidade Tecnolgica Federal do Paran - UTFPR Tema: O papel e o valor formativo da filosofia, ministrada 3. Prof. Jos Auri Cunha, realizada em 23/02/2007, Universidade Tecnolgica Federal do Paran - UTFPR Tema: Prticas Filosficas na Educao Bsica Encontros e Congressos de Crianas: Projeto Filosofia e Cidadania na Escola - I Encontro Paranaense de Crianas, realizado em 1998, realizado no Colgio N. Sra. de Lourdes, Curitiba/PR, com 300 participantes. Foco filosfico: Cidadania e Direitos, slogan: CIDADANIA: DIREITO DE TER DIREITOS. Temas: direito e dever, criana, famlia, comunidade, educao, sade, meio-ambiente / ecologia, trabalho e liberdade. - II Encontro Paranaense de Crianas, realizado em 1999, no Colgio Sagrado Corao, Curitiba/PR, com 500 participantes. Foco filosfico: Cidadania e Comunicao, Slogan: VAMOS NOS COMUNICAR... E NO MUNDO NOS REVELAR. (Tiago Pavelski, 4 srie, 9a. CIESC Madre Cllia). Temas: verdade, linguagem, pessoa / subjetividade e cultura, paz e responsabilidade. - I Congresso de Filosofia entre Crianas, realizado em 2000, no Colgio Marista Santa Maria, Curitiba/PR, com a presena de 650 pessoas - crianas e professores. Foco filosfico: Cidadania e cotidiano. Slogan: PELA

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    CIDADANIA O MUNDO SE UNE!. (Luan Haddad Ricardo dos Santos, 4 srie. 9a. Col. Marista Santa Maria / Curitiba). Temas: A vida do Cidado Trabalho e dignidade; Cidadania e Universo Cultural; Criana; Ecologia; Educao Escola; Meio Ambiente; Sade Pblica e Dignidade; Violncia; Comunidade; Direitos e Deveres; Escolhas Famlia; Ecologia e Meio Ambiente; Abandono Infantil; Ser Pessoa; Convivncia. - II Congresso de Filosofia entre Crianas, realizado em 2002 no Colgio Marista Santa Maria, Curitiba/PR, com a presena de 700 participantes crianas e professores. Foco filosfico: Cidadania e Vida. Slogan: do pensar que vem o viver!. Nayane Amaral Dutra, 10. 4 Srie, Col. Diocesano Leo XIII, Paranagu, PR. Temas: sentir, pensar, olhar, criar, libertar, transformar, planejar, conviver, brincar, salvar, cuidar, respeitar, ser feliz, ser justo e ser amigo. Histria trabalhada: DADEDIDODVIDA! Surpresas da Filosofia! (IFEP, 2016)

    Podemos destacar que durante estas trs dcadas o ensino de filosofia para crianas no Brasil tem levado os pesquisadores a pensar na proposta de Lipman quanto teoria das relaes entre o que filosofia e o que se entende por criana e infncia, como tambm a pesquisas sobre a prtica da sala de aula, a aplicabilidade do programa e seus resultados, que esto ligados diretamente as implicaes polticas educacionais influenciando sua aplicao nas escolas pblicas. Concluses

    O ensino da filosofia teve sua gnese no bero da civilizao grega, influenciando toda a

    cultura ocidental. Especificamente o ensino da filosofia tratar da maneira do homem conceber o pensamento a partir da reflexo sobre si, sua natureza, sua interao com o mundo, e com o outro. Disso se constitu o interesse da filosofia pela poltica e pela prpria educao. A filosofia ao passo que ela educa, cria espaos e modos de educar, institucionaliza e adqua a cultura da educao, dando funo ao pensamento humano e construindo conhecimentos e saberes.

    no percorrer da histria que compreendemos o porqu do ensino da filosofia possuir tantos entraves, pois ela muitas vezes caminha na contramo das ideologias vigentes. No entanto, a filosofia tem essa capacidade de se tornar til independentemente do contexto histrico, na medida em que, sem ela, o processo histrico do pensamento e da humanidade no possuiria base epistemolgica para romper com pensamentos caducos abrindo-se a novos horizontes do conhecimento.

