Jean Yves Leloup - CAMINHOS DA REALIZAÇÃO

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    Caminhos da realizaoDos medos do Eu ao mergulho no Ser

    ContedoPrefcio, 9Introduo, 11Uma nota sobre a traduo, 1 5

    O Complexo de Jonas ou os Medos do Eu, 17Introduo, 19O Livro de Jonas, 22

    Primeiro CaptuloQuem Jonas, 27Alguns arqutipos, 28A escada do desejo e do medo, 34Morte e ressurreio, 42Os medos de Jonas e os nossos medos, 43O medo do sucesso, 44O medo da diferena, 47O medo de mudanas, 52O medo de se conhecer, 53

    Segundo CaptuloO mergulho no inconsciente, 55O tornar-se autntico, 58Cuidar do Outro, 60A felicidade de ver os maus castigados, 62A misso, 68

    Terceiro CaptuloO medo de amar, 70Eplogo, 79Apndice (Perguntas e respostas), 81Masculino, Feminino e SnteseIntroduo, 123Arqutipos femininos, 124

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    A samaritana, 124O texto evanglico, 124As etapas do caminho, 126Resumo das etapas, 134Maria Madalena, 1 36

    Introduo, 136A mulher de desejos desorientados, 137 A contemplativa, 142A intercessora, 143A intuio que profetiza, 145A acompanhante dos moribundos, 147A testemunha da ressurreio, 150A iniciadora, 152Resumo dos arqutipos, 158Maria, 159A Virgem Maria, 160A Anunciao, 163

    As Bodas de Can, 167Maria aos ps da cruz, 170Pentecostes, 171As aparies da Virgem, 172 Arqutipos Masculinos, 174Introduo, 174Judas, 174Da expectativa ao desespero, 175 O ter e o ser, 177A sombra, 179 Pedro, 181A pedra, 1 8 1A negao, I 82

    As formas de amor, 183O arqutipo da sntese, 189 Jesus, 189O Tentropos, 1 89A aliana, 191A sinergia, 192O respeito, 195O Caminho do Meio em Psicologia, 197O filho, 197A comunho, 198Apndice (Perguntas e respostas), 202

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    PREFCIOJean-Yves Leloup, Mestre do Transpessoal.Depois de ter apresentadopara o pblico brasileiro a traduo do seu livro Cuidardo Ser, que nosbrinda com uma primorosa exposio sobre os Terapeutas, do texto deFlon de Alexandria, enriquecida dos seus prprios comentrios, Jean-Yves Leloup nos oferece, agora, uma coletnea de suas palestrasrealizadas em dois Seminrios, na UNIPAZ de Braslia, onde vemregularmente ensinar na Formao Holstica de Base e em Psicologia

    Transpessoal.Sem dvida, Jean-Yves Leloup pode ser considerado um dos maioresexpoentes da Psicologia Transpessoal. Doutor em Filosofia, Teologia ePsicologia Transpessoal, com formao realizada na Frana e nosEstados Unidos, Leloup despertou para o Cristianismo depois daadolescncia, tendo recebido o seu batizado no Monte Athos,Grcia,evento que foi objeto do seu primeiro livro. Sacerdote no fundodo seu corao e da sua alma, o padre Jean-Yves Leloup foi ordenadona Igreja Ortodoxa aps uma odissia espiritual relatada em suaautobiografia, L'Absurde et la Grce.Discpulo do grande terapeuta e mstico Karlfried Graf Durckheim,Leloup muito solicitado para dar conferncias e cursos no mundointeiro, notvel pelo seu carter lcido, inspirado e pelo toquetranspessoal que comunica nas suas interpretaes e exegeses.H quatro anos, Jean-Yves Leloup fundou o Colgio Internacional dosTerapeutas, com sede na UNIPAZ, cuja direo brasileira confiou aRoberto Crema. uma idia bastante frtil j que resgata e faz reviver,no sculo XXI, o esprito original dos Terapeutas de Alexandria, com asaquisies da terapia atual.Este livro pode ser considerado um excelente vade mecum para quemquer se inspirar nesse esprito.PIERRE WEIL Reitor da UNIPAZ

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    INTRODUOEste livro um poema de sabedoria. Extrado de dois seminriosorientados por Jean-Yves Leloup, em 1995, para a Formao Holsticade Base e a Formao em Psicologia Transpessoal da UNIPAZ, tem oencantamento e a fluidez emanadas de uma fonte rara de intelignciahermenutica. So palavras lcidas geradas no ventre de um profundosilncio contemplativo, dirigidas do templo do corao ao corao, dorelicrio do Ser ao Ser.A primeira parte dessa obra centrada no tema do Comcplexo deJonas, desvelando um caminho em direo ao despertar transpessoal, a

    partir de um amplo mapa dos medos do Eu, de nosso psiquismopessoal. A leitura simblica da trajetria de Jonas uma indicao einspirao para a aventura herica da realizao vocacional,longoprocesso de plenificao da semente singular e da promessa encarnadana essncia de cada ser humano.A segunda parte focaliza o amplo horizonte do Maseulino, Feminino eSntese onde, como postulavam os Antigos Terapeutas, os personagensdas Escrituras Sagradas,alm da sua dimenso histrica, so consideradosarqutipos de estados de conscincia e de estgios evolutivos daexistncia. Percorreremos itinerrios de metamorfoses de grandesimagens estruturantes da condio humana. Sentaremos, com aSamaritana, no poo de Jac; ascenderemos os degrausiniciticos da via apaixonada de MariaMadalena; contemplaremos omanto desilncio inocente e imaculado de Maria e caminharemos com assandlias de Pedro, Judas e Joo Batista. Sempre luz de uma sabedoriacrstica apontando para o resgatedo Esprito.Para Jean-Yves Leloup, o Terapeuta um suposto escutar. Trata-se aquide uma escuta inclusiva que no divide o que a prpria Vida uniu: ocorpo, a psique e o esprito.Uma grande tragdia contempornea, fruto do reducionismo cienticistaque, moda clssica do diabolos - aquele que semeia a desunio - tudodivide e separa, amodelagem alienada da especializao,determinante de uma viso e escuta dissociadas e minimizadas. Umapessoa com o corpo ferido procura um psiclogo que s escuta a

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    psique; outra, com a psique sangrando, procura um sacerdote que sescuta o Esprito; ainda outra, sofrendo com a desvinculao da essnciaespiritual, procura um mdico que s escuta o corpo... Onde seremosescutados como o todo indissocivel que somos?

