Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos

58
5/11/2018 JeanPierreVernant-ComaMorteNosOlhos-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 1/58 TEXTOS DE ERUDIC::AO & PRAZER lean-Pierre Vernant A Morte nosOlhos F'iguracoes do Outro n~ Grecia Antiga Artemis, Gorg6 Traducao: Clovis Marques Jorge Zabar l!;Oltor Rio de Janeiro

Transcript of Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 1/58

TEXTOS DE

ERUDIC::AO& PRAZER lean-Pierre Vernant

AMorte

nosOlhos

F'iguracoes doOutro

n~Grecia Antiga

Artemis, Gorg6

Traducao:ClovisMarques

Jorge Zabar l!;Oltor

Rio de Janeiro

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 2/58

TImlo original:

La MOT!dans Ies Yeux ~ Figures de I'AUI'" en

Grece ancienne: Artenus, Gorg6

Tradu<;;iioaUlo";zada da prtmeira edi<;;ftorancesa pub\icada em 1.985pox

Bachelle, de Paris, F""'<;a, na cole<;;aoTextes du XX';' Siede,

dirigida por MauT;ce Olender

Copyright" 1985, Hachette

Copyright" 1988da edi<;ftobrasileira;

Jorge Zahar Editor Ltda.rua Mexico 31 sobretoja

20031 Rio de Janeiro. RJ

Todos os direttos reservados.

A reproducao nao-autorizada desta pubticacao , no rodo

Ou em parte, <x>nstit"iviotaeao do copyright. (Lei S.988)

(E~o para 0-Brasil.

Nao pode circular em outros patses.)

Produ,,110 editorial Revisao: Roberto Lacer da (copy); J"se Moura, Cida

Marsico, Carmem More"". Nair Dametto (up.) ; Diagrarnacao: Celso Bivar ;

Composictu»: A,F. Lima; Arts-final. Jose Gerardo de Lacerda (texto); Capo:

Gitvan F. da Silva; Irnpressao: Tavares e Trrstao GriiL e Ed.

107

119

ISBN: 85-7110-035·7

Strmar'Io

11 Introducdo

15 Artemis ou as fronteiras do Outro

30

38

49

71

Das margens aos monstruosos

Amascara de Gorg6

Urna face de terror

A flauta e a mascara.

A danca de Hades

As deusas-cabecas

Amorte nos olhos

84

96

Notas

Sobre 0autor

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 3/58

Para Julien

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 4/58

Introdu~ao

Artemis:

vaso atico com figums vermelhas; BlUeKa404.

Gorg6:vaso .itieo com figuras negras; Heidelberg 62/4.

Desenhos de FranoyoisLissarrague

Por que Artemis? Trata-se , e bern ver-

dade, de uma personalidade sedutora cuja

juventude associa nao pOllcos encantos a

muitos perigos. Mas 0interesse que des-

pertou em mim e as perguntas que me

ocorreram a seu respeito ternorigem numapesquisa mais ampla realizada nos ultimos

aDOS1 sobre as diferentes maneiras de figu-

rar 0divino. Como os gregos representa-

ram seus deuses e quais sao os vmculos, as

relacoes simbolicas que, para 0fiel, asso-ciam determinado tipo de Idolo a divin-

dade que deve evocar, ou "presentificar"?

Neste contexto, deparei com 0problema

dos deuses gregos mascarados, ou seja,

aqueles que sao figurados por uma simples

mascara Oll em cujo culto sao utilizadas

mascaras, sejam votivas ou conduzidas pe-

11

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 5/58

los celebrantes. T'rata-se , essencialmente,

de tres Poderes do alern: Gorg6 (a g6rgona

Medusa), Dioniso e Artemis. Que tracescomuns a estes Poderes, por diferentes

que sejam, aparentam-nos a regiao do so-

brenatural que amascara tern por vocacaoexprimir? A hip6tese e que, segundo mo-

dalidades pr6prias a cada urn, todos se

relacionam ao que denominarei aqui, afalta de melhor, alteridade; eles dizem res-

peito it experrencia que os gregos tiveram

do Outro, nas formas que lhe atribufram.

Alteridade, nocao vaga e excessiva-

mente ampla, mas que nao reputo anaero-nica, na medida em que os gregos a co-

nheceram e utilizaram. Assim e que Plataoop6e a categoria do Mesmo a do Outro em

geral, to heteron, 2 Nao se falara , natural-mente, de alteridade pura e simples, antes

distinguindo e definindo a cada oportuni-

dade tipos precisos de alteridade: 0que e

Dutro em relacao a criatura viva, ao ser

humane (anthropos ), ao civilizado, ao ma-

cho adulto (aner), ao grego, ao cidadao.

Deste ponto de vista, poderiamos dizer

que a mascara monstruosa de Gorg6 traduz

a extrema alteridade , 0temor apavorante

do que e absolutamente outro, 0indizfvel ,0

impensavel ,0puro caos: para 0homern ,0

confronto com a morte, esta morte que 0

olho de Gorg6 impoe aos que cruzam seu

olhar, transformando todo ser que -vive,move-se e ve a luz do Sol em pedra imobili-

zada, glacial, cega, mergulhada em trevas.

Com Dioniso, a coisa e outra; temos aqui ,em plena vida, nesta Terra, a subita intru-

sao de algo que nos afasta da existencia

quotidiana, do andamento normal das coi-

sas, de n6s mesmos: 0disfarce, a mascara-

da, a embriaguez, a representacao, 0tea-

tro, enfim ° transe, ° delfrio do extase.

Dioniso ensina ou obriga a ser outro, e naomais °que se e normalmente, a enfrentar,

ja nesta vida, aqui embaixo, a experierrcia

da evasao para uma dcsconcertante estra-

nheza.

E Artemis? Vamos observa-la , nao toda

Artemis, nos detalhes de seus santuarios e

formas," mas no essencial: aquilo que da aeste Poder divino sua especificidade, e a

suas multiplas funcoes , coen3ncia e urri-dade.

13

12

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 6/58

'"Artemis ou 8 :S fronteirasdoOutro

Filha de Zeus e de Leto , irma de Apolo,

como ele detentora do area e da lira, 4

Artemis assume urn duplo aspecto. Ela e aCacadora , a Corredora dos bosques, a Sel-

vagern, a Sagitaria que com seus dardos

abate os anirnais selvagens e cujas flechas,entre os hurnanos, as vezes atingem asmu-

lheres, dando-Ihes morte subita. 5 Eia etambem a Jovern Donzela , a Dura Parthe-

nos, destinada a eterna vi'" -Jade, e que

na alegria da danca , da rm. .~q_~ dos belos

cantos conduz 0cora gracioso das adoles-

centes que torna companheiras suas, Nin-

Ias e Car ites.De onde vern Artemis? A questao tern

sido muito discutida. Para uns , seu nomeseria pur ameute grego; outros veern neia

uma estrangeira de origem ora n6rdica ~

15

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 7/58

ora, pelo corrtrar'io, oriental, da Lidia ou

das rcgioes do mar Egeu. Sua representa-

« ; : 3 0 em imagens na epoca arcaica evoca

sob varios aspectos a figura dessa grande

deusa asianica ou cretense batizada "Se-nhora dos anirnais" ou "Dama das Ieras",

Potnia theron., precisamente a denomina-

« ; : . .ao que uma passagem da lliada atribui a

Artemis. 6 Uma coisa em todo caso seria

praticamente certa: 0nome de Artemis

parece com efeito constar das tabulas da

Pilo aqueia. J < 1 no seculo XII antes de nos-

sa era, portanto, ela estaria presente no

parrteao grego, e se as vezes os propriosantigos a qualificam de xene ; estrangeira,o termo refere-se, mais que a uma origem

nao grega, como no caso de Dioniso , aHestranhezaH da deusa, a sua distancia em

relacao aos outros deuses, a alteridade de

q~e se r~veste. 7 Se a questao das origens

ainda hoje permanece insoluvel , podernos

por outro lado identificar os traces que ja a

partir do seculo VIII dao a Artemis sua

fisionomia propria e fazem dela urn perso-

nagem divino original, tipicamente grego ,

ocupando no panteao urn lugar, urn papel

e Juncoes que the sao exclusivos.

Como tern sido ela vista tradicional-

mente? Em funcao de duas caracteristicas.

Ela seria , para cornecar , a deusa do mundo

selvagem, em todos os pianos: os animais

selvagens, as plantas e as terras nan culti-vadas, os jovens ainda nao integrados asociedade au civilizados. Seria tambern

uma deusa da Iecundidade , que faz crescer

os vegetais, os animais, os hurnanos.

Que foi feito desta concepcao? Conside-

remos inicialmente seu lugar, a posicao

que ocupa, e em seguida seu papel, suas

Juncoes.

Seu lugar

"Que toclas asmontanhas sejam mirihas ",

declara Artemis no Hino que Ihe dedica

Calimaco, 8 acrescentando que so descera

a cidade raramente, se precisarem dela.

Mas alern dos montes e bosques ela se fazpresente tambern em todos os oritros Iu-

gares que os gregos chamam agros , as ter-

ras nao cultivadas que, para alern dos cam-

1617

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 8/58

pos, assinalam as confins ...o territ(~r~o, aseskhatiai, Agreste (agrotera), ela e rgual-

mente Limndtis: ados brejos e Iagunas.

Tern seu Ingar na orla maritima, nas zonas

costeiras em que, entre a terra e a agua , os

Iimites sao imprecisos; esta ainda nas re-

gioes do interior, quando 0transborda-

mento de urn rio ou a estagnacao das aguascria urn espaco nan totalmente seco nem

plenamente aquoso e onde toda cultura

revela-se precaria e arriscada. 0ue have-

ria de comum entre esses lugares tao diver-

sos que pertencem a deusa e nos quais sao

edificados seus templos? Mais que de urn

ospaco de total selvageria, representandouma alteridade radical em relacao a cidadee a suas terras humanizadas, trata-se dos

confins , das zonas Iimttrofes , das frontei-

ras onde 0Dutro semanifesta no contato

que regularmente se mantern com ele ,

convivendo 0selvagem e a cultivado, ern

o'posicao , e verdade , mas tambem em in-

terpenetracao .

Suas func;6es

Primeiro que tudo , a caca.,

NaIroriteiraentre os dois rnundos, rnar-

cando seus limites e garantindo com sua

presenca sua perfeita articulacao, Artemis

preside ( . 1 , caca. Ao perseguir os animais

para mata-Ios, 0cacador penetra 0terre no

da selvageria , Avanca, mas naodeve ir

longe demais; nao poucos rniros relatam

precisamente as arneacas que rondam 0

cacador quando ultrapassa certos limites:

'perigo de bestializacao , de arrebatamento

pela selvageria, Para 0jovern , no entanto ,a caca constitui urn elemento essencial da

educacao , dessa paideia que 0integra acidade. 9Na fronteira entre 0selvagem eo

civilizado , ela introduz 0adolescente no

mundo dos anirnais ferozes. Mas a caca epraticada em grupo e com disciplma _.. ··f f

uma arte controlada, regulamentada, com

imperatives rrgorosos, obrigacocs e pr'oi-

bicoes. Somente quando estas normas so-

ciais e religiosas sao transgredidas e que 0cacador, resvalarido fora do humano , tor-

na-se selvagem como os anirnais com os

18 1'1

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 9/58

quais se defronta. Cuidando zelosamerite

que elas sejam respeitadas, Artemis

consagra a intangibilidade de uma frontei-

fa cuja extrema fragilidade a caca poe emevrde.ncia , ao rnarrt e-La sob constante

arrieaca.A-rtenlis, portanto, nao e selvageria. Ela

trata de tornar de certa forma permeaveis

as fronteiras entre 0selvagem e 0civifiza-

do , ja que a caca nos faz passar de urn a

outro , mas ao mesmo tempo mantendo-as

perfeitamente claras, pois de outro modo

os homens se bestializariam - °que aeon-teceu no seculo III, segundo Polfbio , aosarcadios de Cineta , que regrediralu a urn

estado anterior a civilrzacao por terem

abandon ado os r'itos e praticas patrocina-

dos pela deusa; retirando-se de cidades e

povoa<;oes, vivendo volt ados para si mes-

mos, eles evidenciaram, massacrando-se

entre si , a mesma ferocidade com que os

animais se entredevoram. 10

A curotrofia

Ar~emis e a Curorrofa por excelencia. Ela

cuida de todos os rebentos, dos animais edos humanos, sejam machos ou femeas.

Sua funcao e nutri-los, faze-los crescer e

amadurecer ate que se tornem plenamente

adultos. Quanto aos filhos dos homens ela

os conduz ate0imiar da adolescencia 'que

eles devcrao - deixando em suas mftos a

vida juvenil·- ultrapassar com sua concor-

dancia e ajuda, para chegar , atraves dos

.~t~ais .~e iniciacao que ela preside, a plenasociabilidade - a,mocinha, mvestindo-sena c?ndi~ao de esposa e mae, 0efebo , na

de C1dadao-so~d~do. Amatrona e0hopli-

ta, duas condicoes que constituem mode-

los p~ra q~e a mulher e 0homem adqui-

ram Iderrtidade social em conformidade

C?mos outros. Durante 0periodo de cres-

cI~ento, antes de darem °passo decisivo,~s !ov~ns. ocup~m, como a deusa, uma po-s~~ao Iirniriar, mcerta e equivoca, na qual

ainda nao estao claramente determinadas

as fr?nteiras que separam os meninos das

rrrerurras, os jovens dos adultos, os animais

21

20

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 10/58

dos homens. Flutuam e oscilam de uma

condicao a outra, assumindo as me~inas os

papeis e comportamentos dos men~no~, os

jovens brincando de adultos.~ se f~nglndo

de amadurecidos, como se la estrvessem

plenamente desabrochados, as cria:uI~s

humanas confundindo-se com os anrmais

selvagens. Bastara urn exernplo: Atalanta,a mais artemisiana dasparthenoi, a virgem

que deseja por t?da a v~da p~rmanecer na

esfera de Artemis" sem jamais atravessar a

fronteira que realiza a vocacao da donzela:uma esposa, uma matrona como todas as

mulheres. 11 Desde seu nascimento, nos

bosques , Atalanta e aliment ada por umaursa que" com 0leite de suas mamas, lam-

bendo-a como lamberia seus rebentos,. .... . d sa." 12 AHhabltua-a as manelras a ur .... .

menininha cresce tao rapidarnente que em

poucos anos ja ostenta 0tamanho, a forca

e0porte de urn adulto. Nao s6 sua beleza emasculinizada, mas todo 0seu cornporta-

mento. Ela e tao viril que amedronta os

que a encontram. 13 Ja agora uma teleia ou

horaia, atingida a idade em que a mulheresta madura e deve dar frutos, ela recusa 0

telos do casamento, a realizacao plena da

feminilidade, para a qual Artemis deve

~onduzir, abandonando-a em seguida, a

jovern que no momenta oportuno escapa a

seu ~ntrole e se faz rrrulher Consagran-

do-se mtegralmente a Artemis, desejando

ser , como ela, virgem para sempre., Ata-lanta reduz toda a feminilidade a sua

condicao preliminar; recusa-se a identifi-

car e atravessar a fronteira que separa a

alteridade juvenil da identidade adulta;

em Atalanta, por isso mesmo, tudo se

confunde: nela, a crianca, epats, ja nao sedistingue da mulher madura; a rnenina, em

vez de se diferencar do menino, resvala

para a hipervirilidade; a criatura humanafaz-se ursa. Quando afinal e imposto a

Atalanta, 0casamento torna-se micial-

mente uma corrida, uma perseguicao sel-

vagem em que a noiva acua emassacra seu

pretendente como na caca, e mais adiante,

quando Afrodite mtervem para enlouque-

cer de amor a jovem, uma uniao bestial em

que 0marido e a esposa se transformam

em lean e leoa,

Mas 0mundo de Artemis, justamente,nao e0de Atalanta, nao se fecha sobre si

mesmo nem se isola em sua alteridade. Ele

22 23

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 11/58

se abre para a idade adulta. 0 papel d.eArtemis consiste emdar aos jovens condi-<;6esde abandona-Ia na hora c~rta; e~ains-titui as ritos mediante os q'uarsOS libera,

acompanhando-os ate aoutra margem, emterrit6rio do Mesmo.Em Bra'urorr, na Atica, a beira do ria-

cho as menininhas de Arenas, para pode-, ". .

rem se casar, deviam fazer-se ursas, nm-tar a ursa" reclusas entre cinco e dez anos.. .

de idade no sarrtuar'io deArtemis. Masqueursa? Uma ursa selvagemmas que deixaraos bosques para domesticar-se progressi-vamente no santuario da deusa, tornando-sefamiliar aos homens e acosturnando-se aseu convivio. Ao contrario de Atalanta, asmeninas que convivem com a ursa, sob aautoridade de Artemis, nao se bestiali-zam; tambem elas se domesticam POllCO apouco , para que ao cabo desta prova ,deste afastamen to de seus lares, possampor sua vez "coabitar matrimonialmentecom urn homem", 14

Acompanhando os jovens ao longo deseu percurso , do ernbriao a maternidade,instituindo osritos depassagemque consa-gram sua saida das margens e sua entrada

no espaco cfvico, Artemis nao encarna aseIvageria total: a Cur6trofa age demanei-ra a estabelecer uma delimita<;aoprecisa

entre meninos e meninas, entre jovens eadultos, a~imais e homens, para que sepossam articular corretamente a castidadeque adonzela deve observar eo casamentoque realiza acorrdicao aduIta damulher, aspuls6es da sexualidade e a ordem social avida selvagem e a vida civiIizada. '

~ partir das margens emque reina, Ar-terms, encarregando-se da forrna~ao dosjovens, assegura sua integra~ao a comuni-

dade civica.Fazendo-os passar dooutro aomesmo, ela preside esta mudan~a decondi~ao, este saIto pelo qual os jovensdeixam de ser jovens para tornar-se adul-tos, sem que a juventude e a condicaoadulta vejam de subito confundidas suasleis nem apagadas suas fronteiras.

oparto

Deusa virgem, rejeitando quaIquer conta-to amoroso, Artemis e no entanto, sob 0

2425

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 12/58

nome de Lokhia, a deusa do parto. Eque 0parto constitui ao mesmo tempo 0termo

da longa rnaruracao das meninas que a

deusa tern sob sua responsabilidade e 0

inicio, para 0recern-riasciclo , do percurso

vital cujo desenvolvimento lhe pertence.Alem disso, 0ato de parir introduz na

instituicao social do casamento urn aspecto

algo animalesco. Primeiro, porque na pro-

criacao 0casal conjugal, cuja urriao baseia-

se num contrato, produz urn rebento

semelhante a urn anirnalzinho, ainda estra-

nho a qualquer regra de cultura. Depois,

porque 0vinculo que une a crianca a sua

mae e "natural", e nao social, como 0que

o liga a seu pai.

