Jaime Cubero: uma trajetória de práticas libertárias … 03 – Jaime Cubero no Jornal O Globo...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO MAÍRA MORAES DOS SANTOS Jaime Cubero: uma trajetória de práticas libertárias para a educação e para a vida São Paulo 2015

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MAÍRA MORAES DOS SANTOS

Jaime Cubero:

uma trajetória de práticas libertárias para a educação e para a vida

São Paulo 2015

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MAÍRA MORAES DOS SANTOS

Jaime Cubero:

uma trajetória de práticas libertárias para a educação e para a vida

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo para obtenção do título de mestre em Educação, na área de Cultura, Organização e Educação. Orientadora: Profª Dra. Doris Accioly e Silva

São Paulo 2015

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial desde trabalho, por qualquer

meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a

fonte.

Catalogação na Publicação

Serviço de Biblioteca e Documentação

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

377.3 Santos, Maíra Moraes dos

S237j Jaime Cubero: uma trajetória de práticas libertárias para a educação e

para a vida / Maíra Moraes dos Santos; orientação Doris Accioly e Silva.

São Paulo: s.n., 2015.

190 p. ils.; tabs.; anexos

Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Educação.

Área de Concentração: Cultura, Organização e Educação) - - Faculdade

de Educação da Universidade de São Paulo.

1. Jaime Cubero 2. Educação 3. Anarquismo 4. Educação Libertária

5. Centro de Cultura Social I. Accioly e Silva, Doris, orient.

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Nome: Maíra Moraes dos Santos

Título: Jaime Cubero: uma trajetória de práticas libertárias para a educação e

para a vida

Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo para obtenção do título de mestre em Educação, na área de Cultura, Organização e Educação. Orientadora: Profª Dra. Doris Accioly e Silva

Aprovada em: 05/10/2015.

Banca Examinadora:

Prof. Dr. __________________________Instituição_____________________

Julgamento:_______________________Assinatura____________________

Prof. Dr. __________________________Instituição_____________________

Julgamento:_______________________Assinatura____________________

Prof. Dr. __________________________Instituição_____________________

Julgamento:_______________________Assinatura____________________

Prof. Dr. __________________________Instituição_____________________

Julgamento:_______________________Assinatura____________________

Prof. Dr. __________________________Instituição_____________________

Julgamento:_______________________Assinatura____________________

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À

Jaime Cubero, por sua maestria artesanal

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Agradeço...

ao Jaime Cubero, por sua existência única, singular, significativa e sua afetividade que chegou a mim por todo o processo da pesquisa.

Não tive o prazer de vivenciar nenhum momento ao seu lado, mas hoje, sua trajetória é parte integrante da minha pessoa.

à minha orientadora Doris Accioly e Silva, pelas nossas conversas, pela disponibilidade e receptividade com que recebeu a mim e a minha pesquisa, às taças de vinho e

xícaras de chá que dividimos nos encontros para melhor desenharmos essa pesquisa.

à leitura generosa e às ricas contribuições recebidas pelos professores Antônio Valverde, Christina Lopreato e Marcos Tarcisio Florindo durante a qualificação.

à família Cubero's (imensamente): Parmênides, Maria, Maruja, Eanne e pequena Sofia. Acolheram-me em suas casas, em suas vidas e compartilharam comigo suas histórias e memórias, não há como

descrever essa gratidão.

Ao Nilton Melo e à Miquelina Veiga, por compartilharem comigo as suas memórias.

Agradeço a minha família, sem a qual não sou...

minhas avós e avôs: Ana, Valdemar, Carmela e Osias responsáveis pela minha possibilidade de existência, sempre me incentivando a seguir meus sonhos.

minha mãe, Sandra Maria Moraes, minha amiga e companheira com a qual divido todos os meus anseios e desejos, uma ouvinte atenta às minhas leituras.

meu pai, Marcos Ferreira dos Santos, por sua orientação, compreensão e por ser uma referência, não só bibliográfica, mas de vida.

meus irmãos: Gibran e Lucas, amados companheiros que com suas brincadeiras alegram meu viver.

Solange Cleide Francisco meu socorro sempre disponível, paciente e cheio de carinho.

Ana Estrella, amiga e confidente e revisora para todas as ocasiões.

Paulo, companheiro de sonhos e desejos.

Também sou grata...

às pessoas do Centro de Cultura Social, da Biblioteca Terra Livre, Casa da Lagartixa Preta, Núcleo de Estudos Libertários Carlos Aldegheri e demais coletivos libertários que abriram espaço para vivenciar

e compartilhar práticas libertárias.

aos participantes e monitores das atividades do Lab_arte da FEUSP que proporcionaram vivências únicas, onde educação, arte e cultura não possuem fronteiras.

aos funcionários e docentes da FEUSP, em especial os professores Rogério de Almeida e Elizabeth Braga.

aos inúmeros docentes que contribuíram e contribuem com minha formação e constantes transformações, nesse caminho infinito da aprendizagem.

E finamente, grata

à enorme paciência das pessoas que conviveram ao meu lado ao longo desse processo do mestrado, aos alunos, aos colegas de trabalho, todos que acompanharam tanto os momentos de felicidade e

superação, como os momentos de desespero e aflição que esse conhecimento institucionalizado nos proporciona.

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Resumo

SANTOS, Maíra Moraes dos. Jaime Cubero: uma trajetória de práticas libertárias para a educação e para a vida. 2015. 185 f. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015

A presente dissertação busca compreender a trajetória de Jaime Cubero

(militante anarquista brasileiro que viveu entre os anos de 1926 e 1998) cuja

existência constituiu um paradigma de práticas libertárias para a educação e para a

vida. Tal trajetória é esclarecedora das próprias concepções anarquistas no Brasil e

de que maneira estas são inseparáveis das lutas anarquistas internacionais. Os

fundamentos metodológicos são provenientes das técnicas da História Oral Hibrida e

das pesquisas das Ciências Sociais a partir de 1950, com registros gravados. Para

sua realização foram coletados depoimentos de militantes e familiares de Jaime

Cubero, depoimentos publicados anteriormente sobre ele, por meio dos quais é

revelada sua dimensão de mestre, ou seja, de quem forma sujeitos a partir de sua

própria condição tríplice: educador-narrador; educador-artesão; e educador das

escolhas. Os desdobramentos de tais práticas são observados na vida e

pensamento daqueles que optaram pelos princípios libertários a partir de seus locais

de trabalho e de sua vida cotidiana. As lições de Jaime Cubero são também muito

importantes como crítica da educação e do ensino atuais.

Palavras-chave: Jaime Cubero – Educação – Anarquismo – Educação Libertária –

Movimento Anarquista

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Abstract

SANTOS, Maíra Moraes dos. Jaime Cubero: A trajectory of libertarian practices for education and life. 2015, 185 f.Thesis (Master's degree). School of Education, University of São Paulo. São Paulo, 2015.

This presentation has as subject matter Jaime Cubero’s (brazilian anarchist

militant Who lived from 1926 to 1988) path, whose existance has constituted a

paradigm of libertarian practices to education and life. Such trajectory is enlightening

of the own brazilian anarchist conceptions and how they are inseparable from

international anarchist fights. The methodological basis is originated from Hibrid Oral

History techniques and from Social Sciences researchs since 1950, with recorded

data. To be made, speeches from militants and Cubero’s relatives were collected,

early public speeches about Jaime Cubero, where his dimension as a master is

revealed, in other words, the one who form individuals from his own triple condition:

educator-narrator; educator-artisan; and choice educator. The outcomes of those

practices are observed in the life and thoughts of those who have chosen the

libertarian principles in their workplace and daily life. Cubero’s lessons are also very

important as a critic to current education and teaching.

Key-words: Jaime Cubero – Education – Anarchism – Libertarian Education –

Anarchist Movement

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Sumário

ITINERÁRIO DE FORMAÇÃO: prenúncios da investigação.................................................13

Escolhendo Sementes................................................................................................17

Capitulando.................................................................................................................18

CAPÍTULO I - Adubação Teórico-Metodólogica.....................................................................23

1.1 Fontes da Pesquisa.........................................................................................23

1.2 Metodologia para entrevistas..........................................................................26

1.3 Inspirações interpretativas..............................................................................33

CAPÍTULO II – Arando Conceitos..........................................................................................37

2.1 Brotando Jaime...............................................................................................52

CAPÍTULO III - Trajetória de Jaime Cubero, irrigada pelos depoimentos..............................57

3.1 Gerações em constante renovação................................................................57

3.2 O Centro de Cultura Social – CCS.................................................................62

3.3 Princípios do movimento anarquista na perspectiva de Jaime Cubero..........73

3.4 Questão sindical.............................................................................................82

3.5 Jaime Cubero: uma referência.......................................................................86

3.6 Imanência, Transcendência e Religião..........................................................92

3.7 Outros espaços de atuação..........................................................................101

3.8 A questão do feminino, do amor livre e da família.......................................108

3.9 Referências para Jaime Cubero...................................................................121

3.10 O cotidiano reforçando ideais.......................................................................123

3.11 Pedagogia libertária na trajetória e prática de Jaime Cubero.......................130

CAPÍTULO IV - Florescendo Ideias.....................................................................................143

4.1 Jaime Cubero um educador-narrador:..........................................................143

4.2 Jaime Cubero um educador-artesão:...........................................................144

4.3 Jaime Cubero um educador das escolhas:..................................................146

COLHENDO FRUTOS..........................................................................................................151

CRONOLOGIA.....................................................................................................................155

APÊNDICES.........................................................................................................................165

1. Quadro das participações de Jaime Cubero em eventos.............................165

2. Mitos de origem - narrativas dos começos....................................................169

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................179

ANEXOS – Roteiros das entrevistas....................................................................................189

Índice de Imagens

Imagem Capa – Janela – Robert Delaunay (1912-1913)

Imagens 01 – Jaime Cubero compartilhando conhecimento com público mais jovem.........61

Imagem 02 – Fachada do CCS..............................................................................................73

Imagens 03 – Jaime Cubero no Jornal O Globo – Matéria de 13/MAI/1957.........................86

Imagens 04 – Piquenique de 1° de Maio em 1943 .............................................................101

Imagens 05 – Nosso Sítio em Mogi das Cruzes SP.....................................................105-106

Imagens 06 – Calçados Cuberos LTDA...............................................................................108

Imagens 07 – Jaime Cubero e Maria Cubero...............................................................108-109

Imagem 08 – Jaime Cubero e Francisco Cuberos no sítio anos de 1990...........................110

Imagens 09 – Carteira de Saúde de Maria Cubero de 1947................................................114

Imagens 10 – Entrevista-encontro-conversa com Maria Cubero AGO/2014.......................115

Imagem 11 – Dedicatória.....................................................................................................126

Imagem 12 – Jaime Cubero e Parmênides JAN/1972 no sítio............................................131

Imagem 13 – Caderneta – início..........................................................................................133

Imagem 14 – Caderneta – prova livre..................................................................................134

Imagens 15 – Caderneta – Encerramento...........................................................................134

Imagem 16 – Jaime Cubero / 29 de agosto de1992............................................................153

Imagens 17 – Jantar – Seminário de Educação Libertária – SC.........................................177

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Jaime e seu jardim1

Doris Accioly e Silva

no ofício múltiplo de sábio e sapateiro um homem se cria palmilhando pregos, sonhos, lutas e sentidos nascidos da dura dignidade da matéria seu olhar de horizonte abraça o perto que foge em invisível delicadeza e o que nos acena lá longe como impossível e alheio sendo nosso residente no ouvir acolhe o outro que então se reconhece. a palavra em alteridade é maré de epifanias convive com os bens simbólicos que lhe chegam através das eras como pássaros e constelações cultiva estranhas flores no limiar dos abismos na improvável praia pressentida entre o horror, o cosmos, a radical liberdade e a mais terna compreensão dos seres

1 REVISTA VERVE, 2008, p. 251-252

2 Noção foucaultiana da vida como obra de arte.

3 O roteiro utilizado nas entrevistas, bem como os pontos da conversa com Maria Cubero, seguem no

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Itinerário de formação: prenúncios da investigação

Toda vez que respondo à pergunta: o que me trouxe até aqui? Estou respondendo pelo meu destino, estou dialogando com potências que

me formaram como sou.

Marcos Ferreira Santos & Rogério de Almeida

Refletindo ao longo da investigação sobre minha própria trajetória, após já ter

reorganizado minhas lembranças na construção do memorial (apresentado no

exame de qualificação) compreendi melhor que a decisão de seguir com o mestrado

não foi projetando um futuro, foi antes, um compromisso com um passado, com meu

itinerário de formação (FERREIRA-SANTOS & ALMEIDA, 2012). Para compreender

o olhar com o qual a investigação é construída, não basta observar as referências

bibliográficas, é necessário compreender o percurso que a antecede.

A formação familiar; as brincadeiras favoritas; as interfaces culturais com o

teatro e a dança; a relação com a escola e com a figura de professor – presente na

escola e em casa; a participação em projetos autogeridos de educomunicação;

pesquisas realizadas na graduação; e as experiências profissionais públicas e

privadas: com questões ambientais, práticas administrativas; pesquisa de campo;

docência; coordenação de projetos sociopolíticos; consultoria de negócios em uma

instituição de fomento, etc. Contribuíram de forma vivencial para realização dessa

pesquisa. Para uma identificação profunda entre quem pesquisa e o que se

pesquisa.

O anseio em estreitar as ligações entre a biografia e a pesquisa é

reconhecido por C. Wrigth Mills que desenvolveu essa possibilidade como método

de pesquisa, intitulado imaginação sociológica, embora não seja restrito ao campo

da sociologia:

É a capacidade de ir das mais impessoais e remotas transformações para as características mais íntimas do ser humano – e ver as relações entre as duas. Sua utilização se fundamenta sempre na necessidade de conhecer o sentido social e histórico do indivíduo na sociedade e no período no qual sua qualidade e seu ser se manifestam. É por isso, em suma, que por meio da imaginação sociológica os homens esperam, hoje, perceber o que está acontecendo no mundo, e compreender o que está acontecendo com eles, como minúsculos

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pontos de cruzamento da biografia e da história, dentro da sociedade.” (MILLS, 1975, p. 13-14)

Exercitando a imaginação sociológica, um simples oscilar de canais na

televisão, na leitura das manchetes de jornal, nos assuntos mais citados na internet,

nas conversas dentro dos meios de transporte, nos bares e nas ruas, tudo denuncia

a banalização da vida, a intensificação da coisificação do homem, um consumismo

que consumiu o próprio sentido da existência. O descaso com o outro, com a

natureza, a não percepção do todo. São aspectos da contemporaneidade, da

violência e degradação desenfreada que nos assola.

No âmbito do ensino e da educação escolar – vivenciado como aluna, como

docente e como membro da sociedade atual, de onde todos podem observar – é

possível se deparar com um cenário onde, com raras exceções, os docentes já não

conseguem estimular o desejo pelo conhecimento. Em muitos casos, isso ocorre

pois esse desejo não foi despertado nem no corpo docente que passa a enfrentar

seu oficio no mesmo patamar de outros trabalhos assalariados sem necessário

engajamento, mas como mera forma de subsistência. Parece improvável um escrito

dos anos de 1790 refletir tal situação, mas em Willian Godwin pode-se encontrar

parte da justificativa de tais ocorrências:

Aquele que aprende porque deseja fazê-lo ouvirá as instruções que recebe e aprenderá o seu significado. Aquele que ensina porque deseja fazê-lo cumprirá suas tarefas com entusiasmo e energia. Mas no momento em que uma instituição política tomar a seu cargo a tarefa de indicar o lugar que cada homem deve ocupar, todos passarão a desempenhar suas funções com indiferença e preguiça. (1981, p.248)

Somado a esse quadro de indiferença e preguiça que se torna cada dia mais

nítido nas instituições de ensino públicas e privadas (e em diversas outras

instituições e relações de trabalho), o ambiente escolar tem reencenado em sua

estrutura os aspectos da contemporaneidade relatados acima. Isso se evidencia nos

casos, cada vez mais recorrentes e alarmantes de violência de alunos contra

professores e entre eles. Violência não só física, mas implícita em frases como:

“Professor, você não tinha mais o que fazer em casa, porque você veio?”, “Sou eu

quem pago seu salário. Que nota é essa que você me deu?”. O número expressivo

de professores afastados por transtornos psíquicos, reabilitados que não podem

ouvir o barulho do sinal da escola que entram em estado de pânico, são casos

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frequentes. O apelo da sociedade de consumo e a incompatibilidade salarial da

categoria de professores os direcionam à jornadas exaustivas de trabalho, 12 ou até

14 horas/dia, divididas em mais de uma unidade escolar. Cobranças de ordem

meramente burocráticas totalmente desvinculadas da atividade de ensinar

consomem os horários reservados para o chamado planejamento pedagógico. Tais

circunstâncias constrangem o exercício da docência, embora felizmente, apesar de

todas essas limitações ainda haja alguma resistência. Ainda há quem vença esses

obstáculos e realize trabalhos que resgatam sentidos e torna a aprendizagem um

processo significativo e prazeroso ao docente e ao aprendiz.

Embora atual, nos relatos de Herbert Read, já está expressa a falta de sentido

e a desumanização presentes na década de 1950 resultados de um longo caminho

percorrido na educação formal. Nesse caso, ele indica uma educação artística, com

base libertária, como possível solução para a retomada dos sentidos da existência:

As reivindicações cada vez mais energéticas para que seja dado um maior destaque à educação artística não são provocadas apenas pelo desejo de utilizar a arte como um meio de dar à criança uma personalidade mais equilibrada: a integração que se deseja obter é a integração da criança com o grupo e com a comunidade em que vive. Nunca nos atrevemos a pesquisar as possíveis ligações entre o estado caótico de nossa civilização e o nosso sistema de ensino. Se nossas escolas estivessem formando personalidades que pudessem ser descritas como equilibradas, integradas e harmoniosas, certamente não admitiríamos viver num estado de permanente desunião e desconfiança mútua. Deveríamos, portanto, reexaminar toda a nossa tradição de ensino desde a Renascença e ter a coragem de perguntar a nós mesmos se, de uma maneira geral, ela foi capaz de produzir indivíduos cuja serenidade lhes permitia viver harmoniosamente. É possível que nos víssemos forçados a admitir que na nossa exclusiva preocupação em acumular conhecimentos científicos, deixamos de cultivar as qualidades humanas ligadas aos aspectos emocionais e integrativos do ser humano e criamos monstros desumanos, alguns com órgãos de inteligência gigantescamente aumentado, outros completamente atrofiados. Não faço afirmações científicas: apenas constato que em certas áreas ainda não tivemos coragem suficiente para questionar as pressuposições de nossa tradições acadêmicas e que ao mesmo tempo essas pressuposições estão claramente ligadas ao caráter de nossa civilização.” (READ, 1981, p. 264)

A partir dessas percepções aflitivas sobre educação e ensino na realidade

escolar, buscava com o mestrado dar continuidade à pesquisa realizada na

graduação sobre pedagogia libertária, que já tinha me alimentado com uma visão

antagônica às ocorridas em salas de aula. E para recortar com clareza um objeto de

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pesquisa, capaz de saciar meu desejo de propagar e aprender mais sobre essa

vertente, foi sugerido por meu pai pesquisar sobre Jaime Cubero pois a partir de sua

trajetória seria possível identificar as concepções e práticas libertárias de educação

sem necessário vínculo institucional ou escolar.

Como Jaime Cubero faleceu em 1998, meu encontro com ele se deu pela

leitura de seus escritos, entrevistas e outros textos que o citavam. Encontro de puro

deleite. Apaixonei-me perdidamente pelas ideias, atitudes e pela forma como elas

eram apresentadas, e com muito carinho e dedicação me debrucei para escrever o

projeto de mestrado. Durante a elaboração do projeto me deparei com um número

expressivo de pessoas do meu círculo de afinidades que conheceram Jaime Cubero,

por meio do Centro de Cultura Social (CCS), e revelavam a importância dele em sua

formação.

Por causa dessa constatação, comecei a frequentar as atividades

desenvolvidas no Centro de Cultura Social e em especial no dia 25 de maio de 2013,

houve um encontro intitulado: “Velhas Vozes Libertárias: Homenagem aos Antigos

Militantes do CCS (Jaime Cubero, Chico Cuberos, Antonio Martinez, Diego Gimenez,

Carlos Aldegheri, Virgílio Dell'Oca...)" no qual Miquelina Veiga e Marcolino Jeremias

apresentaram algumas fotos, vídeos e entrevistas com esses militantes. Foi

emocionante, e reforçou em mim a importância de resgatar a trajetória de Cubero.

Durante a apresentação o Marcolino Jeremias disse "O Jaime era o dicionário

anarquista (...) ele falava sobre tudo", e ressalta que com sua morte a militância

perdeu muito. Não houve ninguém que desse conta do seu legado e que “há uma

divida muito grande com o Cubero, pois ele não teve tempo de escrever como

gostaria, pois se dedicava o tempo todo ao movimento como seu porta-voz”.

Miquelina disse durante a apresentação: - "Era muito agradável ouvir o Jaime", e

posso dizer: é muito agradável escrever sobre ele!

Entre 2013 e 2014 monitorei o núcleo da Palavra do Lab_arte - Laboratório

experimental de arte, educação e cultura da FEUSP – a proposta foi realizar a leitura

coletiva (em voz-alta) de contos anarquistas (ou de inspiração libertária) propiciando

o espaço para criação de escritos individuais ou coletivos. Durante as discussões,

quase involuntariamente, surgia a questão educacional (escolar, ou não), e o grupo

reforçava a importância da pessoa "subversiva", que traz tanto a inquietação, como

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aponta possibilidades de escolhas, de novos caminhos. Nesse processo de busca

por conhecimentos sem uma finalidade utilitarista, efetivamente se dá o sentido da

formação. Essa pessoa subversiva é aquele que assume o papel de mestre

(GUSDORF, 1987). E vejo Jaime Cubero ocupando esse papel nos espaços por

onde ele passou e nas pessoas pelas quais ele passou e ainda passa como

lembrança ou leitura. É o caso da presença de Jaime Cubero, mestre, em minha

própria trajetória.

Jaime Cubero se tornou inspiração sólida para uma estética da existência2,

uma vida plena de sentido em que o eu e o outro se encontram nas suas diferenças

e semelhanças. Permitiu ampliar os horizontes da educação e da própria vida.

Escolhendo sementes

É necessário escolher sementes apropriadas para a realização dessa

pesquisa que se propôs a compreender a trajetória de Jaime Cubero, por meio de

suas práticas libertárias e seu pensar. Para tanto, as sementes: trajetória, educação

e vida foram selecionadas e serão brevemente apresentadas dentro da ótica

escolhida, para poder semeá-las no terreno das práticas libertárias.

Optei pela escolha de trajetória para apresentar a vida de Jaime Cubero, por

acreditar que todos nós percorremos um trajeto antropológico singular (FERREIRA-

SANTOS & ALMEIDA, 2012, p. 77-78). Uma dinâmica incessante de trocas entre o

objetivo e o subjetivo. A trajetória implica a permanente tensão entre as esferas das

sensibilidades e subjetividades frente ao objetivo e coercitivo impostos pelo mundo

em que vivemos. Se por um lado não podemos escolher previamente o campo

objetivo, podemos por meio do campo das sensibilidades e subjetividades alterar

nossa maneira de mediar essa tensão interna e agir para alterar as condições dadas.

Há, também, nuances no subjetivo pelo objetivo, não se trata de instancias

impermeáveis. Portanto, esse trabalho não é uma mera descrição biográfica dos

fatos ocorridos na vida de Jaime Cubero, mas a tentativa de iluminar os elos e nexos

de sua trajetória, atentando para as escolhas realizadas, a atitude adotada e o

legado formativo em que reside um dos principais ensejos da reflexão e da pesquisa.

2 Noção foucaultiana da vida como obra de arte.

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A questão da trajetória integra de modo muito forte, as filosofias

existencialistas para as quais não é a essência que determina a existência, mas a

existência que determina a essência. Encontramos em autores como Sartre, Camus

e Simone de Beauvoir um desnudamento do universo coercitivo a partir do qual é

possível o exercício da liberdade. Ainda nessa direção é possível lembrar Spinoza

para quem a liberdade é consciência de necessidades – Somos tanto mais livres

quanto melhor conhecermos o que não nos torna livres.

Educação neste trabalho é compreendida em seu sentido mais amplo sem

associá-la, única e exclusivamente à escola, ou a uma instituição, mas como prática

humana de compartilhar experiência e conhecimento (FÉTIZON, 1978) sobre a

relação entre o que nos cerca (mundo objetivo), e o que sentimos (mundo subjetivo)

propiciando o exercício reflexivo, sensível, autônomo e transformador. Educação e

Cultura são termos que se complementam, pois educação seria o meio de transmitir

a cultura e, ao mesmo tempo, de transformá-la e vice-versa.

As práticas libertárias de Jaime Cubero são importantes para a educação e

para a vida, no sentido de transformação de ambas. Movimento que inclui e

ultrapassa a educação formal e se constitui numa formação plena, individual e social.

Capitulando

Compartilho da metáfora largamente utilizada que compara o

desenvolvimento do conhecimento ao desenvolvimento do drama vegetal (ORTIZ-

OSÉS, 2003; FERREIRA-SANTOS, 2012; GUSDORF, 1987; entre outros). Utilizarei,

portanto, essa metáfora do processo vegetal para acompanhar o desenvolvimento

da pesquisa e para adentrar o jardim/pomar de Jaime Cubero.

A relevância da metáfora não se reduz, entretanto, ao seu papel de ampliação da compreensão dos fenômenos que queremos conhecer, apesar de ser primordialmente esse o seu papel. Não se reduz também a um estado anterior de gestação dos conceitos e leis científicas. A metáfora pode ser concebida também como uma operação do pensamento pautado pela mobilização do espírito diante do mundo (ALMEIDA, 2003, p.24)

Inicialmente, para um fortalecimento da semeadura-pesquisa, será necessário

um capítulo com a adubação teórico-metodológica (Capítulo I) que assegure um

crescimento mais nutritivo da pesquisa, fortalecendo-a contra os ventos impetuosos

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do academicismo (JAPIASSU, 1976). Para tanto, evidenciaremos as fontes da

pesquisa; os recursos metodológicos da história oral utilizada na coleta dos

depoimentos; os impasses que surgem ao trabalhar com dados oriundos da

lembrança/memória de pessoas; a pesquisa como forma de resistência ao

esquecimento e aos apagamentos planejados da memória coletiva; e as inspirações

interpretativas que guiam a pesquisa.

Faz-se necessário após escolher bem o terreno da plantação, um terreno com

peculiaridades anárquicas e/ou libertárias, arar os conceitos a fim de minimizar as

ervas daninhas que comprometem o seu desenvolvimento. Em Arando conceitos

(Capítulo II), iremos conceituar e delimitar algumas definições como: práticas

libertárias, educação libertária, cultura e cultura libertária, entre outras noções

primordiais para a compreensão da pesquisa, para observar o brotar de Jaime

Cubero. Em Brotando Jaime, teremos uma breve apresentação de sua trajetória, de

forma mais linear e cronológica, para o leitor que não o conhece.

Mas essa pesquisa precisa ser regada com água direta da fonte, fonte que

transborda nos depoimentos, sem os quais teríamos uma pesquisa murcha, seca,

sem vida. São os depoimentos-água que dão vivacidade à pesquisa e permitem seu

crescimento para florescer as ideias oriundas desse percurso. Os depoimentos

irrigaram todo o resgate da trajetória de Jaime Cubero em Trajetória de Jaime

Cubero, irrigada pelos depoimento (Capítulo III) dividido em temas recorrentes

em seus manuscritos e nos próprios depoimentos.

Em Gerações em constante renovação (3.1) veremos como o movimento

anarquista une “velhos” e “jovens”. Jaime Cubero entrou no movimento como um

“jovem” que ajudaria a manter o legado dos “velhos” militantes e partiu dessa vida

como um dos “velhos” que buscou deixar um legado a ser seguido.

Em O Centro de Cultura Social – CCS (3.2), espaço primordial da atuação de

Jaime Cubero, buscamos remontar sua forma de atuação, seus conflitos e suas

contribuições, por meio dos seus escritos e dos depoimentos colhidos na pesquisa.

Em Princípios do movimento anarquista na perspectiva de Jaime Cubero (3.3)

ao invés de remontar os princípios a partir de autores clássicos do anarquismo,

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voltamos o olhar para esses princípios na perspectiva deixada por Jaime Cubero –

que se formou a partir daqueles.

A esfera sindical foi tema importante e vivencial para Jaime Cubero, em

Questão sindical (3.4) faremos um breve panorama sobre suas considerações sobre

o sindicalismo e suas vivências relacionadas ao tema.

Em Jaime Cubero: uma referência (3.5) selecionamos algumas das

abordagens que o tornaram uma referência, pois possuía conhecimentos obtidos por

sua erudição e vivências. Ainda nesse capítulo temos uma relação com parte dos

eventos aos quais Jaime Cubero foi convidado como orador.

Nos movimentos sociais, incluindo o anarquista, e na própria academia há

vários questionamentos sobre religião, em sua esfera institucional (igrejas) e na

transcendente (sagrado). Por ser um tema recorrente nos depoimentos e encontrado

também nos relatos de Jaime Cubero, compilamos algumas de suas posições em

Imanência, Transcendência e Religião (3.6).

Além do Centro de Cultura Social, Jaime Cubero atuou em Outros espaços de

atuação (3.7). Relatamos nessa parte algumas vivências que ocorreram na Chácara,

no Sítio, e na loja Calçados Cuberos. Espaços onde o movimento anarquista se

reunia para conversas, tomadas de decisão e até para guardar documentos e

proteger pessoas da repressão militar.

Durante a pesquisa percebemos A questão do feminino, do amor livre e da

família (3.8) tratadas de forma peculiar por Jaime Cubero. Para isso juntamos o

relato do encontro com sua companheira Maria Cubero, trechos selecionados de

seus escritos e dos demais depoimentos colhidos na pesquisa para esclarecer tais

peculiaridades.

Jaime Cubero absorveu diversas influências a partir do seu autodidatismo,

mas houve também a contribuição de pessoas que se tornaram Referências para

Jaime Cubero (3.9) e nesse trecho iremos realçar as figuras que tiveram esse papel

em sua formação.

Em O cotidiano reforçando ideais (3.10) pontuaremos os fatos que ao longo

da trajetória de Jaime Cubero reforçaram sua ética e seus ideais anarquistas.

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Embora possamos compreender que todas as coisas pontuadas até o

momento possuem sua relação com a pedagogia libertária, em Pedagogia libertária

na trajetória e prática de Jaime Cubero (3.11) iluminaremos os momentos em que

Jaime Cubero desempenhou o papel de educador libertário e, com os depoimentos,

verificarmos o que isso significou para os que tiveram contato com ele.

A pesquisa gerou flores-ideias, algumas foram organizadas em Florescendo

ideias (Capítulo IV) que reúne as três dimensões da prática pedagógica de Jaime

Cubero, como educador-narrador, educador-artesão e educador das escolhas.

Colhendo Frutos é um capítulo de encerramento que busca reunir os pontos

de destaque da pesquisa, mas que diferentemente das conclusões que se fecham,

contém em si mais sementes para serem replantadas.

Após os capítulos há uma cronologia que buscou desenhar as condições

históricas onde Jaime Cubero fez suas escolhas, pois não seria possível dar conta

desse universo dentro da própria pesquisa. Há também dois apêndices, um com o

quadro de participações de Jaime Cubero em eventos aos quais era convidado a

compartilhar seu conhecimento. E o outro, intitulado Mitos de origem - narrativas dos

começos uma compilação de depoimentos colhidos fora do contexto da pesquisa,

mas que vão ao encontro dos coletados e citados ao longo dela, com uma breve

introdução para guiar a leitura sob a ótica do caráter formativo que as narrativas de

origem possuem, dando o testemunho de uma vida. Nos anexos é possível acessar

os roteiros de entrevistas que guiaram os encontros com os militantes Nilton Melo e

Miquelina Veiga e os pontos da conversa-encontro com Maria Cubero.

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CAPÍTULO I - Adubação Teórico-Metodológica

Cada pesquisa é única. Por mais que possa utilizar métodos compartilhados,

a singularidade de cada pesquisador fará desse método uma apropriação única. A

pesquisa, assim como a obra de arte, exige técnicas, porém é a prática que origina a

técnica, uma vez essa técnica sistematizada, se torna método. Cada criação exige

adaptações da técnica e novas linguagens nascem do entrelaçar de técnicas e

métodos em sua experiência. Nessa pesquisa não é diferente, existem algumas

metodologias que nortearam a sua elaboração, mas foi necessária certa confluência

para atender os anseios da pesquisa e da pesquisadora.

Livros são importantes, teorias são úteis, quando se consegue

estabelecer entre elas e a experiência um diálogo constante. Se a

gente não se expuser a aprender com a experiência, estabelece-se

com as teorias uma relação de subordinação, e o exercício acadêmico

que se consegue realizar com elas não passa de retórica e repetição,

novos discursos dentro da mesma lógica. (PEY, 2000, p. 75)

Nesta mesma perspectiva, outro elemento metodológico que, rapidamente,

desliza para a questão ética da produção de conhecimento é a forma da escrita.

Neste sentido, assumo aqui a necessidade da conjugação em primeira pessoa, à

revelia da tradicional adoção acadêmica da voz impessoal em terceira pessoa (a

velha voz em off, a "voz de Deus" teatral e inquestionável). Aqui sou precedida e

autorizada por buscas muito próximas e alentadoras:

Não sei se é hábito escrever-se uma monografia de mestrado na primeira pessoa do singular - esta vai escrita assim, porque assim foi constituída. (FÉTIZON, 1978, p. 9)

1.1. Fontes de Pesquisa

A pesquisa foi desenvolvida a partir de algumas entrevistas cedidas por Jaime

Cubero: uma realizada por Antonio José Romera Valverde em maio de 1989, que foi

publicada parcialmente em 2007 pela Revista Educação e Pesquisa; outra cedida a

José Maria Carvalho Ferreira em maio de 1997 que foi publicada em 2001 pela

Revista Utopia; e a outra publicada pela Achiamé, com uma reedição da Imprensa

Marginal que foi realizada em novembro de 1997 por Rodrigo Rosa da Silva e

Leandro Marcio Ramos. Dentro do documentário "Escolas Modernas: Educação

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libertária na São Paulo do início do século" do Coletivo Cinestesia, com a direção de

Carlos Romani, Humberto Pimentel e Oldimar Cardoso, filmada em 1995, há

também uma entrevista com Jaime Cubero sobre a educação libertária.

Além das entrevistas, alguns textos escritos por Jaime Cubero que já foram

publicados, como "As ideias força do Anarquismo" na apostila do curso livre (que era

ministrado no CCS) intitulados "Anarquismo: Atualidade e Reflexão" (s/d), ou

"Reflexos da Revolução Russa no Brasil", publicado na Revista Libertárias (1997) e

no Boletim do CCS (2007); "A organização específica" (1990); ou o Histórico do CCS,

disponível até hoje na página virtual do Centro de Cultura Social. Outros não foram

escritos por Jaime Cubero, mas transcritos de suas palestras, a exemplo do texto

"Antimilitarismo e Anarquismo" que foi publicado na Revista VERVE do Nu-Sol -

Núcleo de Sociabilidade Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em

Ciências Sociais, PUC-SP (2002); "Razão e Paixão na Experiência Anarquista",

publicado na revista Libertárias e divulgado pelo portal do Nu-Sol; e "Educação

independente da escola" registro de um seminário que foi publicado pela editora

Achiamé em 1996 ao título de "Educação Libertária: textos de um Seminário"

organizado por Raquel Stela de Sá Siebert.

Após sua morte em maio de 1998, alguns depoimentos foram feitos em sua

homenagem como o texto "A semente e a Estrela (adeus a Jaime Cubero)" de José

Carlos Orsi Morel, ou o pequeno relato da historiadora Margareth Rago (IFCH -

UNICAMP) sobre quem foi Jaime Cubero, ambos bem difundidos na internet.

Muitos também são os materiais e textos que ainda não foram publicados,

como a correspondência entre Jaime Cubero e os estudantes a respeito de vários

temas, a exemplo disso tive acesso a uma carta enviada à Jaqueline em 23 de maio

de 1990 sobre o Amor Livre, em que ele faz um apanhado com base em

informações daquilo que ele leu, participou e viveu do tema, e assim reúne em 5

(cinco) laudas uma belíssima abordagem do tema.

A maior parte do material não publicado, de textos do próprio Jaime Cubero,

obtive pelas mãos do Parmênides Cuberos, seu sobrinho. Na primeira visita que fiz à

sua casa ele confiou a mim os textos já digitalizados e conferidos.

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Você vê que tem o original. É o que a gente está fazendo com a Christina [Christina Lopreato] e o Morel [José Carlos O. Morel]. Na verdade a ideia era fazer uma compilação dos textos dele. Então estávamos transcrevendo, já tem uma boa parte feita. Transcrevendo e corrigindo, comparando com os originais no intuito de fazer uma compilação. (PARMÊNIDES apud SANTOS, Dez/2013, p. 23)

Inclusive quando ele [Jaime Cubero] morreu, o Zeca [José Carlos O. Morel], eu [Parmênides] e o meu pai [Chico Cuberos] e a Christina foi quem organizou esse amontoado de coisa do jeito que está. Está tudo organizadinho aqui. (op. cit., Dez/2013, p. 31)

O acesso aos textos referidos foi fundamental para complementar o material

bruto da pesquisa. Por meio deles é possível conhecer mais o estilo de escrita de

Cubero, seus temas, etc. Muitos dos temas e algumas frases são recorrentes em

textos com datas diferentes, demonstrando que algumas ideias são mais

significativas, tais como: a própria pedagogia libertária e a necessidade de

incorporar cotidianamente os princípios anarquistas como uma ética e uma moral

que acompanham todos os atos humanos.

A riqueza dos materiais disponíveis: as cartas, boletins, textos, entrevistas

escritas ou televisionadas, artigos de jornal, peças teatrais, material do CCS, têm um

grande potencial para serem coletados e organizados como acervo, abrindo

caminho para que outras pesquisas sejam realizadas.

Na publicação sobre o Acervo João Penteado, Doris Accioly e Silva e Luciana

Eliza dos Santos já indicam o potencial de acervo de Cubero comparando-o ao

legado de Penteado: “Legou à posteridade uma rica documentação, procedimento

comum a muitos anarquistas, como Edgar Leuenroth e Jaime Cubero,

comprometidos com a preservação da memória anarquista.” (2013, p. 190)

Para fazer o paralelo com as práticas pedagógicas libertárias utilizarei como

base a pesquisa realizada na graduação (SANTOS, 2010) que aborda autores como

Wiliam Godwin (1756-1836) que já idealizava uma educação pela vontade, Paul

Robin, Sébastien Faure e Francisco Ferrer, já conhecidos e reconhecidos pela

academia como os "elaboradores" da educação libertária, que desenvolveram

experiências práticas entre o final do século XIX e início do século XX.

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Durante a pesquisa foi possível colher os depoimentos a partir da

metodologia da história oral de: Nilton Melo e Miquelina Veiga, militantes do CCS

que conviveram ativamente com Jaime Cubero entre fim dos anos 80 e os anos 90;

Parmênides Cuberos, sobrinho de Jaime Cubero; e Maria Cubero, companheira de

Jaime.

Outros depoimentos, já publicados, foram aproveitados para ampliar as

visões sobre Jaime Cubero, oriundos do livro "Anarquistas: ética e antologia de

existências" do Nildo Avelino, que teve a oportunidade de entrevistar Francisco

Cuberos Neto (irmão de Jaime); Maria Martinez Jimenez (cunhada de Jaime); José

Carlos Orsi Morel (militante anarquista, amigo de Jaime). Publicações da revista

VERVE, em especial edição 14 de 2008, com depoimentos de Nildo Avelino; Maria

Oly Pey; José Maria Carvalho Ferreira; Guilherme Corrêa; e Edson Passetti. Outra

publicação traz um depoimento do Edson Passetti sobre o Jaime, dentro do livro

"Anarquismo Urgente" da editora Achiamé de 2007.

O uso dos depoimentos oriundos de outras fontes que não tinham por objetivo

a atual pesquisa contribui para uma visão ampliada da repercussão do pensamento-

ação de Jaime Cubero na formação das pessoas que com ele conviveram. Tal

procedimento minimiza questionamentos sobre uma possível manipulação na

mediação das entrevistas realizadas, pois há similitudes entre os dois tipos de

depoimentos.

1.2. Metodologia para entrevistas

Como se trata de resgatar a trajetória de alguém que faleceu sem deixar sua

biografia é necessário um resgate por meio da história oral (HOLANDA e MEIHY,

2010) que possa contribuir com os elementos que auxiliem na reconstrução de sua

trajetória, com os relatos sobre suas atitudes, concepções e práticas cotidianas.

Mesmo com acesso a uma possível biografia, não conseguiríamos captar essas

dimensões somente com base em fatos datados e não necessariamente articulados

entre si.

Considero coerente o uso da história oral, como método para obtenção de

fontes orais. As entrevistas realizadas são parte expressiva da pesquisa, foram

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planejadas desde o projeto e executadas com o intuito de expor uma faceta histórica

não reconhecida fora da comunidade de destino. Como a pesquisa não se embasou

somente nas narrativas orais, estamos num quadro de história oral híbrida. Todas as

entrevistas foram temáticas, não sendo objetivo realizar a pesquisa por meio de

história de vida (HOLANDA e MEIHY, 2010).

No caso da história oral hibrida preza-se o poder de “conversa”, contatos ou diálogos com outros documentos, sejam iconográficos ou escritos como: historiográficos, filosóficos ou literários. [...] Ao relativizar a força única da expressão oral, de maneira quase que natural, exige-se a equiparação dos argumentos derivados de entrevistas com outros emanados de diversas fontes. Nesses casos, o que vale mais é a força temática que tira a força da lógica da construção da narrativa oral. (op. cit., p. 129-130)

Sendo assim, os depoimentos orais obtidos na pesquisa são colocados em

diálogo com os escritos do próprio Jaime Cubero e com outras referências que

possibilitam ampliar essa conversa, enriquecendo-a. Outro ponto importante

apontado pela metodologia da História Oral é a devolutiva à sua comunidade de

destino. Nesse sentido compreendemos como comunidade de destino, a família de

Jaime Cubero e os espaços libertários de uma forma geral, que tão logo finalizada a

pesquisa, receberam o material produzido por ela.

A História Oral suscita a questão de que a fonte obtida estar baseada na

memória/lembrança que é transmitida pela narração do outro, sendo assim, é

fundamental compreendermos minimamente esse cenário, pois ele influi diretamente

na própria intenção subjetiva da pesquisa: manter viva a história de Jaime Cubero e

do que ela representa para um coletivo.

O discurso sobre a memória é muito antigo. Nenhum indivíduo poderia memorizar todos os títulos que, desde a Antiguidade até hoje, fazem referência à memória. Mas é importante sublinhar que esse tema não se identifica e não se esgota nem com o tema das artes da memória nem com os problemas da neurociência. (...) O tema da memória é muitíssimo mais amplo, aprofunda suas raízes no temor primordial que acompanha, há dezenas de milhares de anos, a história de nossa espécie e a vida dos indivíduos desde o período da infância. [o temor de ser esquecido] (ROSSI, 2010, p. 23)

A morte é um fato que a humanidade parece não aceitar, por isso, há um

grande esforço em criar e acreditar em uma vida pós-morte ou na reencarnação.

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Além da morte física, o que mais nos assombra é a morte pelo esquecimento. Não

ser mais lembrado, não ter deixado um legado para as futuras gerações, a partir do

qual as pessoas possam ser imortalizadas na lembrança dos demais é tão ou mais

atemorizante que a morte em si.

Terezinha Bernardo (1993) aponta para as vantagens de utilizar um recurso

metodológico para obtenção de fontes orais que amplia a compreensão do que se

pesquisa:

Esse recurso metodológico permite talvez melhor que qualquer outro não apenas lidar com a dimensão subjetiva do vivido, como também como uma teia de significações que unem as vidas dos sujeitos. No entanto, o recurso à memória pode possibilitar muito mais, à medida em que permite descortinar situações conflitivas, discriminações, jogos de poder entre as pessoas e grupos sociais e processos como o de construção de identidades, uma vez que memória e identidade se encontram imbricadas. Isto significa que o processo de memorização possibilita reconstruir e redefinir continuamente as identidades tanto individuais como coletivas. (p. 24-25)

A contribuição já bem apreciada na academia do renomado trabalho de Ecléa

Bosi (1987) ao trabalhar com os relatos de idosos acima dos 70 anos é importante

para situar o registro do encontro com Maria Cubero e alguns relatos do próprio

Jaime Cubero:

Não dispomos de nenhum documento de confronto dos fatos relatados que pudesse servir de modelo, a partir do qual se analisassem distorções e lacunas. Os livros de história que registram esses fatos são também um ponto de vista, uma versão do acontecimento, não raro desmentido por outros livros com outros pontos de vista. A veracidade do narrador não nos preocupou: com certeza seus erros e lapsos são menos graves em suas consequências que as omissões da história oficial. Nosso interesse está no que foi lembrado, no que foi escolhido para perpetuar-se na história de sua vida (p. 01)

Essas bases metodológicas despertaram tantas possibilidades de pesquisa e

investigação, que se tornaram, até certo ponto, um modismo, mas é necessário

compreender os motivos da larga aceitação e apropriação dessa metodologia:

Por trás das modas, com frequência se escondem motivações muito sérias: a atual, esse interesse quase espasmódico pela memória e pelo olvido, está ligada ao terror que temos da amnésia, das dificuldades renovadas que se interpõem em nossas tentativas de

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conectar num conjunto, aceitável de algum modo, o passado, o presente e o futuro. [isso é válido para indivíduos e coletivos] (ROSSI, 2010, p. 30)

Jacy Alves de Seixas (2009) resgata de Halbwachs a distinção entre memória

e história, que vem ao encontro da afirmação de Rossi, citada acima:

À memória coletiva, Halbwachs confere o atributo de atividade natural, espontânea, desinteressada e seletiva, que guarda do passado apenas o que lhe possa ser útil para criar um elo entre o presente e o passado, ao contrário da história que constitui um processo interessado, político e, portanto manipulador. A memória coletiva, sendo sobretudo oral e afetiva, pulveriza-se em uma multiplicidade de narrativas; a história é uma atividade escrita, organizando e unificando numa totalidade sistematizada as diferenças e lacunas. (p. 40)

A memória/história das ditas minorias tem sido resgatada pela sedução que

envolve esse resgate, e devemos vigiar até que ponto nós nos colocamos como os

interpretes dessas memórias, como "defensores" daqueles que foram

negligenciados pela "grande" história; e quando a transformamos em História, será

que não estamos nós assumindo esse caráter político e manipulador com que

Halbwachs define a história?