    No Brasil, o ensino da filosofia passou por vrias facetas e funes, desde o ensino jesutico, com a filosofia escolstica, dogmtica. A fase pombalina da escolarizao brasileira, que mesmo com a educao j desvinculada da Igreja Catlica, no houve tantas mudanas em relao ao ensino de filosofia, porm continuara como disciplina curricular obrigatria. A Reforma Vaz (1925), garantindo no ensino secundrio seis sries, o eixo de histria da filosofia nas duas ltimas sries. A reforma de Capanema (1942), garantindo um ensino de filosofia com formao de adolescentes com cultura geral, com conscincia patritica e humanstica. Passando pela desobrigatoriedade do ensino de filosofia no Regime Militar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - 9.394/96 (LDB) contemplando a reinsero da disciplina de filosofia no Ensino Mdio, apesar de encontrarmos aqui grandes entraves ideolgicos e polticos para sua retirada. At sua retirada obrigatria na Nova Reforma do Ensino Mdio em discusso no Congresso Nacional (2016-2017).

    Destarte, constatamos tambm um movimento do ensino de filosofia para crianas no Mundo e no Brasil. Este vem se tornando um campo da filosofia da educao com crescente interesse por parte de importantes pesquisadores da educao brasileira por ser uma proposta de formao humanstica de carter crtico, reflexivo, consciente de si e da realidade, capaz de

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    auxiliar na formao da cidadania desde a tenra idade. Porm seu ensino est atrelado a programas de ensino privado, o que torna antidemocrtico seu ensino mediante sua inacessibilidade ser um grande obstculo s camadas desfavorecidas de capital financeiro.

    Referncias BRASIL. Projeto de Lei, 2003. Altera dispositivos do artigo 36 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educao nacional. Braslia, DF: Cmara dos Deputados, 2003. CAMBI, Franco. Histria da pedagogia. Trad. de lvaro Lorencini. So Paulo: Fundao editora da UNESP (FEU), 1999.

    DE CRESCENZO, Luciano. Histria da filosofia grega: a partir de Scrates. Lisboa: Presena, 1988. 190 p. FAVERO, Altair Alberto; CEPPAS, Filipe; GONDIJO, Pedro Ergnaldo, Gallo Silvio, KOHAN, Walter Omar. O Ensino da Filosofia no Brasil: UM MAPA DAS CONDIES ATUAIS. Cad. Cedes, Campinas, vol.24, n.64, p.257-284, set./dez.2004.

    GALLO, Silvio; KOHAN, Walter Omar (org). Filosofia no ensino mdio. 3. ed. Petroplis, RJ: Vozes, 2001. 205 p. (Filosofia na escola, v. 6) JAEGER, Werner Wilhelm, (1888-1961). Paidia: a formao do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 4 Ed. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

    MARROU, Henri-Irne. Histria da educao na antiguidade. So Paulo: Epu, 1966. MINISTRIO DA EDUCAO. Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio. Braslia: Secretaria da Educao Mdia e Tecnolgica (Semtec/MEC), 2000. OBIOLS, Guillermo. Uma introduo ao Ensino da Filosofia. Iju, Rio Grande do Sul: Uniju, 2002.

    RIBEIRO, Maria Luiza Santos. Histria da educao brasileira: a organizao escolar. 11. ed. So Paulo: Cortez Autores Associados, 1991. 180 p. (Educao contempornea)

    SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia no ensino mdio. So Paulo: Cortez, 2014. 336 p. WUENSCH, Ana Mriam. NOTAS PARA UMA HISTRIA DO MOVIMENTO FILOSOFIA PARA CRIANAS NO BRASIL. In: KOHAN, Walter Omar; WUENSCH, Ana Mriam . (Org.). Filosofia para crianas: a tentativa pioneira de Matthew Lipman. 1. V. 3 ed.Petrpolis, RJ: Vozes, 2000, p. 43-83. Citao de internet: IFEP Instituto de Filosofia e Educao para o Pensar. [online] Disponvel na Internet via WWW. URL: http://www.philosletera.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=89&Itemid=94. Dados capturados em 16 de agosto de 2016.

