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1 IV Encontro RuralRePort Rede de História Rural em Português RESUMOS Agricultura Familiar na História: comunidades, economias e paisagens Palmela, 27 e 28 de Junho de 2014 Auditório da Biblioteca Municipal de Palmela Casa Mãe da Rota dos Vinhos rCAalRePCaoCarR ede de História Rural em Português

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IV Encontro RuralRePort

Rede de História Rural em Português

RESUMOS

Agricultura Familiar na História:

comunidades, economias e paisagens

Palmela, 27 e 28 de Junho de 2014

Auditório da Biblioteca Municipal de Palmela

Casa Mãe da Rota dos Vinhos rCAalRePCaoCarR

ede de História Rural em Português

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Comissão Organizadora:

Dulce Freire, ICS-UL Ana Margarida Rodrigues, ICS-UL

Carlos Faísca, ICS-UL Maria Teresa Rosendo, CM Palmela Maria Leonor Campos, CM Palmela

Comissão Científica:

Ana Maria S. Rodrigues, FL-UL Benedita Câmara, UMadeira

Isabel Rodrigo, ISA-UL José Vicente Serrão, ISCTE-IUL Manuel Belo Moreira, ISA-UL Márcia Motta, UFFluminense

Rui Santos, FCSH-UNL Susana Matos Viegas, ICS-UL

Encontro integrado no programa oficial do

Ano Internacional da Agricultura Familiar 2014

A organização deste encontro insere-se no âmbito do projecto «Agricultura em Portugal: alimentação,

desenvolvimento e sustentabilidade (1870-2010)» (financiado pela FCT – PTDC/HIS-HIS/122589/2010) –

www.ruralportugal.ics.ul.pt

Entidades Organizadoras:

Apoios:

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27 de junho (6.ª feira)

SESSÃO I - Preservar a família: posse e transmissão da terra

Margarida Sobral Neto Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra

Agricultura familiar na época moderna em Portugal: problemas, fontes e métodos O conhecimento sobre a agricultura familiar na época moderna referente a Portugal é constituído por um conjunto de fragmentos carreados, sobretudo, por estudos académicos, e não académicos, de incidência local. Proponho-me apresentar, nesta comunicação, um estado da arte relativo à região centro do país e equacionar alguns percursos de investigação. Abordam-se os seguintes eixos temáticos: modalidades de acesso à terra e de repartição dos patrimónios familiares; constituição de agregados familiares evidenciados por róis de confessados; composição de patrimónios registados em inventários orfanológicos e em cadastros de propriedade; dinâmicas dos patrimónios familiares, nomeadamente a sua desagregação através de endividamento, captadas nas escrituras notariais.

Inês Amorim Faculdade de Letras, Universidade do Porto

Persistências e mudanças: mercado enfitêutico como indicador de estratégias/necessidades familiares (Mosteiro de Grijó, 1541-1720) A uma escala macro, para a época moderna (XVI a XVIII), questionam-se as relações do uso da terra com a abertura de novos espaços e novos mercados, que se traduziriam numa divisão de trabalho à escala mundial (matérias-primas/colónias, transformadoras), no surgimento de aparelhos estatais interessados numa política económica dirigida, na influência crescente de novos núcleos urbanos, criadores e incentivadores de maior consumo. Pouco se sabe, contudo, acerca do papel da organização do trabalho familiar, do impacto nas condições de concentração da terra, do ciclo familiar e da produção agrícola, da relação com os mercados. Defendem alguns autores, contudo, que a relação da agricultura familiar com o mercado existiu como inerência à vida quotidiana da família conjugal ou nuclear standard (como defendeu M. Aymard, em 1983, na revista Annales). Essas relações estabeleceram-se, com a)mercado da terra (alugar, comprar e vender; arrendar, emprazar, aforar) para obter as superfícies necessárias para constituir uma exploração suficiente para o sustento familiar; b)mercado de mão-de-obra (jornaleiro, emigrante sazonal), sempre que necessário, dependendo da unidade doméstica de consumo, que adiciona os rendimentos de origens muito diferentes, ou ainda de outro aspecto conjuntural, ligado à qualidade das colheitas; c)mercado de bens produzidos, para satisfação das exigências senhoriais, quando a colheita não é suficiente ou quando os encargos em espécie incidem sobre bens que já não são cultivados na exploração familiar. Mas como se adaptam e sobrevivem os produtores a um quadro senhorial, juridicamente controlador, e à incapacidade dos mercados urbanos, cujo aprovisionamento está mais sujeito a constrangimentos (retenção das terças do pão municipais) e a requisições forçadas, em

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nome da publicas necessitas, do que ao incentivo económico que levaria ao reinvestimento dos lucros na produção? Metodologicamente, a uma escala micro, os tombos dos bens senhoriais aproximam-se da possibilidade de construir esta memória da propriedade, das dinâmicas de mercado enfitêutico que nos fazem aproximar dos produtores, embora se nos escapem as possíveis tensões dentro da comunidade e do seu funcionamento integral. Mas são, apesar de tudo, registos que nos permitem avaliar as alterações na exploração/produção/produtores e colocar hipóteses interpretativas acerca do envolvimento das estruturas familiares. Assim, nesta comunicação, focar-nos-emos na análise da enfiteuse como indicador da evolução do mercado de terras, do envolvimento ritmado de estruturas familiares (prazo de vidas) a partir do roteiro de prazos do Mosteiro de Grijó (cenóbio situado a 30 Km sul da cidade do Porto, que se estende por mais 60 km para o interior e o litoral). Procurar-se-á, a partir da observação do montante dos contratos de emprazamento feitos pelo Mosteiro entre 1541 e 1720, avaliar a articulação entre decisões individuais e constrangimentos existentes, no quadro de ajustamento entre necessidades e recursos, ritmado por duas séries de factores. Um individual, ligado ao ciclo familiar, às variações de relação entre número de activos e de bocas para alimentar. Outro conjuntural e colectivo, ligado à qualidade e quantidade das colheitas. Destes factores decorre a importância de avaliar a associação de produções (vinha, jardinagem, árvores de fruto, galinheiros, pocilgas, linho, cânhamo, etc.) e, também, a hipotética necessidade de acrescentar actividades fora do pedaço familiar, trazendo assim, possivelmente, outros recursos, de ninguém ou só de alguns (res nullius e res communis).

