Jean de Lery - Viagem a Terra Do Brasil

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JEAN DE LRY VIAGEM TERRA DO BRASIL Traduo integral e notas de SRGIO MILLIET segundo a edio de PAUL GAFFREL com o Colquio na lngua braslica e notas tupinolgicas de PLNIO AYROSA BIBLIOTECA DO EXRCITO EDITORA 1961 N D I C E IntroduoJean de LryNotcia biogrfica Nota bibliogrfica Dedicatria de Jean de Lry Prefcio de Jean de Lry I Do motivoque nos levou a empreenderesta longnqua viagem terra do Brasil na ocasio em que a fizemos. IIDoembarquenoportodeHonfleur,naNormandia,dastormentas,encontros,abordagensdenavios, primeiras terras e ilhas que descobrimos. III Dos bonitos, albacores, dourados, golfinhos, peixes-voadores e outros de vrias espcies que vimos e apanhamos na zona trrida. IVDoequadoroulinhaequinocialetambmdastempestades,inconstnciadosventos,calor,sedee outros incmodos que tivemos e passamos nessas alturas. V Do descobrimento e primeira vista que tivemos da ndia Ocidental ou terra do Brasil, bem como de seus habitantes selvagens e do mais que nos aconteceu at o trpico de Capricrnio. VIDodesembarquenoforteColigny;daacolhidadeVillegagnondeseucomportamentoemrelao religio e ao governo do pas. VIIDescriodorioGuanabarana,tambmdenominadode Janeiro; da ilhadeColignyedofortimnela edificado, bem como das ilhas vizinhas. VIII ndole, fora, estatura, nudez, disposio e ornatos dos homens e mulheres brasileiros,habitantes da Amrica, entre os quais permaneci quase um ano. IXDasgrossasrazesedomilhocomqueos selvagensfabricamafarinha,comida emlugardopo; da bebida a que chamam cauim. X Dos animais, veao, lagartos, serpentes e outros animais monstruosos da Amrica. XIDavariedadedeaves daAmrica, todasdiferentes dasnossas; dos bandos degrandesmorcegos, das abelhas, moscas varejeiras e outros vermes singulares desse pas. XII Dos peixes mais comuns e do modo de pesc-los. XIII Das rvores, ervas, razes e frutos deliciosos que a terra doBrasilproduz . XIV Da guerra, combate e bravura dos selvagens. XVDecomoosamericanostratamosprisioneirosdeguerraedascerimniasobservadasaomat-lose devor-los. XVIReligiodosselvagensdaAmrica;errosemquesomantidosporcertostrapaceiroschamados Carabas; ignorncia de Deus. XVII Docasamento, poligamia egraus de parentesco entre os selvagens bem comoo modo de tratar os filhos. XVIII O que podemos chamar leis e policiamento entre os selvagens; modo por que tratam os visitantes amigos; prantos e discursos festivos das mulheres por ocasio das boasvindas. XIX De como tratam os selvagens os seus doentes, dos funerais e sepulturas e do modo de chorar os seus defuntos. XX Colquio de entrada ou chegada ao Brasil,entrea gente do pas chamada Tupinambe Tupiniquim, em linguagem braslica e francesa(*). XXI A nossa partida da terra do Brasil, os naufrgios e perigos de que escapamos no regresso. XXII Fome extrema; tormentas e outros perigos de que Deus nos salvou durante o regresso. (*)Porconveninciadepaginaoeporversarmatriadistinta,traduzidaecomentadasabiamenteporPlnio Ayrosa, foi este captulo colocado em apndice (T.). [O captulo em questo no foi includo nesta verso eletrnica] INTRODUO Embora o livro de Jean de Lry tenha sido, mais que qualquer outro de sua poca, traduzido e reeditado, no h dvida que fazia falta uma boa edio brasileira cuidadosamente feita e comentada. Defato,Lrytemumvalorexcepcionalcomodocumentohistrico,etnogrficoeat musical.No seu livroestoregistrados doiscantos tupis: os documentosmaisantigos que possumosdenossamsicaamerndia.Nassuaspginasescritascomumsabordelicioso, nalinguagemfrancesatopitoresca,hojeemdia,dosculoXVIesttodaahistriada malograda Franca Antrtica. Lido em seu tempo como livro de viagem e aventuras, de grande sucesso, traduzido para o holands,oalemoelatim(alnguauniversaldeento)nossocalvinistagozoude popularidadeatosculoXVIII.Outrosviajantes,outrasterrasexticasdeselvagens,e outraspreocupaestambm,vieramdesviaraatenodosamadoresdehistriase aventuras.ComosanosquepassavamLryperdiaaatualidadee,delivroparaogrande pblico que era, foi, aos poucos, ficando documento para eruditos e historiadores. Paul Gaffarel, o francs que melhor conhecia a histria do Brasil em seu tempo, tentou, sem grandesucesso,parece,p-loaoalcancedograndepblico.Preparouumaediocrtica notvel que Affonse Lemerre, ofamoso editor parisiense, publicou entre os seus elegantes volumezinhostocuidadosamenteimpressoseapresentados,hojetoprocuradospelos biblifilos.Anosdepois,AlencarAraripedeunaRevistadoInstitutoHistricoe GeogrficoBrasileiroumatraduobrasileiraimpressanumaortografiadesuainveno, das mais simplrias que se tem visto. dessa edio que se tm utilizado aqueles que no estofamiliarizadoscomofrancsdosculoXVI,poisastentativasposterioresdepr Lry ao alcance do pblico, quer em tradues, quer em francs modernizado, contriburam mais para deformar a obra que para valoriz-la. Acrescequeopreoaltoeararidadedasprimeirasediesdolivrodonossocronista francsvinhamaindadificultaraleituradeumdoslivrosmaisinteressanteseinstrutivos sobre o Brasil do primeiro sculo. A fim de sanar essa situao lamentvel resolvemos dar estanovaedio.ConfiamosatraduoaSrgioMillietquetobemconheceofrancs antigoeobebeu,comons,emsaudososanosdeestudoemocidade,naGenebrade CalvinoeJeandeLry.EstbaseadanadeGaffarel.Saiagoraenriquecidacomnotas eruditasepreciosasdePlnioAyrosaqueconseguiutambm,epelaprimeiravez, interpretarerestabelecerotextotupidofamosodilogo.Paraenriquecereilustrareste volume,resolvemosaproveitarnosomenteasilustraesdaediooriginaledeoutras subseqentes mas tambm algumas gravuras contemporneas pouco conhecidas. R. B. de M. JEAN DE LRY Jsereferiramosestudiososimportnciadosviajantesestrangeirosnoestudodenossa histriacolonial.Omesmosedircomacertoemrelaoetnografiabrasileira.Deum modogeralsoasnarraesdeviagemmanancialpreciosoaoconhecimentodosnossos ndios.TodaviaasobrasdosquenosvisitaramnodecursodosculoXVIabundamem informesdeprimeiraordem.Aesto,paraprov-lo,asediesantigasoumodernas, comentadasouno,dosJeandeLry,AndrThvet,Yvesd'Evreux,Clauded'Abbeville, HansStaden,UlrichSchmideleoutros.Maisfantasistasuns,maisserenoseobjetivos outros, todos esses viajantes, missionrios, aventureiros que residiram entre ns trazem sua contribuioutilssimaaoestudodonossoindgena.Lry,principalmente,serecomenda pela imparcialidade com que descreve a vidae os costumes dos tupinambs, pela agudeza de sua observao e, ainda, pelo sabor de seu estilo. NoentantonoeraLrynenhumintelectualdenomeada,nenhumcientistadereputao. Simplessapateiro,estudiosodeteologia,embarcoucomalgunsoutrosartesespara colaborarnatentativacolonizadoradeVillegagnon.Asdissenseslogosurgidasentre calvinistasepapistastiveramcomoresultadooexliodeLryparaocontinente,a"terra firme", e asua longaestada entre osindgenas.Duranteesse perodo demuitosmeses em que com eles conviveu, observou e anotou o que viu. Como curioso apenas, como homem honestodesejosodelevaraseumestreCalvinoinformaesdetalhadas,emrelatrio suscetvel de trazer algum benefcio aos possveis exilados da regio reformada, e, tambm, de limpar de culpa a sua atuao no Brasil. No pretendia escrever nenhum livro e s o fez em obedincia aos rogos de seus amigos. Parece incrvel, hoje em dia, que uma simples narrativa de viagem pudesse apresentar tanto interesse,constitusseumaliteraturadexitoquasepopular.querefletimosdentrode novosconceitosdeaventuras,emoes,novidade.ParaoshomensdosculoXVI,tais relatosdeviagemtinhamumsaborinditocapitoso.Satisfaziamumdosquatrodesejos fundamentaisa que aludeW. E. Thomaz: o desejo de novidade1, talvez omais irresistvel detodos,aquelequedrenaparasitodasasforasativasdoindivduo.Emnossotempoo cinema nos traz de todos os cantos do mundo saborosos manjares para aplacar essa fome e sededeaventura.Poroutrolado,asviagens,relativamentebarataseseguras,atendem tambmaessaansiedade.Masaoiniciar-seoRenascimento,bempoucoacessvelao comum dos mortais, aos pacatos burgueses, era essa imprescindvel satisfao. Da o xito "delivraria",comodiramosagora,dasnarraesdeviagensapasesexticos,deestadas entre selvagens, gentes de outros costumes. Explicado esse fenmeno resta ainda o dizer porque o livro de Lry sobressai, entre tantos outros e porque seu depoimento permanece vivo quatrocentos anos mais tarde. que Lry revelaemtodaasuaobraumaqualidadenotvel,rarssimaemseutempodepaixese preconceitosesencontrvelatualmente,nosespritosmaisadiantadosdenossa civilizaoocidental:osensodarelatividadedoscostumes,a"simpatia",nosentido sociolgico da palavra, que conduz compreenso dos semelhantes e anlise objetiva de suasatitudes.Esseestadodeesprito,quecomportacertoceticismomuitodogosto cientfico,nsoobservamosemalgunsgrandesescritoresdoRenascimento, principalmenteemMontaigne,queportantasoutrascaractersticas,inclusiveoestilo,se aparenta a Jean de Lry. Naturalmente, como homem de carne e osso que era, com defeitos como todos ns, no podia mostrar-se isento por completo de paixes. E, sobretudo, era-lhe difcil fugir maior paixo do meio em que viveu e se formou: a paixo religiosa. Donde o famigeradoprefcio,queseusdiversostradutoresevitaramenoqual,sediscutecoisas nossas com seu compatriota Thvet, movido antes de mais nada pela posio religiosa do contendor,bomcatlico,adversriodeclaradodeCalvino.Duasoutrsvezesainda,no prpriotextodesuanarrativa,destilaLrysuabliscontraoscatlicoseosateusem rpidas e incisivas apstrofes. Mas bem pouco espao ocupam tais invectivas em relao ao textoaproveitveletnogrfico,jpelasomadefatosdescritos,jporalgunscomentrios argutos,hipteseshojeconfirmadasemquasetodososseusaspectos.Senoentendeuas cerimniasreligiosasdostupinambs,porcausadosprejuzosreformistasqueo obnubilavam, e pela ignorncia em que todos andavam ento das prticas mgicas e de seu sentido exato, com muita justeza encarou o fenmeno antropofgico e com grande carinho

1 So os outros trs: o desejo de segurana, o desejo de considerao e o desejo de correspondncia. estudouosdemaiscostumeseritosindgenas.Cabe-lheaindaaglriadeterestabelecido umcolquioemlnguatupi,seguidodeobservaesgramaticais,nemabsurdoeconfuso como os julgaram alguns, um pouco apressadamente, mas, na opinio de Plnio Ayrosa, de enorme interesse, inclusive no que diz respeito a certas formas arcaicas da lngua. AlencarAraripe,quefoioprimeiroatraduzirJeandeLry,eofezmuito conscienciosamente embora com graves erros de interpretao sinttica, julgou-lhe o estilo "irregular".Spossvelatribuirtaljuzoaumafaltadefamiliaridadecomofrancsdo sculoXVI.PoisLrynomenoslmpidoqueMontaigne.L-sedeumjacto,com interesseeproveito.EsenosealassutilezasdoautordosEnsaiosnemporisso pesado. Ao contrrio, sua frase, longa como a de todos os escritores de seu tempo, inclusive osportugueses,nodeixadeterumaconstruoharmnica,precisa,dentrodaqualo pensamentomatizadoseabrigavontade.Ademais,personalssimo,isentodeliteratice, tem o seu estilo um sabor que somente no portugus de um Gandavo encontra semelhana. Lryescrevecomooutrospintamoutocammsica,semnuncateraprendido;comuma naturalidade de causar inveja aos mais sbios autores e aos mais espertos estilistas. Escreve bemsemesforoedizoquedesejacomoquer.OqueAraripetomoupormescritao prpriomododeser,pensarefalardosculoXVI.Paraaavaliarmosemseujustovalor devemos transpor-nos, no tempo e no espao, at a Frana de Francisco I e de Henrique IV, ecompararmossualnguacomadosseusgrandescompatriotasemesmocomados grandes escritores portugueses dos descobrimentos. Ele difcil na medida em que difcil aarquiteturadeMiguelngelo,comseupitorescoeseuindividualismo.Nadamais representativo,entretanto,dessapocamagnficadeaudciadoqueesseda representatividade.Poisaqueaspiramhtantosanos,eporassimdizersemgrandes resultados, os mais atraentes espritos do modernismo? DificuldadesexistemsemdvidanatraduodeumaobracomoadeJeanLry.Esem falarnaterminologiaobsoleta,certasformassintxicasdedifcilacessoaosleitores exclusivos de escritos contemporneos. Tambm muitos latinismos estorvam a limpidez da expresso,masosimplesconhecimentodoportugus,doitalianoedoespanholos esclarecem.Haindaqueteremvistaaevoluodalnguaqueemprestouamuitos vocbulos um novo sentido. preciso saber, por exemplo, que aimable no corresponde ao nosso amvel, mas sim a digno de ser amado; que en cet endroit quer dizer a esse respeito enonesselugarcomoseriatraduzidonormalmentehoje;eaindaquebldeTurquie milho; que collets fraiss gola de rendas e no pescoo enrugado etc. A presente traduo comporta alm do texto completo (inclusive as preces de Villegagnon), o prefcio de Jean de Lry, a introduo de Paul Gaffarel edio de 1878 e todas as suas notascom exceo de quatro ou cincoemgrego, suprimidas m vistado pequeno interesse queapresentavamedasdificuldadestipogrficas.Ocaptuloemtupifoientregue indiscutvelcompetnciadePlnioAyrosa,queotraduziuesabiamentenotou.Inmeras anotaesaduziutambmaotextooilustreprofessordaUniversidadedeSoPauloe algumas informaes suplementares foram por mim acrescentadas.2 SRGIO MILLIET