    http://www.philosletera.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=89&Itemid=94

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    RETIRADA DA FILOSOFIA DO ENSINO MDIO OU O PORQU DO SISTEMA EDUCACIONAL

    BRASILEIRO SER IMEDIATISTA

    Jos Anderson dos Santos Bezerra Licenciando em Filosofia (PIBID UFRN)

    E-mail: [email protected]

    No ano de 2016, depois de concretizado o processo de impeachment da ento presidente

    da Repblica, Dilma Rousseff, o novo governo do peemedebista, Michel Temer, atravs do Ministrio da Educao, sob o comando de Mendona Filho (DEM), lana a Medida Provisria (MP) 746/2016 para reformular o ensino mdio no Brasil. A MP 746/2016 tem, entre as suas principais medidas para modificar o ensino mdio, a retirada da obrigatoriedade da Filosofia do currculo juntamente com a Sociologia. A retirada de tais disciplinas nos faz refletir sobre a mentalidade presente na proposta da MP.

    A MP 746/2016 se apresenta ao pas em um contexto onde todo o sistema de ensino questionado. H uma m avaliao do ensino pblico exposta no resultado do IDEB; h um descontentamento histrico com a escola pblica; h um fantasma que chama professor de doutrinador; h projetos de lei que visam retirar a reflexo de sala de aula em nome da no doutrinao e objetividade do ensino; h, tambm, um pensamento que determina o que importante de se aprender na escola: a lngua ptria e a linguagem matemtica. Os estudantes esto cheios de disciplinas sem importncia e, com isso, deixam de aprender portugus e matemtica, o que importa dizem eles.

    nesse contexto que surge a MP 746/2016, tendo em vista capacitar os estudantes secundaristas naquilo que considerado fundamental ser aprendido e oferecendo itinerrios formativos opcionais, porque depois de aprendido o que fundamental a todos portugus e matemtica , os estudantes tero um ensino de qualidade se puder escolher a rea que iro prosseguir com seus estudos. Tudo isso mirando a melhoria da avaliao do ensino mdio e, infelizmente, sem considerar o ser humano em sua totalidade: ser individual (corpreo e cognitivo, dotado de pensamento e linguagem), ser social e poltico; e sujeito operante e construtor do mundo.

    Podamos empregar muito tempo refletindo e fazendo projees sobre os resultados prticos dessas mudanas, mas aqui nos interessa saber uma coisa: o que essa proposta revela sobre o pensamento educacional do atual governo? Mais: o que, estando implcito nessa ideia de ensino mdio, vai ocasionar no desenvolvimento dos estudantes secundaristas? Esse tipo de reforma revela mais que um desejo e um projeto de pas: traduz e expe uma estrutura de pensamento sobre o ser humano, a sociedade e os interesses de classe. Educar algum sempre vem acompanhado de um para qu? que, no obstante, expe um por qu? e para quem?.

    Atravs dessas indagaes somos levados a refletir sobre a retirada da obrigatoriedade da Filosofia do ensino mdio: o que essa situao nos aponta?

    Um velho, porm, ainda importante alemo, pode nos direcionar a como pensar e ampliar essa questo, trazendo-nos tambm chaves de respostas para compreender a qual ideologia atende a MP 746/2016. Trata-se de Hegel. Mesmo aps o sculo XX, de pensamentos to dspares sobre o homem, o conhecimento, a percepo e o social, a obra do alemo ainda se faz

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    importante, em razo da leitura da realidade feita por ele e do aprofundamento das questes de nosso tempo possibilitado por sua filosofia.