Finalmente, ao gerar urn rebento , tal

como acontece com os animais, 0parto -

com os gritos, as dores e esta especie de

delirio que 0acompanham - manifesta ,

aos olhos dos gregos, 0lado selvagem e

animal da feminilidade, no exato momen-

to em que a esposa, dando urn futuro cida-

dao a cidade - reproduzindo-a, portanto

-, parece melhor integradaao mundo dacultura.

1 - guerra

Artemis exerce finalmente seu papel na

corrducao da guerra. Mas ela nao e uma

deusa guerreira. Suas intervencoes nesteterreno nao tern carater belicoso. Artemis

nao combate: orienta e salva; ela e Hege-

mane e Soteira. E invocada como salvado-

ra nos rnornerrtos criticos, quando 0confli-

to poe em risco a sobrevivencia de uma

cidade, ameacada de desrruicao. Artemis

mobiliza-se quando, com os excessos da

viotencia no decorrer do confronto , a

guerra sai dos parametres civilizados em

que devem mante-Ia as regras da luta mil i-

tar, resvalando brutalmente para aselvageria. 15

Nesses casos extremos, a' deusa, para

Ievar a salvacao , nao faz usa da forca fisica

ou guerreira. Ela recorre a uma manifesta-

~ao sobrenatural que confunde 0anda-

mento normal do combate para por a per-

der os agressores e favorecer seus protegi-

dos. Aqueles ela .impoe a cegueira, extra-viando-os por caminhos perdidos ou

confundindo seus espiritos com 0panico ,

26 27

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 13/58

A estes oferece uma especie de hiperluci-

dez, guiando-os miraculosamente at~a.ves

das trevas ou iluminando seus espirrtoscom uma subita inspiracao , Num caso,

apaga, baralha as fronteiras na naturez.aou no espirito; no outro., me~~o c~nfundl-das as fronteiras, perrmte distingui-las.

ocombate

mesmo tempo volta-Ihe a ameaca para 0

inimigo, afastando do exercito , em forma-

C;aode batalha, 0perigo de uma queda na

confusao do panico ou no horror de urn

frenesi mortifero. Na interseccao dos doiscampos, no momento crftico , numa situa-

<$aoIiminar , a sphage, estrangulamento

sangrento do animal, nao diz respeito ape-

nas a fronteira que separa a vida da morte ,a paz do combate guerreiro ; ela poe em

questao 0limite entre a ordem civilizada,

na qual cada combatente tern sen Ingar

para nelecumprir 0papel que lhe foi ensi-

nado desdea infancia no ginasio, e.um domi-nio do caos, entregue a violencia pura,

como entre os animais selvagens que nao

conhecem regra nem justica. 16

Caca, 'curotrofia, parto, guerra e ~a!a-

Iha: Artemis opera SemPff! como diVW7_

(jade " d a s - - m a r g e n s ; ' c o m 0duplo poder de

preparar as necessarias passagens entre aseIvage rh l -e a eivilizacao e de preservar

estritamente suas fronteiras, aindaquando

estao sendo atravessadas.

Como prep.aracao para 0combate, antes

de se desfechar 0ataque, quer a norma

que se imole uma cabra_ 3 ._ d~usa, a fre~tedo exercito e a vista do rrurmgo, Tambemaqui e a selvageria, a espreita n? reco~dito

da guerra, que a presenca de Artemis, no

limiar da batalha, ao mesmo tempo evoca

e procura afastar. A ~abra estr~n?uladaem seu nome compartilha a corrdicao am-

bigua da deusa, em posicao fr?nt«?iri'$a: eo

mais selvagem de todos os ammais d~mes-ticados. Seu sacrificio evoca antecipada-

mente 0sangueque a brutalidade do com-

bate necessariamente fara correr , mas ao

2829

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 14/58

Dasmargens aosmonstruosos pelos gregos, irrtegrada a seu culto, torna-

se deusa do homem civilizado, daquele

que, ao corrtrar'io do barbaro, do selva-

gem, 'reserva urn Iugar para °que nao eelemesmo, para 0xenos'] A partir do momen-

to em que a Artemis estrange ira faz-se

grega, sua alteridade adquire 0sentido

oposto: inverte-se sua funcao. Elajanao

traduz, como na Cftia, a impossibitidadc

do selvagem de conviver com0civilizado,

~as, pelo contrario, a capacidade que a

cultura implica de integrar 0que the e

estranho, de assirrrilar 0outro sem comisto tornar-se selvagem,

Q.Qut:r:Qcomo elemento constituinte domesmo, como coridicao da propria identi-

dade. Por esta razao e que a Soberana das

Margens, nos santuarios em que leva os

jovens a atravessar a fronteira da idade

adulta, onde os conduz dos confins ao cen-

tro, da diferenca a similitude, surge ao

mesmo tempo como deusa poliada, funda-

dora da cidade, instituindo - para todos

que no inicio eram diferentes, opostos ou

mesmo inimigos - uma vida comum numgrupo unido de seres Identicos entre si. Os

exemplos, a este respeito, sao numerosos e

Como Dioniso, Artemis e uma das divin-

dades gregas que os gregos imaginam nao

pertencer a Grecia, com? urn deus v<"indo

de fora, do estrangeiro. E 0caso da Arte-

mis taurica, cujofdolo Atenas e Esparta

alegavam ter em seu poder , trazido porOrestes da Citia. Estrangeira, barbara,

selvagem e sartgtrinar'ia, aArtemis taurica

pertence a urn povo que se situa nos anti-

podas da Grecia. Os tauros da Citia nao

conhecem as leis da hospitalidade. Captu-

ram os estrangeiros, especialmente as gre-

gas, e os degolam no altar da deusa. Eles

encarnam 0dxenon , 0amikton , 0nao-

hospitaleiro, a recusa de se misturar ao

outro. 17 Mas que papel representa estaArtemis barbara, sedenta de sangue hu-

mano, de sangue grego, quando, acolhida

30 31

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 15/58

claros, da Artemis de Tindaris a TricUiriade Patras e a Ortia de Esparta. 18

Algumas palavras, apenas, 'sobre estaultima. Ortia, para os gregos, e a Artemisbarbara, a cita. Bla se ericarrega, ate 0final, de todo 0processo de miciacao dosjovens do sexo masculino. Mas que nos diza lends de fundacao de seu santuario? 19

Foi em torno de seu altar, para promoverem comum urn primeiro sacriffcio, que sereuniram os diferentes componentes daEsparta arcaica, as quatro obai, as tribosimplantadascada uma em sen terreno, emseu burgo, e todas a principio estrangeirasumas as outras. A coisa comeca mal; du-rante a cerimonia sacrificial, os grupos en-tram em rtxa , massacram-se, e sera 0san-gue dos futuros cidadaos, ainda nao reuni-dos em uma s6 e mesma comunidade, aaspergiro altar da deusa, como0asperginimais tarde 0sangue dos jovens submeti-dos, na prova do chicote, aos rituais deiniciacao. A Insfiruicao do culto, com seus

procedimentos regulares, nao permiteapenas a integracao anual de uma novaclasse de jovens, assimilando-os aos adul-tos; promove tambern a irrtegr acao harmo-

niosa de elementos diversos, ate entao

hostis, a fusao em urnconjunto unificado ,horuogeneo , de todos os participantes,que desdeentao se definirao uns em rela-

gao aos outros, como os Isoi, osHomoioi;os Iguais, os Semelhantes. Por intermediodessa Artemis estrangeira, portadora daalteridade, a cidade grega, adotando-a co-mo sua, constitui, a partir do Outro, com0Outro, 0seu Mesmo.

Ao cabo deste passeio pelas lonjuras daGrecia, Impoe-se novamente a pergunta:por q:9~_Artemis? Pelo. prazec, natural-mente, senao de compreender, pelo me-_nosde tentar. Qec:ompreender estes ou-tros que siioos gregosantigos, e tambem an6s mesmos. Nao que os gregos sejam urnmodelo e que possamos transpor aos nos-sos os seus procedimentos - por maiorque seja a terrtacao , tratando-se de urnproblema sob tantos aspectos atual. Masporque a distancia permite ver mais clara-mente que se todo agrupamento humano,

t<:>dasociedade , toda cultura se pensa evrve como a civilizacao que deve ter pre-servada sua identidade e assegurada sua

permanencia contra asmterrupcoes do ex-

32 33

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 16/58

terior e as pressoes intern as, cada umadefronta-se tambem com 0problema daalteridade., em toda a variedade de suas

formas: desde a morte, 0Outro absoluto,

ate as alteracoes que permanentemente se

produzem no corpo social com 0fluxo dasgeracoes, passando pelos contatos e trocascom0"estrangeiro" de que nao pode pri-var-se nenhutna cidade, Ora, este proble-ma, os gregos 0exprimiram em sua reli-giao, dando-lhe todas as suas dimensoes-inclusive a filos6fica, que Platao desenvol-

vera: o".M~~1Doso se concebe e s6 pode,~,,~f!.!lJ.I:~_~,~,tI1rel_a,~Q,ao.,Outro,multipli-

cidade dos outros. Se0

Mesmo permanece- ~,-- - .. ", .,. " .. " : .,~ ." .. .. ...

voltado sobresimesmojnao hapensamen-

!~.po.s~s!y~Lg,!!-~.r~~~e~Q,"'e:,~e:ao ha tam-pouco civihzacao; Fazendo da deusa das

margens urn poder de mtegracao e assimi-

1a~o - e instalando Dioniso, que encarnano panteao grego a figura do Dutro, nocentro do dispositivo social, em pleno

teatro 20 -, os gregos nos dao urna grande

li~ao. Eles DaO nos convidam ao politeis-

mo, itcrenca em Artemis e Dioniso, mas aatribuir a devida imports ncia, na ideia da

civilizacao, a uma atitude espiritual que

DaO ternvalor apenas moral e politico, maspropriarnente intelectual, e que se chama

tolerancia,

Mas entao, por que Gorg6? E que, para 0

historiador - e especialmente 0historia-dor da religiao -,_~ problema da alteri-dade na Grecia antiga nao pode Iimitar-se

a representacao que os gregos tinham dos

outros, de todos aqueles que inclufam, pa-ra pensa ..los, na categoria do diferente, e

cujas imagens eram invariavelmente de-

formadas - fosse 0caso do barbaro , doescravo, do estrangeiro, do jovem ou da

mulher - porque invariavelmente cons-truidas por referencia ao mesmo modelo:o cidadao adul to. A inve sti gacaodeve levar em conta ainda 0que podemosdenominar a extrema alteridade , e .interro-__

gar-seeobre a maneira como as antigostentaramvern seu universe refigjoso, dar .

.forma a esta experiencia .de umabsoluta-

.menre outro; nao maiso ser humano dife-

rentedo grego, mas aquilo que semanifes-

ta, em relacao ao ser humano, como dife-renca radical: em vez do homem outro, 0

outro do homem.

34 3S

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 17/58

Estes terao sido , segundo nos purece ,0

sentido e a funcao deste estranho Poder

sagrado que opera atraves da mascara, que

pode ter como forma exclusivamente a

mascara eapresentar-se inteiramente co-mo mascara: Gorgo,Certos tr a co s aproximam-na de

Arte~is:21 no santuario de Artemis Ortia ,

em Esparta, as mascaras votivas dedicadas

it deusa (os jovens deviam usar mascaras

semelhantes durante a agoge, para execu-

tar dancas mirne ticas) reproduzem em

muitos casos a face monstruosa e terrifi-

cante de Gorgo.

Mas a alteridade que menino;s e meninasexploram sob a protecao de Artemis pa-

rece .situar-se integral mente Dum plano de

certa forma ho!J~9.g,ta.4_seja no tempo ouno espat;o:~-~~a alteridade que marca os

prtmeiros momentos da vida humana,

pontuada de etapas e passagens ate que 0

homem e a mulher tornem-se plenamente

eles mesmos; e tambem a que prevalece

nas fronteiras do espaco civico , nas terras

incultas, longe da cidadee da vida civiliza-da, as margens da selvageria. Esta selvage-

ria que parece compartilhar com Gorg6,

Artemis assume-a, no entanto, de outra

maneira: se a deixa bern caracterizada, epara melhor isola-la na periferia.

Preparando os jovens, em sua diferen-

<;a,para adquirir nos confins a experienciadas formas diversas da alteridade ,Artemistrata de Incutir-lhes 0correto aprendizado

do modele ao qual deverao adequar-se no

momento certo. Nas margens em que rei-

na , ela prepara 0retorno ao centro. A

curotrofia que exerce nas re.gioes selva-

gens visa a uma boa integracao no coracaodo espaco civico.A alteridade encarnada.por Gorgoe de

_~_I!!JjpQbemqif~_rente;CQmQadeDioniso,ela opera em eixo vertical; jA nao diz res-

Q_~,!t9a()s_,pri,meiros tempos da existencia

nem as longitudes do horizonte civilizado,

mas aquilo que, a todo momento e em

qualquer Iugar , arranca 0homem de sua

vida e de si mesrno , seja (com Gorg6) para

projeta-lo para baixo, na confusao e no

horror do caos, seja (com Dioniso e seus

devotes) para conduzi ..Ioao.alto, na.fusaocom0divino e na beatitude de uma idade

de ouro revivida. 22

3637

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 18/58

Amascara de Gorg6 demos, em primeira analise, distinguir

d . 1 J f l: § - caractertsticaafundamentais da re-

presentat;~<?,_9:~G Qx:g O . Priweirp, afaciali ..'"diide.--Contrariamente as convencoes figu-

rativas que regem 0espaco pictorico gregona epoca arcaica , a GQrgona e sempre re-presentadade _face,,_s_emquaTquei-:ei~ao.

Mascara pura e simples ou personagemintegral, 0rosto da G6rgona invariavel-

mente encara de frente °espectador que a

observa. :em segundo lugar ,a _ "monstruo-

sidade", Quaisquer que sejam as modali-

dades de distorcao empregadas, . a figura

sistematicamente joga com as interferon-cias entre 0humane e 0 bestial, associados

e misturados de diversas maneiras. A ca-

beca, ampliada, arredondada, evoca uma

face leonina, os olhos sao arregalados, 0

olhar , fixe e penetrante; a cabeleira e tra-

tada como juba animal ou guarnecida de

serpentes, as orelhas sao aumentadas, de-

formadas, as vezes semelhantes as do boi;

o cranio pode apresentar chifres, a boca,

aberta num ricto , estira-se a ponto de cor-tar toda a largura do rosto, revelando as

fileiras de dentes, com caninos de fera 'ou

presas de javali; a lingua, projetada para a

omodelo plastico da Gorgona , sob a du-pla forma de gorgoneion (a mascara pura e

simples) e de personagem feminino de ros-

to gorgonico , nao esta representado ape-

nas na scrie dos vasos. Figura igualmente,ja na epoca arcaica, no frontao dos tern-

plos, em acroterios e antefixas. Pode ser

encontrado ainda em escudos, epissernos,decorando utensilios domesticos, orna-

mentando os atelies dos artesaos, fixado

em seus fornos, erguido em resiclencias

privadas, inscrito finalmente em moedas.