2AsnotasdeGaffarelnotrazemnenhumaIndicaoespecial.AsdePlnioAyrosasoassinaladaspelas iniciaisP.A.AsdotradutorporT.Quandoduasnotasdeautoresdiferentesseseguememobedincia mesmachamada,observa-seumaseparaopelosinal***precedendoasegunda.[Asnotasdotranscritor para meio eletrnico esto entre chaves] NOTICIA BIOGRFICA P. GAPFAREL JeandeLrynasceuemLaMargelle,nasvizinhanasdaabadiadeSaint-Seinede Bourgogne3, no ano de 1534. Nada se sabe de sua primeira infncia. Sem dvida pertencia aumafamliadeburgueses,talvezmesmodemodestosfidalgos,poisforamestesos primeiros a seguir o movimento da Reforma, na Bourgogne, e os pais de Jean de Lry eram adeptosdasnovasidias.Sabe-secomquerapidezsepropagaramtaisopiniesemnosso pas.AFranapareciapredestinadaReforma.DehmuitoUniversidadeeParlamento atacavamodespotismopontificalereclamavamacriaodeumaIgrejaNacional.Orei Francisco I no se pronunciara ainda, mas protegia Rabelais e Marot e permitia que Calvino lhededicassea"Instituiocrist".Suairm,MargaridadeNavarraemuitoscorteses declaravam-se abertamente pela Reforma; suspeitavam de herege a sua amante, duquesa de Etampes. A nova doutrina propagava-se, pois e se organizava sem embuos. Em verdade a paznoduroumuito;masaperseguionosustouosprogressosdaReforma, principalmente quando, s portas da Frana, em uma cidade que acabava de conquistar sua liberdadepoltica,Calvinofundouumaespciedeteocraciademocrticaeapeloupara todos os homens de boa vontade. O apelo foi ouvido. Da Frana, da Itlia, da Inglaterra, da EspanhaeatdaPolniaacorreraminmerosproslitos.Genebratornou-seacidadelado protestantismoefoinessafonteardente,defeeloqnciaqueardorososmissionrios vierambuscarsuainspirao,afimdeespalharemseguida,mundoafora,adoutrinaeas idias do mestre.

3 Departamento de Cote d'Or. JeandeLryfoiumdessesmissionrios.Adolescenteainda,poistinhaapenasdezoito anos,encontramo-loemGenebra,naspegadasdeCalvino,seguindo-lheoscursosde teologiaeasprdicas.Senebier,4umdosescritoresquedeixaramacercadavidadenosso autoralgunspormenores,infelizmentedemasiadoconcisos,referequeLryjerapastor em 1555.5 Engana-se, pois com vinte e um anos e em uma cidade como Genebra, Calvino jamaislheconfiaraasimportantesfunesdessecargo.Alis,Lry,emsua"narraode umaviagemaoBrasil",declaraexpressamentequeosdoispastoresencarregadosda direoespiritualdaexpediodequeeleparticipavasechamavamRichiereChartier; quanto a ele prprio, nela ingressara "tanto em virtude do grande desejo que Deus lhe dera, j ento, de pr-se a servio de Sua glria, quanto por se sentir curioso desse mundo novo". Em1555,portanto,Lrynopassavanempodiapassardeumestudantedeteologia. Preparava-sesemdvidaparaconsagrarprdicadonovoevangelhooardoreafque deletransbordavam,maseraaindajovemdemaisparasetornarumdosaclitosdo Reformador. Calvino deu-lhe, inesperadamente, uma oportunidade para prestar Reforma um servio de monta.OConselhodaRepblicaacabaradereceberdaAmricaumacartadeDurandde Villegagnon,cavaleirodeMalta,vice-almirantedeBretanhaefundadordeumacolnia francesanaenseadaemqueseconstruiriamaistardeoRiodeJaneiro.Depoisdeter enchido a Europa e a frica com o rudo de seus feitos e de sua exaustiva atividade, valente soldado, hbilmarinheiro, engenheiro e diplomata, deacordo comascircunstncias, tinha esseestranhopersonagemimaginadoafundaodeumaFranaamericanaafimde chamar,comoqueparaumasilo,osseuscompatriotasquedesejassemgozardaliberdade deconscincia,permanecendo,entretanto,fiisMetrpole.Afirmaramosescritores protestantesque,exibindotaisdocumentosdetolerncia,Villegagnonprocurarato-somenteludibriarosreformistas;masdizemosautorescatlicosqueVillegagnonera sincero e desejava realmente conceder liberdade religiosa aos que atendessem ao seu apelo. Ofatoque,emparteporvontadedemelhorconhecerasnovasdoutrinas,empartepara 4 Senebier HistoireLittraire de Genve,t.II,p.28. 5SegundoCharlyClero,queprefaciouumarecenteediodestaobra,Lrynoerapastoraopartirparao Brasil, massim sapateiro. Embarcounaqualidadedearteso,tendo feitoseucurso de Teologiasomente depois de regressar Frana (T). aumentar os recursos da colnia com a introduode colonos livres e inteligentes, o vice-reida"FranaAntrtica"escreveu6diretamenteaCalvino,seuantigocondiscpulona UniversidadedeParis,comunicando-lheseusprojetos.Calvinoacolheucomcarinhoa imprevista solicitao. Era-lhe uma satisfao para o amor prprio, e ao mesmo tempo para aconscincia,propagarsuadoutrinanoNovoMundoporintermdiodeumcavaleirode Malta. No lhe custou convencerDu Pontde Corguilleray, amigoparticularde Coligny, a que conduzisse ao Brasil, apesar de sua idade avanada, a coluna genebrina. Dois pastores, Richier e Chartier, a acompanharam. E com eles se alistaram quatorze genebrinos, entre os quais Jean de Lry, futuro narrador da expedio. As diversas peripcias da viagem, o acolhimento deVillegagnon, os primeiros trabalhos e asprimeirasdisputas,asdiscussesteolgicaseasdissensesdetodaespcie,as hostilidades declaradas, a partida dos genebrinos... e o martrio de quatro deles, todos esses dramticosepisdiossocontadospormenorizadamentena"Narrao".Cabe-nosapenas remeter o leitor a essa obra interessante. MaldesembarcounaFrana,emfinsde1553,logovoltouLryparaGenebraafimde completarseusestudosdeteologiaereceberaimposiodasmos.Emborativesse aproveitado sua estada no Brasil para colher notas e observaes curiosas, no cogitava de publicar a narrativa de sua viagem. A instncias, porm do advogado Joo Crespin, tambm refugiado em Genebra eque preparavaento a reimpressode sua obrafamosa: "Histria dosmrtiresperseguidosemortosemdefesadaverdadedosevangelhos,desdeapoca dos apstolos at os dias presentes7", Lry redigiu uma narrativa da "Perseguio dos fiis nas terras da Amrica". Essa descrio em geral atribuda a Crespin, mas foi na realidade escritaporLry,8comoseprovacomotrechoseguintedesua"ViagemaoBrasil":"...a profissodefdessestrshonestospersonagensfosseregistradanolivrodosque,em nossos dias, foram martirizados em defesa do Evangelho. Por isso entreguei-a nesse mesmo anode1558aoimpressorJooCrespin,oqual,comanarrativadosperigosporque passaram para aportar terra dos selvagens depois de nos deixarem, a inseriu no livro dos mrtires".

6Ooriginaldestacartaencontra-senaBibliotecadeGenebra.Umanotadorannimomarcouonomede Villegagnon com as seguintes palavras: Rex Americae. 7 Crespin Hstoire des martyrs Ed. 1619.Genve, 1 parte, pgs. 432-438 2 parte, pgs. 452-457. 8Ver captulo XXII. Foi a primeira obra de Lry. Tendo recebido o ttulo de burgus de Genebra, a 5 de agosto d1560,esidonomeadoministro,foienviadoparaBelleville-sur-Sane,pertodeLyona fim de exercer suas novas funes. A regente Catarina de Mdicis parecia, ento, inclinar-separaoprotestantismo.Libertavaosdetentospormotivosreligiosos,chamavaos exilados, nomeava Cond para o Conselho e permitia ao bispo de Valence "pregar perante o reisobrequaisquerpontostoclaramentequantoseseachasseemGenebra".9Tudo parecia, pois encaminhar-se para uma mudana de religio e o chanceler "de l'Hospital" em seu edito de 1562 concedia aos calvinistas o direito prtica legal de seu culto. Mas fra-se longe demais, ou melhor, demasiado depressa, no caminho das concesses; a grande massa popularpermanecerafielasuasvelhascrenaseocleroaindaconservavasuainfluncia. Por outro lado, os protestantes abusavam do triunfo. Imaginavam que bastaria certa presso sobreogovernoparaqueestelhesmanifestasseseuapoio.Aessasimprudentes provocaesresponderam os catlicos com omassacre de Vassy(1 demarode 1562) e assim se iniciou a primeira de nossas oito guerras civis. Essa primeira guerra devastou todas as nossas provncias, principalmente as do Sul. "Seria impossveldizer-vos,escreveumcontemporneo10,quantascrueldadesdebrbarosso perpetradasdeladoalado.Ondedomina,ohuguenotedestritodasasimagens,derruba sepulcros e tmulos, mesmo de reis, rouba todos os seus objetos sagrados e pertencentes s Igrejas. Em paga, o catlico mata, tortura, afogatodos os que encontra daquela seita;e os riosandamcheiosdeles.EmBellevilledominavamosprotestantes.Sustentadospelo legendrio Baro de Adrets, comprazeram-se em devastaredestruiresttuas e igrejas; seu furoriconoclastanorespeitousequerasrecordaespatriticas.Calvinoreprovavatais excessos. H uma carta aos pastores de Lyon em que essas devastaes so qualificadas de "zeloinconsiderado".Lrytinhaamesmaopinio.JuntamentecomseucolegaFlavard, esforou-seseriamenteporsalvarasigrejascatlicasdeBelleville,quandoashordasdo terrvel Baro de Adrets, aps ter destrudo em Lyon as venerveis baslicas de Saint-Just e Saint-IrneejogadonoRdanoasrelquiasdesseapstolodaGlia,seapresentaram diantedeBellevilleafimdesaquearosedifciosconsagradosaocultocatlico.Lryno conseguiu reprimir-lhe os furores e teve que assistir destruio das igrejas.

