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Revista SÍNTESE Direito Imobiliário ANO IV – Nº 19 – JAN-FEV 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO Tribunal Regional Federal 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EDITORIAL Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Saletti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho COLABORADORES DESTA EDIÇÃO André Luis Dal Molin Flores, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de Souza, Dino Boldrini Neto, Emerson Jardim Kaminski, Fernando Rister de Sousa Lima, Hélio Apoliano Cardoso, Lucas Rister de Sousa Lima, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcio Rachkorsky, Tércio Túlio Nunes Marcato ISSN 2236-1553

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Revista SÍNTESEDireito Imobiliário

Ano IV – nº 19 – JAn-FeV 2014

ReposItóRIo AutoRIzAdo

Tribunal Regional Federal 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIRetoR edItoRIAl

Elton José Donato

GeRente edItoRIAl e de ConsultoRIA

Eliane Beltramini

CooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Simone Costa Saletti Oliveira

Conselho edItoRIAl

Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho

ColAboRAdoRes destA edIção

André Luis Dal Molin Flores, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de Souza, Dino Boldrini Neto, Emerson Jardim Kaminski, Fernando Rister de Sousa Lima, Hélio Apoliano Cardoso,

Lucas Rister de Sousa Lima, Luiz Antonio Scavone Junior, Marcio Rachkorsky, Tércio Túlio Nunes Marcato

ISSN 2236-1553

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Imobiliário.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço: [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Imobiliário. – Vol. 1, n. 1 (jan./fev. 2011)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v.; 23 cm.

Bimestral. v. 4, n. 19, jan./fev. 2014

ISSN 2236-1553

1. Direito imobiliário.

CDU 347.453 CDD 342.1242

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

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Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, publicamos como Assunto Especial o tema ”Responsabilidade Civil do Síndico”. Sobre o tema escolhido selecionamos três relevantes artigos dos seguintes autores: Hélio Apoliano Cardoso, André Luis Dal Molin Flores e Dino Boldrini Neto.

E, ainda, na Seção Especial “Acontece”, artigo intitulado ”Da Responsa-bilidade Civil do Síndico Enquanto Administrador do Condomínio”.

J. Nascimento Franco, ao analisar as atribuições do síndico, explica que:

“Administrando o condomínio como mandatário legal da massa condominial, deve o síndico esmerar-se para cuidar do edifício como se fora seu. E, embora não responda solidariamente com o condomínio pelas obrigações deste, respon-de, contudo, pelos prejuízos que o inexato cumprimento de suas tarefas causar ao condomínio. Tarefa tão delicada quanto importante do síndico é usar ade-quadamente as verbas de que dispuser para a manutenção dos serviços neces-sários para a utilização normal do edifício e, ainda, a execução de obras que para tal fim sejam indispensáveis. Assim, é que a supressão de algum serviço ou instalação existente só deverá ocorrer mediante deliberação em Assembleia especialmente convocada para examinar a questão, porquanto é presumível que as condições de utilização do edifício devem ser mantidas, mormente quando atendem às necessidades dos condôminos, ou mesmo de alguns deles. Como órgão encarregado de executar tarefas marcadamente administrativas, o síndico não pode praticar qualquer ato que importe em liberalidade, alienação, oneração ou inovação nas áreas e coisas de uso e copropriedade comuns ou na destinação que lhes tiver sido dada quando da instituição e Convenção do condomínio.”

Na Parte Geral selecionamos um vasto conteúdo, para mantermos a qualidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do direito, tais como: Luiz Antonio Scavone Junior, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de Souza, Tércio Túlio Nunes Marcato, Fernando Rister de Sousa Lima, Lucas Rister de Sousa Lima e Emerson Jardim Kaminski.

Ainda, na Seção “Em Poucas Palavras”, artigo de autoria de Marcio Rachkorsky intitulado “Atuação do Advogado nos Condomínios Edilícios”.

Não deixe de ver nossa seção “Bibliografia Complementar”, que traz su-gestões de leitura complementar aos assuntos abordados na respectiva edição da Revista.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto EspecialResponsabilidade Civil do síndiCo

doutRinas

1. Casos de Responsabilidade Civil Pessoal do SíndicoHélio Apoliano Cardoso ............................................................................9

2. A Responsabilidade Civil e Criminal do SíndicoAndré Luis Dal Molin Flores ....................................................................14

3. Breves Apontamentos sobre Responsabilidade Civil do Síndico no Condomínio EdilícioDino Boldrini Neto..................................................................................17

aConteCe

1. Da Responsabilidade Civil do Síndico Enquanto Administrador do Condomínio .......................................................................................21

JuRispRudênCia

1. Acórdão na Íntegra (TJSP) ........................................................................23

2. Ementário ................................................................................................28

Parte GeraldoutRinas

1. As Liminares nas Ações de Despejo de Imóvel Não Residencial por Denúncia Vazia: o Prazo de 30 Dias para Obtenção da Imediata DesocupaçãoLuiz Antonio Scavone Junior ...................................................................32

2. Questões Tributárias Controvertidas do Programa Minha Casa, Minha VidaDaniel Barbosa Lima Faria Corrêa de Souza ............................................35

3. A Aplicação do CDC aos Contratos de Compra e Venda de Imóvel entre Pessoas JurídicasTércio Túlio Nunes Marcato ....................................................................52

4. A Dimensão Histórico-Normativa do Direito de ConstruirFernando Rister de Sousa Lima e Lucas Rister de Sousa Lima ..................73

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5. Os Instrumentos Urbanísticos Delineados pela Constituição Federal Como Eficientes Mecanismos para o Cumprimento da Função Social da Propriedade Imóvel UrbanaEmerson Jardim Kaminski ......................................................................107

JuRispRudênCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................138

2. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................143

3. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................151

4. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .................................................157

5. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios ...............................162

6. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ......................................166

7. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ................................................177

8. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro .....................................180

9. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ..............................187

10. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ....................................194

11. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ...........................................200

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência ..................................................................205

Seção Especial

em pouCas palavRas

1. Atuação do Advogado nos Condomínios EdilíciosMarcio Rachkorsky................................................................................233

Clipping Jurídico ..............................................................................................235

Bibliografia Complementar .................................................................................239

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................240

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebi-do e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. No caso de publicação dos artigos enviados, não serão devidos direitos autorais, remuneração ou qualquer espécie de contraprestação a seus autores, sendo apenas enviado um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, ficando, ainda, a critério do Editor a seleção e aprovação para publicação, a qual será comu-nicada ao autor.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurídicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pes-quisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-

bico”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Responsabilidade Civil do Síndico

Casos de Responsabilidade Civil Pessoal do Síndico

HÉLIO APOLIANO CARDOSOAdvogado, Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-Ceará no período de 2001 a 2003 e com Aperfeiçoamento em Direitos Humanos e Direitos dos Cidadãos pela PUC-Minas, The British Council e Foregin & Commonwealth Office, Parecerista de Direito Privado e Escritor Ju-rídico com Várias Obras Publicadas, Proferiu Várias Palestras em Diversos Seminários, Ciclos de Debates e Conferências no Curso de Pós-Graduação da Universidade de Fortaleza – Unifor. Autor de artigos científicos e doutrinários publicados em revistas especializadas.

SUMÁRIO: 1 Competência das atribuições do síndico; 2 Responsabilidade pessoal do síndico; Conclusão; Referências.

1 COMPETÊNCIA DAS ATRIBUIÇÕES DO SÍNDICOA Lei nº 4.591/1964 atribui ao síndico a competência para representar o

condomínio em juízo ativa e passivamente.

As competências dos síndicos estão bem definidas na doutrina de Caio Mário da Silva Pereira:

Ao síndico competem a administração geral do edifício, a execução às delibe-rações da assembléia (razão por que Peretti Griva o chama órgão executivo do condomínio) e em especial o cumprimento dos encargos que a convenção do condomínio, oponde-se a que qualquer dos co-proprietários realize atos contrá-rios aos estabelecidos na convenção ou capazes de molestar os consortes. Aplica as multas previstas na convenção ou no regimento interno. Nomeia, com auto-rização da assembléia, os empregados necessários aos serviços da casa. Demite empregados, a bem do serviço ou da disciplina. Promove as obras necessárias à conservação imediata do edifício e traz ao conhecimento da assembléia as que se devam realizar, mas não tenham caráter de urgência, e possam, por isso mesmo, aguardar o pronunciamento dela. Organiza a previsão orçamentária para o ano subsequente e pede reforço de verba, se uma imprevista elevação de despesas ocorrer. Recebe as rendas do condomínio, auferidas das fontes normais, como, por exemplo, a locação autorizada de alguma parte comum. Provê a tudo que se refira à administração do edifício, procedendo cum arbitrio boni viri. Presta contas à assembléia anual das despesas e receita do exercício findo, pormeno-rizando o emprego das verbas arrecadadas e comprovando os gastos. Recebe dos condôminos as quotas a que estão sujeitos para os encargos do condomínio. Afora os que a lei e a convenção de condomínio lhe atribuem, é justo que o sín-

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dico se considere ainda investido de faculdades implícitas para o exercício dos atos necessários ao bom desempenho das funções. Assim é que pode proibir o estacionamento de pessoas estranhas, mas não pode impor-lhes multa.

E, como representante que é, responde pela má execução das incumbências, como pela omissão culposa, bem como pelos atos por ele praticados abusiva-mente.

Pode o síndico representar o condomínio em juízo?

A lei é expressa: o síndico representa ativa e passivamente o condomínio, em juízo ou fora dele, e pratica os atos de defesa dos interesses comuns, nos limites da lei e da convenção (art. 22, § 1º, alínea a).

Se se trata da efetivação de medidas de sua atribuição normal, tem a represen-tação para ingressar em juízo contra o condômino ou contra qualquer estranho, independentemente de prévia autorização da assembléia. Cabe-lhe acionar o condômino em mora de suas contribuições, como ainda impedir que o condô-mino converta para uso privado partes comuns do edifício ou mude a fachada do prédio ou altere a decoração de portas, esquadrias etc. Pode o sindico im-pedir, judicialmente, a transformação do apartamento que venha a causar dano ou incômodo. Tem qualidade para litigar, com condômino ou estranho, no que se refira às regras de boa vizinhança, como também na manutenção ou reinte-gração de posse sobre as coisas e áreas comunas. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu faltar legitimidade a um condômino para propor ação cominatória, visando à reposição de dependência comum no estado anterior, contra locatário ou ocupante. [...]

Passivamente, tem a representação do condomínio, dispensada a citação pessoal de cada condômino, para as ações que se fundem em deliberação da assembléia, lesiva de direitos de algum estranho ou consorte. Representa passivamente o con-domínio em processo em que se litigue sobre pretensão oponível à comunhão, inclusive nas reclamações trabalhistas.

[...]

Em suma: o sindico, embora eleito por maioria de votos, é o representante de todos os co-proprietários do edifício. Evidentemente, esta regra não está na con-formidade do princípio geral que preside à representação convencional, na qual ninguém constitui mandatário contra vontade. A natureza especial da represen-tação do condomínio leva, entretanto, a esta especialização do principio de di-reito comum e enunciado de um especial à propriedade horizontal: o síndico ou administrador, nas matérias de interesse comum, é o representante de todos, inclusive dos ausentes e dissidentes. O problema, aliás, não tem ficado apenas no campo doutrinário. Trazido ao Pretório, outra não tem sido a decisão, como se vê do aresto do Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu ter ele, em face dos demais condôminos, os poderes de qualquer administração, porém limitados ao que condiz com o interesse de todos, e não os referentes a direito subjetivo de condômino isoladamente, como decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

É na representação, ainda, que vamos encontrar a natureza jurídica da relação do síndico com os condôminos. (Condomínio e incorporações. 7. ed. p. 197/201)

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Em regra, o síndico não pode extravasar as competências delineadas pe-los arts. 22, § 1º, da Lei nº 4.591/1964, 1.348 do CC/2002, Convenção de Con-domínio e do Regimento Interno.

Daí a razão de se dever distinguir os atos praticados pelo condomínio dos atos praticados por vontade pessoal do síndico, pessoa natural, para fins de responsabilidade civil.

O síndico não pode praticar atos de ofensas aos condôminos, se o fizer o faz em nome próprio. Essa atitude não pode prejudicar o condomínio como um todo.

Indiscutível que responde o síndico, pessoalmente, por atos praticados no exercício da função que geraram danos ao condomínio.

J. Nascimento Franco, ao analisar as atribuições do síndico, explica que:

Administrando o condomínio como mandatário legal da massa condominial, deve o síndico esmerar-se para cuidar do edifício como se fora seu. E, embora não responda solidariamente com o condomínio pelas obrigações deste, respon-de, contudo, pelos prejuízos que o inexato cumprimento de suas tarefas causar ao condomínio.

Tarefa tão delicada quanto importante do síndico é usar adequadamente as ver-bas de que dispuser para a manutenção dos serviços necessários para a utilização normal do edifício e, ainda, a execução de obras que para tal fim sejam indis-pensáveis. Assim, é que a supressão de algum serviço ou instalação existente só deverá ocorrer mediante deliberação em assembléia especialmente convocada para examinar a questão, porquanto é presumível que as condições de utilização do edifício devem ser mantidas, mormente quando atendem às necessidades dos condôminos, ou mesmo de alguns deles.

Como órgão encarregado de executar tarefas marcadamente administrativas, o síndico não pode praticar qualquer ato que importe em liberalidade, alienação, oneração ou inovação nas áreas e coisas de uso e co-propriedade comuns ou na destinação que lhes tiver sido dada quando da instituição e convenção do condo-mínio. (FRANCO, J. Nascimento. Condomínio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 42/43)

2 RESPONSABILIDADE PESSOAL DO SÍNDICO

Indiscutível que responde o síndico, pessoalmente, por atos praticados no exercício da função que gerem danos ao Condomínio.

O síndico não deve rescindir, por vontade própria, nenhum contrato de manutenção do prédio, devendo fazer consulta prévia aos condôminos, cujo fim é evitar o abuso dos direitos conferidos ao síndico pelos condôminos.

Assim, responde o síndico pelos atos ilícitos que praticar, extrapolando os atos de gestão.

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A doutrina e a jurisprudência delimitam, com muita sabedoria, os casos de responsabilidade pessoal do síndico.

Segundo a doutrina:

A responsabilidade do síndico está diretamente ligada ao exercício de suas fun-ções. Se desatender as obrigações que lhe são atribuídas pela lei ou pela conven-ção, arcará com as decorrências negativas ou prejudiciais que lhe são atribuídas pela lei ou pela convenção, arcará com as decorrências negativas ou prejudiciais que resultarem. Não comparecendo nos atos em que é chamado o condomínio, ou na omissão de estar presente quando o condomínio é réu, como em ações judiciais, ou na desídia de seus deveres de administração, terá que reembolsar os prejuízos que advierem. Na contratação de serviçais incompetentes, ou acei-tando pessoas sem averiguar os antecedentes, ou simplesmente desleixando de exercer certa vigilância sobre as suas condutas internas, resta-lhe ressarcir os danos que forem causados.

[...]

O fundamento básico da responsabilidade decorre do art. 22, § 1º, letra b, da Lei nº 4.591/1964, que compete ao síndico o dever de “exercer a administração interna da edificação ou do conjunto de edificações, no que respeita à sua vigi-lância, moralidade e segurança, bem como os serviços que interessam a todos os condôminos”; e mais do art. 1.348, nos incisos II e V, do Código Civil, que o en-carrega de “representar ativa e passivamente o condomínio, praticando em juízo ou fora dele os atos necessários à defesa dos interesses comuns”, e “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores”.

Deve responder mesmo se constatada a culpa na obrigação de guarda, apurando--se que houve falha no zelo, na implantação do sistema de vigilância, ou na esco-lha de pessoas para desempenhar a guarda. Manifestada a precária condução dos serviços gerais, a ele inculca-se a responsabilidade. Na hipótese de detectar-se desídia na empresa que presta o serviço de guarda, e se a contratação partiu da iniciativa do síndico, ele é chamado a responder em primeiro lugar, facultando--se que denuncie ou acione posteriormente dita empresa, para ressarcir-se da indenização que teve de pagar. (RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 195)

Se o síndico pratica ato ilícito, somente ele poderá responder por tal ilícito, não havendo legitimidade passiva do condomínio para figurar no feito.

Por isso mesmo que, tratando-se de comportamento exclusivo do síndico, inexiste razão para pleitear-se indenização conjuntamente com o condomínio.

CONCLUSÃOO síndico, como toda pessoa, é também sujeito de direitos e obrigações.

Como gestor, tem deveres e responsabilidades agregadas em decorrência do mister.

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Em se tratando de condomínio, o síndico que faz comentários conside-rados ofensivos à honra de condômino, inclusive inadimplente, é quem deve responder por sua conduta, e não o condomínio.

Por isso mesmo que o síndico deve se preocupar com o funcionamento regular do edifício, aí incluindo a manutenção do prédio e de todos os equipa-mentos, elaborando o regular seguro predial, orientando e fiscalizando a con-duta dos empregados do condomínio, cuidando da segurança e com todos os sistemas que envolvem o condomínio.

A propósito, a Lei nº 4.591/1964, em seu art. 22, § 1º, alínea g, arrola en-tre as atribuições do síndico a guarda de documentos relativos ao condomínio.

O síndico não pode, por vontade própria, interditar parte do condomínio, sem autorização da assembleia de condôminos.

Por tudo isso é que responde o síndico, pessoalmente, por atos ilícitos praticados contra o condomínio.

REFERÊNCIASFRANCO, J. Nascimento. Condomínio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 7. ed.

RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

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Assunto Especial – Doutrina

Responsabilidade Civil do Síndico

A Responsabilidade Civil e Criminal do Síndico

ANDRÉ LUIS DAL MOLIN FLORESPrimeiro Promotor de Justiça Criminal de Gravataí/RS.

Quando um síndico assume suas funções junto a um condomínio, por muitas vezes desconhece a real dimensão de suas atribuições, bem como qual sua responsabilidade em face de eventuais fatos ilícitos ou acidentes que ve-nham a acontecer no âmbito do condomínio. Com efeito, o síndico deve ter o cuidado de se inteirar de suas atribuições legais, sob pena de ser surpreendido, e ter que ele, pessoa física, responder perante o Poder Judiciário. O Código Ci-vil Brasileiro estabelece em seu art. 1.348 as principais atribuições do síndico, quais sejam:

Art. 1.348. Compete ao síndico: I – convocar a assembléia dos condôminos; II – representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns; III – dar imediato conhe-cimento à assembléia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio; IV – cumprir e fazer cumprir a convenção, o regi-mento interno e as determinações da assembléia; V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores; VI – elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano; VII – cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas; VIII – prestar contas à assembléia, anualmente e quan-do exigidas; IX – realizar o seguro da edificação.

Entre as atribuições citadas, deve o síndico ter especial atenção no que dispõe o inciso V do art. 1.348 do Código Civil, pois, caso haja omissão, desídia ou má gestão na conservação e guarda das partes comuns do condomínio ou descontinuidade na prestação dos serviços essenciais deste, poderá o síndico, conforme o caso concreto, responder civil ou criminalmente por seus atos ou omissões.

Importante dizer que nem toda responsabilidade civil será também crimi-nal, apesar de que toda responsabilidade penal poderá ensejar responsabilidade civil, por ser esta mais ampla e aquela mais restrita.

Tal afirmação decorre do fato de que para configurar-se um crime e a responsabilidade dela decorrente deve haver uma norma legal já descrita em uma lei penal. É a afirmação do princípio da legalidade, no qual não há crime

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sem lei anterior que o defina. A responsabilidade civil, por sua vez, é a obriga-ção pela qual o causador do dano fica adstrito a repará-lo a terceiro. As duas formas de responsabilização, em linhas gerais, decorrem da prática de atos ilí-citos (que podem ou não ser ilícitos penais), face um comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão). Esse comportamento (positivo ou negativo) pode ser por dolo (intenção – vontade dirigida a um fim) ou por culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

Dentro do que foi dito, percebe-se que, se o síndico, por exemplo, não conservar uma escada do condomínio e, em razão disso, ocorrer um acidente, causando lesões corporais em uma pessoa, poderá ele ser obrigado a repa-rar o dano, mediante indenização (responsabilidade civil). A indenização de natureza patrimonial, decorrente de gastos do lesado com medicamentos, por exemplo, caracteriza o dano material, enquanto que a indenização de natureza extrapatrimonial, decorrente de questões relacionadas à honra e à dignidade da pessoa, que a afetam de uma maneira que lhe cause uma ruptura em seu equi-líbrio emocional, caracteriza o dano moral.

No mesmo exemplo anteriormente citado, poderá também ocorrer um crime (lesão corporal – art. 129 do Código Penal), tendo como autor do fato o síndico. Isso porque a omissão do síndico em conservar a escada do con-domínio é penalmente relevante, pois ele devia e podia evitar o resultado, já que, como já visto, tem o síndico, por lei, a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, além de estar na posição de garantidor (art. 13, § 2º, alíneas a e b, do Código Penal).

Infinitas hipóteses fáticas podem ser delineadas, que guardam relação com a manutenção dos elevadores, das escadarias, da garagem, das piscinas (responsabilidade só quanto ao funcionamento e segurança do equipamento e da qualidade da água, e não quanto à vigilância de crianças, esta de responsa-bilidade dos pais ou da pessoa que as guarda), de playgrounds (necessidade de observação da devida norma técnica – ABNT), etc.

Caso caracterizada a ocorrência de um ilícito (civil ou penal), poderá ocasionar a responsabilização do síndico, de acordo, sempre, com o caso con-creto.

Nesse compasso, importante referir que, ainda que a manutenção ou a obra seja realizada por empresa terceirizada, a responsabilidade civil será com-partilhada entre a empresa, o condomínio e o síndico, pois esse último tem culpa pela ausência de fiscalização ou pela equivocada escolha da empresa prestadora de serviços.

O síndico, por outro lado, deve zelar pela contribuição dos condôminos e, obviamente, caso aproprie-se de valores (dolo), responderá pelo crime de apropriação indébita (art. 168 do Código Penal). Do mesmo modo, se houver a apropriação de verbas previdenciárias de funcionários do condomínio. Por isso

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a importância da prestação de contas e da devida assessoria contábil, para que se evitem eventuais problemas de gestão financeira que, caso mal administrada, ocasionará, inevitavelmente, responsabilização criminal (crime de apropriação indébita) e também civil (devolução dos valores ilegalmente recebidos).

Em outro enfoque, deve o síndico ter cuidado redobrado ao divulgar o nome de condôminos inadimplentes. Ainda que seja obrigação do síndico a cobrança das contribuições e das multas, bem como a prestação de contas, com o respectivo balancete, conforme incisos VI, VII e VIII do art. 1.348 do Código Civil, não pode o administrador colocar o condômino inadimplente em posi-ção vexatória perante os demais condôminos, tampouco cobrar publicamente e ostensivamente (cartazes afixados na portaria com o nome do devedor, por exemplo) por meios extralegais.

Existem meios legais de cobrança. Caso o síndico assim não proceda e prefira o constrangimento ao condômino, estará sujeito à responsabilização criminal, ao cometer delitos contra a honra, mais especificamente os crimes de difamação e injúria (arts. 139 e 140 do Código Penal), bem como à responsabi-lização civil, diante do abalo emocional que poderá ocasionar ao condômino (dano moral).

Assim, deve o síndico inteirar-se de suas responsabilidades como admi-nistrador do condomínio, devendo estar ciente que é responsável por este e por essa razão está sujeito à responsabilização civil e criminal.

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Assunto Especial – Doutrina

Responsabilidade Civil do Síndico

Breves Apontamentos sobre Responsabilidade Civil do Síndico no Condomínio Edilício

DINO BOLDRINI NETOMestrando em Direito pela Unimep.

Falar sobre responsabilidade civil do síndico, sem dúvida alguma, envol-ve várias questões da própria vida cotidiana do condomínio.

Assim, abordo alguns pontos que julgo relevantes sobre a matéria em pauta.

O primeiro deles, até pela controvérsia e falta de maiores esclarecimen-tos, diz em relação à multa. Segundo a regra do art. 1.336, § 1º, do CC, a multa não pode ser superior a 2%.

No entanto, não merece maiores preocupações tal dispositivo, sobretudo nos condomínios constituídos anteriormente ao CC em vigor, pois, como ne-gócio jurídico, não pode, ou melhor, não é atingido por lei nova, porque o ato (a convenção) foi praticado e já se achava consumado quando da edição da lei atual.

É bem verdade que o § 1º do art. 6º da Lei de Introdução, não revogado, diz que a lei nova, embora tenha aplicação imediata, deverá respeitar, o ato jurídico perfeito que deve ser entendido como aquele praticado e já consumado na vigência da lei anterior.

Assim é evidente, inclusive para a manutenção da segurança jurídica dos atos praticados. Por outras palavras, assim não fosse, vilipendiar-se-ia tudo aquilo que se praticou sob a égide de lei em vigor e posteriormente revogada por lei nova.

As convenções são atos negociais firmados entre particulares e discipli-nam condutas de caráter privado, cujas regras podem ser modificadas pelos condôminos, pois têm caráter eminentemente negocial, não disciplinando, e nem poderiam disciplinar ou transigir, sobre normas de direito indisponível.

O CC dispõe expressamente, no art. 2.035, a prevalência ou “validade” dos negócios jurídicos realizados anteriormente à edição da lei nova, exceto

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aquelas que venham contrariar norma de ordem pública, o que não é a hipótese da convenção do condomínio, porque é ato negocial.

Portanto é obrigação de responsabilidade do síndico cumprir e fazer cumprir a convenção e o regimento interno, de tal modo que, se estes atos formais, considerados negócios jurídicos, estipularem a multa de 20% para a hipótese de inadimplemento das taxas mensais, não poderá o síndico alterá-la, sob pena de responder pela diferença, sem prejuízo de sua destituição.

As obrigações do síndico, antes estipuladas, como maior ênfase, no art. 22 da Lei nº 4.591/1964, atualmente encontram-se no art. 1.347 (eleição) e do art. 1.348 ao 1.356.

Analisada a lei nova, ver-se-á que não houve grandes transformações em relação à lei revogada.

Por exemplo, o art. 1.347 condensou o art. 22 e § 4º, ao passo que o art. 1.348 reproduz o art. 22, englobando o art. 24 e § 2º, o art. 19 e o art. 21 e seu parágrafo único, acrescentando os incisos III, antes inexistente, e IX, que, embora estivesse inserido nas atribuições do síndico (previstas na Convenção ou Regimento Interno, segundo o art. 13), não vinha disposto de forma expressa.

O inciso VII traz uma inovação ou correção quanto à via de recebimen-to das taxas em atraso, dispondo expressamente sobre “cobrança” e não mais execução, entendimento que já há muito vinha sendo contemplado pela juris-prudência.

Questão interessante é a figura do locatário, porquanto atualmente a lei aduz sobre a figura do possuidor ou detentor (art. 1.333, § 2º do art. 1.334, art. 1.337). Assim sendo, está permitida a participação desses “condôminos”, por assim dizer, nas assembleias, com direito a voto, inclusive nas extraordiná-rias, desde que ausente o condômino. De toda forma, é condição sine qua non estar quite com o pagamento das taxas.

Também aqui se verifica a responsabilidade do síndico, pois a ele cabe verificar essas condições.

Outra inovação da lei nova diz com relação à “obrigação do síndico” pela realização de obras emergenciais e urgentes, podendo qualquer condô-mino fazê-las, em caso de impedimento do síndico ou de omissão. A omissão, como se sabe, gera responsabilidade civil e destituição.

Também nada diz o Código Civil sobre a remuneração do síndico e relação trabalhista ou de locador de serviços, a que aludia expressamente o art. 22, § 4º, segunda parte.

Optou o legislador por deixar a definição da remuneração para a conven-ção, ao dispor no art. 1.354, II, sobre a forma de administração.

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É ressabido que a remuneração do síndico, ao menos no que toca à isen-ção da taxa de sua unidade, é de ordem usual ou convencional, mas não legal. No entanto, a relação de emprego, efetivamente, é inexistente, dado que a fun-ção exercida se compara, analogicamente, à do mandatário, com as ressalvas pertinentes, substituída a “procuração” no mandato pela ata de eleição.

Quem pode ser síndico? A resposta é muito simples, ou seja, todo e qual-quer condômino, desde que não sejam habitualmente inadimplentes ou estejam sendo processados. Assim disciplina o art. 1.347, que afirma que a escolha do síndico, pela assembleia, pode dar-se em pessoa estranha ao condomínio.

Entendo, com efeito, mas respeitada as doutas interpretações divergentes, que não trata o artigo ou concede tal direito aos locatários de unidades, mas sim as administradoras ou administradores particulares.

De toda forma, é a convenção que deve estipular se os locatários podem ou não ser síndicos, pois, como ato negocial, é soberana para deliberar sobre esse assunto.

O síndico, por fim, é responsável civil e criminalmente pelos atos que pratica, devendo:

– Ter cautela ao contratar os seguros e serviços e ao aplicar as mul-tas previstas na convenção e no art. 1.337 e seu parágrafo único;

– Deve, sempre, observar as normas convencionais e regimentais, permitindo recurso de suas decisões à assembleia convocada es-pecialmente para essas ocasiões;

– Não pode presidir as assembleias nem transigir sem prévia autori-zação da assembleia;

– É obrigado pela guarda dos arquivos e documentos do condomínio;

– Deve prestar contas de sua administração e indenizar os prejuízos que causar;

– Deve convocar as assembleias ordinárias e extraordinárias;

– Deve realizar os reparos urgentes e contratar os seguros.

Do fundo de reserva: Muito embora não abrangido pelo tema, entendo que deve ser abordada a questão referente ao fundo de reserva, atualmente não previsto expressamente no sistema normativo.

Em uma interpretação elástica, é plausível afirmar que a antiga regra do art. 9º, § 3º, letra j, esteja inserida no inciso I do art. 1.334, que alude sobre as despesas extraordinárias, uma vez que o fundo de reserva só pode ser utilizado para pagar gasto imprevisível e inadiável ou, como se afirma, não previsto na arrecadação mensal.

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Não se pode esquecer que o fundo de reserva, por sua importância, deve e pode ser implantado, ainda que não previsto na convenção, assim como outros fundos específicos para custeio de melhoramentos (reformas, troca de elevadores, etc.) e despesas com empregados (13º, férias, rescisões, etc.), bas-tando, no entanto, que tal se dê após deliberação de assembleia especialmente convocada para a finalidade.

Não se pode esquecer, outrossim, que o fundo de reserva tem um limite para a sua contribuição, que pode equivaler ao valor de uma ou duas arrecada-ção mensal, justamente para não haver capitalização indefinidamente.

A aplicação financeira desse fundo também depende de autorização de assembleia específica.

Essas são, sub censura, as linhas gerais, traçadas em busca de um melhor aclaramento do regramento vigente.

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Assunto Especial – Acontece

Responsabilidade Civil do Síndico

Da Responsabilidade Civil do Síndico Enquanto Administrador do Condomínio

O século XXI tem sido marcado por muitas novidades nos diversos cená-rios brasileiros, inclusive no palco do Direito, sendo uma das grandes estrelas a responsabilidade civil, que trata do interesse lesado do cidadão, ou seja, aquele ocorrido entre os particulares, podendo o prejudicado pleitear indenização por danos materiais e/ou morais.

Motivo esse que nos impulsiona a abordar referido assunto em face do desenvolvimento das funções administrativas existentes e, nesta oportunidade, a do síndico.

Entretanto, antes de adentrarmos ao tema proposto, cumpre-nos fazer um breve comento quanto à etimologia da palavra síndico, responsável juridica-mente pelo condomínio. Assim, na definição clássica do mestre J. Nascimento Franco: “Síndico é o órgão administrativo mais importante do condomínio, uma vez que ele atua em caráter permanente na administração do edifício, [...]”.

Ainda, pode-se conceituar o síndico como um mandatário, haja vista que está investido da administração do edifício por eleição realizada em assembleia geral ordinária dos condôminos. O síndico representa ativa e passivamente o condomínio, em juízo ou fora dele, respondendo pelos atos necessários à de-fesa dos interesses comuns, consoante art. 1.347 e art. 1.348, inciso II, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil brasileiro. Por isso, a ata da reunião assemblear para a eleição do síndico deve conter o mandato de até dois anos e ser levada a registro no Cartório de Registro de Documentos. O síndico representa toda a comunidade condominial, ainda que eleito por maioria de votos.

Nesse sentido, o síndico não é empregado do condomínio, nem locador de serviços, mesmo que receba remuneração pelo desenvolvimento de suas funções; por isso não lhe são aplicadas as normas dispostas nas disposições legais relativas à legislação trabalhista, nem as estabelecidas pela locação de serviços. Vale lembrar que o síndico pode ser um condômino ou terceira pes-soa, contudo, responderá sempre pelos atos praticados enquanto administrador do condomínio. Responsabilidade esta que se encontra indiretamente inserta no elenco da competência do síndico, conforme art. 1.348 e incisos do Código Civil brasileiro. Referidas obrigações, se inadimplidas por ato ilícito, acarretam o dever de indenizar.

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Feitas essas considerações, o Código Civil brasileiro prescreve, em seu art. 186, que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. E, em razão do normativo legal transcrito (art. 927 do Código Civil), estabelece que: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187, do mesmo Codex), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Em isso ocor-rendo, serão questionadas as duas possibilidades de ações ou atitudes: primeiro, a dolosa e, segundo, a culposa.

Quanto à primeira dolosa, o agente pretendeu o resultado danoso, e quanto à segunda culposa, o agente, mesmo não pretendendo o resultado, cau-sou o dano. Com efeito, alertamos que a obrigação do síndico, enquanto admi-nistrador, deve desempenhar todas as funções pertinentes ao cargo de síndico com responsabilidade, a fim de não incorrer na prática impensada dos atos ilícitos.

Finalmente, orientamos todos os síndicos, enquanto administradores dos condomínios que, ao desempenharem suas funções, procurem conhecer as disposições legais pertinentes aos condomínios, a fim de se resguardarem de eventuais questionamentos jurídicos, bem como evitando, assim, riscos des-necessários, sobremaneira quando depender das realizações de obras nas de-pendências da comunidade condominial, haja vista a obrigatoriedade de se observar os quoruns específicos.

Fonte: Paraná Online.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Responsabilidade Civil do Síndico

1360

Tribunal de Justiça do Estado de São PauloRegistro: 2013.0000723692

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 9000121-02.2006.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante Nassif José Naime, é apelado Condomínio Edifícios Aquarius e Libra.

Acordam, em 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Elcio Trujillo (Presidente), Cesar Ciampolini e Carlos Alberto Garbi.

São Paulo, 26 de novembro de 2013.

Elcio Trujillo Relator Assinatura eletrônica

10ª Câmara Seção de Direito PrivadoApelação com Revisão nº 9000121‑02.2006.8.26.0506Comarca: Ribeirão PretoAção: Administração de Condomínio e Reparação de DanosApte(s): Nassif José NaimeApdo(a)(s): Condomínio Edifícios Aquarius e LibraVoto nº 19826

NULIDADEAusência de fundamentação. Não caracterização. Presentes os requi-sitos do art. 458 do CPC. A fundamentação coerente com o disposi-tivo, mesmo que eventualmente equivocada, não afronta o comando do art. 93, inciso X da Constituição Federal Precedentes do c. STJ e do e. STF. Preliminar rejeitada.

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ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIO

Imputada prática de irregularidades cometidas pelo réu na função de síndico. Auditoria contratada a apontar para a efetiva existência de prejuízos financeiros sofridos pelo condomínio. Responsabilidade do síndico pela má gestão. Determinação, pelo Juízo, de perícia técni-ca. Não oferecimento de quesitos. Acolhimento do laudo oficial que confirmou os tópicos incontroversos trazidos pela auditoria realizada pelo autor. Fixação de valor em razão acolhimento. Procedência da ação. Sentença confirmada.

Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 372/373, de relatório adotado, que julgou a ação procedente para condenar o réu ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo autor.

Apela o réu alegando, preliminarmente, nulidade da r. sentença por au-sência de fundamentação e prejudicial de mérito pela ocorrência de prescri-ção; no mérito, que a aprovação das contas prestadas é ato jurídico perfeito, além de parcialidade do laudo de fls. 352/359; pede o provimento do recurso (fls. 471/479).

Recurso recebido (fl. 4832) e respondido (fls. 486/495).

É o relatório.

Merece integral confirmação a r. decisão atacada.

Sustenta o réu pela nulidade da r. sentença por cerceamento de defe-sa diante ausência de fundamentação da r. sentença que carece, contudo, de maior razão.

A fundamentação, estando coerente com o dispositivo que se segue, não implica em ausência de fundamentação apenas porque está em desacordo com o pronunciamento que aguarda a parte, pois, “conforme a Jurisprudência do Supremo Tribunal, ‘o que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a deci-são seja fundamentada; não, que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas, cor-retamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional’ (RE 140.370, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 150/269)” (STF, AI 738860/PR, Relª Min. Carmen Lúcia, J. 28.03.2011).

E mais: “o órgão judicial, para expressar sua convicção, não precisa adu-zir comentários sobre todos os argumentos levantados pelas partes. Embora su-cinta a motivação, pronunciando-se sobre as questões de fato e de direito para fundamentar o resultado, exprimindo o sentido geral do julgamento, não se

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emoldura violação aos arts. 165, 458 e 535 do Código de Processo Civil” (STJ, 4ª T., AgRg-Ag 934984/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, J. 19.02.2008, v.u.).

Resta afastada, portanto, a preliminar de nulidade da sentença.

Sustenta também o réu prejudicial de mérito pela ocorrência de pres-crição.

Os fatos geradores ocorreram sob a vigência do Código Civil de 1916.

Pretensão fundada em responsabilização pela má administração da coisa comum em que, verificada a inexistência de norma específica a aplicar à hi-pótese, segundo o entendimento do art. 2.028 do novo Código que reduziu o prazo, há de se aplicar o estabelecido pela nova lei, por não haver decorrido, na época, mais da metade do prazo prescricional vintenário estabelecido pela lei anterior, adotando-se a norma geral prevista no art. 205 do Código Civil, ou seja, o prazo prescricional de dez anos, que no caso em análise ainda não se consumou.

Considerando o acima exposto, e o fato de o autor ter proposto a presente ação em 29 de junho de 2006 (cf. protocolo fl. 02), impossível reconhecer a prescrição da pretensão alegada pelo recorrente, uma vez que conta-se o prazo a partir do início de vigência do novo diploma (11 de janeiro de 2003).

Afasto, assim, a tese de prescrição arguida.

No mérito, conflito a envolver condomínio e ex-síndico.

Conta dos autos que o réu exerceu o cargo de síndico entre novembro de 1997 e março de 2004, período em que restaram apuradas divergências contá-beis que apontam ter o autor sofrido prejuízos decorrentes da má administração do condomínio.

Por força do art. 29 da Convenção de Condomínio (fl. 33), o síndico pos-sui exclusiva responsabilidade “pelo excesso de representação e pelos prejuízos a que der causa por dolo ou culpa”.

Como bem colocou o i. Des. 3º juiz, Dr. João Carlos Saletti, em seu voto vencedor no Agravo de Instrumento cujo v. acórdão determinou o prossegui-mento desta ação pelo período apontado na inicial (fls. 329/341), “É bem de ver que, não obstante o caráter soberano das decisões da assembleia geral, o mesmo organismo condominial deliberou exigir o ressarcimento do que, no entender dos condôminos, representou dano ao patrimônio comum. Essa par-ticular circunstância do caso concreto é que autoriza concluir que neste caso, não obstante o caráter e a força da primeira decisão assemblear, o ato lá pra-ticado foi motivadamente modificado em nova e igualmente soberana reunião do mesmo órgão. Se se deixar de dar valor a esta nova decisão e impedir que o condomínio busque o ressarcimento que entende devido, negar-se-á aos con-dôminos, então sim, que em assembleia deliberem não apenas garantir a boa

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e adequada gestão da coisa comum, como impedir o eventual enriquecimento de que (se se julgar, a final, devida a reparação) valeu-se inadequadamente da função, em detrimento da comunidade”.

Assim, cumpre afastar a alegação no sentido de que a aprovação de con-tas pela assembleia geral do condomínio constitui ato jurídico perfeito, dado a possibilidade de apuração posterior de irregularidades, tal como ocorreu no presente caso, tendo havido, inclusive, deliberação assemblear para se buscar o ressarcimento que entendeu devido em face do réu.

E restando conclusivo o laudo pericial a apontar para a ocorrência de prejuízos, correta a condenação do réu à reparação dos danos.

A pretensão do réu de renovar a busca por esclarecimentos com nova produção de perícia técnica foge ao limite da própria ação, pois, conforme apontado, busca o réu se eximir do pagamento de importâncias que entende indevidas, por não comprovadas.

No caso, constata-se a correção da conclusão pericial, ao apontar a exis-tência, na gestão do requerido, de despesas indevidamente realizadas em nome do condomínio e despesas sem comprovação regular, sejam pela ausência de recibo, sejam pela inidoneidade da documentação correspondente.

O laudo técnico, ademais, pode se valer do laudo da auditoria contratada pelo autor se este abordou todas as questões levantadas, justificando suficien-temente todos os dados apontados e em consonância com o que regularmente buscaria comprovar a perícia judicial.

Daí que a r. decisão, ao acolher o integral teor do laudo técnico do perito judicial, tem base correta de interpretação da legislação vigente no tocante aos limites da própria ação apresentada, indicando o justo valor apurado.

Na jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça:

“Ação de ressarcimento. Síndico. Administração. Despesas realizadas sem com-provantes e sem autorização assemblear. Obrigação de devolver os valores efe-tuados. Inexistência de provas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor. Art. 333 do Código de Processo Civil. Litigância de má-fé afastada. Comportamento doloso não comprovado. A má-fé não se presume. Juros mo-ratórios contados a partir do evento danoso, conforme Súmula nº 54 do STJ. Correção monetária. Incidência a partir dos desembolsos. Sentença mantida. Re-curso improvido, com observações.” (3ª CDPriv., Apelação Cível nº 0007555-71.2010.8.26.0114, Rel. Des. Beretta da Silveira, J. 26.03.2013, v.u.)

“Responsabilidade civil. Condomínio. Ação de prestação de contas e de cobran-ça dirigida em face de ex-síndico, por alegada má gestão. Sentença de procedên-cia parcial. Inconformismo de ambas as partes. Carência da ação não configura-da. Dever do síndico em prestar contas e responder por eventual conduta ilícita. Prova satisfatória da irregularidade das despesas, o que autoriza o ressarcimento determinado, apenas afastado o valor relativo ao conserto de portão de aces-

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so do condomínio. Questão eminentemente patrimonial que torna descabida a fixação de indenização por danos morais. Provido parcialmente o recurso do réu e desprovido o apelo do autor.” (10ª CDPriv., Apelação Cível nº 0124985-66.2008.8.26.0000, Rel. Des. Coelho Mendes, J. 19.02.2013, v.u.)

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – Pleito ajuizado pelo Condomínio em face do ex--síndico com o objetivo de ressarcir valores indevidamente apropriados durante sua gestão. Sentença de extinção do processo, sem julgamento do mérito Incon-formismo do autor. O efeito de quitação proveniente da assembleia que aprovou a prestação de contas do síndico não pode ser invocado com a pretensão de tornar indiscutíveis as circunstâncias em que se deu tal aprovação, cujas irregu-laridades só foram descobertas em momento ulterior à realização e formaliza-ção da assembleia. Presentes as condições para imediato julgamento da causa. Art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil. Conjunto probatório robusto no senti-do de comprovar diversas irregularidades cometidas pelo síndico no exercício de seu mandato. Evidenciados os prejuízos causados ao condomínio. Irrelevância da ausência de trânsito em julgado da condenação do réu no âmbito criminal, condenação essa prolatada por uma das Câmaras Criminais deste Tribunal. Res-ponsabilidade civil reconhecida Recurso provido.” (9ª CDPriv., Apelação Cível nº 0149697-91.2006.8.26.0000, Relª Des. Viviani Nicolau, J. 22.11.2011, v.u.)

“Ação de cobrança. Condomínio. Irregularidades cometidas por síndico durante sua gestão, apuradas em auditoria. Ressarcimento de valores. Incontroversa a falha na administração e na respectiva prestação de contas. Operações realiza-das pelo síndico sem expressa deliberação do condomínio ou do conselho ad-ministrativo. Denunciação da lide rejeitada. Sentença de procedência mantida. Provimento negado ao agravo retido e ao apelo.” (8ª CDPriv., Apelação Cível nº 994.07.023876-0, Rel. Des. Caetano Lagrasta, J. 23.06.2010, v.u.)

Cumpre, portanto, a confirmação da r. sentença atacada, por seus pró-prios e jurídicos fundamentos.

Ante o exposto, rejeitadas as preliminares, nego provimento ao recurso.

Elcio Trujillo Relator Assinado digitalmente

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Assunto Especial – Ementário

Responsabilidade Civil do Síndico

1361 – Condomínio – ação de cobrança – réu conselheiro fiscal – delegação, pelo síndico, para emissão de cheques – responsabilidade

“Apelação cível e agravo retido. Condomínio. Ação de cobrança. Improcedência na origem. Retido. I – Ausência de pedido expresso de apreciação nas contrarrazões. Não conhecimento. Apelação. II – Réu conselheiro fiscal. Delegação, pelo síndico, para emissão de cheques. Responsabilidade do síndico. Inteligência do art. 22, § 2º, da Lei nº 4.591/1964. Circulação em benefício próprio. Ausência de provas. Sentença mantida. Recurso desprovido. Não é de ser conhecido o agravo retido cuja apreciação é ignorada na sede recursal. ‘Muito embora possa o síndico delegar suas funções administrativas a terceiros, na conformidade do art. 22, § 2º, da Lei nº 4.591/1964, perante o Condomínio é ele o responsável pela prestação de contas, sendo irrelevante tenha a adminis-tradora assumido integralmente essa responsabilidade, em documento escrito’ (TJSC, Apelação Cível nº 1988.039438-2, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu, J. 29.11.1994). Inexistindo provas cabais de que o réu conselheiro, no exercício de função delegada pelo síndico, tenha emitido cheques em seu proveito pessoal, ausente se afigura o fato constitutivo do direito alegado.” (TJSC – AC 2008.013765-5 – 3ª CDCiv. – Rel. Juiz Henry Petry Junior – DJe 22.09.2010)

1362 – Condomínio – ação de prestação de contas – ilegitimidade passiva ad causam – síndico

“Processo civil. Ação de prestação de contas em face do condomínio. Ilegitimidade passiva ad causam. Legitimidade passiva do síndico. Arts. 22, § 1º, letra g e 24, § 1º, da Lei nº 4.591/1964, e 560 e 914 do Código de Processo Civil. Prequestionamento. Ausência. Incidência da Súmula nº 211/STJ. I – A matéria inserta nos arts. 22, § 1º, letra g e 24, § 1º, da Lei nº 4.591/1964, e 560 e 914 do Código de Processo Civil, não foi objeto de debate no v. acórdão recorrido, carecendo, portanto, do necessário prequestionamento viabilizador do recurso especial. Incidência da Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça. II – O art. 22, § 1º, f, da Lei nº 4.591/1964, que tem por objeto o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, expressamente, dispõe que: § 1º Compete ao síndico: [...] f) prestar contas à assembléia dos condôminos. III – Logo, não há dúvidas a respeito da responsabilidade do síndico, na qualidade de representante e administrador do condomínio, de prestar contas de sua gestão, já que lhe cabe administrar e gerir valores e inte-resses alheios. IV – Forçoso, portanto, reconhecer a ilegitimidade do condomínio para figurar no polo passivo da demanda. V – Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.” (STJ – REsp 707.506 – (2004/0170709-0) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 18.12.2009)

1363 – Condomínio – indenização – multa pelo corte de diversas árvores – responsabilidade do síndico

“Condomínio. Indenização. Condomínio multado pela prefeitura pelo corte de diversas árvores. Responsabilidade do síndico reconhecida. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 994.02.024147-5 – São Paulo – 7ª CDPriv. – Rel. Gilberto de Souza Moreira – DJe 19.01.2012)

1364 – Condomínio – indenizatória ajuizada contra a administradora – gestora de negócios – pre-tensão à denunciação do síndico – descabimento

“Denunciação da lide. Condomínio. Indenizatória ajuizada contra a administradora. Gestora de negócios. Pretensão à denunciação do síndico. Descabimento. Inexistindo relação de regresso entre o síndico e a administradora, torna-se incabível a denunciação da lide, já que a responsa-bilidade do síndico, prevista no art. 22, § 2º, da Lei nº 4.591/1964, decorre da relação material

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síndico-condomínio, cujas delegações de funções administrativas foram aprovadas em assembléia--geral.” (2TACSP – AI 571.954-00/5 – 7ª C. – Rel. Juiz Willian Campos – J. 27.04.1999)

1365 – Condomínio – taxa condominial – protesto – responsabilidade do síndico – não ocorrência

“Taxa condominial. Protesto. Responsabilidade do síndico. Não ocorrência. Condômina menor. Irrelevância. O síndico que encaminha o débito de condômino para protesto age em nome do condomínio, sendo parte ilegítima para figurar no pólo passivo de ação que visa a cancelar o respectivo protesto. Para fins de cobrança de taxa condominial, é irrelevante o fato da menoridade da condômina devedora.” (TAMG – AP 0400723-6 – (85073) – Uberlândia – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Guilherme Luciano Baeta Nunes – J. 11.12.2003)

1366 – Responsabilidade civil – condomínio edilício – utilização irregular de recursos pelo síndi-co – execução de obras sem aprovação pela assembléia

“Responsabilidade civil. Condomínio edilício. Utilização irregular de recursos pelo síndico. Exe-cução de obras sem aprovação pela assembleia. Ação de indenização. Responsabilidade do sín-dico que não pode ser transferida ao subsíndico nem aos membros do conselho fiscal restituição de valores referentes à obra da piscina incabível. Aprovação pela assembleia geral. Despesas or-dinárias e pessoais não passíveis de restituição. Gastos de caráter ordinário ou despendidos para exercício da função de síndico. Pedido de lucros cessantes não apreciado em 1º grau. Julgamento citra petita. Nulidade da sentença não ocorrida. Aplicação do art. 515, § 1º, do Código de Processo Civil. Lucros cessantes equivalentes aos frutos civis dos valores retirados indevidamente do fundo de reserva. Aplicação da remuneração dos depósitos em poupança. Redução da verba honorária devida aos réus excluídos da condenação. Arbitramento por equidade, com base no art. 20, § 4º, do CPC. Recurso parcialmente provido.” (TJSP – Ap 0134739-96.2003.8.26.0100 – São Paulo – 3ª CDPriv. – Rel. Alexandre Marcondes – DJe 01.11.2013)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de indenização por danos materiais ajuizada por em face de ex-síndico, ex--subsíndico e ex-conselheiros fiscais.

Sustentou o apelante que o corréu foi eleito síndico do condomínio pela segunda vez para o biênio 2000/2002 e que durante sua gestão realizou diversas obras desnecessárias com utiliza-ção do fundo de reserva do condomínio, não obteve aprovação da assembleia de condôminos, contratou empresa de sua propriedade e superfaturou as despesas, entre outras condutas que considera irregulares.

Afirmou que a gestão feita pelo síndico e pelo subsíndico gerou danos patrimoniais ao condo-mínio e que houve conduta omissiva do Conselho Fiscal, pois este não exigiu explicações das despesas realizadas pelo síndico. Desse modo, requereu a indenização pelos danos causados.

O TJSP deu parcial provimento ao apelo.

Oportuno colacionar trecho do voto do Relator:

“Assiste razão ao apelante apenas quanto aos lucros cessantes. Considerando que foi reconhe-cido na sentença o pagamento de indenização pelo corréu [...] por verbas despendidas sem aprovação da assembleia de condôminos e retiradas do fundo de reservas, deve o autor ser ressarcido também pelo que deixou de lucrar com os frutos civis dos valores do fundo de reserva depositado em conta poupança. Este montante deverá ser calculado quando da liquidação da sentença, aplicando-se a remuneração dos depósitos em poupança (correção monetária mais juros de 6% ao ano), calculada desde as datas dos desembolsos irregulares. Desse modo, de rigor o parcial acolhimento da pretensão recursal para que o corréu [...] também seja condenado aos lucros cessantes equivalentes aos frutos civis dos valores retirados indevidamente do fundo de reserva, mantidas as verbas sucumbenciais.”

Sobre o conceito de dano moral, vejamos:

“A lei se eximiu de conceituar o dano moral, por isso devemos buscar sua definição na doutrina, que já se definiu quanto a esse importante tema da atualidade de nosso direito.

O dano moral pode ser definido como a lesão ao patrimônio jurídico materialmente não apre-ciável de uma pessoa. É a violação do sentimento que rege os princípios morais tutelados pelo

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direito, que podem ser decorrentes de ofensa à honra, ao decoro, à paz interior de cada um, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida e à integrida-de corporal.” (A valoração do dano moral. Revista SÍNTESE de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, a. II, n. 10, p. 51-52, mar./abr. 2001)

A questão da fixação do quantum devido nos casos de indenização por dano moral é matéria controvertida para os doutrinadores e para a jurisprudência. Sobre o assunto, leciona Glaci de Oliveira Pinto Vargas, para quem a indenização deve ser assim tratada:

“A reparação por dano moral, conforme concluíram muitos doutrinadores, visa compensar valo-res da ‘alma’ da pessoa natural e do ‘espírito’ da pessoa jurídica quando lesadas, melhorando o seu futuro e superando o déficit acarretado pelos acontecimentos; conquanto sem preço, alcança na construção pretoriana força de reparabilidade em espécie. É assim, pois, embora inestimável, para ser exeqüível deve ser mensurada em pecúnia; além disso, sua fixação deve ser feita com moderação, posto que não se pode constituir em fonte de exagerado proveito patrimonial da vítima, penalizando em excesso o causador do dano.” (Reparação do dano moral. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 51)

1367 – Responsabilidade civil – prestação de contas – condomínio – ex-síndico

“Apelação cível. Prestação de contas. Condomínio. Ex-síndico. Inépcia da inicial. Alegada ausên-cia de qualificação de parte e de documento indispensável à propositura da ação. Inocorrência. Carência da ação. Interesse de agir configurado. Preliminares afastadas. Chamamento ao proces-so da administradora. Indeferimento. Desnecessidade. Agravo retido. Desprovimento. Obrigação de o síndico prestar contas de sua gestão em assembléia para aprovação. O fato de não mais possuir a documentação não o isenta da obrigação. Exegese do art. 22, § 1º, alíneas f e g, da Lei nº 4.591/1964. Litigância de má-fé não configurada. Sentença correta. Recurso desprovido. 1. O Condomínio autor está devidamente qualificado na inicial, não havendo assim qualquer violação ao art. 282, inciso II, do Código de Processo Civil. Também não há qualquer irregularidade na procuração outorgada pelo requerente para o ajuizamento da presente ação, já que assinada pelo síndico eleito em assembléia, seu representante legal, como faz prova a ata de reunião do Con-selho Fiscal de 25 de junho de 2001 (fl. 07). 2. Não há que se falar, outrossim, em violação ao art. 283 do Código de Processo Civil, por ausência de documento indispensável a propositura da ação, já que para o ajuizamento da ação de prestação de contas, não é necessária a apresentação de documento pericial, com a inicial. 3. A alegada carência da ação, também não merece guarida. A falta de notificação extrajudicial não implica em extinção do processo por carência de ação, pois como bem suscitou o d. Juízo a quo, tanto a notificação extrajudicial como a citação judicial tem a mesma finalidade, constituir o requerido em mora. Ademais, persiste o interesse de agir do condomínio, já que as contas não foram devidamente prestadas e aprovadas em assembléia. Também não implica em abuso de direito, previsto no art. 187 do Código Civil, o fato do condo-mínio, através de seu representante legal, requerer a prestação de contas de ex-síndico referente ao período de sua gestão. 4. A prestação de contas à assembléia é obrigação do síndico, conforme prevê o art. 22, § 1º, alínea f, da Lei nº 4.591, de 16.12.1964, podendo somente ser delegadas as funções administrativas, e mesmo assim sob inteira responsabilidade do síndico, no termos do art. 22, § 2º, da supracitada legislação. Portanto, depreende-se que o poder quando delegado à administradora é referente às funções administrativas e não abrange à prestação de contas, cuja obrigação é somente do síndico, não havendo assim razão para chamar a Administradora ao pro-cesso, principalmente nesta primeira fase da ação, em que se afere apenas se o réu está ou não obrigado a prestar contas. 5. Como não há nenhum registro em atas, de prestação de contas pelo recorrente junto à assembléia, muito menos de que elas tenham sido aprovadas, deverá prestá-las se requeridas judicialmente. Nem o fato do síndico não possuir mais a documentação o isenta da obrigação, até porque, nos termos do art. 22, § 1º, alíneas f e g, da Lei nº 4.591/1964, está ele obri-gado a prestar contas de sua administração à assembléia geral do condomínio, bem como manter sob sua guarda, pelo prazo de cinco anos, toda a documentação condominial. 6. Não há que se falar em litigância de má-fé por parte do condomínio autor, sob a assertiva de postular prestação

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de contas sobre informações que já detém em seu poder.” (TJPR – AC 0347942-9 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Macedo Pacheco – DJPR 06.09.2007)

1368 – Responsabilidade do síndico – atos lesivos aos condôminos – ação cominatória cumulada com pedido de ressarcimento – legitimidade passiva

“Civil e processual civil. Ação cominatória cumulada com pedido de ressarcimento. Responsabili-dade do síndico por atos lesivos aos condôminos. Legitimidade passiva do síndico. 1. É vedada a esta Corte apreciar violação a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 2. A falta de prequestionamento em relação aos arts. 22, § 1º, letra f, da Lei nº 4.591/1964; e 245 do CPC, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula nº 211/STJ. 3. Responde o síndico, pessoalmente, por atos ilícitos praticados contra o condomínio. 4. Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp 402.026 – (2001/0198208-8) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 14.12.2009)

1369 – Responsabilidade do síndico – cobrança indevida – pagamento não demonstrado – ausên-cia de má-fé – danos materiais

“Direito civil. Cobrança indevida. Pagamento não demonstrado. Ausência de má-fé. Danos ma-teriais. Ausência de relação de causalidade. 1. Responsabilidade do síndico. Sem demonstração de abuso de direito, o síndico não responde por atos praticados em nome e no interesse do con-domínio. 2. Repetição do indébito. Em face da desistência, na ação de cobrança, ocorrida antes da contestação, e da ausência de pagamento, o que é indispensável para o pagamento em dobro, na forma do art. 941 do Código Civil, a restituição se dá na forma simples. 3. Ausência de má-fé. Cobrança indevida. Não restou clara a ocorrência do pagamento da prestação de marco de 2008, à luz do art. 308 do Código Civil, de modo a demonstrar abuso ou irregularidade na propositura da ação de cobrança pelo condomínio réu, com o que se afasta o pressuposto da má-fé. 4. Danos materiais. Despesas de deslocamento. Não obstante a indevida cobrança, não há relação de cau-salidade entre esta e a realização de despesas com o deslocamento para participar de audiência, pois de qualquer modo o autor deveria apresentar defesa em relação à cobrança da prestação de marco de 2008, cujo pagamento não restou demonstrado. 5. Recurso conhecido, mas não provido. Custas processuais e honorários advocatícios, no valor de R$ 400,00, pelo recorrente.” (TJDFT – Proc. 20120111560377 – (670864) – Rel. Juiz Aiston Henrique de Sousa – DJe 22.04.2013)

1370 – Seguro condominial – acidente produzido por veículo automotor quando conduzido por preposto do condomínio (manobrista) – responsabilidade civil do síndico

“Apelação cível. Cobrança c/c revisão contratual. Seguro condominial. Acidente produzido por veículo automotor quando conduzido por preposto do condomínio (manobrista). Interpretação das cláusulas contratuais frente à proposta de seguro que demonstra que não houve a contratação de seguro para os veículos dos condôminos. Impossibilidade de cobertura pela cláusula de responsa-bilidade do síndico diante da ausência de provas de negligência. 1. Interpretando-se as cláusulas contratuais no presente feito, extrai-se que o seguro de responsabilidade civil pelos danos decor-rentes a veículos de terceiros (condôminos) não foi contratado pelas partes, não podendo sequer se aventar que a sobredita cláusula de ‘impacto de veículos’ seria suficiente, posto que firmada para a proteção de bens do segurado, razão pela qual impossível à condenação da seguradora à cobertura pretendida. 2. Impossível no caso a cobertura pela cláusula de responsabilidade civil por negligência do síndico, posto que inexistem provas neste aspecto. Apelação cível conhecida e desprovida.” (TJPR – AC 0978024-1 – 10ª C.Cív. – Rel. Des. Jurandyr Reis Junior – DJe 21.01.2013)

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Parte Geral – Doutrina

As Liminares nas Ações de Despejo de Imóvel Não Residencial por Denúncia Vazia: o Prazo de 30 Dias para Obtenção da Imediata Desocupação

LUIZ ANTONIO SCAVONE JUNIORAdvogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, Professor e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Imobiliário da EPD, Professor de Direito Civil e Mediação e Direito Arbitral nos Cursos de Graduação da Universi-dade Presbiteriana Mackenzie e da FAAP. Autor de diversas obras.

De acordo com o art. 59, § 1º e inciso VIII, da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991):

Conceder-se-á liminar para desocupação em 15 (quinze) dias, independente-mente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a 3 (três) meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo: [...] VIII – o término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notifica-ção comunicando o intento de retomada.

Nada obstante, em razão do dispositivo ora comentado, surge interpreta-ção segundo a qual, nos casos de contrato prorrogado por prazo indeterminado ou de locação já contratada por prazo indeterminado, se faz imprescindível a propositura da ação de despejo no prazo de trinta dias contados do término do prazo para desocupação voluntária, sem o que não existirá possibilidade jurídi-ca de concessão de desocupação liminar.

Nessa medida, o seguinte julgado do Ilustre Desembargador Paulista Manoel Justino Bezerra Filho:

[...] é de se observar que, de fato como argumenta o agravante, o trintídio legal deve ser contado a partir do término do prazo concedido na notificação para a desocupação do imóvel. Não haveria sentido, contar-se o prazo para o loca-dor propor a ação de despejo, concomitantemente com o prazo concedido ao locatário para a desocupação voluntária do imóvel. Até porque, se houvesse a desocupação do imóvel, o locador perderia o interesse de ação. Assim, a me-lhor exegese do referido dispositivo é que, para obtenção da liminar na ação de despejo por denúncia vazia em contrato de locação não residencial por prazo indeterminado, a ação deve ser proposta em até 30 (trinta) dias do término do prazo concedido ao locatário para a desocupação voluntária do imóvel. (TJSP, AI 990103337891, 35ª CDPriv., 16.08.2010)

De nossa parte, entendemos que a propositura da ação no trintídio pos-terior ao prazo da notificação para desocupação voluntária (que também é, em

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regra, de 30 dias) se trata de cautela que deve ser tomada na prática forense. Todavia, ainda que respeitemos a decisão anterior, é preciso ponderar que a conjunção alternativa contida no texto do inciso VIII do § 1º do art. 59 da Lei do Inquilinato, com a redação dada pela Lei nº 12.112/2009, leva o intérprete à conclusão diversa, permitindo a propositura após o prazo de trinta dias sem prejuízo da obtenção da liminar.

Outra razão que leva a tal inferência decorre da ausência de alteração sistemática do art. 57, e, nessa medida, não parece que foi a intenção da lei estabelecer o prazo de trinta dias para propositura da ação após o prazo da noti-ficação. Aliás, sempre se discutiu qual seria este prazo, sendo relevante destacar o seguinte julgado do extinto 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: “Des-pejo. Notificação prévia. Ação ajuizada sete meses depois. Inadmissibilidade. Lapso temporal demasiadamente longo. Presunção de renúncia, pelo locador, aos efeitos da denúncia. Falta de pressuposto de constituição válida e regular do processo. Carência decretada. RT 692/122”.

Assim, apenas se houver demora excessiva na propositura da ação, sem que haja prazo legal para tanto, apto a presumir a continuidade tácita da loca-ção, é que deve ser considerada a carência da ação e, conseguintemente, da liminar.

Outra questão que surge nos Tribunais decorre do equivocado entendi-mento, segundo o qual, no caso de contrato prorrogado por prazo indetermina-do e notificação para desocupação em trinta dias, a obtenção da liminar ficaria condicionada à propositura da ação de despejo no prazo para desocupação voluntária.

Nada mais incongruente. Se o locatário atender a notificação e desocu-par o imóvel no prazo legal, não há falar-se na ação de despejo.

É assim a lúcida decisão do Desembargador e Preclaro Professor Carlos Alberto Garbi:

[...]. Concedido o prazo de 30 dias para a desocupação voluntária do imóvel, somente ao término do trintídio poderia o locador movimentar-se no sentido de reaver o imóvel. Nada justificaria a exigência do ajuizamento da ação de despe-jo dentro do prazo concedido para a desocupação voluntária do imóvel. (TJSP, AI 0497015-55.2010.8.26.0000, 26ª Câmara de Direito Privado, 18.01.2011)

Em suma, a ação proposta após a necessária notificação com prazo de trinta dias para desocupação voluntária, nos casos de contratos prorrogados por prazo indeterminado ou já contratados desta forma, não necessita – embora se recomende – ser proposta em até trinta dias do termo final para desocupação.

E a recomendação – e utilizo cuidadosamente o termo – parece razoá-vel sob a ótica pragmática na exata medida da jurisprudência que começa se formar, sustentando, nesse caso, que a obtenção da liminar fica condicionada

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à propositura da ação no prazo de trinta dias contados do fim do prazo para desocupação voluntária.

De qualquer forma, entendo que, ultrapassado o prazo de trinta dias sem a propositura da ação, no caso de contrato prorrogado por prazo indetermina-do, nada obsta que nova notificação para desocupação voluntária seja provi-denciada, renovando-se o prazo subsequente de trinta dias para propositura da ação, que contará com a concessão da liminar para desocupação em quinze dias.

Por outro lado, como já disse, caso a ação seja proposta em até trinta dias do termo final do contrato, não há necessidade de qualquer notificação. A uma, por não haver previsão legal, posto que, pelo contrário, a Lei do Inquilinato coloca fim ao contrato “independentemente de notificação ou aviso” (art. 56 da Lei nº 8.245/1991) e, a duas, por constituir obrigação do locatário devolver o imóvel ao final do prazo (art. 23, III).

Nesse sentido, o teor do voto do Desembargador Eduardo Sá Pinto Sandeville:

[...] Nesses casos, proposta a ação em até trinta dias do término do prazo con-tratual, não há necessidade de notificação prévia para a propositura da ação de despejo, pelo simples fato de a devolução do imóvel ser uma obrigação imposta ao locatário (art. 23, III). (AI 990103485254, 28ª CDPriv., 17.08.2010)

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Parte Geral – Doutrina

Questões Tributárias Controvertidas do Programa Minha Casa, Minha Vida

DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZAAdvogado da Caixa, Jurídico Regional de Porto Alegre – Jurir/PO, Pós-Graduado em Direito Notarial e Registral pela Anhanguera (Uniderp), Pós-Graduado em Direito Tributário pela UNP, Pós-Graduado em Direito Constitucional pela UNP, Bacharel em Direito pela PUC-RS.

RESUMO: Questões tributárias controvertidas do Programa Minha Casa, Minha Vida. O Programa Minha Casa, Minha Vida trouxe instrumentos capazes de propiciar o direito à moradia a todos importantes. Para tanto, ocorreram isenções e reduções tributárias de taxas estaduais, ocasionando grande controvérsia a respeito da constitucionalidade desses dispositivos, notadamente em razão do princípio da vedação da isenção heterônoma. Tais argumentos são rebatidos em razão do princípio fundamental do direito à mo-radia, bem como da possibilidade de a União editar normas gerais em matéria de emolumentos (art. 236, § 2º, da CRFB) e da gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania (art. 5º, LXXVII, da CRFB).

PALAVRAS-CHAVE: Tributário; constitucional; Programa Minha Casa, Minha Vida; isenções e reduções tributárias.

ABSTRACT: Controversial tributary issues of the Program My House, My Life. The Program My House, My Life has brought instruments that are capable of providing the right to housing for everyone involved. For that purpose, tributary exemptions and reductions of state fees were made, causing great controversy on the constitutionality of these devices, clearly due the principle of prohibited heteronomous exemption. Such arguments are refuted by the fundamental principle of the right to housing, as well as by the possibili-ty of the Union can edit general rules of charges (article 236, § 2º, of CRFB) and also by the free-of-charge acts that make the citizenship exercise possible (article 5º, LXXVII, of CRFB).

KEYWORDS: Tributary; constitucional; Program My House, My Life; tax exemptions and reductions.

INTRODUÇÃOO Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV –, instituído pela Lei

nº 11.977, de 7 de julho de 2009 (1ª LMCMV – Lei Minha Casa, Minha Vida), alterada pela Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011 (2ª LMCMV), trouxe rele-vantes implicações tributárias, bem como significativo avanço social.

Discute-se deveras a constitucionalidade de dispositivos que reduzem ou isentam tributos estaduais no âmbito do programa.

Passa-se à análise do tema.

CAPÍTULO 1 – DOS PRINCÍPIOSTodo estudo deve se iniciar pelos princípios, os quais são a viga-mestra

de qualquer disciplina1. Irrefragavelmente, os princípios constitucionais devem

1 SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. Importância dos princípios no assento registrário de nascimentos e óbitos. Conteúdo Jurídico, Brasília/DF, 9 abr. 2012. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=.36386>. Acesso em: 18 abr. 2013.

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ser ponderados. Campos2 argui que os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados, ocorrendo, em muitas hipóteses, colisões ou contradições entre direitos.

Schwarzer3 propõe: “Os princípios são pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio direito, indicando seu pró-prio alicerce”. Alexy4 refere serem mandamentos, isto é, “normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, de acordo com as possibili-dades fáticas e jurídicas existentes”.

Conseguintemente, os princípios devem ser ponderados. No caso, no de-correr do artigo, analisa-se a colisão entre os princípios do acesso à moradia e o da vedação à isenção heterônoma.

CAPÍTULO 2 – DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDAO Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) “tem por finalidade criar

mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacio-nais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscen-tos e cinquenta reais)”, compreendendo os seguintes subprogramas: Programa Nacional de Habitação Urbana – PNHU e Programa Nacional de Habitação Rural – PNHR (Lei nº 11.977/2009, forte no art. 1º, com a redação dada pela Lei nº 12.424/2011). Na glosa de Finotti5:

Em verdade, havia muita dificuldade para se desenvolver produtos imobiliários que satisfizessem a capacidade de financiamento dos cidadãos e das famílias de baixa renda.

Diante deste desafio de estruturação de políticas habitacionais, o Go-verno Federal lançou o Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei nº 11.977/2009, criado para requalificar imóveis urbanos, construir unidades habitacionais e produzir ou reformar imóveis rurais.

2 CAMPOS, Helena Nunes. Princípio da proporcionalidade: a ponderação dos direitos fundamentais. Caderno de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico, p. 23/32. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Direito_Politico_e_Economico/Cadernos_Direito/Volume_4/02.pdf>. Acesso em: 1º jul. 2013.

3 SCHWARZER, Márcia Rosália. Curso de direito notarial e registral: da origem à responsabilidade civil, penal e trabalhista. Porto Alegre: Núria Fabris, 2008. p. 97.

4 Robert Alexy apud SAPUCAIA, Rafael Vieira Figueiredo. O modelo de regras e princípios em Robert Alexy. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out. 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10552>. Acesso em: jul. 2013.

5 FINOTTI, Gabriel Schievano. Anotações sobre a Lei nº 11.977/2009 (Programa Minha Casa, Minha Vida) e a inconstitucionalidade do artigo 35-A. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3213, 18 abr. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21545>. Acesso em: 1º jul. 2013.

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Maciel6 aduz que a Política Nacional de Habitação, criada em 2005, contempla duas ações: “Ações corretivas de regularização fundiária, urbaniza-ção e inserção social dos assentamentos precários e ações preventivas, voltadas para a ampliação e universalização do acesso à terra urbanizada e a novas uni-dades habitacionais adequadas” (grifos da autora). Ademais, refere, no contexto dessa política, o surgimento o Programa Minha Casa, Minha Vida, adotando o modelo de subsídio público à capacidade de pagamento da população de baixa renda.

Silveira7 comenta:

A Lei nº 11.977, de 9 de julho de 2009, traçou um ousado arcabouço jurídico para o enfrentamento do gravíssimo problema da habitação popular em nosso país. Além criar mecanismos para a regularização fundiária de áreas urbanas, instituir subsídios estatais, facilidades em financiamentos imobiliários e tocou em ponto nevrálgico, quase sempre esquecido em iniciativas semelhantes – as excessivas taxas cartorárias.

Com base no primado do acesso à moradia, foi criado o PMCMV, trazen-do vários instrumentos capazes de propiciar o direito à moradia a todos.

CAPÍTULO 3 – DA ISENÇÃO HETERÔNOMA E DO ARTIGO 236, § 2º, DA CONSTITUIÇÃODiscute-se a constitucionalidade de alguns dispositivos das leis do pro-

grama, especialmente aqueles que reduzem ou isentam tributos de competên-cia de outros entes da Federação, notadamente tributos estaduais, o que poderia configurar, em tese, a isenção heterônoma.

Como regra geral8, lei federal que atribua isenção de tributo estadual, distrital ou municipal, fora dos limites estabelecidos pela Constituição Federal, padece de inconstitucionalidade, porquanto constitui a denominada isenção heterônoma, vedada pelo art. 151, inciso III, da Constituição Federal, o qual estabelece ser vedado à União estabelecer isenções de tributos de competência estadual, distrital ou municipal9.

6 MACIEL, Bruna de Oliveira. Habilitação de interesse social e regularização fundiária: possibilidades e convergências dentro do atual marco institucional brasileiro. Revista de Direito da ADVOCEF, Porto Alegre, v. 1, n. 16, p. 69/89, 2012. p. 75.

7 SILVEIRA, Sebastião Sérgio da. O regime diferenciado de custas na Lei nº 11.977/2009 – Programa Minha Casa, Minha Vida – Uma alternativa de tutela de interesses coletivos. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7015>. Acesso em: jul. 2013.

8 SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. Da imunidade das instituições de educação e de assistência social. Conteúdo Jurídico, Brasília/DF, 18 nov. 2009. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.25468>. Acesso em: 13 ago. 2012.

9 “Art. 151. É vedado à União: [...] III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.”

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O sistema tributário brasileiro veda a isenção heterônoma, a qual pode ser conceituada, segundo Hugo de Brito Machado10, como a isenção concedida “por lei de pessoa jurídica diversa daquela que é titular da competência para instituir e cobrar o tributo a que se refere”, diferenciando-se da isenção auto-nômica, que é a instituída pela própria pessoa jurídica titular da competência.

Andreazza11 assevera: “Não raro o Congresso Nacional, sob o pretexto de viabilizar o acesso aos serviços notariais e registrais de populações economi-camente desfavorecidas ou para fomentar a circulação econômica estabelece isenções ou reduções nos emolumentos devidos aos tabeliães e registradores”.

Andreazza12 faz forte crítica aos instrumentos tributários do PMCMV, anotando:

Todavia, o viés social do Programa não pode ignorar a matriz constitucional dos serviços notariais e de registro, atualmente exercidos por particulares mediante delegação de uma função pública nos termos do art. 236 da Constituição.

A remuneração destinada à subsistência destes agentes públicos, que na verdade são particulares em colaboração com o Estado, é decorrente de emolumentos, que, seguindo as diretrizes nacionais da Lei nº 10.167/2000, são fixados pelos Estados.