Fabíola Pires Faculdade de Letras, Universidade do Porto

Viver, regar e lavrar: cadastro da propriedade comum e privada na Ribeira Lima rural (Idade Média-Século XX) O tema desta comunicação, elaborada no âmbito da minha tese de doutoramento em História, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, visa aprofundar o estudo da propriedade agrícola, florestal e aquícola, nos territórios rurais da Ribeira Lima, entre a Alta Idade Média (período em que aparecem os primeiros registos sobre propriedade) e meados do século XX (antes do boom construtivo que modificou severamente a paisagem, rompendo definitivamente com as lógicas territoriais existentes até então). Serão abordadas as relações entre a propriedade nobre, camponesa e eclesiástica, suas diferenças e pontos de conexão, ocupando a igreja, a quinta ou o lugar do lavrador (elementos organizadores do espaço característicos desta região), uma posição central na análise das dinâmicas territoriais que se vão estabelecendo ao longo dos séculos. Serão abordados, igualmente, os métodos e as fontes utilizados para a reconstituição cadastral de um território e respectivas famílias que nele habitaram, ou que aí possuíam os seus terrenos. A reflexão incide sobre a evolução da configuração dos assentamentos, métodos e formas de herança da terra (e água), e, também, sobre as transformações operadas ao longo do tempo, contextualizadas com realidades e acontecimentos locais ou nacionais. Será dado, igualmente, especial relevo ao património edificado, contrapondo-se a casa nobre com a camponesa, e a forma como estas interagiam dentro de um mesmo espaço, bem como aos espaços de lavoura (especialmente veigas e salinas), recolha de matos (montados e ínsuas) e rega, que lhes estão associados. A casa de lavoura ocupa, portanto, aqui, um papel essencial no que respeita à organização do espaço, sendo a cabeça de toda a organização territorial e social. A família é, por isso, o ponto central de reconstituição de um habitat que hoje, em quase tudo, se desmembrou, dando lugar ao planeamento ilógico do espaço ou a simples falta dele.

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A propriedade comum e os baldios serão também alvo de reflexão, sendo muitas vezes centros geradores de conflitos entre nobreza, igreja e povo, fornecendo retirar preciosa informação, acerca da sua organização, uso e direitos seculares. Recorrer-se-á ao estudo do microterritório, chegando à escala da freguesia, do lugar, e mesmo do sítio (definido como um território ainda mais reduzido dentro do lugar), de forma a conseguir aprofundar essas subtis relações de acordo e conflito, entre vizinhos, familiares e forasteiros, que transformaram a paisagem no que ela é hoje, ou naquilo que seria antes do rompimento de lógicas de apropriação e expansão ancestrais, que é necessário compreender.

Vitória Fernanda Schettini Universidade do Minho

Nas margens do Império: produção agrícola no Minho e na Zona da Mata Mineira (século XIX) Sabemos que o interesse pela produção de géneros agrícolas em locais tidos como pouco relevantes para a historiografia é menosprezado por alguns estudiosos, que se fecham em um plano único de análise e acabam por tratar o assunto superficialmente, mesmo reconhecendo que toda a exportação oriunda de um determinado lugar está associada, em muitos casos, a uma agricultura para abastecimento bem organizada. Se esta pode ser a lógica de funcionamento para a freguesia de São Paulo do Muriahé, Zona da Mata Mineira, pode não se aplicar ao Minho, Noroeste Português. No estado actual dos conhecimentos, o que sabe é que são localidades que necessitam de novas pesquisas, dirigidas principalmente para aprofundar a comparação. Assim, levando em consideração que só é possível compreender uma região voltada para a sua matriz, e por acreditar que possam haver traços afins, percebidos como aproximações e/ou distanciamentos, este trabalho tem como objetivo trazer à luz comparativamente, alguns dados de pesquisa relacionados com as duas regiões acima focadas, tendo a produção agrícola como guia. Por ter o espaço brasileiro a liberação da coroa para ser ocupado definitivamente a partir da redução das minas de ouro, foi selecionado o século XIX para esta análise. Porém, deve-se, levar em consideração a forma de ocupação, o manejo e a forma exploração destas terras, porque estes aspectos têm uma relação intensa com a organização do quadro humano dos que ali se fixavam. Obviamente, que, para o caso brasileiro, pesava a presença do trabalho escravo na execução e lida da terra. No Noroeste português, no século XIX, o território estava praticamente todo ocupado pela nobreza e o clero, os quais negociavam as rendas com foreiros que viviam na região, de forma a manterem firmes seus propósitos de senhorio, encurralando os pequenos proprietários, que se submetiam ao poder dos mais fortes. Todavia, nem por isso, deixavam de criar estratégias de sobrevivência, seja com os contratos efetuados, seja com os laços instituídos. Diferentemente, na Zona da Mata Mineira a terra não era um bem escasso como em Portugal, pelo menos até meados do século XIX. Existiam fronteiras abertas a expandir, mas assim como Portugal, a terra seria a grande norteadora das relações estabelecidas pelos que tinham por objetivo ampliar seu património, o que originaria as atividades de mercado, dinamizando uma economia intricada por intermináveis trocas de concessões e favores, consignados via casamentos endogâmicos, casamentos arranjados e apadrinhamentos. Para esta pesquisa usam-se como fontes principais, a remissão dos foros para a margem portuguesa, e os inventários post mortem para a margem mineira. Acreditamos que assim, estaremos mais próximos destas realidades distantes, mas que se ligam por interesses e afinidades.