9 L Laboreur Additions aux mmoires de Castelnau T. II. L. II. 10 Pasquier Recherches de Ia France T. n, p. 99. Perdemos de vistaLry por ocasio da horrvel desordem que se seguiu guerra fratricida de1562.Sabemos,entretantoquevoltouaGenebra,semdvidadepoisdaassinaturada pazdeAmboise(1563).Sinceramentefielsuacrena,Lrynoeraumfantico.A pretextodereligiotantoshorroreshaviamsidoperpetradosdeladoaladoqueelese encontrava como que enojado de qualquer propaganda. a esses sentimentos de lassido e desnimo que devemos sua narrativa de uma viagem ao Brasil. Comps a obra a instncias deseusamigos,noslazeresquelheoutorgouapazdeAmboise;masnoaimprimiu imediatamente.Entregara,comefeito,seumanuscritoaumdeseusamigos,oqualo devolveuporintermdiodeumcriadoqueserevelousuficientementedesastradopara perd-lo.Lryviu-seobrigadoarefazeraobradememria,pormumaespciede fatalidadeseobstinavaempersegui-la.Perdeu-apelasegundavezefoisomenteem1576 que voltou posse do primeiro manuscrito, encontrado em Lyon, e pde afinal publicar sua narrativa. Entrementes fora Lry nomeado ministro, primeiramente em Nevers (novembro de 1564), e em seguida em La Charit. Nada sabemos de seu ministrio apostlico. Assistiu ao snodo de Nimes em 1572. Por ocasio da Saint-Barthlemy, achava-se em La Charit, embalado, comotodososseuscorreligionrios,porumafalsasegurana.AscenasodiosasdeParis repetiram-se nasprovncias.La Charitno foi poupada. Jem fins deagosto os italianos doDuquede Nevers tomavam de surpresa a cidade e trucidaram vinteedois protestantes. Lry era uma vtima provvel, mas escapou por milagre, com seu colega Pedro Melet, e se refugiounapraafortedeSancerre.ParaaescreveuemsuaNarrativadocercode Sancerre, se haviam retirado os pobres fiis das cidades vizinhas de Bourges, La Charit, Gien, Orlans e outras, depois de escapar dos dentes dos lobos como pobres ovelhas, a fim deevitaremafriadosque,semnenhumrespeito,satisfaziamseusdiosmaisdoque brbaros.Sancerreeraentoumaimponentecidadela.Seushabitantes,devotados Reforma,acolheramcomsolicitudeosfugitivoseprepararam-separaresistiratsuas ltimas forass tropascatlicas. Os burguesesricos ter-se-iam de bomgrado submetido; tentarammesmoentregarocasteloaogovernadordeBerry,masosoperrios,os vinhateiros e os fugitivos expulsaram os traidores e colocaram-se abertamente em estado de insurreio.OmarechaldeLaChastre,testadealgunsmilharesdehomensfoi encarregado de apossar-se da pequenacidade cujaresistnciapodia tornar-secontagiosae seapresentavacomoumlugardereunioparaosprotestantesdoCentro.Atacou-a furiosamente e tentou vrios assaltos que foram rechaados. Lry encorajava os assediados e dava exemplo de firmeza.Mais deuma vezsua experincia lhes foi til. Ensinou-lhes a usarem, no corpo de guarda, as redes brasileiras nas quais podiam repousar sem abandonar suasarmas.Omarechalviu-seforadoatransformaroassaltoembloqueioeaguardaro resultadofavorvelcomoesgotamentodossancerrenses.Comefeito,logoafomese manifestou,eLryque,porocasiodeseuregressodoBrasil,sofreraoshorroresdesse flagelo,procurouconjuraromal.Ensinouaosdefensoresaatenuarosefeitosdapenria alimentarmedianteocozimentodocourodeseuscalados.Mastodososseusesforos verificaram-seinteis;foinecessriocapitular.Ascondiesemqueissosedeuforam, porm, honrosas. O Marechal exigiuo desmantelamento dapraa forte e uma indenizao de40.000librasparaseussoldados;emcompensaogarantiuaoshomenssuasvidase bens, smulheres suahonra eatodos a liberdade de conscincia. Assim se fez e todos os refugiadospuderamvoltartranqilamenteaseusdomiclios.Lrytevemesmoahonrade uma escolta. "O Marechal ordenou ao capito Fontaine11 que me conduzisse unicamente at aopontopormimescolhidoelhetrouxessedevoltaanotciadamissocumprida.Em conseqncia,nodiaseguintepelamanh,oaludidocapitonoslevoucomtodasas garantias a Blet,12 lugar que eu escolhera para me retirar, em regio sob a jurisdio do sr. de la Chastre". Foi esse o ltimo ato da vida militante de Lry. Retirou-se em seguida para Genebra, junto dofilhodoalmiranteGaspardeColigny,e,enquantofiscalizavaareimpressodas inmerasediesetraduesdeseulivro,escreveuainteressanteedramtica"Narrativa do cerco de Sancerre".13 No voltou, ao que se acredita, Frana, mesmo depois do "Edito deNantes",mas,decorao,permaneceuligadoasuasantigasovelhas,pois,em1577, durante a stima guerra religiosa, ao apossar-se o duque de Anjou da cidade de La Charit, parece que escreveu, sob anonimato, o "Discurso acerca do stio de La Charit em 1577".14

11 Lry Relation du sige de Sancerre, 13. 12Canto de Nrondes, Saint Amand no Cher. 13Intitula-se:"HistoiremmorabledeIavilledeSancerre,cantenantlsentreprses,sige,approch.es, bateries et autres efforts des assigeants; l catalogue des morta et blesss, l tout filement receuibll sur l bien, par J. de Lry, 1574. In-8 pequeno, 253 pgs." Reimpresso fragmentariamente mas com grandenmero de erros nos "Archives cureuses del'Histoire de France" por Cimber e Danjoy. Novaedio em 1842. Bourges, Vermell, in-8,170 pgs. Traduo latina: "De sacho Caesaris, guod Sancerrum vocant, obsidione, fame, ditione historia. Heidebergae, 1576, in-8 pequeno, 30 pgs. Apud Joamiem Mares-challum. 14 Discours du sige tenu devant La Charit l'an 1577. Paris. DeLastre, 1577 Orlans, Hotot, 1577, in-8 AsiniciaisJ.D.L.dofidalgofrancsqueassinaaobrapodemmuitobemserdeJeande Lry, ex-ministro de La Charit, que se apiedava das desgraas dos que antes tentara guiar no caminho da salvao. Berna foi a ltima residncia de Jean de Lry.A morreu em 1611.15 pequeno. 15 ParaabiografiadeLry,consultar: Paillon,Bibliothquedesauteurs de Bourgogne; Le Pre Lelong, Bibliothque historiquedeIa France;Bayle,Dicionrio,art.Lry;Seuebier,HistoireLittrairedeGenve; Haag, La France protestante,ar.Lry; Poupard: Histoire deSancerre; Barbier, Dictionnaire des anonymes; Duverdier et Lacroix du Maine, Galerie bourguignonne. NOTA BIBLIOGRFICA P. GAPFAREL Aprimeiraediodolivroquereimprimimostrazottuloseguinte:"Narrativadeuma viagemfeitaterradoBrasil,tambmditaAmrica,contendoanavegaoecoisas notveisvistasnomarpeloautor:acondutadeVillegagnonnaquelepas,osestranhos costumesemodosdevidadosselvagensamericanos;comumcolquioemsualnguae maisadescriodemuitosanimais,plantasedemaiscoisassingulareseabsolutamente desconhecidas aqui, cujo sumrio se ver dos captulos no princpio do livro. Tudo colhido noprpriolugarporJeandeLry,naturaldeLaMargelle,Saint-Seine,ducadode Bourgogne.LaRochelle,AntoineChuppin,1578lvol.in8comgravurassobre madeira, uma das quais repetida. Ternaux, em seu Catlogo de obras sobre a Amrica, cita uma edio impressa em Rouen nomesmoanoeemidnticoformato.Tudolevaacrersetratedamesmaobracom indicao diferente de lugar. Asegundaediotemomesmottulo,mascomasseguintespalavrasamais:Revista, corrigidaebemaumentadanestasegundaedio,tantoemrelaosgravurascomoa outrascoisasnotveisacercadoautor.FoiimpressaemGenebraem1580,porAntoine Chuppin.umvolumein8pequeno,compreendendoumprefciode15folhasno numeradas e 382 pginas com 8 pranchas, uma das quais repetida, alm de um ndice de 7 folhasnonumeradas.Certosexemplaresnotrazemindicaodelugar,oquepermite supor a existncia de pelo menos duas tiragens. A obra de Jean de Lry seguida em geral do "Breve discurso e histria de uma viagem de alguns franceses Flrida" etc., por Urbain Chaouveton,opsculode104pgs.,numeradasseparadamente.TaladioaoLryno simples capricho de colecionador; encontra-se em quase todos os exemplares de 1580 com indicaodeGenebra.Estasegundaedioquenosserviuparaareimpresso,mas tivemos o cuidado de anotar oportunamente as adies e correes. ela muito prefervel precedente.EoimpressorChuppindissoadverteoleitor,cuidadosaeingenuamente: "Tantomaisquantooautordestahistrianosomenteaampliouemvriospontosea enriqueceu com detalhes muito notveis e dignos de registro, e, conforme promessa feita no prefcio,adornoueembelezoucomgravurasestasegundaedio,masaindaareviuto cuidadosamenteecorrigiu,eesclareceutobemamatriatratadanestaspginas,queo conjunto...parecerumanovahistria.Foiminhaintenoavisarosquejvirama primeira,enosabemaindaoqueestacontm,quenelaencontraromuitomaior satisfao que na precedente". Foiprovavelmenteporestaedioquesefezaterceira,deGenebra.AntoineChuppin, 1585.In-8pequenocomgravuras.34folhaspreliminares,427pginasemais8folhas para o ndice e errata. O mesmo diremos da quarta edio, de 1594. Genebra. Herdeiros de Eustquio Vignon. In-8. pequeno, 22 folhas preliminares, 382 pginas de texto e 6 folhas para o ndice. Aquintaediode1599.HerdeirosdeEustquioVignon.In-8pequenode36folhas preliminarese478pginas.ReproduzaprecedentemasdedicadaprincesadeOrange. Comparando-acomasegundaedio,verifica-seque seacrescentouimanotadoautor,o prefcio foi retocado e o ndice suprimido. A sexta edio de 1600 e reproduz exatamente a precedente. A stima edio seria de 1677 segundo Mnsel, Biblioteca histrica (t. III, parte II, p. 50).16 Ediesposteriores,sequeexistem,escaparamsnossaspesquisas.Parece-meque,a partirde1677,secontentaramcomreproduzirtrechosdaobradeLry.Assimque encontra-nosfragmentosdelanotomoIVdacoleodePurchas,Pilgrimscontaininga history of the world in sea voyages and land travels by Englishmen and others, e na coleo

16Garraux,A.L.(Bibliographiebrsilienne.CataloguedesouvragestranaisetlatinarelatifsauBrsil 1500/1898) refere-se a uma edio de 1611, de Jean Vignon, Genve. Victorrica,Ricardo(Erroresyomisionesdeunaseudobibliografiaguarani,BuenosAires,1934)faz consideraes Interessantes sobre as vrias edies da obra de Lry. (P.A.). intitulada Histoire des Naufrages. ANarrativadeLryfoitraduzidavriasvezesparaolatim.Aprimeiraediodatade 1586. Historia navigationis in Brasilian quae et America dicitur, Genevae, etc. E. Vignon. 1586. In-8 pequeno, com gravuras. A segunda foi impressa em 1594, ainda em Genebra, e dessafeitapelosherdeirosdeEustquioVignon.Apresentaalgumasdiferenas insignificantesnottulo.Encontramosaindamenodeduasoutrasedies,queno conseguimosobter,em1600e1642.Atraduolatinamaisconhecidafoiincludana famosacoleodosGranasetpetitsvoyages,deTeodorodeBry.Francfort,15923 vol. Eis o ttulo: Navigatio in Brasilian Americae, quae auctoris navigatio, quae memoriae prodendainmarividerit,Brasiliensumvictusetmoresanostrisvaldealiem,animalia etiam,arbores,herbae,etrelquiasingulariaanostrispenitusincgnitadescribuntur: adiectusinsuperdialogus,eorumlnguaconscriptus;aloanneLerioBorgundoGallice primum scripta, deinde latinitate donata. Variic autem figuris illustrada per Theodorum de Bry.FrancofurtiVenalesrepeiunturinofficinaTheodorideBry.Estatraduonoraro uma simples parfrase; omite tudo o que diz respeito diretamente a Villegagnon e colnia francesa e s se ocupa de generalidades. E sempre que o autor annimo dessa traduo acha jeitode dissertar a propsito de tal ou qual trecho dos autores antigos quese aproxime de Lry,no perde a oportunidade de exibir sua pesada e pedante erudio.So os processos da cincia alem que j se revelam. NoconhecemosoutratraduodaobradeLry,oumelhor,noencontramosoutraem nossas pesquisas nas bibliotecas de Paris e da Provncia. Anovaedioqueapresentamosaopblicoareproduointegraldasegunda;mas tivemosocuidadodeassinalarasprincipaisdiferenasobservadasnasdemaisedies. Comnotashistricasegeogrficas,epelacomparaocomosautoresmaisimportantes quetrataramdoBrasil,emespecialoscontemporneosdeLry,procuramoscompletare explicarainteressantenarrativadaqueleaquemapelidaram,comespritoerazo,o Montaigne dos viajantes. DEDICATRIA DE JEAN DE LRY AoilustreepoderososenhorcondeFranciscodeColigny,17 senhordeChatillon, governador por graa dei rei, da cidade de Montpellier etc. Senhor,levadopeloreconhecimentoquedevomemriadaquele18porintermdiode quem Deus me permitiu ver as coisas com que escrevi a presente narrativa, tendo vs a ele sucedido, justo me parece ter a audcia agora de vo-la apresentar. Como minha inteno a deperpetuaraquialembranadeumaviagemfeitaexpressamenteAmricapara estabelecer o verdadeiro servio de Deus, entre os franceses que para a se haviam retirado como entre os selvagens que habitam esses pases, estimei de meu dever levar posteridade onomedaquelequefoiacausaeomotivodaexpedio.Emverdade,considerandoque no houve em toda a antiguidade um chefe francs e cristo que estendesse o reino de Jesus Cristo, rei dos reis e senhor dossenhores,eos limites de seu prncipe soberanoa pas to longnquo, ningum poder exaltar demasiado uma to santa e realmente herica empresa. Poisemboradigamalguns,emvistadopoucotempoquetaiscoisasduraram,edeno havernomomentonessepasnenhumareligioverdadeiralevadapelosfranceses,que mereceofatopoucaimportncia,afirmoocontrrioesustentoque,assimcomoo evangelhodofilhodeDeusfoidenossosdiaspregadonessaquartapartedomundo chamada Amrica, se o empreendimento tivesse continuado to bem quanto comeou tanto o reino espiritual como o temporal a se achariam enraizados em nossa poca e mais de dez mil sditos da naofrancesaa estariam agoraem plenae segura posse,para nosso rei,19