Outrossim, assevera Andreazza13 que, por se tratarem os emolumentos de taxas estaduais, somente poderiam ser isentadas ou renunciadas por lei es-tadual.

Não obstante, pode-se afastar a configuração da vedação da isenção he-terônoma com a incidência do art. 236, § 2º, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

[...]

§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

[...].

Nesse diapasão, o artigo mencionado autoriza a União a editar normas gerais para fixação de emolumentos dos serviços notariais e de registro. Dessa

10 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 257.

11 ANDREAZZA, Gabriela Lucena. Usucapião administrativa: reflexos no registro de imóveis. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3387, 9 out. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22767>. Acesso em: 1º jul. 2013.

12 Idem.

13 Idem.

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feita, os aspectos do PMCMV que tratam de emolumentos recebem guarida no art. 236, § 2º, da Constituição. Nessa alheta, Silveira14 sustenta:

Mas não é só. De conformidade com aquilo que dispõe o § 2º do art. 236 da Constituição Federal, é da competência da União o estabelecimento de normas gerais relativas à fixação dos emolumentos cartorários.

Está claro, que as disposições dos arts. 42 e 43 da Lei Federal nº 11.977/2009, cuidaram de estabelecer normas gerais para a cobrança de emolumentos pelas serventias extrajudiciais, em todo país. O caráter de generalidade da norma não viola a cláusula federativa da Constituição da República ou invade o campo da competência tributária exclusiva do Estado.

Outro dispositivo mitigando o princípio da vedação da isenção heterô-noma é a previsão do art. 184, § 5º, da CF, que determina que são isentas15 de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.

Portanto, compreende-se, a despeito de entendimentos contrários, que a legislação tributária do Programa Minha Casa, Minha Vida não viola o princípio da vedação da isenção heterônoma, porquanto o art. 236, § 2º, da Constituição da República autoriza a União a editar normas gerais em relação aos emolu-mentos dos serviços notariais e de registro.

CAPÍTULO 4 – DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIAIndubitavelmente, existe previsão constitucional assegurando o direito

fundamental à moradia no art. 6º, caput, da Constituição da República16, o qual foi incorporado ao corpo constitucional pelo advento da Emenda Constitucio-nal nº 26, de 2000. No escólio de Gonçalves17:

O direito à moradia digna foi reconhecido e implantado como pressuposto para a dignidade da pessoa humana, desde 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, foi recepcionado e propagado na Constituição Federal de 1988, por advento da Emenda Constitucional nº 26/2000, em seu art. 6º, caput. [...]

14 SILVEIRA, Sebastião Sérgio da. O regime diferenciado de custas na Lei nº 11.977/2009 – Programa Minha Casa, Minha Vida – Uma alternativa de tutela de interesses coletivos. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7015>. Acesso em: jul. 2013.

15 A Constituição da República utiliza impropriamente o termo isenção, quando o adequado seria falar em imunidade.

16 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)”

17 GONÇALVES, Fabiana Rodrigues. Direitos sociais: direito à moradia. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 110, mar 2013. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12892&revista_caderno=9>. Acesso em: jul. 2013.

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Como já mencionado, com a ratificação dos tratados e convenções, o Brasil reco-nhece o direito à moradia digna como um direito fundamental de toda a pessoa humana, para que a mesma viva com um mínimo de dignidade, adotando res-ponsabilidades frente à comunidade internacional para proteger e tornar realida-de esse direito.

Dessa maneira, mesmo que se entenda inaplicável¸ in casu, o art. 236, § 2º, da Constituição Federal, ainda assim o direito fundamental à moradia, no cotejo da questão em foco, suplanta a vedação à isenção heterônoma. Veja-se.

Rangel18 afirma que o direito à moradia é um dever constitucional que visa a assegurar a dignidade da pessoa humana. Para a efetivação do direito à moradia, imperioso que o Estado realize políticas públicas, adotando programas e esforços políticos19.

Maciel20 obtempera que o PMCMV propicia o atendimento às diretri-zes constitucionais da função social do desenvolvimento urbano, bem como permite aos cidadãos figurarem como protagonistas na ocupação dos espaços urbanos.

É com base no primado do direito à moradia que o PMCMV foi criado, trazendo vários instrumentos capazes de propiciar moradia a todos, entre eles algumas isenções ou reduções tributárias. E pouco adianta facilitar o acesso à moradia se não for garantido o cumprimento das obrigações acessórias tributá-rias relativas à propriedade, notadamente de registro/averbação.

Na linha do direito fundamental à moradia, pode-se trazer à baila o inci-piente direito fundamental à felicidade. Não há negar que o direito à moradia busca, de certa feita, contribuir para a concretização do direito à felicidade. Para Pinheiro21: “Sendo conceito individual, é dever do Estado, com a evolução das gerações de Direito, garantir o mínimo essencial para que o homem possa buscar a sua felicidade, por meio da concretização dos direitos sociais”.

Inegavelmente, a despeito das considerações a respeito da isenção hete-rônoma, em razão do princípio fundamental à moradia, tais dispositivos foram recepcionados pela Constituição Federal. De nada adianta garantir o acesso

18 RANGEL, Helano Márcio Vieira; SILVA, Jacilene Vieira da. O direito fundamental à moradia como mínimo existencial, e a sua efetivação à luz do Estatuto da Cidade. Revista Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 6, n.12, p. 57/78, jul./dez. 2009. p. 64.

19 GONÇALVES, Fabiana Rodrigues. Direitos sociais: direito à moradia. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 110, mar 2013. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12892&revista_caderno=9>. Acesso em: jul. 2013.

20 MACIEL, Bruna de Oliveira. Habilitação de interesse social e regularização fundiária: possibilidades e convergências dentro do atual marco institucional brasileiro. Revista de Direito da ADVOCEF, Porto Alegre, v. 1, n. 16, p. 69/89, 2012. p. 79.

21 PINHEIRO, Raphael Fernando. A positivação da felicidade como direito fundamental: o Projeto de Emenda Constitucional nº 19/2010. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 100, maio 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11701>. Acesso em: ago. 2013.

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à propriedade sem permitir a formalização desta (registro/averbação). Como visto, os princípios devem ser ponderados. No caso, o princípio do acesso à moradia deve ser aplicado, afastando-se a vedação à isenção heterônoma.

CAPÍTULO 5 – DA GRATUIDADE DOS ATOS NECESSÁRIOS AO EXERCÍCIO DA CIDADANIAAlém do princípio fundamental à moradia, importa gizar o disposto no

art. 5º, inciso LXXVII, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), o qual dispõe serem gratuitos, “na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania”. Reza o dispositivo: “São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania”.

Em caso semelhante (ADIn 1.800), em que se discutia a constituciona-lidade de lei federal que estabelecia a gratuidade dos primeiros registros de nascimento e de óbito para todos, independentemente da condição econômica (art. 1º, inciso VI, da Lei nº 9.265/1996, incluído pela Lei nº 9.534/1997), o Su-premo Tribunal Federal (STF) firmou a constitucionalidade do dispositivo legal, com fulcro no art. 5º, inciso LXXVII, da CRFB.

Conquanto a lei tenha aumentado o alcance do inciso LXXVI do art. 5º da CRFB (são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito), com base no subsequente aludido inciso LXXVII foi reconhecida a constitucionalidade da legislação fede-ral que estendeu a gratuidade da taxa estadual para todos (independentemente de ser pobre ou não), porquanto a lei federal propiciou a gratuidade a atos ne-cessários ao exercício da cidadania.

Assim restou ementada a decisão:

Constitucional. Atividade notarial. Natureza. Lei nº 9.534/1997. Registros públi-cos. Atos relacionados ao exercício da cidadania. Gratuidade. Princípio da pro-porcionalidade. Violação não observada. Precedentes. Improcedência da ação. A atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito público. Não ofende o princípio da proporcionalidade lei que isenta os “reconhecidamen-te pobres” do pagamento dos emolumentos devidos pela expedição de registro civil de nascimento e de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. Pre-cedentes. Ação julgada improcedente. (ADIn 1.800, Plenário, Rel. p/o Ac. Min. Ricardo Lewandowski, J. 11.06.2007, DJe 28.09.2007)22

No corpo do voto, o Ministro Relator dissertou e fundamentadamente reconheceu a incidência do art. 5º, LXXVII, da CRFB, na situação vertente:

22 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1800/DF, Plenário. Requerente: Associação dos Notários e Registradores do Brasil. Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator para o Acórdão Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília. Data do julgado: 11 jun. 2007. Data da publicação: 28 set. 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1699175>. Acesso em: 13 jul. 2013.

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Com efeito, o nascimento e a morte constituem fatos naturais que afetam igual-mente ricos e pobres, mas as suas consequências econômicas e sociais distri-buem-se desigualmente. O diploma legal imputado busca igualá-los nesses dois momentos cruciais da vida, de maneira a permitir que todos, independentemente de sua situação patrimonial, nesse particular, possam exercer os direitos de ci-dadania, exatamente nos termos do que dispõe o art. 5º, LXXVII, da Constituição da República.

Nesse mesmo sentido, pode-se lembrar a Lei Federal nº 1.060/1950, que estabeleceu a gratuidade de justiça (com isenção de taxas estaduais nos litígios perante a Justiça Estadual) aos desamparados e, mesmo assim, não se verificou discussões a respeito de sua constitucionalidade23.

Conseguintemente, são gratuitos os atos necessários ao exercício da cida-dania, e tal mandamento constitucional dá amparo aos dispositivos do PMCMV que estabelecem reduções ou isenções tributárias. Não se pode descurar que as gratuidades do PMCMV são instituídas com o desiderato de permitir o amplo exercício da cidadania.

CAPÍTULO 6 – DO ARTIGO 290-A DA LRPUm dos dispositivos mais polêmicos da novel legislação é o art. 290-A da

LRP (Lei de Registros Públicos – Lei nº 6.015, de 1973), o qual foi incluído pela Lei nº 11.481/2007 e alterado pela 2ª LMCMV24.

A norma estabelece a gratuidade no primeiro registro direito real cons-tituído em favor de beneficiário de regularização fundiária de interesse so-cial em áreas urbanas e em áreas rurais de agricultura familiar, gratuidade da primeira averbação de construção residencial de até 70m² de edificação em áreas urbanas objeto de regularização fundiária de interesse social e da gratuidade do registro do título de legitimação de posse e de sua conversão em propriedade.

23 SILVEIRA, Sebastião Sérgio da. O regime diferenciado de custas na Lei nº 11.977/2009 – Programa Minha Casa, Minha Vida – Uma alternativa de tutela de interesses coletivos. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7015>. Acesso em: jul. 2013.

24 “Art. 290-A. Devem ser realizados independentemente do recolhimento de custas e emolumentos: I – o primeiro registro de direito real constituído em favor de beneficiário de regularização fundiária de interesse social em áreas urbanas e em áreas rurais de agricultura familiar; II – a primeira averbação de construção residencial de até 70m² (setenta metros quadrados) de edificação em áreas urbanas objeto de regularização fundiária de interesse social. III – o registro de título de legitimação de posse, concedido pelo poder público, de que trata o art. 59 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, e de sua conversão em propriedade. § 1º O registro e a averbação de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo independem da comprovação do pagamento de quaisquer tributos, inclusive previdenciários.”

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6.1 DA gRAtuiDADe DO pRimeiRO RegistRO ReAl em fAvOR De benefiCiáRiO De RegulARizAçÃO funDiáRiA De inteResse sOCiAl

O primeiro registro de direito real constituído em favor de beneficiário de regularização fundiária de interesse social em áreas urbanas e em áreas rurais de agricultura familiar será realizado independentemente do recolhimento de custas e emolumentos, consoante estabelece o inciso I do referido art. 290-A da LRP.

A regularização fundiária de interesse social vem conceituada no art. 46 da Lei nº 11.977/2009 (1ª LMCMV):

Art. 46. A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Dessa forma, o primeiro registro real em favor do beneficiário de regula-rização fundiária de interesse social será contemplado com a isenção das taxas cartorárias. Tal dispositivo permite a benesse tanto para as áreas urbanas quanto as rurais.

É indubitável que, além de assegurar o acesso à propriedade, importa permitir a formalização desta através da averbação da construção, garantindo a regularização formal do imóvel.

6.2 DA gRAtuiDADe DA pRimeiRA AveRbAçÃO De COnstRuçÃO em áReAs uRbAnAs ObjetO De RegulARizAçÃO funDiáRiA De inteResse sOCiAl

Na linha de permissão da concretização do direito fundamental à mora-dia, a lei permite para as áreas urbanas envolvidas na regularização fundiária de interesse social a gratuidade da primeira averbação de construção residencial de até 70m², forte no inciso II do art. 290-A da LRP.

Nesse ponto, o legislador não concedeu a isenção tributária aos proprie-tários de imóvel rural, nem para os proprietários urbanos de construções que excedam o limite aludido.

De igual forma que no inciso anterior, o legislador quis facilitar a forma-lização da construção realizada em imóvel urbano.

6.3 DA gRAtuiDADe DO RegistRO DA legitimAçÃO De pOsse e De suA COnveRsÃO em pROpRieDADe

É gratuito o registro de título de legitimação de posse, concedido pelo Po-der Público, forte no citado art. 290-A, III, da LRP. A legitimação de posse é im-portante instrumento trazido pela LMCMV, sendo prevista no art. 47, IV, da Lei

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nº 11.977, e podendo ser conceituada “como o ato do Poder Público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse”.

Ademais, o legislador, no mesmo dispositivo, também concedeu a gra-tuidade para o registro da conversão em propriedade da legitimação de posse.

Por seu turno, o art. 59 da Lei nº 11.977/2009 declara que a legitimação de posse registrada constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia25.

6.4 DA DispensA De pROvA pARA O RegistRO

O § 1º do citado art. 290-A trata da dispensa de prova para o registro. Não se trata de isenção ou imunidade, apenas a desnecessidade de apresenta-ção de quitação para fins de regularização da propriedade.

Dessa forma, não se exige para o registro a prova da quitação; a Fazen-da interessada deverá se utilizar dos meios necessários para fins de cobrança, sejam administrativos, sejam judiciais, pela execução fiscal ou pelo protesto da CDA26. Nesse mesmo diapasão é o disposto no art. 47 da Lei nº 8.212/199127.

Trata-se de mais um instrumento importante para facilitar a regularização formal da propriedade.

CAPÍTULO 7 – DO ARTIGO 237-A DA LRP – ATOS ÚNICOSOutra polêmica inovação é o art. 237-A da LRP (Lei de Registros Públi-

cos – Lei nº 6.015, de 1973), incluído pela Lei nº 11.977/2009 (1ª LMCMV) e alterado pela Lei nº 12.424/2011 (2ª LMCMV)28.

25 “Art. 59. A legitimação de posse devidamente registrada constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia. (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) § 1º A legitimação de posse será concedida aos moradores cadastrados pelo Poder Público, desde que: (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.424, de 2011) I – não sejam concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural; (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) II – não sejam beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente. (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) III – (revogado). § 2º A legitimação de posse também será concedida ao coproprietário da gleba, titular de cotas ou frações ideais, devidamente cadastrado pelo poder público, desde que exerça seu direito de propriedade em um lote individualizado e identificado no parcelamento registrado. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”

26 SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. Protesto extrajudicial da certidão de dívida ativa. Conteúdo Jurídico, Brasília/DF, 26 mar. 2012. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=10085_Daniel_Souza&ver=1197>. Acesso em: 9 ago. 2013.

27 Lei nº 8.212/1991: “Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito – CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.04.1995) [...] § 6º Independe de prova de inexistência de débito: [...]; e) averbação da construção civil localizada em área objeto de regularização fundiária de interesse social, na forma da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”.

28 “Art. 237-A. Após o registro do parcelamento do solo ou da incorporação imobiliária, até a emissão da carta de habite-se, as averbações e registros relativos à pessoa do incorporador ou referentes a direitos reais de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento serão realizados

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Para as hipóteses de parcelamento e incorporação previstas no caput do art. 237-A da LRP, as averbações e os registros serão considerados atos únicos, isto é, só poderá ser cobrado um ato de registro, desimportando a quantidade de unidades autônomas envolvidas ou de atos intermediários. Reza o caput do referido artigo que, entre o registro do parcelamento do solo ou da incorporação imobiliária e a emissão da carta de habite-se, as averbações e os registros serão realizados na matrícula de origem do imóvel e em cada uma das matrículas das unidades autônomas abertas.

A norma foi questionada no Supremo Tribunal Federal, por meio do Mandado de Segurança nº 30710, o qual foi não foi conhecido, por falta das condições da ação29.

O mandado fora impetrado pelo oficial titular de Cartório de Registro de Imóveis do Distrito Federal contra ato do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do corregedor do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Terri-tórios (TJDFT). O autor da ação questionava a impossibilidade de cobrança por cada um dos atos praticados pelo cartório, refutando o dispositivo legal que as-severa que todos os registros e as averbações relativos ao empreendimento, nos condições estabelecidas no caput do art. 237-A, serão considerados ato único, desimportando a quantidade de unidades autônomas30.

O oficial de registro impugnava a decisão da Corregedoria do TJDFT, que não somente considerava válido o dispositivo em testilha, como estendia sua aplicação para parcelamentos e incorporações imobiliárias fora do âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida. Dessa feita, pode-se concluir que a Corre-gedoria do TJDFT considera válido o dispositivo em apreço.

A norma em comento almeja facilitar o registro dos parcelamentos do solo que, como cediço, tradicionalmente, não eram registrados em nome do ad-

na matrícula de origem do imóvel e em cada uma das matrículas das unidades autônomas eventualmente abertas. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009) § 1º Para efeito de cobrança de custas e emolumentos, as averbações e os registros relativos ao mesmo ato jurídico ou negócio jurídico e realizados com base no caput serão considerados como ato de registro único, não importando a quantidade de unidades autônomas envolvidas ou de atos intermediários existentes. ( Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) § 2º Nos registros decorrentes de processo de parcelamento do solo ou de incorporação imobiliária, o registrador deverá observar o prazo máximo de 15 (quinze) dias para o fornecimento do número do registro ao interessado ou a indicação das pendências a serem satisfeitas para sua efetivação. (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009) § 3º O registro da instituição de condomínio ou da especificação do empreendimento constituirá ato único para fins de cobrança de custas e emolumentos. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”

29 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 30710 /DF, decisão monocrática. Impetrante: Manoel Aristides Sobrinho. Impetrados: Presidente do Conselho Nacional de Justiça e Corregedor do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Ministro Relator Celso de Mello. Brasília. Data do julgado: 6 ago. 2012. Data da publicação: 8 ago. 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4103919>. Acesso em: 2 jul. 2013.

30 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Notícias STF. Mandado de Segurança nº 30710 /DF. Data da publicação: 11 jul. 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=183981&caixaBusca=N>. Acesso em: 2 jul. 2013.

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quirente. Isso dificulta a regularização da propriedade, privando o proprietário dos direitos de domínio e, prejudicando, inclusive, a cobrança de IPTU.

CAPÍTULO 8 – DOS ARTIGOS 42 E 43 DA 1ª LMCMVOutrossim, além das hipóteses de gratuidade mencionadas, há situações

de redução de emolumentos previstos nos arts. 42 e 43 da 1ª LMCMV.

O art. 42 da 1ª LMCMV31 traz a redução de emolumentos para abertura de matrícula e de outros atos registrais de construção de empreendimentos no âmbito do PMCMV.

O art. 43 da 1ª LMCMV prevê a redução de emolumentos da escritura pública para o registro da alienação do imóvel e demais atos no âmbito do PMCMV32.

Em síntese, a redução para matrícula e escritura pública será de 75% para empreendimentos do FAR33 e do FDS34 e de 50% para os demais empreendi-mentos do PMCMV.

31 “Art. 42. Os emolumentos devidos pelos atos de abertura de matrícula, registro de incorporação, parcelamento do solo, averbação de construção, instituição de condomínio, averbação da carta de ‘habite-se’ e demais atos referentes à construção de empreendimentos no âmbito do PMCMV serão reduzidos em: (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) I – 75% (setenta e cinco por cento) para os empreendimentos do FAR e do FDS; (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) II – 50% (cinquenta por cento) para os atos relacionados aos demais empreendimentos do PMCMV. (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) III – (revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) § 1º A redução prevista no inciso I será também aplicada aos emolumentos devidos pelo registro da transferência de propriedade do imóvel para o FAR e o FDS. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011) § 2º No ato do registro de incorporação, o interessado deve declarar que o seu empreendimento está enquadrado no PMCMV para obter a redução dos emolumentos previstos no caput. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011) § 3º O desenquadramento do PMCMV de uma ou mais unidades habitacionais de empreendimento que tenha obtido a redução das custas na forma do § 2º implica a complementação do pagamento dos emolumentos relativos a essas unidades. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”

32 “Art. 43. Os emolumentos referentes a escritura pública, quando esta for exigida, ao registro da alienação de imóvel e de correspondentes garantias reais e aos demais atos relativos ao imóvel residencial adquirido ou financiado no âmbito do PMCMV serão reduzidos em: (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011) I – 75% (setenta e cinco por cento) para os imóveis residenciais adquiridos do FAR e do FDS; (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011); II – 50% (cinquenta por cento) para os imóveis residenciais dos demais empreendimentos do PMCMV. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”

33 O FAR é o Fundo de Arrendamento Residencial, previsto na Lei nº 10.188, de 12 de fevereiro de 2001, a qual cria o Programa de Arrendamento Residencial, institui o arrendamento residencial com opção de compra e dá outras providências. Destacamos os seguintes dispositivos:

“Art. 1º Fica instituído o Programa de Arrendamento Residencial para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra. (Redação dada pela Lei nº 11.474, de 2007) § 1º A gestão do Programa cabe ao Ministério das Cidades e sua operacionalização à Caixa Econômica Federal – CEF. (Redação dada pela Lei nº 10.859, de 2004) [...] Art. 6º Considera-se arrendamento residencial a operação realizada no âmbito do Programa instituído nesta Lei, que tenha por objeto o arrendamento com opção de compra de bens imóveis adquiridos para esse fim específico. Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se arrendatária a pessoa física que, atendidos os requisitos estabelecidos pelo Ministério das Cidades, seja habilitada pela CEF ao arrendamento. (Redação dada pela Lei nº 10.859, de 2004)”

34 FDS é o Fundo de Desenvolvimento Social, regido pela Lei nº 8.677, de 13 de julho de 1993. Conforme dispõe o art. 2º:

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É ônus do interessado, quando do registro da incorporação, declarar que seu empreendimento está enquadrado no PMCMV para garantir a redução de emolumentos.

O descumprimento do disposto nos artigos supra importará as sanções do art. 44 da 1ª LMCMV35, podendo também haver, dada a natureza tributária dos emolumentos, a incidência do art. 316, § 1º, do Código Penal36.

No sentido da constitucionalidade dos arts. 42 e 43 da Lei nº 11.977/2009, tem-se o entendimento do Jurista Silveira37, o qual conclui:

Portanto, é forçoso concluir que a União pode e deve elaborar normas gerais para disciplinar a cobrança de emolumentos de atividades notariais ou registrais e que inexiste qualquer eiva de inconstitucionalidade nos arts. 42 e 43 da Lei nº 11.977/2009, que concedeu isenção ou redução no valor de emolumentos para os contribuintes nela mencionados.

Por conseguinte, constitucionais os arts. 42 e 43 da Lei nº 11.977/2009.

CAPÍTULO 9 – OUTROS DISPOSITIVOS TRIBUTÁRIO-FINANCEIROSA 1ª LMCMV, em seu art. 2º, I, também traz a possibilidade de subven-

ção econômica da União ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional.

O art. 3º, § 1º, II, da 1ª LMCMV traz a recomendação de implementação pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios de medidas de desone-

“Art. 2º O FDS destina-se ao financiamento de projetos de investimento de interesse social nas áreas de habitação popular, sendo permitido o financiamento nas áreas de saneamento e infra-estrutura, desde que vinculadas aos programas de habitação, bem como equipamentos comunitários. Parágrafo único. O FDS tem por finalidade o financiamento de projetos de iniciativa de pessoas físicas e de empresas ou entidades do setor privado, vedada a concessão de financiamentos a projetos de órgãos da administração direta, autárquica ou fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios ou entidades sob seu controle direto ou indireto.”

35 “Art. 44. Os cartórios que não cumprirem o disposto nos arts. 42 e 43 ficarão sujeitos à multa no valor de até R$ 100.000,00 (cem mil reais), bem como a outras sanções previstas na Lei no 8.935, de 18 de novembro de 1994.”

36 Concussão

“Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.”

Excesso de exação

“§ 1º Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) § 2º Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.”

37 SILVEIRA, Sebastião Sérgio da. O regime diferenciado de custas na Lei nº 11.977/2009 – Programa Minha Casa, Minha Vida – Uma alternativa de tutela de interesses coletivos. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7015>. Acesso em: jul. 2013.

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ração tributária para as construções destinadas à habitação de interesse social. Não se trata de mandamento obrigatório, apenas uma recomendação aos entes federativos. Dessa forma, podem os referidos entes, dentro de suas respectivas competências tributárias, instituir reduções ou isenções tributárias que afetem construções destinadas à habitação de interesse social. Considerando a necessi-dade de responsabilidade fiscal dos entes, o dispositivo legal é uma autorização legal para instituição de medidas de desoneração tributária, sem que haja con-figuração de renúncia fiscal.

O art. 3º, § 1º, III, da 1ª LMCMV traz a lembrança da necessidade de im-plementação pelos Municípios dos instrumentos da Lei nº 10.257, de 10 de ju-lho de 2001, voltados ao controle da retenção das áreas urbanas em ociosidade. Aqui, tem-se a recomendação para que os Municípios utilizem os instrumentos existentes no Estatuto das Cidades, verbi gratia, o IPTU progressivo nas áreas urbanas ociosas.

No concernente ao art. 6º-B, § 3º, da 1ª LMCMV, tem-se a autorização legal para que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios também prestem subvenções econômicas ou benefícios fiscais no âmbito do PMCMV.

Também se destaca a não incidência de imposto de renda na fonte so-bre os rendimentos auferidos pela carteira do FGHab, forte no art. 23 da 1ª LMCMV38.

O art. 72 da 1ª LMCMV estabelece a obrigatoriedade de notificação do titular do domínio pleno ou útil, bem como do promitente vendedor ou fiduciá-rio, em ações envolvendo IPTU ou cobrança de cotas condominiais39.

CONCLUSÃODo estudo infere-se ter o Programa Minha Casa, Minha Vida carreado ao

ordenamento jurídico alterações na legislação tributária. Nesse concernente, o direito tributário está sendo usado como instrumento de política habitacional e social. O próprio Estatuto das Cidades já foi utilizado nesse ínterim, com o IPTU progressivo no tempo.

A despeito de considerações em sentido contrário, entendem-se constitu-cionais as isenções e reduções tributárias instituídas pelas leis do PMCMV, ten-

38 Lei nº 11.977/2009: “Art. 23. Os rendimentos auferidos pela carteira do FGHab não se sujeitam à incidência de imposto de renda na fonte, devendo integrar a base de cálculo dos impostos e contribuições devidos pela pessoa jurídica, na forma da legislação vigente, quando houver o resgate de cotas, total ou parcial, ou na dissolução do Fundo”.

39 Lei nº 11.977/2009: “Art. 72. Nas ações judiciais de cobrança ou execução de cotas de condomínio, de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana ou de outras obrigações vinculadas ou decorrentes da posse do imóvel urbano, nas quais o responsável pelo pagamento seja o possuidor investido nos respectivos direitos aquisitivos, assim como o usufrutuário ou outros titulares de direito real de uso, posse ou fruição, será notificado o titular do domínio pleno ou útil, inclusive o promitente vendedor ou fiduciário.”

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do em vista que são instituídas para assegurar o direito fundamental à moradia, bem como por receberem guarida no art. 236, § 2º, da CRFB.

Outrossim, a Constituição estabelece a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania (art. 5º, inciso LXXVII). Não se pode descurar que as gratuidades do PMCMV são instituídas com o desiderato de permitir o amplo exercício da cidadania.

É com base no primado do direito à moradia que o PMCMV foi criado, trazendo vários instrumentos capazes de propiciar moradia a todos, entre eles algumas isenções ou reduções tributárias. E pouco adianta permitir o acesso à moradia se não for facilitado o cumprimento das obrigações acessórias tribu-tárias relativas à propriedade e a formalização desta (registro/averbação). Ade-mais, os princípios devem ser ponderados. No caso, o princípio do acesso à moradia deve ser aplicado, afastando-se a vedação heterônoma.

Dessarte, constitucionais os instrumentos tributários do Programa Minha Casa, Minha Vida.

REFERÊNCIASANDREAZZA, Gabriela Lucena. Usucapião administrativa: reflexos no registro de imó-veis. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3387, 9 out. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22767>. Acesso em: 1º jul. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 30710 /DF, decisão mo-nocrática. Impetrante: Manoel Aristides Sobrinho. Impetrados: Presidente do Conselho Nacional de Justiça e Corregedor do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Terri-tórios. Ministro Relator Celso de Mello. Brasília. Data do julgado: 6 ago. 2012. Data da publicação: 8 ago. 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verPro-cessoAndamento.asp?incidente=4103919>. Acesso em: 2 jul. 2013.

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______. Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nºs 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória nº 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União em 8 jul. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm>. Acesso em: 2 jul. 2013.

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Parte Geral – Doutrina

A Aplicação do CDC aos Contratos de Compra e Venda de Imóvel entre Pessoas Jurídicas

TÉRCIO TÚLIO NUNES MARCATOMestrando em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos, Associado Efe-tivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, Membro da Associação Mineira de Direito e Economia.

RESUMO: Este artigo constitui em uma investigação sobre os princípios da análise dos conceitos de con-sumidor, bem como a pessoa jurídica consumidora e verificação das possíveis ou não aplicações do Código de Defesa do Consumidor, relacionadas às transações de compra e venda de imóveis entre pessoas jurí-dicas, levando em consideração que consumidor é aquele que retira da cadeia produtiva bens ou serviços para utilização como destinatário final dos mesmos, seja pessoa física ou jurídica.

PALAVRAS-CHAVE: Código Defesa Consumidor; compra e venda de imóvel; pessoas jurídicas; aplicação.

A introdução no ordenamento jurídico brasileiro da Lei nº 8.078/1990 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), vigendo desde 11 de março de 1991, trouxe significativas mudanças nas relações entre consumidores e fornecedores.

As modificações introduzidas pelo CDC foram tão importantes para o re-gramento jurídico pátrio que representou um dos esforços legislativos de maior sucesso, tornando-se modelo na América Latina1 (Marques, 2006, p. 25).

As inovações trazidas, em um momento histórico e único, são frutos en-cartados na Constituição da República Federativa do Brasil, decorrentes dos anseios e das vontades dos cidadãos, traduzidos pela promulgação daquela, uma vez que toda sociedade almejava modificações profundas, privilegiando a consecução de instrumentos de garantia e defesa de todos.

A Constituição Cidadã deu especial atenção à proteção aos direitos dos consumidores, na medida em que os elevou, no seu Título II, a direitos e ga-rantias fundamentais, em consonância com os valores sociais, com especial atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Desse modo, introduziu-se o art. 5º, XXXII, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

1 Relatam STIGLITZ, Gabriel. El derecho del consumidor em Argentina y em el Mercosur. Derecho del consumidor 6/20; e ARRIGHI, Jean Michel. La pretección de los consumidores y el Mercosur. Revista Direito do Consimidor, 2/126.

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[...]

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Miguel Reale, citado por José Geraldo Brito Filomeno, assevera que:

“O Estado deve sempre ter em vista o interesse geral dos súditos, deve ser sempre uma síntese dos interesses tanto dos indivíduos como dos grupos particulares”, acrescentando ainda que “se considerarmos, por exemplo, os vários grupos or-ganizados para a produção e circulação das riquezas, necessário é reconhecer que o Estado não se confunde, nem por se confundir, com nenhum deles, em particular, porquanto cabe ao governo decidir segundo o bem comum o qual, nessa hipótese, se identifica com o interesse dos consumidores” e conclui o re-ferido pensamento, enfatizando que “a autoridade do Estado deve manifestar-se no sentido da generalidade daqueles interesses, representando a totalidade do povo”. (Filomeno, 1999, p. 22)

Essa preocupação manifesta com os interesses na defesa dos direitos dos consumidores ficou evidente na Constituição Federal não só pelo fato de tê-la elevada a direito e garantia fundamental, mas em diversas passagens sintôni-cas da mesma, promovendo uma mudança diametralmente oposta ao que se verificava até então. A esse respeito, alinhavou Guilherme Ferreira da Cruz no sentido de que

[...] o Código de Defesa do Consumidor há de ser entendido como uma lei prin-cipiológica que promove um corte horizontal no sistema jurídico pátrio, atribuin-do, com isso, eficácia material às regras constitucionais o desiderato de realizar a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a justiça, a solidariedade e a preva-lência dos valores sociais (CF, art. 1º, III e IV, c/c o art. 3º, I). (Cruz, 2003, p. 67)

No entanto, não foi tarefa fácil a inserção constitucional desses “direitos dos consumidores”, uma vez que, além da preservação dos mesmos, haveria também que garantir outros princípios: entre eles o da atividade econômica, tendo em vista tratar-se de uma constituição democrática e que o país se en-contrava inserido em um contexto eminentemente capitalista, voltado para a garantia da livre iniciativa.

Nesse sentido, não obstante a defesa dos interesses dos consumidores (CF, arts. 3º, I, e 5º, XXXII) e da livre iniciativa (CF, art. 3º, II) constituírem prin-cípios constitucionais a serem observados, a proteção do consumidor também deveria sê-la pela atividade econômica.

Decorre, portanto, que essa proteção foi inserida no art. 170, V, da Cons-tituição Federal para que fosse, também, observada e respeitada pela atividade econômica.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

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[...]

V – defesa do consumidor.

E, sem prejuízo dessa observância que se impôs à atividade privada pelo respeito aos direitos dos consumidores, por outro lado determinou ao Estado a adoção de medidas para esclarecimento dos consumidores dos impostos inci-dentes nos produtos e serviços (CF, art. 150, § 5º).

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

§ 5º A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.

E, ainda, quanto aos serviços públicos prestados sob o regime de conces-são ou permissão, determinou a obrigatoriedade, em lei, de medidas de prote-ção aos usuários desses serviços, os quais, em primeira ordem, são efetivamente consumidores (CF, art. 175, parágrafo único, II).

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

[...]

II – os direitos dos usuários.

Como dito, essa preocupação com a defesa dos consumidores adveio da frustração até então vivida pela sociedade, pois o ordenamento infraconstitucio-nal não atendia a essa massa de consumidores que diuturnamente se via envol-vida por questões maiores, muitas vezes insolúveis, em face do sistema pretérito e arraigado de protecionismo desmedido da atividade privada. De acordo com Guilherme Ferreira da Cruz,

é nesse contexto histórico que a Constituição retoma seu lugar no ápice da pirâ-mide estrutural; porém, agora funcionando como lídima determinante positiva, ou seja, abandona-se a concepção secular e superada do conteúdo meramente programático (simples complexos de diretrizes políticas) – sem vinculação ime-diata – para se atingir a idéia de uma normatividade própria constitucional. (Cruz, 2003, p. 68)

Por isso, a Constituinte de 1988 fixou prazo para que os direitos dos con-sumidores fossem elaborados, por meio de uma codificação especial, dentro de 120 (cento e vinte) dias, da promulgação da Constituição (CF, ADCT, art. 48), para que não ficassem no esquecimento como certos artigos da Constituição, que dependem de lei ordinária até os dias de hoje: “Art. 48. O Congresso Na-

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cional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.

Notadamente, em face da vigência do CDC, e porque não se falar em Có-digo de Defesa dos Direitos Constitucionais do Consumidor, que veio para dar liberdade a quem outrora se via preso sob a anteface da liberdade da autonomia contratual. Luiz Amaral, com sua proficiência, argumenta:

Que liberdade há para quem desconhece as regras básicas do mercado, os pro-dutos e seus similares, os preços e seus componentes? Que liberdade há para quem está sob pressões diversas (publicidade subliminar, rótulos e embalagens enganosas, monopólios, insuficiências salarial etc.?) Que liberdade há para quem ignora o sentido e alcance das consequências jurídicas de cláusulas contratuais exclusivamente arquitetadas pelo economicamente mais forte? Como se pode ver a famosíssima e liberdade contratual ou autonomia da vontade amiúde não passa de máscara para a vontade unilateral, e por isso mesmo e enquanto prin-cípio absoluto, acha-se a caminho do museu de belas utopias jurídicas. (Amaral, 1995, p. 71)

José Geraldo Brito Filomeno, citando José Lopes de Oliveira, argumenta que

é freqüentemente sob o império da necessidade que o indivíduo contrata; daí ceder facilmente ante a pressão das circunstâncias; premido pelas dificuldades do momento, o economicamente mais fraco cede sempre às exigências do eco-nomicamente mais forte; e transforma em tirania a liberdade, que será um só dos contratantes; tanto se abusou dessa liberdade durante o liberalismo econômico, que não tardou a reação, criando-se normas tendentes a limitá-las; e assim, surgiu um sistema de leis e garantias, visando a impedir a exploração do mais fraco. (Filomeno, 2004, 18)

E complementa que

a matéria “proteção e defesa do consumidor” é por si só vasta e complexa, donde ser na prática impossível a previsão de tudo que diga respeito aos direitos e deve-res dos consumidores e fornecedores.

Por isso mesmo que o novo Código vale muito mais pela perspectiva e diretrizes que fixa a efetiva defesa ou proteção do consumidor, bem como pelo devido equacionamento da harmonia buscada, do que pela exaustão de normas que ten-dem a esses objetivos, como visto, apontando ainda para a utilização de certos instrumentos. (Filomeno, 2004, p. 18)

Assim, face desses princípios que se buscará a análise dos conceitos de consumidor, bem como a pessoa jurídica consumidora para, ao final, verificar as possíveis ou não aplicações do CDC, relacionadas às transações de compra e venda de imóveis entre pessoas jurídicas. Vif Berneitz, citado por Filomeno (1999, p. 29), observa que “a noção mesma de consumidor, que não tem an-tecedentes jurídicos, nem sempre tem sido fixada por uma definição aceita no plano internacional”.

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DEFINIÇÃO DE CONSUMIDORDefinir consumidor não tem sido tarefa fácil para os doutrinadores, em

face da existência de diversos enfoques que se pode dar ao termo “consumi-dor”. Seja ele sob o aspecto sociológico, filosófico, econômico ou teleológico, mas o ideal que essa conceituação gravite o mais próximo do jurídico.

Assim, já para Nelson Nery Júnior (1999, p. 484), “a relação de consumo teria um de seus elementos o teleológico, consistente na finalidade com que o consumidor adquire o produto ou se utiliza do serviço, isto é, como destinatário final”. José Geraldo de Brito Filomeno assevera que, sob

o ponto de vista econômico, consumidor é considerado todo indivíduo que se faz destinatário da produção de bens, seja ele ou não adquirente, e seja ou não, a seu turno, também produtor de outros bens. Trata-se como se observa, da no-ção asséptica e seca que vê o consumidor tão-somente o homo economicus, e como partícipe de uma dada relação de consumo, sem qualquer consideração de ordem política, social, ou mesmo filosófico-ideológica. (Filomeno, 1999, p. 29)

E continua o citado autor discorrendo sobre a conceituação do ponto de vista psicológico que

[...] considera-se consumidor o sujeito sobre o qual se estudam as reações a fim de se individualizar os critérios para a produção e as motivações internas que o levam ao consumo. Neste aspecto, pois, perscruta-se das circunstâncias subjeti-vas que levam determinado indivíduo ou grupo de indivíduos a ter preferências por este ou aquele tipo de produto ou serviços, preocupando-se com tal aspecto certamente a ciência do marketing e da publicidade, assumindo especial interes-se quando se trata sobretudo dos devastadores efeitos desse, enganosa ou tenden-ciosa, diante das modernas e sofisticadas técnicas do mencionado marketing e merchandising. (Filomeno, 1999, p. 30)

Agora, no entanto, assevera quanto ao aspecto sociológico, consideran-do consumidor “qualquer indivíduo que frui ou se utiliza de bens e serviços, mas pertencentes a uma determinada categoria ou classe social” (Filomeno, 1999, p. 30).

No tocante ao conceito de ordem literária e filosófica, “o vocábulo con-sumidor é saturado de valores ideológicos mais evidentes E, com efeito, o termo é quase sempre associado à determinada ‘sociedade de consumo’ ou ‘consu-mismo’, ou ao próprio ‘consumerismo’” (Filomeno, 1999, p. 30). Entendeu os legisladores do CDC definir, então, o que seja “consumidor”. Assim, conforme expressa dicção legal (art. 2º da Lei nº 8.078/1990):

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

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Assim, para Othon Sidou, citado por Filomeno,

[...] “definem os léxicos como consumidor quem compra para gastar em uso próprio” e, “respeitada a concisão vocabular, o Direito exige aplicação mais pre-cisa”, concluindo então que “consumidor é toda e qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata, para utilização, a aquisição de mercadorias ou a prestação de serviço, independentemente do modo de manifestação de vontade, isto é, sem forma especial, salvo quando a lei expressamente a exigir”. (Filomeno, 2004, p. 28)

Fabio Konder Comparato (1974) entende que consumidor é aquele “que não dispõe de controle sobre bens de produção e, por conseguinte, deve se submeter ao poder dos titulares deste”, mas, para Nunes Vidal (2008, p. 12-13), consumidor será “aquele que retira da cadeia de produção um bem; em outras palavras, não o adquire, por exemplo, com o intuito de revenda”. Conquanto, Waldírio Bulgarelli (1983) informa que consumidor é “aquele que se encontra numa situação de usar ou consumir, estabelecendo-se, por isso, uma relação atual ou potencial, fática sem dúvida, porém a que se deve dar uma valoração jurídica, a fim de protegê-lo, quer evitando quer reparando os danos sofridos”.

Cláudia Lima Marques (2006, p. 83), para a conceituação de consumi-dor, entende que o legislador preferiu o entendimento mais objetivo, sendo, pois, importante entender a expressão “destinatário final”, sendo aquele que recebe fática e economicamente o bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. Deve, pois, segundo a autora, que o bem ou produto seja adquirido sem a intenção de revenda e não utilizá-lo para fins profissionais, de modo a encerrar uma cadeia produtiva, pois, se de modo diverso, iniciar-se-ia uma nova produção de bens ou serviços para mercado. Em suas palavras, Cláudia Lima Marques sintetiza:

O destinatário final é o consumidor final, que retira o bem do mercado ao adqui-ri-lo ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeira de produção (destinatário final econômico), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir [...]. (sem grifo no original) (Marques, 2006, p. 83)

Vidal Serrano Nunes Júnior, analisando a conceituação de consumidor, vê que não é tarefa fácil, mas entende que o Código de Defesa do Consumidor, ao defini-la no art. 2º, entende que para tal finalidade

[...] abre-se ao legislador um leque de possibilidades, podendo optar, inclusive pela exclusão de conceitos da lei, reservando esta tarefa à doutrina e jurisprudên-cia, o que, por vezes, recebe aplausos dos operadores de direito, já que toda con-ceituação é essencialmente limitadora; a habilidade para tanto se torna, assim, algo imperioso para o sucesso do intento – tão imperioso quanto raro. (Nunes Júnior, 2008, p. 11)

Assim, tem-se que a exegese do conceito de consumidor, para José Geraldo Brito Filomeno:

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Pode-se dessarte inferir que toda relação de consumo: a) envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado, o adquirente de um produto ou serviço (“produtor/fornecedor”); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviço que lhe são des-tinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços. (Filomeno, 2004, p. 31)

Consumidor, portanto, é aquele que retira da cadeia produtiva bens ou serviços para utilização como destinatário final dos mesmos, seja pessoa física ou jurídica.

DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR PESSOA JURÍDICAA doutrina e a jurisprudência predominantes não receberam bem a inser-

ção da pessoa jurídica como consumidora. Entendem que a pessoa jurídica não fazia jus à proteção constitucional dos direitos do consumidor, porque a em-presa não estaria em uma condição de vulnerabilidade. José Geraldo Filomeno acerca desse assunto assim discorreu:

O traço marcante da conceituação de consumidor, no nosso entender, está na perspectiva que se deve adotar, ou seja, no sentido de se considerar com vul-nerável [...]. Em razão de tais considerações é que discordamos da definição de “consumidor” concebida por Othon Sidou, quando também considera as pessoas jurídicas como tal para fins de proteção efetiva nos moldes atrás preconizados, ao menos no que tange à literal “proteção” ou “defesa” jurídica. (Filomeno, 2004, p. 31)

Comunga desse entendimento de Filomeno o também brilhante Vidal Serrano Nunes Júnior, ao questionar diversos aspectos:

Pode-se considerar uma empresa que adquire de outra empresa insumos especí-ficos, para fomento de sua atividade econômica, como destinatária final e, por-tanto, consumidora protegida pelas regras de proteção da lei? Está é a correta interpretação do artigo e, com isso, o real intuito de legislador? Ou seja, visou, ante todo o aparato do Código, proteger esta pessoa jurídica, considerando-a hipossuficiente? (Nunes Júnior, 2008, p. 13)

Do mesmo modo, José Reinaldo de Lima Lopes pondera que,

tendo o art. 2º do Código definido consumidor toda pessoas física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, tal enfoque pode perder, um elemento essencial, que no fundo é o que justifica a existência da própria disciplina da relação de consumo: a subordinação econômica do consu-midor. (Lopes, 1992, p. 78-79)

E, para finalizar, arremata Filomeno:

Consoante já tivemos a oportunidade de salientar, na verdade o critério concei-tual do Código brasileiro, discrepa da própria filosofia consumerista, ao colocar a pessoa jurídica como também consumidora de produtos e serviços. E isto exata-

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mente pela simples razão de que o consumidor, geralmente vulnerável enquanto pessoa física, defronta-se com o poder econômico dos fornecedores em geral, o que não ocorre com esses que, bem ou mal, grandes ou pequenos, detêm maior informação e meios de defender-se uns contra os outros, quando houver impas-ses e conflitos de interesses. (Filomeno, 1999, p. 34)

Ainda textualiza Filomeno, citando José Reinaldo de Lima Lopes, que a conceituação de consumidor pessoa jurídica está atrelada a alguns requisitos:

É certo que uma pessoa jurídica pode ser consumidora em relação a outra; mas tal condição depende de dois elementos que não foram adequadamente explici-tados neste articular artigo do código.

Em primeiro lugar, o fato de que os bens adquiridos devem ser bens de consumo e não bens de capital. Em segundo lugar, que haja entre fornecedor e consumi-dor um desequilíbrio que favoreça o primeiro. Em outras palavras, o Código de Defesa do Consumidor não veio para revogar o Código Comercial ou o Código Civil no que diz respeito a relações jurídicas entre partes iguais, do ponto de vista econômico. Uma grande empresa oligopolista não pode valer-se do Código de Defesa do Consumidor da mesma forma que um microempresário. Este critério, cuja explicação na lei é insuficiente, é, no entanto, o único que dá sentido a todo o texto. Sem ele, teríamos um sem sentido jurídico. (Filomeno, 2004, 32-33)

Desse conflito de conceituação, segundo Cláudia Lima Marques (2006, p. 84-85), surgem três grandes tendências para a interpretação do art. 2º do CDC: a dos finalistas, a dos maximalistas e a dos finalistas aprofundada.

Contudo, nunca é demais afirmar que a lei não tem palavras de mais ou de menos, sendo certo que, uma vez inserido no texto a figura do consumidor pessoa jurídica, evidentemente, que esse passa a ter o status e todos os direitos e prerrogativas do Código de Defesa do Consumidor, desde que subsuma ao tipo legal. No caso, em se verificando que o consumidor pessoa jurídica é des-tinatário final de bens ou serviços, por certo fará jus à proteção consumerista.

Ao contrário do que assevera Filomeno (1999, p. 34), cujo entendimento é rígido no sentido de que o consumidor, pessoa jurídica, bem ou mal, grande ou pequeno, detém maior informação e meios de defender-se. Existem empre-sas pequenas e até mesmo médias que se comportam como verdadeiras pesso-as físicas e são tão vulneráveis quanto elas. Muito embora possa parecer uma utopia essa observação, mas muitas empresas são constituídas no seio familiar, para uma melhoria de vida.

Essas pequenas e médias empresas encontram-se instaladas no Brasil, nas mais variadas regiões e muitas vezes sem a menor condição de socorrer-se de um profissional competente para tratar de assuntos mais complexos.

INTERPRETAÇÃO FINALISTAA interpretação finalista do art. 2º do CDC, de acordo com Cláudia Lima

Marques,

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[...] restringe a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família; consumidor seria não-profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo de sociedade que é mais vulne-rável. Considera que, restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção para estes, pois a jurisprudência será construída sobre casos em que o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de consumo e não sobre casos em que profissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o direito comercial já concede. (Marques, 2006, p. 84)

Essa interpretação propõe que a norma inserta no art. 2º do CDC seja in-terpretada de forma restritiva, e, então, a expressão “destinatário final”, nessa óti-ca, coadunaria com os princípios básicos dos arts. 4º e 6º da Lei nº 8.078/1990.

No mesmo sentido, preleciona Jose Geraldo Brito Filomeno, pois,

[...] nessa hipótese, não bastaria a interpretação meramente teleológica ou que se prenda à destinação final do serviço ou produto. Consumidor seria apenas aquele que adquire o bem para utilizá-lo em proveito próprio, satisfazendo uma necessi-dade pessoal e não para revenda ou então para acrescentá-la à cadeia produtiva. (Filomeno, 1999, p. 34)

Do contexto supramencionado, percebe-se que a expressão “destinatá-rio final” é puramente econômica, compreendendo consumidor como aquele que se encontra no final da cadeia produtiva. Acerca desse tema, Adalberto Pasqualotto expõe:

Esta corrente aproveita conceitos da teoria econômica, segundo a qual as ati-vidades econômicas compreendem produção, circulação, distribuição e consu-mo. Portanto, só seria protegido pelo CDC o destinatário final da produção, um consumidor stricto sensu. Os seguidores desse pensamento são identificados na doutrina do direito do consumidor como finalistas. (Pasqualotto, 2005, p. 135)

Geraldo Vidigal, citado por Adalberto Pasqualotto (2005, p. 135), “afirma ser impossível confundir bens finais e bens intermediários. Por isso mesmo, a empresa nunca é consumidora, porque se dedica a atividades produtivas, con-cluindo que o conceito de consumidor no CDC é eminentemente econômico”. Ainda Marques e Turkienicz certificam de que a

interpretação sistemática esta que deve cumprir – ou considerar – (sempre) os princípios impostos pelo art. 4º do CDC, especialmente o princípio da vulnerabi-lidade de seu inciso I. O sistema do Código de Defesa do Consumidor construiu--se com a esta idéia base de proteção do vulnerável; de tratamento protetivo e desigual do desigual, do mais fraco na sociedade de consumo; logo, a expressão “destinatário final” contém a idéia base de seu sistema: re-igualdade e reequilí-brio (art. 4º, III, do CDC). (Marques e Turkienicz, 2000, p. 228)

E finalizam Marques e Turkienicz:

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O destinatário final é o endverbraucher, o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é consu-midor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem, incluindo serviços contratado no seu, para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor, utilizando-o nos seus serviços de construção, nos seus cálculos do preço de li-citação, como insumo de sua produção. (Marques e Turkienicz, 2000, p. 230)

A jurisprudência do Tribunal de Justiça mineiro nesse sentido tem decido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONTRATO DE FINANCIAMENTO – PESSOA JURÍDICA – FOMENTO DA ATIVIDADE NEGOCIAL – INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – Não há que se falar em existên-cia de relação de consumo quando o empresário adquire bens ou contrata a prestação de serviços com objetivo precípuo de desenvolvimento de atividade negocial, sem ter em vista o atendimento de uma necessidade própria, como des-tinatário final. (TJMG, Agravo de Instrumento nº 1.0024.07.757747-6/003, Rel. Des. Lucas Pereira, J. 28.08.2008)

EMBARGOS À EXECUÇÃO – CONTRATO BANCÁRIO – FINANCIAMENTO A CAPITAL DE GIRO DE PESSOA JURÍDICA – NORMAS CONSUMEIRISTAS – INAPLICABILIDADE – ACÓRDÃO QUE LIMITOU OS JUROS A 1% AO MÊS – VOTO VENCIDO – EMBARGOS INFRINGENTES – LIMITAÇÃO A 12% AO ANO QUE NÃO OCORRE – APLICAÇÃO DA TAXA CONVENCIONADA ENTRE AS PARTES – 1. Não se aplicam as normas consumeiristas a contratos bancários quando ocorre empréstimo à pessoa jurídica para reforçar o seu capital de giro, na medida em que, nestes casos, estão ausentes as figuras de fornecedor e con-sumidor, sobretudo este último, por não haver o destinatário final de produto ou serviço. 2. Assim, estando ausente qualquer relação de consumo, os juros de 3,0% ao mês, destinados à remuneração do capital emprestado, não se mos-tram exagerados, ainda mais com a revogação do art. 192, e seus parágrafos, da CF, pela EC 40/2003. 3. Embargos infringentes acolhidos para que prevale-ça a taxa de juros convencionada entre as partes. (TJMG, Embargos Infringentes nº 2.0000.00.497172-4/002, Des. Francisco Kupidlowski, J. 19.06.2008)

No sentido supraesposado, o Superior Tribunal de Justiça também tem decido:

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO REVISIONAL – CONTA CORRENTE – PESSOA JU-RÍDICA – PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSU-MIDOR – ALMEJADA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO DISCUTIDA – RELAÇÃO DE CONSUMO INTERMEDIÁRIA – INAPLICABI-LIDADE DA LEI Nº 8.078/1990

I – Cuidando-se de contrato bancário celebrado com pessoa jurídica para fins de aplicação em sua atividade produtiva, não incide na espécie o CDC, com o intui-to da inversão do ônus probatório, porquanto não discutida a hipossuficiência da recorrente nos autos. Precedentes.

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II – Nessa hipótese, não se configura relação de consumo, mas atividade de con-sumo intermediária, que não goza dos privilégios da legislação consumerista.

III – A inversão do ônus da prova, em todo caso, que não poderia ser determi-nada automaticamente, devendo atender às exigências do art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/1990.

IV – Recurso especial não conhecido. (REsp 716386/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, J. 05.08.2008)

Contudo, a posição finalista tem evoluído para uma posição mais suavi-zada, alicerçada na interpretação teleológica, reconhecendo a vulnerabilidade de uma pequena empresa ou profissional, de modo que possa o Judiciário, uma vez presentes esses critérios, aplicar o CDC, interpretando-se o art. 2º de acordo com o fim da norma (Marques, p. 84).

Assim, para a teoria finalista, consumidor, pessoa jurídica, será aquele que adquirir bens ou serviços para uso próprio (destinatário final fático), pondo, destarte, um fim na cadeia produtiva (destinatário final econômico), de tal forma que o bem ou serviço adquirido não retorne a mercado, não se admitindo a pes-soa jurídica como destinatária final. No entanto, esse teoria tem sido abranda, permitido-se, em algumas hipóteses, que o Judiciário faça a aplicação do CDC a pequenas empresas e profissionais, interpretando o fim da norma.

INTERPRETAÇÃO MAXIMALISTAEm posição oposta aos finalistas, encontram-se os que adotam a teoria

maximalista, que veem no CDC a salvaguarda para todas as relações de con-sumo e não normas para a defesa só dos consumidores. Adalberto Pasqualotto informa que, entre outros que adotam a teoria maximalista, o que se encontra em Antônio Carlos Efing, para quem

[...] o CDC é um regramento geral do mercado de consumo. Entende a definição do art. 2º, como sendo puramente objetiva, não importando a finalidade da aqui-sição ou do uso do produto ou serviço, podendo até mesmo haver intenção de lucro. (Pasqualotto, 2005, p. 135)

Acerca desse tema, com a propriedade que lhe é peculiar, não obstante se filiar a teoria dos finalistas, José Geraldo Brito Filomeno, citando Claudia Lima Marques, expõe o seguinte ponto de vista:

O CDC seria um Código geral sobre o consumo, um Código para a sociedade de consumo, o qual institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir papéis ora de fornecedores, ora de consumidores. A definição do art. 2º deve ser interpretada mais extensivamente possível, segun-do essa corrente, para que normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações de mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final

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seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado ou utiliza, o consome; por exemplo, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte dos visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para seu escri-tório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, é claro, dona-de-casa que adquire produtos alimentícios para a família. (Filomeno, 2004, p. 34)

O entendimento supraesposado conta com o apoio, até, da jurisprudên-cia do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL – SEGURO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DE CONTRATA-ÇÃO COLETIVA – PACTUAÇÃO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.656/1998 – APLICAÇÃO, EM PRINCÍPIO, AFASTADA – CLÁUSULA QUE PREVÊ A RE-SILIÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO, COM PRÉVIA NOTIFICAÇÃO – LEGALIDADE – A VEDAÇÃO CONSTANTE DO ART. 13 DA LEI Nº 9.656/1998 RESTRINGE-SE AOS PLANOS OU SEGUROS DE SAÚDE INDIVIDUAIS OU FAMILIARES – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMI-DOR – VIOLAÇÃO – INOCORRÊNCIA – DIREITO DE DENÚNCIA UNILATERAL CONCEDIDA A AMBAS AS PARTES – RECURSO IMPROVIDO

I – O contrato de assistência médico-hospitalar em tela, com prazo indetermi-nado, fora celebrado entre as partes em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 9.656, de 1998, o que, em princípio, afastaria sua incidência à espécie.

II – O pacto sob exame refere-se exclusivamente a plano ou seguro de assistência à saúde de contratação coletiva, enquanto que o art. 13, parágrafo único, II, b, aponta a nulidade da denúncia unilateral nos planos ou seguros individuais ou familiares.

III – O Código de Defesa do Consumidor considera abusiva e, portanto, nula de pleno direito, a cláusula contratual que autoriza o fornecedor a rescindir o con-trato unilateralmente, se o mesmo direito não for concedido ao consumidor, o que, na espécie, incontroversamente, não se verificou.

IV – Recurso especial não conhecido. (REsp 889.406/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, J. 20.11.2007)2 (sem grifo no original)

Ainda conforme lançado no Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nº 0040, de 15 a 19 de novembro de 1999.

RESPONSABILIDADE – FABRICANTE – ADUBO

A Turma não conheceu do recurso da recorrente, empresa fabricante de fertili-zantes, e manteve o julgado que constatou a sua culpa, malgrado o seu susten-tado enfoque questionando o conceito de “destinatário final” de bem ou serviço adquirido (CDC, art. 2º). A questão decorreu de ação indenizatória por deficiên-cia de nutrientes no adubo, de marca da recorrente, fornecido ao agricultor recor-

2 O voto divergente do Ministro Hélio Quaglia Barbosa entendia haver manifesta abusividade da cláusula, de acordo com o contido no CDC, independentemente da limitação prevista no referido artigo, aliás superveniente ao acerto, visto que, conquanto firmado o contrato entre as pessoas jurídicas, não há como se relevar a evidência de que os destinatários finais da assistência médica são os empregados, consumidores finais.

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rido. Para os efeitos previstos no referido art. 2º, consignou-se que é consumidor o agricultor que utiliza o adubo em sua lavoura. Quanto à argüida prescrição ou decadência, aplica-se à espécie o art. 27 do CDC, e não os arts. 210 e 211 do Có-digo Comercial, conforme pretendido, porquanto o fabricante responde perante o consumidor pela má qualidade dos seus produtos fornecidos que lesionem a implementação da produção agrícola nacional. (REsp 208.793/MT, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, J. 18.11.1999) (sem grifo no original)

Tem-se, pois, que a interpretação maximalista não é pacífica e conta com diversos autores que não são adeptos a mesma, porque a interpretação objetiva da lei amplia para toda e qualquer relação de consumo a aplicação das normas consumerista.

Evidentemente que o alargamento do alcance do art. 2º do CDC, em face da interpretação intencional, torna toda e qualquer relação de consumo sujeita a normas protetivas da Lei nº 8.078/1990. No entanto, esse não deve ser o alcance da norma, mas, por outro lado, também não se deve interpretar o art. 2º sob o enfoque finalista, pura e simplesmente, daí porque verificar o caso concreto, identificando o objetivo social da empresa, o tratamento contábil que se dará ao produto adquirido e o contexto fático de modo que se possa verificar a vulnerabilidade da norma.

INTERPRETAÇÃO FINALISTA APROFUNDADAA interpretação finalista aprofundada, segundo Cláudia Lima Marques

(2006, p. 85), tem sido uma construção pretoriana, em razão da análise que fez dos julgados de 2003, 2004 e 2005, nos quais se tem entendido que, em certas hipóteses, verificada a vulnerabilidade e a destinação do produto ou serviço na esfera empresarial, ser possível a aplicação da lei consumerista. Assim se posi-ciona Marques acerca do tema retromencionado:

[...] parece-se que o STJ apresenta-se efetivamente mais “finalista” e executando uma interpretação do campo de aplicação e das normas do CDC de forma mais subjetiva quanto ao consumidor, porém mais finalista e objetiva quanto a ativi-dade ou o papel do fornecedor. É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve ser saudada. [...] os finalistas aumentaram o seu subjetivismo, mas relativizaram o finalismo permitindo tratar de casos difíceis de forma diferen-ciada. (Marques, 2006, p. 85)

Entende essa corrente, uma vez se verificando a aquisição de insumos para produção e cuja aplicação não tenha relação direita com o seu objetivo social ou tenha utilização mista, seja possível a aplicação do art. 2º do CDC, mas provada a vulnerabilidade. Nesses casos, entender-se-á pela destinação final de consumo prevalente. Marcos Maselli Gouvêa3, citado por Adalberto

3 O conceito do consumidor e a questão da empresa como destinatário final. Direito do Consumidor, São Paulo, n. 23-24, p. 187-198, jul./dez. 1997.

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Pasqualotto, adota uma linha conciliatória entre as teorias finalista e maxima-lista, como se observa:

[...] serve-se do conceito de fundo de comércio para adotar uma linha concilia-dora entre as correntes maximalista e finalista. Não seria consumo a aquisição de insumos com finalidade de incorporação ou transformação, mas comportaria classificação como destinatário final o comerciante que adquirisse bens que se vinculam ao seu fundo de comércio, como as prateleiras de uma loja, desde que se destinassem, em última análise, ao atendimento do consumidor. (Pasqualotto, 2005, p. 136)

Já Thierry Bourgoignie4 aceita profissionais como consumidores, desde que não exista similitude entre o bem ou o serviço, objeto do pretendido ato de consumo e a sua atividade produtiva habitual e, cumulativamente, que o volu-me de seus negócios, na qualidade de fornecedor, não exceda certo limite (por hipótese: que se tratasse de uma microempresa).

A teoria finalista aprofundada merece destaque à medida que promove a compatibilização do art. 2º com a realidade. Isso porque é fato que a legislação quis proteger a empresa-consumidora quando adquirente ou destinatário final de um produto ou serviço, senão quais motivos seriam os justificadores para a expressa inserção do termo “pessoa jurídica” na norma? É evidente, pois, que a pessoa jurídica deve ter a proteção da legislação consumerista.

Conforme bem pontua Marques (2006, p. 85), “esta nova linha, em es-pecial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que compro-va ser vulnerável e atua fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que compra gás”. Dessa forma julgou o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – CONTRATO – FORO DE ELEIÇÃO – RELAÇÃO DE CONSUMO – CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE CRÉ-DITO POR SOCIEDADE EMPRESÁRIA – DESTINAÇÃO FINAL CARACTERIZADA

Aquele que exerce empresa assume a condição de consumidor dos bens e ser-viços que adquire ou utiliza como destinatário final, isto é, quando o bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento empresarial, não integre diretamente – por meio de transformação, montagem, beneficiamento ou reven-da – o produto ou serviço que venha a ser ofertado a terceiros.

O empresário ou sociedade empresária que tenha por atividade precípua a distri-buição, no atacado ou no varejo, de medicamentos, deve ser considerado desti-natário final do serviço de pagamento por meio de cartão de crédito, porquanto esta atividade não integra, diretamente, o produto objeto de sua empresa. (STJ, CComp 41056/SP, 2ª Seção, Relª p/o Ac. Min. Nancy Andrighi, J. 23.06.2004)

4 O conceito jurídico de consumidor. Direito do consumidor. São Paulo, v. 2, p. 7-51 [1992].

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RECURSO ESPECIAL – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – PRESTA-ÇÃO DE SERVIÇOS – DESTINATÁRIO FINAL – JUÍZO COMPETENTE – FORO DE ELEIÇÃO – DOMICÍLIO DO AUTOR

Insere-se no conceito de “destinatário final” a empresa que se utiliza dos serviços prestados por outra, na hipótese em que se utilizou de tais serviços em benefício próprio, não os transformando para prosseguir na sua cadeia produtiva.

Estando a relação jurídica sujeita ao CDC, deve ser afastada a cláusula que prevê o foro de eleição diverso do domicílio do consumidor.

Recurso especial conhecido e provido. (REsp 488.274/MG, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 22.05.2003)

Note bem que, no REsp 488.274/MG, a interpretação que se deu ao caso sub judice, verificando o contexto do acórdão, houve a aplicação extensiva do conceito de consumidor, ex vi dos arts. 2º e 101, I, do CDC. Portanto, Lúcia Delfino, citando Jônatas Milhomens5, apresenta que na lei há

[...] disposição de ordem geral, abstrata, projeta-se no tempo e no espaço, voltan-do-se, naturalmente, para o futuro. E desde que começa a vigorar, regula todas as hipóteses que venham a surgir e se ajustem ao respectivo preceito. O Direito, entretanto, evolui, acompanha as mutações da vida social, o que implica a subs-tituição de muitos preceitos legais por outros, esses últimos regulando a matéria diferentemente. (Delfino, 2007, p. 125)

Daí, portanto, ter em vista que a mutação do direito é salutar, cujas mo-dificações, antes mal vistas ou compreendidas, podem dar nova modelagem ao ordenamento jurídico, permitindo novo enquadramento legal para questões outrora relegadas ao limo da incompreensão.

Assim, a teoria finalista aprofundada se aproxima da realidade nacional, proporcionando, portanto, a possibilidade do empresário-consumidor se apoiar na legislação consumerista, cuja interpretação leva em conta a destinação do produto e a presença da vulnerabilidade daquele. O produto adquirido deve, forçosamente, destinar-se a insumos da produção, mas sem correlação com a atividade principal da pessoa jurídica.

A COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS: O CONSUMIDOR PESSOA JURÍDICAA proposta para a verificação da aplicação das normas do CDC aos con-

tratos de compra e venda de imóveis entre pessoas jurídicas, perpassava pela conceituação do empresário-consumidor e a análise desses conceitos.

Como já alinhavado, a questão não é pacífica quanto à conceituação da pessoa jurídica consumidora. Na doutrina nacional prevaleceu por algum tem-

5 MILHOMENS, Jônatas. Hermenêutica do direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, p. 19.

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po duas teorias: a finalista e a maximalista. No entanto, por construção jurispru-dencial a teoria finalista foi abrandada, denominando-a Claudia Lima Marques de finalista abrandada.

De fato, a melhor teoria para conceituar consumidor-empresário é a fi-nalista aprofundada, porque não exclui a pessoa jurídica quase por completo quanto à finalista. Mas é correto dizer que nem toda relação de consumo entre pessoas jurídicas pode ser amparada pelo CDC, em face da várias circunstân-cias, mas em especial a vulnerabilidade do consumidor.

No entanto, além da vulnerabilidade, outros critérios têm de permear o contexto fático para que a compra e venda de imóveis entre pessoas jurídicas seja considerada uma relação de consumo.

Um desses critérios deve ser o contábil, por excelência. Em contabili-dade a escrituração é feita com método das partidas dobradas. Esse também é chamado de “método veneziano”. É o sistema padrão usado em empresas e outras organizações para registrar a vida delas por diversas variáveis ou contas, comumente chamadas. Adalberto Pasqualotto esclarece que Zelmo Denari, um dos autores do anteprojeto do CDC, é favorável ao critério contábil:

Um critério técnico-contábil foi proposto por Zelmo Denari. Os insumos utili-zados no processo produtivo da empresa integram o ativo circulante, enquanto que os insumos, que não são incorporados ao processo de produção, compõem o ativo imobilizado. Só os bens que fazem parte do ativo imobilizado são objetos de relação de consumo. (Pasqualotto, 2005, p. 136)

A Lei nº 6.404/1976 prescreve:

Art. 178. No balanço, as contas serão classificadas segundo os elementos do patrimônio que registrem, e agrupadas de modo a facilitar o conhecimento e a análise da situação financeira da companhia.

§ 1º No ativo, as contas serão dispostas em ordem decrescente de grau de liqui-dez dos elementos nelas registrados, nos seguintes grupos: ativo circulante; ati-vo realizável a longo prazo; ativo permanente, dividido em investimentos, ativo imobilizado e ativo diferido.

Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:

[...]

IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens destinados à manutenção das atividades da companhia e da empresa, ou exercidos com essa finalidade, inclusive os de propriedade industrial ou comercial.

Segundo A. Lopes de Sá (1969, p. 34), ativo imobilizado “é a parte do ativo que expressa os valores que não destinam à venda, mas ao uso; tais valo-res, embora usados, ficam como que em reserva, porém sem nenhuma intenção de venda ou alienação”. O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que bens adquiridos para o ativo imobilizado não servem à atividade de mercancia:

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TRIBUTÁRIO – ICMS – BENS DO ATIVO FIXO – CONCEITO DE ATO DE CO-MÉRCIO – VENDA OCASIONAL – CONVÊNIO Nº 66/88 – LEI Nº 6.374/1989

1. Sob a réstia de venda ocasional de bens do ativo fixo, não se configurando operação de objeto adquirido para servir a mercancia, não há a incidência do ICMS.

2. Precedentes jurisprudenciais.

3. Recurso improvido. (STJ, REsp 68455/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, J. 15.12.1995)

Do mesmo modo o Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais também decidiu que os bens adquiridos para o ativo imobilizado não se destinam à atividade principal da empresa, ou seja, não destinam à atividade de produção da mesma:

CRÉDITO DE ICMS – APROVEITAMENTO INDEVIDO – BENS ALHEIOS À ATI-VIDADE DO ESTABELECIMENTO – Constatado o aproveitamento indevido de créditos de ICMS em decorrência de aquisições de bens alheios à atividade do estabelecimento. Reformada a decisão anterior, para manter as exigências fiscais nos termos da reformulação do crédito tributário efetuada pelo Fisco. Recurso de revisão conhecido, à unanimidade, e provido, por maioria de votos. (Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais, Acórdão nº 2.897/03/CE, Câmara Especial, Rel. José Eymard Costa, J. 14.11.2003)

Há que se destacar a seguinte passagem do voto do Conselheiro Relator José Eymard Costa:

[...] É no ativo imobilizado que serão classificados os “direitos que tenham por objeto bens destinados à manutenção das atividades da companhia e da em-presa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os de propriedade industrial” (art. 179, IV).

Ainda, sobre a definição de ativo imobilizado leciona Hilário Franco: “Desta definição, subentende-se que neste grupo de contas do balanço são incluídos todos os bens de permanência duradoura destinados ao funcionamento normal da sociedade e do seu empreendimento, assim como os direitos exercidos com essa finalidade”. (Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações, FIPECAFI, p. 198)

Assim, na hipótese de compra e venda de imóveis entre pessoas jurídicas, a empresa-consumidora será aquela que destinar o bem ao ativo imobilizado, porque o mesmo não fará parte integrante para os bens de produção. Nesse caso, será possível identificar perfeitamente o fornecedor do consumidor.

Em razão do critério contábil, com respeito ao fornecedor, é perfeitamen-te identificável a sua condição, porque a sua atividade é a compra e venda de imóvel. Isso que dizer: a mercadoria do fornecedor é o imóvel, por tal razão, o referido bem será lançado sob a denominação “ativo circulante”.

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Por outro lado, o mesmo não ocorre com a empresa-consumidora, ado-tando-se o mesmo critério contábil. Nesse caso, a aquisição do imóvel será lançada sob a rubrica “ativo imobilizado”, “ativo permanente” ou “ativo fixo”. Nessa condição, o referido bem não integrará os insumos de produção, ou seja, não está apto a realizar o objetivo social da pessoa jurídica-consumidora, con-forme definido na própria Lei de Sociedade Anônima (Lei nº 6.404/1976, § 1º do art. 178 c/c o inciso IV do art. 179).

A mesma situação não se verificará quando duas pessoas jurídicas, ao mesmo tempo, lançarem a aquisição de imóvel na rubrica ativo circulante, pois é de se perceber que as duas empresas têm na sua atividade principal a merca-doria “imóvel”. O exemplo prático dessa situação seria a compra e venda de imóvel por duas empresas incorporadoras. Elas têm como objetivo comercial a compra e venda de imóvel.

Portanto, conclui-se que a compra e venda de imóvel entre pessoas jurí-dicas pode ser albergada pela legislação consumerista, adotando-se, para tanto, a teoria finalista aprofundada, na qual entende que há a necessidade do bem adquirido não integrar a formação dos bens de produção da empresa-consumi-dora. Nesse contexto, a vulnerabilidade é presumível, por lhe faltar o conhe-cimento técnico. Ela é vulnerável tecnicamente, porque não faz parte da sua expertise a compra e venda de imóvel.

Assim, para a identificação do destinatário final é possível contar com instrumentos técnicos, mormente o contábil, cujos conceitos e definições já se encontram inseridos nas normas técnicas e aceitos pela lei, pela doutrina, pelas jurisprudências e pelos órgãos de julgamento administrativos dos Estados e da União.

Enfim, a nova ordem jurídica inaugurada pela Lei nº 8.078/1990, que emergiu da falta de proteção jurídica dos direitos dos consumidores e de legis-lação especial, uma vez que antes da Constituição Federal de 1998 imperava a autonomia da vontade e as regras próprias de mercado, que muitas das vezes não realizavam no plano prático a defesa dos consumidores.

A defesa dos direitos dos consumidores foi, pela Constituição Cidadã, então, alçada a princípio constitucional (CF, arts. 1º, III, 3º, I e II, 5º, XXXII), em face às necessidades outrora vilipendiadas por circunstâncias diversas, daí por que dizer ser a Lei nº 8.078/1990 o Código de Defesa dos Direitos Constitucio-nais do Consumidor.

[...] E, em última análise, cuida-se de um verdadeiro exercício de cidadania, ou seja, a qualidade de todo ser humano, como destinatário final do bem comum de qualquer Estado, que o habilita a ver reconhecida toda a gama de seus direi-tos individuais e sociais, mediante tutelas adequadas colocadas à sua disposição pelos organismos institucionalizados, bem como a prerrogativa de organizar--se para obter esses resultados ou acesso àqueles meios de proteção e defesa. (Filomeno, 1999, p. 27)

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Ademais, corroborando as assertivas de que a Lei de Defesa dos Direi-tos dos Consumidores encontra-se esculpida em princípios constitucionais, pois “cuida-se de uma lei de ordem pública e interesse social, o que equivale dizer que seus preceitos são inderrogáveis pelos interessados em dada relação de consumo, e que seus preceitos são aplicáveis às relações de consumo verificá-veis no mundo fático, ainda que estabelecidas antes de sua vigência”6.

O Código de Defesa dos Direitos Constitucionais do Consumidor tendeu à objetividade na definição do que seria consumidor, quando expressamente o definiu como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza pro-duto ou serviço como destinatário final” (art. 2º).

