janeiro a março 1987 ano 24» número 93 - Senado Federal

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SENADO FEDERAL^SUBSECRETARIA DE EDIÇÕES TÉCNICAS JANEIRO A MARÇO 1987 ANO 24» NÚMERO 93

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SENADO FEDERAL^SUBSECRETARIA DE EDIES TCNICAS

JANEIRO A MARO 1987 ANO 24 NMERO 93

REVISTA. DE INFORMAO LEGISLATIVA

a. 24 n. 93 - janeiro/maro 1SB7

Publlcalo tr(mes1ra( da

Subsecretaria de Edies tcnicas

do Senado Federal

Fundadores:

Senador AURO MOURA ANDRADE

Presidente do Senado Federal

(1961-1967)

Dr. lSAAC BROWN

SecretrIo-Gerai da Presidncia

do Senado Faderal

(1946-1967)

DlreAo:

LEYLA CASTELLO BRANCO RANGEL

Chefe de Redao:

PEDRO HELV~CIO BOMTEMPO

_._..__ .Chefe de Diagramaio e Reviso:

JOO EVANGELISTA BELM

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Toda correspondncia deve ser dirigida Subsecretaria de EdiOes Tcnicas -senado Federa: - Anexo I - Telefone: 223-4897 - 70160 - Brasflia - DF

ri. In'. legisl. Brasrtia a. 24 n. 93 jan./mar. 1957

Os conceitos emitidos em artIgos de colaboraoso de responsabilidade de seus autores

Preo deste exemplar: Cz$ 40,00

Encomendas Subsecretaria de Edies Tcnicas

SOUCITA-SE PERMUTAPIDESE CANJEON DEMANDE l'CHANGEWE ASK FOR EXCHANGESI RICHIERE lO SCAMBIO

Rilvista de Informao leg,lsrativa.Brasflla, Senado Federal

V. trimestral

Ano 1- n. 1- maro 1964-

Ano 1--3, n. 1-10 publ. pelo SelVio de Informao lEijlislatlva; ano 3-9,n. 11-33, publ. pela Diretoria de Informao legislativa; ano 9- n. 34- publ.pela Subsecretaria de Edies Tcnicas.

Diretores: 1964-

ISSN 0034-835X

leyla Castello Branco Rangel

1. Direito - Peridicos. r. Brasil. Congresso. Senado Federal. Subse-cretaria de EdlQs Tcnicas. li. Rangel, Leyla Castello Branco, dlr.

o 000 340.05ODU 34(05)

SUMARIO

ASSEMBLIA NACIONAL CONSTITUINTEInstalao - Mini8tro Jos Carl08 Moreira Alves 5

COLABORAAO

A Constituio brasileira de 1934 e seus reflexos na atualidade - Pinto Ferreira 15

.E;xcessos da. instabilidade constitucional - Cludio Pacheco 31

BJ.eamerali.smo ou unlcameralismo? - AlfUJr Barbosa 37

Origem, conceito, tipos de Constituio, Poder Constituinte e histrta das, Constituies brasileiras - Carro8 RolJeTto Ra11W8 ................ 65

Liberdades pblicas - Geraldo Atalba 99

O partido polftico na Constituio - Ronalcf.o Polettt .................... 105

o. Ministrio Pblico na Constituio - proposta. de enquadramento - JosDilermando Meireles ............................................ 117

Apontamentos sobre imunidades tr1butrlas luz da jurlsprud!ncJa do STP' -Ruy Carlos de Barros Monteiro ....................................... 139

A concepo cristA da propriedade e sua funo social - A. MachadoPauprio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213

A Justia Agr.ria na ConstitU1nte de 87 - Otvio Mendona 229

Juatl.a Agrria ~ proposta Assemblia Nadonal Constituinte - WellbJgtondos M enes LOpes ~ . . . . . . . . .. 243

A "llatureza especial da Just1l;a do Traba.1ho e SUa ortgem democrtica -Jlio Csar do Prado Leite ........................................... 257

A proteo jurldica. das comunidades indigenas do BrasU - Antnio Sebastf40de Lima 287

O- controle dos contratos admin.Istrativos. Questes constltuclonals - JosErlua'l'do Sabo Paes .................................................. 283

00 regime jurldico dos encargos moratrios no stgtema financeiro aps areforma monetlU1& - Amoldo Wal ................................... 295

Resulamentao do Estudo de Impacto Ambiental - Paulo A,ffonso LemeMachado ..................................................... " . . . . .. 329

PUBLlCAOOES

Obras pulJllcadas Pela Subsecretaria de Edies Tcnicas 339

R. Inf. leglsl. Bralilia a. 24 ... 93 jon./,"or. 1987 3

Assemblia Nacional ConstItuinteINSTALAAO

MINISTRO JOS CARLOS MoREIRA. ALVES

Presidente do Supremo Tribunal Federal

Instala-se, hoje, a Assemblia Nacional Constituinte.

A Emenda Constitucional, que a convocou, estabeleceu,tambm, que este ato solene se realizasse sob a direo doPresidente do Supremo Tribunal Federal, em homenagemao Poder Judicirio. Reservou-me o destino, no imponder-vel de suas imprevises, a ventura de ocupar esse cargo, ede, por isso, presidir a esta sesso histrica. Ser dispens-vel dizer da honra que sinto por faz-lo.

De h muito se encontra no pensamento jurdico opostulado da supremacia de normas fundamentais. Sobformas diversas, ele j existe na Idade Mdia. A distino,na Frana, de leis do rei e de leis do reino remonta, quandomenos, ao sculo XV. A elas, no ltimo quartel da centriaseguinte, se referia DE HARLAY, que assim as caracterizou,dirigindo-se a HENRIQUE UI: "Temos, senhor, duas espciesde leis: umas so as ordenanas de nossos reis, que podemalterar-se conforme a diversidade dos tempos e dos negcios;outras so as ordenanas do reino, que so inviolveis, e

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pela.s: quais vs subistes ao trono, e esta coroa foi conservadapor vossos predecessores," Na Inglaterra, no limiar do sculoXVII, COla, afastandO-se da tradio inglesa de que o Par~lamento soberano, sustenta a supremacia do Common Law- o direito geral - sobre os poderes do rei. Na fundo, aidia. essencial da limitao do poder, a manifestar-se com aafirmao da primazia do direita, ento basicamente odireito consuetudinrio e no o direito legal. No se tratava,ainda, da preponderncia de certas normas sobre outras,pela hierarquizao de todas, mas, sim, do primado dodireito sobre o poder. ao jusnaturalismo dos sculos XVIIe XVIII que se deve a concepo de que exi3tem normassuperiores e inferiores: os princpios do direito natural sesobrepem aos do direito comum. A par disso, nesses scu-los que se trava a luta politica do liberalismo contra oabsolutismo, nascido este da, detnTuio do sistema feudalcom a concentrao do poder na pessoa do rei. Reaviva-sea idia bem antiga de que a fonte verdadeira do poder acomunidade. Exalta-se o indivduo, e se tem como funda-mento do governo o contrato social, a significar que ele seestriba no consenso da nao, e s assim se legitima. Ojusnaturalismo ps-medieval e o liberalismo acortULm emque o direito escrito a conditio sine qua non das liberda-des. O postulado da infalfl:riLidade da lei surge com a Revo-luo francesa. Pouco antes, a Revoluo americana dava,como frutos, a Constituio dos Estados Unidos, de '1787, eo federalismo; naquela, para a viabidade deste, o artigo VIconsagrava a supremacia das normas jurdicas federaissobre as estaduais. Na Frana, a prl:mazia da Constituiovem do abade SIEYES, que, tendo~a como "lei fundamental",adverte que os corpos polticos, cuja existncia e competn-cia a ela se devem, no podem alter-la. Com isso, tem-seo jen6meno da passagem do primado do direito sobre opcxUJr ao do primado da Constituio sobre os poderesconstituidos, o que conduz, afinal, supremacia do direitoescrita. Da resulta o paradoxo de uma das conseqnciasdo Estado liberal. O liberalismo legalista. pela exaltaod lei como reru;o ao absolutismo. Postula ele a reduo dainterferncia do Estado, mas, ao mesmo tempo, por cultuara lei, a supervaloriza, e permite, assim, que, sua revelia,medre a tendncia ao estadismo. O direito transcende ocostume que surge espontneo no seio da sociedade, e passaa ser o conjunto de normas produzidas pelo Estado. Implan-ta-se o positivismo antijusnaturalista, alterando-se a pos-tura do direito natural, que deixa de ser o fundamento dodireito positivo, para transformar-se em elemento de con-

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testao da ordem jurdica, nos pontos em que dela diverge.Ademais, acirra-se a contraposio - que vem de temposlongnquos - entre legitimidade e legalidade.

dos fins do. sculo XVIII a primeira Constituioescrita: a americana. Constituio sinttica, de contedoestritamente poltico e limitado s leis estruturais do Esta-do, cria a federao e o presidencialismo, mas no alude aosdireitos individuais. A Declarao dos Direitos do Homeme do Cidado somente em agosto de 1789 foi aprovada pelaAssemblia Nacional francesa. o primeiro texto positivoem que propriamente se enumeram os direitos do indivduo.As dez emendas iniciais Constituio americana, que com-pem seu Bill of Rights, lhe so posteriores: propostas emsetembro de 1789, sua ratificao se completou em dezem-bro de 1791.

As Virilu Constituies que se elaboraram dessa pocaat o fim da primeira guerra mundial tm contedo emi-nentemente poltico, e SM, em verdo.de, instrumentos doliberalismo, cujo esprito est bem caracterizado no clebreartigo 16 da Declarao dos Direitos do Homem e do Cida-do: "Toda sociedade em que no se assegura a garantiados direitos, nem se determina a separao dos Poderes, notem Constituio!' Ao longo desse perodo, no prospera ainovao da Constituio francesa dos Jacobinos, de junhode 1793, no sentido de se inserirem, no texto constitucional,direitos sociais, como o direito ao trabalho ou o direito deducao.

J no intervalo que medeia entre as duas gra.ndesguerras mundiais, surgem diversas Constituies, das quaisa maioria denwcrtica, e tende racionalizao do poder.Em muitas - como sucede, pela primeira vez, com a Consti-tuio de Weimar, de 1919 -, ao lado dos diretos indivi-duais se incluem os direitos sociais. Destas, no poucas soacentuadamente tericas, redigidas principalmente porilustres constitueionalista8, e, par isso, denominadas "Cons-titui8 de Professores". Apesar de sua apurada tcnica,nmero aprectvel delas no resiste s difceis carulieseuropias do aps-guerra.

A partir do trmino da segunda conflagrao mundial,as no'VD.$ Constituies d08 pases do Ocidente permanecemfiis ao modelo tradicional, dando, porm, nfase s ques-tes sociais; e, na Europa centro-oriental, os diferentesEstados socialistas elaboram Constit'/.ties de democrac'a

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marxista ou sodaUsta, com acentuada funo ideolgica,e sem admitirem - com exceo da iugoslava - o controleda constitucionalidade das leis ordinrias.

Universalizou-se, assim, a Constituio escrita, adotadaque , nos dias que correm, pela quase totalidade dosEstados.