    Gosto de confiar que, num futuro breve e mais saudvel, sem regredirao ideal ingnuo do generalista, evoluiremos do enfoque fragmentadoda especializao para o enfoque da vocao. Na abordagemvocacional a pessoa, como uma planta, convidada a fincar as suasrazes no solo fecundo de seus talentos particulares e a remeter o seucaule e copa em direo ao firmamento. Assim, o desenvolvimento deuma habilidade singular no nos cegar a viso do todo, seguindo osbio preceito taosta: o alto descansa no profundo. Para que haja umespao de Escuta da inteireza humana que foi criado, em 1992, o

    Colgio Internacional dos Terapeutas (CIT), sob a orientao de Leloupe com sede na UNIPAZ. Inspirado na tradio dos Terapeutas deAlexandria que no incio da era crist deixou-nos o surpreendente eprecioso legado de uma abordagem holstica aplicada sade integral,o CIT realiza as dimenses interconectadas de uma clnica, de umaescola e de um templo.Destinado a congregar terapeutas de diversas formaes e competnciasque comungam uma antropologia, tica e prtica holsticas, tendo comocentro a inteireza do Ser, a tarefa comum postulada pelo CIT resume-seem dez Orientaes Maiores centradas em: plenitude, tica, silncio,estudo, generosidade, reciclagem, reconhecimento, anamnese essencial,despertar da Presena e fratemidade.Este o grande resgate para o qual nos convoca Jean-Yves Leloup,sacerdote, filsofo, psiclogo e, sobretudo, poeta da sabedoria deCristo, o Cristo que o arqutipo soberano do Terapeuta em suaplenitude. " Uma floresta cresce silenciosamente", afirma Leloup. Quefloresam em abundncia e virtude estes novos e antigosterapeutas,aliados na conspirao premente pelo reino do Ser.Para que o leitor pudesse saborear esta Cano de Amor que tem nasmos, muito temos a agradecer s tradutoras e colaboradoras daUNIPAZ: Regina Fittipaldi (Pr-reitora da UNIPAZ), Clia Stuart Quintase Lise Mary Alves de Lima. Alguns dos presentes gravaram os doisseminrios e, gentilmente, apressaram-se em nos ceder as fitas cassetes.Estas foram decodificadas para a eserita, em uma dedicada obraartesanal, por Lise Mary Alves de Lima. A Rede Holos agradece.

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    ROBERTO CREMA do Colgio Internacional dos Terapeutas

    UMA NOTA SOBRE A TRADUO

    com muito carinho que passamos s mos de vocs este texto. Elenasceu do nosso desejo em compartilhar a graa e a alegria de escutarJean-Yves Leloup. Uma Escuta que passou por muitas fases.De ns trs, apenas Regina tem experincia em traduo. Uma traduo"sucessiva", no simultnea, para um auditrio pequeno e cheio degente. Pessoas em p, sentadas em cadeiras e no cho. E muito calordentro e fora da gente. Regina traduziu todo o seminrio sobre Jonas.Cla e Lise se revezaram no segundo texto.Como Lise no lembrava uma palavra do que tinha traduzido, procurou

    pessoas que tinham gravado. Conseguiu dois lotes de fitas e comeou adecodific-las. Cada vez que terminava uma fita, um grande "buraconegro" aparecia no texto. Era preciso procurar no outro lote as frasesque faltavam. Alm disso, as pessoas no auditrio faziam as perguntassem microfone e muitas delas, como vocs podem notar, se perderam.Aos poucos os textos tomaram forma. E foram ficando com o aspectode Boa-Nova, de Evangelho. Por isso, num primeiro momento, demosa ele o nome de "Evangelho segundo Jean-Yves", e ele foi o nossopresente de Natal. Algumas vezes foi preciso colocar uma observaonossa, para que as pessoas que no assistiram aos seminrios pudessementender. Vocs vo encontrar estas observaes entre parnteses,precedidos de N.T. (Nota de Traduo). Algumas perguntas, tambm,geraram respostas semelhantes em ambos os seminrios. Como elas secomplementavam,ns as conservamos.Esperamos que vocs aproveitem, como ns, estas palavras desabedoria. E, fazendo nossas as palavras de Jean-Yves, desejamo-lhesboa viagem!Clia Fittipaldi Lisc Mary Alves de LimaRegina Fittipaldi

    O COMPLEXO DE JONAS ou Os Medos do EuINTRODUO

    Neste Seminrio estudaremos o Livro de Jonas, que uma passagem doAntigo Testamento. Jonas aquele que prefere ficar deitado e quando aVoz Viva vem visit-lo em seu ntimo, ele resiste. Deste modo, Jonas

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    tem muito a nos ensinar sobre os nossos medos, as nossas resistncias,sobretudo sobre o que pode ser, para ns, um obstculo descobertado nosso ser essencial verdadeiro e da misso que dela decorre.Ns entramos no esprito dos Terapeutas de Alexandria, para os quais

    cada personagem bblico um arqutipo, isto , uma imagemestruturante, uma imagem interior, a encarnao de um estado deconscincia no espao e no tempo.Estudar estes personagens e estes estados de conscincia um modo deiluminar o nosso prprio caminho e nosso "vir-a-ser" (nosso tornar-se).Jonas, neste esprito, cada um de ns. cada um de ns em seucontato com o transpessoal, com as dificuldades que este contato podetrazer, com as esperanas que ele pode despertar e tambm com omedo que ele pode nos trazer. Estudaremos portanto os diferentesmedos que nos habitam os medos que se situam no nvel pessoal,ligados nossa estria de infncia e nossa estria de jovens, adultos,assim como o medo que se situa no nvel do transpessoal. Estas formasde medo foram bem estudadas por Abraham Maslow e por outrospsiclogos humanistas quando fazem referncia ao Complexo de Jonas,que o medo da nossa prpria grandeza e das exigncias que deladecorrem. Porque no suficiente reconhecer o que h de grande emns, o que temos de bom e de divno em ns mesmos.Trata-se de questionar o que esta divindade quer manifestar atravs dens. Quando a pressentimos, s vezes preferiramos no saber,recusando, neste caso, o nosso ser essencial.Conhecemos a recusa da sexualidade, a recusa da criatividade e sabemosdos problemas e sintomas que estas recusas podem causar. Conhecemosmenos as conseqncias da recusa ao nosso ser essencial. O desequilbrioe o estado de infelicidade que esta recusa pode introduzir em ns.Tambm, neste seminrio, nos perguntaremos sobre o que nos fazmedo, o que nos faz mais medo, sobre o que nos impede de sermosverdaderamente humanos, o que impede vida de se realizar atravsde ns, o que impede que o desgnio de Deus se realize atravs de ns.O Livro de Jonas ser tambm para ns uma oportunidade de nosinterrogarmos sobre nossa misso, sobre nossa vocao. O que cada umde ns tem de particular e nico. O que que eu tenho a fazer nestavida, que pessoa alguma pode fazer em meu lugar. Eu acredito que cadaum de ns tem uma maneira nica e insubstituvel de encarar a vida. Deser inteligente - a maneira de uma pessoa ser inteligente no a mesma

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    maneira da outra. O modo de amar de um no o modo de amar dooutro. Trata-se, ento, de nos interrogarmos sobre o nosso modo,nico, de sermos inteligentes, de sermos humanos, de estarmos vivos. o que se pode chamar de nossa vocao ou de nossa misso. Isto no

    to simples porque, s vezes, ns assumimos como sendo nosso desejoaquilo que o desejo de nossos pais ou o desejo da sociedade, ou odesejo de tudo o que nos influenciou.O Livro de Jonas nos convida a escutar em ns mesmos um desejo maisprofundo do que todos estes desejos que foram projetados em ns.Reencontrar o nosso desejo essencial: esta uma boa definio de sadeque ns encontramos escrita no mundo psicanaltico, e que se mantero mais prximo possvel do seu desejo essencial. Podemos sofrer, terdificuldades, mas quando estamos prximos do nosso desejo essencial,

    do nosso ser essencial e verdadeiro, estas provas e estas dificuldadespodem ser superadas. Mas a questo : o que, verdadeiramente, nsqueremos? 0 que desejamos verdadeiramente? O que que quer e oque que deseja, em ns?Alm do desejo do Eu (e do Ego), trata-se de sermos capazes de escutaro desejo do Self, quaisquer que sejam as suas exigncias. Porque se noescutamos este desejo, vamos ter problemas no somente em nsmesmos mas tambm no exterior. Em Jonas, isto vai provocartempestades. Ento, num primeiro momento, leremos o Livro de Jonas.Em seguida nos interrogaremos sobre os smbolos deste texto. Vamosimaginar que estamos junto lareira, escutando uma estria...Esta estria de Jonas preciso conceb-la com nossos sonhos, pois vocssabem que os textos sagrados so textos do inconsciente.Trata-se de escut-los como se fossem um sonho ou um testemunho doinconsciente. Eles no falam somente nossa razo, ao mundo dasexplicaes, mas falam ao mundo dos sentidos, atravs de imagens esmbolos. um livro que nos faz pensar e tambm um livro que nosfaz sonhar. E a chave deste sentido, desta palavra que atribuda fonte divina, pode nos ser dada, tambm, atravs dos sonhos.Finalmente perguntaremos o que que, no livro de Jonas, nos fezsonhar...