A doutrina, no entanto, define consumidor quanto a diversos aspectos, seja a doutrina sociológica, econômica, teleológica, psicológica ou literária. To-davia, a maioria entende que a definição econômica é a que mais se aproxima da conceituação jurídica. Para José Geraldo Brito Filomeno, “[...] tal conceitua-ção é a que se aproxima mais de perto da adotada pelo Código, eis que acentua tão-somente o aspecto econômico-jurídico do termo” (2004, p. 28).

Consumidor, portanto, é aquele que retira da cadeia produtiva bens ou serviços para utilização como destinatário final dos mesmos, seja pessoa física ou jurídica.

No entanto, a conceituação do consumidor pessoa jurídica não foi aceita tão facilmente pelos doutrinadores, pois muitos deles são contrários à adoção pelo CDC. Enfatizam esse entendimento ao argumento de que bem ou mal a empresa possui meios de defender-se uma das outras.

Ocorre que, uma vez inserida no contexto da Lei nº 8.078/1990 a em-presa-consumidora, para uma efetiva proteção, deve subsumir ao tipo legal, mormente quanto a certos requisitos. Desse conflito surgiram três tendências para a interpretação do art. 2º da referida lei: a dos finalistas, a dos maximalistas e a dos finalistas aprofundada.

Porém, perceber-se que a lei não tem palavras inúteis, sendo fato que o legislador fez a inserção da pessoa jurídica como consumidora, provavelmente pelo fato da extensão brasileira (quase continental), cujos contrastes são eviden-tes entre regiões, onde se presenciará diversas empresas constituídas (pequenas ou médias), de forma familiar e sem a menor possibilidade de contratar um profissional competente.

Na visão dos finalistas, a norma deve ser aplicada àqueles que estejam em posição de vulnerabilidade (art. 4º, I, do CDC). Nesse contexto, não se ad-mite que a pequena empresa ou profissional possa ser reconhecido como desti-

6 Conforme decidido pela 3ª Câmara do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, na Apelação Cível nº 31.092-94/DF, julgamento de 16.05.1994, tendo por relatora a Desembargadora Nancy Andrighi, por maioria de votos (RDC, 10/260-262).

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natário final, sendo essa a posição de muitos julgados dos Tribunais estaduais e mesmo do Superior Tribunal de Justiça. No entanto, essa visão rígida, em alguns casos, tem sido atenuada, em face de uma interpretação teleológica, de acordo com o fim da norma, desde que verificada a vulnerabilidade da pequena em-presa ou profissional e o produto ou serviços não integre o seu objetivo social ou campo de atuação.

Em posição oposta se encontram os maximalistas que entendem que a in-terpretação do art. 2º do CDC deve ser objetiva e, por consequência, se aplicar a todas as relações de consumo indistintamente, encontrando acolhimento em alguns julgados do excelso Superior Tribunal de Justiça. No entanto, esse alar-gamento da interpretação da referida norma deve ser verificada em cada caso concreto, sob pena de se fazer substituir ou tornar letra morta o Código Civil brasileiro ou outras legislações específicas. Evidentemente, conforme precisas lições de Dilvanir José da Costa,

sendo o Direito norma, fato e valor; sendo fenômeno concreto e norma abstra-ta; sendo parte absoluto e relativo; é dotado de flexibilidade para se adaptar às circunstâncias de tempo e lugar, mas contém uma estrutura de compreensão calcada na natureza uniforme do ser humano, sensível à dor e ao amor e carente de cooperação e solidariedade. Eis aí os parâmetros da hermenêutica. (Costa, 2003, p. 7)

Em face das mutações que envolvem o Direito, diuturnamente, surgem de uma nova construção jurisprudencial. Assim, é a teoria finalista aprofundada que dá nova interpretação ao empresário-consumidor como destinatário final. Nesse primeiro momento, trata da pequena empresa, verificando a sua vulne-rabilidade ante o fornecedor, e, desde que o produto seja destinado a insumo para a produção, mas fora do objetivo primordial da empresa ou que possa ser considerado um produto misto.

Desse modo, partindo-se da teoria finalista aprofundada, é possível a aplicação do CDC aos contratos de compra e venda de imóvel, utilizando-se, para tanto, de recursos técnicos, especialmente o contábil. Nessa hipótese, os lançamentos contábeis geralmente aceitos informarão se o imóvel adquirido pode ser considerado mercadoria ou não da empresa-consumidora.

Na verificação contábil é possível certificar se o imóvel integra ou não o objetivo comercial da empresa. O lançamento contábil do imóvel adquirido que demonstrar que o mesmo não integra os insumos para produção servirá para comprovar a destinação final do bem. A vulnerabilidade nesses casos é meramente técnica, haja vista que a empresa-consumidora não tem como obje-tivo a compra e venda de imóvel.

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Parte Geral – Doutrina

A Dimensão Histórico-Normativa do Direito de Construir

FERNANDO RISTER DE SOUSA LIMAMestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, Professor Assistente da PUC/SP, Ex-Pes-quisador-Visitante na Universidade de Estudos de Lecce (Ita), Professor Adjunto da Unitoledo de Araçatuba, Advogado.

LUCAS RISTER DE SOUSA LIMAPós-Graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Professor da Escola Superior de Advocacia de Araçatuba, Advogado.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Do direito de construir; 1.1 Conceito; 1.2 Fundamento; 1.3 Perspectiva histó-rica da evolução do direito de propriedade imobiliária; 2 O direito de construir no ordenamento lusitano; 2.1 Aspectos gerais – Âmbito legislativo e jurisprudencial; 3 A previsão do direito de construir no Código Civil; 3.1 Abrangência; 3.2 Limites; 3.3 Os limites do direito de construir no direito romano; 3.4 Da obri-gação de indenizar ou demolir; 3.5 Da transferência; 4 A previsão do direito de construir no estatuto da cidade; 4.1 O estatuto da cidade; 4.2 Outorga onerosa do direito de construir; 4.3 Transferência do direito de construir; 4.4 Diferença entre as espécies de direito de superfície; 4.5 O direito de superfície – Breves menções históricas e de direito comparado; 5 A revogação do direito de superfície, previsto no estatuto da cidade, pelo Código Civil de 2002; 6 A construção como forma de aquisição da propriedade; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOA propriedade, matriz dos direitos reais por excelência e objeto primor-

dial do direito das coisas – trata-se, inclusive, de uma das principais fontes de conflito ao longo da história da humanidade –, exprime a sua utilização em diversas formas, sendo uma delas o objeto do presente estudo: o direito de cons-truir. Todavia, investigado numa dimensão histórico-normativo, e, como tal, busca-se identificar os seus caminhos evolutivos à luz das normas jurídicas, ao longo da história, mesmo que dentro de um corte metodológico grande, iden-tificado pelos autores como necessário, para atender as ambições do trabalho, precipuamente nos que diz respeito ao limite de tamanho.

O direito de construir, como corolário do direito de propriedade, é a ga-rantia de que ao proprietário será garantida a prerrogativa de levantar as constru-ções que julgar necessárias e convenientes em sua propriedade. Daí o centro da investigação ora proposta, quando se procurará perquirir acerca da abrangência e intensidade de tal faculdade, por meio de um exame acurado e atento de sua base de sustentação, a propriedade. A partir de então, serão traçados os seus limites e âmbito de cognição, sem o que não seria possível atentar-se para a fidedigna conceituação e abrangência do instituto em pleno vigor no século XXI.

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Em breves palavras, vai tratar-se do direito de construir no direito portu-guês e no direito romano, influências irrenunciáveis do direito brasileiro; em seguida, serão também tecidos alguns comentários acerca da obrigação de in-denizar ou demolir do construtor que infringir os limites do seu direito. Cotejar--se-á, outrossim, o direito de superfície tanto no Código Civil como no Estatuto da Cidade, analisando inclusive a possibilidade de coexistência de ambos os diplomas na regulamentação da matéria, face à promulgação do coevo diploma civil. Por fim, será também objeto de análise a principal inovação do Código Ci-vil na seara do direito de construir: a aquisição da propriedade pela construção que exceda consideravelmente o valor do bem.

1 DO DIREITO DE CONSTRUIR

1.1 COnCeitO

O direito do proprietário de realizar as modificações que achar necessá-rias para tornar o bem mais útil, ou mesmo para satisfazer seus desejos pessoais, materializa o chamado direito de construir. Tal prerrogativa encontra-se, por sinal, ínsita na propriedade1. É denominado por J. M. Carvalho Santos como corolário do direito de propriedade, visto que inserido no direito do proprietá-rio dispor da coisa como desejar, não ofendendo, é claro, direitos de terceiros e submetendo-se à ordem jurídica2. E tal entendimento justifica-se porque a possibilidade de construção, conferida em nossa lei civil, erige-se em direito do dono da coisa, inserido no ius fruendi; todavia, em prol do bem coletivo, estará sempre restrita aos interesses da coletividade3.

O domínio gera diversas prerrogativas ao proprietário, sendo a possibili-dade de utilização econômica da coisa uma delas, seja ele exercido num terre-no urbano ou rústico, a construção é a forma mais comum de sua utilização4. Entender-se-á por construção, destarte, toda e qualquer forma de acréscimo, reforma ou demolição decorrente de atividade humana5.

1 BESSONE, Darci. Direitos reais, p. 255.

2 “O direito de construir é um corolário do direito de propriedade, do direito de dispor de sua coisa, como entender, dentro dos justos limites em face dos direitos dos outros” (Código civil interpretado, p. 129).

3 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, p. 353. No ponto, vale elencar: “O novo Código inclui no regime jurídico das relações de contigüidades o direito de edificar. A expressão ‘do direito de construir’ traz ínsita a idéia de limites, o que significa respeito à vizinhança. O traço característico desse direito subjetivo é o exercício normal, não excessivo, confortando o interesse do proprietário e o da vizinhança. O exercício das faculdades inerentes ao direito de construir parte de formulação elementar” (FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao código civil: parte especial: direito das coisas, p. 132).

4 DE PAGE, Henri. Droit civil, p. 571.

5 Nesse sentido: “Deve ser entendido como construção toda realização material sobre o imóvel decorrente de atividade humana. Desse modo, também é construção a edificação ou reforma, a demolição, o levantamento de muros, a escravidão, o aterro etc.” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito reais, p. 354).

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O Código Civil, recentemente promulgado (sob a perspectiva da história do direito, ele ainda é recente), seguiu a mesma linha do seu antecessor. Regu-la, pois, o direito de construir e remete, respeitando disposição constitucional, ao Município a competência para legislar sobre as regras urbanísticas relativas ao direito de construir. Como não poderia ser de outro jeito, o referido direito é – sem dúvida alguma – uma das grandes fontes de conflitos de interesses, sobretudo nas grandes cidades, em razão do pouco espaço e o contínuo cres-cimento destas6.

1.2 funDAmentO

O direito de construir, como já dito, tem seu alicerce no direito de pro-priedade (art. 1.228, CC e art. 5º, inciso XXII da CF), do qual deflui o direito do proprietário de usar, gozar e dispor da coisa. É nele que se ampara o direito de edificar, pois com ele a norma resguarda o direito de aumentar e diminuir o bem, desde que não viole os princípios e regramentos existentes a esse respeito em nosso ordenamento jurídico7. Em síntese, o direito de construir é o espectro do direito de propriedade8. Deste modo, é imperioso sempre recordar a magni-tude do direito de propriedade, sendo, sem medo de errar, um dos mais comple-tos direitos subjetivos existentes em nosso sistema. Ter-se-á a propriedade como matriz dos direitos reais e como objeto principal do direito das coisas. Não obs-tante, para melhor compreendermos o direito de construir, faz-se necessário, prefacialmente – até mesmo em atendimento à opção metodológica narrada na introdução –, efetuarmos algumas considerações históricas a respeito do direito de propriedade.

1.3 peRspeCtivA histÓRiCA DA evOluçÃO DO DiReitO De pROpRieDADe imObiliáRiA

O que primeiro identificam os historiadores é que a propriedade sur-giu, inicialmente, por meio da propriedade coletiva nas tribos9. No entanto, tal coletividade só aparecia quanto às coisas mais difíceis de se manter/con-servar individualmente, como os rebanhos e os lugares de pesca. Assim, até por questão de necessidade, a coexistência da propriedade individual em de-terminados objetos, como as armas e vestimentas, acontecia em larga escala. E, nessas situações, como menciona Will Durant, havia até mesmo confusão

6 Em igual prisma foi a observação de Darci Bessone: “O exercício do direito de construir, sobretudo nos meios urbanos e em face das dificuldades de espaço, constitui, em princípio, uma das fontes mais férteis e perenes de conflitos de interesses entre propriedades contíguas, reclamando composição. O fato é notório e de fácil percepção. Torna-se necessário, em conseqüência, encontrar o ponto de equilíbrio de tais interesses, que se prendem à segurança da construção, à liberdade das pessoas dentro de suas residência, à eliminação ou atenuação dos incômodos, ao arejamento, à insolação, à estética etc.” (Direitos reais, p. 215).

7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir, p. 27.

8 Os romanos conceituavam o direito de propriedade como o poder de usar, gozar e abusar da coisa sob o domínio: jus utendi, fruendi et abuendi re sua.

9 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, p. 34.

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na distinção entre posse e propriedade10. E não foi diferente em solo brasileiro. Ensina Beviláqua que os índios tinham um domínio comum das coisas úteis, singularizando-se tão-somente certos móveis como redes e armas11.

Em sentido diametralmente oposto, contudo, a propriedade encontrava--se no direito romano, onde preponderavam os valores individualistas, mesmo existindo duas espécies de propriedades coletivas: a da gens e a da família12. A respeito do absolutismo da propriedade naquela época, vale colacionar o apostilado por Max Kaser: “A propriedade em direito clássico e justinianeu, no qual se baseia nossa concepção moderna, é o direito privado mais amplo que alguém pode ter sobre uma coisa”13. E, aos poucos, a propriedade coletiva foi desaparecendo para dar lugar à privada, como menciona Hahnemann Guima-rães14, chegando ao extremo no direito romano, no qual o proprietário tinha direito absoluto, podendo dela fazer uso da forma que melhor lhe conviesse.

O direito das coisas é ramo do direito civil, conseqüentemente, faz parte do direito privado. Todavia, no seu bojo vêm sendo inseridas – ao longo da história – normas de direito público, hipertrofiando a manifestação do Estado e, também, dos particulares.

A propriedade, conforme o ângulo de observação, pode ser analisada de diversas formas. Pode ser como uma soma de direitos; ou como um instituto que condiciona o bem à vontade do proprietário; e, por fim, caracterizando-se pela sujeição de uma coisa à determinada pessoa15. Independente do aspecto a ser observado, sempre será considerada como a matriz dos direitos reais.

O lineamento do direito de propriedade é proposto pela ideologia po-lítica dos países nos quais é concebida, tendo a política econômica como um dos principais definidores do seu regime16. No período Romano, como dito, a principal característica da propriedade era o individualismo, demonstrando contornos ilimitados no que diz respeito aos poderes do proprietário.

No período feudal, existiram diversas formas de propriedade, como, por exemplo, a comunal, na qual a tribo era proprietária com gozo a seus membros; havia também a alodial, assemelhada à propriedade livre, caracterizada pela possibilidade da alienação da terra; era chamada de beneficiária aquela cedida por reis ou nobres aos plebeus à sua exploração; subsistia também a censual, cuja terra era explorada por terceira pessoa que não o proprietário, recebendo aquele um cânon em contraprestação; e, por fim, existia, outrossim, a servil,

10 WILL, Durant. The story of civilization, p. 15.

11 BEVILAQUA, Clóvis. Direito das coisas, p. 144.

12 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, p. 99.

13 KASER, Max. Direito privado romano, p. 137.

14 HAHNEMANN, Guimarães. A propriedade. Revista de Direito Contemporâneo, n. 3, p. 9.

15 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais, p. 5.

16 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais, p. 5.

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deferida aos servos ligados à gleba17. Nesta época não havia trânsito entre as classes sociais. O servo só sairia da sua condição pelas armas ou pelo clero, dado a total estratificação da sociedade; a propriedade era tida como sustentá-culo desse regime.

Já com contexto diferente foi o pensamento cristão, introduzido pela Igre-ja Católica no século XIX, que buscava na propriedade uma forma de resgatar a dignidade humana. Ocorre que, na Revolução Francesa, a liberdade tornou-se absoluta no campo dos direitos obrigacionais, servindo aos burgueses como meio de aferição de recursos. De outro lado, o direito das coisas servia para dar segurança aos novos proprietários, dado a sua estrutura rígida proporcionar a tranqüilidade que os mesmos aspiravam18. Note-se que ambos os ramos do direito civil servirão aos fins da burguesia.

O interessante são as peculiaridades de ambos os ramos, os quais vêm justamente para defender interesses antagônicos, mas com o mesmo fim. Me-lhor dizendo, as obrigações deveriam fornecer aos burgueses a possibilidade de gerar riquezas, contudo, como não existiam limites, quase sempre sairia ga-nhando o economicamente mais forte, e o direito das coisas daria guarida aos frutos gerados, conferindo-lhes total e irrestrita segurança. Arruda Alvim relata que a propriedade transformou-se em um verdadeiro altar, cujo sacerdote era o seu proprietário, possibilitando, com isso, toda e qualquer forma de abuso. Isto, aliás, é o que se pode concluir dos arts. 554 e 555 do Código Civil francês19.

Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, art. 17, legado este da Revolução Francesa, inscrito no art. 544 do Código Civil, promulgado em 1804, a propriedade era considerada como inviolável (sacré et inviolable)20. Ocorre, entretanto, que, aos poucos, o abandono da coisa, ou mesmo a sua destruição e o seu mau aproveitamento, passou a não mais ser aceito pela so-ciedade como uma conduta lícita, rompendo-se, desta feita, com o absolutismo que antes prevalecia acerca do direito absoluto do proprietário. Foi, aliás, o que ficou evidenciado na Constituição de Weimar, quando previu esta que a pro-priedade obriga21. Primado este seguido à risca, igualmente, pela Constituição italiana de 1948, em seu art. 42, e pela alemã, de 1949, no seu art. 14.2.

Já no Código Civil brasileiro, a propriedade foi orientada, principalmen-te, pela função social, quebrando com o forte individualismo que prevalecia no código revogado22. Tal função, desta forma, tem um escopo mais profundo

17 SERPA LOPES, M. M. Curso de direito civil, p. 236.

18 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais, p. 7.

19 ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. Breves anotações para uma teoria geral dos direitos reais, p. 9.

20 NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. A posse e a propriedade no novo Código Civil. Revista Forense, n. 386, p. 67.

21 “Art. 153: A propriedade obriga e seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função social.”

22 Nesse passo, pronuncia-se Judith Martins Costa: “Comecemos pela disciplina da propriedade, ‘il terribile diritto’ de que tratou Rodotà, e que está, no Novo Código Civil, claramente informada pela função social. Aqui – e também na posse – o princípio da função social, para além de relativizar ou temperar o individualismo

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do que apenas ser considerada como mero apêndice do direito dominial. Con-soante afirma autorizada doutrina, por função social da propriedade há de se entender o princípio que diz respeito à utilização dos bens, e não à sua titula-ridade jurídica, a significar que sua força normativa ocorre independentemente da específica consideração de quem detenha o título jurídico de proprietário. Os bens, no sentido mais amplo, as propriedades, genericamente consideradas, é que estão submetidas a uma destinação social e não o direito de propriedade em si mesmo.

Tal atribuição da propriedade tomou força no movimento pela operali-zação dos direitos subjetivos, iniciados no século XIX, visando promover um repensar dos principais institutos presentes no ordenamento, e, face à sua pu-jança, a propriedade jamais poderia ficar de fora23.

A França teve um papel muito significativo no despertar para a função social24, haja vista que lá, como pouco se viu na história, o proprietário encon-trava amparo para praticar toda sorte de abusos, o que acabou gerando uma revolta social, levando o povo a se insurgir contra os abusos de direito perpetra-dos25. Já no início do século XX, afirmava Georges Ripert:

“[...] os direitos não são outorgados ao homem senão para lhes permitir que pre-encha sua função na sociedade, não há qualquer razão para lhe conceder direitos que lhe permitiriam subtrair, da utilização comum, bens úteis a todos.”26

Não destoa Perlingieri, segundo o qual “em realidade, a propriedade pri-vada não se configura como direito subjetivo, individualmente compreendido,

que marcou o tratamento do direito da propriedade na codificação oitocentista, “não está, de forma alguma, confinado a mero apêndice do direito de propriedade, a simples elemento configurador de seu conteúdo” (Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro, p. 39).

23 Cf. RODOTÀ, Stefano. Proprietà (diritto vigente), novissimo digesto italiano, p. 134. Também Rodotà, em El terrible derecho – Estudios sobre la propiedad privada. Trad. Luís Diez-Picazo. Madri: Civitas, 1987. p. 81. Entre nós a Professora Judith Martins Costa se pronuncia a respeito: “A atribuição de uma função social à propriedade está inserida no movimento da funcionalização dos direitos subjetivos, que desde o final do século XIX vem promovendo a reconstrução de institutos centrais do Direito moderno, tais quais a propriedade e o contrato, como tentativa de ‘buscar um novo equilíbrio entre os interesses dos particulares e as necessidades da coletividade’. Com efeito, a cláusula da ‘função social’ exerce papel central na superação do modelo proprietário oferecido no século XIX pelo Code Napóleon e pela Pandectística, possibilitando, nas palavras de Stefano Rodotà, as bases para a ‘reconstrução do instituto da propriedade’” (Diretrizes teóricas do novo código civil, p. 49).

24 Assim foi sentença do Tribunal de Colmar, de maio de 1885, que se tornou célebre por impor como limite ao direito de propriedade o seu exercício em prol de um interesse sério e legítimo – um marco na construção da doutrina do abuso de direito (cf. DUGUIT, Leon. La responsabilidad del propietatio y la jurisprudencia francesa in Las transformaciones del derecho (público y privado), p. 259).

25 Nesse sentido: “Como é por todos sabido, a noção de função social da propriedade começa a sua história com base nas formulações acerca da figura do abuso de direito, pela qual foi a jurisprudência francesa gradativamente impondo certos limites ao poder absoluto do proprietário. A abordagem, contudo, ainda ocorria no plano dos ‘limites’, fatores externos à estrutura mesma do direito subjetivo, que restava inatingido, tendo-se a propriedade com um ‘droit absolu et sacré’ excepcionalmente restringido nas hipóteses de abuso” (MARTINS COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro, p. 69).

26 Apud PACHECO BARROS, Wellington, A propriedade agrária e seu novo conceito jurídico constitucional, Revista Ajuris, n. 32, p. 37.

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mas como situação unitária e complexa composta por poderes, mas também por obrigações, deveres, ônus, a qual, diferentemente da propriedade pública, não é função, mas tem função social”27.

Completando o raciocínio, adverte o precitado jurista: “O uso do direito é correto se, para além de respeitar as proibições e os limites expressamente predispostos pelo legislador, substancia-se em um comportamento conforme a função social, que pode consistir seja em omissões seja em adimplemento de deveres positivos, atuativos dos interesses individuais e gerais”28.

É verdade que ainda hoje a doutrina não definiu claramente o que seria a função social, mas, em nosso sentir, o que parece bem razoável é a firmação de que a propriedade, para estar em sintonia com a sua função social, deve pro-mover os valores básicos esculpidos em nosso ordenamento29. Significa dizer, pois, que o sistema jurídico deve indicar os parâmetros a serem seguidos por ela, como fez, por exemplo, o art. 1.228, especialmente em seus §§ 1º e 2º do Código Civil.

Acontece, porém, que com o decorrer dos anos o Estado foi sendo amol-dado e modificado, segundo os apelos e anseios sociais, refletindo diretamente na propriedade – direito subjetivo e grande fonte de conflito ao longo da história da humanidade –, passando a exigir de seu titular, o proprietário, uma conduta condizente com a sua correta utilização, vedando eventuais excessos.

Assim, atendendo aos anseios mundiais, a Constituição Brasileira de 1934 prescreveu que a propriedade seria exercida em sintonia com o interes-se social e coletivo. Posteriormente, o texto magno de 1946 foi mais longe, permitindo ao legislador que outorgasse competência aos entes políticos para promoverem desapropriações visando o interesse social30.

Chegou-se ainda mais além, por meio de emenda constitucional, quando se instituiu a possibilidade de desapropriação por interesse social, por intermé-dio de títulos especiais da dívida estatal. Com diferenças mínimas o instituto foi preservado na emenda constitucional de 1967.

27 PERLINGIERI, Prieto. Il diritto civile nella legalità costituzionale. Napoli: ESI, 1991. p. 452, traduzi. No original: “In realtà la proprietà privata non si configura come diritto soggettivo, individualisticamente inteso, ma come situazione unitaria e complessa composta da poteri ma anche da obblighi, doveri, oneri, la quale, a differenza della proprietà pubblica, non è funzione, ma há funzione sociale”.

28 PERLINGIERI, Prieto. Il diritto civile nella legalità costituzionale. Napoli: ESI, 1991. p. 449, traduzi. No original: “L’uso del diritto è corretto se, oltre a realizzare il rispetto dei divieti e dei limiti espressamente predisposti dal legislatore, si sostanzia in un comportamente conforme alla funzione sociale, che può consistere sai in omissioni sai in adempimenti di obblighi positivi attuativi di interessi individuali e generali”.

29 PERLINGIERI, Prieto. Il diritto civile nella legalità costituzionale. Napoli: ESI, 1991. p. 445, traduzi. No original: “Un ruolo di tipo promozionale, nel senso che la disciplina delle forme proprietarie e le loro interpretazioni dovranno essere attuate per garantire e per promuovere i valori sui quali se fonda l’ ordinamento”.

30 NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. A posse e a propriedade no Novo Código, p.70.

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Inovando por completo, a Constituição de 1988 delimitou de forma ro-busta os contornos da propriedade, agora em sintonia com a função social. Em sentido contrário ao texto magno, todavia, vigorava o código civil de 1916, no qual ainda predominavam os valores individuais31.

Continuando a sua mudança, o domínio, como fenômeno social, apare-ce já há algum tempo com um contorno diferenciado do usualmente conheci-do, obrigando o seu exercício em sintonia com a sua função social, como dito, nos moldes não muito precisos do § 1º do art. 1.228 do Código Civil brasileiro.

Não obstante o asseverado, é certo dizer que a propriedade, na nova sistemática, permaneceu com feição precipuamente individualista, com certa dose de relativização, no entanto, em alguns pontos onde o individualismo acaba por colidir com os interesses da coletividade, não podendo aquele se sobrepor aos interesses desta. De outra banda, o inverso da premissa não é inteiramente correto, mormente pelo fato de o interesse coletivo, geralmente, tender a prevalecer sobre o individual, ainda que com um certo limite de indis-ponibilidade garantido ao proprietário32.

Quem fala com precisão e autoridade a respeito desses elementos da propriedade, indisponíveis em nível infraconstitucional, é o Professor Arruda Alvim: “De outra parte, parece que os elementos constitutivos do direito de propriedade são constantes, e, nessa medida, deve-se entender que o texto constitucional garante esses elementos constitutivos essenciais. Ademais disto, a disciplina infraconstitucional do direito de propriedade submete-se a estrita reserva legal e por lei compatível com a Constituição Federal, no que está impli-cado que, na disciplina infraconstitucional, há de ser respeitado um conteúdo mínimo e essencial do direito de propriedade”33.

Diante de todo o contexto envolvendo a atual situação do domínio em nosso ordenamento, poder-se-á dizer, sem medo de errar, que ele vem dei-xando de ser um direito absoluto e irrestrito para transformar-se em um direi-to humanístico, social e, conseqüentemente, impor também deveres, além de garantias, aos seus detentores, porquanto, do contrário, estar-se-ia violando a própria sociabilidade resguardada e afiançada ao seu exercício.

31 Ibidem, p. 70.

32 Em igual senda Gilmar Ferreira Mendes: “Deve-se ter presente que a garantia constitucional do direito de propriedade deve ser encarada como significando que esse direito tem um conteúdo garantido pela norma constitucional e que as regras infraconstitucionais destinam-se, menos a estabelecer limitações, senão que a concretização ou a confrontar esse direito, mesmo porque o legislador ‘na espécie [esse poder do legislador], não significa que ele detenha absoluto poder de disposição sobre a matéria’” (Direitos fundamentais e controle da constitucionalidade, p. 153).

33 Texto no prelo: O livro do direito das coisas, p. 4.

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2 O DIREITO DE CONSTRUIR NO ORDENAMENTO LUSITANO

2.1 AspeCtOs geRAis – ÂmbitO legislAtivO e juRispRuDenCiAl

O proprietário, no direito lusitano, pode utilizar-se do seu direito de construir em seu imóvel com o fundamento de que o direito de propriedade é amplo, possibilitando ao seu detentor o gozo do bem de forma abrangente e ampla, todavia, também com respeito a algumas restrições impostas pela lei. Em outras palavras, a regra geral é a fruição do bem e a exceção são os limites impostos ex vi lege. É o que dimana do art. 1.305 do Código Civil português, verbis: “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com ob-servância das restrições por elas impostas”.

A doutrina portuguesa aponta que o direito de propriedade deve ser exer-cido dentro da boa-fé, dos bons costumes e sempre visando o seu fim social34. Nesse prisma, é o que apostila a código civil português: “Art. 334 º (abuso do direito) – É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifes-tamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito”.

Tal prerrogativa de construir vem também disposta no art. 1.356 do Código Luso, cujo texto prevê o direito ao proprietário de a todo tempo mu-rar, rodear de sebes ou tapar o bem do jeito que lhe convier35. No entanto, a jurisprudência posicionou-se no sentido de preservar os direitos dos prédios vizinhos: “Construído um muro – ainda que eventualmente na via pública –, que dificultou o normal escoamento das águas pluviais e assim provocou inun-damento do prédio vizinho, responde o dono daquele pelos prejuízos causa-dos, independente de culpa, e mesmo que as obras hajam sido devidamente licenciadas”36. Indo mais além, a jurisprudência lusitana tem vedado qualquer construção que afete a luminosidade do confinante, considerando o referido ato como abuso de direito, e, por conseguinte, carreando o ônus dos corolários aos seus responsáveis37.

34 “O direito de propriedade deve ser exercido dentro dos limites impostos por um lado, pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou econômico (v. art. 334 do Código Civil), e, por outro lado, pelas restrições, quer de interesse privado, quer de interesse público que a lei expressamente consagra.” (GOMES, Osvaldo. Comentários ao novo regime de licenciamento de obras, p. 22)

35 “Art. 1.356 (Conteúdo) – A todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo.”

36 RL 08.11.1998: BMJ, 381ª-737.

37 “Compromete o gozo dos direitos de um proprietário vizinho e actua com abuso de direito – afectando a luminosidade da casa deste e o calor que antes recebia do sol – representando uma desproporção entre a utilidade obtida a conseqüência que o vizinho tem de suportar, aquele que, após efectuar um aterro e constituir um muro de suporte de terras de 1,5 m de altura, constrói em cima deste um muro com 2,80 m de altura.” (STJ, 19.04.1995: CJ/STJ, 1995, 2º-46, e BMJ, 446º-257)

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O Código em questão procura traçar, pormenorizadamente, os lindes em que o direito de construir será exercido, sobretudo, delimitando limites físicos aos quais as construções devem se submeter, buscando, destarte, evitar vio-lação aos direitos dos vizinhos. Tem-se, nessa linha, o art. 1.358 regulando a construção de valas e obrigando o construtor a deixar mota externa na mesma profundidade da vala

Em relação à abertura de janelas, portas e quaisquer obras semelhantes, não poderão ser feitas em desrespeito a uma distância de um metro e meio. Da mesma forma, deve se ater às varandas, terraços e obras dessa natureza38.

Tal distância, segundo José de Oliveira Ascenção, deve ser contada entre a abertura e o prédio vizinho39, eis que tais imposições visam evitar eventuais despejos do prédio construído sobre o outro e, sobretudo, preservar a privaci-dade do vizinho40.

Ocorre, todavia, que a jurisprudência lusitana vem entendendo que, para efeito do artigo retromencionado, não pode ser considerada a construção de uma escada exterior ao primeiro andar de um prédio, conforme ora se constata: “I – Não deve considerar-se como “obra semelhante” construção de uma escada exterior ao primeiro andar de um prédio protegido com um gradeamento aber-to e sem qualquer parapeito, feita sem guardar a distância do prédio vizinho. II – Aliás, constituindo as restrições aos direitos de construir ou edificar verda-deiras exceções ao livre exercício do direito de propriedade, não devem tais exceções ser ampliadas a obra cuja semelhança, como as expressamente indi-vidualizadas na lei, seja de afastar ou se apresente bastante duvidosa”41.

As referidas restrições não são aplicáveis quando exista, separando os vizinhos, uma estrada, rua ou qualquer outra passagem de domínio público42. No entanto, em eventual perda do domínio público passará a viger a regra do art. 1.360, sem prejuízo das vistas já estabelecidas43.

É igualmente previsto pelo código ora sub examine, em seu art. 1.362, o instituto da servidão de vistas, o qual determina ao proprietário vizinho respeito às novas prerrogativas impostas por tal servidão, o que já implica necessaria-mente: “a) que o vizinho do prédio serviente não mais se possa opor às janelas prevaricadoras; b) que o mesmo vizinho não possa construir edifício a menos

38 “Art. 1.360º (Abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes) – 1. O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio. 2. Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio.”

39 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito civil reais. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 193.

40 MESQUITA, Manuel Henrique. Obrigações reais e ônus reais. 1. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 149.

41 RP 21.11.1970: JR, 16º-120 e BMJ, 195º-254.

42 Cf. art. 1.362 do Código Civil português.

43 MESQUITA, Manuel Henrique. Obrigações reais e ônus reais. 1. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 152.

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de metro e meio das aberturas referidas (quando não poderia fazê-lo até o extre-mo do seu prédio). É, porém, viável promover construções a distância inferior, desde que tão baixas que não prejudiquem a função normal das referidas portas e janelas”44.

3 A PREVISÃO DO DIREITO DE CONSTRUIR NO CÓDIGO CIVIL

3.1 AbRAngênCiA

Tanto o solo como o subsolo, e mesmo o espaço aéreo, podem ser objeto de construção, sempre respeitando os limites impostos pelas normas administra-tivas e legislação civil, uma vez que nossa Magna Carta assim determina45. De uma maneira geral, o que prescreve a norma legal é a estipulação do critério econômico. Com isso, sempre que exista interesse de utilidade, em qualquer das três citadas dimensões, será possível exercer o direito de construir46.

O Código de 2002 conserva a expressão: “O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver [...]”47, utilizada no Código de 1916, e entendida por J. M. Carvalho Santos como a possibilidade do proprie-tário levantar em seu terreno o que bem entender, com respeito, é claro, aos direitos da coletividade.

Razão por que, poder-se-ia afirmar que, no Ordenamento Pátrio, tal qual ocorre no direito lusitano, o direito de promover a construção que melhor agra-de ao proprietário é a regra, enquanto as limitações são as exceções. Sendo assim, somente serão admitidas restrições quando derivarem estas das normas e regulamentos existentes, ou quando as edificações estiverem ao arrepio da função social imposta pelo § 1º do art. 1.228 do Código Civil48.

44 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha Menezes. Direitos reais: sumários. Lisboa: AAFDL, 1998. p. 605.

45 “A construção de prédio pelo proprietário é direito seu, inserido no ius fruendi. No entanto, em prol da comunidade, da vizinhança e do interesse público não é direito absoluto, como em outros aspectos da propriedade” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, p. 99). Ver, a respeito da abrangência do direito de construir, em FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao código civil, p. 134. No mesmo compasso, a jurisprudência do TJSP: “A regra geral não dá margem a dúvidas: salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos, resta assegurado ao titular do bem o direito de erguer em seu imóvel o que lhe aprouver. Em suma, na esteira da orientação jurisprudencial, o direito de construir não é absoluto, pois deve obedecer aos regulamentos administrativos” (TJSP, AC 93219-5/Ubatuba, 3º CDPúb., Rel. Des. Pires de Araújo, J. 19.10.1999).

46 Art. 1.229 do Código Civil.

47 Art. 1.299 do Código Civil de 2002 e art. 572 do Código Civil de 1916.

48 No mesmo prisma, Sílvio de Salvo Venosa: “O sentido continua a ser sempre o da busca da finalidade social da propriedade, o equacionamento do direito individual com o direito social. Deve ser entendido, no entanto, que a liberdade de construir é a regra. As limitações, como exceção, devem vir expostas pelo ordenamento. Essa utilização da propriedade deve, da mesma forma, sempre ser examinada em consonância com a regra geral de vizinhança do art. 554 ou art. 1.277 do novo Código, que reprimem o mau uso ou uso anormal da propriedade, quando ocasiona prejuízo à segurança, sossego e saúde da vizinhança. Aplicamos a esse respeito tudo o que foi exposto sobre o uso nocivo ou mau uso da propriedade” (Direito civil, p. 35).

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A abrangência do direito de construir encontra limites em duas searas, sendo elas decorrentes das regras de vizinhança, inseridas no código civil, e as oriundas das regras administrativas, geralmente criadas pelo município. Cabe-rá, então, ao município delimitar os contornos do direito de construir de uma maneira geral, podendo até mesmo o loteador, em casos de condomínio, por exemplo, estatuir também algumas restrições dentro da área loteada, segundo deflui da letra e espírito do art. 45 da Lei nº 6.766/1979.

Nesse compasso, obtempera Venosa:

“Além das noções gerais, devem ser tomadas em consideração as duas classes de restrições ao direito de construir, as decorrentes da regras de vizinhança e as decorrentes de regras administrativas. O ordenamento fixa regras recíprocas entre os vizinhos. Geralmente, na área urbana, cabe aos Municípios delimitar e organizar o direito de construir. Pode também o loteador impor restrições edilí-cias a determinadas áreas, que ganham natureza real com o registro, devendo ser obedecidas, a exemplo das restrições urbanas em geral. O art. 45 da Lei nº 6.766, de 19.12.1979, estabelece: o loteador, ainda que já tenha vendido todos os lotes, ou os vizinhos são partes legítimas para promover ação destinada a impedir a construção em desacordo com restrições legais ou contratuais.”49

Vale citar que tais previsões administrativas geram inclusive direitos para os vizinhos, no sentido de exigir o seu cumprimento em caso de infração a qualquer delas pelos vizinhos. O cumprimento da ordem pública é cogente, e de interesse de toda a coletividade, notadamente daquele vizinho afetado dire-tamente pelo descumprimento da norma50. Ademais, essa regra segue expressa no art. 1.312 do Código Civil51.

Tal posição, vale dizer, foi firmada de há muito pelo saudoso Hely Lopes Meirelles: “Os julgados que negam ação ao vizinho para exigir de seu confi-nante o atendimento das limitações administrativas à construção, o fazem por excessivo apego à distinção romanista entre normas de interesse privado e nor-mas de interesse público, como se os departamentos do Direito constituíssem domínios estanques”52.

49 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, p. 88.

50 “Essas limitações administrativas urbanísticas e rurais, conquanto de ordem pública, geram direito subjetivo aos vizinhos para exigir o cumprimento. Leva-se em conta o interesse coletivo, que também é direito da vizinhança. O vizinho está legitimado a acionar aquele que não cumpre as imposições administrativas.” (Ibidem, p. 29)

51 “A infração aos princípios estabelecidos no capítulo a respeito do direito de construir, bem como aos regulamentos urbanísticos administrativos, gera, em princípio, a obrigação de demolir as construções feitas, além de indenização por perdas e danos. Essa regra vem expressa no art. 1.312 do novo Código.” (Ibidem, p. 32)

52 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir, p. 86.

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Isto sem mencionar o art. 1.301 do Código Civil, cujo teor permite ao vizinho embargar qualquer obra que venha a invadir ou lhe deite goteiras, bem como aquela que venha infringir as distâncias impostas pelo Código Civil53.

3.2 limites

Os limites do exercício do direito de construir vêm esculpidos em normas de naturezas distintas. As normas administrativas – de ordem pública – e as nor-mas civilistas – de direito privado54.

O dono da propriedade, como já antecipamos, poderá usufruir de todas as vantagens, que não estejam vedadas em lei, proporcionadas pelo seu imóvel. Nestas vantagens estará incluído – entre tantas outras – o direito de construir, desde que respeitado, logicamente, o bem-estar coletivo na forma disciplinada pela lei55.

O mesmo critério de utilidade que garante a liberdade de construir, tam-bém proíbe o proprietário de opor-se a quaisquer construções ou trabalhos pro-movidos a altura ou profundidade que não venham a atrapalhá-lo ou conster-ná-lo.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, as restrições ao direito em testilha não mais decorrem apenas do limite de utilidade previsto na codifi-

53 Na forma: “O art. 573 do Código de 1916 (novo, art. 1.301) autoriza o proprietário a embargar obra que invada sua área ou lhe deite goteiras, bem como aquela em que se abra a janela, ou se faça eirado, terraço ou varanda a menos de metro e meio. A finalidade é preservar a privacidade. Geralmente, os atos administrativos impõem maiores restrições, dependendo da zona urbana. O § 1º dispõe que a proibição não abrange “as frestas, seteiras, ou óculos para luz, não maiores de 10 (dez) centímetros de largura sobre 20 (vinte) de comprimento”. Portanto, a contrario sensu, toda abertura superior a 10 centímetros de largura por 20 centímetros de comprimento deve ser considerada janela para os fins da lei. A dimensão caracteriza a janela e não a destinação da abertura. O § 2º determina que “os vãos, ou aberturas para luz não prescrevem contra o vizinho, que, a todo tempo, levantará, querendo, a sua casa, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade” (novo, art. 1.302, parágrafo único). Trata-se de limitação negativa, a fim de impedir que o prédio seja devassado. Se entre os dois prédios existir entrada, caminho, ou rua, não se aplicam as restrições do art. 573” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, p. 69).

54 No ponto: “Quem pode alienar, pode dispor, utilizando o bem, do que é exemplo o exercício do direito de construir. Dois são os limites: o interesse submetido ao Direito Privado (direito dos vizinhos) e as regras de Direito Público (regulamentos administrativos). Dois também são os regimes: o das permissões e o das proibições. O que lhe é permitido ou proibido define a lei em sentido amplo” (FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil, p. 134).

55 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir, p. 27. Em igual pendor se pronuncia Caio Mário da Silva Pereira: “O proprietário tem o direito de levantar em seu terreno as construções que lhe aprazam. É uma verdade tão comezinha que não haveria mister enunciar-se. No entanto a lei o proclama, mais com o propósito de lhe imprimir um condicionamento: a observância aos regulamentos administrativos que subordinam as edificações a exigências técnicas, sanitárias e estéticas; e o respeito ao direito dos vizinhos, que não deve ser violado pelas edificações. Imediato corolário é a faculdade de embargar as construções que infringirem as normas regulamentares, ditadas pela administração. De seu lado, pode o vizinho opor embargos também à obra que invada a área de seu prédio, ou sobre este deite goteiras. Caberá igualmente embargos, também chamado nunciação de obra nova, para impedir que na edificação levantada em propriedade menos de metro e meio da linha divisória.” (Instituições de direito civil, p. 151)

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cação civil, mas, ainda, da outorga constitucional aos Municípios para controlar a correta ocupação dos solos urbanos56.

O direito de construir, portanto, já não mais pode ser tido como absoluto – jus utendi, fruendi et abutendi –, como era considerado no século XVIII, visto que nesse período os valores éticos que predominavam eram bem diferentes dos que hoje prevalecem57.

Dentre os pensadores que tentavam acompanhar a evolução humana, Leon Duguit defendia que o direito subjetivo do proprietário não poderia pre-valecer sobre a função social, que caberia ao bem cumprir58. Daí ser razoável afirmar hoje que a citada evolução impôs aos proprietários um maior respeito às relações de vizinhança59.

O ordenamento jurídico pátrio, por meio da Carta Magna, adotou tal pensamento quando traçou os contornos do direito de propriedade, mais preci-samente no art. 5º, XXII e XXIII60.

Tal ideologia reflete diretamente na preservação dos direitos dos vizi-nhos, no art. 1.277 do Código Civil, o qual garante que a propriedade será utilizada em consonância com a segurança, o sossego e a tranqüilidade dos moradores dos demais prédios, permitindo, ainda, ao prejudicado pelo mau uso do bem, fazer cessar as interferências, levando-se em consideração a natureza do imóvel, a sua localização e as normas de edificação.

E não vem de hoje a preocupação com a preservação dos direitos dos vizinhos, como recorda Max Kaser, quando lembra que já havia previsão nesse sentido de há muito: “As limitações do direito de propriedade por relações de vizinhança remontam em grande parte ao período Antigo e mais tarde apenas se desenvolvem ou complementam”61.

56 Art. 30, inciso VIII, Constituição Federal da República.

57 “Cominatória. Vizinhança. Abertura de janela. Distância de 2,20m da divisa dos prédios. Visão parcial de banheiro. Abuso do direito de propriedade não caracterizado. Incômodo que deverá ser suportado pelo vizinho. Ação improcedente. Aplicação do art. 573 do CC. A jurisprudência mais afinada com a lei é a que acolhe a proibição, atenta unicamente à distância entre a janela ou o terraço e a divisa do terreno, sem levar em consideração se há muro de permeio, se há visão oblíqua ou direta, se há abertura alta ou baixa, se há devassamento efetivo ou potencial. (TJSP, Ap. Sum. 462.835-7, 1ª C., Rel. Juiz Elliot Akel, J. 29.04.1991).

58 “A propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor de riqueza.” (DUGUIT, Leon. La responsabilida del propietatio y la jurisprudença francessa in las transformaciones del derecho (publico y privado). Trad. Carlos Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975. p. 37)

59 PERTICONE, Giacomo. La proprietá e i suoi limiti, Roma, 1930, p. 15.

60 A esse respeito, ver Luiz Edson Fachin: “As restrições ao direito de propriedade e as possibilidades do direito de construir não abrigam poderes absolutos: de um lado, emerge a função social prevista na Constituição da República; de outra parte, os danos podem ser prevenidos com estribo na limitação que pode sofrer o direito de edificar. O tema, não raro, não alcança foro de admissibilidade em recurso extraordinário, mas recebe orientação pretoriana quando suscitada de índole constitucional” (Comentários ao Código Civil, p. 134).

61 KASER, Max. Direito privado romano, p. 143.

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Em sede doutrinária destaca-se a doutrina do francês Ripert, defensor do critério da normalidade para se auferir o bom ou mau uso do bem. Tal método consiste em averiguar se os atos praticados pelo proprietário do bem estão den-tro do que se pode chamar de normal para o homem médio62.

Tal paradigma acaba tendo boa utilidade por permitir ao julgador que examine caso a caso, cada um na sua medida, levando-se em conta a utiliza-ção do imóvel, o bairro, a época, a hora, e, assim, aferir a normalidade dos atos praticados, sopesando inclusive os usos e costumes do local. Tal método é bem aceito pela doutrina pátria; entre os adeptos: Virgílio de Sá Pereira63 e Tito Fulgêncio64.

Dessa linha de pensamento decorrem os ensinamentos de Philadelpho Azevedo, defensor árduo de que o Poder Judiciário quando da declaração, por ele, da má utilização da propriedade, deve levar em conta a casuística do caso concreto, abordando, assim, a normalidade do local em específico, e, nunca aplicando uma regra geral indistintamente65.

Por isso, em eventual litígio, caberá ao magistrado balizar pormenori-zadamente as peculiaridades do caso sub judice, considerando até mesmo a função de ambos os prédios envolvidos na lide.

Ocorre, ainda, que o Código Civil previu vários limites objetivos para o proprietário, quando do exercício do seu direito de construir, sendo um deles o dever de tomar todos os cuidados técnicos para que o prédio, v.g., não fique em uma situação de maneira a despejar água diretamente sobre o prédio vizinho66.

É proibido também abrir janelas, terraços ou varandas a menos de metro e meio do vizinho. Porém, as janelas cuja visão não venha a incidir na linha divisória, e, nas perpendiculares, não poderão ser construídas a menos de 75 centímetros. Diante disso, pode o proprietário, dentro do prazo de ano e dia, ingressar com ação de nunciação de obra nova, para exigir a destruição da construção em desacordo da distância fixada em lei67.

62 RIPERT, Gerges. Del l’Exercice du Droit de Prorpietê das ses Rapports avec les Proprietés Voisinis, p. 311.

63 PEREIRA, Virgílio de Sá. Manual do código civil brasileiro – Direito das coisas e da propriedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 8, 2007. p. 472.

64 FULGÊNCIO, Tito. Direito de vizinhança. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 10.

65 AZEVEDO, Philadelpho. Destinação do imóvel. 2. ed. Max Limonad, 1957, com notas de José Geraldo Rodrigues Alckmin. p. 100.

66 Art. 1.300 do Código Civil. Ver, sobre o tema, FACHIN, Luiz Edson: “Múltiplas são as balizas à prática do poder de edificar. Veda-se o estilicídio, especialmente em relação a prédios urbanos. Desde logo, está que o proprietário construirá observando que o seu prédio não verta ou derrame águas, diretamente, sobre o prédio adjacente” (Comentários ao Código Civil, p. 136).

67 “Estando comprovado que a obra nova prejudicou o prédio do nunciante, correta a sentença que julgou procedente a ação de nunciação de obra nova” (2º TACivSP, 10ª C., Ap 590586-0/20, Rel. Juiz Gomes Varjão, J. 04.02.2001).

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O curioso é que se o proprietário não ingressar com a referida ação, tal construção – que, anteriormente, era totalmente ilícita – a partir de então deve ser respeitada, não podendo o vizinho esbulhado construir sem respeitar os limites legais e levar em conta a nova construção68.

No Código Beviláqua não havia a parte final do dispositivo acima co-mentado, entretanto, a doutrina já considerava como aceitação tácita – da cons-trução irregular – o não ingresso da medida visando a proteção da propriedade violada. Já o Código Reale preferiu prever tal contingência expressamente no texto legal69.

O art. 1.301 vem com redação mais precisa do que seu antecessor, es-tabelecendo princípios vedando que as janelas incidam sobre a linha divisória e também no sentido de que as perpendiculares não poderão estar a menos de 75 centímetros, como bem explica Sílvio de Salvo Venosa: “Os parágrafos do art. 1.301 do novo Código estabelecem princípios com redação mais acessível. Assim, as janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centíme-tros (§ 1º). As disposições acerca de janelas e assemelhados não abrangem as aberturas para luz ou ventilação não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso (§ 2º). Como se nota, as normas procuram proteger a privacidade dos ocupantes”70.

É conveniente fazer menção que o regime previsto pelo art. 1.301 do Código Civil, todavia, deve ser interpretado em sintonia com o art. 1.305, abrandando o seu rigor para não tornar ineficaz a permissão concedida neste último71. Dessa forma, o proprietário poderá levantar construção até o limite

68 “Vizinhança. Abertura de janela. Distância de 2,20mm da divisa dos prédios. Visão parcial de banheiro. Abuso do direito de propriedade não caracterizado. Incômodo que deverá ser suportado pelo vizinho. Ação improcedente. Aplicação do art. 573 do CC. Ap. Sum. 462.835-7. Milcíades Vallim Fagundes e Fábio Sandro Lavachini Ramuno e outros. Rel. Juiz Elliot Akel, 29 abr. 1991, RT, São Paulo, a. 81, v. 680, p. 120-122. jun. 1992. Ver também: “Direito de vizinhança. Direito de construir. Janela aberta a menos de metro e meio do prédio vizinho. Decurso do prazo legal para desfazimento. Preclusão. Fato que, entretanto, não origina servidão de luz contra o prejudicado, a favor do vizinho. Inteligência dos arts. 573 e 576 do CC. A preclusão por decurso de prazo legal para desfazimento de janela construída a menos de metro e meio da divisa de terreno vizinho não cria o dever de servidão em favor do faltoso, não ficando o prejudicado obrigado a propiciar-lhe toda a claridade quando da ampla utilização de seu terreno (TJSP, Ap 149.621.1/5, 2º C., Rel. Des. Urbano Ruiz, J. 12.11.1991). No mesmo sentido: “Direito de vizinhança. Direito de construir. Janela aberta a menos de metro e meio do prédio vizinho. Decurso do prazo legal para desfazimento. Preclusão. Fato que, entretanto, não origina servidão de luz contra o prejudicado, a favor do vizinho. Inteligência dos arts. 573 e 576 do CC” (TJSP, Ap 149.621-1/5, Rel. Des. Urbano Ruiz, 12.11.1991).

69 PEREIRA, Virgílio de Sá. Manual do código civil brasileiro – Direito das coisas e da propriedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 8, 2007. p. 288.

70 Direito civil, p. 355.

71 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo, o art. 573 (novo, art. 1.301) deve ser entendido juntamente com o art. 580 (novo, art. 1.305), que estabelece o regime de parede-meia: “O confinante, que primeiro construir, pode assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito a haver meio valor dela, se o vizinho a travejar (art. 579). Neste caso, o primeiro fixará largura do alicerce, assim como a profundidade, se o terreno não for de rocha” (Direito civil, p. 355).

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de meia espessura da parede, e, no caso de ser ultrapassada tal medida, ao prejudicado caberá a destruição do trecho invasor. Ocorre, entretanto, que, se for pequena a área invadida, a solução, em regra, deverá ser a indenização72.

Em relação à zona rural, ficou previsto no novel diploma civil a vedação de construção a menos de três metros do terreno vizinho. A palavra construção deve ser compreendida como sendo edifícios e prédios; do contrário cairíamos no disparate de vedar a construção de um muro a menos de três metros73.

Aquele que primeiro construir terá direito a assentar parede divisória a meia espessura do terreno vizinho e de delimitar a largura e profundidade do alicerce, restando ainda o direito de cobrar do vizinho, que vier a construir, tais despesas74.

É importante ressaltar que cabe à Municipalidade estabelecer em seu plano diretor normas regulando as construções. Tais diretrizes são sempre de ordem pública, e, como tais, não podem ser ignoradas pelos munícipes, de-vendo, portanto, serem sempre dinâmicas e de caráter amplo, de molde que se adequem a cada realidade local e ao transcorrer do tempo75.

Fica claro, desta feita, que o ente-municipal deve fornecer a sua po-pulação um microssistema formado por leis, decretos e portarias, com intuito de orientar o exercício do direito de construir. Isto porque, o Código Civil, de maneira acertada, apenas trata do superficial, sem entrar em minúcias, daí a

72 Nesse compasso, obtempera Luiz Edson Fachin: “O proprietário pode construir no terreno vizinho até meia espessura da parede. Se ultrapassar o limite, o vizinho prejudicado pode embargar a construção, com a nunciação de obra nova. Se a invasão for pequena, a solução melhor será sempre a indenização e não o desfazimento da obra”. O novo Código acrescenta regra a essa disposição, no parágrafo único do art. 1.305: “Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não tiver capacidade para ser travejada pelo outro, não poderá este fazer-lhe alicerce ao pé sem prestar caução àquele, pelo risco a que expõe a construção anterior” (FACHIN, Luiz Edson. Direito civil, p. 355).

73 CARVALHO SANTOS, J. M. Código civil interpretado, p. 159.

74 É bem oportuno, aliás, o seguinte comentário a respeito das distâncias estabelecidas pelo código civil do Mestre Hely Lopes Meirelles: “Essa distância de um metro e meio não é absoluta e irredutível, uma vez que a própria lei permite, com licença do vizinho, construções rentes à linha divisória. Tal permissão não exige forma especial, sendo admissível até mesmo a concordância tácita, assim considerada a tolerância do confrontante para a construção feita à sua vista, sem qualquer oposição ou embargo de sua parte. Concluída a nova obra, ou o acréscimo à existente, com preterição da distância legal, mas com permissão do confinante, ocorre a decadência do direito de exigir a demolição” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir, p. 36).

75 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo: “Cabe à Municipalidade estabelecer normas urbanísticas, seu plano diretor, complexo de normas técnicas caracterizadoras dos direitos e limitações de construir. Essas regras municipais são sempre dinâmicas, alteráveis por sua natureza no tempo e no espaço, com base na própria conceituação do que se entende por zona urbana, que é atribuição municipal. Ao Município cabe criar a divisão de loteamentos industriais, residenciais e mistos, com subdivisões, impondo exigências edilícias próprias para cada zona. Ao Estado em geral cabe também preservar o patrimônio histórico ou artístico sejam destruídos ou alterados sem autorização. Lembre-se, a propósito, de que a Lei nº 10.257/2001, autodenominada Estatuto da Cidade, é norma que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece diretrizes gerais de política urbana” (Direito civil, p. 354).

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necessidade da regulamentação específica da matéria por cada um dos entes públicos, segundo as suas particularidades, usos e costumes locais76.

Deve ficar bem claro que o controle das construções na zona urbana é obrigação do Município, devendo, destarte, garantir que tais obras sejam feitas com salubridade e em obediência às normas legais, tanto as de natureza muni-cipal como as de natureza federal77. Tal fiscalização deve ser efetiva, a começar pela análise minuciosa do projeto da construção para se conceder o alvará permitindo o início da obra, e pela garantia de que a sua execução ocorrerá nos moldes legais78.

Para cumprir a contento tal mister, caberá ao Município a elaboração de um Código de Obras, no qual deverá prever todas as regras, referentes à forma e à estrutura das obras individualmente consideradas. Recomenda a melhor doutrina que cada cidade tenha o seu próprio, pois o mesmo deve ser apto a atender a realidade local79.

76 “As construções devem seguir o gabarito determinado pela Administração, bem como recuo e alinhamento com relação às vias públicas, utilização de área máxima de edificação em cada zona etc. Enfim, há complexo de normas administrativas integrantes do direito de vizinhança. A matéria requer aprofundamento monográfico, é relacionada ao direito público e direito privado, bem como à engenharia civil, na especialidade de planejamento e administração urbana, um dos maiores desafios do século 20. Os dispositivos que dão regras às construções no bojo do Código Civil são apenas supletivos das leis administrativas. No Código Civil, encontra-se o mínimo de limitações no direito de construir a serem obedecidas no que não contrariarem o direito edilício administrativo.” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, p. 354)

77 Na mesma vertente: “O controle das construções urbanas é atribuição específica do Município, não só para assegurar o ordenamento da cidade em seu conjunto, como para certificar-se da segurança, da salubridade e da funcionalidade de cada edificação, individualmente considerada. Este é o controle técnico-funcional da construção referente à sua estrutura e ao seu uso individual, diversamente do controle urbanístico, que cuida da integração do edifício na cidade, visando a harmonizá-lo com o complexo urbano. O controle das construções se exercita, pois, sob dois aspectos: o coletivo, para o ordenamento urbano; o individual, para adequação da estrutura à função da obra” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, p. 403-404).

78 “Daí as normas de uso e ocupação do solo urbano, que já vimos precedentemente, disciplinando a ocupação e a utilização das áreas urbanas e urbanizáveis, e o Código de Obras e suas normas complementares, regulando a construção em si mesma. Toda construção urbana, e especialmente a edificação, fica sujeita a esse duplo controle – urbanístico e estrutural – que exige a prévia aprovação do projeto pela Prefeitura, com a subseqüente expedição do alvará de construção e, posteriormente, do alvará de utilização, vulgarmente conhecido por “habite-se”. Além da aprovação do projeto, o controle das construções estende-se à execução da obra, possibilitando embargo e demolição quando realizada em desconformidade com o aprovado, ou antes de seu início, a cassação do alvará, se for o caso” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, p. 404).

79 “O Código de Obras, como elemento da legislação edilícia, deve reunir em seu texto, de modo orgânico e sistemático, todos os preceitos referentes às construções urbanas, especialmente para as edificações, nos aspectos de estrutura, função e forma, convenientes à obra individualmente considerada. Como regulamento das construções, pode ser aprovado por decreto, e é conveniente que seja, a fim de facilitar as necessárias e freqüentes adequações que a evolução de técnica exige da Administração, mesmo porque a disciplina das construções já está prevista no Código Civil e deferida aos “regulamentos administrativos” (art. 572), cuja expedição compete ao Executivo municipal. O que convém é que cada Município tenha o seu Código de Obras tecnicamente elaborado, e não adote Código alheio nem sempre ajustável às peculiaridades locais. Por outro lado, a adoção de um Código estranho cria o problema das futuras modificações na legislação ordinária, que se estendem automaticamente ao Município adotante, mas induzem os intérpretes a freqüentes dúvidas na sua aplicação” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, p. 404-405).

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3.3 Os limites DO DiReitO De COnstRuiR nO DiReitO ROmAnO

A propriedade, no direito romano, a despeito de exercida com um ab-solutismo pouco visto na história da humanidade, continha algumas limitações quando dizia respeito ao Direito de Construir.

Nas famosas XII Tábuas (7, 9a), o vizinho, quando se sentisse prejudica-do pela sombra de uma árvore que tivesse saído dos limites do terreno do seu dono, poderia exigir que fosse feita a poda até a altura de 15 pés. Se, por acaso, não fosse atendido, teria legitimidade para fazê-lo sponte propria80.

Em Roma era colocado à disposição do vizinho a actio aquae pluviae arcendae, a qual visava justamente possibilitar a remoção do bem, por aquele que fosse prejudicado, devido às alterações ou mesmo instalações em prédio vizinho que venham a aumentar, por exemplo, o fluxo de água (XII Tábuas – 7,8a). Tal instituto foi reelaborado pelos juristas clássicos e por Justiniano81.

O pretor, motivado pelo requerimento do vizinho, poderia notificar o dono do prédio – que estivesse sofrendo risco de desmoronamento – a prestar caução pelos eventuais riscos aos vizinhos. Se não o fizesse, era conferido ao prejudicado a detenção do prédio, nos termos do Edito D. 39, 2, 7 pr. Ao titular de servidão, eventualmente ameaçada por construção, caberia ainda proibir o dono de continuar com a obra. A medida chamava-se operis novi nuntiatio e, não sendo respeitada, legitimava o ingresso de Ação de Demolição de Cons-trução82.

Na hipótese em que o prédio de terceiro estivesse sendo objeto de cons-trução contra a vontade do proprietário, o pretor concederia a restituição ime-diata do bem, por meio de medida, com efeito penal inclusive (D. 43, 24, 1 pr.).

O que se percebe, porém, observando os exemplos acima, é que mesmo no Direito Romano, o Direito de Construir tinha certos limites, tendo estes, curiosamente, como principal fundamento, o próprio direito de propriedade do vizinho.

3.4 DA ObRigAçÃO De inDenizAR Ou DemOliR

O ordenamento jurídico brasileiro permite o ingresso da ação demolitó-ria, visando a demolição de edificações ilegais. No entanto, tal medida deve ser tomada apenas em último plano, devendo sempre se buscar a adaptação das obras às normas municipais e ao Código Civil83.

80 KASER, Max. Direito privado romano, p. 143.

81 Ibidem, p. 144.

82 Ibidem, p. 144.

83 Nesse compasso, é exatamente o observado por Silvio de Salvo Venosa: “A ação demolitória pode ser movida contra o responsável pela edificação ilegal. A demolição, no entanto, deve ser a última solução. Sempre há

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A construção gera responsabilidade em diversos sentidos, abrangendo, também, os danos oriundos de vazamentos ou infiltrações, que muitas vezes demoram a serem percebidos, e, quando o são, já tomaram dimensões enor-mes, mas que, em regra, ainda são de responsabilidade do proprietário da cons-trução84.

Seguindo a regra geral adotada pelo Código Civil, a infração aos referidos limites poderá gerar também lucros cessantes, danos emergentes e inclusive danos morais, os quais compõem, ao lado da penalidade, a resposta legal à de-terminada conduta lesiva e antijurídica85. Na prática, entretanto, existem muitos julgados restringindo a condenação em lucros cessantes, por exemplo, dado à dificuldade na visualização e comprovação destes nestas hipóteses.

A lei, quando trata de delimitar os parâmetros do direito de construir, é bem objetiva. Porém, as decisões têm levado em conta, geralmente, a lesi-vidade da conduta e a sua repercussão no patrimônio do ofendido, ou seja, se prejudicou ou não o vizinho, e, caso positivo, de que forma. Isto se deve à própria sistemática do Código Civil, que prevê, como condição sine qua non, a presença de dano para que exsurja a obrigação de indenizar86, segundo dis-põem os arts. 186 e 927 do Código Civil.

que se buscar a possibilidade de adaptação da obra ou da edificação aos regulamentos administrativos e às restrições de vizinhança. Nesse sentido, há de ser interpretada a norma. Em qualquer hipótese, provada a responsabilidade e o nexo causal, deve ocorrer indenização pelos prejuízos. Essa responsabilidade independe de culpa, decorrendo da simples vizinhança. A idéia é a de que os vizinhos estão ligados por uma obrigação legal de não causarem reciprocamente quaisquer prejuízos” (Direito civil, p. 254).

84 No ponto: “A responsabilidade pela reparação dos prejuízos, derivados, por exemplo, de infiltrações ou de vazamentos, pode compreender, em certas hipóteses, a obrigação exclusiva de quem deu causa ao dano. Quem está compelido a evitar seqüelas prejudiciais ao vizinho responde diretamente pelo atraso ou ausência de providência que lhe competia” (FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil, p. 137). E a jurisprudência disso não diverge: “Sendo certo, como dispõe o Código, que o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos, também não resta dúvida que, demonstrados pelas provas carreadas aos autos os danos causados no imóvel, provenientes das obras de edificação correspondente, impõe-se o dever de indenizar” (TJPR, AC 0056337-1 (6511), 6ª CCív., Rel. Des. Antônio Lopes de Noronha, DJ 09.04.2001). No mesmo prisma: “Nada obstante, consoante acentuado, no que concerne às obrigações de reparação decorrentes das relações de vizinhança, a idéia da objetivação também está presente na jurisprudência, que acolheu a idéia segundo a qual a responsabilidade do direito de vizinhança não decorre do ato de construir, e sim da lesividade da construção, devendo os lesados demonstrar nada mais que a prova e o nexo de causalidade entre a construção vizinha e dano, visto que estabelecido esse liame surge a responsabilidade objetiva de quem ordenou a obra lesiva” (TAMG, AC 0323165-0, 3ª CCív., Rel. Juiz Duarte de Paula, J. 02.05.2001).

85 Nesse diapasão: “Lucros cessantes e danos emergentes compõem, ao lado da demolição como penalidade, a resposta legal a essa violação. Danos são os prejuízos reais ou efetivos; perdas correspondem à frustração de legítima expectativa de ganho” (FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao código civil, p. 238).

86 “Responde por perdas e danos, prevê o art. 1.312, aquele que violar as proibições ao direito de construir. De acordo com o que já se decretou na jurisprudência, a responsabilidade do direito de vizinhança não decorre da ilicitude do ato de construir, e sim da lesividade da construção, devendo os lesados demonstrar nada mais que a prova da lesão e o nexo de causalidade entre a construção vizinha e o dano, visto que estabelecido esse liame surge a responsabilidade objetiva de quem ordenou a obra lesiva” (TAMG, AC 0323165-05, 3ª CCív., Rel. Juiz Duarte de Paula, J. 02.05.2001).

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3.5 DA tRAnsfeRênCiA

A superlotação das grandes cidades que, inevitavelmente, culmina na falta de espaços em todos os lugares, vem gerando transtornos de grande monta a toda coletividade, o que vem chamando a atenção de arquitetos, engenhei-ros, urbanistas e demais profissionais da área, em busca de soluções para tais problemas. E, como o direito é o crivo por onde tais medidas obrigatoriamente devem passar para ter a legalidade que os atos desta natureza desafiam, os ju-ristas debatem constantemente o norte a ser seguido para melhorar a situação caótica em que se encontram nossas metrópoles87.

No anelo de tentar suprir tais necessidades sociais, o coevo Código Civil inseriu em sem bojo a possibilidade da transferência do Direito de Construir à terceira pessoa, por meio do Direito de Superfície. Este é o direito de construir ou plantar em terreno alheio, por um prazo pré-determinado. Seria como se o domínio fosse repartido e o direito de construir fosse transferido ao superficiário.

Erigi-se, pois, em direito sobre coisa alheia, que não afeta o domínio ou adere à propriedade, sendo, por isso, uma exceção ao art. 1.253 do Código Civil, cujo texto estabelece a presunção de que toda e qualquer construção ou plantação existente no imóvel teria sido feita pelo proprietário deste.

Tem-se como objeto do direito de superfície as construções e as planta-ções; a sua natureza é de direito real imobiliário, autônomo, limitado e resolú-vel, já que, quando encerrado o prazo estipulado, o titular da propriedade volta a ter o domínio pleno desta88.

O direito de superfície somente se constitui por meio de escritura públi-ca, que, obrigatoriamente, por ser um direito real, deve ser registrada no cartó-rio de registro de imóveis. Oportuno esclarecer, a propósito, a excepcionalida-de do uso do subsolo. Ordinariamente, a constituição do direito de superfície não abrangerá, via de regra, a utilização também do subsolo, a não ser que seja inerente ao objeto da concessão (cf. art. 1.369 do Código Civil), ou seja, expres-samente convencionado nesse sentido.

A sua concessão pode ser onerosa ou gratuita. Sendo onerosa, caberá às partes acordarem se o pagamento será feito de uma só vez ou em parcelas. Os encargos e tributos, referentes ao imóvel, serão da alçada do superficiário. É permitida a transferência do referido direito a terceiro, e, após a morte do be-neficiado, aos seus herdeiros. Fica vedada, entretanto, a possibilidade de o pro-prietário cobrar alguma coisa por estas transferências. A legislação civil também afiança ao superficiário, no art. 1.373 do Código Civil, o direito de preferência, em iguais condições, em caso de eventual venda do bem. E, no dispositivo

87 BARRUFINI, Natália Liserre. O reconhecimento do direito de superfície no novo código civil e no estatuto da cidade – Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, p. 106.

88 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O direito real de superfície, p. 69.

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seguinte, fica estipulada a resolução do Direito caso a destinação do imóvel venha a ser diferente da convencionada.

Como todo direito resolúvel, a propriedade passará a ser plena novamen-te com a extinção do direito de superfície, seja pelo término do prazo estipulado ou mesmo pelas outras hipóteses nas quais a lei determina a sua extinção.

Em eventual desapropriação do imóvel, será repartida a indenização do bem, em proporção ao direito real de cada um. Todavia, caso o valor indeni-zado seja insuficiente para recuperar os valores investidos pelo superficiário ou mesmo pelo proprietário, ambos terão ação autônoma contra o ente público com fito de buscar reparar os seus prejuízos.

4 A PREVISÃO DO DIREITO DE CONSTRUIR NO ESTATUTO DA CIDADE

4.1 O estAtutO DA CiDADe

A Lei nº 10.257/2001, criada em 1989 pelo Projeto de Lei nº 2.191/1989 e aprovada em dezembro de 1999 na Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da Câmara dos Deputados, foi denominada de Estatuto da Cidade, e buscou regulamentar o capítulo da política urbana da Constituição Federal, por meio do estabelecimento de diretrizes gerais da política urbana, tentando consolidar o Plano Diretor dos Municípios que tenham mais de 20 vinte mil habitantes.

Um dos maiores desafios de nossa época, consoante já afiançamos, é resolver o caos que assola nossas cidades, superlotadas e com precária infra-estrutura. A população desses grandes centros, seguramente, sofre mais do que nossos antepassados, que pouco conheciam de tecnologia e não chegaram a enfrentar tal situação alarmante. Sem ter a pretensão de resolver definitivamente o problema, o Estatuto da Cidade tentou, pelo menos, regulamentar diversas situações com escopo de amenizar a conturbada vida imposta aos habitantes desses grandes centros. No aspecto, não podendo deixar de tratar de tema tão propício e necessário à regulamentação das relações urbanas, como é o di-reito de construir, o Estatuto da Cidade faz menção a ele em dois dispositivos (arts. 28 e 35), os quais ora passa-se a analisar.

4.2 OutORgA OneROsA DO DiReitO De COnstRuiR

Em ambas as hipóteses regulamentadas pelo referido diploma legal, des-tacou-se o direito de construir, chamando-o de direito de superfície89, o qual, como dissemos, é a possibilidade de se ter uma construção ou plantação em

89 RODRIGUES, Francisco Luciano Lima. A proteção do patrimônio cultural. Competências constitucionais municipais e o direito de construir regulado pela Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), p. 5.

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solo alheio, como se fosse cindido o domínio, continuando o solo a ser do proprietário, enquanto este, por sua vez, concederia a terceiro o direito de nele erguer construção e, outrossim, de ser o dono desta90.

É importante destacar, no entanto, que o referido negócio jurídico só pode ser feito com o município. O proprietário do terreno vai então conven-cionar, com o retromencionado ente estatal, a possibilidade de ele construir em área que, por disposição do plano diretor, estaria acima do coeficiente básico adotado91.

Para que tal negócio seja possível é necessária a sua inclusão no Plano Diretor, em legislação Urbanística local, tendo em vista que o Estatuto da Cida-de é uma Lei Geral e, que, por competência constitucional, não é aplicável ao município sem a existência de diploma municipal.

4.3 tRAnsfeRênCiA DO DiReitO De COnstRuiR

Quando houver interesse público, o proprietário poderá transferir o seu direito de construir ou mesmo exercê-lo em outro lugar, desde que a legislação municipal assim autorize. A legislação, mais precisamente o Estatuto da Cidade, considera como de relevância pública a proteção do patrimônio cultural92.

O instituto ora sub examine vem como forma de ressarcimento pela uti-lização do imóvel do cidadão na preservação do patrimônio cultural. Exempli-ficando: o dono de imóvel de valor cultural, mediante escritura pública, troca o seu direito de construir neste bem para fazê-lo em outro; ou, se preferir, aliena-o ao ente público.

É exatamente o que ocorre no tombamento histórico de determinado bem. Na prática, torna-se impossível ao proprietário exercitar o seu direito de construir. Desta forma, transfere-se para outro bem o coeficiente de aproveita-mento e o direito de construir ou, se preferir, poderá ser indenizado pelo Estado em razão da perda do seu direito.

4.4 DifeRençA entRe As espéCies De DiReitO De supeRfíCie

Há diferenças entre a outorga onerosa do direito de construir e a transfe-rência do direito de construir, as quais são oriundas da essência de cada um dos institutos. No primeiro caso, estarão em jogo precipuamente interesses particu-lares, enquanto no segundo, os interesses da coletividade.

90 GOMES, Orlando. O direito de superfície, p. 35.

91 RODRIGUES, Francisco Luciano Lima. A proteção do patrimônio cultural, p. 5.

92 Ibidem, p. 6.

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Na outorga onerosa, o particular poderá exercer o direito de construir de forma diferenciada do seu coeficiente de aproveitamento (sem mudar o local), mediante acerto em dinheiro ou bens e serviços com o ente municipal, predo-minando, pois, o interesse eminentemente privado.

De maneira bastante diversa acontece com a transferência do direito de construir, que se dará por meio da transferência deste para outro local ou res-sarcimento em pecúnia ao proprietário do imóvel, cujo direito de edificar, por exemplo, foi limitado devido ao bem em questão ter sido declarado patrimônio cultural93, defluindo daí o maior interesse da coletividade na preservação e ma-nutenção dessa espécie de direito de superfície.

4.5 O DiReitO De supeRfíCie – bReves menções histÓRiCAs e De DiReitO COmpARADO

O direito de superfície, abordado neste trabalho em relação ao Estatuto da Cidade e ao Código Civil, não era encontrado no Direito Romano nos perío-dos pré-clássico e clássico, mormente porque tudo que fosse construído no solo aderia a ele por acessão94. Ocorre que, no fim do período clássico, surgiu no Direito Romano a necessidade de permitir aos particulares que promovessem construções em bens públicos, ficando o gozo dos bens com os construtores mediante o pagamento de uma anuidade. Aos poucos os particulares come-çaram a convencionar, entre eles, por meio de contratos de arrendamento, a transmissão do direito de construir.