Embora variem as ideologias em que se apiam asdiversas Constituies, e visem estas, precipuamente, estrutura e limitao do poder, ou expresso e consolida-o das instituies essencais ao regime scio-econmico epoltico, o s fenmeno da universalizao da Constituioescrita d a medida de sua importncia no mundo contem-porneo.

certo que esse fenmeno ocorre no momento em queas Constituies perderam sua fora mtica perante ohomem comum, para o qual foram, outrora, um ideal. Masas causas preponderantes desse desprestgio, que tambm seuniversalizou nos tempos presentes, resuUam menos defalhas na elaborao delas do que de contingncias em suaaplicao, agravadas pelos problemas da civilizao moder-na. Cvm efeito, por um lado, sofre a Constituio desgastecom a falta de rigorosa observncia de seus textos pelosdetentores do poder, que, muitas vezes, no tergiversam empraticar atos inconstitucionais, confiados em que seusobjetivos polticos ou econmicos sero atingidos graas inrcia da maioria dos prejudicados, ou ao empeTTamentonsito mecnica dos sistemas de controle de constituciona-lidade. De outra parte, houve a diminuio de seu. signifi-cado para o homem do povo, que se desinteressou at deconhec-la, o que, de certa forma, inspirou o Constituintede Weimar a preceituar f}1Je, no trmino do periodo deescolaridade, cada aluno deveria receber um exemplar daConstituio alem de 1919. So candentes de verdade estaspalavras de LoEWENSTEIN;

"A massa do povo suficientemente lcidapara reclamar um mnimo de justia social e desegurana econmica. Porm, nem a mais perfeitaConstituio est em situao de satisfazer essasaspiraes, por mais pretensioso que possa ser ocatlogo dos direitos fundamentais econmicos esociais. A Constituio no pode solver o abismoentre a pobreza e a riqueza; no pode trazer comi-da, nem casa, nem roupa, nem educao, nem

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descanso, ou seja, as necessidades essenciais davida!'

Tais observaes, retiradas da realidade da dinmicaconstitucional, servem para afastar a idia ingnua - quea esperana reacende todas as vezes que se redige novaConstituio - de que a Lei Fundamental, se conveniente-mente elaborada, ser o remdio de todos os males, a solu-o de todos os problemas. No invalidam, porm, a impor-tncia real da Constituio escrita para o Estado moderno.

A Constituio um instrumento. Um instrumentopelo qual o Estado liberal disciplina os princpios cardiais doliberalismo: o da liberdade poltica e o da separao dosPoderes. Um instrumento pelo qual o Estado social, de ndo-le democrtica, regula o direito ao trabalho, previdncia, educao, bem como estabelece os moldes de sua interven-o no domnio econ6mico, sem, no entanto, coocarrer comos indivduos. Um instrumento, enfim, pelo qual o Estadosocialista reduz drasticamente, ou elimina, a iniciativaprivada no concernente aos meios de produo, e disciplinaas instituies scio-econmicas e polticas desse regime ea poSio os cidados na sociedade assim estruturada.

Se a defeituosa aplicao desse instrumento tem acar-retado o seu desprestgio junto ao homem comum, nem porisso deixa ele de ser necessrio ao complexo Estado dostempos modernos, e at imprescindvel aos de modelo fe-derativo, que pressupe a rigorosa diviso de competnciaentre os nveis de governo que os integram.

Se nesse instrumento no se encontram os meios maisapropriados para que se enfrentem os problemas polticos,sociais e econmicos do Pas, sobrevm as crises, e, no raro,a ruptura da normalidade constitucional.

So conhecidos os percalos decorrentes das falhas denossas Constituies republicanas.

A primeira delas - a de 1891 - deu causa, desde onascedouro, a sucesso de graves crises que levaram Refar-ma Constitucional de 1926, e que, pouco depois, culminaramcom a Revoluo de 1930. Em 1891, tivemos uma Constitui-o que tomou a americana por modelo, sem, no entanto,lhe ser cpia fiel. De inspirao fundamentalmente lberal,no se lhe pode imputar o defeito de haver ignorado os pro-blemas sociais e econ6micos, porquanto, nisso, seguiu a linha

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da generalidade das Constituies de seu tempo, que noos entendam essenciais estrutura jurdica e poltica doEstado. Mas falhOU em pontos fundamentais, especialmentepor omisso: ausncia do rol dos princpios constitucionaisfederais sensveis, ausncia de disciplina rigida para a inter-veno federal nos Estados, ausncia de veto parcial, ausn-ca de preceitos para a formao de Partidos PoLticos. Eimportou um federalismo - o de moldes rigidamente cls-sicos - irreal para o Brasil. Esses defeitos facilitaram osabusos e os desvios em sua aplicao. UtiliZ01L-se, abusiva-mente, da interveno federal; institucionalizou-se a fraudeeleitoral com o predomnio incontrastvel da correntepoltica dominante; implantou-se a poltica dos governado-res; criou-se a prtica nefasta da "cauda oramentria";desvirtUou-se o estado de sitio. Em 1926, veio sua. reforma,que se tornara aspirao dos mais altos espritos do Pas.Pouco antes, ao prefaciar o livro A Margem da H:l.stria doBrasil - coletnea de estudos sobre a realidade brasileira-, LICNIO CARDOSO, referindo-se a seus autores, assinalavaesta verdade de todos os tempos:

"Compreendem, de outro lado, a gravidade denosso momento h.i.strico presente e procuram rea~giro Mas reagir pelo progresso dentro da ordem,por isso que todos eles sabem que em sociologia ocaminho mais seguro para andar mais ligeiro aquele que evita os desatinos das correrias revolu~cionrias perigosas e intempestivas."

A reforma de 1926 enfrentou alguns dos pontos crticosda Constituio de 1891, mas pecou, basicamente, pelahipertrofia do Executivo, a ponto d.e se ter dito que, cem ela,se preparava o caminho para a ditadu.ra.

A Constituio de 1934, inspirando-se principalmentena de Weimar, passou do Estado liberaZ para o Estadosocial. Introduziu em seu bojo o ttulo "Da Ordem Econ-mica e Social" e o relativo familia, educao e cultura.s garantias individuais acrescentou o instituto do man-dado de segurana. No concernente organizao poltica,alterou a feio do nosso federaUsmo, ampliando os poderesda Unio e estruturando a autonomia dos Municpios; res-tringiu as atribuies do Senado; criou, junto aos Minist-rios, Conselhos Tcnicos como rgos consultivos do PoderLegislativo; e fez a combinao da representao partidriacom a representao de categorias profissionais. Sua vign-

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cia exgua - pouco mais de trs anos - impossibilita quese ftu;a a avaliao, na realidade prtica, de suas virtudese de seus defeitos. O certo que a estrutura por ela estabele-cida no conseguiu firmar-se no conturbado quadro polfticoda poca, agitado) ainda, por ideologias importadas doexterior . No estava ela adequada realidade do momentohistrico em que fora elaborada.

A ambig1.dade do detentor do poder no Estado Novo serefletiu no destino da Carta de 1937. Em seu conjunto, nlJchegou ela a aplicar-se. O referendum plebiffcitrio, quedeveria realizar-se no prazo de seis anos, no o foi, E, a noser pelo poder absoluto que outorgou ao Chefe do Executivo,seus princpios no tiveram ressonncia na vida nacional.

A Constituio de 1946 resultou da queda do EstadoNovo, e se integrou no amplo movimento de reconstruoconstitucional de pases que havam reconquistado sualiberdade perdida pelo domnio de tropas estrangeiras ou deregimes ditatoriais. Em sua elaborao, tomou-se por basea de 1934, seguindo-se a orientao social que esta haviaadotado. A par de inegveis 1Jiriudes, especialmente noterreno da distribuio de compeUncias, da ordem ecrmfJ..mica, da educao e dos direitos sociais, apresentou falhasque desarmaram o poder pblico de eficazes meios de atua-o. Enfraqueceu substancialmente o Poder ExeeutiV

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da Unio Federal, pela ampliao de sua competncia, pelasua posio no sistema tributrio nacional, e pelas restri-es auto-organizao dos Estados-Membros. De outraparte, deu-se mais fora ao EXecutivo em detrimento doLegislativo, especialmente no terreno do processo de elabo-rao das normas jurdicas, com a admisso do decreto-lei,com a previso de recebimento de delegao legislativa, coma aprovao de seus projetos por decurso de tempo, com aimpossibilidade de rejeio de projeto de lei oramentria, ecom o quase monopUo da iniciativa de leis acarretadDrasde despesa. Persistiu, nela, a estrutura do Estado social, demolde mais intenso do que o delineado na Constituio de1934. A Emenda Constitucional nQ 1, de 1969, no alterousubstancialmente a orientao adotada pela Constituiode 1967, mas, sob certos aspectos, a exacerbou. Ambas, emsntese, pecam basicamente pelo excesso de fortalecimentoda Unio e do Poder Executivo.

Ao instalar-se esta Assemblia Nacional Constituinte,chega-se ao termo final do perodo de transio com que,sem ruptura constitucional, e por via de conciliao, seencerra ciclo revolucionrio.

Como si acontecer em momentos como este, reacen-dem-se as esperanas, e, de certa forma, renascem devaneiosutpicos.

De h muito, porm, feneceram os ideais de Constitui-o perfeita e perptua.

Como adverte DuGUIT, "a eterna quimera dos homens procurar inserir nas Constituies a perfeio que eles notm". Pode dizer-se, generalizando a lcida observao deRUI BAJlBOSA nos primrdios da repblica, que o indis-pensvel "uma Constituio sensata, slida, praticvel,poltica nos seus prprios defeitos, evolutiva nas suas insu-ficincias naturais, humana nas suas contradies inevi~tveis".

No h mais lugar para que se pretenda a imutabili~dade absoluta da Constituio, que mera deduo lgicada teoria do contrato social. A incoercvel mutabilidade dascondies sociais, polticas, econ6micas e culturais dos povosno se compadece com o imobilismo indefinido do textoconstitucional. A a$pirao que persiste a da Constituioestvel, no sendo poucos Os que sustentam que o valor dela

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se afere de sua capacidade de permitir mais facilmente quese efetuem mudanas na estrutura socal sem modificaono mecanismo do processo poltico. Esse, alis, o segredoda longevidade da Constituio americana, prestes a com-pletar duzentos anos, graas desenvoltura das construesjurisprudenciais que a conciso de seu texto permite. Masmerecem meditadas as palavras de BISCARETTI DI HUFFrAsobre a extenso do contedo das Constituies:

"Na realidade, a melhor soluo parece estarno meio, uma vez que, se, por um lado, o excessivolaconismo de uma Constituio pode permitir aolegislador ordinrio mudar-lhe sensivelmente, naprtica, o contedo por intermdio de suas normasde aplicao, por outro, a prolixidade excessivadiminui seu prestgio, porque requer demasiadas efreqentes revises."

Tenho que o fundamental numa Constituio encon-trar o ponto de equilbrio que melhor atenda, nas comple-xas relaes entre o Estado, a sociedade e o indivduo, sdiferentes realidades nacionais.

No mundo ocidental moderno, em que estam.03 inseri-dos, no h mais margem para o Estado liberal clssico dosculo XIX. Teve ele o indiscutvel mrito da conquista doEstado constitucional. Seu alvo foi a obteno da liberdadepoltica; seus instrumentos, a separao dos poderes fei-o de MONTESQUlEU e o elenco dos direitos e garantiasindividuais. Atendeu aos anseios da burguesia contra anobreza, mas deixou de lado as angstias das carncias dosmais pobres. A liberdade poltica, por no tevar em consi-derao a desigual capacidade dos homens, pode reduzir-se- como j se disse com amargo realismo - liberdade demorrer de fome. Mas foi ela que substituiu o sufrgio censi~trio pelo sUfrgio univer3al, dando fora massa, por suaparticipao poltica. Ainda nos pases em que no soacentuadas as injustias sociais por se haverem desenvolvi~do no momento propcio, h a tendncia da generalizaode Constituies que se vottam para esse problema, enca-rando a emancipao econmica como um dos componentesda liberdade. No raro, porm, se chocam os interesses dasociedade com os do indivduo, sendo mister que se encontreo justo ponto de equilbrio entre os direitos sociais e osdireitos individuais, para que se impea que uns destruamos outros, sem se descurar, porm, da realidade scio-econ(J..