17 FranciscodeColigny,filhodoalmiranteGaspardeColigny,nascidoa 28 de abril de 1557 efalecido em1591. Tendo escapado ao massacreda"Saint Barthlemy", refugiou-se primeiramente em Genebra e emseguidaemBasel.VoltoumaistardeFranaetornou-seumdosprincipaismembrosdopartidodos polticos. Aderiu finalmente a Henrique IV que lhe recompensou a fidelidade com o cargo de governador de BovergueeoslugaresrendososdecoronelgeneraldeInfantariaealmirantedeGuiana.***Opartidodos polticosvisavaaumacordoentreasduasreligies,medianteconcessesmtuas.Afirma-seque VillegagnonerapartidriodessapolticaquetinhatambmseusadeptosdeImportnciaentreoscatlicos chefiados pelo Cardeal de Lorena(T.). 18 Almirante Gaspar de Coligny. 19MaisdeumavezvoltarLryalazeressaafirmao.Cf.CaptuloXXI.Comeleconcordam,alis,os prprios escritores brasileiros. Cf. Varnhagen, Histria Geral do Brasil, T. L, p. 230 (T.). daquilo que espanhis e portugueses deram aos seus. Assimcomonosedeveimputaraosapstolosadestruiodasigrejasqueeles construram,nemarunadoImprioRomanoaosbravosguerreirosquelheconquistaram tantasbelasprovncias,somentelouvadosmerecemserosqueassentaramosprimeiros alicercesdascoisasqueeurefiroemrelaoAmrica.Deve-seatribuiroerroea descontinuidade a Villegagnon20 e queles quecom ele (contrariamente ao que fizeram de incioeaoquehaviamprometido)emlugardecontinuaraobraabandonaramafortaleza que havamos construdo, e o pas que a chamramos Frana Antrtica, aos portugueses, os quais nele se adaptaram muito bem. Assim nunca deixaro de compreender o grande valor do senhor Gaspar de Coligny, almirante de Frana e vosso muito virtuoso pai, que executou aempresaporintermdiodaquelesqueenviouparaaAmricaequealmdeentregar novasterrascoroadeFranamostrouaindaseuzeloparaquefosseoevangelhono somente pregado em todo o reino, mas ainda em todo o mundo. Eisporque,senhor,considerando-vosrepresentantedapessoadesseexcelentesenhor,a quemdeveaptriatantasaesgenerosas,publiqueiestemeutrabalhosobosvossos auspcios. Por isso a vs que ter de prestar contas Thvet21 por ter, de um modo geral e na medida de suas foras, condenado e caluniado a causa pela qual fizemos essa viagem Amricaeaindapor,aofalardoalmirantadodeFrana,nasuaCosmografia,terousado denegrironomeveneradoportodososhomensdebemdequemfoiopromotorda viagem.22 Por outro lado, senhor, vossa confiana e magnanimidade na defesa das igrejas reformadas destereino,mostrandodiariamentequeseguiscomfelicidadeaspegadasdaqueleque sustentandoessamesmacausalhedeuatoprpriosangue:agratidoqueconservopelo acolhimento honesto e bom que me proporcionastes na cidade de Berna para onde me dirigi aps libertar-me do cerco de Sancerre; levaram-me a procurar a vossa proteo.23 Bem sei,

20NicolauDuranddeVillegagnon,comandanteemchefedaexpediofrancesaaoBrasil.Abundamas informaes acerca da vida desse capito aventureiro, mas acham-se todas disseminadas. Ns as indicaremos oportunamente nestas notas. V. Gaffarel, Histoire du Brsil Franais ou XVI eme sicle. 21Thvet,deAngoulme,cosmgrafodoreiHenriqueII,companheirodeVillegagnonnoBrasileseu ardoroso defensor contra o partido protestante. Escreveu duas obras: Singularits de Ia France Antarctique em1558,eCosmographieUniverselle,em1575,aquenosreferiremosmaisdeumavez.Emambasno cessa de invectivar a Histria da viagem ao Brasil, de Lry. 22 Thvet, Cosmographie Universelle, p. 638. 23 Lryficou sitiado em Sancerre, sofrendo os horrores da fome,de13 de fevereiro a 14 de agosto de 1573. entretanto,queemboraoassuntodessahistriasejadeordemalhesuscitaravontadede ouvi-la,equenelahajacoisasquelhepossamdarprazeremrelaolinguagem,rudee malpolida,nodeviaapresent-laaumsenhorcujosouvidosestohabituadosdesdea infncia mais bela literatura. Mas, convencido de que vossa natural bondade, ante a minha afeio,olevariaasuportaressedefeito,nofugideoferec-laededic-la,tantosanta memria do pai quanto para testemunhar o meu desejo de continuar humildemente a servir osfilhos.RogoaDeus,senhor,quevostenhaemsuasantaproteo,vosabenoeefaa prosperarsempremaisvossasvirtudesegenerosasaes,juntamentecomossenhores vossos irmos e com madame de Teligny24 vossa irm, ramos e frutos dignos do tronco de que saram. 25 de dezembro de 1577. Vosso muito humilde e afetuoso servidor, J. DE LRY Cf. sua Histoire mmorable de Ia ville de Sancerre etc. 1574. 24LusadeColigny,filhadoalmiranteGaspar,desposaraem1571CharlesdeTeligny,fidalgoprotestante, que,segundoBrantme,brilhouentreosmaisbelosespritosdapoca.TrucidadonaSaint-Barthlemy, casou a viva com Guilherme de Nassau, prncipe de Orange. PREFCIO DE JEAN DE LRY Comopoderiamespantar-sedequesomentedezoitoanosapsminhaviagemAmrica tenhaeuresolvidopublicarestanarrativa,pareceu-metildizerdascausasdesseatraso. De volta Frana no tinha eu a inteno de tornar pblicas as memrias que escrevera, em grande parte com tinta do Brasil, e ainda na Amrica, nem as coisas notveis que observara, masdebomgradoascontavapormenorizadamenteaosquemeinquiriam.Tendo,porm, algumas das pessoas com as quais mantinha relaes julgado que tais coisas eram dignas de ser preservadas do esquecimento, acedi em redigi-las e j em 156325 entregava eu, ao deixar acidadeemquemeencontrava,umaassazamplanarrativaaumdemeusamigos;mas aconteceu que as pessoas a quem este remeteu o manuscrito, para que me fosse devolvido, operderamsportasdeLyonenofoimaispossvelencontr-lo.Emvistadisso,coma ajudadosrascunhosquefuisolicitaraocopista,reconstituomanuscrito,exceodo colquio em lngua selvagem do captulo XX, de que no existia seno um exemplar. Mas ao terminar essa nova redao, estando eu em La Charit26 sur Loire, vi-me forado a fugir sdesordensaprovocadascontraosdaReligioearefugiar-meemSancerre.Depoisde

25 Em 1563 jseencontrava Lryem Genebra desde a paz de 1562. S voltou para a Frana em 1564, poca em que serviu na Igreja protestante de Nevers. 26 Lry se encontrava nessa cidade em 1572. Porocasio da Saint-Barthlemy 22 fiisdesua Igreja foram trucidados a seu lado. Ele conseguiu escapar, encontrando refgio em Sancerre. minhapartidatudofoipilhadoe,essasegundacpiademinhanarrativaperdidatambm. Ao relatar, porm a umnobre fidalgo o primeiro incidenteeo nomeda pessoa a quem eu entregaraomanuscrito,detalmodoseinteressoueleporencontr-loquefinalmenteo achounoanopassado(1576)emodevolveu.EisporqueoqueescrevisobreaAmrica, tendo-me sempre fugido das mos, no pde ser publicado antes. Narealidadehaviaaindaumarazoparaisso:ofatodenomesentiralturadeusara pena,emboraaochegardoBrasil,em1558,fossepublicadoolivrointitulado "Singularidades da Amrica" redigido pelo Sr. De la Porte27 de acordocom as narraes e memriasdeAndrThvet,eque,comobemobservaoSr.Fume,28emseuprefcio "HistriaGeraldasndias",seapresentaprenhedementiras.Eteriaeuconservadoo silncio se o dito autor se houvessecontentado comessa srie deerros.Mas, ao verificar, nesteanode1577,pelaleiturada"Cosmografia"deThvet,queelesomenterepetiasuas mentiraseampliavaseuserros(semdvidanaesperanadequetodosestivssemos enterradosounoousssemoscontradiz-lo),masaindasevaliadaoportunidadepara detrair dos ministros e imputar mil crimes aos que como eu os acompanharam29 em 1566 terra do Brasil, com digresses falsas e injuriosas, vi-me constrangido a dar luz o relato de nossaviagem...Eantesdemaisnada,afimdequenoseimaginetenhaomeuressenti-mentomotivosdesomenos,aquitranscrevereiascalniascontransassacadasnotomo segundo dessa Cosmografia, livro 21 cap. 2, fl. 908. Esquecia-mededizer-vos,escreveThvet,quepoucoanteshouverasedioentreos franceses,provocadapeladissensoeparcialidadedequatroministrosdenossareligio, queCalvinoenviaraafimdeimplantarseusangrentoEvangelho,eentreosquaiso principal se chamava Richier e fora carmelita e Doutor em Paris, anos antes de sua viagem. Esses pregadores gentios, pensando apenas em enriquecer-se e apossar-se do que lhes fosse possvel, organizaram associaes secretas responsveis pela morte dos nossos. Mas tendo emparteessessediciosossidopresoseexecutadosejogadososseuscorposaospeixes, fugiram os outros, entre os quais o dito Richier, que, pouco depois, foi ser ministro em La

27Aluso ao prefcio das Singularits de la France Antarctique(edio de 1878) em que Thvet confessa ter sido sua obra entregue a Ambroise de la Porte "homem estudioso e conhecedor da lngua francesa". 28 Fume (Martin) tradutor da obrade Gomara, Historia Generalde Ias ndias Ocidentales e terras nuevas. Paris,1578. In-8(Edio francesa). 29 O trecho confirma a afirmao de Charly Clerc de que Lry no veio para o Brasil como pastor (T.). Rochelle, onde imaginoque ainda se encontre. Osselvagens, irritados comatragdia, por pouco deixaram de nos atacar e matar os que restavam". So essas as palavras de Thvet e eu chamo para elas a ateno do leitor. Pois assim como no nos viu na Amrica, nem ns o vimos tampouco, nem esteve ele igualmente em perigo de vida durante a nossa estada no pas, vou demonstrar que foi um refinado mentiroso e um imprudentecaluniador.Eparaquenopossaalegar,emltimadefesa,quesuaspalavras nosereferemafatosocorridosduranteasuaestadanoBrasil,masposterioresaela, perguntoquesentidopodeteraexpressousada,asaber:"Osselvagensirritados,por poucodeixaramdenosatacaredematarosrestantes".Comesse"ns"pretende indubitavelmente que estava entre os atacados e correu perigo com eles, mas para que no tergiverse ainda procurando fazer crer que no foi sua inteno sugerir ter visto os ministros aludidos,transcrevemosmaisestetrecho:"Alis,seeutivessepermanecidomaistempo nessepas,30teriatentadoconquistarasalmastransviadasdessepobrepovo,emvezde cavarosoloparaprocurarasriquezasqueanaturezaneleescondeu.Mas,nosporno estar ainda muito versado na lngua dos habitantes como por terem os ministros mandados porCalvinoafimdeensinaronovoEvangelhoiniciadoaempresa,invejososdeminha deliberao, abandonei o meu intento. Se esse bom catlico romano segundo S. Francisco, a cuja confraria pertence, no encontrar outraprovadeseudesprendimentodomundosenoadeterdesprezadoasriquezas escondidas na terra do Brasil, nem puder alegar outro milagre a no ser o da converso dos selvagens da Amrica, cujas almas desejara conquistar se no lho impedissem os ministros protestantes,ver-se-emgrandeperigo,quandoeuhouverevidenciadoainanidadedas alegaes, de no ser depois da morte canonizado e colocado no calendrio pontifical como SantoThvet.Afimdeprovarquetudooquediznopassadepalanfrrioesemsequer considerar se viu ele os ministros do Brasil e muito menos ainda os crimes alegados na sua Cosmografia,31impressacercadedezesseteanosmaistarde,vemospeloqueafirmaele prprioemsuaobra"SingularidadesdaAmrica"quechegouaCaboFrioa10de novembrode1555equatrodiasapsaorioGuanabara,naAmrica,deonderegressou paraaFranaa31dejaneiroseguinte.Ora,comoomostrareinestanarrativa,nss

30 Cosmographie Universelle, p. 925. 31 Singularits de Ia France Antarctique, caps.XXIV,XXV, LX. chegamosaofortedeColigny,nomesmorio,emprincpiosdemarode1557.Htreze meses,portanto,janoseencontrando,comopdeThvetserbastanteousadopara escrever que nos viu?32 Para convenc-lo do contrrio no lhe bastavam as duas mil milhas que nos separam dele, h muito em Paris? Bastavam, mas o que ele queria era mentir cosmograficamente,33 isto , para todo o mundo. E provado esse primeiro ponto j no mereceria crdito o resto do que afirma.Todaviaafimderesponderdesdejaquaisquerrplicasquepossainventarcom refernciasedioaquealude,direilogoquenuncahouvesemelhantecoisa,nem assassniodenenhumfrancs,duranteanossaestadanofortedeColigny.EseThvet quisesse ainda contestar-nos e repetir que houve contra ele uma conjurao entre a gente de Villegagnon e no-la imputar, para demonstrar que ela ocorreu antes de chegarmos e assim nosdefendermos,recorrereiaoprpriotestemunhodeVillegagnon.Eemboraacartaem latim,enviadaporVillegagnonaCalvino,emrespostaqueentregamosdapartedeste, tenha sido traduzida e impressa h muito tempo; e o original, escrito com tinta do Brasil, e que faz f, esteja em boas mos; como ela serve duplamente a meus fins, que so refutar o Sr.ThvetemostrarsobejamentequalareligioqueVillegagnonfingiaadotar,inseri-a aqui textualmente. 'Dc Cc|ignu. |ranca An|4r|ica. 31 dc narcc dc 1557. Acrcdi|c uuc nac scja pcssitc| cxprinir ccn pa|atras uuan|c nc a|cgran suas car|as34 c cs irnacs uucccnc|asticran.|nccn|raran-ncc|cscn|a|cs|adcuucnctiacorigadcadcscnpcnnaras func5cs dc nagis|radc c ncsnc as dc ninis|rc da |grcja. c uuc nc puscra cn grandc angus|ia. pcis c cxcnp|c dc rci Ozias35 nc dcstiata dc un |a| gcncrc dc tida. Mas nac |inna cu cu|ra sc|ucac. pcis