Surgindo no inicio do seculo VII a.C., este

modelo assistira a constituicao dos traces

essenciais de seus tipos canonicos por voltado segundo quartet deste seculo, A parte

as variantes que dele apresentam as

concopcoes corintia, atica e Iaconiana , po-

38 39

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 19/58

frente, salta fora da boca, 0queixo e pelu-

do ou barbudo, a pele, por vezes sulcada

por rugas profundas. Esta face apresenta-

se menos como urn rosto do que como uma

careta. Nessa desfigur acao dos tr-acos quecornp6em a figura humana, ela expr ime ,

Inediante efeito de inquietante estra-

nheza , uma monstruosidade que oscila

entre dois p6los: 0horror do que e terrifi-cante , 0risivel do grotesco. Da mesma

maneira, entre a G6rgona, que se srtua na

esfera do horror, e os Silenos ou Satires,

que no registro monstruoso pendem para 0

grotesco, podemos identificar, alem de

contrastes evidentes, cumplicidades signi-ficativas. Estas duas categorias de perso-

nagens tern, de resto , afinidades manifes-

tas com a representacao crua , brutal, do

sexo, feminino ou masculino - represeri-

tacao que, da mesma forma que a face

monstruosa a qual sob certos aspectos

equivale, pode provocar igualmente 0pa-

vor de uma angustia sagrada e a garga-

lhada libertadora.

Para esclarecer este jogo de interferen-

cias entre a face de Gorgo e a imagem do

sexo feminine - e entre 0phallos e os

pe:sonagens do tipo Satiros ou SHenos,

cUJ.amonstruosidade, embora provocando

o.nso, nao deixa de inquietar-, devernos

dizer algumas palavras sobre a estranha

figura de Baub6, personagem que se re-veste de duplo aspecto: espectro noturno

especie de ogra, assemethada, como Gor~

~o, .Mo r rno ou Empusa, a Hecate

Infernal ;>mas tambem a velhinha bondo-

sa cujos gracejos e gestos indecentes

conseguem romper 0jejum de Demeter,

enlutada por causa de sua filha, provocan-

do a explosao de riso da deusa. 0 confron-

to dos textos que relatam este episodio'"

com as estatuetas de Priene representandourn personagem feminino reduzido a urn

rosto, que e ao mesmo tempo urn baixo-

ventre ," confere urn significado .inequfvo-co ao gesto de Baub6 levantando 0vestido

para exibir sua intimidade: 0que Baubo

mostra a Demeter e urn sexo drsfarcado de

r?sto, urn rosto em forma de sexo; pode-

riamos dizer: 0sexo feito mascara. Fazen-

do caretas, esta figura do sexo faz-se

gargalhada, uma gargalhada a qual res-

ponde 0riso da deusa , assim como a caretade horror que rasga 0rosto de Gorg6 res-

40 41

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 20/58

ponde 0terror de quem a obs~~va ..0h~l-16s- cuja relacao com Baubo e eVldenCla-

b bo 26

da em urn de seus outros nomes, au on.

_ assume, no polo oposto da mODstruoSl-

dade, urna fUD($aOsirnet rica. Normal-mente ele reforca 0carater risivel, denun-

cia 0grotesco desses monstros. di~e:tidos

que sao os Satiros, ma~nas cenmODlas deiniciacao causa urn ef'eito de terror sagra-

do, de pavor fascinado expr~s~o nos gestos

de certos personagens fernlDlnos que re-

cuam ante 0phaUos descoberto.

De resto , existem duas versoes mi~icas

do riso de Demeter em busca de sua fllh~,

e em ambas a protagonista, para produziro efeito de choque libertador da tristeza,

utiliza 0escandaloso Dum registro dife-

rente. Segundo a primeira versao , Iamb~,grafa [dmb~, a velha Iambe , como diz

Apolodoro, 27 faz s~rrir ~em~ter e quebra

sell luto com gracejos hcenclosoS, com a

aiskhrologia, 28 exatamente C?m~ se fazia ~as ,Tesmof6rias ou no gephunsmos da procrs-

sao eleusina. Iarnbe pode ser considerada

o feminino de [ambos, 0iambo, com seuaspecto musical de canto satiric<:" d«:poe-

sia de invectiva e irrisao. 0 efeito libera-

dor de urna .sexualidade desenfreada

pr6xima do monstruoso por seu carate;

anomico , opera na e pela linguagem: ditos

Injurrosos, zombarias obscenas, gracejos

escatol6gicos, tudo que 0grego engloba

sob ~ expressao skoptein ou paraskoptein

polla. Na segunda versao, Baub6, substi-

tuindo Iarnbe , recorre aos mesmos proce-

dimentos, no campo visual; troca as pala-

vras pelo espetaculo, mostra a coisa em

vez de dize-la. Ao exibir seu sexo sem

rodeios, imprimindo-lhe uma especie de

movimento, Baub6 faz surgir nele 0rosto

sorridente de urn menino, Iaco , cujo nome

evoea 0grito Iancado pelos mistas (idkho,iakhe), masque pode ser aproximado tam-

bern de Khotros.?' 0bacoro e igualmente,e claro ,0sexo feminino. 30

Facialidade, monstruosidade: estas

duas caracterfsticas colocam 0problema

das origens do esquerna-plastico de Oorg6.

Antecedentes tern sido buscados no

Oriente Pr6ximo, no mundo ere to-

micenico , sumero-arcadico. 31 Compara-

($oesforam estabelecidas com a figura doBes egipcio e sobretudo do demonic Hum-

baba, tal como rep reserrtado na arte

42 43

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 21/58

assiria. 32 Nao obstante 0 interesse que

apresentam, esses trabalhos ignoram 0

que emnossa opiniaoconstitui 0essencial:

a especificidade de uma figura que, quais-

quer que tenham side as ernpr'estirnos autr'anspoaicoe.s, surge como uma criacao no-va, muito diferente dos antecedentes irrvo-

cados. Sua originalidade so. pode ser

apreendida no contexto das relacoes que aligam, no arcaismo grego , a praticas ri-

tuais, a temas mfticos , a urn Poder sobre-

natural que se definee se afirma ao mesmo

tempo em que vai sendo construido e se

fixa o modelo simbolico que 0representa

na forma particular da mascara gorgonica.

A este respeito , parecem vas as terrtati-

vas de Jane Harrison de se prevalecer de

certas analogi as figurativas entre Harpias,

Erinias e Gorgonas para associa-Ias todas

a urn mes_rnofundo religioso "primitivo" ~

apresentando-as como especies diferentes

de Keres, espfritos nefastos, fantasmas,

impurezas. 33 Nao e de boa metodologia

reunir figuras diferentes numa mesma evaga categoria, sern levar em conta as dife-

rertcas que, distinguindo-as claramente ,

conferem a cada uma sua significacao pro-

pria e seu lugar especifico no sistema dos

Poderes divinos. As Brfnias nao tern asas

n:m ~ascaras; as Harpias tern asas, mas

nao mascara; sornente as G6rgonas apre-

sentam, alern das asas , uma facies de"'. 34 M.

mascara. ars sugestivas sao as afini-dades - ~risadas particularmente por Th.

G. Karaglorga - entre Gorg6 e a Senhora

d.os anirnais, a Potnia . 35 Urn certo comer-

CIO se estabelece entre esses dois tipos de

personagens, assim como certas serne-

Iharrcas , ou pelo menos paralelismos.

entre suas respectivas aprcsentacoes figu-

radas. Nao sera possivel igrror'a-Io. Sob

certos aspectos ~Gorg6 surge como a face

sombria ,0avesso sinistro da Grande Deu-

sa cuja heranca sera assumida especial-

mente por Artemis. Mas tambem aqui a

constaracao das divergencias, das distan-

eias entre os dois modelos deve nos eximir

de uma pura e simples assirnilacao, 0 es-

sencial e, mais uma vez, compreender co-

~o e por que os gregos elaboraram uma

flgura simb6lica que, conjugando faciali-dade: ~onstruosidade numa forma singu-

lar, diStIngue-se nitidamente de todas as

outras para fazer-se imediatamente reco-

44 45

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 22/58

nhecida pelo que e: a face ?e Go:g6.Para ilustrar estas consideracoes algo

abstratas, recorreremos ~urn exemplo. Novasa Fr ancots (apr oxirrradamerrte 5,70

a.C.), todos os deuses sao representa~oscomo num repertorio ; todos estao de per-fil it excecao de tres personagens: a G6r-

go'na, figurada na face inte"rna das duasasas, Dioniso, que traz uma anfor~ no o~-

bro, e Caliope, uma das ~us~s. No.que dizrespeito a G6rgona e a Dioniso, cujo rostoe tratado como mascara, a facialidade naosurpreende. Quanto a Ca!iope, ja seria

problernatica se. a ~_usa nao fosse"r.epre-sentada, no cortejo divino, tocando asmnx-a flauta campestre identificada com aflauta de pa. Pois vamos demonstr~r,aprofundando observacoes a este resperto

feitas por Paul M. La~o~e, 36 qu~ tocar aflauta equivale , por rnultiplas ra;;o~s, a t:_eruma expressao como a de Gorgo. As Gor-

gonas pintadas na parte interna das .asascorrespond em, na face externa, a.s l.ma-gens da Senhora dos animais, Os dots ttpos

de Poderes veern-se portanto plastica-mente associados e ao mesmo tempo oPOS-tos. 0contraste se afirma em varios pla-

nos. Para comecar, e principaJrnente asG6rgonas estao de irente e as Damas das

feras de pe.rfif , como todos os outrosdeuses ou her6is do vaso. .Alerndisso, as

G6~gonas estao correndo, os joelhosfleXlonados; as Damas im6veis de pe

, 'C,eretas, em atitude hieratica. As G6rgonasvestem urn khiton curto, as Damas umaJonga ~iinica que as cobre ate as p6s. A~abeJelra daqueJas, desordenada, op6e-sea destas, geralmente apanhada na nucacomurna tira. 0alor de mascara do Tosto

~org6nico e portanto acrescido, na imagis-tlC~, de toda uma serie de indicios que

asslnala~ sem ambigiiidade a defasagemem rela~ao ao modelo da Potnia, a Se-nhora das feras. -

. Oualquej- estudo iconognlfico deve as-81m~ra~arde explorar este entrelac;amentode smais e estabelecer a combinat6ria doselement~s significativos da imagem, desen relaclonamento no interior das diver-sas series h0mogeneas, estabelecidas em

fun~ao da origem geognifica, da naturezadosobjetos, dos temas figurados. Nao sen-

do arque61ogo, limito-me aqui a assinalaro papel representado por certos animals

46

47

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 23/58

(serpentes, mas tambem lagartos, passa-

ros, animais ferozes e ate hipocampos), e

particularmente pelo cavalo, na imagistica

de Gorg6. Na representacao figurada, 0

cavalo - ou os cavalos, quando sao doisem posicao simetrica - associa-se it 06r-

gona ora como uma parte dela mesma, seu

prolongamento ou sua emanacao , ora co-

mo 0filhote que ela aliment a e protege,

ora como a progenitura que da a luz e

mesmo amontaria que cavalga,ora airida ,

na linha do mito de Perseu, como 0cava Io

Pegaso, que salta de seu pesco90 cortado

nomomento em que ela morre. Noque diz

respeito ao cornercio simb6lico entre a

G6rgona e 0cavalo, verifica-se portanto

na imagfstica , comparada a lenda, urn

acrescimo , uma especie de transborda-

mento de sentido.

Uma facede terror

Mas procuremos nos textos, nas indica-

coes que oferecern sobre os mitos e os

elementos do ritual aparentados itG6rgo-na, esclarecer a personalidade, os modos

de a<_;:.0,os terrenos de interven<_;:aoe as

formas de manifesta<_;:30do Poder feitomascara.

Ja emHomero ergue-se 0palco em que

Gorg6 vai surgir e representar seus dife-

rentes papeis. Na Iliada, a cena ede guer-

ra. Gorg6 figura na egide de Atena e no

escudo de Agamemnon; por outro Iado,

quando Heitor faz seus cavalos girarem emtodos os sentidos, levando a morte a refre-

ga, "seus oIhos tern 0olhar da Gorgona ".Nesse contexto de confronto sem piedade,

Gorg6 e urn Poder de Terror associado a

"Pavor, Derrota e Perseguicao que gelam

48 49

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 24/58

os coracoes". Mas .este terror cuja presen-

sa eia encama, que de certa forma mobili-

za, nao e "norrnal'"; ele nao decorre da

srtuacao especial de perigo que se apresen-

tao E 0medo em estado puro , °Terrorcomo dimensao do sobrenatural. Este me-

do, com efeito, nao e uma decorrencia

nem algo motivado, como °qu~ provoca-ria a consciencia de urn perigo. _E urnmedo

primeiro. Logo de entrada e por si rnesma

Gorg6 suscita 0pavor porque se apresen-

ta, no campo de batalha, como urn prodi-

gio (teras), urnmonstro (Pelor), em forma

de cabeca (kephale), terrfvel e assustadora

(de ver e de ouvir)(deine

tesmerdne te),

com

urn rosto de olho terrivel (b10usurop is) ,Iancarido urn olhar de pavor (deinonderkomeney. Mascara e olho gorgonicos

operam Dum contexto extremamente defi-

nido , se nos ativermos a lliada; estao inte-

grados ao aparato, a mirnica, a pr6pria

careta do guerreiro (homem ou deus) pos-

suido pelo menos, 0furor guerreiro; de

certa forma concentram esse poder de

morte que se irradia da pessoa do comba-tente coberto por suas armas e prestes a

manifestar no combate 0extraordinario

vigor, a forraleza (alke) que 0habita. 0

fulgor do olhar de Gorg6 age em conjun-

f$aocom0brilho do bronze resplandecente

cujo ch'~,raos?be d.a ar~adura e do ~apa-cete ate 0ceu, dlssemlnando 0pamco,

Aberta, a boca do monstro eVOCaem seu

esgar 0formidavet grito de guerra que

Aquiles emite tres vezes antes do com-

bate, enquanto refulge a chama que Atena

faz brotar de sua cabeca. "Dir-se-ia a vozestridente do clarim", e esta "voz de

bronze" , na boca do Eacida, eo suficiente

para sacudir de terror as linhas inimigas. 37

Nao e necessario aceitar a tese de Thalia

Phillies Howes 38 que associa Gorgo, gor-gos, gorgoumai ao sanscrito garg para

reconhecer as conotacoes sonoras da mas-

cara da Gorgona. Thalia Phillies Howes

escreve: "E evidente que a forca por tras

da G6rgona era originalmente algum som

terrfvel, urn som gutural, urn uivo animal

que safa da garganta com urn grande so-

pro, exigindo a boca estirada." Nossas ob-

servacoes serao mais limitadas e precisas.

Sabemos POt Pindaro.39 que das mandi-bulas rapidas das Gorgonas eleva-se, du-

rante a perseguic;-ao a Perseu, urn gernido

50 51

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 25/58

agudo (erikldgtan goon), e que estes gritos

emanam ao mesmo tempo de suas bocas

de donzelas e das horrrveis cabecas das

serpentes que Ihes sao associadas. Este gri-

to agudo, desumano (kldzo, klagge), e 0mesmo que no alem-tumulo emitem os

mortos do Hades (klagge nekuon), 40 Te-

remos oportunidade de nos estender sobre

° alcance dessas observacoes auditivas.

Para frisar , no entanto, os vinculos da mas-

cara deGorg6 com amfrnica facial do corn-

batente presa de frenesi guerreiro, em re-

gistro tanto visual quanto sonoro, insistire-

mos num detalhe significativo. Entre os

elementos que revestem de terror 0perso-nagem do guerreiro , ao Iado do grito for-

midavel, do reluzir do bronze, das chamas

que saltam de sua cabeca e de seus olhos ~0

texto da lliada inclui, no caso de .Aq'ujles ,

uma observacao que ja chamava a atencao

de Aristarco: 0bater ou ranger de dentes

(odenton kanakhe), Frarrcoisc Bader es-

clareceu 0sentido deste ricto sonoro, asso-

ciando-o, at raves dos paralelos com a len-

da irlandesa ~a imagem do guerreiro indo-

europeu recuperada por Georges

Dumezi1.41 Puis em 0 escudo de Heracies,

evocando Has cabocas de terriveis ser-

pontes" que di~seminavam 0terror (pho-

beeskony nas tnbos dos homens, Hesiodo

retoma no verso 164 a expressao homeri-

ca: "0bater de seus dentes ressoava"(odonron kanakhe pelenr; e no verso 235,

referindo-se agora as serpentes das Gorgo-

nas, Iancaclas aos calcanhares de Perseu ,escreve que essesmonstros "dardejavam a

lingua, rangiam os dentes de furor (menei

d'ekharassan od6ntas), lancando olhares

selvagens". Resplandecente em suas ar-mas, os olhos flamejando raios de fogo,

quando Aquiles contrai 0rosto em esgar,

bate as mandibulas, emite urn grito deguerra desumano a maneira de Atena

Porte-Egide, 42 0her6i furioso , possuido

pelo menos , apresenta urnrosto emmasca-ra de Gorgo.

