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lves – Rosângela Genestro – Tatiane Lima – Poço Redondo – Tâmara – Banco de Alimentos – Jurema – Luis Carlos da ilva – Shirley Meireles – Benhur – Brasília – Onofre Ramos – Consad – Florentina Rodrigues – Hilda da Silva – PAA Leite Ilza Rosa – Belo – Maria Aparecida Rodrigues – Maria das Graças – Quitéria Alves – Marcos Zanatta – Ednei Queiroz Fernandes Pinheiro – Valério Engelsing – Leandro – Augusto Moresco – Edson Heiss e – Rinaldo Carneiro – Mesquita Paulo Feiten – Arno Kotz – Cleomar Di Domenico – Milton Yamada – João Batista Braga – Mayra Magalhães – Cisterna – eodora Moreira Natália Alexsandro Belém Irani Wesley Umbuzeiro dos Nobres SAN SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL Trajetória e Relatos da Construção de uma Política Nacional

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é áJarbas Turgino – Gameleira Trançada – Carmélia Simão – Cleiciane Soares – Maria Fátima Lima – Pantanal – Marize Alves – Rosângela Genestro – Tatiane Lima – Poço Redondo – Tâmara – Banco de Alimentos – Jurema – Luis Carlos daSilva – Shirley Meireles – Benhur – Brasília – Onofre Ramos – Consad – Florentina Rodrigues – Hilda da Silva – PAALeite – Ilza Rosa – Belo – Maria Aparecida Rodrigues – Maria das Graças – Quitéria Alves – Marcos Zanatta – Ednei Queiroz – Fernandes Pinheiro – Valério Engelsing – Leandro – Augusto Moresco – Edson Heiss e – Rinaldo Carneiro –Mesquita – Paulo Feiten – Arno Kotz – Cleomar Di Domenico – Milton Yamada – João Batista Braga – Mayra Magalhães – Cisterna – Teodora Moreira – Contagem – Carlos Alexsandro – Natália Alexsandro – Belém – Irani – Wesley – Um-buzeiro dos Nobres –Camila – Róbson – Fred – Restaurante Popular – Dinora Oliveira – João Aguiar – Barão de Melgaço – Tamires – Abidias Cordeiro – Carmelito – Agricultura Urbana – Ademar – Belo Horizonte – Almiro – Jasmira – MarcosMatos – João Sousa – Maria dos Prazeres – Francisco Sousa – Fayane – Michel Alphonse – Araucária – Sinval Lima –José Audrieu – Cícero – Adriana – Dudu – Marquinho – Ariquemes – Cozinha Brasil – Frank – Reinaldo José da Costa– Toledo – Marines – Romário – Sinês – José Ronildo – Almir Silva – Mamede Gomes – Brejo – Teófi la – Edson de Matos– Várzea Grande – Vânio Marques – Ocimar Seti – PAA – Clorice Seti – Anagé – Renan Wagner Ramos – Antônio Carlosda Silva – Mosqueiro – Carmélia de Almeida – Wilson Alves – Evelyn Alves – Vania Cirino – Pão de Açúcar – Moacir –Domingos Deda – Silvestre – Roque – Cozinha Comunitária – Matilde – Jarbas Turgino – Gameleira Trançada – CarméliaSimão – Cleiciane Soares – Maria Fátima Lima – Pantanal – Marize Alves – Rosângela Genestro – Tatiane Lima – PoçoRedondo – Tâmara – Banco de Alimentos – Jurema – Luis Carlos da Silva – Shirley Meireles – Benhur – Brasília – On-ofre Ramos – Consad – Florentina Rodrigues – Hilda da Silva – PAA Leite – Ilza Rosa – Belo – Maria Aparecida Rodri-gues – Maria das Graças – Quitéria Alves – Marcos Zanatta – Ednei Queiroz – Fernandes Pinheiro – Valério Engelsing– Leandro – Augusto Moresco – Edson Heiss e – Rinaldo Carneiro – Mesquita – Paulo Feiten – Arno Kotz – Cleomar DiDomenico – Milton Yamada – João Batista Braga – Mayra Magalhães – Cisterna – Teodora Moreira – Contagem – CarlosAlexsandro – Natália Alexsandro – Belém – Irani – Wesley – Umbuzeiro dos Nobres –Camila – Róbson – Fred – Restau-rante Popular – Dinora Oliveira – João Aguiar – Barão de Melgaço – Tamires – Abidias Cordeiro – Carmelito – AgriculturaUrbana – Ademar – Belo Horizonte – Almiro – Jasmira – Marcos Matos – João Sousa – Maria dos Prazeres – FranciscoSousa – Fayane – Michel Alphonse – Araucária – Sinval Lima – José Audrieu – Cícero – Adriana – Dudu – Marquinho– Ariquemes – Cozinha Brasil – Frank – Reinaldo José da Costa – Toledo – Marines – Romário – Sinês – José Ronildo –Almir Silva – Mamede Gomes – Brejo – Teófi la – Edson de Matos – Várzea Grande – Vânio Marques – Ocimar Seti – PAA– Clorice Seti – Anagé – Renan Wagner Ramos – Antônio Carlos da Silva – Mosqueiro – Carmélia de Almeida – WilsonAlves – Evelyn Alves – Vania Cirino – Pão de Açúcar – Moacir – Domingos Deda – Silvestre – Roque – Cozinha Comuni-tária – Matilde – Jarbas Turgino – Gameleira Trançada – Carmélia Simão – Cleiciane Soares – Maria Fátima Lima – Pan-tanal – Marize Alves – Rosângela Genestro – Tatiane Lima – Poço Redondo – Tâmara – Banco de Alimentos – Jurema– Luis Carlos da Silva – Shirley Meireles – Benhur – Brasília – Onofre Ramos – Consad – Florentina Rodrigues – Hilda daSilva – PAA Leite – Ilza Rosa – Belo – Maria Aparecida Rodrigues – Maria das Graças – Quitéria Alves – Marcos Zanatta– Ednei Queiroz – Fernandes Pinheiro – Valério Engelsing – Leandro – Augusto Moresco – Edson Heiss e – RinaldoCarneiro – Mesquita – Paulo Feiten – Arno Kotz – Cleomar Di Domenico – Milton Yamada – João Batista Braga – MayraMagalhães – Cisterna – Teodora Moreira – Contagem – Carlos Alexsandro – Natália Alexsandro – Belém – Irani – Wesley– Umbuzeiro dos Nobres –Camila – Róbson – Fred – Restaurante Popular – Dinora Oliveira – João Aguiar – Barão deMelgaço – Tamires – Abidias Cordeiro – Carmelito – Agricultura Urbana – Ademar – Belo Horizonte – Almiro – Jasmira –Marcos Matos – João Sousa – Maria dos Prazeres – Francisco Sousa – Fayane – Michel Alphonse – Araucária – SinvalLima – José Audrieu – Cícero – Adriana – Dudu – Marquinho – Ariquemes – Cozinha Brasil – Frank – Reinaldo José daCosta – Toledo – Marines – Romário – Sinês – José Ronildo – Almir Silva – Mamede Gomes – Brejo – Teófi la – Edson deMatos – Várzea Grande – Vânio Marques – Ocimar Seti – PAA – Clorice Seti – Anagé – Renan Wagner Ramos – AntônioCa os da S a osque o Ca é a de e da so es e y es a a C o ão de çúcaCarlos da Silva – Mosqueiro – Carmélia de Almeida – Wilson Alves – Evelyn Alves – Vania Cirino – Pão de Açúcar –

metade do século passado alertava o mundo para o problema da fomee da desnutrição.

Do projeto inicial do Fome Zero, o que vimos foi uma sucessão de progra-mas e projetos que mudaram a feição do Brasil no que concerne à seguran-ça alimentar e nutricional: as Confe-rências Nacionais de Segurança Ali-mentar e Nutricional, especialmente a II, na qual a alimentação foi reco-nhecida como direito humano básico; a criação do MDS, entregue à compe-tência e dedicação do ministro Patrus Ananias; o incessante trabalho que vem sendo prestado pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) que, reunindo representantes da sociedade civil, pro-piciou a aprovação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), tornando a alimentação um dever do Estado.

Josué de Castro, meu saudoso pai, estaria realizado vendo neste 2008, ano que marca o centenário de seu nasci-mento, a realização de seu sonho: a construção de um Brasil sem fome.

Anna Maria de Castro é profes-sora titular de sociologia aplica-da da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Gra-duada em ciências sociais e pós-graduada em ciências políticas, Anna é doutora em nutrição pela UFRJ. E preserva viva a memó-ria de seu pai, Josué de Castro. Em 2008, ano do centenário do cientista, Anna se desdobra para atender as inúmeras solici-tações de texto para apresenta-ções de livros e revistas. Os outros dois filhos de Josué de Castro são Josué Fernando de Castro, economista, e Sônia de CastroDuval, geógrafa.

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Saudamos, com emo-ção, a iniciativa do Ministério do Desen-volvimento Social e Combate à Fome (MDS) de editar a publicação Seguran-ça Alimentar e Nutri-

cional: Trajetória e Relatos da Cons-trução de uma Política Nacional. As reportagens e depoimentos nela con-tidos nos permitem avaliar a comple-xidade e amplitude das políticas de inclusão social no Brasil.

Podemos observar, pela leitura dos relatos, recolhidos nos mais distan-tes e empobrecidos locais deste país, quanto de benefício essas ações têm trazido para essas populações, até re-centemente abandonadas.

Como sabemos, as décadas de 1980 e 90 testemunharam o avanço da glo-balização e a consolidação das práti-cas liberais conservadoras, sob o tí-tulo renovado de neoliberalismo. Os países em desenvolvimento foram as principais vítimas das práticas patro-cinadas pelos países ricos. Neles, o de-semprego tornou-se crônico. A fome e o desabrigo se generalizaram. Pre-senciamos o ressurgimento de doen-ças infecciosas. Permaneceram altas as taxas de mortalidade infantil e a educação de qualidade tornou-se cada vez mais inacessível.

No Brasil, a primeira reação consis-tente a essa situação de descaso ocor-reu em 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência e ele-geu o combate à fome como priorida-de de seu governo, recolocando para a reflexão da sociedade as idéias e projetos de Josué de Castro, que na

A realização deJosué de CastroANNA MARIA DE CASTRO

SANSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Trajetória e Relatos da Construção de uma Política Nacional

Na Finlândia, Josué de Castro entre a esposa Glauce

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Segurança Alimentar e Nutricional:Trajetória e Relatos da Construção de uma Política Nacional

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME

Brasília - DF 2008

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PATRUS ANANIAS Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

palavra do ministro

Alimentação é o primeiro degrau constituti-vo da dignidade humana. Direito elemen-tar e sagrado. Sem comer adequadamente, nenhuma pessoa é capaz de produzir, de so-nhar direitos mais elevados, de se desenvol-ver. Sem alimentar seu povo nenhuma na-ção se põe de pé. Só se forma como pátria a nação que acolhe todos os seus cidadãos

nos direitos elementares e estimula o desenvolvimento co-letivo e inclusivo.

No Brasil, o papel civilizador de uma Política Nacio-nal de Segurança Alimentar e Nutricional é relativamen-te novo em sua história. O precursor dessas idéias, Josué de Castro, publicou sua obra-prima, até hoje referência na área, em 1946: Geografia da Fome. Em setembro de 2008, temos celebrações importantes: o centenário de nascimento desse ilustre brasileiro e dois anos de pro-mulgação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan).

O combate à fome torna-se objeto de política pública no Brasil a partir de 2003, quando o presidente Luiz Iná-cio Lula da Silva, em seu primeiro mandato, lança as bases do Fome Zero, estratégia do governo de articular políticas, programas e ações para garantir acesso à alimentação às pessoas, sobretudo as mais pobres. A partir daí, tem início um processo de articulação de uma ampla rede de proteção e promoção social, tendo como núcleo a segurança ali-mentar, mas articulando-se também com as-sistência social e transferência de renda.

A evolução do direito à alimentação resulta

na promulgação da Losan, que teve ampla participação da sociedade, por meio do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), e uma ampla receptivi-dade no Congresso Nacional, que a aprovou com agilidade. A lei determina a organização das políticas em sistema, por meio do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nu-tricional (Sisan), ainda em processo de construção e com as devidas articulações com outros sistemas.

Na edição da publicação Segurança Alimentar e Nutri-cional: Trajetória e Relatos da Construção de uma Políti-ca Nacional, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), trazemos um balanço dos principais programas desenvolvidos pela nossa Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), envolvendo o fortalecimento da agricultura familiar e o acesso à comida e à água.

Apresentamos experiências que mapeamos em diversos estados, com o objetivo de mostrar o impacto dos progra-mas na vida dos beneficiários e também a articulação de programas e serviços da área em cada município. O esfor-ço de combate à fome implica articulação de trabalho em

todas as esferas de governo: União, es-tados e municípios.

As histórias das próximas páginas são a face humanizada de nosso balanço, da prestação de contas de nossas ações para a promoção de segurança alimentar no país. Ainda temos um longo caminho pela frente. Mas estamos vencendo a luta contra a fome, como queria Josué de Castro. E também como querem to-dos os brasileiros.

VENCENDO A FOME

4 SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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JOSUÉ DE CASTROPioneiro no debate sobre a fome e a subnutrição no Brasil. Publicou sua obra-prima, Geografia da Fome,em 1946. Ao lado, a capa da primeira edição do livro.

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Luiz Inácio Lula da Silva

José Alencar Gomes da Silva

Patrus Ananias de Sousa

Arlete Avelar Sampaio

Rosilene Rocha

Ronaldo Coutinho Garcia

Laura da Veiga

Ana Lígia Gomes

Rosani Evangelista da Cunha

Onaur Ruano

Crispim Moreira

José Cesar de Medeiros

Marco Aurélio Loureiro

Presidente da República

Vice-presidente da República

Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Secretária-executiva

Secretária-executiva Adjunta

Secretário de Articulação Institucional e Parcerias

Secretária de Avaliação e Gestão da Informação

Secretária Nacional de Assistência Social

Secretária Nacional de Renda de Cidadania

Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

Diretor do Departamento de Promoção de Sistemas Descentralizados

Diretor do Departamento de Gestão Integrada da Política

Diretor do Departamento de Apoio a Projetos Especiais

Ângela Carrato

Letícia Tagliassuchi

Maristela Felipe de Melo

João Luiz Mendes

Josi Paz

Letícia Tagliassuchi, Onaur Ruano, Vítor Corrêa e Zorilda Gomes

Bárbara Lobato, Rosiene Assunção, Vítor Corrêa

Arnaldo Alves (Governo do Paraná), Bruno Spada,

Flávio Gasquel, Ricardo Basso (Prefeitura de Fernandes Pinheiro)

e José Paulo Lacerda (Confederação Nacional da Indústria)

Arquivo da família e Centro de Estudos e Pesquisas Josué de Castro

Criax Comunição e Design

Fabio Stefanini Jor

Bruno Bega Harnik, Caio de Santi, Hélio Siecola e Paulo James Woodward

Fernando Siniscalchi, Marcelo Gomes e Mauro Nakata

Kiel Pimenta

Ana Paola Amorim e Anna Maria de Castro

Anna Maria de Castro

Gráfica Brasil Ltda.

Impresso no Brasil, 100 mil exemplares

Coordenadora de Comunicação Social

Coordenadora de Comunicação Eletrônica

Coordenadora de Relações Públicas e Eventos

Coordenador de Imprensa

Coordenadora de Publicidade

Produtores e Coordenadores Editoriais

Reportagens

Créditos Fotográficos

Imagens de Josué de Castro e capas do livro

Geografia da Fome

Projeto Gráfico

Diretor de Arte

Equipe de Arte

Ilustradores

Revisora

Colaboradores

Agradecimento Especial

Impressão

Tiragem

Expediente

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Segurança alimentar e nutricional: trajetória e relatos da construção de

uma política nacional / Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à

Fome. – Brasília, DF : MDS, 2008.

86 p. ; 30,5 x 22,5 cm.

ISBN: 978-85-60700-15-8

1. Política social, Brasil. 2. Segurança alimentar, Brasil. I. Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

CDU 304(81)

Secretaria Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional

Esplanada dos Ministérios,

bloco C, 4º andar

CEP 70046-900 Brasília/DF

2008 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.

www.mds.gov.br

A ilustração da capa, na técnica aquarela, é de Marcelo

Gomes e representa a abrangência dos programas de

segurança alimentar e nutricional do MDS em território

nacional. Sob a ilustração, uma marca d'água relaciona o

nome das pessoas, programas, localidades e cidades que

compõem esta publicação.

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A terra dos sonhosReginaldo explica por que há abandono nos acampamentos da Reforma Agrária: "É a fome". Hoje, ninguém diz que a vida no Che já foi essa.

Os guardiões do PantanalNo Pantanal, Dudu e seus parceiros vivem da pesca artesanal e fazem parte de uma cadeia alimentar que leva o peixe ao maior mercado da região.

Um pé na horta e outro no asfaltoO sorriso jovial no rosto do aposentado Onofre é sinal de que está plantando e colhendo, mesmo morando na cidade grande.

Aula que rende qualidade de vidaCenário de muitas famílias: mãe faz comida e filhos preferem alimentos industrializados. Um curso fez a agente de saúde Teodora virar esse jogo.

Desperdício iminenteEm supersafras, sempre há desperdício. Não se houver um Banco de Alimentos. Em vez de se perder no pé, o alimento vai à mesa de quem precisa.

A súplica de QuitériaAo "padim" Ciço, Quitéria fez muitas promessas e uma delas quer ver realizada logo, para deixar de beber água salgada: a construção da cisterna.

O mundo da GameleiraCom muita música, é apresentada a história da Gameleira Trançada. Na comunidade, a cisterna guarda a "água que o céu lhe enviou".

Vencendo a fomePor Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

De Josué de Castro à Losan em poucas linhasPor Onaur Ruano, secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Linha do tempoDo nascimento ao centenário de Josué de Castro.

Josué & Jarbas A história dos restaurantes a preços populares no Brasil por meio das trajetórias do escritor Josué de Castro e do aposentado Jarbas Turgino.

Gostinho bom no prato e no bolsoO dia-a-dia de seis mulheres para gerenciar uma Cozinha Comunitária, que serve 250 refeições a baixo custo por dia. Elas se desdobram para dar conta do recado.

Valorização alimentar na mesa do agricultorAs famílias Alves e Deda esbanjam orgulho ao mostrar a lavoura de feijão. Descubra qual o segredo nutricional desse alimento.

O time de agricultores familiares entra em campoBem entrosados, os agricultores Marcos, Ednei e Valério batem um bolão ao abastecer de alimentos um município campeão em exportação.

Antes, sem terra; hoje, produtores associadosMarcos é associado de um laticínio e participa do PAA Leite. Deixando as dificuldades do passado de lado, ele sorri satisfeito.

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Sumário

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME

SegurançaAlimentar e Nutricional:

TRAJETÓRIA E RELATOS DA CONSTRUÇÃODE UMA POLÍTICA NACIONAL

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Falar de fome, de segurança alimen-tar e nutricional e de qualquer as-sunto ligado ao que há de mais es-sencial na vida do ser humano – o ato de comer – é falar também de um médico nascido no Recife, Per-nambuco. De um estudioso que ocu-pou a presidência do Conselho Exe-cutivo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimen-tação (FAO), foi indicado ao Prê-mio Nobel e venceu todos os pre-conceitos e tabus ao mapear geo-

graficamente a fome e a desnutrição e suas causas políti-cas, históricas e sociológicas. Para superar o mito de que é natural que uns tenham o que comer e outros não, o au-tor do livro Geografia da Fome largou a teoria e foi à prá-tica: apropriou-se da realidade de cada região brasileira para denunciar “a fome como flagelo fabricado pelos ho-mens, contra outros homens”.

Este é Josué Apolônio de Castro, nascido em 5 de setem-bro de 1908. E é para celebrar o primeiro centenário de seu nascimento que o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) lança a publicação Segurança Alimentar e Nutricional: Trajetória e Relatos da Construção de uma Política Nacional. Muito nos orgulha também que a filha do escritor, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Anna Maria de Castro, tenha participado da elaboração deste projeto.

Desde o falecimento de Josué de Castro, em 1973, mui-tos ergueram a bandeira do combate à fome, como Her-bert de Souza, o Betinho, para ficar somente num impor-tante nome. Mas o que certamente confortaria o pioneiro seria ver a edição, em 2006, da Lei Orgânica de Seguran-ça Alimentar e Nutricional (Losan), marco fundamental para elevar o acesso à alimentação em quantidade, qua-lidade e regularidade como direito do cidadão e dever do Estado. Josué gostaria também de conhecer o octogená-rio Jarbas Turgino, que cuida da saúde almoçando num local que leva um nome sugestivo: Restaurante Popular Josué de Castro.

Ao ler a publicação, vamos descobrir que há 337 Cozi-nhas Comunitárias em funcionamento – espécie de minir-restaurantes populares –, entre elas a de Mesquita, Rio de Janeiro, na qual a cooperativa Gostinho Bom serve cerca

de 250 refeições/dia a R$ 2 cada. Mas os esforços atuais do MDS são empregados também para levar grãos nutricio-nalmente melhores para que agricultores familiares plan-tem, consumam e comercializem a produção.

E o que dizer da região à qual Josué de Castro dedicou especial atenção em seus estudos? A região da qual é filho legítimo: o Nordeste? Hoje, como antevia o cientista, po-líticas públicas mostram que a presença do Estado torna possível a convivência com o semi-árido. Um bom exem-plo é o assentamento Barra da Onça, no sertão sergipano. Na outra ponta do Brasil, em Toledo, Paraná, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) une produtores, usuários do Restaurante Popular e clientes de feiras livres, formando um verdadeiro time.

Essas e outras experiências – como a do assentamento Che Guevara, em Jurema, Pernambuco, e a das Colônias de Pescadores de Barão de Melgaço, Mato Grosso – mostram que os trabalhadores rurais estão se organizando e comer-cializando suas produções. Se o MDS desenvolve ações no campo, o mesmo acontece nas cidades. O Programa Agri-cultura Urbana e Periurbana gera alimentação saudável e renda para a população das regiões metropolitanas, mui-tas vezes gente que nasceu no interior e migrou para os grandes centros. Onofre Ramos é uma dessas pessoas. Já Teodora Moreira, de Brasília, nunca plantou. Mesmo as-sim, após fazer um curso de educação alimentar, deu um chega-pra-lá no desperdício e, agora, enriquece o cardápio familiar. Quem também não quer saber de alimento bom ser descartado são os 54 municípios que possuem o Ban-co de Alimentos, outro programa do MDS.

A publicação traz ainda um Brasil forte, bravo, que ainda carece de políticas públicas, e que Josué de Castro conhecia bem. É o Brasil de Quitéria Alves, do sertão alagoano. Sem água doce, ela faz promessas ao “padim” Ciço para unicamente sobreviver. Contudo, os dias de pe-núria estão contados. O Programa Cisternas chegou até a região, assim como já beneficiou a comunidade Gamelei-ra Trançada, no semi-árido baiano, livrando para sempre aquela gente do mal de viver sem água para beber.

Basta acompanhar a linha do tempo, nas próximas pá-ginas, para perceber que as políticas de segurança alimen-tar e nutricional se multiplicaram no primeiro e segundo mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Bom, mas chega de contar o que lhes reservam as próximas pá-ginas. Boa leitura!

Josué de Castroà Losan em poucas linhas

ONAUR RUANO Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

De

8 SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

palavra do secretário

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Nascimento de Josué de Castro.

Criação do Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps), sob direção de Josué de Castro. O Saps investiria no funcionamento de restaurantes a preços populares para trabalhadores e, em 1967, seria extinto.

Criação da CompanhiaBrasileira de Alimentos (Cobal)e da CompanhiaBrasileira de Armazenamento (Cibrazen). Em 1982, seria criada a Companhia de Financiamento da Produção (CFP).

Lançamento da obra-prima Geografia da Fome, de Josué de Castro, que analisa as principais carências alimentares de cada uma das cinco regiões do Brasil. Traduzido para 25 idiomas, o livro marca época ao denunciar a fome e a subnutrição, associando a pobreza aos ditames do homem e não a efeitos naturais.

Lançamento de As Condições de Vida das Classes Operárias no Recife, de Josué de Castro. É o primeiro inquérito do gênero no Brasil, fundamental para denunciar o flagelo dos trabalhadores, a fome.

Criação da Campanha de Merenda Escolar (CME),também defendida por Josué de Castro. Somente em 1979, a ação iria ganhar o nome de Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Coordenado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Pnae atende 36 milhões de alunos, com orçamento previsto de R$ 1,6 bilhão em 2008.

Criação da Organizaçãodas Nações Unidas(ONU) e da agência para a Agricultura eAlimentação(FAO).

1908 1940 196219461932 19551945

Do nascimento ao centenário de Josué de CastroHá cem anos, uma Políticia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional começava a ser idealizada pelo cientista Josué de Castro. Propostas e ações pontuais são implementadas, mas sem continuidade. No século XXI, a construção dessa política ganha envergadura. Abaixo, um breve histórico da segurança alimentar e nutricional.

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Nascimento de Josué de Castro.

Morre Josué de Castro, aos 65 anos, no exílio em Paris, França.

Realização da I Conferência Nacional de Alimentaçãoe Nutrição(I CNAN).

Criação do Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps), sob direção de Josué de Castro. O Saps investiria no funcionamento de restaurantes a preços populares para trabalhadores e, em 1967, seria extinto.

Criação da Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal) e da Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazen). Em 1982, seria criada a Companhia de Financiamento da Produção (CFP).