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SESSÃO II - Políticas públicas e mudanças nos sistemas agro-florestais

Ana Müller Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa

Impactos das políticas agro-florestais nos sistemas tradicionais da paisagem do Norte de Portugal (séculos XIX-XX) Os sistemas agro-pastoris tradicionais constituem uma componente da Paisagem Rural, cuja estabilidade tem sido alterada ao longo do tempo, com principal incidência a partir do fim do século XIX. O presente trabalho constitui uma reflexão sobre a evolução da Paisagem Rural, em particular do Norte de Portugal, enquanto sistema complexo no qual as suas componentes naturais e culturais estão interligadas, reconhecendo-se a importância da evolução das actividades agrícola e pastoril na génese e construção da paisagem actual. Pretende-se, também, avaliar em que medida as políticas de florestação promovidas a partir da Revolução Liberal, e particularmente durante o Estado Novo, bem como a aceitação de um modelo químico-mecânico, dependente de combustíveis fósseis, constituíram factores preponderantes da ruptura destes sistemas tradicionais e, em última análise, da alteração e degradação da Paisagem. A Revolução Liberal definiu as condições de transição de uma economia de subsistência para uma economia de mercado traduzida, nomeadamente, pela desamortização dos territórios comunitários (os baldios), permanecendo activa na corrente política que se verificou a partir do século XX. O Plano de Povoamento Florestal, de 1938, constituiu o reflexo das políticas intervencionistas promovidas pelo regime do Estado Novo, concretizadas através do desmantelamento dos baldios e da sua arborização maciça, principalmente com pinheiro e eucalipto, e geradoras de conflitos sociais e ruptura dos sistemas tradicionais nos quais o baldio desempenhava um papel fundamental. A partir dos anos 40, os processos de migração e abandono do espaço rural, promovidos pela conjuntura económica nacional e internacional, contribuíram de forma determinante para a desagregação da estrutura rural e agrícola. No fim da década de 80, a integração na Comunidade Económica Europeia e a aplicação da Política Agrícola Comum (PAC), veio introduzir novos factores de alteração. Numa primeira fase, através da intensificação agrícola e, numa fase posterior, com a florestação de terras agrícolas, com a introdução das medidas agro-ambientais. Neste estudo, reconhece-se o contributo da história socioeconómica de Portugal para a transformação da Paisagem. As alterações verificadas no âmbito das políticas vigentes durante o século XIX e XX contribuíram, não só para a degradação dos sistemas natural e cultural, mas também para a persistência e o agravamento da dependência externa alimentar. O caso de estudo de Santo Tirso constitui um exemplo paradigmático desta evolução sócio-económica. A desamortização dos baldios existentes neste concelho iniciou-se no fim do século XIX reflectindo-se numa ocupação do solo com a predominância de pinheiro bravo e mais tarde de eucalipto. A ocorrência de incêndios tem aumentado desde os anos 80, afectando sobretudo as áreas declivosas do concelho, revestidas maioritariamente com espécies de rápido crescimento. A proposta no âmbito deste estudo apresenta um modelo de ordenamento assente numa organização da Paisagem Compartimentada, em que a ocupação do solo pelas actividades humanas foi definida com base na sua aptidão ecológica. Este modelo, ao integrar usos potenciais na paisagem, assentou igualmente no pressuposto da

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valorização e diversificação dessas actividades de modo a reverter a situação actual de abandono do espaço rural, cuja estabilidade é determinante para a resiliência dos sistemas naturais mas também da sociedade.

Jorge Manuel Vicente Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, Unidade de Investigação e Serviços de Sistemas Agrários e Florestais e Sanidade Vegetal

Modificações induzidas pelo regadio numa comunidade rural do sueste da Beira Baixa

Nesta comunicação abordam-se as sucessivas alterações na paisagem agrária, que têm vindo a decorrer numa pequena freguesia do Sueste da Beira Baixa (Ladoeiro), associadas ao funcionamento do empreendimento de rega de Idanha- a Nova, que teve início na década de 50 do século XX. A decisão do Estado Novo de construir a barragem de Idanha-a-Nova, no âmbito das políticas públicas em vigor ao tempo, possibilitou uma significativa alteração nos padrões de uso do solo na freguesia do Ladoeiro. Esses padrões do uso do solo tiveram alterações no decurso dos anos, caracterizando-se essencialmente pelo aproveitamento intensivo, que deixou de ser sequeiro e passou a estar, predominantemente, ocupado pela policultura regada. Essa policultura regada contribuiu de forma significativa para o aumento do rendimento das famílias camponesas, sendo o Ladoeiro uma freguesia onde predomina a auto-subsistência, pois o regadio veio possibilitar uma grande diversidade no uso do solo. Continuam a ser sentidos na aldeia os benefícios do regadio, pela possibilidade de se realizarem múltiplas culturas que asseguram a subsistência de um grande número de famílias. A singularidade desta comunidade rural reside no facto de, tendo sido beneficiada pelo regadio, apresentar uma paisagem agrária, que de forma clara, contrasta com as áreas circundantes. Por um lado, a policultura regada caracteriza a ocupação do solo (que no decurso dos anos tem tido alterações na composição), ao contrário do sequeiro extensivo que predomina em toda a região. Por outro lado, enquanto nas áreas circundantes é mais representativo o latifúndio, no Ladoeiro é a pequena propriedade camponesa que assume maior expressão. No entanto, devido ao pequeno número de aldeias abrangidas no âmbito deste perímetro de rega (Ladoeiro e Nossa Senhora da Graça) não decorreram grandes alterações na paisagem agrária a nível regional. As modificações na paisagem agrária confinaram-se a estas duas aldeias. Nelas passou a ter maior relevo a policultura regada, mas a nível regional ainda predomina o sequeiro extensivo.

Eber Quiñonez Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra

Pequena produção agrícola familiar e embate das políticas agrícolas: contribuição para analisar o caso português A pequena produção agrícola familiar é um dos sectores mais importantes na sociedade. Esta é a razão pela qual nesta comunicação se pretende discutir o relacionamento da agricultura familiar com o Estado português, questionando os impactos que as políticas agrícolas têm para os grupos sociais envolvidos. A esta realidade junta-se o facto de o Estado português estar afecto a outra realidade: a da zona europeia, abrangida pelo quadro regulamentar da Política Agrícola Comum (PAC). É a partir desta questão levantada ao longo do texto, que se pretende