    Em seu magnum opus, a Fenomenologia do Esprito, Hegel lana as bases de seu sistema discutindo a questo da conscincia e sua relao com o mundo. O mundo objetivo, natural, coisificado, que o mundo regido por leis fsicas, um mundo sem sentido em si. S uma conscincia pode significar algo do mundo. S essa conscincia pode empregar sentido s coisas naturais. S o homem capaz de conhecer e transformar, e faz isso por ser consciente.

    Pensar assim, entendendo o homem como ser ativo na construo do sentido do mundo, j no era revoluo na Filosofia. Descarte j havia falado nesse sentido ao aliar a existncia ao Cogito, ao sujeito pensante. Os Sofistas, na antiguidade, j vislumbravam tal entendimento ao dizer que o homem a medida de todas as coisas; mas Hegel, ao escrever a Fenomenologia, aprofunda a questo na pretenso de entender a dinmica da conscincia, e, por conseguinte, da relao sujeito-objeto, do homem com o mundo; da prpria estrutura do entendimento humano.

    A primeira parte da Fenomenologia do Esprito dedicada a apresentar a discusso inicial sobre os modos de conscincia a Certeza Sensvel, a Percepo e o Entendimento. Antes de tudo, conscincia identificada como saber de, e fazer do saber o objeto da investigao, investigar a prpria natureza do saber, do que se sabe e de quem sabe e quem sabe consciente; conscincia.

    Assim como em Aristteles, o conhecimento inicia-se na sensao. Diferente dele, Hegel no investiga o processo de conhecimento tendo em vista o saber dos saberes, que abrange o universal, algo exterior ao homem que ele possa dominar, mas investiga a prpria dinmica do movimento da conscincia, que situa o homem no mundo, buscando o saber-de-si, e identificando-se no mundo, diferenciando-se do mundo. nvel universal, o prprio movimento do Esprito do Mundo, que move a histria e as instituies sociais, tendo em vista superar as contradies presentes nessas coisas. Mas a prpria dinmica da conscincia explica e situa cada indivduo no mundo.

    Esta dinmica da conscincia tem sua primeira figura ou modo, como Hegel identifica no pargrafo 165 na experincia sensitiva, que imediatista, o que Hegel chama de Certeza Sensvel, ou O isto.

    O saber que, de incio ou imediatamente, nosso objeto, no pode ser nenhum outro seno o saber que tambm imediato: saber do imediato ou do essente. ( 90)

    Esse saber imediato que Hegel cita, identificado como primeira figura de conscincia,

    nada mais que o primeiro contato da conscincia com o objeto. Nesse primeiro contato, nessa imediaticidade, no h identificao de si pela conscincia, nem mesmo negao; importa, somente, o objeto visto, descoberto. Nessa imediaticidade, a verdade da coisa arbitrariamente identificada. Ao visar, a conscincia entende a objetividade do mundo e tem a iluso que o conhece em sua totalidade. a certeza sensvel aparece como a mais verdadeira, pois do objeto nada ainda deixou de lado, mas o tem em toda a sua plenitude, diante de si ( 91).

    Isso nos remete a pensar que um sistema de ensino, tendo por objetivo o desenvolvimento integral do ser humano, independente de classe, etnia, orientao sexual e religio, ou seja, garantir um ensino de maneira isonmica deve ter sim um ponto de partida que objetifica o mundo, a linguagem, as relaes sociais e as leis da natureza. Esse ponto importante e deve ser considerado assim. Mas para que esse sistema alcance o objetivo de desenvolvimento integral do ser humano, que um direito universal e propicia vida digna, ele no pode fechar-se ao passo inicial. A certeza sensvel, como argumenta Hegel, fecha o mundo no superficial, expondo como verdade o objeto aparente, e desconsiderando toda a complexidade e pluralidade das coisas que, consequentemente, a conscincia vai se deparar.