Nesta fase existia apenas um direito obrigacional entre as partes. Porém, com o tempo, o pretor foi lhe conferindo defesa possessória, por meio de inter-dito próprio e específico, consagrando-se aos poucos como um direito real. No entanto, o direito de superfície só se tornou autônomo no direito justinianeu95. A partir daí, a superfície transformou-se em um direito real, alienável e transmis-sível aos herdeiros, com o principal escopo de permitir ao superficiário amplo direito de gozo no bem construído em solo alheio. O superficiário tinha direitos muito amplos em relação à construção, podendo até destruí-la ou vendê-la a quem bem entendesse, inobstante a propriedade não lhe pertencesse. Em mo-nografia, tratando do tema, Francesco Sitizia combate a idéia de que o direito de superfície – mesmo no direito justinianeu – seria equivalente à propriedade, por considerar o último como um direito muito mais amplo e pujante96.

Os glossadores e os comentadores medievais utilizaram o referido direito com um campo de incidência maior do que os romanos, aplicando-lhes não

93 Ibidem, p. 6.

94 PASTORI, Franco. Prospectiva Storica del Diritto di Superfície in Studi in Memoria di Guido Donatuti, p. 871.

95 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano, p. 347.

96 SITIZIA, Francesco. Studi sulla superfície in época giustiniania. Milão: Giufré, p. 109.

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apenas nas construções, mas também nas plantações, além de ressaltar inclu-sive a separação da propriedade do solo com a da construção ou plantação97.

O direito de superfície, relata Bulfoni, teria sido conhecido pelos bár-baros, porém, com diferenças do instituto conhecido em Roma. Existia, para eles, dois direitos de propriedade: um recaindo sobre o solo e outro sobre a superfície98.

Já a Revolução Francesa, por seu turno, baniu a superfície do sistema jurídico francês, e, igualmente, de outras diversas regiões que sofriam influência gaulesa. Mesmo no direito atual, a França não adotou, em seu Código Civil, o Direito à Superfície. Todavia, o Código Austríaco de 1811 acolheu o instituto, o que acabou influenciando o seu ingresso também no ordenamento belga.

No ensejo, destaque-se também o direito português, onde o instituto é previsto no art. 1.524: “O direito de superfície consiste na faculdade de cons-truir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações”. A sua natureza jurídica é de duas proprie-dades paralelas99.

Nos dias de hoje, a superfície encontra-se codificada nos mais diversos ordenamentos; entre eles, v.g., o alemão, o suíço, o italiano, o belga, o espanhol e o chinês.

5 A REVOGAÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE, PREVISTO NO ESTATUTO DA CIDADE, PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O Código Civil nada diz a respeito da revogação expressa – mais pre-cisamente derrogação –100 da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), após a vigência daquele, de modo que o assunto resolver-se-á com a aplicação da Lei de Introdução ao Código Civil .

O incipiente Estatuto Civil regrou o então chamado Direito de Super-fície de uma forma geral e integral, de molde a suplantar os artigos da Lei nº 10.257/2001 que tratam do mesmo tema. É visível, portanto, que a mens legislatoris foi no sentido de reger o assunto de modo completo e inteiro101.

97 BARRUFINI, Natália Liserre. O reconhecimento do direito de superfície no novo código civil e no estatuto da cidade – Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001, p. 107.

98 Bulfoni. Enciclopédia jurídica italiana, p. 745.

99 GUERRA, Armando. Da propriedade horizontal e da propriedade superficiária. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1964. p. 201.

100 Diz-se derrogação por se tratar de hipótese de revogação parcial de uma lei pretérita.

101 Limongi França Rubens explana: “A rigor, o que cumpre ponderar, no caso, é que o preceito antigo é indispensável à elucidação da mens legislatoris do atual, pois, dizendo esse que as disposições gerais ou especiais estabelecidas a par das existentes não revogam a lei anterior, interpretando ao contrário, para logo se nos averiguar estar asseverado que, se não se tratar de disposição de caráter paralelo (‘a par’), a revogação pode operar-se. Na verdade, é confrontando os dois preceitos (o revogado e o vigente) que bem se nos aclara

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E como não houve indicação, por parte do Código Civil, sobre a revogação expressa da referida norma, bem como em função de ambos os diplomas encontrarem-se no mesmo patamar hierárquico e possuírem igual grau de es-pecialidade, restará como aplicável o chamado critério cronológico definido pelo art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução do Código Civil102. Mas, não é apenas a cronologia que solucionará a questão da revogação da retromencionada lei. O fato que – de modo inequívoco e cabal – definirá a vigência ou não dos artigos que regulam o direito de superfície no Estatuto é a parte final do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução do Código Civil, posto que, in casu, tem-se uma lei posterior que regula “inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. Aí está a importância da descoberta da já aludida mens legis. Se se verifica desde logo a intenção de substituir um regramento inteiro, cessando desde logo qualquer dúvida sobre a vigência de dispositivos esparsos sobre o tema, deixa de ter sentido o cotejo de artigos de cada uma das leis para o fim de se identificar eventuais incompatibilidades.

Paulo Lacerda também aventou a ocorrência de tal fenômeno nestas hi-póteses, em que uma norma posterior disciplina integralmente matéria regida por lei anterior: “O ânimo do legislador não é conservar o sistema antigo, mas, pelo contrário, substituí-lo por outro, que estabelece. Em conseqüência, o legis-lador entende aniquilar totalmente as leis reguladoras da matéria, sem distinguir entre gerais e especiais, como condição inevitável para a implantação de um regime jurídico integral diferente”103. E não tem força o argumento de que o Estatuto da Cidade seria um microssistema, tal qual o CDC, frente ao § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil. Isto porque, o referido dispositivo trata da questão abrangendo todas as legislações, de forma genérica, não caben-do ao intérprete excepcionar onde o legislador não o fez.

Com sua habitual proficiência, quem dá um panorama geral sobre como se processa o fenômeno em comento é o Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr.:

“A revogação global ocorre por meio de uma norma revogadora implícita, sem a necessidade de incompatibilidade, bastando que a nova norma, por exemplo, discipline integralmente uma matéria, mesmo repetindo certas disciplinas da nor-ma antiga. Assim, se viesse a ser promulgada uma lei geral das obrigações, ainda que esta repetisse muitas disposições do Código Civil e Comercial, todas elas ficariam revogadas porque a matéria foi reformulada integralmente.”104

a intenção do legislador de reconhecer a coexistência de normas gerais, ou especiais, que, versando embora a mesma matéria, se não contradigam� (Hermenêutica jurídica, p. 110).

102 O Projeto do Código Civil e a Lei nº 4.591/1964 são leis ordinárias federais. A espécie normativa é a mesma, provinda de idêntica entidade federativa, não havendo que se falar, pois, em distinção hierárquica entre elas.

103 LACERDA, Paulo de. Manual de código civil brasileiro, p. 321.

104 Introdução ao estudo do direito, p. 183.

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A referida linha de pensamento vem sendo seguida também por Edílson Pereira Nobre Júnior105, o qual – em recente trabalho publicado na Revista Fo-rense – defende a derrogação dos dispositivos da Lei denominada Estatuto da Cidade, em razão do estatuto civil dispor agora da matéria por inteiro.

Com base no acima exposto, bem como na redação literal do art. 2º, § 1º, in fine, do Decreto-Lei nº 4.657/1942, emerge inarredável, portanto, a ilação de que a Lei nº 10.257/2001 foi realmente derrogada pela vigente codificação ci-vil, na parte em que disciplinava o direito de superfície, que desde então passou a ser regido somente por este último diploma.

6 A CONSTRUÇÃO COMO FORMA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE O novo Código Civil inova em várias vertentes, destacando-se, prin-

cipalmente, na sua preocupação com a função social, seja do contrato, bem como da propriedade e mesmo da posse. Por isso, diversos dispositivos tentam protegê-la em razão das mais diversas situações jurídicas existentes no dia-a--dia forense.

Ao tema ora desenvolvido interessa a norma inserida pelo parágrafo úni-co do art. 1.255: “Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa fé, plantou ou edificou, adquirirá a pro-priedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo”. Nota-se, com a leitura da norma, a exaltação da função social da posse, inclusive com efeitos diretos na aquisição da propriedade. O legislador previu uma nova forma de aquisição da propriedade, agora, todavia, por intermédio da construção promovida pelo possuidor de boa-fé. A Professora Maria Helena Diniz faz menção à ocorrência de uma acessão invertida in casu, na qual se verifica uma flagrante divergência da regra de que o acessório segue o principal106.

O referido instituto certamente causará polêmica, destacando, por ora, à guisa de exemplo, a situação do locatário que tenha promovido nova constru-ção no prédio locado, e seja essa mais valorosa do que este. No sistema antigo, a jurisprudência vinha entendendo pela desnecessidade de indenizar, na hi-pótese do contrato já deixar convencionado a integração ao bem de eventuais construções107. Parece que, nesse particular, nada mudou. Desta feita, existindo relação jurídica entre as partes (v.g., locação) que acabe por ilidir a boa-fé do possuidor, até por questão de lógica e bom senso, deve-se entender que tal nor-

105 Ob. cit., p. 81.

106 “Ter-se-á, nesta hipótese, uma acessão invertida, em que a construção, ou a plantação, passará a ser considerada como principal, descaracterizando a regra de que o acessório segue o principal” (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado, p. 765).

107 “Se as partes avençaram no contrato que as construções passariam a fazer parte integrante do imóvel locado descabe qualquer indenização” (2º TACivSP, 2ª C., Ap 59952600, Rel. Juiz Viana Cotrim). No mesmo sentido: 2º TACivSP, 6ª C., Ap 308993, Rel. Juiz Soares Lima.

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ma não seria aplicável, sob pena de fomentar e premiar a má-fé, notadamente por já existir regulamentação em contrário disciplinando a relação subsistente entre as partes.

Convém recordar, a propósito, o direito português, onde o referido ins-tituto é previsto no caput do art. 1.340 nos mesmos termos do ordenamento pátrio. Porém, o dispositivo lusitano vai mais longe, prevendo, em seus incisos, soluções diversas para alguns dos muitos problemas que a sua aplicação poderá causar na prática. Entre eles, fica estipulado que, na hipótese do valor da cons-trução ser o mesmo do imóvel, haverá licitação entre proprietário e possuidor. Ainda, entender-se-á presente a boa-fé se o autor da obra desconhecia que o terreno era de propriedade alheia ou fora autorizado a promover a incorpo-ração108.

Na exegese dos dispositivos do Código Lusitano, a jurisprudência vem se posicionando no sentido de só possibilitar a referida aquisição quando a autorização para a construção da obra ou plantação tenha sido feita pelo pro-prietário, nos termos do verbete: “A implantação de uma construção em terreno alheio sem qualquer prévia autorização dos donos constitui mera usurpação e não é susceptível de integrar os requisitos da acessão industrial imobiliária”109. Ademais, o ônus de se provar a boa-fé cabe ao pretenso adquirente, e não ao dono do prédio provar a má-fé do construtor110.

A ciência do Direito deve ser sempre praticada para a resolução dos problemas, com ênfase na aplicação e interpretação das normas. Dessa forma, voltando-se agora ao texto legal brasileiro, tem-se como ponto chave do artigo ora comentado a boa fé. Mas o que seria a boa fé? Também convém indagarmos como aplicaríamos essa boa fé ao caso ora analisado.

A boa fé tem fundamental papel na atualidade jurídica e exige uma pes-quisa aprofundada, por parte da ciência jurídica, capaz de definir com certa clareza o seu alcance e as suas conseqüências. Nesse passo, vale colacionar os escritos pinçados da obra de Menezes Cordeiro, acerca da importância e aplicação da boa-fé na atualidade: “A boa fé surge, com freqüência, no espaço civil. Desde as fontes do Direito à sucessão testamentária, com incidência deci-siva no negócio jurídico, nas obrigações, na posse e na constituição de direitos

108 Código Civil português: “Art. 1.340 (Obras, sementeiras ou plantações feitas de boa-fé em terreno alheio) – 1. Se alguém, de boa fé, construir em obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor das obras, sementeiras ou plantações. 2. Se o valor for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no nº 2 do art. 1.333º. 3. Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indenizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação.”

109 STJ, 07.11.1969: BMJ, 191º-272; idem, STJ, 07.11.1967: BMJ, 191º- 262.

110 “Aquele que pretende fazer valer a acessão industrial imobiliária cumpre alegar e provar os factos suceptíveis de integrarem a sua boa-fé.”(RC 14.07.1978: BMJ, 280º-393)

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reais, a boa-fé informa previsões normativas e nomina vectores importantes da ordem privada”111.

A boa-fé no incipiente código civil tem uma presença constante e pro-picia a sua efetividade, pois em mais de um ponto faz-se menção a ela como alicerce de diversos institutos. Daí a necessidade de um breve cotejo acerca de sua abrangência e exata conceituação terminológica.

Destaca-se, no Direito europeu, como fontes da boa-fé, cada qual com suas conseqüências diferentes: o Direito romano, o Direito canônico e o Di-reito germânico. O primeiro deles colocou na história do Direito europeu a palavra boa-fé, com os mais diversos sentidos. Exemplo claro era perceptível na busca de uma justiça material quando se falava em contratos112. O Direito canônico, sofrendo influência do Direito romano, emprestava à boa-fé uma visão axiológica de pecado, pois a considerava presente quando não havia pecado113. Por fim, o germânico insere a boa-fé no mundo jurídico; a tutela da forma, da publicidade e a proteção da confiança, com base em sinais ex-teriores114.

O Código de Napoleão, de 1804, foi um dos acontecimentos mais im-portantes da história do Direito, tendo um papel importantíssimo em formar novos parâmetros no direito europeu. Inseriu inúmeras remições e referências em seu bojo sobre a boa fé, como, por exemplo, os arts. 201 e 202 (casamento putativo); 549 e 550 (possuidor de boa fé); 555 (acessões); 2.009 (terceiro de boa fé); 2.265, 2.268 e 2.269 (boa fé na prescrição)115. Tal codificação, puro ato de Estado, não seguiu a orientação evolutiva da ciência do Direito, resultando então em um positivismo prematuro de tipo exegético. O contrário aconteceu na Alemanha, onde surgiram construções jurídicas inovadoras.

Já a boa-fé em Savigny teve a influência da sua teoria subjetivista, enten-dendo que somente estaria presente a mesma quando o possuidor da coisa esti-vesse convencido de estar amparado pelo ordenamento no exercício da posse. As suas formulações refletiram na opinião de outros doutrinadores, como Wes-tphals, que também apostila estar presente a boa fé nas relações possessórias quando o possuidor acredita ser efetivamente o proprietário116.

111 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha Menezes. Da boa-fé no direito civil, p. 17.

112 Ibidem, p. 202.

113 Ibidem, p. 202.

114 Ibidem, p. 202.

115 Ibidem, p. 246.

116 WESTPHALS, Ernst Christian. System dês Romischen Rechts uber die Arten der Sachem, p. 597.

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A doutrina alemã também se manifesta, por Von Keller, quando afirma ser possuidor de boa fé aquele convicto de possuir determinado bem na condi-ção de autêntico proprietário117.

Do exposto, fica bem evidente que a manifestação da boa fé é fruto da confiança que o possuidor deve ter em ser o fidedigno detentor da prerrogativa de edificar em determinado local. A locução “aparência” vem sendo utilizada constantemente na Itália e em Portugal, como justificativa para ser protegido determinado direito, por se entender presente a boa-fé118.

É indubitável que o valor jurídico da intenção só se manifestará quando o ato tiver efeitos jurídicos favoráveis ao agente, haja vista ser a boa-fé a vontade conforme o direito, trazendo como principal efeito o suprimento de certas defi-ciências, dentro de um limite de forma dos atos jurídicos e, conseqüentemente, gerando direitos119.

E a má-fé, o que é? Existem julgados no Brasil considerando que o simples fato de a construção ter sido feita sem alvará municipal, fora da legalidade impos-ta pelas leis municipais, já implicaria em má-fé e, como tal, não gozaria o possui-dor das benesses outorgadas ao detentor de boa-fé120. É certo, todavia, segundo pensamos, que parece um pouco exagerado o critério adotado em tal julgado, devendo, para aferição da má-fé, serem utilizados os critérios exatamente con-trários àqueles que evidenciam a boa-fé, elencados acima, sempre perquirindo a consciência do agente acerca da relação jurídica que possui com o dono do imóvel. Portanto, a norma concede ao possuidor de boa-fé o direito de adquirir a propriedade, mediante o pagamento de indenização, quando nele tenha constru-ído ou plantado, e as benfeitorias se tornem maior que o valor bem121.

CONCLUSÃOO direito de construir é o espectro da propriedade, e consiste, justamen-

te, na possibilidade jurídica do proprietário levantar construções em seu imóvel, ressalvados os Direitos de vizinhança – protegidos em regra pelo Código Civil – e as regras urbanísticas previstas pelo município, ou, até, eventualmente, pelos próprios loteadores, em casos de condomínios. Entender-se-á por construção, segundo autorizada doutrina, toda e qualquer reforma, ampliação, acréscimo ou demolição decorrente de atividade humana.

117 KELLER, Friedrich Lewis von. Pandekten: vorlesungen aus dem nachlass, Ausgabe: Gebundene, 1998. p. 209.

118 JORGE, Fernando S. L. Pessoa. A proteção jurídica da aparência no direito civil português, p. 69.

119 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito, p. 432.

120 “Atividade ilícita. Má-fé. Não se pode interpretar como boa-fé uma atividade ilícita. A construção foi erguida sem qualquer aprovação de projeto arquitetônico e iniciada sem a prévia licença de construção, fato bastante para caracterizar a má-fé do recorrido.” (STJ, 1ª T., REsp 245758-PE, Rel. Min. José Delgado, v.u., DJ. 11.04.2000)

121 Cf. art. 1.245 do Código Civil.

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Erigi-se em direito por demais amplo, que decorre do pujante direito de propriedade, cujo histórico, durante toda a evolução do direito no mundo intei-ro, desde os primórdios, sempre foi de grande relevo e destaque na sociedade, além de perene fonte de conflitos. Poderá albergar tanto o solo, subsolo como o espaço aéreo, e em nosso ordenamento, a exemplo do sistema lusitano, a regra será sempre a liberdade do proprietário em construir, enquanto as limitações, que deverão vir textualmente elencadas – seja no código civil, nas leis munici-pais ou demais regulamentos administrativos –, serão as exceções.

Nesse contexto, importante anotar que a compreensão da propriedade constitui-se, a toda evidência, no ponto nodal para o desenvolvimento do pre-sente trabalho e a própria compreensão do tema proposto, dado ser ela a matriz dos direitos reais, o objeto central de estudo do Direito das Coisas, e, finalmen-te, a pedra angular do direito de construir.

Não se pode deslembrar, aliás, do papel sobremaneira relevante da pro-priedade em toda história da humanidade. Em regimes como o Feudalismo, por exemplo, era tida como seu sustentáculo. Para se manter nesse patamar de re-levo e proeminência durante tanto tempo, todavia, teve que se amoldar à cul-tura ideológica de cada época e respectivo momento histórico. Em determina-das épocas chegou a ser absoluta, podendo seu detentor dela tudo fruir, como, v.g., em Roma ou na França. Aos poucos, contudo, aos titulares do domínio fo-ram sendo impostos também deveres, além das garantias já subsistentes. Marco na história da humanidade foi deixado pela Constituição de Weimar, quando se afirmou pela primeira vez, de maneira inédita, que a propriedade também obriga.

Chegando aos dias atuais com nova feição e roupagem, moldado preci-puamente pela função social, o domínio pode ser sintetizado no dever do pro-prietário em exercitar o seu direito segundo a legislação vigente e de conformi-dade com os interesses da coletividade, segundo reza o art. 1.228 e parágrafos do Código Civil, entre outros, sob pena de, em assim não procedendo, sofrer as sanções e penalidades preconizadas na Constituição, na lei civil e municipal.

Tendo-se em vista que o estatuto substantivo civil tratou da matéria de maneira perfunctória e geral, importante para se traçar os lindes e parâmetros em que será exercido o direito de construir é sempre ter em mente o que dispõe, além daquele (CC), outrossim, a legislação municipal, os eventuais regulamen-tos administrativos existentes (ou normas condominiais), bem como utilizar o critério da normalidade para dirimir eventuais conflitos, sempre interpretando casuisticamente cada situação, máxime em caso de lacuna legal ou divergência na exegese de determinada norma ou regulamento.

O descumprimento de qualquer dessas disposições poderá tanto gerar a paralisação da obra como culminar na obrigação do agente indenizar (seja por danos materiais, lucros cessantes, e até por danos morais) ou demolir, variando

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a solução também segundo o caso concreto, os valores envolvidos e a própria repercussão do dano.

A hodierna codificação civil se preocupa, inclusive, em regular a transfe-rência desse direito, regulamentando, assim, o chamado de direito de superfície, que nada mais é do que uma espécie de cisão do domínio, quando o proprietá-rio outorga a terceira pessoa (denominada superficiária) o direito de construir ou plantar, reservando para si o domínio do imóvel. Haja vista ter disciplinado tal fenômeno de forma ampla e integral, o diploma civil acabou por derrogar, nesse particular, o Estatuto da Cidade, que desde 2001 regia o instituto.

Por derradeiro, de se registrar que, no novel estatuto civil, o direito de construir seguiu basicamente as mesmas diretrizes esculpidas no Código de 1916, com algumas pequenas nuances e variações, conforme procuramos de-monstrar ao longo deste trabalho. Entretanto, merece especial relevo o art. 1.245 do NCC, em seu parágrafo único, cujo texto inseriu no ordenamento jurídico modificação substancial, sem correspondente na legislação revogada, permitin-do agora ao possuidor de boa-fé a aquisição do imóvel, mediante pagamento do seu valor ao proprietário, na hipótese da construção levantada por ele ser de maior valor que o próprio bem.

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Parte Geral – Doutrina

Os Instrumentos Urbanísticos Delineados pela Constituição Federal Como Eficientes Mecanismos para o Cumprimento da Função Social da Propriedade Imóvel Urbana

EMERSON JARDIM KAMINSKIJuiz de Direito do Estado do Rio Grande do Sul.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Evolução histórica do direito de propriedade; 1.1 Antiguidade clássica; 1.2 Perío-do feudal; 1.3 Revolução Francesa e suas consequências; 1.4 Estado Socialista; 1.5 Estado Democrático de Direito; 2 Função social da propriedade; 2.1 Linhas gerais; 2.2 Contornos jurídicos da função social da propriedade no Direito brasileiro; 2.3 Conteúdo do princípio à luz da Constituição Federal de 1988; 3 Os instrumentos urbanísticos delineados pela Constituição Federal como eficientes mecanismos para o cumprimento da função social da propriedade imóvel urbana; 3.1 Considerações gerais; 3.2 Instru-mentos urbanísticos; 3.2.1 Parcelamento e edificação compulsórios; 3.2.1.1 Parcelamento compulsório; 3.2.1.2 Edificação compulsória; 3.2.2 IPTU progressivo; 3.2.3 Da desapropriação; 3.2.3.1 Linhas gerais; 3.2.3.2 Conceito; 3.2.3.3 Da desapropriação e o urbanismo; 3.2.3.4 Da desapropriação da sanção; Con-clusão; Referências.

INTRODUÇÃOÉ patente que as condições de vida nas cidades brasileiras nunca se apre-

sentaram tão degradadas como ao longo das últimas décadas. Sem dúvida, essa realidade decorre das inegáveis mazelas emergentes do intensificado processo de urbanização brasileiro, entre os quais se destacam o grave desequilíbrio so-cial, os problemas ambientais, a carência de empregos, de moradias e transpor-tes públicos adequados, a poluição crescente e a falta de saneamento básico para grande parte da população que vive em cidades.

Desse contexto, redundante na perpetuação do crescimento desordena-do das cidades, emerge a necessidade de estabelecer-se um rigoroso controle por parte do Poder Público, especificamente o municipal, a fim de que a qua-lidade de vida e o bem-estar da comunidade sejam alcançados, estancando-se a proliferação de aglomerados habitacionais e estabelecendo-se verdadeiros espaços de dignificação humana, cumprindo com uma das mais significativas promessas da República, insertas no art. 3º da Constituição Federal de 1988.

Associando-se, assim, referida necessidade à nova realidade do direito de propriedade urbana, flagrantemente relativizado pela imposição constitucional de atender ao interesse coletivo, do que se vislumbra um conflito de interesses de menor repercussão social (interesses privado e público de menor escala se assim se pode identificar), e outro de maior repercussão social (interesse parti-

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cular do titular do direito de propriedade privada e o interesse social de orde-nação da cidade), decorrente dos fins urbanísticos, atrelados que estão, estes, ao imóvel urbano, tem-se, por certo, que, através da efetiva implementação dos instrumentos urbanísticos alinhavados na Carta Política de 1988, será possível ordenar adequadamente as cidades, fazendo-se cumprir sua função social.

Este, aliás, o significado utilizado pela atual Constituição Federal ao es-tabelecer a política urbana, na medida em que dentre os objetivos fundamen-tais da República, delineados no preâmbulo da Carta Magna, encontram-se a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicação da pobreza e da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais, de sorte que tinha o legislador evidente preocupação com a explosão demográfica que trans-formou o Brasil rural em Brasil urbano, de tal sorte que a população urbana em 1900 representava 9,40% da população brasileira, enquanto em 1940 já repre-sentava 31,24%; em 1970 representava 55,92% e no ano de 2000 representava 81,23%, o que comprova a rápida transformação no deslocamento massivo da população rural para centros urbanos (Pereira, 2003).

E como tal crescimento da população urbana, na grande maioria das ve-zes, não se faz de maneira ordenada, ocasionando distorções na geografia das cidades e dificuldades de locomoção ou transporte, segregação e, em última instância, prejuízos econômicos, ambientais e sociais de toda ordem, as inter-venções do Poder Público se tornam imprescindíveis.

A Carta Magna de 1988, assim, de forma diferente das anteriores, inseriu entre as competências da União, expressas no art. 21, a de instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento e transporte urbanos, expressando, ainda, através do disposto pelo art. 182, a mesma ascen-dência das normas federais, voltadas ao regramento do desenvolvimento das cidades e da função social destes aglomerados populacionais, estabelecendo diretrizes para o desenvolvimento urbano, que deverão ser observadas e segui-das pelo Poder Público municipal.

E, ainda, o sistema constitucional brasileiro vigorante desde então de-dicou um capítulo – Da Ordem Econômica e Financeira – à política urbana, estabelecendo que a “propriedade urbana cumpre sua função social, quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” (art. 182, § 2º, da Constituição Federal), decorrente de uma política de desenvolvimento urbano, a cargo do Poder Público Municipal, visando justa-mente a implementar as funções sociais da cidade, garantindo o bem-estar de seus habitantes (art. 128, caput, da CF).

Significou dizer que não se pode permitir aos proprietários do solo que sejam os únicos protagonistas do processo urbanístico, pois a localização, a extensão, a configuração, a magnitude de uma cidade não são nem podem ser realizações exclusivamente privadas, pois seria consagrar uma anarquia urba-nística, assim como também não se pode mais permitir que os proprietários

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do solo não edificado continuem a utilizá-lo como mercadoria ou reserva de capital, servindo-se da faculdade do não-uso do imóvel para aguardar o melhor momento para a obtenção de maior retorno econômico, via de regra resultante de investimentos públicos em equipamentos urbanos e comunitários, para os quais contribuíra somente com o pagamento do imposto sobre o solo.

Da mesma forma, embora se reconheça quão importante é o solo urbano na ordenação racional da cidade, não se admitiu, sem ressalvas, a chamada socialização de terrenos urbanos ou municipalização destes terrenos, ou seja, a transferência de toda propriedade urbana para o domínio público.

Assim, a par da existência de conhecidas e antigas limitações adminis-trativas à propriedade privada, há agora, pelo tratamento dado à matéria pela Constituição Federal, evidente e efetiva disposição de harmonização do interes-se individual do titular do direito de propriedade imobiliária urbana ao da cole-tividade que formam as conhecidas cidades, disponibilizando-se instrumentos de atuação concreta na implementação dos objetivos de organização dos espa-ços habitáveis para redução, senão eliminação, da segregação residencial e das desigualdades sociais.

Portanto, para que o administrador público municipal possa bem exercer os programas de ordenação da cidade, faz-se necessário lançar mão de bem compreendidos e acessíveis instrumentos urbanísticos previstos na Constituição e regulamentados pelo Estatuto da Cidade, quais sejam: parcelamento e edifica-ção compulsórios, imposto progressivo e desapropriação-sanção.

Com base nesta destacada realidade e diante da existência de suficiente instrumental legal apto à minimização senão eliminação das dificuldades cres-centes no estabelecimento dos espaços de desenvolvimento humano e social, é que se pretende que este estudo valha como uma contribuição para a aplicação concreta de um preceito legal, enfim, para a efetividade da função social da propriedade à luz das possibilidades trazidas pelas normas constitucionais e infraconstitucionais, muito embora não se negue que a função social da pro-priedade, passados mais de dezenove anos da promulgação da Carta Magna, ainda soa um tanto inócua na prática, não se realizando de modo efetivo no quotidiano das cidades.

A partir desta temática central, o trabalho pretende contribuir com argu-mentos jurídicos que viabilizem a aplicação da função social da propriedade, seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial, privilegiando a identifica-ção dos argumentos jurídicos mais eficientes ao propósito de subsidiar a aplica-ção do propalado princípio constitucional de modo a torná-lo concretamente o propulsor na ordenação das cidades.

Será objeto de exame neste estudo, portanto, a identificação de eventual relação de afetação da propriedade imóvel urbana à função social preconizada pela Constituição Federal, bem como se desta eventual relação advêm restrições

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e obrigações para o titular do direito de propriedade, definindo-se, ainda, detalha-damente, quais os instrumentos de sede constitucional destinados a organizar os espaços habitáveis de modo a propiciar melhores condições de vida à população urbana, facilitando-se, assim, a atuação eficiente dos administradores públicos municipais na definição das políticas de organização das cidades.

O estudo será desenvolvido em três partes. Na primeira, será abordada a evolução da noção de propriedade ao longo da história, buscando situar o con-texto dentro do qual surgiu e ganhou corpo a idéia de sua funcionalização. Na segunda, serão delineados os contornos jurídicos da função social da proprie-dade e analisada a sua evolução ao longo do histórico do constitucionalismo brasileiro e também da legislação infraconstitucional pátria. Na terceira e última parte, será desenvolvido o tema central do trabalho, qual seja, a identificação e o detalhamento dos diferentes instrumentos urbanísticos delineados pela Cons-tituição Federal para o efetivo cumprimento da função social da propriedade imóvel urbana.

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE PROPRIEDADEA inexistência de conceito único e absoluto do direito de propriedade

que se tenha mantido intocável ao longo dos anos impõe o delineamento, ainda que breve, do panorama da evolução da noção de propriedade em cinco mo-mentos determinados e determinantes da história da humanidade: Antiguidade Clássica, Período Feudal, Revolução Francesa, Revolução Russa e Contempora-neidade (Estado Democrático de Direito).

É preciso destacar, inicialmente, que o direito de propriedade ainda ocu-pa um lugar privilegiado nas relações jurídicas, seja entre indivíduos, seja entre entes públicos, pois, além de se constituir em um direito previsto entre os mais remotos ordenamentos jurídicos de que se tem notícia, a propriedade é, tam-bém, uma noção cultural construída e absorvida por todas as pessoas, mesmo que de maneira muito variada (Mattos, 2003).

Por essas circunstâncias, é possível afirmar que a propriedade surgiu e se mantém como uma necessidade social a partir da escassez de bens. Dentro desta concepção, ela não é um direito natural. A propriedade é uma construção do homem a partir da necessidade de enfrentar a adversidade característica de um dado momento histórico, traduzida na escassez de bens apropriáveis. Curio-samente, no entanto, essa situação humana acabou por contribuir mais ainda para a mencionada escassez, como se verificou nos períodos que sucederam o surgimento de fato da noção de propriedade (Mattos, 2003).

1.1 AntiguiDADe ClássiCA

A propriedade, compreendida como a potestate individual excludente da ingerência de outrem sobre um bem, está fundamentalmente ligada aos meios

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de produção. No primitivismo dos primeiros agrupamentos humanos, não há lugar para a propriedade como a conhecemos hoje, senão sob a forma rudimen-tar de domínio sobre um mínimo de bens individuais de uso pessoal (Mezzomo, 2003).

A noção de propriedade individual ampla fora firmada especialmente na Grécia e em Roma, fundada em um modelo de família gentílica em que o pater familiae desenvolvia liderança no grupo.

Entre os gregos, a propriedade era de importância fundamental na estru-turação da polis. O cidadão grego tinha uma preocupação extremada com a proteção de sua cidade contra a invasão estrangeira, e os reflexos desse temor incidiam diretamente na conotação dada à propriedade: sagrada, indivisível, individual e familiar.

Platão e Aristóteles já tratavam da propriedade àquela época com a preo-cupação voltada para a proteção dos limites do solo grego contra a apropriação por estrangeiros (Mattos, 2003).

Em Roma, as tribos consistiram na primeira forma de propriedade, dando início à formação da cidade nos primórdios daquela civilização. A propriedade era essencialmente coletiva no sistema tribal; não havia proprietários indivi-duais de terras. Toda terra cultivada era inalienável e de propriedade da tribo, sendo que seus membros podiam explorá-la, prevalecendo, portanto, apenas um direito de gozo. Num segundo momento, a propriedade romana assume um formato familiar, vinculada ao pater familias. Ali, o chefe de família recebia uma faixa de terra e a cultivava durante toda a vida; após sua morte, a terra era passada aos filhos. Com o avanço da civilização romana, essa concentração de poderes no grupo familiar perdeu o vigor e passou a se localizar no indivíduo. Assim é que os integrantes do grupo familiar foram, pouco a pouco, adquirindo certos “direitos individuais”, de que são exemplo o dote e o pecúlio castrense, transmudando o traço familiar de propriedade para o individual (Mattos, 2003).

Três estágios, então, podem ser apontados na evolução da noção de pro-priedade entre os romanos: propriedade coletiva, propriedade familial e a pro-priedade individual. Essa última é que prevalecerá por mais tempo, tornando-se paradigma da noção do direito de propriedade que por tanto tempo vigorou no Ocidente, posto que se caracterizara por ser tipicamente absolutista, estando à disposição de seu proprietário, que a podia utilizar – como não a utilizar – como bem entendesse, revelando-se verdadeiro ponto de partida dos três famo-sos atributos do domínio, o jus utendi, o jus fruendi e o jus abutendi.

No entanto, na medida em que as relações sociais tornaram-se mais com-plexas, esse caráter individualista foi sendo gradativamente atenuado.

Na Lei das XII Tábuas, já havia menção a algumas limitações à proprie-dade, basicamente referentes a normas de vizinhança e ao estabelecimento de faixas de recuo para a construção de imóveis em relação às vias públicas. Mui-

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tas dessas normas inspiraram fortemente o Direito brasileiro, cuja tradição se filia à matriz romano-germânica.

Assim, na Antiguidade Clássica, a propriedade apresentou-se com traço característico de individualista.

1.2 peRíODO feuDAl

Entre as diversas razões apontadas para o surgimento do feudalismo, encontram-se a da preocupação com a segurança e defesa das propriedades privadas e a profunda desigualdade social, que também estava na base das crescentes invasões de terra, levando a perdas e a insatisfações de toda a sorte entre os proprietários. As terras, então, passaram para o domínio do soberano – o que se chamou de domínio eminente – e a sua utilização – domínio útil – foi garantida aos antes proprietários, que passaram a feudatários (Mattos, 2003).

Essa mudança de concepção acerca da propriedade permite a afirmação de que, durante o período feudal, a propriedade humanizara-se em relação à noção romana predominante até então. O proprietário feudal devia cumprir determinados deveres para com a propriedade em troca da segurança, o que redundou, a partir da cisão entre o domínio útil e o eminente, em profunda mudança da principal característica da noção de propriedade, a unidade, resul-tando na coexistência de dois direitos estipulados em hierarquia segundo a qual os do feudatário deveriam submeter-se aos do soberano.

O período feudal influenciou fortemente o direito ocidental. Alguns insti-tutos jurídicos como a enfiteuse e o fideicomisso foram bastante valorizados na-quele período. Clóvis Beviláqua cita as capitanias hereditárias do Brasil colonial como categorias tipicamente dotadas de feição feudal, por terem aproveitado em grande medida a forma de desdobramento de domínio (Mattos, 2003).

Contudo, uma ressalva importante merece destaque, já que o Cristia-nismo exerceu influência sobre a noção de propriedade na chamada primeira fase da Idade Média, sendo seus expoentes Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho, integrantes da Escola Patrística, cuja idéia central era a de que a pro-priedade da terra consistia-se num meio injusto de poder. São Tomás de Aquino defendia a idéia de uma propriedade individual que atendesse aos interesses coletivos, muito embora estivesse vivendo numa sociedade altamente elitizada, na qual o bem comum era definido pelo clero e pela nobreza (Mattos, 2003).

O pensamento tomista é considerado, hoje, como o antecedente do prin-cípio da função social da propriedade, que, no curso de sua evolução, ainda incorporaria idéias de outras procedências (Mattos, 2003).

1.3 RevOluçÃO fRAnCesA e suAs COnseqüênCiAs

Segundo a doutrina, a insatisfação dos detentores de riqueza que tinham posses, mas não tinham poder, num contexto marcado pela aguda centraliza-

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ção do poder nas mãos do Rei, está na origem do movimento que culminou na Revolução Francesa (Mattos, 2003).

Conforme registro de Liana Portilho Mattos:

“[...] contexto político da época era caracterizado pela disputa de poder, no qual o rei mantinha-se à custa do grave conflito entre as classes sociais – clero, no-breza e terceiro estado –, beneficiando-se diretamente de suas diferenças: clero e nobreza gozavam de isenção do pagamento de impostos, enquanto sobre o terceiro estado pesava o ônus de impostos e contribuições de toda sorte para o rei e as outras duas classes” (2003, p. 31).

Foi assim, então, que a consagração dos direitos de propriedade justifi-cou a abolição dos direitos feudais, que passaram a ser vistos como privilégios pelos revolucionários.

Marco derradeiro na definição dos contornos do direito de proprieda-de, em agosto de 1789, a Assembléia dos Direitos do Homem e do Cidadão consagrou-a como direito inviolável e sagrado, inserindo-o no rol dos direitos naturais e imprescritíveis do homem, influenciando, daí por diante, a Cons-tituição Francesa de 1793, o Código Civil Napoleônico de 1804 e o Código Civil brasileiro de 1916, cuja idéia central restara mantida pelo Código Civil brasileiro de 2003.

1.4 estADO sOCiAlistA

O pensamento socialista surge como um contraponto à doutrina libe-ral sustentada pela burguesia no século XVIII e parte do XIX. Inspirado no pensamento de Adam Smith, o liberalismo supunha a mínima intervenção do Estado na economia, mesmo que isso se desse num contexto em que as demandas sociais da população e a estrutura organizacional do Estado fossem extremamente precárias, como ocorria freqüentemente, considerando-se que naquela época os países europeus encontravam-se marcados por profundas desigualdades sociais que se acirraram em razão de uma Revolução Industrial desenfreada que rapidamente inverteu as relações de trabalho antes vigentes (Mattos, 2003).

Neste cenário de miséria e injustiças, Marx e Engels difundiram suas idéias em prol da igualdade e da justiça social, mediante a distribuição de ri-quezas, contribuindo para que a propriedade passasse a ser identificada como um bem de produção, devendo pertencer, portanto, a toda a sociedade, e não mais a poucos donos (Mattos, 2003).

Assim, a concretização dessas possibilidades de conformação radical da propriedade privada pelo Estado foi decisiva para que o paradigma de proprie-dade absoluta e individualista, predominante desde os romanos, fosse paulati-namente abandonado a partir de então.

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1.5 estADO DemOCRátiCO De DiReitO

A realização da justiça social é, marcadamente, um dos objetivos fun-damentais do Estado Democrático de Direito, que está fundado, por sua vez, no princípio da soberania popular e apresenta-se como garantidor dos direitos fundamentais da pessoa humana. Além disso, na sua base está o princípio da legalidade, voltado à realização da igualdade e justiça social.

Sob a perspectiva e influência dos valores democráticos é que o conceito de propriedade sofre alterações a fim de se adequar à nova ordem jurídico--política em vigor, numa clara diferenciação das concepções havidas até aquele momento. Neste contexto, não há lugar para um direito de propriedade absolu-to e sagrado, tampouco individualista e de gozo irrestrito (Mattos, 2003).

A noção de uma propriedade funcionalizada, que atendesse não somen-te ao interesse de seu detentor, mas cujo exercício se desse também em bene-fício da coletividade, evoluiu com o passar do tempo. Desde a obra precursora de Santo Tomás de Aquino, a idéia de que a propriedade carecia de cumprir uma função social, a fim de ser justa, gradativamente foi ganhando mais e mais legitimidade. A evolução da propriedade deu-se, portanto, no sentido de uma propriedade-direito para uma propriedade-função (Meirelles, 1994).

A conhecida afirmação de Léon Duguit (1931, p. 37) é a síntese desse novo paradigma: “A propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor da riqueza”.

Com a sofisticação dos critérios de abordagem e o estudo do Direito e sua conseqüente e crescente especialização, o tratamento da propriedade imobiliária passa a transitar não só pelo Direito Civil, mas agora pelo Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Ambiental e Direito Urbanístico. É possível apontar, por isso, a existência de clara tendência de publicização do direito de propriedade, que passa a ser visto como uma “obrigação orientada socialmente”, na feliz expressão de Edésio Fernandes (1995, p. 1).

É de se destacar, contudo, que, mais recentemente, uma corrente crítica de civilistas passou a se dedicar ao estudo dos temas clássicos do Direito Civil, entre os quais a propriedade privada, na perspectiva de uma interpretação feita em consonância com as normas constitucionais trazidas para o ordenamento pátrio em 1988. Essa nova dogmática, caracterizada pela interpenetração do direito público e do direito privado, tem sido denominada de Direito Civil Cons-titucional que, segundo Gustavo Tepedino (2001, p. 22), significa a releitura do Direito Civil à luz da Constituição, de maneira a privilegiar os valores não patrimoniais e, em particular, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvi-mento de sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva, para cujo atendimento deve voltar a iniciativa econômica privada e as situações jurídicas patrimoniais.

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No entanto, o enfoque civilista “puro ou tradicional” ainda tem sido de-terminante na resolução dos conflitos envolvendo direito de propriedade imo-biliária nos Tribunais brasileiros. Quando muito, os argumentos judiciais que sustentam intervenções na propriedade imobiliária privada a partir de um impe-rativo de interesse público têm-se valido, na maior parte das vezes, do enfoque restrito do Direito Administrativo ou do Direito Ambiental, a depender dos va-lores envolvidos no litígio (Mattos, 2003).

E, quando a questão debatida versa sobre direito de propriedade imobili-ária urbana, nenhuma das perspectivas antes mencionadas – Direito Civil Cons-titucional, Direito Administrativo e Direito Ambiental – são adequadas para dar suporte jurídico consistente à sua resolução.

De qualquer sorte, nesta nova etapa do desenvolvimento sócio-político nacional, a propriedade imobiliária foi adquirindo novo perfil para, neste iní-cio de século, consolidar-se como um direito-dever, condicionada que está ao cumprimento de uma função que aproveite também à coletividade e não so-mente ao proprietário.

Enfim, o que se impõe destacar de tudo o que foi expendido no presente capítulo é que a noção de propriedade sofreu significativas alterações ao longo do tempo, partindo da fase da organização coletiva primitiva das civilizações antigas, passando pela etapa da apropriação imobiliária do direito romano, pela etapa do feudalismo, pela idéia de bastião político ladeado pela igualdade e liberdade contra a opressão, fruto da Revolução Francesa, inspirando o Código Napoleônico de 1804 e o Código Civil brasileiro de 1916, chegando-se até a Constituição Federal de 1988, que a arrolou entre os direitos e garantias funda-mentais, condicionando o exercício dos seus atributos ao cumprimento de sua função social.

Em verdade, foi o Constituinte de 1988 que, de forma mais específi-ca que em Constituições anteriores, deu longa atenção à propriedade ou “às propriedades”, detalhando a garantia da sua existência e integração como um bem econômico, integrado ao sistema produtivo nacional, ao qual deve servir (Guedes, 2003).

Definido, em breves considerações, o que tenha sido a propriedade ao largo do desenvolvimento histórico das sociedades até ingressar nos ordena-mentos modernos, cabe perquirir o que seja isoladamente a função social.

2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

2.1 linhAs geRAis

O conteúdo do direito de propriedade foi definido ao longo da história, consoante já afirmado, de maneiras às vezes coincidentes, às vezes diferentes, dependendo do momento histórico de cada realidade cultural.

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Ao analisar-se a linha evolutiva desse percurso, no limiar deste novo sé-culo, é possível assentar-se que a noção de propriedade delineou-se no sentido do individual para o social, conforme bem destacado por Mattos (2003, p. 42), pois, embora não tenham tido êxito correntes como as que pregaram o fim da propriedade privada, é certo que o caráter individualista foi abandonado, ainda que a práxis demore a assimilar a substancial modificação conceitual.

Tal fato deve-se, sobretudo, à progressiva incorporação do princípio da função social da propriedade aos ordenamentos jurídicos de diversos países.

No caso brasileiro, a função social da propriedade é um princípio aco-lhido pelo ordenamento jurídico, cuja matriz encontra-se na Constituição Fe-deral de 1988, podendo ser entendido como o ponto de convergência de todas as gradativas evoluções alcançadas pelo conceito de propriedade ao longo do tempo. Para atender a essa função social, a propriedade deve satisfazer aos interesses coletivos, sem sobrepor-se a eles. Em verdade, essa exigência afeta a propriedade em sua estrutura, condicionando o próprio direito e não apenas o seu exercício (Mattos, 2003).

Não obstante, o princípio da função social da propriedade tem sido mal definido na doutrina brasileira e mal aplicado na jurisprudência, obscurecido, ainda, pela confusão que dele se faz com os sistemas de limitação da proprieda-de. Esta confusão, todavia, não é mais aceitável, pois, como afirma José Afonso da Silva (2003, p. 65), as limitações dizem respeito ao exercício do direito, ao proprietário, enquanto a função social interfere com a estrutura do direito mesmo. É por isso que se diz que o princípio da função social da propriedade resolve a configuração estrutural do direito de propriedade, sendo elemento qualificador dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens.

A situação do direito de propriedade também se transmuda em face da legislação urbanística por força do princípio da função social, pois essa legisla-ção é que vai lhe definir os contornos, os limites de seu exercício, enfim, o seu reconhecimento. É dessa legislação, portanto, que decorrerão não somente os deveres, mas também os direitos do proprietário fundiário.

No entanto, uma questão central tem-se feito presente, ora implícita ora explicitamente, nos debates doutrinários e acadêmicos acerca da aplicação do princípio: qual seria a definição exata do conceito de função social da proprie-dade no ordenamento jurídico brasileiro? E, no mesmo caminho, quais são os efeitos pretendidos pelo princípio e em que medida tais efeitos são passíveis de serem realizados?

É o que se buscará responder neste capítulo.

2.2 COntORnOs juRíDiCOs DA funçÃO sOCiAl DA pROpRieDADe nO DiReitO bRAsileiRO

Até o advento da Constituição de 1934, o direito à propriedade privada era quase absoluto no Brasil, cedendo, apenas, diante da desapropriação pelo Poder Público, sempre mediante justa indenização.

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O condicionamento do direito à propriedade privada ao cumprimento de sua função social somente ganhou status constitucional no Brasil com a Carta de 1934, inspirada no modelo alemão da Constituição de Weimar.

Infelizmente, como se sabe, a Carta de 1934, cuja feitura fora provocada pela Revolução Constitucionalista de 1932, após o movimento revolucionário de 1930, teve vida curta. Com efeito, em 1937, Vargas implantara o chamado Estado Novo e impôs ao País uma nova Constituição, inspirada na Constituição Polonesa de 1935, deixando de dispensar tratamento ao tema nos moldes da sua antecessora, assegurando o direito de propriedade, salvante a desapropria-ção por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.

Já a Carta de 1946, redigida sob os ventos da redemocratização que se seguiu ao final da Segunda Grande Guerra, restaurou a necessidade do cumpri-mento da função social da propriedade, incluindo-a entre os princípios regentes da ordem econômica e social.

A Emenda Constitucional nº 10, de 09.11.1964, acresceu ao art. 147 da Constituição vigente e que tratava do direito de propriedade a possibilidade de a União promover a desapropriação de imóveis rurais “para fins previstos neste artigo”.

A Constituição de 1967 manteve, por seu turno, a função social da pro-priedade entre os princípios da ordem econômica e social, garantindo o direito à propriedade privada, ressalvados os casos de desapropriação. Situação esta mantida pela Emenda nº 1, de 1969.

Finalmente, a Carta de 1988 inovou substancialmente o tratamento dado à matéria, ao incluir a função social da propriedade entre os direitos e garantias individuais e coletivos, conferindo-lhe, assim, o status de “cláusula pétrea”.

Por outro lado, a nova e atual Constituição manteve a função social da propriedade entre os princípios da ordem econômica e, não satisfeita, cuidou de, inclusive, prever os requisitos mediante os quais a propriedade de bens imóveis, sejam urbanos ou rurais, cumpre sua função social.

2.3 COnteúDO DO pRinCípiO à luz DA COnstituiçÃO feDeRAl De 1988Não faz parte deste estudo a conceituação do que vem a ser “norma

jurídica”, tampouco a questão da estrutura lógica das chamadas “proposições jurídicas”. Porém, sem menosprezar as polêmicas doutrinárias acerca do tema, num primeiro esforço de categorização, impõe-se definir, para os propósitos de compreensão do tema em debate, que tanto as regras como os princípios serão neste estudo enquadrados na definição lato sensu de normas jurídicas.

De sua vez, entendem-se por regras as disposições (interpretadas) que estabelecem mandatos, proibições ou permissões de atuação em situações con-cretas previstas nelas mesmas. No conceito de Canotilho (1998, p. 1177), regras

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são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer exceção.

Já a conceituação de princípios é mais difícil. Para este estudo, devem ser entendidos como normas que proporcionam critérios para tomadas de posições ante situações concretas indeterminadas. Na festejada definição de Celso Antô-nio Bandeira de Mello (1996, p. 545-6), princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sen-tido harmônico.

Tratando já daqueles estampados em textos constitucionais, os princípios são núcleos de condensação nos quais confluem bens e valores constitucio-nais. Assim, a normalização e a constitucionalização conferiu aos princípios constitucionais o status hierárquico de “normas-chaves” do sistema jurídico (Bonavides, 2003).

Dito isso, para se saber se a função social, como concebida na Consti-tuição Federal de 1988, é princípio ou regra, cabe expor alguns critérios para diferenciá-los. Nessa tarefa, a despeito dos clássicos e extratificados critérios de distinção apontados por Canotilho (1998, p. 1086-7), é de bom alvitre enunciá--los de forma menos resumida.

Assim, tem-se que as regras jurídicas são aplicáveis por completo, ou não se aplicam de modo absoluto. Na dicção de Dworkin (2001, p. 90), aplicam-se à maneira de um tudo ou nada, não comportando exceções. Presentes os pres-supostos fáticos a que se refira, a regra (válida) há de ser aplicada.

Já os princípios sequer exigem a indicação das condições necessárias à sua incidência, pois não configuram uma decisão concreta a ser necessariamen-te tomada.

Em vez disso, os princípios se qualificam como mandamentos de otimi-zação, acenando uma vontade normativa inclinada a certa direção. No dizer de Alexy (1993, p. 99), os princípios ordenam algo que deve ser realizado na maior medida possível, tendo em conta as possibilidades jurídicas e fáticas. Daí, os princípios não contêm mandamentos definitivos, mas somente prima facie.

Dessa maneira, pode-se afirmar que os princípios, ao contrário das re-gras, não admitem a própria enunciação das hipóteses nas quais não se apli-cam, bem como carecem de conteúdo de determinação relativo aos princípios contrapostos e as possibilidade fáticas, porquanto são aptos a serem aplicados a uma série indefinida de situações.

Devido a esse alto grau de abstração, demandam os princípios constitu-cionais medidas concretizadoras, o que é feito por meio de outros princípios de

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maior densidade (subprincípios), ou mesmo por regras, até chegar-se, na ponta de final de sua incidência fática, na descoberta da “norma de decisão” do caso jurídico-constitucional. Ademais, ainda quando se manifestam as condições nele previstas, um princípio não se aplica automaticamente. É que, em deter-minado caso, pode também incidir um princípio diverso, apontado em sentido diverso. Surge então outra diferença dos princípios frente às regras jurídicas: como somente uma regra pode incidir em face de uma idêntica situação, se duas ou mais regras estão em choque, apenas uma – ou nenhuma – delas po-derá ser considerada válida à regulação da situação concreta, surgindo daí um problema de antinomia jurídica a ser resolvido. Contudo, mais de um princípio pode regular uma mesma situação, pois princípios diversos comportam juízo de ponderação relativa, cujo resultado poderá ser a prevalência de um em detri-mento do outro. Consoante sintetizado por Bonavides (1993, p. 241), com base em Alexy, resolve-se o conflito de regras na dimensão da “validade”, enquanto o conflito de princípios é resolvido na dimensão do “valor”.

Sem embargo, cabe ressaltar não haver antinomia entre princípios e regras.

Portanto, diante da aclarada distinção entre princípios e regras, pode-se afirmar que, desde que em vigor a Constituição de 1988, encaixa-se perfeita-mente no conceito de princípio constitucional explícito a exigência de que a propriedade cumpra sua função social (inciso XXIII do art. 5º). É que a obser-vância da função social da propriedade não se aplica à maneira de um tudo ou nada, tampouco se pode, de antemão, indicar todas as condições necessárias à sua incidência. Em vez disso, a verificação do cumprimento da função social pode exigir juízos de ponderação em face de outros princípios, sendo necessá-ria a “concretização” de seu alto grau de abstração. Essa é a conclusão de José Afonso da Silva (2000, p. 285), para quem a norma-princípio contida nesse dispositivo é de aplicabilidade imediata.

Apesar de a Constituição Federal ter vinculado a propriedade à sua fun-ção social, é preciso que o lidador jurídico se disponha a construir meios para a consecução do escopo fundamental da República, que é o bem-estar social. Nada vale existência do formal sem o material.

Há que se acrescentar, por outro lado, que o princípio da função social da propriedade tem sido posto por importante parcela da doutrina como uma norma constitucional programática, fruto talvez da grande controvérsia que na-turalmente gira em torno da regulamentação jurídica da propriedade privada.

Cabe mais uma vez relembrar o enunciado do art. 5º, § 1º, da Constitui-ção Federal, ao determinar inequivocamente que as normas constitucionais de-finidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Cláusula que não deve ficar restrita ao art. 5º, devendo ser interpretada como vinculante para os demais direitos e garantias expostos no texto constitucional, no Título II, sob o enunciado de “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.

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O que se extrai, assim, da manifesta dificuldade de visualizar-se o princí-pio da função social da propriedade como norma de efetiva aplicação concreta é a técnica constitucional usualmente adotada de estabelecer fins sem indicar os meios, sob a forma de regras programáticas e remissivas, fenômeno este bas-tante presente na época contemporânea, o que tem provocado a expansão da atividade legislativa para o Poder Executivo, e, por conseguinte, do poder discri-cionário posto à sua disposição, limitando a concretização mesma das normas pragmáticas inseridas em textos constitucionais.

Portanto, feita leitura no sentido de que a norma constitucional que aco-lheu o princípio da função social tem eficácia plena, não significa excluir-se na sua aplicação a adoção de parâmetros jurídicos, que existem e são construídos e sistematizados em todo o ordenamento jurídico, segundo as prescrições nor-mativas da Constituição.

Diante da resistência do Estado ou do particular em obedecer ao deter-minado pelo princípio fundamental da função social da propriedade para o caso concreto, ao tolerar ou empreender a utilização anti-social o direito indi-vidual de propriedade, comprometendo a estabilidade da garantia institucional da propriedade ou negando o direito fundamental à propriedade, cabe ao pre-judicado ou ao Estado ingressar pedir a tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), ou, mesmo, implementar os instrumentos jurídicos postos no ordenamento jurídico vigente (servidões, limitações, desapropriação) para a delimitação da propriedade.

Desta forma, o proprietário ou possuidor de um imóvel situado em área urbana que não esteja edificado ou, ainda que edificado, esteja subutilizado ou não utilizado, sempre à luz das disposições do respectivo plano diretor, poderá ser compelido pelo Poder Público municipal, nos termos da Constituição Fede-ral e do Estatuto da Cidade, e mediante lei municipal específica, a promover o seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de parcelamento ou edificação compulsórios, tributação, pelo IPTU, com alíquotas progressivas no tempo e, finalmente, desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública.

Assim o é e deve continuar sendo, em virtude de a idéia de função social estar interligada, genericamente, à de harmonização de interesses do indivíduo com os interesses da coletividade. No terreno dos direitos reais e da proprie-dade, não há dissonância; busca-se o entrelaçamento destes interesses, preser-vando-se intactos os dogmas de “direito absoluto”, enquanto preserve o bem, sua capacidade de multiplicação de riqueza e conseqüente utilidade coletiva (Bernandes, 2003).

Segundo esclarecedora apreciação de Lôbo:

“A função social é incompatível com a noção de direito absoluto, oponível a todos, em que se admite apenas a limitação externa, negativa. A função social importa limitação interna, positiva, condicionando o exercício e o próprio direi-

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to. Lícito é o interesse individual quando realiza, igualmente, o interesse social. O exercício do direito individual da propriedade deve ser feito no sentido da uti-lidade, não somente para si, mas para todos. Daí ser incompatível com a inércia, com a inutilidade, com a especulação.” (2003, p. 212)

No mesmo sentido, a perspectiva contemporânea apresentada por Perlingeri, integrada ao sistema inspirado na solidariedade política, econômica e social e ao pleno desenvolvimento da pessoa, como é o caso da atual Cons-tituição brasileira:

“O conteúdo da função social assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de propriedade e suas interpretações deveriam ser atuadas para garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento. E isso não se realiza somente finalizando a disciplina dos limites à função social. Esta deve ser entendida não como uma intervenção ‘em ódio’ à propriedade privada, mas torna-se a ‘própria razão pela qual o direito de proprie-dade foi atribuído a um determinado sujeito’, um critério de ação para o legisla-dor, e um critério de individuação da normativa a ser aplicada para o intérprete chamado a avaliar as situações conexas à realização de atos e de atividades do titular.” (2002, p. 226)

Portanto, é pela efetividade do princípio constitucional funcionalizante do direito de propriedade imobiliária que se implementará de modo eficiente a ordenação das cidades.

De todo o expendido, então, cabe ressaltar que basta a aplicação prática do instrumental de concretização da norma constitucional para efetivar-se o cumprimento da função social da propriedade urbana, partindo-se do próprio princípio consagrado na Carta Magna para que se possa dar à norma individual a ser produzida no caso concreto a necessária coerência e adequação com o ordenamento jurídico posto, não perdendo de vista a lógica de que os princí-pios constitucionais não constituem elementos subsidiários à interpretação da norma constitucional.

Significa dizer, por evidente, conforme advertência de Carlos Araújo Leonetti (1999, p. 770), que o princípio da função social da propriedade so-mente se tornará um autêntica realidade, em nosso direito, na medida em que a sociedade brasileira como um todo e, em especial, a comunidade jurídica, se conscientizar de sua existência e passar a aplicá-lo de forma efetiva e respon-sável.

Resta-nos aferir, então, quais são os instrumentos constitucionais de ur-banização elencados pela Constituição Federal para a efetivação da sua função social.

Neste particular, tendo presente que referido instrumental arrolado pelo art. 182 da Constituição Federal fora regulamentado pela Lei Federal de nº 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade, e que intro-

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duziu outros instrumentos urbanísticos, de forma a evitar o subjetivismo do ad-ministrador público, possibilitando maior segurança para os cidadãos, através da definição de um perfil mínimo, não exauriente, para os conceitos jurídicos indeterminados que contêm, serão apreciados no próximo capítulo, segundo o objetivo deste trabalho, cada um de per si, devendo ser, de logo esclarecido, que, embora todos sejam importantes, uns o são mais do que os outros, por for-ça dos reflexos produzidos no direito de propriedade, reclamando maior aten-ção na sua consideração e no seu exame.

3 OS INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS DELINEADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO EFICIENTES MECANISMOS PARA O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE IMÓVEL URBANA

3.1 COnsiDeRAções geRAis

Serão objeto de exame neste estudo os instrumentos urbanísticos alinha-vados pela Constituição Federal de 1988 e o impacto por eles provocado nas relações entre o Poder Público e o titular do direito de propriedade imóvel urbana.

Diversos projetos de leis foram apresentados ao Congresso Nacional, vi-sando fixar o conteúdo da propriedade urbana imóvel (poderes inerentes ao domínio), normatizando diversos instrumentos urbanísticos, embora, sempre se admitiu, mesmo nos tempos áureos do individualismo, a existência de tais ins-trumentos, que recebiam o nome de limitações administrativas à propriedade imóvel.

Já de muito tempo se conhecem as limitações administrativas à proprie-dade privada, mesmo quando manejada no interesse do proprietário. O vetusto Código Civil, votado no ano de 1916, no que fora seguido pelo novo Código de 2003, já fixara que o proprietário deveria, para erigir construções, observar os regulamentos administrativos, e Duguit (1920, p. 12) reconhecia que sempre foram legítimas porque o proprietário urbano não está investido de um direito intangível e discricionário, senão encarregado de cumprir uma função indis-pensável. Antes do interesse do proprietário, está o da sociedade, que dispensa proteção e garantias àquele, porque lhe impõe a obrigação de subordinar o exercício de seu direito à satisfação das múltiplas necessidades de ordem públi-ca – de defesa, conservação e progresso, de acordo com as leis e regulamentos.

Por certo que a propriedade urbana não cumpre função social só nas hi-póteses elencadas na Constituição, mas, na parte que agora interessa, o ângulo de visada deve ser aquele que busca a ordenação da cidade, tornando-a um lugar mais adequado para convivência das pessoas. Não se tem dúvida também que se trata de afetação específica, não só para as cidades com maior número de habitantes que tenham ou devam ter um plano diretor, mas a toda e qualquer

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cidade, na forma que fixar a lei orgânica do Município ou outros documentos normativos municipais.

Nesta perspectiva de ordenação das cidades é que devem se pautar os administradores públicos, transportando-se mentalmente para o futuro a fim de visualizar o caos urbano decorrente de eventual inércia de planejamento para o desenvolvimento da cidade, dando os passos que forem possíveis nesta di-reção, evitando com isso, fundamentalmente, a concretização da indesejada aglomeração e do assentamento humano desordenado e injusto, sob domínio do fenômeno de segregação residencial.

De fato, a afetação da propriedade urbana imóvel à função social altera, em linha de princípio, a visão tradicional das limitações administrativas, consi-deradas que são estas exercício do poder de polícia.

A existência de limitação ou restrição administrativa, conforme lição clássica, impõe obrigações negativas (abstenção de um comportamento), quan-do muito um dever de suportar determinada ação, mas jamais obrigações positi-vas (comportamentos) – dar, fazer, como pode ocorrer, por força da vinculação da propriedade à função social, como acentua Eros R. Grau (1991, p. 250).

Em razão, então, da função social, têm-se conjugadas obrigações positi-vas e negativas, limitadoras e impulsionadoras.

Por essas circunstâncias é que se diz que a propriedade urbana, diante da metamorfose necessária dos tempos atuais, com nova moldura imposta pelos interesses urbanísticos, está sujeita à estreita disciplina do direito público, em especial o Direito Constitucional, possuindo um novo regime jurídico, originan-do a chamada propriedade urbanística ou propriedade-procedimento.

Com esta consciência e disposto à assimilação de nova visão construti-vista, então, é que se tem por razoavelmente adequado que através da imple-mentação de instrumentos urbanísticos será possível ordenar adequadamente as cidades, fazendo-as cumprir sua função social, permitindo a redução, senão a erradicação das desigualdades sociais e da segregação residencial.

3.2 instRumentOs uRbAnístiCOs

A Constituição Federal consagrou alguns dos instrumentos urbanísticos para que o administrador público possa bem exercer os programas de orde-nação das cidades, deixando evidenciada a importância do uso e do controle do solo urbano: parcelamento e edificação compulsórias, imposto progressivo, desapropriação.

Ainda que outros instrumentos urbanísticos existam, como os classifica-dos de instrumentos clássicos, tendo aplicação freqüente por assimilação pela nossa cultura proprietária, tais como alinhamentos, recuos, gabaritos etc., po-rém, ainda que indispensáveis, não têm servido para a efetivação do cumpri-

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mento da função social da propriedade urbana, demandando, por isso, além da mudança de mentalidade acerca do papel fundamental do direito de pro-priedade, o aperfeiçoamento teórico e prático do instrumental constitucional, a fim de disponibilizar o maior conjunto possível de ferramentas para que os ad-ministradores públicos, agindo em prol do interesse coletivo, possam oferecer razoável planejamento para a boa e racional ordenação das cidades, grandes, médias ou pequenas.

Vejamos então, segundo o objetivo deste estudo, cada um individual-mente.

3.2.1 Parcelamento e edificação compulsórios

Uma das preocupações do direito urbanístico é impedir a concentração de terra urbana com objetivos especulativos à espera de oportunidade para desova, e, como é sabido, a população, normalmente carente, instalada por força de um processo de segregação residencial (que passa pelo preço do solo urbano), na periferia, pressiona e reinvidica ao Poder Público a instalação dos equipamentos urbanos (Torres, 2001).

Neste aspecto, observou Mattos (2003, p. 473), amparado na observação de Vera Rezende, que ao espaço urbano são adicionadas infra-estrutura, siste-ma viário, equipamentos que, juntamente com a existência ou falta de amenida-des, compõem o valor da terra, tornando-se a cidade um potencial de consumo, como qualquer outro produto, transformando-se em mercadoria.

Evidencia-se, portanto, que o interesse urbanístico existente no plano di-retor ou noutro instrumento normativo municipal pode determinar ao proprietá-rio o parcelamento ou edificação.

Tal determinação não pode ser fruto de decisão aleatória ou totalmente discricionária do chefe do Poder Público Municipal, pois depende cumulati-vamente de lei federal, lei específica municipal e previsão no plano diretor. Ciente o administrador público que determinada região será provida, em futuro próximo, com equipamentos urbanos indispensáveis, e em sendo necessário, por força das normas acima citadas, deve determinar ao proprietário o parcela-mento ou a edificação, visando evitar não só o beneficiamento para especular com a mais-valia realizada com os tributos gerais, mas também para atender aos interesses peculiares do plano (Torres, 2001).

Por outro lado, é fato que também em áreas já urbanizadas existem di-versos espaços ociosos, acumulados com finalidade especulativa, investindo o detentor do capital na aquisição dessas áreas, ao invés de preferencialmente investir em bens de produção.

Certo também que a febre construtiva vem e volta conforme a situação econômica do país e é previsível que este quadro tenha se alterado, e provavel-mente para índices inferiores, por aplicação de instrumentos urbanísticos, em

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especial a partir da Constituição Federal de 1988, com a obrigatoriedade de votar as cidades com mais de 20.000 habitantes um plano diretor.

Com as alterações introduzidas no direito de propriedade por conta do reconhecimento de sua função social, impondo uma releitura obrigatória, não se pode mais acatar, não só na propriedade urbana imóvel, a clássica observa-ção de que o direito de propriedade se exerce, até pelo não uso do bem que lhe serve de objeto, decorrência da característica de sua perpetuidade, uma vez que pode ser exigido pelo Poder Público seu adequado aproveitamento. Considerou o Legislador Constitucional que a não-edificação, a subutilização (por exemplo, utilização como estacionamento irregular, em razão de estar vazio, como de-pósito de materiais inservíveis etc.) e a não-utilização são formas de aproveita-mento inadequadas da propriedade urbana imóvel, comportando o nascimento de obrigações e até a sub-rogação compulsória do direito de propriedade em títulos da dívida pública, através da desapropriação (Torres, 2001).

Uma vez conscientizado o administrador público de que em razão destes novos contornos pode impor obrigações positivas, como a de fazer e de dar, preenchidos os requisitos do § 4º do art. 182 da Constituição Federal, caber-lhe--á exigir do proprietário de imóvel urbano a obrigação de parcelar ou edificar em seu terreno, tendo como fonte a lei, e como pano de fundo o interesse pú-blico, representado pelos interesses urbanísticos.

Tem-se, então, o parcelamento e a edificação compulsória como ins-trumentos aptos ao fim de garantir o cumprimento, pelo proprietário, de sua obrigação social, decorrente da soma de riqueza que lhe fora conferida pelo ordenamento (Torres, 2001).

Percebe-se, do expendido, que tais obrigações, nascidas ex-lege, aderem ao direito real de propriedade e, por essa razão, devem ser consideradas obriga-ções propter rem, isto é, estabelecidas em razão da coisa objeto do direito, sen-do sujeito passivo aquele que for titular do direito, não importando se coincide ou não com o proprietário que recebera a notificação, tendo o condão de dar ci-ência da obrigação e de marcar o prazo para seu cumprimento. São obrigações de fazer (parcelar ou edificar), de natureza administrativa não personalíssima, pois pode ser executada por qualquer pessoa a cargo do proprietário, havendo no parcelamento obrigações de dar.

A consequência para o não-cumprimento da obrigação de edificar ou parcelar será o imposto progressivo no tempo, e, se ainda assim não for cumpri-da, sanção maior deverá ocorrer, qual seja, a desapropriação, com pagamento diferenciado das demais modalidades de desapropriação (indenização prévia e justa, por determinação do art. 5º, XXIV, e art. 182, § 3º, da Constituição Fede-ral), pois se prevê o pagamento posterior e através de títulos públicos, que em-bora devam preservar o valor da indenização é de natureza muito mais gravosa para o proprietário, e é bom que assim seja, pois o objetivo não é desapropriar,

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mas intimidar o proprietário a cumprir a obrigação estabelecida na lei (Torres, 2001).

É bom que se diga que não se pode parcelar para que os lotes fiquem vazios, pois cairíamos no mesmo ciclo. Ao proprietário seria imposta a obriga-ção de edificar nos terrenos ou alienar para edificação, com as conseqüências previstas na lei para hipótese de não-atendimento.

Veja-se, outrossim, conforme destaca Torres (2001, p. 482), que não se pode impor ao proprietário do solo as duas obrigações, isto é, parcelar e edi-ficar, pois, como se trata de uma sanção à inércia do titular do direito, não se pode ignorar a “conjunção optativa” constante do § 4º do art. 182 da Carta Magna, devendo-se ter em mente, ainda, por questão de lógica, que só se pode impor edificação onde houve parcelamento.

Impende destacar, por importante, que a Administração Pública pode e deve fiscalizar o cumprimento e a execução das obrigações impostas.

Entretanto, não se deve confundir as sanções para o não-cumprimento da obrigação de parcelar ou edificar, já indicadas pelo legislador visando ao atendimento da função social, com aquelas que podem surgir na fase de exe-cução da obrigação, devendo, nesta última hipótese, ser permitida a aplicação de sanções administrativas de qualquer natureza (financeira ou proibitiva ou ambas, proibindo com conseqüência pecuniária para infração), pois têm como fato gerador o descumprimento dos planos estabelecidos para o ato de parcelar ou construir (Torres, 2001).

3.2.1.1 Parcelamento compulsório

Apresentadas as diretrizes fundamentais e comuns aos dois institutos, opção que pareceu mais razoável para a compreensão do assunto, impõe-se, então, tratar de cada um, separadamente, mas apenas no aspecto de sua con-ceituação.

Escrevendo sobre o assunto, José Afonso da Silva, citado por Torres (2001, p. 484), define o parcelamento como sendo o processo de urbanistifica-ção de uma gleba, mediante sua divisão ou redivisão em parcelas destinadas ao exercício das funções elementares urbanísticas. Uma definição de conteúdo es-tritamente jurídico-civilístico e outra de conteúdo exclusivamente urbanístico.

Da Lei do Parcelamento do solo (nº 6.766/1979) extrai-se que parce-lamento é gênero do qual são espécies o loteamento e o desmembramento (art. 2º), definidos pelo legislador de modo específico: loteamento é a subdivi-são da gleba em lotes destinados à edificação, com a abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamentos, modificação ou am-pliação das vias existentes (§ 1º do art. 2º) e, desmembramento, a subdivisão da gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros pú-

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blicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes (§ 2º do art. 2º).

Outro aspecto que merece exame é a parte atinente às espécies de obri-gações nascidas com o parcelamento compulsório.

Segundo Torres (2001, p. 485), no ato de parcelar a ser realizado com observância do art. 74 da Lei nº 6.766/1979, identifica-se uma obrigação de fa-zer, que pode ser cumprida diretamente pelo proprietário ou não, a seu critério. Não raro, face às complexidades que demandam o parcelamento (projetos e planos, aprovação, operacionalização), é atribuído tal empreendimento a em-presas que cuidem especificamente deste assunto e que fazem do parcelamento uma atividade lucrativa, onerando os lotes resultantes do parcelamento, distri-buindo o capital apurado com o proprietário no percentual que o contrato entre eles celebrado fixar. Identifica-se, também, uma obrigação de dar, consistente na transferência automática, para o domínio do Município, das vias, praças, espaços livres, das áreas destinadas a edifícios públicos e instalações de equi-pamentos urbanos, tão logo se opere o registro do loteamento, nos termos do art. 22 da Lei nº 6.766/1979.

3.2.1.2 Edificação compulsória

O ato de edificar constitui obrigação de fazer que pode ser realizada pelo proprietário diretamente ou por outrem a quem ele delegue poder, dentro dos padrões estabelecidos pela lei municipal específica a que se refere o § 4º do art. 182 do Constituição Federal (Torres, 2001).

Na lição de Hely L. Meirelles (1994, p. 298), a expressão edificação é uma espécie do gênero construção, consistente em obra destinada à habita-ção, trabalho, culto, ensino ou recreação, distinguindo-se, ainda, a expressão edifício, que seria a obra principal das edículas, obras complementares, como garagens, dependências de serviços e outras.

Deverá o proprietário atender ao que foi estabelecido pela referida lei ou pelo plano urbanístico, para o local previsto, visando não destoar dos de-mais padrões existentes, o que significa dizer que se o local, por força das leis de zoneamento, for classificado como residencial, não poderá o proprietário obrigado a realizar a edificação compulsoriamente alterar a destinação para comercial, ainda que lhe seja mais vantajoso, pois seu interesse particular, nesta hipótese, cede ao interesse urbanístico.

Por outro lado, não socorre ao proprietário a alegação e até a comprova-ção de falta de recursos para cumprimento da obrigação. Nesta hipótese, deve-rá, então, optar pela alienação do bem ou ajustar a edificação com outrem que possa empregar o capital necessário à sua realização, distribuindo os resultados na forma que convencionarem (Torres, 2001).

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De posse então desta definição, imperiosa a compreensão de que a lei específica e o plano diretor deverão minudenciar, o máximo possível, o tipo de edificação que deverá ser erigida no lote (porção de terreno com frente para logradouro público em condições de receber edificação residencial, comercial, institucional ou industrial), evitando qualquer subjetivismo na sua interpreta-ção, aptos a desvirtuarem o planejamento de desenvolvimento urbano local.

3.2.2 IPTU progressivo

Afora os instrumentos urbanísticos já examinados, por opção do cons-tituinte pátrio, outro importante instrumento de urbanização fora colocado à disposição do administrador municipal, qual seja, o imposto sobre a proprieda-de predial e territorial urbana – IPTU (sigla que será usada neste capítulo para identificá-lo) com aplicação progressiva no tempo.