Sanção da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). A Losan assegura a alimentação adequada como direito fundamental do ser humano, cabendo ao poder público adotar políticas e ações que garantam a segurança alimentar e nutricional da população. Lei nº 11.346/2006.

Sociedade civil cria o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSAN), que mantém vivas as discussões para a construção de uma política pública de combate à fome junto a governos municipais e estaduais.

Lançamento do Mapa da Fome, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que denuncia que 32 milhões de brasileiros não têm renda para se alimentar.

Lançamento da obra-prima Geografia da Fome, de Josué de Castro, que analisa as principais carências alimentares de cada uma das cinco regiões do Brasil. Traduzido para 25 idiomas, o livro marca época ao denunciar a fome e a subnutrição, associando a pobreza aos ditames do homem e não a efeitos naturais.

Lançamento do Fome Zero, estratégia do governo federal para assegurar o direito humano à alimentação à população, e recriação do Consea, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No mesmo ano, ainda no esforço de vencer a fome no Brasil, é criado o Ministério Extraordinário da SegurançaAlimentar (Mesa).

Criação do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), um dos principais programas do Fome Zero, que articula produção de alimentos da agricultura familiar e acesso à alimentação saudável por famílias em situação de vulnerabilidade social. Lei nº 10.696/2003.

Instalação da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), coordenada pelo ministro Patrus Ananias, como instância do Sisan. A Câmara é responsável por elaborar a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com base nas diretrizes da III CNSAN.

Comemoração de três datas fundamentais para a segurança alimentar e nutricional no Brasil:a) A Declaração

Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, completa 60 anos.

b) A Constituição Federal, que assegura direitos e garantias fundamentais ao indivíduo, completa 20 anos.

c) O primeiro centenário de nascimento de Josué de Castro.

Realização daI Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (I CNSAN), em Brasília, Distrito Federal, reunindo 2 mil delegados. A Conferência é um marco, pois traça um diagnóstico da fome no Brasil e propõe as bases para a elaboração de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Lançamento de As Condições de Vida das Classes Operárias no Recife, de Josué de Castro. É o primeiro inquérito do gênero no Brasil, fundamental para denunciar o flagelo dos trabalhadores, a fome.

Criação do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan), que propõe uma inovação no discurso oficial ao trazer a concepção de desnutrição como doença social. O Inan seria extinto em 1997.

Aprovação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (Pnan), que determina que os órgãos do Ministério da Saúde elaborem e readéqüem suas atividades ao contexto da segurança alimentar e nutricional.

Primeira referência oficial à expressão “segurança alimentar”: o Ministério da Agricultura lança uma proposta de Política Nacional de Segurança Alimentar.

Criação da Campanha de Merenda Escolar (CME), também defendida por Josué de Castro. Somente em 1979, a ação iria ganhar o nome de Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Coordenado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Pnae atende 36 milhões de alunos, com orçamento previsto de R$ 1,6 bilhão em 2008.

Criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que, com os anos, sai de R$ 350 milhões emprestados para R$ 13 bilhões, na safra 2008/2009.

Extinção do Consea e criação do Conselho da Comunidade Solidária.

Apresentação do Plano Nacional de Segurança Alimentar ao então presidente Itamar Franco, pelo sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, o agrônomo José Gomes da Silva e o bispo Dom Mauro Morelli. Uma das primeiras medidas, após o referido encontro, é a criação e instalação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), formado por representantes do governo e da sociedade civil.

Criação da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, liderada por Herbert de Souza, o Betinho.

Criação do Programa Bolsa Família, por meio da lei nº 10.836/2004, que unifica outros programas nacionais de transferência direta de renda.

Realização daII Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (II CNSAN), em Olinda, Pernambuco.

Criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), unificando três estruturas distintas: o Mesa, o Ministério da Assistência Social (MAS) e a Secretaria Executiva do Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família.

Criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da agência para a Agricultura e Alimentação (FAO).

Realização daIII Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (III CNSAN), em Fortaleza, Ceará.

Criação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), organizada pela fusão da Cobal, Cibrazen e CFP.

1908 1940 1986 20031962 1994 20081946 1992 20061973 199819401932 19861985 2003199919621955 19941993 2008200719461945 19921990 2006200419731972 19981995

Do nascimento ao centenário de Josué de CastroHá cem anos, uma Políticia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional começava a ser idealizada pelo cientista Josué de Castro. Propostas e ações pontuais são implementadas, mas sem continuidade. No século XXI, a construção dessa política ganha envergadura. Abaixo, um breve histórico da segurança alimentar e nutricional.

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Nascimento de Josué de Castro.

Morre Josué de Castro, aos 65 anos, no exílio em Paris, França.

Realização da I Conferência Nacional de Alimentaçãoe Nutrição(I CNAN).

Criação do Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps), sob direção de Josué de Castro. O Saps investiria no funcionamento de restaurantes a preços populares para trabalhadores e, em 1967, seria extinto.

Criação da Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal) e da Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazen). Em 1982, seria criada a Companhia de Financiamento da Produção (CFP).

Sanção da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). A Losan assegura a alimentação adequada como direito fundamental do ser humano, cabendo ao poder público adotar políticas e ações que garantam a segurança alimentar e nutricional da população. Lei nº 11.346/2006.

Sociedade civil cria o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSAN), que mantém vivas as discussões para a construção de uma política pública de combate à fome junto a governos municipais e estaduais.

Lançamento do Mapa da Fome, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que denuncia que 32 milhões de brasileiros não têm renda para se alimentar.

Lançamento da obra-prima Geografia da Fome, de Josué de Castro, que analisa as principais carências alimentares de cada uma das cinco regiões do Brasil. Traduzido para 25 idiomas, o livro marca época ao denunciar a fome e a subnutrição, associando a pobreza aos ditames do homem e não a efeitos naturais.

Lançamento do Fome Zero, estratégia do governo federal para assegurar o direito humano à alimentação à população, e recriação do Consea, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No mesmo ano, ainda no esforço de vencer a fome no Brasil, é criado o Ministério Extraordinário da SegurançaAlimentar (Mesa).

Criação do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), um dos principais programas do Fome Zero, que articula produção de alimentos da agricultura familiar e acesso à alimentação saudável por famílias em situação de vulnerabilidade social. Lei nº 10.696/2003.

Instalação da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), coordenada pelo ministro Patrus Ananias, como instância do Sisan. A Câmara é responsável por elaborar a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com base nas diretrizes da III CNSAN.

Comemoração de três datas fundamentais para a segurança alimentar e nutricional no Brasil:a) A Declaração

Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, completa 60 anos.

b) A Constituição Federal, que assegura direitos e garantias fundamentais ao indivíduo, completa 20 anos.

c) O primeiro centenário de nascimento de Josué de Castro.

Realização daI Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (I CNSAN), em Brasília, Distrito Federal, reunindo 2 mil delegados. A Conferência é um marco, pois traça um diagnóstico da fome no Brasil e propõe as bases para a elaboração de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Lançamento de As Condições de Vida das Classes Operárias no Recife, de Josué de Castro. É o primeiro inquérito do gênero no Brasil, fundamental para denunciar o flagelo dos trabalhadores, a fome.

Criação do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan), que propõe uma inovação no discurso oficial ao trazer a concepção de desnutrição como doença social. O Inan seria extinto em 1997.

Aprovação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (Pnan), que determina que os órgãos do Ministério da Saúde elaborem e readéqüem suas atividades ao contexto da segurança alimentar e nutricional.

Primeira referência oficial à expressão “segurança alimentar”: o Ministério da Agricultura lança uma proposta de Política Nacional de Segurança Alimentar.

Criação da Campanha de Merenda Escolar (CME), também defendida por Josué de Castro. Somente em 1979, a ação iria ganhar o nome de Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Coordenado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Pnae atende 36 milhões de alunos, com orçamento previsto de R$ 1,6 bilhão em 2008.

Criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que, com os anos, sai de R$ 350 milhões emprestados para R$ 13 bilhões, na safra 2008/2009.

Extinção do Consea e criação do Conselho da Comunidade Solidária.

Apresentação do Plano Nacional de Segurança Alimentar ao então presidente Itamar Franco, pelo sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, o agrônomo José Gomes da Silva e o bispo Dom Mauro Morelli. Uma das primeiras medidas, após o referido encontro, é a criação e instalação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), formado por representantes do governo e da sociedade civil.

Criação da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, liderada por Herbert de Souza, o Betinho.

Criação do Programa Bolsa Família, por meio da lei nº 10.836/2004, que unifica outros programas nacionais de transferência direta de renda.

Realização daII Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (II CNSAN), em Olinda, Pernambuco.

Criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), unificando três estruturas distintas: o Mesa, o Ministério da Assistência Social (MAS) e a Secretaria Executiva do Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família.

Criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da agência para a Agricultura e Alimentação (FAO).

Realização daIII Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (III CNSAN), em Fortaleza, Ceará.

Criação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), organizada pela fusão da Cobal, Cibrazen e CFP.

1908 1940 1986 20031962 1994 20081946 1992 20061973 199819401932 19861985 2003199919621955 19941993 2008200719461945 19921990 2006200419731972 19981995

Do nascimento ao centenário de Josué de CastroHá cem anos, uma Políticia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional começava a ser idealizada pelo cientista Josué de Castro. Propostas e ações pontuais são implementadas, mas sem continuidade. No século XXI, a construção dessa política ganha envergadura. Abaixo, um breve histórico da segurança alimentar e nutricional.

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texto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

Jarbas Turgino é usuário do Restaurante Popular, mas desconhece o homem que idealizou tais unidades, ainda na década de 1940: Josué de Castro, homenageado por esta publicação. Deste simples fato, desencadeamos uma narrativa enxuta relacionando historicamente Jarbas a Josué, a dupla JJ.

JOSUÉJOSUÉJ JAJAJ RARA BRBR ASBASBtexto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

Jarbas Turgino é usuário do Restaurante Popular, mas desconhece o homem que idealizou tais unidades, ainda na década de 1940: Josué de Castro, homenageado por esta publicação. Deste simples fato, desencadeamos uma narrativa enxuta relacionando historicamente Jarbas a Josué, a dupla JJ.

JOSUÉJOSUÉJ JAJAJ RARA BRBR ASBASB

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texto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

Jarbas Turgino é usuário do Restaurante Popular, mas desconhece o homem que idealizou tais unidades, ainda na década de 1940: Josué de Castro, homenageado por esta publicação. Deste simples fato, desencadeamos uma narrativa enxuta relacionando historicamente Jarbas a Josué, a dupla JJ.

JOSUÉJOSUÉJ JAJAJ RARA BRBR ASBASBtexto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

Jarbas Turgino é usuário do Restaurante Popular, mas desconhece o homem que idealizou tais unidades, ainda na década de 1940: Josué de Castro, homenageado por esta publicação. Deste simples fato, desencadeamos uma narrativa enxuta relacionando historicamente Jarbas a Josué, a dupla JJ.

JOSUÉJOSUÉJ JAJAJ RARA BRBR ASBASB

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restaurante popular

Jarbas Turgino da Silva nasceu em Barbacena, Minas Gerais, nos “rubores dos canhões de Vargas”, como ele denomina a Revolução de 1930, que se de-sencadearia em outubro daque-le ano e levaria Getúlio Vargas ao poder. Por desejo do pai, o

menino ingressa, aos 4 anos, numa escola agrícola. Para isso, sua idade é alterada em dois anos. Nascido em 1930, Jarbas passa a ser registrado em outra data: 1928.

Josué Apolônio de Castro nasceu no Recife, Pernambuco, em 1908 e, já aos 20 anos, forma-se em medici-na pela Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Na mesma época, o jovem lançaria um de seus primeiros estudos: o inquérito As Condições de Vida das Classes Operárias no Recife.O estudioso daria um único diagnós-tico para a falta de produtividade dos trabalhadores: “A doença des-ta gente é a fome”, o que causaria furor pelo fato de a fome ser ainda assunto proibido no Brasil da pri-meira metade do século XX.

Jarbas, ainda criança, praticamen-te mora na casa da tia, uma vez que a mãe morre em decorrência de seu parto, e o pai vive viajando como fer-roviário que é. Ele, os nove irmãos e

“muitos outros filhos” da tia convi-vem na interiorana Barbacena e nem tomam conhecimento das pesquisas humanistas de Josué de Castro. O médico ganha repercussão nacio-nal com o inquérito dos operários recifenses e com estudos sobre os homens que catam caranguejos em mangues. É o homem-caranguejo, que Josué vê assim:

“O caranguejo nasce da lama, vive dela, cresce comendo lama, engordan-do com as porcarias dela, fabricando

com a lama a carninha branca de suas patas. Por outro lado, o povo daí vive de pegar caranguejo, chupar-lhe as pa-tas, comer e lamber os seus cascos até que fiquem limpos e com sua carne de lama fazer a carne do seu corpo e a do corpo de seus filhos.”

Em 1946, dois acontecimentos en-tram para a história profissional da dupla JJ. Jarbas, então com supostos

18 anos, ingressa no serviço militar e logo é destacado para servir às Forças Armadas na Segunda Guerra Mun-dial. O conflito está no fim e ele fica

“embarcado” por um ano junto a 400 homens do 1º Esquadrão de Reconhe-cimento Mecanizado, no Estreito de Gibraltar, próximo à Espanha. Jarbas, assim, experimenta ser um cidadão do mundo, ao mesmo tempo em que

CIDADÃO DO MUNDO1. Aos 20 anos, Josué se forma em medicina.2. Na tribuna da Câmara dos Deputados, denuncia a fome na Amazônia.3. Na antiga União Soviética, numa das muitas comitivas internacionais que chefiou.4. Ao lado do então presidente Juscelino Kubitschek.5. Cumprimentando o então presidente Getúlio Vargas, com quem trabalhou à época em que dirigia o Saps.

O marcante ano de 1946:Jarbas é enviado para opós-Segunda Guerra Mundial e Josué lança a obra-prima Geografia da Fome.

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14 SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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da maior delas: Inaugurou-se ontem o restaurante dos Comerciários:

“Refeições a três cruzeiros" – O res-taurante dos comerciários terá duzen-tas mesas com capacidade para 800 pessoas e, segundo cálculos, deverá atender a 100 pessoas por minuto. O seu funcionamento obedecerá a orien-tação do Saps e a construção também orientada por aquele órgão custou CR$ 2.500.000,00. O salão de refei-ções, dividido em duas partes, ocupa uma área de 2.000 metros quadrados e tem quatro balcões de distribuição, o que, com outras características tais como o frigorífico de 4 grandes câma-ras, as instalações inteiramente auto-máticas da cozinha e o serviço de copa, que lavará 20.000 peças por hora, o número de empregados, que será de 100, a cafeteira, com capacidade para 200 litros, tornando-o o maior restau-rante popular do Brasil.”

Josué imortaliza-se como tal. Em 1946, o escritor lança o livro Geografia da Fome. No prefácio, um sinal do pioneiris-mo da publicação:

“O assunto deste li-vro é bastante delica-do e perigoso. A tal ponto delicado e pe-rigoso que se consti-tui num dos tabus de nossa civilização. É

realmente estranho, chocante o fato de que, num mundo como o nosso, caracterizado por tão excessiva capa-cidade de escrever-se e de publicar-se, haja até hoje tão pouca coisa escrita acerca do fenômeno da fome, em suas diferentes manifestações.”

A vida de ambos, a essa altura, pa-rece tomar rumos completamente dis-tintos. Mas, em 1940, Josué idealiza e dirige o Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps), ligado ao Ministério do Trabalho, que gerencia-ria restaurantes a preços populares por todo o Brasil. No fim da década de 1940, Jarbas deixaria o Exército, decidiria seguir a carreira do pai – ferroviário – e, no Rio de Janeiro, se depararia com uma das obras de Jo-sué: um Restaurante Popular do Saps, instalado próximo à Central do Brasil.

“Os ferroviários não pagavam para co-mer no ‘bandejão’. Os demais traba-lhadores pagavam muito pouco. Não lembro se 400 ou 200 réis por bande-ja”, conta Jarbas, tentando lembrar de detalhes. “Sei que sempre tinha peixe. Era muita fartura, o almoço.” É o fer-roviário Jarbas se alimentando melhor graças ao estudioso Josué.

As unidades do Saps ganham a im-prensa. O Jornal do Brasil, de 28 de ja-neiro de 1945, destaca o funcionamento

NO MUNDO INTEIROAs capas ao lado mostram como o livro Geografia da Fome,traduzido para 25 idiomas, foi importante para a discussão do fenômeno. Acima, a notícia do Jornal do Brasil, de 1945, sobre a inauguração do maior restaurante a preço popular do Saps.

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15J o s u é & J a r b a s SAN

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restaurante popular

Tempos depoisO Saps seria extinto em 1967, com

o regime militar, e os Restaurantes Populares desapareceriam aos poucos até caírem no esquecimento. À épo-ca, Josué era, de fato, um cidadão do mundo, reconhecido por todos pela luta contra a fome: eleito deputado federal por Pernambuco; indicado ao Prêmio Nobel da Paz; presidente do Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para Agricultu-ra e Alimentação (FAO); convidado a dar aulas e chefiar delegações em diversos cantos do mundo. Contudo, cassam-lhe os direitos políticos e o es-critor exila-se na França. Em 1973, vi-ria a falecer, tendo publicado 29 livros, entre eles outros dois clássi-cos: Geopolítica da Fome, de 1951, e Homens e Carangue-jos, de 1967.

Enquanto isso, Jarbas se-ria transferido para Conse-lheiro Lafaiete, Minas Ge-rais, como responsável pela emissão de carteiras de tra-balho para os mais de 12 mil funcionários da recém-criada Açominas. Desde então e até se aposentar, seria funcioná-rio do Ministério do Traba-lho, o órgão outrora respon-sável pelo Saps, ao qual Josué também fora subordinado. Se Jarbas não tivesse sofrido um princípio de enfarte, provavel-mente continuaria morando em Lafaiete pelo resto da vida e a proximidade com Josué acabaria aqui.

Mas, de 1990, ano das di-ficuldades clínicas, a 1994,

Jarbas mora em Lafaiete, e vai pe-riodicamente a Belo Horizonte se consultar com o médico Milton Yamada. Naque-le ano, muda-se para a capital mi-neira e a história da dupla JJ nova-mente se encon-tra. Em BH, os Restaurantes Po-pulares, idealiza-dos pelo pionei-ro Josué de Cas-tro, reaparecem

e tornam-se um sucesso. Desta vez, com mais de 20 anos da extinção do Saps, as unidades são implantadas em âmbito municipal pelo então prefei-to Patrus Ananias (1993-1996). Pu-lando dez anos no tempo, saindo da prefeitura de BH e chegando ao Mi-nistério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a rede de equipamentos públicos articula-dos para combater a fome e promo-ver a segurança alimentar ganha pro-porções nacionais. E os Restaurantes Populares tornam-se referência em alimentação saudável e adequada, a baixo custo para a população, como almejava Josué de Castro.

Jarbas e Josué nunca se viram, mas, em 2008,

aconteceria um encontro.O octogenário almoçaria numa

unidade que leva o nome do pioneiro: Restaurante Popular Josué de Castro.

O encontro de fatoA trajetória de Jarbas e Josué, no

entanto, tem o clímax em 2008. Jar-bas, no alto de seus 80 anos, começa a freqüentar um dos três Restaurantes Populares de BH. Mas não é qualquer um. É a unidade que leva o nome do cidadão do mundo e que, aqui, for-ma a dupla JJ. Na entrada, enquan-to espera na fila ao lado de diversos “colegas” da melhor idade, o octoge-nário lê: “Restaurante Popular Josué de Castro”. Agora, Jarbas passa a co-nhecer o estudioso, no ano em que se comemora o seu centenário.

E como Josué gostaria de também conhecer o aposentado que almoça freqüentemente na unidade para cui-dar da saúde. “Venho porque tenho refeição com as porções certas para a minha alimentação”, revela Jarbas, tentando explicar como define cada porção: “Uso a mão em concha”. É assim: um almoço deve ter até seis porções equilibradas, cada uma do tamanho de uma mão em formato de concha. “Aqui, fico despreocupado porque não há exagero de tempero, sal, óleo e gordura.”

Como mora sozinho, Jarbas não faz comida e já desistiu de almoçar na casa dos filhos, pelo fato de a co-mida ser muito temperada, e em res-taurantes comerciais, devido ao preço e à falta de rigidez na elaboração dos

Unidades em

funcionamento: ........

.... 51

Unidades a serem

inauguradas: ........

........69

Refeições servidas/dia:

..........

..........

....70 mil

Refeições servidas/dia

pelas futuras unidades:

............

............

....... 112 mil

Refeições a serem servidas/

dia quando as 120 unidades

estiverem em funcionamento:

...........

............

........182 mil

Investimento do MDS para as

120 unidades:

............

.....R$ 114 milhões

* de 2004 a julho de 2008

Raio X dos Restaurantes Populares

16 SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

Page 18: Jarbas Turgino – Gameleira Trançada – Carmélia Simão ... · Jarbas Turgino – Gameleira Trançada – Carmélia Simão – Cleiciane Soares ... Marines – Romário – Sinês

pratos. Duas pistas indi-cam o acerto de Jarbas ao escolher o Restaurante Po-pular: em vez de três ho-ras por noite, agora dor-me tranqüilamente oito, sem sentir qualquer mal-estar; em vez de 80 quilos, mantém o recomendado peso de 70.

Tais constatações en-chem-no de orgulho. Com exames médicos nas mãos, alegra-se ao falar da saúde que tem: hipertensão e colesterol sob absoluto controle. O médico Milton Yamada é categórico: “Ele é um exemplo”. Além dos remédios diários e da caminhada periódica, o doutor recomenda ali-mentação saudável: “A fama do Res-taurante Popular é muito boa. As re-feições têm um balanceamento nutri-

Esta reportagem divulga

ações do Programa:

cional rigoroso. E isso só lhe faz bem”, garante o doutor.

Diante do episódio, qualquer jornal diário poderia estampar a manchete

“Octogenário cuida da saúde almoçando no Restaurante Popular Josué de Cas-tro”. E a descrição poderia ser como no jornal acima.

Os Restaurantes Populares financiados pelo MDS servem, no mínimo, mil refeições saudáveis por dia a preços acessíveis à população de cidades com mais de 100 mil habitantes.

Alimentação balanceada

L O C A L I Z A Ç Ã O

Belo Horizonte – MG

OCTOGENÁRIO BOM DE SAÚDE1. O segredo da saúde de Jarbas é almoçar todos os dias no Restaurante Popular.2. O médico Milton Yamada entrega os exames a Jarbas: nada de hipertensão e colesterol.3. Jarbas está na fila e de olho no letreiro: Restaurante Popular Josué de Castro.4. Cinco mil pessoas almoçam por dia na unidade.

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MGBelo Horizonte

A trajetória da dupla JJ – Jarbas e Josué – é o pano de fundo para desenhar uma breve trajetó-ria dos restaurantes a preços populares.

Um minirrestaurante popular, conhecido por Co-zinha Comunitária, tem levado alimentação de qualidade à população e também gerado renda às seis trabalhadoras fluminenses.

C O N E X Ã O

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GOSTINHONO PRATO E NOtexto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

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cozinha comunitár ia

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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BOMÀ

s 7 da manhã, três das seis mulheres estão a postos para mais um dia de tra-balho. Outras duas se en-contram no supermerca-do, para comprar os su-primentos necessários para o preparo do prato de toda sexta-feira: mo-

cotó, arroz e farofa, acompanhado de suco de maracujá. A última mulher já avisou que vai atrasar um pouquinho para pagar umas contas – chega às 8h. De avental, calça, blusa, touca, sapato – tudo na cor branca –, elas não vão para uma jornada num hospital. Mulheres, flu-minenses, de diferentes idades, elas inte-gram a cooperativa Gostinho Bom, res-ponsável pela gestão da Cozinha Comu-nitária, apoiada pela prefeitura de Mes-quita, Rio de Janeiro, e pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

Antes de contar como é o dia das seis, avancemos no tempo. Luis Carlos da Silva Rodrigues é freqüentador da Cozinha Co-munitária. Um dos primeiros a chegar, o soldador, conhecido por Lourinho, é mais um dos “azuizinhos”. Das 11h às 12h, são os metalúrgicos, todos de macacão azul, que ocupam as 20 mesas, cada uma com

quatro lugares, para almoçar. De colher na mão, ele pára por um momento para conversar. A fome bate e, então, Lourinho fala entre uma e outra colhera-da: “Antes almoçava num trai-ler perto daqui. O prato custava R$ 4,50.”. É quando, sem mas-tigar, desce o braço direito, faz um gesto circular na altura da barriga e uma careta aparece no rosto. Quer dizer algo como mal-estar, enjôo. “Só que a co-mida lá era pesada. Terminava de comer e, no prato, sobrava muito óleo”, conta.

BOLSO

O dia-a-dia das seis mulheres responsáveis pela gestão da Cozinha Comunitária, uma política pública que leva 250 refeições saudáveis a baixo custo aos moradores de Mesquita, região metropolitana do Rio de Janeiro.

PRATO CHEIOLuis Carlos almoça todos os dias as refeições preparadas pelas mulheres do Gostinho Bom.