32AJulgarporcertotrechodesua"Histoire",manuscrita,deduasviagensfeitassndiasAustraise Ocidentais(BibliothequeNationale,fondsSaintGermain,franceses,n656)nomentiaThvet. "Posteriormentea1555fizoutraviagemeacompanheiosenhordeVillegagnoncomoqualpermaneci durantealgunsanos.BemseiqueessementirosoLryimaginoutereuvoltadoFrananomesmoanode minha partida... Advertido, entretanto por alguns amigos meus do erro cometido na segunda edio impressa em Genebra, negou-a a fim de Justificar-se". 33 Trocadilho de Lry, pois Thvet escreveu, como j foi dito uma cosmografiaUniversal" (T.). 34 Trata-se de uma carta entregue por Calvino a Corguilleray, para ser levada a Villegagnon. V. Cap. I. 35 Livro dos Reis 4, 17. [Uzias - 2 Crnicas 26.18ss]. |cnia uuc cs ar|csacs uuc cu ccn|ra|ara c para c4 |rcuxcra36 sc dcixasscn ccn|aninar pc|cs ticics dc gcn|ic. cu uuc. cn nac cnccn|randc cpcr|unidadc dc pra|icar a rc|igiac caisscn cn apcs|asia. c cssc |cncrfindcuccnacncgadadcsirnacs.Pcrcu|rc|adcdctcrca|caraindaatan|agcnuuc|crci dcratan|c.accnprccndcruua|uucracaccuccrrcruua|uucrpcrigc.nacxis|cnciadcpcsscas suscc|itcisdcnc|razcrcnscuauxi|iccscusccnsc|ncs.cuuca|cagcranac|itcrapcrcausadc pcrigcauucscn|iacs|arncscxpcs|cs.Pciscsirnacsuucticrandc|rancaccnigc.dcsaninadcs ccnasdificu|dadcscnccn|radas.par|iranparac|gi|c.cadauua|ccnnc|ncrdcscu|pa.Osuuc ficaran nac passatan dc pcorcs diaocs ncrccn4rics c dccn|cs c suas ccndic5cs cran |ais uuc an|cs dctia cu |cnc-|cs37 a pcnsar cn uua|uucr aju|cric dc ta|ia. | a causa dissc |udc cs|4 cn uuc. dcsdc a ncssa cncgada |an|cs cos|4cu|cs c ccn|raricdadcs surgiran uuc cu nac saoia uuc dccisac |cnar ncn pcr uuc |adc ccnccar. O pais cra |c|a|ncn|c dcscr|c c incu||c. Nac natia ncn casas ncn |c|cs ncn uuaisuucr accncdac5cs dc canpanna. Ac ccn|r4ric. natia gcn|c arisca c sc|tagcn. scn ncnnuna ccr|csia ncn nunanidadc. nui|cdifcrcn|cdcncscnscusccs|uncscins|rucac.scnrc|igiac.ncnccnnccincn|ca|gunda ncncs|idadc cu da tir|udc. dc jus|c. c dc injus|c. a pcn|c dc nc tir a ncn|c a idcia dc |crncs caidc cn|rc aninaisccn figura dc ncncns. |azia-sc ncccss4ricprctcr a |udc ccn |cdadi|igcncia c |udc rcsc|tcrcnuuan|cncsscsnaticsaparc|natanparacrcgrcssc.dcncdcuuc.intcjcscsdcuuc natiancs |razidc. nac ncs surprccndcsscn cs sc|tagcns c ncs na|asscn. Mas natia principa|ncn|c a tizinnanca dcs pcr|ugucscs38 uuc nac |cndc ccnscguidc ccnscrtar sua pcsscssacnacpcdcnadni|iruucnc|acs|cjancscncsdcdicancdicncr|a|.||udcisscsc aprcscn|ata ccnc un prco|cna a scr rcsc|tidc cn ccnjun|c. fazia-sc nis|cr cscc|ncr un |ugar para

36 Mmoires, de Claude Haton,edio Bourquelot,p. 37. Esses voluntrios eram muitos, pois "alguns por curiosidade a foram ter, pormem nmero menor do que desejaraaquele senhor. Por isso recorreu ele ao Rei, dando-lhe a entender que, para ter xito a empresa, bom seria que S. M. enviasse criminosos das prises de Paris, Rouen e outras cidades, quaisquer que fossem, a fim de lev-los consigo" 37Idem, idem. "Com autorizao do Rei foi ter o dito homem s prises de Paris, a fim de escolher entre os presososquelhepudessemservirenoestivessemvelhosdemais...erequisitouassimdoJuizquelhe entregasse os condenados morte". 38Acercado diodosportugueses ver:RelatriodeMarino Giustiniano, embaixador de Veneza em Paris,em 1535(Ed. Tommaseo,I,p.87). "Sabe-sequenasndiaspertencentesaoreidePortugalexveterioccupatione,nodesejaesterivais,nem mesmoqueascostassejamvisitadasporsditosdepotnciasestrangeiras.Osnormandos,bretese picardenses que estiveram no Brasil foram muito hostilizados, o que deu margem a amargas representaes da Frana contra Portugal. Non sol vuol avere Ia superiort, ma non miol qualcun altr'uomo, sia chi si voglia, vadaaquelliluoghi...;SeletadeRamusio"Navigazionideungrancapitanodelmarefrancese,etc.:""osportuguesesqueremfecharaosfrancesesocomrciocomoBrasil,aGuineaTaprobana.Eembora aquelepovosejaomenordoglobo,estenoparecesuficientementegrandeparasatisfazersuacobia".Cf. Thvet. Cosmographie Universelle, p. 909. dcfcndcr-ncs.prcccdcradcrruoadaca|crrap|cnagcn.carrcgarparaaiprctis5cscnunic5cs. ccns|ruirfcr|cs.rcsidcnciascaorigcsparaasncssasoagagcns.jun|arna|cria|nasccrcaniasc |ranspcr|4-|cpcrncncns.nafa||adcaninaisdccarga.aca||cdcunacc|inacn|rccnccs|as ingrcncscf|crcs|asdcdifici|accssc.|nacccs|unandccsna|uraisdcpaiscu||itara|crra nc|cdicancn|c.cra-ncsncccss4ricirouscarnui|c|cngcccn|ugarcsditcrscscstitcrcsdcuuc carcciancscn ccnscucncia dc uuc c ncssc grupc. j4 pcuucnc. sc suoditidia c dininuia. |ntis|a dc |ais dificu|dadcs. cs anigcs uuc nc natian accnpannadc arrcpiaran carrcira pcr ccnsidcrarcn a si|uacac dcscspcrada c cu |anocn nc scn|i inprcssicnadc. Mas. pcr cu|rc |adc. |cndc afirnadc uuc par|ira dc |ranca a fin dc cnprcgar |cdcs cs ncus csfcrccs nc incrcncn|c dc rcinc dc ]csus Cris|c. parcccu-ncuucdariaacsncncnsnc|itcsparancdcncgrircncccnsurarcnscncdcstiasscdc ncus fins pcr |cncr ac |raoa|nc c ac pcrigc. c ccnc sc |ra|ata dc una acac cn prc| dc Cris|c. |inna accnticcacdcuucc|cncassis|iriaafina|c|udc|crninariaocn.Rcccorcianinc.pcr|an|c.cnc dctc|ci in|cirancn|c a |ctar a caoc a causa uuc ccn |an|c ancr cu cnprccndcra c na uua| dcscjata cnprcgar a tida. | parcccu-nc uuc sc c ccnscguiria afas|andc dc ccntitic dc gcn|ic cs ar|csacs uuc ccnigc|rcuxcra.|rcf|c|indcscorcisscccnprccndiuucnacfcrascnaudicnciadcDcusuucncs nc|crancsncsscsncgccicsc|udccccrriacntir|udcdcncs|ctarcccicadarrcdcasacsncsscs dcscrdcnadcs apc|i|cs. | nc tcic |anocn ac cspiri|c uuc nac n4 nada. pcr nais dificu||csc. uuc nac pcssa scr scorcpujadc ccn tcn|adc c dccisac. craprccisc. pcr|an|c |crpacicncia. firncza c car4|cr. cxcrci|arcsncusccnpanncircsnun|raoa|ncccn|inuc.cDcusnac|ardariacnprc|cgcr|ais csfcrccs c dcdicacac. Pcr issc ncs |ranspcr|ancs para una i|na si|uada a duas |cguas nais cu ncncs da |crra firnc c ai ncs cs|aoc|cccncs dc ncdc uuc inpcssioi|i|adcs dc fugir. ficasscn cs ncsscs ncncns nc caninnc dc dctcr.|ccncasnu|ncrcssctinnanancsccnscusnaridcs.acpcr|unidadcdcpccarccn|raa cas|idadcscacnataafas|ada.39Masaccn|cccuuuctin|ccscisncrccn4rics.inci|adcspc|asua cupidcz carna|. ccn|ra nin ccnspiraran. scndc-nc cn|rc|an|c c fa|c rctc|adc nc diacn uuc cuia scr|rucidadccncprcpricncncn|ccnuucaninscdirigiancsccnspiradcrcs.|ti|ancsa rca|izacacdcscusin|cn|csnandandccuacscucnccn|rccincccriadcsarnadcs.40cuuccs a|cncrizcuapcn|cdcsc|crnarf4ci|dcsarnarcprcndcruua|rcdcsprincipaiscncfcs.fugindccs cu|rcs a sc csccndcr dcpcis dc aoandcnarcn as arnas. |iocr|ancs un dc|cs dc suas ccrrcn|cs. nc dia scguin|c.afindcuucpudcsscnc|ncrdcfcndcrsuacausa.nasactcr-sc|itrcdci|cuaccrrcrc