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reflectir sobre o embate que este quadro europeu tem nos pequenos produtores agrícolas de carácter familiar. Reúnem-se dados sobre a persistência (de continuar com a atividade no rural) e evidencia-se de uma forma sucinta, as mudanças nas comunidades rurais na configuração do território, no quotidiano da vida das pessoas e, ainda, na mutação da paisagem do mundo rural. Justamente quando se inicia o novo ciclo que engloba o contexto europeu na aplicação do novo período da PAC (2014-2020), faz sentido, discutir o que tem acontecido e quais têm sido os maiores impactos da aplicação das políticas supranacionais para a pequena produção agrícola. Esta é uma situação que supera a própria conexão e regulamentação que o Estado português pode ter face às realidades do campo e, nomeadamente, as dos pequenos produtores. Esta discussão ganha ainda mais pertinência no momento atual, quando se comemora o ano mundial da agricultura familiar, porque esta pequena produção de cariz familiar continua a existir e a produzir grande quantidade de produtos consumidos por uma parte considerável da população. Propomos percorrer três linhas gerais. Primeiro, discutir a construção do conceito do campesinato e da atribuição do atributo de agricultura familiar. Numa segunda linha, reflectir sobre as dicotomias da configuração do país norte-sul e interior-litoral, dando assim corpo à discussão, mostrando de maneira holística, a perceção sobre as mudanças ocorridas nas últimas décadas e analisar as marcas que elas deixaram nos territórios e na memória das pessoas. Na terceira e última linha da discussão, pretendo socializar alguns dados estatísticos que evidenciam as investidas contra as comunidades rurais. Partindo do caso estudado, mostram-se as alterações em três pontos específicos: abandono crescente da terra para cultivo; mudanças nas culturas agrícolas; alterações no escoamento dos produtos agrícolas. Este trabalho procura partilhar alguns resultados de campo obtidos num estudo de caso realizado no Município de Penela, nas proximidades de Coimbra. Procura-se observar, descrever e questionar a partir do relato (testemunhal) do quotidiano dos próprios agricultores familiares, conhecendo as trajetórias de vida e as estratégias para manter a exploração agrícola. A pesquisa assenta num estudo de caso, de base qualitativa. Os resultados foram analisados transversal e longitudinalmente, para evidenciar as mudanças e os impactos que a aplicação das políticas agrícolas trouxe a este grupo de produtores agrícolas, configurando a atividade, relação com a terra e com o mercado por causa do escoamento dos produtos e o mundo rural. Esta análise tem por base, a sociologia rural e a cultura camponesa, que é de cariz familiar e, sobretudo, comunitária.

João Verges Doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Lisboa e Universidade Nova de Lisboa

Territorialização da política nacional sobre mudança no clima em Paranapanema: diálogos em torno da produção de cana-de-açúcar e da agroecologia Este artigo visa delimitar os impactos territoriais da efetivação da política brasileira relativa às mudanças climáticas no Pontal do Paranapanema-SP. Toma-se como caminho de discussão o espaço agrário, procurando contrapor os cultivos dos camponeses e dos grandes produtores de commodities. Em termos de metodologia, baseia-se na colecta de dados primários, secundários e terciários, assim como na revisão bibliográfica. Parte-se do materialismo histórico e dialético, procurando obtemperar as macroestruturas sociais e económicas junto das esferas ambientais contemporâneas. O estudo provém da relação do autor como investigador sobre a realidade da agricultura familiar no Brasil, centrando os seus temas no que corresponde aos assentamentos rurais de reforma agrária no Pontal do Paranapanema – SP.

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Neste ínterim, a Política Nacional sobre Mudanças no Clima no Brasil foi instaurada no ano de 2009, por meio da Lei nº 12.187/2009. Esta perspectiva, diretiva para as ações territoriais, foi concebida sobre os aportes dos compromissos assumidos internacionalmente pelo país, visando a diminuição dos efeitos antrópicos negativos às dinâmicas climáticas. Neste âmbito, tal política fomenta perspectivas económicas e territoriais que servem de mitigação ao aquecimento global, como a produção de cana-de-açúcar, para fabricar etanol no intuito de substituição da queima de combustíveis fósseis. Na região do Pontal do Paranapanema-SP, o cultivo de cana para o mercado de energia cresceu substancialmente, seguindo as diretivas brasileiras de contenção das emissões de CO2. Este processo, em linhas gerais, foi gerador de inúmeras contradições e impactos negativos sobre a produtividade e permanência do campesinato regional. Os camponeses, situados em seus lotes obtidos com o processo de reforma agrária, ficaram subjugados aos problemas ligados à pulverização de agrotóxicos, aos refluxos líquidos que contaminam os solos e o lençol freático, assim como a perda da produtividade pautada na agroecologia que, em sua dinâmica, propõe a agricultura biológica como base dos modos de cultivo. Como exemplo de malefício da produção de cana para os camponeses, verifica-se a ineficiência de suas participações no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do Governo Federal. Este programa visa comprar diretamente aos camponeses os produtos que cultivam, pagando bónus pela produção biológica integrada com os sistemas florestais nativos. Com o avanço do cultivo da cana em grandes propriedades, a contaminação da produção dos assentamentos rurais de reforma agrária foi evidente, impedindo-os de fornecer alimentos com substancialidade ao PAA e, com isso, melhorar suas rendas anuais. A agroecologia praticada nos assentamentos rurais é uma construção histórica, ligada aos movimentos sociais que procuram um novo modelo de sociedade e consumo. Por esta via, pode-se entender este mecanismo de produção como uma proposta adaptativa face às mudanças climáticas, visto que atua nas estruturas do modelo económico hegemónico. Entretanto, a política pública que serve para a contenção de efeitos tidos como danosos para o clima atua territorialmente como veículo de prejuízo para a agricultura camponesa no Pontal do Paranapanema-SP, gerando processos de degradação da produção, da vida e do trabalho, acentuando a pobreza e o êxodo rural.

SESSÃO III – Produzir para abastecer os mercados próximos e distantes

Joana Dias Pereira Instituto de História Contemporânea, FCSH, Universidade Nova de Lisboa

Agricultura familiar, associativismo rural e mercado na transição para o Século XX A última década de oitocentos e as primeiras do século XX correspondem a um período de proliferação de associações voluntárias em todas as esferas, incluindo a produção agrícola. Todavia, ao contrário das instituições de antigo regime e das formas modernas de cooperação agrícola, a acção colectiva nos campos durante esta fase de transição tem merecido menos interesse dos investigadores. Contribuindo para colmatar esta lacuna, nesta comunicação analisam-se em particular as mútuas de seguro de gado e as cooperativas, que surgem no quadro da agricultura familiar do Norte e Centro do País.