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mica existente, para a aferio da dosagem das preponde-rncias.

De outra parte, foi a teoria clssica da separao dospoderes a tcnica de que se valeu o Liberalismo para yro-teger a liberdade do indivduo em face do Estado. Emboramuito lhe devam as democracias ocidentais, 1 no exerceela o mesmo fascnio dos primeiros momentos. Para alcan-ar-se a justia social indispensvel a interveno doEstado, que, no Ocidente, atua como elemento de concilia-o entre () capital e o trabalho, e procura diminuir as desi-gualdades scio-econmicas. o Estado social, que no secompatibiliza com a rgida separa.o dos poderes, que oenfraquece, mas demanda - e at a complexidade da civi-lizao moderna o exige - a atenuao dela, especialmenteno que diz respeito s relaes entre os Poderes Legislativo eExecutivo. Tambm aqUi o necessrio alcanar a melhorforma de equilbrio nessas relaes.

Enfim, no constitucionalismo moderno, tornou-se cedi-a a afirmao de que no h um tipo nico de federalismo- o clssico -, mas diversos, que variam na medida damenor ou da maior preponderlncia da Unio. Nos Estadosfederais, em virtude principalmente de exigincias tecnol-gicas e financeiras, tem-se generalizado a tendncia aogradativo fortalecimento do poder central. No Brasil, oproblema se agrava pela disparidade do desenvolvimentodos Estados-Membros a par da necessidade de mais homo-gneo crescimento global do Pas. Indispensvel se faz, pois,a busca do ponto de equilbrio, necessrio nossa realidade,entre a Unio, os Estados e os Municpios, componentes queso do federalismo brasileiro.

Senhores Constituintes:

Na feitura de uma Constituio, as questes so mlti-plas, e as dificuldades vrias. Resolv-las com prudncia esabedoria o grande desafio que se apresenta a esta comoa todas as Assemblias Constituintes.

Os olhos conscientes da Nao esto cravados em vs.

A misso que 'VOs aguarda tanto mais difcil quanto certo que, nela, as virtudes pouco exaltam, porque espera-das, mas os erros, se fatais, estigmatizam.

Que Dem vos inspire.

R. 'nf. legisl. Braslia a. 24 n. 93 jan./mar. 1927

COLABORAO

A Constituio brasileira de 1934e seus reflexos na atualidade

Professor de Direito Constitucional eex-Diretor da FacUldade de Direito doRecHe da UniversIdade FederaJ dePernambuco. Diretor da Faculdade deDireito de Caru.a.ru. Ex-BenadOl'. Mem-bro Q3 Academia Bra&i1e1ra de LetrasJurdicas. Membro da Comissfio Pro-

visria de Estudos ConsUtucionais

I

o Brasil deve assumir o comando do seu destino, ser o sujeito desua pr6pria histria, exercer na plenitude o direito de autodeterminao.A histria a conscincia progressiva da liberdade, na expressiva frasede HEGEL, em suas Lies de Filosofia da Histria. Mas tal liberdade deveser poltica e tambm econmico-social. Para tanto necessita de umaconstituio, que reflita a sua realidade total, abrangendo as aspiraesdo futuro.

A constituio o equilbrio das foras que se chocam, o princpioque estabelece a harmonia no conflito dos interesses humanos, a snteseque permite sociedade resolver as contradies que a sobressaltam ea diviem. ~ este o pensamento dominante na Constituio de 1934,atravs de um dos seus idealizadores, JOo MANGABEmA.

Brotando da vida real, a constituio deriva dos fatores reais dopoder, do hmus das lutas de classe, da economia e da cultura, porma constituio tem um significado profundo. Ela mais do que o simplesreconhecimento e discipllna dos fatos sociais: "ela tambm a previsoou o desejo de que estes evoluam neste ou naquele sentido e contm poristo mesmo, em semente, a viso do que pode ser o desenvolvimentofuturo da sociedade".

Podem os homens assumir o comando de sua histria? O jovem MAllX,nos escritos juvenis, na 11~ tese sobre FEUERBACH, assinalou: "'Os filsofosno tm feito at aqui seno intezpretar o mundo de diferentes maneiras:trata-se de transform-I'. l o reconhecimento da fora dialtica das

Conferncia. pronunciada na Faculdade de Direito da Unjversldade de BAoPaulo, em 4 de setelnbro de 1986.

R. Int. legisl. lrosilia a. 24 n. 93 jan./ma,. 1987 IS

1df'ologias, da filosofia como uma WELTA:-iSCIIUUJI;C, como uma concepodo mundo.

l!: o pensamento bem cristalizado por HEGEL no seu discurso inau-gural como Reitor da Universidade de Berlim, em 1830: dA crena nopoder do esprito e a coragem de dizer a verdade so a verdadeiraessncia da filosofia".

II

A Constituio Fooeral de 1934 e a Assemblia Constituinte que aprojetou resultaram na verdade de duas revolues, a Revoluo liberalde 1930 e a Revoluo paulista de 1932. A Revoluo de 1930 apresentouum ideria liberal, embora a projeo dos acontecimentos posterioreselaborasse um modelo democrtico e social, mas Vargas tinha a embria-gus do poder, gerando a desconfiana de uma dilatao indeterminadados poderes discricionrios do Governo Provisrio.

Por sua vez, o glorioso herosmo paulista de 1932 foi na verdadeimbudo de ideais generosos, os ideais constitucionalistas, quando o povopaulista ergueu-se armado, especialmente a sua mocidade, oferecendogenerosamente o seu sangue em holocausto ao idealismo. Embora tambmdespontasse o desejo do grande Estado de reconquista da sua posiono poder poBtico federal, determinando a gloriosa revoluo de 9 para10 de julho. Esta foi plena de demonstraes de sinceridade cvica esacrifcios gnerosos.

Verdade seja que o Coverno Provisrio j havia determinado o dia3 de maio de 1933 para a realizao das eleiei> para a AssembliaConstituinte, bem wmo criou uma comisso, posterionnente disciplinada,para elaborar o projeto da nOva Constituio composta de 14 membros,presidida pelo Ministro da Justia, Antunes Maciel. Este logo lhe passoua direo a Afrnio de Melo Franco, ento Ministro das Relaes Exte-riores. .

Os trabalhos tiveram incio pela primeira vez no dia 11 de novembrode 1932, na residncia de Melo Franco em Copacabana, depois no Palciodo Itamarati, razo pela qual ficou conhecida cOm o nome de Comissodo Itamarati. Ela se reuniu 51 vezes, encerrando as suas atividades em5 de maio de 1932, exatamente em menos de cinco meses.

O anteprojeto elaborado, com 136 artigos e mais 8 incisos das Dispo-sies Transit6rias, sofreu principalmente a influncia de trs constituiesda poca: a da Alemanha, de 11 de agosto de 1919, a da ustria, deI? de outubro de 1920, e a Constituio Republicana da Espanha, de1931.

O referido anteprojeto teve, na verdade, um carter revolucionrio,poii> na segunda sesso, logo Joo MANGABEIRA salientou que:

"Todas as Constituies modernas tm como orientaoacabar com as desigualdades sociais. Se a Constituio brasileira

16 R. Int. leglll. Brollia a. 24 n. 93 jan.lmor. 1981

no marchar na mesma direo, deixar de ser revolucionriapara ser reacionria."

O eminente pensador poltico defendeu o projeto em uma sene deartigos publicados no Dirio Carioca, seguidamente no livro intituladoEm Tomo da Constituio (1934), um dos magistrais livros da literaturapoltica brasileira.

]; de relembrar que o anteprojeto da Comisso do Itamarati, aprovadopor pensadores polticos e jurisconsultos eminentes, foi o nico a admitiro socialismo, dizendo o seguinte, no art. 120:

"11; permitida a socializao de empresas econmicas, levadaa efeito sobre o conjunto de uma indstria ou de um ramo decomrcio e resolvida por lei federal."

Para esse fim podero ser transferidas para o domnio pblico, medi-ante prvia e justa indenizao em dinheiro (arts. 120, c/c 114).

Este dispositivo reflexo da Constituio alem de 1919, que previaa "'socializao das riquezas naturais e de empresas econmicas" (art. 7Q,~ 39 ), repetido nos arts. 15 e 74, 15 da Constituio alem de 1949, oque revela a atualidade revolucionria do anteprojeto elaborado pelaComisso do Itamarati.

UI

A nova Constituio federal foi promulgada em 16 de julho de 1934,com grande entusiasmo e vibrao, muitas esperanas em breve frustra-das. GoETHE caracterizou a histria da civilizao em seqncia de pocas:pocas de crena e de descrena. S so construtivos os perodos de fe crena.

O fruto da Assemblia Constituinte, a Carta de 1934, abandonoumuitas idias do anteprojeto que lhe foi submetido a apreciao. "Esteera, na verdade, revolucionrio", como disse RONALDO POLE1TI. Abandonousobretudo o princpio socialista.

A Constituio de 1934 reflete principalmente as tendncias da LeiMagna norte-americana de 1787, das Constituies da Alemanha Social-Weimariana de 1919 e da ustria. de 1920 e do caudilhismo latino-ame-ricano, este conducente presidncia imperial brasileira.

So seus princpios bsicos: a democracia, o liberalismo social, ofederalismo, o presidendalismo, a separao de poderes e o nacionalismo.

Ela foi qualificada por PON'IES DE MIRANDA como "a mais completa,no momento, das constituies americanas"'.

Na prtica, durou apenas um ano e meio, pois logo sofreu trs emen-das, pelo Decreto Legislativo n9 6, de 18 de dezembro de 1937, permi-tindo declarar o estado de comoo intestina grave, equiparado ao estadode guerra, a perda da patente dos militares e a demisso dos funcionrios

R. Inf. regifr'ofilia Q. 24 n. 93 jon./mor. 1987 17

civis, participantes de movimentos subversivos das instituies. Foi, afinal,perjurada e rasgada pelo complot palaciano de 1937.

Na verdade, a Constituio de 1934 foi de brevssima durao e umailuso cD1l8titucional.

As palavras iluso constitucional foram usadas pela. primeira vez porMARX na Nova Gazeta Renana (Neue Rheiniche Zeitung), de 14 desetembro de 1848 e foram incorporadas ao arsenal filosfico do marxismo;

"D-se o nome de iluso constitucionalista ao erro poltico,que consiste em ter como existente uma ordem normal, jurdica,regulamentada, legal, numa palavra, constitucional, mesmo quan-do essa ordem na verdade no existe."

As ondas ideolgicas turbilhonantes do fascismo e do bolchevismointimidaram a repblica nascente e adolescente, e a Nao acolheu comresignao e passividade o complot palaciano de 1937. Entoou-se o Deprofundis do liberalismo social, numa filosofia poltica influenciada poruma Alemanha mais wagneriana do que goethiana.

Getulio Vargas, com a sua ttica ditatria, tinha porm em sua per.sonalidade carismtica uma amabilidade felina, pronto a mostrar asgarras ao primeiro confronto e contestao, perjurando e rasgando a cartademocrtica, embora na gerao seguinte se redimisse effi o seu nacio-nalismo e seu suicdio herico.

O pas viveu s um ano e meio de crena no regime constitucionaL

IVO primeiro princpio da Constituio Federal de 1934 o princpio

democrtico, de uma repblica presidencial.

A democracia uma categoria histrica, que se distingue por pres-supostos simples e especficos: o princpio da maioria, o princpio daigualdade, o princpio da liberdade, o respeito s minorias, a indepen-dncia e intangibilidade do Poder Judicirio. .

ARISTTELES, na sua Poltiro, j afirmava que a democracia o g0-verno em que domina o povo, ou seja, a maioria, mas tambm assinalavaque a alma da democracia consiste na liberdade, sendo todos iguais.Para ele o conceito da liberdade inclui o de igualdade. A igualdade,assegura o pensador grego, o primeiro atributo fundamental e fina-lidade da democracia, insistindo que, quanto mais pronunciada a demo.cracia, mais se avana na igualdade.