39 Essa conspirata relatada pormenorizadamente por Crespin, "Histoire des Martyrs", p. 434 e por N. Barre em suas cartas insertas na coleo de Bry (Americae descriptis, 3,p. 285-295). 40 Eram escoceses da guarda pessoal de Villegagnon. jcgcu-scacnar.afcgandc-sc.Osuucrcs|atan.sc|rcuxcranparascrcxaninadcs.prcscsccnc cs|atan.cdcocngradcdcc|araranscnncccssidadcdc|cr|uras.cuucncsj4cutirancsdc dcnuncian|c.Undc|cs.|cndcsidcpcuccan|cscas|igadcpcrnin.pcr|cr|idcrc|ac5csccnuna prcs|i|u|a. ncs|rcu-sc dc nui|c nau nuncr c ccnfcsscu uuc c ccnccc da ccnjuracac ticra dc|c. uuc a|iciara pcr ncic dc prcscn|cs c pai da prcs|i|u|a. a fin dc uuc a |irassc dc ncu pcdcr sc cu |cn|assc prcioir-|nc a ccaoi|acac ccn c|a. |ssc fci cnfcrcadc pcr |a| crinc. acs cu|rcs dcis dcncs pcrdac. nas dc |a| scr|c uuc ainda cn cadcias |atran a |crra. uuan|c acs dcnais. nac |cnnc uucridc infcrnar-nc dc scus crincs. para nc nac tcr corigadc a fazcr rigcrcsa jus|ica. sc fcrcn ccnnccidcs c atcriguadcs. pcis sc assin accn|cccssc ficariancs scn pcdcr acaoar a cnprcsa ccnccada. Pcr issc. dissinu|andc c ncudcsccn|cn|ancn|c.pcrdccia|cdcsca|cdcsaninci.tcrificandcuucncnaccprcciscnui|c para ccnncccr pc|as ac5cs c |ratcssuras dc cada un c uuc |cn nc ccracac. Dcssar|c nac pcupandc a uua|uucr.an|csfazcndc-cspcssca|ncn|c|raoa|nar.nacsc|rancancsccaninncascusnaus dcsignics.nasainda.dcn|rcdcpcucc|cnpc.|crcncsfcr|ificadc|cdaancssai|na.Tcdatia. scgundc a capacidadc dc ncu cspiri|c. cu nac ccssata dc cs adnccs|ar. arrcdandc-cs dcs ticics c cs ins|ruindc na Rc|igiac Cris|a. ocn ccnc nandandc rczarcn-sc prcccs dc nanna c a nci|c. | ccn c cunprincn|c dcssc dctcr c as dctidas cau|c|as. passancs c rcs|c dc anc nc naicr rcpcusc. |icancscnfin|itrcsdcun|a|cuidadcacncgadadcncsscsnatics.pcruucnc|csdcparciccn pcrscnagcns. dc uucn nada |cnnc a |cncr. c ccnsidcrc scgura a ninna tida. Ccn cs|c ncic cscc|ni 19dc|cdaa cc|cnia.acsuuaisccnficic pcdcrcau|cridadcdc ccnandar.dcncdcuucdcncjc cn dian|c nada sc faz uuc nac scja pcr dc|iocracac dc ccnsc|nc. |an|c uuc sc cu crdcnassc a|guna ccisa cn prcjuizc dc a|gucn. cssa crdcn scria scn cfci|c c scn ta|cr. sc nac au|crizada c ra|ificada pc|c ccnsc|nc.Ccn|udcrcscrtciparaninunpcn|c.cuua|c.uucdadauua|uucrscn|cnca.scja-nc pcrni|idc agraciar ac na|fci|cr. c pcssa assin cu scr u|i| a |cdcs scn prcjudicar a ningucn. |isauuicsncicspc|csuuais|cnncdc|iocradcccnscrtarcdcfcndcrcncssccs|adccdignidadc.41 Ncssc Scnncr ]csus Cris|c uucira prcscrtar-tcs dc |cdc c na|. c a tcsscs ccnpanncircs. fcr|ificar-tcspcrscucspiri|c.cprc|cngaratcssatidapcr|an|c|cnpcuuan|cncccss4ricacoradcsua |grcja.|utcspcccuucafc|ucsancn|csaudcisdcninnapar|ccsncuscarissincs|rnacscficis Ccpnas c dc |a ||ccnc| cn cscrctcndc a ncssa scnncra Mnc. Rcncc dc |rancc.42 tcs sc|ici|arci saud4-|a nui|c nuni|dcncn|c dc ninna par|c.' 41 Seria esse modo de expressar-se, de Villegagnon, uma afirmao de" protestantismo,como insinuamseus inimigos? Encontra-se ainda no final desta carta de Villegagnon um pargrafo de seu prprio punho; entretanto como a ele vou referir-me no sexto captulo desta narrativa deixo de transcrev-lo por ora,a fim deevitar repeties.Como querque seja, poresse relatodeVillegagnon verifica-seque,contrariamentesridculasalegaesdeThvet,nofomosautoresda sedioocorridanofortedeColigny.E,atendendo-seaqueanoestvamosnessa ocasio,incrvelquetaldigressolheagradeapontode,nosecontentandocomsobre eladeblaterar,aindaseestendaemconsideraesmentirosasacercadafidelidadedos escoceses.Eisoqueescreveaesserespeito:"...fidelidadequetambmpudeobservar quando certos fidalgos e soldados que nos acompanhavam nesse pas longnquo daFrana Antrtica,porocasiodasediocontraosfrancesesnormandosdenossogrupose entenderamcom os selvagens brutais eestpidos, por intermdio de dois rgulos a fim de quenosmatassematodosemtrocadospoucosbensqueconoscolevvamos.Masditos escoceses, vindo a conhecer a intriga, a denunciaram ao Sr. de Villegagnon e a mim mesmo eforamcastigadososimpostores,bemcomoosministrosenviadosporCalvino,que tambm participaram da conjura".43E com essa algaravia no sabe mais o sr. Thvet, o que estadizer.Misturatrsfatos,entreosquaisumfalsoejorefuteieosdoisoutros ocorreram em pocas diversas. Por outro lado no menos errneo lhe tenham os escoceses reveladoasedioaqueserefere,poiselepertencia(comovimos)aosqueVillegagnon censura terem voltado ao Egito (ao papado), donde se pode tambm deduzir que ao sair de FranatodoshaviamprometidoadotarareligioreformadaqueVillegagnonpretendia instituir no Brasil.44 Com referncia ao terceiro fato, de "alguns revoltosos, companheiros de Richier, terem sido trucidados e seus corpos jogados aos peixes" em absoluto no ele verdadeiro como o diz Thvet.Aocontrrio,comoseverdestanarrativa,emboraVillegagnondepoisdeter abjuradonostratassemuitomal,nosesentindobastantefortenosomentenomandou matar nenhum de ns, antes da partida de du Pont e Kichier com os quais voltei, mas ainda, no lhe sendo possvel reter-nos fora, deixou-nos sair do pas. certo que, como se ver 42RenedeFrance,duquesadeFerrara,filhadeLuizXIIeAnadeBretanha(1510-1576)Tinhasimpatias pelo calvinismo e protegeu Calvino e Marot. 43 Thvet Cosmographie Universelle, p. 665. 44 O contrrio foi afirmado por Crespin, o. c. p. 445 e se verifica do ltimo cap. desta obra. igualmente desta narrativa, cinco homens de nossa tropa, aps o primeiro naufrgio de que nosvimosameaados,oitodiasdepoisdenossoembarque,voltaramterranumbarcoe foraminumanaecruelmentejogadosaomar.Noemvirtudedequalquersediomas, como o testemunha o livro dos mrtires45 de nossa poca, por motivos de ordem religiosa, por ter Villegagnon abjurado. ErradomesmomodoThvet,talvezmaliciosamente,aodizerqueeramelesministros,e cometeduploerroatribuindoaCalvinooenviodequatropastores.Emprimeirolugar porqueemnossaIgrejaaeleiodosministrossefazsegundoregulamentoestabelecido pelosConsistriosconstitudospeloshomensbonsdopovo,enohningumentrens, comoumpapa,compoderesabsolutos.Quantoaonmero,nohnotciadequetenham idomaisdedoisnessapocaparaaAmrica,asaber,RichiereChartier.Todavia replicandoThvetquenolheinteressouobservardemaispertoosqueseafogarame estandoemnossacompanhiadeviamserministros,lhedireiqueassimcomonaIgreja Catlica nem todos so frades, como ele Thvet, na nossa Igreja evanglica nem todos so ministros.AdemaistendoThvetconfessado(tohonrosamente,aoqualific-lode ministro, quanto falsamente, de sedicioso) que Richier deixara realmente o cargo de doutor daSorbonne,poderialevaramalqueeuaquinolheoutorgasseoutrottulosenoode frade,alegro-mecomtrat-lonosomentedecosmgrafo,masaindadecosmgrafoto universal,quenosatisfeitocomdescreverascoisasnotveisexistentesounoneste mundoaindaasvaiprocurarnaluaafimdecompletarolivrodoscontosdacegonha...46 Entretanto,comobomfrancs,zelosodahonrademeuprncipe,issomedesgostatanto maisquanto,vestindo-secomottulodecosmgrafodoReialmdodinheiromal empregadoqueobtmaindasevalhadopatrocniorealparapublicarbobagense ingenuidades indignas sequer de uma simples missiva. Mas para que soem todas as cordas em que buliu, embora estime eu queno meream resposta, a fim de mostrar que julga os outros por si prprio e de acordo com as regras da confraria de S. Francisco a que pertence ecujosirmosmenoresenfiamoquepodemnosseussacos,devolvereiaoseujardimas pedrasjogadasporeleaonossoedesvendareialgumasdesuascanalhices.Assimque

45 Crespin, Le Livre des Martyrs, pg. 455-457. 46 Trocadilho com o nomedaSra.de Sigogne, e queseexplica poresta nota de Gaffarel: Ver Leroux de Lincy. Proverbes franais. T. II p. 5:"A senhora de Sigogne, dama de honra de Catarina de Mdicis, tinhatantoespritoecontavatoelegantementequeaconsideravamumadaspessoasmaisagradveisda Corte.Parasustentarsuareputao,noselimitavaacontar,masinventavaainda,muitasvezes.Daa afirmou que "os pregadores", como diz,47 ao chegarem Amrica no pensaram seno em enriquecer,dequalquermodo,oqueconstituiumafbula(comosdoAlcorodos franciscanos)lanadalevianamenteedemcontraosqueelenuncaviunemnoBrasil nem alhures. Paracombat-locomsuasprpriasarmas,perguntareicomo,tendoescritonas "Singularidades"que"ficouapenastrsdiasemCaboFrio",afirmoumaistardeemsua Cosmografia ater permanecidoalgunsmeses?48 Se aindahouvesse escritoumms e tentassefazercrerqueosdiasnessaregiodurammaisdeumasemana,talvezquedesse crditoquemodesejasse;masestenderumaestadadetrsdiasaalgunsmeses,sem correo, seria transformar dias em meses o que nos parece estranho por serem, exatamente na zona trrida e nos trpicos mais iguais os dias do que em nosso clima. No intuito de ofuscar os que lhe lem as obras, discorre longa e verbosamente sobre tudo o que diz ter visto, ouvido e observado pessoalmente acerca dos costumes dessa multido de povos selvagens que habitamessa quarta partedo mundo, e afirma que percorreutodas as regies da ndia Ocidental,49 o que nem durante a vida de dez homens seria possvel. Ora j mostrei acima, e de acordo com o seu prprio testemunho, que permaneceu apenas cerca de seissemanasnaAmrica,isto,desde10denovembrode1555at31dejaneirodoano seguinte.Eduranteessetempo,conformeoquemefoirelatadopelosqueovirama, aguardou que os navios com os quais devia voltar tivessem carregado no saindo sequer da ilha deserta onde se fortificara Villegagnon. E, em verdade, no s por causa dos desertos e terrasinacessveis,masaindapelotemordosMargai50quesonossosinimigos expresso de "Contos da Sigogne" (T.). 47 Thvet Cosmographie Universelle, p. 909. 48 Idem Singularits de Ia France Antarctique, p. 45. E Cosmographie Universelle, p. 915. 49 Thvet conta realmente suas viagens ao Rio da Prata e outras, mas ter Lry argumentos para neg-las? 50 Em vrios passos da obra de Lry h referncias aos Margais (Ed. Gaffarel, t. I, 74 e 84; t. II, 45 e 130). Segundo se induz de suas prprias palavras, esses ndios viviam nas proximidades do Esprito Santo, na zona, portanto, de predomnio dos Tupiniquins. Aliados aos portugueses, eram naturalmente inimigos dos franceses e de outras faces tupinambs. Estudos recentes demonstram que os Margais devem ser considerados como pertencentes a um dos muitos grupos tupiniquins, sendo possivelmente os mesmos chamados por Nbrega e outroscronistas'GentiodoGato".Asvariantesdodesignativosomuitas:Margai,Maragai,Maracaj, Marakaj, Markai, Margui, Markay, etc. Mtraux, A. (La Civilisation Matrielle des Tribus Tupi-guarani, Paris, 1928), considera essas denominaes, e Truai, como sinnimas de Tupiniquim. Hans Staden (Viagem ao Brasil, Ed Academia de Letras, Rio, 1930) refere-se tambm aos Markay e deles diz: "chegando perto das cabanasouviumgranderumordecantoetrombetasediantedascabanashaviaamasquinzecabeas espetadas; eram de gente inimiga, chamada Markay" (P. A.). declaradosecujaregionoseachamuitoafastadadolugaremquenosencontrvamos, nuncalouvefrancsquesevangloriassedeterpenetradoquarentalguasnointerior, emboraalgunsjavivessemhnoveoudezanos.Nomerefironaturalmentes navegaespelascostas.Entretanto,Thvetdiz51tercaminhado"sessentalguasemais entreosselvagens,andandodiaenoitenasflorestasespessas,semdepararcomanimal algum que lhe procurasse fazer mal.52 E isso ser de crer-se sem dificuldade, e tambm que nem espinhos nem rochedos lhe machucassem as mos e o rosto ou lhe ferissem os ps... Masquemnoestranharaoleralguresque"compreendeumelhoroscostumesdos selvagensdepoisdelhesteraprendidoalngua",53doqueapresentabemfracasprovas,a pontodeignorarasignificaodovocbuloPa,quequerdizersimeeleconfundecom voctambm.54Demodoque,comomostrareiadiante,segundoobomeslidojuzode Thvet, teria havido nesse pas fumeiro para secar as carnes j antes da inveno do fogo. E quantoaofatodeteraprendidoalnguadosselvagenssubmetoasuapretensoprova dessa ignorncia de uma palavra essencial de uma nica slaba. No deixa tudo isso de ser risvel.PortantoconfiemosleitoresemtudooqueThvetconfusamenteescreve,no vigsimo primeiro livro de sua Cosmografia, acerca da lngua dos americanos e verifiquem os absurdos que diz respeito de Mair monem e Mair pochi. QuediremosaindadesuaatitudeemrelaoaosquechamamessaterradaAmricade ndia Ocidental?55 Insiste ele em que seja o nome do pas Frana Antrtica, que afirma ter sidooprimeiroalhedareentendedeverpermanecer,emboraatribuaalhuresa denominao aos franceses que chegaram com Villegagnon e ele prprio a batiza no raro dendiaAmericana.Ediantedascensuras,correeserefutaesquefazsobrasdos outros, ainda que no consiga estar de acordo consigo mesmo, parece que os demais foram cegos e s ele pde tudo ver pelo buraco de seu chapu de franciscano! E tenho a convico dequeaolerestaminhanarrativa,secoincidirelatratardequaisquerassuntosaqueele

51Thvet.Cosmographie Universelle, p.921. 52Idem. Idem. 53 Thvet Cosmographie Universelle, p.916. 54Lryprocura,evidentemente,armarefeitocustadosentidodaexpressop.P,comoadvrbio afirmativocorrespondeasim,j,maspode,poropaequivaleratodo,todos,tudo,etc.Aodizer-sevoc tambm,claroestqueseIncluemoutraspessoas,senotodas,eassimpouopadizem:tudo,todos.Na Conquista Espiritual de Montoya (Anais da Biblioteca Nacional, t. VI) l-se: peik p tbape?, estais vs todos na aldeia?(P. A.). 55 Singularits de la FranceAntarctique, 27. tambm se refira, no deixar de proclamar, firmado na sua vaidade, ter-lhe eu plagiado os escritos. Com efeito, se Belleforest56 que no somente cosmgrafo como ele prprio mas ainda lhe coroou a obra com uma bela ode elogiosa, no escapou crtica de Thvet, o qual o chamou, talvez por inadvertncia, de pobre filsofo, pobre dramaturgo etc., pois no pode suportarqueningum,mesmocomidiasidnticasssuasarespeitodoshuguenotes,lhe faa sombra, que deverei eu esperar, eu que ousei comminha pobre penaprovocar umtal colosso?Vejo-odaqui,talumGolias,afulminar-mee,verificandoquelhedescobrias trapaas, contra mim dirigir os prprios cnones57 do Papa. Mas para me combater deveria fazer ressuscitar Quoniam begue58 com suas duas peas de artilharia sobre os ombros nus, como ridiculamente opintou em suaCosmografia (imaginando que acreditassem que esse selvagem,sem temer orecuo das peas,assimpudesse atirar); pois, alm dacarga que ao recha-loaquilhefizdepassagem,vouassalt-otofortementequelhedesmantelareie reduzireiazeroessasoberba"VilleHenry"porelefanaticamenteconstrudanoar,na Amrica.59 Mas enquanto procedo ao trabalho de aproximao e (como j se acha avisado) ele se prepara para sustentar o combate ou render-se, pedirei aos leitores que, lembrando-se doque afirmeiacima,asaber, terem sidoas calnias de Thvetacausa,emgrande parte, dapublicaodestanarrativa,medesculpemalongar-medemasiadonesteprefcioao desmascararoimpostorcomsuasprpriasobras.Noinsistirei,portanto,emborame tenhamavisadodeque,apsaprimeiraediodesteescrito,andouThvetprocurade documentosememrias,60 pararesponder,oquealguns,quesedizemdenossareligio,