    O LIVRO DE JONAS

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    Era uma vez...- A Palavra dAquele que chega at Jonas. E lhe diz: "Levanta-te,desperta, vai a Nnive, a grande cidade, prega nela que eu tenhoconscincia de sua maldade. Eu, o Ser que , sinto a loucura desta

    cidade e a sua doena. Vai a Nnive ".Jonas levanta-se, mas para fugir. Fugir da presena d'Aquele que . E, aoinvs de ir para Nnive, ele se dirige a Trsis. Ele desce a Jope, ondeencontra um barco partindo para Trsis. Ele paga o seu bilhete e desceao interior do barco para ir com os outros passageiros a Trsis, fugindoda presena d'Aquele que . Seus ouvidos se fecham a esta palavra queo convida a ir a Ninive.

    Ento, o Ser que Aquele que lanou um grande vento sobre o mar.E houve uma tempestade to grande que todos pensaram que o barcoia naufragar. Os Marinheiros tiveram medo e rezaram, cada um a seudeus. Eles jogaram ao mar toda a carga que traziam no navio para queeste ficasse mais leve. Entretanto, Jonas tinha descido ao poro donavio e ali se deitou, dorrnindo um profundo sono. O capito foiprocur-lo e lhe disse: "Como podes dormir to profundamente? Comopodes dormir no meio deste desespero que nos faz sucumbir? Levanta-te, desperta, invoca teu Deus. Talvez este teu Deus possa nos ouvir,talvez que, com este teu Deus, no pereamos ".

    O tempo passou. E ento se disseram uns aos outros: "Ns no vemosuma soluo. Joguemos os dados para sabermos porque este mal nosacontece ".

    Eles lanaram os dados e caiu a sorte sobre Jonas. E eles disseram: "Diz-nos agora, de quem a culpa deste mal que se abate sobre ns? Qual a causa desta infelicidade que nos acontece? Quem o culpado? E tu,quem s tu? Qual a tua profisso? De onde vens? Qual o teu pas?Qual o teu povo?"

    Jonas respondeu: "Eu sou um hebreu (a palavra "hebreu" quer dizeralgum que est de passagem, aquele que est). Eu temo Aquele que, o Deus do cu que fez o mar e a terra. Aquele que fez o ser, as coisase que contm todas as coisas ". Os marinheiros tiveram medo e lhe

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    perguntaram: "O que tu fizeste? Por que tu fugiste?" Porque esteshomens compreenderam, pelo que dizia Jonas, que ele era um homemque fugia presena do Ser. E lhe disseram: "O que devemos fazercontigo para que o mar cesse de se levantar contra ns?" Porque o mar

    estava mais e mais agitado. Jonas lhes disse: "Peguem-me e lancem-meao mar". Ele reconheceu que ele era a causa do que lhes acontecia. Quesua perturbao interior projetava perturbao ao exterior. "Eu sei que acausa desta grande tempestade a minha culpa".

    Os homens puseram-se a remar, energicamente, em direo costa, eno conseguiam chegar porque o mar se agitava cada vez mais contraeles. Ento clamaram quele que , dizendo: "Por favor, Senhor, nonos faas perecer por causa deste homem. No nos acuses pelo sangue

    inocente, porque tu s Aquele que e tu fazes o que bem te apetece ".Ento eles pegaram Jonas e o lanaram ao mar. E o mar acalrnou a suafria.Estes homens sentiram um grande temor, realizaram atos sagrados e seinclinaram na presena d'Aquele que . Neste momento, Aquele que preparou um grande peixe para engolir Jonas. E Jonas esteve nasentranhas do peixe durante trs dias e trs noites. Nas entranhas dopeixe, Jonas rezou a seu Deus, rezou quele de quem fugiu e de ondeno mais podia fugir: E disse: "Eu te chamo, Tu que s, em minhatribulao. Do ventre do inferno eu grito por ajuda. Eu sei que Tuescutas a minha voz, Tu o silencioso, o alm de tudo. Tu meprecipitastes no mais profundo do mar, ao sabor das ondas a correntedas guas me cercou, as vagas passaram por cima de mim. Ento eupensei que fui rejeitado para longe dos teus olhos e, contudo, eucontinuo a olhar para o teu templo santo. As guas me asfixiaram at amorte, o abismo me arrodeou, as vagas envolveram minha cabea. base das montanhas eu desci. Eu estou no inferno.

    Mas eu sei que Tu podes reverter minha vida, perdoar meus erros, Tuque s a fonte do meu ser. Minha salvao a minha lembrana de Ti.Minha salvao est na lembrana do Ser. Os que se entregam svaidades esquecem a graa do teu Ser. Do fundo do inferno, eu queroagora cumprir o que Tu me mandaste fzer".

    E, neste momento em que Jonas aceitou o desejo que habitava nele,

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    quando ele escutou a voz que estava nele, o peixe o vomitou sobre aterra firme. Assim, aconteceu que a palavra d'Aquele que chegou denovo at Jonas. A mesma palavra de antes e de depois das provaes.Esta palavra lhe dizia: "Levanta-te, Jonas, desperta. Vai! Anda! Vai a

    Nnive, a grande cidade e faze-lhes escutar a pregao que Eu te digo ".Desta vez, Jonas levantou-se e foi a Nnive, seguindo as ordens d'Aqueleque .

    Ora, Nnive era uma cidade de dimenses enormes, sendo necessriotrs dias para atravess-la. E desde o primeiro dia em que entrou nacidade, Jonas comeou a pregar: "Se vs continuais a viver assim, se vscontinuais a viver na violncia e no erro, em quarenta dias Nnive serdestruda. Vs pagareis pelas conseqncias de vossos atos. Isto no vai

    durar, no pode durar!... 'O povo de Nnive, escutando estas palavras, creu no que Jonasanunciava. E ordenaram um jejum, vestiram-se de sacos, desde o maiorat o menor e neste dia eles ficaram todos iguais, no havia ricos nempobres. Todos se vestiram de sacos de aniagem. Quando esta novachegou aos ouvidos do Rei de Nnive, ele levantou-se do seu trono,despojou-se de suas roupas reais. E todos viram que, sob a coroa, o reiestava nu. Ele estava da cor da pele, como todos os outros. Ele secobriu apenas com um saco e sentou-se sobre as cimas. E fez proclamara Nnive:"Por ordens do Rei e de sua corte nem homem nem animal, depequeno ou de grande porte, comer nada, provar ou beber nada,nem mesmo gua. Homens e animais cubram-se de sacos e voltem-separa o Ser que os fez ser, com todo o fervor. Cada um se arrependa doseu mau caminho e da violncia em suas aes.Quem sabe, talvez Deus se arrependa, se detenha em sua clera e nsno sofreremos mais as conseqncias negativas dos nossos atos ".Aquele que viu o que se passava, viu que o povo se convertia e orazal, que devia acontecer, no aconteceu.