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Para quem inicia às 7h, larga às 11h, retorna ao meio-dia, sai às 17h, mas sempre amplia o expediente até as 19h, com pagamento de hora extra, é de entender que Lourinho precise de uma alimentação balanceada. Ele toma café-da-manhã na firma, almo-ça por R$ 2 na Cozinha Comunitária e, no intervalo de fim de tarde, rateia um lanche com os colegas de traba-lho. Em casa, janta. “O almoço aqui é legal, leve, e o atendimento, baca-na”, diz. Quem é da mesma opinião é Shirley Meireles Dias, que, volta e meia, traz também o neto, Benhur, de 6 anos, até a unidade. Ela recebe o ti-cket, vai até o guichê e Maria Fátima Lima, uma das seis mulheres, lhe in-forma: “Hoje, o prato é mocotó, mas se o menino quiser temos outro prato para oferecer: arroz, feijão-preto, fa-rofa e frango xadrez”. Shirley quer a segunda opção para o neto e pede por-ções menores nas bandejas, após ler a placa: “Evite o desperdício. É só avisar que serviremos ao seu gosto”.

Na Cozinha Comu-nitária, há um mo-dus operandi de tra-balho, o famoso todo mundo se aju-da para que, no fim, as coisas dêem cer-to. “A gente até bri-ga entre nós, se de-

sentende, mas isso não chega ao pú-blico”, garante Fátima. As discussões são naturais, de certa maneira, visto que as mulheres do Gostinho Bom nunca tiveram experiência de gestão antes. Por gestão, entenda-se: respon-sabilidade pela compra e processa-mento dos alimentos, pagamento das contas e divisão dos ganhos. A prefei-tura entra com os custos mensais de água e luz, com a reforma e adapta-ção da área (aplicação de R$ 94 mil), e disponibiliza os serviços da Incuba-dora Municipal de Cooperativas Po-pulares e, diariamente, uma nutricio-nista. Por sua vez, o MDS arcou com a compra de equipamentos e utensí-lios, totalizando investimento de qua-se R$ 30 mil.

PreparativosLogo cedo, Cleiciane, Fátima e Ta-

tiane chegam à Sede Administrativa da Dinâmica, antiga fábrica de cerveja

que a prefeitura comprou e na qual instalou uma série de serviços oferta-dos ao cidadão, como a Cozinha Co-munitária. O trio toma café junto e começa a separar bandejas e talheres, já limpos no dia anterior. É o momen-to em que chegam Carmélia e Marize, com sacolas de supermercado. Mais um pouco e aparece Rosângela, que atrasou para adiantar o pagamento das prestações da festinha do neto.

Às 8h30, todas trocam de roupa, o ritmo se acelera e, de branco, cada uma assume a sua função. O aparelho de som é ligado e o exaustor também. Diálogo ali só aos gritos. Carmélia e Marize vão para o fogão industrial dar conta dos panelaços de arroz e dos temperos do mocotó. Fátima está ao lado, picando carne-seca e lingüiça. Tatiane limpa o que vai sendo sujo, en-quanto Rosângela e Cleiciane cortam cenouras, cebolas e batatas.

Conforme os alimentos ficam prontos, uma vai auxiliando a outra. E assim vai, sem que elas se dêem conta do horário, até as 10h40. Daqui a pouco, a Cozinha Comunitária será aberta. Além dos metalúrgicos e aposentados, muito do público que freqüenta a unidade é dali mesmo, da Sede Administrativa Dinâmica. São servidores de diferentes estruturas do governo municipal – Vigilância Sanitária, Almoxarifado, Transportes, Defesa Civil –, bem como cidadãos comuns, que procuram a prefeitura em busca de serviços. Na sede, funciona a Coordenação do Programa Bolsa Família, que atende 60 pessoas de baixa renda por dia, um Centro de Referência da Assistência Social (Cras), que desenvolve atividades socioassistenciais com 250 famílias, e um Banco de Alimentos, em parceria com o MDS.

Sem pressaEmbora falte pouco tempo para

abrir as portas, as seis mulheres estão tranqüilas. Elas lancham e encontram tempo até para conversar um pouco sobre a vida. Rosângela, a que chegou atrasada, fala da felicidade de ter ren-da própria: “Na verdade, este [a Co-zinha Comunitária] é meu primeiro emprego. Quando me casei, meu mari-do trabalhava e eu ficava cuidando da casa. Separei e tive de enfrentar o mer-cado de trabalho, sem ter experiência

Rosângela fala da

felicidade de ter renda

própria: “A Cozinha

Comunitária é meu

primeiro emprego.

Quando me casei, meu marido

trabalhava e eu ficava cuidando da casa. Agora, estou

até adiantando as prestações da festinha de 1 ano

do meu neto.”

20

cozinha comunitár ia

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

L O C A L I Z A Ç Ã O

Mesquita – RJ

RJ

Rio de Janeiro

Mesquita

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Carmélia Simão,50, mora com o pai de

81 anos e com uma filha adulta. É divorciada e tem

a vida agitada: participa de um coral e faz curso

de dança e de informática. Trabalhou com produtos

de beleza e em escritórios e restaurantes.

Cleiciane Soares da Silva,18, mora na cidade de São João de Meriti com a família, mas em dias úteis dorme mais perto: na casa da cooperada Fátima. Não tem filhos, nunca trabalhou, e cursa, à noite, o 3º ano do ensino médio.

Maria Fátima Lima,46, não tem filhos e mora sozinha. Trabalhou como

diarista e cozinheira.

Marize Alves,39, mora com as duas filhas adultas e é viúva. Trabalhou em restaurantes e fábricas de doces.

Rosângela Alves Genestro Pereira, 40, mora sozinha,

recentemente separou do marido, tem uma filha

já casada e se prepara para a festa de 1 aninho

do único neto. Nunca trabalhou fora de casa.

Tatiane Lúcia Chaves de Lima, 27, mãe solteira de três crianças e filha de Maria Dorat, fundadora da cooperativa e pessoa que deu nome à Cozinha Comunitária. Trabalhou como garçonete.

Elas faziam “bicos” aqui e acolá. Hoje, têm renda mensal de um salário mínimo, graças ao novo “trabalho”.

apresentar cadauma das seis:apresentar caapresentar caEntão, é chegada a hora de

21G o s t i n h o b o m n o p r a t o e n o b o l s o SAN

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TODO MUNDO SE AJUDA1. Metalúrgicos almoçam na Cozinha Comunitária das 11h às 12h.2. Shirley escolhe a segunda opção de cardápio para o neto.3 e 4. A dinâmica de atendimento do Gostinho Bom.5. O caixa improvisado e o ursão da rifa.6. Marize e Carmélia chegam do mercado.

profissional. Agora, estou até adian-tando as prestações da festinha do meu neto”. Tatiane, a jovem mãe de três crianças, revela uma arte que fez com o filho certa vez: “Chega o fim de semana e nem quero saber de cozinha. Num domingo, meu filho perguntou: ‘Mamãe, vamos almoçar o quê?’ Ele mesmo respondeu: ‘Pode ser chocola-te?’. Queria atender o pedido do meu filho e, graças ao trabalho, tinha um dinheirinho e então almoçamos cho-colate naquele domingo”. Carmélia se orgulha ao contar que trabalha e tem diversas atividades: “Além da cooperativa, cuido do meu pai, faço aula de dança de salão, participo do coral da igreja e, nos fins de semana, vou à aula de informática. A gente não pode ficar parada. Fui inclusive para o Uruguai uma vez, para representar a cidade num Encontro Mundial de Economia Solidária”.

Dá 11h. Marize vai para o caixa im-provisado: a primeira mesa da Cozi-nha Comunitária. Leva consigo calcu-ladora, uma caixinha de sapato, para guardar o dinheiro, um talão de tickete um ursão de pelúcia para ser sortea-do na rifa de Dia dos Namorados. Na copa, está armada a metodologia de atendimento do Gostinho Bom: Clei-ciane entrega a bandeja, já com farofa, nas mãos de Rosângela, que comple-ta com arroz e repassa para Tatiane pôr o mocotó e deixar sob o balcão. Fátima pega a bandeja, enche o copo de suco, guarda o ticket e entrega a refeição às pessoas. A dinâmica só se

altera se vier pedido de marmita para viagem, que sai a R$ 2,50 cada. Nos fundos da cozinha, Carmélia prepara a segunda leva de mocotó. Em ritmo acelerado, elas vão até as 14h. Aos poucos, uma a uma almoça e come-ça a arrumação e a limpeza de tudo para o dia seguinte. No caixa, o ga-nho do dia: R$ 515, fruto da venda de 195 refeições na bandeja e 50 na marmita, fora a rifa, sobremesas e bebidas. “Sexta-feira é um bom dia para nós. Vem mais gente por causa do mocotó”, garantem as seis.

Bom dia mesmo será quando a coo-perativa Gostinho Bom estiver mais estruturada e as seis mulheres, mais experientes. Elas estão atrás do Ca-dastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) para ter acesso a emprésti-mos e compras no atacado. Enquanto isso, contabilizam no mês de junho de 2008 entrada de R$ 9,4 mil e saída de R$ 6,5 mil. Saldo de R$ 2,9 mil, que, dividido entre as seis, dá R$ 483 para cada. Por isso, o slogan da cooperati-va poderia ser: Gostinho Bom, no sa-bor, para quem almoça aqui, e, no bolso, para quem trabalha aqui.

“Antes almoçava num trailer perto da

Cozinha Comunitária. O prato custava

R$ 4,50. Só que a

comida lá era pesada. Terminava de comer

e, no prato, sobrava

muito óleo.”

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cozinha comunitár ia

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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As Cozinhas Comunitárias financiadas pelo MDS funcionam como minirrestau-rantes populares e servem até 300refeições saudáveis por dia a pre-ços acessíveis à população de bairros populosos das periferias urbanas.

Alimentação balanceada

Esta reportagem divulga ação do Programa:

O agitado dia das seis mulheres da cooperativa Gosti-nho Bom, na Cozinha Comunitária, gera renda mensal de um salário mínimo para cada uma e propicia refei-ção a R$ 2 à população de Mesquita, Rio de Janeiro.

Longe dali, as famílias Alves e Deda, ambas pa-ranaenses, plantam alimentos melhorados nutri-cionalmente para também desfrutarem de prato cheio à mesa.

C O N E X Ã O

A) Unidades em funcio

namento: 337.

B) Unidades a se

rem inauguradas: 141.

C) Refeiçõe

s servid

as/dia:

58,7 mil.

D) Refeições s

ervidas/d

ia pelas futuras

unidades: 44 mil.

E) Refeições a

serem se

rvidas/d

ia

quando as 478 unidades e

stiverem em

funcionamento: 102,7 mil.

F) Inve

stimento do MDS para as 4

78

unidades: R$ 18,7 milhões.

* de 2004 a julho de 2008

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5

6

Raio X das Cozinhas Comunitárias

23G o s t i n h o b o m n o p r a t o e n o b o l s o SAN

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Valorizaçãoalimentarmesadoagricultor

na

texto BÁRBARA LOBATO fotos ARNALDO ALVES e RICARDO BASSO

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melhoramento nutr icional

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As famílias Alves e Deda cultivam feijão biofortificado. O grão, com valores nutricionais elevados, alimenta diariamente centenas de pessoas em várias regiões brasileiras. Em breve, novos agricultores irão plantar arroz, mandioca, milho e trigo – tudo biofortificado –, com financiamento do MDS.

Adistância que separa as famílias Alves e Deda no interior do Paraná é de 120 quilômetros. Apesar de não se conhece-rem pessoalmente nem de nunca terem ouvido falar um do outro, os agriculto-res Wilson Alves e Domingos Deda, dos municípios Fernandes Pinheiro e Arau-cária, respectivamente, têm algo em co-mum: ambos cultivam feijão com ca-racterísticas nutricionais melhoradas. E

a produção desse feijão, além de servir como base da ali-mentação da própria família, também é comercializada.

Wilson tem 44 anos. Destes, mais de 30 destinados ao trabalho no campo. “O manejo com a terra e com a pro-dução de alimentos passa de geração para geração. Meu pai já era produ-tor rural. E eu sempre ajudei na roça desde piazinho”, afirma. Quando se autodenomina “piazinho”, no voca-bulário regional quer dizer muito jo-vem ou criança.

O agricultor não sabe ao certo quan-do a família chegou à comunidade As-sungui, mas o que tem certeza mesmo é das dificuldades que teve para con-seguir alguns hectares para produção de feijão e milho. “Antes eu era meeiro. Era assim: a gente trabalhava feito um ‘cavalo’, debaixo de sol quente ou no frio, mas, no fim das contas, o que a gente plantava e colhia era na terra dos outros. Não sobrava nada para a famí-lia”, recorda-se. Hoje, essa realidade é bem diferente. Wilson abre o sorriso ao mostrar uma das mais novas con-quistas: a casa de alvenaria com três quartos, banheiro, sala, cozinha, gara-gem e área de lazer, onde vive com a mulher e dois filhos. A atual moradia em nada lembra a antiga – ainda exis-tente na propriedade –, com paredes feitas de madeirite.

Wilson fala com orgulho e entusias-mo de cada pedacinho de terra: “De uns dez anos pra cá é que a gente con-seguiu ter terra própria. A primeira aquisição foi de 33 hectares. E, a cada ano, se produz mais um ‘bocadinho’

para investir no campo”. A empolgação não pára por aí. Se hoje a família serve com fartura o feijão na mesa, se deve à elevada produção. E, graças às pesquisas do Institu-to Agrônomico do Paraná (Iapar), esse feijão tem melhor valor nutricional. Só na safra 2007/2008, a família Alves colheu 1,5 mil sacas de feijão, o que representa mais de 90 toneladas. O feijão é comum a olho nu, mas garante a quem o consome maior teor de proteínas e mais ferro e zinco devido ao processo de biofortificação.

Na verdade, é a esposa de Wilson, Evelyn Alves, que acaba decidindo qual é a melhor variedade de feijão. “Não

adianta vir um grão que produz bastan-te se na hora de pôr na panela não fica saboroso. O feijão não pode ser muito cascudo e tem de ser de fácil cozimen-to. Ah, e com o caldinho bem grosso”, antecipa Evelyn, minutos antes de pre-parar o almoço da família. As referên-cias que ela faz ao feijão são, inclusive, objeto de estudo para uma equipe do Iapar. No Instituto, os pesquisadores selecionam alimentos básicos e me-lhoram a qualidade nutricional. Esse processo – conhecido por biofortifi-cação – é descrito pela pesquisadora Vânia Moda Cirino como uma alter-nativa para combater a desnutrição em comunidades pobres. “O feijão é um dos alimentos mais comuns e que não pode faltar na mesa do brasileiro. Então, ter um grão rico em vitaminas, nutrientes e sais minerais serve como complemento no cardápio”, explica. É esse feijão que vem mudando, aos pou-cos, a realidade alimentar dos agricul-tores familiares da região.

O reforço nutricional, citado pela pesquisadora, é visto na prática pela família Alves. Às 13h em ponto, o al-moço está na mesa. Ou melhor, no fo-gão. E não podia faltar o casamento da principal refeição: feijão e arroz – este último, em processo inicial de pesqui-sa para biofortificação financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Um a um, a família coloca no prato, além do feijão e do arroz, macarrão e carne de por-co. “Aqui é o que alimenta e dá força à nossa família. Tanto para consumo

Convênio firmado entre o MDS e o

Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) vai expandir as pesquisas

de biofortificação para alimentos básicos

dos brasileiros. Oinvestimento

é de R$ 800 mil.

25Va l o r i z a ç ã o a l im e n t a r n a m e s a d o a g r i c u l t o r SAN

L O C A L I Z A Ç Ã O

Fernandes Pinheiro e Araucária – PR

PR

Curitiba

Araucária

Fernandes Pinheiro

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como para produção, é o nosso sustento”, comenta Wil-son ao apontar para o feijão. Com um sorriso largo, não precisa dizer as razões de tamanha felicidade. É só vê-lo na mesa com grande satisfação na hora do almoço com-partilhando o feijão com a família.

Aexemplo dos Alves, a família Deda – formada por quatro irmãos: Domingos, Silvestre, Roque e Matilde –, do município de Araucária, também conquistou ascensão no meio rural. E com feijão biofortificado. O primogênito, Domingos Deda, lembra que no início dos anos 2000 a produção

não era fácil por ali. “Olha, a gente não tinha muita orien-tação e, na maioria das vezes, perdia a produção inteira de feijão por falta de informação mesmo.” Juntos, os irmãos somam trabalho e dividem todo o retorno do investimento. Em 2003, a família plantava feijão em 2,4 hectares. Cinco anos mais tarde, a produção se dá em 20 hectares.

“Cada um tem uma fa-cilidade no campo. En-tão a gente uniu forças e dividiu tarefas. No fim não dá briga nem confu-são, pois a divisão é feita em partes iguais”, afirma Roque Deda. Os irmãos fizeram uso do financia-mento do Programa Na-cional de Fortalecimen-to da Agricultura Fami-liar (Pronaf), do Minis-tério do Desenvolvimen-to Agrário (MDA), para investir na produção de feijão. O resultado é visí-vel quando se fala da co-lheita. “Olha, um dia de trabalho da máquina para separar a casca do grão de fei-jão é comparável a 100 pessoas trabalhando manualmente. Agora a gente faz uso da tecnologia e tem o fornecimento das sementes. A produção está muito boa e como nunca se tinha visto antes!”

Além do feijão, a família tem horta própria para con-sumo familiar. O comando, em tempos de colheita, para ambas as culturas, fica por conta das mulheres. Quem dá essa certeza é a agricultora Matilde Deda. “A presença da mulher no campo é muito forte. Os homens saem para tra-balhar em indústrias e as mulheres acabam assumindo o comando. Aqui, a mulher completa a despesa da casa”, diz. E não é só no campo que a presença da mulher é marcante. De acordo com os homens da família Deda, o feijão bom para comercialização é aquele aprovado pelas mulheres na cozinha. “É preciso ter rendimento, caso contrário ninguém vai querer consumir o feijão”, acrescenta Matilde.

O feijão é comum a

olho nu,mas garante a quem

o consome maior teor de proteínas e mais ferro e zinco

devido ao processo de biofortificação.

FEIJÃO DOS DEDA E DOS ALVES1. O lema da família Deda é unir forças e dividir tarefas no cultivo do feijão.2. A casa de estoque de alimentos funciona há mais de cem anos na propriedade da família Deda, passando de geração para geração.3. Irmãos Deda exibem certificado de produtor rural. Mas o papel não mostra a evolução da plantação: de 2,4 hectares para 20.4. A colheita de feijão mobiliza os Deda. As famílias da região também se ajudam mutuamente.5. Wilson Alves mostra com orgulho a experiência de um novo cultivar de feijão. 6. O agricultor ensaca a produção do feijão biofortificado. Em breve, o grão será comericializado.7. A conquista da nova casa se deu pela elevada produção de feijão da família Alves. 8. Antiga residência da família Alves, toda de madeirite.

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melhoramento nutr icional

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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MDS financia biofortificação

“O método de desenvolvimento de novos cultivares de alimentos biofortificadosacontece por meio do melhoramento genético convencional e não por transgenia.”

Centenas de agricultores no Paraná, a exem-plo das famílias Alves e Deda, já usam grãos biofortificados de feijão. Em breve, produtores rurais de outras culturas tam-bém terão a oportunidade de plantar ali-mentos com valores nutricionais melho-rados. O convênio firmado entre o MDS e o Iapar, com investimento em torno de

R$ 800 mil, vai expandir as pesquisas de biofortificação para alimentos básicos dos brasileiros: arroz, milho, tri-go e mandioca, além do próprio feijão.

À frente de tais estudos no Iapar, a pesquisadora Vâ-nia Cirino Moda explica que variedades biofortificadas constituem uma estratégia sustentável para combater a ausência de ferro e de outros nutrientes. “É uma tática de baixo custo para atingir as populações rurais de baixa renda. A primeira coisa é buscar a variabilidade genética para o que nós procuramos: maior teor de ferro, de pro-teína, de zinco, de vitamina A. Tudo isso dentro da pró-pria espécie do alimento”, argumenta.

1 – Laboratório2 – Plantação

Feijão comercial

Ferro – variação de

80 a 120 gramas/grão.

Zinco – variação de

30 a 50 gramas/grão.

Feijão biofortificado

Ferro – variação de

150 a 180 gramas/grão.

Zinco – variação de

60 a 80 gramas/grão.

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melhoramento nutr icional

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E esclarece: "A forma usada para transferir o gene [ma-terial genético] foi o cruzamento. Então nós trabalhamos com a técnica do melhoramento convencional. Buscamos melhorar a qualidade nutricional do alimento, pegar o que cada cultivar tem de melhor e cruzar com outros que tenham as características que buscamos”. A respeito des-sas características, vale ressaltar que, em decorrência da carência de ferro na alimentação, entre 15% e 30% das gestantes e quase 50% das crianças têm anemia no Brasil, de acordo com estatísticas do Ministério da Saúde. Além de ferro, a ausência de vitamina A também é preocupan-te no país, especialmente na região Nordeste.

Em relação ao processo, a pesquisadora informa: “O método de desenvolvimento de novos cultivares de ali-mentos biofortificados acontece por meio do melhora-mento genético convencional e não por transgenia”. De acordo com Vânia Moda, biofortificar esses grãos – de fácil produção para o agricultor familiar – significa nu-trição de qualidade à população que, independentemente da classe de renda, está sujeita a carências de vitaminas e

minerais por ter alimentação pouco variada. E isso vale para o próprio produtor. “O agricultor não vai consumir tudo o que ele produz. Sendo assim ele pode comercia-lizar o excedente. Ou seja, além de se nutrir melhor, ele vai ter um aumento na renda em virtude da agregação de valor no produto”, pondera Vânia Moda.

Se, hoje, agricultores familiares, espalhados em diversos municípios do Paraná, plantam, conso-mem e vendem feijão biofortificado, num futuro próximo terão a oportunidade de fazer o mesmo com o arroz, a mandioca, o milho e o trigo.

Também no Paraná, uma equipe de agricultores familiares vem abastecendo os habitantes de uma cidade campeã em exportação.

C O N E X Ã O

3 – Colheita4 – Estocagem

ETAPAS DO MELHORAMENTO DE ALIMENTOS1. No laboratório, são feitos os estudos e análises para biofortificar os grãos.2. Após as pesquisas, os grãos são distribuídos gratuitamente para agricultores familiares plantarem.3. Ao colher, os produtores já têm alimentos melhorados nutricionalmente.4. Os grãos são estocados para comercialização em grande quantidade.

29Va l o r i z a ç ã o a l im e n t a r n a m e s a d o a g r i c u l t o r SAN

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O time de agricultoresfamiliares entra

em campotexto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

paa

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Cada um com a respectiva plantação, a equipe de 512 agricultores familiares do PAA vem marcando golaços e abastecendo de alimentos a exportadora cidade de Toledo, Paraná.

E,após 20 cobranças de pênaltis para cada lado, o So-fran Vapor elimina o Atlético Parana-ense. Vitória sofri-da, que leva o time da cidade de Toledo às semifinais e, logo, ao título, sem maio-

res dificuldades. Os meninos, após a conquista, pegam a estrada rumo ao oeste do Paraná sonhando com con-tratos milionários e convocação para a seleção brasileira. Esse poderia ser o ponto de partida da história fute-bolística de um de nossos craques da bola. Mas não é. O episódio – de fato verídico – serve para ilustrar que os números não mentem. O Sofran Va-por, além de participar de torneios infantis e mirins, é um projeto social que integra esporte e educação para jovens. Leva o nome pela fama de Toledo: um dos maiores produtores de SOja do Paraná (210 mil tonela-das/ano); possui a maior unidade de abate de FRANgo da América Lati-na (35 milhões de aves/ano); a tercei-ra maior extração de leite de VAca do Brasil (60 milhões de litros/ano); e a criação mais exuberante de PORcos do estado (900 mil suínos/ano). Por isso, o time se chama Sofran Vapor (SojaFrango-VacaPorco).

Toledo, porém, conta com 110 mil habitantes. Gente que precisa plantar, colher e comer, já que quase a totalidade

da fabulosa produção agropecuária vai direto para o estrangeiro. Por no município, pouco fica. Quem entra em campo, então, e abastece o município é o time de agricultores familiares. Aqui, os craques são pessoas como Marcos Zanatta, hábil nas verduras, Ednei Queiroz, capitão da equipe de produtores orgânicos, e Valério Engelsing, da linha de frente da suinocultura.

Os três vivem em regiões diferen-tes da cidade, mas às terças-feiras há um ponto de encontro. E não é na concentração. Bem cedo, eles vão à Cozinha Social. É nesse local que 512 agricultores familiares se encontram semanalmente para en-tregar a produção ao Programa de Aquisição de Alimentos da Agri-cultura Familiar (PAA), do Minis-tério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Funcio-na assim: o PAA compra R$ 3,5 mil de alimentos de cada agricultor por ano, fazendo com que, por exemplo, Marcos, durante 12 meses, forne-ça verduras; Ednei, vegetais orgâ-nicos; e Valério, carne de porco. É assim que o governo federal garan-te a venda do homem do campo e leva alimento para pessoas pobres da cidade e, nesse caso, para o Res-taurante Popular.

No convênio 2006/2008, o MDS destinou R$ 1,3 milhão ao PAA em Toledo, além da contrapartida da prefeitura, de R$ 325 mil.

Toledo é um dos maiores produtores de soja do Paraná, possui a maior unidade de abate de frango da América Latina, tem a terceira maior bacia leiteira do Brasil e a maior criação de porco do estado. Mas tudo vai para o estrangeiro.

E aí? Como alimentar os 110 mil habitantes do município?