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De facto, ainda que a investigação sobre a emergência do associativismo rural durante a crise do liberalismo (a partir de 1890) tenda a privilegiar a intervenção organizada de grandes proprietários (Graça, 1999; Bernardo, 2002) e trabalhadores assalariados (Ventura, 1976; Freire, 2000), as associações mais resilientes, numerosas e amplas em meio rural parecem ter sido as mútuas de gado. Estas organizações agrupavam sobretudo pequenos proprietários e rendeiros (Pinto, 1920; Belo, 1931) que se quotizavam para criar um fundo que assegurasse a compensação em caso de inutilização (por morte, doença ou acidente) dos animais de maior porte (geralmente gado vacum) que fizessem parte da exploração agrícola de um dos membros. A aquisição e manutenção de animais de grande porte estão relacionadas com os rendimentos acessíveis às unidades de agricultura familiar. A análise da cronologia e geografia de proliferação das mútuas mostra que estas se multiplicam e institucionalizam quando existe um quadro legal que o permite. Verifica-se que foram mais numerosas justamente nas regiões em que dominava a pequena propriedade e que foram estrategicamente utilizadas pelas economias familiares para mitigar os riscos inerentes à agricultura de subsistência. O mesmo se verifica no que se refere às cooperativas. Após a promulgação da lei basilar de 2 de Julho de 1867, reconhecendo a cooperação como um modelo eficaz para produzir e comercializar, os pequenos agricultores fundaram diversas associações desta tipologia, que facilitavam a aquisição de sementes, adubos e instrumentos necessário para a exploração agrícola e propunham-se apoiar os seus sócios no escoamento dos bens produzidos. Em alguns casos, constituíam-se, também, como caixas de crédito agrícola mútuo. Argumentar-se-á que os pequenos agricultores puseram em marcha vários projectos de mutualidade e cooperação e que os desenvolveram à margem dos sindicatos agrícolas, as associações propostas pelas elites e apoiadas pelo Estado, o que tem vindo a implicar a sua relativa invisibilidade na produção científica.

Samuel Niza, Daniela Ferreira, Teresa Marat-Mendes, Patrícia d’Almeida & Joana Mourão Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa & ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa

O Ventre de Lisboa. Consumo e produção de biomassa na cidade de Lisboa, no

final do século XIX e início do século XX

Ao encontro do que, no século XIX se designavam os ventres das cidades – os grandes mercados - o metabolismo urbano (conceito desenvolvido na década de 60 do século XX) parte do pressuposto de que, à semelhança dos organismos, as cidades têm diferentes metabolismos. O tamanho e tipo de fluxos metabólicos de uma área urbana são influenciados, entre outros factores, por padrões e intensidade de uso do solo, densidade populacional. O seu estudo aprofundado permite determinar não só a área necessária para fornecer nutrientes (maioritariamente provenientes da produção agrícola e pecuária) para os habitantes, como também a área necessária para reter os resíduos da cidade. Tal como os ecossistemas naturais, o subsistema urbano é dinâmico, não estacionário, o que, consequentemente, leva a uma alteração constante quer dos atores da procura, quer dos fluxos de recursos associados. Um estudo do metabolismo urbano no longo prazo pode descrever melhor esse comportamento. Isto, especialmente quando a quantificação dos volumes de recursos naturais consumidos - que constituem o elemento mais tangível da relação entre as sociedades e a natureza - for acompanhada por uma análise das prioridades que orientaram os decisores, nomeadamente políticas de gestão de recursos naturais, com especial incidência nos produtos agrícolas e pecuários que na sua grande maioria constituem a alimentação humana. Esta comunicação tem por objectivo expor o desenvolvimento de um estudo

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aprofundado e integrado sobre: (i) o consumo de biomassa (representada pelos consumos alimentares, produção agrícola e pecuária) na Área Metropolitana de Lisboa (AML) na época pré-industrial (1890-1920); (ii) a avaliação da estrutura regional e internacional de fornecimento agrícola (city’s hinterland); bem como (iii) os padrões de consumo humano no principal centro urbano à época (a cidade de Lisboa). Os resultados preliminares são apresentados e comparados com os valores de con sumo actual, permitindo avaliar a evolução da pegada ecológica de Lisboa em termos das necessidades de biomassa. No século XIX, as áreas agrícolas metropolitanas que forneciam o ventre da cidade em azeitona, cereais (essencialmente trigo), batata, frutas diversas e ainda uva e vinho seriam em boa parte explorações agrícolas familiares . Contabilizavam-se mais de 1000 quintas e cerca de 200 hortas, segundo o levantamento efectuado através das cartas militares que representavam o território à época. Actualmente, cereais, vegetais e frutas provêem sobretudo do comércio internacional, enquanto o vinho e o azeite são de produção essencialmente nacional. No entanto , esta produção, em contraste com o que acontecia no século XIX, tem origem em grandes explorações comerciais agrícolas. Estas mudanças de origem dos produtos, bem como da tipologia das explorações associadas, reflectem um incremento da pegada ecológica do abastecimento da cidade de Lisboa em produtos alimentares, a que não será naturalmente alheio o aumento da população residente e flutuante.

Pedro Henriques, Leonor Carvalho, Vanda Narciso, Raquel Lucas & Elisa Bettencourt Universidade de Évora Agricultura familiar em Timor-Leste: da colonização portuguesa à restauração da independência A agricultura de Timor-Leste é de pequena dimensão, incorpora poucos factores de produção modernos, está integrada na paisagem e utiliza os recursos naturais disponíveis, é predominantemente destinada à subsistência dos agregados familiares e constitui um modo de vida para as populações das rurais. O objectivo deste trabalho é analisar a evolução da agricultura familiar timorense comparando três períodos: a colonização portuguesa, a ocupação indonésia e pós restauração da independência, que ocorreu em 2002, realçando os principais elementos de mudança em termos da utilização dos recursos e das actividades agrícolas entre estes três períodos. A informação base deste estudo provém das diferentes publicações e estudos feitos sobre o território durante a colonização portuguesa e ocupação indonésia e, mais recentemente, dos diferentes estudos em que os autores participaram. Existem registos escritos de actividade agrícola em Timor-Leste desde o século XVI, embora de forma sistemática somente a partir do terceiro quartel do Século XIX. Falar da história da agricultura em Timor-Leste é o mesmo que falar da história da agricultura familiar, já que esta foi sempre a forma de agricultura dominante. A forma predominante de exploração da terra em Timor-Leste é baseada na estrutura familiar, a qual é determinante na afectação dos recursos naturais disponíveis. Quer a administração colonial portuguesa, quer a administração de ocupação indonésia fizeram concessões de terra tanto a colonos como a instituições privadas. No total, estas concessões representavam uma baixa percentagem da área total disponível para a agricultura e dos respectivos volumes de produção. Ainda hoje, a maior parte da terra utilizada pela agricultura familiar não é titularizada sendo a sua posse e uso regida pelo direito costumeiro.