A imagem de uma "história" que sufoca e mata as vivazes memórias particulares e locais irá exercer uma sedução enorme, vai combinar-se de forma variada a um difuso e persistente clima de polêmica anticientífica e disso irá alimentar-se. [...] O que poderia ser mais agradável (e mais "progressista") do que fazer-se interprete de todos aqueles dos quais a "história" é incapaz de se lembrar porque não quis se lembrar? O que existe de mais "alternativo" do que confiar, uma vez mais, como no período que precede a grande historiografia moderna, na memória dos indivíduos e na das pequenas e negligenciadas coletividades locais? (ROSSI, 2010, p. 28-29)

Tal preocupação é necessária, para não crer que "a pesquisa" seja a única

possibilidade de validar essa história, antes o seu inverso, somente por meio dessa

história é que valido a pesquisa. Mas há, sem dúvida, a intenção de disseminar uma

história para dificultar o seu apagamento.

Os "apagamentos" do nosso tempo, ou seja, as emendationes do século XX não têm nada a dever às da época da Contrareforma. Creio que todos temos diante dos olhos célebres fotografias de grupos de políticos em que um personagem caído em desgraça foi, com maior ou menor habilidade, apagado do grupo, na tentativa de eliminá-lo da história depois de ter sido eliminado moralmente e, na maioria dos casos, também fisicamente. A história do século XX, conforme bem

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sabemos também quando tentamos esquecê-lo, está cheia de censuras, apagamentos, ocultações, sumiços, condenações, retratações públicas e confissões de inúmeras traições, além de declarações de culpa e de vergonha. Obras inteiras de história foram reescritas, apagando os nomes dos heróis de um período; catálogos editoriais foram mutilados, assim como foram subtraídas fichas nos catálogos das bibliotecas; foram publicados livros com conclusões diferentes das originais, passagens foram retiradas, textos foram montados em antologias numa ordem favorável a documentar filiações ideais inexistentes e ortodoxias políticas imaginárias. (ROSSI, 2010, p. 33)

Dos depoimentos colhidos por meio das entrevistas, mesmo sendo essas

temáticas e guiadas por um pequeno roteiro 3 que buscava ancorar a conversa,

transbordavam lembranças e memórias e constituíam uma relação entre

experiência-memória social-oralidade que Doris Accioly e Silva (2005b) denominou

de depoimentos ressonantes, em seu trabalho sobre a Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de São José do Rio Preto:

Os depoimentos ressonantes aqui trazidos permitem perceber também um tipo de memória oral em que o sujeito-narrador é ultrapassado no ato da lembrança, deixando vislumbrar os quadros sociais [Halbwachs], ao mesmo tempo em que retorna sempre, como singularidade criadora. Há, portanto, um movimento de transcendência do particular, que é transmutado em universal, e um refluxo do eu como condição do mundo para lembrar Antônio Cândido. (p. 164)

Os depoimentos ressonantes, também foram utilizados na tese de doutorado

de Doris Accioly e Silva (2005a), onde sintetiza de forma mais objetiva:

Eles mostram a ressonância de determinada experiência na vida dos sujeitos, para além dos limites cronológicos nos quais aquela experiência transcorreu. Desse modo, os depoimentos ressonantes transcendem as experiências subjetivas, puxando os fios do tecido social e histórico e recriam a atmosfera de uma época, os diferentes papéis que nela desempenharam os vários sujeitos sociais. (p. 82)

As memórias evocadas na pesquisa podem até iniciar-se com uma memória

mais voluntária, pois todo entrevistado tinha consciência de que estava prestando

um depoimento que serviria para um material de pesquisa, e nesse sentido,

provavelmente, até por ter sido avisado com antecedência, preparou e organizou

algumas lembranças a serem relatadas. Mas é nítido que em um dado momento, as

3 O roteiro utilizado nas entrevistas, bem como os pontos da conversa com Maria Cubero, seguem no anexo 1

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memórias mais involuntárias surgiam carregadas de afetividade, com suas

totalidades emocionais e "charme" afetivo. (SEIXAS, 2009, p. 47)

Jacy Seixas irá afirmar que “a dimensão afetiva e descontínua relegada pela

memória voluntária é a dimensão exilada que parte das ciências humanas tem

buscado precisamente integrar, com o estudo dos mitos, das sensibilidades e

paixões políticas, da imaginação e do imaginário na história” (2009, p. 48).

A sensibilidade criadora referida por Accioly e Silva pode ser o que Seixas

pondera sobre as memórias involuntárias: é este trazer à tona que constitui o

fundamento mesmo da memória, pois o passado que "retorna" de alguma forma não

passou, continua ativo e atual e, portanto, muito mais do que reencontrado, ele é

retomado, recriado, reatualizado (SEIXAS, 2009, p. 48).

A memória introduz o passado no presente sem modificá-lo, mas necessariamente atualizando-o; é preciso considerar atentamente que o passado é por via de regra plural, um pulsar de descontinuidade.

(op.cit., p. 49).

Em especial na conversa/entrevista com Maria Cubero acentua-se a

dimensão da descontinuidade e lacunas da memória Proustiana (SEIXAS, 2009, p.

49-50). Diferente das demais, não foi possível transcrever e obter um texto e a partir

dele realizar uma análise como se faria com outros textos. Mas no caso da Maria, o

que teremos não é a fala transcrita da Maria, mas o relato desse encontro, que

busca resgatar as dimensões afetivas que carregava sua fala. As descontinuidades

e lacunas, muitas vezes são associadas ao esquecimento, mas nesse sentido é

preciso lembrar também que:

(...) O esquecimento não pode ser considerado somente um problema biológico (...) O esquecimento está ligado, é claro, a um trabalho cerebral, mas refere-se a processos nos níveis consciente e inconsciente, a um trabalho de linguagem, às atividades do dia-a-dia, às interações, à história, enfim. Quem esquece não é um organismo,

um cérebro. Quem esquece é uma pessoa. (BRAGA, 2004, p. 596)

O esquecimento é complemento da memória, não necessariamente uma

oposição. É a face não iluminada da memória, como nos diz Ricoeur, ainda ao falar

da fenomenologia da memória:

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Uma ambição, uma pretensão está vinculada à memória: a de ser fiel ao passado; desse ponto de vista, as deficiências procedentes do esquecimento (...) não devem ser tratadas de imediato como formas patológicas, como disfunções, mas como o avesso de sombra da região iluminada da memória, que nos liga ao que passou antes que o transformássemos em memória. (p. 40)

Ainda como conclusão parcial, Ricoeur nos fornece um aparato com o qual

podemos compreender a memória como fonte fidedigna para pesquisa:

Eu não queria concluir com essa perplexidade, mas com a resposta provisória que se pode dar à questão, que podemos dizer, da confiança e que a teoria da memória transmite à teoria da história. Essa questão é a da confiabilidade da memória e, nesse sentido, de sua verdade. Essa questão estava formulada no plano de fundo de toda a nossa investigação a respeito do traço diferencial que separa a memória da imaginação. No final de nossa investigação, e a despeito das ciladas que o imaginário arma para a memória, pode-se afirmar que uma busca específica de verdade está implicada na visão da "coisa" passada, do que anteriormente visto, ouvido, experimentado, aprendido. Essa busca de verdade especifica a memória como grandeza cognitiva. Mais precisamente, é no momento do reconhecimento, em que culmina o esforço da recordação, que essa busca de verdade se declara enquanto tal. Então, sentimos e sabemos que alguma coisa se passou, que alguma coisa teve lugar, a qual nos implicou como agentes, como pacientes, como testemunhas. Chamemos de fidelidade essa busca de verdade. (RICOEUR, 2007, p. 70)

Os depoimentos colhidos, a partir da memória-lembrança foram transcritos

para posteriormente serem analisados e interpretados. Não incluí os depoimentos na

íntegra por sua extensão, trechos reflexivos e ou desconectados do tema. Optei por

utilizá-los de forma recortada, conciliando-os com as falas do próprio Jaime Cubero,

outras referências e minhas reflexões, para colocá-los em diálogo, como é a

proposta da História Oral hibrida. Isso só foi possível porque, como Maria Isaura

Pereira de Queiroz nos lembra:

a narrativa oral, uma vez transcrita, se transforma num documento semelhante a qualquer texto escrito, diante do qual se encontra um estudioso e que, ao ser fabricado, não seguiu forçosamente as injunções do pesquisador; (...) e não é por esta razão que devam ser afastados como menos úteis. Pelo contrário, constituem hoje, como constituíram no passado, a base mais sólida sobre a qual se erguerá o edifício da investigação. É sobre ela que se realizará o procedimento primordial de toda pesquisa - a análise. E análise, em seu sentido essencial, significa decompor um texto, fragmentá-lo em seus elementos fundamentais, isto é, separar claramente os diversos componentes, recortá-los, a fim de utilizar somente o que é compatível

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com a síntese que se busca. Assim, diante destas considerações, o escrúpulo em relação aos recortes das histórias orais e à sua utilização parcial se afigura nitidamente como um falso problema. (1991, p. 5)

1.3. Inspirações interpretativas

Optei por reconstituir a trajetória intelectual de Jaime Cubero e as implicações

de sua prática no âmbito de uma pedagogia libertária, com base num exercício de

interpretação simbólica (hermenêutica), em que se necessita "do olho do geógrafo,

do espírito do viajante e da criação do romancista" (RICOEUR, 1994, p.309). Com

algumas pinceladas do pensamento complexo de Edgar Morin, que na leitura de

Maria da Conceição de Almeida compreende como insustentável dissociar razão e

emoção no exercício intelectual:

No panorama científico, a depender sempre da relação entre o intelectual e sua psique, tem se operado em algumas teorias e em certos períodos históricos, a hegemonia da razão, e argumentado a favor da dissociação entre intelecto e emoção. Um tal argumento que se torna cada vez mais insustentável e carece de rigor, alimentou por muito tempo o paradigma da separação entre ciência, filosofia, arte e literatura.” (2003, p. 28-29)

Entre as tradições do pensamento e práticas libertárias, às quais essa

pesquisa busca ser fiel, a contribuição de Wiliam Godwin, a respeito da educação

pela vontade é uma parcela significativa. Pois a vontade é o elemento que guia a

investigação, pelo desejo do eu pesquisadora em realizá-la. Apesar de esbarrar no

aparato burocrático que envolve o estudo dentro de uma instituição, muitas vezes

cerceador desses impulsos.

O melhor método de ensino será, portanto, sempre que houver condições para praticá-lo, aquele que garanta que todos os conhecimentos adquiridos pelo aluno sejam precedidos e

acompanhados pela vontade de adquiri-los. (GODWIN, 1981, p. 251).

Os depoimentos coletados durante a investigação trazem uma dimensão

experienciada que não será passível de expressão, porém por meio de sua escrita

procurei registrar, imprimir uma mensagem capaz de fixar tal discurso e conceder a

ele sua autonomia semântica, destinada a todos os leitores potenciais (RICOEUR,

1976).

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(...) para uma investigação existencial, a comunicação é um enigma e

até mesmo um milagre. Por quê? Porque estar junto, enquanto

condição existencial da possibilidade de qualquer estrutura dialógica

do discurso, surge como um modo de ultrapassar ou de superar a

solidão fundamental de cada ser humano. (...) o que é experienciado

por uma pessoa não se pode transferir totalmente como tal e tal

experiência para mais ninguém. (...) E, no entanto, algo se passa de

mim para vocês, algo se transfere de uma esfera de vida para outra.

Este algo não é a experiência enquanto experienciada, mas a sua

significação. Eis o milagre. A experiência experienciada, como vivida,

permanece privada, mas o seu sentido, a sua significação torna-se

pública. (op. cit., p. 27-28)

A investigação possibilitou apropriar-me não somente dos escritos de Jaime

Cubero, mas também da significação das experiências relatadas nos depoimentos. A

hermenêutica proposta por Ricoeur não possui a ambição romântica de

compreender o autor melhor do que ele mesmo, mas de compreendê-lo a partir de

seu horizonte, seu repertório, sua formação, numa fusão com essas dimensões do

autor. E se há uma ambição nessa pesquisa é que ela possa possibilitar outras

Horizontverschmelzung:

a apropriação nada tem a ver com qualquer tipo de apelo de pessoa a

pessoa. Aproxima-se antes do que Hans Georg Gadamer chama de

fusão de horizontes (Horizontverschmelzung): o horizonte do mundo

do leitor funde-se com o horizonte do mundo do escritor. E a

idealidade do texto é o vínculo mediador neste processo de fusão de

horizontes. (Op. cit., p.105)

Se em Ricoeur temos a analogia aos horizontes que direcionam a

interpretação e a escrita, Maria da Conceição de Almeida nos remete à lente com a

qual o pesquisador enxerga sua pesquisa, seus dados e elabora seu texto:

Nenhuma interpretação do mundo e dos fenômenos é incolor, inodora,

ingênua ou inconsequente. Por isso é melhor carregar nas cores que

produzem vida, movimento e transformação do que nos limitamos ao

retrato em preto-e-branco. Isso vale para as teorias científicas. Mais

do que um conjunto de preceitos normativos que orientam o trabalho

de pesquisa, as teorias e interpretações das quais nos valemos a

priori, foram construídas por sujeitos de carne e osso, alimentados por

suas crenças fundamentais, suas estruturas psíquicas, mais ou menos

resolvidas. E quando descreveram e lançaram suas hipóteses a

respeito da origem, da dinâmica e do devir dos processos que

investigaram, foram sujeitos dotados de subjetividade que descrevem

esses processos a partir do lugar de um observador, que vê o mundo

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com o auxilio de uma complexa lente constituída por crenças,

convicções e uma atitude psíquica.” (ALMEIDA, 2003, p. 32-33)

Estas formas de interpretação dialogam com a reconstrução de sentidos na

contemporaneidade como forma de contribuir com a tradição do pensamento e

práticas libertárias, possibilitando que os leitores possam a partir dela, caso se

identifiquem – a partir de seus próprios horizontes e lentes – desfrutar de sua

autonomia semântica para gerar as suas próprias interpretações.

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CAPÍTULO II - Arando Conceitos

Quando a semeadura não é ocasionada pelo acaso, é necessário preparar a

terra para receber as sementes. Da mesma forma, no mundo do conhecimento

acadêmico, antes de colher flores e frutos da pesquisa, é preciso preparar o campo

da pesquisa, arando os conceitos, eliminando as ervas daninhas que provocam

distorções ou mal entendidos.

Passado quase um século do auge do movimento anarquista e suas

propostas libertárias, bem como após centenas de trabalhos acadêmicos pelo

mundo que abordam as várias facetas que os envolvem, ainda hoje, no senso

comum, a palavra anarquia é sempre retratada como "bagunça", falta de ordem, de

moral, de respeito, entre outras afirmações pejorativas. Sendo assim, cabe aqui

ressaltar que ao tratarmos do movimento anarquista, nos referimos a um movimento

que em sua essência busca o "não governo", a "não concentração de poder"

buscando a autogestão a partir de pessoas autônomas em livre associação. Ao

contrário do que diz o senso comum, para se chegar à autogestão, é preciso muita

organização, respeito, apoio mútuo, realização de planejamentos a partir de debates

exaustivos e muitas vezes acalorados e pouco harmoniosos.

No Brasil, o movimento anarquista chegou 4 com os imigrantes italianos,

espanhóis e novos portugueses, em especial no fim do século XIX e início do XX

(DULLES, 1977). Um país dominado pela cultura escravista, não mudou sua forma

de trato com os novos trabalhadores, seja no campo, nos portos ou nas indústrias

que se iniciavam em especial em São Paulo e Rio de Janeiro. A articulação

anarquista liderou os sindicatos que eram formados, criou espaços de resistência,

formaram-se ateneus, grêmios, centros culturais e escolas. O movimento anarquista

no Brasil tornou-se um movimento social extremamente importante, com conquistas

históricas para os trabalhadores, como a maior greve já realizada em nosso país, a

4 Embora como forma de movimento social de massa, o anarquismo tenha chegado ao Brasil por

meio dos imigrantes. Há pesquisas, como a de Pierre Clastres (1979) que indicam a presença de princípios do anarquismo (como rejeição ao Estado, apoio mútuo, entre outros) em nossa matriz Guarani. Devemos lembrar também que a Colônia Cecília no Sul do Brasil, foi uma comunidade anarquista autorizada pela monarquia como experiência de práticas coletivas de convívio e gestão, destituída pelos republicanos. Houve ainda entre os republicanos federalistas ideias próximas aos anarquistas e alguns republicanos se tornaram anarquistas, com o Edgar Leuenroth.

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greve de 19175. Apesar de tantas conquistas e realizações, a maioria da população

brasileira não conhece o seu papel, poucos sabem dessas passagens em nossa

história, o que demanda de todo pesquisador na área ao menos uma breve

apresentação.

A partir da leitura do texto de Dulce Whitaker (2010) A desinvenção da

tradição: esquecimento e memória na História do Brasil - Ensaio de interpretação

sociológica foi possível encontrar uma possível explicação para o movimento

anarquista ser mais uma das tradições que parece ter sido desinventada do

imaginário brasileiro. Segundo a autora, enquanto na Europa e nos Estados Unidos

há um impulso de astúcia e mistificação para construção e invenção de suas

tradições, como o já clássico "A invenção das tradições" (HOBSBAWM; RANGER,

2006) no Brasil, temos a capacidade de desinventar as tradições, tirar da memória

quase todos os atos políticos e culturais relevantes. Com um olhar sempre voltado

ao futuro e aos acontecimentos externos não valorizamos o passado, mesmo que

recente, nem as manifestações artísticas ditas populares, os patrimônios históricos e

culturais. Por isso a necessidade de defendê-los e de tantos pesquisadores nas

ciências humanas como um todo se empenharem em evidenciar a existência dessa

riqueza que temos, mas que não se valoriza.

A história do movimento anarquista no Brasil da mesma forma foi esquecida,

sua tradição desinventada, embora assim como as demais, ainda haja pontos de

resistência da sua memória e da sua prática. No texto "A chama e o silêncio:

memória e esquecimento das lutas anarquistas no Brasil", Doris Accioly e Silva

(2010) explicita que não é casual o hiato entre os fatos ocorridos e as pesquisas

sobre o tema anarquista que só se intensificaram a partir dos anos 80:

O crepúsculo das lutas coletivas anarquistas no Brasil e o ostracismo a que foi relegada a sua memória entre nós, até os anos 1960, têm várias causas: a pesada repressão que o próprio movimento sofreu do Estado e das "forças da ordem"; o declínio mundial das lutas autônomas dos trabalhadores nos anos 1920, culminando com a ascensão do nazi-fascismo e do stalinismo; o quadro nacional pós-revolução de 1930, com a vinculação dos sindicatos ao Estado e o corporativismo daí proveniente; a política da III Internacional (stalinista)

5 Para mais informações sobre a Greve Geral de 1917 ver tese de Doutorado da Prof. Christina da

Silva Roquette Lopreato intitulada: O Espírito da Revolta (A Greve Geral Anarquista de 1917) apresentada ao departamento de História do IFCH da UNICAMP, sob orientação do Prof. Dr. Edgar S. De Decca em agosto de 1996.

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e suas ações repressivas contra os anarquistas, e, mais tarde, uma historiografia de direita ou realizada no espírito da mesma III Internacional. (p. 115-116)

Precisamos compreender um pouco mais das intenções desse grupo

anarquista para entender os motivos de os Estadistas de direita ou de esquerda

(numa métrica política que já não faz muito sentido, mas ainda é uma convenção

utilizável) desejarem o seu esquecimento total.

O anarquismo pressupõe a liberdade individual e isso acarreta a convivência

com a diversidade, pois uma pluralidade sem proporções existe entre pessoas

realmente livres. Jaime Cubero irá ressaltar essa constatação em seu texto "As

Ideias-força do Anarquismo": o pluralismo que caracteriza o movimento anarquista é

condizente com a natureza humana. A máxima igualdade é aquela na qual cada um

possa exercer plenamente sua diferença. (s/d, p. 08)

O que assegura aos libertários que essa convivência seria pacífica é uma fé

de base próxima à rousseauniana6 de que o homem é bom por natureza, porém

corrompido pelo estabelecimento da propriedade privada, que origina a

desigualdade. Há, entretanto, uma diferença latente e exponencial entre aspectos do

pensamento rousseauniano e o anarquista. Para Rousseau o Estado seria o

responsável por equacionar a desigualdade, prever a liberdade dos homens e

mediar os conflitos. Já os anarquistas estão convictos de que o Estado não é capaz

de realizar tal tarefa, pois é um dos responsáveis pela manutenção da desigualdade

entre os homens, assegurando sua própria existência. O Estado, nessa perspectiva,

não se empenha no fomento à autonomia individual e social, antes ele estabelece

elos de dependência com, e entre, os cidadãos, forçando-os a crer na extrema

necessidade do próprio Estado.

Mas talvez não seja apropriado chamar de fé, o que nasce de uma

constatação empírica, cotidiana e de uma prática histórica. Veremos, no decorrer da

pesquisa, que os fatos ocorridos no cotidiano foram fundamentais para fortalecer a

convicção de militantes anarquistas, como no caso do próprio Jaime Cubero.

6 Vale ressaltar que Rousseau é um autor aceito por uma parte dos anarquistas e totalmente refutado

por outros. Inclusive por sua proposta educacional, que para muitos era totalmente demagógica, uma vez que Rousseau abriu mão da educação de seus próprios filhos.

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Além das constatações cotidianas de seus militantes, outra posição, de cunho

científico, reforçou as possibilidades de uma sociedade sem Estado, sem

concentração de poder, que poderia ocorrer com base na solidariedade: foi a

constatação de Kropotkin sobre o apoio mútuo:

Em seus estudos, Kropotkin observou uma tendência natural e instintiva tanto nos animais quanto nos homens de se agruparem, de se ajudarem mutuamente, não só por necessidade biológica mas também pelo gosto de estar junto, da “simpatia mútua” (expressão de Darwin). A cooperação experimentada através das gerações tornou-se “instinto permanente” (expressão de Darwin) e possibilitou o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das espécies, assim como o progresso da humanidade.” (LOPREATO, 2003, p. 563-564)

Christina Lopreato, ainda nesse texto, recupera as constatações

apresentadas por Kropotkin de uma história que reforçou sempre os pontos de

conflito humano – guerras e atrocidades – tudo que nos apartou ao longo dos anos.

E a ausência de trabalhos históricos que relatem os pontos de união, as vastas

experiências de vida comunal que ocorreram no mundo.

Pode parecer óbvio que um grupo que deseja uma nova sociedade e, por

conseguinte, uma nova mentalidade, encontre na educação e na cultura a forma de

desenvolver isso em profundidade e escala. É visível o “sucesso” de seu uso pela

Igreja e pelo Estado como estratégia eficaz de manter o controle sobre os corpos e

mentes domesticados para atender seus interesses. Os anarquistas buscaram na

educação e cultura ao mesmo tempo ferramentas de combate à estrutura existente e

de criação do novo.

De acordo com Flávio Luizzetto (1987) a educação passou por

primordialmente duas fases no movimento anarquista: O primeiro período teria

ocorrido entre os anos de 1840 e 1882 fortemente marcados pela participação de

Proudhon e Bakunin. O segundo período, de 1882 até os anos 20 do século XX,

teriam como militantes e pensadores do movimento anarquista, Kropotkin e

Malatesta. O ano de 1882 seria o divisor de águas dos períodos por ser o ano de

divulgação do Programa Educacional elaborado pelo Comitê para o ensino

anarquista.

O primeiro período era caracterizado por realizar fortes críticas ao ensino que

vigorava, ou seja, o dominado pelo Estado e/ou pela igreja, pois esse ensino só

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reproduzia as formas de dominação. Período em que foram pautadas propostas

genéricas para modificar a educação. Com a divulgação do programa deu-se inicio

ao segundo período que já apresentava de forma mais clara o combate direto ao

ensino instaurado, com uma opção para substituir o modelo existente, apostando no

poder transformador da educação, desde que sustentada por bases igualmente

transformadoras.

Muitos foram os trabalhos acadêmicos que dedicaram suas pesquisas à

análise da pedagogia libertária de um ponto de vista mais institucional, ou seja, a

partir das escolas, centros de cultura, ateneus, entre outras instituições culturais e

educacionais, desenvolvidas nos moldes do programa educacional apresentado pelo

"Comitê para o ensino anarquista", de 1882. Tal programa contou com a grande

colaboração de Paul Robin, que já havia desenvolvido experiências educacionais no

"Orfanato Prévost" na França. O Comitê buscou definir no "programa" uma

compilação de princípios que deveriam ser adotados pelos educadores, baseado em

experiências que já estavam ocorrendo, tendo então a certeza que era possível

colocarem em prática tais preceitos. Vejamos o que diz o próprio programa sobre a

atuação dos educadores:

Deveriam, em primeiro lugar, suprimir três práticas habituais nas escolas: a disciplina, os programas e as classificações. A disciplina, porque "gera a dispersão e a mentira"; os programas, porque "anulam a originalidade, a iniciativa e a responsabilidade"; as classificações, porque causam "a rivalidade, a inveja e o rancor". Uma vez suprimidas essas práticas, "o ensino", prossegue o documento, "deverá e poderá ser verdadeiramente: a) Integral, isto é, favorecer ao desenvolvimento harmonioso de todo o indivíduo e fornecer um conjunto completo, coerente, sintético e paralelamente progressivo em todos os domínios do conhecimento intelectual, físico, manual e profissional, sendo as crianças exercitadas nesse sentido desde os primeiros anos; b) Racional, isto é, fundamentado na razão e conforme os princípios da ciência atual, e não na fé: no desenvolvimento da dignidade e da independência pessoal, e não na piedade e na obediência; na abolição da ficção divina, causa eterna e absoluta da servidão; c) Misto, isto é, favorecer a co-educação sexual numa comunhão constante, fraternal entre meninos e meninas. Essa co-educação, ao invés de constituir um perigo, afasta do pensamento da criança as curiosidades malsãs, e torna-se uma ocasião para sábias condições que preservam e asseguram uma alta moralidade; d) Libertário, isto é, numa palavra, consagrar em proveito da liberdade o sacrifício progressivo da autoridade, uma vez que o objetivo final da educação é formar homens livres que respeitem e

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amem a liberdade alheia” (KROPOTKIN, 1976, p. 200-201 apud LUIZETTO, 1986, p. 24)

Na própria pesquisa de graduação (SANTOS, 2010) já ressaltava que se,

ainda hoje, no mundo ocidental, pensar em abolir práticas como a disciplina, os

programas e as classificações parecem levar ao caos, transportando essa proposta

para sua época em 1882, em que a educação (em sua maioria religiosa) era pura

disciplina que seguia um programa fechado e servia para classificar os homens, isso

significou modificar por inteiro uma estrutura, buscando na educação fonte para

espelhar na sociedade outras formas de sociabilidade.

Ao invés da disciplina, era estimulada a cooperação, ou seja, o

desenvolvimento de atividades em conjunto respeitando a liberdade de todos.

Substituíam-se os programas por um meio, em que, cada aluno faria seu caminho

de acordo com suas escolhas, sendo que, nesse momento o professor deveria

apenas mediar o caminho do aluno ao conhecimento, fazer a apresentação das

possibilidades de estudo e estar aberto a receber alternativas dos alunos,

incentivando a originalidade. Uma vez sendo abolidos os programas, os alunos

podem conquistar um saber único. Para os elaboradores de tal pedagogia, isso, ao

invés de causar rivalidade ou inveja, traria à tona a individualidade e singularidade,

assumindo que há diferenças, mas que essas não os classificam como superiores

ou inferiores.

Também propuseram incluir nessa educação a interligação das diferentes

habilidades físicas, manuais, intelectuais e profissionais no sistema integral; em um

momento em que a distinção entre quem exercia trabalhos manuais e intelectuais

separava os homens em classes, resultando numa distinção de tratamento.

A ideia de um ensino racional baseado na ciência afrontava a Igreja,

responsável pela educação da época, que tinha por base seus dogmas, que

justificavam a posição que cada homem poderia ocupar na sociedade, alegando um

querer divino do sofrimento de alguns e da felicidade e sucesso de outros. Por isso,

a religião foi considerada pelos anarquistas causa da servidão – ou de sua aceitação

passiva.

Ousadia maior, para a época, foi propor seu caráter misto. Em um mesmo

espaço, meninos e meninas recebendo o mesmo ensino. A coeducação sexual foi

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um dos pontos mais inovadores, pois nessa época, as meninas das classes mais

abastadas até podiam estudar, mas em colégios para meninas, nos quais o sexo

oposto não poderia estudar, na maioria das vezes colégios de caráter confessional.

Francisco Ferrer amplia a questão da coeducação, não só para a questão de

gênero, estendendo-a às questões sociais ou de classe. Desenvolve fortemente a

necessidade de fazer conviver ricos e pobres, e de dar-lhes o mesmo ensino. Isso

porque, se fosse uma escola só para desprovidos, esses iriam desenvolver o ódio

para com aqueles que exploram e subjugam os outros. Por sua vez, uma educação

só para ricos os faria querer, cada vez mais, assegurar seus privilégios. Fornecendo

a ambos, ricos e pobres, burgueses e proletários, um mesmo ensino baseado na

racionalidade, seria um meio de não reproduzir as desigualdades da sociedade de

classes, sem antecipar ódios, amores, adesões ou rebeldias. (LUIZETTO, 1986 p.

27-28; GALLO, 1995, p. 196-197)

Libertário, dimensão moral da educação anarquista para o desenvolvimento

da solidariedade, ensinar a amar a liberdade não somente sua, mas do outro.

Mudando a perspectiva das competições e indo ao encontro da cooperação, do

apoio mútuo de Kropotkin.

Após realizar a leitura de algumas pesquisas que abordam o tema da

pedagogia libertária, base da pesquisa de graduação e, de certa forma, para esta

pesquisa de mestrado, foi possível constatar como fomos condicionados pela

"escola" e também por sua extensão acadêmica – a universidade – a manter o foco

das pesquisas em uma visão da educação muito dependente da escola, da

instituição, o que na perspectiva anarquista ou libertária, torna-se uma contradição

latente. Como uma pedagogia, com bases em princípios libertários/anarquistas,

totalmente avessos à institucionalização, vai justamente criar um "programa" para

suprimir os programas? Combater a "escola", criando escolas? Lógico que isso seria

uma constatação muito rasa, pois há sem dúvida diferenças essenciais entre um

modelo e outro, principalmente no tocante à sua forma de gestão, de organização.

Maria Oly Pey demonstra que a diferença está na estrutura autoformadora:

A mentalidade anarquista tem sido autoformadora. Sempre se tem distanciado de confundir aquisição de conhecimento com disciplinas escolares, em classes acadêmicas, em instituições piramidais. Cada

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vez que os anarquistas fizeram funcionar escolas, inventaram para elas uma prática educativa que fez revolucionar as estruturas e o funcionamento escolar. (2000, p. 67)

Ainda nesse texto a autora deixa claro o motivo da repressão das instituições

quando um professor dentro de uma estrutura hierarquizada tende a modificar sua

prática educativa, para uma prática anárquica:

(...) evidentemente a instituição reprime não porque possa causar danos pedagógicos na ordem dos discursos, ou seja, no funcionamento da tarefa de ensinar - argumento institucional imediato -, mas porque causa dano na ordem estrutural das coisas, isto é, no funcionamento da máquina hierarquizante. Dado que relações de poder hierarquizadas fomentam subjetividades que, no mínimo, consideram as hierarquias como integrantes naturais da ordem das coisas, anarquizá-las significa potenciar o surgimento e desenvolvimento de tipos de subjetividades outras, talvez singulares, talvez plurais, porém desestabilizantes da ordem hierárquica que, via de regra, constitui sujeitos e o seu histórico de sujeições. (p. 68-69)

Nessa pesquisa de mestrado, um dos objetivos foi acompanhar a trajetória de

uma pessoa que expressava sua prática educacional e libertária cotidianamente, nos

mais singelos gestos, com uma formação primordialmente autodidata e militância

ativa. Jaime Cubero, personagem ímpar para o movimento anarquista, com uma

ética e conduta integralmente voltadas aos princípios libertários, é, nesse trabalho,

pesquisado na área da educação por compreendê-lo como um educador singular.

Para elucidar sobre o que chamamos de princípios libertários, farei uso das

próprias palavras de Jaime Cubero, extraídas do texto "As Ideias-força do

Anarquismo" (s/d), porém encontradas também no texto "Razão e Paixão na

Experiência Anarquista" (2007):

O anarquismo não é uma doutrina rígida, com artigos de fé, tábuas de lei, com profetas, com excomunhões, processos de heresia e sanções. É antes um conjunto de doutrinas e princípios, cujos postulados básicos são convergentes, e sempre aberto às novas contribuições. Esses postulados básicos formam um fundo comum, que no amplo universo das múltiplas e alternativas atividades libertárias são o anarquismo propriamente dito. O sentido de justiça e equidade, a revolta contra a exploração econômica do homem pelo homem, o combate ao Estado com a consciência plena de que é a instituição que garante o regime de exploração e o privilégio como fonte geradora de opressão e violência sobre o indivíduo e a coletividade, a liberdade como um dos mais altos valores humanos (liberdade e autonomia plenas a partir do indivíduo para a associação livre), solidariedade e apoio mútuo. (...) Combate a todas as formas de autoritarismo, combate a todo poder de coerção, a

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tudo que restringe, limita, sufoca e asfixia o potencial criativo do ser humano. (p. 05)

Logo, quando estou retratando um personagem como Jaime Cubero, e

afirmando que ele é uma pessoa que teve uma trajetória de práticas libertárias, é

esse aspecto que reafirmo: sempre aberto a contribuições; com um sentido claro de

justiça e equidade; contra a exploração econômica dos homens sobre os outros, ou

do Estado; contra a opressão e violência de toda a ordem; contra o autoritarismo e

todo poder coercitivo; lutando pela solidariedade e pelo apoio mútuo. Definir e

detalhar cada um desses conceitos renderia outra dissertação ou tese, mas sua

definição mais literal, já é o suficiente para sua compreensão no âmbito dessa

pesquisa.

Durante o trabalho o termo cultura libertária será utilizado para expressar a

prática e incorporação dos princípios libertários retratados. No campo antropológico

há uma vasta discussão sobre o conceito de cultura. Em particular, aprecio o debate

instaurado no trabalho de José Carlos Rodrigues em Antropologia e Comunicação:

Não existe rigorosamente A Cultura, que é apenas um conceito

totalizador, um artifício de raciocínio; mas miríades de culturas,

correspondentes à multiplicidade dos grupos humanos e a seus

momentos históricos. A Cultura é uma abstração, um artefato de

pensamento por meio do qual se faz economia da extraordinária

diversidade que os homens apresentam entre si e com o auxilio do

qual se organiza o que os homens têm de semelhante. (1989, p. 132)

Portanto, a cultura libertária seria apenas uma das miríades de culturas

possíveis no universo humano. Sabemos que esse conceito de cultura possui suas

armadilhas de rotular e generalizar um grupo que possuiu suas diversidades internas,

suas heterogeneidades individuais, como o próprio José Carlos Rodrigues nos alerta

(p. 165-172), porém sua utilização se dá na forma de pensar a vida em sua

dimensão coletiva e simbólica, atribuindo à vida sentidos construídos, expressos e

compartilhados por uma coletividade.

Porém, em alguns momentos cultura será mencionada sem um adjetivo, e

nessa forma a tratamos como o campo da criação, da transmissão, da apropriação e

da interpretação dos bens simbólicos e das relações que se estabelecem

(FERREIRA-SANTOS; ALMEIDA, 2012, p. 14). Em que sua criação e transmissão

possam ocorrer por meio de manifestações artísticas: teatro, poesia, pintura,

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literatura, a fim de que seus interlocutores possam se apropriar e realizar suas

interpretações a partir de suas bagagens, iniciando novamente o ciclo com suas

criações. Nessa esfera há um campo vasto para pesquisa, mesmo se restrito ao

envolvimento anarquista no campo artístico-cultural, pois foi para seus militantes

uma forma de propagar sua cultura libertária, e desta forma, constituir trajetos

autoformativos de valor educacional inquestionável.

A produção literária no movimento anarquista - alvo do belo trabalho

organizado por Antonio Arnoni Prado e Francisco Foot Hardman (1985) – é uma rica

demonstração do uso da cultura como resistência, luta, e criação.

Longe do andamento figurativo e esquemático do romance humanitário aberto às teses anarquistas (heróis redentores, moralismo purificado, humanismo artificial do locus amoenus), impunha-se o registro da opressão cotidiana que transformava a palavra em instrumento de sobrevivência, experimentando a narrativa curta na percepção do flagrante ou reinventando o teatro pedagógico de ação direta. (op.cit., p. 11)

Michael Parenti (2007) alimenta o debate sobre Cultura, mostrando seu lado

arquitetado que não deve ser observada como um elemento neutro:

Nas ciências sociais acadêmicas ensina-se aos estudantes a pensar a cultura como algo que representa os costumes, os valores e as praticas acumuladas por uma sociedade, incluindo sua linguagem e sua arte, suas leis e religião. Tal definição soa muito bonita e neutra, porém a cultura é qualquer coisa, menos neutra. É algo mais que nossa herança comum, que o aglutinador social de nossa sociedade. O pensador político do século XVIII, Edmund Burke, referia-se a ela como o vínculo imponderável de consenso que mantém unida a sociedade. Porém a cultura além de ser um campo de consenso, também o é de conflito. Enquanto alguns de seus atributos são compartilhados por todos os membros da sociedade, outros não o são. Muitos costumes operam em beneficio de algumas pessoas em particular em prejuízo de outras. Em outras palavras, a cultura frequentemente é algo que envolve privilégios e desigualdades. No século XIX os alemães cunharam o termo Kulturkampf, que com o tempo passou à língua inglesa e que literalmente significa, “luta da cultura”. (p.15 – Tradução livre Doris Accioly e Silva)

A escola de Frankfurt, a partir da junção de elementos teóricos de Freud e

Marx elaborou uma crítica radical do que denominaram de indústria cultural,

desvendando os processos manipulatórios presentes na fabricação e na reprodução

de bens culturais na sociedade capitalista, processo esse ligado à alienação e a

perda de autonomia social e individual também no campo na cultura.

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Michael Parenti ainda nos alerta que o que chamamos de “nossa cultura

comum” é na realidade a transmissão seletiva dos valores da elite dominante que

busca justificar os seus privilégios alegando uma condição cultural como se fosse

natural e imutável.

A cultura não é uma força abstrata que flutua no espaço e desce sobre nós, embora dadas as formas aparentemente subliminares em que nos influencia pode parecer algo oblíquo e incorpóreo. Em resumo, nós recebemos nossa cultura através de uma estrutura social, de uma rede de relações sociais que implicam outros grupos primários, tais como a família, e outras associações comunitárias ou, como é cada vez mais frequente, através de instituições formais como as escolas, os meio de informação, as agencias do governo, os tribunais, as corporações, as igrejas, e o exército. Ligadas por relações comerciais ou por persuasão aos interesses dos que dominam a sociedade, tais instituições sociais se apresentam enganosamente como politicamente neutras, especialmente por parte dos que ocupam posições de mando dentro delas ou se beneficiam das mesmas. (op. cit., p.16 – tradução livre Doris Accioly e Silva)

Percebendo isso, os anarquistas foram ao combate para recriar essas

concepções, em todos os níveis da estrutura social, criando e disseminando sua

cultura libertária na prática. Dentro do cipoal em que se encontram os conceitos de

cultura e educação, é necessário insistir que a ação pedagógico-cultural dos

anarquistas era a arma para o embate direto contra a cultura estabelecida e também

a base que sustentaria a criação da nova sociedade:

Essa cultura de combate também se realizava na imprensa operária, nos centros de cultura social, no teatro, na poesia e até mesmo em obras científicas, como as de Élisée Reclus e Kropotkin. Tais práticas culturais e pedagógicas marcam um raro momento em que as classes trabalhadoras moldaram uma reflexão e um conhecimento próprio, inseparáveis das formas autogestionárias de suas lutas. A fecundidade da educação ácrata se expressa privilegiadamente na intensa criação teatral e literária, na imprensa, na proliferação dos centros de cultura, vividos como modo de ser da educação, essenciais à formação dos trabalhadores e anunciadores da futura sociedade anárquica. (ACCIOLY e SILVA & SANTOS, 2013, p.193)

Nessa direção a tese de doutorado de Rodrigo Rosa é elucidativa no que diz

respeito às concepções de ciência, conhecimento e educação entre os libertários

com destaque aos espanhóis.

Para além de um discurso de busca da “verdade” pela ciência, os anarquistas visavam fazer descer o foco central da ação política, virando do avesso as relações sociais estabelecidas, empoderando os trabalhadores e explorados, dando-lhes ferramentas que lhes

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permitissem sair das garras da igreja e da dependência dos patrões e de seus “especialistas”, cientistas e “sábios”. (...) Ao “politizar” a ciência, ou melhor, exigir um posicionamento dos intelectuais e cientistas, os libertários mantiveram sua crença na ciência, mas não naquela falsa ideia construída pelos poderosos de que o pensamento científico está acima ou fora das disputas políticas, e sim aquela ideia própria dos anarquistas de que a ciência em si é política e por isso um espaço privilegiado de disputa e de luta. (SILVA, 2013, p. 90)

Os anarquistas de uma forma geral são apreciadores de uma ciência viva,

observável, bela, e em constante movimento, cada olhar e cada palavra pode conter

uma nova descoberta, que não necessariamente invalide a anterior. Na

correspondência de Élisée Reclus é possível verificar tais concepções de forma

clara, não só no ponto de vista da ciência, mas de como ela deve ser apresentada

às crianças:

A Ciência deve ser algo vivo; caso contrário, não passa de ciência escolar miserável (...) A grande arte do professor, tanto de geografia como de qualquer outra ciência, consiste precisamente em saber mostrar tudo completamente e de vários e infinitos pontos de vista, a fim de conservar sempre o espírito estimulado e facilitar incessantemente novas conquistas. (RECLUS, apud CODELLO, 2007, p. 196)

Reclus, em uma carta datada de 1881, faz suas críticas ao uso de livros

escolares na formação das crianças. Aponta como esses livros podem cercear o

pensamento e a criatividade da criança. Tais livros carregam uma verdade dada,

irrefutável que se torna um alimento morto, pois se apresenta como algo já findado,

a que nada mais pode ser acrescido. Acredita que o professor possa fazer uso

desses livros para seu estudo comparativo, para levantar as diversas possibilidades

de compreensão que deverão ser transmitidas às crianças como algo vivo.

Para fazer a ciência viver, é necessário que a própria criança a viva, que acredite nela, por assim dizer, que a renove incessantemente e escute a cada uma de suas palavras como uma descoberta. RECLUS, apud CODELLO, 2007, p. 197)

Tais posicionamentos sobre a ciência foram debatidos por vários anarquistas.

Kropotkin declarou “No dia em que as letras e as ciências se virem livres da

escravidão mercenária tomarão o seu verdadeiro lugar na obra do desenvolvimento

humano” (2011, p.93). Malatesta por sua vez afirma que não é a ciência que faz

diferença entre os homens, mas os homens ao fazer uso dela:

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A ciência é uma arma que pode servir tanto para o bem quanto para o mal; mas a ciência ignora completamente a noção de bem e mal. Assim, não somos anarquistas porque a ciência nos ensina a sê-lo; o somos, entre outras razões, porque queremos que todos possam usufruir das vantagens e dos prazeres que a ciência proporciona. (1984, p.46)

A atuação anarquista no campo da criação artístico cultural foi igualmente

expressiva, no entanto, como bem pontuado por Prado e Hardman (1985), o objetivo

não era profissionalizar o militante como artista, a causa atrelada à mensagem a ser

transmitida era mais relevante do que sua forma:

Antes de mais nada, é preciso assinalar que o escritor libertário não é um escritor profissional e que, da sua perspectiva, a obra é produto muito mais da experiência coletiva do que propriamente o resultado de uma elaboração estética. No caso de seu trabalho, o que importa não é o texto e sim a decisão militante que repercute no gesto de escrever, o que leva a concluir que, para o anarquista, o impulso criador vale mais do que a própria obra. (p.15)

Além da não profissionalização artística dos militantes, para os anarquistas a

arte não deveria ser privilégio nem de acesso, nem de produção. Não eram poucos

os casos que os contos e outros escritos eram assinados anonimamente ou como

espírito popular, ou alma coletiva, pois eles valorizavam o individuo enquanto

pertencente a um coletivo, um povo:

(...) para os anarquistas as obras mais expressivas são aquelas que não têm autor conhecido, ou melhor: aquelas cujo autor se chama espírito popular, ou alma coletiva. A esse propósito, cabe lembrar a preocupação dos militantes do jornal Revolução em divulgar aos trabalhadores, em 1922, a ideia de que a arte libertária contemplava a existência simultânea de duas modalidades de artista: o artista-povo e o artista-indivíduo, que se alternavam numa atividade complementar de influência recíproca. Ou seja: só era possível a existência de indivíduos-artistas porque antes deles já existia um povo-artista. Daí a função pedagógica dessa arte-síntese que se interpõe entre o presente e o passado da humanidade, articulando luta e liberdade rumo à perfeita harmonia para a qual os anarquistas acreditavam estarem todos os homens destinados. (op., cit., p. 17)

As posições que Prado e Hardman compartilham a partir da pesquisa e

analise dos contos anarquistas, já estavam presentes nas contribuições libertárias

de Herbert Read (autor anarquista muito apreciado por Jaime Cubero) em seu texto

“Uma abordagem estética da educação”, escrito no ano de 1955, busca posicionar o

lugar da arte em nossa sociedade:

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Em todas as tentativas que fizemos para definir o lugar que a arte ocupa na sociedade, lutamos continuamente contra a ideia de que a arte é algo não natural, de que o artista é um indivíduo raro e excêntrico, que tem muito pouco a ver com o homem comum. Mas só os grandes artistas é que são diferentes, só o gênio é que é excêntrico. A apreciação da forma, a percepção do ritmo e da harmonia, o instinto capaz de criar coisas belas e funcionais – essas são as características normais do ser humano, inatas mais do que adquiridas e que certamente estão presentes na criança desde os primeiros anos de vida. Ensinamos arte às crianças – ou talvez nem cheguemos a fazê-lo – mas não percebemos que as crianças são, de qualquer modo, artistas. Tão inevitável como o fato de que caminham, cantam, falam e jogam, elas são também artistas. A arte é apenas um dos métodos que os homens utilizam para expressar-se – o método que lança mão do traço expressivo, da cor expressiva ou da forma plástica. (1981, p. 258)

Retomando a contribuição de Spinoza de que somos tanto mais livres quanto

melhor conhecermos o que não nos torna livres fica mais clara a preocupação dos

anarquistas em compreender o que é o poder em todas as suas formas, desde a

vida familiar, o Estado e a grande empresa. No que diz respeito à educação, os

anarquistas construíram, nessa perspectiva, a crítica prática radical da educação

estatal e capitalista, criando as escolas libertárias, para minimizar essas instâncias

que nos tornam menos livres.