31O t im e d e a g r i c u l t o r e s f a m i l i a r e s e n t r a e m c a m p o SAN

L O C A L I Z A Ç Ã O

Toledo – PR

Toledo

PRCuritiba

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No gol, Marcos ZanattaMas nada é tão simples assim. Para

que, às 8h, Marcos Zanatta esteja na Cozinha Social, muito treino, como um goleiro, se fez necessário. Bota de borracha, calça e camisa aberta no peito: é o uniforme para encarar, às 4 da madrugada, tempo fechado, frio de 8 graus e chuva para colher as verduras que produz. Aí, põe tudo na caminhonete e vai entregar ao PAA. A caminhonete, aliás, é simbólica. Por causa dela, Marcos dana a falar da própria trajetória. Já rodou o Paraná à procura de melhores chances, mas não definia em que produção inves-tiria. Quando optou pelas verduras, fez um golaço. “Hoje, tenho uma boa renda. Trabalho muito, mas dá para viver bem”, confessa.

Quando não vão para o PAA, os alimentos do agricultor têm um des-tino certo: a Feira de Produtores de Toledo, criada e supervisionada pela prefeitura e pelo Instituto Paranaen-se de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/PR). Passam por ali, a cada quarta-feira, 4 mil pessoas, mo-vimentando cerca de R$ 45 mil. Só

Marcos vende 900 pés de alface e mil quilos de outras verduras. Ele lem-bra, encabulado, como tudo começou.

“Quando ia vender nas feiras, leva-va somente duas caixas de verduras.” Isso acontecia quando se dividia en-tre a plantação e a criação de vacas. Por essa época, convidado pela pre-feitura, ia até os municípios vizinhos de Assis Chateaubriand e Marechal Cândido Rondon para conhecer as feiras locais. Uma passagem curiosa marca ambas as viagens. Ao chegar, ele via os agricultores cheios de caixas, não se segurava e saía perguntando:

“Olá, tudo bem! Sou produtor de To-ledo e gostaria de saber quantas cai-xas de verduras você vende num dia de feira”. A resposta, em Assis: “Trin-ta caixas”. Em Rondon: “Cinqüenta caixas”. Logo vinha o desabafo de Marcos: “Putz, como você faz para vender tanto...?”.

Atualmente, quem corre atrás são os feirantes de outros lugares, pois ele driblou as dificuldades e vende 200 caixas a cada dia de feira no centro, cem vezes mais que antes, enchendo aquela caminhonete que motiva as re-cordações dos tempos mais árduos.

Na lateral, Ednei QueirozNa mesma feira, está Ednei Quei-

roz, da equipe de orgânicos. Com ele, não tem carrinho, tampouco pontapé. É tudo no jogo limpo, pela lateral e sem agrotóxicos. Ele vende ao PAA, na feira do centro e em outra de me-nor porte. Está no começo. Pensa, en-tretanto, no futuro. Criou, ao lado de outros oito participantes do PAA, a Associação de Produtores Orgânicos Familiares de Toledo. E, com o finan-ciamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Fami-liar (Pronaf), do Ministério do Desen-volvimento Agrário (MDA), instalou uma estufa no meio da plantação para acelerar a colheita e proteger melhor as verduras.

A opção por orgânicos talvez se explique pela história da família. De Guaraqueçaba, interior paranaen-se, a mãe de Ednei, Maria de Lour-des, trouxe as sete crianças para To-ledo. Sem renda fixa, sempre traba-lhou como bóia-fria nos latifúndios da região. De vez em quando, iam também os filhos. Daí, surgiu a aver-são aos inseticidas, aliada também à

insalubre experiência do agricultor com a baixíssima temperatura num frigorífico. “Penso na saúde”, explica Ednei. “Com os orgânicos, ganham o meio ambiente, os consumidores e os produtores.” E completa: “E tem os passarinhos, o ecossistema...”

Na ponta, Valério EngelsingFora do cinturão verde que está em

volta de Toledo, numa das pontas da cidade, posiciona-se Valério Engel-sing. Ele vive na Linha 14 de Dezem-bro, localidade de imigrantes alemães formada por 50 famílias. Com Valério não tem jogo aéreo. A bola rola no chão, de onde se alimentam também os 300 porcos que cria na dobradinha com o filho/vizinho Adair. Como o futebol está no espírito do brasileiro, para esse simpático produtor, a sui-nocultura “está no sangue”. E, para abastecer a cidade, Valério vende a fri-goríficos. Como não tem um rebanho expressivo, fica na mão das empresas, que levam o quilo do porco a R$ 2,2. Isso porque os frigoríficos, proposi-talmente, não distinguem o preço de cada peça e compram um animal de 100 quilos, por exemplo, a R$ 220.

Ao falar de quantias e pagamen-tos, Valério solta um repertório va-riado de analogias, todas ligadas ao PAA, do qual participa com o filho/vizinho, que resulta na venda de R$ 7 mil/ano de suínos. Primeiro, diz que o PAA é como um carro, pois o di-nheiro da venda da carne é reinvesti-do na criação – avalia que um auto-móvel também carece de aplicações contínuas. Depois, volta à infância.

“Pedia dinheiro ao pai para ir ao bai-le de sábado. Ele dava. Mas eu sabia que tinha de voltar com troco porque, caso contrário, não teria baile no ou-tro sábado”, tenta explicar. Quando vende um porco para o PAA, sempre contabiliza o valor que falta para che-gar à cota. Até junho de 2008, entre-gou 18 animais, ou seja, R$ 3,3 mil. Ainda restam R$ 3,7 mil para ir aos bailes, quer dizer, para vender, junto com o filho, ao PAA. Valério brinca e faz referência toda hora ao Progra-ma. Também pudera. Nele, há distin-ção das peças. A costela sai a R$ 4,6 o quilo, o traseiro a R$ 4,27 e a paleta a R$ 3,51, preços de mercado. E ele nem vai à Cozinha Social. Um frigorí-fico local recolhe os animais e, depois

Aqui, os jogadores, ou melhor, agricultores são pessoas como

Marcos Zanatta, hábil nas verduras, Ednei Queiroz, capitão da

equipe de produtores orgânicos, e Valério

Engelsing, da linha de frente da suinocultura.

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SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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TABELINHA ENTRE AGRICULTORESO goleiro Marcos Zanatta cobra o tiro de meta levando uma caminhonete carregada de verduras para vender ao PAA e à Feira Municipal. A bola de Marcos chega redonda para o lateral e capitão Ednei Queiroz entregar mais alimentos – estes orgânicos – para o mesmo destino: o Programa e a Feira. Na linha de frente, Valério Engelsing arremata ao gol – e ao PAA – muita carne suína para delírio da torcida, formada por usuários do Restaurante Popular, pessoas atendidas por entidades assistenciais e clientes das feiras.

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de cortados, entrega lá. Em troca, fica com os miúdos (pé, cabeça, coração). É assim também com os outros 14 sui-nocultores e 43 bovinocultores inseri-dos no PAA em Toledo.

Do campo à torcida Terça-feira. São 8h. Marcos Zanatta

e Ednei Queiroz deixam na Cozinha Social, apoiada pelo MDS e manti-da pela prefeitura, 310 e 120 quilos de verduras, respectivamente. Do fri-gorífico, mais tarde um pouco, vem a carne de boi e de porco. Os produto-res do PAA continuam chegando. E a escalação vem em ordem alfabética: Augusto Moresco, que integra a As-sociação Fábrica de Queijos Cerro la Lola, chega com 70 quilos de queijo mussarela de 12 associados; a dupla Edson Heiss e Rinaldo Carneiro, da Associação de Apicultores de Toledo, leva 375 quilos de mel de 38 associa-dos; e Paulo Feiten, produtor de trigo, traz 85 quilos de macarrão caseiro.

A partir das 10h30, na Cozinha So-cial, encostam Kombis de 12 entidades assistenciais, que atendem 2,4 mil pes-soas. As entidades levam uma média de 1,6 tonelada/semana de alimento produzido pela equipe de agriculto-res familiares do PAA. Na Casa de Maria, ligada à Diocese de Toledo, por exemplo, crianças que nunca ti-nham visto mel até então passaram a se lambuzar com ele. E os vegetais entraram, de vez, na dieta dos 410 meninos e meninas que ali estão no contraturno escolar.

Os alimentos não vão apenas para as instituições, mas para o Restauran-te Popular, apoiado pelo MDS e pela prefeitura. Na verdade, vão para as

quatro unidades, cada uma servindo cerca de 300 refeições/dia a R$ 1,50. O aporte financeiro de R$ 800 mil do Ministério foi para a compra dos equipamentos da Cozinha Social, que centraliza a produção e, por volta das 11h, distribui as refeições para as uni-dades. Com o PAA, se consegue suprir 75% das necessidades do Restauran-te Popular.

Numas das unidades, um lance curioso enche os olhos. São os cra-ques da agricultura familiar do PAA encontrando a entusiasmada torcida de usuários do Restaurante Popular. Lado a lado na mesma mesa, estão Arno Kotz, suinocultor da localidade de descendentes de alemães; Cleo-mar Di Domênico, produtor de milho; e João Batista Braga, trabalhador de uma mecânica das imediações. No cardápio: arroz, feijão-preto, polen-ta, cenoura cozida, alface, carne de porco assada e banana. A carne saiu da criação de Arno e a polenta da plantação de Cleomar. Ao saber dis-so, João vai agradecendo: “Que Deus abençoe vocês. Continuem plantando no campo e alimentando o homem da cidade”.

Os alimentos do PAA têm dois destinos: oRestaurante Popular, que alimenta 1,2 mil pessoas/dia; e 12 entidades assistenciais, que atendem 2,4 mil pessoas.

As modalidades do PAA

Como vimos, os agricultores fami-liares de Toledo batem um bolão no PAA. Apesar de popularmente co-nhecido por “Compra Direta”, o PAAtem revelado outros hábeis produ-tores pelo Brasil afora em quatro modalidades distintas:

1. Compra para Doação Simultânea: adquire alimentos para a entrega di-reta a entidades socioassistenciais. É financiado pelo MDS e executado pela Companhia Nacional de Abaste-cimento (Conab) e por governos esta-duais e municipais.

2. Compra Direta: adquire determina-dos alimentos, em época de colheita (quando estão baratos), para formar estoque estratégico do governo fede-ral e para compor cestas básicas que serão distribuídas a pessoas em vul-nerabilidade social. É financiado pelo MDS e pelo Ministério do Desenvolvi-mento Agrário (MDA) e executado pela Conab.

3. Formação de Estoque: adquire a produção dos agricultores familiares por meio de associações/cooperati-vas e, assim, ajuda a preservar o pre-ço. Ou o valor é devolvido em dinheiro ou o produto vai compor a cesta bási-ca. É financiado pelo MDS e pelo MDAe executado pela Conab.

4. Programa do Leite: adquire lei-te e distribui diretamente à popu-lação carente. É financiado pelo MDS e executado por governos es-taduais do semi-árido (Nordeste e Minas Gerais).

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TODOS GANHAM1. Entidades recolhem os alimentos do PAA, que beneficiam 2,4 mil pessoas.2. Em pleno funcionamento, a Cozinha Social prepara as 1,2 mil refeições do Restaurante Popular.3. Cleomar, João e Arno: agricultores e beneficiários do PAA juntos.

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Com Marcos, Ednei e Valério, a equipe de agri-cultores familiares do PAA vem batendo um bo-lão em Toledo, Paraná.

Quem também joga bonito são as famílias produ-toras de leite de uma assentamento em Sergipe.

C O N E X Ã O

Esta reportagem divulga

ações do Programa:

VARIEDADE DE ALIMENTOS4. Augusto faz parte de uma associação de produtores de queijo que entrega cerca de 70 quilos/semana do produto ao PAA.5. Edson e Rinaldo são da associação de apicultores e vendem aproximadamente 380 quilos de mel/semana ao Programa.6. Paulo produz mais de 80 quilos/semana de macarrão para abastecer as 12 entidades atendidas pelo PAA.

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3

Raio X do PAAR$1,4

bilhão * de 2003 a 2007

1,2bilhão

* de 2003 a 2007

Toneladas de alimentosInvestimento total

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Em 1985, mais de 200 famílias do assentamento Barra da Onça estavam acampadas em barracas de lona, sem ter o que comer. Os anos se passaram e os fortes sertanejos continuam na terra, só que vivem do leite, têm um laticínio para beneficiar o alimento e a garantia de compra do PAA.

texto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

Antes, sem terra;hoje, produtores associados

QUINTETO DE OUROMarcos percorre o terreno, de 25 hectares, atrás das cinco vacas responsáveis pela sobrevivência da família: Estrelinha, Malhada, Pretinha, Rainha e Veluda.

paa leite

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L O C A L I Z A Ç Ã O

Poço Redondo – SE

SE

Poço Redondo

Aracaju

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Marcos Antonio Vieira Matos brin-ca sobre como conseguiu a TV, o sofá, a antena parabólica e ou-tros móveis e apa-relhos eletrônicos:

“Compro fiado e ainda peço troco”, conta sorrindo. O filho, José Adrieu, de 7 anos, sonha com o dia que o pai fizer a mesma coisa para adquirir um videogame. Por enquanto, o menino pega o livro de português, senta no chão e começa a ler. Está na 1ª série e, sempre cedinho, o transporte es-colar passa perto de casa para levá-lo ao colégio. Nesse horário, Marcos e a esposa, Adriana, já estão de pé para ordenhar as cinco vacas, plantar um tiquinho de feijão e milho e cuidar dos pés de palma (espécie de cacto do sertão, que serve de alimento para o gado na época da seca). Hoje, segun-da-feira, como indica o calendário do laticínio União pregado na parede da sala –, têm ainda de ir à feira no cen-tro de Poço Redondo, Sergipe, para as compras da semana.

Se o dia está cheio, então, Marcos logo percorre o terreno, de 25 hectares, atrás do quinteto de vacas responsável pela sobrevivência da família: Estre-linha, Malhada, Pretinha, Rainha e Veluda. Tira 20 litros, enche o tambor,

As famílias do assentamento Barra da Onça reforçam a

célebre frase do escritor Euclides da Cunha,

autor de Os Sertões: “O sertanejo é, antes de tudo,

um forte.”

“Chegamos num momentoem que estávamos pagando para trabalhar.Agora, com a venda garantida do PAA Leite, entramos no mercado.”

e vai ajeitar o cavalo na carroça. Pas-sa na casa de sete vizinhos e também transporta o leite deles. Ao todo, 300 litros puxados pelo cavalo – este, sa-be-se lá por que, não tem nome. Pelo caminho, o produtor saúda uns e tro-ça com outros. A maioria do pessoal está com leite sob as carroças ou mo-tos e todos seguem para um único caminho: o laticínio União, aquele do calendário.

Chegando lá, começa a se formar um pequeno engarrafamento. Passa das 8h e os agricultores não se impa-cientam com a demora. Há quem tire um cochilo, proseie com o colega da frente e aqueles que permanecem ca-lados, mascando uma plantinha, pois a comercialização do leite está garan-tida pelo Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), modalidade incentivo à pro-dução e ao consumo de leite, do Mi-nistério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) – também co-nhecido por Leite Fome Zero. Mas o assentamento Barra da Onça, à beira da SE-137, que liga a capital Aracaju ao sertão sergipano, nem sempre teve calmaria semelhante e desfrutou de tanto otimismo dos moradores. As 212 famílias já lutaram muito para resis-tir quando o assentamento era ainda acampamento do Movimento Rural dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a época, a década de 1980.

O preço do leiteMarcos está aqui há pouco tempo,

mas conhece a história do assentamen-to. No começo, aconteceram violentas emboscadas policiais contra os que acampavam numa área de 6,2 mil hec-tares de terras improdutivas. De em-boscadas, aliás, o município de Poço Redondo entende: na década de 1930, após inúmeras perseguições, enfim, caía o famoso cangaceiro Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, justa-mente na cidade onde até hoje vivem as famílias de Barra da Onça.

O tempo corre e todos se tornam assentados da Reforma Agrária. O desafio deixa de ser a repressão para dar vez à sobrevivência. Sem dinheiro, já nos anos 1990, é preciso plantar e, principalmente, colher. A safra escassa, devido aos longos períodos de estia-gem – “de seca braba”, como diz Mar-cos –, leva os sertanejos a mais uma

prova de fogo. É quando começam os financiamentos do Programa Nacio-nal de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Aí, as vacas e palmas começam a ganhar espaço. E a venda do leite transforma-se na principal fonte de renda.

Transforma-se na teoria, pois na prática a tal renda vira poucos trocados. Grandes laticínios se instalam na região e, no início, atraem a atenção das famílias, que vibram com o financiamento das empresas para a compra de mais vacas. O acerto manda que o pagamento dos empréstimos venha em forma de litros de leite. Certo, mas não está clara a relação litro/real e, na mão dos laticínios, os agricultores passam por maus bocados. O preço praticado, que varia entre R$ 0,50 e R$ 0,60, cai pela metade, chegando a inacreditáveis R$ 0,14.

“Chegamos num momento em que estávamos pagando para trabalhar”, conta Francisco Sousa, presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Barra da Onça (APPR/BO), responsável pela gestão do laticínio União. Isso para não falar dos rotinei-ros calotes. A empresa, de uma hora para outra, simplesmente alega dificul-dades financeiras, fecha as portas na região, sai sem pagar nenhum produ-tor e transfere os negócios para outras praças. Assim, uns 10% das famílias deixam o assentamento à procura de

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MAIS AUTONOMIAUma iniciativa do MDS dará mais autonomia aos agricultores familiares sertanejos na hora de ne-gociar com os laticínios: a compra de 352 tan-ques de resfriamento de leite, de até 4 mil litros cada, instalados nas comunidades inseridas no PAA em todo o semi-árido brasileiro. Assim, o lei-te será resfriado imediatamente após a ordenha e o produtor terá mais independência para ne-gociar o preço do transporte. O MDS, juntamen-te com o Ministério de Minas e Energia (MME), investiu R$ 7 milhões no projeto.

LEITE SERTANEJO1. Adriana e Marcos cuidam da palma para não faltar alimento às cinco vacas que criam.2. Após a ordenha, Marcos vai ao laticínio União.3. O leite é inspecionado por técnicos do latícinio, antes de ser beneficiado.4. No sertão também faz frio, como mostra a cerração de uma manhã de junho.5. João vai ampliar e melhorar a casa, com a venda do leite ao PAA.

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O Programa inverte o jogo de tabuleiro: oagricultor

familiar negocia como

contratantee não mais como

contratado dos laticínios.

melhor sorte. Os que ficam resistem mais uma vez, reforçando a célebre frase do escritor Euclides da Cunha, autor de Os Sertões: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.

E haja força para superar as dificul-dades e ainda reunir esforços para ir atrás de investimentos para viabilizar a construção de um sonho: criar o pri-meiro laticínio associativo de Sergipe

e sair, de vez, da mão dos grandes la-ticínios. Concretizam o desejado por intermédio de financiamentos do Ins-tituto Nacional de Colonização e Re-forma Agrária (Incra) e do Pronaf, modalidade infra-estrutura. O lati-cínio União sai do papel, mas quase vira peça de museu. Funcionando com baixíssima produção, o leite passa a ser beneficiado (pausterizado e ensacado, como determina a Vigilância Sanitá-ria), mas não comercializado. Há mer-cado e disputa por ele. E novamente aparecem os grandes laticínios. Eles vendem abaixo do preço usual para quebrar o tão sonhado empreendi-mento dos assentados. É quando, em 2003, surge o PAA Leite, que compra até R$ 3,5 mil do alimento, por semes-tre, de cada produtor.

Porém – já está ficando repetitivo –, aparece outra pedra no meio do caminho. A pedra tem nome: lati-cínios particulares. Para executar o Programa, é repassado R$ 1 ao lati-cínio para beneficiar o litro de leite

e pagar pelo mesmo litro ao produ-tor familiar (R$ 0,50 para cada par-te). A seleção dos laticínios acontece por processo licitatório que acaba ex-cluindo o União, dos assentados da Barra da Onça. E a pindaíba retorna, mas por pouco tempo. Em 2006, o MDS inverte a lógica do PAA Leite em Sergipe com a parceria do governo estadual. Nada de laticínio fazendo pagamento ao agricultor. Agora, o recurso vai para as associações – em Sergipe, são quatro – e estas contra-tam o serviço de seis laticínios par-ticulares e do União. Há a inversão de papéis: o pequeno negocia como contratante e não mais como contra-tado (abaixo, o modelo de gestão do Programa em Sergipe).

O presente é o PAA LeiteRefletindo sobre tudo isso, Marcos

espera pacientemente a vez de descar-regar os 300 litros de leite dele e de sete vizinhos inseridos no PAA Lei-te. No ato de entrega, os técnicos do

PAA LEITE EM SERGIPE

Investimento total

R$13milhões

* em 2008

R$0,30por litro

R$0,80por litro

R$0,60por litro

R$0,60por litro

31,7 milfamílias

beneficiadas

R$0,50por litro

R$0,60por litro

Governo Estadual

MDS

2ºO MDS repassa R$0,80/litro para o governo estadual, que complementa R$0,30/litro.O recurso é destinado às qua-tro associações de produtores.

As quatro associações con-tratam sete laticínios, entre eles o União, para beneficiar o leite aR$ 0,50/litro.

Os sete laticínios dis-tribuem 34,2 mil litros/dia de leite pasteuriza-do às famílias.

As quatro associações re-passam R$ 0,60/litro aos 1.025 produtores do PAA.

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Marcos não depende mais de atravessadores para vender o leite que produz num assentamen-to no sertão sergipano. Ele está no PAA Leite.

A produção e a comercialização são processos que estão sendo vencidos pelo assentamento Che Guevara.

C O N E X Ã O

LEITE PARA TODOS1 e 2. No laticínio, o leite é beneficiado: pausterizado e ensacado.3. O União é o primeiro e único laticínio associativo de Sergipe.4. Maria Edelma alimenta o filho com o leite do PAA, assim como 31,7 mil famílias sergipanas.

Esta reportagem divulga

ações do Programa:

laticínio – também assentados – ano-tam quantos litros cada produtor traz. Cada um, geralmente, tem uma cota diária previamente definida. Marcos leva sempre 20 litros, que garantem R$ 12/dia.

Quantia parecida – 25 litros – en-trega o agricultor familiar/aposentado João Sousa. Ele prefere não falar da época difícil – quando saía para tra-balhar na roça dos outros por poucos reais, já que lhe compravam o leite a preços irrisórios. Gosta é de mostrar como a casa cresceu, deixou de ser de tábua e de pau-a-pique – barro e ma-deira – para ser de alvenaria. “Vou juntar dinheiro para trocar o telhado e ampliar um pouco mais os espaços internos”, planeja.

No canto do terraço, enquanto João fala dos planos, a esposa, Maria dos Prazeres, cuida da filha caçula do casal, Fayane, 3. A presença das vacas e do lei-te é tão forte para esses sertanejos que, em vez de pedir a boneca que a meni-na tem nas mãos, Maria troca as pala-vras: “Me dá a vaquinha”. As pessoas olham para ela. “Iiii, foi sem querer.” E todos riem, no instante em que começa a chover e as sete vacas da família vão molhando aos pouquinhos.

Quando João tira mais de 25 litros de leite – quantia que vai para o PAA –, o destino do alimento é o mesmo dos

demais produtores: o laticínio União, que reúne os cerca de 4 mil litros/dia excedentes do Programa e, agora com poder de negociação, revende para la-ticínios maiores a preço de mercado, R$ 0,55, em média. “O diferencial é que entramos no mercado. Com a ven-da garantida ao Programa, podemos negociar o restante do leite”, explica o presidente da Associação, Francis-co Sousa. “Se outros laticínios quise-rem diminuir o valor de compra, tudo bem, não vendemos. Temos preço para negociar.”

A outra parte da produção – 2 mil litros/dia – vai para a elaboração de queijo, comercializado pelos super-mercados das redondezas. Já os 6,2 mil litros/dia, processados pelo lati-cínio ao PAA, alimentam 4,5 mil pes-soas de baixa renda da região. Após passar por poucas e boas, o União já conta com a certificação do Serviço de Inspeção Estadual (SIE), da Secre-taria de Agricultura de Sergipe.

Ainda assim, de vez em quando,

empresários visitam moradores do assentamento Barra da Onça. Dos veí-culos, desce gente bem arrumada cheia de propostas tentadoras de grandes laticínios. É comum encontrar quem venha da capital, Aracaju, numa via-gem de três horas. Educadamente, eles se dispõem a pagar R$ 0,70 e até R$ 0,80 por litro de leite, indo bus-car o produto diariamente na casa do agricultor, desde que este venda toda a produção para aquele, abrin-do mão do PAA Leite.

Sem pestanejar, a oferta é recusada sem mais delongas. E olha que o pre-ço proposto está acima do praticado. Nem é preciso forçar a memória para ter certeza de que não é um bom ne-gócio. Basta recuar alguns anos. Os empresários que hoje enviam os emis-sários são os mesmos que, há alguns anos, vinham com propostas quatro vezes menores, que um dia chegaram a R$ 0,14 o litro.

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A terrados sonhostexto ROSIENE ASSUNÇÃO fotos BRUNO SPADA

O trabalho como peão de fazenda sustentava precariamente seu Reginaldo e a família. Agora, no pré-assentamento Che Guevara, no interior pernambucano, ele vê um sonho realizado: plantar para alimentar a esposa e os três filhos.

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assentamento produtivo

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Numa fazen-da outrora improduti-va, nos arre-dores da ci-dade de Ju-rema, Per-nambuco, está o pré-a s s e n t a -mento Che Guevara, do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ali, homens e mu-lheres dividem uma pequena cozinha para preparar o almoço comunitário do domingo que antecede as festivi-dades de São João. O cheiro da carne, que está cozinhando, pode ser sentido de longe e parece que a mesa vai ser farta. Os almoços comunitários acon-tecem pelo menos duas vezes por se-mana, em razão de alguma festivida-de, reuniões importantes ou apenas uma confraternização para que to-dos compartilhem a comida.