Clarao fulgurante das armas, brilho in-

suportavel da cabeca e dos olhos, violento

grito de guerra, ricto e bater de dentes -

ha ainda uma outra caracterfstica que

aproxima a face monstruosa de Gorgo do

guerreiro possuido pelo rnenos: 0furor do

morticinio. Poderfamos classifica-la no ca-

pitulo dos "adornos de cabeleira". Ouan-

52 53

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 26/58

do chegar 0momenta de precisar 0Iugardo cavalo no bestiario estreitamente asso-ciado a Gorg6 e de assinalar as afinidadescavalares de Medusa, identificaremos osvalores do adjetivo gorgos aplicado ao ca-

valo, Xenofonte emprega 0mesmo termopara caracterizar 0aspeeto conferido aosjovens guerreiros lacedemonios por seuscabelos longos. Para os jovens que saemda efebia, deixar de cortar os cabelos nao euma questao de vaidade ou uma escolhapessoal; trata-se de estrita obrigacao paratoda uma faixa etaria, marea e especie deconsagracao de sua condicao: "Aos quesaiam da efebia, Licurgo ordenou quetrouxessem os cabelos longos, esperandoque asairn parecessem maiores, maisnobres, mais terriveis, gorgoterous," 43

Plutarco confirma e precisa Xenofonte:"Nessas ooasioes, relaxava-se para os jo-vens 0extremo rigor da agoge. Nao eramimpedidos de cuidar de suas eabeleiras, deornar suas armas e roupas: era urn prazerve-Ios semelhantes a cavalos que alcam as

patas dianteiras e relincham a aproxima-'.taodo combate. Eles traziam os cabeloslongos a partir da ldade da efebia , mas

os ~ratavam particularmente durante 0

pengo, fazendo-os'brilhar e repartindo-ose~ dois. Lembravam-se das palavras deLlcurgo segundo as quais uma cabeleiralonga da aos belos mais nobre aparencia etorna os feiosmais terriveis,phoberorerous.44

Uma glosa informa-nos 0nome que se

dava a esta opera~ao para fazer reluzir .alonga cabeleira: "Xanthizesthai: entre oslaconios, cuidar dos cabelos; na Afica, pin-tar oscabelos." 45 Xanth6se louro.,no sen-tido de dourado , comconota~ao de brilho ,como no ouro e no fogo. Xanth6s e dife-rente de khloros, amarelo esverdeado com

urnmatiz de palidez emesmo de fraqueza:o temor, deos,e chamado khlor6n. Xantose tambern0nome do cavalo de Castor, dosdois Dioscuros0que representa 0ovemeo cavaleiro. Entre osmaoedonfos.ro termo

designa a festa da purificacao da cavalaria,as Xanthika, durante a qual ofereciam-sesacrificios ao deus Xantos. 46 Existe umarelacao entre as crinas fulvas dos cavalosde guerra e0louro acobreado dos cabelos

que 0jovem guerreiro saindo da efebiaagita como uma crina.

Na Vida de Lisandro, Plutarco registra,

5455

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 27/58

mas rejeita, uma outra inrerpr'etacao , aqual Her6doto ja havia dado curso 47 e que

associava 0costume lacedem6nio de man-

ter os cabelos longos a batalha em que se

enfrentaram, por causa da Thireatide ,doiscorpos de elite de 300 combatentes reoru-

tados na flor da juventude guerreira de

Argos e Esparta, as duas cidades em luta.

Os argivos foram afinal vencidos, "A par-

tir desse momento", escreve Herodoto ,"os argivos passaram a raspar a cabeca,contrariando 0costume anterior de trazer

os cabelos longos (, ."). Os Iaceclernorrios ,

que ate essa batalha tinham os cabelos cur-

tos, pro mulga ram uma lei em sentidooposto e passaram a usar os cabelos

longos." 48 Plutarco protesta contra uma

explicacao que associa 0habito espartano

ao desejo dos vencedores de se difere.nca-

rem dos vencidos: "Nao e verdade que os

espartanos, venda que os argivos corta-

vam os cabelos em sinal de luto ap6s a

grave derrota que haviam sofrido, tenham

deixado crescer os seus para assinalar sua

vit6ria e fazer 0contrario de seus inimigos

(... ). Trata-se de uma instituicao de Licur-

go, que dizia que os cabelos longos tornam

maior a beleza e rnais ta emorizante afeiura." 49

El_1tretanto, se retivermos do relato de

Herodoto rnerios 0fundamento "hi t6 'H IS rI-

co que pretende dar a regra lacedem6nid~oque ~ re1a~ao de oposicao que nele s:caractenza entre cabelos raspado·s vh d d ' ergo-

ll_. ~ a errota, !uto, e cabelos longos, vi-toria, celebrac;;ao, concluiremos qued I' ~ asuas e~~ rcacocs do costume nao sao

contradltonas. A beleza V1·rl··1o gue ... . rreiro ,real~ada por lima cabeleira longa e esvoa-

cante, comporra urn aspecto "terrificanteHcujo cfetto no campo de batalha e'"no .tid . , sen-t. 0ativo do termo , "sinal" de vit6ria, pre-

ctsa~ente como os cabe los raspados

constJtuem, com as outras manifesta90es

doluto, urn dos meios rituais que perrni-

t:m, uItrajando e enfeando 0rosto dos

VIVOS, aproxima-Ios, durante os funerais

de.ssemundo de fantasm as sem forca e sen~

bnlho pa~a onde emigrani 0morto cujodesapareClmento e pranteado.

ocontraste cabelos longos-cabelos cur-

tos talvez esclareca ainda urn outro cos-

tume 1acedern6nio. Os espartanos preser-

5657

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 28/58

varam a tr adicao de se casar raptando a

lher: HA J "ovem raptada era entregue afiU . h ...uma mulher chamada nump eutrta, que

lhe raspava os cabelos e a metia em roup as

h "soe sapatos de omem.

Que se trate de urn rito de passa~e~,com disfarce e Inve rsao da condu?ao

sexual, ninguem podera negar. Mas l~to

- e tudo talvez nem sequer 0essencial ,nao, '; hna medida em que 0rapaz, Ja urn ome~

feito quando sai da efebia - como amoci-

nha toma-se mulher feita ao entra~ no ca-

samento -, mantem os cabelos lo~~~s

precisamente em sinal de sua plena virili-

dade, uma virilidade que mesmo na forrna-

c; ;ao hoplitica conserva a Iembranca eco~o

que os vestigios desse "furor" de que dc:v1a

estar habit ada a alma do jove~ guerrerro,nos tempos heroicos, para disseminar 0

terror no campo adversario. Raspando-se

a cabeca da jovem noiva, extirp~-se dela 0

que ainda pode haver de masculino e guer-

reiro em sua feminilidade, de selvagem

ainda mesmo em seu novo estado matrr-

menial. Evita-se assim a introducao no

pr6prio lar , sob a mascara da desposada ,

da face de Gorgo.

58

Hesiquio observa que em Esparta da-se

o_no~e .d.epolos ao Jovem, rapaz ou mo~a,nao crvilizado, nao integrado. Potos e °cavalo n?vo, potro ou potranca. Na Lsists:

t~ata,Anst6fanes evoca as korai, as jovensvirgens de Esparta: HSemelhantes a po-

tr~ncas, as jovens saltitam apressadas abeira do E~rotas~ levantando a poeira; esuas cabeleIras agltam-se como as das Ba-

cantes a se divertirem brandindo 0 tirso. "51

A selvageria do guerreim macho exprime-

se atraves de SuacabeJeira Jongae esvoacanre

como a crina de urn cavalo. A selva-

geria da mocinha rnanifesta-se em seus ca-

beJos solto~, que a assemelham a uma po-t:anca emhberdade. Para a jovern noiva, 0

rrtual da cabe~a raspada joga corn estes

dois simbolismos contnirios e que se refor-

'Sam em Sua oposi<;iio, pois a esposa, se

deve distinguir-se da parthenos para -entrar

no estado conjugal, tera tambem, no mes-

rno sentido, de diferen~ar-se nitidamentede seu marido,

Cortando-se os cabelos das recern-

casadas, nao apenas se amansam essas po-trancas ainda nao domesticadas como se

exorciza nelas este inquietante elemento

S9

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 29/58

Com a Odisseia 0cenario ja e outro. Nao

mais guerreira, a cena e agora infernal. Os

lugares subterdineos, 0dominio da Noitenao sao necessariamente urn mundo de

silencio. No canto 11, Odisseu narra sua

cbegada ao pais de Hades~ 52 reunida, a

multidao dos mortos emite "urn clamor

prodigioso" (ekhe mespesie). "Eui tomadodo pavor", explica 0rieroi , '~de que a

nobre Persefone me enviasse do fundo do

Hades a cabeca gorgonica do monstro ter-

rificante'~ (gorgeien kephalen de iruri.o

peI6rou).53 Imediatamente Odisseu dameia-volta. Gorg6 esra em casa no pais dos

mortos. cuja entrada veda a todo horoem

vivo. Seu papel e simctrico ao de Cerbero:

eia impede que' 0vivo entre na casa dos

mortos; ,cerbero impede que 0morto re-torne ao convivio dos vivos. 54 Como H_

A· "' f 0mero, nsto anes localiza no Hades a

la~o de Cerber~, Estige e Equidna: a~?"orgonas; tambem Apolodoro conta que

a chegada de Heracles, descido aos Infer-

nos, todas aspsukhai fugiram , exceto Me-

leagro e a gorgona Medusa. 55 Do fundo

do Hade~ <:ndehabita, a cabeca de Gorg6

guarda ;lgIlante as fronteiras do dominio

de Persefone. Sua mascara exprirne e pre-serva a alteridade radical do mundo dos

mortos, do qual nenhum vivo pode aproxi-

n:ar-se. Para atravessar-Ihe 0umbral teriastdo necessario encarar a face de terror

transformando-se como Gorgo , sob seu o~

lhar , n<;>ue sao os mortos: cabecas, cabe-

cas vazras, desprovidas de sua forca , de seu

ardor, as nekuon amenena kdrena segun-.do a formula horrrer'ica.;" '

o rosto do vivo, na singularidade de

seus tracos, e urndos elementos da pessoa.

Mas fl.amorte esta cabeca a qual nos vemosreduzidos, ja agora inconsisteute e sem

forca, como a sombra de urn homem ou

seu reflexo num espelho, esta imersa na

de selvageria que Arena e Artemis, as duas

virgens excluidas do casamento, preser-

yam cada uma a sua maneira - Atena, a

guerreira, e.ela fa~e de Gorg6 que ostentano peito, ArtemIS, a cur6trofa, a selva-gem, pelo lado gorgonico de,seu p~rsona-gem e pelas mascaras que Intervem nosritos de inicia~ao de jovens que ela pre-

side.

6160

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 30/58

obscuridade , encapuzada de trevas. Eumacabeca vestida de noite , semelhante, n~reinoda sombra, a esses rostos que heroiscomo Perseu esquivam it luz do Sol com0

eapacete de Hades, para se tornare~ caembaixo inatingfveis aos olhos dos_VIVOS.A Aidos kunee, a touea de pele de eao quecobre a cab eca do infernal Hades,

.. d N it H57"contem as trevas lugubres a one.", naformulacao de Hesiodo. Ela envolve

toda a cabeca numa especie ~e ~?vemsombria; ela, a mascara, torna invisfvel atodos os olhares aquele que a usa, como sefosse urnmorto. ,

As afinidades mfernaisde G9rg9 onen-tam a investigacaoem duas direcoes. Emprimeiro Iugar , dispoem-nos a t,:,mar urndesvio pelos feitos etruscos e abrir urnpa-rentese para a tese de Altheim, 58 retoma-da e modificada emparticular por Agnell~Baldi 59 e J.H, Croon. 60Evocando a den-vacao do latim persona (mascara, papel,

pessoa) a partir do etruse~ P!,-e~su, Al-theimestabelecia uma equivalencia entre

.este Phersu etrusco e0Perseu grego, c~moentre Phersipnai e Persefor;e. Pher~uflgu-ra em dois afrescos do tumulo dito dos

62

Augures, em Tarquinies (aprox:imada_

m~nte 530 a.C.), Numa das paredes late-r'ars da camara mortuaria, dois persona-

gens se defrontam. Urn deles traz umamascara sombria que lhe oculta 0rosto e

uma ?arb? ._branea que pareee posti~.Urna lnscn~ao apresenta-o comoPhersu"que portanto significaria: homem rnasca-.rado, portador de mascara. Este person~-gem mascarado segura uma Ionga cordaque se enrosca nas pernas e nos bracos deseu adversario. Uma extremidade dessatrela esta presa it coleira de urn cao que

morde a perna esquerda do segundo Iuta-dor, cuja cabe~a vern envolta num tecidobraneo e que empunha uma clava com amao direita. Corre sangue de suas feridas.

o rnesmo grupo de dois personagens estarepresentado na parede em frente. a ho-memmascarado ja nao terntrela nemcao.Fugindo a toda velocidade, volta a cabecapara 0adversario que 0persegue, esten-dendo 0braco direito comamao erguida.

A interpreta~ao dessasduas cenase diffcil,e nenhuma interpreta~ao parece plena-mente satisfat6ria. Para Altheim, tratar-se-ia de uma Iuta ritual mortal num jogo

63

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 31/58

No segundo caminho podemos pisar terre-

no mais firrne . Trata-se de acompanhar

Hesfodo pelos confins do mundo onde a

Teogonia localiza as Gorgonas, associan-

do-as a toda uma linhagem de monstros

que Ihes sao aparentados. As G6rgonas

pertencem a descendencia de Forcis e Ce-to,cuj? nome evoca ao mesmo tempo uma

enormidade monstruosa e, no mais profun-

do do mar ou da terra, abismos caverno-

sos. Na realidade, todos os filhos do casaltern em cornum, alern da monstruosidadeo fato de habitar "longe dos deuses e dos

h~mens" '. nas regioes subterraneas, para

a~em do Oceano, na fronteira da Noite,

nao raro desempenhando 0papel de sen tine-

las e ate de espantalhos, barrando 0acessoa lugares proibidos.Nascidos da uniao de

Ponto e Geia, F6rcis e Ceto geram Inicial-

mente as Graiai, virgens encanecidas de

nascenca, que eonjugam em si mesmas 0

jovem e 0velho , 0frescor da beleza e as

rugas de uma pele companivel a pelfculaaspera que se forma na superffcie do leite

depois de fervido., e que leva precisamente

o ~eu. nome: grafts, pele enrugada. 62 Apnmena das Graias hesi6dicas chama-se

Penfredo; Pemphredon 6 uma especie devespa voraz que perfura cavidades sob a

funebre em honra do defunto. 0 termo

Phersu designaria °Portador de mascara

que oficia durante a cerimonia. Para J.H.

Croon, a mascara constitui, nos jogos fu-

nebres, urn modo de figuracao do espiritodo morto; durante urna danca ritual, 0

Portador de mascara imita e atualiza 0Po-der do Alern-Tumulo , exatamente como

Persefone preside 0mundo infernal atra-

ves da mascara de Gorg6 que comanda.

Para R. B. Oniansv v ' as cenas tern urnsentido diferente: 0lutador , armado de

clava e atacado pelo cao , seria Heracles

descido aos Infernos; Phersa seria entao

interpretado como Hades, afinal vencido eposto em fuga. Para Agnello Baldi, Pher-

SU, Perseu e Hades sao uma unica emesmadivindade. Seja como for, nas pinturas

murais etruscas de Orvieto e Corneto,

Hades e figurado com uma touca de pele

de lobo ou cao, que evoca ao mesmo tem-

po a kunee com que Perseu se cobre e a

mascara de Phersu.

64 65

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 32/58

terra. 63 A segunda denomina-se ~nio,evocando a deusa dos combates e0vlole~-

to grito de guerra, a cha~~~a a~uda ~lale)emitida em honra de Euialio. Irmas dasGraias as tres G6rgonas, que unem em

seu gr~po 0mortal e 0imortal, 65 ~ivempara alern das fronteiras do mundo, Junto

a Noite , no pais das .Hesper~des de vozestridente (liguphonol). A Gorgona ~or-tal, eujo nome eMedusa, une-se ~posld<:nDumaprazivel prado de flores pnmavens,comparavel aquele em que Hades rapta econduz aos subterraneos a jovem Core,para transforma-la emPersefone. QuandoPerseu decepou a cabeca de Medusa, sur-

giram de seu pescoco Crisaor e ? cavaloPegaso, que se alcou aos ceus. Cnsaor ge-rou Gerion com tres cabecas: e aquele quefaz ressoar sua voz (geruo), que faz vibrarurngeruma como 0hupertonort gerumu: 0gr'ito superagudo produzido pelo clanmpenetrante da Etn.1ria. 66A Gerion e asso-ciado urndos rebentos da terceira ninhada

de F6rcis e Ceto, a atroz Equidna, metade

rnocinha metade serpente, que habita asprofundezas secretas da Terra, longe dosdeuses e dos homens. Entre outros mons-

tros, esta Eqtridna gera por sua vez os doisrosnadores e ladradores, osdois dies sime-tricos,Orto, cliodeGerion, eCerbero, cliodeHades, a fera de cinquenta cabecas, da

"voz de bronze", que guarda as moradas

retumbantes (domoi ekheentes)de seu do-no e de Persefone a TemiveI. Nesses mes-mos Jugares do Inferno, nesses dominiosda Treva e do Terror, escorre a agua doEstige, 0grande juramento dos deuses.Esta agua primordial (hudor ogugiony levaas divindades cuJpadas de perjurio algoque corresponde a morte, paraos Imortaislivres dela: urn kama temporario que as

envolve durante urnlongoano, privadasde

respiracao e de voz, exatamente como amorte rnergulha para sempre na noite acabeca dos homens. Neste sentido, Estigerepresenta para os deuses0que Gorg6 epara as criaturas humanas: urn objeto dehorror e pavor. Assim como Estige e stu-

gere athandtoisi, 67 horror dos Irnortais, asGorgonas, que nenhurn humano pode 0-

lhar sem expirar imediatamente, sao bro-

tostugeis, 0 horror dos rnortais. 68Estige etarnbem duplo sinistro da coruja, passaronefasto caracterizado pela cabeca enorme ,

6667

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 33/58

o olho funesto e ogrito noturno de sua

boca,"?