Contudo, o § 4º do art. 182 da Constituição Federal estabeleceu uma série de requisitos para que o IPTU seja exigido progressivamente.

Segundo referido por Torres (2001, p. 487), impostos progressivos são os de alíquota fiscal variável, segundo a base de cálculo, absorvendo uma porção dos seus valores tanto maior quanto mais elevada seja a base do tributo, poden-do a progressão ser simples ou contínua progressão graduada ou por escalas.

Significa dizer que a progressividade do IPTU é o fenômeno pelo qual as alíquotas de um imposto crescem à medida que aumentam as dimensões ou a intensidade da circunstância considerada pela norma como condição de sua aplicabilidade. A base de cálculo permanece inalterada, variando apenas a circunstância normativamente eleita, como condição de aplicação da alíquota. Contudo, a Constituição Federal estabeleceu, no art. 182, uma progressividade diversa, isto é, progressividade no tempo, o que significa dizer que a cada ano o imposto deverá ter alíquota maior, sendo atribuição da lei federal fixar a velo-cidade dessa progressividade, não podendo conduzir a um efeito confiscatório, isto é, chegar a progressão a tal ponto que elimine o direito do proprietário (Torres, 2001).

A natureza do IPTU progressivo no tempo é extrafiscal. Seu objetivo é motivar a utilização devida da propriedade urbana, de modo a garantir, nos termos do plano diretor e do plano urbanístico local, o cumprimento da função social da propriedade (Pereira, 2003).

É sabido que o imposto pode ter natureza fiscal ou extrafiscal, ou seja, a cobrança do imposto visa atingir determinada finalidade de interesse público, previamente estabelecida pelo legislador, através de maior ou menor imposição tributária.

Para Geraldo Ataliba, citado por Pereira (2003, p. 122), a extrafiscalidade consiste no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades, não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamento,

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tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados.

Impõe-se destacar que a progressividade não pode ser imposta de forma generalizada em nome da função social, pois configuraria verdadeiro desvio de finalidade ou abuso do poder tributário. Imperioso, por isso, que a lei munici-pal específica faça a individualização do imóvel, e que da notificação conste não só a obrigação de parcelar ou edificar (conforme o caso), mas também que destaque, expressamente, que o não-atendimento à notificação dará azo à pro-gressividade do IPTU.

De qualquer sorte, o que se deve ressaltar é que por este importante instrumento urbanístico se tem em vista uma verdadeira finalidade urbanística, ou seja, objetiva-se distribuir entre a coletividade de proprietários de imóveis urbanos o ônus do financiamento de projetos e realizações urbanísticas, do que se extrai que o tributo poderá até mesmo ter alíquotas diferenciadas para os diferentes locais abrangidos no plano diretor ou em eventual lei municipal, evitando-se a cobrança futura da mais-valia. Até mesmo para aquelas proprie-dades não abrangidas no Plano diretor ou na lei municipal, seria fundamento para sua cobrança a função social que desempenha o próprio tributo, como assinala Mattos (2003, p. 495).

As outras particularidades do IPTU progressivo no tempo dizem respeito à mantença da cobrança pela alíquota máxima de 15% se, em cinco anos, o proprietário do imóvel não parcelar e não edificar conforme o exigido pelo Município.

Por fim, fica vedado à Administração Pública a concessão de isenções e de anistia relativas à tributação progressiva deste imposto, conforme expressa disposição do Estatuto da Cidade.

Resumidamente, então, a incidência do IPTU progressivo no tempo de-corre do não-atendimento por parte do proprietário imobiliário urbano dos prin-cípios do plano diretor da cidade onde está situado o imóvel, após o decurso do prazo de um ano da notificação para apresentar projeto de parcelamento ou edificação no período estipulado pela lei municipal, limitada a progressividade à alíquota máxima de 15% ao ano.

3.2.3 Da desapropriação

3.2.3.1 Linhas gerais

Da atenta leitura do § 4º do art. 182 da Constituição Federal depreende--se, como destaca Torres (2001, p. 493), que há uma evolução de gravame para o descaso do proprietário com o poder-dever que o ordenamento lhe conferiu em razão única de estar na condição social de proprietário de um imóvel urba-no que tem uma função social a cumprir.

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Ao não-atendimento voluntário da obrigação de parcelar ou edificar, agrava-se a sanção, acrescendo ao imposto devido a progressividade, o qual não pode ter natureza ou representar confisco do direito de propriedade.

Assim, vencida esta seqüência e fazendo o proprietário tábula rasa das obrigações impostas, resta o último elo da corrente sancionatória, qual seja, a desapropriação, que, de fato, como se verá, representará o sacrifício, a supres-são do direito de propriedade.

Percebe-se, então, facilmente que o descumprimento de uma obrigação (de fazer e dar) traz para o devedor uma drástica conseqüência, diversamente do que, de regra, ocorre no direito obrigações.

3.2.3.2 Conceito

Na precisa observação de Torres (2001, p .495), desapropriação, que tem como sinônimo expropriação, é antônimo de apropriação. O prefixo “des”, de filiação latina, transmite ao vocábulo a que se agrega a faculdade negativa que tem na língua originária (des + apropriação), com o sentido de esvaziar ou con-trariar a idéia nuclear do vocábulo primitivo a que se incorpora, o que ocorre da mesma forma com o prefixo “ex” de expropriação. Se apropriar tem o sentido de tornar próprio, desapropriar significa desincorporar, desagregar, afastar, pri-var do que é próprio, contudo não representa a negação de propriedade, mas, pelo contrário, é a sua confirmação, é garantia assegurada ao direito privado de propriedade.

A desapropriação é um modo terminativo da propriedade, baseada num ato do Poder Público, fundado em lei, por força do qual se retira total ou par-cialmente um direito ou um bem inerente ao patrimônio individual em benefí-cio de um empreendimento público (Torres, 2001). Representa o meio conci-liador entre a garantia da propriedade individual e a função social dessa mesma propriedade, transferindo compulsoriamente a propriedade particular (ou pú-blica de entidade de grau inferior para a superior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV, da Constituição Federal), salvo as exceções constitucionais de pagamento em títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, no caso de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada (art. 182, § 4º, III, da Consti-tuição Federal), e de pagamento em títulos da dívida agrária, no caso de reforma agrária, por interesse social (art. 184 da Constituição Federal).

3.2.3.3 Da desapropriação e o urbanismo

A relação entre o instituto da desapropriação e o urbanismo não é nova. Os países mais evoluídos no estudo dos problemas urbanos já a consagram há muito tempo.

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Entre nós, pode-se citar como exemplo de utilização da desapropriação com fins urbanísticos a aplicação da Lei nº 816, de 10.07.1855, e o Decreto que a regulamentou, de nº 1.664, de 27.10.1855 (o qual regulava desapropriação para construção de estradas de ferro), para execução de um plano de renovação do Rio de Janeiro, inspirando a elaboração do Decreto nº 4.956, de 09.09.1903, autorizado pela Lei nº 1.021, de 26.08.1903 (Torres, 2001).

O Decreto-Lei nº 3.365/1941 prevê, como hipótese de utilidade pública, a desapropriação com fins urbanísticos, para abertura, conservação e melhora-mento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o loteamento de terrenos, edificados ou não, para sua melhor utilização econô-mica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais (art. 5º, letra i).

Na realidade, com leciona Torres (2001, p. 502), a par de outras clas-sificações, é possível distinguir uma desapropriação de caráter geral, tradicio-nal, clássica e uma desapropriação de caráter urbanístico. Aquela é de caráter casuístico e individualizado, atingindo a bens isolados para transferi-los em cada caso para o poder expropriante, em caráter permanente, definitivo. Esta é compreensiva e generalizável, atingindo áreas e setores completos, retirando os imóveis abrangidos do domínio privado, para após urbanificados ou reurbani-zados, serem devolvidos ao setor privado, em cumprimento ao chamado dever de reprivatização.

A desapropriação urbanística se caracteriza, então, quando o instituto é utilizado como instrumento de execução da atividade urbanística pelo Poder Público. É, na expressão de Hely Meirelles, citado por Torres (2001, p. 503), “toda aquela que se decreta por necessidade ou utilidade pública, mas visando à formação de um novo núcleo urbano ou a reurbanização de uma cidade ou de um bairro envelhecido ou inadequado para sua nova destinação”.

Em verdade, diferentemente do que ocorre com a desapropriação clás-sica, a desapropriação urbanística tem como pressuposto a aprovação de um plano urbanístico geral, embora preveja atuação particularizada, especial ou setorial, pois é o planejamento seu princípio nuclear, resultando na aprovação dos planos (que decorrem necessariamente da lei) o preenchimento da decla-ração formal de utilidade pública dos imóveis compreendidos na área de sua abrangência. Assim, a aprovação do plano diretor atenderá aos requisitos para se implementar a desapropriação dita urbanística.

Resta, assim, que a faculdade desapropriatória, na hipótese da fina-lidade urbanística, está intimamente atrelada aos planos urbanísticos previa-mente aprovados. Diversamente ocorre com a desapropriação tradicional, em que pode ser utilizada, em situações totalmente imprevistas pelo administra-dor, como nos casos de calamidade pública (letra c do art. 5º do Decreto-Lei nº 3.365/1941).

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3.2.3.4 Da desapropriação da sanção

Tem-se por certo que a desapropriação para fins urbanísticos deva obe-decer a uma planificação prévia, o que delimita o poder discricionário de atu-ação do administrador público. Por isso, a desapropriação que ora é enfocada tem natureza especialíssima, embora, aparentemente, para o desapropriado te-nha a mesma conseqüência da desapropriação clássica, qual seja, a perda da propriedade, transferindo-a para o domínio público.

Como instrumento de direito urbanístico importa atender ao Plano Dire-tor e impõe à Administração Pública a obrigação de reprivatizar, porque não visa simplesmente à transferência do bem para domínio público com caráter permanente, mas, sim, imprimir à propriedade o cumprimento da função social, o que poderá ocorrer, parcelando, edificando ou reurbanizando, esta última para o caso de imóvel edificado. De fato é uma desapropriação sui generis, pois representa uma sanção ao proprietário moroso no cumprimento de suas obrigações sociais, exigíveis pelo exercício do direito de propriedade e, para o qual não tenha sido suficiente a imposição do imposto progressivo, previsto no inciso II do § 4º do art. 182 da Constituição Federal (Torres, 2001).

Por ter característica punitiva, estabelece a Constituição Federal requisi-tos especiais à sua aplicação. O primeiro deles, o Plano Diretor, ao qual se so-mam o Estatuto da Cidade e a lei municipal, o que implica reconhecer que sua aplicação será restrita, o que na realidade se espera, pois o objetivo da política urbana não é desapropriar, ao menos prioritariamente.

Impõe-se ressaltar, por oportuno, a fundamental diferença da desapro-priação clássica e da urbanística, centrada na exigência de prévia indenização em dinheiro, contida no art. 5º, XXIV, e no § 3º do art. 182 da Constituição Fe-deral, pressuposto insuprível na primeira, mas afastado na última. Como decor-rência do fim punitivo, a indenização não será prévia e nem será em dinheiro, o que é de suma gravidade. O proprietário será despojado e receberá parcela-damente ao longo de até dez anos.

Por estas razões, já se percebe que o instituto não será de grande utili-dade, servindo, em verdade, como forma de apavoramento dos especuladores imobiliários.

De outro lado, ainda que admitida a perfeição de sua elaboração e a ausência de mínimas incongruências constitucionais, considerando-se sua na-tureza punitiva, maior rigor deverá haver no exame pelo Judiciário quanto ao preenchimento dos requisitos exigidos pela Constituição Federal, e pelo Estatu-to da Cidade, impedindo a materialização da transferência do domínio se faltar algum deles.

Anote-se, ainda, que, pela mesma razão, os requisitos devem preexistir ao processo, o que importa na impossibilidade de regularização de vícios da fase administrativa no curso do processo, à exceção, é natural, de vícios relati-

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vos à identificação, na inicial da ação, por exemplo, de dados relativos ao titular do imóvel, este em consonância com o Plano Diretor e a lei municipal. Por cer-to que o equívoco nestes instrumentos normativos só poderá ser corrigido com edição de novos atos e, antes da expedição da notificação para parcelamento, para edificação ou para utilização adequada (na hipótese de imóvel edificado), posto que, como já se disse, a desapropriação é o último elo desta corrente, só atingível se as etapas anteriores se cumprirem ordenadamente.

Por fim, cabe a ressalva de Leal (1998, p. 151), no sentido de que os obs-táculos a serem removidos pela administração, via do processo expropriatório, hão de ser, de um lado, aqueles concernentes aos interesses realmente públicos, sem qualquer direto ou indireto benefício ao particular, e, de outro lado, os que dizem respeito à própria postura política institucional que anima os atos ad-ministrativos concretos, devendo estar compatibilizados com os mandamentos constitucionais até agora lançados.

O certo é que o direito de propriedade em si, assim como a própria idéia de propriedade urbana e de cidade, sofre, quanto à sua feição conservadora e individualista, erosão cada vez mais acentuada diante das injunções do interes-se público, ou melhor dito, do interesse social.

CONCLUSÃOAo final deste estudo, embora sem a pretensão de ter esgotado o tema, es-

pera-se ter contribuído para o avanço da compreensão dos elementos jurídicos envolvidos na efetivação da função social da propriedade urbana, em razão da formulação de argumentos jurídicos aptos à sua sustentação e materialização, mediante as seguintes proposições:

1. A noção de propriedade privada individualista e vinculada somente aos interesses exclusivos do proprietário foi superada pela idéia da propriedade atrelada ao cumprimento de uma função social.

2. No Brasil, dois momentos legislativos importantes vinculam-se a dois paradigmas de propriedade: o primeiro, o do Código Civil de 1916, que se filia à corrente individualista e privatista da propriedade, cuja inspiração remonta ao Código de Napoleão, de 1804; o segundo, o da Constituição de 1934, que pela primeira vez prevê a idéia de propriedade social no ordenamento jurídico do País.

3. A Constituição Federal de 1988 consolidou o paradigma da propriedade social da Constituição de 1934 e definiu de maneira sem precedentes o princípio da função social da propriedade, inclusive dedicando um capítulo exclusivo à política urbana, tendo presente que, neste intervalo de tempo, inúmeras foram as leis e decretos-leis editados denotando, direta ou indiretamente, a noção de propriedade funcionalizada e sujeita à intervenção do Estado.

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4. Não obstante a ruptura com o paradigma civilista de propriedade individualista, é lenta a assimilação nas esferas administrativa e judicial da modificação da estrutura do direito de propriedade, negando-se efetividade ao princípio da função social.

5. A aprovação do Estatuto da Cidade, em julho de 2001, representou um novo e promissor capítulo da luta, histórica, pela afirmação e submissão da propriedade a uma função social, pois esse é o objetivo-fim da política urbana e, por conseguinte, de suas normas.

6. Ao mesmo tempo em que consagrou, definitivamente, o princípio da função social da propriedade urbana, o Estatuto da Cidade reabriu um espaço para a discussão da efetividade do princípio à luz de suas normas, com possibilidade da construção de argumentos jurídicos concretos propulsores de sua real e eficiente aplicação.

7. Este conjunto de argumentos jurídicos construídos a partir da entrada em vigor do Estatuto da Cidade responde aos três grandes obstáculos à efetividade da função social da propriedade urbana, consistentes nas afirmações de que a função social da propriedade não seria materializável na prática por se tratar de um princípio constitucional, assim como a função social da propriedade não seria passível de aplicação no caso concreto por se tratar de um conceito juridicamente indeterminado, ao mesmo tempo em que a função social da propriedade não teria aplicabilidade por ser espécie do gênero norma constitucional de cunho meramente programático, portanto inapta para produzir efeitos.

8. Ainda, o crucial obstáculo que coloca à frente da efetivação da função social da propriedade urbana é bastante dissimulado, qual seja, a existência do plano diretor, sendo equivocado o entendimento que pretende ser dominante e que se baseia na imperiosa necessidade do atendimento do imprescindível pressuposto da prévia existência deste instrumento para o cumprimento da função social pela pro-priedade urbana.

9. O plano diretor é, sem dúvida, o principal instrumento definidor do conteúdo mínimo da função social da propriedade urbana em cada municipalidade, mas não é o único nem o imprescindível. As diretrizes gerais do Estatuto da Cidade, seus instrumentos de política urbana e outras de suas normas também se prestam a este papel constitucionalmente objetivado, não como desejável, mas como necessário.

10. As propriedades urbanas situadas nos municípios que não se enquadram nas hipóteses legais de exigência obrigatória do plano diretor também estão sujeitas ao cumprimento de uma função social

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que aproveite à coletividade e não só aos interesses dos respectivos proprietários.

11. A inexistência do plano diretor num município que não esteja obrigado por lei a tê-lo não impede a efetividade do princípio da função social da propriedade, que pode ser invocada diretamente da Constituição Federal ou, agora, do Estatuto da Cidade.

12. O plano diretor, neste novo contexto positivo, pode assumir um papel não só de conformador da propriedade privada, mas ao mesmo tempo de garantidor dessa propriedade – afinal, também um direito fundamental –, uma vez que possibilita a definição mais concreta das exigências de ordenação da cidade a serem atendidas pela propriedade urbana funcionalizada.

13. Vinculados ou não ao plano diretor, têm-se três instrumentos urbanísticos delineados pela Constituição Federal e regulamentados pelo Estatuto da Cidade, os quais ainda precisam tornar-se conhecidos e facilmente manejáveis por seus destinatários finais para que consigam, efetivamente, disciplinar o crescimento racional das cidades, e que são: parcelamento ou edificação compulsória, IPTU progressivo no tempo e, ainda, a desapropriação sanção.

14. O primeiro deles, parcelamento ou edificação compulsória, serve como penalidade ao proprietário de imóvel não edificado, subutilizado ou não utilizado, para que promova, de acordo com o Plano Diretor da Cidade ou outro instrumento normativo municipal, o seu aproveitamento. Caso não faça, a sanção é a obrigação de lotear ou desmembrar a área, inclusive, e como edificação, deverá proceder no adequado aproveitamento da respectiva área, conforme dispuser o plano diretor local.

15. O segundo instrumento, o chamado IPTU progressivo no tempo, significa que, se a propriedade não estiver cumprindo sua função social, e o proprietário do imóvel não parcelar, ou edificar, de acordo com o plano diretor ou outro instrumento normativo municipal, o imóvel sofrerá a penalidade da tributação progressiva, através do IPTU.

16. Como última punição, ao proprietário de imóvel que não esteja atendendo à sua função social, tem-se a desapropriação de exceção à regra, ou seja, ao invés do pagamento em dinheiro conforme o previsto no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, o pagamento será feito através de títulos da dívida pública municipal, com prazo de resgate de até 10 (dez) anos, o que se constitui para o proprietário em verdadeira tragédia econômica.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Agravo de Instrumento nº 1.420.212 – RS (2011/0155596‑2)Relator: Ministro Raul AraújoAgravante: Ronaldo Peruzzo e outroAdvogado: Gustavo BernardiAgravado: Adriano Fanfa MacielAdvogado: Cristiano Prunes de Azevedo e outro(s)

ementA

AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE – BEM IMÓVEL – RECURSO ESPECIAL ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DOS PRECEITOS LEGAIS DITOS VIOLADOS – PRETENSÃO DE IMPUGNAÇÃO REFLEXA DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO LOCAL – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA – SÚMULA Nº 7/STJ – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO

1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o acórdão examina os pontos controvertidos da lide e declina os fundamentos pelos quais decidiu, ainda que o faça de forma contrária à pretensão da parte.

2. É de rigor a aplicação das Súmulas nºs 282 e 356 do STF quando, apesar de opostos embargos de declaração, os preceitos legais ditos violados não foram objeto de debate pelo Tribunal recorrido, por este ter decidido a lide à luz de legislação diversa.

3. A petição recursal impugna apenas de forma reflexa os fundamen-tos do acórdão, pois se refere a outra lide em trâmite contra a CEF, e busca, sob a pretensão de violação à lei federal, o reexame de matéria fática. Incide, no ponto, a Súmula nº 7 do STJ.

4. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, de-cide a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimen-tal, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 07 de novembro de 2013 (data do Julgamento).

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Ministro Raul Araújo Relator

RelAtÓRiO

O Sr. Ministro Raul Araújo:

Cuida-se de agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento interposto para emprestar trânsito a recurso especial bar-rado na origem.

Postula-se a reforma da decisão pelos fundamentos assim deduzidos: a) o art. 535 do CPC foi violado pelo acórdão reclamado quando este não emi-tiu juízo de valor acerca dos arts. 103, 105 e 535 do CPC; art. 31, I e II, § 1º, do Decreto nº 70/1966; b) o prequestionamento ocorre com a efetiva discussão nos autos, não existindo necessidade de sua explicitação; c) inaplicabilidade da Súmula nº 7/STJ; d) os documentos constantes dos autos comprovam a ino-bservância, pela parte agravada, dos ditames legais do DL 70/1966, pois não promoveu mais de uma intimação dos mutuários, o que vicia de nulidade o procedimento expropriatório; e) tratando-se de matéria de ordem pública, pode ser suscitada em qualquer fase do processo, inclusive recurso especial.

É o relatório.

vOtO

O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator):

Inicialmente, cumpre assinalar que a alegação de que a matéria tratada nos autos é de ordem pública, cognoscível em qualquer fase do processo, dis-pensando prequestionamento, constitui inovação recursal utilizada pela parte recorrente no afã de obter o trânsito de sua insurgência recursal, o que se afigura inadmissível.

No mais, as alegações expendidas na petição regimental nada trazem de novo, mas apenas repetem o já deduzido ao longo dos autos.

Assim, da mesma forma, reitera-se a mesma fundamentação desenvolvi-da na decisão agravada, para, com apoio nela, se negar provimento ao agravo regimental. Ei-la:

Primeiramente, não há que se cogitar de infringência do art. 535 do CPC, uma vez que o Tribunal local dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe fo-ram submetidas, e, malgrado não ter acolhido os argumentos suscitados pelo recorrente, manifestou-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide.

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Por outro lado, os preceitos insertos nos arts. 103 e 105, do CPC, 31, I e II, § 1º, do Decreto nº 70/1966; não foram prequestionados, o que impede o trânsito da insurgência recursal nos termos das Súmulas nºs 282 e 356, do STF.

Além disso, os recorrentes/agravantes trazem no bojo de sua petição recursal reclamação relativa à lide em que demandam contra a CEF, caracterizando-se, destarte, a impugnação apenas reflexa do que foi decidido nos presentes autos.

Quanto aos aluguéis, assim estão postas as alegações recursais:

A obrigação dos Recorrentes de pagarem o aluguel referente ao período de ocu-pação, após o dia 19.05.2009 foi determinado em Embargos de Declaração opostos pelo Recorrido, os quais foram acolhidos com efeito infringentes.

Assim somente através de Reiteração a Apelação os Recorrentes poderiam reba-ter tal decisão. E como se verifica do andamento da presente demanda, foi o que de fato ocorreu.

Decisão dos Embargos de Declaração com efeito infringente foi interposto rei-teração a apelação, momento que surgiu tal irresignação, não podendo ter sido contestada anteriormente, pois tal determinação apenas surgiu com a decisão dos embargos declaratórios.

Assim, cabe frisar que a ocupação, pelos ora Recorrentes, do imóvel objeto des-ta ação, deu-se até o recebimento de ordem judicial que imitiu o Recorrido na posse do mesmo.

Como o cumprimento da medida liminar de imissão na posse somente veio a ocorrer após a data de 19.05.2009 devido aos recursos interpostos, descabe a condenação dos Recorrentes ao pagamento de aluguel após tal data.

Repisa-se: a posse do imóvel pelos Recorrentes, após 19.05.2009, deu-se com base em decisão judicial (no caso, objeto da Nota de Expediente nº 88/2009 antes referida).

Assim, somente a partir de tal data era exigível o cumprimento da medida liminar de imissão da posse, e não no período anterior, posto que aos Recorrentes fora concedida a manutenção daquela posse até o julgamento da ação ajuizada pe-rante a Justiça Federal.

Além disto, necessário considerar que eventual demora no cumprimento da me-dida liminar concedida não pode ser objeto de penalização aos Recorrentes, posto se tratar de demora cartorária.

Assim, a utilização dos mecanismos processuais permitidos em lei, por qualquer uma das partes, sem o devido reconhecimento do caráter protelatório do mesmo, não pode implicar a penalização daquela que utilizar-se do benefício previsto, sob pena de vedar o acesso à justiça e cercear sua plena defesa.

Diante disso, não há que se cobrar aluguel desde 19.05.2009, posto que, naquela data, a decisão ainda não havia se tornado definitiva a favor do Apelado.

O exame da insurgência recursal na forma como posta demanda o revolvimento de matéria fática dos autos o que é defeso ao STJ em sede de recurso especial pela Súmula nº 7.

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Por fim, o dissídio jurisprudencial invocado não preencheu os requisitos legais e regimentais necessários à sua caracterização.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

CeRtiDÃO De julgAmentO quARtA tuRmA

AgRg no Ag 1.420.212/RS Número Registro: 2011/0155596-2

Números Origem: 10900018656 70036256543 70037282266 70038781142 70040316564

Em Mesa Julgado: 07.11.2013

Relator: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Luciano Mariz Maia

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

AutuAçÃO

Agravante: Ronaldo Peruzzo e outro

Advogado: Gustavo Bernardi

Agravado: Adriano Fanfa Maciel

Advogado: Cristiano Prunes de Azevedo e outro(s)

Assunto: Direito civil – Coisas – Posse

AgRAvO RegimentAl

Agravante: Ronaldo Peruzzo e outro

Advogado: Gustavo Bernardi

Agravado: Adriano Fanfa Maciel

Advogado: Cristiano Prunes de Azevedo e outro(s)

CeRtiDÃO

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

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A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1372

Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Agravo em Recurso Especial nº 274.763 – MG (2013/0001284‑4)Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia FilhoAgravante: Banco Santander Brasil S/AAdvogado: Osmar Mendes Paixão Côrtes e outro(s)Agravado: Francisco Carlos da Silva Paes e outrosAdvogado: Leandro Pacífico Souza Oliveira e outro(s)Interes.: Caixa Econômica Federal – CEFAdvogado: Ana Paula Gonçalves da Silva e outro(s)

ementA

ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – DUPLICIDADE DE FINANCIAMENTO COM COBERTURA PELO FCVS – POSSIBILIDADE – RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTRO- VÉRSIA – RESP 1.133.769/SP, REL. MIN. LUIZ FUX, DJE 03.12.2010 – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO

1. A Primeira Seção desta Corte Superior de Justiça, no julgamento do REsp 1.133.769/SP, de relatoria do ilustre Ministro Luiz Fux, sob o rito do art. 543-C, do CPC, firmou o entendimento de que nos con-tratos firmados antes da edição das Leis nºs 8.004, de 14 de março de 1990, e 8.100, de 5 de dezembro de 1990, não havia a proibição de quitação pelo FCVS do resíduo de financiamento de segundo imóvel adquirido no mesmo Município do imóvel anterior.

2. Agravo Regimental do Banco Santander Brasil S/A desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao Agravo Re-gimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari Pargendler e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília/DF, 26 de novembro de 2013 (data do Julgamento).

Napoleão Nunes Maia Filho Ministro Relator

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RelAtÓRiO1. Trata-se de Agravo Regimental interposto pelo Banco Santander Brasil

S/A contra a decisão que negou provimento ao seu Agravo em Recurso Especial, nos termos da seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SISTEMA FINAN-CEIRO DE HABITAÇÃO – DUPLICIDADE DE FINANCIAMENTO COM CO-BERTURA PELO FCVS – POSSIBILIDADE – RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA: RESP 1.133.769/SP, REL. MIN. LUIZ FUX, DJE 03.12.2010 – AGRAVO DESPROVIDO (FL. 485).

2. Irresignado, defende o agravante a impossibilidade de utilização do FCVS para a cobertura de saldo devedor residual de contrato de mútuo, vincu-lado ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH, de segundo imóvel, no mesmo município em que se localiza o imóvel objeto de financiamento anterior.

Ressalta, ainda, que tal proibição já constava no art. 9º, § 1º da Lei nº 4.320/1964, não sendo necessária a retroatividade da Lei nº 8.100/1990 ao presente caso.

3. Pugna, desse modo, pela reconsideração da decisão ora atacada ou, caso assim não se entenda, a apresentação do feito à Turma Julgadora, a fim de dar provimento ao Agravo.

4. É o relatório.

vOtO

ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SISTE- MA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – DUPLICIDADE DE FINANCIAMENTO COM COBER- TURA PELO FCVS – POSSIBILIDADE – RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA – RESP 1.133.769/SP, REL. MIN. LUIZ FUX, DJE 03.12.2010 – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO

1. A Primeira Seção desta Corte Superior de Justiça, no julgamento do REsp 1.133.769/SP, de relatoria do ilustre Ministro Luiz Fux, sob o rito do art. 543-C, do CPC, firmou o entendimento de que nos con-tratos firmados antes da edição das Leis nºs 8.004, de 14 de março de 1990, e 8.100, de 5 de dezembro de 1990, não havia a proibição de quitação pelo FCVS do resíduo de financiamento de segundo imóvel adquirido no mesmo Município do imóvel anterior.

2. Agravo Regimental do Banco Santander Brasil S/A desprovido.

1. A despeito das alegações da agravante, razão não lhe assiste, devendo a decisão agravada ser mantida por seus próprios fundamentos, que por ora transcrevo no essencial:

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5. A questão da possibilidade ou não de quitação do saldo devedor do financia-mento do segundo imóvel adquirido pelo mutuário, pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS, foi objeto de apreciação pela Primeira Seção desta Corte no REsp. 1.133.769/SP, da relatoria do Exmo. Min. Luiz Fux, submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução nº 8/2008 do STJ, que tratam dos recursos representativos da controvérsia, e foi desta forma ementado:

PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – REPRESENTATIVO DE CONTRO-VÉRSIA – ART. 543-C, DO CPC – ADMINISTRATIVO – CONTRATO DE MÚ-TUO – LEGITIMIDADE – CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – SUCESSORA DO EX-TINTO BNH E RESPONSÁVEL PELA CLÁUSULA DE COMPROMETIMENTO DO FCVS – CONTRATO DE MÚTUO – DOIS OU MAIS IMÓVEIS, NA MESMA LO-CALIDADE, ADQUIRIDOS PELO SFH COM CLÁUSULA DE COBERTURA PELO FCVS – IRRETROATIVIDADE DAS LEIS NºS 8.004/90 E 8.100/1990 – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO SÚMULAS NºS 282 E 356/STF – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA Nº 284/STF

1. A Caixa Econômica Federal, após a extinção do BNH, ostenta legitimidade para ocupar o polo passivo das demandas referentes aos contratos de financia-mento pelo SFH, porquanto sucessora dos direitos e obrigações do extinto BNH e responsável pela cláusula de comprometimento do FCVS – Fundo de Compen-sação de Variações Salariais, sendo certo que a ausência da União como litiscon-sorte não viola o art. 7º, inciso III, do Decreto-Lei nº 2.291, de 21 de novembro de 1986. Precedentes do STJ: CC 78.182/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJ de 15.12.2008; REsp 1044500/BA, Relª Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 22.08.2008; REsp 902.117/AL, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 01.10.2007; e REsp 684.970/GO, Relª Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 20.02.2006.

2. As regras de direito intertemporal recomendam que as obrigações sejam regi-das pela lei vigente ao tempo em que se constituíram, quer tenham base contra-tual ou extracontratual.

3. Destarte, no âmbito contratual, os vínculos e seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente ao tempo em que se celebraram, sendo certo que no caso sub judice o contrato foi celebrado em 27.02.1987 (fls. 13/20) e o requerimento de liquidação com 100% de desconto foi endereçado à CEF em 30.10.2000 (fl. 17).

4. A cobertura pelo FCVS – Fundo de Compensação de Variação Salarial é espé-cie de seguro que visa a cobrir eventual saldo devedor existente após a extinção do contrato, consistente em resíduo do valor contratual causado pelo fenômeno inflacionário.

5. Outrossim, mercê de o FCVS onerar o valor da prestação do contrato, o mutuá-rio tem a garantia de, no futuro, quitar sua dívida, desobrigando-se do eventual saldo devedor, que, muitas vezes, alcança o patamar de valor equivalente ao próprio.

6. Deveras, se na data do contrato de mútuo ainda não vigorava norma impe-ditiva da liquidação do saldo devedor do financiamento da casa própria pelo FCVS, porquanto preceito instituído pelas Leis nºs 8.004, de 14 de março de 1990, e 8.100, de 5 de dezembro de 1990, fazê-la incidir violaria o Princípio da

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Irretroatividade das Leis a sua incidência e conseqüente vedação da liquidação do referido vínculo.

7. In casu, à época da celebração do contrato em 27.02.1987 (fls. 13/20) vigia a Lei nº 4.380/1964, que não excluía a possibilidade de o resíduo do financia-mento do segundo imóvel adquirido ser quitado pelo FCVS, mas, tão somente, impunha aos mutuários que, se acaso fossem proprietários de outro imóvel, seria antecipado o vencimento do valor financiado.

8. A alteração promovida pela Lei nº 10.150, de 21 de dezembro de 2000, à Lei nº 8.100/1990 tornou evidente a possibilidade de quitação do saldo residual do segundo financiamento pelo FCVS, aos contratos firmados até 05.12.1990. Pre-cedentes do STJ: REsp 824.919/RS, Relª Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 23.09.2008; REsp 902.117/AL, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Tur-ma, DJ 01.10.2007; REsp 884.124/RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 20.04.2007 e AgRg no Ag 804.091/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 24.05.2007.

9. O FCVS indicado como órgão responsável pela quitação pretendida, posto não ostentar legitimatio ad processum, arrasta a competência ad causam da pessoa jurídica gestora, responsável pela liberação que instrumentaliza a quitação.

[...]

11. É que o art. 3º da Lei nº 8.100/1990 é explícito ao enunciar:

Art. 3º O Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS quitará so-mente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrên-cia do evento caracterizador da obrigação do FCVS. (Redação dada pela Lei nº 10.150, de 21.12.2001)

12. A Súmula nº 327/STJ, por seu turno, torna inequívoca a legitimatio ad causam da Caixa Econômica Federal – CEF.

[...]

17. Ação ordinária ajuizada em face da Caixa Econômica Federal – CEF, obje-tivando a liquidação antecipada de contrato de financiamento, firmado sob a égide do Sistema Financeiro de Habitação, nos termos da Lei nº 10.150/2000, na qual os autores aduzem a aquisição de imóvel residencial em 27.02.1987 (fls. 13/20) junto à Caixa Econômica Federal, com cláusula de cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais, motivo pelo qual, após adim-plidas todas a prestações mensais ajustadas para o resgate da dívida, fariam jus à habilitação do saldo devedor residual junto ao mencionado fundo.

18. Recurso Especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 08/2008.

(REsp 1.133.769/RN, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18.12.2009)

6. Seguindo essa orientação, outro julgado desta Corte:

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ADMINISTRATIVO – SFH – CONTRATO DE FINANCIAMENTO – ILEGITIMI-DADE PASSIVA DA UNIÃO – SÚMULA Nº 327/STJ – AQUISIÇÃO DE MAIS DE UM IMÓVEL – MESMA LOCALIDADE – COBERTURA DO FCVS AO SEGUN-DO IMÓVEL – LEIS NºS 8.004/90 E 8.100/1990 – ORIENTAÇÕES CONSO-LIDADAS NO JULGAMENTO DO RECURSO REPETITIVO Nº 1.133.769/RN

1. Nas ações relativas à imóvel financiado pelo regime do SFH, não é neces-sária a presença da União como litisconsorte passivo porque, com a extinção do BNH, a competência para gerir o Fundo passou à CEF, cabendo à União, pelo CMN, somente a atividade de normatização, o que não a torna parte legítima para a causa. Súmula nº 327/STJ.

2. As restrições veiculadas pelas Leis nºs 8.004 e 8.100, ambas de 1990, à quitação pelo FCVS de imóveis financiados na mesma localidade, não se aplicam aos contratos celebrados anteriormente à vigência desses diplomas legais.

3. A Lei nº 4.380/1964, vigente no momento da celebração dos contratos, conquanto vedasse o financiamento de mais de um imóvel pelo SFH, não impunha como penalidade a seu descumprimento a perda da cobertura pelo FCVS.

4. Esses posicionamentos foram consagrados no REsp 1.133.769/RN, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 18.12.2009, submetido ao Colegiado pelo regime da Lei nº 11.672/2008 (Lei dos Recursos Repetitivos).

5. Recurso especial não provido.

(REsp. 1.171.345/MG, Rel. Min. Castro Meira, DJe 21.05.2010)

7. Dessume-se, portanto, que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece reforma.

8. Diante do exposto, com fundamento no art. 34, VII do RISTJ, nega-se provi-mento ao Agravo (fls. 486/490).

2. Ressalte-se, ainda, que quanto à alegação de que a proibição pela Lei nº 4.380/1964 de utilização do FCVS para a cobertura de saldo devedor de segundo imóvel no mesmo Município, a orientação desta Corte é no sentido de que o referido diploma não proibia a quitação pelo FCVS do segundo imóvel. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – CO-BERTURA PELO FCVS – SALDO RESIDUAL – DUPLO FINANCIAMENTO – CONTRATO DE MÚTUO ANTERIOR À LEI Nº 8.100/1990 – POSSIBILIDADE – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO

1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 25.11.2009, no julga-mento do REsp 1.133.769/RN, submetido ao regime do art. 543-C do CPC, rea-firmou o entendimento no sentido de que: a) a Caixa Econômica Federal, após a extinção do BNH, ostenta legitimidade para ocupar o polo passivo das demandas referentes aos contratos de financiamento pelo SFH; b) o FCVS quitará somen-te um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto

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aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrência do evento ca-racterizador da obrigação do FCVS; e c) o contrato em exame foi celebrado [...] sob a égide da Lei nº 4.380/1964, a qual não previa a penalização do mutuário, com a perda do direito à cobertura do FCVS, na hipótese de obter um segundo financiamento no âmbito do SFH, em iguais condições.

2. No caso em exame, o contrato foi celebrado em 15.12.1983, época em que vigia a Lei nº 4.380/1964, que não excluía a possibilidade de o resíduo do fi-nanciamento do segundo imóvel adquirido ser quitado pelo FCVS, mas apenas impunha aos mutuários, se proprietários de outro imóvel, a antecipação do ven-cimento do valor financiado.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg-REsp 1.031.414/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 10.05.2012)

ADMINISTRATIVO – SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – COBERTURA DO FCVS AO SEGUNDO IMÓVEL DA MESMA LOCALIDADE – CONTRATOS DE FINANCIAMENTOS ANTERIORES À LEI Nº 8.100/1990 – CABIMENTO – TEMA JÁ JULGADO EM SEDE DE RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTRO-VÉRSIA

1. Sobre a incompetência da Justiça Estadual para processar e julgar a causa, não se pode conhecer do recurso pela alínea a do permissivo constitucional. A ausên-cia de indicação do dispositivo considerado violado atrai a aplicação analógica da Súmula nº 284 do STF.

2. Quanto à aludida violação aos arts. 9º, § 1º, da Lei nº 4.380/1964, 5º da Lei nº 8.004/1990, 3º da Lei nº 8.100/1990 e 4º da Lei nº 10.150/2000, nota-se, con-forme premissa de fato fixada pela origem e insuperável por esta corte, que, no caso dos autos, o contrato de financiamento foi contraído em 1983, bem como possui cobertura do FCVS.

3. O tema referente à possibilidade de quitação do saldo residual por parte do FCVS, ante a contribuição havida por este, mesmo em se tratando de mais de um imóvel financiado no mesmo município, foi objeto de apreciação pela Primeira Seção desta Corte no REsp 1.133.769/SP, de relatoria do Exmo. Min. Luiz Fux, submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução nº 8/2008 do STJ.

4. Consolidou-se nesta Corte o entendimento de que é possível a manutenção da cobertura do FCVS aos mutuários que adquiriram mais de um imóvel em uma mesma localidade, quando a celebração dos contratos ocorreu anteriormente à vigência da Lei nº 8.100/1990, ou seja, 5 de dezembro de 1990.

5. No caso em exame, o contrato do agravado, reitere-se, foi firmado antes de 1990.

6. Considera-se que a Lei nº 4.380/1964, vigente no momento da celebração dos contratos, embora vedasse o financiamento de mais de um imóvel pelo Sistema Financeiro de Habitação – SFH, não impunha penalidade de perda da cobertura do FCVS por seu descumprimento.

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7. Impossível fazer retroagir lei a fim de se alcançar efeitos pretéritos, pois, so-mente a partir de 5 de dezembro de 1990, após as alterações introduzidas pela Lei nº 8.100/1990, com redação dada pela Lei nº 10.150/2000, pôde o mutuário ser apenado com o perdimento da cobertura do FCVS, nas hipóteses de duplo financiamento.

8. Ademais, verifica-se que a agravante se insurge contra entendimento já con-solidado por este Superior Tribunal de Justiça nos termos do art. 543-C do CPC, demonstrando o caráter exclusivamente protelatório do presente recurso.

9. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa no percentual de 5% (cinco por cento) do valor da causa, com espeque no art. 557, § 2º, do CPC.

(AgRg-AREsp 198.327/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08.10.2012)

3. Diante do exposto, permanecendo íntegros os fundamentos da decisão agravada, nego provimento ao Agravo Regimental do Banco Santander Brasil S/A.

4. É o voto.

CeRtiDÃO De julgAmentO pRimeiRA tuRmA

AgRg no AREsp 274.763/MG Número Registro: 2013/0001284-4

Números Origem: 200238000149650 200338000562187 561689820034013800

Em Mesa Julgado: 26.11.2013

Relator: Exmo. Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Darcy Santana Vitobello

Secretária: Belª Bárbara Amorim Sousa Camuña

AutuAçÃO

Agravante: Banco Santander Brasil S/A

Advogado: Osmar Mendes Paixão Côrtes e outro(s)

Agravado: Francisco Carlos da Silva Paes e outros

Advogado: Leandro Pacífico Souza Oliveira e outro(s)

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Sistema Finan-ceiro da Habitação – Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS

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AgRAvO RegimentAl

Agravante: Banco Santander Brasil S/A

Advogado: Osmar Mendes Paixão Côrtes e outro(s)

Agravado: Francisco Carlos da Silva Paes e outros

Advogado: Leandro Pacífico Souza Oliveira e outro(s)

CeRtiDÃO

Certifico que a egrégia Primeira Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari Pargendler e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1373

Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Recurso Especial nº 963.059 – SP (2007/0141365‑5)Relator: Ministro Sebastião Reis JúniorAgravante: Santo StranoAdvogado: Eugênio Carlos Barboza e outro(s)Agravado: João Pereira FilhoAdvogado: Luzia da Mota Rodrigues e outro(s)Agravado: Filipe de OlimAdvogado: Antônio Alves Bezerra

ementA

LOCAÇÃO – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – ANULAÇÃO DE ARRE-MATAÇÃO – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 714 E 715 DO CPC – NECESSIDADE DE ADJUDICAR O BEM – POSSIBILIDADE DE ARREMATAÇÃO NA HIPÓTESE DE UM ÚNICO LANÇADOR – PRECEDENTES – PREÇO VIL – AFASTAMENTO PELA INSTÂNCIA DE ORIGEM – SÚ - MULA Nº 7/STJ – INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS APTOS A ENSEJAR A MO DI FICAÇÃO DO JULGADO

Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-das, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Assusete Magalhães, Rogerio Schietti Cruz, Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 21 de novembro de 2013 (data do Julgamento).

Ministro Sebastião Reis Júnior Relator

RelAtÓRiO

O Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Trata-se de agravo regimental interposto por Santo Strano (fls. 646/651) contra decisão de minha autoria, na qual neguei seguimento ao recurso especial interposto pelo ora agravante.

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A decisão agravada resultou na seguinte ementa:

LOCAÇÃO – RECURSO ESPECIAL – ANULAÇÃO DE ARREMATAÇÃO – VIO-LAÇÃO AOS ARTS. 714 E 715 – NECESSIDADE DE ADJUDICAR O BEM – POS-SIBILIDADE DE ARREMATAÇÃO NA HIPÓTESE DE UM ÚNICO LANÇADOR – PRECEDENTES – PREÇO VIL – AFASTAMENTO PELA INSTÂNCIA DE ORIGEM – SÚMULA Nº 7/STJ – VIOLAÇÃO AO ART. 535 – OMISSÃO – INEXISTÊNCIA

Recurso especial a que se nega seguimento.

O ora agravante alega que não é o caso de se aplicar a Súmula nº 7/STJ, porquanto não se faz necessário o revolvimento de matéria fática, mas, sim-plesmente, analisar a decisão de primeiro grau e o teor do acórdão recorrido (fl. 648).

Aduz que não há falar em preferência, sustentando que o bem deveria ser de propriedade daquele que deu o maior lance para a arrematação. Assim, esclarece o ora agravante que a hipótese retratada nos autos seria de adjudica-ção, porquanto realizados os requisitos insertos nos arts. 714 e 715 do Código de Processo Civil.

Alega que não foi realizado o exame acerca da aplicabilidade, na hipó-tese, do § 2º do art. 690 do Código de Processo Civil.

É o relatório.

vOtO

O Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Relator):

Está consignado no voto condutor do acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que, in verbis (fl. 529):

[...] Assim, não obstante considere que o preço vil é, em geral, aquele inferior a 60% do valor atualizado do bem, afigura-se necessária a análise de tal montante em cada caso concreto. E, na hipótese em testilha, é de se concluir pela sufi-ciência da quantia ofertada pelo arrematante (R$ 30.000,00), na medida em que, embora represente algo em torno de 50% do valor do imóvel (R$ 60.186,53 na data da hasta), é superior à dívida e foi o único lance oferecido. [...]

Como se verifica do trecho acima transcrito, ao contrário do que aduz o ora recorrente, para rever a posição adotada pela instância de origem sobre a suficiência do valor para a arrematação do bem, seria necessário revolver as provas contidas nos autos, o que faz recair ao ponto o óbice da Súmula nº 7/STF.

No que concerne às alegações do agravante sobre a possibilidade de adjudicação do imóvel, nos moldes dos arts. 714 e 715 do Código de Processo Civil, bem como sobre a aplicabilidade, na hipótese, do § 2º do art. 690 do Có-

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RDI Nº 19 – Jan-Fev/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������������������������������� 153

digo de Processo Civil, não vislumbro a existência de nenhum argumento apto a ensejar a modificação do julgado, o qual deve ser mantido por seus próprios fundamentos, os quais reproduzo:

[...] O recorrente alega que, na hipótese dos autos, deveria ocorrer a adjudicação e não arrematação, em atenção ao que dispõe os arts. 714 e 715 do Código de Processo Civil.

Defende a anulação da arrematação, porque essa feita a preço vil, uma vez que o valor pelo qual o bem foi arrematado (R$ 30.000,00) é menor do que o valor ofertado pelo ora recorrente (R$ 35.000,00), além do que o valor apurado na avaliação do imóvel é de R$ 60.186,53.

Sustenta que o acórdão proferido no julgamento dos embargos de declaração viola o art. 535 do Código de Processo Civil porque perpetua as omissões apon-tadas pelo ora recorrente.

Por oportuno e necessário a solução da controvérsia, transcrevo trecho do voto condutor do acórdão proferido na oportunidade do julgamento do recurso de apelação (fls. 527/528):

[...] Entretanto, como bem observou o ilustre magistrado, a questão relativa à possibilidade ou não do credor exequente arrematar o bem imóvel em hasta pública, sendo o único lançador, é controversa e comporta interpretações judiciais distintas, salientando-se a existência de decisões em ambos os senti-dos, razão pela qual o ato não pode ser anulado.

Em outras palavras, ainda que parcela significativa da doutrina e da jurispru-dência incline-se pela impossibilidade do credor arrematar o imóvel constrito quando for o único licitante – já que seria caso de adjudicação e não arrema-tação –, anota-se a existência de corrente divergente. [...]

Assim, não obstante considere que o preço vil é, em geral, aquele inferior a 60% do valor atualizado do bem, afigura-se necessária a análise de tal montante em cada caso concreto. E, na hipótese em testilha, é de se concluir pela suficiência da quantia ofertada pelo arrematante (R$ 30.000,00), na medida em que, embora represente algo em torno de 50% do valor do imóvel (R$ 60.186,53 na data da hasta), é superior à dívida e foi o único lance oferecido.

Inicialmente cumpre salientar que a decretação da existência de preço vil resulta de circunstâncias específicas de cada caso concreto, não se considerando vil, em regra, lance superior a 50% do valor avaliado (REsp 316.329/MG, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJe 24.03.2003; REsp 566.693/SP, Min. Adhemar Maciel, Segunda Turma, DJ 03.03.1997; AEGA 454.257/SP, Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 19.05.2003).

Considerando que a instância de origem atentou sobre o valor apurado na ava-liação do imóvel e o valor pelo qual o bem foi arrematado, inviável alterar a conclusão lá adotada, que afasta o argumento acerca do preço vil do imóvel. Isso porque, fundamentada a decisão em fatos e provas, incide o óbice contido no Enunciado nº 7 da Súmula/STJ.

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Ademais, no que concerne o argumento que, na hipótese dos autos, cabível seria a adjudicação, entendo que não merece prosperar. Isso porque, em situações análogas à retratada nos autos, essa Corte adota o posicionamento que é possível a realização de praça, e não adjudicação.

A saber:

AGRAVO REGIMENTAL – ARREMATAÇÃO – PREÇO VIL – NÃO CONFI-GURAÇÃO – LEILÃO – ARREMATAÇÃO DO BEM – PREÇO INFERIOR AO DA AVALIAÇÃO – POSSIBILIDADE – ART. 690, § 2º, DO CPC – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA – IMPROVIMENTO

I – Estando configurado no Acórdão recorrido que o valor da arrematação não foi vil, é possível ao credor participar do leilão, ainda que sem concorrência, e arrematar o bem por preço inferior ao da avaliação, nos termos do art. 690, § 2º, do Código de Processo Civil.

II – O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a con-clusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.

Agravo improvido

(AgRg-REsp 869.679/SC, Min. Sidnei Benetti, Terceira Turma, DJe 12.12.2008 – grifo nosso)

EXECUÇÃO – ARREMATAÇÃO PELO CREDOR – LANÇO INFERIOR AO DA AVALIAÇÃO – ADMISSIBILIDADE

É lícito ao credor participar de hasta pública como qualquer outra pessoa que não esteja arrolada entre as exceções previstas no art. 690, § 1º, do CPC, podendo arrematar por valor inferior ao da avaliação, desde que este não se qualifique como vil, sendo irrelevante, de todo modo, que não haja outros licitantes.

Precedentes do STJ.

Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 243.880/SC, Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, DJ de 27.11.2000)

Por fim, no que concerne a suposta violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, na medida em que o acórdão rechaçado manteve as omissões e contra-dições apontadas nos embargos de declaração, também não merece prosperar.

É pacífico o entendimento dessa Corte que o órgão julgador não está obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos expostos pelo recorrente na defesa de sua tese. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução.

A propósito:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚ-BLICO – PRÁTICA DE CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – NÃO CONFIGURADA – REVISÃO – PRETENSÃO DE REEXAME DE FATOS E PROVAS – SÚMULA Nº 7/STJ – VIOLAÇÃO DE LEI LOCAL – IMPOSSIBI-LIDADE – OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA – OMIS-

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SÃO – INEXISTÊNCIA – INOVAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 211/STJ

1. A solução integral da controvérsia, suficientemente motivada, não carac-teriza ofensa ao art.535 do CPC. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão não apreciada pelo Tribunal de origem, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios. Incidência da Súmula nº 211/STJ.

2. Não há contradição em afastar a alegada violação ao art. 535 do CPC e, ao mesmo tempo, não conhecer do mérito da demanda por ausência de prequestionamento, desde que o acórdão recorrido esteja adequadamente fundamentado. [...]

(AgRg-ARESp 372.209/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, jul-gado em 08.10.2013, DJe 16.10.2013 – grifo nosso)

Inexistentes os vícios alegados pelo recorrente, entendo que a decisão rechaçada deve ser mantida por seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, com arrimo no art. 557 do Código de Processo Civil, nego segui-mento ao recurso especial interposto por Santo Strano.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

CeRtiDÃO De julgAmentO seXtA tuRmA

AgRg no REsp 963.059/SP Número Registro: 2007/0141365-5

Números Origem: 200601604364 56532801 73718504 73718516 73718528 73718530

Em Mesa Julgado: 21.11.2013

Relator: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge

Secretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

AutuAçÃO

Recorrente: Santo Strano

Advogado: Eugênio Carlos Barboza e outro(s)

Recorrido: João Pereira Filho

Advogado: Luzia da Mota Rodrigues e outro(s)

Recorrido: Filipe de Olim

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Advogado: Antônio Alves Bezerra

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Locação de imóvel

AgRAvO RegimentAl

Agravante: Santo Strano

Advogado: Eugênio Carlos Barboza e outro(s)

Agravado: João Pereira Filho

Advogado: Luzia da Mota Rodrigues e outro(s)

Agravado: Filipe de Olim

Advogado: Antônio Alves Bezerra

CeRtiDÃO

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Assusete Magalhães, Rogerio Schietti Cruz, Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1374

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 2011.51.01.017753‑6Nº CNJ: 0017753‑15.2011.4.02.5101Relator: Desembargador Federal José Antonio NeivaApelante: Meireangela Paiva GomesAdvogado: Marcia Alves da Silva e outroApelado: Caixa Econômica Federal – CEFAdvogado: Antonio Emilio Caporali e outrosParte ré: Givaldo Eduardo Pereira MorenoAdvogado: Sem advogadoOrigem: Vigésima Nona Vara Federal do Rio de Janeiro (201151010177536)

ementA

APELAÇÃO CÍVEL – PROCESSO CIVIL – DIREITO CIVIL – GRATUIDADE DE JUSTIÇA – EFEITOS DA REVELIA AFASTADOS – PLURALIDADE DE RÉUS – AUDIÊNCIA DE CON-CILIAÇÃO DISPENSÁVEL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (PAR) – LEI Nº 10.188/2001 – INADIMPLEMENTO – ESBULHO POSSESSÓRIO

1. Deve ser deferida a gratuidade de justiça, com efeitos ex nunc. O benefício pode ser postulado a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, bastando a declaração, feita pelo interessado, de que sua situação econômica não permite arcar com os ônus processuais sem prejuízo de seu próprio sustento ou de sua família (Lei nº 1.060/1950, art. 4º). Caberá à parte recorrida, se for o caso, a prova em contrário da hipossuficiência alegada.

2. A revelia do segundo réu não conduz ao efeito descrito no art. 319 do CPC, porquanto a primeira ré, ora apelante, atuou no feito apre-sentando, inclusive, sua contestação (art. 320, I, do CPC).

3. Afasta-se, preliminarmente, a alegação de vício ou ilegalidade no processo, decorrente da ausência de realização de audiência de con-ciliação, eis que apesar de estimulada no sistema jurídico adotado no Direito Processual Civil brasileiro, não é obrigatória, especialmente quando se verifica pouca possibilidade de conciliação. O desinteres-se pela forma de solução do conflito ficou especialmente evidencia-do, diante da reiterada ausência da parte autora nas audiências mar-cadas. A recorrente, por sua vez, não indica qual prejuízo lhe teria

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advindo da não realização da audiência, o que seria indispensável ao reconhecimento de nulidade.

4. A apelante e o segundo réu firmaram com a CEF, em 29.09.2008, um contrato por instrumento particular de arrendamento residencial com opção de compra, tendo por objeto um imóvel adquirido com recursos do Programa de Arrendamento Residencial. A apelada, dian-te do inadimplemento, optou pela rescisão do arrendamento, após a notificação dos arrendatários, conforme previa a lei de regência e a vigésima cláusula do contrato.

5. A circunstância de a notificação da rescisão do contrato ter sido as-sinada por terceiro não invalida a medida, porquanto o recebimento se deu no endereço do imóvel objeto do contrato de arrendamento e atingiu sua finalidade, mormente porque a apelante assinou, poste-riormente ao recebimento do AR, um Termo de Confissão da dívida notificada. Constam dos autos outras duas notificações regularmente recebidas, informando da inadimplência das taxas de arrendamento e das taxas de condomínio, com a previsão de rescisão do contrato. Nota-se que a existência da dívida não é negada, em nenhum mo-mento, pela apelante.

6. Deferida a gratuidade de justiça requerida, com efeitos ex nunc.

7. Apelo conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima indi-cadas, decide a Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do Relató-rio e do Voto, que ficam fazendo parte do presente julgado.

Rio de Janeiro, 23 de outubro de 2013 (data do Julgamento).

José Antonio Lisbôa Neiva Desembargador Federal Relator

RelAtÓRiO

Trata-se de apelação cível interposta por Meireangela Paiva Gomes con-tra sentença (fls. 117/119) que julgou procedente o pedido de reintegração da Caixa Econômica Federal – CEF na posse de imóvel arrendado mediante contra-to firmado com base no Programa de Arrendamento Residencial – PAR. A parte

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sucumbente foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 100,00 (cem reais), nos termos do art. 20, § 4º do CPC.

Sustenta a recorrente que a sentença não poderia ter se decretado sua re-velia, uma vez que apresentou contestação e compareceu em todas as audiên-cias, pois tinha a intenção de resolver amigavelmente a demanda.

Alega a ausência de notificação válida para o pagamento do débito.

Requer a anulação da sentença e a isenção do pagamento de honorários advocatícios (fls. 122/125).

Os embargos de declaração opostos pela CEF foram acolhidos (fls. 133/136) para complementar a sentença, que passou a constar com o se-guinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo procedente o pedido (art. 269, I do CPC) para reintegrar a autora na posse do imóvel localizado à Av. Brasil, 50751, bloco 15, apto. 302, Campo Grande, Rio de Janeiro/RJ, CEP 23065-480 (Contrato nº 672540026749), e condenar a ré ao ressarcimento dos danos materiais, especificamente das cotas condominiais, pelo tempo que permaneceu no imóvel, bem como das taxas de arrendamento do mesmo período.

Condeno, ainda, o sucumbente ao reembolso das custas adiantadas pela CEF, as-sim como ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 100,00 (cem reais), nos termos do art. 20, § 4º do CPC.”

Em contrarrazões, a CEF requer o desprovimento do apelo (fls. 142/145).

O Ministério Público Federal informa a ausência de interesse público que justifique sua intervenção nesses autos (fl. 06).

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2013.

José Antonio Lisbôa Neiva Desembargador Federal Relator

vOtO

Conheço da apelação porque presentes os pressupostos legais de admis-sibilidade.

De início, deve ser deferida a gratuidade de justiça, com efeitos ex nunc (STJ, AgRg-Ag 1077184/SP, Quarta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 27.04.2009; STJ, AgRg-Ag 475330/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 04.12.2006).

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O benefício da gratuidade da justiça pode ser postulado a qualquer tem-po e em qualquer grau de jurisdição. Para seu deferimento, no caso de pessoa física, basta a declaração, feita pelo interessado, de que sua situação econômica não permite arcar com os ônus processuais sem prejuízo de seu próprio susten-to ou de sua família (Lei nº 1.060/1950, art.4º). Esta afirmação de pobreza, na forma da lei, goza de presunção iuris tantum de veracidade, razão pela qual caberá à parte recorrida, se for o caso, a prova em contrário da hipossuficiência alegada.

No tocante à revelia decretada na sentença, verifica que esta se refere ao segundo réu que, embora tenha sido citado regularmente (fl. 89), não se habilitou nos autos, mas compareceu à primeira audiência marcada (fls. 97/98).

Contudo, a revelia do segundo réu não conduz ao efeito descrito no art. 319 do CPC, porquanto a primeira ré, ora apelante, atuou no feito apresen-tando, inclusive, sua contestação (art. 320, I, do CPC).

No mérito, o recurso não merece provimento.

Afasta-se, preliminarmente, a alegação de vício ou ilegalidade no proces-so, decorrente da ausência de realização de audiência de conciliação, eis que apesar de estimulada no sistema jurídico adotado no Direito Processual Civil brasileiro, não é obrigatória, especialmente quando se verifica pouca possibili-dade de conciliação.

Na presente hipótese, o desinteresse pela forma de solução do conflito ficou especialmente evidenciado, diante da reiterada ausência da parte autora nas audiências marcadas. A recorrente, por sua vez, não indica qual prejuízo lhe teria advindo da não realização da audiência, o que seria indispensável ao reconhecimento de nulidade.

Conforme relatado, pretende a apelante a reforma da sentença que jul-gou procedente o pedido de reintegração da Caixa Econômica Federal na posse de imóvel arrendado, com base na Lei nº 10.188/2001, a qual, em seu art. 9º, determina expressamente:

“Art. 9º Na hipótese de inadimplemento no arrendamento, findo o prazo da noti-ficação ou interpelação, sem pagamento dos encargos em atraso, fica configura-do o esbulho possessório que autoriza o arrendador a propor a competente ação de reintegração de posse.”

A própria lei deixa às claras que o inadimplemento, seguido de regular notificação para pagamento, caracteriza o esbulho.

Compulsando os autos, verifica-se que a apelante e o segundo réu fir-maram com a CEF, em 29.09.2008, um contrato por instrumento particular de arrendamento residencial com opção de compra, tendo por objeto um imóvel adquirido com recursos do Programa de Arrendamento Residencial (fls. 10/17).

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Ressalte-se que a apelada, diante do inadimplemento, optou pela resci-são do arrendamento, após a notificação dos arrendatários, conforme previa a lei de regência e a vigésima cláusula do contrato (fl. 14).

A circunstância de a notificação da rescisão do contrato (fl. 40) ter sido assinada por terceiro não invalida a medida, porquanto o recebimento se deu no endereço do imóvel objeto do contrato de arrendamento e atingiu sua finali-dade, mormente porque a apelante assinou, posteriormente ao recebimento do AR, um Termo de Confissão da dívida notificada (fls. 41/42).

Ademais, constam dos autos outras duas notificações regularmente rece-bidas, informando da inadimplência das taxas de arrendamento e das taxas de condomínio, com a previsão de rescisão do contrato (fls. 23/25).

Nota-se que a existência da dívida não é negada, em nenhum momento, pela apelante.

Em que pese a compreensão desta Corte sobre as dificuldades financeiras dos arrendatários, impeditivas da regular quitação de suas dívidas, tais conside-rações não afastam a previsão contratual de rescisão e reintegração da credora na posse imóvel, em caso de inadimplemento.

Isto posto,

Defiro a gratuidade de justiça requerida, com efeitos ex nunc.

Conheço e nego provimento ao recurso.

É como voto.

José Antonio Lisbôa Neiva Desembargador Federal Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1375

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e TerritóriosÓrgão: 4ª Turma CívelProcesso: Apelação Cível nº 20110111263767APCApelante(s): Maria da Conceição Diniz MayrinkApelado(s): Condomínio Estância Quintas da AlvoradaRelator: Desembargador Fernando HabibeRevisor: Desembargador Arnoldo Camanho de AssisAcórdão nº 745.381

ementAAPELAÇÃO CÍVEL – CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – TAXA CONDOMINIAL – CON-DOMÍNIO ESTÂNCIA QUINTAS DA ALVORADA – RECUSA LEGÍTIMA

1. O Condomínio Quintas da Alvorada, visando à sua regularização, estabeleceu critérios objetivos, cuja validade é reconhecida por esta Corte, para o cadastramento dos lotes.

2. Assim, e para não fomentar benefício indevido, sobretudo em des-prestígio às suas próprias regras, é justa a sua recusa em receber o pagamento de taxa condominial por parte de quem não comprova atender aos demais critérios.

ACÓRDÃOAcordam os Senhores Desembargadores da 4ª Turma Cível do Tribu-

nal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Fernando Habibe – Relator, Arnoldo Camanho de Assis – Revisor, Antoninho Lopes – Vogal, sob a Presidên-cia do Senhor Desembargador Cruz Macedo, em proferir a seguinte decisão: negar provimento ao recurso, unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 18 de dezembro de 2013.

Desembargador Fernando Habibe Relator

RelAtÓRiO

Apela a autora (fls. 437-446 e 456) contra a sentença (fls. 420-422) da 19ª Vara Cível de Brasília que julgou improcedente demanda de consignação em pagamento e condenou-a nas custas e honorários advocatícios (R$ 1.000,00).

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Sustenta que o réu recusa, imotivadamente, o recebimento da taxa con-dominial referente ao imóvel localizado na Fração 11, da Gleba T, da III Etapa, do Condomínio Estância Quintas da Alvorada, cuja quitação deve ser reconhe-cida em razão do depósito judicial da quantia que entende devida, no valor de R$ 12.736,00 (fls. 322-323).

Requer seja declarada a quitação do débito com a sua consequente de-soneração, alegando que cumpriu todos os critérios determinados pelo réu, em Assembleia Geral Ordinária, sendo parte integrante do condomínio e detentora do direito de obter certificado de endereçamento.

Em contrarrazões (fls. 461-476), o réu defende o acerto da sentença.

vOtOs

O Senhor Desembargador Fernando Habibe (Relator):

As razões do apelo coincidem com as da inicial, já apreciadas na sen-tença, cujos fundamentos adoto como motivação, com a licença devida à MMª Juíza Eugenia Christina Bergamo Albernaz (fls. 420-422):

“[...], a autora manejou a presente ação cujo objetivo principal é a extinção da dívida e desoneração do devedor. Alega que deve ao réu as cotas condominiais mensais do lote que possui, no valor de R$ 12.326,24 (doze mil, trezentos e vinte e seis reais e vinte e quatro centavos), e que a atual administração do Condomí-nio Requerido se recusa, sem motivo, a recebê-las.

A principal alegação do réu para se recusar a receber o pagamento da autora é a de que a autora teve negado o seu recadastramento como condômina, pois não apresentou os documentos necessários para tanto, quais seriam, cópia da cadeia dominial completa, comprovantes de todos os pagamentos efetivados, IPTU e ficha cadastral completa. Ademais, não reconhece o endereço Fração 11, da Gleba T, da III Etapa, como parte integrante do Condomínio.

[...].

Assim, a solução da controvérsia reside, portanto, em se saber se a recusa em receber o pagamento, exercida pelo Condomínio Requerido, é justa ou não (CPC, art. 896 II).

[...].

Assim é que, visando a regularização, a Assembléia Geral Extraordinária realiza-da em 22.01.2010 elegeu critérios objetivos para o recadastramento dos condô-minos que integram o Condomínio Requerido, em cumprimento ao disposto no PDOT – Lei Complementar nº 803/2009 e na Lei Distrital nº 1.823/1998.

Dada a realidade fática do Condomínio Requerido, notadamente o número ex-cedente de condôminos vis-à-vis a área efetivamente passível de ocupação, a AGE estabeleceu, à unanimidade, critérios igualmente objetivos para dirimir as hipóteses de ‘duplicidade de titulares de lotes de terrenos, ou no caso de haver

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contratos e cessão de direito em número superior ao que consta no Projeto Urba-nístico’ (item 10, fl. 95), a saber:

‘A administração do Condomínio, ao promover o cadastramento do lote, deverá considerar a pontuação seguinte: cadeia dominial completa – peso 1; antigui-dade – peso 1; número de inscrição do IPTU – peso 1; adimplência – peso 2; pontualidade – critério a ser adotado para desempate.’

Tendo a AGE privilegiado o critério do adimplemento como o de maior peso, e o da pontualidade para o desempate, permitir a consignação pretendida pela autora e a subsequente declaração de sua desoneração importa em relevar, ainda que por vias oblíquas, as determinações do órgão soberano de administração do Condomínio Requerido.

É dizer, autorizar o adimplemento agora, via consignatória, implica em se per-mitir que a autora atenda aos requisitos de recadastramento que, em princípio e por escolha própria, não atenderia, tornando tal critério (e igualmente o da pontualidade) letra morta, esvaziando-lhe a própria razão de ser, qual seja, distin-guir dentre o número excedente de condôminos aqueles que efetivamente con-tribuíram, desde sempre, para a manutenção, conservação e desenvolvimento do Condomínio Requerido.

Assim, ao recusar a consignação, o Condomínio Requerido está cumprindo a deliberação da AGE e a Convenção Condominial, cujos arts. 13 e 14 assim dis-põem (fls. 40v/41):

[...].

A recusa do Condomínio Requerido é, portanto, legítima, pelo que de rigor a rejeição do pedido consignatório, nos termos, inclusive, do entendimento do e. TJDFT:

AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – TAXA DE CONDOMÍNIO – AUSÊNCIA DE CADASTRAMENTO – LOTE CADASTRADO EM NOME DE TERCEIRO – JUSTA RECUSA NO RECEBIMENTO DA TAXA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – CORRETA FIXAÇÃO – SENTENÇA MANTIDA – 1. Com-provado que o lote que tornaria o consignante condômino está cadastrado em nome de terceiro, desde 20.10.2009, justa a recusa do recebimento da taxa de condomínio, impondo-se, assim, a improcedência da consignatória. 2. Para se fixar honorários advocatícios, quando inexistir condenação, neces-sário que se observe o determinado no art. 20, § 4º, do CPC. 3. Correta a fixa-ção de honorários de sucumbência em valor de R$ 300,00 (trezentos reais), quando o trabalho profissional, embora feito com propriedade e com qualida-de, exigiu esforço moderado, com apresentação de contestação, abordando assunto de baixa complexidade. 5. Recursos conhecidos e não providos.

(Acórdão nº 651873, 20100110147780APC, Rel. Luciano Moreira Vascon-cellos, Rev. Romeu Gonzaga Neiva, 5ª T.Cív., Publicado no DJe 06.02.2013, p. 220)

Acresço, por oportuno, que a autora reconhece, em carta endereçada à síndica do Condomínio requerido (fl. 277), que apenas obteve 1 (um) dos 4 (quatro) pon-

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tos possíveis relativamente à documentação apresentada, pelo que se extrai que não é apenas o inadimplemento que obsta o seu recadastramento.

Por fim, e no que tange à alegação de não ser a Fração 11, da Gleba T, da III Etapa, parte integrante de sua área, verifico que, a par de o Requerido não ter se desincumbido de seu ônus probatório, trazendo aos autos qualquer documento apto a corroborar tal afirmação (art. 333, II, CPC), trata-se de matéria que ultra-passa os limites objetivos da lide, pelo que a existência de relação condominial há de ser dirimida pelas partes em sede própria.”

Posto isso, nego provimento ao apelo.

O Senhor Desembargador Arnoldo Camanho de Assis – Revisor

Com o Relator.

O Senhor Desembargador Antoninho Lopes – Vogal

Com o Relator.

DeCisÃO

Negar provimento ao recurso, unânime.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1376

Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisApelação Cível/Reexame Necessário nº 1.0084.09.012317‑9/0020123179‑61.2009.8.13.0084 (1)Relator(a): Des.(a) Moreira DinizÓrgão Julgador/Câmara: Câmaras Cíveis/4ª Câmara CívelSúmula: não conheceram de um agravo retido, e negaram provimento a outro; rejeitaram uma preliminar e não conheceram das outras; e, em reexame necessário, reformaram parcialmente a sentença, prejudicadas as apelações. Proferiu sustentação oral o(a) Dr. Luiz Carlos Teles de Castro (MP) pelo(a) apelado(s).Comarca de Origem: BotelhosData de Julgamento: 12.12.2013Data da publicação da súmula: 18.12.2013

ementA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DIREITO ADMINISTRATIVO – DIREITO URBANÍSTICO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – REEXAME NECESSÁRIO – AGRAVOS RETIDOS – APELAÇÕES – JULGAMENTO EXTRA PETITA – INOCORRÊNCIA – PRELIMINAR REJEITADA – PAR- CELAMENTO DO SOLO – LOTEAMENTO – OBRAS DE INFRAESTRUTURA – RESPON- SABILIDADE SOLIDÁRIA – CUSTAS – FAZENDA PÚBLICA – ISENÇÃO – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSOS PREJUDICADOS

Consoante disposto no art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil, não se conhece do agravo retido, se a parte não requer, na apelação ou nas contrarrazões, sua apreciação pelo Tribunal.

Decididos tão somente os pedidos deduzidos em Juízo, não há como falar em sentença extra petita.

Demonstrada a omissão da loteadora na execução de obras de in-fraestrutura de um loteamento, o Município tem o dever – respon-sabilidade solidária – de promover a regularização do loteamento por ele aprovado, principalmente no caso em que prorrogou, imo-tivadamente, o prazo legal, e não exigiu garantia, ante o contido no art. 30, inciso VIII, da Constituição Federal, e no art. 40 da Lei Federal nº 6.766/1979.

Os entes públicos da administração direta e indireta dispõem de privi-légio legal de isenção de custas (art. 10, Lei Estadual nº 14.939/2003).

AC/Reex 1.0084.09.012317-9/002, Comarca de Botelhos, Remetente: Jd. Comarca Botelhos, 1º Apelante: Construtec SC Ltda. e outro(a)(s),

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Maria Augusta Muniz de Almeida, Cristovam Rabelo de Almeida, 2º Apelante: Município de Botelhos, Apelado(a)(s): Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unani-midade, em não conhecer de um agravo retido, e negar provimento a outro; rejeitar uma preliminar e não conhecer das outras; e, em reexame necessário, reformar parcialmente a sentença; prejudicadas as apelações.

Des. Moreira Diniz Relator

Cuida-se de reexame necessário, e de apelações contra sentença do MM. Juiz da comarca de Botelhos, ratificada em sede de embargos declaratórios (fls. 841/843), que julgou procedente a “ação civil pública”, promovida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra Construtec S/C Ltda., Maria Augusta Muniz de Almeida, Cristovam Rabelo de Almeida e Município de Botelhos, para condenar os réus, solidariamente, “a executarem as obras e serviços de infraestrutura no loteamento ‘Jardim Pirangueiras’, servindo-o de rede de esgoto sanitário, rede de água potável e energia elétrica, na sua ple-nitude”, ficando “mantidas as decisões lançadas às fls. 250/256 e 468/471” (fl. 805). Os réus foram, ainda, condenados ao “pagamento das custas e despe-sas proces suais relativas ao presente feito” (fl. 805).

No primeiro recurso, Construtec S/C Ltda., Maria Augusta Muniz de Almeida e Cristovam Rabelo de Almeida alegam, como preliminar, que o Mi-nistério Público não possui legitimidade ativa, porque “a atuação do Ministério Público tem que visar a coletividade, mesmo que abranja interesse que possa ser individualizado, o que não é o caso presente” (fl. 823); que houve indevida inclusão dos sócios no polo passivo da ação, porque não é o caso de “descon-sideração da personalidade da sociedade” (fl. 826); e que “o MM. Juiz manteve a liminar para manter (sic) o bloqueio dos bens da sociedade e dos sócios” (fl. 826), todavia, não restou “provado que a empresa esteja se desfazendo dos bens ou cometendo atos ilícitos, no caso em tela não ventilada esta tese e muito menos foi provado qualquer ato que pudesse ensejar tal procedimento” (fl. 826). Sobre o mérito, sustentam que “o MM. Juiz acolheu as alegações do Ministério Público, quando alegou (sic) que a empresa Construtec S/C Ltda. e seus sócios proprietários, no ano de 1996, realizaram um parcelamento de solo neste município de Botelhos e que vieram alienar vários lotes para várias pes-soas, que edificaram algumas casas no referido loteamento, e que por falta de rede de água, de coleta de esgoto, de distribuição de água potável e de energia

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elétrica, não tem condições de moradia por falta destes serviços” (fl. 831), no entanto, “no local onde foram vendidos e foram construídas moradias, existem todas as benfeitorias reclamadas pelo Ministério Público” (fl. 831); que “a tese levantada pelo Ministério Público, de que os moradores não têm condições de residir no loteamento por falta destes serviços, é totalmente desprovida de ver-dade e seriedade” (fl. 831); que “no loteamento, onde não há abertura de ruas e não existe benfeitoria, não existe casa, portanto, não há interesse do Ministério Público, exigir benfeitoria onde não há pessoas morando e não existem constru-ções” (fl. 832); que “mesmo provado em juízo que as benfeitorias foram realiza-das nos locais onde existem casas, o MM. Juiz além de condenar os apelantes a concluírem as obras, manteve as decisões lançadas nos autos às fls. 250/256 e 468/471, ou seja, condenou em multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia” (fl. 833); que “caso este Tribunal entenda deva constar da decisão multa para o cumprimento da obrigação, que seja fixado prazo razoável, depois do trânsito em julgado, para início das obras, e mediante valor módico da multa, de modo que não tenha o intuito de impedir o cumprimento do julgado, observando que jamais deverá ter fins confiscatórios” (fl. 834); e que se deve haver a “inversão dos ônus da sucumbência” (fl. 835).