56 Franois de Belleforest, nascido em Sarzan em 1530 e falecido em Paris a 1 de janeiro de 1583. Escreveu uma cosmografia que no passa de um resumo da cosmografia de Seb. Munster. Sua melhor obra a Histoire de neuf rois de France qui ont port le nom de Charler" (1568). 57Trocadilhocomcanhesdopapa.Emfrancscnoncomambosossentidos(T.).V.Cosmographie Universelle prancha p. 955. 58Quonianbegue,ouKonian-Bbe,comoocorretambmemLry,foiofamosochefeindgenaque,ao tempo de Thvet, gozou de grande prestigio entre as tribos localizadas desde Cabo Frio at Bertioga. O autor da "Cosmographie" fez desse chefe uma verdadeira figura de legenda, pintando-o como gigante ferocssimo, capaz de atacar seus Inimigos com duas peas de artilharia, que carregava sobre os seus ombros. O retrato do famoso ndio, que aparece na obra de Thvet, foi reproduzido pela Rev. do Inst. Hist. Brasileiro (vol. 13, l ed. 1850) e, recentemente, pela Histria Geral do Brasil, de Varnhagen. (3 ed. S. Paulo, l vol., 354). Hans Staden escreve Konyan-bbe; Thvet da Guoniambec; Slmao de Vasconcelos e outros cronistas anotam Cunhambbe.SegundoSampaiodeveserKun-bba,isto,Ku-a-bebaoulnguaquecorrerasteira,em alusotalvezaoseumodopeculiardefalar,arrastadoougaguejante.Houvemaisde umKuabeba, lembra Capistrano de Abreu: o de que fala Anchieta nada tem com o de Thvet. Este morreu de peste, logo depois da chegada de Villegagnon. Tinha em sua aldeia seis canhes, tomados a duas caravelas, e a vestimenta e a cruz de um cavaleiro de Cristo, que com muito fundamento Rio Branco julga pertencentes a Rui Pinto, (Le Brsl en 1889, Paris, 1889). Cf. Capistrano de Abreu, in Histria do Brasil, cit. 355 (P. A.). 59 Cosmographie Universelle Cap. XII, prancha p. 908. 60 Estas memrias existem, pelo menos em parte, na "Histoire manuscripte des Indes australes e ocidentales", tentaramfornecer-lhe,revelando,seofizeramrealmente,suasverdadeirastendncias. Afinal, nunca tendo visto Thvet, como j disse, nem tido nenhum desentendimento pessoal comele,acontraditaquelheoponhoaquivisaapenasarepelirasofensasquefezao Evangelho e aos que, em nosso tempo, foram os primeiros a propag-lo no Brasil. EistoservirtambmderespostaaoapstataMateusdeLaunay,oqualemseusegundo livro,melhorrevelandosuaapostasia,foisuficientementeimprudenteparaescreverque, emboranosetratassedaReligio,nodeixaramosministrosdeatacarosescritosdos melhoresautoresdenossapocaentreosquaiscolocaThvet;oraestefoipormim refutadoquandodiretaeformalmenteseachavaligadoreligioreformadaeaosseus adeptos. Mas que esse insolente de Launay, que me chama de biltre (afirmando conhecer-memuitobem,noquementecomdescaramento,poisnuncanosvimossequer), abandonando como o est fazendo a fonte viva de Jesus Cristo para voltar a beber as guas estagnadas do papado e mendigar em sua cozinha, cuide to-somente de no as defender a pontodeseescaldar.Ecomoconclusoaestepropsito:queThvetresponda,setem vontade, dizendo se oque afirmeia seu respeitoverdadeiro ou no. Pois a est o ponto nevrlgico e no deve ele como os maus advogados desviar-se do assunto pela preocupao de indagar quem eu sou, embora, com a graa de Deus, ande eu por toda a parte de cabea erguida e muito mais desembaraadamente do que ele, por maior cosmgrafo que seja. E asseguro-lhequesenodisseraverdade,sabereiopor-lheargumentostopertinentesque comseusprpriostrabalhosmostrareiatodosoquevalem,semnecessidadedeuma travessia at a Amrica. Peoigualmente,desdej,quenoseescandalizemcomofatodenarrarnestahistria, comosedesejararessuscitarosmortos,61oserrosdeVillegagnonnaAmricadurantea nossa estada no pas; pois alm de pertencer isso ao assunto que me propus tratar, ou seja o de mostrar por que fizemos a viagem, no disse tudo o que dissera se ele ainda vivesse.62 Cheguemos agora aos nossos assuntos e vejamos em primeiro lugar o da religio que um de Thvet. 61 Villegagnon faleceu emBeauvais, perto de Nemours, a 9 de Janeirode 1571 (Cf.Mmoires de Claude Haton, ed. Bourquelot). 62TaisescrpuloshonramLry.Seuscorreligionrios,porm,nohaviamaguardadoamortede Villegagnon para injuri-lo em seus panfletos. E o prprio Lry o fizera na sua narrativa das perseguies no Brasil, que se encontra na obra deCrespin. dospontosprincipaisqueeudevoobservarentreoshomens.63Noobstantedeclarar pormenorizadamentenocaptuloXVIqualareligio,dosTupinambs,deparodeincio comumadificuldadequenomecansodeadmirare,emboranomecaibaesclarec-la comoforadesejvel,nodeixareidemencion-ladesdej.Direi,poisqueapesarde,os quemelhoremaissensatamentefalaramarespeito,nosteremditomasobservadoque serhomemimplicaosentimentodeumaforasuperior,eaindaquetodosseachamto presosunsaosoutrosque,qualquerquesejaamaneiradeserviraDeus,todostmuma religio,certaouerrada,nosepodedissimular,paracompreenderdequeladosecoloca naturalmente o homem, que h muito de verdade nos versos do poeta latino64 "Que 1'appetit bouillant en lhomme "Est son principal dieu en somme,65 Eparaseverificar,porumexemplo,taltestemunhoentreosselvagensdaAmrica, devemosteremvistaquenolhespodenegar,emquepesesuaqualidadedehomens naturais,umainclinaocomumparacompreensodealgumacoisasuperioratodos,da qualdependemobemeomal.Dondeashonrasqueprestamaosquechamamde Carabas66edequemimaginamlheprovenhamemcertaspocasfelicidadeoudesgraa. Mas quanto ao fim que constitui seu maior ponto de honra e , como o mostrarei ao referir-me s suas guerras, e alhures, a perseguio do inimigo, e a vingana, o que reputam grande glria no s na vida presente como na futura (tal qual os romanos antigos), ver-se- nesta narrativa, que com referncia Religio, tal comoaentendem os outrospovos, possvel afirmarabertamentequeessespobresselvagensnotmnenhumaevivemsemDeus. Cabe-lhes,pormacircunstnciaatenuantede,confessandosuafelicidadecegueira

63 Aqui comea o prefacio da edio latina de Bry. 64 Virglio Eneida IX. 65 Os apetites que fervem dentro do homem so, em suma, seu principal deus (T ) 66ApalavraCaraba(Caraibe,Caribe,Caraive,etc.)conquantosejadesignativadosprimitivoshabitantes das pequenas Antilhas, foi usada nas zonas de predomnio dos tupi-guaranis da Amrica do Sul para indicar o brancocolonizador,oeuropeu,obatizado,emocasioaabaouav,quelembraoaborgine.Montoya registra o termo com os sentidos de astuto, hbil, entendido, dizendo ainda: "vocablo con que honrron a sus hechizeros universalmente, y assi lo aplicron a los espaolesy mui impropriamente al hombre Christiano y cosas benditas" (P.A.). (emboranoofaamcomintuitoderedeno),noprocuraremparecerdiferentesdoque so na realidade. Emrelaoaosdemais assuntos,bem dizem do que so os sumrios dos captulos e entre estes o do primeiro j revela a causa de nossa viagem. Por outro lado, de acordo com o que prometinaprimeiraedio,almdascincofigurasdeselvagens,outrasforamacrescidas para o prazer dos leitores e se no ajuntei mais foi em vista das despesas que acerca de tal acrscimo alegava o editor. Noignorandotampoucoqueaosvelhoseaosviajantessecostumajogarapechade mentirosos, direi que detesto a mentira, mas em se encontrando algum que no queira dar crdito amuitas coisas,no raroestranhas, que selemnesta histria, no o levareiainda assim ao Brasil para verific-las. Do mesmo modo no me preocupam aqueles que duvidam de minha descrio do cerco deSancerre, o qual,no entanto possoassegurarter sidobem maisdifcildoqueaminhatravessiadevoltaparaaFrananestaviagem.Masseessesa quealudonoderemcrditoquiloque,doconhecimentodemaisdequinhentaspessoas ainda vivas, foi praticado no corao deste reino de Frana, como havero de crer nisso que spodeservistocercadeduasmillguasdedistnciaequecomportatantascoisas incrveis,jamaisaindareferidasnosantigos,equesaexperinciapodeentender?E,em verdade,depoisdeminhaviagemAmrica,aqual,peloqueasev(costumesdos habitantes, formas dos animais e produtos da terra emgeral, to diferentes dos da Europa) podeserchamadaNovoMundo,devoconfessarque,emboranoaceitandocomo verdadeirasasfbulasencontradiasemvriosautores,reconsidereiminhaopinioantiga acerca do que escreveramPlnio e outrosmaissobre os pasesexticos, poisvicoisas to prodigiosas quanto tantas outras tidas por impossveis, de que fazem meno. Quantoaoestiloelngua,bemseiquenaopiniodemuitosnotereiasfrasesnemos termossuficientementeadequados67 descriodaartedanavegaoousdemaiscoisas pormimventiladas.Osfranceses,principalmente,noosacharodeseugosto,pois, amantesquesodasfloresderetrica,sapreciamescritosemlnguanovaepotica. Menos ainda me ser possvel satisfazer os que julgam inteis ou estreis os livros que no se enriquecem de exemplos alheios e de citaes, pois embora pudesse ter citado inmeros

67 Lry modesto,pois seu estilo preciso,pitoresco e no raro brilhante lembra o de Montaigne. autores,exceodasrefernciasfeitasaohistoriadordasndiasOcidentais68 (porque escreveuvriascoisasacercadosndiosdoPeru,semelhantessquereferidosselvagens da Amrica) muito raramente recorri aos outros. Mas, a meu ver, alm de uma histria que no se enfeita com as penas de outrem ser de mais fcil entendimento para os leitores, j ela se mostrabastanterica,bemalimentadaporseuprprioassunto.Alis,perguntoeuaosque lemashistriasdiariamenteimpressas,deguerraseoutras,comexemplificaesalheias, embora adaptadas ao assunto, se no as aborrecem. E se algum alegar ter eu ao refutar aqui ao sr. Thvet cometido iguais erros e se me condenarem por usar da primeira pessoa ao descrever os costumes selvagens, responderei que se trata de coisas cientficas, de experincias, de coisas quetalvez ningum tenha ainda tratado,69 no com referncia nosAmricaemgeralmas aindaaolugaremqueresididurantequaseumano,sobotrpicodeCapricrnioentreos selvagensTupinambs.Finalmente,assegurandoaosquepreferemaverdadedita simplesmente mentirabemvestida queaquiencontrarono s fatosverdadeiros mas ainda