    Aqui, reside o mal de uma escola sem Filosofia: em focar em um ensino objetivo do mundo, sem que ele oferea a oportunidade de saber at que ponto vai essa objetividade, ou at

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    mesmo de mostrar um mundo objetivo sem a possibilidade de compreender com ele se relaciona com a pluralidade de conscincias subjetivas. Em linguagem prpria da Psicanlise, o sistema de ensino oferecer os significados sem, contudo, oportunizar a compreenso dos significantes. papel prprio da Filosofia expor modos diferentes de ler o mundo sem determinar a leitura que deve ser feita.

    H algo a mais a se mencionar sobre esta primeira figura de conscincia que o sistema educacional brasileiro, sem a Filosofia, parece se identificar: essa figura concebe a verdade mais abstrata e mais pobre do objeto visado, verdade tambm esttica e sem relao possvel com o mundo. Essa certeza imediata nada sabe do objeto alm do que ela ver e, estaticamente, nada pode julgar que ainda pode saber. A verdade aquela vista. O isto. Isso constitui a imediaticidade dessa primeira figura de conscincia. Diz Hegel:

    Ns no temos, para esse fim [indagao sobre a essncia do objeto; do conceito], de refletir sobre o objeto, nem indagar o que possa ser em verdade; mas apenar considera-lo como a certeza sensvel o tem nela. ( 94)

    Isso demonstra que a certeza sensvel no se afirma nem mesmo no prprio objeto, mas

    no que se v dele, e o grande problema disso que a certeza est no sujeito, e no no objeto, e o prprio contedo da certeza est tambm no sujeito, e no a verdade do objeto; mesmo assim, a certeza sensvel se afirma como o conhecimento da verdade do objeto.

    O exemplo utilizado por Hegel para contextualizar essa questo se firma em dois pontos: o agora e o aqui. Um indivduo ao ser indagado sobre o que o agora, qual a verdade do agora e, como resposta, anota em um papel: agora dia. Logo quando chegar a noite, aquela verdade anotada no papel ser vazia. No ter mais relao com a realidade. Do mesmo modo, ao ser questionado sobre o aqui, anotar como resposta em um papel que o aqui uma rvore, e quando virar-se passar a ver uma casa, logo aquela verdade anotada, que foi concebida de imediato, ser tambm vazia.

    A certeza sensvel, com seu carter imediatista, no considera o espao e o tempo como fatores determinantes na percepo que um sujeito tem de um objeto. Desse modo, a conscincia ver se diluir sua verdade imediata na prpria experincia que faz do mundo. E essa experincia que possibilita um avano dialtico, oportunizando a conscincia passar para as figuras posteriores.

    Nesse sentido, consideramos que um ensino que no tenha lugar para Filosofia como oferecer uma educao para os indivduos sem que lhes oferea a oportunidade do desenvolvimento integral. Um sistema educacional sem a reflexo filosfica firma indivduos na iluso de um mundo objetivo, uno, e como consequncia disso, ao se deparar com a multiplicidade presente na realidade, a educao oferecida em pouco poder ajudar. Alis, a objetividade do ensino fundamental para a formao de trabalhadores operrios, mas pouco til para o exerccio da cidadania e do comunitarismo. No contribui, sequer, para a identificao de si.

    Referncias ARISTOTLES. Metafsica. Trad. Vincenzo Coceo. In: Coleo Os pensadores. So Paulo, SP: Abril Cultural, 1984. HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Esprito. Trad. Paulo Meneses. 9 ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2014. ZIZEK, Slavoj. A viso em paralaxe. Trad. Maria Beatriz de Medina. So Paulo, SP: Boitempo, 2008.

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    PARA UMA CRTICA DAS FORMAES EMBRUTECEDORAS: ENSINO DE FILOSOFIA E

    EDUCAO ESTTICA

    Andr Vincius Nascimento Arajo Mestre em Filosofia (PPGFIL UFRN)

    E-mail: [email protected]

    A emancipao intelectual e a autonomia do pensamento A filosofia, no sentido de um exerccio de emancipao intelectual contnua, entrou um

    pouco tardiamente na minha vida. Diria que um fenmeno relativamente recente no meu processo de formao. Mas o que quero dizer com exerccio de emancipao contnua? Quero dizer que embora meu interesse pela filosofia tivesse nascido muito cedo na minha vida escolar e, sobretudo, extraescolar, no faz muito tempo que me dei conta das implicaes histricas, sociais, econmicas e polticas de ter abraado tal disciplina como atividade fundamental de minha existncia. E temo que no tenha me dado conta ainda inteiramente, diante de rumos polticos to incertos a que esto destinados queles que so amantes do pensamento.