A comunidade é formada por 50 famílias, e em cada barraco os mora-dores fazem algum prato para o almo-ço. No local, as tarefas costumam ser divididas, e o que é de um é de todos. A fazenda tem cerca de 900 hectares e cada família, a própria roça. Elas plantam alface, macaxeira, melancia, milho, tomate e outras frutas, horta-liças e verduras. A produção é de res-ponsabilidade de cada família, mas comunhão é a palavra de ordem.

Seu Reginaldo José da Costa é um dos líderes das famílias do Che, como é chamado o pré-assentamento. Por muitos anos, ele foi peão de fazenda. À época, cuidava dos animais e da roça dos patrões, mas não tinha o suficien-te para dar de comer à família e nem perspectiva alguma de que a situação pudesse mudar um dia. Quando sur-giu a oportunidade de ter o pedaci-nho de terra para plantar e produzir o alimento, ele não pensou duas ve-zes. Ao lado da esposa e dos três fi-lhos, decidiu se juntar ao grupo que está ocupando a fazenda.

Ele explica que tudo o que será con-sumido no almoço é produzido no pré-assentamento, com exceção do arroz. O que não vem dali é compra-do com dinheiro oriundo da venda da produção. “A galinha de capoeira, essa que tá cozinhando, veio do projeto.

O almoço do domingo é anunciado

com empolgação:

arroz com couve, macaxeira cozida,

milho cozido, salada e galinha caipira. Para a sobremesa, canjica, doce de jaca dura e bolo de macaxeira.

Vieram também bode e ovelha, e se-mana passada chegaram sementes de milho. Como já tem muito milho e o tempo dele tá acabando, a gente achou melhor plantar só ano que vem [2009]. Mas tudo é a gente que planta e cria”, diz com orgulho.

O projeto a que seu Reginaldo se refere é o Projeto de Segurança Ali-mentar, Nutricional e Produtiva em Acampamentos e Pré-Assentamentos da Reforma Agrária no Semi-Árido de Pernambuco, um convênio entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Cári-tas Brasileira, regional Nordeste 2, em parceria com movimentos sociais, que beneficia 3 mil famílias de 63 comu-nidades. Com investimento total de R$ 2,5 milhões, os trabalhadores ru-rais se dividem em grupos e definem os animais que serão criados e quais vegetais vão cultivar em sistemas co-letivos de produção. Após processo li-citatório, animais, sementes e demais aparatos necessários para a execução do projeto são comprados.

No Che, eles optaram pela criação de aves, bodes, ovelhas e peixes e re-ceberam sementes. Boa parte do que é produzido vai para consumo. O ex-cedente é vendido. Ao meio-dia, um grande grupo de pessoas chega para o almoço. Elas saíram às 4 da ma-drugada para ir à Feirinha de Quei-mados, que fica na sede da cidade de Jurema. Ali, as famílias do Che co-mercializam o que produzem e usam o dinheiro para comprar outros tipos de comida e roupas, remédios e o que mais for preciso.

Do terreiro para a mesa O almoço daquele domingo é anun-

ciado com empolgação: arroz com couve, macaxeira cozida, milho co-zido, salada e galinha caipira. Para a sobremesa, canjica, doce de jaca dura e bolo de macaxeira.

No terreiro, seu Reginaldo mostra as galinhas espalhadas por toda par-te, e que, hoje, são a peça principal do cardápio. Ele explica a origem do nome das aves: “É porque a gente tem de correr atrás e tentar dar uma ras-teira nela para conseguir pegar. Por isso, a gente chama de galinha de ca-poeira”. Na tentativa de exemplificar, corre atrás de uma galinha e quase leva uma rasteira.

43A t e r r a d o s s o n h o s SAN

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UMA GRANDE FAMÍLIA1. Vista da antiga casa-grande transformada em cozinha coletiva, escola, sala de reuniões e casa de três famílias. 2. É hora do almoço comunitário. 3. Seu Reginaldo: de peão de fazenda a produtor de alimentos.4. Hum, que delícia: o bolo de macaxeira é a sobremesa.5. Seu Reginaldo e dona Marinês exibem as cabras que criam.

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assentamento produtivo

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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Quando indagado sobre por que tanta gente desiste dos acampamentos, seu Reginaldo não hesita em responder: “Por causa da fome”.Em meio às muitas pessoas que preparam o almoço, há um grande silêncio. Hoje, não falta mais comida no Che.

O MDS desenvolve projetos de Seguran-ça Alimentar e Nutricional em Acampa-mentos e Pré-Assentamentos da Reforma Agrária em Pernambuco, Bahia, Sergipe e Minas Gerais. Ao todo, o investimento soma R$ 9 milhões para beneficiar 21 mil famílias, que antigamente de-pendiam do fornecimento de cestas de alimentos para sobreviver.

SAN em acampamentos

Acomida será servida na casa-grande, o lu-gar onde moravam os donos da antiga fazenda improduti-va. Agora, o espa-ço serve de sala de reuniões, escola, co-zinha coletiva e abri-

ga também três famílias. No Che, os moradores vivem em barracos, a maio-ria de pau-a-pique – madeira e barro –, com um teto de palha e pedaços de lona para reforçar.

Uma das três famílias que moram na Casa-grande é a de seu Reginaldo. São cinco pessoas que vivem num cô-modo, dividido com cortinas para for-mar sala, cozinha e quarto. Dona Ma-rinês é a esposa de seu Reginaldo e a mãe de Sinês, Romário e José Ronildo. Ela diz que não há comparação entre a vida que levavam e a atual. “Hoje, eu trabalho e produzo o de comer para a minha família. É uma esperança que a gente tem agora e que antes não exis-tia.” Sinês concorda com tudo o que a mãe fala, fazendo leves movimen-tos com a cabeça. A menina coorde-na o grupo jovem do Che, liderando reuniões nas quais os jovens recebem orientações e desempenham projetos relativos à Reforma Agrária. Quando perguntada sobre o que pensa para o futuro, faz cara de dúvida e responde que ainda não pensa nisso. O pai, seu Reginaldo, responde por ela: “Vai con-cluir os estudos, ora!”.

Uma história de vidaNo pré-assentamento, que leva o

nome do revolucionário argentino

Ernesto Guevara, lutar pela dignidade é tarefa de todos os dias. Apesar da vida difícil dos moradores, o lugar é o ponto onde todos os sem-terra al-mejam um dia chegar, como se fosse a terra dos sonhos, pois ali a terra já foi desapropriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o assentamento está sendo implantado. A luta das famílias do Che já dura cinco anos, quando a fazenda foi ocupada por 600 pessoas. Menos da metade permanece no lo-cal. Quando seu Reginaldo é indaga-do sobre por que tanta gente desiste dos acampamentos, ele não hesita em responder: “Por causa da fome”. Em meio às muitas pessoas que preparam o almoço, há um grande silêncio. Hoje, não falta mais comida no Che.

Após o almoço, os caldeirões são dispostos enfileirados na velha va-randa em frente à Casa-grande. As panelas e demais aparatos de cozinha usados no preparo também fazem par-te do projeto do MDS/Cáritas, que estrutura cozinhas coletivas nos nú-cleos de produção familiar.

Mas, antes de comer, todos formam um semicírculo. Um a um, os anfi-triões saúdam os visitantes e expõem o contentamento de ver o resultado de uma vida de luta pela terra. Almir Silva Xavier, que representa o MST no Gru-po Gestor do Projeto (GGP), dirige-se a todos como “companheiros”. Ele conta que, antigamente, uma cena como aque-la seria improvável: “Antes, um homem pobre só via carne no dia em que o pa-trão dava um almoço para alguma visita ilustre. Hoje, estamos todos aqui comen-do o fruto do nosso trabalho”.

L O C A L I Z A Ç Ã O

Jurema – PE

PEJurema

Recife

45A t e r r a d o s s o n h o s SAN

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MDSapóia

Lá vai Mamede Gomes de Olivei-ra novamente se deparar com uma cena difícil de en-trar em sua cabe-ça. Apesar de cus-tar a ser entendi-da, periodicamen-te ela se repete. De bicicleta, já fim do

dia, ele leva as frutas que planta no lote de produção que lhe pertence no assentamento Mártires de Abril, no distrito de Mosqueiro, em Belém, Pará. Vai até a Feira do Cajueiro ven-der o que acaba de colher: coco e ma-racujá. Chega numa das fruteiras e, logo, o inquietante episódio aconte-ce outra vez.

O cartaz exibe: “Promoção: coco gelado a R$ 1”. Ao entrar no pequeno

texto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

mercadinho, nota-se que o quilo do maracujá sai a R$ 3. Mamede coça a cabeça e pensa: “Não consi-go entender”. E procura o dono do comércio.

– Rapaz, tá vendendo bem o coco, né? Mas você me paga só R$ 0,40 por cada um.

– É, mas sou eu quem vende.– Mas sou eu quem planta e cuida.

Pelo maracujá você me paga R$ 1,50 o quilo... Você ganha sempre o dobro

– É. Vai querer ou não?Sem ter para quem vender os co-

cos e maracujás que trouxe na bici-cleta, numa pedalada de 20 minutos, Mamede continua coçando a cabeça, vende as frutas e sai com gás redo-brado para investir no que ele cha-ma de Lapo: Lote Agroecológico de Produção Orgânica. Isto é, o espaço demarcado para Mamede e a esposa,

– Rapaz, tá vendendo bem o coco, né? Mas você me paga só R$ 0,40por cada um.– É, mas sou eu quem vende.– Mas sou eu quem planta e cuida. Pelo maracujá você me paga R$ 1,50 o quilo... Você ganha sempre o dobro.– É. Vai querer ou não?

em outras regiõesassentamentos

do Brasil

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assentamento produtivo

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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Os exemplos do Che Guevara, em Pernambu-co, e do Mártires de Abril, no Pará, mostram como o MDS incentiva a produção e a comer-cialização de alimentos em assentamentos da Reforma Agrária.

Quem vem se estruturando e já vende tudo o que produz são as Colônias de Pescadores do Pantanal, apoiadas pelo Consad.

C O N E X Ã O

Teófila, plantarem. A opção do casal é pelo alimento livre de agrotóxico e a aposta, em vez de vender para mer-cadinhos, é entregar diretamente nos arredores do assentamento do Movi-mento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na turística Mosqueiro. “Aqui, é uma região de veraneio. O pessoal mora em Belém e vem passar as férias e feriados na praia de rio”, explica Edson de Matos, técnico agrí-cola da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares e Empreen-dimentos Solidários da Universidade Federal do Pará (ITCPES/UFPA). O distrito, uma ilha afastada 70 quilô-metros da capital paraense, é banha-do pelos rios Guamá e Pará, forman-do 17 quilômetros beira-rio de ondas leves de água doce. A região, então, tem público mais que suficiente para comprar os cocos, maracujás e outras quatro dezenas de frutas, legumes e verduras que Mamede cultiva no Lapo. Até cartão de visitas, com o número do celular, o agricultor familiar fez para distribuir de casa em casa.

Apesar do esforço, a verdadeira convicção de Mamede para que aque-la cena no mercadinho nunca mais se repita vem do Projeto de Empreen-dimentos Econômicos Solidários com Universidades Públicas do Mi-nistério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). No Pará, conveniado à UFPA, o investimen-to de R$ 700 mil prevê a formação, a assistência técnica e o fomento de Centros de Apoio à Agricultura Ur-bana, com vistas à melhoria da pro-dução agrícola e da renda, com a co-mercialização do excedente das 423 famílias paraenses, entre elas as do Mártires de Abril. Outros 24 projetos semelhantes estão em desenvolvimen-to em parceria com as universidades federais e estaduais.

EXPECTATIVA 1. Mamede planta e colhe no Lapo, mas a comercialização está díficil.2. O cultivo orgânico no Lapo é bem diversificado, chega a 40 culturas.3. Teófila e Mamede não vêem a hora de o projeto do MDS começar.

3

A DIFICULDADE DE MAMEDE

47A t e r r a d o s s o n h o s SAN

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“VOU TRABALHAR, MEU BEM QUERER”Na estreita canoa, Dudu cuida do Rio Cuiabá e ganha a vida pescando. No detalhe, o resultado de uma madrugada de pesca de Marquinho e Dudu: um barbado.

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L O C A L I Z A Ç Ã O

Barão de Melgaço – MT

MT

Cuiabá

Barão de Melgaço

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texto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

Conheça a história do pescador artesanal Dudu e seus dois parceiros – Marquinho e Belo –, que tiram das águas do Pantanal o sustento da família. Eles vivem longe dos filhos, sem luz, banheiro nem rede de esgoto. Tudo para cuidar do Rio Cuiabá, livrando-o da pesca ilegal. A Colônia Z5 de Barão de Melgaço, Mato Grosso, compra o pescado dos associados a preço justo, ao contrário dos antigos negociantes como o atravessador. E o Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (Consad) da Baixada Cuiabana apóia e articula parcerias para a organização desses pescadores.

OS GUARDIÕES DO PANTANAL

O s g u a r d i õ e s d o P a n t a n a l SAN 49

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Océu cheio de es-trelas ilumina a madrugada que Dudu passa em claro. Instantes após levantar, por volta das 2h, ele caminha na ponta dos pés para não acor-

dar os parceiros – Marquinho e Belo –, que ainda estão dormindo. Ao lado deles, acende o fogãozinho e esquen-ta a água para o café. Enche a garra-fa térmica e toma a xícara numa go-lada só. O líquido fervente é o com-panheiro de Dudu para enfrentar o frio da noite de inverno no Pantanal. Fecha a porta de madeira, anda pe-la areia, rapidamente chega à canoa e arruma o equipamento: remo, an-zol e tarrafa. Sentado na canoa, re-ma atrás de peixes menores que ser-virão de isca para buscar os nobres e caros: pintado e dourado.

Sentado, Dudu vai remando com as duas mãos até saber a hora de parar e jogar a tarrafa na água. Agarrados nela vêm cinco peixinhos/iscas. Logo à frente, ele diz que há uns quatro ja-carés. “Fica tranqüilo! Eles só atacam se a pessoa ficar vacilando na beira do rio”, adverte, despreocupado tam-bém com a numerosa quantia de pi-ranhas na superfície da água. Agora é a vez de partir para o laborioso ofí-cio de pescar.

Mais algumas remadas e Dudu se ajeita para segurar o remo numa só mão: a esquerda. A direita permanece estendida por longo tempo, na altura que separa a água da canoa, apoiada nesta. Um turista que visitar o Pan-tanal pela primeira vez certamente estranhará um cidadão quieto, está-tico, sem vara de pescar, de madru-gada, próximo à beira do rio, em ci-ma de uma canoa sem movimento. É assim que Dudu, o Eduardo Taques, de 34 anos, e seus “irmãos”, como se consideram, Marquinho, o Marcos Antonio de Arruda, 32, e Belo, o Do-mingos de Arruda Filho, 48, ganham a vida: pescando artesanalmente – ou, como queiram, pescando à mão – nas águas do Rio Cuiabá, no município de Barão de Melgaço, uma das “portas de entrada”, por Mato Grosso, para o Pantanal.

Sob o som dos pássaros, Dudu

segue com a mão direita – aquela es-ticada próxima à água – tensionada. Entre o polegar e o indicador, passa a linha. Uma brisa leve bate e vem o recado: “Na noite em que estamos pegando [peixes] o tempo passa rá-pido. Quando nos damos conta o dia já clareou. Mas, quando não estamos pegando nada, o tempo custa, demora a passar”. E não tem frio ou calor, sol ou chuva, a regra para o trio é pescar peixes nobres e, de preferência, dos grandes, pois é dali que sai o sustento da família, que mora na sede de Barão de Melgaço, distante 30 minutos de canoa do acampamento. Dudu é casa-do e tem três filhos pequenos. Numa semana, dorme duas noites em casa e as outras cinco no acampamento à margem do Rio Cuiabá, entre o sono na rede e o trabalho na canoa.

A rotina de turnos e horários é di-vida entre Dudu, Marquinho e Belo, de modo que nunca o acampamento fique sem um deles. Tudo para manter viva a principal fonte de renda, o rio. A outra vem do Programa Bolsa Família, do qual as famílias do trio de pescado-res são beneficiadas. Se eles saem do acampamento, a região – conhecida por Poço Frederico – é invadida por pescadores ilegais, que lançam redes e armam linhas com ganchos e pra-ticam a “raspadinha”: sem isca, pas-sam a linha, com chumbo pesado, no fundo do rio. Onde o anzol enganchar, prende. Se for num peixe, espeta bo-ca, olho, barriga, qualquer parte. Em ambos os casos, o pescado sai da água fora de medida e ilegalmente.

Mas os guardiões do Rio Cuiabá estão ali para repreender quem de-safia a lei e avisar os fiscais quan-do os fora-da-lei insistem em pescar com rede ou gancho. Não é raro, na-vegando pelo rio, pescadores apon-tarem para trechos do rio onde não há mais peixes. “Se vierem pescar no dedo – ou mesmo com vara –, podem pescar à vontade. Não somos donos do rio. Mas ilegalmente não!”, diz Dudu, mexendo o indicador direito – o mesmo que usa para pescar – de um lado a outro.

Ao despontar do sol, ele encontra Marquinho, que está em outra canoa. Belo, o terceiro pescador da equipe, não está bem. Tossindo muito, não tem condições de pescar e se despede dos colegas para se cuidar em casa, ao

Um turista que visitar o

Pantanal pela primeira vez certamente

estranhará um cidadão quieto,

estático, sem vara de pescar,

de madrugada, próximo à beira do rio, em

cima de uma canoa sem movimento.

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lado da família. Pior para Belo, que nem nas fotos apareceu, porque sem trabalho não tem dinheiro. Todavia, definitivamente, hoje parece não ser um bom dia. Dudu não pega nada e Marquinho apenas um barbado e uma piranha, que será o almoço e o jantar da dupla nesta sexta-feira.

O trio – como milhares de pesca-dores pantaneiros – vai lutar, diaria-mente, para pescar bem, pois entre outubro e março os peixes estão de-sovando. É época de piracema e qual-quer pesca para comercialização fica proibida. Os pescadores profissionais recebem, no período, seguro-desem-prego de um salário mínimo mensal do governo federal. No Pantanal, os rios enchem e inundam tudo. Cada casa ribeirinha se transforma literal-mente em ilha e a canoa vira o único meio de transporte viável. Nos cin-co meses, o acampamento de Dudu, Marquinho e Belo fica inundado a 1 metro de altura. Após a piracema, volta tudo de novo: o distanciamento da família, a vigilância do rio, o dia-a-dia sem luz, banheiro nem rede de esgoto, com calor ou frio. E, claro, muita paciência para ganhar o ano novamente pescando.

Atravessador nunca maisSe tivesse pescado bem, o trio de

Poço Frederico teria a comercialização garantida. A Colônia Z5 de Pescado-res Profissionais de Barão de Melgaço compra de cada um dos seus 1,5 mil associados – a cidade tem pouco mais de 7,5 mil habitantes – todo e qualquer peixe na medida, pescado legalmente. Mas nem sempre assim foi.

Fundada em 1985, a Co-lônia nunca conseguia fi-xar preço mínimo para o pescado, tampouco pos-suía infra-estrutura para estocá-lo e comercializá-lo. Os atravessadores, en-

tão, ficavam à solta. Punham o pre-ço que queriam. Era vender o pinta-do – peixe de referência para o preço dos demais – a R$ 3 o quilo in natu-ra, metade do valor pago atualmen-te. Os nobres dourado e cachara tam-bém saíam a preços rebaixados. E o que dizer do pescado comum: pira-nha, bagre? Os atravessadores nem se interessavam.

TARDE DE SEXTAA cena se repete muitas vezes por dia: Marquinho e Dudu voltam ao acampamento depois de pescar por horas nas águas do Pantanal.

O s g u a r d i õ e s d o P a n t a n a l SAN 51

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Nessa época, Dudu, Marquinho e Belo não acampavam no Poço Frede-rico. Eram pescadores, como os pais, avós e bisavós. Mas buscavam outras atividades. Dudu estava em Cuiabá trabalhando como cobrador de ôni-bus, Marquinho como servente de pe-dreiro e Belo numa roça no norte de Mato Grosso. Os três, em épocas di-ferentes, demonstram bem o nível de desânimo que assolava os pescadores nas décadas de 1980 e 90. Hoje, eles não largam mais a pesca, em parte devido ao fortalecimento da Colônia de Pescadores Z5 (nome em razão da zona 5 de pesca no Rio Cuiabá).

Otempo passa e a Colônia se estrutura, recebe ge-ladeiras e freezers para estocar pescado e passa a ter uma presença mais atuante junto aos pes-cadores. Resultado: fi-

xação de preço mínimo por quilo de cada peixe; cadastramento dos pesca-dores com carteira profissional; e co-mercialização direta entre a Colônia e os consumidores finais – restauran-tes, feiras, mercados, frigoríficos. Sai de cena o atravessador, que ia até a casa do pescador comprar, a preços módicos, o pescado. O processo de modernização se dá de 2004 para cá, época também em que o Consórcio

ISOLAMENTODudu e seus parceiros vivem no acampamento de um cômodo. À luz de velas, fazem comida, guardam os peixes e conversam sofre a difícil missão de ficar distante da família.

S A I B A M A I S

O que são ConsadsOs Consórcios de Segurança Alimen-

tar e Desenvolvimento Local (Consads) são uma forma de associação entre mu-nicípios de baixo índice de desenvolvi-mento, com participação da sociedade civil e do poder público. Essa atuação via-biliza ações conjuntas baseadas na coo-peração entre entes públicos e privados, visando à geração de trabalho e renda como garantia de segurança alimentar e melhoria das condições de vida das po-pulações envolvidas, assim como aconte-ce com os pescadores de Barão de Mel-gaço e Várzea Grande, Mato Grosso.

Tais Consórcios têm um importante papel a cumprir como agente institucio-nal encarregado da promoção de proje-tos, fornecendo apoio técnico e aval insti-tucional na obtenção de recursos junto a parceiros estaduais, nacionais e interna-cionais. Os Consads também permitem que pequenos municípios ajam em par-ceria e, com o ganho de escala, melho-rem a sua capacidade técnica, gerencial e financeira.

Após a piracema, tudo se repete: o

distanciamento da família, a vigilância do

rio, o dia-a-dia padecendo de frio, à noite, e

de calor, de dia. E, claro, muita

paciência para ganhar o ano novamente

pescando.

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consad

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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Consads pelo BrasilAtualmente 40 Consads desenvolvem projetos de segurança alimentar em 580 municípios, habitados por 11,2 milhões de pessoas.Saiba o nome de cada Consad e onde estão localizados.

Bacia do Itabapoana....................33 Médio Jequitinhonha....................21Noroeste Paulista........................23Norte Capixaba...........................08Rio Sul.......................................18Sudoeste Paulista.......................15Urucuia Grande Sertão................11Vale do Ribeira............................25

S U D E S T E

8 CONSADS

Nº MUNICÍPIOS

Alto Irani......................................17 Centro-Sul....................................17Entre-Rios....................................33 Extremo Oeste Catarinense...........19 Metropolitano Sul.........................07Paraná Centro..............................18 Santo Ângelo/Missões..................25Serra Catarinense........................19

S U L

8 CONSADS

Nº MUNICÍPIOS

Agreste Potiguar............................21Baturité.......................................13Baixo Paranaíba Piauiense............18Brumado.....................................10Itambé........................................25Itaparica......................................07Jiquiriçá.......................................09Lençóis Maranhenses...................12Litoral Norte Paraibano.................14Litoral Ocidental Maranhense........09Norte de Alagoas.........................12Sertão do São Francisco...............09

N O R D E S T E

12 CONSADS

Nº MUNICÍPIOS

7 de Dezembro.............................13Alto Acre......................................05Arari............................................07Bico do Papagaio.........................25Juruá...........................................07Macapá.......................................08Médio Rio Branco.........................03

N O R T E

7 CONSADS

Nº MUNICÍPIOS

BA

GO

TO

MT

PA MA

PI

CERN

PB

PE

DF

SP

PR

SC

RS

RJ

ESMG

MS

AP

RR

AM

AC

Juruá

RO ALSE

Alto Acre 7 de Dezembro

Baixada Cuiabana

Bodoquena Vale do Ivinhema

IguatemiEntre-Rios

Vale do Ribeira

Sudoeste Paulista

Bacia do Itabapoana

Médio Jequitinhonha

Sertão do São Francisco

Baixo Parnaiba Piauiense

Jiquiriçá

Baturité

MacapáMédio Rio Branco

Itaparica Itambé

Litoral Norte Paraibano

Lençóis Maranhenses

Litoral Ocidental Maranhense

AgrestePotiguar

Norte de Alagoas

Urucuia Grande Sertão

Brumado

Norte Capixaba

Rio Sul

Paraná Centro

Alto IraniExtremo Oeste Catarinense

Centro-SulMetropolitano Sul

Serra CatarinenseSanto Ângelo/Missões

Entorno de Brasília

Bico do Papagaio

Arari

Noroeste Paulista

Baixada Cuiabana........................10 Bodoquena..................................08Entorno de Brasília.......................10Iguatemi......................................11Vale do Ivinhema..........................05

5 CONSADS

Nº MUNICÍPIOS

C E N T R O - O E S T E

O s g u a r d i õ e s d o P a n t a n a l SAN 53

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CADEIA ALIMENTAR1. Frank estoca o pescado dos 1,5 mil associados da Colônia. 2. De Barão de Melgaço, o peixe é levado para diversas cidades de Mato Grosso, entre elas a capital, Cuiabá.3. O pescado de Dudu e seus parceiros está exposto para venda na maior rede de supermercados do estado.