No segundo recurso, o Município de Botelhos pugna, inicialmente, pelo conhecimento e provimento do agravo retido às fls. 478/486, aviado contra a decisão de fls. 468/471, “ao entender que as normas do CDC obriga, solida-riamente, o Município” (fl. 858). Alega, como preliminar, que a sentença nula, porque “foi mais ampla e além dos limites explicitados na petição inicial ao determinar a execução das obras em todo o loteamento ‘Jardim Pitangueiras’ servindo-o de rede de esgoto sanitário, rede de água potável e energia elétrica, na sua plenitude e rede pluvial, na sua integralidade” (fl. 862); e que o Minis-tério Público não possui legitimidade ativa, porque “não existe a figura dos ‘interesses difusos’ a legitimar a representação do Ministério Público” (fl. 868). Sobre o mérito, que se deve reconhecer que “o objeto da demanda já foi inte-gralmente cumprido, não há multa de mora a ser aplicada” (fl. 874); que se deve delimitar “aos primeiros réus: Construtec Ltda. e seus sócios, desobrigando o Município de Botelhos de executar as obras de infraestrutura naqueles 297 lotes de propriedade da própria ré” (fl. 874); e que deve ser excluído “da obrigação do pagamento das custas e despesas processuais nos termos do art. 10, I da Lei nº 14.939-2003” (fl. 875).

Recursos respondidos (fls. 882/890).

Há parecer Ministerial (fls. 896/907), pela reforma parcial da sentença.

Há um agravo de instrumento apensado aos autos (fls. 505/524), que foi por mim convertido em retido fl. 56 do apenso (Autos nº 0084.09.012317-9/001).

Ocorre que não houve pedido de conhecimento do referido agravo, no momento e forma oportunos, incidindo a regra do art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil.

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Assim, não conheço do agravo retido de fl. 505/524.

Passo ao exame do agravo retido de fls. 478/486, em relação ao qual houve pedido de conhecimento na segunda apelação.

Ao contrário do que alega o agravante, de acordo com a petição inicial (fls. 02/06), a presente ação civil pública não busca a condenação solidária do Município de Botelhos com base no Código de Defesa do Consumidor, mas sim ante suposto “desrespeito às normas relativas ao parcelamento do solo” (fl. 04), sob o seguinte fundamento:

“Conforme constam dos documentos que acompanham a presente exordial, a Empresa Construtec S/C Ltda. e seus proprietários, no ano de 1996, realizaram um parcelamento de solo neste Município de Botelho, denominado ‘Loteamento Jardim Pitangueira’, conforme projeto anexo.

Após a aprovação pelo Município de Botelhos, que se deu pelo Decreto nº 020, de 18 de setembro de 1996 (documento anexo), veio a alienar vários lotes para várias pessoas, que edificaram algumas casas no referido loteamento.

Acontece, que a Construtec e seus proprietários não realizaram os serviços de infraestrutura no loteamento, tais como: rede de coleta de esgoto, rede de distri-buição de água potável, rede de energia elétrica. Não tendo os compradores dos lotes condições de moradia por falta destes serviços. E mesmo sem esses serviços essenciais, o Município de Botelhos veio a aprovar o loteamento, não obedecen-do a Lei Federal nº 6.766, de 19.12.1979 e a Lei Municipal nº 1.062/1993.

Pelas leis supracitadas, a empresa e os seus proprietários são obrigados a realizar os serviços de infraestrutura, os quais não foram realizados até a presente data. E por ter o Município de Botelhos aprovado o loteamento sem que os proprietários concluíssem os serviços de rede de esgoto, rede de água e rede de energia elétri-ca, responde pela ausência destes serviços.

DO DIREITO

A Lei nº 6.766/1979 em seus arts. 2º e seus §§ 12 e 18, V e art. 9º a 16 da Lei Mu-nicipal nº 1.062/1993, os proprietários de loteamentos são obrigados a efetuarem os serviços de infraestruturas as suas dispensas. Sendo que somente após a execu-ção deste serviço é que o projeto de loteamento será aprovado pelo Município. O que no presente caso, não foi obedecido pelos requeridos” (fl. 03).

Ademais, é importante deixar claro que o próprio agravante reconhece que “a pretensão do autor contra o Município seria admissível numa outra ação, se fundamentada no art. 40 e parágrafos na Lei nº 6.766/1979” (fl. 484).

Ora, se o autor afirma genericamente que o Município não obedeceu à Lei Federal nº 6.766/1979, não há necessidade de citar expressamente o art. 40 da referida lei.

Logo, nego provimento ao agravo retido de fls. 478/486.

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Antes de passar ao reexame necessário, examino a preliminar de nulida-de da sentença, e as demais preliminares deduzidas nas apelações, por evidente prejudicialidade.

Quanto à preliminar de nulidade da sentença, noto que, ao contrário do afirmado na segunda apelação, não há como falar em julgamento extra petita, porque o Juiz decidiu nos exatos termos do pedido formulado na inicial.

Afinal, o referido pedido não foi limitado aos proprietários dos lotes, nem excluiu as obras de infraestrutura referentes à rede pluvial. Pelo contrário, a pre-sente ação também visa preservar interesses difusos, ou seja, busca resguardar não só os direitos dos proprietários dos terrenos localizados no loteamento, mas também o direito de todas as pessoas que por ali transitam, sob o fundamento de que a não regularização do loteamento, e a não realização das obras de infraestrutura essenciais, que obviamente incluem as referentes à rede pluvial, causam dano à ordem urbanística da Cidade.

Sendo assim, rejeito a preliminar.

Quanto às demais preliminares deduzidas tanto na primeira apelação, quanto na segunda, quais sejam: referentes à alegada ilegitimidade ativa do Ministério Público; à suposta indevida inclusão dos sócios no pólo passivo da ação, porque, em tese, não seria o caso de “desconsideração da personalidade da sociedade” (fl. 826); e à suposta inadequação da manutenção da liminar na parte que manteve “o bloqueio dos bens da sociedade e dos sócios” (fl. 826), verifico que foram decidas e afastadas no despacho saneador de fls. 468/471, o que admitia impugnação em espécie recursal própria, a ser manejada em prazo definido.

Eis o teor do despacho saneador:

“Com efeito, prevê o art. 28 da Lei nº 8.078/1990, que o Juiz poderá desconsi-derar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumi-dor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social [...]. In casu, a requerida não exerce suas atividades no local onde deveria funcionar, restando evidenciado que a em-presa foi desconstituída de forma irregular ou nunca existiu no local onde deveria estar estabelecida, conforme informa a certidão de fl. 300. Rejeito a preliminar.

No tocante à alegada ilegitimidade do Ministério Público, por óbvio, fica desde já afastada [...] o certo é que a matéria discutida nos autos revela-se de interesse eminentemente difuso, visto que diz respeito a número indefinido de pessoas, ou seja, não só aqueles proprietários dos terrenos localizados no loteamento, em tese, irregular, mas também a todas as pessoas que por ali transitam.

[...]

Pedido de revogação da liminar.

Não obstante todos os argumentos trazidos pelos requeridos, mantenho a decisão liminar por seus próprios fundamentos” (fls. 468/470).

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Não tendo sido levada a efeito tal providência, tais questões restaram envoltas pelo fenômeno processual da preclusão, sendo, portanto, inviável a restauração da discussão a respeito das mesmas.

Vale ressaltar que no mencionado despacho saneador também foi afas-tada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, sob fundamento de que “não se mostra inadequada a ação civil pública que almeja a regularização do loteamento ‘Jardim Pitangueiras’, que supostamente vem causando dano à ordem urbanística da cidade” (fl. 470); e negado o pedido de “reunião dos processos”, sob o fundamento de que “injustificado mostra-se o reconhecimen-to de conexidade com a reunião desta ação com aquela ajuizada por Renan Richele Augusto e outros contra os mesmos requeridos, ações essas que, a par de procedimentos diversos, tem finalidades e pedidos diferentes [...] ademais já houve decisão de mérito na ação cominatória, conforme se vê às fls. 234/248” (fl. 470).

Assim, como se operou a preclusão, não conheço das demais prelimina-res deduzidas nas apelações.

Passo ao reexame necessário.

A questão limita-se a verificar se os réus são responsáveis pela execução de obras de infraestrutura no loteamento “Jardim Pitangueiras”.

Restou demonstrado que o loteamento “Jardim Pitangueiras” foi aprova-do pelo Município de Botelhos, por meio do Decreto Municipal nº 20, de 18 de setembro de 1996. Confira-se:

“Art. 1º Fica aprovado o ‘Loteamento Jardim Pitangueiras’, de propriedade de Construtec S/C Ltda., localizado ao lado do Jardim Eldorado, em área [...] confor-me memorial descritivo e levantamento planimétrico [...].”

O art. 2º do referido decreto determinou à ré Construtec S/C Ltda. o cum-primento das disposições legais contidas na Lei Federal nº 6.766/1979, e na Lei Municipal nº 1.062/1996, no prazo de três anos, nos seguintes termos:

“O proprietário fica obrigado ao cumprimento das disposições legais contidas na Lei Federal nº 6.766/1979 e Lei Municipal nº 1.062/1996, no prazo de 3 (três) anos a partir da vigência do presente decreto.”

A Lei Municipal nº 1.062/1996, no seu art. 9º, estabelece, entre outras, as seguintes obrigações à loteadora:

“Atendidas pelo projeto todas as disposições legais, será expedida, pela Prefeitura Municipal, autorização (Alvará) para execução das obras dos equipamentos de melhoria.

Parágrafo único. Os equipamentos de que trata este artigo serão, no mínimo, constituídos de:

I – meio fio e sarjeta, de concreto, em todas as ruas, avenidas e praças;

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II – rede superficial e subterrâneas de escoamento das águas pluviais;

III – rede subterrânea de água potável;

IV – rede superficial e/ou subterrâneas de energia elétrica;

V – rede subterrânea de esgotos;

VI – demarcação dos lotes em todos os seus ângulos, com estacas de concreto de seção transversal, nas medidas de 7 x 7 cm e comprimento de 60 cm, dos quais 50 cm serão enterrados no solo e, os 10 cm restantes, ficarão aparentes pintados na cor branca.”

Logo, a Construtec S/C Ltda. deveria ter cumprido, no prazo de três anos, contados da aprovação do loteamento, as obrigações previstas na legislação disciplinadora do parcelamento do solo urbano, aí incluída a de execução de obras de infraestrutura, sob a fiscalização do Município.

Ocorre que a Lei Federal nº 6.766/1979, vigente à época do loteamento, no seu art. 18, inciso V – redação anterior às modificações introduzidas pela Lei nº 9.785/1999, permitia que referidas obras fossem cumpridas no prazo de dois anos, e para isso a loteadora teria que dar garantias para a execução daquelas obras. Afinal, com a garantia, o Município poderia regularizar os loteamentos caso o seu responsável não cumprisse as metas ou abandonasse o empreendi-mento.

Eis o teor da norma supracitada:

“Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos:

[...]

V – cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de veri-ficação pela Prefeitura da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, de-marcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de 2 (dois) anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras” (redação original).

Logo, no caso, não há dúvida de que o Município de Botelhos, por meio do Decreto Municipal nº 20/1996, imotivadamente, prorrogou o prazo legal – de dois para três anos – para que a loteadora cumprisse as disposições contidas na Lei Federal nº 6.766/1979, e na Lei Municipal nº 1.062/1996, bem como não exigiu garantida da loteadora para a execução daquelas obras, violando expressamente o mencionado art. 18, inciso V, da Lei Federal nº 6.766/1979.

Vale ressaltar, ainda, que restou demonstrado que a loteadora, no prazo estipulado pelo Decreto Municipal nº 20/1996 – três anos, não executou inte-

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gralmente as obras de infra-estrutura necessárias para adequação às normas de uso e ocupação do solo.

Sendo assim, resta claro que o Município, ao aprovar o loteamento, sem exigir a devida garantida da loteadora, assumiu a responsabilidade de arcar com o ônus, ante o contido no art. 30, inciso VIII, da Constituição Federal, e no art. 40 da Lei Federal nº 6.766/1979.

Isso porque, nos termos do art. 30, inciso VIII, da Constituição Federal, incumbe ao Município o dever de fiscalizar todas as obras realizadas em seu território, para assegurar o uso, o parcelamento e a ocupação adequados do solo urbano. Como consequência, também deve cuidar para que às disposições da Lei Federal nº 6.766/1979, e da legislação municipal, incluídas as relativas à execução das obras de infra-estrutura básica, sejam cumpridas; sendo que, no caso de omissão da loteadora, assuma solidariamente a responsabilidade pela regularização, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes, nos termos do mencionado art. 40 da Lei Federal nº 6.766/1979, que dispõe:

“Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou des-membramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvol-vimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes.

§ 1º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, que promo-ver a regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento das prestações depositadas, com os respectivos acréscimos de correção monetá-ria e juros, nos termos do § 1º do art. 38 desta Lei, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos urbanos ou expropriações neces-sárias para regularizar o loteamento ou desmembramento.

§ 2º As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Fe-deral quando for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente ressarcidas conforme o disposto no parágrafo an-terior, serão exigidas na parte faltante do loteador, aplicando-se o disposto no art. 47 desta Lei.

§ 3º No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no parágrafo anterior, a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, poderá receber as prestações dos adquirentes, até o valor devido.

§ 4º A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para asse-gurar a regularização do loteamento ou desmembramento, bem como o ressarci-mento integral de importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários aos fins colimados.

§ 5º A regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal, quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos arts. 3º e 4º desta Lei, ressalvado o disposto no § 1º desse último.”

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Portanto, não há dúvida de que, demonstrada a omissão da loteadora na execução de obras de infra-estrutura, o Município tem o dever – responsabili-dade solidária – de promover a regularização do loteamento por ele aprovado, principalmente no caso em que prorrogou, imotivadamente, o prazo legal, e não exigiu garantia.

Confira-se, a respeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LOTEA-MENTO PARA FINS SOCIAIS IRREGULAR – RESPONSABILIDADE DO MUNICÍ-PIO – PODER-DEVER – ART. 40 DA LEI Nº 6.766/1979 – LEGITIMIDADE PAS-SIVA DO MUNICÍPIO

1. As exigências contidas no art. 40 da Lei nº 6.766/1999 encerram um dever da municipalidade de, mesmo que para fins sociais, regularizar loteamento urbano, visto que, nos termos do art. 30, VIII, da Constituição Federal, compete-lhe pro-mover o adequado ordenamento territorial mediante planejamento, controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

2. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.”

(REsp 131.697/SP, 2ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 07.04.2005, DJ 13.06.2005, p. 216)

“ADMINISTRATIVO – PARCELAMENTO DO SOLO – LOTEAMENTO – OBRAS DE INFRAESTRUTURA – RESPONSABILIDADE

1. Embora conceitualmente distintas as modalidades de parcelamento do solo, desmembramento e loteamento, com a Lei nº 9.785/1999, que alterou a Lei de Parcelamento do Solo – Lei nº 6.766/1979, não mais se questiona as obrigações do desmembrador ou do loteador. Ambos são obrigados a cumprir as regras do plano diretor.

2. As obras de infraestrutura de um loteamento são debitadas ao loteador, e quan-do ele é oficialmente aprovado, solidariza-se o Município.

3. Obrigação solidária a que se incumbe o loteador, o devedor solidário aciona-do pelo Ministério Público.

4. Recurso especial improvido.”

(REsp 263.603/SP, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, J. 12.11.2002, DJ 24.05.2004, p. 229)

“RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – REGULARIZAÇÃO DO SOLO URBANO – ART. 40 DA LEI Nº 6.766/1979 – MUNICÍPIO – COMPETÊNCIA VINCULADA

No que concerne à alegação de que a Lei nº 6.766/1979 não se aplica aos con-juntos habitacionais de interesse social, o recurso não merece prosperar. Com efeito, como bem salientou o Ministério Público Federal, ‘a Lei nº 6.766/1979 é aplicável a toda e qualquer forma de parcelamento do solo para fins urbanos

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(art. 1º da Lei), independentemente de haver vinculação ou não com os progra-mas habitacionais de interesse social’ (fl. 517).

Por outro lado, nos termos da Constituição Federal, em seu art. 30, inciso VIII, compete aos Municípios ‘promover, no que couber, adequado ordenamento ter-ritorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupa-ção do solo urbano’.

Cumpre, pois, ao Município regularizar o parcelamento, as edificações, o uso e a ocupação do solo, sendo pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual esta competência é vinculada. Dessarte, ‘se o Município omite-se no dever de controlar loteamentos e parcelamentos de terras, o Poder Judiciário pode compe-li-lo ao cumprimento de tal dever’ (REsp 292.846/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 15.04.2002). No mesmo diapasão, sustentou o Ministério Público Federal que ‘o Município não pode se furtar do poder-dever de agir vinculado e constitucionalmente previsto com vistas à regularização do solo urbano, sob pena de responsabilização, como sucedeu no caso por intermédio da via judicial adequada que é a ação civil pública’ (fl. 518). Recurso especial improvido.”

(REsp 259.982/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, J. 08.06.2004)

Vale ressaltar que, conforme já afirmado, o pedido inicial não foi limi-tado aos lotes já vendidos, nem excluiu as obras de infraestrutura referentes à rede pluvial, porque a presente ação também visa preservar interesses difusos, ou seja, busca resguardar não só os direitos dos proprietários dos terrenos lo-calizados no loteamento, mas também o direito de todas as pessoas que por ali transitam, sob o fundamento de que a não regularização do loteamento, e a não realização das obras de infraestrutura essenciais, que obviamente incluem as referentes à rede pluvial, causam dano à ordem urbanística da Cidade. Logo, não há como limitar a obrigação dos réus aos lotes já vendidos, nem em excluir as obras de infra-estrutura referentes à rede pluvial.

Pelo mesmo motivo, não há como alterar o valor da multa cominada, nem o marco inicial para o início das obras. Afinal, os réus não apresentaram elementos que revelem a desproporcionalidade.

Ademais, como a omissão dos réus já se prolonga por mais de dez anos, não há dúvida que a imposição de multa, na forma como foi imposta, se mostra adequada, para o fim de dar efetividade à ordem judicial.

Destaca-se, ainda, que não houve recurso contra a parte da decisão de fls. 250/256, que determinou, liminarmente, que os réus concluíssem “as obras de infraestrutura no loteamento Jardim Pitangueira, no prazo de 06 (seis) meses, a partir da citação” (fl. 255); e que também não houve a impugnação, no prazo oportuno, do despacho saneador, na parte que indeferiu o pedido de revogação da liminar.

Por fim, no que diz respeito às custas, os entes públicos da administração direta, as autarquias e as fundações públicas dispõem de privilégio legal (art. 10,

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Lei Estadual nº 14.939/2003), consubstanciado em isenção, razão pela qual a sentença deve ser reformada nesse aspecto.

Com tais apontamentos, em reexame necessário, reformo parcialmente a sentença, apenas para isentar a Municipalidade do pagamento das custas; prejudicadas as apelações.

Custas, pelo réu; isento, por força de lei.

Des. Duarte de Paula (revisor) – De acordo com o Relator.

Des. Dárcio Lopardi Mendes – De acordo com o Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do ParanáApelação Cível nº 1.094.310‑5, da Terceira Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de CuritibaRelator(a): Vilma Régia Ramos de RezendeÓrgão Julgador: 11ª Câmara CívelComarca: Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de CuritibaData do Julgamento: 04.12.2013 18:15:00Fonte/Data da Publicação: DJ: 1247 13.12.2013Apelante: Donzila NardelliApelada: A Gruta Pedras Ornamentais Ltda.Relatora: Desª Vilma Régia Ramos de Rezende

ementA

APELAÇÃO CÍVEL – DESPEJO – CONTRATO VIGENTE E GARANTIDO POR FIANÇA QUANDO DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO – RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.094. 310-5, originários da Terceira Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, distribuídos a esta Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em que figuram como Apelante Don-zila Nardelli e como Apelada A Gruta Pedras Ornamentais Ltda.

i – RelAtÓRiO

Trata-se de Apelação Cível interposta contra sentença (fls. 95/100), profe-rida nos autos de Ação Ordinária de Despejo nº 0000543-62.2012.8.16.0001, originários da Terceira Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metro-politana de Curitiba, proposta por Donzila Nardelli em face de A Gruta Pedras Ornamentais Ltda., que julgou improcedente a ação, por entender que os ele-mentos ensejadores da procedência da ação não estavam configurados quando do ajuizamento da demanda.

Condenou a Autora, ora Apelante, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais).

Opostos Embargos Declaratórios pela Autora (fls. 102/106), foram rejei-tados (fl. 110).

Irresignada, Donzila Nardelli recorre (fls. 113/120), sustentando, em suma, que:

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a) a sentença está em desconformidade com o art. 59, § 1º, inciso VII da Lei nº 8.245/1991, que dispõe que a Ação de Despejo deve ser proposta após o tér-mino do prazo notificatório, que no presente caso ocorreu em 09.12.2011;

b) “a vontade de se exonerarem da obrigação de fiadores do contrato de locação foi manifestada antes do vencimento do prazo contratual através da notificação extrajudicial enviada à locadora, fls. 29 ou 32, portanto, o prazo para a Autora to-mar as providências no sentido de substituí-los começou a contar da notificação recebida pela locadora ora Apelante e não após o termino do prazo determinado do contrato de locação como entendeu a respeitável sentença recorrida” (fl. 118);

c) deve ser decretado o despejo da Apelada, com a sua consequente condenação ao pagamento dos ônus sucumbenciais.

Recurso recebido no duplo efeito (fl. 123) e sem apresentação de con-trarrazões (fl. 125).

É o relatório.

ii – funDAmentAçÃO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Da análise do contrato de locação de fls. 06/12, verifica-se que o termo final da relação locatícia seria o dia 05.02.2012.

Os então fiadores do contrato, em 13.12.2011, notificaram a Apelante (fl. 29) nos seguintes termos:

“[...] Os Fiadores acima especificados, na qualidade de Notificantes, notificam esta locadora que o contrato vencerá em 05 de fevereiro de 2012 e que os mes-mos, passando o referido contrato a prazo indeterminado, a partir daí, com res-paldo e regras determinadas pelo Código Civil, não aceitam continuarem no en-cargo de fiadores.”

Ou seja, ainda que a notificação tenha ocorrido em data anterior ao tér-mino do contrato, resta claro que a garantia da fiança perduraria até o termo final da relação locatícia.

Nesse sentido, quando do ajuizamento da Ação de Despejo, o contrato ainda estava vigente e garantido por fiança, pelo que não houve qualquer vio-lação contratual para autorizar o despejo da Apelada.

Ainda que a Apelante alegue que ajuizou a ação dentro do prazo previsto pelo art. 59, § 1º, inciso VII, cumulado com o art. 40, parágrafo único da Lei nº 8.245/1991, que dispõem que o prazo para a propositura de Ação de Des-pejo nos casos de exoneração da fiança seja o término do prazo notificatório de 30 (trinta) dias para o locatário apresentar nova garantia, tal regra é aplicável quando o contrato já estiver desprovido de garantia, o que não ocorreu no pre-

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sente caso, uma vez que a exoneração da fiança ocorreu só em 05.02.2012, ou seja, após o ajuizamento da ação.

Como é cediço, os elementos ensejadores da procedência do pedido de-vem se fazer presentes no momento do ajuizamento da ação, o que não ocorreu no caso em tela, tendo em vista que a Apelante demandou a Apelada quando o contrato ainda estava vigente e garantido por fiança.

Assim, é o caso de desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a sentença vergastada, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

iii – DispOsitivO

Diante do exposto, acordam os Julgadores integrantes da Décima Primei-ra Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao Recurso de Apelação, nos termos da funda-mentação.

Participaram do julgamento e acompanharam a relatora os Desembarga-dores Ruy Muggiati e Gamaliel Seme Scaff.

Curitiba, 04 de dezembro de 2013.

Vilma Régia Ramos de Rezende Desembargadora Relatora

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do Rio de JaneiroApelação Cível nº 0006932‑53.2006.8.19.0207 Décima Primeira Câmara CívelRelator: Desembargador Claudio de Mello TavaresApelante: Claudia Cruz RibeiroApelados: Gerson Cunha Guimarães e outra

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REIVINDICATÓRIA – IMÓVEL URBANO – PRESCRIÇÃO AQUISITIVA SUSCITADA COMO MATÉRIA DE DEFESA – ACERVO PROBATÓRIO DE- MONSTRATIVO DO DOMÍNIO DOS AUTORES, ORA APELADOS – AUSÊNCIA DE COM- PROVAÇÃO, PELA RÉ-APELANTE, DOS REQUISITOS LEGAIS À AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE PELO USUCAPIÃO, ÔNUS QUE LHE COMPETIA, NA FORMA DO ART. 333, II DO CPC – PRETENSÃO DEDUZIDA JULGADA PROCEDENTE – INCONFORMISMO DA DEMANDADA – RAZÕES RECURSAIS SEM APTIDÃO À REFORMA DO JULGADO – DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Vistos, relatados e discutidos esses autos de Apelação Cível nº 0006932-53.2006.8.19.0207, em que é apelante Claudia Cruz Ribeiro e apelados Gerson Cunha Guimarães e outra.

Acordam os Desembargadores que compõem a Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Trata-se de Ação Reivindicatória ajuizada por Gerson Cunha Guimarães e Dáuria Maria da Silva Guimarães em face de Claudia Cruz Ribeiro, com tra-mitação originária na 2ª Vara Cível Regional da Ilha do Governador, alegando serem proprietários do imóvel situado na Rua Manoel Pereira da Costa, nº 76, lote 17, Tauá, Ilha do Governador, Rio de janeiro, RJ, adquirido nos termos da Escritura de Promessa de Cessão com Quitação de Preço, conforme cópia adu-nada aos autos.

Sustentaram que a demandada, de forma precária e clandestina, invadiu o imóvel em tela, passando a utilizá-lo como carpintaria. Ressaltam que a inva-sora está a impedir os autores de alugarem o bem ou vendê-lo.

Salientaram que fazem jus ao recebimento, por parte da ré, de quantia a título de alugueres vencidos e vincendos até que o imóvel seja esvaziado.

Postularam a condenação da ré à restituição do bem, sob pena de multa diária e, ainda, fosse determinado “o imediato despejo” da ré, além das perdas e danos caso o imóvel não lhes fosse entregue “limpo e vazio”.

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Requereram, ainda, fossem integrados à verba indenizatória os valores atinentes aos “serviços públicos prestados no período em que a ré ocupou ex-clusivamente o imóvel”.

Pugnaram, por derradeiro, pela condenação da demandada nos ônus de sucumbência.

A ré apresentou a contestação de fls. 74/82 instruída com documentos, na qual suscitou a preliminar de coisa julgada, ao argumento que os ora autores ajuizaram Ação de Reintegração de Posse contra ela, restando sucumbentes em tal feito.

Aduziu que efetuou diversos melhoramentos no imóvel, como instalação de energia elétrica e água, passando a nele morar. E, que sua posse passou, com o tempo, a configurar um verdadeiro usucapião.

Após a réplica, foi prolatada a decisão de fl. 131, pela qual foi deferida a gratuidade de justiça à ré, rejeitada a preliminar de coisa julgada e saneado o processo. Na oportunidade, foram deferidas as provas requeridas pelas partes.

Na audiência cuja correspondente ata se encontra às fls. 164/170, foram colhidos os depoimentos pessoais de ambas as partes, bem como ouvidas duas testemunhas arroladas pelos demandantes e duas pela demandada.

Seguiu-se a juntada de documentos por ambas as partes.

Às fls. 357/358, foi exarada sentença consignando que, intimada a parte para impulsionar o feito, esta quedou-se inerte, sendo então extinto o processo sem julgamento do mérito, com espeque no art. 267, III do CPC.

Apelaram os autores, alegando que não houve a intimação prévia para movimentação do processo, pelo que postularam a cassação da sentença, com o consequente prosseguimento do feito.

O apelo foi recebido à fl. 366, sendo objeto das contrarrazões de fls. 368/370 em prestígio do julgado.

O recurso em apreço veio a ser provido por esta Egrégia Câmara, conso-ante decisão de fls. 375/379, retomando o feito seu curso no primeiro grau de jurisdição.

Nova sentença foi exarada às fls. 386/390, sendo a pretensão reivindi-catória julgada procedente, condenada a ré ao pagamento de alugueres desde 07.11.2006, no valor mensal de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), incidindo correção monetária da época de cada vencimento e juros a partir da citação.

O direito de retenção postulado pela ré foi denegado, ao fundamento de que a posse de má-fé não o comporta.

Restou fixado o prazo de 15 (quinze) dias para desocupação, sendo de-clarado o direito dos autores de imissão na posse do bem descrito na inicial.

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Opostos, pelos demandantes, Embargos de Declaração, foram julgados improcedentes, consoante fl. 394.

Apela a ré às fls. 395/405, alegando que o digno prolator da sentença guerreada se equivocou, pois sequer apreciou a prova documental acostada aos autos, bem como ignorou os depoimentos das testemunhas.

Sustenta que há mais de 10 (dez) anos tem a posse mansa, pacífica e de boa-fé do imóvel em questão, daí seu direito a usucapião. Salienta que os docu-mentos que adunou aos autos ratificam a asserção.

Aduz que desconhecia os proprietários, tendo sua posse advinda de justo título.

Alega que a sentença restou equivocada, também, quanto ao direito de retenção pelas benfeitorias implementadas no bem.

Pugna pelo provimento do recurso, para que seja declarada, em prol da ré, a prescrição aquisitiva do bem reivindicado. Caso outro seja o entendi-mento, sejam os autores-apelados condenados à indenização das benfeitorias realizadas no imóvel.

O recurso foi recebido à fl. 406, sendo objeto das contrarrazões de fls. 407/410, em prestígio do julgado.

É o Relatório.

Cumpre consignar, desde logo, que a ré, em sua peça de Apelação, men-ciona a interposição de Agravo Retido e Agravo de Instrumento em face de decisão que teria indeferido a oitiva de testemunha.

Ocorre que, compulsando os autos, não se vislumbra a interposição de qualquer destes recursos, tampouco a prolação de decisão interlocutória in-deferindo a oitiva de testemunhas, pelo que não prospera tal alegação, fruto, possivelmente, de utilização de texto-matriz em computador.

Quanto às razões de Apelação, verifica-se de seu contexto que a ré, ora recorrente, busca ver declarada em seu favor, com espeque no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil, a prescrição aquisitiva do imóvel objeto do pre-sente feito.

Estabelece o referido dispositivo:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele reali-zado obras ou serviços de caráter produtivo.

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Da literalidade do dispositivo transcrito verifica-se que Usucapião é a aquisição da propriedade pelo decurso do tempo, desde que presentes os requi-sitos previstos em lei. Parafraseando Caio Mário da Silva Pereira, é a aquisição do domínio pela posse prolongada.

Na espécie, para se aquilatar o melhor direito cabe verificar se, à luz da prova documental e oral produzida nos autos, estão presentes os requisitos au-torizadores da decretação do usucapião, pretensão objeto do apelo da ré.

Alega a demandada que há longo tempo detém a posse mansa e pacífica do bem em apreço, nele residindo. Sustenta que a exerce com animus domini e de forma contínua, tendo justo título e boa-fé.

O cotejo entre a alegação de justo título e o acervo probatório coligido não confirma a asserção da apelante, que sequer declinou em que consiste esse justo título.

Ao depor em audiência, salientou, com vistas a comprovar sua posse contínua, que reside no imóvel com seu companheiro Carlos Zandberg. Contu-do, as provas dos autos não permitem se ratifique tal afirmação.

Com efeito, o endereço do imóvel em tela é Rua Manoel Pereira da Costa nº 76, casa 17, Tauá, Ilha do Governador, RJ, configurando-se imóvel integrante de espécie de vila contendo 36 (trinta e seis) unidades. Consoante fls. 127/130, consta das declarações prestadas pela apelante à Receita Federal, concernentes aos exercícios 2006/2009, que o endereço da recorrente é Rua Manoel Pereira da Costa, nº 76, casa 1, diverso, pois, do imóvel em tela.

A teor de fls. 72/73, a própria citação da ora apelante para responder a presente ação se verificou na casa 7 (local de moradia dos pais da apelante), e não na casa 17.

Constata-se, também, à vista de fl. 176, que em 26.04.2010, figurava no catálogo intitulado “TeleListas.net”, como local de residência da recorrente, a Rua Manuel Pereira da Costa nº 76, casa 7.

De conformidade com fl. 77, verifica-se que no Cadastro Nacional dos Advogados consta o endereço referido no parágrafo precedente como o resi-dencial da apelante.

Observe-se, ainda, que no auto de verificação de posse lavrado quando da instrução da Ação de Reintegração de Posse ajuizada pelos autores desta Ação Reivindicatória em face da ora apelante, certificou o Oficial de Justiça que somente conseguiu contato com a recorrente na casa 7, da Rua Manuel Pereira da Costa, nº 76.

Cabe, neste ponto, breve digressão para salientar que a sucumbência ex-perimentada pelos ora apelados na aludida Ação de Reintegração de Posse teve

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por fundamento a eleição da via processual inadequada, eis que, com fincas no domínio, aforaram Ação Possessória.

Do exame das contas de energia elétrica adunadas aos autos verifica-se que, conquanto em nome da recorrente, apresentam consumo mínimo, zera-do em alguns meses, demonstrando que não há moradores na casa. As faturas adunadas aos autos às fls. 179/187, respeitantes ao período de julho de 2001 a março de 2002, dão suporte à inferência.

Portanto no que tange à alegação de que a moradia no imóvel estaria a respaldar a posse contínua, não encontra ressonância na prova coligida, que indica a residência da apelante em casa diversa.

As fotografias adunadas aos autos, que revelam os bens que guarnecem o imóvel, não conduzem à inequívoca conclusão de que a apelante o utiliza como sua moradia e de seu companheiro. Note-se que a única cama fotografa-da é de solteiro.

No que diz respeito à alegação de melhoramentos no imóvel, certo é que a apelante juntou aos autos os recibos de fls. 90/94 e 253/257, com a fina-lidade de comprovar a compra e instalação de interfone. Entretanto, à exceção do de fl. 90 e 253, os demais recibos não mencionam o número da casa a que correspondem.

Tenha-se presente, ainda, que a recorrente sustenta que o conjunto de casas existentes na Rua Manuel Pereira da Costa, nº 76 foi organizado em con-domínio e que deste participa, sendo que a taxa condominial é em valor equi-valente a 10% (dez por cento) do salário mínimo. Não obstante, não prova a referida participação, tampouco qualquer pagamento.

Salienta a apelante na inicial deste feito que nada deve a título de IPTU. Porém, ao depor em audiência, afirmou que a partir do ajuizamento, pelos ora apelados, da Ação de Reintegração de Posse, deixou de receber o carnê e não mais pagou.

Ora, a mencionada Ação foi aforada em 2002, ocasião em que cessaram os pagamentos, a teor da declaração da apelante em audiência, realizada em abril de 2010, sendo de se concluir que a asserção da recorrente, constante da contestação, “de que nada deve ao IPTU” não encontra amparo na prova dos autos, concluindo-se que nesses 08 (oito) anos não procedeu a recorrente ao pagamento do tributo.

Aliás, verifica-se que, ao longo do tempo, nas guias de pagamento do aludido imposto figuraram pessoas diversas como proprietários do imóvel em questão. Assim é que, de 1989 a 2001 constou como proprietário Leopoldo de Capanema, consoante fls. 24/43; nos exercícios de 2002 a 2006 (fls. 21/23), 2007 a 2010 (fls. 145/148) e 2011 (fl. 352) constou o nome do primeiro autor, Gerson Cunha Guimarães.

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Curiosamente, nos exercícios de 1999 a 2003 (fls. 269/272) também fo-ram emitidas guias de IPTU em nome da apelante, sendo certo que a certidão de fl. 308, expedida pela Secretaria Municipal de Fazenda, dá conta de que consta como proprietária a apelante, Claudia Cruz Ribeiro, com a Inscrição nº 1.983.963-8.

Ocorre, todavia, que na Inscrição nº 1.201.410-6, objeto das guias men-cionadas no penúltimo parágrafo, consta como proprietário o autor, Gerson Cunha Guimarães.

Apesar de instado pelo Juízo de primeiro grau, o Município do Rio de Janeiro não explicou o porquê das duas inscrições, tendo os autores, às fls. 350/351, esclarecido que uma delas diz respeito ao terreno, sendo isenta do pagamento do IPTU, e a outra (em nome da autora) vem sendo paga pelos demandantes, ora apelados, oportunidade em que postularam o cancelamento desta última, pedido que restou indeferido à fl. 355.

Outrossim, verifica-se que o IPTU, com fulcro no qual também se baseia a apelante para provar sua posse, não conduz a um juízo de certeza relativa-mente ao assunto, à míngua de elementos de convicção.

Aliás, na seara da titularidade do imóvel, não prospera a alegação da apelante de que “jamais teve qualquer conhecimento que o imóvel era titula-do”, pretendendo dizer, com isto, que desconhecia o proprietário do bem. Tal asserção não se reveste de juridicidade, eis que, por meio de simples certidão seria possível essa verificação.

Saliente-se, em complementação, que os depoimentos das testemunhas arroladas pela apelante com vistas, igualmente, à comprovação de sua posse, não contribuíram com qualquer subsídio para o deslinde da causa, afigurando--se, inclusive contraditórios.

De fato, disse a testemunha Maria Célia Teixeira (fl. 169) que, na ocasião em que foi morar no condomínio, “isso em 1985”, a ré já morava “na casa do terreno”, acrescentando que “já tinha uma casa no terreno; que nessa época, em 1985, a casa já tinha banheiro, quarto e uma sala; que nessa época a depo-ente morava na casa 15, que é exatamente ao lado da casa 17, onde já morava a ré”.

Por sua vez, a testemunha Daniel Machado da Silva, ex-companheiro da primeira depoente, afirmou “que em 1991 ainda não tinha construído nada no terreno... que a ré começou a construir no local por volta de 1993”.

Observa-se que, enquanto a primeira depoente afirmou que em 1985, quando foi morar no condomínio, a ora apelante já morava na casa 17, o se-gundo depoente afirmou que em 1991 o terreno onde hoje é a casa 17 não con-tinha qualquer edificação, que somente começou a ser erigida em 1993, cerca de 08 (oito) anos após a data mencionada pela primeira depoente.

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Constata-se, assim, que os conflitantes depoimentos das duas testemu-nhas arroladas pela demandada, ora recorrente, se mostram inservíveis ao fim colimado pelo juízo, não podendo ser considerados.

Por derradeiro, faz-se mister consignar que, paralelamente às considera-ções aqui expendidas, constata-se que os autores provam a titularidade sobre o bem, por meio do documento de fl. 15, consubstanciado na Promessa de Cessão com Quitação do Preço, lavrada em 02.06.1989, embora tenha a pré--notação sido efetuada em 19.08.2002, conforme fl. 16.

Portanto, não se vislumbra nas provas coligidas aos autos a presença dos requisitos autorizadores à declaração do usucapião em prol da ora apelante.

Consigne-se, por oportuno, que a recorrente suscita o disposto no art. 1.243 do Código Civil, que prevê a possibilidade de o possuidor acrescentar à sua posse a dos seus antecessores, contanto que todas sejam contínuas, pacífi-cas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé. Contudo, a apelante não explicita a posse antecedente à sua.

Ressalte-se, em complementação, que a recorrente não logrou compro-var os gastos com benfeitorias no imóvel. Aliás, sequer comprovou a alegada boa-fé, requisito indispensável ao direito de retenção.

Conclui-se, pois, que a apelante não obteve êxito em demonstrar o ale-gado direito à aquisição da propriedade pelo usucapião, ônus que lhe compe-tia, a teor do art. 333, II do CPC, não estando presentes os seus requisitos, sob qualquer das modalidades previstas no art. 1.238 e seguintes do Código Civil.

Note-se que não comprovada a posse, despicienda se afigura qualquer discussão acerca do tempo em que a apelante afirma ter usufruído do bem como se seu fosse.

Neste sentido, hígida se revela a douta sentença, que apreciou a lide se-gundo o alegado e provado nos autos, observando o direito positivo.

À vista do exposto, e à míngua de comprovação do alegado direito de usucapir o bem, nega-se provimento ao recurso.

Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 2013.

Desembargador Claudio de Mello Tavares Presidente/Relator

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Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulApelação Cível nº 70056719743CNJ: 0396601‑34.2013.8.21.7000Décima Sexta Câmara CívelComarca de TaperaApelante: Dair BatistellaApelado: Heleno Luiz Anghinoni

APELAÇÃO CÍVEL – CORRETAGEM – CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE – VÍCIO DE CONSENTIMENTO DO CONTRATANTE DEMONSTRADO – AFASTAMENTO DA NORMA INSCULPIDA NO ART. 726 DO CC – AJG – INDEFERIMENTO – ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA

A existência de cláusula de exclusividade em contrato de corretagem é anômala e exige, além de previsão expressa, a negociação a respei-to entre as partes.

No caso dos autos, os elementos de prova coligidos permitem con-cluir o total desconhecimento do réu acerca da inclusão desta cláu-sula. Desta forma, tratando-se de negócio jurídico fundado em erro/ignorância substancial, impõe-se, o afastamento da regra prevista no art. 726 do CC.

Deram parcial provimento ao apelo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cí-vel do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Ergio Roque Menine (Presidente) e Desª Catarina Rita Krieger Martins.

Porto Alegre, 19 de dezembro de 2013.

Des. Paulo Sergio Scarparo, Relator

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RelAtÓRiO

Des. Paulo Sergio Scarparo (Relator):

Inicialmente, adoto o relatório da sentença (fl. 109):

Heleno Luiz Anghinoni ajuizou ação de cobrança em face de Dair Batistella, ambos qualificados na inicial. Sustentou ter firmado contrato para intermediar a venda de área de terras com cerca de 9ha de extensão de propriedade do réu. Referiu que tal contrato de intermediação autorizava o demandante, no prazo certo e determinado de até 30.05.2012, a vender com exclusividade o bem imó-vel em questão. Alegou que, nada obstante o pactuado, o demandante tomara conhecimento de que o requerido houvera alienado tal área de terras diretamente a Arlindo Bauermann e Gerson Antônio Frighetto durante o período de vigência do contrato de intermediação referido, em descumprimento a este. Aduziu pos-suir direito à percepção de comissão de corretagem no importe equivalente a 6% sobre o preço que fora praticado na operação, perfazendo aquela o montante de R$ 34.830,00 em 30.01.2012. Pediu, assim, a condenação do réu ao pagamento da quantia de R$ 34.830,00, acrescida de correção monetária e juros moratórios. Atribuiu à causa o valor de R$ 34.830,00 (fls. 02-08).

A inicial veio acompanhada de procuração e documentos (fls. 09-20).

Recebida a inicial (fl. 22) e citado o réu (fl. 26v), foi apresentada contestação. Em tal peça, o demandado arguiu, preliminarmente, a sua ilegitimidade para a causa, na medida em que o pretendido pagamento de comissão de corretagem, confor-me contrato havido entre as partes, seria a cargo do adquirente do bem, e não do réu, alienante. Alegou, no mérito, nulidade da carta de opção de venda que ins-trui a inicial, por abusividade de cláusulas como a de exclusividade e do exage-rado prazo de vigência do pacto. Referiu que, por ser o imóvel em debate objeto de inventário ao tempo do fato, sequer era possível definir-se a localização da área que tocaria em autor e, assim, vinculada ao contrato em questão. Sustentou, também, ter firmado a carta de opção de venda do imóvel sem ter plena ciência de seus termos, inclusive acerca da cláusula de exclusividade. Referiu ser pessoa semi-analfabeta e de idade avançada. Aduziu ter sua filha, co-herderia do imóvel objeto da avença, verbalmente manifestado ao autor interesse em não mais man-ter o contratado, o que não teria sido aceito. Disse que, por força de dificuldade financeira para arcar com despesas relacionadas à sua saúde, determinara a seus filhos que procedessem ao contato com outro corretor de imóveis, o que teria acabado por intermediar efetivamente a venda do bem aos indivíduos indicados na inicial. Anotou que parte das terras vendidas pertencia à sua filha Saionara Salete Batistella. Acrescentou que o autor não tivera qualquer espécie de contato com os adquirentes previamente ao negócio realizado. Pediu o julgamento de improcedência do pedido formulado na inicial e a concessão da AJG (fls. 27-35).

A contestação também veio acompanhada de procuração e documentos (fls. 36-39).

Foi apresentada réplica (fls. 41-49), oportunidade em que refutados os argumen-tos trazidos em contestação e reiterados os termos da inicial. Acrescentou ter laborado com afinco durante o período de vigência do contrato de corretagem até que tomada ciência da efetiva venda do bem a terceiros.

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Em audiência de tentativa de conciliação, as partes, de comum acordo, postula-ram a suspensão do feito para possível composição amistosa, o que foi deferido pelo Juízo, que fixou o prazo de 20 dias (fl. 67).

Não sobrevindo notícia de acordo, foi retomada a marcha processual e designada audiência de instrução (fl. 72).

Antes da solenidade aprazada, foi refutada a preliminar de ilegitimidade passiva arguida em contestação (fl. 79).

Em audiência de instrução, foi tomado o depoimento pessoal do autor e, ainda, foram ouvidas três testemunhas arroladas pela parte ré (fls. 84-85).

Em memoriais finais o autor discorreu novamente sobre o contrato de corretagem firmado com o réu, reiterando o disposto sobre a cláusula de exclusividade, o preço da venda e afirmando não ter sido ocioso para a venda do imóvel. Por fim, postulou pela procedência total dos pedidos (fls. 92-98).

O réu Dair Batistella, em memoriais, ratificou a preliminar de ilegitimidade pas-siva e discorreu sobre a nulidade da carta de opção de venda por existirem cláu-sulas abusivas e por ter assinado o documento sem ter conhecimento de seu inteiro teor. No mérito, requereu seja julgada improcedente a ação. Postulou AJG (fls. 99-108).

O pedido foi julgado improcedente (fl. 111v):

Pelo exposto, julgo procedente o pedido para condenar o réu Dair Batistella a pagar ao autor Heleno Luiz Anghinoni o valor de R$ 34.830,00, corrigido pelo IGP-M desde a data em que foi celebrada a venda e acrescido juros de mora à razão de 1% ao mês, estes incidentes a contar da citação.

Condeno o requerido ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários do Procurador do requerente, que, forte no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, arbitro em 10% sobre o valor da condenação.

Considerando a grande discrepância entre o valor do preço da compra e venda efetivamente praticado, nos moldes apurados nos presentes autos, e aquele indi-cado na escritura da fl. 16, encaminhe-se cópia da presente sentença, da escritura da fl. 16 e da mídia juntada à fl. 88 (em que registrados em depoimentos colhidos no presente feito), para os Fiscos Federal e Municipal, para eventuais providên-cias que entenderem de direito.

Irresignado com o deslinde dado ao feito pelo juízo de origem, apela o réu, arguindo sua ilegitimidade para figurar no polo passivo do feito. No mérito, argumenta que firmou, mediante erro, o contrato de corretagem. Acresce que o autor não faz jus à comissão, pois não intermediou o negócio. Postula seja julgado improcedente o pedido ou, não sendo esse o entendimento, seja mi-norado o valor da condenação. Pugna, ainda, pela concessão do benefício da gratuidade da justiça (fls. 128-139).

Foram apresentadas contrarrazões, requerendo-se a manutenção da sen-tença (fls. 144-158).

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Vieram os autos conclusos para julgamento em 01.10.2013 (fl. 161v).

Registro que foi observado o disposto nos arts. 549, 551 e 552 do Código de Processo Civil, considerada a adoção do sistema informatizado.

É o sucinto relatório.

vOtOs

Des. Paulo Sergio Scarparo (Relator):

GRATUIDADE JUDICIÁRIA

Consoante o disposto no art. 4º da Lei nº 1.060/1950, para a concessão do benefício da gratuidade da justiça é suficiente a afirmação, pela parte pos-tulante, de que não possui condições de suportar as despesas processuais sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Outra, aliás, não é a orientação da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO – PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA – SUFICIÊNCIA – RECUR-SO PROVIDO

1. Consoante entendimento jurisprudencial, a simples afirmação da necessidade da justiça gratuita, nos termos do art. 4º da Lei nº 1.060/1950, é suficiente para o deferimento do benefício da assistência judiciária gratuita.

2. Recurso provido para conceder aos recorrentes, nos autos da execução, os benefícios da assistência judiciária gratuita.

(REsp 721.959/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quarta Turma, julgado em 14.03.2006, DJ 03.04.2006, p. 362)

Não obstante, o caput do art. 5º da Lei nº 1.060/1950 faculta ao juiz indeferir o pedido de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita quando tiver fundadas razões para tanto, ou seja, diante da ausência do requisi-to essencial para a concessão do benefício, a saber, a demonstração de situação econômica que não permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família (Lei nº 1.060/1950, art. 2º).

No caso em tela, a parte-apelante atendeu ao disposto no art. 4º da Lei nº 1.060/1950, afirmando em sua contestação a impossibilidade de arcar com as despesas processuais e juntando a declaração à fl. 37.

Entretanto, não juntou aos autos documentos que demonstrem sua atual situação financeira.

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Sequer informou o valor de seus rendimentos.

Assim, é de ser indeferido o beneficio requerido.

Inobstante, conheço do recurso, uma vez que o apelo foi preparado (fl.140).

ILEGITIMIDADE PASSIVAEm 03.11.2011, as partes celebraram contrato de corretagem de bem

imóvel, com cláusula de exclusividade, restando ajustado que a comissão seria paga por terceiro, mais precisamente, pelo comprador do imóvel (fl. 11).

Ocorre que, em 30.01.2012, o imóvel foi alienado para terceiro, sem que tenha havido intermediação do corretor ora demandante (fl. 16).

Nesta ação de cobrança, sustenta o autor que, embora não tenha partici-pado dessa transação, faria jus ao pagamento da comissão de corretagem, em razão da violação, pelo réu, da cláusula de exclusividade.

Dessa feita, ainda que a obrigação de pagamento prevista na contratação seja imposta a terceiro (comprador), encontra-se o demandado legitimado para figurar no polo passivo do presente feito, por meio do qual o demandante bus-ca, precisamente, a remuneração supostamente devida em razão de descumpri-mento de cláusula de exclusividade.

Afasto, pois a preliminar de ilegitimidade passiva.

MÉRITOA prova dos autos não autoriza o acolhimento da pretensão do autor.

Mediante o contrato de corretagem, o corretor se obriga a agir com o fim de obter para o comitente um resultado útil de certo negócio, tratando-se de contrato bilateral, acessório, consensual, oneroso e aleatório, tipificado no Código Civil de 2002 nos arts. 722 a 729.

O contrato firmado entre as partes previa uma peculiaridade: a existência de cláusula de exclusividade e tinha validade de aproximadamente seis meses (03.11.20011 a 30.05.2012, fl. 11).

Como consabido, havendo disposição contratual nesse sentido, o corre-tor, ainda que não tenha intermediado a venda do bem, faz jus à remuneração acordada, face ao disposto no art. 726 do Código Civil de 2002.

1 “Art. 726. Iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes, nenhuma remuneração será devida ao corretor; mas se, por escrito, for ajustada a corretagem com exclusividade, terá o corretor direito à remuneração integral, ainda que realizado o negócio sem a sua mediação, salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade.”

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A existência de cláusula de exclusividade em contrato de corretagem é anômala, tanto assim que exige previsão expressa.

No caso em tela, restou evidenciado, pelas circunstâncias em que foi realizado o contrato, que não houve negociação acerca da cláusula de exclusi-vidade e tampouco dela tinha o demandado a necessária ciência.

A contratação foi realizada na residência do réu que, há época, já apre-sentava problemas de saúde decorrentes de um AVC. Na ocasião, segundo ale-gado pelo réu e corroborado pelas afirmações em depoimento de sua filha, não lhe foi esclarecido, forma suficiente, sobre as conseqüências advindas da inclusão desta cláusula.

Neste sentido as declarações de Saionara Salete Batistella prestadas em juízo, na condição de informante, circunstância que não desautoriza a valo-ração de seu conteúdo, até porque convergente com o restante do conjunto probatório (fls. 172-174):

Juiz: A senhora sabia que este contrato que o Seu heleno lhe deu para o seu pai era dando exclusividade [...]?

Testemunha: Não sabia, porque eu lendo aquele contrato, como eu lhe disse, em tenho pouco estudo, o meu pai tem menos ainda, somos agricultores. Ele simplesmente não explicou nada desse negócio de exclusividade, como ele não agilizava a venda a saúde do pai estava [...] lá neste contrato dizia que nós não tinha, não ia ter gasto nenhum, porque por razão [...] de quem comprasse esta área de terra, quem pagaria a comissão seria o comprador, como nós não tinha nada que ver com a venda desta área, e quando apareceu com este papel não tinha data em cima, eu procurei ele pra desfazer o negócio, ele simplesmente me disse que não daí ele colocou a data em cima e disse que esta área de terra era dele. Inclusive eu cheguei em casa e comentei com o pai, eu disse: “O senhor deu esta área pra ele vender ou pra ele tomar posse?”

Consoante se verifica do contrato da fl. 11, não representou ele a forma-lização dos acordos entabulados entre as partes; ao invés trata-se de formulário impresso, confeccionado e preenchido pelo autor, no qual sobressaem as letras garrafais de preenchimento à mão das lacunas pertinentes à identificação das partes e do objeto negocial. Ao demandado, pessoa de poucas luzes e com saúde frágil, situação evidenciada pela própria assinatura subscrita no contrato, restou apenas assiná-lo sem se aperceber do significado do texto que, imagina-ria, fosse o usual na espécie: a) a promover a venda com exclusividade, livre e desembaraçada de quaisquer ônus judicial [...] b) ficando autorizado com direito a over price sobre o valor de transação [...].

Veja-se, como já foi dito, a cláusula de exclusividade é atípica e em assim sendo, sua inclusão na contratação exige seja colocado em destaque no texto e antecedida de negociação a respeito entre as partes o que, no caso con-creto, não ocorreu.

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Ao invés, os elementos de prova coligidos aos autos permitem concluir o desconhecimento do réu acerca de sua inclusão na contratação. Desta forma, tratando-se de negócio jurídico fundado em erro/ignorância substancial e, ten-do em vista a existência de vício de consentimento por parte do contratante, é de ser suprimida a cláusula de exclusividade.

Por fim, é de se destacar que não há dúvidas de que a intermediação da compra e venda do imóvel da parte demandada foi realizada sem qualquer intervenção da parte autora, sendo realizada exclusivamente por terceira cor-retora de imóveis.

Pelo exposto, dou provimento em parte ao apelo para julgar improceden-te o pedido de pagamento de comissão de corretagem.

Em face do desfecho, arcará a parte autora com os encargos do processo, assim com os honorários sucumbenciais, os quais arbitro em R$ 3.000,00, forte no § 4º do art. 20 do CPC.

Desª Catarina Rita Krieger Martins (Revisora) – De acordo com o(a) relator(a).

Des. Ergio Roque Menine (Presidente) – De acordo com o(a) relator(a).

Des. Ergio Roque Menine – Presidente – Apelação Cível nº 70056719743, Comarca de Tapera: “Deram parcial provimento ao apelo, à unanimidade.”

Julgador(a) de 1º Grau: Marcos Henrique Reichelt

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de Santa CatarinaAgravo de Instrumento nº 2013.050228‑1, de LagesRelator: Des. Marcus Tulio Sartorato

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DEMOLITÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – DECISÃO QUE EXTINGUIU PARCIALMENTE O PROCESSO – RECONHECIDA ILEGI-TIMIDADE ATIVA E INÉPCIA DA INICIAL QUANTO À PRETENSÃO DEMOLITÓRIA – INSURGÊNCIA RECURSAL NO QUE TOCA À INÉPCIA DA INICIAL – ALEGAÇÃO DE QUE OS FUNDAMENTOS DE FATO FORAM DEVIDAMENTE EMBASADOS NA VIOLAÇÃO AO DIREITO DE VIZINHANÇA – INSUBSISTÊNCIA – PLEITO DEMOLITÓRIO QUE SE APOIA, EXCLUSIVAMENTE, NA DESOBEDIÊNCIA DE NORMAS MUNICIPAIS – ILEGITIMIDADE ATIVA E INÉPCIA DA INICIAL CORRETAMENTE RECONHECIDAS – QUESTÃO AFETA AO INTERESSE DO PODER PÚBLICO – IMPOSSIBILIDADE DOS VIZINHOS PLEITEAREM A DEMOLIÇÃO DA OBRA SOB ESSE FUNDAMENTO – PRECEDENTES DESTA CORTE – ALEGAÇÕES REFERENTE À VIOLAÇÃO AO DIREITO DE VIZINHANÇA QUE SOMENTE FORAM SUSCITADAS NESTA SEDE RECURSAL – IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO, NO PARTICULAR – DECISÃO MANTIDA – RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO

Cabe apenas ao Município a legitimidade para demandar a demoli-ção de bem construído sobre terreno de natureza pública que viole limitações administrativas, atendidos os requisitos de conveniência e oportunidade da Administração Pública, mormente quando a cons-trução não traz prejuízos efetivos ao vizinho.

(TJSC, Apelação Cível nº 2010.030122-6, de Jaraguá do Sul, Rel. Des. Jaime Ramos, J. 24.06.2010)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2013.050228-1, da Comarca de Lages (Vara da Fazenda Ac. Trabalho e Reg. Públicos), em que são agravantes Wilson Vieira Wolff e outro, e agravado Osni Correia:

A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer parcial-mente do recurso e, nesta extensão, negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Desª Maria do Rocio Luz Santa Ritta.

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Florianópolis, 10 de dezembro de 2013.

Marcus Tulio Sartorato Relator

RelAtÓRiO

Wilson Vieira Wolff e Ana Kathia Buhr Wolf interpuseram agravo de ins-trumento contra decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Lages, Doutor Leandro Passig Mendes, que, nos autos da “ação demolitória” ajuizada pelos agravantes em face de Osni Correa, reconheceu a ilegitimidade ativa dos agravantes e a inépcia da inicial quanto ao pedido de demolição do imóvel de propriedade do réu, extinguindo, por consequência, parcialmente o processo.

Sustentam, em suma, que, embora não tenham sido devidamente deline-ados na inicial os prejuízos por si suportados em razão das obras realizadas pelo agravado, a petição contém elementos suficientes para a realização do exercí-cio da defesa, não sendo possível, por isso, ser considerada inepta. Aduzem, ademais, que, tendo sido demonstrado na inicial os fatos que dão suporte ao pedido de demolição, compete ao magistrado dar-lhes o correto enquadramen-to legal, não sendo necessário que seja invocado na inicial quais dispositivos legais específicos apoiam a pretensão. Com base nesses argumentos, pugnam pela invalidação da decisão proferida para que seja determinado o prossegui-mento do feito quanto ao pedido de demolição do imóvel.

O pedido de efeito suspensivo foi indeferido pelo e. Des. Domingos Paludo (fls. 195/197).

Intimado, o agravado apresentou contraminuta, no qual pugna pela ma-nutenção do decisum (fls. 203/208).

Na data de 07.11.2013, peticionaram os agravantes nos autos requeren-do a conversão do agravo de instrumento em agravo retido ao argumento de que o processo originário estaria na iminência de ser julgado, o que, segundo entendem, poderia acarretar-lhes prejuízos.

vOtO

1. Deve-se afastar, de início, o pedido de conversão do presente instru-mento em agravo retido. Assim se procede por duas razões.

Por primeiro, porque, diversamente do que sustentaram os agravantes, a demanda, na origem, não está prestes a ser julgada; pelo contrário, o processo foi suspenso em primeiro grau de jurisdição até o pronunciamento definitivo

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desta Corte no presente recurso, conforme se verifica em consulta ao Sistema de Automação do Judiciário.

E ainda que assim não fosse, não seria o caso de converter o agravo de instrumento em agravo retido pois, apesar de tratar o recurso de discussão emi-nentemente processual e insuscetível a primeira vista de causar dano à parte, a situação em apreço se afigura incompatível com o regime do agravo retido.

É que, por se tratar de questão absolutamente independente à sentença a ser proferida em primeira instância, faz-se necessário o processamento do recurso na via instrumental, conforme lecionam Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha:

Há questões incidentes que são absolutamente independente/estranhas ao objeto do processo; a solução judicial que se lhes dê em nada afetará a futura decisão sobre o objeto do processo (quer diga respeito à admissibilidade, quer se refi-ra ao próprio exame do mérito), pois não tem qualquer vínculo com a questão principal. Essa solução, embora se opere via decisão interlocutória, será defini-tiva, independendo de confirmação posterior. O regime de retenção do agravo justifica-se no fato de que o agravante, com a prolação da decisão sobre o objeto litigioso (a sentença), possa vir a perder o interesse no prosseguimento do recurso já interposto. Se a questão decidida por decisão interlocutória é autônoma em relação à sentença, não lhe afetando nem sendo por ela afetada, não há razão para impor o agravo retido, que seria, no caso, incompatível.

Alguns exemplos: a) exclusão de litisconsorte, independentemente de condena-ção em verba honorária; b) indeferimento parcial da petição inicial; c) aplicação da multa do parágrafo único do art. 14 do CPC; d) resolução parcial do mérito da causa (art. 273, § 6º, CPC) [...] (Curso de Direito Processual Civil: vol. 3 – meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 167-168).

Destarte, afasta-se o pedido de conversão do agravo de instrumento em agravo retido.

2. Para bem compreender e solucionar a presente controvérsia, faz-se necessário delinear, ainda que brevemente, os elementos objetivos da presente demanda e as razões de decidir da decisão agravada.

Cuidam os autos de ação demolitória c/c com pedido de indenização por danos morais, movida por Wilson Vieira Wolff e Ana Kathia Buhr Wolff em face de Osni Correa, no qual buscam os autores, ora agravantes, além de indeniza-ção por danos morais, a demolição de construções levantadas pelo agravado em seu imóvel.

Para embasar o pedido demolitório, afirmaram os agravantes, em resu-mo, que o agravado teria realizado obras em seu imóvel que estariam em de-sacordo com os regulamentos administrativos e plano diretor do município. Os argumentos, por sua brevidade, merecem ser transcritos (fls. 45/47):

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2. O réu, por sua vez, é proprietário de imóvel confinante aos dos autores.

3. Há anos vem construindo no local a seu bel prazer, inclusive sem qualquer autorização dos órgãos públicos. Tanto que o Município ajuizou ação de nuncia-ção de obra nova, contra o mesmo, Processo nº 039.09.000673-7, julgada proce-dente, inclusive com manutenção da decisão pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado (Apelação Cível nº 2010.009540-2). Documentos inclusos.

4. Não obstante a decisão, de primeiro e segundo grau, o Município intimado para promover a demolição até o momento nada realizou, embora nos autos exista mandado de demolição.

5. Registre-se ainda o temperamento difícil do Réu, que não obstante à deci-são judicial chegou, consoante as fotografias inclusas, a colocar tapume pintado, para que os Autores não tenham qualquer visão de sua garagem. A situação é insustentável. (fotografias inclusas)

6. Ocorre que, em razão das disposições do Plano Diretor Urbano desta Cidade, o réu não poderia ter realizado tal obra, uma vez que excede o índice construtivo permitido para o terreno, fato que, depois de concluída a obra, pode-se perceber que retirou do imóvel do autor, a luz do sol, acarretando todas as consequências, inclusive obrigando-o a ajuizar a presente ação.

7. Os autores verificaram junto à Municipalidade e constataram que se trata de obra clandestina e ilegal, porque não poderia ser aprovada pela legislação mu-nicipal vigente. E ainda mais MM. Juiz constantemente esta a construir no local, num emaranhado de casas, inclusive causando perigo para sim mesmo.

8. À vista do exposto, a demolição da obra, é medida que se impõe excedente ao padrão construtivo permitido na comuna, impõe-se. (grifou-se)

O magistrado a quo, na decisão de fls. 30/34, extinguiu parcialmente o processo quanto ao pedido de demolição da obra. Entendeu o ilustre Togado que a petição inicial é inepta neste ponto, pois não faz referência a qualquer violação ao direito de vizinhança que pudesse apoiar a pretensão deduzida. Acrescentou o Magistrado, ademais, que não possuem os agravantes legitimi-dade ativa para pleitear a demolição da obra com fundamento na violação de regulamentos administrativos do Município.

Contra essa decisão, insurgem-se os agravantes. Em suas razões recursais, os agravantes hostilizam exclusivamente o fundamento da inépcia da inicial, argumentando que a petição inicial teria delimitado suficientemente os fatos que embasam o pedido demolitório.

Sem razão, entretanto.

Inicialmente, registre-se que, conquanto não tenham os agravantes se insurgido contra o fundamento da decisão que concluiu por sua ilegitimidade ativa para pleitear a demolição, a decisão será analisada em sua integralidade, pois eventual acolhimento da insurgência referente à inépcia da inicial seria

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suficiente para reformar a decisão a fim de dar continuidade ao feito quanto ao pedido demolitório.

Andou bem ao magistrado ao concluir pela ilegitimidade ativa dos agra-vantes para pleitearem a demolição da obra levantada pelo agravado com fun-damento na violação de regulamento administrativo ou no plano diretor do Município, pois, conforme já consignou por diversas vezes este Pretório, “Cabe apenas ao Município a legitimidade para demandar a demolição de bem cons-truído sobre terreno de natureza pública que viole limitações administrativas, atendidos os requisitos de conveniência e oportunidade da Administração Pú-blica, mormente quando a construção não traz prejuízos efetivos ao vizinho” (TJSC, Apelação Cível nº 2010.030122-6, de Jaraguá do Sul, Rel. Des. Jaime Ramos, J. 24.06.2010).

E ademais, se já existe título judicial, emitido em ação ajuizada pelo Mu-nicípio em face do agravado, determinando a demolição de parcela das cons-truções realizadas no imóvel deste último, tão somente ao Município compete requerer e diligenciar no sentido de ver cumprida a decisão. É intuitivo que não detêm os vizinhos, ora agravantes, legitimidade para, em ação própria, requerer o cumprimento da decisão.

Quanto aos demais argumentos expostos na inicial, de fato, afigura-se evidente a inépcia da inicial.

Isso porque, da análise dos breves argumentos expostos na inicial, supra-transcritos, não é possível deduzir qualquer violação ou ameaça de violação ao direito de vizinhança que pudesse embasar o pedido demolitório. Em razão disso, falta à peça inaugural causa de pedir, o que, inevitavelmente, configura sua inépcia, nos termos do art. 295 e 282, III, ambos do CPC.

Veja-se que as razões de fato e de direito que embasam a demanda vol-tam-se exclusivamente a afirmar que a obra teria sido realizada em desacordo com os regulamentos e plano diretor do Município. Porém, quanto a isso, con-forme salientado, não detém os agravantes legitimidade para discutir.

Dessa forma, não procedem os argumentos expendidos nessa sede recur-sal no sentido de que estariam devidamente delineados os fundamentos de fatos que embasam a pretensão deduzida.

É de se ressaltar que não se olvida que os agravantes, nas razões recur-sais, tenham alegado, ainda que genericamente, que as construções estariam causando danos ao seu imóvel – circunstância, esta sim, hábil a embasar o pedido demolitório. Todavia, como não lhes é dado nesse momento processual alterar a causa de pedir (art. 264 do CPC), e tampouco inovar, não se faz possí-vel o conhecimento dessas alegações.

Sobre a causa de pedir, ensina o mestre José Carlos Barbosa Moreira:

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Todo pedido tem uma causa. Identificar a causa petendi é responder à pergunta: porque o autor pede tal providência? Ou, em outras palavras: qual o fundamento de sua pretensão?

Constitui-se a causa petendi do fato ou do conjunto de fatos a que o autor atribui a produção do efeito jurídico por ele visado. As mais das vezes, podem distinguir--se um aspecto ativo e um aspecto passivo na causa petendi; por exemplo, se o autor reclama a restituição de quantia emprestada, a causa petendi abrange o empréstimo, fato constitutivo do direito alegado (aspecto ativo), e o não paga-mento da dívida no vencimento, fato lesivo do direito alegado (aspecto passi-vo). (O Novo Processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 21. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 15-16)

Quanto à inépcia da inicial, em comentário ao art. 295 do Código de Processo Civil, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

A primeira hipótese de inépcia da inicial é a ausência de pedido ou de causa de pedir. Havendo pedido, ainda que irregular, como por exemplo, no caso de o autor deduzir pedido genérico quando a lei não autoriza, não ocorre a inépcia, após esta só se verifica quando houver ausência de pedido ou de causa de pe-dir. Estes dois elementos da ação devem estar presentes na petição inicial para que seja considera apta [...] (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 489 – grifou-se)

Dessa forma, ante a manifesta ilegitimidade dos agravantes para pleitear a demolição das obras realizadas no imóvel de propriedade do agravado com fundamento em violação de normas municipais, bem como em razão da ausên-cia de outra causa de pedir hábil a embasar o pedido demolitório, é de manter--se a decisão singular em seus exatos termos.

Ante o exposto, vota-se no sentido de conhecer em parte do recurso e, nesta extensão, negar-lhe provimento.

Gabinete Des. Marcus Tulio Sartorato

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1381

Tribunal de Justiça do Estado de São PauloRegistro: 2013.0000781193

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0325904-37.2009.8.26.0000, da Comarca de Mogi-Guaçu, em que é apelante Ricardo Gonçalves de Oliveira, é apelado Chamflora Mogi-Guaçu Agroflorestal Ltda.

Acordam, em 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recurso, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Moreira Viegas (Presidente sem voto), Fábio Podestá e A. C. Mathias Coltro.

São Paulo, 11 de dezembro de 2013.

Edson Luiz de Queiroz Relator Assinatura eletrônica

Voto nº 8343Apelação nº 0325904‑37.2009.8.26.0000Apelante: Ricardo Gonçalves de OliveiraApelado: Chamflora Mogi‑Guaçu Agroflorestal Ltda.Comarca: Mogi‑GuaçuJuiz(a): Daniel Ribeiro de Paula

ementAOBRIGAÇÃO DE FAZER – OUTORGA DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA – PARTES QUE TINHAM CIÊNCIA DA NECESSIDADE DE REGULARIZAÇÃO DOCUMENTAL DO BEM IMÓVEL TRANSACIONADO – A OBRIGAÇÃO DE REGULARIZAÇÃO DOCUMENTAL É DA RÉ, NA QUALIDADE DE VENDEDORA – PARTES QUE ESTIPULARAM PRAZO PARA SUA CONCLUSÃO – MULTA CONTRATUAL DEVIDA – LUCROS CESSANTES INDEVIDOS, POIS NÃO COMPROVADOS – INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA – DECISÃO DE IMPROCEDÊNCIA – RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE

Ação de obrigação de fazer, cobrança de multa contratual e de inde-nização por lucros cessantes. Sentença de improcedência reformada.

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Questões postas nos autos se resolvem pela interpretação das cláusu-las contratuais.

Partes que tinham ciência da necessidade de regularização documen-tal do bem imóvel transacionado, para, após, ser lavrada a compe-tente escritura de compra e venda. Obrigação de regularização do-cumental é da ré. Ausência de comprovação dos atos úteis realizados pela ré, tendente à regularização documental do bem imóvel.

Pretensão deduzida nos autos acolhida, com fixação de prazo para cumprimento da obrigação. Multa contratual devida porque a obri-gação não foi cumprida no prazo fixado, sem justificativas. Lucros cessantes não comprovados. Indenização indevida. Sucumbência mí-nima do autor. Inversão do ônus da sucumbência.

Recurso provido parcialmente.

Vistos.

Adotado o relatório da decisão de primeiro grau, acrescente-se tratar de ação de obrigação de fazer, cobrança de multa contratual e de indenização por lucros cessantes.

O autor alega que as partes firmaram compromisso de compra e venda de bem imóvel rural, datado de 22 de maio de 2007, com estipulação de prazo de 180 dias, para outorga de escritura definitiva. Entretanto, a ré não cumpriu a obrigação no prazo fixado.

O pedido inicial foi julgado improcedente, condenando o autor nas ver-bas sucumbenciais.

O autor apresentou recurso de apelação, arguindo que o Juízo a quo fundamentou sua decisão em texto da contestação e não no estabelecido no contrato. Alega que as cláusulas contratuais devem ser cumpridas integralmen-te, vez que obrigam as partes do mesmo modo que as normas legais. Afirma que devido ao descumprimento da cláusula quarta deve a ré arcar com a multa contratual. Insiste também que, face ao disposto no art. 402 do Código Civil, a ré deve arcar também com os lucros cessantes. Requer a procedência da ação com a inversão do ônus da sucumbência.

O recurso foi devidamente processado, com apresentação de contrar-razões.

É o relatório do essencial.

Respeitado o entendimento do d. Juízo de Primeiro Grau, a irresignação do autor deve ser acolhida.

É dos autos que as partes firmaram “Compromisso Particular de Venda e Compra de Imóvel Rural”, datado de 22 de maio de 2007 (fls. 14/19) e a cláu-sula quarta e seu parágrafo único assim dispõem:

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“O preço especificado na Cláusula anterior será pago pelo comprador à vende-dora, no ato da assinatura do presente instrumento.

Parágrafo único. A outorga da Escritura Definitiva da Área objeto deste Instru-mento, dependerá da conclusão do Processo de Cisão Parcial conforme disposto no Considerando, o qual não poderá ultrapassar 180 dias da assinatura do pre-sente instrumento.”

As questões postas nos autos se resolvem pela interpretação das cláusulas contratuais.

Segundo Carlos Maximiliano:

“a interpretação dos contratos deve ser feita atendendo a certos métodos. O pri-meiro deles se dá pelos dados filológicos: procura-se compreender as expressões e palavras dos estipulantes. Esse processo de interpretação gramatical é ampla-mente aceito. Assim, ‘se as disposições contratuais [...] não parecem obscuras, nem ambíguas, nem equívocas, prevalece o significado natural das palavras se-gundo o modo comum de as entender; porém, nesta hipótese ainda se admite a dúvida sobre se os vocábulos explícitos correspondem razoavelmente à intenção do estipulante. Aceita-se a exegese contrária, desde que evidencie engano, lapso, impropriedade da expressão’ [...]”.1

Orlando Gomes:

“constituindo, como consiste, em duas distintas declarações de vontade que se integram, o contrato requer, sempre, interpretação, mormente quando são obscu-ras, ambíguas ou duvidosas. Interpretar um contrato é, afinal, esclarecer o sentido dessas declarações e determinar o significado do acordo ou consenso.

Função da interpretação do contrato é a determinação dos efeitos jurídicos que este visa a plasmar e a produzir. Diz-se que, se o objeto da vontade contratual (negocial) são os efeitos do contrato, deve-se admitir, por dedução lógica, que o fim último da interpretação é a determinação de tais efeitos. Afinal, o que importa é definir a vontade contratual objetivamente expressa nas cláusulas, mesmo que não corresponda exatamente à intenção do declarante. É, de resto, comporta-mento obrigatório dos contratantes que demanda do intérprete clara definição, se é juiz, a escolha do preceito aplicável em caso de controvérsia (lide).