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Em Timor-Leste existem dois grandes sistemas de agricultura familiar, a agricultura de encosta/montanha e a agricultura de várzea. Em ambos a produção vegetal e animal está organizada em pequenas unidades de produção familiar, cuja área média não excede os dois hectares. Nas culturas vegetais predominam para subsistência a produção de milho, hortícolas, tubérculos e, nas várzeas, arroz. Para rendimento, cultiva-se café, coco, cacau e borracha. Na produção animal dominam em número galinhas, porcos e cabras. Nos animais de grande porte ressaltam búfalos e cavalos, sendo que no princípio do século XX o número de vacas era ainda bastante limitado. A tecnologia utilizada na produção dos diferentes produtos vegetais e animais era bastante rudimentar, tendo ao longo do século XX uma pequena evolução. A transformação dos produtos para autoconsumo é reduzida, limitando-se à secagem de mandioca, milho, arroz e feijão. As culturas de rendimento como café, cacau, coco e borracha, destinadas à exportação, tinham e têm processos de transformação que obedeciam e obedecem a padrões mínimos de qualidade. A comercialização apresentava dois grandes circuitos: o circuito local em que os produtos eram vendidos directamente pelos agricultores nos diferentes mercados/bazares organizados periodicamente nas várias aldeias e sucos; o circuito destinado à exportação, em que dominavam as grandes empresas e os intermediários (estes normalmente de etnia chinesa), que recolhiam a produção nos diferentes sucos e distritos.

Mesa Redonda - Da Família à Empresa. Produzir e Vender

.Isabel Pereira, Xavier Santana Sucessores, Lda. Joana Vida, Casa Agrícola Venâncio da Costa Lima .Joaquim Caçoete, Agricultor

Partindo das experiências de algumas casas agrícolas sediadas no concelho, esta mesa redonda visa discutir as mudanças na agricultura familiar em Palmela desde o século XIX. Apresenta-se o percurso de ligação das famílias à exploração agrícola, referindo, entre outros aspectos, os mecanismos de conexão com os mercados e os impactos das políticas públicas.

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28 de junho (sábado)

SESSÃO IV – Concepções de família e reforma agrária

Elisa Lopes da Silva Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

Colonizar com famílias, colonizar as famílias: colonização interna no Portugal contemporâneo Na história de Portugal dos séculos XIX e XX, a colonização interna, enquanto projecto estatal de administração populacional e territorial, que pretende povoar os terrenos considerados desérticos e mal povoados, sobretudo do Alentejo, assentou, duplamente, na noção de família. Neste sentido, a comunicação pretende abordar, em primeiro lugar, como é que a família se constituiu como unidade económica de produção e trabalho específico do projecto de colonização interna. A colonização interna, defendida pelo menos desde o memorialismo agrário dos finais do século XVIII, fundou-se na ideia de superioridade (económica, social e política) da pequena propriedade, ideia que ganhou propagandistas à medida que a grande propriedade no Alentejo se consolidou. Progressivamente, neste discurso, a defesa da pequena propriedade vai se identificando com a exploração familiar, o que se procurará atribuir, em grande medida, à complexificação dos dispositivos de ordenamento social implicados no projecto colonizador. A colonização interna do Projecto de Fomento Rural de Oliveira Martins, ainda que estivesse sustentada numa determinada concepção de sociedade, de economia e do papel do Estado na relação com ambas, não continha ainda os propósitos de engenharia social que o desenvolvimento da doutrina colonizadora vai ter no século seguinte. Só nos primeiros decénios do século XX, a exploração familiar é directamente assumida como a forma principal de colonização dos baldios e dos incultos do Alentejo pelos propagandistas da colonização interna, como Ezequiel de Campos, mas sobretudo para reformistas conservadores, como Basílio Teles. A união da família à terra que cultiva, enquanto forma privilegiada de colonização, vai ter a sua consagração jurídica com o casal de família (1919), uma forma moderna de vinculação da terra, mais tarde transmutado, com a política colonizadora do Estado Novo, em casal agrícola (1930 e 1948), que visava assegurar a indivisibilidade e inalienabilidade da pequena propriedade familiar. Assim, nesta comunicação pretende-se, em primeiro lugar, abordar a colonização interna em Portugal enquanto política de gestão populacional e territorial do espaço nacional assente na família, aqui entendida enquanto unidade económica de produção e trabalho essencial do projecto colonizador do reformismo agrário e, sobretudo, da política de colonização do Estado Novo. Em segundo lugar, pretende-se abordar a concepção de família implícita nos discursos e nas práticas colonizadores do Estado Novo, mas também, e principalmente, as técnicas políticas e sociais de construção da família colonizadora. Assim, num segundo momento desta comunicação analisar-se-á o tipo ideal de família seleccionado para os cerca de 512 casais agrícolas das sete colónias agrícolas construídas durante os anos 40 e 50 do século XX pelo Estado Novo, mas sobretudo atender-se-á às técnicas de construção da família idealizada. Privilegiando, a análise das formas de produção da diferenciação de género, abordar-se-ão os poderes e as acções das visitadoras familiares rurais presentes nas colónias agrícolas, os cursos de domesticidade ministrados às colonas ou os cursos técnicos de agricultura para os colonos.