É preciso lembrar também, que a corrente anarquista comunista

(LUIZETTO,1987) foi a vertente que mais influenciou as práticas libertárias no Brasil

e o próprio pensamento-ação de Jaime Cubero. Tendo como maiores expoentes

Kropotkin e Reclus, com o princípio do apoio mútuo, a partir da comunhão

indissociável do plano individual e coletivo:

O reconhecimento do outro como seu igual está na base da moral de Kropotkin, que assegura não ser necessária a coerção numa sociedade de iguais. Num regime igualitário “o homem poderia guiar-se apenas pela sua razão, a qual desenvolvida nesse meio social receberia necessariamente o cunho dos hábitos sociáveis desse meio. E assim poderia facilmente atingir a plena evolução de todas as suas faculdades, a íntegra expansão da sua individualidade” (LOPREATO, 2003, p. 568)

Segundo Castro (2010) foram esses mesmos princípios da ação direta e do

apoio mútuo que nortearam o agir dos trabalhadores rumo a elaboração de suas

próprias escolas que:

Conforme os princípios libertários, que rejeitam todas as formas de competição ou coação, seu objetivo fundamental se constituiu em

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capacitar cada aluno a ser o principal mestre de si, abolindo as avaliações para que não sofressem o opróbrio dos incapacitados ou os louros da vitória, capazes de desenvolver sentimentos de superioridade que comprometeriam a ética libertária. (p. 32)

Tal posicionamento, que está contido também em Francisco Ferrer, se

compromete com o mistério do conhecimento científico a serviço do homem, não o

contrário. Mesmo ocupando uma posição de destaque na formação dos indivíduos, a

razão significou somente uma das facetas dos seres humanos, à qual deveria ser

somados os desejos e emoções. (CASTRO, 2010, p. 39)

Em síntese, a pedagogia libertária deveria despertar a sensibilidade dos trabalhadores para o caráter integral dos seres humanos, superando as diferenças entre trabalho intelectual e manual. Ultrapassando o simples objetivo de capacitar operários adequados ao sistema produtivo, proporcionaria, por sua natureza, uma instrução integral capaz de oportunizar a analise da sociedade capitalista ao integrar o exercício intelectual das salas de aula à prática nas oficinas. Mostrando que qualquer proposta pedagógica inscreve-se em um projeto social, sendo construída no real e não nos livros. Pelloutier nos orientou para a constatação de que um movimento social autônomo depende da aplicação de propostas educativas autônomas, capazes de instruir para prática da autogestão das tarefas cotidianas.” (op. cit., p. 47)

Na concepção dos anarquistas o trabalho é uma forma do indivíduo utilizar o

máximo de sua capacidade, criatividade e habilidades contribuindo para o coletivo.

Esse tipo de trabalho em nada seria uma exploração. O fato de o trabalho ter uma

abordagem integral (força braçal e intelectual não dissociada) de possuir um sentido

claro da sua necessidade ou colaboração coletiva livremente escolhida e executada,

dispensaria o controle externo. Cada indivíduo autogere suas atividades. A

reciprocidade entre os indivíduo ocorreria no plano coletivo segundo a máxima de

Kropotkin “a cada um segundo suas necessidades, de cada um segundo suas

possibilidades”.

Para que os trabalhos fossem realizados a partir da livre escolha, era

necessário que anteriormente as pessoas pudessem conhecer as possibilidades

para efetuar a escolha. Portanto, a proposta pedagógica libertária incluía a instrução

nos diversos ofícios, para que desde a infância fosse possível ter contato com as

diversas possibilidades e ir desenvolvendo e aperfeiçoando as de maior afinidade.

Logo “a especialização deve vir depois de uma educação geral em que sejam

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incluídos tanto a ciência como os trabalhos braçais e busque a formação de pessoas

completas” (MORIYÓN, 1989, p.23). Com base nesses preceitos, CASTRO irá

contrapor a educação técnica à concepção anarquista de politecnia, já presentes em

Proudhon:

Contrapondo a educação tecnológica oferecida pelo Estado, que compreende o trabalho como um fim, a politecnia da aprendizagem o identifica como um meio, conectando pedagogia e luta revolucionária. Dedicada à formação de trabalhadores conscientes, inverte a lógica da ascensão social pela educação, colaborando para o florescimento de uma sociedade em que a autoridade coercitiva seja substituída por um processo de decisões que não aliene os indivíduos. (2010, p.47-48)

Após essa conceituação necessária para arar o terreno da pesquisa já é

possível observar o brotar de Jaime Cubero. A seguir uma breve apresentação de

sua trajetória que posteriormente será detalhada com as contribuições dos

depoimentos.

2.1. Brotando Jaime

Minha avó materna quando chegou de São Paulo

botou as mãos na cabeça e disse: Puxa vida, agora que tinha demorado um pouco mais vem dois!". A

outra avó disse: "Não se preocupe, um está morto, só vai ficar um". Esse que estava "morto" era eu, não

sabiam o trabalho que eu ia dar.

Jaime Cubero

Na própria fala de Jaime Cubero encontro as justificativas para seguir a

pesquisa, e tentar diminuir a dívida que temos com ele, para que sua prática não

desapareça como a de tantos outros a cujas histórias e trajetos não tivemos acesso:

Não vou descrever a militância em detalhes. O pessoal quer que eu

escreva minhas memórias, se eu tiver fôlego vou fazer alguns

registros. Apesar de ter muita gravação por aí, às vezes as pessoas

desaparecem. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 21).

Valverde: Você já pensou em assentar no papel tudo que você sabe,

pensou e viveu como militante libertário?

Jaime: Já cheguei a pensar e às vezes me dá vontade de começar a

fazer um registro, mas até agora não parei para fazê-lo (...) Eu

poderia até escrever mais, refletir e produzir mais, mas só tenho

escrito quando sou solicitado a fazer. Tem uma parte de minha

função aqui no Centro de Cultura que é burocrática, então mantenho a

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correspondência em dia, e artigos vou produzindo aos poucos.

(CUBERO apud VALVERDE, 2007, p. 407 – grifo meu)

Infelizmente não houve tempo, Jaime Cubero se dedicou muito a escrever

tudo o que lhe era solicitado, pesquisar o que as pessoas gostariam de compreender

melhor, fazer palestras, etc., mas não pode registrar suas memórias. Isso não

poderei resgatar, mas o que pretendo é utilizar seu próprio material e os

depoimentos sobre a sua pessoa, para remontar uma trajetória que foi, sem dúvidas,

uma trajetória de práticas libertárias para a educação e para a vida.

Jaime Cubero nasceu dia 5 de abril de 1926 em Jundiaí e faleceu em São

Paulo no dia 20 de maio de 1998. Perdeu o pai muito cedo e vindo para São Paulo

para se tratar de uma enfermidade criou amizade com o filho de um espanhol e

pouco a pouco, por meio dessa família que conhecerá ainda na infância, foi tendo

contato com as ideias anticlericais e anarquistas de uma forma geral.

Começou a trabalhar em uma fábrica antes de completar 11 anos e teve que

abandonar o estudo formal em virtude do trabalho. Aprendeu o ofício de sapateiro

com os tios, foi jornalista no "O Globo" e após se envolver em uma greve foi demitido.

Durante o período do regime militar de 1964 volta a trabalhar com sapatos, em uma

loja da família.

Sua militância no movimento anarquista desde muito jovem ficou ainda mais

forte quando aos 18 anos assumiu o cargo de Secretário Geral do Centro de Cultura

Social e foi sempre reconduzido ao cargo até 1954 quando muda para o Rio de

Janeiro onde morou por 10 anos.

O Centro de Cultura Social - CCS foi fundado em 14 de janeiro de 1933 em

São Paulo, retomando os ideais de outras entidades anarco-sindicalistas e libertárias

existentes no inicio do século XX. Segundo Cubero:

(...) cada associação, união, liga, ou como se chamasse a entidade profissional fundada, procurava criar seu centro, ateneu ou grêmio cultural, transportando para o Brasil a prática do Movimento Libertário europeu e a preocupação permanente dos anarquistas com a educação e a cultura. (2012, p.1)

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O CCS assim como outros centros libertários sempre se propôs e mantém o

desenvolvimento de atividades sociais:

(...) apoio às lutas das comunidades participando sempre a favor da autogestão e contra a manipulação de partidos políticos; incentivando a cultura e a educação libertária, organizando palestras, cursos, festas, cinema, teatro, bibliotecas e tudo o que a criatividade num espaço não reprimido possa germinar. (op. cit., p.5)

A participação de Jaime Cubero na área da educação se deu de várias

formas. Sua prática pedagógica estava sempre calcada na perspectiva libertária, em

todas as palestras, peças teatrais, orientação às pesquisas acadêmicas ou não, nas

conversas dentro do CCS ou mesmo em sua casa, tudo gerava momentos de troca

de conhecimento, momentos de vivência e construção de saberes.

Para exemplificar o que é a educação libertária aproveito as palavras de

Maria Oly Pey: por educação libertária, entendo todas as experiências educativas

que pensem e vivam a liberdade, a solidariedade e autogestão entre indivíduos e

grupos, com vista à sua autonomia e autoformação (SIEBERT, 1996, p.9).

Jaime Cubero passou pelo golpe de 1930, por toda a Era Vargas, pela

Constituinte de 1946, pelo período pós-segunda Guerra Mundial, pelos governos

Juscelino, Jânio Quadros e João Goulart, O golpe e a ditadura militar, a

redemocratização, o desenrolar da constituição de 1988, o plano real,

acompanhando também todas as mudanças no cenário internacional. Para melhor

contextualização dos cenários que cercaram a vida de Jaime Cubero, ao final do

trabalho está disponível uma cronologia com fatos ocorridos dentro e fora da

conjuntura do movimento anarquista.

Por falta de oportunidade para seguir seus estudos, Jaime Cubero só teve 3

anos de ensino formal, concluindo o primário aos 10 anos de idade. Não fez o 1º ano

por falta de vaga e foi matriculado direto no 2º ano primário. Tornou-se um

autodidata que teve importante contribuição na formação de vários estudiosos e

militantes antiautoritários, igualmente nos meios universitários e estudantis de forma

geral, orientando informalmente inúmeras teses sobre a história das lutas sociais no

país e a própria pedagogia libertária.

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Accioly e Silva (2011) constata a importância de compreendermos a

pedagogia libertária, principalmente por suas experiências que conciliam conceitos e

práticas, separados em uma configuração formal e tradicional de ensino:

A paixão pedagógica dos anarquistas, sua aplicada dedicação ao ensino e às outras atividades culturais, a criação de uma prática teórica simultaneamente social e política, educacional e cultural, inseparável da forma de suas lutas, são ângulos ainda pouco explorados pelos estudiosos da educação e constituem pontos importantes para a compreensão crítica de nossas próprias dificuldades como educadores. (p.101)

Essa paixão pedagógica pode ser observada por meio da trajetória de Jaime

Cubero. No entanto, Jaime Cubero dizia que "o anarquismo tinha que ser

primordialmente vivido e não explicado" (apud MOREL, 1998, p. 1) e ele o viveu

intensamente.

Para Jaime Cubero a definição de anarquismo é "um conjunto de postulados

gerais e convergentes, derivados de algumas ideias-força fundamentais como a

liberdade, a responsabilidade e o antiautoritarismo" (CUBERO apud MOREL, 1998,

p. 2). Mas Jaime Cubero não se limitou a compreender somente o universo

anarquista, fazia questão de estudar sobre diferentes assuntos, diferentes vertentes

políticas e ideológicas, pois mesmo tendo escolhido desde muito cedo como visão

de mundo o anarquismo, não deixou de tentar entender os fundamentos e as

posições de outras concepções, ainda que contrárias às suas escolhas pessoais.

Por ter uma amplitude de pensamentos e ideias ele conseguia dialogar com

diferentes públicos e foi reconhecido como um grande mediador, buscando sempre

apaziguar situações conflitantes, sugerindo sempre que buscassem compreender a

posição alheia para que não agissem no impulso.

A educação libertária pode supor um fim e um meio, um caminho que necessita de uma instância apaziguadora, tranquilizadora, uma forma de nos auto-educar para a pacificação e a harmonia que nos ajuda a superar, a confrontar e a resolver, a conviver com os erros e os acertos, com a própria rebeldia e com a resignação aprendida e herdada de séculos e que induzem a uma reflexão profunda sobre os sentimentos, sobre a razão, sobre a imaginação, sobre o poder. (MONTERO, 2000, p. 49)

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Maria Oly Pey, na mesma sintonia que Accioly e Silva (2011), revela motivos

para que os estudiosos da área da educação pesquisem, compreendam e

primordialmente experimentem a proposta anarquista:

A conveniência e a atualidade da educação libertária decorre da falência das organizações de ensino heterogestionadas, quer de origem estatal, quer de origem confessional ou empresarial, que não dão conta de trabalhar os saberes, aproximando-os da realidade, fazendo sentido para quem aprende e para quem ensina. (SIEBERT, 1996, p.10)

Por considerar Jaime Cubero como um militante, que em seu papel educativo

estabeleceu o diálogo e a coerência teórico-prática indispensável à experiência

libertária de ensino, é possível afirmar que ele foi, e ainda o é, um dos motores do

movimento:

A educação libertária tem existência quando, na pequenez do

cotidiano, nos grupos que se geram, existem pessoas que, como

motores, se movem buscando o coletivo, o avanço, o estudo e a

investigação no mais recôndito da imaginação destas pessoas e

grupos, para transgredir o irremediável. (MONTERO, 2000, p. 49).

Resgatar a trajetória de Jaime Cubero - que viveu entre 1926 e 1998,

vivenciando diferentes fases da história e também do próprio movimento anarquista,

convivendo com alguns dos idealizadores da educação libertária em São Paulo

(primeiras décadas do século XX), assim como com os anarco-punk das décadas de

1980 e 90 - é tarefa árdua, porém, necessária para compreender o próprio

desenvolvimento das concepções libertárias no Brasil.

Com esse panorama geral de Jaime Cubero e de sua atuação, necessário

para romper a terra que o cerca e fazê-lo brotar, sigo compartilhando sua trajetória

ao longo do desenvolvimento da pesquisa, regada por depoimentos colhidos da

fonte.

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CAPÍTULO III - Trajetória de Jaime Cubero, irrigada pelos depoimentos

3.1. Gerações em constante renovação

Ao ler o texto que Cubero escreveu sobre Edgard Leuenroth, em 1986, é

possível perceber como alguns traços se repetem, principalmente, em sua descrição

de quando o conheceu, assim como no depoimento de Miquelina Veiga e Nilton

Melo sobre quando conheceram Jaime Cubero, apresentando-se quase como em

um ciclo dessa constante renovação de gerações:

Éramos um grupo de jovens, e o Edgar, como nós o chamávamos,

então com 64 anos, discorria com entusiasmo juvenil sobre a

reorganização do Movimento Anarquista, após a queda da ditadura

getulista. (CUBERO,1986, p. 1)

Miquelina Veiga:

Eu me lembro que quando eu cheguei e vi o Jaime assim eu falei:

"Nossa mas como ele é velhinho". (risos) (...) foi uma surpresa, por

que as pessoas que eu conhecia eram pessoas não tão velhinhas (...)

mas o discurso dele era muito jovem, a maneira como ele colocava as

coisas, e contava as histórias, já ali naquele momento, foi um

momento muito interessante. (apud SANTOS, out/2013, p. 1-2)

E ao mesmo tempo surgia uma dúvida "Será que a gente vai poder ter

um diálogo? Vai haver um diálogo?" E não só houve como em vários

momentos eu já tinha a impressão que o Jaime era um dos mais

jovens ali (risos) essa questão da jovialidade era um traço muito

marcante. (apud SANTOS, out/2013, p. 2)

Nilton Melo:

Sabíamos que tinha um espaço anarquista onde tinha os velhinhos,

(risos) que é assim que nós nos referíamos:

- olha tem o lugar dos velhinhos...

- onde é?

- O Centro de Cultura Social, o CCS, lá no Brás. Vamos lá?

- Vamos! Vamos lá!

E fomos lá. Na verdade, quando, por exemplo, eu e outros

companheiros, outros colegas, fomos ao CCS procurando, quase

como uma referência, um ícone que a gente via nos livros. (apud

SANTOS, out/2013, p. 6)

Nos relatos também é possível observar que há um cenário histórico

semelhante. Em 1945 o fim de ditadura getulista, em 1985 uma abertura do regime

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militar, iniciado em 1964, são os panos de fundo para que jovens se reúnam para

ouvir de "velhinhos" os conceitos e ideais do movimento anarquista. Uma busca de

coligar forças para continuar na caminhada em busca de uma sociedade plena em

liberdade e solidariedade. Isso sinaliza que os ideais e os anseios permanecem ao

longo do tempo, não se trata de algo efêmero, ou de um "modismo". São ideias que

mantêm acesa a chama da esperança nos mais velhos e que se acendem

facilmente no coração dos jovens, que estão repletos de um combustível inflamável,

conhecido pelo desejo de mudança.

Em uma entrevista realizada com Jaime Cubero em 1998, ele aponta como os

períodos de repressão e censura podem provocar rupturas no movimento:

As ditaduras acabam com o movimento. Após a redentora, da nossa

geração sobraram muito poucos, houve um hiato, um verdadeiro

abismo entre as novas gerações e a velha. Tanto que hoje o

anarquismo vem ressurgindo com grupos de jovens, sem nenhum

vínculo com o anarquismo tradicional. Surgem espontaneamente,

quase como cogumelos. (apud SILVA, 2012, p.17)

Ambos, Cubero e Leuenroth, foram autodidatas e tiveram que abdicar do

estudo formal para trabalhar, mas isso não os separou do grande desejo pelo

conhecimento. Leuenroth foi militante expressivo no movimento anarquista e ficou

conhecido no meio acadêmico após a inauguração de seu acervo na UNICAMP.

Cubero, por sua vez, com o mesmo potencial afirmado anteriormente, é mais

conhecido por aqueles que tiveram contato com ele pessoalmente ou com seus

poucos textos publicados. Ainda assim, sua lembrança e exemplo têm uma

repercussão considerável, inclusive no movimento anarquista em outros países,

como Itália, Espanha, Argentina e Uruguai.

Jaime Cubero conclui o texto sobre Leuenroth usando parte de uma metáfora

do próprio Edgar Leuenroth, que pode se aplicar ao seu próprio legado:

Quando lembro do amigo, do companheiro de personalidade forte, que ainda em seu leito de morte queria ter o material em suas mãos para trabalhar em livros planejados, ainda em setembro de 1968, quando no dia 28 veio a falecer, penso que é preciso continuar "juntando pedras para construir o edifício libertário" para manter a dignidade da vida e sermos coerentes com todos os que dedicaram a vida com dignidade pelos ideais de superação humana. (CUBERO,1986, p.5)

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Nessa investigação prefiro pensar em sementes, e não em pedras. Mesmo

que as pedras possam construir o edifício libertário, ele estaria concentrado e

poderia ser demolido e só nos sobrariam destroços sem vida. Mas as sementes

podem manter vivas a sua essência e ser germinadas de forma pulverizada, onde

haja um pedacinho de terra, mesmo que entre as calçadas de concreto.

Na década de 1980 e 90, o movimento Punk começa a "pipocar" em São

Paulo, formado em sua maioria por jovens da periferia revoltados por sua baixa

condição financeira, pela falta de acesso à educação universitária, o desemprego,

etc. – dentro de um contexto histórico em que a censura e a repressão do regime

militar diminuía. Os Punks demonstravam em seus corpos (cabelos moicanos,

brincos, tatuagens), em suas roupas (rasgadas e remendadas) e em seu estilo de

música a revolta e a não aceitação do modelo consumista e conservador da

sociedade. Esse movimento encontrou no anarquismo um conhecimento que seria

basal para suas discussões e objetivos. Criaram uma nova terminologia para esse

grupo um pouco mais direcionado, os "anarcopunks".

Os anarcopunks começaram a frequentar o Centro de Cultura Social (CCS),

como foi o caso de Nilton Mello que relata sua própria experiência:

Éramos um número expressivo de indivíduos, inclusive que hoje estão ai, que você deve encontrar por aí nas palestras, já estão carecas e barrigudos, nós subimos aquelas escadas ainda jovens - porque querendo ou não, já faz 20 anos. E quando cheguei eu estava no movimento punk, mais especificamente no grupo anarcopunk, que era um agrupamento, uma tendência um pouco mais politizada, do movimento punk, que inclusive foi o que me incentivou a participar, por que eu nunca fui necessariamente "nossa como era punk, punk pra caramba" (risos), era um punk mais ligth. Mas os punk com a sua própria dinâmica, tinha os grupos, mas tinha uma coisa: (...) nós éramos donos de um conhecimento, embora muito delgado. (apud SANTOS, Out/2012, p. 6)

Durante a conversa, Nilton Melo conta que dentre as pessoas que participam

atualmente do CCS, cerca de 70% são os "ex-punks" que foram acolhidos no Centro

de Cultura, em especial pelo próprio Jaime Cubero, que era, entre os velhinhos, o

único que tinha mais paciência com eles. Vejamos o que o próprio Cubero diz a

respeito:

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Só para abrir parênteses aqui eu não considerava os punks uma instância anarquista. (...) Depois é que evoluíram e formaram o anarcopunk, aí já passaram a estudar. (apud SILVA, 2012, p. 30-31)

A Folha de São Paulo tem uma série de editores comunistas e marxistas, e foram me entrevistar enquanto anarquista. A manchete foi: "Movimento punk sucederá o movimento anarquista". Eu não falei isso, de jeito nenhum. Estão distorcendo tudo.

[...]

O jornal O Estado de São Paulo que é muito mais direitista, formal, tem sido fiel em todas as matérias que tem feito com os anarquistas, comigo. Depois ele dá a opinião que quiser, mas não altera a matéria. É por aí. Os punks hoje vão no Centro de Cultura, têm uma aproximação. (op. cit., p. 33)

Várias vezes os punks estiveram entre velhos e eu me dou muito bem com eles, com os anarcopunks. Eles me procuram... Eles evoluíram muito e ainda têm o que muitos velhinhos, que já estão mais para lá do que para cá, não têm: o vigor da juventude, uma grande ânsia de liberdade, uma força tremenda de trabalho, são decididos, enfrentam as situações... (op. cit., p. 31)

Jaime Cubero tornou-se uma referência para os anarcopunks, e em alguns

momentos, quando eles acabavam tendo problemas com a polícia por vandalismo,

ou mesmo por fazerem atos antimilitares em pleno 07 de setembro, eles acabavam

chamando-o para ir à delegacia interceder por eles, como nos confirma Parmênides

Cuberos:

A questão dos punks é verdade, isso eu sou testemunha (...). Nem todo mundo dos velhinhos gostavam dos punks. (...) Eles iam lá e botava o radião alto para escutar musica punk. Conversavam alto. (...). Foi na época do natal. Houve um movimento de fazer uma passeata contra o Papai Noel ou alguma coisa assim. E eles foram presos e realmente chamaram o meu tio. (apud SANTOS, Dez/2013, p.4-5)

Houve, porém um caso entre os punks que deixou todos os militantes mais

desconfiados, causando muita discussão dentro do grupo. Mesmo sem perguntar, o

caso do Leonardo Morelli apareceu nas duas entrevistas e o próprio Jaime Cubero

relata o caso em uma entrevista:

[...] um sujeito que acabou prejudicando demais o movimento. Ele foi até no congresso da AIT representando o movimento, fez coisas tremendas. A editora "Madre Tierra", só de livros anarquistas, mandou para ele 8.000 volumes de diferentes livros, pois ele disse que era capaz de distribuir na América Latina, e ficaram todos presos na alfândega, ele não foi nem buscar. Hoje ele é aliado do Maluf (...) Ele

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foi, praticamente, o responsável por arrasar o movimento anarco-sindicalista no Brasil. Agora é muito mais difícil. Os grupos começam a perder credibilidade. Um sujeito só fez esse estrago. Por isso que nós temos que tomar cuidado, tem que ter responsabilidade. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 30)

Miquelina Veiga relatou como esse assunto predominou em muitas e

exaustivas discussões, mesmo muito após o ocorrido. Descobri, pelo Parmênides,

que recentemente o referido Morelli prejudicou novamente o movimento, invadindo o

sítio:

Leonardo Morelli (...) um cara que começou frequentar lá o centro. Aí não foi só o meu tio, né? Ele levou muita gente no bico, né? Entrou, começou a participar das reuniões. Fez palestra e tudo. Teve na época o COB [Confederação Operária Brasileira]. Ele pegou uma grana desse movimento aí foi pra Europa, ficou lá... Um filho da puta. Ele reapareceu aí um mês atrás invadindo esse sítio aí que você está se referindo. (apud SANTOS, Dez/2013, p.15)

Esse foi um dos fatores que levou o movimento a se fechar e agir de forma

mais desconfiada e precavida com as pessoas que não eram muito conhecidas.

Faço questão de destacar esse fato, pois se foi lembrado por todos os entrevistados

não poderia ser ocultado.

Imagem 01 – Jaime Cubero compartilhando conhecimento com público mais jovem

Jaime Cubero, Edson Passetti, Paulo Collen e Leonardo

Morelli no CCS em 12/DEZ/1987 Jaime Cubero apresentando o tema “Anarquismo: uma

discussão sobre o verdadeiro socialismo”, à direita Roberto Freire. Foto de Rui Takeguma em Espaço Cultural Rabo de Arraia / Olinda – PE (20/03/1991)

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

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3.2. O Centro de Cultura Social – CCS

O Centro de Cultura Social de São Paulo, mais conhecido como CCS, foi o

espaço de maior atuação de Jaime Cubero e tinha como proposta ser um espaço

aglutinador de pessoas que estivessem interessadas em adquirir conhecimentos,

cultura, debater assuntos variados, não exclusivamente anarquistas, como

Parmênides pontua:

O Centro de Cultura nunca foi anarquista nos estatutos. Obviamente foi, mas nele veio pessoas de toda matriz ideológica e era muito aberto. Qualquer pessoa que entrava ali se ouvia e falava-se, mas tinha que ouvir o que as pessoas propunham e dialogar. Isso é importante. Um pouco o paralelo do meu tio, ele tinha uma bondade muito grande. Ele sentava com qualquer um. Falava sobre anarquismo ou educação libertária. Ele conversava com qualquer um. Se a pessoa era uma pessoa interessada, um “porra-louca” ou qualquer um... Isso é uma grande qualidade, eu acho. (apud SANTOS, Dez/2013, p. 4)

Embora Parmênides relate que "tinha que ouvir o que as pessoas propunham

e dialogar" isso não era tão harmonioso como pode aparentar, muitas pessoas

interrompiam as falas e ofendiam uns aos outros. Nesses momentos Jaime Cubero

também aparecia como um apaziguador, para tentar acalmar os ânimos e retomar

as atividades. Como todo espaço que se mantém aberto ao público em geral, muitos

passam, mas nem todos criam raízes:

Pelo CCS, de vez em quando, passam também os doutrinadores, os sisudos, os presunçosos, os zombeteiros. Passam rápido, como os efêmeros anarquismos em época de liberdades, os anarco-espertinhos em busca de projeção individual, os anarco-pluralistas de ocasião, os anarco-marxistas datados, os anarco-turistas, os democratas juramentados, o pessoal que aprecia a frente, e os que dizem saber qual é o verdadeiro anarquismo. Estes, então, passam mais depressa, ligeirinhos e circunspectos, sem notar a salutar comicidade que olha para essa massa como anarco-isso ou aquilo, como ensinou o marcante Jaime Cubero, nos anos 1980 e 1990, diante dos sabichões e parlapatões. (PASSETTI, 2007, p. 72)

Para compreender a estrutura do CCS, é necessário resgatar a origem e os

princípios, e ninguém melhor para falar do Centro de Cultura Social, e um pouco da

sua história, do que o próprio Cubero:

O Centro de Cultura Social foi fundado em 14 de Janeiro de 1933 e tem (tinha) sua sede na R. Quintino Bocaiúva 80, no centro de São Paulo. No mesmo endereço funciona (funcionava) a Federação

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Operária de São Paulo (FOSP). Nesse ano se intensifica a luta anti-fascista e centenas de manifestos e panfletos conclamando para comícios e manifestações são produzidos e distribuídos pelos anarquistas, assinados pelo CCS e FOSP. (CUBERO, 1989, p. 4)

Trata-se de uma origem extremamente ligada ao movimento operário e à forte

atuação dos sindicatos. Ainda que não se restringisse à classe trabalhadora, é ela

quem irá, na maior parte das vezes, desfrutar de experiências que o ambiente fabril

jamais poderia proporcionar.

É aqui que a luta econômica liga-se a uma ética e uma estética anarquista que ultrapassam o limitado e sufocante cotidiano fabril; novos lugares são inventados e um novo cotidiano é dado ao indivíduo na forma de bibliotecas, conferências, concertos, piqueniques, espetáculos filo-dramáticos e musicais, realizados pelos sindicatos ou por outras organizações por eles criados como o Centro de Cultura Social de São Paulo. São lugares cujo objetivo é fazer o operário encontrar, nas palavras de Neno Vasco, "o conforto convidativo da luz, do ar e da arte [antípodas do ambiente fabril], eí-lo definitivamente roubado às consolações dúbias do botequim e das ilusórias fustigações do álcool [,,,] A música, o teatro, a arte declamatória, enchendo os merecidos ócios do trabalhador, enriquecendo-lhe o cérebro, burilando-lhe o sentimento!" (AVELINO, 2002, p. 205)

Destinado a todos, com as mais variadas atividades:

As atividades dos Centros de Cultura devem orientar-se para o aprendizado e a formação das pessoas priorizando o tratamento da ética libertária, essência de todas nossas atuações e esquemas organizativos.

[...]

Os Centros de Cultura hoje, como os Ateneus Libertários ontem, são a resposta. Desenvolvendo atividade social, de apoio à luta das comunidades (ensino, ecologia, saúde, educação...) participando sempre a favor da autogestão e contra a manipulação de partidos políticos. Incentivando a cultura e a educação libertárias, organizando palestras, cursos, festas, cinema, teatro, bibliotecas e tudo o que a criatividade num espaço não reprimido possa germinar. (CUBERO, 1987, p. 71-72 – grifos meus)

Tudo o que a criatividade num espaço não reprimido possa germinar (op. cit).

Esse era, e ainda é, o objetivo maior de todos os coletivos libertários, possibilitar o

espaço e o encontro necessário para germinar todas as possibilidades da

criatividade humana. Não é um objetivo modesto, mas factível dentro da perspectiva

libertária.

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Por meio dos depoimentos de Miquelina Veiga e Nilton Melo podemos

perceber que o CCS cumpriu e cumpre os seus objetivos. Foi lá que eles

começaram a interagir dentro do movimento e, aos poucos, foram incorporando em

suas vidas, em suas atitudes, os princípios libertários. Segundo Jaime Cubero (1987)

o CCS, assim como os outros centros, era a porta de entrada e, conforme as

pessoas fossem demonstrando interesse e responsabilidade, poderiam talvez

participar do movimento mais "específico":

Nossos Centros são frequentados por muitas pessoas em busca de informação e conhecimentos, que não são anarquistas. Pessoas que começam a ter contato com ideias e novas formas de relacionamento humano, que poderão, com tempo, integrarem-se ou não ao Movimento Libertário. Daí a necessidade de um Movimento Específico, onde participem somente os militantes, - pessoas com ideais e convicções definidas - que sem deixar de participar nos Centros, possam de maneira organizada e solidária articular-se na esfera das necessidades específicas. (CUBERO, 1987, p. 71-72)

Depois de um tempo Miquelina Veiga se uniu a Antônio Carlos, militante que

era oriundo do movimento punk, estudantil e sindical. Ambos começaram a participar

mais ativamente do CCS. Antonio Carlos tomou a iniciativa e sugeriu à Miquelina

que eles poderiam organizar a biblioteca do CCS. Foi a forma que encontraram

para colaborar com o coletivo e conquistar a confiança dos militantes mais antigos.

Com a organização e sistematização dos livros que pertenciam ao CCS, Miquelina

Veiga e Antonio Carlos possibilitaram que os visitantes pudessem retirar os livros e

devolver depois, com certo controle para impedir que os livros sumissem.

Sobre a dinâmica estabelecida no CCS é importante mencionar o

posicionamento de Jaime Cubero nas discussões e na tomada de decisão. No

momento em que era preciso decidir quem seriam os palestrantes do mês, segundo

Miquelina Veiga, muitas vezes o grupo não tinha mais ideias. Mas Jaime Cubero

possuía relacionamentos com algumas pessoas chave pelas quais tinha grande

consideração, e que sempre o atendiam, de uma forma ou de outra. Foram essas

pessoas chave que abriram portas para que outras e outras pessoas fossem se

aproximando e colaborando com as atividades.

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Entre os membros do CCS para todas as decisões buscava-se um consenso,

por mais trabalhoso e desgastante que fosse. Mas ao chegar a esse consenso

sempre tinha certa gratificação, como nos relata Parmênides Cuberos:

Chegar ao consenso e tentar fazer o coletivo, dá trabalho. (...) É gratificante, quando você chega, é muito edificante quando você chega num consenso, apesar das discussões, da dialética e tal. É muito edificante, mas não é doce. (apud SANTOS, Dez/2013, p. 27)

Quando questionei Miquelina Veiga se Jaime Cubero não tentava se impor de

alguma forma, por ser o mais velho, ou por sua função dentro do CCS, ela foi

taxativa em dizer que "sozinho? Jamais!". Jaime Cubero não se impunha sobre o

coletivo, e nem sempre as suas ideias eram as acatadas, ou pelo menos não da

forma inicial com que foram apresentadas. Essa dinâmica de construção do

consenso era a busca de um dos princípios libertários, a autogestão.

A autogestão é um principio e método libertário almejado em todas as

instâncias do movimento. Em especial dentro da educação libertária, foi fomentado

desde as experiências de La Ruche com Sébastien Faure, segundo GALLO (1995).

La Ruche possuía uma estrutura horizontal, onde a figura do diretor foi somente a

daquele que tinha obrigações de prestar esclarecimento ao público externo e às

questões burocráticas. Muito semelhante à estrutura que é possível encontrar no

CCS pelo depoimento de Jaime Cubero sobre quando, aos 18 anos, assumiu a

função de Secretário Geral:

O Centro não tem presidente, tem essa comissão de gestão onde tem um secretário geral que representa o Centro, porque pela lei tem que registrar o Centro para que ele tenha uma atividade pública, aberta, caso contrário ele é clandestino. Há exigência de ter alguém responsável (...) o secretário que representa o Centro junto às autoridades, se precisar de alvará, resolver questões burocráticas... (...) E o Edgard me propõe para secretário do Centro. Eu disse que não tinha condições, que não era capaz. "Não, você tem. Os outros ajudam...". E falaram, falaram e o resultado foi que acabei virando secretário. Fui secretário quase que permanente do Centro porque em toda a reunião para a escolha do novo secretário eu era sempre reconduzido, isso até 1954, quando me mudei para o Rio de Janeiro. Assim foi minha "entrada" no anarquismo. (apud SILVA, 2012, p. 11)

A autogestão é um princípio dentro do anarquismo que representa sua

espinha dorsal, condensando a busca do desenvolvimento humano de forma

autônoma e a solidariedade do apoio mútuo. Só assim a autogestão serviria de

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alicerce para a construção da sociedade desejada pelos militantes. Alicerçando os

princípios como o federalismo, internacionalismo. Bem abordado no trabalho de

Silvio Gallo (1995):

O que defendem os anarquistas é a negação de toda e qualquer forma de ação política clássica com a qual temos contato diuturnamente, isto é, a política baseada no poder e na dominação, base e permeio dessa sociedade de exploração e injustiças que vivemos. Isso não significa, de modo algum, a destruição da política, mas sim a busca de uma nova política, fundada em bases outras. (...) assumir um conceito de política que é mais abrangente, mais geral e mesmo anterior a este: a política como relacionamento social entre os indivíduos no sentido da construção e da manutenção de uma comunidade solidária.7 Tomada em sua interioridade, a proposta anarquista é essencialmente política, pois discute a instituição de uma nova ação política baseada na igualdade e na solidariedade e não na injustiça e na exploração. (...) Daí o repúdio aos partidos políticos como forma de organização política (...) e a opção pelos sindicatos, comissões de fábrica, de bairro, de escola, etc., e por qualquer tipo legítimo de organização dos indivíduos em estruturas não autoritárias, mas livres e solidárias. É nessa perspectiva que surge a principal proposta libertária ao nível da organização política da sociedade: a autogestão no plano microssocial que se constitui, no nível macrossocial, no princípio federativo. (p. 99-100)

Para Jaime Cubero o CCS foi sua entrada oficial para a militância. O convite

para conhecer o centro ocorreu na ocasião do casamento de sua irmã gêmea Aurora,

com o Liberto, filho de José Lemos, que já tinha contato e vivência com os militantes

anarquistas. Jaime Cubero resolveu fazer um discurso sobre "Amor livre" e isso

chamou a atenção dos militantes presentes, entre eles Edgard Leuenroth, quem

mais apostou em Jaime Cubero como figura que daria continuidade ao movimento.

Durante a ausência de Jaime Cubero do CCS, entre 1954 e 1964, momento

em que estava morando e trabalhando no Rio de Janeiro, as atividades do CCS

permaneceram e foram acompanhadas pelo seu irmão Francisco Cuberos Neto.

Jaime Cubero, durante esses anos, participava do Centro José Oiticica. Ao retornar

a São Paulo as atividades do CCS foram interrompidas pelo receio da repressão

7 Não poderia deixar de pontuar aqui, que tive contato com essa noção de política, ainda em minha

infância, por meio da participação no Projeto “Cala-boca já morreu!”. Após um encontro em que queríamos compreender o que era política um dos participantes voltou e disse: - “Eu fiz política! Eu dei bom dia a uma pessoa que não conhecia”. Creio ser uma forma bem expressiva e simples, como

só as crianças podem formular, para começar compreender o que é esse conceito de política.

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pelo endurecimento do regime militar, retornando às atividades na primeira chance

de abertura:

Nós paramos em 21 de abril de 1969 e retomamos o Centro em 14 de abril de 1985, depois da redentora. No dia em que inauguramos apareceram muitos professores universitários que deram uma força. Foram três estações de televisão, mas foi justamente nos dias em que o Tancredo Neves estava para morrer e isso acabou prejudicando a divulgação. A revista ISTOÉ publicou uma página inteira, aí o pessoal nos descobriu: "Os anarquistas reaparecem depois da redentora" (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 24).

Edgard Leuenroth tinha razão, Jaime Cubero foi, em grande parte, a figura

responsável por dar continuidade ao movimento, agindo como fio condutor para as

novas gerações que surgiam no CCS. Como nos revela Nilton Melo sobre a

importância de Jaime Cubero como uma referência, ao chegar no CCS em 1992:

O Jaime, é a primeira coisa, é justamente a pessoa que representa o Centro de Cultura, isso para um jovem de pouca experiência e pouca leitura acaba sendo importante porque ele é que vai ser o fio condutor, porque acabamos utilizando a sua prosa como um certo cabedal, para estar nos localizando, nos informando.(...) acho que foi depois dessa época que ele estava passando um pouco a bola para o Carlos (Antonio Carlos), então algumas vezes o Carlos ficava também na mesa. Mas na primeira fila com a palavra obrigatória depois da palestra ou debate: o Jaime. (apud SANTOS, Out/2013, p. 5-7 – grifos meus)

O CCS, entretanto, não era uma exclusividade de São Paulo, ou algo que se

iniciou só em 1933. Espaços semelhantes foram criados em vários locais do Brasil

entre o final do século XIX e início do século XX, como os trabalhos de José Damiro

de Moraes (2009), Angela Maria de Souza Martins (2009), Kátia Rodrigues Paranhos

(2009), Carlos Romani (2006), entre outros, ressaltam. Tais espaços eram sempre

vinculados aos trabalhadores e operários, como reforça Jaime Cubero:

Situados em diferentes bairros de cidades grandes e pequenas, foram sempre um espaço de lazer e cultura para os trabalhadores, após o horário de trabalho. Ao mesmo tempo, eram centros de instrução destinados a substituir os valores tradicionais de uma ordem hierarquizada e dividida em classes. Centros onde se destacavam os valores defendidos pelo Anarco-Sindicalismo e o Movimento Libertário. Tais valores repudiam e continuam repudiando a sociedade autoritária, e apresentavam e continuam apresentando as alternativas de uma sociedade nova baseada no apoio mútuo e numa ética de responsabilidade pessoal intransferível. (apud VALVERDE, 2007, p. 405)

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Os centros de cultura atuavam, e ainda atuam, como uma alternativa frente a

tantas instituições repressoras da sociedade. Um ponto de resistência onde os

rebeldes são bem vindos. Todos os que não encontram sentido na organização

capitalista ou na presença do Estado, encontram nesses centros de cultura um ninho

acolhedor. Sua forma de atuação, por meio de uma educação e cultura não

institucionalizadas, irá desenvolver uma consciência crítica, que faça dos homens e

das mulheres, seres livres. Livres na atuação das ideias, sem influências estranhas

ou artificiais à natureza de cada indivíduo (CUBERO apud VALVERDE, 2007, p. 405).

Assim, todas as atividades passavam por esse lado didático. Um militante com mais experiência e conhecimentos era convidado para tratar de determinado assunto de interesse geral no Centro de Cultura. Depois da exposição, seguiam-se as perguntas da plateia. Nem sempre pacíficas, pois as pessoas tomavam partido e se empolgavam. (op. cit., p. 406)

Juntando as falas de Jaime Cubero às falas de Miquelina é como se

pudéssemos entrar nesse universo, mesmo sem nunca ter participado, e

acompanhar um pouco como era a dinâmica:

[...] depois quando o Carlos e eu começamos a atuar mais, a gente também já trazia as nossas referencias, muita gente conhecida nossa também fez palestra, e ai também foi nessa convivência militante, a gente foi vendo que não era só o Jaime que deveria ficar na mesa, por que uma das questões também para a gente alimentar o debate, era que durante o tempo das perguntas a gente estivesse lá também para fazer perguntas, ou para responder certas questões, ou ter um dialogo com o palestrante, e era assim a gente tinha a mesa como divisória, mas na verdade não era, por que muitos dos antigos companheiros

também as vezes iam e falavam, depois se retiravam, então a gente tinha palestra lá atrás da mesa, mas tinha também na plateia, e o debate também se alimentava, e quando a gente falava assim: agora já esgotou, já tinham passado 3 ou 4 horas. E o fato de o Carlos, eu e depois o Nilton ir para a mesa, liberava também o Jaime para sentir essa questão da plateia, de intervir (...)

o CCS como espaço público de divulgação era um lugar de construção, um lugar extremamente humano, de paixão, de curiosidade, de modelos, de possibilidade que foi preenchendo nosso espírito mesmo, e desde mais ou menos 88 até 92 - que depois quando eu engravidei eu me afastei, foi o lugar onde eu mais aprendi, pela variedade dos temas, pela importância das pessoas que passaram por ali, não só na mesa, mas na plateia, (...) um exercício da condição humana extremamente rico. (apud SANTOS, Out/2013, p. 11 – grifos meus)

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É nesses pequenos detalhes da prática cotidiana que o espírito libertário é

revelado. A horizontalidade das relações, a ausência de uma hierarquia que separa

a mesa da plateia, um diálogo se instaura. Como Jaime Cubero pontua: não se trata

de uma aceitação inquestionável, mas sim de travar um embate de ideias na busca

de um consenso, ou de uma apuração dos pontos de vista. Isso nem sempre é

tranquilo e harmonioso, há conflito, mas a busca de manter o respeito é

indispensável, pois eram pessoas que na semana seguinte estariam novamente

dividindo o mesmo espaço. Ainda que não só, trata-se de um princípio prático da

convivência.

Essa vivência não poderia ser definida de forma mais significativa do que

como um "exercício da condição humana extremamente rico". É disso que se trata a

experiência vivencial do CCS, ressaltando as condições, onde segundo GUSDORF

(1987), temos a formação de mestres e discípulos. E onde os discípulos ao

percorrerem seu próprio caminho podem se desvencilhar dessa relação com o

mestre e estabelecer a relação de amizade. O discípulo não é subalterno ao mestre,

ele está disposto a aprender e seleciona seu mestre que logo passará a ser amigo.

Com essa prática é possível reforçar a ideia de que a escola é apenas um dos locais

possíveis de educação, longe de ser o único. A educação é muito mais ampla do que

a escola.

Miquelina Veiga qualifica esse período como uma verdadeira Universidade

Livre, pela variedade de assuntos, pela grande consistência de conhecimento dos

palestrantes, fossem eles mais específicos, como os físicos que José Carlos Morel

levou ao CCS, ou pela linguista que ela mesma convidou. Todos tinham abertura

para expor suas pesquisas e iam descortinando outras referências que se

agregavam ao repertório de todos os participantes.

Nilton Melo ainda ressaltou que nesse período de 1990 o acesso à

universidade era ínfimo, e o CCS aparecia para substituir, ou, no mínimo, alimentar

de conhecimento os jovens que o frequentavam, pois não possuíam a perspectiva

de entrar para o nível superior. Oriundos de uma escola pública, já em declínio,

muitos chegavam ao CCS com uma bagagem muito rasa de conhecimento ou de

capacidade de leitura.

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Aos poucos, por meio das palestras, era despertado nesses jovens recém-

chegados o desejo pelo conhecimento e eles puderam contar com a figura de outra

pessoa muito importante para indicar uma leitura que daria continuidade ou

aprofundaria o assunto da palestra: Antônio Martinez (1915-1998). Segundo os

relatos, Martinez chegava sorrateiramente durante a palestra ou após o seu término,

abordava as pessoas que ele percebia que tinham maior interesse e já deixava com

elas um livro ou cópia de texto.

O Martinez recebia a gente, com aquele jeito fechado, mas ao mesmo tempo, mostrava força, mas ao mesmo tempo acolhedor. Eu me recordo que quando eu entrei o CCS eu até pensei "Será que eu posso entrar aí?" nossa parece que eu olhava assim, e só tinha pessoas adultas, pessoas conversando coisas, inclusive coisas difíceis, e a primeira coisa o Martinez, "não, vamos entrando, sentem-se à vontade", e quando se entra e senta na cadeira, e vê a mesa notoriamente, todo mundo vê o Jaime. (Nilton Melo apud SANTOS, Out/2012, p. 6)

Jaime Cubero e Antônio Martinez foram grandes amigos, décadas de

militância conjunta, suas ações dentro do CCS eram complementares. Jaime Cubero

era considerado o porta-voz, aquele que fala em público e por isso permanecia em

evidência. Antônio Martinez, por sua vez, não gostava de falar em público, poderia

falar com todos no particular, mas não gostava de ficar exposto, trabalhava para que

a estrutura pudesse acontecer, gostava de limpar e organizar o espaço e os livros,

mesmo quando era combinado que todos fariam isso, ele chegava antes.