    Mas Jonas ficou muito irritado e se encolerizou, porque o mau deveperecer, a justia deve ser feita ao injusto, e dirigiu-se ao Senhor: --"Senhor, no era isto que eu tinha previsto, que Tu s um Deus injusto,que no punes os maus. por isto que eu fugi para Trsis, porque eu

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    sabia que Tu s um Deus cheio de graa e de misericrdia, que noarrazas a clera e s rico em bondade.Agora, Senhor, eu estou farto. Tira a minha vida, porque eu prefiromorrer a viver assim ". Aquele que , disse lhe: "Ser que tu tens razo

    de ficar irritado?"Jonas no quis escutar mais nada. E foi embora, novamente, para longedo seu Deus. Ele foi sentar-se ao leste da cidade, construiu para si umacabana e l ficou para observar o que aconteceria. E Aquele que feznascer uma planta, que cresceu por sobre a cabea de Jonas, a fim dedar-lhe sombra e proteg-lo do calor. Jonas ficou cheio de uma grandealegria por causa dessa planta. Mas planta e ela secou. Porque as coisasda vida nunca acontecem como ns queremos que aconteam.

    Aquilo que gostaramos que durasse, no dura muito tempo; e aquiloque gostaramos que desaparecesse, permanece. E quando o sol selevantou, Deus enviou, do leste, um vento abrasador: O sol batia nacabea de Jonas e ele pensou que ia desmaiar. Jonas pediu a morte,dizendo:"Eu prefiro morrer a viver assim ".

    E Deus disse a Jonas: "Ser que fazes bem em ficar irado por causa destaplanta?" Jonas respondeu: "Eu sei bem da minha vida. Eu tenho razoem ficar irado ". Ento, Aquele que lhe diz: "Tu tiveste piedade deuma planta que no te custou esforo algum, que nasceu e morreu entreuma noite e outra. E por que eu no terei piedade de Nnive, a grandecidade? Onde h mais de cento e vinte mil pessoas que no distinguemsua mo direita da sua mo esquerda, que no distinguem o bem domal e onde h, tambm, muitos animais?

    E assim termina o Livro de Jonas.

    PRIMEIRO CAPTULO

    preciso agora que meditemos sobre o Livro de Jonas e cada um,segundo o seu nvel de conscincia, poder compreender o seu sentido.O que eu lhes proponho so as interpretaes da Tradio, da tradio

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    judaica e da tradio crist antiga, juntamente com as interpretaesdadas pela psicologia da profundeza. Desta maneira ns chegaremos nossa dimenso pessoal e, ao mesmo tempo, nossa dimensotranspessoal.

    Quem Jonas?O nome Jonas, jona em hebreu, quer dizer a pomba. Uma pomba quetem as asas aparadas. Assim Jonas o smbolo do homem que tem asasas do homem alado, como nos fala Plato. Do homem material, quetem nele uma dimenso espiritual mas que renegou essa dimensoespiritual e que cortou as suas asas.

    Jonas o homem que, em cada um de ns, deseja voar sem deixar deter os seus ps na terra. o homem, no espao-tempo, que pode abrir-

    se transcendncia mas que se fecha a esta transcendncia e corta suasprprias asas. Talvez no seja ele mesmo que corte suas asas. Algumasvezes a sociedade, algumas vezes o meio em que ele vive.Observamos, a propsito de Jonas, que existe dentro dele um medomuito particular. Se ele se pe escuta desta voz interior, vem o medode ser diferente dos outros.

    Este medo muito profundo, e ns o estudaremos no decorrer doseminrio. o medo da diferena, o medo de ser nico, que implica numa adeso sua vocao profunda.Alguns arqutipos

    A palavra que dirigida a Jonas, inicialmente, : "Levanta-te, despertal "Mas Jonas um homem que quer permanecer deitado, adormecido,que no quer ouvir falar em transcendncia, que no quer ouvir falardo transpessoal. Sua vidinha lhe basta. O que ele pode compreendercom sua razo, lhe suficiente. O que ele pode sentir com os seus cincosentidos, lhe basta. No existe nada alm disso. Sua voz interior, estavoz que vem de fora, de um lugar mais profundo que ele mesmo, eleno quer escutar.Mas a Palavra o persegue.

    uma palavra que pede que nos ponhamos de p, que pede para nosermos mais homens e mulheres deitados e adormecidos, a fim de

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    reencontrarmos nossa retido. E estas so, para ns, boas questes. Oque que nos pode colocar de p? O que que pode fazer de nossavida uma nspirao? O que que pode fazer com que nossa vida valhaa pena ser vivida? Por que no ficarmos deitados? Em que ns

    trabalhamos? Para quem ns trabalhamos? Para que nos levantamos acada manh? Ser que no era prefervel ficar na cama? E no fazermosnada?Este o estado de esprito de Jonas e este o nosso estado de esprito,em algum momento de nossas vidas. Sobretudo quando esta vozinterior nos pede para ir a Nnive.

    Nnive uma palavra hebraica, que em assrio tem outro nome. Nnivefoi a ltma capital da Assria, situando-se margem direita do Tigre.

    At hoje podem-se ver suas runas. Pode-se imaginar que era umametrpole imensa. Ela foi destruda em 620 dC pelo exrcito dospersas, aliados da Babilnia.

    Para Jonas, Nnive era a cidade dos inmigos. Era a cidade daqueles quedestruam o seu povo e ele se interroga como que Deus pode mand-lo aos inimigos do seu povo, aos perseguidores do seu povo. Assim, eleprefere ir para Trsis. Trsis fica beira-mar e na poca era uma colniafencia. Ir a Trsis, para um judeu, era como ir a um pas maravilhoso,para passar suas frias.Quando Deus lhe pede para ir aos seus inimigos, Jonas fecha os ouvidose vai exalamente em sentido contrrio. Ele foge. Esta exigncia foi-lheinspirada em seu interior. Ele vai a Jope (cidade que at hoje existe emIsrael), onde ele tomar um barco para Trsis.

    Portanto Jonas, num primeiro momento, o arqutipo do homemdeitado, adormecido, do homem que no quer se levantar e no quercumprir misso alguma. o arqutipo do homem que foge, que foge desua identidade, que foge de sua palavra interior, que foge destapresena do Self no interior do Eu. Esta fuga de sua voz interior vaiprovocar um certo nmero de problemas no exterior dele mesmo.

    Este um tema de reflexo interessante para ns. Quando mentimos ans mesmos, quando fugimos de nossa vocao, quando renegamos onosso ser essencial, ocorrem conseqncias nefastas, no somente para

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    ns mesmos, mas tambm para nosso ambiente.E este o smbolo da tempestade que vem agitar a barca. Osredemoinhos que ns no aceitamos em nosso inconsciente, projetam-se ao exterior. A nossa culpa, de uma certa maneira, ns a projetamos

    nos outros. No ser voc mesmo, no escutar o seu desejo maisprofundo, acarretar conseqncias sobre o outro - bom que osaibamos.