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consad

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Dudu e seus parceiros protegem o Rio Cuiabá para que continuem pescando legalmente no Pantanal. O pescado sai da linha e chega a super-mercados e restaurantes, eliminando o atravessa-dor, graças à organização dos pescadores.

O mineiro Onofre nunca foi ao Pantanal, mas está também ligado à produção de alimentos, mesmo vivendo na cidade grande.

C O N E X Ã O

de Segurança Alimentar e Desenvol-vimento Local (Consad) da Baixada Cuiabana, parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Comba-te à Fome (MDS), o governo de Ma-to Grosso e dez prefeituras da região, passa a acompanhar a Colônia Z5, ar-ticulando apoios públicos e privados e comprando equipamentos.

Parceria entre pescadoresNum fim de manhã, Frank, o

Franklin Andrade da Silva, vice-pre-sidente da Colônia Z5, está sentado no escritório da entidade. A sala vive cheia. É pescador chegando para en-tregar pescado; é cliente vindo buscar 450 quilos de peixes; é o telefone to-cando com a dona de um restauran-te de Barra do Garças, na divisa com Goiás, atrás de 600 quilos de pescado. E, ao alcance de todos, está o preço mínimo de cada peixe. Na mão tam-bém está a ficha do trio Dudu, Mar-quinho e Belo. O papel indica que, em junho de 2008, eles entregaram na Colônia 180, 175 e 222 quilos de peixes, respectivamente. O ganho de cada: R$ 810, R$ 787 e R$ 777. Nes-te mês, a entidade contabiliza 7 to-neladas de pescado comercializado, acréscimo de 45% se comparado aos tempos mais difíceis. Entre os princi-pais compradores, aparece uma coo-perativa de pescadores profissionais de Várzea Grande, região metropo-litana de Cuiabá: a Cooperativa de Pescadores e Artesãos de Pai André e Bonsucesso (Coorimbatá).

Também apoiada pelo Con-sad – além da Petrobras, Fundação Banco do Bra-sil, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e diferentes ministérios – a Coorimbatá comercia-

liza 5 toneladas de peixe/mês, pesca-do pelos próprios associados e vindo do excedente de outras colônias. Só em junho de 2008, a Z5, de Barão de Melgaço, vendeu para eles 30% de tu-do o que os 1,5 mil associados pesca-ram. E, nessa parceria entre pescado-res, qualquer peixe dentro de medi-da serve: de bagre a pintado. “Agora, temos é dificuldade de atender todos os pedidos que nos chegam”, conta Frank. O pedido do restaurante de Barra do Garças, por exemplo, será

Dudu sempre foi pescador, como os pais, avós e bisavós.Mas já se aventurou em outras atividades, cobrador de ônibus, por exemplo, o que demonstra o nível de desânimo que assolava os pescadores nas décadas de 1980 e 90.

recusado por falta de estoque.Já a Coorimbatá, reconhecida na-

cionalmente por ser uma das 20 ini-ciativas vencedoras do Prêmio Obje-tivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM Brasil), em 2007, montou uma rede de comercialização de causar in-veja a qualquer grande empresa. Gra-ças aos apoios conseguidos, possui uma unidade de processamento de peixes, com certificação do Serviço de Inspeção Sanitária Estadual (Si-se). Além de comprar dos associados a preços mínimos, a Coorimbatá vai atrás dos pescadores organizados dos municípios de Barão de Melgaço e Santo Antonio de Lerverger para dar conta do mais novo contrato acerta-do: abastecer a rede de supermercados Modelo, a maior do estado, com 14 unidades. Nesse contrato, em junho, circulou mais de R$ 20 mil.

DesafiosO preço pago por cada peixe cres-

ce gradativamente. Por 1 quilo de pintado in natura, Dudu, Marqui-nho e Belo recebem R$ 6, a Colô-nia Z5 vende a R$ 8, a Coorimbatá repassa para o supermercado a R$ 10,40, que, por sua vez, vende ao consumidor a R$ 16 o quilo do filé. Olhando para esses números, Frank sabe que há muito a fazer ainda.

“Precisamos beneficiar o pescado para vender por um preço melhor e pagar mais aos pescadores”, des-taca como um dos desafios a ser vencido. A Coorimbatá já tem ma-quinário para isso, falta ainda o mercado consumidor. Mas Frank não esquece também da fonte de todo esse trabalho: “O rio precisa de mais cuidado”.

Se o trio de pescadores do Poço Frederico se multiplicar, certamen-te, o Rio Cuiabá terá uma legião de guardiões do Pantanal.

O s g u a r d i õ e s d o P a n t a n a l SAN 55

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De Inhapim até Belo Hori-zonte lá se vão 280 quilô-metros. Retirante costu-ma viajar sozinho e para bem mais longe a fim de ganhar a vida na cidade grande. Mas com Onofre Ramos, de 64 anos, acon-tece diferente. Em 1968, ele deixa a terra natal para continuar moran-do em Minas Gerais e ao lado da família: mãe, sete irmãos e um filho. Gosta da roça, de plantar e co-

lher, só que os ventos da modernidade da capital o atraem.Arranja emprego como laminador numa metalúrgica, pela qual se aposentaria 35 anos mais tarde. Onofre divide as lembranças entre a interiorana Inhapim – “na roça nin-guém tem tristeza” – e a cidade que o acolheu desde en-tão, Contagem, região metropolitana de BH – “uma soli-dão medonha”. É assim também com Hilda da Silva, 64, e Florentina Rodrigues, 78, respectivamente dos municí-pios de Resplendor e Dores do Turvo.

Eles se acostumaram a não tocar mais na terra. Aliás, terra virou sinônimo de asfalto, rua e avenida, usada para chegar de um lugar a outro. Mas, de uns tempos pra cá, a alegria jovial estampada nos rostos e as mãos barren-tas desse senhor e dessas duas senhoras fazem pensar que voltaram à cidade natal. Negativo! Já idosos, com renda mensal que varia de um a dois salários mínimos, Onofre, Hilda e Florentina continuam com saudades da mocidade.

Em Contagem, região metropolitana

de BH, Onofre Ramos esbanja

felicidade, pois voltou a

fazer o que mais gosta:

plantar, mesmo morando na

cidade grande. É o Programa Agricultura Urbana e Periurbana.

Um pé na horta e outro no asfalto

texto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

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agricultura urbana

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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Na verdade, as recordações floriam suas mentes a toda hora. É que voltaram à infância após os 60 anos de ida-de. Lavoura, muda, semente, regar, plantar, colher... tudo faz, novamente, parte da rotina deles. E seguem na cidade grande, como indica a camisa de Onofre: “Campanha de Alimentação Saudável em Contagem”.

Em meio à plantação, cada um fala mexendo numa ou noutra muda. Onofre vai sempre à Escola Municipal Ivan Diniz, e Hilda e Florentina se revezam nas idas até a Instituição Espírita Lar de Marcos. Nos locais, está em desenvolvimento um programa que valoriza o gosto pela terra e leva alimentação saudável para a mesa dos produ-tores – da maneira como descrita na camisa de Onofre: é a Agricultura Urbana, aplicada em espaços ociosos noutros tempos. Nos fundos da escola, Onofre e a esposa, Maria das Graças, 55, levam adiante o desejo de plantar e colher. Mais do que isso: trazem para o mundo agrícola crianças nascidas e criadas na cidade que antes sequer haviam cui-dado de um pé de feijão. Na escola, 50 crianças vão à horta semanalmente e levam alimentos para suas casas.

Sob forte sol, Onofre tira o chapéu, coça a cabeça e põe a mão na cintura. Agacha-se, arranca um pouco de horte-lã e faz quem está ao redor sentir o cheiro. “Aqui, a gente se diverte. Conversa com o pé da planta. Diz que o pé está ficando bonito e que vai dar fruto.” Quando colhe, Onofre tem três alternativas. “Nós comemos, nós vendemos [para os funcionários da escola] e nós damos [para a comunida-de]”, conta, num misto de timidez e orgulho. De janeiro a junho de 2008, só da plantação da Escola Ivan Diniz, que tem 250 metros quadrados de área, já saíram 504 quilos de alimentos. Destaque para berinjelas, beterrabas, pimentões, tomates, milhos e temperos (cebolinha e coentro). Já na horta do Lar de Marcos, na qual Hilda, Florentina e mais oito pessoas se “divertem”, no mesmo período, a colhei-ta chegou a 887 quilos de muita abóbora, cebola, chuchu, pepino, jiló, rúcula, feijão. Ali, a área é de 2,2 mil metros quadrados de verde, que antes era puro entulho.

A Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social con-tabiliza que, nos 14 espaços de Agricultura Urbana do mu-nicípio, estejam envolvidas cem pessoas de baixa renda, sob o acompanhamento periódico de agrônomos e técnicos da prefeitura e da Empresa de Assistência Técnica e Exten-são Rural de Minas Gerais (Emater/MG). “Começamos com as hortas em 2006, com recursos próprios e, em 2007, obtivemos o apoio do Ministério do Desenvolvimento So-cial e Combate à Fome [MDS], que nos repassou recursos [da ordem de R$ 155 mil] para capacitação em Agricultu-ra Urbana, compra de ferramentas, insumos e sementes e de materiais para construção de sistemas de captação de água da chuva”, informa Maria Aparecida Rodrigues, coordenadora de Segurança Alimentar e Nutricional de Contagem. “Mas já estamos estudando como beneficiar o alimento que colhemos nas hortas”. Então, parte da colheita irá para o autoconsumo das famílias e o restante – já em conserva e compota – para a comercialização no espaço Ponto da Roça, localizado no Centro Público de Economia Popular e Solidária. No ponto-de-venda, agri-cultores familiares – rurais e urbanos – podem escoar o excedente da produção.

Terra virou sinônimo de asfalto, rua e avenida. Mas, de uns tempos pra cá, lavoura, muda, semente, regar, plantar, colher... tudo voltou a fazer parte da rotina de Onofre.

L O C A L I Z A Ç Ã O

Contagem – MG

MGContagem

BeloHorizonte

57U m p é n a h o r t a e o u t r o n o a s f a l t o SAN

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Acamisa de Onofre Ramos, além de propa-gandear a Semana de Alimentação, os-tenta outra inscrição: “Segurança Ali-mentar se faz com: saúde, educação e meio ambiente”. Ao que parece, este inhapiense leva a frase ao pé da letra. Se não bastasse ensinar à criançada a arte de plantar e colher, ele se juntou aos pequenos. Desta vez, não para explicar, mas para aprender. Onofre, por entrar

numa escola pela primeira vez para plantar, se viu estimulado a ingressar nas turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Aí, largou de mão o analfabetismo. “Aprendi a escrever o nome, ain-da em Inhapim, só para votar”, lembra e apon-ta, da horta, para a sala de aula. “Não há idade para estudar, né?”, pergunta, ao acrescentar que deseja ler as placas de ônibus.

De passagem por outra horta – localizada na Casa de Apoio à Criança Carente de Contagem –, Onofre Ramos fica encantado ao ver 25 jovens lidando com a terra. Entre eles, estão Patrícia Nu-nes e Jéssica Fernandes, ambas de 17 anos de ida-de e moradoras de Nova Contagem, bairro com a menor renda per capita do município. É também na entidade que funciona uma das duas Cozinhas Comunitárias do município de Contagem, fruto da parceria entre o MDS e a prefeitura, que dis-

tribui 600 marmitas/dia a pessoas de baixa renda, mediante o pagamen-to mensal simbólico de R$ 3, para quem leva o almoço e o jantar, e de R$ 2, só para o almoço.

Dá 12h30 e Ilza Rosa da Encar-nação Santos, 40, chega à Cozinha Comunitária. Está ali para levar sete marmitas – cheias de arroz, feijão, alface, carne assada e farofa – para servir de almoço ao marido e aos

cinco filhos. Enquanto espera, bate um papo com o pessoal da fila. “Cato sucata de manhã e à tar-de pego as marmitas e cuido dos meus meninos”, conta a beneficiária do Programa Bolsa Família. Ao ouvir a história de Ilza, Onofre é rápido: “Va-mos lá para a horta da Escola Ivan Diniz. Você aprende a plantar e colher e, depois, leva para casa os alimentos”. Os dois combinam um primeiro encontro na próxima semana. Onofre explica o caminho até a escola e Ilza diz que vai.

Já na horta, estando ou não com as crianças ou a esposa, Onofre Ramos tem a mira implacá-vel de um antigo amigo da época de Inhapim: o espantalho. Em vez do tradicional boneco, com roupas e chapéu, há uma velha camisa azul, sus-pensa por uma madeira fincada na terra. “Ele me ajuda a espantar os pássaros que pousam para comer as sementes.”

NO MEIO DA CIDADE1. Onofre e Maria dos Prazeres cuidam da horta com a ajuda do amigo “espantalho”.2. Hilda e Florentina abrem o sorriso por voltarem a mexer com a terra.3. Ilza vai sempre à Cozinha Comunitária e promete participar também das hortas.4. Patrícia e Jéssica aprendem o segredo da plantação.

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agricultura urbana

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Morar na cidade e trabalhar com a terra é o se-gredo da felicidade para Onofre e mais cem pes-soas de Contagem, Minas Gerais, que participam do Programa Agricultura Urbana. Eles cultivam hortas e levam à casa alimentos saudáveis.

Igualmente saudáveis são as receitas que Teodora, de Brasília, aprendeu no curso do Cozinha Brasil.

C O N E X Ã OO MDS apóia o escoamento da produção de agricultores participantes do Progra-ma Agricultura Urbana e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por meio da reforma/construção de feiras e mer-cados públicos localizadas no semi-ári-do. Em 2006, dois municípios revitaliza-ram as unidades de comercialização de alimentos. No ano seguinte, o con-vênio chegou a 55 municípios e, em 2008, a 59.

Feiras pelo semi-árido

Esta reportagem divulga ações dos Programas:

RAIO X DA AGRICULTURA URBANA

* de 2004 a julho de 2008

Investimento do MDS: R$ 50 milhões

4.842 unidades em funcionamento

220 mil famílias participantes

4.600hortas e

criatórios

180pequenas

agroindústrias

62feiras e

mercados

59U m p é n a h o r t a e o u t r o n o a s f a l t o SAN

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No curso do Cozinha Brasil, Teodora

Moreira aprende receitas nutritivas,

saborosas e de baixo custo. Não pensa duas

vezes: quer incluí-las na alimentação

de seus filhos. Será que Alex e Natália

vão topar o bolo de casca de banana e

o suco da horta?

QUALIDADEAula que rende

comendo. É ruim de garfo.– Faz de noite que ele não vai comer

com preconceito. Não vai dizer “eca” antes de experimentar. Depois que pe-dir mais, você conta com quais ingre-dientes são feitos o bolo e o suco.

Dito e feito – só que com mais de uma semana de atraso.

Agenda cheia e Teodora Morei-ra Costa, a aluna participante, não cumpre o prometido na mesma noite. Planeja fazer os quitutes num domin-go. Ela é agente de saúde e, de segun-da a sexta-feira, visita casa por casa no condomínio Santos Dumont, em Santa Maria, cidade-satélite do Dis-trito Federal, para prevenir doenças e orientar a população. Mas, naquele domingo, quem vai cuidar da saúde da própria família é a mãe Teodora.

De vez em quan-do chega um curioso. Fica olhando, põe a mão no queixo ou na cintura e gosta de ver a turma sentada a olhar e perguntar

para a pessoa acima, de jaleco bran-co, num caminhão diferente, inteira-mente equipado com eletrodomésti-cos: uma cozinha sobre quatro rodas. Lida a receita, a nutricionista Mayra Magalhães começa a fazer o bolo de casca de banana e o suco da horta.

– À noite, quando chegar em casa, vou fazer para o meu filho – comen-ta uma aluna.

– Isso, faz mesmo – incentiva a instrutora.

– É, eu gostei desse bolo. Vou fazer de noite e, no dia seguinte, sirvo para ele. Se fizer de dia e ele ver, acaba não

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cozinha brasi l

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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Em casa, a saúde vai bem, obriga-da! Mas as escolhas alimentares, nem tanto. Os filhos – Carlos Alexsandro Costa Padilha, de 17 anos, “o ruim de garfo”, e Natália Alexsandro, 14 – tei-mam em trocar o almoço por carne de hambúrguer e o jantar por sanduíche de presunto. No café-da-manhã não tem fruta e, por vezes, nada se come no começo do dia.

E não é por falta de aviso. Desde criança, a mãe fala da importância de o prato estar sempre colorido. Mas o tempo passa e Alex e Natália fazem o contrário.

– Não tenho mais ânimo para fa-zer comida em casa – lamenta a mãe. – Tem hora que fico tão triste porque os meninos não comem direito, que não cozinho por três dias.

Sabe-se lá de onde, Teodora encon-tra forças para manter viva a esperan-ça de que as coisas vão mudar e seus filhos terão novos hábitos alimentares. Por isso, fica toda animada ao saber do curso do Programa Cozinha Brasil – Alimentação Inteligente, do Serviço Social da Indústria (Sesi) em parceria com o Ministério do Desenvolvimen-to Social e Combate à Fome (MDS). E continua sentadinha ouvindo as di-cas da nutricionista Mayra:

– Uma família de quatro pessoas deve consumir 1 litro de óleo por mês. Se usar mais que isso, é sinal de mui-ta fritura.

– Por dia, uma pessoa deve fazer cinco ou seis refeições. O ideal é co-mer num intervalo de três em três ho-ras, mesmo sem fome.

Aqui e acolá, vão aparecendo ou-tras dúvidas. Em meio ao pergun-ta/responde, Mayra se sai com uma fórmula que silencia a turma de 38 mulheres e três homens, muitos de-les agentes de saúde, auxiliares de en-fermagem e beneficiários do Progra-ma Bolsa Família.

– Temos de pensar em qualidade de vida e não em quantidade de vida.

Não adianta viver até os 100 anos, mas de cama, doente... Com um es-tilo de vida saudável, 60%, até 70% das doenças a gente consegue evitar. É atividade física, não fumar, não be-ber em excesso e se alimentar bem.

Chega o esperado domingoLá se vão dez dias desde a promessa

de fazer as receitas do Cozinha Bra-sil em casa. Teodora finaliza o curso, recebe o certificado – “vou emoldurar e pôr na sala” – e o livro Alimente-seBem: 100 Receitas Econômicas e Nu-tritivas. Nesses dias, a rotina se repe-te. Levanta cedo, ferve o café – que ninguém toma –, adianta o almoço e leva Alex para a escola. Natália es-tuda perto e vai a pé. Quando volta, Teodora deixa a comida pronta e vai visitar a vizinhança como agente de saúde que é. Dá expediente até as 17h. E, mesmo cansada, coloca tênis e vai caminhar 4 quilômetros até que a lua apareça. De noite, tem tempo para ver que nenhuma fruta, legume ou verdu-ra foi consumido pelos filhos.

Mas, hoje, não tem nada disso. É domingo e domingo é o dia escolhi-do para estrear as receitas saudáveis. Teodora vai fazer, para demonstração, paçoca paulista, bolo de casca de ba-nana, bolo nutritivo de abobrinha e suco da horta. Se der certo a tática e os filhos comerem os pratos, ela pre-tende fazer, periodicamente, os pratos do Cozinha Brasil.

Toda sorrisos, nem amanhece direi-to e Teodora chama a amiga Zilene para iniciar os “trabalhos”. Uma re-foga a carne-seca desfiada com cebola, tomate e pimentão e a outra mistura a casca de 4 bananas com leite, mar-garina, açúcar e gemas de ovos. Estão com pressa, pois Alex continua me-xendo no computador e nem sabe que a mãe está fazendo comidas diferen-tes na cozinha. Natália, a filha, fica olhando tudo de longe. Mais alguns minutos e a paçoca está na mesa e o

DE VIDAtexto VÍTOR CORRÊA fotos JOSÉ PAULO LACERDA

L O C A L I Z A Ç Ã O

Santa Maria – DF

Teodora prepara, para os filhos paçoca paulista, bolo de casca de banana, bolo nutritivo de abobrinha e suco da horta.

DFSantaMaria

Brasília

61A u l a q u e r e n d e q u a l i d a d e d e v i d a SAN

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ALIMENTO NUTRITIVOA nutricionista Mayra faz o bolo de casca de banana dentro do caminhão do Sesi, enquan-to a turma de Teodora presta atenção para fazer em casa.

Cozinha Brasil chega aos Cras

A implantação do Programa Cozi-nha Brasil, parceria entre o MDS e o Sesi, começou em 2004 e já ca-pacitou 140 mil pessoas de 25 es-tados e do Distrito Federal, como a agente de saúde Teodora Morei-ra. Para 2008 e 2009, uma inova-ção: ofertar gratuitamente cursos nos Centros de Referência da Assis-tência Social (Cras) de municípios de regiões metropolitanas. Os Cras estão localizados em áreas de vul-nerabilidade social e desenvolvem

atividades socioassistenciais.É importante destacar que, além de orientar a respeito das qualidades nutricionais, o Cozinha Brasil incen-tiva a utilização de alimentos regio-nais (que são baratinhos na safra), resgata o uso de alimentos tradi-cionais, mas que acabaram perden-do "prestígio”, e mostra como a ali-mentação adequada e saudável não precisa ser difícil nem cara, como o bolo de casca de banana e o suco da horta.

bolo, no forno. É a vez de fazer o bolo de abobrinha, que leva duas xícaras do legume picado, e o suco da horta, que contém duas xícaras cheias de couve. A mãe fala baixinho:

– Quando meus filhos iriam comer abobrinha, couve e casca de banana?

Teodora, antes de cortar as couves, corre para apanhar uma panela. Diz para a amiga:

– Aqui, Zilene, fazia legumes no va-por nessa panela para os meninos co-merem no almoço. Agora, me pergun-te se eles comiam? Deixavam tudo.

E, estranhamente, começa a rir. Acredita que, desta vez, será diferen-te. Alex e Natália não vão nem sentir o gosto da abobrinha, devido à pitada de baunilha e canela, da couve, pelo acréscimo de pequenas doses de ma-racujá e limão, e da casca de banana, porque está tudo misturado ao bolo.

Teodora abre o forno, olha o bolo de casca de banana no ponto e não se segura:

– Benza Deus, ficou lindo! Olha, Ta-tá [como se refere à filha Natália]...

A menina atende ao chamado, gos-ta do que vê e resolve ajudar a mãe. A essa altura, a cozinha está a todo o vapor. Louça suja na pia e panela usada no fogão. No outro canto, sob uma bandejinha, estão as cascas de ovos, a ponta das cascas de banana e um resto de verde – pimentão e couve –, que Teodora sabe bem para onde vai: para adubar uma hortinha que cultiva em casa.

E os filhos comem?Já passa do meio-dia. O café-da-

manhã/almoço está na mesa. Teodora tem o cuidado de colocar somente co-pos azuis à vista, assim como faz com a jarra que contém o suco da horta.

– Alex, vem almoçar, meu filho.– Já vou.– Vem que hoje você vai comer coi-

sa gostosa – diz Teodora, guardando o mistério.

– Que bom – comenta o garoto.Na mesa, mãe e filha sabem a com-

posição de cada receita, mas o filho não. Para evitar o suco da horta, Na-tália faz um de maracujá e enche ou-tra jarra. Ela vai experimentar tudo, menos a bebida feita de couve, para desânimo momentâneo de Teodora. Mas o alvo dos pratos nutritivos é mesmo Alex.

Teodora usa a estratégia de esconder

o ingrediente das receitas.– Meu filho, este é o bolo

Gostoso, este o bolo Delíciae o suco é de Quero Mais.

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cozinha brasi l

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TEORIA & PRÁTICA1. Teodora faz anotações durante o curso do Cozinha Brasil.2. O que não foi aproveitado vai para a hortinha.3. Ninguém diz que há casca de banana no saboroso bolo.4. A mãe acrescenta essência de baunilha no bolo de abobrinha para que os filhos não percebam o gosto do legume.

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Após o almoço, o filho Alex fala o que Teodora sonhava em ouvir:– Vou comer, mãe. Pode fazer de novo, que eu como essa casca de banana, a couve e a abobrinha. É só fazer. Ficou gostoso.

– Mãe, do que são esses bolos?– Meu filho, este é o bolo Gostoso

[apontando para o de casca de bana-na], este [o de abobrinha] é o bolo De-lícia e o suco é de Quero Mais.

Natália começa a rir e Alex se ser-ve de arroz branco e paçoca paulista – que acaba rapidamente, a unanimi-dade da refeição. A família, reunida no domingo, conversa sobre a sema-na que passou e a que virá. Desperce-bido, Alex dá umas garfadas e enche o copo de suco de maracujá. Ao pôr mais, acaba pegando a outra jarra e põe suco da horta – boa fonte de vita-mina E –, uma mistura de refrescân-cia e sabor. Nem percebe a diferença no gosto.

Termina o almoço e cortam-se os bolos: o de banana – riquíssimo em potássio – é facilmente notado, pois a calda é feita da fruta em rodelas; e o de abobrinha – econômico ao pon-to de sair a R$ 2 cada, pois nem leite leva – tem uma imperceptível tonali-dade verde. Cada um come um peda-ço e Alex logo levanta da mesa, põe as louças na pia e segue novamente para o computador.

Num desafio juvenil, Teodora cha-ma pelo filho:

– Alex, gostou do almoço especial?