Por isto, "a democracia pressupe luta incessante pela justia social",como lembra CLAUUE JULIEN, na obra O Suicdio das Denwcracias:

A democracia "no pressupe a perfeio, que todos sejam instrudos,cultos, educados, perfeitos, mas h de buscar distribuir a todos instruo,cultura, educao, aperfeioamento, nvel de vida digno".

A essncia da democracia moderna est em que o poder reside nopovo, que elege em eleies livres o governo, mas de se observar quea relao povo/governo estabelece vrias opes histricas.

Fuooamentando-se no pensamento da vinculao povo/governo,BURDEAU, no seu Tratado de Cincia Poltica, elaborou a sua teoria dastrs formas de democracia: democracia governado, ou liberal, democraciagovernante ou social e demoo.racia governante do tipo marxista.

A verdadeira democracia busca a libertao do homem das diversasformas de opresso poltica e econmica.

O verdadeiro democrata deve levar sempre em conta que a razopode estar com o adversrio, 6 assim deve ser tolerante com a opiniodos demais, no debate livre de todos os partidos e de todas as opinies.

A democracia mais do que um regime poltico, uma filosofia devida, fundamentada no direito, na liberdade, na tolerncia.

JOo MANGABEIRA salienta como o verdadeiro teste das democraciaso respeito ao direito das minorias, como ainda se afirmou em nossolivro Princpios Gerais do Direito Constitucional Moderno:

"Democracia sem direito, democracia sem liberdade, demo-cracia no . Qualifiquem-na como quiserem. Ser sempre dita-dura: de um homem, de um grupo, de uma raa, de uma classe;mas sempre o domnio do arbtrio, do vencedor, apoiado nafora, sobre o vencido desamparado. A liberdade e o direito sexistem nos pases livres, que abroquelam e ga.rantem a todos,sem exceo de ningum, seja a minoria, ou seja o indivduoisolado. O mais alto momento do direito e da justia na demo-cracia quando um governo digno de um povo livre, ou umjuiz, digno do seu sacerdcio, cobre com a tutela da liberdadeum inimigo odiento, na propaganda de uma idia odiada.

Quando um democrata se levanta contra uma opinio, sejaqual for, e pede, s por isto, o castigo do opinante, que outracoisa no fez seno usar do seu direito de opinar de acordocom o que em sua conscincia julga certo, este democrata faz,sem querer, o servio da reao, que um dia o h de amordaar.Porque uma opinio, por si s, e por mais absurda que seja,pode varar todos os limites do erro, mas no atingir jamaisnenhum dos limites do crime."

A democracia o imprio de opinio pblica, livremente expressapelo voto e pelas eleies dos representantes do povo. .

R. Inf. 1..111. I,.,ma a. 24 n. 93 jan./_r. 1987 19

vo segundo princpio da Constituio de 1934 o princpio do federa-

lismo.

Esta-beleccu-se um federalismo de equiibrio, e no o feeralismohegemnico, pois o Senado Federal compunha-se de dois representantesde cada estado, mais os do Distrito Federal, e no a ht-'gcmonia de alWJmestado-membro, como na URSS, Alemanha weimariana, ustria, Canade outros pases.

No federalismo de equilbrio, os Estados-membros tm a mesmarepresentao senatorial; porm, no federalismo hegemnica, um Estado-membro tem hegemonia na cmara alta, como a Prssia na Alemanhasocial-weimariana, a Rssia no federalismo sovitico.

A enio ficou singularmente fortalecida pela institui'Jo de um Conse-lho Superior de Segurana Nacional (arts. 159 55.), presidido peloPresidente da Repblica, devendo ser anotado o art. 167:

"As polcias militares so consieradas reservas do Exrcitoe gozaro das mesmas vantagens a este atribudas, quando mobi-lizadas ou a servio da Unio."

Tal integrao de polcias militares fortalecia a Unio que intervinhaostensiva ou maliciosamente noS ~staos de mio porte na F cerao(Pernambuco, Cear), mas respeitava as poderosas foras pblicas deSo Paulo, Minas Gerais, onde nunca veio a intervir na Primeira Repblica.

Estabeleceu-se ademais a supremacia financeira da Unio, pela cobran-a dos impostos mais importantes, os de renda e de consumo (art. 61{),num sistema de compensao de finanas (Finanzaugleischt) visivelmentefavorvel Unio.

Ainda hoje permanece essa hegemonia financeira da Unio, que arre-cada crescentes e avultados tributos. Entre 1957 e 1983, na arreca.da.oda receita tributria prpria, a Unio ampliou a sua receita de 48,5~para 572:, Si em detrimento dos Estados-membros que passaram de 42~para 3i~, e dos Municpios que decrescerarn sua quota de 6,5~ para 5,7~(ano de 1983).

VI

o terceiro princpio dominante na Constituio Federal de 1934 o da separao de Poderes, proveniente da f6nnula de ~fOr.'TESQUlEU noEsprito das Leis: " preciso que o poder detenha o poder" (il fault quele pouvoir arrte 11' pouvoir), o equilibrio dos poderes. Alm da funocoordenadora do Senado, coneede prestgio inegvel ao Poder Judicirio.RUI: BARBOSA havia dito anteriormente que a intangibilidadc do PoderJudicirio elemento bsico da democracia.

O anteprojeto da Comisso do Itamarati apresenta a proposta daunidade da Magistratura, defendida na comisso por JOo ~ANGABEmA e

20

TEMSTocLEs CAVALCANTI, tese da unidade que cairia na Assemblia Cons-tituinte.

A proposta da Comisso do Itamarati terminou com o sistema dualistada Constituio de 1891, determinando que "o Poder Judicirio serexercido por tribunais e juzes distribudos pelo Pas; e o seu rgo supre-mo ter por misso principal manter, pela jurisprudncia, a unidade dodireito, e interpretar conclusivamente a Constituio em todo o territ6riobrasileiro" (art. 47). O anteprojeto proclamava como 6rgos do PoderJudicirio, alm do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Reclamaes,ambos com sede na capital da Unio, e os tribunais de relao, nas capi-tais dos estados e nas dos territrios, e DO Distrito Federal; os juzesde direito, nas sedes de comarca e no Distrito Federal; os juzes de termo,nas respectivas comarcas; os juzes e tribunais que a lei determinar(art. 48).

A Justia seria regulada por uma lei orgnica, votada pela AssembliaNacional (art. 49), os estados disciplinando a sua organizao judiciria,com a competncia de nomear os juzes que neles exercessem jurisdio,mas obedecendo s normas constitucionais. Foi tambm criada cornoinovao a Justia Eleitoral.

A tese da unidade da Magistratura j havia sido defendida por RVIBARBOSA no programa do Partido Liberal e na Campanha Civilista, sendotambm esposada por CLVIS BEVILACQUA e JOo MANGAl!EIRA.

JOo MANGABEIB.A se manifestou pela unidade da Magistratura,combatida, porm, pelos tribunais estaduais dos estados fortes e poderososda Federao, como So Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, bemcomo pelo eminente processualista lOo MENDES, no seu Direito Judi-cirio Bra.seiro, que defendia a unidade de jurisdio, mas na dualidadeda Justia, bem como AJmm RmEmo.

JOo MANGABEIRA baseava~se na lgica de que a unidade da Magis-tratura decorre essencialmente da unidade do direito, e, assim, apenas adualidade do direito material, como nos EUA, justificaria a existnciade uma Magistratura em cada estado-membro.

Tal unidade da Magistratura no feria e nem violava os princpiosdo federalismo, como demonstra a Constituio da ustria, elaboradapor HANS I:LsEN:

"Toda jurisdio emana da Federao". dA legislao federalfixar a organizao e a competncia dos tribunais,"

RUI BARBOSA havia dito:

"No Brasil, onde o direito substantivo um s6, fora eraser um s6 sistema de processo, e ter o organismo judicirio umcarter uno."

O anteprojeto, embora tivesse suavizado e mitigado a tese, transigindo e conciliando o interesse nacional com a convenincia partidria

R. Inf. legql. Braslia a. 24 n. 93 jan.h_r. 1987 21

de alguns estados, no foi absorvido neste tocante pela Constituio de1004, que mantm a dualidade da Magistratura (arts. 104 e 105).

Muitas teses do anteproieto da Comisso do ltamarati continuamsugestivas e atuais, com a do Tribunal das Reclamaes, buscando dimi~nuir o traballio do Supremo Tribunal Federal. l! um tema de esplndidaatualidade.

O rgo supremo do Poder Judicirio, a cpula do sistema foi crista-lizada na Corte Suprema, Dava designao dada ao Supremo TribunalFederal, com onze ministros, com a misso bsica de controle da consti-tucionalidade das leis, por maioria absoluta dos votos da totalidade dosseus membros (art. 179), cabendo ao Senado Federal suspender a execuo, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberao ouregulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo PoderJudicirio (art. 91, IV).

Ao lado do Senado, como rgos de cooperao nas atividades gover.namentais, em captulo parte (Captulo VI), figuravam o MinistrioPblico, o Tribunal de Contas e os conselhos tcnicos (arts. 95-105).

VII

Como consequencia automtica dos princpios da democrada e daseparao de Poderes, surgiu na Constituio Federal de 1934 a democrada pre8idBncial.

Adotou-se a frmula da eleio direta do Presidente da Repblica,imitada da Constituio da Frana, de 4 de novembro de 1848, onde oPoder Executivo era confiado a um Presidente da Repblica, eleito pelosufrgio universal direto por quatro anos, e no reelegvel imediatamente.Essa f6rrnula no corresponde exatamente ao texto da Constituio federalnorte-americana de 1787, nem s tradies francesas da grande Revoluode 1789. Foi adotada na Constituio Federal brasileira de 1891.

Na Constituio Federal de 1934, o Poder Executivo era exercdopelo presidente da Repblica (art. 51), eleito pelo sufrgio universal,direto e secreto, por um quadrinio, vedada a eleio no mandato imedia.tamente subseqente, desaparecendo a figura do vice-presidente.

Essa eleio direta, maneira dosisterna iluminista e plebiscitrioda Constituio de Weimar de 1919, fortaleceu o presidente como umlder carismtico, s~ndo a filosofia max-weberiana. MAX WEBER, em suaEconomia e Sociedtide, utilizou-se da palavra carisnul para significar pres-tgio, influncia, liderana.

Esta liderana carismtica fortaleceu a presidncia de estilo imperial,que levou PONTES DE MIlIANDA a dizer: os presidentes da Repblica noBrasil so monarcas a curta prestao.

O regime de poderes da Repblica no acompanhou contudo astendncias do sistema weirnariano, que combinou presidencialismo, parIa-

22 R. Inf. legisl. Bra.lia a. 24 It. 93 jalt.!lIIar. 1987

mentarismo e tcnicas plebiscitrias, com o referendum para resolverconflitos entre o Presidente e o Parlamento. Foi por isto chamado deRepblica presidencial-parlamentar por WVERMLING. Mais tarde, novasconstituies adotaram rotas anlogas, chamadas por MAURlCE DuvERGERde regimes semipresidenciais, como a Finlndia em 1919, Frana em 1958e Portugal em 1916.

VIII

o quarto princpio dominante na Constituio Federal de 1934 oliberalismo social, assinalando a introduo de novos direitos econmico-sociais e de novas e eficientes garantias constitucionais, como o mandadode segurana.

Essa tendncia veio do contexto social sucessivo Primeira GuerraMundial e da pregao cvica e revisionista de RUI BAlIBOSA.