    No sei hoje, mas no tempo em que ingressei na Universidade para cursar filosofia no primeiro semestre de 2008 muitos devem ter enfrentado o desgosto de seus familiares, questionando sobre as condies de insero no mercado de trabalho. Lembremos que foi em 2008 somente que a filosofia voltou a ser disciplina curricular obrigatria, tendo sido banida do currculo, na vigncia da ditadura militar, no ano de 1971.

    Nesse perodo de ingresso, entrar na universidade era para mim uma aventura, a promessa de novas experincias. No tanto experincias de sala de aula, pois sara do ensino bsico com certo rano da vida escolar, mas de continuidade das vivncias de leitura, escrita e agenciamentos micropoltcos. Se escolhi cursar uma licenciatura, no foi porque havia uma luz divina que me dizia ser minha vocao ir para a sala de aula, antes a m conscincia de sobrevivente era o que me induzia, contra as inclinaes de meu cio libertino de juventude, a pensar em fazer da filosofia um possvel meio de subsistncia.

    curioso, quando penso em meu prprio percurso da escola ao que fao hoje na universidade como pesquisador, tendo passado brevemente pela escola pblica como professor, que oua sob a forma de berros escarninhos que a escola no Brasil seja um meio de doutrinao ideolgica. Quando penso nesse rano que trouxe dos tempos na escola, e tendo estado como aluno na rede privada e como professor na rede pblica de ensino, tenho antes a sensao de inrcia do que estar diante de um aparelho de doutrinao. Inrcia que pode ter, certamente, algo de ideolgico, mas no por ser uma doutrinao, antes que isso, por ser uma situao estvel entre a negligncia e o marketing cnico das oligarquias polticas.

    O que acho curioso na moral do senso comum seu relativismo rasteiro e quem de ns no est sujeito a isso quando o juzo poltico se confunde com a paixo? Mas mesmo curioso o modo controverso como a nossa sociedade se ocupa da tutela das crianas e dos jovens. De um lado os subestimam, so tratados como mentes frgeis, passveis de sofrer influncias deletrias de seus professores doutrinadores; do outro lado, reclamam que os menores so protegidos pelo Estado quando cometem crimes, e pedem reduo da maioridade penal, achando-os j grandinhos demais para ficarem impunes.

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    No convm debater essa controvrsia passional e dbil, o que queremos a chamar ateno para o problema da tutela das crianas e dos jovens. O pretexto de se criminalizar de forma arbitrria educadores por emitirem suas opinies polticas disfarado como boas e neutras intenes no seria antes que um suposto combate educao ideolgica, o monoplio de uma ideologia educacional em funo de segmentos conservadores da sociedade? Em todo caso no samos da ideologia, tampouco, vemos como seria possvel uma neutralidade em se estando na poltica.

    preciso, pois, colocar uma outra questo mais fundamental: o estudante mesmo um espectador passivo de seus professores, incapaz de dar conta de seu prprio esclarecimento intelectual? A julgar pela quantidade de insatisfao com a tal doutrinao, no parece. De um lado, o professor superestimado em sua capacidade de influenciar os alunos, por outro lado, os alunos esses seres sem luz so tidos por ingnuos e manipulveis.

    Eu diria antes que as crianas e os jovens so muito enrgicos, e no poderia ser diferente. Tanto seus pais, quanto seus professores so muito pouco hbeis em acompanhar a transio entre geraes. Os jovens esto muito pouco interessados em ouvir certas coisas que os adultos consideram muito importantes. Que os adultos ten