Ambos, Jaime Cubero e Antônio Martinez, eram autodidatas de grande

conhecimento. Cada um à sua maneira trabalhava e desenvolvia suas habilidades

dentro da estrutura do CCS. Martinez mais rígido e Cubero mais flexível, como Nilton

Melo ilustra:

O Martinez era o pai duro, que dava bronca e falava aquele espanhol, e dava bronca na gente "Pô! Vocês tem que dar exemplo, lê isso que vocês precisam" e o Jaime era a mãe bondosa, que afagava, que via a gente falando besteira e dizia "não, sim, sim... mas olha vai por esse outro lado..." (Op. Cit., p. 8)

Miquelina Veiga diz que é mais fácil falar do Martinez em comparação com

Jaime Cubero, pois eram contrastes que se complementavam. Quando começava a

palestra o Jaime estava na mesa e o Martinez estava na porta, só que isso era o

visível (apud SANTOS, Op.Cit., p. 10). O invisível é a confiança que um depositava

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no outro, a amizade e trocas entre esses dois narradores8, um público: Jaime Cubero,

e outro mais reservado: Antonio Martinez.

Antonio Martinez também contribuiu para a universidade. Fato que quase

ninguém sabe. A maior parte do Arquivo Edgar Leuenroth na UNICAMP foi

inicialmente organizado e restaurado por Martinez. Ele possuía grande habilidade

em restaurar livros e tinha muito cuidado com os jornais, reconhecia a importância

daqueles documentos que registravam a vivência militante da qual fazia parte. É

merecedor ainda de pesquisa que aprofunde suas contribuições para o movimento

anarquista, em especial, na atuação dentro do CCS.

Assim como Antônio Martinez, há vários outros militantes e outras facetas do

Centro de Cultura Social merecedores de uma investigação mais profunda.

Francisco Cuberos Neto (irmão de Jaime Cubero) e o Laboratório de Ensaios são

exemplos ainda pouco explorados. O teatro no movimento anarquista como um todo

ainda merece mais estudos:

O CCS possui alguma atividade nesta área em todas as suas fases. Chamávamos isso de arte militante, era um meio de propaganda do ideário anarquista. O teatro Colombo, fundado na década de 1910, logo em seguida à sua abertura já era ocupado pelos anarquistas. Só a história dele já merecia uma tese. Eu mesmo atuei várias vezes nele. O teatro pertencia à prefeitura, nós o solicitávamos e eles nos cediam com a condição de que não se cobrasse ingressos. Na época que foi fundado, toda a imprensa caiu de pau em cima dizendo que era um absurdo construir um teatro daqueles em um bairro operário [o teatro era localizado no Lago da Concórdia, no bairro do Brás da capital paulista]. O teatro era magnífico tinha 1700 lugares e uma acústica perfeita. A história dos anarquistas está muito ligada a ele. O utilizávamos para várias atividades, comícios, festivais, peças. Em 1965, logo depois do golpe, nós visitamos o teatro, que estava abandonado, junto com um arquiteto e ele nos disse que o espaço estava em condições de ser ocupado. Enviamos um requerimento à prefeitura com uma série de documentos históricos sobre o teatro junto com uma exposição dos motivos. Nos comprometíamos a devolver varias atividades culturais sem nenhum ônus para a prefeitura. Dois meses depois tocaram fogo nele, logo depois foi demolido. (Jaime Cubero, apud BORGES, p.173-174)

O teatro tinha uma presença marcante e expressiva no movimento, desde

Pedro Catallo, intensificada com a paixão de Francisco Cuberos Neto pela

8 Posteriormente desenvolveremos essa noção benjaminiana de narrador.

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dramaturgia. Jaime Cubero também teve participação, mas nesse espaço de

atuação, seu irmão é quem recebia os holofotes. Jaime Cubero relata o período do

Laboratório de Ensaios e como eles se desvencilhavam da censura em plena

ditadura militar:

A redentora foi em 1964. Logo depois nós criamos o que nós chamamos de "Laboratório de Ensaios". Havia a sede do Centro de Cultura, na Rua Rubino de Oliveira, no Brás. Nós tínhamos uma sala, mas construímos banheiros e um teatrinho de arena, em mutirão, pois havia pintores, marceneiros, pedreiros. Esse era o laboratório. Diariamente lotava, pois nós começamos a montar umas peças. Era um teatro de resistência. Um dos companheiros, o Valdir Copesque, escreveu uma peça chamada "Os Generais". Você sabe qual era o tema? Isso em plena redentora, só para você ter uma ideia do trabalho do laboratório. O tema da peça era como transformar um general num ser humano. E não conseguia, é claro. Como nós fazíamos com a censura? Nós dávamos um texto para eles e levava outro. Ou a gente dava uma peça para a censura e representava outra, ou eles podavam, mas nós representávamos inteira. Eram peças revolucionárias. Ali apareciam fiscais do DOPS e nós dizíamos que era uma aula, que era uma escola e ele ia embora. A gente não deixava entrar. Ficavam sempre dois ou três companheiros na porta do teatro para segurar os fiscais, a censura. Nós fazíamos em grandes teatros, que eram da prefeitura. Por isso muita gente estranha que, mesmo no teatro libertário das primeiras décadas do século, nos convites estava escrito que a comissão se reservava o direito de barrar a entrada de quem julgasse conveniente. (...) Não podia levar criança e nós deixávamos. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 22 – grifos meus)

Embora oficialmente não fosse uma escola, aquele espaço era de fato grande

aprendizagem. Por meio da arte é possível uma reflexão imensurável e particular a

cada um que assiste ao espetáculo. Cada espectador vai realizar a sua leitura do

espetáculo a partir das suas referências. Parmênides Cubero disse que entre os

anos de 1990 e 2000 o CCS realizou várias leituras dramáticas, peças, recitais que

funcionavam como forma de atrair o público e introduzir leituras importantes aos

recém-chegados ao coletivo.

O envolvimento com o teatro contou com a participação das mulheres, entre

elas: Maria Cubero, esposa de Jaime Cubero e Maria Martinez Jimenez (Maruja) sua

cunhada, ainda em períodos anteriores ao Laboratório de ensaios. No encontro em

que tive a oportunidade de conversar com Maruja e Maria Cubero, elas afirmaram

suas participações e que era uma atividade prazerosa, embora não tenham

participado na mesma intensidade que seus companheiros.

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Imagem 02 – Fachada do CCS

Fonte: acervo pessoal de Parmenides Cuberos

O CCS foi, sem sombra de dúvida, o espaço de maior atuação de Jaime

Cubero onde ao longo dos anos foi desenvolvendo e ampliando sua própria

concepção sobre os princípios anarquistas. Na sequência iremos abordar essa visão

cuberiana de forma mais detalhada, a partir dos seus próprios textos e entrevistas.

3.3. Princípios do movimento anarquista na perspectiva de Jaime Cubero

eu, por exemplo, falando da minha vida e das minhas experiências é que vou falando também

de anarquismo. Jaime Cubero

Inicio com uma citação de Jaime Cubero, que condensa muitos conceitos e

perspectivas norteadores de sua ideologia e prática. Essa citação aparece no texto

"O Anarquismo: Uma Visão da Educação da Criança na Família" de 1995 e se

repete em um texto de 1997, publicado pela Libertárias, intitulado "Razão e Paixão

na Experiência Anarquista":

Quando dizemos que o anarquismo é, antes de tudo, sinônimo de socialismo, temos que dar um mínimo de clareza ao nosso conceito de socialismo: daí a expressão socialismo libertário. Socializar é tornar

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a propriedade e os instrumentos de trabalho, enfim, toda a riqueza e o que a produz à disposição da sociedade, acabando com a exploração do homem sobre o homem, assim como todas as formas de opressão do homem sobre o homem. Mas para o socialismo libertário não basta socializar os bens materiais; é preciso socializar o saber, a informação e todos os bens culturais (CUBERO, 1995, p.1 / 2005, p. 2)

Nessa pesquisa não é possível fazer uma análise aprofundada do movimento

anarquista e de seus princípios defendidos pelos autores clássicos como Bakunin,

Proudhon, Kropotkin, Malatesta, Reclus, entre outros. São eles, no entanto, que

embasam os pensamentos e ações de Jaime Cubero. Há uma forma de expor os

preceitos libertários, apesar de calcado nesses escritores, que é própria de Jaime

Cubero e é à ela que busco me ater.

Jaime Cubero, realizando uma recuperação histórica sobre o

desenvolvimento do anarquismo no Brasil, ressalta que as tendências mais voltadas

aos anarco-comunistas tiveram mais aderência no solo brasileiro, com sua tônica

mais pujante na solidariedade:

No Brasil as influências de Kropotkin, Malatesta e Elisée Reclus contribuíram para o fortalecimento do anarco-comunismo. A polêmica entre sindicalistas e anarquistas teve poucos reflexos no Brasil além de algumas posições teóricas que originaram um ou outro manifesto. A prática levava a uma convergência de posições e o movimento todo era muito solidário. (CUBERO, 1989, p. 51)

O movimento anarcosindical foi o expoente de toda uma geração de

anarquistas, Jaime Cubero herdeiro dessa geração, ao falar na Exposição Barcelona

Anarquista de outubro de 1993, pontua os horizontes que despontavam à frente

desse grupo:

Antes de anarcosindicalistas somos anarquistas, propagadores del socialismo libertario, en toda la rica extensión de la palabra, somos pues anticapitalistas y denfesores de la acción directa y de la autogestion de las luchas, procurando desarrollar dentro de la sociedad una mentalidad antiautoritaria que nos lleve a la superación del modo capitalista de vivir. La sociedad que nosotros preconizamos es regida por la autogestión generalizada y livre, sin la existencia de instituciones autoritarias, como la propiedad privada; el mercado y el Estado. Somos igualmente solidarios, esto es, partidarios del más amplio federalismo social, economico y político en la más perfecta etimologia de la palabra POLITICA. Deseamos la más completa autonomia del individuo en el grupo local, de este en los grupos regionales y estos últimos en la Federación Internacional de Regiones Autonomas. Como consequência de esta posición somos tambien

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Internaciolistas, o mejor, sin llevarmos en cuenta el moderno concepto de nación. (CUBERO, Out/1993, p. 43)

Para compreender essa autogestão, é preciso definir um pouco mais a

ausência de governo, atrelada à etimologia da palavra anarquismo e as implicações

do "não-governo". Apesar de diversas pesquisas sempre delimitarem o conceito

"anarquismo" na tentativa de desassociar do senso comum (associado à bagunça,

ou falta de organização), é impressionante que mesmo após décadas de pesquisa

no Brasil e de mais de um de século da existência do movimento anarquista, ainda

prevalece a distorção conceitual no senso comum. Cubero de forma muito didática

tenta "limpar" o conceito:

Anarquia significa ausência de poder ou de autoridade constituída. Há uma diferença sutil no discurso, mas importante na realidade, entre poder político e poder social. O primeiro exerce o poder de coação: uma ou mais pessoas têm o poder de obrigarem outras a fazerem o que não desejam. Ocupam o governo do Estado, o Kratos, o poder político no sentido grego, qualquer que seja sua forma: teocracia, aristocracia, monarquia, oligarquia, democracia, em todas as instâncias: é contra esse poder hipertrofiado nos estados nacionais modernos que os anarquistas lutam hoje.

[...]

O outro poder, o poder social, é participado, exercido por todos nas decisões coletivas: o poder de uma assembléia de tomar decisões (...) É o poder que é exercido por todos em qualquer prática autogestionária nas decisões realmente coletivas.

[...]

A proposta anarquista é pela organização e, nesse sentido, pelo autogoverno, como sinônimo de autogestão. (CUBERO, 1995, p. 1)

É, portanto, sobre esse poder social que a proposta libertária se guia. Ainda

na ânsia de delimitar a forma cuberiana de compreensão do anarquismo, segue a

citação que considero a mais provocativa, que nos força a refletir sobre a atualidade,

mesmo tendo sido escrita há 20 anos:

O anarquismo combate todas as formas de autoritarismo, combate todo o poder de coação, tudo o que restringe, limita, sufoca e asfixia o potencial criativo do ser humano. (...) Se o crescimento físico fosse limitado por qualquer meio artificial, tal fato seria qualificado de monstruoso. Mas, a limitação do desenvolvimento de sua sensibilidade, do seu desenvolvimento intelectual, moral e afetivo, anulando o seu potencial criativo seria lógico considerar-se também uma monstruosidade. No capitalismo esse crime se dá em todas as

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instâncias da vida social e ninguém considera isso um crime, somente os anarquistas. (CUBERO, 2005, p. 2 – grifos meus)

Essa posição é apresentada também no texto "O anarquismo: uma visão da

educação da criança na família" de 1995. Esse crime, muitas vezes, só é percebido

quando exposto desta forma comparativa. Poderia fazer uma analogia à deficiência

visual leve, a pessoa nunca considera que enxerga mal até o momento que passa a

utilizar os óculos ou lente de contato. Somente munido desse artifício é possível

constatar que antes não era capaz de enxergar.

Esse crime é característico de todas as instituições sociais e principalmente

das escolares, apesar de termos assegurado em lei que não ocorram essas

limitações e restrições. Para combater tal monstruosidade o conhecimento no

anarquismo se vale da tríade "sensibilidade, intelectualidade e afetividade" segundo

Jaime Cubero:

As vias de nosso conhecimento são a sensibilidade, a intelectualidade e a afetividade. Temos, portanto uma intuição sensível; uma intuição intelectual e uma instrução páthica (do grego pathos, com o sentido de afeto, paixão). Há uma interatuação entre elas.

[...]

É preciso muito de sonho, muito de desejo, muito de crença nas possibilidades de cada um para que possamos superar obstáculos, vencer dificuldades, construir possibilidades remotas, tornar em ato o que parecia um sonho impossível.

[...]

A história do anarquismo é pontilhada de extremos de lucidez e paixão. De heroísmo e amor e muito gratificante para os que viveram momentos de plenitude libertária. (CUBERO, 2005, p. 3-5)

Na última entrevista cedida por Jaime Cubero ele tentou sintetizar o conceito

de anarquismo e demonstrar que não é uma questão de aguardar a oportunidade

revolucionária para colocar em prática seus princípios, eles devem ser praticados

diariamente:

O que é o anarquismo hoje? O anarquismo é um conjunto de idéias e princípios, cujos postulados básicos são convergentes. Existem muitos "anarquismos", mas há um sentido comum de criar uma sociedade livre e igualitária. Nessas duas palavras você tem tudo o que se pode pensar de uma sociedade socialista libertária. Liberdade e Igualdade. Não existe liberdade sem igualdade e não existe

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igualdade sem liberdade. Isso aí é do próprio Bakunin. Para você atingir uma sociedade dessas tem-se n caminhos que você vai trilhando, lutando contra a injustiça. O movimento vai se fortalecendo, vai aumentando, como já chegou a ser grande movimento de massa. Se num momento desses as circunstâncias levam a uma revolução, aí os anarquistas podem se apresentar e levar as propostas anarquistas de organização.

[...]

Mas você não vai esperar que aconteça isso. Você começa a criar, aqui e agora, no teu cotidiano, na tua casa, nas rodas de amigos, práticas de novas formas de relações sociais não autoritárias. Eu acho que hoje a nossa grande luta é uma luta anti-autoritária, contra o autoritarismo, a começar por si mesmo. Você tem que ter consciência do que você é para tentar evitar ser autoritário. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 14 -15)

Frente às situações cotidianas é que a postura anarquista é incorporada aos

atos das pessoas, até o momento em que elas possam se autodeclarar anarquistas:

E o que é ser anarquista? Ser anarquista é antes de tudo uma atitude ética. Ante a iniquidade, um ímpeto de justiça leva o anarquista a romper racional e afetivamente com o sistema vigente. Romper com a autoridade é afirmar a própria independência humana. É um ato cabalmente anarquista. Equivale à confiança de que se possui o poder e os recursos da sua natureza básica na qual a vida social é possível sem a mão "protetora" do Estado. Ser anarquista é procurar realizar no quotidiano a plenitude do ato humano, e o ato humano só o é quando livre, fundado na vontade, no conhecimento dos fins e no poder de realizá-lo. Contra todo viciamento do ato humano a luta anarquista não tem limite. Ser anarquista é lutar pela liberdade de todos, tendo consciência de que a liberdade dos outros aumenta a própria e não a limita. (CUBERO, 2005, p. 3 – grifos meus)

Jaime Cubero irá defender uma posição sobre a liberdade que é muito

contrária ao jargão "sua liberdade termina onde começa a minha", nessa visão

libertária a liberdade não é limitada pela do outro e sim ampliada pelo exercer dos

outros. É possível perceber a influência dos autores clássicos do anarquismo, além

do citado Bakunin temos também Godwin e Malatesta, árduos defensores da

realização pela vontade, assim como Élisée Reclus e outros. Porém, para Jaime

Cubero, mais importante do que manter esses conceitos na teoria, o anarquista

deveria ser aquele que os coloca em prática, pois se trata de uma questão ética.

Sobre isso Jaime Cubero faz uma ponderação que revela muito de suas próprias

atitudes:

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O norte do anarquismo repousa em fundamentos puramente éticos e morais, porque o anarquista sente, simplesmente, prazer em ser digno. É a atitude ética que ele coloca em face da justiça, da equidade, da dignidade humana, da elevação e superação do homem pelo homem. (apud VALVERDE, 2007, p. 402)

Os anarquistas não são elefantes brancos ou exemplares de uma espécie rara cujo comportamento se torna objeto de curiosidade. São humanos, com a mesma carga de sentimentos, virtudes e fraquezas cujas ações no quotidiano não diferem dos outros. Carregam, isso sim, um ideal que os singulariza, em diferentes graus, segundo o meio em que vivem e o nível cultural que atingiram e procuram elevar. (CUBERO, 1990, p. 4)

A questão da ética entre os anarquistas foi abordada de forma mais

aprofundada e com grande riqueza de exemplos no trabalho de Nildo Avelino (2004)

que condensa sua dissertação de mestrado realizada pela PUC/SP defendida em

2002, intitulada Antologia de existências e ética anarquista. Nesse belo trabalho,

assim como na atual investigação, fica evidente a força da pessoa como exemplo,

como melhor propaganda do movimento. O trecho abaixo, refere-se a Malatesta,

mas pode ser ampliado a diversos outros militantes, inclusive a Jaime Cubero:

(...) uma dimensão do anarquismo que é muito valorizada e que trata do "exemplo como sendo a melhor das propagandas", seja ela oral ou escrita. Trata-se da "vida vivida" do anarquismo como sendo a mais eficaz expressão em detrimento do mais completo sistema ou programa de idéias. É a "atitude anarquista" que transpõe o que é meramente eidético, aquilo que diz respeito às essências, inaugura sua existência, seu uso e disposição ética. (2004, p. 34)

Um ponto que a maior parte das pessoas questiona, inclusive entre as que se

consideram "de esquerda" é qual seria a solução para as questões econômicas sem

a presença de um Estado. Segundo Cubero a chave estaria também no campo da

ética:

Regular a economia segundo normas éticas, que surgem do natural anseio à felicidade e ao bem estar, legitimando aspirações justas impede que a economia se transforme num estudo mecânico de fatos frios porque deve referir-se à verdade social e o homem vive no âmbito da ética.

Onde há um ato humano, estamos no campo da ética, e toda vez que o ser humano julga, analisa os fatos econômicos e busca determinar normas, direções para os mesmos, e julga da sua conveniência ou não, da sua aplicação ou não, da sua justiça ou não, está no campo da ética. E é do campo desta que se pode e se deve examinar a questão social e as normas políticas, cuja aplicação é desejada, enfim

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todos os temas e problemas que constituem a matéria fundamental das ideias políticas e econômicas.

Em nenhuma atividade intelectual do homem ausenta-se a ética. O dever ser honesto e justo está sempre presente a nortear as intenções humanas, a mostrar-nos os desvios e os erros. Onde há racionalidade, há escolha, há vontade, há intelectualidade, há sopesamento de razões, há eticidade. A ética é inseparável do ato humano e onde este se realiza ela está presente e a economia é uma realização humana e não animal. (CUBERO, Set/1993, p. 12)

Outro questionamento comum é a questão da segurança do país, e nesse

caso, os anarquistas têm um embate forte contra o militarismo. Um princípio clássico

do movimento é a não existência de fronteiras entre os países, essa é uma

convenção criada por homens, logo, pode ser modificada por eles. A questão militar

será necessária somente enquanto as fronteiras continuarem a dividir as pessoas e

o etnocentrismo imperar em discursos nacionalistas ou até regionais que instigam a

xenofobia.

Os anarquistas têm convicção de que numa sociedade capitalista, seja de livre mercado, seja de capitalismo de Estado, o militarismo jamais será eliminado. O nacionalismo exacerbado que informa toda ideologia do Estado nacional moderno, fonte e sustentação de privilégios, exploração e opressão, em qualquer sistema político que nele se fundamente, também sustenta o militarismo, que se alimenta da mesma ideologia. É da tradição do movimento anarquista combater o militarismo. A luta contra a instituição militar, face às suas características atuais não pode ser isolada da grande luta pela transformação da sociedade. Combater o capitalismo e o Estado é a melhor maneira de combater o militarismo. Libertar as consciências com análises críticas, objetivas, com clareza, mostrando que o problema é muito maior, que vai muito além da farda. (CUBERO, 2009, p. 192 - 193)

Jaime Cubero (2009) apresenta dados sobre a disparidade entre os

investimentos realizados pelos governos com as guerras e com a saúde, educação e

outras políticas de bem estar social, demonstrando como o dinheiro despendido com

armas e militares poderia erradicar doenças que assolam a humanidade, entre

outros exemplos. Denuncia também a força da indústria bélica e os laços entre os

governos e os mercadores da morte (p.197), em nome da defesa do cidadão, são os

cidadãos que vão morrer, pois a única intenção no militarismo é defender o Estado,

a sua estrutura e patrimônio.

Isso demonstra, com mais vigor, que o grande "vilão" a ser combatido é o

Estado e o Capital, como diz Cubero: "Ninguém vai pedir licença ao governo para

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combatê-lo. O anarquismo é, pela sua própria essência, um movimento clandestino."

(apud SILVA, 2012, p.16). E esse combate não necessariamente deve ser um

combate direto, o anarquismo tem a faculdade de se reciclar, é algo que não é

fechado, ele está sempre aberto a novas contribuições, ele evolui com a evolução do

mundo e das técnicas (op. cit., p.18). Identifico o anarquismo como um líquido que é

capaz de penetrar nas porosidades da sociedade, em épocas acaloradas evapora,

mas logo se condensa para na primeira oportunidade se precipitar sobre a superfície

novamente.

O movimento anarquista, entretanto, enfrenta algumas dificuldades,

principalmente porque, diferente de outras militâncias, não há nenhuma perspectiva

de que o movimento trará algum benefício financeiro, ou um pagamento pelo seu

trabalho. Nesse aspecto "A militância anarquista é uma doação que o sujeito faz, ele

se doa, se dá. A mesma coisa que os cristãos primitivos, eles se davam à causa do

cristianismo." (CUBERO apud SILVA, 2012, p.19). Porque "o anarquismo não

pressupõe a conquista do poder pelo poder, simplesmente, nem deseja os privilégios

ou a conquista de bem-estar só para alguns poucos." (CUBERO apud VALVERDE,

2007, p. 402). Só que ao mesmo tempo:

Hoje em dia você sem dinheiro não faz nada, não paga a gráfica, a aparelhagem de uma rádio. A televisão tem um poder de comunicação enorme. Eu vi isso quando fui no programa do Jô Soares. Foram 22 minutos falando de anarquismo e no dia seguinte parecia que todo mundo me conhecia, muitas pessoas falaram que me viram. (...) Teve uma repercussão grande. Fizeram uma pesquisa por amostragem. O programa do Jô é tarde e é dirigido para um público específico, não é operário, nem quem tem que trabalhar no dia seguinte que assiste, são intelectuais, estudantes... A projeção dava que o programa era assistido por 10 milhões de pessoas, é muita gente. Se nós tivéssemos o acesso à televisão, você imagina o estrago que a gente poderia fazer. (CUBERO apud SILVA, 2012, p.19)

Atualmente, a internet tem sido uma grande aliada para que diversos

movimentos sociais possam divulgar seus ideais. Porém seu caráter pulverizador

acaba fazendo com que as pessoas que já conhecem o movimento mantenham o

contato, mas passam de forma efêmera às demais pessoas. O lado positivo das

redes sociais é que pela sua capacidade de espalhar informações, algumas pessoas

que nunca ouviram falar de tal movimento social, podem ver uma publicação

aleatoriamente e se interessar.

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Particularmente sou muito cética quanto a esse meio de comunicação. Pois

ao mesmo tempo em que tem uma ampliação de público, na internet a sensação

que temos é a de que tudo é efêmero. Não é interessante para os meios de

comunicação colocar em pauta a questão do anarquismo, se em algum momento

tivesse sido, o termo anarquia/anarquismo, pelo menos, já teria sido desvinculado do

conceito do que lhe foi atribuído e incorporado pelo senso comum, de ser bagunça e

desordem. Inclusive por que já dizia Élisée Reclus em seu livro Crescimento da

Liberdade no Mundo: "A Anarquia é a mais alta expressão da ordem". (apud

CUBERO, 1989, p. 74-75)

Onde podemos verificar que esses ideais anarquistas funcionavam, ou

funcionariam? Em uma das pesquisas que Jaime Cubero fez para falar a respeito do

anarcosindicalismo, ele levantou:

Os aspectos mais comuns nos estatutos das sociedades de resistência, associações, uniões, centros operários, sindicatos etc. além de defender os interesses dos trabalhadores lutando por seus direitos econômicos e por sua elevação moral, intelectual, profissional e social eram:

a) Procurar colocação para os desempregados.

b) Prestar auxílio e solidariedade aos companheiros perseguidos injustamente por autoridades e patrões.

c) Não admitir em seu seio nenhuma política partidária ou propaganda de seita religiosa.

d) Promover a educação e a instrução dos operários e seus filhos através da criação de escolas, bibliotecas, cursos, palestras, conferências e manifestações artísticas.

e) Não adotar cargos de autoridade, mas apenas de função. Todas as assembléias eram presididas por um companheiro indicado por aclamação no ato. O secretário limitava-se a abrir a Assembléia e pedir que a mesma indicasse um companheiro para presidi-la. A função do presidente era apenas a de coordenar os trabalhos garantindo a palavra a todos que desejassem falar.

f) Participar do movimento segundo o princípio federalista. (CUBERO, Out/1993, p. 53)

E essas instâncias funcionaram, o próprio CCS como foi apresentado,

funcionou e ainda funciona. Mas é preciso ressaltar que não se trata de um processo

simples e harmonioso são embates, conflitos, que permitem a transformação. E para

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Jaime Cubero ficou claro o caminho com base em alguns contextos históricos que

ele mesmo esclarece:

Depois da experiência e do fracasso dos partidos como meio de construir o socialismo via Estado, que só gerou privilégios e castas, só resta o caminho da autogestão. O socialismo só será construído fundado na liberdade, pela descentralização, a autonomia e o federalismo. A organização e a solidariedade internacional, única forma de se contrapor aos poderes transnacionais do capitalismo, seja de que conotação for. É o que se está construindo, com fundamento numa ética e num padrão de valores que começa a mudar objetivamente o comportamento humano. (CUBERO,1992, p. 96)

No alvorecer de um novo milênio, ante tudo o que ocorreu neste século, face às dezenas de milhões de mortes provocadas pelos "socialismos" totalitários, nazismo, fascismo, comunismo etc., só resta um caminho para superar a barbárie: o socialismo libertário. (CUBERO, 2007, p. 7)

3.4. Questão sindical

Analisando alguns textos de Jaime Cubero a questão sindical é recorrente.

Por isso faço menção, ainda que breve, aos principais pontos encontrados, pois foi

possível observar que em todas as instâncias do movimento anarquista Jaime

Cubero ligava as questões pedagógicas, educacionais e culturais:

El anarcosindicalismo, en nuetra concepción, representa una dobre fase: es simultáneamente un organo de defensa y resistencia de la clase trabajadora y una escuela de la revolución social manumisora. Tiene la tarea de resistir a la opresión y a la explotación cotidiana del capitalismo, garantizando un mínimo de autonomia y libertad para la organización de clase y al mismo tiempo ser un espacio de creatividad revolucionária, donde el trabajador aprenderá lo que es el capitalismo, como superarlo, como establecer la autogestión en las luchas y finalmente como prepara la autogestión completa de la sociedad. Sus actividades pasan por todo um movimiento de pedagogía libertária y por la necesidad de un saber para los trabajadores. (CUBERO, Out/1993, p. 45)

Para Jaime Cubero (Out/1993) a atuação do sindicato não é somente uma

questão de solucionar problemas pontuais da classe trabalhadora, apenas como

uma organização de resistência. É um método de luta, que valoriza a experiência e a

criatividade do trabalhador, despertando nele a consciência de que a revolta

individual que eles já carregam é criada pela injustiça estrutural no sistema

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capitalista. Embora admitisse que esse processo necessitasse de vários processos,

entre eles, a sensibilização e a formação a partir da elaboração crítica da

experiência do próprio trabalhador.

O sindicato deveria ainda, segundo Jaime Cubero (Op. cit), possibilitar a

prática reflexiva sobre os meios de produção, estimular a prática da autogestão e o

trabalho criativo que é impossibilitado na estrutura do trabalho alienado. Na medida

do possível, deve promover a criação de escolas libertárias onde os trabalhadores

teriam contato com:

la discusión ideológica, el trabajo de ediciones y propaganda, las actividades culturales y artísticas, en fin todo aquello que contribui para la educación integral y completa del ser humano. Estos aspectos no deben de ninguna manera ser olvidados. El trabajador precisa conocer todos los problemas socioeconómicos que reflejan las contradicciones del capitalismo. Desde el problema ambiental y la baja condición de vida al problema de la habitación, por cuya solución no puede dejar de interesar-se; desde el problema de la energia a la carrera armamentista; desde los problemas de medicina del trabajo a todo lo que se refiere a la calidad de vida, y asi todo.

[...]

En fin, el anarcosindicalismo no es un fin en si mismo, es más un instrumento, una táctica, uno de los campos de actuación del anarquismo. (Op. cit., p. 45- 48)

Nessa concepção, o sindicato seria mais uma força anarquista para o

propósito de uma transformação, ainda que gradual, de toda a sociedade. Temos

que recordar que o movimento anarquista é um movimento de base operária, apesar

da grande contribuição de intelectuais. A grande maioria era de operários

autodidatas.

Em outro texto dedicado à questão sindical, Jaime Cubero apresenta o

desenvolvimento dos sindicatos no Brasil, reforçando que o sindicalismo brasileiro

se iniciava com predominância anarquista, internacionalista, situação que foi

fortemente combatida no Estado Novo Getulista.

Em 1892 foi criada uma Federação de Bolsas de Trabalho, primeira organização sindical nacional francesa que desenvolve uma imensa obra cultural, com escolas profissionais, bibliotecas, museus e tudo o que leva à educação dos trabalhadores. (CUBERO, Dez/1989, p. 50)

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O fato é que no Brasil se praticou o anarco-sindicalismo desde as primeiras organizações de resistência, a ponto de um membro do secretariado Geral da AIT, em 1987, ao ler os conceitos e moções aprovados no 1º e 2º Congressos Operários de 1906 e 1913, disse ter encontrado aqui a forma mais clara e adequada de expressão do anarco-sindicalismo. (...) Não é nada mais do que a autogestão dentro do movimento operário. (Op. Cit., p. 51- 52)

Parte importante da forma de atuação do movimento anarquista, e igualmente

dos sindicatos com a mesma visão, é a sua configuração federalista. A forma de

representação era descentralizada e valorizava o indivíduo. Esforçava-se para

minimizar burocracias desnecessárias, a cada esfera o que deveria ser levado

adiante eram as demandas comuns a toda a classe.

(...) Praticando a descentralização procura eliminar toda burocracia. Praticando a autonomia desenvolve o máximo de liberdade a partir do indivíduo na secção sindical e em todas as instâncias até a confederação, desenvolvendo a solidariedade. Praticando o federalismo encaminha os estudos e a solução para os problemas de interesse comum. (CUBERO, Dez/1989, p.52)

Jaime Cubero não ficou só na teoria e nos textos, teve voz ativa quando foi

jornalista no Jornal O Globo. Segue abaixo o seu próprio relato sobre o motivo de

sua demissão:

Eu voltei do Rio de Janeiro porque fui demitido d' O Globo. Foram demitidos 80 jornalistas porque fizemos greve e não podíamos, não estava na nossa data de reivindicação. Fizemos uma greve em solidariedade aos gráficos e paramos o jornal. O Roberto Marinho (dono do jornal) ficou louco. Eu era subchefe do arquivo de redação, mas fazia de tudo lá dentro, e eu levava as matérias e os editoriais para ele ver. Ele me conhecia bem. (...) "Eu não sei o que nenhum deles fez (eu sabia, né?), mas eu vou falar o que eu fiz. Eu participei da greve, eu fui da comissão de salário, estive nas discussões, na passeata da Rua Almirante Barroso. E fiz tudo isso porque o nosso salário aqui é incompatível com a nossa profissão". Descarreguei tudo. Ele ficou ruborizado: "O senhor fez muito mal porque eu dei o maior aumento para os jornalistas no Rio". "Deu o maior aumento porque o senhor paga 32 mil cruzeiros para um redator, o Jornal do Brasil paga 52. É impossível que ele desse um aumento igual ao seu". Ele ficou uma fera e terminou dizendo: "Para trabalhar n'O Globo precisa estar afinado com a ideologia do jornal, com a sua orientação. Ninguém que for contra essa orientação pode trabalhar no jornal. Se vocês quiserem voltar, podem voltar. Mas têm que escrever um documento confessando que cometeram falta grave, prometendo não cometer de novo. Eu prometo não utilizar esse documento junto ao Ministério do Trabalho em qualquer causa trabalhista contra algum de vocês, mas me reservo o direito de mostrar para todos que trabalham n'O Globo".

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Claro que a turma não ia se humilhar tanto, mesmo assim teve uma moça que escreveu. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 22 - 23)

Após algumas vezes em que foi abordado, por outros funcionários do jornal O

Globo, para que reconsiderasse e voltasse a trabalhar no jornal, Cubero respondeu

na mesma toada:

Fala para o Dr. Roberto que, eu, Jaime Cubero, só volto a trabalhar n'O Globo se o Roberto Marinho escrever um documento dizendo que ele se enganou me demitindo, prometendo nunca mais cometer tal engano e eu prometo não usar esse documento no Ministério do Trabalho, mas me reservo o direito de mostrar para todos os demitidos". (Ibid., op. cit)

É possível imaginar que nunca mais o procuraram para tentar convencê-lo a

voltar a trabalhar no O Globo. Mas não foi apenas nesse episódio que Jaime Cubero

demonstrou toda a sua coerência com os seus preceitos. Em outra passagem (Op.

Cit., p. 23) nos conta que ao trabalhar em um jornal de esportes, o superintendente

solicitou que ele indicasse dois funcionários para serem demitidos, e então, como

ele seria incapaz de realizar tal indicação, optou por pedir sua própria demissão.

Difícil para alguns compreender como alguém pode abrir mão do seu trabalho, de

sua forma de sustento, para não comprometer-se com a demissão de outros colegas.

Mesmo sabendo que muito provavelmente, com a ação dele, ainda assim alguém

mais foi demitido. Mas Jaime Cubero não conseguiria ser conivente com tal situação.

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Imagens 03 – Jaime Cubero no Jornal O Globo – Matéria publicada em 13/MAI/1957

“VIERAM OBSERVAR COMO FUNCIONA “O GLOBO” – Estiveram em visita ao nosso jornal alguns dos responsáveis pela revista SPV, da Diretoria de Rotas Aérias, especializada em assuntos do Serviço de Proteção ao Vôo (donde o seu nome, SPV). A organização do Arquivo os impressionou de modo especial tendo sido cumprimentado, por isso, o chefe daquela seção, nosso companheiro Liberto Lemos Reis. “Vamos tomar o exemplo de O GLOBO em várias das nossas iniciativas”, disse-nos o secretário geral da revista, Sr. Fernando Pinheiro. *** Na gravura, os visitantes (os três da direita), Srs. Odair de Oliveira, Florisvaldo de Oliveira Couto e Fernando Pinheiro, recebendo algumas explicações do nosso companheiro Jaime Cubero, no arquivo, a respeito da organização do fichário de pessoas. Fonte: acervo pessoal de Pamênides Cuberos

3.5. Jaime Cubero - uma referência

Jaime Cubero demonstrava grande domínio histórico em suas falas e textos,

por conta disso, mas não só, ele foi muitas vezes convidado como especialista de

notório saber para palestras em universidades, participou de bancas de avaliação de

pesquisas acadêmicas, entre outros.

Parte de seu conhecimento histórico deriva de suas constantes leituras.

Porém o que mais se destacava e despertava o interesse dos que o buscavam como

referência, era seu saber narrativo (BENJAMIN, 1994, p. 221) composto pela sua

própria experiência vivencial, ou pela incorporação da dos outros companheiros.

Fatos históricos que ficaram somente na memória e não nos livros, como podemos

observar no texto "Reflexos da Revolução Russa no Brasil":

Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro" em 18 de novembro de 1918: "José Oiticica, foi preso por volta de 14 horas em seu escritório. Entre os muitos presos estavam Astrogildo Pereira, José Elias da Silva e João da Costa Pimenta que depois participariam da fundação do

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Partido Comunista Brasileiro. José Oiticica, sendo indicado presidente do Conselho durante os preparativos e como a principal figura no episódio chegou a ser chamado de "Lenin Brasileiro". (...) Florentino de Carvalho foi o primeiro anarquista brasileiro de projeção a atacar os bolchevistas russos. (CUBERO, 2007, p. 3)

Durante os primeiros meses de 1921, um emissário do regime russo procura Edgard Leuenroth propondo-lhe a fundação do Partido Comunista do Brasil, ante sua recusa, pede-lhe que indique outra pessoa. Leuenroth indica Astrogildo Pereira que insistia nessa ideia sob a alegação de que era o caminho mais curto e eficaz para chegar ao socialismo libertário. Astrogildo ainda acreditava que a Revolução Russa era o caminho. O Partido Comunista do Brasil foi fundado num congresso realizado no Rio de Janeiro de 25 a 27 de março de 1922, por 11 ex-anarquistas e um socialista. (CUBERO, Op. Cit, p. 5)

Ou em sua fala transcrita por José Carlos O. Morel em comemoração aos 50

anos da "Batalha na Praça da Sé". Por tratar-se de um episódio que poucos

conhecem, busquei manter a fala do próprio Jaime Cubero:

O assunto que vamos abordar hoje é um pequeno episódio no Brasil da grande tragédia que foi o advento do nazi-fascismo no mundo. Sem contar os milhões de seres humanos sacrificados nas ações internas em que os totalitarismos deste século provocaram nos países onde tomaram o poder, só na 2ª Guerra Mundial foram mais de 50 milhões de mortos.

[...]

No Brasil, a trajetória da luta antifascista foi pontilhada de episódios heróicos principalmente a participação de anarquistas e do movimento libertário em geral. Queremos prestar uma homenagem à Maria Lacerda de Moura, que em 1928 desencadeia a primeira grande reação contra o fascismo no Brasil. (CUBERO,1998, p.1)

Confrontos violentos se verificam com frequência, como o ocorrido na Av. Rangel Pestana no dia 14 de Novembro de 1933, quando após um ato público trabalhadores anarquistas residentes no Brás, quando voltavam para casa foram atacados por fascistas armados que se aproximaram de automóvel. Quando estes, que também estavam armados revidavam aproximaram-se mais três carros, conduzindo pessoas que desceram atirando e que posteriormente verificou-se tratar-se de policiais que atingiram um dos trabalhadores. (Op. Cit., p. 4)

Toda a grande imprensa relata os fatos de forma capciosa, chamando genericamente de comunistas todos os anti-fascistas e apoiando os integralistas e a polícia. Também os jornais das facções marxistas, componentes das vazias "frentes únicas" procuram tirar todo proveito distorcendo os acontecimentos escamoteando os verdadeiros atores do evento; e até hoje distorcem a história. (Op. Cit., p.5)

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Quando Jaime Cubero (apud SILVA, 2012, p.24) fala sobre os períodos de

repressão, ele tende a afirmar que além da censura declarada, as próprias pessoas

se autocensuram como forma de autodefesa, afastando-se dos movimentos políticos

a fim de se preservarem.

Jaime Cubero compartilha, em sua entrevista, um fato curioso que ocorreu

durante a ditadura militar, quando diversos anarquistas foram presos no Rio de

Janeiro. Demonstrando que ao ter contato com as atividades desenvolvidas nos

centros culturais, até pessoas que aparentemente seriam completamente

conservadoras e assumiram posteriormente cargos que exigiriam uma postura mais

rígida, são capazes de reconhecer a importância, educacional inclusive, que esses

espaços possibilitavam:

[...] um cara que depois foi delegado do DOPS acompanhava, no Centro José Oiticica, uns cursos de psicologia. Eles falaram desse cara para os advogados. Depois ele virou diretor do DOPS no Rio de Janeiro. E resolveram chamá-lo como testemunha de defesa, já que ele frequentava o Centro. Ele foi lá e rasgou o verbo: "O governo devia é dar dinheiro pela obra de educação que eles fazem, devia ajudar e não perseguir e prender". Isso conseguiu livrar todo mundo. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 28)

Por conta desse vasto conhecimento histórico sobre o movimento e demais

fatos ocorridos na história nacional e mundial, Jaime Cubero era considerado por

muitos como uma "enciclopédia anarquista" tudo o que lhe era perguntado ele tinha

uma história ou resposta, e se não tivesse ele pesquisaria e retornaria com uma

contribuição.

A habilidade e disposição que Jaime Cubero tinha para compartilhar seu

conhecimento e vivência contribuiu, como já dito anteriormente, para que fosse

sempre requisitado para participar em congressos, palestras, bancas. Era

consultado para realização de pesquisas de todas as ordens: monografias; trabalhos

de conclusão de curso; mestrados; doutorados. A dissertação de mestrado de Paulo

Borges (1996) Jaime Cubero e o Movimento Anarquista em São Paulo 1945-1954, é

exemplar, pois contou com a participação ativa de Jaime Cubero como fonte.

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Entre tantos, um exemplo internacional foi a fala proferida na exposição

Barcelona Anarquista de outubro de 1992, em que Jaime Cubero falou acerca de

sua concepção do anarcosindicalismo.

Nos apêndices temos um quadro com a relação de parte dos eventos em que

Jaime Cubero foi convidado a participar. Essa relação foi compilada a partir de

cartazes, folhetos, cartas-convites e manuscritos que Jaime Cubero preparava para

suas falas. Portanto, sabemos que não se trata da totalidade dos eventos que teve

sua participação, mas já é uma amostra rica. Os documentos foram organizados por

Christina Lopreato, Parmênides Cuberos e José Carlos O. Morel, após a morte de

Jaime Cubero, e estão guardados na residência de Parmênides Cuberos, que os

confiou a mim para realização dessa pesquisa.

O quadro ajuda a reforçar que Jaime Cubero era solicitado em sua maioria

por seu conhecimento histórico. Dos 42 eventos listados 33% são sobre uma

abordagem histórica; depois temos a recorrência de eventos que abordam o

anarquismo de forma geral, sendo 31%; os que exigem uma fala direcionada às

questões sindicais e aos trabalhadores são 17%; e a educação, como tema direto,

aparece em 14%; os outros 5% são temas específicos, como o voto e a paisagem

urbana.

Mesmo que a educação, como tema direto, corresponda a apenas 14% dos

eventos em que Jaime Cubero foi convidado a participar, percebo na leitura de seus

manuscritos, diversas vezes citados na pesquisa, que ele incluía a educação e o

anarquismo em todas as suas falas, que sempre envolvia a questão do

conhecimento, da formação e dos princípios anarquistas-libertários.

Em uma carta enviada à Jaqueline sobre o "amor livre" é possível notar como

Jaime Cubero era solicitado para realização de pesquisas e o seu pronto

atendimento às demandas:

A premência de tempo me impede de procurar material relativo ao tema solicitado, se bem que não lembro de nenhum livro ou mesmo alguma monografia que trate especificamente do assunto, embora com certeza existam.

[...]

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O tema do amor livre e de organização da família, num contexto anarquista, têm sido amplamente tratado em artigos e trabalhos publicados em jornais e revistas libertárias, às vezes de forma fragmentária no meio de assuntos mais gerais. Uma pesquisa acadêmica sobre o assunto demandaria muito tempo, considerando ainda a dificuldade de acesso a fontes primárias de documentação. Por isso, no âmbito de uma carta, procurarei transmitir alguns conceitos que possam se constituir numa informação mínima que talvez possa se traduzir numa ajuda para você. (CUBERO, 1990, p.1)

Nilton Melo, durante a entrevista também fala sobre a questão de Jaime

Cubero receber pesquisadores, inclusive em sua residência:

ele tinha esse costume de receber as pessoas na casa dele. Inclusive até desconhecidos que chegavam lá, aqueles estudantes... "Ah eu quero fazer uma entrevista, quero um material", ia lá ele e recebia - que é uma das críticas que eu ouço de pessoas mais antigas que conviveram com ele. (...) as pessoas iam lá pessoalmente, pessoas que ele nunca tinha visto na vida, da universidade. Conversava, entrevistava, dava material... depois a pessoa sumia, não dava nem... Teve até um caso aí que é... Ele falava que teve boa parte da pesquisa do, não sei se foi mestrado ou doutorado, que acabou virando um livro, e quando foi abrir a página, não tinha nenhum agradecimento no prefácio9. (SANTOS, Out/2013, p. 20)

Mas o não reconhecimento por sua dedicação em cooperar com as pesquisas

e investigações pessoais ou acadêmicas, não o desestimulava, pois sua intenção

primordial era difundir suas ideias, ideais e perspectivas. Jaime Cubero abordava os

lados positivos ao falar sobre a questão da academia atrelada ao movimento

anarquista. Sobre a criação do Arquivo Edgar Leuenroth na UNICAMP, que a família

do Leuenroth tentou vender para os Estados Unidos, mas não pode, pois ele havia

deixado registrado em testamento que o acervo deveria ser usado para a criação de

um arquivo da questão social (FERREIRA, 2001, p. 7):

Começou de fato a surgir um interesse universitário pelo Arquivo. Descobriram um filão para fazer pós-graduações em História e outras

9 Parmênides Cuberos relata também essa procura ao Jaime Cubero e aos materiais do Centro de

Cultura Social e aponta para a crítica feita sobre o pouco retorno para o movimento anarquista em si, embora considere toda forma de divulgação válida. No final dos anos 1980 e 1990, com a abertura política, muitos estudantes, em especial, descobriram o movimento anarquista com a retomada mais pública das suas atividades e utilizaram os materiais e documentos que durante muitos anos eram guardados pelos militantes para defender mestrados e teses. Mas somente alguns é que mantiveram algum contato com o movimento anarquista posteriormente. Alguns não retornaram nem mesmo para devolver materiais, documentos e livros que acabaram se perdendo. Essa foi a fonte para muitas críticas da apropriação descompromissada por uma parcela de acadêmicos.