– Gostei, mãe.Nem precisava perguntar. O prato

e o copo vazios indicam que o jovem almoçou bem. Teodora insiste:

– Alex, calma aí. Adivinha do que é feito cada uma dessas receitas?

– Mãe, não sei.Conforme os ingredientes vão

sendo revelados, Alex vai reagindo. Ora acha graça, ora não acredita. Por fim, ao ser questionado, diz o que Te-odora vinha sonhando desde quando pusera o pé no curso do Cozinha Bra-sil, dez dias antes.

– Vou comer, sim, mãe. Pode fazer de novo, que eu como essa casca de banana, a couve e a abobrinha. É só fazer. Ficou gostoso.

Se Teodora tivesse feito couve refo-gada ou abobrinha cozida, Alex teria rejeitado, como sempre fez. A estra-tégia da mãe dá certo e a família vai curtir o domingo.

Alex sai satisfeito, Natália, rindo, e Teodora, com ânimo renovado para voltar a se dedicar ao hábito alimen-tar dos filhos.

Teodora, agente de saúde em Santa Maria, Dis-trito Federal, fez o curso de alimentação saudá-vel do Cozinha Brasil, parceria entre o Sesi e o MDS. Aprendeu a dar um basta no desperdício e aproveitar integralmente os alimentos.

A única cidade do Norte do Brasil que possui um Banco de Alimentos mostra que o tempo do des-perdício por ali também faz parte do passado.

C O N E X Ã O

Esta reportagem

divulga projetos de:

63A u l a q u e r e n d e q u a l i d a d e d e v i d a SAN

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O BANANAL DA ASSOCIAÇÃO PRÓ-FRUTAS EM ARIQUEMES, RONDÔNIA, VEM DANDO CACHO DE BANANA ATRÁS DE CACHO DE BANANA. Os 23 associados resolvem investir na fruta, até então comprada de outras regiões do Brasil. Mas dois anos – 2004 e 2005 – são suficientes para a turma cair no desânimo: uma praga ataca o bananal e acaba com tudo. Vânio Marques, um dos associados, não se dá por vencido, motiva os colegas descrentes e volta a plantar nos 50

hectares da Associação, localizada à beira da BR-364. Em 2007, começa a colher. E colher mais do que imaginava. Sem tanto mercado ainda – o plano é abastecer a região e vender para a capital Porto Velho –, a Pró-Frutas vende apenas metade do que colhe. “Dá dó perder produção”, lamenta Vânio.

DeDD spee epptexto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

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banco de al imentos

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

L O C A L I Z A Ç Ã O

Ariquemes – RO

Porto Velho

ROAriquemes

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TAMBÉM PRÓXIMO À BR-364, MAS A 25 QUILÔMETROS DE DISTÂNCIA DE ARIQUEMES, ESTÁ A PLANTAÇÃO DO CASAL OCIMAR E CLORICE SETI. ALI, NOS 100 HECTARES, A FAMOSA EXPRESSÃO “SE PLANTANDO TUDO DÁ” FICA NA MEDIDA. Mas o sustento sai é do leite de vaca e da transformação do vasto cultivo de cupuaçu em polpa. Contudo, a vigilância para ensacar, congelar e comercializar a polpa ficou ainda mais rígida. E eles, que realizavam o processo com maquinário antigo, tiveram de se adequar. Ocimar e outros dois produtores vizinhos financiaram R$ 18 mil no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), para iniciar a construção de uma agroindústria. Enquanto isso, a boa safra de cupuaçu se perde no pé.

rdíciodícioiminente

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3030 de outubro de 2007. Ariquemes, a 200 quilômetros da capital rondonia-na, Porto Velho. Ao longo da BR-364, que corta a cidade, o visitante já vê o potencial econômico do lugar: verde para todos os lados e, claro, lavoura e gado. Por ali, superproduções de ja-ca, manga, acerola, goiaba, abacaxi, cupuaçu e banana já deram o que fa-lar – para o bem e para o mal. Posi-tivamente, por abastecer supermerca-dos e mercearias com alimento local de qualidade; negativamente, pois, querendo ou não, uma parcela da produção sempre definha no pé. É precisamente nessa data que uma nova cul-tura começa a ser disseminada entre os 85 mil ariquemenses: a cultura de não se acomodar frente ao desperdício. Naquele 30 de novembro é inaugurado o primeiro – e ainda único – Banco de Alimentos da região Norte do Brasil, apoiado pelo Ministério do Desenvolvimen-to Social e Combate à Fome (MDS), com investimento de R$ 90 mil, e pela prefeitura, com R$ 100 mil.

Aí, a dinâmica de produ-tores rurais, supermercados, feirantes começa a se alterar. Vânio Marques, do bananal da BR-364, e Ocimar Seti, do cupuaçuzeiro, que o di-gam. As histórias de ambos os produtores impressionam quando se diz que as colhei-tas chegariam a 240 toneladas/ano, se tudo fosse para o consumo. Um, ainda sem mercado consumidor sufi-ciente, e outro, sem agroindústria pa-ra processar a polpa, deixavam apo-drecer o fruto ainda no pé, torcendo para que na próxima safra houvesse mais sorte de oportunidade. Deixa-vam, como também deixavam outros produtores e até um piscicultor. Este, ao fazer a despesca de 42 toneladas de peixe tambaqui, percebe que 800 quilos têm tamanho inadequado para

a comercialização. Não pensa duas vezes: recebe o pessoal do Banco de Alimentos, que descama, congela e distribui o peixe para incrementar a alimentação da rede de proteção e promoção social de Ariquemes, for-mada por 26 entidades assistenciais, que atendem uma média de 1,4 mil pessoas de baixa renda.

Os agricultores de Ariquemes já sabem. Pintou produção extra, basta ligar para (69) 3536-6980, que a cami-nhonete do Banco de Alimentos che-ga para impedir o desperdício. Para a colheita, o apoio vem das entidades assistenciais que são beneficiadas com os alimentos. Ora voluntários da As-sociação Casa de Apoio Restaurando Vidas, que atende dependentes quími-cos, ora da Associação Beneficente

e Casa de Apoio Caridade e Fé, que abriga pessoas de municípios vizinhos de passagem por Ariquemes. Na ida, a carroceria da caminhonete vai va-zia; na volta, cheia. Num chamado ao bananal e à plantação de cupuaçu, o Banco de Alimentos recolhe 1,7 to-nelada e 224 quilos, respectivamente.

Nem precisa andar muito para en-contrar alimento sendo desperdiçado. Se não é ao longo da BR-364, é na via central de Ariquemes, a Rua Tancredo Neves. Além de dois supermercados

Superproduções já deram o que falar em Ariquemes. Invariavelmente, toneladas

de produção se perdiam no pé. Mas, após a inauguração do

Banco de Alimentos, uma nova cultura

começa a ser disseminada: a de não se acomodar

frente ao desperdício.

– também doadores –, à beira da pis-ta está a Feira Municipal dos Produ-tores Rurais, que reúne 385 bancas e abre de domingo a domingo. É ali mesmo, bem ao lado da feira, que será construído o novo prédio do Banco de Alimentos. A atual sede fica mais

distante e é alugada. As-sim, nem precisará mais o feirante telefonar para que venha a caminhone-te do Banco: ou eles vão à unidade ou a caminho-nete já estará por ali para recolher alimentos.

Entre as bancas, é fácil encontrar Renan Wagner Ramos, de 19 anos, co-nhecido entre os feiran-tes como o agitador. Sem essa de fazer algazarra; o trabalho, para ele, é um pouco mais longo. Fim do dia, feira vazia e lá vai o garoto de banca em banca conversando com os colegas para saber o que é passível de doação: verduras, legumes e frutas que não foram vendidos e que, já no próximo dia, serão substituídos por novas mercadorias.

Hoje, Renan já sabe que terá muitas vendas e muito o que doar ao Banco de Alimentos. Sabe porque é domingo e, além de ser o dia mais movimentado da semana, é Dia das Mães. Não resta tempo pa-ra recolher os alimentos no domingo. Contudo, na segunda-feira, pós-Dia das Mães, a soma de doa-ções supe-ra 300 quilos. Antes, esses alimentos eram doados a quem passasse pedin-do, mas a maioria ia para o contêinerà espera do caminhão de lixo. “Dôo o produto e falo com os outros feirantes

1

66

banco de al imentos

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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ALIMENTOS RECOLHIDOS1. Renan agita a feira atrás dedoações para o Banco de Alimentos.2. A caminhonete recolhealimentos bons para consumode um supermercado.3. As alfaces vão abastecer 26 entidades assistenciais.4. Bananas e alfaces chegam ao Banco de Alimentos.

MERCADO

O Banco de Alimentos de Ariquemes, Rondônia, vai atrás do alimento onde ele estiver. Ali, não tem essa de desperdício. A equipe colhe bana-na e cupuaçu e acompanha os dias de feira para, depois, levar comida a quem precisa.

Mas um lugar que ainda carece de assistência é o lugar onde vive Quitéria. Ela sofre dia e noite com a falta de água para beber.

C O N E X Ã O

para fazerem o mesmo”, conta Renan, “porque, graças a Deus, não passo fome, mas conheço muita gente que precisa. E o Banco de Alimentos vai até lá entregar em vez de a gente jo-gar fora.”

Na feira, ele vende abaca-xi, laranja, melancia e me-xerica, assim como An-tônio Carlos da Silva. É ver o pessoal do Banco e Antônio, após um rápi-

do aperto de mão, se apressa em avi-sar: “Tenho uma melancia para vo-cês”. Renan é filho de feirante anti-go, freqüenta o lugar desde criança. Antônio está na profissão há uns 30 anos. A dupla tem experiência de so-bra para saber quando o cliente vai ou não comprar um alimento. Por is-so, eles batem o olho e dão o veredic-to do que pode ir para o Banco de

Alimentos. Para facilitar, um exem-plo. O cliente de melancia, antes de comprá-la, sempre dá três batidinhas na fruta. Se fizer um barulho oco, ele não leva, sinal de que a fruta deve ser consumida em um ou dois dias. Caso contrário, sem qualquer barulho, du-ra um bom tempo ainda. Chegando ao Banco de Alimentos, a melancia, como qualquer alimento, é processa-da (lavada, cortada, ensacada, conge-lada) e, dependendo do caso, vai pa-ra a câmara fria ou é diretamente dis-tribuída para alimentar quem precisa nas entidades assistenciais. Há casos em que a banana vira doce e a ma-çã, geléia.

Já mais distante do centro de Ari-quemes há outro doador do Banco de Alimentos. É o Programa Alimen-to Inteligente, criado pela prefeitura, que reserva 1 hectare à produção de hortaliças para abastecer 22 escolas

municipais e alimentar 15,7 mil alunos. No espaço, são colhidos mensalmente 5 mil pés de alface. Do total, geralmen-te um quarto da produção sobra, pois a oferta (plantação) tornou-se maior que o consumo (alunos). E, para não perder a hortaliça, a caminhonete do Banco passa na horta duas vezes por semana, enche a carroceria de verdi-nhos alfaces e leva à unidade.

Seja em plantações, supermercados ou feiras, o Banco de Alimentos de Ariquemes está presente para comba-ter o desperdício onde ele estiver.

Esta reportagem divulga ação do Programa:

Raio X dos Bancos de Alimentos

CRECHE

FEIRA LIVREInvestimento do MDS

R$ 12,8milhões

* de 2004 a julho de 2008

Unidades em funcionamento

55*

Entidades atendidas/mês

1,2mil**

Pessoas beneficiadas/mês

315mil**

* até julho de 2008 ** em 2007

2 3

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67D e s p e r d í c i o im i n e n t e SAN

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No sertão alagoano, Quitéria Alves sacrifica o dia para levar água à família. Acorda cedo, caminha até o riacho, cava um buraco na areia e, dali, enche um tambor com 20 litros. Apesar do martírio de beber água salgada, Quitéria mantém viva a esperança de ganhar uma cisterna, com as promessas que faz ao “padim” Ciço.

DE QUITÉRIAtexto VÍTOR CORRÊA fotos BRUNO SPADA

falta d'água

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l68

NA BEIRA DO RIOÉ a água salobra e "filtrada" pela areia que a família de Quitéria usa para beber e cozinhar.

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69A s úp l i c a d e Q u i t é r i a SAN

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Ao pé da es-tátua do “padim” C i ç o , Quitéria Alves de Sousa faz o sinal-da-cruz. T r a n s -borda de a l e g r i a ao enro-lar dois m e t ro s

de fita na cintura do santo. Acen-de seis velas ao lado dele e, acompa-nhada do marido, vai soltar uma dú-zia de fogos de artifício. A promessa custa R$ 11 para ser feita, mas Quité-ria nem pensa em desrespeitar a cren-ça, apesar da apertada renda. Os es-touros assustam o magro cachorri-nho da família. Por ali, fazia tempo que som semelhante não se escutava e já tem data marcada para aconte-cer novamente: quando a promessa de ter água para beber for atendida. De costume, todos escutam o canto dos passarinhos, o movimentar do Riacho Ribeira do Caiapó e, cada qual na la-buta diária, o rolar de pedras provo-cado pelas próprias sandálias.

A família Santos vive há tempos em Umbuzeiro dos Nobres, comunidade rural do município de Pão de Açúcar, no sertão alagoano. Quitéria é casada com Valdemir Santos da Silva, filho de Margarida, que veio para Umbu-zeiro ainda criança lá pela década de 1940. Estabelecidos, construíram ca-sas e iniciaram a saga de viver ao lado de belas serras, mas sem luz, rede de esgoto nem água encanada. Houve época em que o acesso à sede do mu-nicípio era feito a pé, em caminhada que durava mais de 7 horas com tam-bores acima da cabeça para fazer a feira. “Aqui, era tudo mata. Nós que desbravamos tudo, mesmo com medo das onças”, conta Margarida, que ce-deu um pequeno terreno quando Val-demir juntou-se com Quitéria.

Em Umbuzeiro dos Nobres, nin-guém sabe o porquê do nome. Há sete casas e nenhuma ostenta ares de nobreza. De pau-a-pique – bar-ro e madeira –, faltam a elas banhei-ros e eletrodomésticos. Na cozinha, não se vê fogão. A comida é feita em

improváveis fornos a lenha, erguidos de barro a distância de poucos centí-metros do chão. A estrada de terra que leva até Umbuzeiro corta incontáveis comunidades (uma de nome curioso, Japão, mesmo sem notícia de que al-gum oriental tenha pisado naquele lugar) e começa numa entrada vicinal – conhecida por Aroeira – na altura do quilômetro 170 da AL-220.

Próxima à casa de Quitéria, há al-gumas torres de concreto espalhadas pelo chão. Enfim, a energia elétrica – do Programa Luz para Todos, do Mi-nistério de Minas e Energia (MME) – vai pôr fim aos candeeiros e lampa-rinas. Quitéria nem comemora a che-gada da luz, tampouco fez promessa ao “padim”, como ela se refere ao Padre Cícero Romão Batista. Não dá importância ainda porque tem muito mais com que se preocupar: no lugar onde vive não há água doce. A ren-da da maioria das pessoas na comu-nidade vem da aposentadoria ou de quem se aventura a morar por qua-tro meses fora, como faz um genro de Quitéria. Todo ano, de outubro a janeiro, Damião viaja às imediações da capital, Maceió, para trabalhar na colheita. Tira algum dinheiro, que lhe permitiu ser o primeiro a construir uma casa de alvenaria. O banheiro dele também é diferenciado: cercado por altas palmas – espécie de cacto do sertão –, enquanto o dos outros é ao ar livre mesmo.

Já Quitéria é beneficiária do Bolsa Família e sustenta a casa com o be-nefício. Ela recebe R$ 142 mensais do Programa. O marido, Valdemir, vende o dia em lavouras alheias a R$ 10. Os filhos do casal estão na escola. Cícero, de 19 anos, está no ensino médio e vai toda noite ao colégio num veículo es-colar a uma distância de 45 quilôme-tros; Moacir, 17, Camila, 13, Tamires, 10, Tâmara, 9, e Leandro, 8, estudam mais perto, numa escola da comuni-dade vizinha, Boa Esperança.

E é em cumprimento à promessa que fez – de receber o Bolsa Família – que esta mãe de 43 anos compra dois metros de fita, seis velas e 12 fogos de artifício. É promessa para o “pa-dim”. Mas Quitéria quer mais. Quer enrolar mais fita, acender mais ve-las e estourar mais fogos. Tudo para que chegue o dia de ter água doce para beber.

O gosto salgado da água bate no céu da boca

e insiste em continuar até que se mastigue

outro alimento e confunda o paladar.

Daqui a pouco, a sede por ora vencida vai se

transformando em nova

vontade de beber água – e,

se salgada outra vez, esse ciclo

nunca se esgota.

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falta d'água

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A s úp l i c a d e Q u i t é r i a SAN 71

REZAS E PROMESSASUma cena comum: Quitéria reza e faz promessas ao "padim". Na foto, o santo está enrolado por fitas.

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MARTÍRIO DIÁRIOLogo cedo, Quitéria inicia a saga de ir atrás de água. Com o tambor cheio, é hora de agüentar o peso na cabeça.Ela se equilibra para não derramar nem um pingo d'água.

da água in natura (direto do riacho). Desce amarga – “amarguinha”, diz Quitéria. O gosto salgado bate no céu da boca e insiste em continuar até que se mastigue outro alimento e confunda o paladar. Daqui a pouco, a sede por ora vencida vai se trans-formando em nova vontade de beber água – e, se salgada outra vez, esse ci-clo nunca se esgota. Sem esse racio-cínio, ela traduz o gosto da água na seguinte frase: “Vixe Maria, “padim” Ciço, Ave Maria...!”.

De onde corre o riacho, Quitéria se afasta 1 me-tro. E inicia toda a estra-tégica engenharia. Cava um buraco e deixa por al-guns minutos que a água

apareça. Em instantes, surge a água esverdeada. É a primeira filtragem, realizada pela areia, assim feita por todos em Umbuzeiro. Ela esvazia o buraco e espera que nova água ve-nha. “Esta é mais limpa, olha só”, Quitéria aponta para o buraco e ex-perimenta novamente, sempre com o cuidado de retirar o líquido pelas bei-radas – “nos cantos a água é menos amarguinha”. Pronto, a segunda fil-tragem, novamente pela areia. Então, pacientemente, vai enchendo o tambor

As “filtragens”O relógio aponta 4 da madrugada,

mas Quitéria não tem um em casa. Mesmo assim, acostumada a acordar antes do dia nascer, está de pé limpan-do o tambor com capacidade para 20 litros. De sandália de dedo, a que calça diariamente, deixa a casa e caminha em direção às serras. O tambor vai na mão direita, a camisa e o pano, sob o ombro. Com a cabeça baixa, vence a irregular passagem, cheia de pedras e de uma longa descida, até o Riacho Ribeira do Caiapó. Mal contados, são 1.316 passos de um lugar a outro. De abril a setembro, a água é corrente, motivada pelas chuvas. No restante do ano, ela começa a desaparecer e vão aparecendo pequenas poças. O riacho deságua no Rio São Francisco, na distância de 8 quilômetros entre Umbuzeiro e o velho Chico. O lábio seco indica o que Quitéria veio fazer aqui. Veio atrás de água. De água para beber e cozinhar.

Agora, com as chuvas, a água do riacho não está como a do mar: pura-mente salgada. Está mais doce, ape-sar de muito salobra ainda. Quitéria, entretanto, desenvolveu um precário sistema para tirar dali a água mais

“filtrada” possível. Antes de começar, numa cumbuca, ela toma um pouco

“A gente vive sem luz, passa com pouca

comida, mas sem água não dá

para viver.”

SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l72

falta d'água

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ÁGUA "FILTRADA"Lágrimas de dor e de esperança escorrem do rosto de Quitéria. Em casa, ela faz a última

"filtragem", com o pano de prato.A água salobra está todo dia no copo e na panela da família.

de água. Vista sob a areia, a impres-são é de que a água está transparen-te, sob o tambor percebe-se que não é bem assim. Quando chegar em casa, Quitéria ainda tenta filtrar um pou-co mais a água, transferindo-a para o galão de 50 litros por meio de um pano de prato.

O caminho de voltaO sol está para nascer. São 5 da

manhã. Sempre com o olhar baixo, a testa pressionada e o rosto triste, Quitéria enrola a camisa acima da cabeça. Prende a camisa ali, enro-lando o pano em volta da cabeça e dando um nó abaixo do queixo. Suspende o tambor, cheio de 20 li-tros de água filtrada manualmente, põe caprichosamente acima da ca-beça e parte para novos 1.316 pas-sos. Para ela, devido ao passo cur-to, essa contagem pode chegar ao dobro. Atravessa o riacho, sempre segurando o tambor com a mão di-reita. E é aí que o barulho de toda manhã se repete: o rolar de pedras provocado pelas sandálias.

Quitéria não olha para o chão, a fim de evitar um tropeção ou mes-mo um tombo. Apesar da cabeça reta, para não derramar a água, é difícil saber o que está olhando. A

paisagem certamente não é. E veja que no inverno a serra e o quintal das casas de Umbuzeiro estão verdes. No verão, é só terra e barro. “Fica tudo seco”, diz Quitéria. E no que pensa? Certamente, no dia em que estiver pagando a promessa feita ao

“padim”. Pensa naquele ritual: en-rolar 2 metros de fita, acender seis velas e estourar uma dúzia de fogos de artifício.

Por ora, no entanto, em vez de chorar de alegria, chora de dor. Dor nos braços, na coluna e nas pernas.

“Quando chega de noite e deito para dormir, parece que fui surrada. Dói o corpo todo. O braço fica dormente e não consigo mexer”, conta. A dor de cabeça também convive 24 horas com Quitéria. É que ela sofre de hi-pertensão, resultado do consumo de água salgada ao longo de 20 anos.

No rosto, as lágrimas se misturam com o suor. Suor que escorre do alto da cabeça, passa por toda a face e chega ao chão pelo queixo. Suor não pelo sol, que ainda está fraco. Suor pelo esforço e pela preocupação de não deixar cair nenhuma gota da-quela água.

Em vão. Pelo caminho, são vá-rios os trechos em que a terra está úmida. Sinal de que Quitéria se

Quitéria olha para o céu cheio de nuvens, uma fina garoa começa a cair. “Essa chuva é boa para a plantação”, diz e aponta para a casa. “Mas falta a minha cisterna para transformar essa água em água para beber.”

A s úp l i c a d e Q u i t é r i a SAN 73

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O MDS repassa R$ 1,6 mil para ensinar a família a usar a cisterna de placas de cimento e para construí-la (contrata-ção do pedreiro e compra de materiais de construção).

Como funciona uma cisterna

ConstruçãoA família beneficiada é responsá-vel por cavar o buraco de 2 me-tros de raio (borda) e 1,2 metro de profundidade. Quando che-gam os materiais, o pedreiro e a família trabalham por cinco dias na construção da cisterna.

1

Água da chuvaCisterna pronta e a família tem de esperar a primeira chuva cair, que vai limpar o telhado e a pró-pria cisterna. A água inaugural não serve para beber. É dispen-sada.

2

Caminho da águaQuando cair a próxima chuva, o sistema estará funcionando: o te-lhado apara a água, que escoa por calhas, chegando ao cano que leva até a cisterna.

3

Adeus água salgadaCisterna funcionando, com água limpa e boa para o consumo, e as famílias sertanejas não sentirão mais o gosto da água salobra.

5

ArmazenamentoA cisterna, financiada pelo MDS, armazena 16 mil litros de água, suficiente para uma família de cinco pessoas be-ber e cozinhar até a próxima estação das chuvas.

4

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falta d'água

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desequilibrou por algum momento e a água transbordou.

Promessa para a águaVencido o percurso, Quitéria faz a

filtragem da água com o pano de pra-to e prepara o café-da-manhã. Lite-ralmente, o café. Com a água salobra e no forno a lenha, faz café para os fi-lhos irem à escola. De vez quando, faz também uma mistura. “Ponho caldo de feijão com farinha ou arroz com fa-rinha.” Tudo, do café ao feijão, é feito com a água que Quitéria acaba de tra-zer do Ribeira do Caiapó. Em vez de temperar, a água salobra torna o ali-mento insosso – o que não contribui para tirar da boca da família o gosto da água salgada do riacho. Uma vez ou outra, eles comem carne: de preá ou mocó, fruto da caça do marido Valde-mir; de pequenos peixes, pescados no riacho; e de galinha, quando matam uma das poucas que criam.

Crianças na escola, marido caçando ou vendendo o dia por uma dezena de re-ais e Quitéria volta a car-regar peso na cabeça. Des-ta vez, vai atrás de madei-

ra para servir de lenha. Tem ainda de cuidar das pequenas plantações de feijão e milho. No pensamento, no entanto, não está a dor. Está a pro-messa que fez ao “padim” em troca de ter, finalmente, acesso a água para beber em qualidade e quantidade su-ficientes para toda a família. “A gen-te vive sem luz, passa com pouca co-mida, mas sem água não dá para vi-ver”, filosofa Quitéria. Atendida a sú-plica da água, ela quer contar com fo-gão e botijão de gás para aposentar o apanhado de barro que chama de forno a lenha e que tem tornado pre-ta boa parte de suas panelas. Acredi-ta tanto que o dia vai chegar que já comprou meia dúzia de panelas no-vas para estrear o fogão.