Nas paragens infernais, Treva, ~avor,

spectos e gritos monstruosos assoclarn-se~ara exprimir a ~'alteridade". < i : 0 S Poderesestranhos ao dominio das divindades c~-

lestes e ao mundo dos homens, a C0Il:dl~<:O

totalmente distinta de seres aos quaIS nao

se misturam nem d~uses nem home~s nemferas _ como diz Esquilo a prop6s1to .das

grafai palaiai patdes, as velhas rapangas

ancestrais.70

As sonoridades inquietantes de tal for-

ma estao integradas ao universo a que se

ligam as G6rgonas que Hesiodo, na pass~-

gem do Escudo em que :rata d:: ~ua ,:_or.n-da acrescenta observacoes audltlvas as In-

di~a<;6espuramente visuais de que _?t.een-

tao se serviu para descrever 0cenano no

escudo de I-Ieracles: sob seus pes, retu~-

bava no escudo urn grande clamor, es~r~-.

dente e sonoro (itikheske sak.os megaloi

orumagdoi oxea kai ligeos).71 As (l1;ncasoutras mdtcacoes sonoras do texto dlzeT?-

respeito , como vimos, ao bater .das rnaudf-

bulas das serpentes que aterrortzam os hu-

manos ou das que se enroscarn na cintura

das Gorgonas.

Na linhagem dos monstros gerados por

F6rcis e Ceto, as serpentes tern0Iugar de

honra. as sons estridentes que saem da

garganta das G6rgonas ou que sao modula-dos por suasmandibulas rapidas sao osmes-

mos 'das serpentes que rangem e batem os

dentes. Ao lade da serpente, 0cao e 0cavalo constituem as tres especies de ani-

rnais cuja forma e a voz entram mais espe-

cialmente na composicao do "rnonstruo-

so". Se a "voz de bronze" de Cerbero

(khalke6phonos) ressoa na morada de

Hades, as Ertnias, quando eomparadas

por Esquilo a Gorgonas, emitem gru-

nhidos e roneos estridentes (oigmos, mu-ganios oxlis); elas grunhem (muzo) como

"ronca" nos Infernos 0longo gemido dos

hornens supliciados; 72 "usam da voz como

urn cao ", 73 diz0poeta tragico , eo termo

empregado, klaggaino , evoca a klagge dos

mortos na Odisseia e 0queixume pene-

trante (eriklagktes) das G6rgonas e de suas

serpentes.?"Tambem 0cavalo, por seu comporta-

mento e pelas sonoridades que the sao pro-

69

68

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 34/58

prias pode traduzir a presen~a inquietante

de ur:. poder dos Infernos manifestando-se

em forma animal. A seu nervosismo, a sua

tendencia a arrebatar-se sob 0efeito de um

terror stibito como 0que e provocado pete

poder demoniaco de Tardxippos, 0Terror -dos cavalos (to ton hippon defma),'5 a

tornar-se frenetico e selvagem a ponto de

devorar a carne humana, tremendo, ba-

bando-se e transpirando uma espuma

branca, acrescente-se 0relincho ,0fragor

dos cascos golpeando a terra, 0surdo ran-

ger dos dentes (brugmos) .e ,enfim, ent~esuas mandfuulas, 0ruido smistro do freio

que provoca terror fazendo ressoar a

morte. 76No vocabulario oqtiestre ,gorgesadquire um significado quase tecnico. Para

o cavalo , gorgoumai e erguer exaltado as

patas dianteiras. Xenofonte observ.a, na

Equita~iio, que 0cavalo net;'0~o :- impe-tuoso e terrivel de ver (gorgos idein), que

suas vent as escancaradas tornam-no gor-

goteros, que reunidos em bandos, com seu

tropel, os relinchos e bufidos aurnerrtados

pete numero, os cavalos parecem mars ar-

dentes e fogosos (gorg6tatoi). 77

A flauta e amascara.A danea de Hades

Certos instrumentos musicais, utilizados

para provocar 0 deli rio com fins orgiasti-

cos, jogam com toda umagama de sonori-

dades infernais. 0feito de Pavor que cau-

sam nos ouvintes e tanto mais intenso por

permanecerem ocultos os rmisicos e os in-

trumentos, resuttandoa impressao de queos sons nao provem deles, mas surgem

diretamente do invisivel, emanam nao se

sabe de onde como a voz dissimulada de

urn Poder de alem-tumulo , urn eeo vindo

de rnuito longe e que misteriosamente se

faz ouvir aqui embaixo. E instrutivo, a ester..espeito, urn fragmento dos Edonos de

Esquilo , citado por Estrabao: "Urn, tendo

na mao sua bombarda, peca de madeira,

sopra a melodia conduzida pelos dedos,

clamor que provoca 0delirio; 0outro faz

70 71

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 35/58

soarem os pratos de bronze; ferida, a cor-

da ressoa, e em algurn Iugar invisivel

mugem surdarnente terriveis simulacoes de

vozes de touros (trata-se do rhornbosv: 0

som do tamborim, como urntrovao subter-. f d " 78raneo, suscita urn pro un 0pavor. . .

Dentre todos os instrumentos mUsICat~,

e no entanto com a flauta, com suas sonorr-

dades, sua melodia, sua tecnica de s<:pro e

execucao, que a mascara de Gorgo tern

relacoes mais estreitas. A arte da flauta.-

aomesmo tempo 0nstrumento, aman~tra

de toca-lo , a melodia que dele se extrat-

foi "invent ada " por Atena para "simular'

os sons penetrantes e agudos que ouvira na

boca das G6rgonas e de suas serpentes.

Assim e que ela criou , para imita-Ias, 0

canto da flauta, "que reline todos os sons"

(pdmphi5non melosy, 79Mas de tant.o ban-

car a g6rgona estridente corre-~e 0 rISCOde

virar uma delas - tanto mats que esta

mimesis nao e simples irnitacao , mas urn

autentico "rnimetisrno", uma forma de en-

trar na pele do personagem que se simula ,

de assumir sua mascara. Conta-se 80 que

Atena , preocupada em soprar a fl~u~a,

nao deu ouvidos a advertencia do satiro

Marsias, que, vendo-a com a boca estira-

da, as bochechas inchadas e todo 0rosto

d~formado para fazer soar 0instrumento

dtsse-Ihe: "Estas maneiras nao te convem'Apanha tuas armas, 1arga a flauta e da u~

jerto e~ teu queixo." Mas ao ver-se refleti-da nas aguas de urn rio, e deparando nao

com seu belo rosto de deusa mas com 0

medonho ricto de uma face ~maneira de

Gorg6, ela rejeitou para sempre a flauta

exclam~ndo: HAo diabo, objeto vergo~

nboso, msulto ao meu corpo! Nao me en-

tregarei a esta baixeza." Apavorada "com

a deformidade que ofende a visao", eiar~nu~c~ou ao instrumento que sua inteli-

g~nCIaIl~Ve~tara. Mas ele nao estava per-dido. Marstas apoderou-se dele; a flauta

torno?-se a gl6ria do satiro, "bicho que

golpeia .com as maos=, monstro cuja facedesgraclosa combinava com a melodia e0

soar do instrumento; gloria de Marsias

mas tambem Suadesgra~a. Tocando a flau-

ta, Atena decafra ao nive1do monstruoso.

Seu ro~to se degradara it semelhan~a deuma mascara gorgonica. Marsias, tocando

a flauta, julga poder e1evar-se ao nivel do

deus Apolo. Pretende levar a melhor

7273

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 36/58

sabre ele no concurso de musica. Mas nas

maos de Apolo a lira produz uma melodia

que se harmoniza ao canto e a palavra

humana a que serve de acompanhamento ,Na imensa boca do satiro , pelo contra rio

- mesmo coberta com0pedaco decouro,

aphorbeia, e uma testeira, para moderar 0

furor do sopro e dissimulara distorsao dos

Iabios -, ° aulas ou a sirinx, a flauta

dupla au a flauta de Pa nao deixam qual-

quer espaco para 0canto nem para a voz

humana. Ao cabo do confronto, Apolo ,

declarado vencedor, esfola Marsias vivo e

pendura sua pele numa gruta na nascente

do Meandro si - exatamente como Ate-na.. segundo certas versoes, leva no om-

bro, a guisa de egide , nao a mascara, mas apele de Gorg6 esfolada. 82

Que nos ensinam estes relatos sobre as

afinidades entre a flauta e a mascara de

terror? 83 Primeiro , eclaro , que as sonori-dades da flauta sao estranhas a palavra

articulada, ao canto poetico , a locucao hu-

mana, Depois, que 0rosto do flautista,

deformado, transtornado a irnagem daG6rgona, eo de urn homem possuido pelo

furor, desfigurado pela raiva e que, obser-

va Plutarco, deveria, como .se num espelho para a I Atena, nnraj-,

sc:uestado humano no~:n~ar~se e recobrar

coes de Arist6te]es no a. As o_bserva_

lo~ge. SeAtena rej~itouen~anto, vao rnaisfoi sem duvida _ a auta,observa,deforma 0rostoporque este instrumento

fl- . ,mas tambem

auta em nada Contrib .' porque a~oamento da inteli ~ U.Ipara 0aperfei-utiliza~ao da palav genlCIa. Impedindo a

d ra, ease opoe a 'ade de instru~ao E b' necesSI-da flauta nao tern' so retud~ ? musicaorghistico. Ela nao ~m caniter ~tIco, ma~tru~ao (math-. ge no sentIdo da Ins-

(katharszs") "pe~lSt)'dmas da purificarao, OIS U 0 qu di :s -

transe b"::qu' e IZrespeito aoa lCOe todo ab I d .

Iigado a flauta d a0 es~e tIpo estamental". A fla~ta ~ po~to de VIsta instru-

o instrumento do teassim, por e~celen~ia;'

delirio, dos ritos :~nse, do orglasrno, do

Evocando asm- .an~~s de possessao ..dificiI aes cuJOsfIlhos tern 0sono

fazer ~il~~~~ para acalma-Jos, em vez de

lodias Plat-' embalam-nos e cantam me-, ao escreve' "C

acep~ao da pal ' ,orno se, na plenad' avra , tocassem a fl

d;~~)~ c!~se~~ filhos (katauloUsi ton ~~ti~, 0 rarrte de bacantes freneticas

74

7S

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 37/58

." ) ue se curam utili-kphronon bakkiheion q .mento dae tempo 0movizando ao mes~? "as Bancar 0bacante,danca e da ~USlca •..(. vir ou julgar ouvir

nante cou . "

bancar 0co" -. 1. - de Platao _ osA formu a<;ao .as flautas, . Coribantes julgam OUVlr

que bancam os as afirmacoes deflautas" 86 - fazem ~~~ extaticos ouvemIamblico: "Alguns b es ou alguma melo-flautas, pratos, tam or se ao entusiasmo

' ntregam-dia, e a~sll~. e As flautas provocam(enthousiosirq (,: '.~es do desregramento,

ou curam as, palx~duzem ao transe (ana-certas melodla~ co. fazem cessar 0

bakkheuesthaiy, out(ras op au es th ai testransportamento apkhei ) "87 b r

bak elas,' a's maneiras de ancaMas existem v ria pre as mesmas

-0sao sem ..o bacante, e na . deram do fiel na pos ..divindades que se~po 0pescoco a trela e0sessao, passando- en a arrasta-loa caval-freio emontando:o par, distinguir 0 ba-

1--· E preclso .ada do de rrro , . do na imagistica

' • aSSOCla .cante de Dioniso, seu exube-

Menades, com

as figuras d~s Satires e Silenos , da-rante cortejo d~ d mina "bacanteE "des eno

quele que UrtPdl b ikkhos) 88 e que ade Hades" (Hal au a ,

76

impudencia de uma raiva furiosa, a LUssa,

obriga a dan<;ar ao som da melodia do

Terror (Ph6bos) tocada na fiauta. Que sf-

nistro poder de enraivecimento e este que

ritma na flauta "uma musica de delirio"? 0poeta tccigicofornece a resposta: HE G6r-gona, filha daNoite, com suas vfboras decern eabe~as ruidosas (iakhemasin), eLas . .sa eujo olhar petrifica," 89Nestadan~a que

faz de Heracles 0pr6prio Pavor (pavor

que 0possui e atormenta internamente,pavor que ele provOca em torrro de si),

"nao aparecem os tamborins nem 0ama-

vel tirso de Brornto. Ela quer sangue, e

nao a Iibacao baquica do sumo da vi-

nha." 90Durante a crise frenetica na qual 0Pavor, como poder sobrenaturaI, apode-

ra-se de Herac1es, a musica da flauta e 0

rosto do her6i tornam igualmente a apa-

rencia medonha da mascara de Gorg6:

"Horrivel, horrivel e a musics desta flau-

ta " (ddion lode ddion melos epauleitai),canta 0oor-o, Quanto a Herac1es, ja ao se

anunciar 0transe "ele sacode a cabec;a e

revira em siJencio as pupilas com olharesterrificantes (gorgopou.s k6raS)".91 Urnpouco mais tarde: "0osto descomposto,

17

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 38/58

ele revirava os olhos, nos quais apareciauma rede de veias sangrentas, e a espumaemsua barba cerrada causava repugnfincia

(... ). Ele revirava 0olbo selvagem de umag6rgona (agriopon omma Gorgonos)." 92

Sera preciso cotejar este testemunho quenos e oferecido pela tragedia - e cujointeresse para a compreensao dos fen6me-nos de possessao Jeanmaire soube discer-

nir emseu DionysoS-" comvarios outros

textos. Segundo Xenofonte~ os que saopossuidos por certas divindades ~'tem urnolhar mais gorgonico, uma vozmais assus-

tadora, gestos mais violentos". 93 NasLeis, Clinias interroga 0Ateniense sobre anatureza do mal que, por urn lado, man-tern as criancas acordadas a noite, e poroutro arrasta ao frenesi os bacantes diantedos quais e tocada a flauta. Resposta doAteniense; "Ter medo (deimafnein), eisemque consistem ambos os males, e esses

terrores (deimata) vern de uma fraquezada alma, Quando se opoe a tais agita<;oes

urn abalo exterior ~0movimento que vernde fora neutraliza 0movimento interno depavor e frenesi, e ao faze-lo restabelece acalma e a tranqiiilid~de (... ). Toda alma

q~e desde a juventude e perseguida por

tars temores ;e:-se-a cada vez mais presade terrores pamcos n94 Em D d. a oenca sa-gra a, ...0autc:r enumera a serie de divin-

dades a~q..uat.s os homens costumam rela-tar os disturbios que os afligem: "Aos quedurante a noite sofrem de pavores (deima-

ta), terrores (Ph6bol), delirios (paranoiait

s~ltos da cama e fugas fora de easa, eles'

dizern que se trata de ataques de Hecate

e de assaItos de her6is ou seja d

mort"95 C ' , e

os. ,. orno Gorg6 d I. - a qua seaproxrma sob eertos aspectos, sendo as

vezes ev~~ad~ sob este nome 96 -, H e-cate, qu~ envia os espectros"?' e e celebra-da no H'ino orfico como "aquela que banca

a bacante com as almas dos mortos"' surgeaqul como Poder de Terror, vindo do ou-

tro rnundo durante a noite para se apode-

rar dos hl~manos sob a forma de urnpavor

que os deixa fora de si.SegundoPlatao, este tipo de terror de-

nuncra a crranca que ha no homem. Evo-cando 0temor infantil de que 0vento dis-

pe~se a alma com seu sopro , quando ela

deixar 0corpo, ele escreve no Fed'I ". on queta vez exrsta dentro de n6s alguma crian-

79

78

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 39/58

ca a quem essas coisas causam medo. Pois

esta crianca, cuida que, dissuadida por ti ,

ela nao tenha da morte 0medo que terndos mormolukeia, dos bichos-papoes. n 98

Para afastar tais pavores, observa.entao 0

S6crates do dialogo , sao necessarios urn

feiticeiro de mao cheia e encantos quoti-

dianos, ate que a crianca seja acalmada

pelos sortilegios.