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Ciências Sociais. Muitas editoras passaram a criar coleções sobre o Anarquismo. A Contexto criou uma coleção enorme. A uma dada altura, o Jorge perguntou-me se podia fazer um levantamento exaustivo sobre o Anarquismo. Foram feitas pesquisas de investigação sobre o Anarquismo e mesmo teses de doutoramento. O Arquivo do Edgar foi importantíssimo nesse aspecto. Eu próprio fui convidado para o visitar. (...) a difusão do anarquismo foi mesmo muito grande. Fomos convidados para fazer cursos nas Universidades, palestras, etc. Foram abertos espaços grandes neste campo na Universidade de São Paulo. O trabalho na universidade para nós foi muito importante. Havia quem não o considerasse como tal. Temos tido muita adesão a este campo. Os auditórios têm estado sempre lotados. (CUBERO apud FERREIRA, Op. Cit., p. 7)

Jaime Cubero relata em várias passagens suas idas à academia, como no

exemplo abaixo:

Eu expus (as práticas do anarquismo) numa palestra internacional promovida pelo instituto de psicologia da USP. Organizaram um seminário internacional no laboratório da criança, chamaram pessoas de todos os países e me convidaram para debater numa seção, dentro do encontro, chamada "fronteiras do conhecimento". (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 18)

Outro aspecto positivo ocorrido foi a participação dos acadêmicos que

quiseram compartilhar seus conhecimentos em palestras e falas dentro dos espaços

coletivos, como o próprio CCS, retomando a dinâmica de Universidade Livre, em

que o conhecimento ficava à disposição dos interessados e não somente dos

privilegiados que entravam pelas portas estreitas das universidades. Os anarquistas

de uma forma geral nunca admitiram que a ciência e o conhecimento fossem um

privilégio.

Jaime Cubero reconhece também que há dentro da academia uma militância

silenciosa, digamos assim, mas muito eficaz: "Você vê dezenas de professores

universitários que são anarquistas, atuando dentro da Universidade. (...) Eles fazem

um trabalho incrível de propaganda, de passar as idéias." (CUBERO apud SILVA,

2012, p. 19).

Pela própria pesquisa, percebemos que os professores universitários citados,

eram oriundos do movimento anarquista, ou transformados por ele. Formados dentro

de centros de cultura, como o CCS, ao chegar à academia tinham pelos próprios

ideais, uma obrigação de transmitir o mínimo de seus princípios, se não fosse de

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forma explicita, era por meio do seu exemplo, criando grupos de estudos, munindo

seus alunos de autonomia. Como ocorre no Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade

Libertária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP,

e no Lab_arte - Laboratório experimental de arte, educação e cultura da FEUSP,

entre muitos outros que não tive contato. Outra pesquisa poderia ser realizada

investigando o quanto esses (e outros) grupos carregam em sua estrutura e em suas

práticas, os preceitos libertários apreendidos originalmente fora do âmbito

acadêmico.

No campo acadêmico tradicional, no Grupo de Pesquisa Educação e Cultura

Anarquistas, ligado ao Centro de Memória da Educação da FEUSP, está o acervo do

educador anarquista João Penteado. As pesquisas com base neste acervo

produziram inúmeros trabalhos de iniciação científica, mestrados, doutorados e o

livro Educação Libertária no Brasil – Acervo João Penteado: inventário de Fontes

(2013) sob organização da Prof. Dra. Carmen Sylvia Vidigal Moraes.

Além dessa referência intelectual e de sua presença dentro das universidades,

Jaime Cubero, como podemos perceber pelo depoimento da Miquelina Veiga, foi

algo mais relevante, uma referência verdadeiramente "existencial", um mestre que

“ensina, mas ensina algo mais do que aquilo que ensina. O mais alto ensinamento

do mestre não está naquilo que ele diz, mas no que ele não diz.” (GUDSDORF, 1987,

p. 95):

Naquela época eu estava fazendo Letras... na minha carreira não influenciou. Ele influenciou no ser humano Miquelina [...] falar do Jaime é realmente falar dessa figura de fundo mesmo. A gente vivia isso na convivência, e vive hoje. Como uma referência importante, na construção do que a gente é hoje. Então não dá pra desligar. (apud SANTOS, Out/2013, p.14)

3.6. Imanência, Transcendência e Religião

Oração

10

Minh’alma flutua por sobre o Cosmos... O mundo é criação do meu Sonho... Eu sou o Criador de mim mesma... Através de mim perpassam todas as correntes de Amor, refletidas no Arco-Íris de luz da Grandeza Espiritual dos Cosmos incriados. Sou um Centro irradiador de poder sobre mim mesma, um ritmo no hino Cósmico, uma nota perdida na orquestra infinita da Beleza, na concepção máxima a que pode atingir a Mente Humana.

10

A Plebe (SP), (nova fase), ano I, nº6 (31 dez. 1932) apud PRADO e HARDMAN, 1985, p. 32-34

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O Amor – o Deus único nos parques silenciosos das minhas Catedrais interiores – canta, dentro de mim, o poema da Vida Eterna. Os ídolos não os reconheço. Porque... Só para amar foi feita a Vida... Cada ser é um elo da grande corrente do Amor Universal. Os erros e os crimes lesa-felicidade humana – não estou disposta a continuá-los com a cumplicidade do meu Ser. Não matarás – é o segredo da Esfinge na evolução humana. Jamais levantarei a pureza dinâmica das minhas mãos para macular o meu Ser no sangue de meu irmão. Governo todo o meu mundo interior. Eu sou a Ética e o Luiz da minha própria evolução. Através do meu ser coam-se todas as luzes e todas as cores e todos os sons e todas as flâmulas de energia do lampadário ondulante da Vida em todas as suas estupendas manifestações. Eu sou um átomo de Luz, um criador de serenidade, um dispersador de Forças no grande concerto Cósmico. Eu sou um ritmo colorido e flamante, em Arco-Íris, refletido no Oceano do Amor e da Sabedoria. Eu sou o Artista Absoluto, criador dos meus Sonhos, escultor do meu Pensamento, burilador da estátua do meu Ser, domador de corcel da minha Vida. Sou forte, tenho uma vontade energética e perseverante coragem e quero ser um canal por onde perpassem todos os ritmos da Beleza máxima e da máxima Sabedoria. Sou invencível porque sou o Amor. Nada pode ser contra mim. E ninguém, absolutamente ninguém, me pode prejudicar. Matei de mim o Medo, o Ódio, a Inveja, a Vingança, o Orgulho, a Vaidade. Não quero mais despertar a besta-fera adormecida, enjaulada nas ciptas profundas do meu inconsciente instintivo. O Amor transborda no lampadário dos Astros ou no lampejo cintilante do olhar materno, divinizado pela maternidade espiritual. Saibamos extrair o Amor dos escombros, das ruínas, dos erros e crimes perpetuados por todas as civilizações de bárbaros. Não sejamos cúmplices dos carrascos do gênero humano. Glória à Liberdade! Não mais sirvamos de capatazes e escravos, lacaios do dominismo ou do servilismo e da covardia do rebanho social. A minha pátria é o meu coração. A minha pátria é minha Razão. A minha pátria é o Universo. A minha pátria não tem fronteiras: vai até o coração imerso de todo o gênero humano e considerado nas unidades individuais. Minha Religião é a Religião do Amor e da Beleza. A minha metafísica livre é embalada no “sorriso da dúvida e na música do sonho”. É um poema... Não tenho Religião, porque minh’alma é profundamente religiosa... da Religião, do Amor, da Beleza, da Sabedoria. Venham a mim, ó meus irmãos, amigos e inimigos. A todos eu amo com a Sabedoria do Coração. Apertemo-nos as mãos no gesto altivo e nobre e grade e forte da Solidariedade Individual – para a Paz entre os humanos, para novos e mais altos destinos no seio da Harmonia Cósmica. Glória à Liberdade! Glória à Sabedoria! Glória à Beleza! Glória ao Amor! Glória à suprema Beleza do Amor no coração dos seres humanos. Glória a tudo que vive e soluça e canta e sonha na escala magnífica – para além do Tempo e para além do Espaço... Glória a todas as estupendas maravilhas do Universo de cada Ser livre é um Centro irradiador de Força e Beleza, de Amor e Sabedoria.

Maria Lacerda de Moura

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Esse poema de Maria Lacerda de Moura é o retrato da concepção da

cosmologia anarquista em sua vertente mais generosa, onde o eu, o outro e o

mundo formam um totalidade indissociável. Bastante próxima das concepções do

que é o mundo para José Oiticica (2006):

O mundo é um jorro de energias. Essas energias manifestam-se sob vários aspectos: luz, calor, eletricidade, magnetismo, gravitação etc. O corpo humano, como o de qualquer ser vivo, é também um equilíbrio de energias entre energias universais, ou, mais claramente, é uma máquina transformadora de energias cósmicas, absorvidas no alimento e ar respirado. Quando a máquina, por algum defeito, se torna incapaz de operar convenientemente essa transformação dá-se o depauperamento do corpo e a morte. As cinco feições das energias cósmicas, manifesta, em sua existência social, essas energias sob quíntuplo aspecto: energias físicas, mentais, morais, práticas e sociais. As primeiras chamam-se vulgarmente vigor e saúde; as segundas, inteligência e cultura; as terceiras, vontade e caráter; as quartas, habilidade e vocação; as quintas altruísmo e sociabilidade. (p. 29-30)

Tais posições expressão uma paixão pela vida que se reflete em grande parte

no vegetarianismo assumido por alguns anarquistas por compaixão com os animais;

na busca da preservação e bom uso dos recursos naturais, questões em voga com o

nome de sustentabilidade, que já estavam presentes nos pensadores anarquistas há

mais de um século. A “turma do tomatinho” que é retratada por Jaime Cubero,

demonstra também as contradições à que eles estavam suscetíveis, assim como

qualquer ser humano:

Depois de 45 [1945], nós tivemos um grupo curioso que era o dos naturalistas. Era um grupo de afinidade formado por vegetarianos, dos quais o Germinal Leuenroth, filho do Edgar era um dos maiores ativistas, e tinham um grupo bastante considerável. Achavam que podiam operar transformações com mudanças de hábitos. Comer carne, fumar ou beber, segundo eles, tornavam os homens mais agressivos. Nós os chamávamos de “turma do tomatinho” (...) Às vezes aconteciam alguns conflitos entre os naturalistas e o resto do pessoal. Eles tinham uma cozinha ampla na chácara de onde só saia comida vegetariana. De vez em quando o pessoal levava uma carne para fazer um churrasco e uma pinguinha e causava o maior mal astral. Lembro de uma vez que um grupo de garotos levou um garrafão de vinho e o Germinal jogou tudo fora. Foi uma briga por causa disso, afinal foi uma atitude completamente autoritária. Mas não havia divisões entre nós. Uma coisa engraçada aconteceu com o Roberto das Neves que era um deles, e uma vez nós o pegamos comendo um sanduiche de

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mortadela, foi a maior gozação.” (Jaime Cubero, apud BORGES, p.178-179)

Esses posicionamentos de valorização da vida, seja ela, humana, animal ou

vegetal é bem demarcada no pensamento-ação de Éliése Reclus (2010) que relata

suas próprias vivências ao se defrontar, desde sua infância, com o abate dos

animais que já sinalizavam uma dominação humana completamente violenta sobre a

natureza e completa:

A mesma degradação sobre o boi, que nós vemos hoje em dia se movendo com dificuldade nos pastos, transformados pelos criadores em uma enorme massa ambulante de formas geométricas, como se tivesse sido desenhado previamente pela faca do açougueiro. E é a produção destes monstros que nós aplicamos o termo “criação”! Eis como os homens cumprem sua missão de educadores quanto aos seus irmãos, os animais! Quanto ao resto, não é assim que nós agimos em relação à natureza inteira? Solte um bando de engenheiros em um vale charmoso, no meio de prados e árvores, sobre os bancos de qualquer rio belo, e verá você em breve o que eles terão feito! Eles terão tido todo o cuidado em tornar seu trabalho pessoal também o mais evidente possível e em mascarar a natureza sob suas pilhas de pedras e carvão; da mesma maneira, eles todos estariam orgulhosos de vera fumaça de suas locomotivas se entrecruzando no céu em uma rede imunda de faixas amareladas ou negras. É verdade que estes mesmos engenheiros alegam no momento embelezar a natureza. (p. 7)

É perceptível nessas posições de compreensão da vida como uma totalidade

que nela está seu caráter transcendente e imanente. Parece-me, entretanto que há

um tabu a respeito da questão religiosa de uma forma geral. Seja dentro da área

acadêmica, ou no interior dos movimentos sociais, muitas vezes como uma

laicização, ou pelo próprio ateísmo.

Esse foi um dos pontos que chamou minha atenção ao ler os textos de Jaime

Cubero, pois há muitas referências, inclusive pelo fato de seu primeiro contato

envolvendo o anarquismo, ter sido através de prerrogativas anticlericais. Essas

referências chegaram até ele por meio de José Lemos, anticlerical ferrenho e

militante anarquista, pai de Liberto Lemos (que se tornou seu cunhado ao casar com

Aurora, sua irmã gêmea):

Quando eu tinha mais ou menos 12 anos fiquei muito doente, até fiz uma cirurgia. (...) Ele (José Lemos) começou a me visitar e começamos a conversar. Então ali comecei a deixar a religião (...) Eu

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tinha muito forte aquela coisa de religião quando era menino, e com aqueles diálogos, aquela coisa toda, ele acabou mudando minha cabeça. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 8 – grifos meus)

Mesmo com essa base anticlerical, que chegou a alterar sua concepção

religiosa, Jaime Cubero não se tornou uma pessoa sectária, ou preconceituosa com

as religiões, diferentemente de José Lemos, como veremos adiante. Encontrou

inclusive espaço para falar sobre anarquismo dentro de instituições de base católica,

evidentemente, para uma parcela já influenciada pela teologia da libertação:

Numa ocasião me pediram para fazer uma palestra num colégio de freiras, e uma das meninas perguntou para a madre-superiora se poderia perguntar qual era a posição do anarquismo face à religião. Eu estava contornando a situação, falando somente de anarquismo. Isso deu chance para eu falar à vontade. Comecei falando a respeito do sentimento religioso que pode ser inerente a qualquer pessoa, aquela espécie de anseio ao transcendente, procurando respostas para aquelas questões ainda sem respostas. Depois falei da Igreja, da instituição. E quando eu ia malhando a Igreja, a madre ia balançando a cabeça, aprovando. Pois você vê, era o pessoal da teologia da libertação. Chegaram a me convidar para fazer palestras em conventos, tinha uns 22 padres, dois monsenhores e umas freiras. Eu cheguei lá oito horas da manhã e ficamos até uma hora da tarde, parecia uma reunião subversiva mesmo. E era tudo no sentido político, da sociedade, da religião... (Op. cit., p. 9 – grifos meus)

Não encontrei registro que permitisse saber se primeiro Jaime Cubero

realizou as palestras para o público da teologia da libertação, ou se já frequentavam

o CCS antes disso. Em 1986, Doris Accioly e Silva organizou com Jaime Cubero no

CCS (quando estava localizado na Rua Rubino de Oliveira, 85) um seminário sobre

educação libertária, convidando, entre outros, o Prof. Carlos Rodrigues Brandão –

estudioso da Cultura Popular e de Paulo Freire – que falou sobre a Pedagogia

Libertadora. Houve muitas discussões após sua palestra, durante as quais a posição

de Jaime Cubero foi receptiva sem deixar de ser crítica e de diferenciar as duas

concepções, a cristã: “libertadora”, e a anarquista: libertária. Participaram desse

seminário também: Fernando Prestes Motta, Beatriz Tragtenberg e Lúcia Bruno.

Jaime Cubero relata que em um dos encontros no CCS o palestrante

convidado faltou e ele sugeriu que Rui Manoel, um frei da vertente da teologia da

libertação que estava presente, realizasse a palestra sobre essa vertente:

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(...) Aí eu disse: "Não temos palestrante, mas temos o frei Rui Manoel. Ele pode nos falar da teologia da libertação, de qualquer maneira um tema interessante para nós conhecermos" (...) As moças perguntavam como um homem bonito como ele resolvia seu problema sexual e coisas assim. Rapaz, ele deu voltas e acabou dizendo assim: "Eu sou favorável ao casamento dos sacerdotes, mas eu vou muito além. Sou favorável a qualquer opção sexual do sacerdote". (Op. cit., p.35-36)

É possível imaginar os comentários que renderam a fala do frei, mas como já

foi bem apresentado anteriormente, o CCS era o espaço em que toda visão de

mundo era bem vinda para alimentar os debates e realizar a abertura de novos

horizontes – exceto posições fascistas, nazistas ou congêneres. Miquelina Veiga

lembrou também da participação de Plínio Marcos no CCS, apresentando sua

pesquisa sobre Blavatsky, esoterismo e espiritualidade:

[...] uma das palestras também bastante marcante que a gente teve através do Jaime, foi o Plinio Marcos. Ele foi lá falar sobre Blavatsky, que era uma pesquisa dele naquela ocasião. (...) Foi quando ele publicou a Blavatsky. (...) E foi muito legal por que além da figura emblemática que ele é, ele se sentia extremamente ambientado num lugar como aquele (o CCS). E foi uma das coisas mais legais porque ele foi falar sobre esoterismo, foi falar sobre uma figura que também era subversiva na Rússia, e que trazia também para o Plinio Marcos essa questão de espiritualidade. A gente falava de tudo no CCS na verdade. (apud SANTOS, Out/2013, p. 19)

Jaime Cubero aparentava ser um grande curioso sobre os assuntos religiosos,

buscando-os não só para seu conhecimento particular, mas também para o coletivo,

no CCS. Inclusive por meio de pessoas que pudessem contribuir compartilhando

suas visões, demonstrando que a religião, a partir da argumentação pode e deve ser

discutida, zelando sempre pelo respeito às escolhas individuais.

Eu sou muito como São Tomé: é ver para crer. Mas ao mesmo tempo não me recuso a ver se a ocasião se oferece. Tem muito anarquista, como o pai desse meu cunhado (José Lemos), ele xingava deus "Deus é isso, deus é aquilo". Mas como você xinga deus se você não acredita na existência dele? (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 38)

A respeito da postura do José Lemos, Parmênides Cuberos se recorda de

suas "brigas e entraves" com a divindade: "Meu tio Liberto, o pai dele, o tio José

Lemos, (...) na semana santa (...) ele fazia churrasco de propósito. (...) acho que

chegou a proibir a palavra Deus. Se não me engano não pronunciava a palavra

Deus." (SANTOS, Dez/2013, p.9-10). No encontro com Maria Cubero ela se

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recordou também uma vez em que José Lemos martelou uma moeda com uma

santinha.

Essa postura que busca reforçar certa raiva e intolerância à figura divina, o

próprio Jaime Cubero questiona: como você xinga deus se você não acredita na

existência dele?. Qual a necessidade de provocar algo em que não se acredita?

Talvez somente para se autoafirmar e tentar converter os devotos, chocando-os com

suas ações. Já ao questionar Parmênides Cuberos sobre como foi a questão

religiosa em sua formação, vemos uma postura mais naturalista e indiferente:

A ausência de Deus era algo tremendamente natural. Como eu não tive autorama, também não tive Deus. (...) Acho que sempre fomos criados, eu e minha irmã, como algo natural (...) natural como beber água, mamar... (...) A minha mãe veio em 57 pra cá, então ela pegou uma parte da ditadura franquista, muita gente foi torturada nas igrejas de Franco. Então o meu pai no meio desse caldeirão todo... virou uma família anticlerical, totalmente. (apud SANTOS, Dez/2013, p.7)

Aqui encontramos uma semelhança profunda com o relato de Ricardo Mela

sobre a educação de seus próprios filhos, que também não possuíram nenhuma

formulação sobre a existência de alguma figura divinal:

Uma criança instruída segundo os verdadeiros conhecimentos científicos provavelmente não perguntará sobre a existência de Deus, porquanto nem sequer terá notícias de tal ideia. (...) Quem escreve essas linhas pode oferecer a experiência de onze filhos, que mesmo não tendo sido educados no necessário rigor científico, jamais formularam tal pergunta. Quando pequenos, porque não tinham a menor ideia sobre isto, e quando mais velhos, porque sem dúvida no ambiente do lar, no exemplo de tudo quanto os rodeava e nos livros de que dispunham – e havia-os das mais distintas tendências – encontravam respostas satisfatórias às indagações da sua inteligência. (apud MORIYÓN, 1989, p.77)

Contudo Parmênides Cuberos também relata que poderia existir ainda

alguma referência religiosa por parte da Maria Cubero, sua tia, pois ele perguntava:

"- Tia, você acredita em Deus?", "- Não, não acredito.", depois minha tia falou assim

"- às vezes eu acredito." (risos).(apud SANTOS, Dez/2013, p.9)

Esse “às vezes eu acredito” de Maria Cubero aparece não como um pecado

entre os ateus, mas demonstra uma abertura aos momentos em que um Deus é

bem-vindo para atender as ânsias transcendentais. O próprio Jaime Cubero pondera

que muitos anarquistas possuíam a sua dimensão espiritual, ou religiosa. A

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espiritualidade se diferencia da religião por estar presente em múltiplas formas de

expressão humana. Mas os militantes que a possuíam não expunham ao movimento

e muito menos procuravam impor suas visões ao restante do grupo:

Você vê o caso do José Oiticica, quando ele morreu chegou um repórter pra mim e disse: "Você conhece o Oiticica? Eu já soube muita coisa sobre ele, soube que era grão-mestre rosacruz...". E eu disse: "O quê? Porra!". Coisa que eu nunca poderia imaginar. Grão-mestre Rosa Cruz. Ele era mesmo. (...) Mas ele nunca misturou as estações, nunca ouvi José Oiticica dizer nada sobre isso.

[...]

Eu aprendi muito com ele, essa coerência ética. No entanto você vê... vou citar outro exemplo. Aquele professor que fundou as escolas modernas, o João Penteado. Ele no final da vida virou espírita. Eu depois encontrei uma série de anarquistas espíritas (que eu acho que não é incompatível). Ainda hoje conheço alguns. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 37)

A postura espírita de João Penteado foi investigada nas pesquisas realizadas

a partir de seu acervo. Revelando não ser algo tão incomum entre os militantes e era

uma atitude de desvincular a religião da instituição Igreja, chegando a ser uma

resistência à sobremacia do catolicismo da época:

Penteado foi diretor e redator do jornal espírita intitulado A Nova Revelação e publicou artigos no jornal também espírita O Natalício de Jesus, ambos na década de 1910 e filiados à União Espírita do Estado de São Paulo. Não era incomum a vinculação de anarquistas a variadas tendências espiritualistas, todas marginais ao catolicismo hegemônico ou religiões oficiais. Ser espírita naquele momento e naquele lugar constituía atitude de independência perante a adesão religiosa dominante. (ACCIOLY e SILVA & SANTOS, 2013, p.189)

A posição particular de Jaime Cubero é baseada em outras fontes libertárias,

que como ele, compreende a religião e a instituição igreja como coisas distintas,

uma como uma dimensão sagrada e a outra, como qualquer outra instituição, uma

instância cerceadora:

Eu estou com Herbert Read. Ele acha que a religião é algo da natureza humana. O sujeito se faz perguntas que são irrespondíveis, aquelas eternas perguntas: "Quem sou? De onde venho? Para onde eu vou?". Nem a ciência, nem a filosofia, nem a religião tem respondido de forma satisfatória. Então o sujeito tem um certo apelo ao transcendente, a algo que está além da nossa própria natureza, talvez em outra dimensão, outra condição. (...) Eu aprendi muito com o Mário Santos, que tem um livro que chama O Homem Perante o Infinito, que é um extraordinário tratado de teologia.

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Acontece que o próprio Mário põe numa nota de rodapé que aquilo não queria dizer que era filiado a qualquer religião, nem ordem de cunho religioso. Mas ele achava que era da dignidade do filósofo examinar e tomar conhecimento de tudo que possa haver na prática e na natureza humana. (CUBERO apud SILVA, 2012, p.37)

A aceitação é simplesmente um ato de fé. (...) Eu, pessoalmente, acho que a religião, no seu verdadeiro sentido, merece ser estudada com todo respeito. (...) A religião é um bom tema... O anarquismo sempre se opôs e combateu a religião organizada e instituída. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 38-39)

Aqui me parece o ponto de convergência com as posturas adotadas por

Tolstói, que o belo texto de Christina Lopreatto aponta na influência que Gandhi

obteve. Uma noção sobre religião que possui uma base comum e repercute em

outros militantes anarquistas que conseguem dissociar a experiência transcendente

do vínculo institucional e repressor da igreja, que só estimulam a cisão entre os

homens e não a sua união:

Não só as igrejas nunca uniram ninguém, como foram sempre uma das principais causas do desacordo entre os homens, do ódio, das guerras, das inquisições, das noites de São Bartolomeu etc. e nunca as igrejas serviram de intermediárias entre os homens e Deus, o que aliás é inútil e proibido por Cristo, que revelou sua doutrina diretamente a cada homem. (Tolstói apud LOPREATO 2012, p. 479)

Tolstói foi incisivo em rechaçar as cerimônias exteriores da Igreja, sintetizando

o cristianismo à expressão “ama a teu próximo como a ti mesmo”. Sua identificação

com Jesus não se dá pela adoração de sua “divindade”, mas de sua humanidade,

uma mártir que morreu por sua doutrina e deixou um legado a ser colocado em

prática individualmente, sem qualquer interferência institucional. Segundo Rudolf

Rocker (2010), Tólstoi

[...] demonstrou de modo muito evidente que o progresso de nossa chamada civilização é, na realidade, um processo de degeneração física e moral. A busca desenfreada dos prazeres refinados, o luxo desordenado das classes dominantes e a miséria corporal e intelectual nas grandes cidades civilizadas, onde o homem está isolado da natureza, são sintomas terríveis dessa degenerescência. (...) Tólstoi não e um reformador, não faz parte daqueles que querem curar o mal por meio de pequenas melhorias. Sua doutrina dirige-se contra os fundamentos da sociedade moderna; combate a essência e não a forma de nossa chamada civilização. (p.18-19)

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3.7. Outros espaços de atuação

Dentro do contexto do Movimento Anarquista, em que Jaime Cubero foi

atuante, existem outros espaços que não poderia deixar de abordar, pois compõem

de forma significativa a sua trajetória. A Chácara que existiu até 1967/68 e após

1968 o Nosso Sítio, e a loja "Calçados Cuberos Ltda.".

Imagens 04 – Piquenique de 1° de Maio em 1943

Em pé: Liberto Carrilho, Jaime Cubero e Liberto Lemos; sentado: Nito e Antônio

Cubero sem identificação sem identificação

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

A Chácara, como ficou conhecida, era um espaço rural no bairro do Itaim

Paulista (zona leste da cidade de São Paulo), segundo Nilton Melo (apud SANTOS,

Out/2013, p. 24-25), foi uma área doada ao movimento anarquista ainda na década

de 1930 onde o objetivo era criar uma sociedade naturista, em que os membros

conviveriam em harmonia e só iriam consumir aquilo que eles mesmos produzissem,

assemelhando-se ao que conhecemos hoje como "ecovilas". Porém, ocorreram

algumas limitações em manter esse objetivo, pois muitos dos militantes eram

trabalhadores e trabalhadoras com famílias constituídas e não conseguiram realizar

essa mudança tão radical. Ainda sobre a Chácara, Jaime Cubero relata a grande

influência dos naturalistas na sua fundação e atividades:

“Formaram até uma sociedade civil (...) chamava “Sociedade Naturalista Amigos de Nossa Chácara. (...) Promoviam muitas atividades junto com o CCS, sendo que a mais agitada era a Festa da Primavera na qual compareciam mais de 200 pessoas na chácara. Mas todo fim de semana você podia contar que tinha um piquenique anarquista por aí. Fazíamos o lanche e depois montávamos uma espécie de karaokê, com musica declamações, etc. Isso tinha um efeito fantástico, era uma prática de convivência anarquista. (Jaime Cubero, apud BORGES, p.178)

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Durante o Estado Novo de Vargas (1937-1945) a chácara foi um local de

encontro da militância, onde tentavam manter o grupo unido, realizando piqueniques,

palestras, e conversas e discussões que não poderiam ser realizadas em local mais

urbano pela repressão e denúncias que existiam. Após 1945, mesmo com a

diminuição da repressão e a forte atuação do CCS, a chácara era um espaço para a

organização mais específica do movimento, não era um espaço aberto ao público.

Somente a militância fortemente comprometida participava das atividades nesse

espaço, entre eles Rodolfo Felipe, Zeferino Oliva, Edgar Leuenroth, Adelino de Pinho,

João Penteado, tal experiência perdurou até pouco mais de 1965, início de outra

época de forte repressão, onde houve um movimento para aquisição de outro

espaço, um sítio, mais conhecido como Nosso Sítio.

Jaime Cubero chegou a publicar no jornal Dealbar quando conseguiram

adquirir o sítio em Mogi das Cruzes que, após a vitória de adquiri-lo, necessitavam

de ajuda para a construção das instalações:

Além de cumprirmos o compromisso assumido com a compra do Sítio fizemos um investimento superior a dois milhões de cruzeiros no mesmo período em que o mesmo foi pago; tal entusiasmo e o carinho que cercam esta iniciativa. Nossa próxima meta: a compra de uma condução para o Sítio e a construção de um salão e instalações que possam abrigar com conforto maior número de freqüentadores e colaboradores. Para tanto contamos com sua ajuda, caro companheiro e amigo!...

[...]

Fazemos nosso o seu apelo: aos que conhecem a iniciativa pedimos que procurem a comissão e ajudem participando como puderem; aos que ainda não a conhecem, procurem conhecê-la para que seja cada vez maior o número de pessoas a colher os benefícios que uma obra daquele significado social proporciona. (1967, p.4)

O Nosso Sítio, assim como a Chácara, foi um espaço em que se exercia o

máximo da solidariedade e do que conhecemos no anarquismo como apoio mútuo,

desde a construção, manutenção do espaço, as comidas que eram feitas até a

organização das reuniões, como Jaime Cubero nos relata:

Nós tínhamos uma Chácara onde fazíamos muitas reuniões, muitos piqueniques, chegando a reunir 200 pessoas em plena redentora. E eles pegaram filmes na casa de um deles e queriam impingir na marra que ali se treinava guerrilha. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 27)

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Nós fazíamos mesmo assim as atividades clandestinas na Chácara. Todo mundo passou a frequentá-la. Fizemos mutirões, construímos um salão de 120m², nós mesmos. Teve um domingo memorável em que colocamos 3.300 telhas cobrindo, em 30 pessoas, mais ou menos, inclusive as crianças carregando telha, uns pondo telhas, outros fazendo o ripamento. Foi um episódio marcante. (Op, Cit., p.28)

Com o CCS em São Paulo e o Centro José Oiticica no Rio de Janeiro

fechados, em decorrência da Ditadura Militar, as atividades políticas não sendo

possíveis de forma pública, assim como ocorreu com a chácara, Nosso Sítio foi o

espaço aglutinador do movimento anarquista, principalmente entre os anos de 1970

e 1980, de forma a manter o grupo coeso e mantendo vivas as suas ideias.

Esse grupo que convivia no sítio é o mesmo grupo que em 1985 reabre o

CCS em São Paulo. Por isso, é comum que pareça que os anarquistas ressurgiram

do nada em 1985, mas não era do nada, eles estavam sempre em contato por meio

do sítio e da loja Calçados Cuberos, como veremos adiante. Para a militância era

muito importante que essa convivência reforçasse seus objetivos e princípios, como

ressalta Nilton Melo, na mesma sintonia do depoimento de Jaime Cubero, a

capacidade de exercer a solidariedade e a autogestão:

Uma coisa bastante interessante, é que foi totalmente construído pelas mãos dos anarquistas daquela época. Aquelas construções, aquelas casas, foram todas construídas. Todo aquele eucaliptal plantado pelas mãos do pessoal, por isso que eu acho que é uma forma de demonstração de autogestão e de ação direta. (Nilton Melo apud SANTOS, Out/2013, p. 25)

Por muito tempo o sítio foi mantido em segredo por uma questão de

segurança, nele eram escondidos documentos, livros e até pessoas, um verdadeiro

refúgio. Mesmo após a redemocratização ele foi mantido com algum sigilo. Nilton

Melo conta que só soube da existência do sítio após uns dois anos de convivência

assídua ao CCS, e só foi por ter sido convidado pelo Antônio Carlos.

Parmênides Cuberos, no entanto, ressalta que as reuniões no sítio não eram

tão pacíficas como possa aparentar inicialmente. Havia muitos desentendimentos no

processo, na busca do consenso. A convivência e a autogestão possuíam suas

dificuldades sendo um processo trabalhoso, pois em algum momento a posição de

uma pessoa pode não ser aceita pelos demais, mas não se trata de estabelecer uma

mera votação e decidir por maioria o que será feito, é necessário buscar um

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consenso, compreender as posições até que concordem com o que será realizado.

Nas próprias palavras de Parmênides:

O sítio sim foi um refugio digamos assim para os anarquistas na década de 70. (...) Aqui é um belo exemplo de convivência porque para você reunir um monte de pessoas. (...) você construir uma sociedade onde todo mundo ouve - e fale, não é fácil. É muito difícil. Esse foi um grande exercício na prática, porque na verdade era um grupo de pessoas que faziam as reuniões lá, mas quebravam altos paus ali. Altos paus. Lógico que depois chegavam num consenso. O consenso você constrói, mas é difícil de você construir. Não é fácil. O jeito anarquista não é uma coisa doce, né? É uma coisa difícil. Às vezes a gente tem que... É difícil para todos nós, somos seres humanos. Tem que abandonar alguma coisa que você tem. Alguma vontade. Nem todas você abandona, nem todas você deixa porque têm algumas coisas que você guarda para você. Infelizmente somos seres humanos, né? Mas é difícil. Se você tiver vontade você vai construindo pouco a pouco e chega-se a um consenso, mas eu posso falar que não é fácil. Eu lembro aí do meu tio Jaime e todos aí. Altos paus, brigas assim. Não brigas no sentido físico, mas em determinadas discussões. (apud SANTOS, 2013, p. 16)

É rica a descrição de como era a relação dentro do sítio, vivida pelas três

pessoas que foram entrevistadas. Nilton Melo apontando que no início ele via Jaime

Cubero como o dono do sítio, mesmo depois desconstruindo essa imagem, isso era

forte, porque Jaime Cubero era o responsável direto pelo sítio, quem guardava a

chave e sempre mantinha o espaço limpo, carpido e organizado. Já Miquelina Veiga

recorda os jogos de bocha, como algo que a marcou profundamente, por vivenciar

um momento em que a malandragem é elemento de descontração:

Viajei, com o Jaime, uma vez só pra o sítio. (...) Era um à vontade extremo. Chegava lá e eles já chegavam e se organizavam lá na intimidade deles e depois era bater perna e era muito interessante, assim, a gente vê o Jaime no sítio, vê de fato ele no sítio, já tendo ouvido muitas histórias sobre o sítio. Então a gente via realmente o "à vontade" que era estar lá, de conhecer aquilo detalhadamente, de ajudar também nas tarefas e da gente viver ali. O pessoal ia jogar bocha, mas era muito engraçado. O jogo é muito engraçado, porque além da habilidade, tem a malandragem, e a gente ria muito, então se criava até situações com a malandragem que criava situações de polêmicas e até gritos, mas que na verdade era puro teatro, era muito engraçado. Então, por exemplo, assistir aquele jogo foi recuperar práticas que familiares deles, do grupo de anarquistas que frequentavam o sítio, e também ver como é que era isso, esse jogo que pertence à cultura ítalo-hispânica, dos imigrantes, e tomar parte disso. (apud SANTOS, Out/2013, p. 23)

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Parmênides Cuberos recorda de sua infância, e de sua irmã Thalia, que foi

em grande parte no sítio, onde aprendiam na prática e na vivência o que era o

anarquismo:

Passamos (Parmênides e Thalia) a nossa infância lá. Fui criança de apartamento, e a gente brincava lá no sitio. Quer dizer, as crianças brincavam, praticavam o anarquismo e por aí vai. (...) a prática de fazer jogo, carpinagem (...) As pessoas capinavam, tudo era feito de uma forma comunitária, eu como criança, eu lembro que para erguer uma construção todo mundo se mobilizava a fazer o cimento. (...) Quem fazia o trabalho pesado de capinar e as obras, o trabalho pesado, eram os homens. As mulheres cozinhavam assim. Se você olhar do muro de fora você falará "Mas ali tem certo machismo", mas não é exatamente isso. (apud SANTOS, Dez/2013, p. 17)

Esse possível machismo, não era propriamente machismo como buscarei

ressaltar no próximo tópico, pois era uma espécie de divisão do trabalho por gênero,

de acordo com os padrões culturais em que eles estavam inseridos, mas em

nenhum momento isso colocava a mulher e o homem em uma hierarquia.

Durante a entrevista com Miquelina Veiga e Nilton Melo, relatei que a minha

orientadora, Doris Accioly e Silva, comentou que Jaime Cubero gostava muito de

laranja lima e que suas cinzas foram despejadas sobre o pé de laranja lima que

existia no sítio, mas ele disse: pena que as formigas fascistas mataram o pé de

laranja lima... vou falar que elas são formigas fascistas. O pé não existe mais,

infelizmente. (apud SANTOS, Out/2013, p. 26)

Imagens 05 – Nosso Sítio em Mogi das Cruzes SP

20/09/1970 – Em destaque Maria Cubero e

Jaime Cubero 20/09/1970 – Em destaque Maria Cubero

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07/1972 – Maria Cubero, Navarro, Thalia, Hélio, Lis, Francisco Cuberos com Parmênides, Tales,

Cid, Ed, Lourdes.

07/1972 – As crianças sempre participando dos processos no sítio.

06/03/1973 – Almoço coletivo no sítio. Presentes: Jaime Cubero, Ideal Peres, Maria Cubero,

Maruja, entre outros militantes e familiares.

Em destaque Jaime Cubero – trabalho coletivo realizados no sítio s/d.

29/06/1965 – no sítio

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

Nilton Melo também relatou que o sítio existe até hoje, porém tem sido difícil

mantê-lo, poucos são os que se habilitam para realizar a manutenção do espaço e

mesmo os encontros realizados lá são esparsos.

Mas como citado anteriormente, a chácara e o nosso sítio não foram os

únicos lugares aglutinadores dos anarquistas em tempos de repressão,

principalmente entre o fim da década de 1960, os anos 70 e inicio de 80, "teve

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outras coisas, a sapataria aqui, também no Brás" (Nilton Melo apud SANTOS,

Out/2013, p. 25)

A loja Calçados Cuberos foi o comércio da família que tinha os irmãos Jaime

Cubero e Francisco Cuberos como sócios. Na loja trabalharam, além dos irmãos,

Maria Jimenez (Maruja), companheira de Francisco Cuberos. Comercializavam

sapatos, inclusive os sapatos que eram fabricados por outro irmão, Antônio Cubero

que possuía uma pequena fábrica. Poderia ser uma loja como outra qualquer, porém,

a loja era um ponto de encontro para os anarquistas. Após o expediente muitas

reuniões eram realizadas na loja, muitos livros, documentos e alguns panfletos do

movimento anarquista eram armazenados ali. Jaime Cubero relata a experiência na

loja de calçados:

(...) eu virei sócio do meu irmão que tinha uma loja de calçados. Vendi um apartamento que eu tinha no Rio e trabalhei com ele até me aposentar em 79. A loja era na Av. Celso Garcia (São Paulo). Durante toda a redentora, época em que o Centro estava fechado, nós fazíamos todas as reuniões dentro da loja. Reuníamos 30, 40 pessoas lá. Chegamos a fazer reuniões com o secretário geral da AIT (Associação Internacional de Trabalhadores), com gente de fora. Era um ponto de referência. Tinha jornalista que dizia: "Ah, sei. Os anarquistas que se reúnem numa sapataria lá no Brás”. (apud SILVA, 2012, p. 23)

Parmênides Cuberos também relatou o período da loja, embora fosse uma

criança, ele ficava alguns dias na loja, normalmente ele ficava em casa com a Maria

Cubero, sua tia, mas ainda assim conviveu muito tempo indo à loja onde seu pai e

mãe trabalhavam e à noite ocorriam as reuniões:

Voltando à loja. Foram feitas algumas reuniões lá sim. Eu era pequeno, mas eu lembro. Na época de 72 eu era muito pequenininho mesmo, nos anos de chumbo mesmo. Mas eu lembro, pelo menos do que a minha memória me permite, lá dos oito, nove anos de idade. Eu me lembro de algumas reuniões. Depois quando teve a abertura, eu digo até a abertura do governo Geisel lá atrás. Agora que eu contextualizo. Naquela época da década de 80 começou a ter alguns movimentos ali que já estavam... Não propriamente anarquistas, mas movimentos de esquerda começaram a popularizar ali e de uma forma ou outra a loja era sempre um ponto de encontro. Não o único obviamente, né? Mas era um ponto de encontro ali. E obviamente o sítio que era a chácara, né? Isso passou todos os anos 70. (apud SANTOS, Dez/2013, p. 15)

Temos poucos registros sobre o período da loja, mas devemos reconhecer

que havia um envolvimento profundo dos Cuberos com o movimento anarquista,

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pois arriscavam o seu "ganha pão" em favor de uma causa. Sabiam do perigo que

corriam de serem denunciados e perseguidos, ainda assim, consideravam mais

importante manter o grupo unido e sempre em discussão, mantendo acesa a chama

libertária, aguardando o momento de abertura para retomar de forma pública as

questões e propostas do movimento.

Imagens 06 – Calçados Cuberos LTDA

Odair (funcionário), Maruja, Francisco Cuberos e Jaime Cubero

- 05/12/1968 Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

Sacola da loja: Calçados Cuberos – Crediário sem entrada – Av. Celso Garcia, 725 – Brás FONE: 292-6362 – São

Paulo

3.8. A questão do feminino, do amor livre e da família

Imagens 07 – Jaime Cubero e Maria Cubero

Possivelmente no casamento (s/d) Em destaque: Jaime Cubero e Maria Cubero s/d

Em destaque: Jaime Cubero e Maria Cubero s/d Em destaque: Jaime Cubero e Maria Cubero s/d

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Comemoração da Formatura de James (sobrinho) s/d Jaime Cubero e Maria Cubero indo para o sítio s/d

Maria Cubero e Jaime Cubero em sua casa s/d

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

A entrevista-encontro-conversa com Maria Aparecida Nietto Cubero ocorreu

em 17 de agosto de 2014, num domingo nublado, na Casa de Repouso Sol da

Manhã em Santo André. Estavam presentes: Parmênides Cuberos Martinez

(sobrinho de Jaime e da Maria), sua esposa, Eanne Palacio Leite, sua mãe Maria

Martinez Jimenez, mais conhecida como Maruja (Companheira do Chico Cuberos,

cunhada de Jaime e Maria) e sua filha Sofia Cuberos Palacio, de apenas 07 meses.

Foi a segunda visita da Sofia à tia-avó Maria. Segue abaixo o relato de alguns

pontos desse encontro.

Encontrei Parmênides, Eanne e Sofia em sua casa (antiga casa do Jaime

Cubero) próximo à estação Armênia do metrô. Passamos na casa de Maruja, onde

fui muito bem recebida e logo na estante encontrei um retrato do Jaime com o Chico,

no sítio:

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Imagem 08 – Jaime Cubero e Francisco Cuberos no sítio década de 1990

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

Maruja já havia separado para levar à Maria Cubero café (descafeinado) e

chocolate, que não são servidos na Casa de repouso, mas como Maria Cubero

gosta muito, sempre levam em suas visitas, inclusive para compartilhar com outros

moradores da casa de repouso. Parmênides Cuberos levou consigo uma caixa cheia

de fotografias, para auxiliar Maria Cubero a recordar alguns períodos e pessoas.

Chegando à casa de repouso, aguardamos em uma pequena área externa,

com bancos, algumas árvores e pássaros. Parmênides foi buscar Maria Cubero, que

está em cadeira de rodas, devido à fraqueza que a impede de caminhar ou ficar de

pé, mesmo que por pouco tempo. Ela nos recebe com um grande sorriso, explico

que minha presença é por conta de um trabalho sobre o Jaime Cubero e ela

agradece pela visita, demonstrando grande felicidade. Deixo que primeiro ela possa

abraçar a todos e curtir sua sobrinha-neta, para quem ela olha apaixonadamente

todo o tempo.

Ao perguntar inicialmente o que o Jaime Cubero representava para ela, ela

responde rapidamente: "Ele era tudo para mim. O Jaime era tudo: companheiro,

amigo, tudo." A importância deste tudo é algo difícil de traduzir em palavras, quando

tentei perguntar o que seria o tudo ela somente respondia: tudo, tudo, tudo, ele era

tudo.

Em 1945, Maria Cubero se casou com Jaime Cubero. Namoravam desde os

16 anos. Eram primos de primeiro grau (o pai da Maria era irmão da mãe do Jaime),

desde a infância estavam juntos. Pergunto se a família não interviu no namoro e no

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casamento, em função de serem primos, mas Maria Cubero afirma que não, que não

houve essa dificuldade. Maria Cubero conta que quando eles casaram, fizeram uma

festinha na Vila Bertioga em São Paulo capital, com comidas feitas pela mãe do

Jaime Cubero. Ela recorda que passaram a primeira noite de casados na casa de

uns espanhóis e ao se deitarem a cama estava cheia de grãos de milhos,

aparentemente uma brincadeira para com os noivos, mas eles sacudiram a maior

parte do milho e isso não atrapalhou a noite.

De acordo com um relato de Jaime Cubero, no entanto, ele diz não ter sido

logo no início bem aceita pela família a união dos primos:

Eu e a Maria, minha companheira, somos primos e desde muito cedo começamos uma espécie de namoro. A família não era muito a favor, mas acabaram aceitando e nós nos casamos bem cedo, em 1945 quando eu tinha dezoito anos. Desde lá fomos companheiros em uma relação que sempre foi marcada pela liberdade entre nós. (apud BORGES, 1996, p. 168)

Após o casamento, Maria e Jaime Cubero moraram por pouco tempo na casa

de uns espanhóis, depois foram morar no terreno da fábrica de sapatos do seu

irmão Antônio, depois no Rio de Janeiro, ao retornar para São Paulo, moraram com

Chico e Maruja, mas depois conseguiram ir morar em um apartamento e, por último,

na casa onde Parmênides mora hoje.

Segundo a Maria, Jaime Cubero falava bem, mas não era muito bonito, diz

que o que ele mais gostava de ler era filosofia e que sempre gostou de cinema, e ela

foi muito com ele ao cinema durante o namoro, depois ele continuou indo, mas ela

não, por que ela preferia ficar em casa.

Ao falar sobre as visitas que o Jaime Cubero recebia em casa, Maria diz que

elas davam um pouco de trabalho. Lembrou-se de uma vez que ela retornou de uma

viagem ao sul do Brasil que tinha feito com Maruja e Chico e quando chegou a casa

tinha um monte de moleques na sua casa, uns até dormiram em sua cama. Isso não

a agradou, mas era bem característico do Jaime Cubero abrir sua casa.