Os direitos sociais, econmicos e culturais foram introduzidos notexto constitucional, embora com eficcia reduzida, como normas progra-mticas, antes de que auto-executveis ou no auto-executveis. Masrevelaram na tendncia do legislador a sua inteno social.

O direito do trabalho, o direito de greve, a sindicalizao, o direito educao foram surgindo, com eficcia precria.

As duas Revolues francesas de 1848 - a Revoluo republicanade fevereiro e a Revoluo social de 18 de junho -, a primeira visandoao estabelecimento da Repblica baseada no sufrgio universal, e a se-gunda buscando obter a transformao da condio operria, deramresultado Constituio de 4 de novembro de 1848. "Ela proclamatambm os direitos sociais: direito ao trabalho, assistncia e instruo",diz DUVEJICER. Os seus lderes buscaram projetos de nacionalizao (Bancode Frana) e a regulamentao das conies de trabalho (dez horasno mximo em Paris, onze nos departamentos), constituindo a ameaade uma revoluo profunda.

Novidades impressionantes e marcantes foram anunciadas e projeta-das na Constituio, j sugeridas na beleza marmrea do anteprojeto,especialmente na parte social, no pacto social.

Incorporou matrias at ento consideradas no-constitucionais (p.ex.: funcionrios pblicos, famlia, religio, cultura e ensino, ordem eco-nmica e social), com a tendncia decorrente do mundo nascente deincorporar na Lei Magna dispositivos materialmente no compreendidospelo direito constitucional do sculo XIX e incio do sculo vigente. AConstituio de 1934 manteve a linha doutrinria do anteprojeto daComisso do Itamarati, de constituciooolizar mntria no constitucional,segundo O exemplo da Constituio de Weimar.

Tornou-se uma constituio anaHtica, com 187 artigos, mais 26 dasDisposies Transitrias, ao todo 213 artigos, contrastando de resto como texto lacnico e conciso do anteprojeto, com 135 artigos.

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A respeito, escreve RONALDO POLETI1, com procedncia:

"O anteprojeto, elaborado pela Comisso do Itamarati, con-teve linhas revolucionrias, muitas no aproveitadas na futuraConstituio, que, apesar de rotulada progressista, acabou porprender-se aos princpios republicanos. verdade que a Cons-tituio introduziu matrias, segundo o modelo de Weimar, atento consideradas estranhas ao direito constitucional, mas asgrandes inovaes vieram do anteprojeto, alm daquelas que,presente nesse, no integrariam aquelas."

IX

As sementes ideolgicas da filosofia poltica e econmica da Comissodo Itamarati, somente em parte admitidas na Carta Magna de 1946,receberam a influncia de RUI BAl\BOSA, atravs de JOo MANGABEIRA.

Na sua campanha presidencial de 1919, que perdeu para EPITCIOPEsSOA, RUI BABBOSA afirmou:

"As constituies so conseqncias da irresistvel evoluoeconmica do mundo. As nossas constituies tm ainda por nOr-mas as declaraes de direitos consagrados no sculo XVIII. Suasfrmulas j no correspondem exatamente conscincia jurdicado universo. A inflexibilidade individualista dessas cartas, imor-tais, mas no imutveis, alguma coisa tem de ceder (quando lhespassa j pelo quadrante o sol do seu terceiro sculo) ao soproaa socializao que agita o mundo." (A campanha presidencial,Bahia, 1919, pp. 159-60).

Como vidente de uma nova ordem constitucional, ele pro-fetizou:

de sua ptria, e cuja linguagem um dos maiores monumentos literriosda prosa nacional, oa qual se poderia ajuizar com estas expresses sobreVICI'OR HUGo: "O rei da palavra, o dono da cor e da msica na lnWIafrancesa."

Atassalhado de injrias e mesmo caluniado com o labu infamantede "ladro" pelos seus empreendimentos na pasta da Fazenda duranteo Governo Provisrio, ele apelou, di-lo JOo MANGABEIRA, para "a sere-nidade luminosa do futuro", De 1892 at a sua morte, trinta anOs sepassaram, e, ao responder a TOBIAS MONTEIRO, numa carta de 1800, emque se dizia no aceitar a direo do Jornal do Brasil, afirmou: "Estoucansado de injustias e de calnias. Quero paz e paz." No era che~ada,todavia, a hora da paz. Tinha ele de fazer ainda trinta anos de apostolado.Trinta anos eram precisos para que ele se desencamasse de sua persona-lidade e subisse s alturas do smbolo, nessa regio sagrada, onde os quenela penetram tm alguma coisa de divino.

RENAN, creio que no seu discurso de recepo na Academia Francesa,de antemo parece responder a essas criticas, quando afirmou:

A glria se encontra somente nas alturas, e subindo sem-pre que a luta se toma harmoniosa e a coerncia dos esforoshumanos atinge a luz suprema da glria, que o nico bemda vida, que no de todo iluso e vaidade."

Esta a grande semente da linha ideolgica do anteprojeto da Co-misso do Itamarat, parcialmente absorvido na Carta Magna de 1934quanto aos direitos sociais e econmicos, mas no inserindo o princpiosocialista.

xo socialismo defendido por JOo MANGABEIRA se inclina para o posi-

cionamento do socialismo europeu do Ocidente.

"Chamam-se partidos socialistas, no sentido amplo da expres-so, todos aqueles que se reclamam das doutrinas socialistas, querdizer, da apropriao coletiva dos meios de produo. Certa-mente no querem uma apropriao coletiva integral, e a ten-dncia moderna dos sociais-democratas antes de deixar umalonga liberdade s empresas privadas, porm controlando-as eorientando-as. Assim se distinguem da famlia conservadora-liberal." (MAURICE DUVERGER, Instituies polticas e direitoconstitucional. Paris, 1976, v. 2, p. 166.)

Na Frana o partido socialista, (SFIO), "Seo Francesa da Inter-nacional Obreira", era inicialmente um partido radicalmente socialista,reivindicando a coletivizao dos meios de produo e afirmando suavontade revolucionria. Entrou em declnio, assumindo uma posio refor~mista que contradizia o seu programa. "Parecia atingido de uma escleroseirremedivel", di-lo DUVERGER, pelo antagonismo entre as palavras e os

R. Inf. legi.l. Bra.lia a. 24 n. 93 jan./mor. 1987 25

atos. A figura de GUY MOLLET, como secretrio.geral do partido, de 1946a 1969, encarna esse perodo.

Aps o Congresso d'Epinay (1971), o partido mudou o nome (SFl)para simplesmente Partido Socialista, mudando destarte de designao,atingindo 150.000 filiados como militantes devotados, ficando sob O con-trole de Mitterand e de seus partidrios. O PS procura ser um verdadeiropartido socialista, ocupando uma posio intermediria entre as correntescomunistas e a social-democrata. J os partidos sociais-democrticos daEscandinvia, Cr-Bretanha e Alemanha Federal no tm seno por obje-tivo gerir a sociedade liberal de modo mais justo com uma socializaoparcial dos meios de produo e o florescimento das liberdades demo-crticas.

Quanto ao Partido Comunista, na Frana, ele mudou de estratgiae de programa durante a V Repblica. Admite a teoria da pluralidadede acesso ao socialismo, admitido e definido no momento da reconciliaoda URSS com a Iugoslvia, bem como a transio do capitalismo parao socialismo sem violncia. No XXII Congresso do PCF, em 1976, eledecidiu eliminar definitivamente do seu programa a ditadura do prole-tariado.

At a morte de Stalin, o PCF, como os demais partidos comunistas,era subordinado estreitamente a Moscou. Depois admitiu o palicentrismo,como tambm o Partido Comunista italiano, este, de modo mais acen-tuado. O PCF o aplicou exprimindo a "sua surpresa e sua reprovao",diante da invaso russa da Tchecoslovquia - 21 de abril de 1968. Antes,em 1965, o jornal L'Humanit publicou um protesto enrgico contra acondenao de dois escritores russos, Daniel e Siniavsk. Em 1975, o PCFprotestou contra os campos de trabalho soviticos e os internamentos noshospitais psiquitricos. ];; o que relembra DUVERGER (dt. v. 2, pp. 168-69),concluindo: "Em definitivo, essa evoluo tem aproximado um pouco oPCF do socialismo democrtico".

XI

o quinto princpio da Constituio federal de 1934 o nacionalismo.Ela foi a mais progressista das Leis Magnas do pas.

A grande verdade que, cada dia que passa, o Brasil menos donode si mesmo, advertiu PONTES DE MmANDA. A drenagem dos seus bensminerais para o exterior tem sido dolorosa e dramtica.

A Constituio Federal de 1934 inovadora e progressista no reco-nhecimento do princpio do nacionalismo econmico, em diversos dosseus artigos.

Preceitua o ari. 117:

"A lei promover o fomento da economia popular, o desen-volvimento do crditp e a nacionalizao progressiva dos bancosde depsito. Igualmente providenciar sobre a nacionalizao

26 R. Int. legis!. Braslia a. 24 n. 93 jan./mor. 1987

das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendoconstituir-se em sociedades braseiras as estrangeiras que atualmente operam no pas."

No art. 118, prev que:

"As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedasd'gua, constituem propriedade distinta do solo para o efeito deexplorao ou aproveitamento industrial."

"O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minetais, bem como das guas e da energia hidrulica, ainda que depropriedade ]?rivada, depende de autorizao ou concesso federal, na forma da le." (art. 119)

"A lei regular a nacionalizao progressiva das minas, jazi-das minerais e quedas d'gua ou outras fontes de energia hidru-lica, julgadas bsicas ou essenciais defesa econmica ou militardo pas." (art. 119, 49 )

Essa ideologia nacionalista vem de dois eminentes homens pblicosda Primeira Repblica - Artur Bernardes, que, dirigindo o Estado deMinas Gerais, empreendeu sria luta em defesa do minrio de ferro, comotambm Rui Barbosa. No assim de estranhar que Bemardes, eleitoPresidente, tenha convidado Rui para Ministro das Relaes Exteriores,o que ele recusou por motivo de sade e avanada idade.

ABTUR BERNAlIDES relembrou a frase histrica de TUEODORE ROOSE-VELT, de "'que o Brasil deveria guardar as suas reservas naturais paraquando as pudesse explorar, e nunca vend-las a estrangeiros".

Afirmava BEllNAlIDES;

"No se compreende que um pas como o Brasil, que precisaassegurar-se para ser amanh grande nao, que tem milhesde filhos morrendo fome, e trinta nlhes de analfahetos, possajustificar perante a Histria e perante ns mesmos o crime dedoar a estrangeiros renda necessria ao povo e ao errio."

RUI BARBOSA, no eplogo da Orao aos moos (Ed. Eloi, 19tH, p. 67),lida aos bacharelandos da Faculdade de Direito de So Paulo, legou osltimos traos do seu testamento pblico:

"Agora, [} que a poltica e a honra nos indicam outra coisa.No busquemos o caminho de v~lta situao colonial. Guarde-mo-nos das protees internacionais. Acautelemo-nos das invaseseconmcas. Vigierno-nos das potncias absorventes e das raasexpansonistas. No nos temamos tanto dos grandes imprios jsaciados, quanto dos ansiosos por se fazerem tais custa dospovos indefesos e mal governados. Tenhamos sentido nos ventos,que sopram de certos quadrantes do cu."

R. '"1. legid. lre.ma a. 24 11. 93 iall./mar. 1987 27

Enfim a frase de WILSON, presidente norte-americano, em 1913:

-rendes ouvido falar em concesses feitas pela AmricaLatina ao capital estrangeiro, mas no em concesses feitas pejosEstados Unidos ao capital de outros pases. que ns no damosconcesses. Convidamos, sim, o capital estrangeiro a vir aquicolocar-se. Fazemos um convite, mas no concedemos privilgios.Os Estados que so obrigados a fazer concesses correm o graverisco de ver influenciar dominadoramente nos seus negcios osinteresses estrangeiros. E uma tal situao pode chegar a serintolervel."