O intérprete não pode se afastar da regra que manda interpretar as declarações de vontade, atendendo-se mais à sua intenção do que ao sentido literal da lin-guagem, a fim de determinar com precisão a efetiva vontade das partes. Nos ordenamentos jurídicos que convertem tal princípio em artigo de lei, como o nosso, tem-se entendido que não se pode prescindir a investigação da vontade interna de cada parte, mas a verdade é que o fim da disposição legal é obrigar o interprete a verificar o espírito do contrato, isto é, o seu significado genuíno. Interpretação correta da regra hermenêutica estatuída no Código Civil para inter-pretação dos negócios jurídicos em geral não pode admitir que alusão à intenção da declaração de vontade seja, no contrato, a de cada declarante, pois a vontade

1 Hermenêutica e Aplicação do Direito. 10. ed. Editora Forense, 1988. p. 336/355.

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singular de cada parte é sempre irrelevante para o fim de interpretação do acor-do. É que pode haver divergência entre os intentos e, não obstante, conclusão do contrato, como na hipótese de ser a declaração transmitida inexatamente.

Por maior que seja, finalmente, o poder atribuído ao intérprete na medida em que se acentua a inclinação para dessubjetivar a vontade não se consente que impo-nha às partes um contrato diverso do que realizaram ainda que preferível do pon-to de vista do interesse público. Não é lícito ao juiz invocá-lo para o ajustamento por meio de interpretação, cabe-lhe unicamente decretar a nulidade do contrato se o contraria ou dizer que as cláusulas infringentes estão substituídas pelas dis-posições legais que prevêem a substituição automática. (grifos são nossos)2

A vontade a ser perquirida é a vontade que objetivamente foi manifestada pelos contratantes.

Conforme Pothier, na interpretação dos contratos:

“[...] deve-se interpretar uma cláusula pelas outras contidas no ato, quer elas a precedam, quer a sigam”. Ao citar o grande mestre, o Professor Silvio Rodrigues prossegue: “Pois, sendo o contrato um todo, a razão de uma cláusula encontra, no geral, justificativa na anterior, ou na subsequente. Vale dizer que um disposi-tivo não deve ser analisado isoladamente, mas como parte de um todo.”3

É o que ocorre no caso presente, como sabiamente ponderou a própria ré, em sua defesa. Confira-se fls. 75/76:

“Desse modo, depreende-se dos considerandos acima transcritos que a intenção das partes era negociar a promessa de venda e compra de um imóvel cuja regu-larização do registro imobiliário ainda estava pendente.

Este ponto, embora pareça óbvio, é essencial para a interpretação do acordo entre as partes. Veja-se a razão: seria uma realidade completamente distinta da presente se a Ré tivesse em seu poder, na formação e assinatura do compromisso, a matrícula já regularizada do imóvel. Nesta hipótese, não haveria qualquer jus-tificativa para o retardo na outorga da escritura de venda e compra. Mas, todavia, o caso não é esse. Conforme expresso nos considerandos, as partes entabularam negócio com imóvel sabidamente pendente de regularização registral.”

Nessas condições, o que se constata é que as partes tinham ciência da necessidade de regularização documental do bem imóvel transacionado, para, após, ser lavrada a competente escritura de compra e venda. A obrigação de regularização documental é da ré, na qualidade de vendedora, mesmo porque não houve atribuição contratual dessa responsabilidade para a autora, compra-dora.

2 Contratos. 14. ed. Forense, p. 198 e ss.

3 In Direito Civil, v. 3, 1997, p. 50.

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Visando impedir que essa obrigação não fosse cumprida ou que se pro-longasse no tempo, as próprias partes estipularam prazo para sua conclusão “[...] não poderá ultrapassar 180 dias da assinatura do presente instrumento”. Essa obrigação foi assumida de livre e espontânea vontade pela ré, conside-rando-se, portanto, que ela considerou plenamente viável o cumprimento da obrigação dentro desse prazo. Não houve comprovação dos atos úteis reali-zados pela ré, tendente à regularização documental do bem imóvel. Apenas pequenas e poucas providências foram tomadas, mas, todas, insuficientes para um resultado útil.

Nessas condições, não houve o cumprimento tempestivo da obrigação, de forma que a pretensão deduzida nos autos realmente deveria ser acolhida, integralmente, fixando-se prazo.

A multa contratual é devida, porque a obrigação não foi cumprida no prazo fixado, sem justificativas.

Já os lucros cessantes podem ser considerados como aquilo que se dei-xou de lucrar em virtude de algum ilícito cometido4.

Assim, indevida a indenização por lucros cessantes, pois independen-temente do descumprimento contratual, não restou comprovado, na hipótese, que o autor deixou de lucrar em virtude do inadimplemento da obrigação pela ré.

Por fim, em razão da sucumbência mínima do autor, invertem-se o ônus da sucumbência.

As demais questões arguidas pelas partes estão prejudicadas, anotando--se que não há obrigação processual no sentido de impor ao juiz a análise e pro-nunciamento sobre todos os pontos argüidos nos arrazoados das partes. Basta a explicitação dos motivos norteadores do seu convencimento, concentrando--se no núcleo da relação jurídico-litigiosa, com suficiência para o deslinde da causa.

Diante do exposto, dá-se parcial provimento ao recurso.

Edson Luiz de Queiroz Relator (Documento assinado digitalmente)

4 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 1. ed., 2011, p. 425.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência1382 – Ação de abatimento de preço – discussão – natureza de venda de bem imóvel (se ad

corpus ou ad mensuram) – interpretação de cláusulas contratuais – inadmissibilidade

“Direito processual civil e civil. Agravo no recurso especial. Ação de abatimento de preço. Dis-cussão acerca da natureza de venda de bem imóvel (se ad corpus ou ad mensuram). Reexame de fatos. Interpretação de cláusulas contratuais. Inadmissibilidade. Súmulas nºs 5 e 7/STJ. Preques-tionamento. Ausência. Súmula nº 282/STF. 1. O reexame de fatos e a interpretação de cláusulas contratuais em recurso especial são inadmissíveis. Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 2. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais impede o conhecimen-to do recurso especial. Súmula nº 282/STF. 3. Agravo não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.215.479 – (2010/0171153-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 12.11.2013)

1383 – Ação de busca e apreensão – contrato de mútuo financeiro – cláusula de alienação fidu-ciária

“Apelação cível. Ação de busca e apreensão. Contrato de mútuo financeiro com cláusula de alie-nação fiduciária. Magistrado a quo que julga o processo extinto, sem resolução de mérito, sob o fundamento de inocorrência de comprovação da mora. Irresignação do demandante. Constituição em mora. Exigência de que a notificação extrajudicial ou o protesto sejam realizados pelo cartório de títulos e documentos ou, respectivamente, pelo tabelionato de notas, e, ainda, da comarca da residência do devedor, sem a intervenção de terceiros, como é o caso da empresa brasileira de correios e telégrafos. Inocorrência no caso concreto. Comunicação da inadimplência levada a efeito pelos correios, mediante o envio de correspondência por serventia extrajudicial estabelecida em outra unidade federativa. Invalidade do procedimento adotado. Mora não comprovada. Falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Incidência do art. 267, inciso IV, do Código Buzaid. Emenda à inicial. Impossibilidade no caso concreto. Cons-tituição em mora que se configura como pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo e que, portanto, deve estar presente no ato da propositura da demanda. Impos-sibilidade de postergação da comprovação da mora para momento processual ulterior ao manejo da ação. Inaplicabilidade do art. 284 do Código Buzaid em face da natureza da demanda proposta. Manutenção da sentença extintiva. Rebeldia desprovida.” (TJSC – AC 2013.010188-3 – Rel. Des. José Carlos Carstens Köhler – DJe 18.12.2013)

1384 – Ação de nunciação de obra nova – alegação de inépcia da inicial – ausência de provas

“Agravo de instrumento. Ação de nunciação de obra nova. Alegação de inépcia da inicial. Au-sência de provas dando conta da conclusão da obra antes do ajuizamento da demanda. Decisão que não define a responsabilidade do agravante, réu na ação, pelos honorários do perito. Falta de interesse de agir. Requerimento de assistência judiciária que deve ser formulado ao juiz de pri-meiro grau. Recurso conhecido em parte e não provido.” (TJPR – AI 1018796-7 – Rel. Des. Albino Jacomel Guerios – DJe 16.12.2013)

1385 – Bem de família – penhora sobre fração ideal – possibilidade

“Processo civil e direito civil. Bem de família. Ausência de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Bem indivisível. Penhora sobre fração ideal. Possibilidade. Precedentes. Súmula nº 83/STJ. Falta de intimação pessoal do patrono. Nulidade. Inocorrência. Art. 237, CPC. Terceiros legitima-dos à adjudicação do bem penhorado. Intimação prévia. Desnecessidade. Art. 685-A, § 2º, CPC. 1. Inexistindo, no acórdão recorrido, os vícios apontados pelo recorrente, não há violação ao art. 535 do CPC. 2. A ausência de decisão acerca de dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o exame da insurgência. Súmula nº 211/STJ. 3. O acórdão recorrido que adota, no ponto atacado, a orientação firmada pela juris-prudência do STJ não merece reforma. Súmula nº 83/STJ. 4. O patrono da parte não possui direito subjetivo a intimação pessoal (v.g., por carta com aviso de recebimento), quando há a publicação

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dos atos processuais por órgão oficial (art. 237, caput, CPC). 5. O direito à adjudicação conferido a terceiros interessados, por força do art. 685-A, § 2º, do CPC, não alberga a exigência de prévia intimação destes para o seu exercício. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, ne-gado provimento.” (STJ – REsp 1.376.173 – (2008/0271464-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 13.11.2013)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de ação de execução/cumprimento de sentença ajuizada pelo recorrido na qual foi penhorado e posteriormente adjudicado em favor do credor-recorrido 50% de um imóvel re-sidencial pertencente ao primeiro executado, cuja fração remanescente é de propriedade da recorrente, terceira interessada.Uma decisão interlocutória deferiu a adjudicação da fração penhorada em prol do credor.O TJRJ negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela recorrente em ementa redi-gida nos seguintes termos:“Execução por título judicial. Indenização. Adjudicação de parte do imóvel. Recurso manejado por terceiro. Não se afigura ilícita ou teratológica decisão judicial que determina a adjudicação ao credor de metade do imóvel penhorado, ficando resguardada a meação da terceira interessada, notadamente quando não há a transferência de sua posse. Consequência óbvia da transformação da penhora em adjudicação se os devedores não satisfazem o crédito exequendo, adotando-se o princípio da efetividade da execução. Recurso não provido.”No recurso especial alegou-se violação aos arts. 234, 236, §§ 1º e 2º, 237, II, 535, 685-A, § 2º, do CPC e art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.009/1990. Pediu-se a anulação do acórdão recorrido por negativa de prestação jurisdicional e ausência de intimação do patrono da agra-vante na forma pleiteada (por correio, com aviso de recebimento). Subsidiariamente, pugna-se pela reforma da decisão recorrida, invalidando-se a adjudicação deferida, por ser de família e indivisível o bem penhorado e, ainda, por falta de intimação pessoal dos terceiros legitimados à adjudicação do bem.O STJ conheceu em parte do recurso especial e, nesta parte, negou-lhe provimento.O Relator asseverou que, quanto a outros prováveis interessados em exercer o direito de ad-judicação, supostamente preteridos pela falta de intimação prévia, não cabe aqui avaliar essa questão, pois de interesse unicamente destes, cuja defesa deve ser necessariamente exercida mediante legitimidade para tanto, em sede e momento oportunos.A penhora é um ato judicial destinado a apreender os bens de um devedor com a finalidade de que o pagamento seja cumprido. Os bens são tirados do devedor para servirem de garantia à execução que se processa contra este. Com o advento da Lei nº 8.009/1990, o que se considera como bem de família é resguardo, não podendo recair penhora sobre tal bem, caracterizando-se a impenhorabilidade do patrimônio familiar.Como bem colocado pelo STJ, a Lei nº 8.009/1990 teve por finalidade garantir a moradia da família, excluindo o imóvel e suas alfaias da execução por dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. Se o único bem residencial do casal ou da entidade familiar está locado, servindo como fonte de renda para a subsistência da família, que passa a morar em prédio alugado, nem por isso aquele bem perde a sua destinação mediata, que continua sendo a de garantir a moradia familiar.Yone Frediani, em estudo sobre o bem de família, assim considerou:“O bem de família poderá consistir em prédio residencial urbano ou rural, suas pertenças e acessórios, destinando-se ao domicilio familiar, podendo, ainda, ser constituído por valores mo-biliários.O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo se prove-nientes de tributos relativos ou prédio ou despesas de condomínio. A isenção perdurará enquanto viverem os cônjuges e na falta destes até que os filhos completem a maioridade, vale dizer, nesse caso, a impenhorabilidade é relativa.[...]No entanto, da leitura do texto legal apontado, constata-se, desde logo, que a impenhorabilidade do bem de família é relativa, diante das exceções previstas no art. 3º e respectivos incisos, quais sejam:a) créditos de trabalhadores da própria residência e de suas contribuições previdenciárias;b) crédito decorrente de financiamento destinado a construção ou aquisição do imóvel;c) crédito decorrente de pensão alimentícia;

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d) impostos, taxas e contribuições devidas, relativos ao imóvel familiar;

e) execução de hipoteca existente sobre o imóvel, oferecido como garantia real;

f) aquisição do imóvel com produto de crime;

g) obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Por oportuno, resta-nos ressaltar que, à semelhança das disposições contidas no diploma civi-lista, torna-se imprescindível a fixação do domicílio familiar com ânimo de permanência, a fim de que possa estar o imóvel revestido de impenhorabilidade.” (Bem de família. Repertório de Jurisprudência IOB, 3/23193, v. III, n. 21/2005, p. 647, 1ª quinz. nov. 2005)

1386 – Compra e venda – pedido de rescisão – reintegração de posse

“Compra e venda. Pedido de rescisão, cumulado com reintegração de posse. Sentença de pro-cedência. Falecimento da autora, após a interposição do recurso de apelação, com pedido ul-terior expresso de desistência do apelo determinação da regularização da representação proces-sual do espólio não atendida manifesta falta de interesse recursal apelo não conhecido.” (TJSP – Ap 9112641-60.2009.8.26.0000 – Batatais – 7ª CDPriv. – Rel. Ramon Mateo Júnior – DJe 19.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESEUma companhia habitacional ajuizou ação de rescisão de contrato cumulada com reintegração de posse em face da ré, ao fundamento de que a mesma deixou de efetuar o pagamento de mais de três prestações, a partir de abril/2002, havendo sido constituída em mora, por intermédio de notificação extrajudicial.

Requereu, pois, a rescisão do contrato, com a reintegração na posse do imóvel.

A ação foi julgada procedente, nos termos da sentença, para declarar rescindido o contrato celebrado entre as partes, reintegrando a autora na posse do imóvel.

Inconformada, porém, apelou a autora, requerendo a inversão do julgado.

O TJSP não e do recurso.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

“O presente recurso não está em caso de ser conhecido, restando prejudicado em face da falta de interesse recursal, na modalidade utilidade. Com efeito, após notícia do falecimento da apelante e requerimento de desistência do recurso de apelação, foi determinada a regularização da repre-sentação processual do espólio. Todavia, seu desinteresse restou manifesto, ao quedar-se inerte, permanecendo sem representação processual. Mesmo intimada pessoalmente a inventariante, deixou correr in albis o prazo para manifestação acerca de sua representação processual. Ora bem: a falta de regularização processual, aliada ao pedido de desistência do recurso de apelação interposto, comprova, cabal e irretorquivelmente, a perda do interesse processual, sobretudo, na modalidade utilidade do provimento jurisdicional. Logo, é de se concluir que a sentença foi acei-ta, posto que sua conduta omissiva é absolutamente incompatível com o julgamento do recurso.”

Sobre a reintegração de posse, trazemos as lições de Jéferson Albuquerque Farias:

“A ação de reintegração de posse também é chamada de interdito recuperatório ou ação de esbulho, sendo que sua origem está ligada aos interdicta recuperadae possesionis. O possuidor, em caso de esbulho, usa a reintegração de posse para reaver a coisa para si. Essa ação pode ser de força velha ou de força nova. Aplica-se, em cada uma das hipóteses, a mesma disposição da ação de manutenção de posse.

O fim específico da ação é recuperar a coisa. O possuidor que foi privado da sua posse tem o direito de reaver a coisa de quem quer que seja. O possuidor dirige-se contra o autor do esbulho ou contra terceiro que tenha recebido a coisa sabendo que esta era esbulhada.

Quando o esbulho praticado datar de um ano e dia, a ação também é chamada de ação de força nova espoliativa. Nesse sentido ensina Orlando Gomes, quando escreve sobre o tema:

‘Também chamada ação de força nova espoliativa, pressupõe ato praticado por terceiro que im-porte, para o possuidor, perda da posse, contra a sua vontade. Se o possuidor não for despojado da posse, esbulho não haverá. Além da restituição da coisa, a que faz jus, o possuidor esbulhado tem direito a ser indenizado dos prejuízos que sofreu com o esbulho.’

A ação de reintegração de posse vem garantida nos arts. 1.211 do Código Civil e 926 do Código de Processo Civil, que têm a seguinte redação:

‘Art. 1.211. Quando mais de uma pessoa se disser possuidora, manter-se-á provisoriamente a que tiver a coisa, se não estiver manifesto que a obteve de alguma das outras por modo vicioso.’

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‘Art. 926. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho.’

Tupinambá Miguel Castro do Nascimento afirma que a ação de reintegração de posse entrou no Código Civil brasileiro no art. 499 (atual art. 1.210 do Código Civil) com o objetivo de recuperar a posse de um determinado bem que tenha saído da esfera do possuidor por meio do esbulho.

É a ação de quem tinha a posse, perdeu-a e quer recuperá-la.

Renan Falcão de Azevedo diz que ‘reintegrar significa integrar novamente (re-integrar). Significa restabelecer alguém na posse de um bem do qual tenha sido injustamente despojado’.

A proteção possessória constitui um dos efeitos da posse, e na hipótese de esbulho está tipifi-cada no Código Civil e no Código de Processo Civil. Seus dispositivos garantem ao possuidor o direito de reaver a posse. Ricardo Aronne bem comenta o dispositivo do art. 1.210 do Código Civil quando escreve sobre o assunto. A lição do autor merece ser reproduzida:

‘A regra em comento positiva, na esfera material, o direito do cidadão, perante o estado, a tutela interdital de sua posse. Assim, para os casos de turbação, cabe manutenção de posse e, para os casos de esbulho, caberá reintegração de posse. O dispositivo há de ser tomado como exem-plificativo, não encerrando as hipóteses de tutela possessória, ainda que venham a ter caráter interdital. Nesse passo, diante da tríplice dimensão possessória, aquele que adquire o direito à posse (jus possessionis) ou o direito de posse (jus possidendi), enquanto o fato da posse estiver com outrem, tem direito a ser imitido na posse, por exemplo. No âmbito do esforço imediato, a autotutela da posse, o § 1º do dispositivo em tela anacronicamente o positiva na codificação. Há de ter-se presente, admitindo sua juridicidade, o princípio da proporcionalidade quanto ao respectivo exercício. Não obstante, a propriedade e a posse afetam-se à respectiva função social (art. 5º, XXIII, e art. 170 da CF/1988) e o princípio da dignidade da pessoa humana é princípio fundamental do ordenamento (art. 1º, III, da CF/1988). Assim, a existencialidade guarda pri-mazia à patrimonialidade.’

A reintegração se mostra presente em várias situações por recusa na restituição. Arnaldo Rizzardo traz alguns exemplos de situações quando retrata casos em sua obra. O autor dá como exemplo o comodatário que, quando vencido o contrato, é notificado e, não restituindo a coisa, torna-se usurpador ou esbulhador a partir do ato que o intimou para a restituição.

Seguindo o mesmo sentido, o autor revela a situação no seguinte aresto:

‘Estando demonstrados os requisitos básicos da ação de reintegração de posse, consistente na posse anterior da autora e na sua perda, com a ocupação indevida do imóvel, por outrem, o que configura esbulho, correta a decisão da maioria que reformou a sentença de improcedência do pedido. A presença dos réus no imóvel, sem justificar a aquisição regular de sua posse, que é da autora, ora embargada, como demonstrado nos autos, e contrariando a vontade desta, indica o esbulho, cuja ocorrência retroage ao momento da indevida ocupação do imóvel. Esse é o mo-mento da perda da posse, reconhecida pela sentença, configurando o esbulho, com a mudança do título de ocupação do imóvel, de comodato, para o de pretenso dono.’

A exigência da notificação é unicamente para o contrato de prazo indeterminado e, igualmen-te, para aquele cujo prazo mede-se de acordo com a presunção da coisa, segundo a regra do art. 397 do Código Civil ou o princípio dies intepellat pro homine.

[...]

Requisitos da ação de reintegração:

Para se valer da proteção possessória, o possuidor esbulhado deve ter exercido uma posse anterior, ter sido o esbulho provocado por terceiro, bem como ter perdido a posse em razão do esbulho. Estes três pressupostos mostram-se necessários para garantir o direito à proteção pos-sessória. A ação é própria para quem tinha a posse, perdeu-a e deseja recuperá-la.

Já para garantir a reintegração de posse, dispõe o art. 927 do Código de Processo Civil que o autor deve provar que exerceu a posse sobre a coisa, que houve esbulho sobre a coisa e que perdeu a posse, demonstrando a data em que ocorreu o esbulho a fim de requerer a reintegração liminar, data esta que deve ser de menos de ano e dia para a hipótese de requerer a liminar (art. 924 do CPC). O esbulho concretiza-se não só em face dos atos de violência e clandestinida-de, mas também com a recusa em restituir a coisa quando a isto se é obrigado.

O réu, ao se defender, pode opor-se à pretensão apresentada, alegando, em sua defesa: que o autor comete o mesmo esbulho de que se queixa; ou que o autor não tem a posse; que a posse está extinta ou que a posse civil é fundada em contrato nulo; que obrara sem dolo, por mandado de outrem; que o autor é incapaz da posse; o direito de retenção e, por último, a prescrição da ação.

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Como em qualquer outro dos interditos possessórios, o autor deve comprovar que, anteriormente ao alegado esbulho, estava na posse. Este é requisito indispensável, prova que aquele que reclama a posse foi demitido de tal exercício. Assim, percebe-se que só sofre esbulho quem efetivamente exercia a posse, ainda que por intermédio de outrem.” (Das ações possessórias – Reintegração de posse. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 2 jan. 2014)

1387 – Condomínio – ação declaratória de nulidade – cláusula da convenção

“Direito civil. Condomínio. Ação declaratória de nulidade de cláusula da convenção condominial cumulada com cobrança de complementação de taxas. Previsão de pagamento pela construtora de apenas 30% da taxa condominial para as unidades não comercializadas. Pedidos julgados improcedentes. 1. Cabe à assembléia de condôminos, por meio do quórum qualificado de 2/3, deliberar sobre a alteração da convenção do condomínio (art. 1.351 do Código Civil de 2002). Em consequência, não é lícito ao poder judiciário substituir a vontade da maioria dos condôminos e deliberar sobre o percentual da taxa condominial, se não padecer a convenção do condomínio que a instituiu de qualquer mácula, ainda que invocada a inafastabilidade do controle jurisdi-cional. 2. Ante a validade do item impugnado da convenção condominial, resulta indevida a pretensão de recebimento das diferenças relativas às cotas condominiais. 3. Recurso conhecido e não provido.” (TJDFT – Proc. 20120710156666 – (743897) – Rel. Des. Waldir Leôncio Lopes Júnior – DJe 18.12.2013)

1388 – Condomínio – ação sumária de cobrança – cotas condominiais – imóvel de propriedade da União Federal – revelia

“Direito civil. Ação sumária de cobrança. Cotas condominiais. Imóvel de propriedade da União Federal. Revelia. Sem aplicação de seus efeitos. Juros de mora. Previsão na convenção do con-domínio e na Lei nº 4.591/1964. 1. Todas as obrigações que decorrem pura e simplesmente do direito de propriedade (em razão da coisa) são propter rem e, ao contrário das obrigações em geral, não surgem por força do acordo de vontades, mas sim em razão de um direito real dentre aqueles previstos no art. 1.225 do Código Civil de 2002: propriedade, penhor, anticrese, usufruto, servidões, uso, habitação, enfiteuse, etc. 2. É dever de o condômino contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais (art. 1.336, I, do Código Civil). 3. In casu, segundo Certidão do Registro de Imóveis constante dos autos, a União é proprietária do imóvel. 4. O imóvel em discussão trata-se de um bem dominical, sendo, portanto, disponível, sendo que quando decretada a revelia foi feita a ressalva de que não haveria aplicação incondicionada de seus efeitos. 5. Sendo proprietária do imóvel cabia à União informar-se da existência de prováveis débitos existentes, dever exigível de todo proprietário, cujo descumprimento não poderia vir em seu favor, para desonerá-la de obrigação a todos imposta, não tendo demonstrado nos autos a exis-tência de quaisquer outros fatos impeditivos ou modificativos do direito autoral, como, por exem-plo, a prova do pagamento do débito. 6. Encontra-se estabelecido na convenção do condomínio, em seu art. 43, que, em caso de atraso no pagamento das respectivas contribuições, incidiriam juros de 1% ao mês, a partir da data do vencimento das parcelas devidas, em consonância com o disposto no art. 12, § 3º, da Lei nº 4.591/1964. 7. Apelação e remessa necessária desprovidas.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2010.51.01.003971-8 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 02.12.2013)

1389 – Defesa do consumidor – administradora de shopping center – explosão por vazamento de gás – cadeia de fornecimento – responsabilidade solidária

“Civil, processo civil e consumidor. Administradora de shopping center. Explosão por vazamento de gás. Cadeia de fornecimento. Responsabilidade solidária. Empregado do fornecedor. Figura do consumidor por equiparação. Aplicação. Impossibilidade. Existência de relação jurídica específi-ca. Danos morais. Valor. Revisão em sede de recurso especial. Impossibilidade. Montante razoá-

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vel. Dispositivos legais analisados. Arts. 2º, 3º, 7º, parágrafo único, 17 e 25 do CDC, e 21, pará-grafo único, do CPC. 1. Ação ajuizada em 13.04.1999. Recurso especial concluso ao gabinete da relatora em 14.03.2013. 2. Recurso especial em que se discute a extensão da figura do consumidor por equiparação prevista no art. 17 do CDC. 3. Os arts. 7º, parágrafo único, e 25 do CDC impõem a todos os integrantes da cadeia de fornecimento a responsabilidade solidária pelos danos causa-dos por fato ou vício do produto ou serviço. 4. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, embora não tenham partici-pado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa rela-ção. Todavia, caracterização do consumidor por equiparação possui como pressuposto a ausência de vínculo jurídico entre fornecedor e vítima; Caso contrário, existente uma relação jurídica entre as partes, é com base nela que se deverá apurar eventual responsabilidade pelo evento danoso. 5. Hipótese em que fornecedor e vítima mantinham uma relação jurídica específica, de natureza trabalhista, circunstância que obsta a aplicação do art. 17 do CDC, impedindo seja a empregada equiparada à condição de consumidora frente à sua própria empregadora. 6. A indenização por danos morais somente comporta revisão em sede de recurso especial nas hipóteses em que o valor fixado se mostrar irrisório ou excessivo. Precedentes. 7. Nos termos do art. 21, parágrafo único, do CPC, se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas verbas de sucumbência. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (STJ – REsp 1.370.139 – (2012/0034625-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 12.12.2013)

1390 – Defesa do consumidor – comissão de corretagem – responsabilidade pelo pagamento do vendedor – cláusula abusiva – devolução em dobro – cabimento

“Direito do consumidor. Comissão de corretagem. Responsabilidade pelo pagamento do vende-dor. Cláusula abusiva. Devolução em dobro. Cabimento. 1. Comissão de corretagem. Responsa-bilidade pelo pagamento. A responsabilidade pelo pagamento de comissão de corretagem é do vendedor que contrata o respectivo profissional, mostrando-se abusiva, por violação ao disposto no art. 51, inciso IV, do CDC, a cláusula que transfere tal ônus ao comprador, o qual não aufere qualquer vantagem com o pagamento de tal verba. Precedentes na Turma (Acórdão nº 722734, 20130910141235ACJ, Relator Antônio Fernandes da Luz, 2ª Turma Recursal dos Juizados Espe-ciais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 15.10.2013, Publicado no DJe: 18.10.2013, p. 403). 2. Restituição em dobro. A cobrança por serviços não prestados não se carac-teriza como engano justificável, para os fins do art. 42, parágrafo único, do CDC, ainda que even-tualmente previsto em contrato de adesão. Precedentes na Turma 20110910248394ACJ, Relator João Fischer, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Julgado em 13.03.2012, DJ 21.03.2012, p. 254). Ademais, ‘[...] o objetivo precípuo do art. 42, parágrafo único, do CDC é evitar a inclusão de cláusulas abusivas e nulas que permitam que o fornecedor de produtos e serviços se utilize de métodos comprometedores de cobrança [...]’ (REsp 1099680/SP, Recurso Especial nº 2008/0227635-7, Relator Ministro Mauro Campbell Marques). Devolução em dobro que se impõe, ante a ausência de engano justificável. 3. Recurso conhecido e provido. Sem custas e honorários.” (TJDFT – Proc. 20130110980183 – (744626) – Rel. Juiz Aiston Henrique de Sousa – DJe 19.12.2013)

1391 – Defesa do consumidor – imóvel na planta – atraso na entrega – culpa exclusiva da cons-trutora – rescisão do contrato – aplicabilidade

“Apelação cível. Imóvel na planta. Atraso na entrega. Recurso da construtora ré. CDC. Aplicabili-dade. Culpa exclusiva da construtora. Rescisão do contrato. Devolução dos valores pagos. Paga-mento de multa pela construtora. Previsão contratual. Manifestação sucinta. Julgado devidamente fundamentado. Inovação recursal. Vedação. Recurso do autor. Dano moral. Inocorrência. Des-cumprimento contratual. Comissão de corretagem. Livre pactuação. Devolução. Não cabimen-to. INCC para atualização da multa contratual. Possibilidade. Sentença parcialmente reformada.

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1. Aplica-se à relação jurídica sob exame as regras do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que as partes envolvidas se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos arts. 2º e 3º do CDC, já que a empresa ré comercializa, no mercado de consumo, bem imóvel ad-quirido pelo autor como destinatário final. 2. Mostra-se correto o julgado que rescinde o contrato por culpa exclusiva da construtora ré e determina a devolução dos valores pagos pelo promitente comprador, diante do fato incontroverso de que a obra não foi entregue na data avençada, no-tadamente considerando que não houve demonstração de qualquer hipótese de caso fortuito ou força maior. 3. Não há que se falar em inexigibilidade de pagamento de multa pela construtora, na medida em que aludida penalidade restou prevista em contrato para qualquer das partes que incidisse em inadimplência contratual. 4. A jurisprudência pátria é pacífica no sentido de que a manifestação sucinta do julgador não significa necessariamente ausência de fundamentação. 5. Revela-se como inovação recursal, prática vedada em nosso ordenamento jurídico, a impug-nação, em sede de apelação, de matéria não discutida em primeiro grau. 6. O mero descumpri-mento contratual, em regra, não dá azo à compensação por danos morais, ainda que se reconheça como causa de dissabor ou aborrecimentos. 6.1. A frustração na expectativa do recebimento do imóvel não é capaz de gerar abalo psicológico profundo, apto a ensejar a indenização pleiteada. 7. A comissão de corretagem, quando livremente pactuada, não se apresenta indevida, tampouco encontra óbice no ordenamento legal, razão pela qual, uma vez prestado o serviço pelo corretor de imóveis, incabível a pretensão de devolução dos respectivos valores. 8. Considerando que o INCC possui a função de recomposição do valor da moeda e foi livremente pactuado entre as par-tes, correta a sua aplicação na atualização do contrato para fins de incidência da cláusula penal. 9. Sentença parcialmente reformada.” (TJDFT – AC 20130310075142 – (743389) – Relª p/o Ac. Desª Gislene Pinheiro – DJe 18.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de apelações interpostas em face da r. sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível de Brasília/DF, em ação de rescisão de contrato, que julgou parcialmente procedente o pedido para rescindir o contrato de compra e venda de imóvel residencial firmado entre os litigantes, e condenar a ré a restituir todos os valores pagos pelo autor, bem como pagamento de multa de 30% do valor do contrato, atualizado pelo INPC. Em suas razões recursais, requereu o apelante/autor que seja também reconhecido como devi-dos os danos morais, em razão da conduta da ré afrontar o princípio da dignidade humana, bem como a restituição da comissão de corretagem, tendo em vista a responsabilidade solidária da ré; além da atualização monetária da multa pelo INCC, conforme previsto no contrato. Já a apelante/ré insurgiu-se contra a r. sentença ao argumento de que inaplicável o CDC ao con-trato de compra e venda de imóvel com garantia fiduciária, pois regido pela Lei nº 9.514/1997. Aduziu serem indevidas a restituição do valor pago pelo autor e a aplicação de multa de 30%, em razão da mora involuntária e da boa-fé. Impugnou, ainda, os valores apresentados com a inicial pelo autor. O TJDFT deu parcial provimento aos apelos para condenar a ré à devolução da quantia paga a título de corretagem, no valor de R$ 3.040,41 (três mil e quarenta reais e quarenta e um centavos), corrigidos monetariamente desde o desembolso, além de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação; bem como para condenar a ré ao pagamento de multa moratória de 30% (trinta por cento) sobre o valor total pago pelo autor, promitente comprador, ou seja, R$ 45.961,16 (fl. 33), acrescido do valor pago a título de comissão de corretagem, R$ 3.040,41, totalizando R$ 49.001,57, corrigidos pelo INCC e com juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação.O Relator manteve íntegro os demais termos da r. sentença recorrida e ainda decidiu que em razão da sucumbência recíproca, mas não equivalente, condeno as partes ao pagamento, na proporção de 30% para o autor e 70% para o réu, das custas e dos honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da condenação, ficando a cobrança da parte autora condicionada ao disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/1950. O Ilustre Jurista Sebastião Pereira de Souza assim nos ensina sobre compra e venda:“Num exercício fértil de memória da história da humanidade, parece que o homem primitivo sa-tisfazia o seu interesse imediato pelo uso da força física. Parece que cada um agia por si, catando na natureza pródiga o que lhe interessava ou tomando-o do indivíduo mais fraco. Ainda desen-

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volvendo a fertilidade do pensar, evocando nas pegadas do tempo as situações que deram origem ao pensamento lógico, ao discernimento inteligente, parece, também, que o indivíduo fraco, ao reconhecer a sua tibiez frente à hostilidade do viver sem conviver, buscou no agrupamento uma forma de, no bando, superar-se a si mesmo unindo esforços contra a agressão externa. Parece ainda que aí nasceu a idéia de sociedade entre consangüíneos e não consangüíneos. Debulhando mais ainda a nossa indagação curiosa, buscando no funil do tempo que alargou a tendência aos juízos de valores éticos, parece que o homem, ainda primitivo em relação à civilização que o seguia, mirando no desenvolver da cada bando, separados em territórios, cujo húmus, aliado às estações, prodigalizava diferente produção, que mais cômodo e sem perigo de vida seria dispor do que lhe sobrava recebendo do outro, na mesma situação e sem preocupar com o valor, aquilo que carecia. Parece, finalmente, que surgiu aí o escambo. Trocava-se o que se precisava pelo que sobejava para o outro. O escambo teria transcorrido vários séculos como prática de negócio, até que a distância, as intempéries constantes e mesmo o transporte de bens in natura como meio de troca tornava cada vez mais difícil o relacionamento, donde teria surgido a moeda, com um valor aceito por todos e que substituía o bem trocado. Nossa lucubração histórica nos conduz, como Carvalho Santos, a afirmar que a compra e venda teve sua origem na troca.1 DA COMPRA E VENDAA compra e venda é uma espécie do gênero contrato, com características próprias, mas que se aperfeiçoa, como todo acordo de vontade, como um ato jurídico ou na dicção da nova ordem, – um negócio jurídico, que requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determi-nável e forma prescrita ou não defesa em lei. Acrescentando, ao negócio jurídico, a coincidência de duas ou mais manifestações unilaterais de vontade, visando o proveito e bem-estar dos contratantes, temos aí, como conseqüência, o contrato. A capacidade do agente que libera a sua vontade para contratar é ampla e só encontra limitação no interesse social – art. 421 do Código Civil, guardando as partes, tanto na conclusão como na execução, os princípios da probidade e boa-fé – art. 422.O princípio da autonomia da vontade, ensina Sílvio Rodrigues, parte do pressuposto de que os contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de aceitar ou rejeitar os termos do contrato.1.1 Elementos da compra e venda Pelo contrato de compra e venda um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e, o outro, a pagar-lhe o preço em dinheiro – art. 481 do Código Civil. O contrato de compra e venda é o meio, o instrumento para se transferir o Domínio. Tem efeito meramente obrigacional que se implementa com a execução mediante a tradição se coisa move l – art. 1.267 ou pelo Registro no Cartório do Registro Imobiliário – art. 1.245, se for coisa imóvel. A obrigação do vendedor é de transferir o domínio do objeto contratado. A obrigação do comprador é de pagar o preço.Segundo expressa disposição no art. 482, a venda é considerada perfeita desde que haja acordo sobre a coisa e sobre o preço. Três, portanto, são os elementos da compra e venda: consensus, pretium e res. Consensus O consenso ou consentimento é o resultado do encontro da declaração unilateral de vontades de um lado, do comprador sobre o bem, e, de outro lado, do vendedor sobre o preço. A vontade eivada de vício contamina todo o contrato. Anulável, portanto, é o contrato de compra e venda quando viciada a declaração de vontade por erro substancial, dolo e coação nas circunstâncias delineadas nos art. 138 e seguintes do Código Civil.Pretium No contrato de compra e venda, o preço deve ser sério, em dinheiro, não podendo ser irrisório, e que consista numa soma que seja considerada equivalente à coisa, considerando a oferta e procura à época da contratação.O preço vil pode levar à consideração não de um contrato de compra e venda, mas de doação simulada, cujo efeito pode levar à sua anulação como verbi gratia na doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice que pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal –, expressa disposição do art. 550 do Código Civil, considerando, mais ainda, as demais disposições que impedem a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador e, também, a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento – arts. 548 e 549. O preço pode ser pago em moeda corrente nacional à vista, em moeda estrangeira pela cotação do dia que converter em moeda nacional ou a prazo,

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em prestações. Sendo o preço pago com outro bem, compra e venda não é, pois a moldura é do contrato de troca que in thesi os efeitos não divergem muito, porque as disposições que se aplicam são as mesmas do contrato de compra e venda, exceto quando se tratar de troca entre ascendentes e descendentes – art. 533 –, em que o negócio só depende da intervenção dos outros descendentes e do cônjuge, quando os bens trocados forem de valores desiguais: ‘Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:

I – Omissis;

II – é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimen-to dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.’

Fica sem efeito o contrato de compra e venda se o terceiro a quem foi deixado arbitrar o preço – art. 485, não aceitar o encargo, salvo se concordarem designar outra pessoa. O preço estipulado pelo terceiro indicado vincula os contratantes, até que se provem vícios na elaboração do laudo que inquinem de nulidade os negócios jurídicos em geral. A nova ordem civil considera lícito às partes fixarem o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação – art. 487. As partes podem escolher um padrão objetivo e de fonte isenta para a fixação do preço, como v.g. os índices estipulados por órgãos governamentais ou fundações de trato econômico. Ocorre, a meu falível juízo, que o índice ou parâmetro não pode ter origem em entidade de uma das partes, como na compra e venda de imóveis feita entre construtoras e particulares com base em índice Sinduscon/CUB elaborado pelo Sindicato das Empresas Cons-trutoras, porque estaria, de forma transversa, deixando ao arbítrio exclusivo da construtora, através de seu sindicado, entidade defensora de seus interesses, a fixação do preço, fato que torna nulo o contrato por força do art. 489.

Não havendo convencionado a fixação do preço ou critérios para a sua determinação, e não tendo a coisa tabelamento oficial, dispõe a lei – art. 488 do Código Civil –, que as partes sujei-tarão ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor – art. 488. Convencionada a compra e venda de um veículo em determinada concessionária do ramo sem fixação do preço, vale o preço que o vendedor aliena a mesma marca nas vendas habituais. Havendo oscilação no preço valerá a média. A dificuldade, porque não elucida a lei – parágrafo único do art. 488 do Código Civil –, é disciplinar qual o tempo que se deve considerar para tirar a média.

Res

Em regra, ensina Carvalho Santos, são alienáveis todas as coisas que estão no comércio, quer sejam existentes, ou futuras, certas ou incertas, contanto que estas se venham a verificar. Sem a coisa, inexiste contrato, por falta do objeto, elemento essencial. Não há dúvida quando o objeto do contrato de compra e venda se constitui de coisa presente, atual. Do art. 483, disposição nova, a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.

É futura a compra de determinada quantidade e qualidade da safra agrícola ou de determinado número de itens da produção industrial, em que o adquirente toma para si o risco de vir existir em qualquer quantidade. A venda no caso é de coisa certa esperada – emptio rei speratae.

Vale o contrato para a quantidade produzida e o vendedor tem direito a todo o preço, desde que de sua parte não tenha havido culpa. Nada produzindo, mesmo em face de caso fortuito ou força maior, o contrato não se forma, a venda é nenhuma, por falta de elemento essencial, o objeto, a coisa contratada – art. 459 parágrafo único do Código Civil. ‘Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada.

Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante resti-tuirá o preço recebido’.

Aleatória é a compra da esperança. A compra da expectativa. O comprador aposta na existên-cia da coisa no termo. Por isso mesmo, o objeto do contrato é a própria esperança, a própria expectativa – emptio spei. Alguém compra toda a safra de feijão ou café que produzir a lavoura do vendedor, assumindo o risco de colher muito ou nada colher. Neste caso, o objeto do negócio não foram os grãos, mas a esperança de colhê-los. Válido é o contrato, a teor da norma do art. 458, mesmo que nada venha a colher.

‘Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.’

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A aparente desproporção das prestações não descaracteriza a comutatividade do contrato e justifica porque ambos os contratantes assumiram igual risco. O vendedor recebeu um preço e ao adimplir o contrato o que entregar pode valer o dobro ou mais. O comprador pagou um preço com uma expectativa de lucro que pode redundar em prejuízo.

É ainda aleatório o objeto concernente à compra de mercadoria já despachada, embarcada e sujeita ao risco do transporte assumido pelo adquirente, mesmo que já não existisse no dia do contrato, no todo ou em parte, por naufrágio do navio ou qualquer outro acidente com o veículo transportador, fazendo jus o vendedor a todo o preço, desde que ignorasse a consumação do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa – arts. 460 e 461 do Código.” (A compra e venda no novo código civil. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 2 jan. 2014)

1392 – Defesa do consumidor – responsabilidade civil – atraso na entrega de imóvel – lucros cessantes – aplicação de multa

“Direito do consumidor. Responsabilidade civil. Atraso na entrega de imóvel. Lucros cessantes. Aplicação de multa. Equilíbrio contratual. Cumulação. Possibilidade. 1. Acórdão elaborado de conformidade com o disposto no art. 46 da Lei nº 9.099/1995, arts. 12, inciso IX, 98 e 99 do Re-gimento Interno das Turmas Recursais. Recurso próprio, regular e tempestivo. 2. Atraso na entrega de unidade imobiliária. Responde o promitente vendedor pelo atraso na entrega de unidade imo-biliária objeto de promessa de compra e venda com o pagamento das perdas e danos (art. 395 do CC). 3. Entrega do imóvel. No contrato de promessa de compra e venda de imóvel o cumprimento da obrigação se dá com a entrega das chaves, e não com a expedição do ‘habite-se’. Ressalva-se ao promitente vendedor a demonstração de obstáculo criado pelo promitente comprador, situação não presente neste caso (Acórdão nº 738321, 20130210010162ACJ, Relator Antônio Fernandes da Luz, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, Data de Julga-mento 05.11.2013, Publicado no DJe 28.11.2013, p. 268). 4. Lucros cessantes. O atraso na entrega de imóvel prometido à venda caracteriza mora, obrigando o promitente vendedor a indenizar o promitente comprador pelos lucros cessantes em razão da privação do uso e utilidade do imóvel. O prejuízo do promitente comprador é presumido, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável. Precedentes no STJ (AgRg--REsp 1202506/RJ, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 2010/0123862-0, Relator Ministro Sidnei Beneti). 5. Recurso conhecido, mas não provido. Custas e honorários advocatícios, arbi-trados em 10% sobre o valor da condenação, pelo recorrente.” (TJDFT – Proc. 20130110374736 – (744155) – Rel. Juiz Aiston Henrique de Sousa – DJe 18.12.2013)

1393 – Desapropriação – depósito – levantamento – autorização legal – pretensão – retenção

“Direito administrativo. Processual civil. Agravo em recurso especial. Desapropriação. Depósi-to. Levantamento. 80%. Autorização legal. Pretensão. Retenção. Alegação. Ajuizamento de ação rescisória. Inexistência. Efeito suspensivo. Recurso especial. Ofensa. Normas de direito federal. Carência. Prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Falta. Impugnação. Fundamentos. Acórdão. Súmula nº 283/STF. 1. Não cumpre o requisito do prequestionamento o recurso especial para salvaguardar a higidez de norma de direito federal não examinada pela origem, que tampouco, à guisa de prequestionamento implícito, confrontou as respectivas teses jurídicas. Óbice da Súmula nº 211/STJ. 2. Demais disso, remanescendo inatacados os fundamentos do acórdão impugnado, tem-se deficiente o apelo extremo. Súmula nº 283/STF. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 420.260 – (2013/0355382-6) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 11.12.2013)

1394 – Desapropriação – levantamento dos 80% do depósito prévio – dúvida sobre o domínio da área expropriada

“Processo civil e administrativo. Desapropriação. Levantamento dos 80% do depósito prévio. Dú-vida sobre o domínio da área expropriada. Recurso de agravo regimental improvido. Decisão

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unânime. 1. O cerne da questão em análise diz respeito ao pedido de liberação do valor de 80% (oitenta por cento) da quantia arbitrada para fins de imissão provisória na posse. 2. A Magistrada de origem indeferiu o levantamento do referido depósito prévio tendo em vista não estarem pre-sentes os requisitos do art. 34 do Decreto Lei nº 3.365/1941, dentre eles a prova de propriedade, de quitação de tributos e a publicação de editais para conhecimento de terceiros. 3. Restou consig-nado no Agravo de Instrumento nº 246746-1 que ficou a cargo do juiz de origem o enfrentamento aprofundado e exauriente da dúvida sobre o domínio da área expropriada, sob pena de supressão de instância, portanto, em havendo dúvida acerca do domínio, o valor da indenização ficará de-positado enquanto os interessados não resolverem seus conflitos em ação própria. 4. Recurso de agravo de regimental improvido à unanimidade.” (TJPE – AgRg-AI 0006036-59.2013.8.17.0000 – 2ª CDPúb. – Rel. Juiz Conv. Demócrito Ramos Reinaldo Filho – DJe 08.01.2014)

1395 – Desapropriação – perícia judicial – impugnação

“Desapropriação. Perícia judicial. Impugnação. Pedido de esclarecimentos em audiência. Pedido não apreciado. Art. 435 do CPC. Cerceamento de defesa. 1. Ação de desapropriação ajuizada pelo Incra, que defende a improdutividade da propriedade em questão, bem como violação às regras ambientais. Perícia judicial realizada que atestou a produtividade da propriedade. Laudo pericial impugnado pelo Incra. 2. Da leitura do laudo pericial, inexiste menção de vistoria ao local da propriedade objeto da demanda. Ao contrário, infere-se que o expert baseou-se somente na documentação constante dos autos e nas informações de duas empresas de planejamento agrícola, além das ‘contribuições’ dos assistentes técnicos das partes. Para se aferir a produtividade da área, especialmente quanto ao índice GEE (Grau de Eficiência na Exploração), necessário se faz verificar o número de novilhos precoces, de acordo com os requisitos previstos nos Decretos Estaduais nº 4.202-N, de 24.12.1997, e nº 1.485-R, de 28.04.2005, como inclusive reconhecido pelo pró-prio perito ao responder a um quesito do Incra. 3. Ademais, houve impugnação do Incra à perícia, na qual se requereu a rejeição de parte do laudo quanto à apuração dos índices GUT e GEE e, sub-sidiariamente, a designação de audiência de instrução e julgamento com a intimação do expert, a fim de esclarecer os pontos impugnados, ou a realização de nova perícia, nos termos dos arts. 437, 438 e seguintes do CPC. Contudo, os autos sequer foram encaminhados ao perito e tampouco foi designada audiência de instrução e julgamento. Após a impugnação do Incra ao laudo pericial, a parte ré se manifestou e os autos foram remetidos ao MPF, que opinou pela improcedência do pedido. Em seguida, foi prolatada a sentença de improcedência. 4. Além disso, a sentença também não esclarece o porquê de não ter acolhido o pedido de esclarecimento do perito em audiência (especialmente quanto à falta de laudo técnico de vistoria). O julgado se restringe a defender as conclusões do perito. 5. Caracterizada a violação ao objetivo do art. 435 do CPC. Ocorreu cercea-mento de defesa e evidente desrespeito ao devido processo legal. 6. Apelação e remessa necessária conhecidas e providas.” (TRF 2ª R. – AC 2008.50.05.000124-9 – 7ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. José Antonio Lisbôa Neiva – DJe 12.12.2013)

1396 – Desapropriação indireta – valor da indenização adequado – laudo acostado aos autos

“Apelação cível. Ação de indenização. Desapropriação indireta. Valor da indenização adequado. Laudo acostado aos autos. Descumprimento do art. 333, II, CPC. Descabimento das regras do art. 27 do CPC. Matéria ordem pública. Juros moratórios e juros compensatórios. Redução da ver-ba honorária. 1. Restando inerte o Município no referente ao pagamento dos honorários do perito, e deixando de demonstrar fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito dos autores, justa a procedência do pedido de indenização/desapropriação indireta (art. 333, II, CPC). 2. Escorreito e adequado ao fim a que se destina, o quantum fixado a título de indenização, nos termos da média dos valores lançados para tributação dos imóveis lindeiros, de acordo com a planta de valores do Município acostados aos autos, o que não foi contraditado. 3. Descabida a aplicação do disposto no art. 27 do Código de Processo Civil, uma vez que a referida regra somente é aplicável, quando

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a Fazenda Pública atua no processo, desempenhando atividade meramente fiscalizatória, o que não é o caso dos autos, conforme Súmula nº 232 do STJ. 4. Tratando-se os juros moratórios, a cor-reção monetária e os juros compensatórios de matéria de ordem pública, a sua correção/alteração poderá ser realizada de ofício pela instância revisora sem que isso venha a configurar reformatio in pejus, supressão de instância ou violação ao postulado do duplo grau de jurisdição. 5. Os juros de mora, na forma do preceito capitulado no art. 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/1941, devem incidir em 6% (seis por cento) ao ano, devidos a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, enquanto que os juros compensatórios, no percentual de 12% ao ano, incidem a partir da ocupação. 6. A verba honorária fixada a título de honorários advocatí-cios deve ser reduzida, para o percentual de 0,5 % (meio por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 15-B, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJGO – AC 200892657162 – 6ª C.Cív. – Rel. Wilson Safatle Faiad – DJe 11.12.2013)

1397 – Desapropriação por utilidade pública – não cumprimento de requisitos legais – desprovi-mento

“Civil e administrativo. Desapropriação por utilidade pública. Levantamento de 80% da oferta. Não cumprimento de requisitos legais. Desprovimento. 1. A autorização de levantamento do va-lor da oferta está condicionada ao cumprimento, pelo expropriado, dos requisitos do art. 34 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, como previsto no art. 33 da mesma norma. Intimados os expropriados para cumprimento da medida e não atendida a determinação, correta a decisão que indefere o levantamento do numerário. 2. Agravo de instrumento não provido.” (TRF 1ª R. – AI 0008208-85.2012.4.01.0000 – Rel. Juiz Fed. Conv. Carlos D’Avila Teixeira – DJe 09.12.2013)

1398 – Despejo – desocupação de imóvel comercial – denúncia vazia – notificação extrajudicial do locatário

“Civil e constitucional. Agravo de instrumento. Ação de despejo. Desocupação de imóvel co-mercial. Denúncia vazia. Notificação extrajudicial do locatário perfectibilizada. Caução idônea, prestada em espécie (art. 59 da Lei nº 8.245/1991). Decisão mantida. 1. Denúncia vazia, juridica-mente, significa o rompimento de um acordo por parte do proprietário de um bem, sem a apresen-tação de justificativa alguma. 2. É viável o ajuizamento da ação de despejo por denúncia vazia, condicionada à prévia notificação do locatário e ao depósito de caução, em valor equivalente a 3 meses de aluguel quando se trata de contrato prorrogado por prazo indeterminado. 3. Recur-so conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20130020235779 – (743436) – Rel. Des. Sebastião Coelho – DJe 17.12.2013)

1399 – Despejo – exoneração da fiança – possibilidade – ilegitimidade passiva ad causam

“Apelação cível. 1. Ação de despejo. Exoneração da fiança. Possibilidade. Ilegitimidade passiva ad causam da fiadora. Ocorrência. Recurso conhecido e provido. Apelação cível. 2. Ação de despejo. Termo inicial dos juros de mora a partir do vencimento de cada obrigação (mora ex re). Possibi-lidade prestação positiva e líquida. Inteligência do art. 397 do CC recurso conhecido e provido.” (TJPR – AC 1031765-0 – Relª Desª Joeci Machado Camargo – DJe 11.12.2013)

1400 – Despejo – falta de pagamento de aluguel – sentença de procedência do pedido

“Direito civil e processual civil. Ação de despejo por falta de pagamento de aluguel. Sentença de procedência do pedido. Apelação. Preliminares de ilegitimidade ativa e de atribuição errônea de valor à causa não conhecidas. Mérito. Purgação da mora. Matéria suscitada apenas na apelação. Concordância expressa do apelante ao suscitar prazo razoável para desocupação do imóvel. Re-curso desprovido. Decisões unânimes.” (TJPE – Ap 0034342-40.2010.8.17.0001 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Adalberto de Oliveira Melo – DJe 09.12.2013)

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1401 – Despejo – locação não residencial – loja comercial em shopping – denúncia vazia – desca-bimento

“Agravo de instrumento. Ação de despejo. Locação não residencial. Loja comercial em shopping. Denúncia vazia. Descabimento. Existência de ação renovatória anterior à ação de despejo. Pleito liminar. Impossibilidade de deferimento na espécie. Recurso conhecido mas improvido. 1. A exis-tência de ação renovatória ajuizada anteriormente à presente ação de despejo impossibilita a con-cessão da liminar de despejo, ainda que presentes os requisitos autorizadores da medida pois cabe ao Magistrado da ação renovatória, que tem os elementos necessários ao exame da viabilidade da pretensão renovatória, decidir sobre a liminar, visto que esta decisão, diante da existência do pe-dido de renovação, exige juízo de valor a respeito da verossimilhança do locatário. 2. Agravo co-nhecido mas improvido.” (TJCE – AI 0080484-43.2012.8.06.0000 – Relª Sérgia Maria Mendonça Miranda – DJe 04.12.2013)

1402 – Despejo c/c pedido de cobrança de aluguéis – reconvenção – prequestionamento – ausência

“Processual civil. Agravo no agravo em recurso especial. Ação de despejo c/c pedido de cobrança de aluguéis. Reconvenção. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 211/STJ. 1. A ausência de de-cisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de em-bargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 2. Agravo não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 409.062 – (2013/0342259-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 16.12.2013)

1403 – Despejo por falta de pagamento – cerceamento de defesa – não ocorrência

“Despejo por falta de pagamento. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Locadora que não é a proprietária do imóvel. Irrelevância. Legitimidade ativa reconhecida sentença mantida recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0201021-91.2009.8.26.0008 – São Paulo – 30ª CDPriv. – Rel. Andrade Neto – DJe 08.01.2014)

1404 – Despejo por denúncia vazia – locação de imóvel não residencial – contrato por prazo indeterminado – notificação prévia

“Ação de despejo por denúncia vazia. Locação de imóvel não residencial. Contrato por prazo indeterminado. Notificação prévia para desocupação no prazo de 30 dias. Antecipação da tutela. Possibilidade. Aplicação do art. 59, VIII, da Lei de Locação pressupostos do art. 273 do CPC presen-tes decisão mantida agravo de instrumento não provido.” (TJSP – AI 2048812-88.2013.8.26.0000 – São Paulo – 33ª CDPriv. – Rel. Eros Piceli – DJe 19.12.2013)

1405 – Direito de vizinhança – ação de obrigação de fazer – construção de muro divisório

“Obrigação de fazer. Pleito objetivando a construção de muro divisório, alegando violação de direito de vizinhança. Constatação que as partes são sucessores dos bens deixados pelo de cujus. Com o falecimento, a posse e a propriedade dos bens são transferidos aos herdeiros, não podendo qualquer um deles preterir o direito dos demais. Verificação de condomínio de fato. Apelo des-provido.” (TJSP – Ap 9204997-74.2009.8.26.0000 – Guarulhos – 7ª CDPriv. – Rel. Ramon Mateo Júnior – DJe 19.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de ação de obrigação de fazer, em que os autores alegaram haver adquirido a posse do imóvel descrito nos autos há mais de 20 anos, por intermédio de escritura pública de declaração de posse, lá edificando sua casa.O lote divisa com o terreno dos réus. Com o intuito de preservar sua propriedade, os autores desejam murar sua construção e limitar seu domínio, o que é obstado pelos réus, com ameaças. Requereram, pois, que seja reconhecido direito de construir muro limítrofe ao lote de seus vizi-nhos, e impedindo a destruição respectiva pelos réus, sob pena de multa diária.

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A ação foi julgada improcedente, nos termos da sentença.

Apelaram os autores, insistindo na necessidade de construção de um muro divisório no imóvel.

O TJSP negou provimento ao apelo.

Oportuno colacionar trecho do voto do Relator:

“Ressalte-se que a questão vertida nos autos não diz respeito ao direito de vizinhança, mas sim, a condomínio de fato, porquanto as partes são herdeiros [...].

Não demonstraram os autores que o muro cuja construção é almejada, para o fim de delimitar a posse de fato exercida pelas partes, observa as posturas municipais, nem, tampouco, respeita o quinhão dos demais herdeiros.

Ora bem. Com o falecimento do titular da herança, a posse e a propriedade transmitem-se para todos os herdeiros, os quais passam a exercer os direitos respectivos em co-propriedade. Nesse contexto, descabido que quaisquer dos sucessores excluam o direito de propriedade e de posse dos demais, máxime sem sua anuência. Deverão as partes requerer o que de direito, para o fim de reduzir os litígios eventualmente subsistentes entre os condôminos.”

O direito de vizinhança é distinguido pela proximidade, ou melhor, pela pouca distância que existe entre os proprietários dos imóveis ou condôminos. Diante disso, qualquer prejuízo que venha a ser causado ao outro tem que ser reparado de forma a não causar mais problemas ou perturbações no seu direito.

Sobre este direito, vejamos os esclarecimentos de Eusébio Carvalho:

“A propriedade é um direito fragmentado e a função social incide em cada regime proprietário. Contudo, é importante ficar claro que a intensidade da sua funcionalização pode até variar de propriedade para propriedade, mas nunca irá abandonar os princípios constitucionais garantido-res da dignidade da pessoa humana.

A função social da propriedade não é uma limitação ao direito de propriedade, e sim um de seus elementos constitutivos, interagindo diretamente no conceito. Nesse sentido, André Osório Godinho, em brilhante trabalho doutrinário, assevera que:

‘Outra diferença reside no fato de que as limitações apenas atingem o exercício do direito, mas nunca sua substância, e que só se justificam se uma nova concepção do direito de propriedade é aceita.

A função social atinge a própria essência do direito de propriedade, modificando o seu conteúdo e criando as condições propícias para a legitimidade das restrições impostas ao domínio. A função social também não representa um ônus para o proprietário pois, na realidade, a mesma visa simplesmente fazer com que a propriedade seja utilizada de maneira normal, cumprindo o fim a que se destina’.” (Direito à propriedade – Do discurso à realidade. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 24, p. 19, jul./ago. 2003)

De acordo com o novo Código Civil, insta trazer à baila os ensinamentos do eminente jurista Silvio de Salvo Venosa:

“Os incômodos, desconfortos e prejuízos decorrentes desses fatos e atos dão origem a duas modalidades de atitudes do proprietário ou possuidor, conforme suas respectivas conseqüências, que se refletem em duas categorias de ações judiciais. Se já houve efetivo prejuízo decorrente da vizinhança: queda de objeto sobre terreno vizinho, danificando a propriedade; emissão de gases poluentes durante determinado período, afetando a saúde e a coisa do vizinho; descarga de es-gotos sobre outro prédio etc., a solução pode ser somente a ação indenizatória em que apurarão perdas e danos, mormente se já cessou a turbação ou moléstia. Essa ação buscará a reposição de valor equivalente, tanto quanto possível, ao prejuízo sofrido. Não se afasta da indenização, evidentemente, o dano exclusivamente moral. Os incômodos anormais de vizinhança também podem desaguar nos danos de natureza moral. A situação aproxima-se da responsabilidade civil aquiliana e muitas vezes com ela se confunde, porque presentes os requisitos do art. 186 (antigo art. 159) do Código Civil, com culpa lato sensu.

No entanto, tratando-se de situação presente e continuativa de prejuízo à segurança, sosse-go e saúde do vizinho, a ação é tipicamente de vizinhança nos termos do art. 1.277 (antigo art. 554). O remédio processual será a ação de obrigação de fazer ou não fazer com cominação e multa diária (ação de efeito cominatório), tantas vezes já mencionada nesta obra, resumindo-se em indenização final dos prejuízos, pedido indenizatório esse que pode vir cumulado. Pede-se a cessação dos fatos ou atos perturbadores e a indenização pelos prejuízos já causados. A ação de nunciação de obra nova é admissível, enquanto em curso e não terminada a obra perturbadora.” (Direito civil: direitos reais. São Paulo: Atlas, 2004. p. 362-363)

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1406 – Escritura – outorga – carta de crédito – inobservância do prazo legal – frustração de ex-pectativa – obrigação de indenizar

“Carta de crédito. Outorga de escritura. Inobservância do prazo legal. Frustração de expectativa. Obrigação de indenizar. Apelação cível. Ação indenizatória. Compra e venda de imóvel. Adqui-rente que é servidora do Município do Rio de Janeiro e como tal fez jus a carta de crédito para aquisição da casa própria. Carta de compromisso firmada em 27.08.2008 prevendo o prazo de 120 dias para a celebração da escritura pública de compra e venda. Prazo não respeitado. Alega-ção da adquirente de que mesmo após findo o prazo o primeiro réu continuou a se portar como se o negócio estivesse mantido. Teoria dos atos próprios. Surrectio em favor da adquirente. Justa expectativa que frustrada enseja o dever de reparar. Boa-fé objetiva dos negociantes. Revelia que enseja a veracidade dos fatos alegados pela autora. Restituição dos valores pagos a título de sinal, despesas com certidões e ITBI. Dano moral configurado. Verba que deve ser fixada atentando-se ao fato de que, em parte, a demora na celebração do negócio se deu por fato imputável a autora. Ausência de responsabilidade do segundo réu. Imobiliária que apenas intermediou o negócio e como tal não pode responder pela desistência do vendedor, pois assim como a autora desconhecia o intento do primeiro réu. Parcial provimento do recurso.” (TJRJ – Ap 0015127-19.2009.8.19.0208 – 2ª C.Cív. – Rel. Paulo Sergio Prestes dos Santos – DJe 19.12.2013)

1407 – Execução de título extrajudicial – penhora de imóvel do devedor – direito de arrematação do credor-exequente

“Processo civil. Execução de título extrajudicial. Penhora de imóvel do devedor. Direito de arre-matação do credor-exequente. Concurso de preferências processual e material. Artigos analisa-dos: 690, § 3º, 690-A, parágrafo único, e 711, CPC. 1. Ação de execução de título extrajudicial, distribuída em 1986, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 22.10.2013. 2. Discute-se se a existência de execução em curso e de penhora é condição indis-pensável para o exercício de preferência do credor trabalhista sobre o crédito obtido com a alie-nação judicial do bem do devedor comum, promovida por outro credor. 3. A jurisprudência do STJ há muito se firmou no sentido da impossibilidade de se sobrepor uma preferência processual a outra de direito material – na hipótese, crédito trabalhista –, bem como de que para o exercício desta preferência não se exige a penhora sobre o bem, mas o levantamento do produto da aliena-ção judicial não prescinde do aparelhamento da execução pelo credor trabalhista. 4. Assim como na adjudicação, o direito do exequente de arrematar o bem com seu crédito está condicionado à inexistência de outros credores com preferência de grau mais elevado, caso em que poderá o juiz optar por outra proposta mais conveniente, como prevê o § 3º do art. 690 do CPC. 5. Recurso especial conhecido e desprovido.” (STJ – REsp 1.411.969 – (2013/0339479-2) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 19.12.2013)

1408 – Execução e leilão extrajudicial – ação anulatória – cancelamento de registro imobiliário – intimação pessoal do devedor

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Ação anulatória de execução e leilão extrajudicial. Cancelamento de registro imobiliário. Intimação pessoal do devedor. Dl 70/1966. Súmula nº 7/STJ. 1. É indispensável a intimação pessoal dos devedores acerca da data designada para o leilão do imóvel hipotecado em processo de execução extrajudicial realizado nos termos do Decreto-Lei nº 70/1966. 2. No caso concreto, o Tribunal de origem concluiu pela regularidade da intimação pessoal do devedor para purgar a mora. A alteração desse entendimento demandaria o reexame de fatos e provas, inviável em recurso especial, ante o disposto na Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.093.492 – (2008/0168218-5) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 13.12.2013)

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1409 – Execução – penhora de imóvel – ausência de prequestionamento

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Execução. Penhora de imóvel. Arts. 620 e 649, V, do CPC. Ausência de prequestionamento. Súmulas nºs 282 e 356 do STF. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. O Tribunal de origem não se pronunciou sobre as matérias constantes dos arts. 620 e 649, V, do CPC, sequer implicitamente, não tendo havido oposição de embargos declaratórios na instância ordinária com requerimento para que tais matérias fossem analisadas. 2. Ante a ausência do necessário prequestionamento, incidem à espécie as Súmulas nºs 282 e 356 do eg. STF. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 245.819 – (2012/0222271-5) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 11.12.2013)

1410 – Locação – ação monitória – documento hábil – assinatura de duas testemunhas – requisito dispensável

“Civil e processo civil. Ação monitória. Contrato de locação. Documento hábil. Assinatura de duas testemunhas. Requisito dispensável. Juros de mora. Incidência. Citação válida. Recurso parcial-mente provido. 1. A tutela monitória depende de respaldo em documento hábil, assim considerado aquele produzido na forma escrita e dotado de aptidão e suficiência para influir na formação do livre convencimento do juiz acerca da probabilidade do direito afirmado pelo autor, como influiria se tivesse sido utilizado no processo de cognição plena. 2. A falta de subscrição do contrato de locação por duas testemunhas torna o documento hábil à propositura da ação monitória, tendo em vista que o documento particular assinado pelo devedor e duas testemunhas tem força de título extrajudicial (art. 585, II, do CPC). 3. Compete ao demandado na ação monitória provar os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor, nos termos do art. 333, incisos I e II, do CPC, inclusive a exceção do contrato não cumprido. 4. Correta a decisão de primeira instância que considerou o contrato de locação de embarcação fluvial como documento hábil ao ensejo do procedimento monitório que almeja o recebimento de aluguel atrasado e outros encargos con-tratuais acessórios. 5. Tratando-se de ilícito contratual, os juros de mora incidem a partir da cita-ção (art. 405 do Código Civil), consoante iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 6. Recurso parcialmente provido.” (TJAC – Ap 0007744-56.2011.8.01.0002 – (512) – 2ª C.Cív. – Relª Desª Regina Ferrari – DJe 13.12.2013)

1411 – Locação comercial – ação revisional de aluguel – recurso do INSS – razões dissociadas – legitimidade

“Direito civil. Contrato de locação comercial. Ação revisional de aluguel. Recurso do INSS. Razões dissociadas. Legitimidade. Para as demandas na qualidade de atual proprietário do imóvel. Legi-timidade da ocupante, sucessora da locatária. Legalidade do título de propriedade do adquirente e seu registro. Carência de ação afastada. Procedência parcial do pedido revisional. 1. cuida-se de ação revisional de aluguéis proposta por D. C. C. em face de D. T. O. M. Ltda., com base no art. 19 da Lei nº 8.245/1991. Alega o autor que adquiriu a propriedade dos imóveis locados à ré, sendo que o valor da locação encontra-se defasado do valor de mercado para a área, impondo-se o reajuste do valor da locação. 2. A Lei nº 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) dá legitimidade à re-querida, D. T. O. M. Ltda., ocupante do imóvel, como sucessora da locatária original, na forma do art. 51, § 2º. A matéria litigiosa nos processos envolve não só a questão dominial, mas a relação locatícia e seus reflexos econômicos, com pedido expresso da Autarquia Previdenciária para o bloqueio das importâncias depositadas em juízo, o que ensejou o declínio de competência para esta Justiça Federal e legitima a atuação do INSS, tal como requerido, na qualidade de assistente do autor. 3. J. M. F. F. Interpõe recurso de apelação na qualidade de assistente da ré. Ora, a recorrente já interviu nos autos na qualidade de opoente, propondo a oposição nº 2000.51.06.000426-3, que foi extinta, sem exame do mérito, pela inépcia da inicial. A decisão não foi impugnada com o recurso próprio naqueles autos. Inviável que venha requerer a participação agora, como assistente. Recurso não conhecido. 4. D. C. C. adquiriu as lojas 158 e 160 e vagas de garagem localizadas na

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Rua Teresa em Petrópolis, em 31.01.1997, sendo certo que restou fartamente comprovado, pela certidão de ônus reais, que não havia qualquer óbice à lavratura da escritura de compra e venda, nem ao seu registro no competente RGI. A restrição determinada judicialmente em medida caute-lar e na esfera penal não foi levada a registro, descabendo investigar, no âmbito destas ações, os motivos pelos quais a determinação judicial não se efetivou, como pretendeu o Ministério Público Federal. Certo é que o INSS não diligenciou para ver a restrição efetivamente publicada, permitin-do o esvaziamento da decisão judicial preventiva. 5. É certo que quando da aquisição dos imóveis por D. C. C., os mesmos encontravam-se livres e desembaraçados de qualquer gravame, impondo--se reconhecer a validade do título e a legitimidade de D. para as demandas, na qualidade de atual proprietário do imóvel. A jurisprudência é assente ao confirmar a necessidade de publicidade do gravame para o fim de inquinar de ilegalidade operação posterior. Precedentes: REsp 753.384/DF, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJAP), 4ª Turma, Julga-do em 01.06.2010, DJe 07.10.2010; REsp 200602176187, Eliana Calmon, STJ, 2ª Turma, DJe data: 17.11.2009. 6. Deixo de conhecer do recurso de apelação interposto pela Autarquia Previdenci-ária, por ausência de seus pressupostos de admissibilidade. O art. 514, II, do Código de Processo Civil é expresso em estabelecer que o recurso deve conter fundamentos de fato e direito que justi-fiquem a revisão da decisão. É insuficiente a mera remissão a fundamentos apresentados em peças processuais apresentadas em outros processos. Precedentes: REsp 1320527/RS, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, Julgado em 23.10.2012, DJe 29.10.2012; REsp 403102/DF, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJAP), 4ª Turma, DJe 26.10.2009; TRF2, AC 199651010801186, Órgão Julgador 6ª Turma Especializada, Data da decisão: 10.11.2008, Rel. Des. Fed. Jose Antonio Lisboa Neiva; TRF2, AC 91.02.00630-8/RJ, Juiz Fed. Conv. na 5ª Turma Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Decisão unânime, 5ª Turma, DJU de 10.06.2003. 7. Nada obsta o seguimento de ação revisional de aluguéis após a propositura de ação de despejo, vez que proposta após o prazo de desocupação do imóvel, não sendo aplicável o § 1º do art. 68 da Lei de Locações. Precedentes: TJSP, Mandado de Segurança nº 0082281, 96.2012.8.26.0000, Rel. Silvia Rocha, J. 16.05.2012; TJSP, Apelação nº 0231542-39.2006.8.26.0100, Rel. Francisco Thomaz, J. 29.02.2012. 8. O autor, adquirente dos imóveis, notificou extrajudicialmente a Locatária comu-nicando o seu desinteresse na manutenção do contrato de locação em 02/1997, conferindo-lhe o prazo legal de noventa dias para a desocupação. Comunicou-a, ainda, quanto à necessidade de pagamento dos aluguéis nesse período. A ação de despejo por denúncia foi proposta após o decurso do prazo legal, sem a desocupação do imóvel, em 06/1997. Ou seja, não mais estava em curso o prazo para a desocupação da notificação extrajudicial, nem corria qualquer prazo em razão de determinação judicial nas ações de despejo, quando da propositura da ação revisional de aluguéis, em 07/1997. Não há que se falar em carência de ação. 9. Tecnicamente, deveria o pro-cesso retornar à primeira instância para a instrução probatória, mas ante o tempo decorrido desde a propositura das demandas, torna-se inviável determinar o retorno dos autos à primeira instância para aferir o valor correto da locação. A produção de tal prova está irremediavelmente prejudicada pelo decurso do tempo. 10. Considerando as provas existentes nos autos, o pedido revisional deve ser parcialmente atendido, adotando-se como valor da locação aquele fixado provisoriamente em primeira instância (R$ 2.000,00), devido a partir de 01.01.1997, até a efetiva desocupação dos imóveis. O reajuste será anual pelo menor índice governamental para o reajuste de aluguéis. 11. Recursos do INSS e de J. M. F. F. não conhecidos. Apelação de D. C. C. parcialmente provida. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o pedido revisional de aluguéis. Sucum-bência recíproca mantida.” (TRF 2ª R. – AC 2001.02.01.020974-8 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcus Abraham – DJe 09.12.2013)

1412 – Locação de bem imóvel – ação de execução de título extrajudicial – embargos à execução

“Agravo de instrumento. Locação de bem imóvel. Ação de execução de título extrajudicial. Embar-gos à execução. Relevante questão relacionada à ilegitimidade passiva dos embargantes. Situação

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que pode gerar danos de difícil reparação. Cabimento do efeito suspensivo aos embargos, nos termos do art. 739-A, § 1º, do CPC. Recurso provido.” (TJSP – AI 2037322-69.2013.8.26.0000 – São Paulo – 35ª CDPriv. – Rel. Melo Bueno – DJe 19.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo de instrumento interposto contra as decisões digitalizadas às (devolução de prazo) que, em ação de execução de título extrajudicial fundado em contrato de locação de bem imóvel, recebeu os embargos sem efeito suspensivo.

Os agravantes requerem sejam seus embargos recebidos no efeito suspensivo alegando, em suma, que a presente execução foi proposta de maneira temerária em face deles, por não serem os devedores da dívida em questão.

O TJSP deu provimento ao recurso, oficiando-se ao Magistrado de primeiro grau.