Maria considera como seus maiores amigos, sua própria família, mas nesse

momento percebemos que já era difícil para ela diferenciar o tempo presente do

passado. Entre os amigos próximos citou o Tragtenberg, o Zeca (Morel), o Edgar

Leuenroth e Mario Santos. Maria Cubero nos disse que Tragtenberg esteve presente

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desde o seu casamento, mas Parmênides e Maruja acreditam que eles se

conheceram depois. Comentaram que o José Carlos Morel conheceu o Jaime

Cubero, por meio do Marcelo Lima que fazia filosofia na USP, segundo eles, foi

assim que o Zeca se aproximou e nunca mais se afastou: "é muito próximo à família".

Maurício Tragtenberg foi bem próximo a família e segundo Parmênides

Cuberos, ele costumava sempre brincar que Jaime Cubero tinha errado na escolha

do nome do sobrinho:

Quem foi um cara que foi muito próximo do Centro de Cultura e foi bem amigo do meu tio Jaime, foi o Tragtenberg. Até eu me lembro bem dele. Como eu era muito bagunceiro, quando ele ia ao sitio ele falou "Jaime você deveria ter dado o nome desse menino de Heráclito não de Parmênides. Porque Heráclito era do movimento e o Parmênides era do ser imutável e tal." Ele falou "Você deveria ter dado o nome dele de Heráclito". (SANTOS, Dez/2013, p. 22)

A relação de Jaime Cubero com o Tragtenberg foi muito próxima e muito

semelhante se tomarmos como ponto de partida, por exemplo, o autodidatismo e

principalmente a coerência entre teoria e prática. Doris Accioly e Silva nos reforça de

Tragtenberg o que se pode considerar o ponto de convergência11 entre os amigos

Jaime Cubero e Maurício Tragtenberg:

Dois princípios são nucleares em sua vida e em sua obra: autonomia

e solidariedade.

Em Maurício Tragtenberg, eles caminham entrelaçados, carregados

de historicidade, atualizando o percurso das lutas e experiências

seculares pela liberdade, igualdade e fraternidade. Ao longo de seus

escritos e de suas atitudes, é possível vislumbrar a presença daquelas

lutas e experiências, dentro de uma concepção da história que não é a

de justaposição de tempos presentes ou mera sucessão, mas

transformação, transposição delimites, transgressão. ( 2001, p.77-78)

Maria Cubero vagamente lembrava-se da ida ao "Grupo Juvenil de Estudos

Sociais" na Vila Bertioga, que tudo nos indica que foi influenciado pelo Florentino de

Carvalho, eles iam juntos em uma turminha: Maria, Jaime, Aurora, Liberto, Chico e

outros. Segundo ela eles iam andando, andando e namorando também. Parmênides

11

É importante ressaltar que Maurício Tragtenberg foi próximo do marxismo heterodoxo o que em alguns pontos de vista se distanciam das posições políticas de Jaime Cubero, mas há sem dúvidas, mais elementos que os aproximam do que os afastam.

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brinca dizendo: namorava um pouquinho e ela diz: Bastante! Todos nós rimos e

percebemos como aqueles momentos eram importantes para ela.

Perguntamos então à Maria se Jaime Cubero era amoroso com ela. E ela

afirma: ele era muito, muito amoroso, não tinha nada do que reclamar. Nesse

momento Maria olha para Sofia e diz "Mi amor", após um breve silêncio, Maruja

comenta que é uma pena que ele (Jaime Cubero) não a conheceu. Maria diz que

realmente ela (Sofia) ia ser um show na mão dele.

Maria diz que o Jaime curtiu muito os sobrinhos e em especial o Parmênides

e a Thalia (filhos do Chico e da Maruja), mas também Tales e Hélio (filhos de Aurora

e Liberto), com quem ficaram morando por um período de quase 06 anos, em Niterói,

depois moraram sozinhos em um apartamento em Ponta de Areia, por mais uns 4

anos.

Maria Cubero retrata o tempo em que frequentava o CCS, como um período

muito gostoso, ela ia mais para fazer companhia ao Jaime Cubero, mas quando ia

era muito prazeroso. Quando perguntamos sobre o sítio ela e Maruja afirmam que

todos trabalhavam muito para manter o espaço, cozinhavam, construíram, limpavam,

carpiam, etc.

Em muitos momentos outras pessoas da família eram lembradas, por realizar

ações que ficaram marcadas e evidenciavam a referência libertária. Maria Cubero ao

recordar de José Lemos, pai do Liberto, sogro de Aurora, lembrava-se dele

martelando uma moeda de santinha, com todo o seu anticlericalismo. Parmênides

relata a lembrança que Chico contava sobre seu pai (José Antônio) que vendia

sorvetes, mas como algumas crianças não tinham como pagar ele dava os sorvetes

e logo percebeu que não podia trabalhar com isso. Maruja retrata que durante a

ditadura militar, quando as atividades do Centro Cultural foram interrompidas, as

reuniões ocorriam na loja e no sítio, e que os materiais, livros e documentos, muitos

foram escondidos também dentro da fábrica de sapatos do Antônio Cubero, que era

irmão de Jaime Cubero.

Entre as fotos, encontramos uma carteira de saúde da Maria datada de 1947,

quando ainda era solteira, nela tinha o registro de seu primeiro trabalho como tecelã

na Tecelagem Norma Ltda. Ela disse que gostava muito de trabalhar na tecelagem.

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Imagens 09 – Carteira de Saúde de Maria Cubero de 1947

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

Ao falar em trabalho, Maruja disse que logo que eles retornaram do Rio de

Janeiro, Jaime Cubero começou a vender livros da Enciclopédia Britânica. Mas

como vendedor ele era um fracasso, porém ótimo organizador, então veio trabalhar

na loja Calçados Cuberos, auxiliando na parte mais administrativa, diz que Thalia,

sua filha, herdou essa característica do tio.

Todo o encontro teve a participação ativa da Sofia, ora com choro, ora com

risadas, comendo sua saborosa papinha de beterraba com frango, azeite, rúcula e

mandioquinha. E logo foi possível perceber o cansaço da Maria, muito tempo sendo

solicitada a lembrar de algo. Durante toda a conversa Parmênides mostrava as

fotografias, perguntando quem eram as pessoas das fotos, quando foi, em qual lugar,

etc. Optamos então por não estender a entrevista-encontro-conversa. Gostaria muito

de ter realizado mais encontros com a Maria, mas para o mestrado não foi possível.

Imagens 10 – Entrevista-encontro-conversa com Maria Cubero AGO/2014

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Maria Cubero com Sofia e Maruja Maria Cubero com Sofia

Parmênides Cuberos, Maria Cubero, Maíra Moraes dos

Santos, Maruja com Sofia no colo. Maíra Moraes dos Santos com Maria Cubero

Fonte: acervo pessoal Maíra Moraes dos Santos

Com a entrevista-encontro-conversa com Maria Cubero foi possível

compreender melhor a importância do amor e das relações familiares na trajetória de

Jaime Cubero, bem como suas conexões com os princípios libertários. Jaime

Cubero expôs em uma carta à Jaqueline, o que ele compreendia e praticava sobre o

amor livre. Na carta traduziu trechos do comunicado do "Movimento Mulheres Livres"

redigido em um encontro internacional na cidade de Bilbao, Espanha, entre os dias

12 e 15 de abril de 1990:

Nossa Análise Social Demonstra:

1 - que se a situação da mulher evoluiu pelo reconhecimento de sua identidade e por vezes na igualdade de direitos, isto não impede ainda que no plano econômico persistam a exploração e as desigualdades, tanto profissionais como salariais, como no plano moral persiste a manutenção da submissão e da passividade da maioria delas.

2 - Se a consciência não se desenvolve na amplitude desejada menor ainda é o processo de mudança e melhoria nas relações humanas, com a finalidade de acabar com todo o machismo e o feminismo sectários, tanto como o conformismo que relega cada pessoa a um papel preestabelecido.

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3 - Nossa vontade se apoia sobre o esforço que é conduzido por companheiras e companheiros, juntos, a fim de modificar profundamente nosso comportamento para por em prática, relações igualitárias e fraternais no sentido da emancipação tanto da mulher como do homem. (apud CUBERO, 1990, p. 2 -3)

É importante ressaltar nesta postura uma dimensão não sectária, o que era

muito prezado por Jaime Cubero, na busca por romper com qualquer

predeterminação imposta pela sociedade. Quando entrevistei Miquelina Veiga, ela

relatou como era a relação de Jaime Cubero com Maria e vemos que ele praticava

esses princípios dentro da sua relação, na sua intimidade:

[...] uma coisa interessante em relação ao Jaime é que naquela época, hoje em dia parece banal, 30 anos depois, mas ele, por exemplo, ele era presente nas tarefas domésticas, porque a casa era dos dois. É claro que ela ficava com o maior quinhão, porque ela ficava em casa, (...) naquela época que a gente falava uma coisa que hoje em dia eu acho engraçado assim é: "O homem ajuda a mulher". Não, nem o homem ajuda a mulher, nem a mulher ajuda o homem, mas a visão era outra, a de que era uma coisa construída pelos dois, então era uma coisa que fazia sentido para os dois, então a atuação dele também era presente ali. (SANTOS, Out/2013, p. 23)

Essa construção conjunta, onde feminino e masculino não são superiores um

ao outro, são potências que podem se unir e compartilhar toda a complexidade que

envolve a relação. Não podemos generalizar e dizer que essa era uma postura

adotada por todos os anarquistas, Miquelina Veiga também lembra que entre os

anarquistas mais antigos o espaço público era o masculino e o espaço íntimo era

feminino. Essa divisão de espaços esteve, como já foi dito, arraigada em outros

fatores culturais, porém com o diferencial de não hierarquizar a relação. Miquelina

Veiga retratou o quanto Jaime Cubero apresentou uma forma diferente de enxergar

a questão do feminino:

Essa questão de ser a única mulher também isso faz quanto tempo, de 86 para cá? (...) quase 30 anos, então, as questões do feminismo e da diversidade, ainda não estavam colocadas como estão hoje, então, uma das coisas que eu guardo assim, em relação ao Jaime, é essa visão do relacionamento homem e mulher, como uma das coisas mais positivas que eu pude ver, e mesmo as histórias que o Jaime trazia em relação ao relacionamento com o feminino, era para mim muita novidade, por que em termos de história de vida assim, dentro de uma família patriarcal, em que as mulheres eram para ser vistas e não ouvidas, e mesmo depois, já na juventude, eu não..., é difícil traduzir, mas a sensação que eu tinha em relação à questão do gênero, que o Jaime trazia era muito diferente, e até o fato dele ser de uma geração

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bem anterior, ficava assim um choque, era muito interessante de ver que havia outras possibilidades além da dominação masculina sobre a mulher, em termos assim, dominação não só física, mas até racional, (...) nesse ponto é uma coisa muito marcante.

Agora por outro lado, também tinha uma coisa assim, como eu era a única mulher, tinha uma coisa muito reverente também, um respeito exagerado (...) e eu fui descobrindo em relação a mim mesma, nessa questão da militância também, respeito demais é ruim, a gente quer naquele contexto, a gente quer ser tratada da mesma forma... (apud SANTOS, 2013, p. 4-5 – grifo meu)

Jaime Cubero, como já foi citado anteriormente, foi convidado a frequentar o

CCS após ter feito um discurso no casamento de sua irmã Aurora sobre o Amor Livre,

acredito que o discurso tenha tido o mesmo teor da citação abaixo, onde ele busca

definir o amor livre na concepção anarquista:

Vejamos: o que é o amor livre, sempre defendido pelos anarquistas. Nada mais é de que a união de duas pessoas que se amam, sem a interferência de terceiros, sejam de que ordem for, familiares, políticas, legais, religiosas, econômicas etc. etc. Os anarquistas são contra o fato de o Estado intervir e regular uma união que é de exclusivo interesse das pessoas que se unem. Consideram que deve haver absoluta liberdade de se unirem e se separarem quando for da vontade das partes sem dependência de alguém. Eliminando todos os interesses subjacentes que concorrem para a grande maioria dos casamentos, sem estes unicamente uma verdadeira comunhão de sentimentos e vontades tanto mais gratificantes e benéficas serão as consequências e frutos dessa união. Para os anarquistas o amor deve ser livre de toda e qualquer injunção, como interesses econômicos, propriedades, dotes, crenças religiosas etc. Considera que todas essas injunções que desfiguram e viciam muitas uniões são próprias da sociedade fundada em interesses criados, de dominação, que tem suas origens na cultura - para nós do ocidente - judaico-cristã, assimiladas e desenvolvidas pelo capitalismo, gerando leis e imposições que a nível dos indivíduos, principalmente das mulheres, tem sido causa de sofrimentos inenarráveis. Muitos segmentos políticos e culturais, por ignorância ou má fé, tentam desfigurar as ideias e princípios anarquistas e passam a confundir amor livre com promiscuidade. Como se todos os vícios e transgressões morais não fossem uma decorrência direta da própria opressão a que as pessoas são submetidas por múltiplas formas na atual sociedade, salvo os casos de patologia inata. Sempre foi primordial preocupação dos anarquistas o cultivo de uma ética superior. Liberdade não é fazer tudo o que se deseja, mas desejar tudo o que se fizer. Liberdade não é ausência de restrições simplesmente: é responsabilidade, é opção, é a aceitação livre das obrigações sociais. (1990, p. 3)

Nesse trecho, assim como em outros, Jaime Cubero reforça que a liberdade

está fortemente atrelada às responsabilidades que assumimos com nossas escolhas,

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nas escolhas amorosas não seria diferente. A base dessa definição de "amor livre"

se repete no texto "Razão e Paixão na Experiência Anarquista", de forma mais

resumida e complementar:

Simplesmente a união de dois seres que se amam sem injunção alguma. Sem a interferência do Estado, da Igreja, da família, de fatores econômicos etc. Sem preconceito de espécie alguma. O amor sexual é como uma florescência da vida. Suas práticas são tão diversas, tão diferentes seus graus de desenvolvimento como imenso é o campo da afetividade. Impossível reduzir o amor à definição concreta. (CUBERO, 2005, p. 4)

É possível encontrar esse debate sobre o amor livre nos textos de outros

militantes, como podemos observar no texto de Heliodoro Salgado publicado no livro

organizado por Edgar Leuenroth (1963):

Assim compreendido, a união livre não é a anulação da família; é a

sua dignificação pelo respeito da liberdade, da personalidade dos

esposos (...) Na sociedade àcrata: "essa justificação da "família legal"

terá desaparecido, e a família, libertada passará a ter apenas por

base, por garantia e por lei o amor. (...) Assim, a família não se

extinguirá, a não ser que se extinga a própria Humanidade; mas

depurar-se-á no sentimento e na prática da liberdade.(p.206-207)

Jaime Cubero não aponta para uma mudança na atitude somente da relação

de um casal, mas para uma mudança nas relações familiares como um todo,

visando que o que se projeta para a sociedade deve se iniciar dentro de casa:

o autoritarismo presente nos lares da sociedade burguesa é combatido com novas formas de relações familiares. Em lugar das formas hierarquizadas, da autoridade do pai, da mãe, do irmão mais velho, etc. a solidariedade, o apoio mútuo, o amor, as relações de pais e filhos são estabelecidas a partir da amizade, de um respeito que se constrói na liberdade. O que num lugar é considerado respeito não passa de temor, no outro, é confiança e o companheirismo gera a alegria da convivência. Procura-se construir na ordem micro o que o movimento se propõe no macro. (1990, p. 5)

E não se trata apenas de um discurso, mas de uma prática cotidiana. Jaime

Cubero não teve filhos, Maria Cubero foi diagnosticada com útero infantil, o que não

permitiu que os tivesse, mas viveram uma relação familiar "compartilhada" na

criação dos sobrinhos, conforme os relatos da Miquelina Veiga e do próprio

Parmênides Cuberos:

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Na verdade quando eu nasci (em 1969) os três trabalhavam juntos e moravam pertinho um do outro. Eu fui adotado, mais ou menos, não adotado, mas eu fui não só filho do meu pai e da minha mãe, mas também da minha tia e do meu tio Jaime. Sempre com uma convivência, tive dois pais e duas mães. (apud SANTOS, Dez/2013, p. 1)

Jaime Cubero defende também a importância das crianças na ótica

anarquista. A criança como responsabilidade de um coletivo e não somente de seus

progenitores:

A diferença do comprometimento dos anarquistas na atual sociedade para uma sociedade idealizada, no que se refere ao amor livre e à família, se dá principalmente no referente aos filhos. Os anarquistas consideram que as crianças têm prioridade em qualquer tipo de atendimento que necessitam. E essa tem sido a prática em todas as comunidades e experiências concretas realizadas até hoje. Numa sociedade libertária, a manutenção, a saúde, educação, lazer e toda a formação fica a cargo da comunidade. Qualquer que fosse o nível de relacionamento dos pais, a criança jamais seria abandonada, inclusive no plano afetivo, emocional e psicológico. A liberdade de viver em núcleo familiar ou espaços coletivos, de forma permanente ou alternada, seria opcional. O que fosse mais gratificante e benéfico seria praticado conforme a vontade dos interessados, inclusive a das próprias crianças. (1990, p. 5)

O posicionamento sobre os cuidados e a educação das crianças estava

presente em José Oiticica, e entre outros militantes, quando nos diz que a educação,

em uma sociedade anarquista seria realizada pela comuna, não exclusivamente pelo

pai e mãe, mas preferencialmente por pessoas que tenham essa habilidade e

vocação. Pois educar, principalmente desse ponto de vista integral e pleno, é algo

muito difícil e requer preparação, estudo e vontade:

Educar é tornar o homem o mais capaz possível de aproveitar, do melhor modo, as energias física, mental, moral, prática e social. Educação física é o cultivo da robustez – não da força –, da saúde, da agilidade. Educação mental é a formação da inteligência, seu desenvolvimento racional e harmônico – erudição, cultura, arte.- Educação moral é o cultivo da vontade, sua direção na realização do bem-estar comum. Educação prática é o treino da habilidade técnica ou vocação profissional. Educação social é o aperfeiçoamento da solidariedade como multiplicador de energias. (OITICICA, 2006, p. 111)

Sobre a noção de família, amor e feminino, Jaime Cubero possui um

posicionamento convergente com o de outros militantes e pensadores do

anarquismo. O próprio José Oiticica em A doutrina anarquista ao alcance de todos

dedicou parte dos escritos sobre como seriam essas relações na sociedade

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anarquista. Afirmou, assim como Jaime Cubero, que homem e mulher se uniriam

somente pelo amor, sem nenhum outro tipo de compromisso, nem mesmo uma

obrigatoriedade pelos filhos, pois nem os filhos seriam posse de seus pais e sim

uma responsabilidade coletiva:

A família voltará, pois, a ser produto natural da associação humana. Nenhum prejuízo advirá para os filhos da separação dos pais, portanto, em sociedade anárquica, não são eles mantidos pelos pais, senão pela comuna. (2006, p. 114)

São ações simples do cotidiano de Jaime Cubero, relatadas nos depoimentos,

que caracterizam sua prática libertária, sua generosidade e sua dedicação. Ele tinha

consciência de que estava muito debilitado e que morreria antes que sua

companheira Maria Cubero. Fez questão de ensiná-la aquilo que, pela divisão das

tarefas do cotidiano, em comum acordo, era de responsabilidade dele. Isso foi muito

significativo para Parmênides Cuberos, como ele mesmo nos conta:

(...) isso sempre foi uma coisa que eu achei bonito da parte dele. O meu tio morreu em 98, mas desde 96-97 a saúde dele começou a debilitar de uma forma abrupta. Não abrupta, mas começou a decair. E ele começou a prepará-la para viver sem ele. Porque sabia que ia morrer antes dela. Isso foi uma coisa muito bonita que ele fez. Aí ele a preparava, até coisa simples, por exemplo, o meu tio sempre cuidou de coisas simples como pagar contas em banco, movimentar conta em banco e mexer com a aposentadoria e tudo. Eu lembro que ele a preparou: "Não, você vai começar a ir porque você precisa... Eu preciso te preparar porque eu não estarei aqui daqui um tempo." (apud SANTOS, Dez/2013, p. 11-12)

Jaime Cubero diz em uma entrevista que seu casamento, e o de alguns

outros companheiros, saíram do "Grupo Juvenil de Estudos Sociais" que eles

montaram quando adolescentes, provavelmente pela convivência e pelos horizontes

compartilhados:

[...] de lá saíram vários casamentos. O meu com a Maria, inclusive. O meu cunhado Liberto casou com minha irmã gêmea Aurora. Um outro primo dele também chamado Liberto casou com minha irmã mais nova. O meu irmão também casou lá. (SILVA, 2012, p. 10)

Fato que pode ser relevante somente de acordo com certo juízo de valor mas

que se mostra coerente com os valores defendidos pelo próprio Cubero, é que Maria

Cubero foi sua única mulher, por toda sua vida.

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Segundo Parmênides Cuberos sua tia teve pouca participação ativa dentro do

movimento anarquista. Mas como ele mesmo adverte, depende do que

consideramos participar. Como Miquelina Veiga pontua, a Maria Cubero era uma

interlocutora e uma referência para o Jaime Cubero, acompanhando-o e apoiando-o

em toda a sua trajetória.

3.9. Referências para Jaime Cubero

Quem eram as referências de Jaime Cubero? Quais foram as figuras que o

influenciaram? Jaime Cubero era um militante considerado da velha guarda, um

representante do dito anarquismo clássico, suas fontes principais eram: Bakunin,

Kropotkin e Malatesta, em especial. Essas eram as referências teórico-ideológicas,

mas houve pessoas que foram determinantes para que o Jaime Cubero encontrasse

seu próprio caminho.

Como já mencionado anteriormente, José Lemos, pai de seu cunhado Liberto,

foi fundamental para que Jaime Cubero, ainda nos seus 12 anos de idade,

conhecesse a literatura anticlerical e seus primeiros textos de cunho anarquista.

Depois, teve a oportunidade de conhecer as "vacas sagradas do anarquismo":

Edgard Leuenroth, Rodolfo Felipe (que também foi editor d' A Plebe) e Pedro Catalo

(CUBERO apud SILVA, 2012, p.11), que conheceu durante o casamento de sua irmã

Aurora com Liberto. Eram integrantes do CCS e fizeram parte importante do acesso

de Jaime Cubero ao universo da militância e do próprio CCS.

Edgard Leuenroth foi uma grande referência em vários aspectos não somente

intelectual e de militância, mas de postura, coerência e dedicação aos seus

princípios. Outra pessoa de grande importância para Jaime Cubero foi o filósofo

Mário Ferreira dos Santos12:

Ele sentava-se à mesa e perguntava: "Sobre o que vocês querem que eu fale?". O pessoal escolhia um tema e ele discorria. Ele tinha uma capacidade fantástica, a pessoa mais culta que eu conheci em toda a

12

Mario Ferreira dos Santos escreveu uma extensa obra. Entre os que são considerados mais importantes por Jaime Cubero estão os livros que compunham sua coleção sobre grandes temas sociais, formada por nove volumes que tratam de economia, filosofia e história da cultura e a análise de temas sociais. (BORGES, 1996, p. 170)

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minha vida (olha que eu conheci reitores de universidades, escritores, muita gente), nunca vi uma cultura e uma capacidade tão grande como a do Mário para expor idéias de um modo tão profundo. Ele falava como se estivesse lendo um texto super elaborado, tanto que eu tenho um livro dele em que aproveitou as palestras que dava na casa dele. (...) O Mário Santos, dentro da minha formação, foi fundamental, foi meu grande guru. Assistia às palestras dele e ficava até de madrugada lendo seus livros. (CUBERO apud SILVA, 2012, p.12)

Às vezes, ouvia o Mário Ferreira falar por três, quatro horas, voltava para casa e pegava um livro para ler. Não estava cansado, estava motivado. (CUBERO apud VALVERDE, 2007, p. 408)

Tanto os elogios e considerações feitos por Jaime Cubero a Edgar Leuenroth,

quanto a Mário Ferreira dos Santos, são aspectos que compõem as características

do próprio Jaime Cubero. Mas uma referência que em especial chamou muito a

minha atenção foi a participação de seu professor do primário:

A minha formação libertária deve muito a um professor que tive no último ano da escola, pois hoje - e mesmo antes quando comecei a ganhar consciência política - o considero um professor libertário. Ele se chamava Noel Carlos dos Santos.

[...]

Aquele professor já era um libertário, não só pela generosidade, mas porque os métodos que ele aplicava na sala de aula contrariavam tudo que estava estabelecido nas escolas. Enquanto era comum aplicar castigos rigorosos para aqueles colegas que copiavam dos outros, que colavam etc., ele juntava os alunos mais atrasados - com dificuldades de compreensão - com os mais adiantados para estudarem em grupo. Dizia que o aluno, às vezes, aprende mais com o colega que com o próprio professor. Então, nós fazíamos sempre esse remanejamento.

[...]

Na ocasião dos exames finais, ele disse: "Vocês são filhos de trabalhadores", a maioria já tinha idade e trabalhava em fábrica. "Vocês não vão ter condições de continuar os estudos, o que é uma pena". Sentindo o problema, disse: "O que quiser continuar estudando vai ter que estudar por si mesmo". Era a forma da autopedagogia, do autodidatismo. Na hora dos exames, disse ainda: "Ninguém vai ser reprovado nessa sala". E sendo coerente com seu método de ensino, montou pequenos grupos, com alunos que sabiam mais e outros que sabiam menos. Dizia: "Fulano, fulano e fulano sentam juntos com fulano". E todos fizeram as provas baseados naqueles que conheciam mais, os mais habilitados.

[...]

Tirei uma nota abaixo da dos companheiros que havia ajudado. Isso

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foi um detalhe engraçado que não esqueço até hoje. Mesmo assim, ficou o exemplo edificante de professor.

[...]

Aquele professor tinha mesmo um espírito libertário. Demoro nesse aspecto porque realmente teve uma grande influência na minha vida. (CUBERO apud VALVERDE, 2007, p. 399 - 401)

Essa experiência reforça que nem sempre a escola é o local onde

encontramos nossos mestres, mas a partir da atitude do docente é possível

estabelecer essa relação de maestria (GUSDORF, 1987). As imposições e limitações

da estrutura ou normas institucionais não foram impeditivos para esse professor

realizar as aulas da forma que ele acreditava ser válida. Não por acaso essa

passagem é tão significativa para Jaime Cubero, e é possível observar como isso se

refletiu em sua forma de compreensão do mundo e de suas leituras. Adiante

retomarei outra passagem que envolve a atitude desse professor, pois não só

pessoas isoladas foram suas referências, mas fatos cotidianos reforçaram seus

ideais como busco demonstrar a seguir.

3.10. O cotidiano reforçando ideais

A utopia não está no futuro; ela acontece a cada instante

agitando libertações e decompondo hierarquias. Os

anarquismos são mais que somas e multiplicações; são

potências e intensidades de liberdades.

Edson Passetti

Você se pergunta às vezes: "O que faz a pessoa aderir a uma ideologia?". Eu digo, há fatores emergentes, que estão dentro do sujeito, ele tem um sentimento de justiça, de generosidade,

de solidariedade. Depois ele encontra essas idéias, é claro que ele adere.

Jaime Cubero

Jaime Cubero estudou em uma escola pública da capital, na qual realizou os

três anos do primário, sua única experiência formal de ensino. Na escola, vivenciou

um episódio de ter que juntar dinheiro para que toda a classe conseguisse ir com o

uniforme, que passou a ser obrigatório, mas não era fornecido pela instituição. A

maioria dos alunos não tinha condição de comprar ou mesmo fazer o uniforme, o

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dele havia sido feito por suas tias e irmã, com saco de farinha tingido. O professor

propôs que a sala que conseguisse que todos fossem com o uniforme poderia jogar

futebol no horário da aula. Jaime Cubero, querendo colaborar, e jogar bola também,

teve o apoio da família e um exemplo no professor:

A solidariedade era muito marcante entre nós. Cheguei em casa e contei essa história. Os recursos em casa ficavam com minha avó, aquela coisa de medir os tostõezinhos. Digo isso de uma forma simbólica, mas não estava muito longe da realidade de dividir um ovo em três (...) Era uma pequena multidão o conjunto de todos os irmãos na hora da alimentação. Fizemos uma espécie de conselho e me deram a moedinha. Para mim, foi uma vitória junto com a classe poder concorrer e acabamos ganhando. E fomos jogar futebol. De novo o professor foi magnânimo, conseguiu que o diretor dispensasse também a outra sala que não tinha conseguido uniforme para todos os alunos. Foi uma boa experiência e aprendi o que pode a solidariedade... (CUBERO apud VALVERDE, 2007, p. 401)

Mas não foram sempre exemplos positivos que posteriormente culminaram

nos ideais anarquistas de Jaime Cubero. Recorda que um dia, ainda quando criança,

um fiscal da prefeitura foi até a casa deles e disse que a casa não tinha planta, não

havia autorização de um engenheiro e que ela oferecia sérios riscos. A casa tinha

sido construída por seus tios, por isso, não possuía autorização da prefeitura. O

fiscal disse que poderia reverter a situação, Jaime Cubero recorda de sua avó pegar

as economias do mês, junto com seus tios e entregar ao fiscal:

Depois, nas conversas e choradeiras eu os ouvi falarem (e isso me marcou muito): "Puxa, um homem do governo veio aí e simplesmente leva o dinheiro... Ele dizia que tinha riscos, que a casa oferecia perigo; mas ele recebeu o dinheiro e acabaram os riscos..."(CUBERO apud SILVA, 2012, p. 6)

Ao completar seus 18 anos, Jaime Cubero foi apresentar-se ao serviço militar,

em virtude de sua saúde debilitada foi dispensado. Porém, era necessário retirar o

certificado (reservista) e todos os dias que ia ao quartel informavam que não estava

pronto, mas isso o prejudicava, pois perdia o dia de trabalho:

Um dia eu chego no quartel e tinha um soldado com a cabeça raspada, careca, varrendo o pátio... Quando eu estava saindo ele me chamou e disse que tinha me visto muitas vezes ir e vir e que enquanto eu não desse dinheiro eles não dariam o certificado. Aí eu pensei: "Pô, até aqui!". Digo essas coisas para dizer depois porque sou um anarquista tão convicto. (op. cit., p. 7)

Jaime Cubero relata também que quando começou a trabalhar ainda era

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muito novo, por volta dos 10 anos, e quando a fiscalização ia à fábrica, ele, assim

como as outras crianças, era obrigado a se esconder no forro do galpão, pois já não

era permitido o trabalho infantil.

Fatos como os da escola, do fiscal, do serviço militar e da fábrica são alguns

exemplos que reforçaram em Jaime Cubero os seus ideais anarquistas. O apreço

pela solidariedade e a aversão à corrupção fazem mais sentindo quando nos

deparamos com eles em nosso cotidiano.

Mesmo tendo ficado órfão de pai na infância, Jaime Cubero teve nele um

grande modelo na prática da solidariedade. Mesmo não sendo categorizada como

uma educação libertária, seu pai já realizava um ensino livre e em prol de um

coletivo:

Eu posso citar o exemplo do meu pai e ele não era propriamente vinculado ao movimento, mas teve uma experiência que foi passada por meio do que se fazia na Europa. Meu pai era o único que sabia ler nas fazendas, em Jundiaí, onde a família trabalhava. Ele reunia todas as noites, depois do trabalho, um grupo de colonos. E à luz de lampião, lia para eles, ensinava os outros a ler. Não era uma escola formal, como você vê, mas eles liam jornais e o que conseguiam. Os mais aptos, aqueles que tinham mesmo vontade de aprender a ler, queriam saber gramática também. Isso porque depois iam substituindo o meu pai em outros núcleos. Esse processo foi se disseminando e as pessoas foram desenvolvendo formas de passar conhecimentos de passar instrução, de uma forma autogerida pelos próprios trabalhadores, fora da escola oficial. E por meio dessas lutas, juntando aquelas experiências mais as reclamações da população nos movimentos sociais de massa dos trabalhadores, foram sendo criadas escolas, legitimando essas conquistas. Depois as escolas passaram a estar a serviço do próprio sistema, porque recebiam um programa previamente elaborado, dirigido no sentido de implementar nos alunos os valores da "ordem". (CUBERO apud VALVERDE, 2007, p.399)

Quando conhecemos um pouco mais das ações dos irmãos de Jaime Cubero,

vemos que não eram exclusividade dele os princípios da solidariedade e apoio

mútuo, embora somente ele e o Francisco Cuberos se auto declarassem anarquistas.

Antonio, o irmão de Jaime Cubero, era dono de uma pequena fábrica de sapatos,

que eram vendidos na loja Calçados Cuberos e, em seu leito de morte o Antonio

chamou o filho e explicou que a fábrica não seria dele, e sim distribuída a todos os

funcionários da fábrica. Quando o filho questionou o motivo, o pai disse que era para

que os filhos dos operários também pudessem se formar em medicina, como ele

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pode. Parmênides contou isso para que compreendesse que não se tratava só de

Jaime Cubero, mas que toda a família tinha essa coerência e prática no seu

cotidiano.

O tio Jaime foi uma pessoa que procurou realmente conciliar os ideais teóricos com a prática do dia a dia, acho que isso é muito importante. Ele teve uma profunda influência para as pessoas de fora, assim, imagina para a família (...) Eu e minha irmã, as pessoas mais próximas dele fomos grandes felizardos de termos um tio como nós tivemos. (...) Uma figura extremamente bondosa (...) Mas acho que fundamentalmente o principal legado dele era conciliar todo o instrumental teórico, ou seja, as atitudes para o dia a dia. E as pessoas que estivessem em volta dele. Isso realmente foi o mais brilhante. O legado mais brilhante da vida dele. Educação libertária e tudo. Realmente fez isso com grande prazer, foi um grande legado pra mim e com certeza para a Thalia também. (CUBEROS apud SANTOS, Dez/2013, p. 1)

Jaime Cubero gostava muito de literatura e era comum entre os militantes se

"presentearem" com livros. A imagem abaixo é da dedicatória no livro "Dom Quijote

de la Mancha" que Jaime Cubero ganhou de sua irmã Aurora e de seu cunhado

Liberto:

Imagem 11 – Dedicatória

"Jaime,

Nenhuma outra criação da arte humana conseguiu, como esta, captar o eternamente atual.

O grandiosamente trágico num homem e na humanidade, estão nestas páginas, como a mais nobre e sublime lição da verdadeira vida, em suas contradições inevitáveis e necessárias.

Uns são mais Quixote, outros, mais Sancho. Porque muito poucos são a síntese dos dois.

O estudo deste livro pode servir de exemplo, quando completado com a necessária meditação e devaneio.

Aurora e Liberto - Rio, 25/12/57"

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

Durante a qualificação do mestrado, Christina Lopreato contou que Jaime

Cubero possuía uma caderneta onde anotava todos os livros que lia, a data e o que

estava acontecendo em sua vida. Infelizmente não localizei esse material, com

certeza renderia uma investigação à parte. Poderia mergulhar no universo das suas

leituras e intensificar a vertente hermenêutica de Ricoeur:

Para mim, o mundo é o conjunto das referências desvendadas por todo o tipo de texto, descritivo ou poético, que li, compreendi e amei. E

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compreender um texto é interpolar entre os predicados da nossa situação todas as significações que constituem uma welt a partir da nossa Umwelt. É este alargamento do nosso horizonte de existência que nos permite falar das referências descortinadas pelo texto ou do mundo aberto pelas exigências referenciais da maior parte dos textos. (RICOEUR, 1976, p.49)

Esse mundo (welt) que é constituído das significações particulares que

atribuímos a ele, só é possível, se partirmos de nossas referências, nosso ambiente

(umwelt) muitas vezes formado por referências textuais. Ter acesso ao universo de

leitura de Jaime Cubero, ainda mais datado, poderia indicar como essas referências

e interpretações foram agregando novas abordagens e visões de mundo em seus

próprios escritos.

Quando penso nessa relação entre as anotações de Jaime Cubero sobre o

que estava lendo, seja teoria ou literatura, e os fatos ocorridos em sua vida pessoal,

além da questão interpretativa que podemos captar de Ricoeur, parece-me muito

similar ao que C. Wright Mills chamou de “arquivo” onde o artesão intelectual deve

registrar todo o que pode suscitar novas investigações, estimulando sua imaginação

sociológica:

No arquivo que vou descrever unem-se a experiência pessoal e as atividades profissionais, os estudos em elaboração e os estudos planejados. Nesse arquivo o estudioso, como artesão intelectual, tentará juntar o que está fazendo intelectualmente e o que está experimentando como pessoa. (...) Estimulará a captura dos “pensamentos marginais”: várias ideias que podem ser subprodutos da vida diária, trechos de conversa ouvidos na rua, ou, ainda, sonhos. Uma vez anotados, podem levar a um raciocínio mais sistemático, bem como emprestam uma relevância intelectual com a experiência mais direta. (MILLS, 1975, p. 212)

Jaime Cubero apreciava a leitura desde criança. Conta em várias passagens

que quando teve que abandonar o estudo para trabalhar de forma exclusiva,

passava na frente da escola e desejava poder assistir às aulas. Lamentava não

poder seguir o equivalente ao ensino fundamental II, mesmo tendo conquistado uma

bolsa de estudos. Mas ao chegar em casa buscava um livro para saciar seu desejo

pelo conhecimento. O gosto pela leitura e sua oralidade foram inspirados, como

relata abaixo, por uma “obrigação” imposta por sua avó:

Ainda menino, com onze anos, eu chegava a ir até a porta do Colégio, ficava rondando, morrendo de vontade de entrar, sofria quando via as crianças entrando. Voltava para casa, procurava um livro para ler. Minha avó tinha o hábito de ler romance e comprava uns, tipo folhetim,

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que vinham como encarte, um por semana. Nós líamos para ela, que não lia português, embora entendesse corretamente. Tinham coisas curiosas naquele tempo. Por exemplo, os horários. Marcava de jogar bola com a meninada na rua e estava lá na hora marcada. Tinha também o horário de ler o folhetim para minha avó e, às vezes, coincidiam. Então, eu lia atropeladamente para poder chegar a tempo ao jogo, mas ela me obrigava a ler de novo, pausadamente. Claro, perdia o jogo. Aquela leitura, em princípio, era quase um castigo, mas me ajudou muito, porque era obrigado a ler em voz alta. Leitura em voz alta é um exercício muito bom, porque se aprende a falar corretamente cada palavra, dar as ênfases necessárias da leitura para que o ouvinte entenda e aprecie. Prestar atenção nos tempos verbais e mais serve para dominar a língua, embora a linguagem utilizada nos folhetins não fosse lá essas coisas em termos de literatura.

[...]

Isso acontecia antes de começar a trabalhar. Porque depois, já trabalhando, passava em sebinhos e comprava livros. Uma ocasião, nunca esqueço, comprei um calhamaço com umas oitocentas páginas. Naquela época, os livros eram muitos volumosos e num só volume. Comprei pelo tamanho e disse: "Aqui tem leitura barata e boa por muito tempo". (CUBERO apud VALVERDE, 2007, p. 401)

Embora Jaime Cubero estudasse várias áreas do conhecimento, com base

em leituras mais teóricas, inclusive pelas demandas de assuntos que eram

discutidos no CCS e os convites para palestras e eventos, seu deleite era a literatura,

que afirma contribuir com sua formação:

Leio sempre que posso e geralmente de madrugada. Tenho sempre uma pilha de livros na cabeceira da cama. Em função das minhas atividades, eu direciono as leituras. Por exemplo, nesses dias, estou lendo sobre a Revolução Francesa, porque vou participar de um seminário na USP. No entanto, eu gosto mesmo é de literatura. Quando estou cansado, pego um romance e devoro. Nós, anarquistas, sempre tivemos o hábito de ler. Pedro Catallo, Edgard Leuenroth, Felipe Gil, todos gostavam de literatura, discutiam a filosofia das escolas literárias. Não leio Sociologia, Filosofia, Política sem intercalar com um bom romance, como uma espécie de lenitivo. A literatura contribuiu muito para minha formação, não só os clássicos, mas também os contemporâneos. Clássicos da literatura universal e brasileira, vou sempre comprando e lendo. (CUBERO apud VALVERDE, 2007, p. 406)

Segundo Parmênides Cuberos, seu tio, além de literatura, gostava muito de

cinema, em especial, filmes de ficção, chegou a levá-lo para assistir no cinema "ET –

O extraterrestre" dirigido por Steven Spielberg. Tanto a literatura, como o cinema,

são artes que despertam a imaginação, aguçam a criatividade, alimentando as

pessoas de sonhos e devaneios.

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Durante a infância de Parmênides, Jaime Cubero costumava presenteá-lo

com alguns brinquedos, carrinhos, bolas, mas em especial Lego e Playmobil. Não

creio ser por acaso que Jaime Cubero comprava brinquedos de montar para o seu

sobrinho. Creio ser com o intuito de fomentar a criatividade por meio da

possibilidade de construir objetos a partir da sua imaginação e criatividade. Antes o

Lego ou o Playmobil não eram para montar determinado objeto ou cenário pré-

estabelecido, como é hoje, com as indicações na própria caixa do produto. Era para

criar livremente o que a imaginação e a quantidade de peças permitissem.

No entanto, por conta de um castigo recebido, Parmênides Cuberos nunca

mais recebeu brinquedos como presentes de seu tio. Jaime Cubero era uma pessoa

de palavras firmes e de uma integridade que o impedia de mentir ou de recuar em

uma decisão. Abaixo, Parmênides Cuberos relata o castigo e o motivo do castigo:

O meu tio sempre teve um negócio também, não era que ele era só bonzinho. Na verdade eu sofri um castigo dele que eu fiquei muito sentido. Um castigo merecido. O meu tio sempre dava um brinquedinho. E eu ficava durante o dia com a minha tia quando eu era pequeno, porque eles iam para a loja de manhã e eu estudava de manhã e ficava de tarde com a minha tia. Era tudo pertinho. Era tudo aqui no Brás. Coisa de duas quadras. E eu ficava com a minha tia Maria. Meu tio uma vez me deu uma bola, e eu para fazer pirraça para

a minha tia, eu peguei uma faca na cozinha e furei. No mesmo dia.

Pirraça, coisa de criança. Minha tia ligou para o meu tio e ele falou sério "Eu nunca mais te darei um brinquedo na vida." E nunca mais ele me deu. Furei a bola e a minha tia ficou chateada, acho que ficou chorando. Acho que no próprio dia ele foi lá em casa e falou "Olha, eu nunca mais lhe darei... Que te sirva de lição, eu nunca mais te darei um brinquedo na vida." Pedagogia de falar não, não é? (SANTOS, Dez/2013, p. 5)

Essa “pedagogia de falar não” entendo muito mais como uma pedagogia da

responsabilidade. Dizer não e depois recuar seria um estímulo à mentira, ou

demonstrar que ele poderia fazer novamente, que depois de um tempo tudo voltaria

ao normal. Pode ter sido um castigo por conta de um brinquedo, mas se tornou uma

lição de que o que prometemos e afirmamos deve ser sempre cumprido. Nilton Melo,

também relatou que sua lembrança mais significativa foi uma bronca dele,

justamente cobrando mais responsabilidade:

Para mim, foi uma bronca que ele me deu, que ele apontou umas falhas quando já tava no Centro de Cultura, já tinha passado um pouquinho a época de punk e já tava no Centro de Cultura como

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membro e com algumas responsabilidades que não foram cumpridas e ele fez o favor de apontá-las e falou "Pô! Tem que fazer, fazer direito, tem que participar..." então na verdade, o que é mesmo afável é o que mais me lembro, mas valeu, não que eu tenha aprendido, mas (risos) que ainda continuo falhando muito aqui dentro... (risos) mas pelo menos ninguém pode falar que ninguém me falou que era para ter mais responsabilidade, cumprir os horários, nesse sentido, mas mesmo assim, não houve a desistência (SANTOS, Out/2013, p.9).

O que chamei de pedagogia da responsabilidade é apenas um dos objetivos

intrínsecos da educação libertária. Reforçar que a liberdade permite fazer tudo pelo

que podemos nos responsabilizar, as nossas escolhas. Assumir uma escolha por um

ato livre é se tornar responsável por essa escolha e todas as suas consequências.

Quando a “escolha” é imposta as pessoas podem justificar sua irresponsabilidade

por não terem optado livremente por ela. Na sequência busco reforçar as

características da pedagogia libertária na trajetória de Jaime Cubero.

3.11. Pedagogia libertária na trajetória e prática de Jaime Cubero

O melhor didata é o que incentiva o autodidatismo.

Jaime Cubero

De alguma forma, em minha leitura e pesquisa tudo que já foi apresentado

está fortemente ligado a uma perspectiva libertária de educação e de pedagogia.

Mas nesse tópico iluminarei a alguns aspectos que são diretamente ligados aos

processos de aprendizagem, no ambiente familiar, coletivo e institucional “escolar”.

Para que possamos facilmente relembrar o que está vinculado a uma

pedagogia libertária faço uso das palavras de João Penteado, Sousa Passos e

Solidad Gustavo:

Liberdade, responsabilidade e autodisciplina caracterizam a formação da personalidade humana de acordo com os conceitos fundamentais do anarquismo. Partindo desse princípio, os anarquistas entendem por educação o conjunto de conhecimentos racionais e objetivos que contribuem para o aperfeiçoamento intelectual, moral e físico do indivíduo livre em função da sociedade livre. sim, o indivíduo livre como produto de um ambiente onde nem mesmo a liberdade é imposta, mas exercida; responsável, porque a sua liberdade está condicionada à liberdade dos seus semelhantes, e a responsabilidade na convivência social

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deve ser consequência da harmonia coletiva; autodisciplinado, porque, ao contrário da disciplina, imposta na sociedade capitalista por códigos e regras de moral que estão em desacordo com as leis naturais e obrigam o indivíduo a aceitar a desigualdade econômica e a conformar-se com as injustiças de que é vítima, as normas de vida numa sociedade anárquica o conduzem à necessidade de uma autodisciplina, pautando os seus atos de acordo com os interesses da coletividade, que são os seus próprios interesses. (apud LEUEROTH, 1963, p. 208)

Jaime Cubero aproveitou a proximidade com os sobrinhos, em especial,

Parmênides e Thalia Cuberos, para experimentar sua prática como educador

libertário. Sua cunhada Maruja relata que conversavam muito sobre as crianças e

como ele chegou a alfabetizar Parmênides:

(...) Jaime foi fora de série para a gente, quando não tinha movimento na loja nós falávamos muito sobre relacionamentos com os filhos, sobre a família; para mim o Jaime foi mais que um irmão, tínhamos muita confiança para falar, para conversar as coisas. Isso influenciou muito na educação de meus filhos; o Jaime pegava o Parmênides com três anos e ensinou ele a ler com uma cartilha, com três anos o Parmênides já aprendeu a ler. (Maria Martinez Jimenez apud AVELINO, 2004, p. 118)

Imagem 12 – Jaime Cubero e Parmênides JAN/1972 no sítio

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

Parmênides Cuberos relata que seu tio Jaime Cubero participava ativamente

no acompanhamento escolar, indo a várias das reuniões de pais, até mais que seus

próprios pais. Quando Parmênides já era adolescente, por volta de 1985, foi parar

na diretoria da escola junto com um grupo (no colégio São Judas) e o diretor queria

que eles entregassem a pessoa que tinha feito alguma bagunça, que ele nem

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lembra mais o real motivo. Mas quando foi coagido a entregar um colega, chamou o

diretor de reacionário, disse que aquilo parecia o DOPS, enfim, utilizou um repertório

apreendido no universo familiar, que foi mal recebido pela escola e quem foi

interceder por ele junto ao diretor foi seu tio Jaime Cubero. Redigiu inicialmente uma

carta e depois compareceu pessoalmente também.