.-.;; realmente indispensvel defender os bens minerais do pas. Opotencial aurfero da nao est calculado em 33 mil toneladas e as reser-vas de urnio em mais de 300 mil toneladas, que podem assegurar a inde-pendncia econmica do pas.

XII

o mundo social brasileiro apresenta traos de semelhana com apoca revolucionria emergente da crise da dcada dos anos 30.

A histria brasileira bem acolhe aquele pensamento de HEGEL:

"A histria no o palco da felicidade humana. Os perodosde felicidade so nela folhas soltas."

A fome a alma da ditadura, e da as mudanas constantes entre oEstado liberal e o Estado autoritrio no pas. A nova poltica econmicada 6" Repblica necessita realizar um disciplinamento do econmico, espe-cialmente guanto dvida externa e inflao, que esto intimamenterelacionadas.

Estamos num atoleiro encantado, o do milagre econmico, e quantomais aceleramos o motor, mais nOs atolamos. Houve na histria dosnossos emprstimos externos uma orgia insensata dos emprestadores e dostomadores de emprstimos, que endividaram desde o Imprio at o pre-sente o povo brasileiro, com uma cumplicidade questionvel. O povo esttrabalhando para pagaI" juros e montanhas de dlares que so tomadoscom sofreguido, para depois se pensar em um projeto justificador dosemprstimos.

O Brasil tem autoridade moral e legitimidade para postular o reesca-lonamento de sua dvida externa, clausulando inclusive um percentualdas exportaes, pois tanto a Inglaterra como os Estados Unidos, empoca de crise, tambm congelaram os nossos crditos de exportao.

A histria da dvida externa brasileira dolorosa: 30 milhes delibras em 1889; 240 milhes de libras em 1940; US$ 3,1 billies em 1964;US$ 3,8 bilhes em 1968; US$ 3,0 bilhes em 1973; US$ 53,9 em 1980;US$ 101 bilhes em maio de 19&5.

28 R. Int. legisl. 8rosliG G. 24 n. 93 jon./mor. 1987

o primeiro choque do petrleo (1974-1976) bem como o segundochoque (1979) agravaram a situao. Ao mesmo tempo, coincidindo como segundo choque do petrleo, houve o bombardeio da taxa de juros,que se elevou assustadoramente no mercado internacional, cOm um carterperverso no mecanismo da administrao de preos internacionais, comoa deteriorao do termo de troca.

A libor, por exemplo, saltou de 9,9% em 1977178 para 14,4% em 1979e 16,8$ em 1980, o governo tomando um rumo suicida na captao derecursos externos.

A metade da nossa dvida resulta ilegitimamente de juros extorsivos,chamados de subversivos. O professor DRCIo MUNHOZ, em seu depoi-mento CPI da dvida externa, afirmou que "aproximadamente 50$ dadvida so originrios apenas de juros". HERBERT LEVY acentua que aparte legtima da dvida externa brasileira corresponde aproximadamentea 33 bilhes de dlares em 1982, concluindo que os restantes 36 bilhesde dlares adicionais centralizados pelos bancos internacionais e aceitospelo governo seriam ilegtimos.

O Ministro Dilson Funaro afirmou que "o Brasil est pagando, acada sete anos, o eqivalente totalidade do principal da sua dvidaexterna".

Grandes economistas mundiais, como KEYNES, KISSINGER e LEvER,mostram que essa dvida irresgatvel. KEYNEs teve recentemente publi,cadas as suas Obras completas (The collected writings 01 /ohn MaynardKeynes, Macmillan, 30 v., 1980, v. 25, p. 31), onde debate a questo)mostrando que as naes credoras devem tratar o problema da dvidados pases subdesenvolvidos em termos polticos, KISSINGER afinnou o.lieguinte:

"Os pases credores esto exportando a revoluo".

Lorde HAROLD LEvER, ex-Secretrio do Tesouro (1967-1969) da Gr~Bretanha, assinalou que foi criada "uma bomba-relgio da dvida". Acen~tua este ltimo:

"Afinnar, como alguns fazem, que no h necessidade deo principal ser pago no constitui conforto algum) pois isto sig-nificaria pagar juros sobre a dvida por toda a eternidade. Pode-se seriamente esperar que centenas de milhes entre as popu-laes mais pobres do mundo se satisfaam em trabalhar ardua-mente em vo, a fim de transferir seus recursos para seus ricoscredores rentiers? Podero as prprias naes ricas credoras lidarcom os problemas de se tomarem rentiers nessa escala? Para amaioria das naes pobres a realidade que elas no podempagar, no pagaro e maiores esforos nesse sentido no serotentados em caso algum."

R. Inf. legisl. Braslia a. 24 n. 93 jan./InaF. 1987 29

A nossa soberania econmica e poltica foi vendida, aviltada, trada,por pessoas que no tnham mandato para assinar acordos financeiros,que deveriam ser examinados pelo Congresso. A boa interpretao jur.dica impugnou, verbeteou, marcou, assinalou ta~s acordos definitivamentecom o ferrete da inconstitucionalidade.

"Estamos sentindo (} caos que nos envolve, o caos que nosabala, o caos que nos impede de ver o dia de amanh, e noqueremos isto e no podemos a~itar a cumplicidade da omisso."

Para reconciliar a Nao consigo mesma necessrio uma constituionormativa da economia e do futuro, combatendo a ineficincia, a corrup-o e a sua fonte primria, que o Estado concedente.

XIII

A Assemblia Constituinte e a nova Constituio dela resultante soapenas um passo inicial, pois no vm isoladamente resolver os gravesproblemas nacionais. Contudo, tal passo importante, pois devolve aopovo o poder de comando e de deciso poltica.

A Histria poltica brasileira a histria das lutas de duas elites,uma elite liberal e uma elite conservadora, ambas com embriaguez pelopoder. O povo sempre ficou margem. A nossa democracia tem sidouma falsa democracia, uma democracia sem povo. Antes era o voto dosdefuntos, hoje o voto comprado. As revolues no Brasil so feitaspor elites ou oligarquias para desmontar uma corrupo e instalar outracorrupo maior.

Para que a Constituinte no venha a ser mais um momento infelizde frustrao popular, as foras populares e os intelectuais devem assumiro debate das condies, requisitos e fonnas de Constituinte e do modeloconstitucional. As correlaes de fora e os fatores do poder (a quealude LASSALLE) no so imutveis, mas as ideologias tambm transfor-mam o mundo, permitindo a luta e o alcance de um novo re~ime, umanOva vida institucional, e no um novo caos institucional.

Na verdade, a Histria sempre tem um sentido pendular, variandoentre o autoritarismo e o liberalismo, entendidos ambos na sua acepogenrica, mais concretamente, democracia versus ditadura. Normalmenteuma pretende corrigir os defeitos sociais que atribu outra. No hdvida, contudo, de que a vocao do mundo para a democracia, res-tando complementar a democracia poltica pela democracia eooIlmica.

H uma falsa e uma verdadeira democracia. Esta ltima deve res-peitar a vontade do povo e o direito das minorias polticas, fundamen-tando a soberania poltica na soberania econmica, e mantendo intacta,erecta e vertical a soberania do povo.

30 R. Inf. legisl. Braslia a. 24 n. 93 jcIn./n'lDr. 1987

Excessos da instabilidadeconstitucional

CLUDIO PACHECO

Ex-Professor da FacUldade de Direito deTeresina e da Faculdade de Direito daUniversidade Federal do Rio de Janeiro.Membro da Comillso Provisria de Estu~

dos Constitucionais

Temos falado e escrito, sobejamente, por mais de vinte anos,contra a avidez, sofreguido, ou mesmo fria, com que temosestado, por todo o nosso tempo de constitucionalizao, a fazer,refazer e desfazer constituies. Neste terreno, entramos por umarota de aJucinao e devastao.

Sempre consideramos isto exatamente malfico e temos sado.repetidamente, arena, para combater este desvario. Emboracorrendo o risco de repetir o que j dissemos, vamos, a seguir,

R. I..f. leli". lra.mQ a. 24 n. 93 jan./...ar. 1987 31

reproduzir o verdadeiro libelo com que, reiteradamente, temoscombatido o nosso doentio reformismo na rea comtitucional.

Tambm h mais de vinte anos escrevemos, a respeito daConstituio dos Estados Unidos, que, possivelmente pelas grandesdificuldades de sua elaborao e promulgao, gerouse em tomodela uma espcie de sentimentalismo popular, expresso l).uma posi-o coletiva de reverncia e numa conscincia de sua preciosidade.Citei, ento, palavras de JEFFERSON, proferidas precocementeem 1816, que se tornaram famosas e que assinalaram a tendnciados norte-americanos a mirarem a sua Constituio com revernciasacramental, como se fosse a "arca da aliana", demasiado sagradapara ser tocada, de tal modo que foi atribuda aos homens que aelaboraram uma sabedoria mais que humana. Bem pouco se tratoude emend-la e, nunca, de' substitu-la.

Temos, assim, o exemplo de uma Constituio, j velha de doissculos, elaborada para a unio de oolni8.9 inglesas implantadas vista do litoral ocenico, inicialmente mais inclinadas a ummesquinho destino de soberanias fragmentadas do que a umagrandiosa projeo de unidade nacional, que hoje, com poucasemendas, d estrutura legal ao Estado mais rico e mais poderosode todos os tempos.

Esta boa direo de estabilidade no ocorreu no Brasil. Tive-mos justamente o reverso. A Constituio do Imprio ainda foivalorizada quando, j no Segundo Reinado, evoluram, para almdo seu texto, pelo menos exerccios de governo parlamentarista,embora deslustrados pelo aleijo social da escravatura e pelafalta de autodeterminao do corpo eleitoral.

Um golpe militar derrubou o Imprio. Veio a Repblica, queprontamente partiu para instaurar uma nova Constituio, a de1891, que, todavia, foi logo desprestigiada por dois governos demarechais. O Marechal Deodoro chegou ao cmulo de dissolver,contra a Constituio, o Congresso Nacional. O Marechal FlorianoPeixoto, aclamado depois como consolidador da Repblica, nodeu exemplo de apreo Constituio, pois, contra ela, se fezsucessor e no apenas substituto transitrio do Presiente daRepblica. Governou em meio a grandes convulses e no fim rene-gava a Constituio com o seu desejo de continuar na Presidn-cia, contrafeito porque se realizou a eleio de um novo presidente,que foi Prudente de Morais. Esse marechal teve sedues para. darum golpe' de Estado e se prolongar na presidncia, mas hesitou,preferiu retirar-se, talvez, como conjetura PEDRO CALMON, por-que j lhe faltasse sade para novas precipitaes de dureza.

32 R. IlIf. legisl. Brasfia a, 24 n. 93 jan./mar. 1987

Houve quem apostasse na inviabilidade da presidncia civilde Prudente de Morais, mas, com uma s interrupo por motivode doena, ele governou at o fim do seu mandato de quatro anos,tendo realmente oontribudo para a soberania e a sobrevivnciaconstitucionais.

Mas, em seguida, conforme relatamos, a expanso do poderpresidencial e o retomo da fraude e da compreenso eleitorais quetinham sido parcialmente desativadas pela ltima reforma eleito-ral do Imprio acabaram trazendo cena, no primeiro perodorepublicano, no a democracia, mas a contrafao ou o fingimentodela, o que, francamente, desprestigiava a Constituio. Mas,ainda ai, nessa quadra, a Constituio pelo menos foi valorizadapelos fluxos intermitentes de campanhas oposicionistas, notada-mente as encabeadas por Rui Barbosa, a quem coube, com oseu estonteante poder verbal, lutar pela autenticidade constitucio-nal, elevando a Lei Magna aos pncaros de um ideal nobre e radioso,merecedor de todos os anseios e labores para que se tornasse, aomenos, vigente.