    Estar em harmonia consigo mesmo, escutar a sua voz interior, mesmo seesta voz tem exigncias que nos fazem medo, bom para ns mesmos eno acarretar conseqncias nefastas para o nosso prximo.

    Mas Jonas dorrne. Ele est deitado, profundamente adormecido, no

    interior do barco. Esta uma prtica sempre contempornea. H umcerto nmero de remdios, que no apenas nos aliviam a dor, mas quenos aliviam, tambm, a nossa conscincia.

    Esta uma outra questo: Como aliviar a dor sem adormecer aconscincia? Sem destruir a conscincia? Esta uma pergunta que eu mefao, freqentemente, cabeceira dos agonizantes. Na Frana, estemtodo chama-se "tratamento paliativo", que permite aliviar e tirar ador sem destruir a conscincia. Sem retirar de algum a sua morte. E,neste caso, Jonas representa o homem que adormece a sua conscincia,que no quer saber, que no quer conhecer e que desce ao fundo darejeio sua conscincia, na profundidade dele mesmo. Mas o capitovem procur-lo. E, algumas vezes, o capito pode ser o grito de umacriana (N.T.: No auditrio h um beb que chora), alguma coisa quenos impede de dormir noite, algumas vezes uma m conscincia. Euma conscincia m no sempre to m. s vezes, um estado delucidez, de que ns no podemos ser completamente felizes, se todos osoutros no o so. esta conscincia que vai despertar Jonas, simbolizada pelo capito. Apalavra capito vem do latim caput, que quer dizer a cabea.Representa o raciocnio que nos faz tomar conscincia de que a nossaprpria sorte no separada da sorte dos outros. Como entocompreender, quando isto nos acontece?Os marinheiros vo chamar pelos seus deuses, isto , chamar as foras squais eles se confiam, as energias das quais esperam o socorro e essas

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    energias, essas foras no respondem s suas preces. Eles nocompreendem o que se passa e ento vo jogar dados.

    Este um ensinamento para ns, quando um certo nmero de

    fenmenos no pode ser explicado pela razo, necessrio que faamosapelo ao irracional. o que conhecemos por adivinhao. Temos ascartas, a interrogao dos astros e todas as espcies de mtodos deadivinhao. interessante observar que nesta passagem da Bblia,numa situao de infortnio, possvel apelar para este gnero derecurso e pedir aos dados uma explicao, uma indicao, para o queest acontecendo.Os dados apontam para Jonas. Perguntam-lhe: "De onde vens? Qual oteu pas? Qual a tua profisso? Quem s tu?" Despertam-no para sua

    identidade. Algumas vezes atravs de exerccios irracionais que somoslevados a nos colocarmos questes essenciais da vida.

    Jonas lhes responde: "Eu sou um hebreu". E vocs sabem que o som dapalavra hebreu na lngua semita significa: eu estou de passagem, eu souum peregrino sobre a terra, eu estou de passagem neste espao-tempo-Portanto Jonas toma conscincia de seu ser de passagem, daimpermanncia do seu viver. E no fundo desta impermanncia, ele crno Ser que o faz ser. No um deus entre os deuses mas, o Criador dosdeuses. o Criador das imagens, dos poderes, dos intermedirios,atravs do qual nos reunimos fonte do nosso ser. E neste sentidotambm que ele um hebreu.

    preciso reconhecer que Jonas lcido em seu comportamento.Quando os marinheiros o interrogam, ele reconhece o que ele faz. Elereconhece que ele foge desta palavra. Eu creio que esta uma grandeetapa num caminho transpessoal. O reconhecimento das nossasresistncias, nossos medos, nossas dvidas, nosso cansao, o desejo deser simplesmente humano, de viver simplesmente sua vida emsociedade, sem falar de Deus, sem falar do Absoluto, sem falar dotranspessoal. E, infelizmente, no conseguimos dormir bem. Ainconscincia no a Paz, e no corao da nossa inconscincia existeuma voz interior que nos convida a levantar, a nos tornarmos nsmesmos. Para nos tornarmos ns mesmos preciso sermos capazes de irao outro. O outro o diferente. Algumas vezes o inimigo, Nnive.

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    Assim ns preferimos, sem cessar, ir ao igual, ao que semelhante a ns,ao que nos tranqiliza, e que Trsis. Se ns vamos somente a Trsis,ns no cresceremos nunca. Ficaremos no mesmo, continuaremos na

    repetio. indo em direo ao outro, ao diferente, ultrapassandonossos medos que chegaremos a uma conscincia verdadeira.O desejo do Ser pode, ento, se completar em ns.

    Jonas toma conscincia deste fato dizendo, ento: "Peguem-me elargem-me ao mar". o momento em que Jonas compreende que nopode mais recuar, que ele deve jogar-se na gua. Do ponto de vistaanaltico, o momento em que, na nossa vida, dizemos a ns mesmos:

    "Isto no pode continuar como est. Porque provoca uma tempestadetanto em mim, quanto fora de mim".

    Trata-se, pois, de se jogar na gua, de se jogar ao mar. E vocs sabemque o mar e a gua so simbolos do inconsciente, smbolos da sombra.Neste momento, Jonas no pode mais recuar. A situao to difcil econflitante que ele foi como que obrigado, pela vida, a mergulhar emseu inconsciente. A mergulhar em tudo o que ele tinha recusado, aescutar aquela voz. Ento ele foi jogado ao mar. E vocs observem que,neste momento, os marinheiros tm medo de jogar Jonas ao mar. Arazo em ns, as justificativas em ns, as explicaes em ns, tm medodeste salto para o desconhecido.Jonas torna-se para ns o arqutipo daquele que se torna responsvelpelo que lhe acontece e pelo que acontece aos outros e que aceita saltarpara o desconhecido, mergulhando no seu inconsciente. Porque talvezseja mergulhando em seu inconsciente, atravessando a sua sombra, quea luz poder vir a ele e aos outros.Ele mergulha e o mar se acalma. Isto pode acontecer em nossa vida, nodia em que tomamos a deciso de no nos mentirmos mais, de nomais nos contarmos estrias, de conhecermos a ns mesmos, de nosperguntarmos o que a vida quer de ns. No dia em que tomamos estadeciso, uma calma misteriosa se faz em ns.

    Logo em seguida, falaremos do grande peixe que engoliu Jonas. No

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    texto bblico no h referncia baleia, a sugesto de que seja ummonstro marinho. E mergulhar no inconsciente no ter medo domonstro.

    Vamos encontrar, neste caso, um certo nmero de mitos: o heri queenfrenta o monstro uma estria que encontramos em muitas tradies(Nota de Traduo [N.T.]: Num lapso de traduo, a palavra heri foisubstituda pela palavra Eros e que Eros enfrentava o monstro). Estelapso no foi mau, uma vez que o Eros a fora do amor, que vai nospermitir atravessar a sombra, no ter medo do desconhecido que estem ns, a no ter medo deste desejo de ir mais longe.