No texto "O Anarquismo: uma visão de educação da criança na família" Jaime

Cubero evidência sua própria postura com os sobrinhos:

Partindo do princípio de que a liberdade da criança e do adolescente deve ser respeitada, o anarquista jamais faz o que chamamos de imposição de doutrina. Diferenciando a instrução da educação, o anarquista jamais procura inculcar idéias preconcebidas. Todo o esforço é dirigido no sentido de que as crianças se desenvolvam fortalecendo sua autonomia, sua autodeterminação, seu espírito crítico. O anarquista sabe que sua maior arma é o exemplo. Não pode proibir sua criança de fumar, se ele fuma. Praticando em lugar do autoritarismo, a solidariedade, procura desenvolver o senso de responsabilidade vivenciando a participação das crianças nas tarefas e obrigações domésticas, assim como condena a superproteção dos pais, que só gera dependência, evitando por todas as formas, a idéia do pai-herói. (CUBERO, Out/1995, p. 6 -7)

Os exemplos constituem a ferramenta fundamental para a formação da

criança. Nem os pais, ou mesmo o tio de Parmênides, disseram que era para ele

chamar o diretor de reacionário, ou tiveram longas conversas sobre como

funcionava o DOPS - Departamento de Ordem Política e Social. Porém, estava

imerso no universo das discussões dos adultos, de seus comentários, e a criança é

completamente capaz de realizar suas próprias análises, refletir e agir, e tende a

fazer isso de acordo com os exemplos presentes.

Os exemplos são, sem dúvida, fundamentais para o referencial da criança e

do adolescente, mas Herbert Read irá alertar o grande equivoco que cometemos e

em especial os educadores:

Nosso erro é presumir que essa atividade infantil, cuja existência seria impossível negar, é apenas uma tentativa ingênua e desajeitada de imitar a atividade adulta. Em toda a atividade infantil há sempre um elemento de imitação, mas o que a criança deseja não é imitar, e sim comunicar alguma coisa utilizando uma linguagem comum. O impulso sempre presente em todos os trabalhos infantis é uma necessidade subjetiva interna, não um reflexo semelhante ao do macaco, um “macaquear” como dizemos, do comportamento adulto. (1981, p. 258-259)

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Ainda no texto de Jaime Cubero, ele diz das contradições que as crianças

criadas nesse ambiente anarquista libertário encontram ao entrar na escola oficial, e

as trocas de aprendizagem que elas propiciaram a ele:

Ao buscar desenvolver crianças sinceras, verdadeiras, o anarquista se defronta com aberrações e absurdos da escola oficial e não é fácil superar confusões e conflitos que se geram na mente infantil. [...] Quando me faziam perguntas que eu não sabia responder com convicção, eu propunha que procurássemos juntos a resposta, através do estudo. Tanto no âmbito das disciplinas escolares quanto nos mais diferentes assuntos. Só eu sei quanto aprendi com as crianças. (CUBERO, Out/1995, p. 6 -7)

Parmênides nos revelou o “método” que Jaime Cubero utilizava para ensiná-

los (a ele e sua irmã Thalia). Dava-lhes uma caderneta em que ele passava

diariamente pequenas lições para que os sobrinhos fizessem, houve ao menos

umas cinco cadernetas para cada um, mas Parmênides tem guardado apenas um

exemplar de 1975, de quando ele tinha seis anos de idade:

Imagem 13 – Caderneta – início

“Parmênides Note bem! Este livrinho será o roteiro que conterá as instruções diárias para as lições. Faça sempre só o que for anotado cada dia – Titio”

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

Toda a caderneta é escrita em uma linguagem carinhosa. Todos os dias pela

manhã Jaime Cubero deixava anotada a indicação de qual atividade deveria realizar

e verificava no final do dia se tinha sido feita ou não. Solicitava que fizessem

desenhos, palavras, caligrafia e até algumas operações matemáticas, com base em

outros livros didáticos, revistas, etc. Utilizando primordialmente a liberdade para

realização das tarefas, a exemplo da “prova livre”:

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Imagem 14 – Caderneta – prova livre

“6 de março de 1975 Amigo, boa tarde. Hoje é dia da prova livre. Faça o que quizer, no caderno que quizer. A nota terá mais valor. Um abração do titio.” “7 de março de 1975 Olá amigo, Muito bem! Gostei muito da prova livre. Hoje faça números no caderno de linguagem. Pode fazer como quizer. Fica a seu critério. Um abração do titio.”

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

Durante toda a leitura da caderneta é possível observar que é algo

participativo, não algo unidirecional. Em especial ao encerrar a caderneta, Jaime

Cubero deixa a escolha ao Parmênides, se ele quer, se deseja continuar uma nova:

Imagens 15 – Caderneta – Encerramento

São Paulo, 5 de junho de 1975 Parmênides Amigo, boa tarde. Esta é a última folha deste livrinho. Conseguimos uma grande coisa, chegar ao fim de uma etapa importante. Você vai julgar. Quero saber se você quer que comecemos um livro novo ou pararemos por aqui. A lição de hoje é uma resposta a esta pergunta. Escreva sim ou não com a sentença que você quizer. Um abraço do titio.

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

Essas instruções e a forma como elas são apresentadas ao seu sobrinho,

corroboram a compreensão da dimensão mais concreta da prática de educação

libertária de Jaime Cubero. Prática que possibilita experiências que pensem e vivam

a liberdade, a solidariedade e a autogestão entre indivíduos e grupos com vistas à

autoformação e à autonomia dos mesmos. (CUBERO, Out/1995, p.2). E,

primordialmente, devem originar-se no ambiente familiar, passar pela escola e

irradiar por toda a sociedade, até o ponto em que a sociedade se torne um imenso

organismo de ensino mútuo, onde todos seriam ao mesmo tempo alunos e

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professores. (op. cit)

Os anarquistas consideram que o ensino, a instrução, o conhecimento são

necessários para a modificação da sociedade. Na visão de Jaime Cubero todo

militante deve se munir do conhecimento, das ideias e princípios que defende, além

do conhecimento histórico que pode prevenir erros cometidos no passado. Mais do

que um envolvimento da militância, a aquisição do conhecimento é vista por ele

como a plenitude do ato humano:

O aumento de saber tanto individual como coletivamente é uma garantia da plenitude maior do ato humano. Mas é preciso que esse conhecimento não seja viciado pelos moedeiros falsos da cultura, presentes em todas as instâncias do ensino, inclusive ostentando o brilho das academias universitárias. A proporção que adquirimos conhecimentos sentimo-nos mais livres. A grande força criadora do homem está no conhecimento. Conhecer é vencer obstáculos, é abrir espaços à liberdade. Sabem muito bem todos os poderosos que o saber liberta, e por isso querem regulá-lo, para, por esse meio manietar mais facilmente o espírito humano. Cultura a meias, conhecimentos bitolados, doutrinas oficiais, programas pré-estabelecidos, segundo o interesse do Estado, controle total de todos os institutos e escolas de todos os níveis, destinados a reproduzir o sistema de privilégios em que vivemos, sempre usando medidas para evitar que o povo perceba e avalie a miséria moral e a mediocridade dos que governam. (...) Poderíamos dizer que a verdadeira pedagogia é a ciência que estuda e aplica os meios que permitem alcançar a plenitude da realização do ato humano. E essa pedagogia é a libertária. (CUBERO, 1993, p. 8)

Passados os anos, essas constatações do controle sobre o conhecimento

permanecem atuais, tanto quanto o sentimento de liberdade que o conhecimento

não “viciado” propícia. Sua definição de ato humano vem de Mário Ferreira dos

Santos, sua grande referência, como já apresentei anteriormente:

Mário Ferreira dos Santos, que era formado em Direito - a família tinha tradição na área - e que foi autodidata em Filosofia, dizia que o ato humano para ser verdadeiramente humano tem que ser livre. Num livro dele, intitulado Filosofia e História da Cultura, havia uma análise do que ele chamou de "considerações em torno do ato humano". Primeiro, o sujeito tem que ter vontade de executar o ato. Segundo, ter conhecimento da finalidade do ato. Por último, liberdade para a execução do ato. Senão, não é ato humano. Assim, se passa com o conhecimento. Com o ato de conhecer. É preciso liberdade para conhecer, para além do que o Estado e as autoridades impõem. (CUBERO apud VALVERDE, 2007, 403).

Para acessar esse tipo de conhecimento a teoria e práticas libertárias têm de

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romper com os marcos estreitos da escola, buscando integrar a vida social nas

atividades e preocupações de crianças, adolescentes e adultos. Uma das formas

para chegar a essa integração é por meio da arte, arte como criação poética, que

teve uma repercussão mais ampla:

O amplo universo da pedagogia libertária, hoje enriquecida e ampliada com as contribuições de educadores e pensadores de várias áreas como Freinet, Jean Piaget e Herbert Read, que com sua extraordinária concepção de educação pela arte, vem conquistando espaços cada vez mais largos. (CUBERO, Out/1995, p. 2)

Muitos acreditam que a pedagogia libertária é destinada somente ao ensino

básico (ler, escrever, calcular). Mas ela é muito mais ampla, chega a equivaler ao

nível superior, numa dimensão mais profunda de universidade. Houve inclusive

alguns exemplos de “universidade livre” sobre os quais Jaime Cubero conta:

Um ensino totalmente gratuito, sem nenhuma condição prévia a não ser saber ler, escrever e contar. Sem exames, sem avaliações. O aluno estuda porque quer aprender. Sem injunção de espécie alguma. "Ensina-se despertando o gosto pelo saber". Em uma Universidade Livre a pedagogia é libertária porque permite o desabrochar criativo dos alunos e estimula o autodidatismo, possibilitando a formação de uma consciência crítica no educando. Os grandes vôos do pensamento humano e os avanços que grandes homens empreenderam para a humanidade foram feitos fora da escola oficial, porque foram autodidatas nas suas especialidades. A Universidade Livre propicia o desenvolvimento de uma ética culta e civilizada, pois o que a caracteriza é a sua fundamentação na prudência como hábito reiterado do saber, do conhecimento, dos princípios, meios e fins, e inclui subordinadamente a sabedoria, a ciência, a filosofia etc. Todo o verdadeiro saber leva à libertação, avança para um amanhã sem peias e sem compromisso. Realiza o homem a sua grandeza e exalta o que é superior e o dignifica. Todo o verdadeiro saber é muito mais que uma promessa: é a afirmação mais categórica e mais robusta de uma realidade que cabe ao homem conquistar. (CUBERO, 1991, p. 21-22)

Como disse anteriormente o CCS foi uma espécie de Universidade Livre e

isso tem uma dimensão muito significativa, pois a universidade não era, e ainda não

é, uma instância destinada a todas as pessoas. Logo, o conhecimento se torna

privilégio de uma parte da sociedade. Com o estímulo ao autodidatismo, o despertar

do desejo pelo conhecimento, os anarquistas conseguiam transpor essa estrutura de

privilégios.

No pensamento de Reclus, está bem clara a importância da Ciência para

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humanidade, inclusive como forma de felicidade:

Impulsionar a ciência com a bondade, estimulá-la com um amor constante para o bem público, esse é o único meio para torná-la precursora de felicidade, não apenas com as descobertas que acrescentam as riquezas de toda natureza ou que aliviam o trabalho do homem, mas sobretudo com os sentimentos de solidariedade que ela evoca dentro daqueles que estudam e com as alegrias que provocam todo o progresso na compreensão de todas as coisas. Essa felicidade é uma felicidade ativa: não é satisfação egoísta de vigiar o espírito em descanso, sem distúrbios nem rancores, ao contrário, consiste no exercício árduo e contínuo do pensamento, na alegria da luta que o apoio mútuo torna triunfante, na consciência de uma força constantemente empregada. A felicidade à qual a ciência nos leva é, portanto, uma felicidade que nos faz trabalhar para conquistá-la todos os dias (apud CODELLO, 2007, p. 206)

A educação libertária vem justamente confrontar os modelos da escola

tradicional, controlada por uma instituição, e não por um coletivo, tornando-se dessa

forma mera reprodutora do status quo e grande aliada do sistema capitalista e de

sua competição desenfreada:

Os padrões de valores que regem o comportamento das pessoas passam por todo o sistema educativo. Vivemos numa sociedade extremamente competitiva, onde os valores começam a ser inculcados desde a pré-infância, através de prêmios e castigos, onde professores e pessoal mal formado dão o exemplo da malfadada "Lei de Gerson". Isso se acentua nos níveis mais elevados até a universidade, passando a toda sociedade, como propaganda desenfreada e tendenciosa da mídia, chegando à valorização da desonestidade, principalmente de homens públicos, apresentados como exemplo de inteligência e capacidade. (CUBERO, 1995, p. 3)

Tais princípios foram destacados por Tragtenberg na primeira publicação em

uma revista acadêmica no Brasil, sobre a educação anarquista. No artigo sobre

Francisco Ferrer e a Pedagogia libertária, publicado na primeira edição da

conceituada revista Educação e Sociedade, após explicar a complexidade histórica

da Espanha desde a Reconquista aos árabes até o fim do século XIX, Tragtenberg

sublinha a importância da pedagogia de Francisco Ferrer dizendo:

Sua valorização da solidariedade em detrimento da competição, do igualitarismo em detrimento dos juízos discriminatórias reprodutores de uma rígida estratificação social, seu anti-burocratismo pedagógico, sua negação do sistema de notas e exames, esse batismo ritual burocrático, converteram Ferrer no pedagogo dos que pouco ou nada tem a perder por que pouco ou nada possuem. (1978, p.34)

Jaime Cubero critica o paradigma de um conhecimento “informativo” com o

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qual se depara nas mais renomadas escolas e universidades, uma quantidade

extensa de informações absorvidas e decoradas, mas de que não se sabe a origem,

motivos, causas ou razões:

Há muitas coisas julgadas por muitos, apenas um costume, pois já não sabem porque tais costumes foram instaurados na sociedade. Um dos aspectos negativos da pedagogia oficial moderna consiste em julgar que basta apenas informar bem o educando para atingir o conhecimento, quando, a verdadeira pedagogia consistiria em dar a esse a capacidade, por si mesmo, de investigar as causas, as razões, os porquês das coisas. É um tema de máxima importância: o problema pedagógico sobre o aspecto da formação mental do homem. Não deve ser primacial finalidade da pedagogia constituir mentes capazes de investigar os porquês, as causas e as razões das coisas, ou apenas, formar mentes medíocres, eruditas de certo modo, mas sem saber por si mesmas as causas das coisas. (CUBERO, 1995, p. 4)

Essas são concepções que vão se repetir em vários textos de Jaime Cubero.

Com essa abordagem, reduzir educação à escola é realmente um erro, pois a

intenção libertária é que a sociedade inteira se torne um espaço de aprendizado,

como na realidade ela é. Toda a sociedade é um espaço de captação de referências,

informações, de suscitar questionamentos, de acordo com os ideais que nela estão

inseridos. Não é só na escola que aprendemos a competição e os valores que estão

impostos: a família, o trabalho, os relacionamentos interpessoais, estão todos

pautados numa conduta autoritária, de posse e de consumo. Por isso, em uma

sociedade ácrata, os ideais e as práticas seriam diferentes e todos os espaços e

instâncias estariam baseados numa perspectiva libertária, sendo necessária

somente uma introdução inicial de estudo (alfabetização) para que os demais

conhecimentos fossem conquistados pela liberdade e vontade de cada pessoa:

É claro que o ideal anarquista não é suprimir a escola, mas pelo contrário engrandecê-la, fazer da própria sociedade um imenso organismo de ensino mútuo, onde todos seriam ao mesmo tempo alunos e professores, onde cada criança, depois de ter recebido umas "luzes de tudo" nos primeiros estudos, aprenderiam a desenvolver-se integralmente, na medida das forças intelectuais, na existência por ela livremente escolhida. (CUBERO,1989, p. 79)

Jaime Cubero esteve desde cedo em busca dessa pedagogia libertária, de

sua autoformação, mantendo sua coerência ética com os seus princípios e ideais.

Aos 15 anos ele e Liberto Lemos (posteriormente seu cunhado) decidiram iniciar

leituras sobre anarquismo, eles saiam do trabalho na fábrica de sapatos, jantavam e

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iam para um quartinho fazer as leituras, cada um lia uma parte. Depois de um tempo

resolveram agregar mais alguns rapazes e moças e formaram o "Centro Juvenil de

Estudos Sociais":

(…) este Centro Juvenil de Estudos Sociais, já com ideias críticas bem libertárias, anarquistas. Porque, por exemplo, o pai do meu cunhado (José Lemos) chegou a construir no fundo do quintal uma cobertura para um dos maiores militantes do Brasil, o Florentino de Carvalho (...) fundar uma escola dentro daquelas escolas racionalistas que os anarquistas faziam em qualquer canto. Eles tinham já um certo envolvimento com o anarquismo... Quando nos reunimos juntamos mais ou menos 18 pessoas entre moças e rapazes. (CUBERO apud SILVA, 2012, p. 8-10)

Francisco Cuberos também narrou esse período do centro de estudos no

trabalho de AVELINO (2004, p. 120-121) e da grande influência de Florentino de

Carvalho, diretor da escola moderna nº 2 de São Paulo no início do século XX.

Mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, a própria Maria Cubero revelou que eles só

chegaram a ir a seu funeral, convidados pela família do Liberto Lemos, ainda assim,

ele foi uma influência para a formação desse grupo de estudos.

Jaime Cubero conta sobre vários militantes que demonstraram essa

capacidade de buscar conhecimento, como autodidatas, e de mediar uma educação

libertária, como professores – ou mestres na definição de Gusdorf (1987):

Reclus foi preso junto com companheiros (5 de abril de 1871). Conduzido a Brest, fechado na fortaleza da cidade, onde permaneceu sete meses, animava os companheiros e dava aulas de matemática, geografia e outras ciências. (CUBERO,1989, p.76) Essa experiência de procurar o conhecimento eu vi em todos os militantes anarquistas, que não tinham freqüentado os bancos escolares. Liam seus livros e, sempre que saia um livro novo, liam, estavam sempre estudando e discutindo no Centro de Cultura. Ainda há pouco, estive em Porto Alegre e encontrei o Augusto. Ele está com 84 anos, quase cego, diabético, mas passa todo o tempo lendo. Foi assim, também, quando conheci o Oiticica, no Rio de Janeiro. Ele estava com 74 anos, tinha já uma formação completa, acadêmica, foi professor a vida toda, deu cursos na Alemanha. Sabe o que ele estava fazendo? Estudando russo e, ao mesmo tempo, como músico, estudando Bach. Não admitia que o avançado dos anos pudesse empobrecer o espírito. (CUBERO apud VALVERDE, 2007, p. 402)

Jaime Cubero aponta como um dos requisitos para ser um professor libertário

a capacidade de transmitir de forma simples e acessível o conhecimento, e ir

progredindo a complexidade junto com o desenvolvimento do educando. Já a grande

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falha do ensino atual é, para ele, o “aprendizado” voltado para a memória mecânica,

o decorar informações e não compreender conceitos, num ensino voltado para a

finalidade limitada dos exames, das provas (CUBERO, 1992, p. 30).

Para mim, professor não é o que passa matéria, como se diz. Isso qualquer um pode fazer, desde que habilitado pelo diploma. Professor é aquele que consegue motivar, despertar o interesse do aluno pela matéria, com um envolvimento prático, com muita simpatia. [...] Às vezes, ouvia o Mário Ferreira falar por três, quatro horas, voltava para casa e pegava um livro para ler. Não estava cansado, estava motivado. Há muitos professores dando aula por contingência, a maior parte deles se desenvolve na profissão, mesmo não gostando dela. Então, a profissão de professor, que é maravilhosa, é encarada como uma parte da maldição geral do trabalho. Gostaria mesmo de ter sido professor, um professor libertário. (CUBERO apud VALVERDE, 2007, p. 408)

Abaixo segue um mosaico com fragmentos do depoimento de Miquelina Veiga

(apud SANTOS, Out/2013) que revela o quanto esses requisitos, que Jaime Cubero

considerava essenciais para o exercício da pedagogia libertária, estavam presentes

em sua prática. Sua generosidade, sua escuta atenta, sua fala prazerosa, um ser

humano verdadeiramente ímpar:

ele era a pessoa que conversava com todos os níveis, os acadêmicos, o pessoal da militância no Rio de Janeiro. O Jaime era referência. Ele era a pessoa que aglutinava tudo. E assim, na verdade o Jaime tinha um olhar generoso. Ele tinha um olhar generoso pra tudo. (...) e quando ele não tinha como manifestar isso, ele ficava quieto. Então, a gente às vezes vinha com certas visões dos fatos ou dos problemas e tal, que ele ouvia. Ele ouvia e elaborava aquilo. Esse traço assim, dessa visão generosa sobre as coisas é muito marcante. (...) quando o Jaime ouvia, ele ouvia significativamente, aí ele propunha uma outra coisa e fazia com que a gente refletisse. (...) O Jaime é daquela forma de..., ele tinha uma comunicação muito exuberante, ele articulava muito bem, e ele fazia ligações entre histórias passadas com o presente. Então é assim, intelectualmente era ..., (...) falar desse jeito, fica meio religioso até, que é uma coisa que a gente quer evitar. Mas é referência, era arrebatador mesmo, a gente ouvia com deleite. Vamos falar assim, era um grande deleite o ouvir falar. Porque pelas histórias que são significativas, porque ele trazia outras pessoas também, resgatava, e tinha essa maneira afável mesmo de colocar. (...) Ele influenciou no ser humano Miquelina. Na questão de estar ligada, de conhecer uma pessoa de uma geração bem anterior, mas que trazia uma bagagem e uma visão do mundo muito rica, íntegra mesmo. No sentido assim, era racional, mas era muito emocional. Então,

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nesse ambiente o Jaime propiciava isso. Essa integração mesmo entre as nossas potencialidades. E então, eu pessoalmente, como eu já disse, a questão afetiva é marcante, o sentido de enxergar ali uma pessoa que realmente aproximava. Como é que a gente explica isso? Como é que a gente adjetiva isso? Liderança? Não, é pouco. Era assim, um ser humano ímpar, e que fazia com que a gente se sentisse humana.

Jaime Cubero em todas as entrevistas concedidas dizia sobre seu desejo de

ser professor, um professor libertário, inclusive Parmênides Cuberos confirmou que

mesmo para a família ele insistia em revelar esse desejo. Jaime Cubero não foi só

um professor, ele realmente foi um mestre. Não por acaso ele foi escolhido para dar

nome a uma turma de formandos em história – momento em que ele expôs de forma

condensada e direcionada os sentidos da educação libertária, que pode ser aplicada

a qualquer área do conhecimento, não exclusivamente à história. Mantenho o texto

de sua fala integralmente, por considerar ser de tamanha profundidade e beleza que

merece ser reproduzida:

Por uma inusitada circunstância vejo-me elevado à dignidade de ter meu nome ligado à Turma dos Formandos em História de 1991, da Universidade Metodista de Piracicaba. Tanto mais inusitado é o fato para mim, que na oportunidade de agradecer a elevada honra e a homenagem que me é prestada, só o posso fazer com algumas palavras que poderão parecer também inusitadas numa solenidade como esta.

Palavras dirigidas aos futuros professores e pesquisadores da História: História que há muito deixou de ser meramente descritiva, mas cuja investigação exige conhecimentos de outras disciplinas, como Sociologia, Economia, Filosofia, Psicologia, em suma, um pouco de todo o saber humano. Um saber que transcende as fórmulas de manuais, de programas que limitam a inteligência, que levam a decorar conteúdos e a desenvolver a memória mecânica, a preparar os alunos para a prova, que só prova que sabem a prova, mas que não prova que sabem. Um dos aspectos negativos da pedagogia moderna consiste em julgar que basta apenas informar bem o educando para atingir o conhecimento, quando a verdadeira pedagogia consiste em dar a este a capacidade, por si mesmo, de investigar as causas, as razões, os porquês das coisas. É tema de máxima importância o problema da formação mental que a pedagogia libertária propõe, porque permite o desabrochar do potencial criativo dos alunos e estimula o autodidatismo, possibilitando a formação de uma consciência crítica no educando. Os grandes vôos do pensamento humano e os avanços que grandes homens empreenderam para a humanidade foram feitos fora da escola oficial, porque foram, acima de tudo, autodidatas nas suas especialidades.

Só com plena liberdade de pensamento pode-se chegar a uma maior compreensão da História. E porque nos interessa tanto a História? É

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apenas por ser ela o relato da vida dos que nos antecederam? Não. É que desejamos saber alguma coisa sobre o amanhã. Queremos prognosticar, advinhar as possibilidades do amanhã. É um natural desejo humano, filho da vontade de saber e da esperança. Esperança de que se reúnam os homens numa visão ecumênica, para, num ímpeto só, realizar o supremo desejo de todos: uma humanidade de paz e de bem estar, em que a personalidade humana seja devidamente respeitada e liberta de uma vez para sempre de ameaça dos falsos messias, dos falsos guias, que se tornam inevitavelmente, os opressores de amanhã e fautores das grandes e cruéis brutalidades que têm ensaguentado as páginas da História.

Lembro do discurso proferido no dia 22 de outubro de 1895, durante a sessão solene de abertura da Universidade Nova de Bruxelas, por Elisée Reclus, um dos maiores geógrafos do mundo e uma das maiores expressões do Movimento Libertário de todos os tempos, falando do Heroísmo nos Estudantes e Professores, citando Emerson, ao dizer que a primeira qualidade de quem se consagra à verdade científica é o heroísmo. Reclus dizia que o heroísmo pedido pelo filósofo americano ao professor, com mais razão deve ser pedido ao aluno, porque este oferece mais vastas esperanças. A ele pertence o futuro. Vocês formandos e estudantes de hoje devem ser ajudados a viver com nobreza porque principalmente vocês devem ser heróis.

O verdadeiro saber não é utilitarista. Sua busca exige grandes esforços, desinteresse e perseverança. Por isso sua conquista é heroica.

Todo o verdadeiro saber leva à libertação, avança para um amanhã sem peias e sem compromisso. Realiza o homem na sua grandeza e exalta o que é superior e o dignifica.

Todo verdadeiro saber é muito mais que uma promessa: é a afirmação mais categórica e mais robusta de uma realidade que cabe ao homem conquistar. (Cubero, Dez/1991)

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CAPÍTULO IV - Florescendo Ideias

4.1 Jaime Cubero - um educador-narrador:

Alguns estudos desta pesquisa apontam para uma compreensão da trajetória

de Cubero como um educador-narrador na concepção de Walter Benjamin:

o narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não para alguns casos, como o provérbio, mas para muitos casos, como o sábio. Pois pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida que não inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia. O narrador assimila à sua substância mais íntima aquilo que sabe por ouvir dizer). Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira. O narrador é o homem que poderia deixar a luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua vida. (BENJAMIN, 1994, p. 221)

Jaime Cubero traz em sua prática essa ligação. São experiências vividas ou

incorporadas de narrativas orais ou escritas, memorizadas e novamente transmitidas

por sua narrativa, deixando em seu discurso sua marca, sua interpretação e

possibilitando a cada ouvinte ou leitor a sua própria interpretação, incorporação,

reflexão, que serão memorizadas de forma igualmente singular. Essa ligação

experiência-memória-narração não ocorre de forma linear ou cíclica, mas é antes

uma imbricação.

O narrador, neste sentido, trabalha com a natureza vívida da palavra inscrita

na própria experiência:

A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as que menos se distinguem das histórias orais contadas por inúmeros narradores anônimos.(...) Se os camponeses e os marujos foram os primeiros mestres da arte de narrar, foram os artífices que a aperfeiçoaram (BENJAMIN, 1994, p.198-199)

Compromissado com esta linhagem que respeita o papel formativo da

experiência, o narrador guarda dos artífices o cuidado com a matéria e o zelo com a

forma para que sejam fiéis àquilo que se compartilha pela própria experiência. Tal

como o sapateiro que alia em sua costura a pala com a sola do sapato, o celeste

com o terrestre, a razão e a sensibilidade, a tradição e a rebeldia. Sabedor das

contradições e consciência aguda dos conflitos sabe bem que a formação se

distingue dos quilos de informação. Daí também o seu declínio numa sociedade de

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consumo que se consome em imagens sem vida e propaga uma educação de

caráter mercantil baseada apenas em informação:

Se a arte de narrar é hoje rara, a difusão da informação é decisivamente responsável por esse declínio. (...) O extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposta ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação. (BENJAMIN, 1994, p. 203)

Jeanne Marie Gagnebin, no livro História e Narração em Walter Benjamin

(1994), retrata e contextualiza o cenário no qual, não somente Benjamin, mas todos

os teóricos do "desencantamento do mundo" estão inseridos, tomados por uma

nostalgia profunda frente os acontecimentos da época. Nesse sentido, Benjamin não

conseguia vislumbrar um futuro positivo, tudo parecera ter findado incluindo o papel

das narrativas e de seus narradores.

As histórias do narrador tradicional não são simplesmente ouvidas ou lidas, porém escutadas e seguidas; elas acarretam uma verdadeira formação (bildung), válida para todos os indivíduos de uma mesma coletividade. (Op. cit., p. 57)

Não seria nesse mesmo tom que Miquelina Veiga retrata a importância de

Jaime Cubero, como alguém importante para a formação da pessoa Miquelina? Não

se trata de dogmatizar, mas de formar, dar forma, com toda a habilidade de artesão,

um artesão-narrador-educador.

4.2 Jaime Cubero, um educador-artesão:

Educador-narrador e artesão-intelectual pelo seu refinamento no trato com o

conhecimento escrito e principalmente sua habilidade oral em compartilhar tais

conhecimentos já transformados em saberes pela experiência. Essa concepção

artesanal pode ser confrontada ao processo educativo da escola no sistema

capitalista, seja estatal, confessional ou particular.

A philia em plena imprevisibilidade é o movente básico do educador (elemento confuso e angustiante para o "professor") - buscador de mestria - para que se torne, no encontro fortuito com o aprendiz, aquele que contribui para a construção de sua pessoalidade com o testemunho de um itinerário percorrido. Diz Georges Gudsdorf (1987) que "o professor expõe a matéria e se expõe". Não há como contornar o fato inelutável do educador como referência para as pessoas em

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seu entorno, quando assume a fala, assume o centro da sala de aula, assume seu papel no seio do coletivo. Estarão todos à procura silenciosa de alternativas no comportamento, na atitude, na forma de organizar o conhecimento, no jeito de administrar os conflitos, nos silêncios e hesitações, nas provocações e reflexões daquele educador. Seu mais alto ensinamento é ele próprio e sua construção peremptória, transitória, frágil e frágua. Esta é a condição do didáskalos (o mestre) em sua própria didaskalia. Por isso, podemos dizer do ato educativo como a construção artesã de uma obra de arte - ou mais, rigorosamente, arte em obra, sempre em relação. Disso não se pode concluir uma "inflação do ego", com toda a arrogância dos narcisismos magistrais, mas a responsabilidade e o desafio de tentar a coerência entre aquilo que se "professa" no discurso com as atitudes e a forma de ser. Tentar sair da fácil e ilusória esquizofrenia reinante no magistério - dizer uma coisa e fazer outra completamente diferente. Daí nossas patologias. Esta concepção artesanal de educação, pois que é uma arte feita com as mãos (Quíron), no espaço da intimidade e no tempo construído do manejo, tentativa e erro, sem os arroubos pirotécnicos do espetáculo (no mau sentido do termo). Mas, na contemplação ativa fabril e operária de quem tece, entretece, constrói, amarra, cinge... (FERREIRA-SANTOS, 2010, p. 87).

Esta concepção artesã de educação me parece ser aplicável ao que foi

largamente exposto aqui, através dos depoimentos e entrevistas, na trajetória de

Jaime Cubero. Esta busca de coerência entre seus princípios e concepções e a vida

em seu cotidiano. Por isso, o Centro de Cultura Social foi um espaço de intimidade

formativa muito antes de qualquer finalidade institucional. Lugar de encontros entre

tantos buscadores, mediados pelas mãos artesãs de Jaime Cubero, na velha estirpe

dos sapateiros que nos calçam para enfrentarmos nossos próprios caminhos. Não

forma à sua imagem, mas insiste para que sigamos o nosso próprio caminho na

abertura de outros caminhos, na formação de outras pessoas, numa comunidade

fraterna e libertária, fundada na construção de “um outro mundo possível”, "aqui e

agora em todo lugar em que o sujeito está", afirma ele próprio no documentário

"Escolas Modernas" (1995).

Todo mestre também é, num certo sentido, um mestre artesão que soube primeiro ganhar-se a si mesmo através de uma conquista metódica. A obra fundamental do homem é ele mesmo e as realizações exteriores são apenas confirmações dessa obra-prima fundamental que para o homem digno desse nome é a edificação de si mesmo. Essa é a razão por que o aluno espera do professor não o ensino de um saber ou de uma técnica, embora esse ensino possa servir de pretexto e de programa para o encontro. Mas a realidade profunda é outra, se o professor for verdadeiramente um mestre e o aluno discípulo autêntico. Através da atividade docente, o aluno está atento à justificação dessa atividade. Admira a inteligência do professor, a

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facilidade de expressão, a amplidão de seu saber, mas essas qualidades e faculdades não são mais do que símbolos de uma essencial qualidade de ser à qual, conscientemente ou não, se liga a atenção respeitosa daquele que pede uma lição de vida.(GUDSDORF, 1987, p. 77)

Em um cenário, temos um aprendizado artesanal, singular, sensível e afetivo,

possível por um elo de comprometimento de ambas as partes envolvidas na troca de

conhecimentos, saberes e experiências, com um horizonte aberto, em eterna

construção atrelada à criação e sua interface artística e cultural.

No outro, a produção em escala, massificada, uniformizada, padronizada, em

que o elo de comprometimento é substituído pela burocratização controladora, e

pela transmissão de informações catalogadas nas apostilas e livros didáticos, com

respostas pré-definidas e sem margens à criatividade e construção. A era da

reprodutibilidade técnica, de produtos e pensamentos.

Compreendo assim a pedagogia praticada por Jaime Cubero como uma

"pedagogia artesã", uma vez que seu conhecimento não era oriundo da academia,

mas de um autodidatismo e da sua autoformação que foi desenvolvida com saberes

incorporados pela prática e pelo compartilhar das experiências. Em sua forma

simples, mas não simplista, de expor seu conhecimento, Cubero realizava um

trabalho tão delicado e cuidadoso, um trabalho de modelagem, de lapidação. No

processo de imprimir no outro, ou na matéria, as suas marcas, o que só é possível

com a permissão desse outro. Lembrando que a matéria a ser trabalhada, ou a

pessoa a ser instruída, possui a sua resistência, não permitindo que seja feito com

ela o que se quer, mas aquilo que ela permitir.

A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão - no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. (...) Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (BENJAMIN, 1994, p. 205)

4.3 Jaime Cubero - um educador das escolhas:

Durante a leitura dos textos sobre a filosofia trágica, de Clément Rosset (2010

e 1989) e Rogério de Almeida (2010a, 2010b e 2010c) pude encontrar algumas

semelhanças entre a visão de Jaime Cubero a respeito das atitudes libertárias e a

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aceitação trágica da condição humana e de sua ação como educador, como aquele

que propicia a capacidade de abrir caminhos-escolhas.

Como aceitação trágica da condição humana, entendo o conceito

nietzschiano de amor fati de aceitar as coisas como são, ou apesar de como elas

são:

"Minha fórmula para a grandeza do homem é amor fati13: não querer nada de outro modo, nem para diante, nem para trás, nem em toda a eternidade. Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo (...) mas amá-lo". A condição trágica deste "amar o seu próprio destino" pressupõe uma pessoa que tenha condições de elaborar o seu próprio quadro de valores para pautar suas atitudes. Portanto, a noção se articula com a vontade de potência e, de maneira paradoxal, mas muito coerente com o espírito nietzscheano, com a aceitação ativa de seu destino. (NIETZSCHE, 1974, p. 382 apud FERREIRA-SANTOS & ALMEIDA, 2012, p. 13)

Na visão libertária do Jaime Cubero há sim um desejo de mudança, mas

principalmente um desejo de automudança, de criar seu quadro de valores apesar

de a situação não ser a ideal. É nessa tônica do “apesar de”, que na sua

individualidade a pessoa agiria pautando-se em valores estabelecidos por suas

escolhas. E fundamentalmente, não lamentar a não realização do ideal, mas aceitar

e amar a vida apesar dela não ser a ideal.

Michel Maffesoli (2003) traz uma perspectiva do trágico que corrobora com a

abordagem de Nietzsche e reforça a constatação de uma vida vivida sob forma de

avidez (p. 23). O trágico obriga a pensar se ainda que nada que façamos traga

algum resultado futuro, se ainda assim o faríamos. Se sim, passamos a viver com

intensidade todo e qualquer momento de vida. Arte de viver fundada já não mais na

busca da liberdade absoluta, mas nas pequenas liberdades intersticiais, relativas,

empíricas, e vividas no dia-a-dia (op. cit.).

Jaime Cubero, tal qual busquei demonstrar durante toda a investigação,

nunca lamentou o aqui e agora em decorrência de não ser um mundo anarquista.

13

De acordo com o Vocabulário de Friedrich Nietzche desenvolvido por Patrick Wotling (2011), o amor fati é uma retomada da fórmula do estoicismo romano, sendo literalmente “amor ao destino”, expressão pela qual designa o assentimento, o sim, como atitude geral para com a realidade. Tratando-se de pensar uma relação afetiva e não gnoseológica com o destino: não a resignação em face a fatalidade inelutável, mas, muito pelo contrário, a aceitação alegre, e mesmo o fato de sentir a necessidade como uma forma de beleza.(p. 14)

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Jaime Cubero escolheu o anarquismo como sua forma de vida no mundo, tomou

posse de seu destino e o amou. Viveu a liberdade possível e apresentando aos

demais essa possibilidade, essa escolha.

A pedagogia da escolha (ALMEIDA, 2010a) está intimamente relacionada

com essa aceitação trágica. A busca de um conhecimento como escolha e não com

uma finalidade (GUDSDORF, 1987). E compreendo o discurso em Jaime Cubero

nesse mesmo sentido. Ser anarquista como escolha apesar de não transformar o

mundo imediatamente, e nem para alcançar algo material ou status, mas como

incorporação de estilo de vida, como escolha para seu trajeto.

As escolhas só podem ser realizadas a partir de alternativas. Só escolhemos

o que é passível de escolha. A função da pedagogia seria, portanto, abrir essas

possibilidades aos educandos, dando-lhes a liberdade para a escolha. Jaime Cubero

foi aquele que possibilitou essas escolhas. Esse mestre narrador e artesão buscou

incessantemente desvendar múltiplos caminhos para que seus discípulos pudessem

trilhar o caminho escolhido, na criação de si mesmo:

Dessa forma, a escolha é a única ação que instaura a minha

existência individual, é a única instância de posse, de possibilidade,

que me permite afirmar que algo é meu. E aqui, no âmbito da

educação, escolha não se resume às possibilidades de carreira

profissional, mas enraíza-se na própria trajetória do educando. Sua

capacidade de escolher e assumir suas escolhas na existência.

Porque o homem pode ser levado pelas contingências, pode realizar-

se socialmente sem se assumir, flanando na superficialidade de um

mundo plural e aberto, que não se constrange de afirmar uma

liberdade que ele mesmo bloqueia e que em última instância, é

permanentemente ilusória. Dessa forma, apostar na escolha é

estreitar esse mundo amplo de possibilidades-outras para um mundo

criado de escolhas-minhas. Busca de individuação, caminho da

criação de si. (ALMEIDA, 2010a, p. 61-62)

Essas dimensões afloradas em Jaime Cubero podem soar como algo utópico.

Mesmo após relatar na pesquisa que não se trata de uma teoria vazia, mas sim,

uma crítica prática, uma reivindicação atuante, incorporadas no pensamento-ação

cotidiano desse militante. Para desvencilhá-la do sentido pejorativo que a palavra

utopia carregou e ainda carrega no meio científico-acadêmico resgato um trabalho

magnífico de Maurício Tragtenberg.

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Maurício Tragtenberg (2011) faz um resgate das utopias desde a Renascença,

dialogando com diversos pensadores – Bacon, Saint-Simon, Thomas More,

Campanella, Rousseau, Fourier, Proudhon, Bakunin, Buchez, entre outros –

revelando que a utopia sempre serviu ao propósito de motivar as pessoas à sua

busca, colocando-as em movimento, em ação. Nesse aspecto o anarquismo é, sem

dúvidas, uma proposta utópica. Concordando com Mannheim, afirma que o

desaparecimento da utopia leva à estagnação do homem que passa a ser coisa:

“O desaparecimento do universo utópico coincidindo com o maior poder do homem sobre o meio implica ao mesmo tempo seu alheamento: sua renúncia a plasmar a realidade, sua renúncia à ação, que se constitui na forma efetiva de testemunho; ao contrário, a apatia, a despolitização, a não participação aparecem como as características dominantes nesta fase do século.” (p. 50)

Tragtenberg resgata nesse texto o conteúdo crítico das utopias, que ao serem

propostas estão negando a sociedade atual. Por isso, e não só, é válido resgatar tais

universos utópicos, que preenchiam o olhar de horizonte de Jaime Cubero. Sempre

disposto a despertar do estado de “coisa” as pessoas que com ele se encontravam,

convidando-as à ação, convidando-as à fazer escolhas, e à vivê-las intensamente

todos os dias. Essa ação interna, essa escolha, se torna convicção e compromisso e

pautará suas atitudes e relações. Se isso soa utópico, pois bem, esse é um de seus

objetivos.

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COLHENDO FRUTOS

O que já foi possível perceber como terreno propício para outras

investigações é que a participação de muitos jovens estudantes nos Centros de

Cultura, Ateneus, Grêmios e outros espaços com princípios educadores libertários,

influenciaram grandemente as escolhas destas pessoas para dar sequência a uma

trajetória acadêmica. E muitos são os que estão à procura de retribuir o

conhecimento e concepções adquiridas, valorizando essas experiências no meio

universitário.

Essa influência é acentuada naqueles que encontraram em Jaime Cubero a

expressão de um homem integral, na concepção libertária abordada ao longo do

trabalho o que não dissocia o fazer do pensar. Retomamos suas características já

enunciadas na epígrafe do trabalho:

no ofício múltiplo de sábio e sapateiro um homem se cria palmilhando pregos, sonhos, lutas e sentidos nascidos da dura dignidade da matéria

Preparando assim os seus sapatos que o acompanharam em sua trajetória.

Calcados nos sonhos, nas lutas e nos sentidos que estão sempre em tensão com a

condição dada. Apresentando às pessoas que encontrava ao longo de sua trajetória

as possibilidades de caminhar com seus próprios pés, na direção que a liberdade

apontar. Jaime Cubero trazia em sua própria corporeidade os princípios que o

moviam, utopias que preenchiam seu olhar.

seu olhar de horizonte abraça o perto que foge em invisível delicadeza e o que nos acena lá longe como impossível e alheio sendo nosso residente

Jaime Cubero exerceu em profundidade a noção de alteridade, de

solidariedade, de apoio mútuo. Além de um grande orador, era um ouvinte ímpar,

com uma escuta generosa. Após colher em sua escuta atenta todos os indícios de

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uma predisposição para conhecer os princípios libertários, preparava as palavras

que eram sua matéria prima, para empregar sua sabedoria de educador-artesão-

narrador.

no ouvir acolhe o outro que então se reconhece. a palavra em alteridade é maré de epifanias

Saber que não era fruto somente de sua própria trajetória, mas de uma longa

jornada legada de geração em geração, de mestre para discípulos que se tornam

mestres.

convive com os bens simbólicos que lhe chegam através das eras como pássaros e constelações

Podemos inferir que aqueles que tiveram o privilégio de conhecer Jaime

Cubero e fizeram a escolha do trabalho acadêmico, levam a semente

artesanalmente constituída por Jaime Cubero para semear naqueles áridos campos

do tradicionalismo, formação de elites dirigentes, impérios burocráticos e

carreirismos, ciência positivista e cúmplice do espírito do capitalismo na busca de

constituir espaços críticos, criativos e transformadores na formação de outras

gerações que assumam o compromisso estético e ético de um humanismo libertário.

Conscientes da contradição, essas pessoas abrem fissuras e brechas, respiradouros

para outra forma possível de ser, sendo fiéis, de acordo com a pessoalidade de cada

um, às lições do mestre-artesão, educador-narrador, pela lucidez reflexiva de sua

escritura, pela vivência na partilha dos bons dedos-de-prosa engajados no cotidiano.

Pois essa era sua habilidade:

cultiva estranhas flores no limiar dos abismos na improvável praia pressentida entre o horror, o cosmos, a radical liberdade e a mais terna compreensão dos ser

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Apesar de não ter participado diretamente dessa experiência - por não ser

militante e só ter tido contato presencial recentemente com o movimento, a partir da

própria pesquisa - o comprometimento de passar adiante ensinamentos vivenciais

adquiridos nos espaços e leituras libertárias vai se tornando parte integrante do eu-

pessoa-pesquisadora que aqui deposita sua semente.

Felizmente outra forma de ciência distante da "ciência tradicional" me

autorizou a trabalhar com rigor e liberdade os documentos, tentar constituir sentidos

em suas leituras possíveis, sem excluir o colorido sensível, o calor dos encontros, a

angústia das contradições, a paixão da busca - que compõem o terreno próprio em

que se movia Jaime Cubero.

Imagens 16 – Jaime Cubero / 29 de agosto de1992

Foto do evento “Outros 500 – Pensamento Libertário Internacional” PUC-SP 29/08/1992

Fonte: acervo pessoal de Doris Accioly e Silva

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CRONOLOGIA

A presente cronologia foi realizada com a compilação de dados obtidos pela

pesquisa, e outras duas cronologias contidas na obra Contos Anarquistas Antologia

da prosa libertária no Brasil (1901-1935) de Antonio Arnoni Prado, e Francisco Foot

Hardman (1985) e O pensamento Histórico-Político de Cornelius Castoriadis de

Fernando Cesar Teixeira França (1996). A despeito de várias lacunas, pretende-se

aqui situar alguns acontecimentos que possam ilustrar o contexto no qual o trajeto

de Jaime Cubero estava imerso.