Passando pela mutilao resultante da reforma constitucionalde 1926, o que veio depois foi o eclipse constitucIonal implantadopela Revoluo de 1930, que, comeando por um governo discri-cionrio, prosseguiu pela devastao constitucional, que foi a obramais detestvel do Sr. Getlio Vargas e que continuou at os nossosdias.

Sem dvida alguma, o reformismo constitucional tem um contedo ditatorial, poderoso e detestvel, que pode degenerar, comodegenerou no Brasil, no desrespeito, na desvalorizao e no espezi-nhamento da Constituio. Por isto mesmo, o reformismo consti-tucional vem logo no primeiro impulso dos governos de fato.

de admirar, portanto, que os nossos dirigentes de oposio,at 1965, hoje erguidos ao governo federal, entre os quais ponti-ficam politicos lcidos e experientes, merecedores de respeito eadmirao, tenham aderido ao rotativismo constitucional, sob aforma de convocao de uma Assemblia Constituinte, que ser aquinta na longa srie das que j se reuniram em nosso Pais.

Talentosos e experientes, no descOnhecem o quanto umaConstituio estvel e prestigiada essencial para que haja demo-cracia.

Chegamos assim a uma espcie de colapso, ou surto de agoniaconstitucional, em que todos clamam por mudar ou reformar a

R. Inf. legill. 8ralilia a. 24 n. 93 jan./_r. 1987

Constituio, ou pelo menos o sistema de governo, sem que ningumao menos tivesse passado pela prvia e indispensvel pausa de umaescolha de determinado modelo institucional.

Reformar - eis o de que mais tratamos e em que mais reni-timos no plano legislativo neste sculo e meio de independncia.Estivemos sempre cogitando e mudar o nosso firmamento cons-titucional.

No vou relacionar aqui novamente todas as reformas ouemendas cometidas, propostas, propagadas, reclamadas ou porqualquer modo cogitadas, no s a respeito da Constituio, comodos sistemas eleitoral, educacional e tantos outros. Posso apenasdl7.er que todo esse en"ameamento reformista j conheceu nume-rosas recadas.

o reformismo teve fases de grande regalo e efervescncia,sempre, como temos dito, que o poder de legislar se tornou discri-cionrlo, deIxando de ser a luno exclUSIva de um rgao coletlvode representao para se tornar franquia do Poder Executivo.Assim extravasaram em reformas os governos provisrios de 1889e e 1930 e a nova sucesso de governos revolucionrios, que perdu~rou a partir de 1964, armados de atos institucionais - novo eexpedito poder constituinte de reforma. Transbordaram sem sefartarem. Em suma, as constituies, que so feitas para durareme at para serem veneradas, acabaram investidas ou retorcidas parase tornarem fluidas, mutveis, transviadas, sem prestgio, fran-queadas a reformas e mudanas que tm abundado at nossos dia.srealmente acometidos de alta febre reformista.

o caso de se pergm1tar: para onde vo hoje os nossos refor-mistas, apesar de bem-intencionados e patriotas? Dir-se-ia queest acontecendo uma obsesso de reformas constitucionais quejustamente vm contaminando os nossos insignes condutores pol-ticos, sem dvida alguma merecedores da nossa mais fiel admirao.

se reformas ou mudanas resolvessem alguma coisa, tanto eto incomparavelmente temos reformado e mudado que j podemosconsierar termos avanao ate o tlnal, ate o esgotamento, at oponto intransponvel de nada mais termos a reformar ou mudar.E ento pelo menos no plano das instituies polticas, j devera-mos ter chegado perfeio inexcedvel. Reformar resolve? Entoj deve estar tudo resolvido neste Pas de inumerveis reformasou mudanas. Reformar como? Reformar onde? Pois tudo j estreformado ou mudado. J experimentamos todas as modalidades

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de instaurao poltica ou constitucional. J tivemos, uma ou maisvezes, a Monarquia, a Repblica, o regime unitrio, a Federaoretrtil, a Federao ampla, a Federao encolhida; provamosvrios moldes de governo discricionrio, a ditadura pura e simples.o despretensioso presidente cumpridor da COnstituio de 1946 a1951, a jovial democratizao desenvolvimentista de JuscelinoKubitschek; tlvemos ou ainda temos as ameaas e arremedos daRepblica sindicalista, governos civis e militares, periodos de algu-ma estabilidade institucional e perodos de acelerada instabilidade,o parlamentarismo, o presidencialismo, eleies diretas e indiretas,estado de stio, estado de guerra, estado de emergncia, separaode poderes, predomnio presidencial, direitos trabalhistas, partici-paes de democracia social; temos socializao ou estatizao emum dos graus mais avanados do mundo; tivemos reunidas, emdesovas abundantes, pelo menos quatro sapientes AssembliasConstituintes, alm de diversas ejaculaes oonstitucIonais pelopoder constituinte institudo no Congresso Nacional e pelo poderde outorga monrquica, presidencial revolucionria. Passamos portudo o mais que se possa imaginar de mudana ou variao.

Temos assim, sobejamente, demonstrado que quanto maisavanamos em reformas mais clamamos por elas. Estam-Os afinalpenosamente insaciveis. J uma obsesso. Numerosas propostasde emendas constitucionais chegaram e continuam chegando aoCongresso Nacional. J no espantoso apenas o nmero elevadodestas iniciativas, mais de espantar e tambm de lastimar so ocasusmo mido, o contedo e o alcance mesquinhos de muitasemendas. Esto apresentadas, por exemplo, emendas com finali-dades como estas: acrescentando dispositivo que veta alteraopertinente matria eleitoral em ano de eleio; alterando dispo-sitivo constitucional, j em si mesmo insignificante, que trata desubstituio de auditor e de procurador do trabalho e militar de~~gunda categoria; alterando dispositivo, tambm insignificante,que trata de prova de habilitao para provimento em cargos inIcialsdas carreiras do magistrio do grau mdio e superior.

Assim, temos proclamado incansavelmente que somos radical-mente contrrios ao intensivo emendamento constitucional, portodos os motivos que j manifestamos e especialmente por serobstrutivo do progresso institucional e porque devastadoramentedesprestigia, mutila e desestabUza a Constituio, que o titulofundamental e o escudo indispensvel dos direitos e estruturasdemocrticas. t: evidente que sem constituio prestigiosa e estvel,duradoura e firme, nunca teremos uma pennanncia de aberturae de realizao institucional. Uma constituio movedia, sob ata-que permanente de alteraes, adies, rasuras, expurgaes e re-

R. Inf. le,is!. Braslia a. 14 n. 93 ian./mar. 1987

mendos, o oposto dos apangios de segurana e permanncia em.que devia estar abrigada, uma constituio faUda, menospreza-da, quase inexistente. Assim a mutabilidade constitucional conser-va portas escancaradas para os retrocessos institucionais, para ossurtos de prepotncia e tirania, pelo que devemos considerar que francamente ditatorial o cunho do emendamento constitucional.

Ora, se somos assim to fluidos, se chegamos a uma vapori-zao das nossas vontades institucionais, lgico que nunca pode-mos alcanar razoveis termos de adaptabilidade, ou mesmo liqui-dez, ou mesmo de assentamento e paz politica. No os alcanaremostambm se continuarmos a edificar, como estivemos sempre edifl~cando, constituies rgidas, constituies casusticas, de retalho,de miudezas, cada vez mais extensivas e mais minudentes.

Alis, para viver e aperfeioar apropriadamente as instituies,o melhor ter constituies no tipo de lei estrutural, mas contidanas alturas dos altos princpios e das diretrizes gerais, sem ofetichismo das frmulas verbais e sem a frgil iluso de que amera oralidade constitucional pode ser capaz de criar ou aperfei-oar aquelas instituies.

Evidentemente - insistimos - no podemos ter constituieslivres, aprimoradas. verdadeiramente tem e adequadas nossa vidaconstitucional enquanto persistirmos nessa espcie de varejo cons-titucional, neste pendor de instaurar constituies de midos, ou,pior ainda, neste horro integ-ral de reformismo, sempre procuran~do resolver problemas e aflies de cada momento pelo escapismodas mudanas endmicas de regras de jogo, atravs de repetidasoutorgas constitucionais, populares ou autoritrias.

Os males deste extremo enrijecimento, deste absurdo conges-tionamento de textos, so numerosos, a comear pelo da verdadeira.desvalorizao do Poder Legislativo, ao qual a elaborao, indivi-dual ou coletiva, do poder constituinte vem sonegando uma extensarea de opes fundamentais, pois uma ampla parte das suas pos-sibilidades de decises relevantes foi confiscada pela prvia estipu-lao no texto constitucional. Ficou assim parcialmente obstrudaa arena em que os legisladores podem se tornar verdadeiramentepoderosos e desenvoltos para decidir sobre a vida poltica do Pas.

Outro grande mal est em que a rajada, como que de ventania,da nossa vivncia poltica, principalmente nas ocasies de crisee de vendaval, no encontra fendas, ou passag'ens de contorno,nem corredores ou espaos livres em que possa fluir ou se precipitarsem aoites ou batidas destrutivas, pois antes arrebenta contraa alvenaria fechada do nosso minucioso verbalismo constitucional.

36 R. I"f, legisl. Braslia a. 24 n. 93 ;an,/mal. 1987

Bicameralismo ou unicameralismo?

ALAOR BAIlBOSA

Advogado. Assessor Parlamentar dosenado Federal

SUMARIO:

Introduo. Argumentos pr-unicameraUsmo. Bica-meralismo. Sobre a Cmara dos Lordes. Argumentospr-bicameralismo. Mudana de carter. A experinciaamericana. Necessidade de uma segunda climara. No seescolhe abstratamente. Bicameralismo e federao. Btca-meraltsmo no Brasil. O Brasil e o tederaltsmo. Propostaspara o Senado.

o Poder Legislativo deve ter uma ou duas cLmaras? ou mesmomais de dUWl? Essa uma discusso antiga. Um dilema enfrentadopor todos os que experimentaram a responsabilidade de organizarum Estado. Os argumentos e razes a favor e contra cada um dosmodelos so muitos e diversos. Caa modelo tem os seus adeptos.Deixemos de lado o modelo multicameral, do qual ningum maiscogita. Falemos apenas do uni e do bicameraUsmo. So duas cor-rentes que se enfrentam e contradizem no campo das excgitaesdos constitucionalistas e estadistas.

Para dizer que o direito constitucional comparado U instru-mento imprescindvel" na anlise do problema, LUCAS VERD per-gunta: "Existe algum pais onde no se haja colocado, nas discus-ses dos constituintes, o estabelecimento de uma ou duas cmaras?"JULIEN LAFERRrEu inicia o seu estudo sobre a organi7Ao dosparlamentos, no capitulo dedicado, no seu livro Manual de DireitoConstitucional - que de 1947 -, ao "sistema de duas cmaras'\com esta pergunta: "O rgo legislativo deve ser constituido poruma cmara nica ou por dua.s Assemblias? Uni ou bicameralis-mo? Tal o primeiro problema que coloca a existncia dos parla-mentos". Em seguida, presta LAFEIUUERE uma informao: a dapredominncia do bicameralismo, no tempo e no espao. Diz ele:

"Desde logo, uma constatao de fato a consignar:at aqui pelo menos, no tempo e no espao, o bicamera-

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lismo de longe o sistema mais difundido. Salvo as de1791, de 1793 e de 1848, todas as nossas constituies (daFrana) o praticaram. No mundo de antes da guerra, ospases de cmara nica eram uma fraca minoria; naEuropa, a Bulgria, Luxemburgo, o Liechtenstein, a Li-tunia, a Letnia, a Finlndia, a Turqwa, os cantessuos, sob a Constituio de Weimar de 1919 os paisesdo imprio alemo exceo da Prssia; a Espanha haviaadotado a cmara nica na Con.stituio republicana de1931; a Grcia a ela havia retornado em 1935; nos Esta-dos Unidos, um nico dos quarenta e oito estados americanos, o Nebrasca, desde 1935; trs das provncias doCanad; Ontrio, Manitoba, Colmbia britnica; na Aus-trlia, o Estado de Queensland, desde 1922; na AmricaCentral, a Costa Rica, Honduras, o Panam; na Asia, oIr, o Sio, o Imen. Qua.se todos os grandes Estadospraticam o bicameralismo. Na histria e no direito mo-derno, a dualidade das cmaras constitui a regra."