    Resumindo, podemos dizer que Jonas arqutipo do homem que quer

    permanecer deitado, que resiste a esta experincia numinosa que ecooudentro dele. O numinoso, vocs sabem, aquilo que, ao mesmotempo, nos atrai e nos faz medo. // adj.influenciado, inspirado pelas qualidadestranscendentais da divindade estado de alma n. ETIM el. numin- (lat. numen, nis'nume') +-oso; ver 2numen-Enquanto nos fascina porque sabemos que l est a verdade, nos fazmedo porque recoloca em questo a nossa maneira habitual de viver.Jonas um homem que tem medo de mudanas, o homem que quercontinuar no leito de sua me, o homem que no quer ficar de p, ouseja, que no quer tornar-se adulto, diferenciarse. Diferenciar-se das

    palavras e dos desejos do seu meio para ter acesso sua prpria palavrae ao seu prprio desejo.Mais profundamente, aderir palavra do Ser dentro dele e ao desejodo Ser nele mesmo.Jonas , pois, um homem que quer continuar na repetio. Como dizKrishnamurti, ele prefere permanecer no conhecido, tem medo dodesconhecido. Ele no quer arriscar a sua vida escutando esta palavraque o convida a ir para o outro. Para o outro que se chama Nnive eque ele considera como inimigo.

    Ele prefere ir a Trsis, ir ao igual, ir ao que se identifica com ele. L,narcisicamente, ele no tem nada a temer. Ele encontra sua consolaonarcisista.Mas a recusa da palavra interior, a recusa do desejo do Ser essencial, vaidesencadear ondas de mal-estar, no somente para ele como para o seumeio. Isto vai conduzi-lo a uma situao da qual ele no pode fugir. H

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    momentos em nossa vida em que no podemos mais fugir. No temosmais sada. preciso encarar as nossas responsabilidades e noresponsabilizar os outros pelas conseqncias dos nossos atos. o queJung chama "o retorno da projeo". Nesse momento, preciso olhar

    de frente o nosso medo e mergulhar no mar, enfrentar o inconsciente eo monstro que ele contm. Este o combate do heri. Ele deve encararos seus medos.A escada do desejo e do medo bom lembrar que o homem evoluiatravs do desejo e do medo. No h medo sem um desejo escondido eno h desejo que no traga consigo um medo. O desejo e o medoesto ligados. Temos medo do que desejamos e desejamos o que nosfaz medo.Na evoluo de um ser humano, o medo no superado, o desejo

    bloqueado, vo gerar patologias. O medo superado, o desejo nobloqueado, vo permitir a evoluo. o que Freud chama o jogo deEros e Tanatos, do amor e da morte, o impulso de vida e o impulso demorte. Poderamos dizer, em outra linguagem, que h em ns umdesejo de plenitude, de Pleroma e o medo da destroio. E nossa vidaevolui assim, atravs do nosso desejo de plenitude e o nosso medo dedestruio.Proponbo a vocs uma escala, uma representao, uma imagem, e nsvamos tentar identificar as diferentes etapas do nosso medo e do nossodesejo, a fim de situar o medo de Jonas e situar o que, na psicologiahumanista, chamamos o Complexo de Jonas.Na primeira etapa, a partir do momento em que nascemos, temos umimpulsode vida, o desejo de viver, ao mesmo tempo em que h o medo demorrer.O desejo e o medonascem juntos e, desde que o homem nasce, ele bastante velho paramorrer. Portanto a vida e a morte esto juntas.Se este medo de morrer superado, a criana vai procurar um lugarde identificao, um lugar de plenitude. E vem o desejo da me. Dese fazer uno com a me. A me o seu mundo, o seu corpo. Ao mesmo tempo em que nasce o desejode unidade com a me, este desejo de plenitude, nasce o medo daseparao da me.Mas para crescer, a criana deve se separar de sua me. Se ela no

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    se separar de sua me, ficar sempre uma criana, no sediferenciar. E todo o papel de uma boame no apenas fazer sair da criana de seu ventre, masfaz-la ir alm de seu desejo. Faz-la sair deste mundo que lhe

    prprio, a fim de que ela possa atingirum outro mundo, particular a ela.Ocorre ento o medo da separao. E este medo da separao sesomatiza no adulto, algumas vezes, por regresses, atravs dolcool e da droga. Como uma maneira dese dissolver, uma maneira de reabsorver a dualidade atravs da bebidae da droga. uma regresso. Veremos que preciso superar adualidade, mas a superao destadualidade no a sua dissoluo, a sua integrao, uma

    passagem para ir mais longe.Certas vezes, alguns dentre ns tm medo de evoluir, tm medo dasolido, tm medo da separao da me e do seu meio. Utilizamprodutos ou tcnicas para regredirem me e no irem mais longe.A criana, que supera o medo da separao de sua me, vaiprocurar um novo lugar de identificao. Ela vai descobrir o seuprprio corpo como sendo diferente docorpo de sua me. uma etapa importante. Mas ao mesmo tempo emquedescobre seu corpo com prazer, ao mesmo tempo em que brinca com35todos os seus membros, em que sente o desejo do corpo, a crianasentemedo da decomposio. Este medo situa-se na fase anal. No momentoemque, atravs do seu coc,a criana tem a impresso de que seu corpo se decompe. Nessafase, toda a educao faz-la ter conscincia de que ela o seu corpo, mas no somente este corpo. freqente a observao de crianas que gritam noite,quando fazem coc, necessitando serem tranqilizadas. Se a crianasuperar este medo da decomposio, elavai descobrir que maior que seu prprio corpo.Na idade adulta podem persistir um certo nmero de fixaes. Da

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    mesma forma em que, no estgio precedente, a criana buscava aunidade atravs da fase oral, nestafase ela vai buscar a unidade atravs da posse, do poder. Possuir amatria. A palavra possedere, em latim, quer dizer "sentar-se em

    cima", possuir. Corresponde,em Freud, ao estgio sdicoanal, um modo de tratar o outro como umacoisa, como uma matria. Nessas pessoas que buscam, freqentemente,a posse e o poder, esconde-seum grande medo da decomposio, um medo da doena, um medo detudoo que desfigure o corpo.Se a criana capaz de assumir este medo e de ultrapass-lo, elavai procurar um outro lugar de identificao. Ela vai entrar no

    desejo de unidade com o outro sexo. a fase edipiana. O homem e a mulher descobrem suas diferenassexuais e, ao mesmo tempo em que h esta busca de unidade atravs dasexualidade, vem o medo da castrao.O medo de perder este poder, dentro de uma relao com um outroque diferente dele.E alguns podem ficar fixados nesta etapa de evoluo. Aqueles quebuscam, por exemplo, a unidade, a felicidade, unicamente atravs dasua genitlia. Ou ainda, aquelesque tm medo de viver essa relao, o que pode levar ssituaes de impotncia e de frigidez.Se o homem e a mulher se descobrem sexuados, mas no sendo apenasisso, de novo vo poder crescer. Ocorrer o desejo de corresponderem imagem que seus pais tmdeles.36Na psicologia freudiana, este desejo chamado de Imago parental ouPersona. E, ao mesmo tempo em que aparece o desejo de corresponderaesta imagem, surge o medode no corresponder a ela.Existem adultos que vivem ainda com este medo de no corresponder imagem que seus pais tiveram deles. Eles no vivem seus prpriosdesejos, mas o desejo de suas

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    mes ou o desejo de seus pais. A entra o trabalho da anlise -descobrir qual o meu prprio desejo e diferenci-lo daquele domeu pai ou da minha me. Isto noquer dizer rejeit-los, mesmo que d margem a alguns conflitos.