A manhã vai acabando. E nada de o sol aparecer. Em vez dele, cai uma fina garoa fria. Oba, talvez Quitéria abra um sorriso ao ver que cai a bendita água que vai possibilitar que plante feijão e milho. Nada disso! Ela olha para o céu cheio de nuvens. “Essa chuva é boa para a plan-tação”, diz, e aponta para a casa. “Mas falta a minha cisterna para transformar essa água em água para beber.”

O dia-a-dia de Quitéria, de Pão de Açúcar, Alagoas, é sofrido: a família dela vive sem água doce para beber. A esperança está em “padim” Ciço, a quem fez promessa para ganhar uma cisterna.

Também no semi-árido, mas no semi-árido baia-no, a comunidade rural Gameleira Trançada co-nhece bem a realidade de Quitéria. Sofreram do mesmo mal e, agora, agradecem à água da chu-va que enche a cisterna de todos por lá.

C O N E X Ã O

Como Quitéria Alves, outros milha-res de brasileiros vivem sem água doce. Justamente para enfrentar esse mal que assola os sertanejos é que o MDS desenvolveu o Progra-ma Cisternas. Em 2007, o Ministé-rio lançou uma modalidade voltada aos municípios considerados prio-ritários, selecionados por meio de edital público. Aí é que um episódio chama atenção. Cinco municípios do sertão alagoano – Maravilha, Ouro Branco, Poço das Trincheiras,

Pão de Açúcar, onde fica a comuni-dade Umbuzeiro dos Nobres, e São José da Tapera – construíram, jun-tos, 1.501 cisternas. A condução do processo licitatório na modali-dade pregão, usada para a compra de materiais de construção, levou à economia de recursos. Por isso, ou-tras 205 cisternas chegarão à casa de outras famílias sertanejas. E a de Quitéria será uma delas. Em Um-buzeiro dos Nobres, outras duas ca-sas também terão cisterna.

Quitéria terá cisterna

1

2

L O C A L I Z A Ç Ã O

Pão de Açúcar – AL

Pão de Açúcar

AL

Maceió

A s úp l i c a d e Q u i t é r i a SAN 75

SÚPLICA ATENDIDA1. Quitéria e os filhos tiveram a casa fortalecida com cimento para abrigar a tão sonhada cisterna.2. Prefeitura exibe na entrada de Pão de Açúcar: 207 cisternas construídas em parceria com o MDS.

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O MUNDODA

ARVORE-SÍMBOLOA gameleira, árvore de madeira macia usada para fazer gamela (bacia), dá nome à comunidade do sertão baiano.

RIO DE AREIAA música de Luiz Gonzaga é facilmente percebida aqui: em vez da água do Rio Riachão do Gado Bravo, apenas areia.

7676 SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

cisternas

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“Eu perguntei aDeus do céu por que tamanha judiação.”texto VÍTOR CORRÊA fotos FLÁVIO GASQUEL

TODOS COM CISTERNAAo lado, as 20 casas da

comunidade Gameleira Trançada. Todas já

têm cisterna.

L O C A L I Z A Ç Ã O

Anagé – BA

Anagé

BA Salvador

77O m un d o d a G a m e l e i r a SAN

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cisternas ÁGUA PURA1, 2 e 3. A cisterna é o segredo para ter água pura o ano todo, como diz a música Água da Chuva.4. O botafoguense Wesley não passa um dia sem ouvir, na companhia dos pais, o CD Belo Sertão.5 e 6. O orgulho da família Silva Santos está na exposição do filtro cheio de água e do cartaz da cisterna.7. Os quatro irmãos da família Cordeiro brindam o fim da falta d'água.

Olavo Silva Santos guar-da em casa o CD Belo Ser-tão, cuja fai-xa número 1 é Asa Bran-ca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. O filho Wesley,

de 17 anos, gosta mais de ouvir do que o pai, mas, quando a família se reúne à noite, o disco sempre toca. Um e ou-tro sabem que a letra é o hino da re-sistência do sertanejo, que se vê obri-gado a deixar a terra natal “por falta d’água” e sonhar com o retorno: “Eu perguntei a Deus do céu por que ta-manha judiação”, cantam os poetas devido à seca que castiga a região. Se nem o pássaro asa-branca permane-ce o ano inteirinho ali, “entonce eu disse: adeus, Rosinha, guarda conti-go meu coração”. E a música, mes-mo sem que eles percebam, vai con-tando também a história da família Silva Santos e da comunidade onde vivem, Gameleira Trançada, no semi-árido baiano.

Saindo do lúdico para o real, quem guarda o coração de Fred não é

Rosinha e, sim, a mãe dele, Irani. O filho tem 27 anos, está em São Paulo junto com a esposa há oito meses ga-nhando a vida como pedreiro. “Toda semana eu ligo para o Fred. Ele não veio no São João e disse que volta logo. A esposa dele vive chorando com saudades daqui”, conta Irani, torcendo para cair a chuva e, assim, a vegetação esverdear e a plantação de milho e feijão começar. Confia que o filho faça igual ao moço da canção:

“Hoje longe muitas léguasNessa triste solidão.Espero a chuva cair de novoPra eu voltar pro meu sertão”

O pai, Olavo, já fez muito essa rota Bahia-São Paulo. O outro filho do casal, Róbson, 24, nunca esteve por essas bandas, mas todo ano, de maio a setembro, deixa a família para tra-balhar na colheita do café num muni-cípio vizinho. Aí, o coração de Irani fica ainda mais apertado.Nas 20 ca-sas da Gameleira Trançada há sau-dade semelhante. Quem entra num lar daqueles percebe o sentimento no vazio dos quartos e na numerosa exposição de fotografias sob armá-rios e penduradas em quadros. Ao

Na Gameleira, a saudade é

compartilhada por todos. Quem

entra numa das casas percebe o sentimento no vazio dos quartos e

na numerosa exposição de fotografias sob

armários e penduradas em quadros.

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ver as imagens, os olhos enganam o coração e a dor pela ausência dos filhos parece diminuir. Asa Branca,porém, lembra o sertanejo – como se precisasse – da razão de todo o sofrimento:

“Que braseiro, que fornalha,Nenhum pé de plantação.Por falta d`água perdi meu gadoMorreu de sede meu alazão”

Ao cantar o contundente trecho vem à memória outra música, esta bem menos conhecida, a faixa 3 do CD da família Santos Silva: Água da Chuva, de Roberto Malvezzi, o Gogó. A letra traz a problemática da água, que custa a cair por nove longos meses e cai sem parar por três curtos meses. Essa água da chuva, no entanto, se perde rapidamente devido à intensa evaporação e ao escoamento super-ficial. O segredo, para a convivência digna no semi-árido, está na rima:

“Colher a água.Reter a água.Guardar a água quando a chuva cai do céu.Guardar em casaTambém no chão.E ter a água se vier a precisão”

A solução apontada, a princípio, não é simples. Na Gameleira, o Rio Riachão do Gado Bravo deveria ser a fonte de reserva de água para a comunidade. Acontece, porém, que o retrato pintado por Asa Branca é verdadeiramente contundente. Há o rio, pelo menos todos se referem àquele espaço como rio. Bem, até há rio, mas não água. No lugar, apenas areia, que lembra a de uma praia. O rio secou e só volta a encher de de-zembro a fevereiro. O sinal de que há umidade é a vegetação verdinha nas bordas da areia, em contraste com as árvores e galhos secos do restante do povoado, que fica a 28 quilômetros de estrada de terra da BA-262, pró-ximo a Anagé, Bahia.

Um morador, antes de guardar a água, quer é usá-la imediatamente para beber, cozinhar, lavar roupa, to-mar banho. Aí, duas alternativas: an-dar por meia hora morro acima atrás do tanque de pedra “moldado” à mão, que armazena a água da chuva; ou ca-var uma cacimba (poço) na areia do rio até achar água salobra. E, quando também essas fontes secarem, a opção é caminhar por uma hora até a comu-nidade Jardim com tambores sob a ca-beça para conseguir água em açudes e barreiros. Se ficar difícil, pode-se

O Rio Riachão do Gado Bravo deveria ser a fonte de reserva de água para a comunidade. Acontece que o retrato pintado por Asa Brancaé verdadeiramente contundente. Há o rio, pelo menos todos se referem àquele espaço como rio. Bem, até há rio, mas não água. No lugar, apenas areia. O rio secou...

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cisternas

disputar a água que borbulha na fonte natural da comunidade vizinha, Brejo, já assediada por 35 famílias.

Caixa e boneca do sertãoNa sala da família Silva Santos, a

conversa é sobre o modo de vida na Gameleira. A energia do Programa Luz para Todos, do Ministério das Minas e Energia (MME), está próxi-ma de chegar. A que acende as lâm-padas e liga o rádio e a televisão, das 18h às 22h, por enquanto é fornecida por um gerador. Cada casa paga R$ 10 por mês para repor o combustível, que um irmão de Olavo disponibiliza. De repente, quando começam a enu-merar as complicações da comunidade, Irani deixa a cozinha, aparece na en-trada da sala e, timidamente, comen-ta: “A vida aqui era muito difícil”. O uso do verbo no passado dá razão à transformação da Gameleira.

No caderno da menina Dinora Oliveira Novais, 10, que mora na comunidade e está na 4ª série, o acontecimen-to se traduz as-sim: “Essa caixa que a gente tem

é muito boa, porque a água aqui é muito difícil. Para a gente, quando é na seca, buscar água é muito lon-ge. A água no rio é muito salgada, só presta para lavar prato. Depois das caixas, ajudou muito, porque temos água limpa, não precisa sair para lon-ge para buscar água para beber e co-zinhar. Temos que cuidar e economi-zar até chover outra vez.”

Nos versos do poeta camponês João Aguiar, a caixa da menina Dinora vira boneca branca do sertão:

“Temos a Água para Todos.Com a sua participação.O branco significa a PazPra esse mundo de ilusão.A água é vida que destaca;Viva a cisterna de placas,A boneca branca do sertão”

Seja caixa ou boneca do sertão, o imaginário do sertanejo rende glórias à cisterna, uma tecnologia popular que capta água da chuva que cai no

Na comunidade Brejo, quatro irmãos se

confraternizam ao lado da caixa, brindando com água límpida um ano de

construção da cisterna.“Nossos netos

nunca vão saber qual é o gosto

da água salobra.”

telhado e armazena 16 mil litros, su-ficiente para que uma família de cin-co pessoas beba e cozinhe até chegar novamente a época das chuvas.

E a música Água da Chuva, que pre-ga a estocagem da a água, já dizia:

“No pé da casa vocêfaz sua cisterna.E guarda a água queo céu lhe enviou.É dom de Deus, é água limpa,é coisa linda.Todo idoso, o menino e a menina.Podem beber que éágua pura e cristalina”

Com os filhos Fred e Róbson longe de casa, Irani cuida da cisterna como se fosse a filha mulher que não tem. Na cozinha, está pregado o cartaz “Mandamentos das Cisternas”. Ela segue à risca a regra número 5: “Lavar todos os anos antes da chuva; pintar a parte externa de cal branca; man-ter a cisterna sempre bem tampada; guardar os canos depois das chuvas para evitar que rachem”.

O mandamento de número 2 – “To-das as pessoas [...] têm direito a água” – é o motivo pelo qual o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) desenvolveu o Progra-ma Cisternas, em parceria com a Ar-ticulação do Semi-Árido (ASA), com governos estaduais do semi-árido (AL, BA, CE, MG, PB, PE, PI, RN e SE) e com 49 prefeituras. O Ministério já repassou R$ 365 milhões à capacita-ção das famílias beneficiárias e à cons-trução de 263 mil cisternas, sendo que 200 mil já foram entregues.

A volta da asa-branca e “de Fred”Hoje, quem visita a Gameleira vai

encontrar um filtro de barro na sala de todas as casas. É o orgulho de po-der oferecer água a quem chega. No almoço, Irani prepara carne assada, arroz branco, feijão e salada de re-polho com tomate. No copo, suco de goiaba, sem nenhum gosto de água salobra. O líquido posto ali é da água da cisterna. Na comunidade ao lado – Brejo – quatro irmãos se confrater-nizam ao lado da caixa, brindando com água límpida um ano de constru-ção da cisterna. São os filhos do des-bravador do lugar, o velho Abidias Cordeiro Santos. Os três senhores

Em parceria com a ASA, o MDS investe no projeto Acesso à Água para a Produção de Alimentos para o Autoconsumo, que visa à melhoria da dieta alimentar do ser-tanejo. A água que cai da chuva é usada para plantar hortaliças e pomares e matar a sede de pequenos animais, com a im-plantação de três tecnologias sociais: cis-terna calçadão, tanques de pedra e bar-ragens subterrâneas. A ação é conhecida também por Segunda Água ou Água de Comer e está sendo desenvolvida em ca-sas/comunidades que já possuem cister-na. Para 2008, está previsto um investi-mento de R$ 22,5 milhões.

Água para plantar

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– Almiro, Carmelito e Ademar – e a senhora Jasmira se acostumaram a viver com a falta d’água. “Nossos netos nunca vão saber qual é o gos-to da água salobra”, comemoram. A fonte a céu aberto da comunidade serve ainda para buscar água para tomar banho, lavar roupa e prato e dar de beber ao gado. Na Gameleira, a água do rio, que Irani leva sobre a cabeça, vai para os mesmos fins, com exceção dos animais.

Novamente no lúdico, Luiz Gon-zaga escreveu A Volta da Asa Branca,que narra a época da chuva que traz

o pássaro de volta ao sertão e quem estava fora, aos braços da família.

“Já faz três noitesQue pro norte relampeiaA asa brancaOuvindo o ronco do trovãoJá bateu asasE voltou pro meu sertãoAi, aí eu vou me emboraVou cuidar da plantação”

A volta de Fred não acontecerá somente quando a chuva vier. Com a cisterna cheia, o filho de Irani e

Olavo já pensa em fixar residência no mundo da Gameleira “Fred foi para São Paulo quando a cisterna estava sendo construída”, conta a mãe. “Quando ele ver essa água boa para beber o ano inteiro não sai mais daqui.”

Esta reportagem divulga

ações do Programa:

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Água no semi-árido – as cisternas construídas e as pessoas atendidas

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

P A R A Í B A

31.579157.895

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

P I A U Í

22.521112.605

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

M A R A N H Ã O

7673.835

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

S E R G I P E

6.482 32.410

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

P E R N A M B U C O

30.576152.880

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

B A H I A

43.584217.920

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

C E A R Á

25.966129.830

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

A L A G O A S

8.10240.510

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

M I N A S G E R A I S

9.04945.245

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

R I O G R A N D E D O N O R T E

21.379106.695

Cisternas construídas:

Pessoas atendidas:

E S P Í R I T O S A N T O

2581.290

Total de cisternas emfuncionamento no Brasil:

Total de pessoas atendidaspelas cisternas no Brasil:

Investimentototal do MDS:

B R A S I L

200.2631.001.115

R$ 365 milhões* de 2004 a julho de 2008

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BstidoresBB

JORNALISTAS PELO BRASILOs repórteres Bárbara Lobato, Rosiene Assunção e Vítor Corrêa, acompanhados do fotógrafo Bruno Spada e de outros profissionais, percorreram 11 estados, mais de 25 cidades, para contar as histórias que você acaba de ler. A impressão final é uma só: o Brasil é, a cada dia que passa, um país de todos.

82 SAN S e g u r a n ç a A l im e n t a r e N u t r i c i o n a l

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é áJarbas Turgino – Gameleira Trançada – Carmélia Simão – Cleiciane Soares – Maria Fátima Lima – Pantanal – MarizeAlves – Rosângela Genestro – Tatiane Lima – Poço Redondo – Tâmara – Banco de Alimentos – Jurema – Luis Carlos daSilva – Shirley Meireles – Benhur – Brasília – Onofre Ramos – Consad – Florentina Rodrigues – Hilda da Silva – PAA Leite– Ilza Rosa – Belo – Maria Aparecida Rodrigues – Maria das Graças – Quitéria Alves – Marcos Zanatta – Ednei Queiroz – Fernandes Pinheiro – Valério Engelsing – Leandro – Augusto Moresco – Edson Heiss e – Rinaldo Carneiro – Mesquita– Paulo Feiten – Arno Kotz – Cleomar Di Domenico – Milton Yamada – João Batista Braga – Mayra Magalhães – Cisterna – Teodora Moreira Contagem Carlos Alexsandro Natália Alexsandro Belém Irani Wesley Umbuzeiro dos Nobres

é áJarbas Turgino – Gameleira Trançada – Carmélia Simão – Cleiciane Soares – Maria Fátima Lima – Pantanal – Marize Alves – Rosângela Genestro – Tatiane Lima – Poço Redondo – Tâmara – Banco de Alimentos – Jurema – Luis Carlos daSilva – Shirley Meireles – Benhur – Brasília – Onofre Ramos – Consad – Florentina Rodrigues – Hilda da Silva – PAALeite – Ilza Rosa – Belo – Maria Aparecida Rodrigues – Maria das Graças – Quitéria Alves – Marcos Zanatta – Ednei Queiroz – Fernandes Pinheiro – Valério Engelsing – Leandro – Augusto Moresco – Edson Heiss e – Rinaldo Carneiro –Mesquita – Paulo Feiten – Arno Kotz – Cleomar Di Domenico – Milton Yamada – João Batista Braga – Mayra Magalhães – Cisterna – Teodora Moreira – Contagem – Carlos Alexsandro – Natália Alexsandro – Belém – Irani – Wesley – Um-buzeiro dos Nobres –Camila – Róbson – Fred – Restaurante Popular – Dinora Oliveira – João Aguiar – Barão de Melgaço – Tamires – Abidias Cordeiro – Carmelito – Agricultura Urbana – Ademar – Belo Horizonte – Almiro – Jasmira – MarcosMatos – João Sousa – Maria dos Prazeres – Francisco Sousa – Fayane – Michel Alphonse – Araucária – Sinval Lima –José Audrieu – Cícero – Adriana – Dudu – Marquinho – Ariquemes – Cozinha Brasil – Frank – Reinaldo José da Costa– Toledo – Marines – Romário – Sinês – José Ronildo – Almir Silva – Mamede Gomes – Brejo – Teófi la – Edson de Matos– Várzea Grande – Vânio Marques – Ocimar Seti – PAA – Clorice Seti – Anagé – Renan Wagner Ramos – Antônio Carlosda Silva – Mosqueiro – Carmélia de Almeida – Wilson Alves – Evelyn Alves – Vania Cirino – Pão de Açúcar – Moacir –Domingos Deda – Silvestre – Roque – Cozinha Comunitária – Matilde – Jarbas Turgino – Gameleira Trançada – CarméliaSimão – Cleiciane Soares – Maria Fátima Lima – Pantanal – Marize Alves – Rosângela Genestro – Tatiane Lima – PoçoRedondo – Tâmara – Banco de Alimentos – Jurema – Luis Carlos da Silva – Shirley Meireles – Benhur – Brasília – On-ofre Ramos – Consad – Florentina Rodrigues – Hilda da Silva – PAA Leite – Ilza Rosa – Belo – Maria Aparecida Rodri-gues – Maria das Graças – Quitéria Alves – Marcos Zanatta – Ednei Queiroz – Fernandes Pinheiro – Valério Engelsing– Leandro – Augusto Moresco – Edson Heiss e – Rinaldo Carneiro – Mesquita – Paulo Feiten – Arno Kotz – Cleomar DiDomenico – Milton Yamada – João Batista Braga – Mayra Magalhães – Cisterna – Teodora Moreira – Contagem – CarlosAlexsandro – Natália Alexsandro – Belém – Irani – Wesley – Umbuzeiro dos Nobres –Camila – Róbson – Fred – Restau-rante Popular – Dinora Oliveira – João Aguiar – Barão de Melgaço – Tamires – Abidias Cordeiro – Carmelito – AgriculturaUrbana – Ademar – Belo Horizonte – Almiro – Jasmira – Marcos Matos – João Sousa – Maria dos Prazeres – FranciscoSousa – Fayane – Michel Alphonse – Araucária – Sinval Lima – José Audrieu – Cícero – Adriana – Dudu – Marquinho– Ariquemes – Cozinha Brasil – Frank – Reinaldo José da Costa – Toledo – Marines – Romário – Sinês – José Ronildo –Almir Silva – Mamede Gomes – Brejo – Teófi la – Edson de Matos – Várzea Grande – Vânio Marques – Ocimar Seti – PAA– Clorice Seti – Anagé – Renan Wagner Ramos – Antônio Carlos da Silva – Mosqueiro – Carmélia de Almeida – WilsonAlves – Evelyn Alves – Vania Cirino – Pão de Açúcar – Moacir – Domingos Deda – Silvestre – Roque – Cozinha Comuni-tária – Matilde – Jarbas Turgino – Gameleira Trançada – Carmélia Simão – Cleiciane Soares – Maria Fátima Lima – Pan-tanal – Marize Alves – Rosângela Genestro – Tatiane Lima – Poço Redondo – Tâmara – Banco de Alimentos – Jurema– Luis Carlos da Silva – Shirley Meireles – Benhur – Brasília – Onofre Ramos – Consad – Florentina Rodrigues – Hilda daSilva – PAA Leite – Ilza Rosa – Belo – Maria Aparecida Rodrigues – Maria das Graças – Quitéria Alves – Marcos Zanatta– Ednei Queiroz – Fernandes Pinheiro – Valério Engelsing – Leandro – Augusto Moresco – Edson Heiss e – RinaldoCarneiro – Mesquita – Paulo Feiten – Arno Kotz – Cleomar Di Domenico – Milton Yamada – João Batista Braga – MayraMagalhães – Cisterna – Teodora Moreira – Contagem – Carlos Alexsandro – Natália Alexsandro – Belém – Irani – Wesley– Umbuzeiro dos Nobres –Camila – Róbson – Fred – Restaurante Popular – Dinora Oliveira – João Aguiar – Barão deMelgaço – Tamires – Abidias Cordeiro – Carmelito – Agricultura Urbana – Ademar – Belo Horizonte – Almiro – Jasmira –Marcos Matos – João Sousa – Maria dos Prazeres – Francisco Sousa – Fayane – Michel Alphonse – Araucária – SinvalLima – José Audrieu – Cícero – Adriana – Dudu – Marquinho – Ariquemes – Cozinha Brasil – Frank – Reinaldo José daCosta – Toledo – Marines – Romário – Sinês – José Ronildo – Almir Silva – Mamede Gomes – Brejo – Teófi la – Edson deMatos – Várzea Grande – Vânio Marques – Ocimar Seti – PAA – Clorice Seti – Anagé – Renan Wagner Ramos – AntônioCa os da S a osque o Ca é a de e da so es e y es a a C o ão de çúcaCarlos da Silva – Mosqueiro – Carmélia de Almeida – Wilson Alves – Evelyn Alves – Vania Cirino – Pão de Açúcar –

metade do século passado alertava o mundo para o problema da fomee da desnutrição.

Do projeto inicial do Fome Zero, o que vimos foi uma sucessão de progra-mas e projetos que mudaram a feição do Brasil no que concerne à seguran-ça alimentar e nutricional: as Confe-rências Nacionais de Segurança Ali-mentar e Nutricional, especialmente a II, na qual a alimentação foi reco-nhecida como direito humano básico; a criação do MDS, entregue à compe-tência e dedicação do ministro Patrus Ananias; o incessante trabalho que vem sendo prestado pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) que, reunindo representantes da sociedade civil, pro-piciou a aprovação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), tornando a alimentação um dever do Estado.

Josué de Castro, meu saudoso pai, estaria realizado vendo neste 2008, ano que marca o centenário de seu nasci-mento, a realização de seu sonho: a construção de um Brasil sem fome.

Anna Maria de Castro é profes-sora titular de sociologia aplica-da da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Gra-duada em ciências sociais e pós-graduada em ciências políticas, Anna é doutora em nutrição pela UFRJ. E preserva viva a memó-ria de seu pai, Josué de Castro. Em 2008, ano do centenário do cientista, Anna se desdobra para atender as inúmeras solici-tações de texto para apresenta-ções de livros e revistas. Os outros dois filhos de Josué de Castro são Josué Fernando de Castro, economista, e Sônia de CastroDuval, geógrafa.

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Saudamos, com emo-ção, a iniciativa do Ministério do Desen-volvimento Social e Combate à Fome (MDS) de editar a publicação Seguran-ça Alimentar e Nutri-

cional: Trajetória e Relatos da Cons-trução de uma Política Nacional. As reportagens e depoimentos nela con-tidos nos permitem avaliar a comple-xidade e amplitude das políticas de inclusão social no Brasil.

Podemos observar, pela leitura dos relatos, recolhidos nos mais distan-tes e empobrecidos locais deste país, quanto de benefício essas ações têm trazido para essas populações, até re-centemente abandonadas.

Como sabemos, as décadas de 1980 e 90 testemunharam o avanço da glo-balização e a consolidação das práti-cas liberais conservadoras, sob o tí-tulo renovado de neoliberalismo. Os países em desenvolvimento foram as principais vítimas das práticas patro-cinadas pelos países ricos. Neles, o de-semprego tornou-se crônico. A fome e o desabrigo se generalizaram. Pre-senciamos o ressurgimento de doen-ças infecciosas. Permaneceram altas as taxas de mortalidade infantil e a educação de qualidade tornou-se cada vez mais inacessível.

No Brasil, a primeira reação consis-tente a essa situação de descaso ocor-reu em 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência e ele-geu o combate à fome como priorida-de de seu governo, recolocando para a reflexão da sociedade as idéias e projetos de Josué de Castro, que na

A realização deJosué de CastroANNA MARIA DE CASTRO

SANSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Trajetória e Relatos da Construção de uma Política Nacional

Na Finlândia, Josué de Castro entre a esposa Glauce