Como enraizam nossos temores irracio-

nais no que subsiste em n6s de infantil,

esses textos 99 levaram-nos a reestudar 0

levantamento feito por Erwin Rohde 100 ea buscar ao nfvel das supersticoes populares

e do universo infantil a expressao desse

mesmo Poder de Terror - de terror como

categoria do sobrenatural - que a masca-

ra de Gorg6 pareceu-nos encarnar,

seja num contexto guerreiro, seja num re-

gistro infernal. Lamia, Empusa, Gell6 e

sobretudo Mormotraduzern , no mundo da

infancia ,0que Gorg6 representa para os

adultos. 0 mormolukeion , 0espantalho,faz eco ao gorgoneion,

Para a crianca, Morm6 e uma mascara,

u_.macabcca. Como verificamos no Hino a

1rtemis de Calirnaco, 101 pode tratar-se da

figura de Hermes, sujo de cinzas e trans-

formado, para assustar os pequenos ban-

cando Morrno , em rosto ins6lito, face to-mada pela noite, ja sem tra~os reco-

nheclveis, equivalente, por esta alteridade,a figura monstruosa de urn ciclope, com seu

olho gorg6nico e °alarido que 0acompa-

nha, repercutido, ampliado e deslocalizado

por u r n formicIavel eco. Em Te6crito -102

Morm6 j a n ao evoca a face 'do

Ciclope ,mas a do cavalo. Para assustar seufilho e faze-Io cafar-se , a mae arrisca:

"Mormo, 0cavalo morde! (ddknei hip-pos). Desses rnonstros aterrorizantes, que

tern a forma de cabeoas mascaradas, it

semelhan~a do Ciclope ou do cavalo , diz-

se que se apoderam das criancas, arreba-

tam-nas, devoram-nas, conduzindo-as amorte., Eles esrao sempre pr'oximos.cda

morte , perte:ncenLJ! _s_eudominiQ,,__inda

quando erram em meio aos vivos. Sao co-

mo retornados, fantasmas, duplos, eidola,

phdsmata, como os que Hecate envia, eque sao chamados Hecataia. 103 Quando

urn homem esta possuido pela Lussa e imi-

80 81

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 40/58

ta a G6rgona nos gestos, no rosto enos

gritos, torna-se ele mesrno uma especie de

dancarino dos mortos, urn bacante de

Hades. 0 terror que 0agita, que 0faz

dancar ao80mda horrfvel melodia da flau-ta, sobe diretamente do mundo infernal: eo poder de urn defunto, de urn demonicvingador que 0persegue para expiacao ou

vinganca, urn a/astor, uma Impureza crimi-nosa, miasma, que pesa sobre ele ou que-herdou de sua raca, 0 autor do tratado Da

doenca sagrada, observando que os ma-gos, purificadores, sacerdotes mendigos e

outros charlataes alegam curar os distur-

bios que acaba de descrever com "purifica-c;6es" e "encantamentos" .,explica que eles

tratam os doentes "como portadores de

miasma, das alastoras, das pepharmakeu-menous dos sujos de sangue, das vitimas

expiat6rias". 104 Euripides nao via as coi-

sas de outra maneira, em seu Orestes, ao

mostrar 0ovem entregue ao delirio ap6s °assassinate de Clitemnestra. 0cora di-

rige-se a ele para evocar "urn a/astor, in-

troduzindo na casa °sangue de tua mae,este sangue que provoca tua dernencia" (hi>

s'anabakkheueiy, ou mais exatamente:

"que te agita como urn bacante: .lOS Louis

Gernet soube frisar a ambivalencia de ter-mos como aldstor, midstor e aliteiros, quese aplicam ao mesmo tempo ao fantasma

daquele que, vftima de morte violenta,persegue seu assassino para vingar-se e aocriminoso perseguido. Urn mesmo poder

demoniaco de terror engloba osdois, unin-do-os urnao outro. Precisarnente porestarele mesmo perturbado, agitado, aterrori-zado, eque0morto nao pode sentir-se empaz, e "volta" para perturbar, agitar e ater-rorizar aquele cujo espfrito atormenta eque por sua vez se transforma neste deli-

rio, neste furor, oeste Pavor de que e a umtempo causa e vttima.'?'

82 83

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 41/58

As deusas-cabe~as Os aspectos ctonianos ou infernais de

Praxi dtk e sao acentuados num hino

6rfico .. 108 Comparada a Persef'one ,

chamada "mae das Eumenides" (essas

mesmas Eumenides cujos "rostos de ter-ro? , pho be r a , p r os op a , segundo

Esquilo, 109 bern exprimem 0papel que

elas assumem na cidade: encarnar °Pavore 0terrificante, Ph6bos e to deinony,

Praxidike e celebrada como "soberana dos

subterraneos", katakhtonton basi/eia; no

verso 19, afirma-se que ela traz os frutosda

terra (desde que essa terra, livre de qual-

quer impureza, nao tenha sido, e claro,

torn ada esteril pela deusa).E quanto a seu culto? Pausanias relata

que, ap6s a destruicao de Troia, Menelau,

retornando sao e salvo ao Jar, mandou eri-gir, no lugar onde Paris e Helena pela pri-

meira vez consumaram sua urriao adultera,urn dgalma de Tetis (em ar;ao de gra<;as

pelo born retorno) e de Praxidike, para

agradecer-lhe 0castigo dos culpados. 110

Em Haliarte , na Beocia , ao lado do monte

'Tilfusio e da fonte Tilfusa , existe ao arlivre urn santuar io das Praxidikai no qua)

se presta juramento , mas nao irrefletida-

S6 dispomos, sobre a face monstruosa _de

Gorg6, de relatos mtticos e representa<soesfiguradas. Medusa nao e objeto de qual-

quer eulto, nem p~ra yenera-l~ I_l~m paraconjuni-Ia. Mas existem na rehgiao grega

certos Poderes temiveis aparentados aGorg6 por se apresentarem sob a forma de

simples cabecas. Essas deusas-cabec;as ~as

Praxidikai , tern no ritual a func;ao de exe-

cutar as vingancas e afiancar 0juramento.Segundo Hesiquio, Praxidike e urn dai-mon que reahza 0objetivo, que leva as

coisas a seu termo , em palavras como em

acoes: por isto sao cabec;as as suas ima-

gens, assim como os sacrificios que l~e sao

reservados. F6cio e a Souda confumam

que dessa deusa erige-se somente a

cabeca, 107

84 85

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 42/58

td ' ho k n 1110ente. ouk epz ramon ton or a .sentido desta ressalva se esclarece por

comparacao com 0santuario das ~u"!e-

nides, fundado por Orestes em Cenma e

cujo acesso nao e permitido a todos, nem

ex epidromes: 0motive e que todo aquele

que ali penetra sujo de. san~e ou COIn qual-

quer impureza perde l~edlatamen!e.o es-

pirito e fica fora de SI sob 0 dominio de

terrores , autika ... deimasin ektos tonphre-non ginesthai. 112 Tanto no sant,:a:io das

Praxidikai quanta no das Eumenides, 0

imprudente que se aventurasse a prestar

juramento "irrefletidamente.", ~e.mestar

segura de sua perfeita pureza rehgIo~a, era

imediatamente acometido de uma crrse fu-

riosa de pavor, anatoga a q~e sofr~u.Orestes precisamente no Iugar dito Maniai

(Delirios) de nominacao que segundo., ", 113 •

Pausanias designa as Eumenides. E;l(ls_tena Arcadia urn Dutro s a n tu a r io

onde se prestam os juramentos mais

graves nas questoes mais importantes: 0

, 114 N 1de Demeter eleusina, em Feneu. e e ,

jura-se pelo petroma, pela pedra Ct d d . . om-

pos 0 e OIS blocos de pedra ajustados urn

a~ o?t.ro (e que ocultam escritos sobre osmistenos, retirados de dois em doisIid . . . anos eI os aos IflICIados), 0petr6ma ostenta noalto uma esfera que encerra a mascara d

urn a Demeter Kidaria. Durante 0 :Grandes Ritos, essa mascara e usada peJo

sace.....dote, que goJpeia com varetas os sub-

te~raneos, tous hupokhthonfous pate! (ou

s~J~, a pop~Ja~ao de mortos da qual Praxi-

dike e considerada a soberana). A epiclese

des~a Demeter mascarada, ligada ao mun-

do Infernal, fiadora dos juramentos so-

le~es, re~ete ao termo ktdaris, que terndo~ssentJdos: 0de chapeu, mascara (Hesi-

qUID), eo de umadan~a arcadica que Ate-

na c~IT.I!,a:aa aleter (danca dos- errantes)dos SJCIOniOS.15

As Praxidfkai, deusas-cabe~as e Deme-

~er.Kida:~a, deusa mascarada, g;rantem a

~nvI<?labIlldadede urn juramento que deve

Iflsplrar ao~ho~ens 0mesmo terror sagra-

do que 0rnsprrado, no mundo infernal

pela ag~a _?oEstige, agua primordial, ogu~gton hudor, em nome da qual juram os

deuses e que pune qualquer falso juramen-" Keruneia , em grego; cidadc da Acaia (N, do R.).

86

87

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 43/58

to dos Imortais, levando a divindade

culpada a uma especie de morte tempera-

ria. Ogugios e u~ adjetivo formado a par-

tir do nome de Ogugos , ser mitico e pri-mordial, aparentado a Gkeanos (Oceano),e que teria sido, segundo certas tradicoes,

o primeiro rei dos deuses. Em sua epoca

teria oeorrido 0primeiro diluvio anterior

ao de Deucalrao: a superffeie da ter-

ra teria ficado submersa pela irrupcao das

aguas subterraneas misturadas as aguas ce-lestes. Ogugos e conhecido sobretudo na

Beocia.P" onde e relacionado, precisa-

mente, as Praxidikai,"" Segundo Focio, asfilhas de Ogugos sao Alalcomene , Telxi-noe e Aulis, "que posteriormente seriam

chamadas Praxidikai'": Paniase , segundoEstevao de Bizancio, fala da Ninfa ogigiea

chamada Praxidike.

As Praxidikai da Be6eia nao estao associ a-

das apenas a Ogugos, como a agua doEs-

tige. Tern relacao tambem com uma fonte

brotada no subsolo, cujo nome e Tilfussa e

cuja agua, mais uma vez como a do Estige ,

e mortal para todos os humanos: Tiresias,

sep~ltado a!i pe~o, entregou a alma por

have-Ia bebido. A fonte mortal deTilfussa

corresponde a fonte de Ares, que esta na

origem da fundacao de Tebas e que ali-menta 0rio Dirce. A serpente (drakon)

que guardava essafonte para vedar-lhe 0

acesso, e que as vezes se diz saida de Ares e

de Geia, seria 11:aealidade, segundo urn

esc6lio a Antigona de Sofocles, 0rebento

de Ares e da Erinia Tilfossa. Uma outra

tradicao, conservada por Calfmacoc" apre-senta as coisas de outra maneira. Tendo-seunido a Posidon sob a forma de uma egua,

Erinia Tilfossa (ou Telfosa) gera 0cavaloArion, assim como Medusa, emuniao comomesmo deus, gera, ao mesmo tempo que

Crisaor, 0cavalo Pegaso, cujo nome evoca

uma fonte , pege, OU, segundo Hesiodo, as

aguas correntes de Oceano, fronteira domundo, pegai.

Varias observacoes devem ser feitasaqui.

1. Dos lugares onde nasceu , alem do

Oceano, para os lados da Noite , Pegaso

voa para 0ceu , onde passa a habitar com

Zeus. Dada sua funcao de transportador

pheron) do trovao e do raio , no entanto,

88

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 44/58

circula entre 0eter onde reside e a zonactoniana (Khthon) a qual pertence.!'"2. Estige e 0filho de Oceano cuja agua

corre nas ultimas profundezas da terra,nessa morada da Noite onde brotam

conjuntamente, ainda contiguas e comomisturadas umas as outras, as fontes, pe-gai, da Terra, do Tartaro, do Mar e doCeu: 120 lugares tenebrosos, ca6ticos(khasma mega), de que "os deuses ternhorror" , ta te stugeousitheoi. 121Esta fendaoriginal, na qual0Mundoorganizado fincasuas raws, as aguas primordiais de Estigerepresentarn-na nao s6pelo kama comqueenvolvem os deuses perjuros, ou pela

morte que levamaos vivos, como tambempelo cenario em que se situa seu fluxo. leiem Hesiodo, Estige, situado sob a terra,no Mundo tenebroso da casa de Hades, nanoite negra, habita ao mesmo tempo urnamorada ucoroada por rochas elevadas e detodos os lados erguida para0ceu por colu-nas de prata", 122 0 valor ~'primordial" deEstige estabelece-se ao mesmo tempo nomais baixo e no mais alto, como se eleassumisse simultaneamente os dois extre-mos, a marieira como as Graias conjugam

o jovem eo velho , e .asGorgonas, °mortse 0irnortal. 0 mesmo quadro e encontrado no Estige arcadico descrito por Herodote e Pausanias, 123 A agua do Estigeagua das profundezas infernais, que leva;

morte a todo ser vivo e que nenhum recipiente, nenhurna materia, nem mesmo (ouro (exceto ,e claro, "a beira do cascod.urn cavalo") pode conter ~pinga de urn,inclinacao rochosa elevadissima, sobre (qual Pausanias precisa que nao conhece

"nenhuma outra que se erga a uma taaltura". A agua de baixo escorre , assimpor cima, como vinda do ceu,3. No estudo de J. H. Croon que

mencionamos.!" 0autor observava que namaioria dos lugares onde existiamfontes termais encontram-se represent a-<;6esdo gorgbneion, Assim, das vinte enove cidades antigas cujas moedas repro-duzem 0rosto de Gorgo , em pelo menosonze temos conhecimento da existencia defontes pr6ximas. Eo caso, em particular,deSerifo, i1hapedregosa a respeito daqua]

1. H. Croon observa nada apresentar - aparte a fonte termal onde ainda hoje sepromovem festividades anuais - que pu-

90 91

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 45/58

desse justificar 0papel central que repre-

senta na lenda de Perseu e Medusa.4. A fonte Tilfussa, de aguas letais, ligadas

as Praxifiikai, e a Erinia Tilfossa (ou

Telfosa), que, sob a forma de urna egua,gera com posidon 0cavalo Arion, tern na

Arcadia seu equivalente exato, seu duplo,na pessoa de uma Demeter Erlnia, instala-

da emTelpusa as margens do Ladon, cujas

aguas surgem nesse local a partir de varias

fontes. 125 Esta Demeter une ..se , sob a for-ma de uma egua, a posldon feito cavalo,

dando a luz0

garanhao Arion e uroa filhadenome secreto, na qual podemos identificar

o equivalente de Core, dividida entre a

Treva do mundo infernal e a vida a luz do

sol. A Demeter de Telpusa tern duas faces

e dois nomes. A seu aspecto "furioson

de

Bonia responde urn aspecto "calmo", de-

pois de ter aplacado sua c6lera e de ter-se

banhado nas aguas do Ladon: e DemeterLousia, a Banhada, a Lavada.

A mesma polaridade entre urn Poder deFuria que provoca uma crise de delirio e

urn Poder de Apaziguamento que traz a

calma, 0retorno ao estado normal, encon-

tra-se numa forma arcadica de Demeter

furiosa e cavalar. Em Figalia , urna gruta econsagrada it Demeter Melafna a

Ne~ra~ 126Os figalianos concordam co~ os

habitantes de Telpusa quanto it uniao de

Demeter e Posfdon: segundo eles, no en-

tan...o, °fruto dessa uniao nao foi 0cavalo

Ar~on, mas aquela que denominam Des-pozna, .a Senhora. Como a Erfnia, aMelai-

na oscila entre estados de furor e calma..