    por esta razo que o conflito entre adolescentes e seus pais to importante. o momento em que o filho adolescente experimentadiferenciar o seu desejo do desejode seus pais. Quando ele procura descobrir sua prpria palavra,diferente da palavra dos seus pais. E se ele capaz de superar estemedo, o medo de no agradara seus pais, o medo de ser rejeitado ou julgado por eles, ele entovai crescer no sentido de sua autonomia.Surge o despertar para um novo desejo de unidade, o da identidade

    nelemesmo. nesta fase que aparece o desejo de corresponder imagemdo"homem de bem" e da "mulherde bem", tal como considerado em nossa sociedade. No maissomenteaimago parental, mas sim a Imago social. Ao mesmo tempo em que eletem odesejo de correspondera esta imagem social, nasce o medo de ser rejeitado pela sociedade. Omedo de no ser como os outros, o medo de no parecer conforme aoque considerado "bem"dentro dos padres sociais esperados.O medo de no parecer semelhante um medo muito profundo, quensvamos estudar com mais detalhes em Jonas.O medo do ostracismo, o medo de ser rejeitado pelo seugrupo, o medo de ser rejeitado pela sociedade. A o homem se encontranum conflito interior difcil, porque o seu desejo interior impele-o ao, a dizer palavrasque so s vezes consideradas37como loucas pela sociedade. Ele tem medo de estar louco. Ele temmedo de

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    ser anormal.Mas se ele capaz de superar este medo, se capaz de aceitar queos outros no o compreendam, se capaz de assumir a rejeio doseu meio, ele vai crescer no

    sentido da sua autonomia. O que motiva a sua ao no o quepensam os seus pais, no so os seus impulsos anais ou genitais,no so as suas imagens sociais, mas a sua prpria voz interior.E ele chega a um nvel de evoluo bem elevado, que umaliberdade em relao ao mundo do Id (na tipologia freudiana dotermo) e livre, tambm, em relao ao mundodo Superego. Livre das expectativas geradas pelos pais, no que concerne sua vontade, seus desejos e suas palavras

    Mas, ao mesmo tempo em que nasce este desejo de autonomia, estaexperincia de liberdade, h tambm o medo de perder estaautonomia, de perder o Ego, o Eu que estem sua pele, o Eu bem diferenciado do seu meio, dos seus pais e de seusimpulsos. o momento em que o Eu se sente ameaado pelo Self- preciso um grande trabalhopara atingirmos o Eu autnomo, para se diferenciar da me, dasociedade e do meio.Neste momento, uma voz interior recoloca tudo isso em questo.Entra-se no desejo do Self e no medo de perder o Ego. O ego ou eu uma abertura do ser humano a todaa sua potencialidade e o Self esta realidade transcendental, querelativiza a beleza desta autonomia e que nos revela que h um Eumaior que o eu, que h um Eumais inteligente que o eu, que h um Eu mais amoroso que o eu.Mas para ter acesso a este Eu mais elevado deve-se soltar as rdeasdeste Eu- E passamos a uma etapa superior, que a de entrarmos nodesejo de nos fzermos um,com aquele que chamamos Deus. Deus que a fonte do Self, a fonte doSer- E, ao mesmo tempo, penetra em ns o medo de perdermos estarepresentao de Deus. Estamagem de um Deus bom, de um Deus justo, que a projeo, noAbsoluto, das mais elevadas qualidades humanas. Diante dedeterminadassituaes, Deus

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    38no se mostrajusto como a idia que ns temos dajustia. Eleno se mostra bom como a idia que temos da bondade. Ele no amor como a idia que temos do amor.

    Ele no luz como a idia que temos da luz.Surge, ento, um medo que os msticos conhecem bem, o medo deperderDeus. Sua imagem de Absoluto, sua representao de Absoluto.Passa-se pela experincia do vazioe esta experincia do vazio a condio para ir a este pasonde no h desejonem medo. No o desejo de alguma coisa em particular nem o medode

    alguma coisaem particular.Nossa vida passa sobre esta escada. No paramos de subir e descer.Seria interessante verificar quais so as fixaes, quais so osns, porque o terapeuta, na escutadaquele a quem acompanha, dever voltar ao ponto onde houve umbloqueio. E, para reconhecer o ponto onde houve esta parada, estebloqueio, suficiente interrogaronde est o medo.Ser o nosso medo, simplesmente, o medo de viver, o medo de existir?Quando nos sentimentos demais na existncia? Ento podemosencontrarem ns mesmos o no-desejode nossos pais. Descobrirmos que no fomos queridos na nossaexistncia. preciso passar pela aceitao deste no-desejopara descobrir, alm do no-desejo de nossospais, o desejo da vida que, em certo momento, nos fez existir.Nosso medo poder ser o medo da separao. interessanteobservar o modo como as pessoas morrem. O medo da morte diferentepara cada um. Para alguns realmenteo medo da decomposio, do sofrimento, da doena. Para outros o medo da separao, de serem cortados daqueles que lhes so maiscaros.Assim nosso medo se enraza em momentos muito particulares da nossa

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    existncia, e escutar o nosso medo nos permite entrar em contato comesse momento. O terapeutaest ali para nos ensinar a no termos medo do medo. A fazer dele uminstrumento para nossa evoluo, descobrindo o desejo de viver que

    se esconde atrs deste medo.E que vai nos permitir ir mais longe.39Nosso medo pode estar, tambm, ao nvel da sexualidade. O medo dooutro sexo. Este medo foi bem estudado por Freud. No suficientesuperarmos o medo a este nvelpara atingirmos o nvel seguinte.Ter uma sexualidade normal, estar bem adaptado sociedade, o que ,na maioria das vezes, um critrio de sade, em outra antropologia

    no , obrigatoriamente, umcritrio de sade. Estar bem adaptado a uma sociedade doente no, necessariamente, um sinal de sade. isto que eu chamo de"normose", ao lado da neurose e dapsicose.E neste ponto que nos reunimos a Jonas. Jonas algum que sentenele asas para voar, um desejo de espao, um desejo de infinito, masno tem coragem. Ele aparasuas asas, para continuar adaptado sociedade na qual ele se encontrae que o probe de ir ao outro, de ir ao inimigo, de ir ao diferente.Aqui comea o Complexo de Jonas. Este desejo de irmos alm daimagemque nossos pais tm de ns. Este desejo de irmos alm das imagensque a sociedade nos prope,da que o "homem de bem" ou uma "mulher de bem ". Este desejo deirmos alm do Eu, alm doque o Ego considera como sendo o bem. E irmos, tambm, alm daimagem qere temos de Deus.Vocs se lembram do relato, que lamos no incio, do quanto Jonasficou descontente quando Deus perdoou os habitantes de Nnivequandoele v que Deus no corresponde sua imagem de Deus; que Deus no corresponde imagem dojusticeiro que ele pensa que seja. Jonas tem medo de perder a suarepresentao de Deus. Ser preciso

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    passar pelo vazio, ser preciso superar este medo de se enganar, paradescobrir nele um Deus que misericrdia. fcil de entender edifcil de viver.A finalidade desta escada, deste esquema, a de nos ajudar a entrar

    em contato com nossos desejos e nossos medos. E de sentir os degrausdaescada, onde algumasvezes ns paramos e voltamos sem cessar. E descobrir que, em nossaevoluo,40existem vrios nveis do ser. E que em cada nvel ns sentiremosdesejo e medo.41