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Teresa Nunes Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa

Casal de Família: polémicas e propostas (1891-1910) Nos últimos vinte anos da monarquia constitucional, a agricultura portuguesa foi objecto de um intenso debate, ao qual não eram alheias a conjuntura financeira da década de noventa e o défice da balança comercial. Não menos relevante, foi também a degradação das condições sociais particularmente premente no espaço urbano, em virtude do acréscimo demográfico, nem sempre transformado em mão-de-obra activa ou emigração. Estas realidades, subsidiárias da subida do desemprego em contexto citadino e propiciadoras de pobreza e intranquilidade nas cidades, em particular, na capital, suscitavam a atenção dos agentes políticos da época, de natureza transversal no espectro partidário monárquico e anti-monárquico, em torno do apuramento das causas subjacentes aos fluxos internos e respectivas consequências. Uma das repercussões intrínsecas ao esforço então conduzido reflectia-se na polémica associada ao enquadramento jurídico excepcional a conferir à propriedade rústica de pequenas dimensões, na esteira da importação metamorfoseada do homestead, através do qual se pretendia, entre outros: salvaguardar a estrutura familiar em ambiente rural, dissuadir os fluxos internos, impulsionar a produção agrícola portuguesa, dinamizar as economias e os mercados regionais. O objectivo deste trabalho reside na identificação das propostas apresentadas em prol do Casal de Família no período compreendido entre 1891 e 1910, em particular as fórmulas diversas concebidas no âmbito das forças partidárias monárquicas, Partido Regenerador, Partido Progressista, Partido Regenerador Liberal e Partido Nacionalista (da responsabilidade de Bernardino Machado, Moreira Júnior, Elvino de Brito, Aristides Moreira da Mota, António Lino Neto e Padre Himalaya, respectivamente). Pretende-se contextualizar essas iniciativas, caracterizar os seus objectivos e os fundamentos teóricos, bem como analisar os mecanismos de salvaguarda consignados para a preservação desta propriedade rústica. Por último, procura-se averiguar o impacto político e social dessas iniciativas, sem esquecer o legado das mesmas no âmbito das tentativas de reforma da propriedade desenvolvidas no decurso da Primeira República.

Ana Luísa Micaelo Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

A cana, a roça e o orgânico: uso e transmissão da terra num assentamento de reforma agrária na Zona da Mata de Pernambuco Esta apresentação sustenta-se numa pesquisa etnográfica sobre o modo como a terra tem sido incorporada nos projectos familiares dos assentados da Zona da Mata de Pernambuco, pessoas a quem foi atribuída uma parcela de terra no decorrer do processo de reforma agrária que, nos últimos 20 anos, tem tido particular incidência nesta região do Nordeste do Brasil. Numa primeira parte serão apresentadas, sucintamente, as condições de acesso à terra, que passaram por uma série de ocupações de um antigo engenho de cana-de-açúcar, o Engenho Arupema, até à criação do Assentamento Arupema, em 1998. As diferentes condições de chegada a Arupema, mediante se tratem dos antigos moradores do engenho ou de trabalhadores assalariados que haviam sido mobilizados pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), foram significativas para a forma como o assentamento se foi constituindo ao longo do tempo, tanto no que se refere aos modelos de organização residencial e produtiva do espaço (construção das casas nas parcelas ou em agrovila), como

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nas dinâmicas sociais e políticas que se têm vindo a desenrolar desde então. Neste sentido, a ênfase sobre o plantio de árvores de fruto e a construção ou manutenção da casa nas respectivas parcelas permite-nos compreender importantes rupturas, mas também algumas continuidades que se estabelecem por relação ao antigo espaço social do engenho, assim como às noções locais de posse da terra neste contexto tão estruturalmente marcado pela concentração de terras e plantação de cana-de-açúcar. Numa segunda parte, irei descrever os diversos cultivos agrícolas que existem nas parcelas das famílias assentadas em Arupema, como sejam os plantios de cana-de-açúcar, a roça (cultivo de mandioca) ou as hortas de produtos biológicos (o orgânico), entre outros. A estes diferentes cultivos correspondem não apenas localizações e durações diferenciadas, mas também diferentes técnicas e modalidades de trabalho e comercialização. Estas são características a ter em conta quando procuramos compreender a economia doméstica destas famílias, mas também as categorias locais através das quais os assentados da Zona da Mata de Pernambuco constroem e recriam a sua relação com a terra dentro do assentamento. Dado que a sucessão não está prevista neste processo de reforma agrária, apesar de ser uma das preocupações mais recorrentes das comunidades camponesas, argumentarei então que o trabalho nas hortas e roças, assim como a plantação de árvores de fruto e a construção das novas casas no terreiro, são o modo pelo qual as famílias de Arupema garantem a transmissão da posse da terra para os seus filhos, construindo na parcela o lugar da família e, assim, a própria família.

Mesa Redonda – O que é a agricultura familiar?

Aida Valadas de Lima ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa Manuel Belo Moreira Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa

Rui Santos Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa

Reunindo investigadores com diferentes formações disciplinares e diversas experiências de pesquisa, nesta mesa redonda analisa-se o conceito de agricultura familiar em perspectiva histórica. Discutem-se, entre outros aspectos, as mudanças na organização familiar, nas práticas agrícolas e nas condições de acesso à terra verificadas em Portugal.

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SESSÃO V - Dinâmicas de parcelamento e emparcelamento na alvorada do Século XX

Ana Silveira Câmara Municipal do Seixal

Quinta da Palmeira no Seixal nas estratégias empresariais da Família Almeida Lima na transição século XIX/século XX: pluriatividade e inovação Em resultado da extinção das ordens religiosas masculinas, em 1834, a Quinta da Palmeira, localizada no concelho do Seixal (margem esquerda da ribeira de Coina), outrora incluída no património do Mosteiro de Santa Maria de Belém, viria a integrar uma estrutura empresarial então constituída por Abraham Wheelhouse. Este adquiriu, em hasta pública, diversas propriedades na zona de Almada, Azeitão, Barreiro e Seixal, as quais lhe permitiram consolidar os seus interesses, centrados no setor moageiro. Efetivamente, este cidadão de origem inglesa tornou-se proprietário de, pelo menos, dois moinhos de maré, o da Quinta da Palmeira no Seixal e o do Braamcamp no Barreiro (tinha dez casais de mós e era o maior do estuário do Tejo). Pertencia-lhe, igualmente, o moinho de vento do Mexilhoeiro, no Barreiro, cuja produção era canalizada para uma fábrica de bolachas, que o mesmo indivíduo instalou no antigo Convento de S. Francisco em Lisboa, que também foi adquirido à Fazenda Nacional. Seu neto, Jorge Abraham d’Almeida Lima, que lhe sucedeu nos negócios, notabilizou-se pelas inovações introduzidas na gestão da Quinta da Palmeira, tendo sido premiado em diversos certames internacionais pelas produções de vinho, rosas, cera e azeite. A veia empreendedora da família Almeida Lima terá sido, igualmente, influenciada pelo avô paterno de Jorge Abraham, Domingos José d’Almeida Lima, um dos sócios fundadores da Companhia das Lezírias do Tejo e do Sado e um dos maiores compradores de bens nacionais, confiscados às ordens religiosas extintas pelo Decreto de 30 de Maio de 1834. Alicerçamos a investigação, que se apresenta nesta comunicação, num conjunto de documentos escritos inéditos, relativos à gestão patrimonial da família, conciliados com informação bibliográfica relacionada com a actividade desenvolvida por associações agrícolas na transição do século XIX para o século XX e, também, com a organização de exposições internacionais. Apoiamos, ainda, a investigação num significativo conjunto de documentos fotográficos da autoria do próprio Jorge Almeida Lima (conservados no Arquivo de Fotografia de Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian e no Ecomuseu Municipal do Seixal), retratando as diversas actividades agrícolas desenvolvidas por esta família, na Quinta da Palmeira em particular. Esta documentação permite reconstituir estratégias empresariais e investimentos, que marcaram e notabilizaram a gestão do proprietário no contexto da modernização da agricultura portuguesa que teve lugar neste período.