Seu nome, a Negra, evoca as divindades

que apareceram sucessivamente a

Orestes, emManiai, sob duas formas: ne-

gras enquanto ele permaneceu fora de si

entregue ao Pavor; braneas a partir do mo-menta em~u:,endo-se decepado um de-

do em expiacao de sua impureza crimina-

sa, voltou a si no Iugar chamado Ak€R "d' 127 'erne lOS. Em sua forma furio ....T"'l -

meter Melainaeiiis« ---- SJ-""·" '-- '·---_,-sa,~a..U~__, --,,-'--, _ _ ,~e entada.sentadat? ~ .1lll!3.pedra. Tinha tOQQ_O_,CQmQ _g~,:t!!!l~

mulher , mas a cabeca e os_cabelosde",~

ca,,~~o. Dessa mascara cavalar saiamfigu-

ras de ...erpentes e de outros animais selva-

gens, a maneira de Gorge. ..,-!!m l:icosura, a Despoina, filha de De-

meter. egua e Posidon Hfppios, tinha sell

pr6pno templo, onde era reverenciada pe-

93

92

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 46/58

los habitantes da regiao mais que qualq~~routra divindade. As escavacoes perrmti-

ram recuperar fragmentos de:sua estatuacultural, emparticular 0panejamento; p~-dem-se distinguir onze personagens femi-

ninoscom cabecas animais, sobretudo decavalo, e que dancam ao mesmo temp?que tocam diferentes instrumentos mUSI-cais. Tambem foram encontradas es~atue-tas votivas de terracota: trata-se igual-

mente de mulheres vestidas, com cabecas

animais. Ultimo detalhe a respeito deste

santuario da Despoina: perto da saida dotemplo, urn espelho pendia da parede.Quem nele se olhasse nao se VIa. Este

espelho nao refletia os rostos hum~\.nos;como uma janela para 0alem, s6 deixavaaparecer com clareza em sua superficie asestatuas dos deuses e0trono onde se sen-tavaa Senhora, com0cortejo das masca-ras em seu panejamento.5. A polaridade dessas deusas que ora

nos arrastam ao desvario da loucura, or.anos administram a cura, responde a polari-dade das fontes e aguas que por vezes lhessao associadas. Acima de Nonacris, na re-giao do Estige arcadico , ha uma gruta

onde as filhas de Preto foram cobrir-se deterra quando, em delirio, erravam em es-

tado de transe. La e que Melampo foi bus-ca-Ias para leva-las, grac;asa ritos secretos

e purificac;oes, para Cleitor, em urn lugarcharnado Lousot, que evoca a DemeterLous£a. Neste Iugar elas foram curadas eacalmadas no santuario de Artemis Heme-

rasta, a Apaziguadora. 128 Pausanias ob-servara, urn pouco antes, 129 que partindo-se de Feneu emdire~ao oeste encontrarn-se duas estradas: ada direita leva aCleitor,onde esta Lousoi; a da direita conduz aNorracris e ao Estige. No prosseguirnento

do texto ele semostra mais precise. Obser-vando que no territ6rio dos cinenos vizi-nho ao dos feneatas, existe urna fonte de

agua fria chamada Alussos par ser urn re-medio contra a lussa, a raiva, e curar todohomem mordido por urn cao raivoso 0

Periegeta conclui. "as arcadios tern 'na

agua pr6xima de Feneu e chamada Estigeo que se revelou uma desgraca para 0ho-mem, e na fonte dos cinetios urn bern, ja

que esta fonte verncontrabalan~ar a cala-midade do outro lugar." 130

94

95

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 47/58

A morte nos olhosder a luz urn menino, anuncia 0oraculo ,0

neto matara seu avo. Acrfsio logo confina

Danae num quarto subterraneo de pa-

redes de bronze, mas Zeus visita a jovern

sob a forma de uma ehuva de ouro. Nasci-do 0rebento, que recebe 0nome de Per-

seu, seus gritos atraern a atencao de Acrt-sio. Para escapar ao destino que the foi

predito, ° rei encerra Danae e 0menino

numa area que e lancada ao mar. As ondas

eonduzem a area ate a ilha de Serifo, onde

-0pescador Dictis a recolhe em sua rede

abriga Danae e cria Perseu ate a adolescen-

cia. Em Serifo reina

°tirano Polidectes

que cobica Danae. Perseu, porern, <cuid~

de sua rnae , Polidectes convida a juven-

tude do pais a urn festim, urn eranos no

qual, para fazer bela figura, cada qual deve

mostrar-se mais generoso que 0outro.

Chegada a sua vez , Perseu, para superar a

todos os demais, vangloria-se de oferecer

ao anfitriao , nao 0cavalo que pede, mas a

cabeca da Gorgona. Polidectes imediata-

mente aceita e a Perseu s6 resta cumprir apromessa.

Nascimento sobr'erratur al , expulsao do

mundo hurnario , abandono da cri anca

Se quisessemos analisar 0mito de Perseu

_ que conta como urn her6i, com a ajuda

dos deuses, ousa encarar 0olhar mortal de

Medusa e consegue, decapitando 0mons-

tro, conquistar a face de terror e escapar aperseguicao das duas Gozgonas sobrevi-ventes -, teriamos de comparar-lhe as di-

ferentes.versoes, de Hesiodo e Ferecides a

Nono e Ovidio , Atendo-nos ao essencial,

frisarernos apenas alguns pontos impor-

tantes. Em primeiro Iugar , a presenca, nalenda, do esquema heroico tradicionaI,

com a exposicao do heroi rec6rn-nascido e

a prova que lhe e imposta , na adolescen-cia, durante urn banquete festivo em am-biente de bravatas e desafios. Recordemosbreve mente a trama da narrativa. Acrfsio ,

rei de Argo, tern uma filha, Danae. Se eia

9697

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 48/58

nesse espaco do alem que constitui a imen-

sidao marinha, sobrevivencia e retorno ao

convivio dos homens depois de uma prova

cujo resultado normal seria a m0:te: ja n?

infcio da biografia de Perseu estao reurn-

dos todos os elementos que conferirao ao

jovern sua dimensao propr_iamente "he:o.i-

ca", antes mesmo que se Inaugure a sene

de suas fa~anhas.Mas a hist6ria tern prosseguimento. Sob

a ortentacao de Atena e Hermes, Perseu

poe-se a caminho. P~ra mata~ Medusa, eleprecisa obter das Ninfas os irrstrurnerrtos

da vitoria sobre 0monstro de olhar mortal,

em especial 0capacete de Hades, a kunee ,

e as sandalias aladas. E para encontrar asNinfas sera necessario forcar as Graias a

revelar 0caminho que conduz a elas. Ir-mas das Gorgonas , as Graias, que juntas

disp6em apenas de urn dent: e. urn olho ,

nem por isso sao rnerros termvers: perma-

nentemente alertas, ha sempre uma delas

com0olho aberto e0dente pronto, quan-

do as outras dormem. Perseu enfrenta-as e

vence-as com urn ardil: apodera-se do olho

e do dente no momento preciso em que,passando da mao de uma a de outra , nao

servem a nenhuma delas.

Urn tema tern papel central nesse enca-

deamento de episodios: 0do olho , do 0-

Ihar, da reciprocidade do ver e do ser visto.

Ele ja aparece na sequencia das tres

Graias, com seu dente e seu olho unicos

que passam uma a outra para que 0trio

nunea se veja surpreendido sem defesa,

sem dente para comer, sem olho para ob-

servar (0dente unico e ao mesmo tempo 0

dos monstros devoradores e 0das velhas

desdentadas, 0olho unico , 0de seres de

olhar sempre vigilante, mas que podem

tornar-se cegos por alguma dissimulacao

mais ousada). 131 Vamos reencontra-lo na

kunee, instrumento magico de invisibili-.dade que dissimula aos olhos de todos a

presen'$a daquele cuja cabeca cobre; no

detalhe do desvio do olhar de Perseu no

momento em que mata Medusa - pois 0

her6i olha prudentemente para 0outro

lado quandocorta 0pescoco do monstro e

quando, mais tarde, bran de sua cabeca pa-

ra transformar seus inimigos em pedra -;

e 0tema adquire enfim toda a sua ampli-

tude nas versoes, atestadas a partir do se-eulo V, que insistem no recurso necessario

98

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 49/58

ao espelho e ao reflexo para permitir ao

jovern ver Gorge sem precisar cruzar s~u

olhar petrificante. Podemos. observar. am-

da0papeJ eo sentido dos objetos magicos:mais que simples ferramentas, trata-s~ de

talismas que surgem como os verdad~lr~s

operadoresda fa-;~nha. H~ ~t?uca de ll~Vt-sibilidade, que deixa 0 her oi VIVO ao abngo

dosPoderes de Morte , ao reoobr'ir-Ihe a

face com amascara de urn defunto; a harpe

ea kibisis, a foice e0alforje, instrumentos

da caca as cabecas; as sandalias aladas que

conferem a Perseu uma cortdicao analoga

a das Gorgonas, permitindo-Ihe abarcartodas as direcoes do espaco , visitando 0

ceu eo mundo subterraneo , passando das

margens do Oceano as terras dos hiperb6-

reos. Cumpre, enfim, assinalar certos

detalhes significativos: a hostilidade de

Perseu para com Dioniso , seus satires,

suas menades, que °heroi, ao cabo de seup er ip lo , combate e expulsa quando

chegam a Argo, como se seu tropel Ireneti-

co cornportasse, em seu delirio, urn ele-mento gorgonico ;0jogo de beleza e fei'ura

no personagem de Medusa; 132 a enfase no

tema do espelho e do reflexo em urn autor

tardio como Ovfdio 133 e seu tratamento

nas representacoes figuradas. Nas imagens

que llustra~ 0episodic do her6i decapi-

tando a Gorgona, ora Perseu, visto defrente, olha firme nos olhos do espectador,

tendo ao lado Medusa de pe; ora vira a

c?be<;a, olhando para ° lado oposto; ora

ainda olha 0rosto do monstro refletido

num espelho, na superficie polida de urnescudo ou na agua.

Ao terrnino desta investigacao, algumas

coriclusoes provisorias. Ao contrario dasfiguras divinas e dos rostos humanos a~ ,mascara de G'orgo , como cabeca isolada,

comporta na cornposicao de seus tracos

aspectos bern marcados de ins6lito e estra-

nheza. Os enquadramentos e cIassifica-

coes habituais parecern baralhados e sin-

copados. 0 masculino e 0feminino, 0jo-

vern eo velho, 0belo eo feio, 0humano e

o bestial, 0celeste e 0infernal 0alto e °ba~xo (Gorg6 concebe pelo pes~o<;o, it rna-~elra das doninhas que, parindo peJa boca,

rnver tem a coridicao dos oriffcios bucais e

vaginais), °de dentro eo de fora (a lingua,

100 ]OJ

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 50/58

em vez de permanecer oenlta no interiorda boca, salta para fora como urn sexomasculino, deslocado, exibido, ameaca-dor) - todas ascategorias, em suma, in-terferem , cruzam-se e se confundem nessa

face. Assim e que esta figura logo -seesta-.belece Dumazona do sobrenatural que, decerta maneira, questiona a rigorosa distin-C;aoentre deuses, homens e animais, entreniveis e elementos c6smicos. Opera-se

uma mistura inqnietante e analoga a queDionisorealizapela alegriae pela liberacao,comvistas a comunhao de uma idade deDuro; com Gorgo, no entanto, esta desor-demfaz-sehorror e pelo pavor, na confusao

da Noite.A imbricacao do que norrnalmente esta

separado, a deformaeao estilizada dos tra-<,tos,a transformacao do rosto em earetatraduzem 0que denominamos a categoriado monstruoso , estendida emsua arnbiva-lencia entre 0terrificante e 0grotesco ,com passagem e oscilacao de urn a outro,Nesse contexto e que devemos interro-

gar a facialidade. 0 monstruoso de que

falamos tern a caracteristica de s6 poderser abordado de face, num confronto dire-

to do Poder que exige, para que 0veja-

~os, a entra~a no campo de sua fascina-cao, cOT?0rIse_?de nele nos perdermos.Ver aGorgona e olha-la nos olhos e, com0cruzamento dos olhares, deixar de ser 0

que se e, de ser vivo para se tornar comoeIa, P~d:r demorte. Encarar Gorg6 eper-der a vrsao emseuolho, transformar-se empedra, cega e opaea.

. No facea faceda frontalidade, 0homemfirma-se em posicao de simetria em rela-<,t~o ao deus; mantem-se sempre em seueixo; esta reciprocidade implica aomesmotempo dualidade - 0homem e0deus quese enearam - e inseparabilidade ou ate

identific~~ac:;a fascinacao signific'aque 0hornem J a nao pode desviar seu olhar ou0rosto do Poder, que seu olho perde-se nodo ~oder que tambern 0olha, que ele eprojetado no rnundo que este Poder pre-SIde.

Na ~acede Gorg6, ope:ra-se como queurn~fe]t? de desdobramento. Pelo jogo dafascinacao, 0voyeur e arraneado a simes-

I?o, destituido de senpr6prio olhar, inves-

rido e como que invadido pelo da figuraque0encara e, pelo terror que seus traces

102 103

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 51/58

e seu olho mobilizam, apodera-se dele e0

pOSSUl. •

A pg§~~ssao: usar uma mascara edeixarde--ser_u ___ue se e e encarnar, durante a

mascarada, o.Poderdoalem que se apos-sou :de nos e do .qual imitamosao mesmo

tempo a face, 0gesto e a voz. 0 desdobra- -

mento do rosto em mascara, a superposi-

C;iioda segunda ao primeiro, que 0toma

irreconhecfvel, pressupoern uma aliena-

~o em relacao a si mesmo, urn controle

por parte do deus que nos passa 0freio e as

redeas, que nos cavalga e arrasta em seu

galope; estabelece-se portanto , entre 0ho-

mem e 0deus, uma contigiiidade, uma

troca de estatuto que pode chegar a confu-sao, a Lderrtrfic.acao , mas ainda nessa

proximidade instaura-se 0apartar-se de si

mesmo , a projecao numa alteridade radi-

cal, inscrevendo-se na intimidade e no

contato a maior das distancias e 0estra-

nhamento mais completo.

A face de Gorg6 e uma mascara; mas

em vez de ser usada para que seu portadorimite 0deus, esta figura produz 0efeito de

mascara simplesmente olhando-nos nos 0-

lhos. Como se esta .mascara s6 tivesse

deixado nosso rosto, so se tivesse separado

de nos para se fixar a nossa frente, como

nossa sornbra ou nosso reflexo, sem que

nos possamos Iivrar dela. E nosso olhar

que se encontra preso amascara. A face deGorg6 e 0Outro , nosso duplo , 0Estra-

nho , em reciprocidade com nosso rosto

como uma imagem no espelho (esse espe-

lho em que os gregos s6 podiam ver-se de

frente e sob a forma de uma simples cabe-

ca), mas uma Imagem que seria ao mesmo

tempo rnerros e mais que nos mesmos,

simples reflexo e realidade do alem, uma

imagem que se apoderaria de nos, pois em

vez de nos devolver apenas a aparencia de

nosso proprio rosto, de refratar nosso 0-

lhar , representaria, em sua careta, 0hor-

ror terrificante de uma alteridade radical,

com a qual por nossa vez nos idcntificare-

mos, transform ando-nos em pedra.

Olhar nos olhos de Gorg6 e ver-se face a

face com 0alern em sua clirnerrsao de ter-

ror, cruzar 0olhar com0olho que por nao

deixar de nos fixar torna-se a propria nega-cao do olhar , receber uma luz cujo brilho ,

capaz de cegar, eo da noite. Quando enca-

ramos Gorgo , e eia que faz de nos 0espe-

104 105

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 52/58

lho no qual, transformando-nos empedra,contempla sua face terrfvel e se reconheceno duplo, no fantasma que nos torn amosao enfrentar 0seu olho. Ou ainda, para

exprimir em outros termos esta reciproci-

dade, esta simetria tao estranhamente de-sigual entre 0homem e 0deus, 0que amascara de Gorg6 nos permite ver , quan-do exerce sobre n6s 0seu fascmio , somosnos mesmos noalern, esta cabeca vestidade noite, esta face mascarada de invistvelque, no olho de Gorgo , revela-se a ver-dade de nosso proprio rosto. Esta careta etambem a que aflora em nosso rosto paranele impor suamascara quando , a alma em

delfrio , dancamos ao somda flauta a baca-nal de Hades.

Notas

1. Cf, Annuaire du College de France. Resurnode cursos e trabalhos, anos 1975-1976 e se-guintes ate 1983-1984.

2. Timeu; 35 a 3s. Teeteto 185c 9; Sofi sta,254 e

3; 255 b 3; 256 d 12-e 1; no Parmenide s , 0

Outro opoe-se ao Uno, tal como ao Ser: 143c2s.

3. Cf. L. Kahil, verbete "Artemis", em Lexi-

con Iconographicum Mythologiae Classicae ,

onde se encontram todas asprecisoes rieces-sarias.

4. Cf. Georges Dumezil, Apollon sonore et

autres essais, "Bibliotheque des sciences hu-

maines", Paris, Gallimard, 1982, pp. 13-

108. No caso da deusa, 0epiteto que a desi-

gna como khruselakato s , com a flecha de

ouro , comporta uma certa ambiguidade ,

evoeando 0duplo aspecto de umPoder ao

mesmo tempo cacadora-assassina e fernini-ria-virginal. Khruselakatos significa tambem

«com a roea de ouro"; cf, Ilfada, 20, 70 e

106 107

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 53/58

Odisseia, 4, 122, para cada urn dos dois sen-

tidos.5. Por golpear bruscamente, sem que se es-pere , e por matar imediatamente, 0dardo

de que se adorna Artemis e uma «flechadoce"; e a morte que envia, "uma terna

morte"';cf. Odisseia, 5,123; 11,172-173; 18,

202; 20, 60 e 80.

6. Iliada, 21, 470.7. Cf. J.-P. Vernant, Annuaire du. College de

France, 1982-1983, pp. 443-457.8. Caltmaco, Hino a Artemis. 18.