CRONOLOGIA

ANO TRAJETÓRIA

JAIME CUBERO CONTEXTO HISTÓRICO CONTEXTO ANARQUISTA

1926 Em 05 de abril em Jundiaí - SP nasce

Jaime Cubero.

Partido Fascista se torna partido único na Itália; Golpe Militar em

Portugal abre o caminho à ditadura fascista, visando

responder ao crescimento das lutas operárias.

Maria Lacerda de Moura encontra-se em São Paulo com Han Ryner e

A. Néblind; Chega ao México o escritor e militante anarquista de

origem polaca Ret Marut, que passou a assinar seus livros como

Bruno Traven. Formação do primeiro grupo anarquista da

Guatemala.

1927 A Coluna Prestes interna-se na

Bolívia

Em Valência foi fundada a Federação Anarquista Ibérica (FAI)

reunindo as organizações anarquistas das várias

nacionalidades da península ibérica. Junto com a CNT, seriam as organizações que tiveram o papel decisivo na Revolução Espanhola de 1936. São mortos nos Estados Unidos Nicola Sacco e Bartolomeu Vanzetti, trabalhadores anarquistas

italianos, num processo judicial fraudulento, que provocou a

indignação do movimento operário internacional. Greve na Colômbia

marca o momento mais alto do sindicalismo revolucionário no país;

Instala-se no Rio de Janeiro o Comitê Pró-Confederação Geral do

Trabalho do Brasil.

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1928

Reúne-se o Terceiro Congresso do Partido Comunista do Brasil.

Chang Kai-Chek conquista Pequim e unifica o país;

Elaborado o I Plano Quinquenal da URSS.

Maria Lacerda de Moura participa em Guararema (São Paulo) da

experiência de uma comunidade agrícola libertária; Organiza-se em

São Paulo o Bloco Operário Camponês.

1929

Define-se a plataforma da Aliança Liberal; Crack da Bolsa de

Valores em Nova Iorque: crise do capitalismo internacional; Trotski foi exilado da URSS no México.

Começa a circular o Jornal Anarquista Ação Direta fundado por

José Oiticica (RJ); José Oiticica parte para Alemanha como professor de português da

Universidade de Hamburgo.

1930

Golpe Militar derruba o governo de Washington Luiz, Getúlio

Vargas é empossado no Governo Provisório; Golpe militar do general Uriburu impõe uma

ditadura à qual seguiu-se outra de Perón, que destruiu o

sindicalismo autônomo na Argentina.

Fábio Luz publica o livro Ensaios (RJ).

1931 Criados o Ministério do Trabalho

e a Lei de Sindicalização pelo Estado varguista.

Lauro Palhano publica O Gororoba - Cenas da Vida Proletária do Brasil

(RJ); É fundada no Chile a Federación General de

Trabajadores (CGT) anarco-sindicalista, com uma estrutura semelhante à FORA argentina.

Morre o anarquista francês Emile Pouget que, junto com Fernand Pelloutier, desenvolveu as ideias

centrais do sindicalismo revolucionário. Greves em Cuba

promovidas pelos anarco-sindicalistas duram vários meses.

1932

Revolução constitucionalista de 1932 em São Paulo-SP;

Coletivização forçada na URSS provoca morte de milhões de

pessoas.

Morre na Itália, sob liberdade vigiada, Errico Malatesta, o principal

agitador e pensador anarquista italiano, que atuou em vários

países.

1933

Jaime Cubero ingressa na escola, que interrompe em

virtude de problemas de saúde e retorna no ano seguinte já em São Paulo.

Hitler chega ao poder na Alemanha; São criados os

primeiros campos de concentração; Nos EUA, inicia-se

a política do New Deal como resposta à crise econômica.

Patrícia Galvão publica o romance Parque Industrial (sob o

pseudônimo de Mara Lobo); Abertura do Centro de Cultura

Social em São Paulo; Morre o poeta alemão John Henry Mackay, grande

divulgador do pensamento de Stirner.

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1934

Na China os comunistas se rebelam e iniciam uma retirada

em direção ao norte, episódio que ficou conhecido como "A Grande

Marcha".

Fábio Luz publica Dioramas (ensaios literários RJ); Interrompe-se a publicação da Enciclopédia

Anarquista, iniciada por Sebastien Faure; A CGT portuguesa, anarco-

sindicalista, desencadeia uma greve geral revolucionária em 18 de janeiro. A repressão que se seguiu,

destruiu o sindicalismo revolucionário e instituiu o

sindicalismo corporativista fascista; Diego Abad Santillán parte para a

Espanha onde teria um papel importante no contexto

revolucionário.

1935 Levante Comunista no Rio de

Janeiro, Recife e Natal.

Repressão e Fuga dos libertários da comunidade agrícola de

Guararema (SP); Morre em Paris o anarquista ucraniano, Nestor

Mackhno, que teve de se refugiar no ocidente após ser perseguido

pelo governo russo; Morre, no Uruguai, o militante anarquista

italiano Luigi Fabbri, companheiro de Malatesta que desenvolveu

intensa atividade na Europa e no Uruguai; Os anarquistas cubanos

participam da luta contra a ditadura de Batista; É fundada

clandestinamente na Argentina a Federación Anarco-Comunista

Argentina (FACA).

1936

O Front Populaire vence as eleições na França, e Léon Blum forma o novo governo. A Frente Popular vence as eleições na Espanha, morre Boaventura

Durruti e Frederico Garcia Lorca: inicia-se a guerra civil, que leva à derrota do movimento operário e

à ascensão do fascismo.

Morre em Moscou Máximo Gorki; José Oiticica encena a comédia em

três atos Pós de Pirlimpimpim; Como resposta ao golpe fascista do

general Francisco Franco, os trabalhadores, sindicalistas e

anarquistas assaltam os quartéis desencadeando um processo

revolucionário libertário que teve de se confrontar com os fascistas de

Franco, apoiados por Hitler, Mussolini e Salazar e,

internamente, com os estalinistas; O revolucionário Victor Serge, ex-anarquista, que se tornou militante

do Partido Comunista da União Soviética, consegue exilar-se no ocidente, após um movimento internacional de solidariedade, vindo a denunciar os crimes do

stalinismo; É morto a tiro em Madrid, em condições nunca

esclarecidas, Buenaventura Durruti, o mais famoso revolucionário anarquista do nosso século.

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1937

É implantada no Brasil a ditadura de Getúlio Vargas, adotando uma

constituição de tipo fascista, passando a desencadear a

sistemática repressão contra o movimento operário e

particularmente sobre os anarquistas; "Jornada Sangrenta" contra os militantes anarquistas

na Espanha.

Morte de Oreste Ristori na Espanha, combatendo nas brigadas

internacionais contra as tropas fascistas de Franco; Realizam-se

vários atentados em Portugal contra objetivos ligados aos fascistas espanhóis e alguns militantes

anarquistas e comunistas executam um atentado contra o ditador

Salazar, que consegue escapar com vida. Militantes operários,

incluindo anarquistas e comunistas são deportados para o campo de

concentração do Tarrafal, em Cabo Verde; É morto por estalinistas em

Espanha o militante anarquista italiano Camilo Berneri; É criada em Portugal a Federação Anarquista da

Região Portuguesa (FARP).

1938

Jaime Cubero tem contato com suas primeiras leituras

anticlericais com a influência de José

Lemos

Bukharin é executado na URSS. Inglaterra e França fazem

concessões a Hitler na conferência de Munique.

1939

Franco toma Barcelona e Madri, termina a Guerra Civil Espanhola.

A Alemanha ocupa a Tchecoslováquia, e a Itália anexa a Albânia. Hitler invade a Polônia.

É o início da Segunda Guerra Mundial. Pacto de não agressão

germano-soviético.

As tropas de Franco derrotam as forças antifascistas, seguindo-se

uma violenta repressão e o exílio de centenas de milhares de operários e anarquistas, que se refugiam na França, vindo alguns mais tarde para a América Latina; Franco e

Salazar estabelecem o Pacto Ibérico, fundamentalmente

destinado a articular a repressão contra o movimento operário; Morre em Monte Carlo, Benjamin Tucker

um dos mais destacados pensadores libertários americanos.

1940 Jaime Cubero, aos

14 anos, tira sua carteira profissional.

A Alemanha invade a Dinamarca, Noruega, Holanda e Bélgica. As

tropas franco britânicas, pressionadas pelos alemães,

realizam a retirada de Dunquerque. A frança capitula, o

marechal Pétain chefia um governo colaboracionista em Vichy. Trotski é assassino no

México por um agente de Stalin.

Morre Emma Goldman militante anarquista de origem russa, que teve uma importância central no

anarquismo dos EUA. Expulsa em 1919 para a Rússia teve de deixar o país pelas suas críticas à evolução autoritária da Revolução Soviética. Foi uma das primeiras vozes a se

levantar contra o autoritarismo comunista.

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1941

As tropas alemãs invadem a Iugoslávia e a Grécia. Hitler

rompe o pacto e invade a URSS. Os Japoneses bombardearam

Pearl Harbour e os EUA entram na guerra.

1942

Jaime Cubero, junto com amigos e

familiares fundam o “Centro Juvenil de Estudos Sociais”

Os aliados derrotam os nazistas no norte da África. Castoriadis

adere ao trotskismo.

1943

As forças alemãs se rendem em Stalingrado. Mussolini é preso e

executado. Judeus são massacrados no gueto de

Varsóvia, na Polônia.

1944 Jaime Cubero é dispensado do serviço militar.

A França é libertada pelas tropas aliadas. De Gaulle torna-se

presidente do governo provisório e inaugura a IV República

francesa.

1945

Com a reabertura do Centro de Cultura Social - SP, Jaime Cubero assume o

papel de Secretário Geral. E casa-se

com Maria.

Roosevelt, Churchill e Stalin se reúnem na Conferência de Yalta. Decide-se pela criação da ONU.

Os russos ocupam Berlim. Goebbels e Hitler se suicidam. Os

EUA lançam bombas atômicas sobre Hiroxima e Nagasáqui. O Japão capitula. Castoriadis se

transfere para a França.

1946

O Tribunal de Nuremberg condena líderes nazistas. A

França reconhece a independência do Vietnã do

Norte.

1947

No contexto da Guerra Fria, os EUA estabeleceram o Plano

Marshall de ajuda econômica aos países europeus não socialistas.

1948

O marechal Tito rompe com Stalin e a Iugolávia é expulsa do

Kominform. Castoriadis e Lefort rompem com o trotskismo.

1949

A Alemanha é dividida. Os comunistas, liderados por Mao

Tse-tung proclamam a República Popular da China. É criada a

OTAN. Aparece o primeiro numero de Socialismo ou

Barbárie.

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1953 Morre Stalin. Malencov o

substitui.

1954

Jaime Cubero e sua companheira Maria Cubero mudam-se

para o Rio de Janeiro; Jaime

Cubero trabalhará com seu cunhado no

jornal o Globo.

1956

No XX Congresso do PC, em Moscou, o secretário-geral

Kruchov denuncia os crimes cometidos por Stalin. Em Cuba

começa um movimento guerrilheiro contra Batista.

Revolução na Hungria contra o domínio da burocracia estatal. A URSS invade o país e reprime violentamente o movimento.

1957 A URSS lança o Sputnik, primeiro

satélite artificial.

1958

O governo francês cai em virtude da Guerra da Argélia, encerrando a IV República. Sobre ao poder de Gaulle. Que realiza reformas

políticas.

1959 Fidel Castro toma o poder em Cuba. Kruchov visita os EUA.

Criam a Nasa.

1961

Em Cuba, é rechaçado o ataque anticastritas na baía dos Porcos. Fidel Castro anuncia adesão ao marxismo-leninismo. Alemães do Leste levantam o Muro de Berlin.

1962 Kennedy declara o bloqueio naval à ilha de Cuba, contra a presença

de mísseis soviéticos no país.

1964

Jaime Cubero após se envolver com a greve dos gráficos retorna para São

Paulo. Passa a compor a

sociedade da Sapataria Cuberos

juntos com seu irmão Franscico Cubero e sua

cunhada Maruja.

Kruchov é substituído por Brejniev e Kossínguin na URSS. Aviões americanos bombardeiam

o Vietnã do Norte.

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1966

Revolução Cultural na China, radicalização ideológica que

desencadeia expurgos e prisões, com milhões de mortes. A França se retira da OTAN. Fim do grupo

e da revista Socialismo ou Barbárie.

1967

Golpe militar do coronel Papadopoulos, na Grécia. EUA identificam sua participação na

Guerra do Vietnã.

1968

Eclode na França rebelião popular, de estudantes e depois

de trabalhadores, que é reprimida por De Gaulle. Tanques soviéticos sufocam a Primavera de Praga, na Tchecoslováquia. Castoriadis,

Lefort e Edgar Morin publicam volume coletivo dedicado à

análise dos movimentos populares desse ano.

Instituição do AI 5 no Brasil

1969 Suspensão das

atividades do CCS.

De Gaulle renuncia à Presidência da França e é substituído por

Pompidou.

1972

Inicia-se o processo de distensão nas relações entre países

capitalistas e comunistas. O presidente americano Nixon visita

a China e a URSS.

1973

Encerrada oficialmente a Guerra do Vietnã. Papadopoulos

proclama a república na Grécia, mas é deposto pouco depois por

um golpe militar.

1976 Morre Mao Tse-tung. Castoriadis

torna-se psicanalista.

1978 Castoriadis publica o primeiro

volume de “as encruzilhadas do labirinto”.

1979

A URSS invade o Afeganistão. Margaret Thatcher, do Partido

Conservadores se torna primeira-ministra da Inglaterra.

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1980

Reagan é eleito presidente dos EUA. Greves lideradas pelo

recém-criado sindicato Solidariedade abalam a Polônia.

Morre o marechal Tito, que governava a Iugoslávia desde

1945.

1981

O socialista Mitterrand é eleito presidente na França. Os

socialistas vencem as eleições gregas. A Grécia entra para CEE.

1984 Reagan é reeleito nos EUA.

1985 Reabertura do CCS-

SP.

Gorbatchov é designado presidente da URSS e inicia o processo de degelo, que fica

conhecido como Glasnost (transparência).

1986

A direita vence as eleições francesas e Jacques Chirac se

torna primeiro-ministro. Pública os domínios do homem - as

encruzilhadas do labirinto ll.

1987 Acordo entre URSS e EUA para o

uso pacífico do espaço.

1989

Massacre na Praça da Paz Celestial, em Pequim. Violenta rebelião na Romênia depõe e

executa Ceausescu.

1990

O líder sindical Lech Walesa vence as eleições na Polônia. Movimentos de independência eclodem nas republicas que compõem a União Soviética. Castoriadis publica O mundo

fragmentado - as encruzilhadas do labirinto lll.

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1991

Fim da URSS e dos regimes “comunistas” da Europa. Fim do

pacto de Varsóvia. Restauradas a Rússia e quatorze outras

republicas independentes. Guerra Civil na antiga Iugoslávia. A ONU intervém. Derrubado o Muro de

Berlim. Reunificação das Alemanhas. Tratado de

Maastricht estabelece um plano progressivo de integração da

Europa.

1992

Movimentos separatistas de minorias étnicas e religiosas

eclodem por toda a Europa do Leste. A China se abre para a

economia de mercado. A Bósnia-Herzegovina, uma das cinco

nações formas em lugar da antiga Iugoslávia mergulha em sangrenta guerra civil.

1998

Morrem em São Paulo três amigos de toda uma vida, que colaboraram, cada um a sua maneira, para o pensamento-ação libertário:

Em 20/05 – Jaime Cubero Em 29/10 – Antônio Martinez.

Em 17/11 – Maurício Tragtenberg

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APÊNDICES

1 – Quadro das participações de Jaime Cubero em eventos

PARTICIPAÇÃO DE JAIME CUBERO EM EVENTOS14

EVENTO LOCAL DATA TÍTULO TIPO DE

PARTICIPAÇÃO/ TEMA

I Seminário Sobre a Paisagem Urbana

Centro Cultural São Paulo

8-9/5/84 Fórum Popular Depoente/ Outros

Cinquentenário da Batalha da Praça da Sé

Faculdade de Direito da USP

01/10/84 Antifascismo (*) Palestra/ Histórico

Dia do Trabalho Centro Cultural São

Paulo 26/04/85 Teatro Militante

Palestra/ Sindical

Encontro de Arquivos do Estado de São Paulo

UFSCAR 10/08/87 Arquivos Militantes Palestra/ Histórico

Geografia e Anarquismo Geografia USP 01/10/87 O Pensamento Político de

Reclus e Kropotkin (*) Palestra/

Anarquismo

O Movimento Operário e Sindicalismo no Brasil

UFSCAR 06/10/87 O Anarcosindicalismo Palestra/ Sindical

Faculdade de

Ciências e Letras - Bragança Paulista

18/11/87 O Anarquismo no Brasil Palestra/

Anarquismo

Movimentos Sociais e a Luta pela Cidadania

Sociedade de Estudos Históricos

SP/SP 21/04/88

O Movimento Operário e a Luta pela Cidadania

Palestra/ Sindical

Ensino do 2 grau: perspectivas

Faculdade de Educação - USP

10-12/05/88

Mesa: Prioridades no ensino de 2º grau:

educação para o trabalho ou educação com o

trabalho?

Debatedor/ Educação

Semana do 1o de Maio Casa de Cultura do

Trabalhador A. Mazaroppi - SP

04/05/89 Mesa: Sindicalismo: ontem

e hoje Debatedor/

Sindical

As Idéias Libertárias na Revolução Francesa

ECA - USP 18/05/89 Mesa: As utopias

libertárias e seu percurso na história

Debatedor/ Anarquismo

IV Semana de Ciências Sociais da PUC/SP

PUC/SP 19/10/89 Mesa: Sociabilidade e poder: resistência ou

alienação

Debatedor/ Anarquismo

ECA - USP 28/10/89 Voto livre / Voto obrigatório Palestra/ Outros

Anarcosindicalismo: história e atualidade

CCS-SP 09/12/89 Anarco-sindicalismo Palestra/ Sindical

14

Compilação inicial realizada por Christina Lopreato, Parmênides Cuberos & José Carlos O. Morel.

Os (*) são referência supostas, mas que não estão registradas dessa forma.

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FCL - UNESP -

Araraquara 16/03/90 Anarquismo

Palestra/ Anarquismo

Socialismo: utopia em crise?

UNIMEP - Piracicaba

08/05/90 Mesa: Democracia e

socialismo Debatedor/ Anarquismo

III Semana de Geografia e História

UNIP - São Paulo 06/11/90 O Movimento Anarquista no Brasil nas primeiras

décadas do século

Palestra/ Histórico

Anarquismo: uma discussão sobre o

verdadeiro socialismo

Espaço Cultural Rabo de Arraia -

Olinda-PE 20/03/91

História do Anarquismo no Mundo e no Brasil

Palestra/ Histórico

Maio Negro - COB-AIT UFPR 09/05/91 Anarquismo no Brasil Palestra/ Histórico

Semana Libertária UERJ 22/08/91 Anarquia e Antimilitarismo Palestra/

Anarquismo

Seminário Sobre Anarquismo

Kãba Casa de Cultura - Fortaleza-

CE

27-29/09/91

Seminário sobre anarquismo

Seminário/ Anarquismo

Escola Sociologia e

Política de São Paulo

30/11/91 Acabou o socialismo: viva

o socialismo! Palestra/

Anarquismo

Formatura do curso de história - turma 1991

UNIMEP - Piracicaba

19/12/91 Discurso Discurso/ Educação

X Enefil - Encontro Nacional de Estudantes

da Filosofia da USP USP 16/07/92 A Nova Desordem Mundial

Debatedor/ Histórico

Os libertários e a educação: memória e

história

FFC - UNESP - Marília

13/08/92 As Universidades Livres Palestra/ Educação

XVII Semana de História da FAI - Faculdades Associadas Ipiranga

FAI - Faculdades Associadas Ipiranga

01/10/92 O Anarquismo na América

Latina Palestra/ Histórico

XII Semana de História "Cultura Histórica em

Debate"

FCL - UNESP - Assis

01/11/92 Memória Libertária Palestra/ Histórico

Instituto Metodista de Ensino Superior Rudge Ramos- SP

14/09/93 A Concepção Anarquista

do Homem Palestra/

Anarquismo

Exposição Internacional Anarquista de Barcelona

Barcelona - Espanha

01/10/93 Nuestra concepción del

anarco-sindicalismo Palestra/ Sindical

I Jornada Libertária de Santos - Anarquismo: história, atualidade e

perspectivas

Faculdade de Comunicação da

UNISANTOS 09/11/93

Anarquismo: imprensa, história e perspectivas

Palestra/ Histórico

I Semana Anarquista FCL - UNESP -

Araraquara 10/11/93 Anarquismo

Palestra/ Anarquismo

Anarquismo: Ação e Educação

UNIMEP - Piracicaba

16/06/94 Mesa: Anarquismo: Ação e

Educação Debatedor/ Educação

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I Festival de Arte e Cultura sem Fronteiras -

Educação Libertária UFSC 12/07/94

Educação independente de escola

Palestra/ Educação

Presença italiana no sindicalismo brasileiro

Centro Universitário Maria Antonia

26/10/94 Os Italianos no Brasil e o

Movimento Operário Debatedor/ Histórico

Evento inaugural do NEPHISPO

UFU - Universidade Federal de Uberlândia

01/12/94 Razão e paixão na

experiência anarquista Palestra/

Anarquismo

I Jornada Internacional sobre Infância e

Violência Doméstica / Proteção e Prevenção

USP 24/10/95 O anarquismo: uma visão da educação da criança

na família

Palestra/ Educação

60 Anos da Revolução Espanhola

Tesão - A casa do soma

30/08/(1996*)

Mesa Redonda Debatedor/ Histórico

1º de Maio Santos 01/05/97 1º de Maio (*) Palestra/ Sindical

80 Anos da Greve Geral de 1917

Museu da Imigração - SP

19/07/97 Autogestão e Ação Direta na Greve Geral de 1917

Palestra/ Histórico

São Paulo, memórias em pedaços

TV Cultura 01/11/97 São Paulo, memórias em

pedaços Documentário/

Histórico

11ª Moitará - Separações atlânticas: a herança das imigrações espanhola e

italiana no Brasil

Sociedade Brasileira de

Psicologia Analítica 29/11/97 Vivências Palestra/ Histórico

Conversações Libertárias Nu-Sol PUC/SP 24/03/98 Anarquismo e Liberdade Palestra/

Anarquismo

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2 - Mitos de origem - narrativas dos começos

Quem escuta uma história está em companhia do narrador; mesmo quem a lê partilha dessa companhia.

Walter Benjamin

Jaime era um andarilho, traçava inventivos percursos e

abalava itinerários. Jaime não escreveu um livro, repito, ele

inventou escritos nas nossas vidas; livros de ensaios para

cada um, acompanhados pelo uso e abuso de seu olhar que

via muito, auxiliado pela sua lupa pessoal. É saudável lembrar:

onde há anarquismo, há Jaime.

Edson Passetti

Mitos de origem são as narrativas de ordem simbólica que nos colocam no

tempo próprio dos começos segundo cada tradição cultural. Na escuta atenta das

narrativas passamos a ser contemporâneos dos personagens, visitamos suas

paisagens, nos emocionamos com os acontecimentos, perdemos a noção do tempo

cronológico (cronos) e ingressamos no illud tempus do tempo original (kairós). Não

se trata, numa perspectiva historicista de questionar-se sobre a validação dos

documentos, se houve ou não houve o fato, de comprovações empíricas ou

positivistas dos acontecimentos; mas, sobretudo, perguntar-se sobre o significado do

ato narrado, que sentidos têm para mim? (ORTIZ-OSÉS, 2003). Sempre nos

lembrando da provisoriedade das leituras possíveis diante de nossa própria jornada

formativa. A cada dia, uma leitura do mundo assim como ele modifica e eu me

modifico ao habitá-lo, abrindo mão dos dogmas e das intolerâncias fundamentalistas

nas crenças, nas religiões, nas ciências, na política. Portanto, também não se trata

de "mitificar" Jaime Cubero, mas de perceber o caráter formativo que as narrativas

de origem e o poder de contextualização que estas narrativas possuem dando o

testemunho de uma vida (a obra que de fato legamos ao mundo), assim como ele

próprio fazia nos bons dedos-de-prosa. Aqui coletei e organizei narrativas de

pessoas importantes nesta trajetória e que dão seu testemunho muito vivo da

partilha de itinerários com Jaime Cubero. Um retrato craquelado com pinceladas do

tempo sobre as palavras.

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Antonio Martinez (1915-1998) e Jaime Cubero (1927-1998) - Nildo Avelino:

Para o anarquista, o exemplo é a melhor das propagandas, e a vida

anárquica a melhor obra. Como se o caminho trilhado através dos

preceitos fosse longo e árduo em comparação ao breve percurso dos

exemplos. E talvez tenham sido os anarco-terroristas quem mais

tenham enfatizado a conduta enérgica, exemplar e resoluta, contra os

embates meramente discursivos, e afirmado no estampido de uma

explosão o meio de fazer ouvir surdos. Fizeram de seus corpos um

suporte para sua propaganda, modelaram seus gestos e estilizaram

suas vidas de maneira a perdurarem no tempo. Rejeitaram a

separação entre discurso e existência anarquista e imortalizaram-se

na obra de suas próprias vidas. Por isso, nada entenderam esses que

confundem estética da existência com o quietismo da vida burguesa e

confortável: o que há de mais incômodo, e perigoso, do que engajar a

própria vida num estilo singular? O que é mais arruinador do que

passar disso que os gregos chamavam de vida inautêntica, porque

irrefletida, para uma vida autêntica e refletida? É certamente mais fácil

deixar-se absorver inteiramente na militância política, na preparação

revolucionária. Mas são raros, muito raros, os que, ao preparar a

revolução, revolucionam a si mesmos.

Antonio Martinez e Jaime Cubero foram estilos de liberdade; fizeram

do anarquismo um exercício do pensamento, da vontade, de todo seu

ser, procurando alcançar um modo de existir praticado a cada instante

e destinado a transformar toda a vida. É dessa maneira que é preciso

referir-se a eles. (...) Ao recordar amigos que perdemos, a tristeza tem

qualquer coisa de doce quando vem ao pensamento seus discursos

prazerosos, suas companhias alegres, seus afetos atenciosos.

Quando eram presentes, sabíamos que iriam; agora que foram,

parece-nos ainda tê-los conosco.

[...]

Sua participação no CCS data provavelmente de 1945, com a

reabertura após a ditadura getulista. Porém, deve-se a seu trabalho

pessoal a organização minuciosa de um vasto acervo, o restauro de

velhos documentos e a conservação de um material valioso

pertencente ao Círculo Alfa de Estudos Históricos (Grupo Projeção).

Martinez, sua irmã e uma sobrinha, habitaram durante anos a sede do

arquivo, uma velha casa assobradada na Rua Gonçalves Dias, no

Brás. Por alguns meses fomos vizinhos, quando então morava em

uma pensão na Rua Marcos Arruda, por volta de 1996. Costumava

visitar Martinez quase todos os dias no cair da noite. Mostrava-me o

material e queixava-se da falta de apoio; fazia questão de narrar

minuciosamente suas técnicas de restauro: comprava papel arroz em

casas de aeromodelismo no centro da cidade e, com cola especial,

fazia os remendos necessários em jornais amarelados. Em seguida,

cobria-os completamente, folha por folha, com cera de abelha,

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dizendo que, além do efeito impermeabilizante, protegia contra a ação

de insetos. Dizia, com muita decepção, que eu era uma das poucas

pessoas que se interessava por seu trabalho.

Após o falecimento de Jaime Cubero, "seu melhor amigo" no dizer de

sua sobrinha, Martinez entristeceu e caiu doente. Acamado em um

leito improvisado de tijolos, em minhas visitas pedia-me algum volume

de jornal que havia encadernado para ler e fazer ainda eventuais

reparos. Em uma dessas visitas, levantou-se com dificuldade,

apanhou uma caixa de sapatos, abriu-a e retirou um velho revólver:

era a arma empunhada contra integralistas em 1934. Transferido para

um leito do hospital do Jabaquara, faleceu aos 83 anos.

[...]

(Jaime Cubero) De volta a São Paulo, engaja-se arduamente nas

atividades do CCS. Foi um dos fundadores de uma das melhores

iniciativas da segunda fase do CCS, o “Laboratório de Ensaio”,

inaugurado em junho de 1966. Estabelece forte ligação intelectual e

afetiva com o filósofo Mário Ferreira dos Santos, envolvendo-o nas

atividades do anarquismo paulista. Com o Laboratório de Ensaio e as

iniciativas de Jaime, seu irmão Francisco e Waldyr Kopesky, o CCS

ganha um revigoramento sem precedentes. Organizam um teatro de

arena que, segundo Pedro Catallo, funcionava com quatro sessões

por semana e média de 40 pessoas por sessão, público composto de

estudantes, membros de entidades sindicais e trabalhadores. O

Laboratório foi um teatro de resistência anarquista contra a ditadura e

na ditadura. Uma de suas peças de grande sucesso chamava-se "Os

Guerreiros", de Waldyr Kopesky, que narrava a inútil tentava de

transformar um general num ser humano. Mas além das atividades

artísticas, os integrantes do Laboratório se encarregavam também do

jornal O Dealbar, dirigido por Pedro Catallo; organizaram, em parceria

com o Centro Democrático Espanhol e com refugiados da CNT em

São Paulo, uma semana comemorativa da Revolução Espanhola com

exposição aberta, conferências e encerramento com noite de poesias

dedicada à Revolução. Em seguida, organizam uma comemoração

sobre a greve de 1917 com a participação de velhos anarquistas,

entre eles Edgard Leuenroth. (verve 14/2008 p. 254-259)

Lembro o dia em que conheci Cubero – Maria Oly Pey:

Havíamos organizado, nosso grupo de afinidade — eu e alguns

alunos de graduação e pós-graduação da UFSC - uma pequena

viagem até São Paulo para trocar ideias com educadores que temos

no rol de nãoautoritários, em função ou de conhecê-los de perto ou de

deles ter ouvido falar ou lido a respeito. Curiosidade de "sentir"

pedagogias instituintes em funcionamento.

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Agendáramos um encontro na prefeitura e outro no Centro de Cultura

Social.

Apenas para entrar no clima...

Na Prefeitura da cidade de São Paulo recebeu-nos Paulo Freire e sua

equipe. Entusiasmados, ansiávamos por discutir com mais gente os

possíveis funcionamentos da educação, na esteira do pensamento

libertador e libertário. Do staff pedagógico, dois se revezavam nos

informando sobre como estavam levando à frente uma experiência em

cem escolas do município. Ouvíamos, não lembro detalhes, e só o

sono ia tomando conta de mim. Olhei para o Paulo com certa

inquietação e notei que sua perna cruzada sobre a outra sacudia

ligeiramente, o que nele revelava preocupação. Conhecíamos um ao

outro, naqueles anos 80, demasiadamente bem para sabermos o que

nossas reações corporais indicavam. Meu sono intensificou-se, mas o

movimento da perna cruzada do Paulo foi diminuindo, diminuindo, e

cessou. Aí eu saí da sala; Guilherme e Ritinha, licenciandos em

Química, logo após, quase juntos. Lá fora, Ierecê e Élvio haviam se

antecipado à nossa saída. Participando, ficara metade do nosso grupo

visitante. Penso que ainda continuam lá.

No Centro de Cultura Social...

Na sala modesta, com cadeiras ruins de sentar, um velhinho ágil,

altivo e risonho veio rápido nos acolher. Assim, vimos pela primeira

vez o anarquista, um pouco não à vontade com o título de educador

que havíamos colado nele. Mãos vazias de documentos "elaborados

coletivamente", nos olhava nos olhos a perguntar de nós, da cidade

de onde vínhamos, em que poderia nos prestar algum auxílio.

Esquecemos nossas perguntas primeiras para responder as que nos

fazia, vivamente interessado, e acabávamos por devolvê-las. Em uma

hora, essa conversa já nos tornara íntimos, e a ela se juntou mais

duas ou três pessoas que costumavam frequentar o Centro. E

também nos falava ele não do que ensinava, mas do muito que tinha

aprendido lendo e compartilhando com amigos, a maioria de mesmo

ideário. Contou-nos histórias do sítio onde realizavam atividades em

comum, da repressão às publicações do Centro e da luta por manter

vivo o acervo cultural em livros anarquistas durante a mais recente

ditadura explícita da nossa história, contava dos amigos e dele próprio.

Parece que o vejo, apontando apaixonado para uma estante

carregada de livros antigos e outros espalhados sobre uma mesa.

Com metade daqueles autores, que na sua narrativa já se tornavam

meio familiares nossos, tomamos primeiro contato naquela tarde. A

sala se enchia de gente saindo das páginas amareladas daqueles

livros, no calor da voz do velhinho autodidata. O esvaziamento da

manhã dera lugar ao entusiasmo frente ao inusitado da situação. Em

meio aos acontecimentos que saltitavam na sala, a película da

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memória deslizava mais viva e plena de sentido para nós do que o

arquivo da experiência pedagógica.

Na academia...

Ierecê continuava impactada.

— Oly, eu quero o Cubero na minha banca de dissertação de

mestrado!

— Mas o cara não tem títulos acadêmicos, a Universidade não vai

financiar... nunca.

— A gente paga a viagem, ele fica na minha casa, ele participa da

composição da mesa. Quero ver o que os burocratas vão fazer.

Afinal, era só mais uma das nossas intoleráveis e incompreensíveis

atitudes na academia.

E lá veio o Cubero para a UFSC. Mas o velhinho não ia vir só para

uma banca de mestrado, é claro. Ele queria colaborar conosco nas

atividades do Núcleo de Alfabetização Técnica. A banca era só para

satisfazer a Ierecê, como ele mesmo dizia. Seu comparecimento foi

uma aula de avaliação sem julgamento. Ouvindo atentamente e

traduzindo o que ia aprendendo do relato da mestranda, ele jogava luz

anarquista na análise foucaultiana da educação escolar que Ierecê

desenhara com avidez. Cubero era assim: nos espaços nos quais a

maioria pratica a operação de reduzir, ele potenciava. Quando, no final,

apareceu uma insinuação da plateia no sentido de objetivar a sua

apreciação do trabalho, com simplicidade cristalina Cubero fez

observar que, se havia apreendido tanto da dissertação, os doutores

haveriam também de gostar.

E lá se foi o Cubero a trabalhar conosco em uma discussão pública,

fora dos muros da universidade a partir de uma peça teatral - Bakunin

- que havíamos trazido para Florianópolis. Foi durante essa discussão,

passeando pela história do movimento anarquista mundial, que um

futuro colaborador nosso, Jorge Silva - outro anarquista autodidata -

se deu a conhecer para o grupo. Mais uma operação de potenciação,

de informação e amizade.

Já passou de uma página, mas...

Recordar Jaime Cubero dá um arrepio em mim. Arrepio de prazer,

lembrança doce.

Pena eu não ter conhecido muitos mais anarquistas assim.

Depois do dia em que visitamos o Centro de Cultura, Guilherme não

mais se separou das leituras de Ivan Illich. Cubero tinha conseguido

conectar o garoto que estudava Química com a instigante obra do

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autor sobre os caminhos da água na invenção de H2O. Daí para

frente tínhamos em Illich um ótimo companheiro de referência para

investigar o que não se deve sequer pensar e muito menos mencionar

no âmbito das instituições. E Illich nunca fora anarquista! Mas Cubero,

além de anarquista, era principalmente uma pessoa inteligente,

desinteressada do poder que as capelas de identidade fazem produzir.

Depois daquele dia, Ierecê desacreditou definitivamente dos doutos e

das instituições educacionais que o somatório dos seus cinismos

reproduz sem cessar.

Por ter conhecido Cubero juntei mais indícios para considerar que há

muitos tipos de anarquismos porque há muitos tipos de anarquistas. O

anarquismo dele nunca me decepcionou. Ou talvez a integridade dele

como ser humano, independentemente de ser ou dizer-se anarquista,

é que aderia rigorosamente à nossa utopia de libertário. O que vale é

que Jaime Cubero nos fez melhores em nossas realizações

independentes, na afirmação de nossas diferenças anônimas, na força

de buscar a autosustentação fora do instituído.

Cubero nos foi inspirador. Alguém que fazia crescer em nós a admiração por qualquer pessoa ou grupo que se utilize da cultura libertária para viver sem medo, com alegria e autodeterminação. Pena ele ter morrido. Aposto que ia gostar de vir aqui onde, faz bem dez anos, invento vacúolos de silêncio onde ancorei os pedaços libertários que existem em mim. E juntando memórias com nossos visitantes de afinidade, rir do mundo, porque bastam algumas libertárias existências singulares para revelar ao mundo muito do seu quase todo podre. Esse tipo de anarquista "cuberiano", vivo ou morto, consegue isto. Então vale a pena registrar suas façanhas para instigar o raciocínio daqueles que não tiveram o privilégio que nós tivemos. (verve 14/2008 p. 259-263)

Jaime Cubero: uma potência singular da anarquia - José Maria Carvalho Ferreira:

Conheci o Jaime Cubero, na realização do "Encontro do Pensamento

Libertário Internacional - Os Outros 500", realizado em São Paulo, no

período de 24 a 29 de Agosto de 1992.

Desde então, até à sua morte em 20 de Maio de 1998, tive

oportunidade de partilhar e viver, com ele, momentos inesquecíveis.

Cedo percebi-me em reuniões, palestras, conferências, assim como

nos convívios na sua vida familiar com a sua companheira de sempre

Maria, que estava em presença de um homem, cuja razão de ser

decorria da anarquia. Os factores de causalidade deduzidos da minha

inteligência intuitiva resultam de duas dimensões básicas que

atravessavam o seu caráter: vida quotidiana; militante da anarquia.

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Da primeira ilação extraio o caráter humano, ético e moral da sua

trajetória biológica e social. Nesta dimensão, a anarquia para Jaime

Cubero, antes de mais nada, traduzia-se em relações sociais e

relações interpessoais intensas e extensas em quaisquer espaço-

tempo da sua vida quotidiana. Quem frequentou a sua casa e quem

teve oportunidade de conviver com Jaime Cubero e a sua

companheira Maria, como foi o meu caso, compreende o significado

do que acabo de dizer. Todavia, esse comportamento comunicacional,

afetivo, solidário e livre estendia-se nos momentos de convívio com

companheiras e companheiros que emergiam em correlação estreita

com o espaço-tempo das reuniões e palestras realizadas no Centro de

Cultural Social, em São Paulo, ou em cursos de formação ou

colóquios sobre o anarquismo que aconteceram no Brasil e em outros

países.

Como militante da anarquia, sublinhe-se a sua ação individual e

coletiva de toda uma vida em prol de uma aprendizagem teórica e

prática do anarquismo no Brasil.

Neste domínio, na minha opinião, Jaime Cubero era um homem que,

desde muito novo, se apercebeu da realidade social, econômica,

política e cultural do Brasil assente na miséria, pobreza, opressão e

exploração do homem pelo homem. Ao procurar as razões perversas

que estavam na origem dessa realidade, encontrou-as, com

naturalidade e espontaneidade, no Estado e no capitalismo. Daqui

decorre que grande parte da sua vida tenha sido para reconstruir a

COB (Confederação Operária Brasileira) no Brasil, recorrendo para tal

ao modelo de militância anarco-sindicalista que tinha sido

desenvolvido na Espanha no período de 1936 a 1939. Face ao

fracasso das premissas que enformavam o referido modelo, depressa

percebeu que as hipóteses de revitalizar a anarquia passavam por um

diálogo intenso e extenso entre os diferentes anarquismos que,

entretanto, conflitavam entre si e nada mais faziam que se transformar

em seitas ou “guetos” e, por essa via, destruir a própria essência de

emancipação social preconizada pela anarquia.

Um ano antes de morrer tive a oportunidade de fazer uma entrevista que foi publicada na revista Utopia, nº 8. Da história da sua vida e da sua obra extraí uma grande lição: como anarquista sou um aprendiz de Jaime Cubero. (verve 14/2008, p. 263-265)

Juventude - Guilherme Corrêa:

Meu primeiro encontro com o Anarquismo se deu no grupo de

pesquisa do Núcleo de Alfabetização Técnica (NAT) da UFSC em

1988, coordenado por Maria Oly Pey. À época, o grupo estava dividido

em duas partes: a dos grandes, formada pelos estudantes de pós-

graduação, e a dos pequenos, que reunia minha colega Rita e eu,

então estudantes de graduação em Química. Os grandes

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preocupavam-se em encontrar uma fundamentação teórica para seus

trabalhos de mestrado em educação quando a recorrência a Paulo

Freire e à noção de conscientização subjacente a toda sua obra já não

satisfaziam mais seu intento de problematizar uma educação livre.

Como a grande maioria das pessoas, eu também sabia o que era

anarquismo e não me agradava nem um pouco a idéia de uma

educação anarquista, ou seja, na minha cabeça de maioria, de uma

educação sem um mínimo de ordem nem hierarquia - esta última, é

claro, formada só por pessoas bem intencionadas que fariam a boa

orientação dos rumos da educação.

Foi nesse sistema, do qual o jovem estudante universitário que eu era

tinha orgulho de participar, que Jaime Cubero interferiu. O sistema

com a coerência quase inescapável da responsabilidade bem

intencionada, tecido do mal costurado disfarce dos intelectuais de

direita e de esquerda nos seus postos de mando, incansáveis em gerir

vida dos outros.

E como ele fez isso? De várias maneiras, todas elas com uma

particularidade: todas elas maneiras não reativas. Na impossibilidade

de falar de várias delas, todas as que tive a alegria de participar,

destaco a sua abertura do "Seminário de Educação Libertária"

promovido pelo NAT, em 1994. Jaime abriu sua fala evocando a

admiração que temos pela arte do bonsai. A beleza das pequenas

árvores, algumas centenárias, resulta da arte de inibir seu crescimento

atingindo a forma de uma árvore adulta. Felizmente não se tem notícia

da aplicação das técnicas do bonsai em seres humanos. Lembrou que,

todavia, se uma arte da diminuição física não foi empreendida, nossa

sociedade produz em profusão, e delas se mostra orgulhosa, técnicas

eficazes na miniaturização emocional, social, intelectual e criativa

do homem. A partir daí deu seguimento ao seu tema “educação

independente de escola” sublinhando que, da perspectiva libertária,

não há formação que não seja autoformação e que é esse o ponto em

que educação e liberdade coincidem. E o caminho da liberdade,

acrescentou, é o da prática da própria liberdade. Não mais libertar,

mas liberar-se.

São dez anos sem ouvir a sua voz, sem ver seu rosto amável, sem ver os movimentos do seu corpo frágil e leve, sempre um corpo de menino. Mas não são dez anos sem rir com ele. Nos encontros com os que o conheceram, nos divertimos muito com a graça de suas palavras. Suas frases nos chegam sempre vívidas e frescas e somos tomados da alegria marota que sempre trazia consigo e acompanha os que o amam e com ele aprenderam os mais generosos, alegres e contundentes sentidos da anarquia. (verve 14/2008 p. 265-267 – grifos meus)

Jaime Cubero, uma anarquia brasileira no século 20 - Edson Passetti:

Jaime Cubero fez parte de uma era do Centro de Cultura Social de

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São Paulo (CCS) inventada por Edgar Leuenroth, habitada pelo ecletismo intelectual anti-autoritário. Jaime, na companhia de Mario Ferreira dos Santos, ali no CCS, acolheu e formou muitos anônimos contestadores e anarquistas vigorosos como José Carlos Morel e Nildo Avelino, acompanhados pela presença cuidadosa de Antonio Martinez, o vozeirão teatral de Francisco Cubero, e uma familiaridade libertária salutar que hospedava intelectuais, arquivos, publicações, pesquisadores, anarco-punks e um tanto de provadores da irresistível anarquia. Magro, com seus óculos de lentes grossas, trazia à mão uma lupa para facilitar sua leitura. A visão podia falhar, mas não o lidar com as palavras movidas nas cartas, nos livros, jornais, panfletos ou fanzines e endereçadas a si, às suas sutis reflexões e oferecidas aos anarquistas de todo lugar, a qualquer tempo. O Jaime era bom de anarquia, incluindo comer, beber, rir, ironizar, ensinar, ouvir e sei lá qual palavra que eu perdi. Vou lembrá-la adiante, mas sem lamentos. O lamento não era próprio do Jaime Cubero, nem da anarquia. A memória sim, mesmo quando escapava; por isso montar os arquivos e notar estranhamente como parte dos documentos anarquistas foi parar na universidade; por isso lembrar que há outra parte ainda guardada e protegida. O Jaime sabia porque a resguardava; seus parceiros de defesa também o sabem. O Jaime era uma pessoa boa e livre das transcendências. Fazia no imediato e propiciava. O quê? Um tantão! Gostava de misturar trabalho manual com trabalho intelectual. Valorizava a anarquia através dos tempos como Max Nettlau. E se divertia e me entretinha falando de oportunistas, os temporários e os temporões. Essa gente metida a sério. Era um homem de respeito. Fez greve sindical, desprezou os benefícios legais para não virar ostra do Estado e abalou o Jornal O Globo, nos anos 1950. Afirmou a firmeza com leveza e o jornalismo autodidata. Encerrou uma era da anarquia no Brasil. (verve 14/2008 p. 267-268)

Imagem 16 – Jantar durante a realização do Seminário de Educação Libertária – SC

Raquel Stela de Sá Siebert, Maria Oly Pey, Jaime Cubero e Guilherme Carlos Corrêa -1996

Fonte: acervo pessoal de Parmênides Cuberos

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ANEXOS - ROTEIROS

Roteiro da entrevista - Utilizado em 14 de outubro de 2013 com Miquelina Veiga e Nilton Melo

Nome completo:

Ocupação atual:

Formação escolar:

Como conheceu o Jaime Cubero?

Qual lembrança dele é mais forte?

Ele influenciou nos estudos, de que maneira?

Ele influenciou na sua visão política de mundo?

Tem algo do comportamento do Jaime Cubero que marcou você ao ponto de

você repensar, ou mudar suas próprias atitudes?

Como pessoa, como era Jaime Cubero?

Se fosse possível defini-lo em poucas palavras, como você definiria o Jaime?

Pontos da Conversa com Maria Cubero realizada em 17 de agosto de 2014

Eram primos, conheceram-se ainda na infância?

Como foi participar do Grupo Juvenil de Estudos Sociais - na Vila Bertioga?

Como foi o casamento com Jaime Cubero?

Jaime agia de forma diferente como marido e como figura pública?

Como foi sua participação no CCS, no teatro?

Como foi o período da loja de calçados (Calçados Cuberos)?

Como era a convivência entre homens e mulheres na Chácara e no Sítio?

Jaime Cubero recebia muitas pessoas em casa, como era essa situação para

você?

Quais foram os amigos mais próximos ao Jaime Cubero?

Quais as atividades que Jaime Cubero mais gostava de realizar?

Quem foi Jaime Cubero para você?

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