Maria Leonor Campos Câmara Municipal de Palmela

Representações da agricultura familiar em Algeruz: de zona estuarina do Sado a terra cultivada A Herdade de Algeruz (concelho e freguesia de Palmela), que se localiza na antiga zona estuarina do Sado, resulta da união de várias fazendas desamortizadas no contexto das políticas liberais de Oitocentos. O processo de constituição desta grande propriedade, com cinco mil hectares, decorreu entre as décadas de 40 e 60 do século XIX.

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Ao longo de século e meio, a herdade foi gerida de diferentes formas, ilustrando em alguns dos momentos um modelo singular de modernidade, com o uso do solo ao serviço das culturas orizícola e vitivinícola. À semelhança do que aconteceu em outras herdades localizadas no concelho de Palmela, entre finais do século XIX e inícios do século XX, parte destas terras foi dividida em pequenas parcelas, que foram atribuídas a colonos. Existem dois núcleos de colonização, estabelecidos em dois momentos diferentes, que permitiram a fixação de dezenas de famílias, assegurando disponibilidade de mão-de-obra para as épocas de maior intensidade de trabalho na herdade. Partindo de uma representação cartográfica da herdade, nesta comunicação analisam-se os processos de implantação destas áreas de colonização no território e no quadro de organização da exploração da terra desta grande propriedade. Num passado recente, anos 90 do século XX, Algeruz foi novamente desmembrada em lotes e vendida, sendo agora o antigo Monte de Algeruz um empreendimento turístico. Já no início do século XXI, foi ali instalado um projecto museológico, tutelado pelo Município de Palmela, o Núcleo Museológico da Vinho e do Vinha, entretanto, encerrado, em 2011.

Carlos Manuel Faísca & João Correia Município de Ponte de Sôr

A colonização interna no Alto Alentejo em finais do século XIX A temática da colonização interna do Sul de Portugal, e em particular do Alentejo, tem sido abordada pela historiografia portuguesa sobretudo para o período do Estado Novo, altura em que foi criado um organismo próprio (Junta de Colonização Interna), ao qual competia executar os planos de colonização, assentes num extenso corpus legislativo, que, na prática, ficaram por executar (Baptista 1993, Silva 2011, Freire 2012). Menos conhecido é o fenómeno de colonização espontânea que, desde finais do século XIX, foi promovido por alguns grandes proprietários do Sul com o objectivo aparente de fixar força de trabalho, através do aforamento de parcelas de terras a famílias frequentemente vindas de outras regiões (Baptista 1995). A historiografia nacional tem, igualmente, produzido pouco conhecimento sobre algumas tentativas, anteriores ao período republicano, de estabelecimento de colónias agrícolas por iniciativa do Estado. Esta comunicação propõe-se realizar uma primeira abordagem a dois casos de colonização no Alto Alentejo, que ocorreram entre o final do século XIX e o início do século XX. Referem-se a criação, por parte do Estado, de uma colónia agrícola na Herdade do Vale do Serrão, freguesia de Seda, concelho de Alter do Chão e, também, a fundação da localidade de Foros de Arrão, concelho de Ponte de Sor, hoje sede de freguesia. Neste último caso, a tradição oral atribui a origem da localidade a um conjunto de aforamentos, realizados em 1912 pelo proprietário, Pedro Aleixó Falcão, da Herdade do Arrão. O objectivo desta comunicação passa, então, por apresentar as informações que temos vindo a recolher sobre estes dois casos e, sobretudo, discutir métodos e fontes para o aprofundamento do estudo destes casos, inserindo-os na problemática da colonização do Alentejo anterior ao Estado Novo.

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Contactos dos participantes no IV Encontro RuralRePort:

Nome E-mail Aida Valadas de Lima [email protected]

Ana Luísa Micaelo [email protected]

Ana Müller [email protected]

Ana Silveira [email protected]

Carlos Faísca [email protected]

Eber Quiñorez [email protected]

Elisa Bettencourt [email protected]

Elisa Lopes da Silva [email protected]

Fabíola Pires [email protected]

Inês Amorim [email protected]

Isabel Pereira [email protected]

Isabel Rodrigo [email protected]

Joana Dias Pereira [email protected]

Joana Vida [email protected]

João Correia [email protected]

João Verges [email protected]

Joaquim Caçoete [email protected]

Jorge Vicente [email protected]

José Vicente Serrão [email protected]

Leonor Carvalho [email protected]

Manuel Belo Moreira [email protected]

Margarida Sobral Neto [email protected]

Maria Leonor Campos [email protected]

Pedro Henriques [email protected]

Raquel Lucas [email protected]

Rui Santos [email protected]

Samuel Niza [email protected]

Teresa Nunes [email protected]

Teresa Rosendo [email protected]

Vanda Narciso [email protected]

Vitória Schettini [email protected]

Contactos da Comissão Organizadora do IV Encontro RuralRePort:

Nome E-mail Dulce Freire [email protected]

Ana Margarida Rodrigues [email protected]

Carlos Faísca [email protected]

Maria Teresa Rosendo [email protected]

Maria Leonor Campos [email protected]

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Localização do IV Encontro RuralRePort:

Local: Auditório da Biblioteca Municipal de Palmela

Biblioteca Municipal de Palmela, Largo de São João, 2950-204 Palmela

Contactos: Tel.: 212 336 632 / [email protected]

Mapa Google: http://goo.gl/maps/AswwJ