Lembra ainda LAFERRIERE que o bicameralismo uma institui-o que

"se encontra nos sistemas polticos mais diversos: nasrepblicas, como a Frana, a Sua, a Tchecoslovquia;nas monarquias, como a Inglaterra, a Blgica, a Sucia;nos governos de carter democrtico ou nos regimes deinspirao oposta, como os Estados gennnicos de antesde 1914, a Rssia czarista de 1906 ou a Itlia fascista. NaFrana, uma soluo que pde ser aplicada pelo Dire~trio, pelo Consulado, pela Restaurao e pela Monarquiade Julho e pelos dois regimes imperiais, antes de o serpela Terceira Repblica."

No Brasil, prevaleceu sempre o sistema bicameral. Mesmo naCarta - inaplicada - de 1937.

No Imprio, a Assemblia Geral se compunha de duas cmaras:a dos Deputados e a dos senadores. Na Repblica de 1891, o Con-gresso Nacional era formado por dois ramos: Cmara dos Depu-tados e Senado. A Constituio de 1934 alterou o sistema, decla~rando no art. 22 que o Poder Legislativo " exercido pela Cmarados Deputados com a colaborao do Senado Federal". Quer dizer:continuou o sistema bicameral, mas o Senado passou a somentecolaborar com a Cmara dos Deputados. Na Carta Constitucionalda Ditadura do Estado Novo, o Poder Legislativo seria exercidopelo Parlamento Nacional com a colaborao do Conselho de Eco~nomia Nacional e do Presidente da Repblica; e o Parlamento Na-cional se compunha da Cmara dos Deputados e do Conselho Fe-deral. Este Conselho era uma espcie de sucedneo do Senado. Na

38 R. Inf. legisl. Braslia o. 24 n. 93 jon./mor. 1981

Con.stituio de 1946, o Poder Legislativo era exercido pelo COn-gresso Nacional, que se compunha da Cmara dos Deputados e dosenado Federal. As Cartas de 1967 e 1969 mantiveram a estruturado Poder Legislativo tal como fixado na Constituio de 1946.

H quem vincule essas duas correntes - bicameralismo ver8U8unicameralismo - a contedos ideolgicos definidos. PABLO LUCASV:tRD, por exemplo, acha que, "salvo no caso dos Estados federais,os bicameralistas so conservadores, centristas ou reformistas",enquanto "08 monocameralistas so esquerdistas". Deve-se atentarna ressalva feita por VERD. Se se lhe d o valor e nfase exiglctospela verdade dos fatos, pode-se aceitar a afirmativa de VERD comoverdadeira. Nos pases europeus de tradio parlamentar maisantiga, parece que, de um modo geral, os bicameralistas tm maiscompromissos com posies, interesses e idias conservatistas, empoltica e economia. Os esquerdistas, empenhados em mudar etransformar a sociedade na direo do socialismo e do comunismo,consideram a "segunda Cmara" uma fortaleza de resistncia con-servadora s medidas e aes reformistas ou revolucionrias acasoemanadas da "primeira cmara" - a cmara popular, a cmarade deputados do povo. Na Europa, esse carter antinmico da dico-tomia antiga parece ser, em regra, embora no sempre. claro1um fato real e fcil de constatar. Observe-se que a denominao"cmara alta" apresenta, ne&:ie adjetivo rebarbativo, uma deno-tao de rano aristocrtico muito significativa. Ela denuncia, apa-rentemente, uma realidade. possivel, porm, dizer que o carteraristocrtico denotado por esse adjetivo mesmo mais uma aparn-cia do que urna verdade. PABLO LUCAS VERD assinala:

"Quando se fala de cmaras altas parece que se dmais importncia aos dados histricos e s competnciasespeciais correspondentes a estas. Assim, em Inglaterra, aCmara dos Lordes, aristocrtica, com suas atribuiesjudiciais; nos Estados Unidos da Amrica, o senado paraassegurar a participao dos estados-membros da uniofederal com suas faculdade.,; de interveno na polticaexterior e na confirmao de nomeaes do Executivo."

Cmara alta, pois, no por ser aristocrtica, mas por ser, naInglaterra, tambm corte judicial, alm de legislativa; e, nos Esta-dos Unidos, por exercer controle sobre a politica externa e sobre asnomeaes do Executivo.

PABLO LUCAS VERD lembra que a expresso segundas c(imarasparece indicar, na Inglaterra e na Alemanha, de modo indireto. "ocamter secundrio delas e talvez seu papel de cmara de reflexoou moderao das decises adotadas pelas cd.maras baixas ou popu-lares, mais veementes e progressistas (... )".

R. Inf. legisl. Braslia a. 24 n. 93 jan./mar. 1987 39

Argumentos pr-unicameralismo

PABLO LUCAS VERD resume o que em geral se diz a favor dounicameralismo:

a) sendo a lei a expresso da vontade geral e, portanto, umconceito concreto, deve receber expresso formal nica

b) Uma cmara legislativa nica atua com mais rapidez. Apropsito, invoca-se aquela comparao feita por BENJAMIN FBA'N-KLIN: um corpo legislativo dividido em duas cmaras como umcarro puxado por dois cavalos em direes opostas.

c) A cmara nica mais econmica.

d) A cmara nica mais progressista e democrtica, maispopular.

Argumenta~se tambm a favor do unicameralismo por meio deimpugnaes ao bicameralismo:

a) O bicameralismo retarda o trabalho legislativo.

b) O sistema bicameral anterior apario dos partidos pol-ticos, os quais passaram a controlar a vida poltica moderna. Assim,se um partido domina as duas cmaras legislativas, o que feitonuma se repete na outra; e se as cmaras forem dominadas cadaqual por um partido diferente, os conflitos entre as cmaras seroinsolveis.

Argumenta~e tambm contra o bicameralismo que a segundacmara, ou cmara alta, politicamente conservadora e mesmo rea-cionria. Que a Cmara dos Lordes, modelo e paradigma de cmaraalta, , por sua origem e composio, um rgo con.servador emuitas vezes reacionrio. Que o senado, na Frana, por exemplo.e em outros pases, inclusive o Brasil, tem desempenhado uma fun-o e papel de freio e resistncia a transformaes na ordem jur-dica (no seu sentido mais amplo).

A denominao mesma de uma das cmaras do Poder Legisla-tivo - cmara alta - revela ( JULIEN LAFEmum quem o obser-va) a sua origem aristocrtica e o seu carter de "meio de resis-tncia democracia". CARL SCHMI'l'T, o jurista que serviu a Hitler,argumenta que uma democracia no se compadece com o sistemabicameral, "pois a democracia se baseia no suposto da identidadedo povo unitrio". E acrescenta:

"Uma segunda cmara, independente de toda signi-ficao poltica, poria em perigo o carter unitrio dopovo todo, introduzindo um dualismo precisamente parao Legislativo, que passa por ser expresso da vontadegeral, da volunt gnrale, em um sentido especial. Onde

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quer que uma constituio queira acentuar bem a sobe-rania da Nao, una e indivisa, e dominem talvez receiospolticos quanto ao poder social de uma aristocracia, osistema unicameral ter de ser praticado com rigor."

Um pouco antes, dizia CARL SCHMITT:

"Para a introduo do sistema bicameral na maiorparte dos Estados do continente europeu, foi decisivo omodelo ingls. Esse sistema tinha uma especial evidnciapara as idias liberais do sculo XIX. Prestava~se bem aser posto em consonncia com o princpio da separaode poderes, e oferecia tambm a possibilidade de protegero poder social de certos estamentos e classes contra umademocracia radical. Por isso, a ele se opuseram de igualmodo pretenses, tanto liberais como conservadoras. Issoexplica a grande difuso do sistema. Na Alemanha, comona Frana, a maior parte dos liberais considerou o siste-ma bicameral uma instituio razovel e prudente, e oconstruram de diversas maneiras."

Bcameralismo

Que bicameralismo?

PABLO LUCAS VERD caracteriza o bicameralismo:

1) As cmaras so independentes uma da outra, de modo quea) uma Cmara pode no considerar urgente um projeto de leiassim declarado pela outra, b) uma cmara pode subordinar aoplenrio um projeto de lei que a outra deixou ao exame de uma co-misso, e c) as propostas de leis podem dirigir-se a cada uma dascmaras ou a ambas, indiferentemente.

2) A lei em um sistema bicameral perfeito um ato complexoque dimana da cooperao imprescindvel e igual de ambas ascmaras.

Segundo VERD, as duas categorias fundamentais de bicame-ralismo existentes nas constituies da democracia liberal so asdo bicameralismo prprio ou perfeito e do bicameralismo impr-prio ou imperfeito. Bicameralismo prprio, ou perfeito, se caracte-riza por se colocarem as duas cmaras em posio de paridade abso-luta; embora cada cmara seja um rgo autnomo e diferente, indispensvel o concurso de ambas na elaborao legislativa.So exemplos de bicameralismo perfeito o da Blgica da Consti-tuio de 7 de fevereiro de 1831, com as modificaes ulteriores; odas Leis Constitucionais da Frana de 1875; e o da Itlia atual, daConstituio de 1947. No bicameralismo imperfeito ou imprprio,

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as cmaras no possuem paridade de poderes. So rgos aut-nomos e distintos mas sua colaboraco mtua em muitos casosdispensvel na. confeco das leis. Exemplos, o bicameralismo inglsatual, resultante das reformas feitas pelos Parliament Acts de 1911e 1949; o da Constituio francesa de 27 de outubro de 1946. Acres~centemos os exemplos do Brasil: o da Constituio de 1934 e oda Carta ditatorial de 1937.

Afirma PAULO BONAVIDE8:

"Ocorre o genuno bicameralismo quando se achamas duas casas dotadas de igualdade de competncia, exercida mediante decises concordes, sendo o sistema bica-meral, portanto, aquele em que a ordem constitucionalestabelece um Parlamento ou Congresso composto de doisrgos, que funcionam em forma de equilibrio mtuo noplano interno da funo legislativa."

Com razo, nota PABLO LUCAS VERD que o bicameraUsroo rei-vindica "ttulos de prestgio e antigidade vinculandose Cons-tituio inglesa". E observa:

"O bicameralismo ingls totalmente fortuito, desdelogo baseado na realidade social britnica e mantido, athoje, com traos e caractersticas muito diferentes do bica-meralismo de outros pases."

Anota tambm que;

"O bicameralismo surgiu no OCidente em funo demotivos sociais e polticos. A estrutura social da Ingla-terra se compunha, quando surgiu o Parlamento, de altanobreza, pequena nobreza, clero e burguesia, que forma-vam estratos politicamente separados. A Cmara Alta ex-primia as foras sociais dominantes no pas, a alta nobre-za e o aIto clero."

Diz PABLO LUCAS VERD que Montesqueu concebia o parla-mento bicameral como o equilbrio do corpo dos nobres com aCmara Popular, "no em virtude de motivos puramente mec-nicos", mas respondendo a uma exigncia orgnica da vida social:a de que as "gentes distintas pelo nascimento, as riquezas e ashonras tenham na legislao