68Gomara.HistoriageneraldeIasndias,conlaconquistadelMejicoydelanuevaEspaa.Amide citadoporLry,oque,diga-sedepassagem, provaquesabiaoespanhol,poisaediofrancesadaobra de Gomara s apareceu em 1906. 69HansStadenjhaviapublicadosuanarrativadeviagemem1557,masLrypodianoconhec-laporter aparecidoprimeiramenteemalemo.Idnticaobservaodeveserfeitaarespeitoda"Histriaverdicadeuma viagem curiosa", de Ulrich Schmidel Von Straubing, cuja primeira edio apareceu em Nuremberg em 1588;a ela se refere Lry na edio de 1594. Foi somente em 1586 que Lry teve conhecimento da "Hlstoire d'un pays situe dans le Nouveau Monde, nomm Amrique", deHansStaden. Comprova-oumacarta muitocuriosacitadapor Ternaux Compans na sua "Collection de voyages, relations et mmoires originaux pour servir lhistoire de Ia decouvertedel'Amrique".Reproduzimosaquiessacartaporqueelacompletaoprefciodoautor:"...mister queacrescenteaqui,parasatisfaodosleitoreseconfirmaodetudooquereferinessanarrativa,queme encontreiemBasel,naSua,nomsdemarode1586,comodr.FelixPlateros,personagemnotvelpeloseu saber e amador de preciosidades com que encheu a sua residncia. Muito bem recebido em sua casa, uma das mais belasdacidade,conversamoslongamentesobreaminhanarrativadeviagemAmrica,queelepossuaemsua biblioteca, e ele me afirmou que a tendo conferido com a obra de Hans Staden um alemo que por l esteve tambm muitosanos,verificouqueconcordvamosnadescriodoscostumesdosselvagensamericanos.Emprestou-me esse cavalheiro o livro de Hans Staden, impresso em alemo, com a condio de devolv-lo, o que fiz aps o que o sr.TeodoroTurquet,deMayenne,conhecedordalngua(comodemultasoutrascincias),otraduziuemgrande parte, pelo menos quanto ao que lhe pareceuessencial. Li-o assim com grande prazer, pois esse Hans Staden, que estevenessepasdurantecercadeoitoanos,emduasviagensquefez,foifeitoprisioneiropelostupinambseameaadodeserdevoradovriasvezesporaquelesmesmosqueconhecipessoalmentenascercaniasdoRiode Janeiroequeeramnossosaliadoseinimigosdosportugueses,comosquaisseachavaStadenaoserpreso.E muito contente fiquei ao verificar que a tudo se referiu como eu o fiz, oito anos antes de conhecer a sua obra, e que a tal ponto coincidia o que escrevemos ambos tanto acerca dos selvagens do Brasil como das coisas vistas no mar, quepareciatermo-nosconcertadopara fazerasnossasnarrativas.Portantoessaobrade HansStaden,queainda nofoitraduzidaparaolatimebemomereceserparaofrancs,oqueeumeproponhofazerdebomgradoem relao aos trechos que j conheo, enriquecendo-os com outras coisas notveis, digna de ser lida por todos os que desejemsaber como sona verdade os costumes dos brasileiros.Ademais ser esse livro um testemunhode que Thvetnopassadeummentirososuperlativamenteatrevido,tantocomrefernciaaoquepublicouemsua "CosmographieUniverselle"eoutrasobrassobreaAmrica,quanto,maisparticularmenteacercadeQuoniam begue, de quem foiStaden prisioneirolongo tempo econtraquem esteve em guerra,pois aseu respeito embora o descreva como muito cruel e desumano para com todos os seus inimigos e como um homem muito forte, no s no aludeaumgigante,comonodizquecarregassecanhesaosombrosnusparacomelesfazerfogocontraos adversrios, como confusamente o afirmou Thvet em sua "Cosmographie", retratando-o tambm". dignos, muitos deles de admirao, pedirei ao Senhor, autor e conservador de todo o universo, quefaacomqueestapequenaobraalcancebomxitoparaaglriadeseuSantoNome. Amm. CAPITULO I 70 DOMOTIVOQUENOSLEVOUA EMPREENDER ESTA LONGNQUA VIAGEM TERRA DO BRASIL NA OCASIO EM QUE A FIZEMOS Comoalgunscosmgrafosehistoriadoresdonossotempo71 jescreveramacercadas dimenses, formosura e fertilidade desta quarta parte do mundo, chamada Amrica ou terra doBrasil,bemcomoarespeitodasilhaseterrasadjacentes,inteiramentedesconhecidas dosantigos,edasvriasnavegaesqueparaasefizeramnestesprimeirosoitentaanos decorridos desde o seu descobrimento, no me deterei nessas generalidades; minha inteno e meu objetivo sero apenas contar o que pratiquei, vi, ouvi e observei, quer no mar, na ida e na volta, quer entre os selvagens americanos com os quais convivi durante mais ou menos umano.Eafimdequetudosetornebemcompreensvelatodos,acomearpelomotivo que nos levou a empreender to penosa e longnqua viagem, direi em poucas palavras como se originou ela. Em1555, um senhor Villegagnon,72 cavaleiro d Ordem deMalta,tambmconhecida por OrdemdeSoJoodeJerusalm,desgostosodaFranaetambmdaBretanha73onde residia ento, manifestou a vrios personagens notveis do reino o desejo, que de h muito alimentava,nosderetirar-separaumpaslongnquoondepudesselivrementeservira Deus, de acordo com o evangelho reformado, mas ainda preparar um refgio para todos os

70 Este captulo resumido em 13 linhas apenas na edio de Bry. 71 Ver Harisse. Bibliotecaamericana vetustssima. A description of works relating to America published between the years 1492 and 1551 Nova York, 1886. Ver tambm o volume suplementar. Paris, 1872. 72 Compare-se este trecho com a"Perscution des fidles en la terra d'Amrique", editada porCrespin, mas redigida por Lry. 73 Villegagnon achava-se nessa poca em Brest, na qualidade de vice-almirante de Bretanha. Conta Crespin que"tendodivergidodocapitodoCastelodeBrestacercadasfortificaes,adivergnciaengendrouo ressentimentoeodiomortalentreambos,levando-osaprocurarhostilizarem-secontinuamente.Suaquerela chegou aos ouvidos do rei Henrique II que era mais simptico ao capito..." quedesejassemfugirsperseguies,74quedefatoeramtoterrveisnessapocaque muitas pessoas de todos os sexos e condies viam por toda a parte seus bens confiscados pormotivosreligiososeeram,mesmo,noraro,queimadasvivasemobedinciaaditos dosreisedecisesdoParlamento.DiziaaindaVillegagnon75aosqueorodeavam,eo escreviaaseusconhecidos,queouvirafalartoelogiosamentedabelezaedafertilidade dessapartedaAmrica,chamadaBrasil,quedebomgradoparaafariavela,afimde alcanar os seus desgnios. E desse modo, e com tais pretextos, conseguiu a boa vontade de algunsfidalgosadeptosdareligioreformadaeque,dotadosdossentimentosque Villegagnondemonstrava,desejavamencontrarsemelhanteretiro.Entreestesfiguravao finado senhor Gaspar de Coligny,76 de feliz memria, almirante de Frana que, bem visto e acatado do rei Henrique II, ento reinante, representou que se Villegagnon fizesse a viagem poderiadescobrirmuitasriquezaseoutrascoisasdeproveitoparaorei.Emvistadisso mandou o soberano quelhe dessem dois bons navios aparelhados e providosde artilharia, alm de dez mil francos para as despesas de viagem. Assim, antes de partir de Frana, Villegagnon prometeu a alguns honrados personagens que oacompanharam,fundarumpuroserviodeDeusnolugaremqueseestabelecesse.E depois de aliciar os marinheiros e artesos necessrios, partiuem maio de 1555, chegando ao Brasil em novembro, aps muitas tormentas e toda a espcie de dificuldades.77 Aaportando,desembarcouetratouimediatamentedealojar-seemumrochedo78na embocaduradeumbraodemarouriodeguasalgadaaqueosindgenaschamavam Guanabara e que (como o descreverei oportunamente) fica a 23 abaixo do Equador, quase alturadotrpicodeCapricrnio.Masomardaoexpulsou.Constrangidoaretirar-se avanouquaseumalguaembuscadeterraeacabouporacomodar-senumailhaantes deserta, onde, depois de desembarcar sua artilharia e demais bagagens, iniciou a construo

74Crespin.Idem:"...Fez-sebenquistodosqueopodiamauxiliaralevarabomtermoasuaempresa, assegurando-lhes que tinha um sincero e profundo desejo de procurar um asilo para os que sofriam em Frana em defesa do Evangelho". 75Ver Mmoires, de Claude Haton, Ed. Bourquelot, p. 36. 76Tessier.L'AmiraldeColigny,p.58.Crespin,id.:"Aquelesaquemsedirigiuacreditaramsemdificuldadeemsuaspalavraselouvaram-lheaempresadignaantesdeumprncipequedeumsimples fidalgo. E prometeram-lhe todo o seu apoio junto ao Rei para obteno do que fosse necessrio viagem". 77Ver coleo de Bry.T.III, pg. 285-295. Exemplarduarum literarum quibus breviter explicatur navigatio N. Villegagnonis. Crespin. Histoire des Martyrs. 78Ilha dos Ratos. Hoje ilha Fiscal(T.). de um forte, a fim de garantir-se tanto contra os selvagens como contra os portugueses que viajavam para o Brasil e a j possuem inmeras fortalezas.79 Sempreafingirzelocristoeprocurandopersuadircomempenhoasuagente,aoserem seus navios carregados de regresso Frana, escreveu e mandou por um deles um emissrio aGenebrarequisitarministrosreligiososparaoajudaremesocorreremnamedidado possvel nessa sua to santa empresa. Mas, principalmente, para prosseguir com diligncia naobraqueempreenderaedesejavalevaravantecomtodasassuasforas,pediaquelhe enviassem, no s ministros mas tambm algumas outras pessoas bem instrudas na religio crist a fim demelhor reformar a si e aos seusemesmo abrir aos selvagens o caminho da salvao. Ao receber as suas cartas eouvir as notcias trazidas, a igreja de Genebra rendeuantes de mais nada graas ao Eterno pela dilatao do reino de Jesus Cristo em pas to longnquo, emterraestranhaeentreumpovoqueignoravainteiramenteoverdadeiroDeus.Em seguida, atendendo aos pedidos de Villegagnon, o finado senhor almirante, a quem tambm se escrevera para o mesmo efeito, solicitou por carta a Felipe de Corguilleray,80 senhor Du Pont(quesehaviaretiradoparapertodeGenebraeforaseuvizinhoemFrana,em Chatillon-Sur-Loing)queempreendesseaviagemafimdeconduzirosquedesejassem encaminhar-se para essa terra do Brasil. A mesma solicitao foi feita tambm pela igreja e seusministrosdeGenebraeemborajfossevelhoesesentissealquebrado,osenhorDu Pont,animadopelograndedesejoquetinhadeempregar-seemtobelaobra,acedeuem fazer o que lhe era requerido, abandonando todos os seus outros negcios, para ir to longe, e deixando mesmo seus filhos e sua famlia. Feitoistotratou-sedeencontrarministrosdapalavradeDeus.E,depoisdesondadospor DuPonteseusamigos,algunsbacharisqueentoestudavamteologiaemGenebra,os ministros Pedro Richier,81 com cinqenta anos j ento, e Guilherme Chartier, prometeram-

79 Melhor fora dizer feitorias (T.). 80 Ver Haag,FranceProtestante, artigo sobreDu Pont deCorguilleray. Era amigopessoal de Coligny, de quemfoivizinhoemChatillon-sur-Loing.PartiuparaoBrasilainstnciasdoalmirante.SegundoCrespin, HistoiredesMartyrs,"o comando dessa expedio foi entregue a Felipe de Corguilleray, dito Du Pont,fidalgode boareputao,oqualembora sua idadee seus interesses no lheaconselhassemaviagem, no se recusou a faz-la. Nem o amor aos filhos nem os seus negcios o impediram de aceitar o encargo que lhe confiara seu senhor". 81 P. Richer ou Richier, ex-carmelita e doutor em teologia; converteu-se ao calvinismo,encontrando refgio em Genebra. Enviado ao Brasilem 1556,voltou para a Europa em 1559, e morreu em La Rochelle em 8 de lhequecasoaigrejaosconsiderasseaptosparaamisso82estavamdispostosaseguir. Assim,apsteremsidoapresentadosaosministrosdeGenebra,queosouviramsobre certostrechosdasSantasEscrituraseosexortaramacercadeseusdeveres,aceitarameles transpor o mar com o senhor Du Pont a fim de juntar-se a Villegagnon para anunciarem o evangelho na Amrica. Restavaaindareunirem-seoutrospersonagensinstrudosnosprincipaispontosdaf,bem comoartesosprticosnosseusofcioscomoosolicitavaVillegagnon.83Eparaque ningum se iludisse acerca do longo e fastidioso trajeto que cumpria percorrer, quase cento ecinqentalguasporterrasemaisdeduasmilpormar,advertiuDuPontque,em chegandoaessaterradaAmrica,serianecessriocontentarem-secomcertafarinhafeita derazesemlugardepo;quenoteriamvinho,nemnotciasdelepoisnohaviaa parreirasefinalmentequenonovomundo(conformeinformavaVillegagnon)far-se-ia misterlevarumavidaemtudoeportudodiferentedadanossaEuropa.Comissotodos aqueles que se compraziam de preferncia na teoria dessas coisas e aos quais no apetecia mudar de ares nem suportar as ondas e o calor da zona trrida, nem ver o Plo Antrtico, se recusaram a se alistar e embarcar em tal viagem. Entretanto,depoisdemuitosconvitesesolicitaes,alguns,maiscorajososparece,se apresentaram para acompanhar Du Pont, Pedro Richier e Guilherme Chartier. Foram esses: PedroBourdon,MateusVerneuil,JoodeBordel,AndrLafon,NicolauDenis,Joo Gardien,Martin David, NicolauRaviquet, Nicolau Carmeau, Jacques Rousseau e eu, Joo de Lry que tanto pela vontade de Deus como por curiosidade de ver o mundo fiz parte da comitiva.84Eassim,emnmerodequatorze,partimosdacidadedeGenebra,aos16de setembro do ano de 1556. PartimosepassamosporChatillon-Sur-Loingondeosenhoralmirantenosnos encorajou mais uma vez a prosseguir na nossa empresa, mas ainda prometeu coadjuvar-nos com a marinha e, argumentando, deu-nos a esperana de que Deus nos concederia a graa maro de 1580. Publicou: 1) Livri duo apologetici contra N. Durandum, qui se cognoninatVillegagnonem (1561); 2) Rfutation des folles rveries et mensonges de N. Durand, dit le chevalier de Villegagnon (1562); 3)Bref sommaire des traditions de Calvin. 82 Segundo Crespin "eram ambos considerados de s e slida doutrina, de vida simples e boa conversao". 83 Trata-se da carta de Villegagnon a Calvino, includa no