9. Cf. Xenofonte, Cinegetica, 1, 18.

10. Polibio , IV, 20-22.11. Sobre Atalanta. Te6gnis, 1287-1294; Apo-

Iodoro , Biblioteca, III, 9,2; Eliano, Histo-

rias variadas , XIII; Ovtdio , Metamorfose,X, 560-680; VIII, 318-445. Para a interpre-

tacao do personagem e de sua lenda, ct.Marcel Detienne. Dionysos mis a mort, Pa-

ris, Gallimard. "Les Essais", 1977, pp. 80-

SS.12. Licofron, Alexandra, 137, eo escolio a esta

passagem.13. Eliano, Hist6rias variadas, XIII, 1: "Ainda

crianca, Atalanta era mais alta do que sao

em geral as mulheres feitas (... ) tinha uma

fisionomia mascula. urn olhar terri vel (...).Ela nada tinha de seu sexo ( ... ) . Reunia

duas qualidades igualrnente capazes de sur-

preender: uma beleza incompar.avel e ~umar que inspirava terror (... ). Era imposstvel

encontra-la sem experimentar uma reacao

de pavor."

14. Souda. s ,v. arktos e Brauroniois; para 0

conjunto dos textos relativos a arkteia de

Brauron , cf. W. Sale, "The temple-legendsof the Arkteia", Rheinishes Museum, 118.

1975, pp. 265s, Claudia Montepaone,

"L "arkiteia a Bra uron" ~ Stu.di storico-

religiosi; 1979, III, 2. pp. 343s.

15. Cf. Pierre Ellinger, "Le gypse et la boue. I.

Sur les mythes de la guerre d'aneantisse-

ment", Quaderni urbinati di cultura classi-

ca, 29, 1978, pp. 7-55; "Lesruses de guerra

d'Artemis", Recherches sur les cultes grecs

et l'Occident, 2, Cahiers du centre Jean Be-

rard, IX, Napoles, 1984. pp. 51-67.16. Hestodo , as trabaihos e os dias , 276-280.

]7. Cf. Euripides, Ifigerua em Tauris , 402 e

1.388.

18. Sobre a Artemis de 'Tindaris , ct. FrancoiseFrorrtisi-Ducroux , «Artemis bucolique ",

Revue de I'Histoire des Religions, I, 1981,pp. 46s; "L'homme, Ie cerf et le berger.

Chemins grecs de la civilite ", Le Temps de

faReflexion , IV, 1983. pp. 58s; sobre Arte-

mis Triclaria em Patras, ct. I.-P. Vernant,

Arinuaire du College de France, 1982-1983,pp. 445-449.

19. Pausanias, III, 16, 9-11.

20. cr. J.-P. Vernant, uLe Dioriysos masque

des Bacchantes d'Euripide", L'Homme ,

108109

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 54/58

93, jane-marco de 1985, XXV (1), pp. 31-

58.

21. Ambas tern afinidades com e.Potnia theron~a grande divindade feminina, senhora das

feras e da natureza selvagem, que as prece-

deu no mundo creto-micenico e da qual

elas assumem, cada urna a suarnaneira, aheranca, transformando-a profundamente,

no quadro da refigiao cfvica.

22. Cf. Francoise Frontisi-Ducroux e J.-P. Ver-

nant, "Figures du masque en Grece an-

cienne.", Journal de Psychologia, n. 1-2.jan.-junho de 1983, p. 68.

23. Cf. Orphicorum Fragmenta n. 53 (ed.

Kern); Abel, Orphica, p. 289, I. 2. Uma

primeira versao desse texto , abreviada e

diferente , foireproduzida no volume Hom-

mages a Leon Poliakov, pubhcado em

Bruxelas em 1981..

24. Clemente de Alexandria. Protreptiko, II,

21 = Orphicorurn Fragrnenta nr 52 (ed.

Kern); Arnoio, Adversus Nationes, V, 25.

p. 196,3 Reiff =Orphicorum Fragmenta. nr

52 (ed. Kern).

25. Sabre essasestatuetas, consultar J. Raeder ~Priene, Funde aus einer griechischen. Stadt.

Bedim. 1983. em particular as figuras 23. a,

b, c.Sabre toda a questao relativa a Baubo, dis-

pornos atualmente de urn estudo exaustivo

de Maurice Olender, "Aspects de Baubo ,

Textes et contextes antiques". Revue de

t:Histoire des 'Religions, 1, 1985, pp. 3-55.

26. Cf. Herondas, VI, 19.

27. I. 5. 1; cf. as tres Graiai, que sao as irmasdas G6rgonas.

28. .Aiskhrologia: dizer coisas feias e vergo-

nhosas. Sobreo gephurismos, cf. Hestquio,

s.v. gephuris, gephuristai; sobre a troca ri-tual de .injurias e zombarias entremulheres

nasTesmoforias, ct.H.-W. Parke, Festivals

of the Athenians" Londres, 1977, pp. 86-87.

29. Ateneu, III, 98d.

30. Cf. em particular. em Aristofanes, Acarnd-

nios, toda a passagem 764w817.

31. Bernard Goldman, "The Asiatic Ancestry

of the Greek Gorgon" , Berytus, XIV. 1961,

pp. 1-23; Sp. Marinatos, "Gorgones kai

gor goneia", Archaiologike Ephemeris,

1927-1928. pp. 741; Ernest Will, "La de-collation de Me d use ? , Revue A r-cheologique, 1947~pp. 60-76.

32. Clark Hopkins, «Assyrian Elements in the

Perseus-Gorgon Story". American Journal

of Archaeology, 1934, pp. 341-353; «The

Sunny-Side of the Greek Gorgon". Bery-

tus, XIV, 1961, pp. 25-35.33. Jane Harrison, Prolegomena to the Study of

Greek Religion, Nova York. 1957 (1! ed.,

1903), cap. V: «The demonology of Ghosts

and Sprites and Bogeys", pp. 163-256.

34, Cf. Esquilo , As Eumenides, 48-51.

35. Theodora Karagiorga, Gorgeie Kephale

lI D 11 1

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 55/58

(Origine et signification de la figure de la

Gorgone dans Ie culte e dans I'art de l'epo-

que archatque); Arenas, 1970.

36. "The Passing of the Gorgon", Bucknell Re-

view, 17. 1969~pp. 57-71.37. Iliada, 18,214-221. Sobre Gorgo, na Iliada,

cf. 5. 738s; 8, 348 e 11~36-37.

38. "The Origin and Function of Gorgon-

Head". American Journal of Archaeology,

vol. 58, n. 3,1954, pp. 209-221. Sob 0nome

de Thalia Feldman. a autora desenvolveu e

prolongou sua analise em: "Gorgo and the

Origins of Fearn. Arion_. IV. 1. 1965, pp.

484-494.

39. Piticas, 12, 6s.

40. Odisseia, 11, 605.41. "Rhapsodies homeriques et trlandaises ",

Recherches sur les religions de fAntiquiteclassique, por Raymond Bloch. Centre de

Recherches d'Histoire et de Philologie de

la IVe Section de I'EPHE, III, Hautes

Etudes du monde greco-romain , 10, Gene-

bra e Paris, 1980, pp. 61-74.

42. Cf. Pindaro, Olimpicas, 6, 37.

43. A Republica dos Lacedemonios, 11,3.

44. Plutarco, Vida de Licurgo, 22.45. Bekker, .Anecdota Graeca, P: 284.

46. !Iesiquio. s,v, Xanthica: Souda, s.v. ena-

gizon,

47. 'Her6doto, I, 82; cf. Platao , Fedon, 89 c.

48. Herodoto, 1,82. ,

49. Plutarco , Vida de Lisandro, 1,2.

50. Plutarco, Vida de Licurgo, 15. 5.

51. Lisistrata, 1308s.

52. Odisseia, 11. 632s.53. Ibid., 633-635.

54. Hesiodo, Teogonia, 770-773.

55..Aristotanes..As Rtis, 477; Apolodoro, II.S,12.,

56. Odisseia, 10,521 e 536; 11,29 e 49. Cf. R.

B. Orrians , The Origins of European

Thought, 2~ed., Cambridge, 1954, pp. 98s.

57. Hesiodo, 0 escudo, 226.

58. «Persona", inArchiv fur Religionswissens-chaft, 27. 1929, pp. 35-52.

59. "Perseus e Phersu"', Aevum Rassegna di

Scienze storiche, linguistiche e filologiche,

35, 1961, pp. 131-135.

60. J.HCroon. "The Mask of the Underworld

Daemon. Some Remarks on the Perseus-

Gorgon Story". Journal of Hellenic Studies,75) 1955, pp. 9s.

61. R. B. Onians, op. cit.i- p. 429, nota 1.

62. Aristoteles, Dageracao dos anima is, 743 b6; Areneu , 585 c.

63. Arist6teles, Hist6ria dos anirnais, 623 b 10e629 a 22.

64. Xenofonte , Aruibase, 1, 8, 18 e 5, 2, 4;

Heliodoro, Etiopicas, 27, 4-5.

65. As duas irrnas de Medusa sao imortais. Per-

seu mata Medusa, mas a cabeca do mons-

.tro , uma vez decepada, preserva todo 0seu

poder nefasto: transform a em pedra os que

112 113

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 56/58

a olharn, por todos os tempos, como fazia

em vida deMedusa.

66. Esquilo, As Eumenides, 569.

67. Hesfodo, Teogonia, 775.

68. Esquilo, Prorneteu acorrentado, 799.

69. Hestquio , s.v, stux; Antoninus Liberalis,

Metamo rfoses, 21, 5; Ovfdio, Fastos, VI,

33.

70. Esquilo, As Eumenides, 68.

71. Hesfodo , 0 escudo, 232-233.

72. Esquilo, As Eumenides, 117 e 189.

73. tu«, 131-

74. Odisseia, 11, 605; Pindaro, Piticas, 12, 38.

75. Pausanias, VI, 20, 15.

76. Esquilo , As Suplicarues, 123 e 208,

77. Equitacao, 10, 17;cf. tambern 1~IOe 14; 11,12.

78. Estrabao, X, 3, 16.

79. Pfndaro, Piticas, 12,6s.80. Aristoteles, Politica, 1.342 bs; Apolodoro ,

1,4,2; Ateneu , 14,616 e-f'; Plutarco , 456b

s .

81. Herodoto, 7,26; Xenofonte, Anabase, 1,2.82. Euripides: ion, 995-996; Apolodoro, 1, 6,

2; Diodoro, 3, 69.

83. As duas versoes sobre ° riso da Mae, dis-traida de seu Iuto por Iambe e Baubo, Euri-

pides acrescenta uma nova, diferente e ins-

trutiva. Desta vez, ea Mae tornando a flau-

ta nas maos que ocupa, juntamente com 0

ruido dos pratos e dotamborim, 0Ingar do

gracejo obsceno ou da exibicao do sexo:

"Entao Cipr'is, a rnais bela das deusas, pela

primeira vez fez ressoar 0bronze de voz

infernal j apoderou-se dos tamborins rete-

sados de couro; e a deusa mae pos-se a rir ;

encantadapelo clamor, tomou nas maos a

flauta de rufdo profundo ." Euripides, Hele-

na, 1.338s.84. Plutarco , Sabre a igualdade da alma, 456

a-b.85. Plarao , Leis, 7, 790 d.

86. Platao, Criton, 54 d.

87. Iamblico , Dos misterios, 3, 9.

88. Euripides. Heracles, 1.119.89. rua., 884.90. Ibid., 891-895; cf. Orestes, 316-320.91. Ibid., 868.

92. Ibid., 931 e 990.

93. Xenofonte , Banquete, 1, 10.

94. Platao, Leis;"7, 790e-791 b.95. Da doenca sagrada, IV, 31&.

96. Hipolito de Roma, Refutacdo de todas as

heresias, 4. :\5.

97. Euripides, Helena, 569.98. Platao, redan, 77 e.

99. Cf. tambem Plutarco, Moralia, 1.105 b.100. E. Rohde, Psyche. Le culte de l'ame chez

les Grecs et leur croyance a l'immortalite,

Paris, 1928, apendice 5, pp. 607-611.

101. CaIimaco, Hino aArtemis, 50s.

102. Teocrito, Idilios ;XV, 40.103. Escolios a Apolonio de Rodes, 3. 8-l.104. Da doenca sagrada; IV, 37-39.

114 115

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 57/58

105. Euripides, Orestes, 337-338.106. L. Gernet, Recherches sur le developpe-

ment de la penses juridique et morale en

Grece , Paris, 1917. pp. 146 e 320. Sob_:e

essa reciprocidade de terror e pert\lrba~ao_ ph6bos" deima, t?rasso.--- no fantasma

da vitima e no assassrno sujo de sangue ,vcr

Platao , Leis, 9, 865 d-e: conta-se q,?c 0homem morto de rnorte violcnta "vc-se,

tao logo morto, irritado com aquele que 0

matoue cheio de panico e pavor (Ph6bou

kai deimatos) par causa da v~ol~ncia que

sofreu nao pode ver sen assassmo (... ) sem

ser tornado de terror (deimainei) e, por sua

vez perturbado (taratt6menos aut6s). pe~-

turba (tardttei) 0quanta pode s~u assassr-no cuja mem6ria toma por aliada para. ,.inquieta-lo em sua alma e seus atos.

107. Sobre a cabeca como realizacao plena, cf.Platao , Gorgias, 505 d, e Timeu; 69 a.

108. Orphei Hyrnni , 29, 5-6 (ed, Quandt).

109. Esquilo, As Eumenides, 989-990.

110. Pausanias, III, 22,2.

111. Pausanias, IX, 33, 3.

112. Pausanias, VII, 25, 7.

113. Pausanias, VIII, 34. 1.

114. iua., 15, 1-3.115. Ateneu, 14,631 d.116. Pausarrias , IX, 19, 6 e 33, 5. .117. Cf. F. Vian, Les Origines de Thebes, Pans,

pp.2305.

118. Escolios a Sofocles, Aruigona , 126. Fr. 652

Pfeiffer.

119. Hesiodo, Teogonia , 284-286.

120. Ibid; 736-738 e 807-809.

121. Ibid., 739.

122. tu«, 775-779.

123. Her6doto, 6, 74; Pausanias, VIU,

18,4.

124. "The Mask of the Underworld Daemon",

op, cit., pp. Lls; cf. supra, nota 60.

125. Pausanias, VIII, 25, 4-8.

126. Ibid.; 42, 1-7.

127. tua.. 34, 2-4.128. Ibid., 18, 7-8.

129. iua., 17,6.

130. Lbid: , 19,2-4. Sobre a lussa, cf. Bruce Lin-

coin, "Homeric iussa , Wolfish Rage",Indogermanische Forschungen ; 80, 1975,pp.98-105.

131. Para recuperar seu olho e seu dente , as

velhas Graias tiveram de entregar 0segre-

do das Ninfas. Essas jovens divindades

agrestes confiam a Perseu 0barrete que 0

torna invisfvel , as sandalias magicas que 0

conduzem de urn lugar a outro , a kibisis, 0alforje onde podera enfiar , para dissimu-

la-la aos olhares, a cabeca de Medusa. A

esta pan6plia Hermes acrescenta a harpe,o machete em forma de foice de que ja se

servira Crono para castrar Urano.

132. Sobre a tradicao que apreserita Medusa

como uma jovern encantadora , desejosa de

117116

Sobre 0autor

rivalizar neste terreno com as deusas mais

5/11/2018 Jean Pierre Vernant - Com a Morte Nos Olhos - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/jean-pierre-vernant-com-a-morte-nos-olhos 58/58

betas, cf. Apolodoro , II, 4, 3; Ovidio ,Me-

tamorfoses, IV, 7955.

133. Dorosto hediondo de Medusa, de seu olho

perrificador , Perseu soubera olhar apenas

o reflexo enfraquecido. 0ema e retomadoe como que desdobrado por Ovidio no epi-

s6dio da Iibertacao de Andromeda, salvapelo heroi no caminho de volta. Em sua

estupidez, 0monstro marinho que ataca

Perseu atira-se nao sobre 0jovem propria-

mente, mas sobre sua sornbra: com suas

garras, estracalha em van0reflexo do he-

r6i na superffcie lisa do mar.

J.EAN-PIERRE VERNANT e professor houor a-

no no COllege de France, onde foi ate 1984 titular

da <:adeira de Estudos Comparados de ReligioesArrtigas,

liS

Principals obras:

Les origines fapensee grecque, PUF, 1962.

My the et pensee chez les Grecs, Maspero, 1965;

2~edicao , revista e aumentada, 1971; 3~edicaoaumentada, 1985. .

Problemes de la guerre en Grece ancienne , vo-

lume coletivo publicado pela editora da Ecole des

Hautes Etudes en Sciences .Sociales, 1968.

My the et tragedie en Grece ancienne. com PierreVidal-Naquet , Maspero, 1972. ., .

My the et societe en Grece ancienne Maspero

1974. "

Divination et rationalite, volume coletivo LeSeuil, 1974. '

Les Ruses de l'intelligence. La metis des Grecs,

com Marcel Detienne, Flarnmarion, 1977.

Religions, histoires, raisons, Masf>ero', 1979.

La Cuisine du sacrifice en pays grec , volume

coletivo em colaboracao com Marcel Detienne,

Gallimard , 1979.

.La Mort, les morts dans les societes anciennes,

volume coletivo em colaboracao com GherardoGnoli, Cambridge University Press - Editions de

la Maison des Sciences de I'Hornme , 1982.

119