O Jurista Leandro Lomeu assim considerou:

“O contrato de locação é tradicionalmente, atrás apenas da compra e venda, o mais importante e comum negócio jurídico em nossa sociedade, sendo um dos mais utilizados no cotidiano. De fato, a locação está presente nos momentos de lazer, quando alugamos um imóvel na praia, ou um sítio em datas comemorativas; nos transportes, aluguéis de carros; em momentos mar-cantes, como os casamentos, aluguéis de vestidos, ternos, salão de festas; em atos simples, como alugar um filme para o final de semana. Mas, de todas as espécies possíveis, o que mais preocupa todos, pelo seu caráter econômico e social, é a locação para moradia e para o estabe-lecimento comercial. Trataremos, então, neste primeiro contato com a matéria, em distinguir a locação predial urbana residencial e não residencial das demais.

A locação de prédio urbano é subordinada à Lei do Inquilinato – LI (Lei nº 8.245/1991, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12.112, de 9 de dezembro de 2009). O Código Civil de 2002 não dispõe a respeito da locação de prédios, ficando sob sua regência a locação de coisas, de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos, de espaços destinados à publicidade, de apart-hotéis, hotéis residência, ou equiparados, assim considera-dos aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e, como tais, sejam autorizados a funcionar. Por outro lado, as locações de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas Autarquias e fundações públicas, e o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades, são dirigidas pelo direito administrativo.

Na locação que tem como locador o Poder Público, não se aplica nem a Lei de Locação nem o Código Civil. Sendo a União locadora, aplica-se o Decreto-Lei nº 9.760/1946 e a Lei nº 8.666/1993. Sendo o locador o Estado, o Município, suas Autarquias e fundações públicas, haverá, neste âmbito, leis específicas variando de acordo com cada ente, porém respeitando sempre os dispositivos constitucionais. Por fim, o arrendamento mercantil será tratado por lei própria, ou seja, a Lei nº 6.099/1974 e as resoluções do Bacen (Banco Central do Brasil).

Por conseguinte, quando o Poder Público, representado pela Administração direta ou indireta, se apresenta no outro polo contratual, como locatário, será aplicada a Lei do Inquilinato.

O Código Civil conceitua a locação em seu art. 565, com a seguinte redação: ‘Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição’. No mesmo sentido, na locação urbana, o locador dispõe ao locatário a posse direta de imóvel, destinado a sua residência familiar ou a es-tabelecimento comercial, mediante o pagamento de remuneração (alugueres), por certo tempo, restituindo-o ao término ao locador nos mesmos estados de conservação em que fora recebido. Dessa forma, o contrato de locação estabelece-se em três elementos básicos: a) o objeto, imóvel urbano, assim classificado não pela localização geográfica, mas pela sua destinação e utilização. Assim, exemplo comum na jurisprudência, os postos de gasolina, mesmo que situados em zona rural, encontram-se sujeitos à Lei do Inquilinato, bem como qualquer outra atividade industrial e comercial, ou, ainda, servindo o imóvel rural mesmo que para moradia, sem a utilização da terra para cultivo, labor ou subsistência, está, do mesmo modo, sujeito à locação urbana – trata-se de interpretação teleológica da lei; b) a remuneração, o pagamento de um aluguel, interessante ex-por que a remuneração não é necessariamente fixada em dinheiro. ‘O preço na locação deve ser determinado ou ao menos determinável, nada impedindo que o valor seja variável de acordo com índices aceitos pela lei’; c) o tempo; a locação pactuada por escrito deverá ser determinada: se por prazo superior a 30 (trinta) meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo ajustado, podendo o locador denunciar o contrato – o que se convencionou denominar de denúncia vazia –, pedindo a desocupação do imóvel no prazo de 30 dias sem justificativa para o pedido, sendo o fim do prazo a exigência suficiente. Se a locação, findo o prazo, continuar por mais de trinta

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dias sem oposição do locador, perdurará por prazo indeterminado.” (Locação urbana: enfoque material da Lei nº 12.112/2009. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 6 jan. 2014)

Na obra de Roberto Caetano Miraglia, as obrigações do fiador estão assim definidas:

“Basicamente, o fiador tem a obrigação de garantir o cumprimento do contrato de locação, solidariamente com o locatário. No caso de o locatário não cumprir o seu dever de pagar os alu-guéis, taxas de condomínio e encargos da locação, o fiador será acionado para fazê-lo, o mesmo ocorrendo se o locatário causar dano no imóvel, entretanto, o fiador poderá regressivamente cobrar de seu afiançado (locatário) o que pagou ao credor (locador, condomínio). A fiança pode ser prestada por prazo determinado, ou seja, somente durante o prazo ajustado no contrato, ou por prazo indeterminado, até a efetiva entrega das chaves.

No entanto, devido aos inúmeros problemas causados por locatários inadimplentes, locadores que impõem reajustes extorsivos, locador e locatário que fazem acordos ou renovações contra-tuais sem a ciência do fiador, entre outros, a jurisprudência de nossos Tribunais tem se dirigido para o seguinte sentido:

‘RECURSO ESPECIAL – LOCAÇÃO – FIANÇA – PRORROGAÇÃO DO CONTRATO SEM ANUÊNCIA DOS FIADORES – EXONERAÇÃO – POSSIBILIDADE – A jurisprudência da Corte vem se firmando no sentido de não se admitir interpretação extensiva ao contrato de fiança, daí não poder ser responsabilizado o fiador por prorrogação de prazo de contrato de locação a que não deu anuência, mesmo que exista cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a efetiva entrega das chaves. Recurso não conhecido.’ (STJ, 5ª T., REsp 173.165/SP, Rel. Min. José Arnaldo, J. 27.10.1998, v.u., ementa).” (Locação residencial: o que você deve saber para alugar um imóvel. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 30)

1413 – Locação – fiança – prorrogação tácita

“Locação. Agravo regimental em recurso especial. Contrato de locação. Fiança. Prorrogação tácita. Inexistência de argumentos aptos a ensejar a modificação do julgado. Agravo regimental impro-vido.” (STJ – AgRg-REsp 1.107.128 – (2008/0264865-0) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 10.12.2013)

1414 – Locação – imóvel restituído que não se encontrava em perfeitas condições de habitabili-dade – ação intentada em face da fiadora – pretensão indenizatória

“Apelação. Contrato de locação. Imóvel restituído que não se encontrava em perfeitas condições de habitabilidade. Ação intentada em face da fiadora. Pretensão indenizatória. Danos emergentes e lucros cessantes. Sentença de improcedência. Manutenção. Intenção do locador que sempre foi a de demolir a coisa para construção de um novo prédio. 1. Como se sabe, o dano é elemento indispensável à caracterização da responsabilidade civil. Dessa forma, para que haja dever de in-denizar faz-se mister a cabal demonstração do dano sofrido. 2. Os lucros cessantes são regulamen-tados pelo Código Civil, em seu Capítulo III – Das Perdas e Danos. O art. 402 determina que ‘salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar’. 3. Por danos emergentes entende-se o que a vítima do ato danoso efetivamente perdeu e, por lucros cessantes, o que deixou de perceber, em razão da sua ocorrência. É o que a doutrina intitula de perda do lucro esperado. 4. No caso concreto, o dano tem como base o mau uso da coisa. Assim, por dano emergente, em tal situação, teríamos os valores com o reparo do imóvel em decorrência do seu mau uso. Por lucro cessante, o que o locador efetivamente deixara de lucrar com o recebimento de aluguéis em razão de o imóvel não ter sido restituído em perfeitas condições de habitabilidade, impossibilitando, deste modo, a sua relocação. 5. O art. 402 do Código Civil, no entanto, preceitua como requisito para a caracterização dos lucros cessantes, a necessidade de ‘razoabilidade’ do que se deixou de ganhar. Ora, não há como se falar em qualquer ‘razoabilidade’ na presunção de uma situação que sequer dispõe de indícios de que poderia acontecer. 6. Não havia por parte do locador, ora ape-lante, qualquer intenção de relocar o imóvel, sendo certo que restou incontroverso nos autos que a única e verdadeira intenção deste, sempre foi a de demolir a coisa, para no lugar construir um novo prédio. Logo, não há que se falar em lucros cessantes referentes aos aluguéis que teria dei-

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xado de perceber. 7. Do mesmo modo, revela-se totalmente descabida a pretensão indenizatória (dano emergente) referente aos eventuais prejuízos causados ao imóvel, na medida em que o autor nunca o reformou, como também nunca o reformará, porque já promoveu sua demolição para construir no local um novo prédio, como bem destacado pelo Magistrado sentenciante. Destarte, indemonstrado o dano sofrido pelo apelante, resta afastada a obrigação de indenizar. Recurso que se nega provimento.” (TJRJ – Ap 0398603-47.2011.8.19.0001 – 22ª C.Cív. – Rel. Marcelo Lima Buhatem – DJe 19.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de apelação interposta em face de sentença, que, nos autos da ação indenizatória por danos materiais e lucros cessantes movida pelo apelante em face da apelada, julgou improce-dente o pedido, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advoca-tícios de 10% sobre o valor da causa. Em suas razões, sustentou o apelante, em síntese, que a demolição do imóvel locado não impede a reparação dos danos causados pelo mau uso da coisa. Que ao término da locação, o locador tem o direito de exigir a restituição do imóvel em perfeitas condições de habitabilidade, da mesma forma como foi entregue. Ser despiciendo o fato de a indenização ser ou não utilizada na reforma ou reparo da coisa, não podendo o Judiciário interferir no direito de propriedade do locador, ora recorrente. No referido caso, o autor, ora apelante, ajuizou a presente ação contra a fiadora do contrato de locação de imóvel de sua propriedade, a saber, a ora apelada, alegando, em resumo, que quando recebeu as chaves do referido imóvel verificou que o mesmo não se encontrava em perfeitas condições de habitabilidade, tendo, inclusive, ajuizado ação cautelar de produção antecipada de provas, a fim de comprovar os prejuízos que lhe foram causados pela locatária.O TJRJ negou provimento ao recurso.O Relator assim considerou:“No caso concreto, o dano tem como base o mau uso da coisa. Assim, por dano emergente, em tal situação, teríamos os valores a serem suportados pelo locador com o reparo do imóvel em decorrência do seu mau uso. Por lucro cessante, o que o locador efetivamente deixara de lucrar com o recebimento de aluguéis em razão de o imóvel não ter sido restituído em perfeitas condições de habitabilidade, impossibilitando, deste modo, a sua relocação. O art. 402 do Código Civil, no entanto, preceitua como requisito para a caracterização dos lucros cessantes, a necessidade de ‘razoabilidade’ do que se deixou de ganhar. Ora, não há como se falar em qualquer ‘razoabilidade’ na presunção de uma situação que sequer dispõe de indícios de que poderia acontecer. Não havia por parte do locador, ora apelante, qualquer intenção de relocar o imóvel, sendo certo que restou incontroverso nos autos que a única e verdadeira intenção deste, sempre foi a de demolir a coisa, para no lugar construir um novo prédio. Logo, não há que se falar em lucros cessantes referentes aos aluguéis que teria deixado de perceber.”José da Silva Pacheco assim discorre a respeito do assunto:“A restituição do prédio, finda a locação, constitui obrigação básica do locatário. Há que se operar no estado em que o recebeu, no início do contrato, ressalvadas as deteriorações naturais ao uso regular. Quem usa um prédio, por mais cuidado que tenha, não pode entregá-lo novo, por causa do desgaste natural, mas deve entregá-lo em ordem para ser novamente usado, sem estragos, danos ou falta de conservação e pintura. O locatário é obrigado a fazer, por sua conta, as reparações de estragos a que der causa, desde que não provenha do uso normal.Para que possa, fielmente, cumprir a obrigação prevista no art. 23, III, pode o locatário exigir do locador, quando este lhe entregar o prédio, a relação escrita do seu estado (art. 22, V).Aliás, sobre o estado do prédio, pode-se: a) descrevê-lo no contrato; b) declará-lo em separado; c) não mencioná-lo no contrato nem em separado. No caso de a ou b deve o locatário, findo o contrato, restituir o prédio no mesmo estado declarado ou descrito no contrato ou no escrito particular, firmado pelo locador. No caso da letra c, se o locatário o recebeu sem protesto ou ressalva, presume-se que estava em bom estado para servir ao uso regular (art. 22, I) e, por conseguinte, nesse estado é que deve ser devolvido. Se houve protesto, ressalva ou vistoria, examinam-se os documentos pertinentes para a solução.

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Enquanto o locatário permanecer na posse do imóvel, responde pela locação. Assim, não rece-bido o prédio por não estar em bom estado, a responsabilidade continua do locatário. A indeni-zação dos danos, no caso de descumprimento da obrigação de restituição do prédio, no estado regular, ficará sujeita a correção monetária regular.Enquanto não restituída a coisa ao locador, mesmo vencido o prazo contratual, são devidos os aluguéis. A alegação de transferência do arrendamento a terceiros só exime o arrendatário desse encargo quando cabalmente provadas a novação subjetiva e a anuência do arrendador.” (Tratado das locações, ações de despejo e outras. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 309-310)Vale trazer as lições de Valdir Francisco de Oliveira para elucidar a questão do dano:“O dano constitui o principal elemento no âmbito da responsabilidade civil, em vista da im-portância que reveste a sua configuração para a conseqüente obrigação de reparação, como também ganha importância a identificação do seu dimensionamento, objetivando o fim da justa compensação.O vocábulo dano possui sentido abrangente, significando estrago, deterioração ou danificação, comportando ou não reparação, conforme definição trazida pelo Dicionário Aurélio.Adverte Carlos Alberto Bittar, ao discorrer sobre os danos reparáveis, que há necessidade de se afastar desde logo, do contexto destes, os danos justos, ou seja, aqueles definidos no direito objetivo, ‘e aqueles provenientes de força da natureza ou do acaso’, tais como os decorrentes de força maior ou de caso fortuito, desde que não venham acompanhados de ações humanas lesivas.E mesmo com relação aos danos dito justo, ou aqueles decorrentes de fenômenos naturais ou do acaso, a distinção dos demais danos que são passíveis de reparação, se torna bastante tormen-tosa, em razão da tênue barreira que os separa, dificultando sobremaneira, em determinados casos, a comprovação da licitude do ato e a não culpabilidade do agente.Para Augusto Zenum, o dano, tanto o decorrente de um contrato não cumprido, como aquele fundado na culpa, em resultando de um ato ilícito, para ser reparado há necessidade de uma efetiva correspondência de diminuição do patrimônio ou ofensa de um bem juridicamente prote-gido do indivíduo, por culpa ou dolo do agente.O patrimônio aqui assinalado é abrangente não só aos bens materiais, mas também àqueles pertinentes à esfera íntima do indivíduo, não importando a autoria do dano.Nesse sentido define Américo Luís Martins, ao afirmar que ‘quando se fala em dano, o que se quer significar é o resultado da lesão ou da injúria sobre o patrimônio moral ou material’.José de Aguiar Dias traz definição de Fischer para dar uma noção da amplitude em que pode ocorrer o dano, considerando-o não só na sua acepção jurídica, como também na vulgar. Salien-ta que a vulgar, embora produza dano, não interessa ao direito pela simples razão de se impos-sibilitar qualquer punição. Assim, somente o dano que implica obrigação de indenizar interessa ao estudo da responsabilidade civil.Afirma Cleyton Reis que:‘[...] o dano deve ser considerado como uma lesão a um direito, que produza imediato reflexo no patrimônio material ou imaterial do ofendido, de forma a acarretar-lhe a sensação de perda.’Observamos aqui um maior delineamento do dano reparável, acentuando como pressuposto à sua ocorrência, além da violação de uma norma jurídica, a caracterização do prejuízo, mesmo aos bens extrapatrimoniais.Esclarece ainda o mesmo autor que:‘[...] o dano é uma lesão ao nosso interesse legítimo. Por sua vez, a preservação do nosso pa-trimônio, seja ele de natureza material seja imaterial, é um dever do Estado. Para isto, a norma assegura à vítima o direito à reparação ou compensação dos prejuízos verificados. E todo esse arcabouço jurídico-institucional decorre do vetusto princípio romano, sedimentado na regra do neminem leadere – não causar prejuízo a ninguém.’O princípio jurídico originário do Direito romano, de que a ninguém se deve lesar, incorporado às normas do moderno direito, impõe reparação a lesões a qualquer dos bens juridicamente protegi-dos, inadmitindo, inclusive, argumentações da impossibilidade de mensuração pecuniária, como no caso dos danos extrapatrimoniais.Nesse sentido posiciona Lúcio Rodrigues de Almeida, examinando a matéria à luz do revogado Código Civil de 1916, através dos critérios que vinha fixado no art. 1.553, a que remetia o art. 159:‘Em todos os casos não contemplados nos dispositivos que regulam a liquidação do dano, cabe a liquidação por arbitramento. Isso quer dizer que o código não admite que se deixe reparar o dano sob pretexto de que não ficou provado o seu quantum.’

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O atual Código Civil, em vigor a partir de 11 de janeiro de 2003, modificou o critério para fixação do valor da reparação, já que, através do que preceitua o art. 946, afastou o simples arbitramento do valor da indenização para determinar que esta seja apurada através dos critérios delineados pela lei processual, ou seja, da forma prevista nos arts. 603 a 611 do CPC, que trata da liquidação da sentença.

Não obstante, com relação à responsabilidade civil, o art. 186 do novo Código Civil praticamente reproduziu o art. 159 do antigo Código, ao dispor que:

‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.’

Segundo Américo Luís Martins, violar direito é atentar injusta e ilicitamente contra qualquer bem juridicamente protegido, enquanto que causar prejuízo é prejudicar, lesar, danificar, diminuir de valor, estragar. Dessa concepção, salienta, extrai-se o princípio segundo o qual o dano só tem relevância jurídica como fato consumado, isto é, como resultado final de um processo cujas cir-cunstâncias benéficas (atenuantes) ou prejudiciais (agravantes) foram levadas em consideração.

Mas dano, em princípio, é entendido no seu amplo sentido, sendo, portanto, mais acertada a corrente doutrinária que considera o dano não só na sua acepção jurídica, como também na vulgar, não obstante, como salienta José de Aguiar Dias, a vulgar, embora produza dano, não interessa ao direito pela simples razão de se impossibilitar qualquer punição.

Portanto, dano corresponde a toda e qualquer lesão a bem material ou imaterial do indivíduo, ou seja, prejuízo que se verifica tanto na dimensão física ou espiritual do ser humano, como também nos seus bens materiais.” (O dano moral e sua reparação. Publicada no Juris Síntese n. 47, maio/jun. 2004)

1415 – Locação – necessidade de caução – excesso de execução

“Locação. Agravo regimental em recurso especial. Necessidade de caução. Arts. 475-M e 475-O do CPC. Inexistência de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Excesso de execução. Apresen-tação dos valores devidos. Revolvimento de fatos e provas. Súmula nº 7/STJ. Inexistência de argu-mentos aptos a ensejar a modificação da decisão. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.096.782 – (2008/0218762-3) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 19.12.2013)

1416 – Medida cautelar – processo falimentar – arrecadação de bens do sócio – imóvel residen-cial – respeito à meação do ex-cônjuge

“Pedido de reconsideração em medida cautelar. Pretensão recebida como agravo regimental. Processo falimentar. Arrecadação de bens do sócio. Imóvel residencial. Respeito à meação do ex-cônjuge. Pretensão de atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial. Ausência dos requi-sitos autorizadores da tutela cautelar. Falta de interesse de agir. 1. Em homenagem aos princípios da economia processual, da instrumentalidade das formas e da fungibilidade recursal, o pedido de reconsideração pode ser recebido como agravo regimental. 2. Esta Corte, como exceção, tem admitido a atribuição de efeito suspensivo a recurso especial, porém, desde que configurada a presença concomitante dos pressupostos que lhe são necessários: fumus boni iuris e periculum in mora. 3. Na verificação dos pressupostos da medida há de se ter em conta, como já decidido pela 3ª Turma, que o fumus boni iuris ‘está relacionado intimamente com a presença dos requisitos de admissibilidade do recurso especial e com a possibilidade de sucesso deste, daí que, na cautelar, convém se aprecie, ainda que superficialmente, os requisitos e o mérito do especial’ (AgRg-MC 1.311, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ 13.10.1998). 4. No caso, todavia, não se vislumbra a probabilidade de êxito do recurso especial, porquanto, neste exame perfunc-tório, verifica-se que a jurisprudência desta Corte entende ser possível, na execução, a alienação judicial de bens indivisíveis de propriedade comum dos cônjuges, desde que reservado ao meeiro não devedor a metade do preço obtido na hasta pública. 5. Agravo regimental improvido.” (STJ – Proc. 22.041 – (2013/0397911-7) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 19.12.2013)

1417 – Penhora de bem imóvel – execução fiscal – intimação de cônjuge – ausência

“Processual civil. Execução fiscal. Penhora de bem imóvel. Ausência de intimação de cônjuge. Invalidade da constrição. Fundamento autônomo inatacado. Súmula nº 283 do STF. 1. Se a parte

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recorrente deixa de impugnar fundamento autônomo do acórdão recorrido, o recurso especial é inviável, a teor do entendimento firmado na Súmula nº 283 do Supremo Tribunal Federal: ‘É inad-missível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles’. 2. Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp 1.418.094 – (2013/0378449-8) – 2ª T. – Relª Min. Eliana Calmon – DJe 13.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recurso especial interposto contra acórdão do TRF da 5ª Região assim ementado:“Tributário. Civil. Processual civil. Execução fiscal. Embargos do devedor. Arresto convertido em penhora. Bem de família. Impenhorabilidade. Falta de intimação da esposa do executado/recorrente. Nulidade da penhora.I – Apelação contra sentença que julgou improvidos os embargos do devedor, reconhecendo como penhorável o alegado bem de família, em face da ausência de prova sobre a condição do imóvel, objeto de constrição, ser considerado como tal (bem de família).II – É impenhorável o imóvel que, embora não seja o único de propriedade da família, mas que serve de sua efetiva residência, como ocorre no caso concreto. Precedente do STJ.III – Nula é a penhora efetivada em execução fiscal, por se tratar de bem de família e, por isso, impenhorável, bem como pela falta de intimação da esposa do executado, ora apelante (firma individual), nos termos dos arts. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.009/1990, e 10, § 1º, item II, do CPC. Precedentes do STJ e deste Tribunal.IV – Apelação provida.”Nas razões do apelo, apontou violação: i) ao art. 535, II, do Código de Processo Civil, argumen-tando-se que a instância de origem teria deixado de se pronunciar sobre matéria suscitada nos embargos de declaração, atinente à atribuição do ônus da prova; ii) ao art. 333 do Código de Processo Civil, sustentando-se que “evidencia-se o desacerto do acórdão que afastou a penhora incidente sobe imóvel de propriedade do executado, em virtude da não comprovação por parte da Fazenda Nacional de que o bem em questão não é bem de família”, pois “é ônus do devedor provar que o imóvel constrito é bem de família”.O STJ não conheceu do recurso especial.O Relator asseverou que: “Dada a ausência de impugnação a fundamento capaz de justificar o acórdão recorrido, a pretensão recursal é inviável, a teor do entendimento firmado na Súmula nº 283 do Supremo Tribunal Federal: ‘É inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles’. Com essas considerações, não conheço do recurso especial.”O Eminente Jurista Demócrito Reinaldo Filho analisou a recente decisão do STF que legitima a penhora do imóvel considerado bem de família de fiador em contrato de locação, como veremos:“O único imóvel (bem de família) de uma pessoa que assume a condição de fiador em contrato de locação pode ser penhorado, em caso de inadimplência do locatário. A decisão foi tomada por maioria de votos pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 8 de fevereiro deste ano, no julgamento do RE 407688/SP, que teve como Relator o Min. Cezar Peluso. No recurso julgado, os recorrentes contestavam uma decisão do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, que, com base no art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/1990, indeferira a liberação de imóvel residencial de fiador, objeto de constrição em processo executivo. O STF entendeu que a penhora de bem de família de fiador não viola o disposto no art. 6º da CF (com a redação dada pela EC 26/2000) – este dispositivo incluiu o ‘direito à moradia’ dentre os direitos sociais da pessoa humana. Para a Corte Suprema, o ‘direito à moradia’ não deve ser traduzido necessariamente como direito à propriedade mobiliária ou o direito de alguém ser proprietário de um imóvel, ressaltando que a exceção prevista no art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/1990 facilita o acesso à habitação arrendada, constituindo reforço das garantias contratuais dos locadores, e afastando, por conseguinte, a necessidade de garantias mais onerosas, tais como a fiança bancária. Essa nova decisão afasta dois precedentes anteriores do próprio STF (RE 352940/SP e RE 449657), ambos relatados pelo Ministro Carlos Velloso (já aposentado) e decididos no sentido de impedir a penhora do único imóvel do fiador da locação. Nesses dois recursos anteriores, se havia entendido que o dis-positivo da lei mencionada (art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/1990), ao excluir o fiador da proteção contra a penhora de seu imóvel, feriu o princípio constitucional da isonomia.[...]Esse novo posicionamento do STF, tomado por maioria de votos, com a devida vênia dos que foram vencidos, realmente expressa a melhor interpretação para a matéria. Não nos parece admissível invocar o princípio da isonomia para eliminar a proibição de penhora de imóvel do

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fiador, por dívidas oriundas do não-pagamento dos encargos da locação. Uma coisa é a posição do locatário, a quem a lei quis proteger estabelecendo a impenhorabilidade como regra geral; outra, completamente diferente, é a situação do fiador, que não é parte da locação. Além disso, como ressaltado pelo Ministro Peluso, a regra da penhorabilidade do bem do fiador em certa medida até favorece o direito de moradia de uma outra classe de pessoas – todas aquelas inte-ressadas em locar bem imóvel urbano. Mantendo-se a garantia da penhorabilidade do bem do fiador, aumenta-se a oferta de imóveis oferecidos à locação, o que, por via indireta, favorece o exercício do direito à moradia de pessoas que não são proprietárias de imóvel e precisam dos bens de outros (dos proprietários) para morar. Sem esse tipo de garantia, pode haver uma dimi-nuição da oferta de imóveis à locação ou ocorrer de os proprietários exigirem dos interessados outras espécies de garantias, ainda mais onerosas, o que terminaria por dificultar o papel do Estado como fomentador do direito constitucional à moradia. Nas palavras do Ministro Peluso, ‘a expropriabilidade do bem do fiador tende, posto que por via oblíqua, também a proteger o direito social de moradia, protegendo direito inerente à condição de locador, não um qualquer direito de crédito’. [...] Se não admitida essa exceção, o resultado pode ser prejudicial à própria comunidade de pessoas interessadas na locação de imóveis, que nem sempre têm condições de oferecer, elas próprias, garantias mais reforçadas. Daí porque eliminar-se a penhorabilidade do imóvel do fiador, para pagamento de dívidas de aluguel, ‘romperia equilíbrio do mercado, des-pertando exigência sistemática de garantias mais custosas para as locações residenciais, com conseqüente desfalque do campo de abrangência do próprio direito constitucional à moradia’.” (Bem de família do fiador de locação pode ser penhorado – A nova decisão do STF. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 40, p. 7, mar./abr. 2006)

1418 – Recurso – agravo – ação de cobrança

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Inexistência de ofensa aos arts. 458 e 535 do CPC. Ausência de prequestionamento do disposto no art. 401 do CPC. Inci-dência da Súmula nº 211/STJ, no particular. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 215.101 – (2012/0166578-1) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 17.12.2013)

1419 – Seguro habitacional – vícios de construção – formação de litisconsórcio passivo necessá-rio com a CEF – desnecessidade

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Seguro habitacional. Vícios de construção. For-mação de litisconsórcio passivo necessário com a CEF. Desnecessidade. Juntada de documento novo. Impossibilidade. 1. ‘Nas ações envolvendo seguros de mútuo habitacional no âmbito do SFH, a CEF detém interesse jurídico para ingressar na lide como assistente simples somente nos contratos celebrados de 02.12.1988 a 29.12.2009. Período compreendido entre as edições da Lei nº 7.682/1988 e da MP 478/2009. E nas hipóteses em que o instrumento estiver vinculado ao FCVS (apólices públicas, ramo 66). Ainda que compreendido no mencionado lapso temporal, ausente a vinculação do contrato ao FCVS (apólices privadas, ramo 68), a CEF carece de interesse jurídico a justificar sua intervenção na lide. Ademais, o ingresso da CEF na lide somente será possível a partir do momento em que a instituição financeira provar documentalmente o seu interesse jurídico, mediante demonstração não apenas da existência de apólice pública, mas também do compro-metimento do FCVS, com risco efetivo de exaurimento da reserva técnica do FESA, colhendo o processo no estado em que este se encontrar no instante em que houver a efetiva comprovação desse interesse, sem anulação de nenhum ato anterior’ (EDcl-EDcl-REsp 1.091.363, Relª Min. Ma-ria Isabel Gallotti, Relª. p/o Ac. Min. Nancy Andrighi, 2ª Seção, Data do Julgamento 10.10.2012). 2. Ao que se depreende, tais requisitos não foram demonstrados no acórdão recorrido, não haven-do que se falar, portanto, na existência de interesse jurídico da CEF em integrar a lide. 3. A juntada de documento novo, objetivando demonstrar o comprometimento do FCVS, não é admitida nesta sede excepcional (CPC, art. 397 e RISTJ, art. 141, II). 4. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 423.392 – (2013/0360630-2) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 19.12.2013)

1420 – SFH – invasão de imóvel – clandestinidade – art. 1.200 do Código Civil – ilegitimidade da posse

“Processual civil e civil. Embargos de terceiro. Invasão de imóvel construído com recursos do sistema financeiro de habitação. Clandestinidade. Art. 1.200 do Código Civil. Ilegitimidade da

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posse. 1. apelação interposta em face de sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária de Alagoas, que julgou procedentes os embargos de terceiro, mantendo o imóvel descrito como ‘apartamento nº 102, Bloco 09, Conjunto Residencial Teotônio Vilela, Serraria’, na posse do embargante. 2. Os embargos de terceiro são a ação cabível para elidir constrição judi-cial, ilegitimamente imposta, com o escopo de tutelar bem ou direito de terceiro que não integra a relação jurídico-processual constituída na ação executiva, sendo parte legítima para figurar no polo ativo o possuidor ou o proprietário do bem constrito. 3. Nos termos do art. 1.200 do Código Civil, considera-se justa a posse quando não for violenta, clandestina ou precária. No caso dos autos, os próprios embargantes afirmaram que o apartamento, que não tinha sido ainda comer-cializado, foi objeto de invasão, o que caracteriza a clandestinidade e demonstra a ilegitimidade da posse. 4. ‘A invasão é necessariamente clandestina ou violenta, não pode, assim, gerar posse’ (REsp 199900539656, Humberto Gomes de Barros, STJ, 1ª Turma, DJ data: 04.12.2000, p. 00055). 5. É de se ressaltar, ainda, que, tendo restado comprovado nos autos que o imóvel foi construído com recursos do Sistema Financeiro de Habitação, não é possível sequer a aquisição da proprie-dade por usucapião. Precedentes desta eg. Corte Regional. 6. Apelação provida.” (TRF 5ª R. – AC 0003039-65.2012.4.05.8000 – (564496/AL) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti – DJe 05.12.2013)

1421 – SFH – manutenção de posse – imóvel financiado – execução extrajudicial

“Civil. Manutenção de posse. Imóvel financiado pela Caixa Econômica Federal alugado por ex--mutuário. SFH. Execução extrajudicial. Locatária. Alegação de posse mansa e pacífica após térmi-no do contrato de locação em 1999. Usucapião. Impossibilidade. 1. ‘A jurisprudência orienta-se no sentido da impossibilidade de aquisição de imóvel inserido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação mediante usucapião. Isso porque, tal imóvel possui a finalidade de atendimento à política habitacional do Governo Federal, estando, pois, submetido a regime de direito público, e porque a ocupação configura crime de ação pública, tipificado no art. 9º da Lei nº 5.741/1971 (AC 0003962-43.2008.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Carlos Moreira Alves, Rel. Conv. Juiz Fed. Rodrigo Navarro de Oliveira, 6ª Turma, e-DJF1 de 30.09.2013, p. 221). 2. Apelação da autora improvida.” (TRF 1ª R. – AC 2007.33.00.002060-6/BA – Relª Desª Fed. Selene Maria de Almeida – DJe 03.12.2013)

1422 – SFH – saldo residual – ausência de cobertura pelo FCVS – responsabilidade do mutuário

“Agravo regimental em recurso especial. Ação revisional. Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Saldo residual. Ausência de cobertura pelo FCVS. Responsabilidade do mutuário. Divergência. Súmula nº 83/STJ. Decisão agravada mantida. Improvimento. 1. Não havendo previsão de co-bertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS, como no presente caso, o mutuário responde pelo saldo devedor residual, existente ao término do período de amortização do contrato. Precedentes. Incide, quanto à divergência, a Súmula nº 83 desta Corte. 2. O recurso não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.389.940 – (2013/0186504-4) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 13.11.2013)

1423 – Usucapião extraordinário – ausência de citação de um dos confinantes – exigência legal não satisfeita

“Apelação cível. Ação de usucapião extraordinário. Ausência de citação de um dos confinantes. Exigência legal não satisfeita. Artigo 942 do código de processo civil. Circunstância hábil a anular o processo e a tornar, por consequência, a sentença insubsistente. Nulidade não declarada nesta fase processual, ante à possibilidade de ausência de manifestação do confrontante, o que preju-dicaria os atos até o momento realizados. Necessidade, no entanto, de cumprimento do aludido dispositivo. Objeto da lide localizado em uma esquina, conforme a inicial. Certidão elaborada

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pelo cartório de registro de imóveis que não confirma tal dado. Hipótese de o terreno perseguido pelo autor não pertencer à empresa ré. Imprescindibilidade de esclarecimentos. Conversão do jul-gamento em diligência.” (TJSC – AC 2007.019828-9 – 4ª CDCiv. – Rel. Des. Subst. Ronaldo Moritz Martins da Silva – DJe 12.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de ação de usucapião visando obter título de domínio, para fins de registro imobiliário.

Foram citados a empresa proprietária, o confinante e, por edital, os réus, em lugar incerto, e os eventuais interessados, intimados os representantes do Ministério Público e das Fazendas Públicas da União, do Estado e do Município.

A União e o Município informaram não ter interesse no feito.

O Estado, os réus em lugar incerto e os eventuais interessados não apresentaram manifestação.

Uma empresa de empreendimentos imobiliários se apresentou como proprietária dos lotes e ofereceu contestação arguindo, em preliminar, impossibilidade jurídica do pedido.

No mérito, opôs resistência à pretensão inicial.

O MM. Juiz de Direito, prolatou a sentença, julgando procedente o pedido de usucapião para declarar o domínio do autor sobre a área descrita na inicial servindo a presente sentença de título para matrícula no Cartório de Registro de Imóveis.

Inconformada, a empresa vencida apelou reiterando a prefacial suscitada na defesa.

Quanto à matéria de fundo, alegou, em síntese, que: 1. O requerente não fez prova suficiente da posse vintenária e dos demais requisitos para a concessão da usucapião; 2. É legítima pro-prietária do lote; 3. Paga os impostos incidentes sobre o referido imóvel, consoante certidão da Prefeitura Municipal do Balneário Arroio do Silva; 4. Mantém contato físico e permanente com seus bens, preservando a sua posse e buscando a recuperação daqueles ilegalmente ocupados; 5. A sua condenação ao pagamento dos ônus sucumbenciais é injusta, pois não era a proprietá-ria na época em que o suplicante alegou ter iniciado o uso do terreno; 6. A verba honorária deve ser reduzida, eis que deveras elevado.

O TJSC decidiu, à unanimidade, converter o julgamento em diligência, nos termos do voto do Relator, aduzindo que não cabe, por ora, a improcedência do pleito inicial, pois há, ainda, a possibilidade de se confirmar que o bem perseguido faz, de fato, parte dos referidos lotes, não retirando a hipótese de algum dos outros lotes confinantes ter sido transformado na Rua Proje-tada, tendo em vista a antiga data do registro.

Nesse diapasão, Maria Helena Diniz nos ensina:

“O usucapião é modo de aquisição originária de bens móveis. O fundamento em que se baseia o usucapião de bens móveis é o mesmo que inspira o dos imóveis, ou seja, a necessidade de dar juridicidade a situações de fato que se alongaram no tempo, por isso seus conceitos são idênticos, exceto no que se refere aos prazos que, em relação às coisas móveis, são mais curtos, ante a dificuldade de sua individualização e facilidade de sua circulação.

[...]

De tal maneira se entrelaçam o usucapião mobiliário e o imobiliário que o Código remete aos arts. 1.243 e 1.244 a solução das questões ali previstas como aplicáveis à usucapião de coisas móveis (CC, art. 1.262).

Em face do disposto nesses artigos poderá o possuidor, para obter o reconhecimento do usu-capião, unir a sua posse à do seu antecessor, desde que ambas sejam contínuas e pacíficas.

Sá Pereira, a propósito, entende que a acessio possessonis só se justifica em relação às prescri-ções de curso mais longo, aplicando-se também ao usucapião mobiliário as causas que impe-dem, suspendem ou interrompem a prescrição.” (Curso de direito civil brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 268/9)

Antonio de Souza Levenhagen, comentando o que dispunha o Código Civil de 1916, assim elucida:

“Art. 552. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse e a do seu antecessor (art. 496), contanto que ambas sejam contínuas e pacíficas.

Segundo dispõe o artigo anteriormente transcrito, o possuidor, para completar o tempo necessá-rio ao usucapião, pode somar à sua posse a de seu antecessor.

Não importa, portanto, que o requerente do usucapião não tenha os vinte anos de posse (usu-capião extraordinário) ou os dez ou quinze (ordinário), pois a lei permite que ele se beneficie da

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posse de seu antecessor, somando-se à sua, desde que não tenha havido solução de continuida-de e que ambas as posses (a atual e a anterior) tenham sido pacíficas.” (Código civil: comentá-rios didáticos (direito das coisas). 2. ed. São Paulo: Atlas, 1992. p. 130/1)

1424 – Usucapião extraordinário – direito das coisas – prescrição aquisitiva

“Recurso especial. Direito das coisas. Prescrição aquisitiva da usucapião extraordinária. Aplicação dos arts. 1.238, parágrafo único, e 2.029 do CC/2002. Recurso provido. 1. Na análise da prescri-ção aquisitiva da usucapião extraordinária prevista no art. 1.238, parágrafo único, aplica-se a regra de transição prevista no art. 2.029 do Código Civil de 2002. 2. O art. 1.238, parágrafo único, do CC/2002, tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas na vigência do código anterior, qualquer que seja o tempo transcorrido, devendo apenas ser respeitada a fórmula de tran-sição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. 3. No caso, da data da posse (meados de 1994) até a entrada em vigor do CC/2002 (11.01.2003) haviam transcorridos 9 (nove) anos. Aplicando-se a regra de transição do art. 2.029, ao tempo implementado deverão ser acrescidos 2 anos, assim o prazo da prescrição aquisitiva da usucapião extraordinária aperfeiçoou-se no dia 11.01.2005, sendo que a ação foi proposta em 11.06.2008. 4. Recurso especial provido para afastar o obstáculo do lapso temporal e determinar o prosseguimento do julgamento, na origem, pelo mérito.” (STJ – REsp 1.314.413 – (2011/0161859-6) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 09.12.2013)

1425 – Usucapião – imóvel objeto de garantia hipotecária – posse

“Civil e administrativo. Usucapião. Imóvel objeto de garantia hipotecária. Posse do imóvel não contestada. Preenchimento dos requisitos previstos no art. 1.238 do CC. Recurso da CEF des-provido. Cinge-se a controvérsia à possibilidade de reconhecer usucapião de imóvel que, após inicialmente pertencer à Cooperativa Habitacional dos Servidores do Instituto Brasileiro do Café, pessoa jurídica de direito privado, passou a integrar o SFH, segundo alegações da CEF – conforme restou decidido pelo Pretório Excelso (ARE 646862-AgRg, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, Julgado em 13.12.2011, acórdão eletrônico DJe-032, Divulg. 13.02.2012, Public. 1402-2012; ARE 657355-AgRg, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, Julgado em 06.12.2011, acórdão eletrônico DJe-022, Divulg. 31.01.2012, Public. 01.02.2012), possui legitimidade jurídico-constitucional a técnica de fundamentação que consiste na incorporação, ao acórdão, dos fundamentos que deram suporte a anterior decisão (motivação per relationem). Na espécie, o Juízo a quo corretamente asseverou que ‘ambos os requisitos para a usucapião encontram-se preenchidos: o tempo, uma vez que a do-cumentação trazida aos autos pela autora (conta de energia elétrica, recibos de condomínio) traz uma presunção de posse do imóvel desde 1992, e a inércia do titular do direito de propriedade, uma vez que as rés não comprovaram qualquer oposição à posse exercida pela autora’. Ademais, conforme bem acentuado pelo MPF, ‘há uma diferença substancial o bem que integra o SFH por-que é patrimônio da CEF e será destinado a moradia das pessoas beneficiadas pelo programa habi-tacional e o bem que já foi adquirido por terceiros e que permanece sendo garantia de um direito de crédito, com o objetivo de recompor o fundo habitacional’, devendo ser destacado, ainda, que ‘quanto à tipicidade da conduta, também não assiste razão à CEF’, tendo em vista que ‘o esbulho possessório somente é caracterizado no caso de posse injusta, isto é, aquela caracterizada pela vio-lência, pela clandestinidade ou pela precariedade. Nenhuma destas três hipóteses foi demonstrada nos autos’. Recurso desprovido.” (TRF 2ª R. – AC 2003.51.10.005136-3 – 8ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Vera Lucia Lima – DJe 08.01.2014)

1426 – Usucapião urbano – imóvel financiado pelo SFH – impossibilidade – ausência dos re-quisitos

“Direito administrativo. Usucapião urbano. Art. 183 da CF. Imóvel financiado pelo SFH. Impos-sibilidade. Ausência dos requisitos. 1. O usucapião especial não tem por objeto ‘imóvel’, como

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ocorre com o usucapião ordinário ou o extraordinário do Código Civil, mas especificamente ‘área urbana’, ou seja, lote ou terreno. Não se aplica, evidentemente, às situações de ocupação de imó-vel, cuja aquisição foi financiada pelo SFH. 2. Não se pode admitir que ocupantes de imóveis fi-nanciados no âmbito de programas habitacionais governamentais, como é o caso do SFH, possam adquiri-los mediante usucapião, pois aí ficarão prejudicados todos os que dependem do retorno dos recursos mutuados para também serem beneficiados e terem acesso à moradia. 3. Ademais, restou comprovada a inexistência dos requisitos para usucapir o imóvel, tendo em consideração que a CEF sempre se opôs à posse, tendo, inclusive manejado tentativas de notificar pessoalmente a mutuária inadimplente.” (TRF 4ª R. – AC 0010850-38.2008.404.7000/PR – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – DJe 13.12.2013)

1427 – Usucapião – sentença – requisito de validade – existência de ação demarcatória anterior

“Apelação cível em ação de usucapião sentença que determinou a extinção da ação sem resolução do mérito por considerar o pedido juridicamente impossível. Art. 267, VI, do CPC. Afronta ao re-quisito de validade da coerência interna das decisões. Existência de ação demarcatória anterior ao ajuizamento da ação de usucapião que não obsta o direito de ação dos pretendentes à aquisição do domínio. Sentença nula. Necessidade de retorno dos autos à origem para instrução probatória recurso conhecido e provido para anular a sentença e determinar a retomada do trâmite proces-sual.” (TJPR – AC 0967413-1 – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Renato Lopes de Paiva – DJe 16.12.2013)

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Seção Especial – Em Poucas Palavras

Atuação do Advogado nos Condomínios Edilícios

MARCIO RACHKORSKYAdvogado, Graduado pela PUC-SP, Pós-Graduado em Direito Contratual pelo CEUSP, Comen-tarista, Consultor e Colunista em Várias Mídias de Comunicação, Atua na Área de Direito Condominial, Imobiliário, Civil, Cobrança e Trabalhista.

Viver em condomínio requer muito bom senso, espírito de grupo e res-peito ao próximo, além de disciplina e pleno atendimento às normas e regras de convivência. Sem falar na responsabilidade de pagar a quota condominial em dia, para não onerar o vizinho. Entretanto, o morador de condomínio há que estar preparado para enfrentar, debater e resolver questões bastante complexas e delicadas, tais como barulho, vazamentos, festas, cachorros, vagas de gara-gem, inadimplência, segurança, previsão orçamentária, rateios extraordinários, entre outras.

O Brasil viveu o maior boom imobiliário de sua história. Morar em con-domínio virou sinônimo de segurança, modernidade e praticidade, especial-mente nos grandes centros urbanos. Incorporadoras e construtoras lançaram verdadeiros parques residenciais, os chamados “condomínios-clube”, com re-ceita financeira anual de milhões de reais. E os números são impressionantes. Apenas na Cidade de São Paulo, são quase 30.000 (trinta mil) condomínios, que empregam mais de 300.000 (trezentos mil) empregados diretos. Há con-domínios que são verdadeiras cidades, alguns com mais de 5.000 (cinco mil) moradores. Sem falar na explosão dos empreendimentos imobiliários (condomí-nios e loteamentos fechados) nas cidades litorâneas e do interior. E agora, com o programa do Governo Federal para a construção de um milhão de moradias populares, o mercado viverá novo fomento.

No atual contexto do mercado de condomínios, com a entrega dos em-preendimentos lançados nos últimos anos, obviamente o perfil do síndico mu-dou. O morador despreparado, que, por falta de outro candidato, assumia o cargo, deu lugar ao síndico preparado, que vislumbra a necessidade de uma administração séria e de resultados, com trabalho de grupo e divisão de tarefas. O síndico, além de representante legal do condomínio, carrega ampla respon-sabilidade civil, criminal, trabalhista, tributária e previdenciária, razão pela qual necessita realizar uma gestão profissional.

Evidente que uma assessoria jurídica especializada é peça fundamen-tal para uma gestão condominial mais tranquila e, sobretudo, segura! Afinal, a complexidade e importância dos temas abordados, inerentes à vida de milhões de pessoas, criou um amplo e vastíssimo mercado de trabalho aos advogados, que exige do profissional extremo conhecimento técnico, razoabilidade, criati-vidade, bom senso e, acima de tudo, disponibilidade para participar de assem-

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bleias delicadas, madrugada adentro. As matérias condominiais transitam pelo direito constitucional, direito civil e muito especificamente na seara do direito de vizinhança.

Até pouco tempo atrás, os condomínios só contratavam um advogado para acionar um condômino inadimplente, ou então para atuar pontualmente em uma ação judicial. Mas agora, neste novo cenário da administração de con-domínios, a atuação do advogado nos condomínios abrange uma gama enorme de serviços, justificando uma advocacia de partido, valendo citar:

– participar de assembleias e reuniões do corpo diretivo;

– orientar o síndico preventivamente, em conjunto com a administra-dora;

– elaborar atas, pareceres e circulares;

– administrar a carteira de cobrança judicial e extrajudicial;

– analisar contratos;

– acionar a construtora por vícios construtivos;

– interceder para solucionar questões de atrito entre moradores;

– enviar notificações.

Cabe ainda ressaltar que a realização de um bom trabalho frente ao con-domínio acaba por expandir a rede de contatos comerciais do advogado, à medida que os moradores criam um vínculo de amizade e respeito para com o profissional e acabam confiando-lhe suas causas particulares, sem qualquer caracterização de captação ilegal de clientela.

Assim, a advocacia condominial representa um grande mercado para a atuação profissional do advogado!

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Clipping Jurídico

Plenário do STF aplica multa e indenização por recursos que impedem reinte-gração de posse de imóvel

Uma disputa pela posse de um imóvel em Porto Alegre (RS) que já dura 14 anos levou o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) a condenar a parte perdedora a indenizar a vencedora pelo excesso de recursos incabíveis que impedem a rein-tegração de posse. O ministro, relator do agravo regimental nos embargos de di-vergência no Agravo de Instrumento (AI) nº 797157, lamentou o “triste histórico de litigância de má-fé” e ressaltou que se tratava do sexto recurso interposto pelos recorrentes no STF, sem sucesso, visando a um único objetivo: modificar decisão que negou provimento ao agravo de instrumento, interposto originalmente contra decisão do TJRS que negou o envio de recurso extraordinário ao STF. A disputa teve início em 1999, em ação de reintegração de posse julgada procedente, em 2003, por juízo de primeira instância e confirmada pelo TJRS. Segundo o Ministro Teori, o comportamento dos recorrentes deixa evidente a caracterização da litigância de má-fé, nos termos dos incisos III, IV, VI e VII do art. 17 do Código de Processo Civil (CPC), justificando a aplicação da multa de 1% sobre o valor corrigido da causa estabelecida no art. 18 do CPC – que prevê ainda a indenização à parte contrária dos prejuízos sofridos, mais os honorários advocatícios e todas as despesas efetua-das. “Nesse tempo todo, o imóvel continua sem a execução da sentença que de-terminou a reintegração de posse”, assinalou. O valor da indenização será apurado por arbi tramento. O relator lembrou que o STF, para coibir práticas como essa, “construiu há tempos importante jurisprudência contra comportamentos deletérios ao postulado da duração razoável do processo, para dar concretude e efetividade a decisões inquestionavelmente impassíveis de alteração, como é o caso”. A situação, para o relator, justifica, “de forma excepcional”, a execução da decisão indepen-dentemente de publicação do acórdão. Por unanimidade, decidiu-se pelo retorno do processo à origem para cumprimento da sentença. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Retificação de área de imóvel e necessidade de aprovação municipal

O TJMG julgou, por meio de sua 1ª Câmara Cível, a Apelação Cível nº 1.0024.10.202345-4/001, que decidiu ser necessária a aprovação pelo órgão municipal competente, nos termos do art. 18 da Lei nº 6.766/1979, de área cujo registro se pretende retificar. No caso em tela, o Município de Belo Horizonte ape-lou contra sentença proferida em ação de re-ratificação de área, que autorizou a retificação pretendida. Em suas razões, o apelante sustentou que a retificação refere-se a terreno não aprovado pelo Município de Belo Horizonte e que, além de não aprovada, a área objeto deste processo é remanescente e indivisa. Sustentou, ainda, que a sentença contrariou, especialmente, os arts. 12 e 18 da Lei nº 6.766/1979 e que a aprovação do imóvel deve preceder o seu registro, sendo que, com relação a imóvel não aprovado previamente pelo Município, é vedada pela Lei nº 6.766/1979 a prática de ato de registro ou, ainda, de alteração, retificação ou modificação deste. Ao analisar o recurso, o Relator apontou, com suporte nos ensinamentos de Luiz Egon Richter, que o direito de propriedade recai sobre um determinado bem imóvel, devendo o bem estar perfeita e inequivocamente identificado em sua matrícula. É necessário, portanto, haver perfeita sintonia entre a realidade física e jurídica, sob

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pena de irregularidade. Além disso, o Relator entendeu que é extremamente rele-vante a informação de que a área que se pretende retificar não foi aprovada pela Prefeitura Municipal. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais)

Doação sem escritura pública não possui eficácia jurídica

Com esse entendimento, o pedido de indenização contra construtora foi negado para a autora da ação, que havia doado o imóvel para o filho: “Todo aquele que contrata financiamento para aquisição de um bem, seja móvel ou imóvel, necessita, para o caso de transferência dos direitos e obrigações decorrentes do empréstimo tomado, a anuência do agente financeiro...”. Com este entendimento, Desembarga-dores da 20ª Câmara Cível do TJRS negaram pedido de indenização para a autora da ação e seus familiares contra construtora. Mãe, filho e nora ingressaram na justiça exigindo indenização por danos morais e materiais devido ao atraso na entrega do imóvel adquirido. A relação originalmente constituída, em contrato, é entre a autora e construtora e não com o filho e a nora. A autora da ação doou seu apartamento para o filho e a nora sem escritura pública. Devido à demora no prazo de entrego do imóvel, ambos entraram na justiça contra a empresa. O atraso gerou diversos trans-tornos e despesas para o casal. A empresa alegou que o apartamento foi entregue além do prazo inicialmente contratado devido a complicações na execução do em-preendimento, como, por exemplo, o longo período chuvoso, dificuldade no trans-plante de árvores e terreno rochoso. A relatora do processo, ao analisar o processo, afirmou que o contrato ajustado entre as partes (doação feita pela mãe ao filho), não foi submetido ao consentimento da Caixa Econômica Federal, credora do emprésti-mo tomado pela autora para aquisição do imóvel – que posteriormente foi doado. Formalidade esta que deveria ter sido observada pela adquirente. Logo, a doação sem escritura pública, como no caso dos autos, não possui eficácia jurídica. Desta-cou que o contrato do financiamento firmado com a Caixa data de 28.01.2010. Com a soma do prazo firmado de 15 meses, além do prazo de prorrogação de 180 dias, chega-se à conclusão de que a data limite para a entrega do imóvel deveria ter se dado em outubro de 2011. A magistrada considerou que o atraso na obra ex-trapolou em muito os prazos fixados, determinando a indenização por dano moral no valor de R$ 10 mil. No entanto, não reconheceu o pedido de dano material para a autora, pois não foram apresentadas provas. Os recibos juntados ao feito são rela-tivos aos gastos do casal, pessoas que não possuem legitimidade para postular em juízo. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais)

Falta de registro de doação de imóvel não impede oposição de embargos contra penhora

O STJ decidiu que não há como manter a penhora sobre imóvel doado aos fil-hos menores, em razão de dívida contraída pelos pais posteriormente à doação. Seguindo voto do ministro, a 4ª Turma definiu que a falta de registro imobiliário da doação não impede que os filhos apresentem embargos de terceiro contra penhora realizada sobre imóvel que eles haviam recebido dos pais anteriormente. Em ação de separação judicial, homologada em 1994, os pais fizeram doação de um imóvel aos filhos menores. O registro imobiliário da doação não foi feito. Posteriormente,

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em 1995, realizaram uma operação de crédito no Banco do Brasil, dando em ga- rantia o mesmo imóvel, e omitindo seu real estado civil. Ante o não pagamento da obri gação, o banco ajuizou ação executiva de título extrajudicial (cédula de crédito rural) e pediu a penhora do imóvel. Os filhos apresentaram embargos à execução. Afirmaram que o fato de não existir registro da doação no cartório de imóveis não exclui o seu direito de oferecer embargos de terceiro para proteção de sua proprie-dade. Sustentaram que “a sentença que homologa a separação e a partilha pro-duz efeitos do trânsito em julgado, independentemente de qualquer registro”. Em primeiro grau, o juiz reconheceu a impossibilidade da penhora, porque os menores não poderiam ser penalizados com a alienação de bem que lhes coube na separação judicial dos pais. O juiz ainda destacou que os pais cometeram estelionato, ao dar em garantia bem imóvel que não mais lhes pertencia. O banco apelou e o tribunal local reverteu a sentença. Se, quando da assinatura da cédula de crédito, não houve o registro de restrição pela doação do imóvel, “maliciosamente omitida pelos de-vedores”, os embargos deveriam ser rejeitados, mantendo-se a penhora – entendeu o tribunal de segunda instância. Os filhos recorreram ao STJ. O relator do agravo destacou que o objeto dos embargos de terceiro é a possibilidade de proteção da propriedade, ainda que carente de registro no cartório. O ministro reconheceu que é cabível a apresentação dos embargos pelos filhos menores para defender sua posse e discutir a legitimidade da penhora do imóvel, principalmente porque a proprie-dade do bem se encontra amparada em decisão transitada em julgado. Raul Araújo ainda lembrou que a jurisprudência do STJ é no sentido de considerar que a falta de registro da doação no cartório de imóveis não impede a oposição dos embargos de terceiro. O relator também salientou que qualquer responsabilização dos pais pelas consequências de possíveis crimes no negócio firmado com o banco deve ser perseguida em via adequada. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais)

Impostos e taxas de condomínio são devidos somente após entrega efetiva do imóvel

O TJDFT confirmou sentença do 6º Juizado Cível de Brasília que condenou uma empresa de empreendimentos imobiliários a restituir em dobro a um comprador os impostos e taxas de condomínio que lhe foram cobrados antes da entrega das chaves. A decisão foi unânime. A juíza originária ensina que, embora o contrato de compra e venda firmado entre as partes estabeleça que a partir da data de emis-são da Carta de Habite-se os impostos e taxas de condomínio passarão a correr, exclusivamente, por conta dos compradores, essa regra contratual é inválida se não ocorrer a efetiva entrega das chaves. Destaque-se que, apesar de a entrega da Carta de Habite-se ter se dado em 12.03.2012, a entrega das chaves só ocorreu em 19.02.2013 – quase um ano depois. Ante tal constatação, a magistrada ressalta que “o dever de lealdade imposto aos contraentes deve ser especialmente observado nos contratos de adesão em que não há margem à discussão das cláusulas impostas aos consumidores aderentes, obrigando o fornecedor a um destacado dever de infor-mação, probidade e boa-fé na confecção do instrumento”. Assim, prossegue a julga-dora: “Vulnerado tal dever contratual, se há cobrança indevida, efetivo pagamento e engano injustificável, com a clara vulneração da boa-fé objetiva, a devolução em

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dobro, conforme regra expressa do parágrafo único do art. 42 da Lei nº 8.078/1990, é medida que se impõe”. Diante disso, a juíza julgou procedente o pedido do autor para condenar as rés, solidariamente, à devolução em dobro do valor pago pelo consumidor, totalizando a quantia líquida de R$ 3.582,06, já considerada a dobra legal, devidamente corrigida desde o efetivo dispêndio e acrescida de juros legais. Processo nº 2013.01.1.094895-6. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios)

É penhorável bem de família dado como garantia de dívida de empresa familiar

O STJ reconheceu a penhorabilidade de imóvel dado em garantia hipotecária de dívida de empresa da qual os únicos sócios são marido e mulher, que nele residem. Os ministros consideraram que, nessa hipótese, o proveito à família é presumido, cabendo a aplicação da exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009/1990. “O proveito à família é presumido quando, em razão da atividade exercida por empresa familiar, o imóvel onde reside o casal (únicos sócios daquela) é onerado com garantia real hipotecária para o bem do negócio empresarial”, declarou a ministra, relatora do caso julgado pelo cole-giado. Na origem, o casal alegou a impenhorabilidade do imóvel que deu como ga-rantia relacionada a uma dívida da empresa de pneus. Afirmou que o bem, o único de sua propriedade, é o imóvel onde moram. O juízo de primeiro grau julgou o pedido do casal improcedente. O TJPR reformou a sentença. Em seu entendimento, mesmo que se trate de empresa familiar, o bem de família dado em garantia hipo-tecária não pode ser penhorado, “não sendo regular a presunção de que a dívida tenha beneficiado a família”. Inconformada com a nova decisão, a empresa recor-reu ao STJ. Defendeu que o imóvel foi dado em garantia pelo casal, de livre e espon-tânea vontade, para garantir dívida contraída por sua própria empresa. A ministra relatora do recurso especial, afirmou que a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que “a impenhorabilidade do bem de família só não será oponível nos casos em que o empréstimo contratado foi revertido em proveito da entidade familiar” (AREsp 48.975). Com base em precedentes das Turmas de direito privado, ela sustentou que a aplicação do inciso V do art. 3º da Lei nº 8.009 (que autoriza a penhora do imóvel dado em garantia hipotecária) deve ser norteada pela “aferição acerca da existência de benefício à entidade familiar em razão da oneração do bem, ainda que a lei não disponha exatamente nesse sentido”. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 14�01�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• Responsabilidade Civil Extracontratual do Condomínio Edilício –A Responsabilidade por Furto ou Roubo e por Danos Causados a Terceiros

Denis Donoso Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

• CondomínioEdilício–ReduçãodaMultade20%para2% Fernando Henrique Guedes Zimmermann Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

• OCondomínioEdilícionoCódigoCivilde2002 Carlos Alberto Bittar Filho Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET Disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

Responsabilidade Civil do síndiCo

•A Responsabilidade Civil e Criminal do Síndico (André Luis Dal Molin Flores) ..............................14

•Breves Apontamentos sobre Responsabilidade Civil do Síndico no Condomínio Edilício (DinoBoldrini Neto) ......................................................17

•Casos de Responsabilidade Civil Pessoal do Sín-dico (Hélio Apoliano Cardoso) ..............................9

Autor

andRé luis dal molin FloRes

•A Responsabilidade Civil e Criminal do Síndico ..14

dino boldRini neto

•Breves Apontamentos sobre ResponsabilidadeCivil do Síndico no Condomínio Edilício .............17

Hélio apoliano CaRdoso

•A Casos de Responsabilidade Civil Pessoal do Síndico ..................................................................9

ACONTECE

Assunto

Responsabilidade Civil do síndiCo

•Da Responsabilidade Civil do Síndico Enquanto Administrador do Condomínio ............................21

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

Condomínios edilíCios

•Atuação do Advogado nos Condomínios Edilí-cios (Marcio Rachkorsky) ...................................233

Autor

maRCio RaCHkoRsky

•Atuação do Advogado nos Condomínios Edi-lícios ..................................................................233

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

Responsabilidade Civil do síndiCo

•Nulidade – Administração de condomínio (TJSP) ..................................................................1360, 24

EMENTÁRIO

Assunto

Responsabilidade Civil do síndiCo

•Condomínio – ação de cobrança – réu conselhei-ro fiscal – delegação, pelo síndico, para emissão de cheques – responsabilidade .................1361, 28

•Condomínio – ação de prestação de contas – ilegitimidade passiva ad causam – síndico ..................................................................1362, 28

•Condomínio – indenização – multa pelo corte de diversas árvores – responsabilidade do sín-dico ...........................................................1363, 28

•Condomínio – indenizatória ajuizada contra a administradora – gestora de negócios – preten-são à denunciação do síndico – descabimento ..................................................................1364, 28

•Condomínio – taxa condominial – protesto – responsabilidade do síndico – não ocorrência ..................................................................1365, 29

•Responsabilidade civil – condomínio edilício – utilização irregular de recursos pelo síndi-co – execução de obras sem aprovação pela assembléia .................................................1366, 29

•Responsabilidade civil – prestação de contas – condomínio – ex-síndico ..........................1367, 30

•Responsabilidade do síndico – atos lesivos aos condôminos – ação cominatória cumulada com pedido de ressarcimento – legitimidade passiva ..................................................................1368, 31

•Responsabilidade do síndico – cobrança inde-vida – pagamento não demonstrado – ausênciade má-fé – danos materiais .......................1369, 31

•Seguro condominial – acidente produzido por veículo automotor quando conduzido por pre-posto do condomínio (manobrista) – responsa-bilidade civil do síndico ............................1370, 31

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

ação de despeJo

•As Liminares nas Ações de Despejo de Imó-vel Não Residencial por Denúncia Vazia: o Prazo de 30 Dias para Obtenção da ImediataDesocupação (Luiz Antonio Scavone Junior) .......32

CompRa e venda de imóvel

•A Aplicação do CDC aos Contratos de Com-pra e Venda de Imóvel entre Pessoas Jurídicas (Tércio Túlio Nunes Marcato) ..............................52

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RDI Nº 19 – Jan-Fev/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������241 diReito de ConstRuiR

•A Dimensão Histórico-Normativa do Direito de Construir (Fernando Rister de Sousa Lima eLucas Rister de Sousa Lima) .................................73

Função soCial da pRopRiedade

•Os Instrumentos Urbanísticos Delineados pela Constituição Federal Como Eficientes Meca-nismos para o Cumprimento da Função So-cial da Propriedade Imóvel Urbana (Emerson Jardim Kaminski) ................................................107

imóvel – Questões tRibutáRias

•Questões Tributárias Controvertidas do Progra-ma Minha Casa, Minha Vida (Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de Souza) ................................35

Autor

daniel baRbosa lima FaRia CoRRêa de souza

•Questões Tributárias Controvertidas do Progra-ma Minha Casa, Minha Vida ...............................35

emeRson JaRdim kaminski

•Os Instrumentos Urbanísticos Delineados pela Constituição Federal Como Eficientes Mecanis-mos para o Cumprimento da Função Social da Propriedade Imóvel Urbana ...............................107

FeRnando RisteR de sousa lima

•A Dimensão Histórico-Normativa do Direito de Construir ..............................................................73

luCas RisteR de sousa lima

•A Dimensão Histórico-Normativa do Direito de Construir ..............................................................73

luiz antonio sCavone JunioR

•As Liminares nas Ações de Despejo de Imó-vel Não Residencial por Denúncia Vazia: o Prazo de 30 Dias para Obtenção da ImediataDesocupação .......................................................32

téRCio túlio nunes maRCato

•A Aplicação do CDC aos Contratos de Com-pra e Venda de Imóvel entre Pessoas Jurídicas ............................................................................52

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

ação demolitóRia

•Processual civil – Ação demolitória c/c indeni-zação por danos morais – Decisão que extin-guiu parcialmente o processo – Reconhecida ilegitimidade ativa e inépcia da inicial quanto à pretensão demolitória – Insurgência recursal no que toca à inépcia da inicial – Alegação de que os fundamentos de fato foram devidamente em-

basados na violação ao direito de vizinhança – Insubsistência – Pleito demolitório que se apoia, exclusivamente, na desobediência de normas municipais – Ilegitimidade ativa e inépcia da inicial corretamente reconhecidas – Questão afeta ao interesse do poder público – Impossi-bilidade dos vizinhos pleitearem a demolição da obra sob esse fundamento – Precedentes desta corte – Alegações referente à violação ao direito de vizinhança que somente foram susci-tadas nesta sede recursal – Impossibilidade de conhecimento, no particular – decisão mantida – Recurso parcialmente conhecido e, nesta ex-tensão, desprovido (TJSC) ........................1380, 194

ação de imissão de posse

•Ação de imissão de posse – Bem imóvel – Re-curso especial alegação de violação ao art. 535 do CPC – Inexistência – Ausência de pre-questionamento dos preceitos legais ditos vio-lados – Pretensão de impugnação reflexa dos fundamentos do acórdão local – Reexame de matéria fática – Súmula nº 7/STJ – Agravo regi-mental não provido (STJ) ..........................1371, 138

ação ReivindiCatóRia

•Apelação cível – Ação reivindicatória – Imóvel urbano – Prescrição aquisitiva suscitada como matéria de defesa – Acervo probatório demons-trativo do domínio dos autores, ora apelados – Ausência de comprovação, pela ré-apelante, dos requisitos legais à aquisição da proprieda-de pelo usucapião, ônus que lhe competia, na forma do art. 333, II do CPC – Pretensão de-duzida julgada procedente – Inconformismo da demandada – Razões recursais sem apti-dão à reforma do julgado – Desprovimento dorecurso (TJRJ) ...........................................1378, 180

CoRRetagem

•Apelação cível – Corretagem – Cláusula de exclusividade – Vício de consentimento do contratante demonstrado – Afastamento da nor-ma insculpida no art. 726 do CC – AJG – In-deferimento – Ilegitimidade passiva afastada(TJRS) .......................................................1379, 187

despeJo

•Apelação cível – Despejo – Contrato vigente e garantido por fiança quando do ajuizamento daação – Recurso desprovido (TJPR) ............1377, 177

diReito uRbanístiCo

•Direito processual civil – Direito administra-tivo – Direito urbanístico – Ação civil pública – Reexame necessário – Agravos retidos – Ape-lações – Julgamento extra petita – Inocorrência – Preliminar rejeitada – Parcelamento do solo – Loteamento – obras de infraestrutura – Respon-sabilidade solidária – Custas – Fazenda pública

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242 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 19 – Jan-Fev/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

– Isenção – Sentença parcialmente reformada – Recursos prejudicados (TJMG) .................1376, 166

gRatuidade de Justiça

•Apelação cível – Processo civil – Direito ci-vil – Gratuidade de justiça – Efeitos da revelia afastados – Pluralidade de réus – Audiência de conciliação dispensável – Reintegração de posse – Arrendamento Residencial (PAR) – Lei nº 10.188/2001 – Inadimplemento – Esbulho possessório (TRF 2ª R.) .............................1374, 157

loCação

•Locação – Agravo regimental em recurso es-pecial – Anulação de arrematação – Violação dos arts. 714 e 715 do CPC – Necessidade de adjudicar o bem – Possibilidade de arre-matação na hipótese de um único lançador – Precedentes – Preço vil – Afastamento pela instância de origem – Súmula nº 7/STJ – Inexis-tência de argumentos aptos a ensejar a modifi-cação do julgado (STJ) .............................1373, 151

obRigação de FazeR

•Obrigação de fazer – Outorga de escritura de compra e venda – Partes que tinham ciência da necessidade de regularização documental do bem imóvel transacionado – A obrigação de regularização documental é da ré, na qualidade de vendedora – Partes que estipularam prazo para sua conclusão – Multa contratual devida – Lucros cessantes indevidos, pois não com-provados – Inversão do ônus da sucumbência – Decisão de improcedência – Recurso provi-do parcialmente (TJSP) .............................1381, 200

sFH

•Administrativo – Agravo regimental no agravo em recurso especial – Sistema financeiro de habita-ção – Duplicidade de financiamento com cober-tura pelo FCVS – Possibilidade – Recurso repre-sentativo da controvérsia – REsp 1.133.769/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 03.12.2010 – Agravo regimental desprovido (STJ) .....................1372, 143

taxa Condominial

•Apelação cível – Consignação em pagamen-to – Taxa condominial – Condomínio Estância Quintas da Alvorada – Recusa legítima (TJDFT) ................................................................1375, 162

EMENTÁRIO

ação de abatimento de pReço

•Ação de abatimento de preço – discussão – na-tureza de venda de bem imóvel (se ad corpus ou ad mensuram) – interpretação de cláusulas contratuais – inadmissibilidade ................1382, 205

ação de busCa e apReensão

•Ação de busca e apreensão – contrato de mú-tuo financeiro – cláusula de alienação fiduciária ................................................................1383, 205

ação de nunCiação de obRa nova

•Ação de nunciação de obra nova – alegação de inépcia da inicial – ausência de provas ................................................................1384, 205

bem de Família

•Bem de família – penhora sobre fração ideal – possibilidade .........................................1385, 205

CompRa e venda

•Compra e venda – pedido de rescisão – reinte -gração de posse .......................................1386, 207

Condomínio

•Condomínio – ação declaratória de nulidade – cláusula da convenção ...........................1387, 209

•Condomínio – ação sumária de cobrança – co-tas condominiais – imóvel de propriedade da União Federal – revelia ............................1388, 209

deFesa do ConsumidoR

•Defesa do consumidor – administradora de sho-pping center – explosão por vazamento de gás – cadeia de fornecimento – responsabilidadesolidária ...................................................1389, 209

•Defesa do consumidor – comissão de correta-gem – responsabilidade pelo pagamento do ven-dedor – cláusula abusiva – devolução em dobro– cabimento .............................................1390, 210

•Defesa do consumidor – imóvel na planta – atraso na entrega – culpa exclusiva da cons-trutora – rescisão do contrato – aplicabilidade ................................................................1391, 210

•Defesa do consumidor – responsabilidade civil – atraso na entrega de imóvel – lucros cessan-tes – aplicação de multa ..........................1392, 214

desapRopRiação

•Desapropriação – depósito – levantamen-to – autorização legal – pretensão – retenção ................................................................1393, 214

•Desapropriação – levantamento dos 80% do de-pósito prévio – dúvida sobre o domínio da área expropriada .............................................1394, 214

•Desapropriação – perícia judicial – impugnação ................................................................1395, 215

•Desapropriação indireta – valor da indeni-zação adequado – laudo acostado aos autos ................................................................1396, 215

•Desapropriação por utilidade pública – não cumprimento de requisitos legais – desprovi-mento ......................................................1397, 216

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RDI Nº 19 – Jan-Fev/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������243 despeJo

•Despejo – desocupação de imóvel comercial – denúncia vazia – notificação extrajudicial dolocatário ..................................................1398, 216

•Despejo – exoneração da fiança – possibilidade– ilegitimidade passiva ad causam ...........1399, 216

•Despejo – falta de pagamento de aluguel – sen-tença de procedência do pedido..............1400, 216

•Despejo – locação não residencial – loja comer-cial em shopping – denúncia vazia – descabi-mento ......................................................1401, 217

•Despejo c/c pedido de cobrança de aluguéis – reconvenção – prequestionamento – ausência ................................................................1402, 217

•Despejo por falta de pagamento – cerceamentode defesa – não ocorrência ......................1403, 217

•Despejo por denúncia vazia – locação de imó-vel não residencial – contrato por prazo indeter-minado – notificação prévia ....................1404, 217

diReito de vizinHança

•Direito de vizinhança – ação de obrigação defazer – construção de muro divisório .......1405, 217

esCRituRa

•Escritura – outorga – carta de crédito – inobser-vância do prazo legal – frustração de expecta-tiva – obrigação de indenizar ...................1406, 219

exeCução

•Execução de título extrajudicial – penhora de imóvel do devedor – direito de arrematação do credor-exequente ................................1407, 219

•Execução e leilão extrajudicial – ação anulató-ria – cancelamento de registro imobiliário – in-timação pessoal do devedor ....................1408, 219

•Execução – penhora de imóvel – ausência deprequestionamento ..................................1409, 220

loCação

•Locação – ação monitória – documento há-bil – assinatura de duas testemunhas – requi-sito dispensável .......................................1410, 220

•Locação comercial – ação revisional de alu-guel – recurso do INSS – razões dissociadas – legitimidade .........................................1411, 220

•Locação de bem imóvel – ação de execução de título extrajudicial – embargos à execução ................................................................1412, 221

•Locação – fiança – prorrogação tácita ......1413, 223

•Locação – imóvel restituído que não se en-contrava em perfeitas condições de habitabi-lidade – ação intentada em face da fiadora – pretensão indenizatória ...........................1414, 223

•Locação – necessidade de caução – excesso de execução .................................................1415, 226

medida CautelaR

•Medida cautelar – processo falimentar – arreca-dação de bens do sócio – imóvel residencial – respeito à meação do ex-cônjuge ............1416, 226

penHoRa de bem imóvel

•Penhora de bem imóvel – execução fiscal – inti-mação de cônjuge – ausência ..................1417, 226

ReCuRso

•Recurso – agravo – ação de cobrança ......1418, 228

seguRo HabitaCional

•Seguro habitacional – vícios de construção – formação de litisconsórcio passivo necessáriocom a CEF – desnecessidade ...................1419, 228

sFH

•SFH – invasão de imóvel – clandestinidade – art. 1.200 do Código Civil – ilegitimidade daposse .......................................................1420, 228

•SFH – manutenção de posse – imóvel financiado– execução extrajudicial ..........................1421, 229

•SFH – saldo residual – ausência de cobertu-ra pelo FCVS – responsabilidade do mutuário ................................................................1422, 229

usuCapião

•Usucapião extraordinário – ausência de cita-ção de um dos confinantes – exigência legal não satisfeita ............................................1423, 229

•Usucapião extraordinário – direito das coisas – prescrição aquisitiva .............................1424, 231

•Usucapião – imóvel objeto de garantia hipotecá-ria – posse ...............................................1425, 231

•Usucapião urbano – imóvel financiado pelo SFH – impossibilidade – ausência dos requi-sitos .........................................................1426, 231

•Usucapião – sentença – requisito de valida-de – existência de ação demarcatória anterior ................................................................1427, 232

CLIPPING JURÍDICO

•Plenário do STF aplica multa e indenização por recursos que impedem reintegração de posse de imóvel ..........................................................235

•Retificação de área de imóvel e necessidade de aprovação municipal ....................................235

•Doação sem escritura pública não possui eficá-cia jurídica ........................................................236

•Falta de registro de doação de imóvel não im-pede oposição de embargos contra penhora ......236

• Impostos e taxas de condomínio são devidossomente após entrega efetiva do imóvel ............237

•É penhorável bem de família dado como garan-tia de dívida de empresa familiar .......................238