    A escada do desejo e do medoMorte e ressurreioNs teremos medo da morte e atravs da travessia deste medo damortepode surgir uma ressurreio. O que est indicado aqui umprocesso de morte e de ressurreio.Eu morro para o apego minha me, para minha dependncia, a fimde ressuscitar na minha relao com ela. Eu morro para o apego aomeu corpo, para a identificao minha forma transitria, a fim de poder ressuscitar em relaoa meu corpo. um estado diferente da idolatria, mas que considerocomo um espao de manifestaode alguma coisa que infinitamente maior que ele.Eu me torno capaz de relativizar a minha sexualidade para renascer emuma capacidade de relao amorosa, que contm o sexo mas no exclusivamente sexual. Eu possomorrer para a imagem de meus pais, reconhecendo tudo o que h debeloe de positivo nesta relao, mas sem me tornar dependente. orenascimento ou o nascimentoao meu ser verdadeiro.Eu posso observar os valores da sociedade, mas se obedeo a eles,sinto que minto a mim mesmo. Chegamos a uma etapa da nossaevoluoonde podemos nos enganar e

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    permanecer enganados at o fim. Mas h um momento da nossa vidaemque no podemos mais nos mentir. Podemos nos enganar, mas nopodemos nos mentir. Esta uma etapa

    importante. o momento em que nos tornamos livres dos jarges: precisofazer isto, preciso fazer aquilo. Tornamo-nos livres em relaoaos ensinamentos que recebemos. Nestemomento, no poderemos mais nos emparedarmos numa instituio,numa seita. E se participarmos de uma igreja, de uma seita ou de umainstituio (o que normal),seremos livres em relao a elas. Ns no somos papagaio querepete as palavras do dono ou que repete a doutrina que lhe foi

    ensinada, mas gozamos de uma liberdadeinterior, que a liberdade de entrar e de sair.42Chega o momento de morrermos para o Eu, de morrermos para osnossoslimites. Mas para morrermos ao Eu preciso que tenhamos um Eu.Muitosse dizem alm do Ego,quando no esto seno a seu lado. Donde a importncia, antes deentrar num caminho mstico, de ter um Eu bem estruturado.O Eu de Jonas bem cstruturado, porque ele sabe dizer no. Antes dedizer sim, preciso saber dizer no. Cristo, antes de dizer: "Sim,que seja feita a tua vontade",disse: "Se possvel, afasta de mim este clice". Este umsinal de que Cristo tinha uma boa sade. Seu Ego resistia a estamanifestao total de amor.Portanto, para irmos alm do Eu, importante, inicialmente, aceitaro Eu. Na educao das crianas, importante darlhes uma boaestrutura, uma boa formao queas torne capazes de dizer no no aos seus pais, no s suasmes, no ao que elas consideram injusto na sociedade. Dedizer no at mesmo aoque elas consideramcomo Deus, para que o seu sim seja um sim verdadeiro. O sim doabandonoe da confiana, de uma confiana lcida, de uma confiana

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    madura. No a confiana de umbrinquedo que manipulado pelos acontecimentos da existncia. neste nvel que se situa o Complexo de Jonas.Os medos de Jonas e os nossos medos

    Maslow e a psicologia humanista fazem de Jonas o arqutipo dohomemque tem medo da realizao. O homem que foge da sua vocao, dasua palavra exterior ou dos acontecimentosnuminosos. Alguns de ns encontramos esta outra dimenso emdetenninadas circunstncias, no somente por uma palavra, mas nanatureza, durante uma doena, aps umacidente, atravs de uma experincia amorosa ou admirando um obrade

    arte. Cada um sabe em que momento o numinoso o tocou, oquestionou, oinquietou, para convid-loa se tornar um ser mais autntico.43Antes de falar deste medo do numinoso e desta recusa provocada peloconvite profundidade, a esta realizao do Self por meio dasuperao do Eu, preciso observaros diferentes medos que precedem este medo da transcendncia. Eugostaria de lhes falar sobre o medo do sucesso e, em seguida, sobre omedo de ser diferente, o medodo ostracismo.O medo do sucessoEm 1915, Freud observou, tratando as neuroses, um fenmenoinesperadoem alguns de seus pacientes. O sucesso profissional provocava nelesumagrande ansiedade.Freud explicou este fato por um postulado: "Para algumas pessoas, osucesso equivale a uma morte simblica do genitor do mesmo sexo".Ns temos medo, quando conseguimosalguma coisa, de humilhar os nossos pais.Uma tal idia vai criar, ao lado da ansiedade, um sentimento de culpa,produzindo um estado de melancolia que pode durar vrios anos.Freud

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    deserevia estas pessoascomo aquelas a quem o sucesso destri. Pelo medo de fazer melhor queos seus pais, de vencer onde eles no conseguiram, seja a nvelprofissional, seja a nvel afetivo.

    Este medo existe em crianas mas, mais freqentemente, em adultos.Adultos que no se permitem ser felizes como casais, porque na uniode seus pais havia muitosofrimento. Ou se sentirem culpados por ganhar dinheiro, se em suafamlia no se ganha dinheiro.Isto pode parecer curioso, porque ns sempre desejamos que nossosfilhos sejam melhores do que ns fomos. o que os pais geralmentedizem. Eles dizem. Mas nem sempredizem de todo o corao. Porque se um filho se torna mais rico ou

    mais feliz, ele lhes escapa, sai da famlia. E inconscientemente (eclaro, ns estamos na esferado inconsciente) eles seguram44seus filhos no mesmo estado social em que eles pararam e no mesmoestadode dificuldade afetiva em que eles pararam.Enquanto o sucesso fica ao nvel do sonho, do desejo, a neurose dosucesso no se manifesta necessariamente. Mas desde que este sucessose torna uma realidade, porexemplo, aps uma promoo, pode ser que aquele que foibeneficiado no o suporte. Talvez vocs conheam pessoas com estetipo de problema - que obtiveram uma promooe, curiosamente, em vez de se alegrarem, adoeceram.Freud dir que as pessoas adoecem, porque um de seus sonhos, o maisprofundo e duradouro, se realiza. No raro que o Ego tolere umsonho como inofensivo, enquantosua existncia for apenas uma projeo e que parea nunca serealizar. como quando sonhamos ter um homem ou uma mulher, e,quandoele ou ela esto l, ns achamosnosso sonho improvvel e os ignoramos.O Self pode, entretanto, defender-se arduamente desta situao,desde que a realizao se aproxime e a concretizao seja umaameaa. Eu creio que este estudo

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    muito interessante porque existem entre ns muitas pessoas quesonham,que idealizam o sucesso, a plenitude. No entanto, por que estes sonhosjamais se realizam?

    Eu conheo homens e mulheres muito inteligentes que se organizamsempre e de tal maneira que fracassam em seus exames quando tmcapacidade de venc-los. Por qu? o que ns chamamos de neurose do fracasso. No momento em quevamosvencer, no momento em que nosso sonho vai se realizar,inconscientementenos arranjamos parafalharmos. Podemos observar este mecanismo em algumas pessoas

    como umprocesso muito doloroso e incompreensvel.Neste contexto, poderamos dizer que Jonas recusa a voz interior doSer que o chama, que o chama para que se supere, porque destamaneiraele superar seu pai. Esta uma explicao edipiana da neurose do fracasso. Tememos tersucesso e45suas repercusses, pelo medo de ultrapassarmos nossos pais, seja emfelicidade, em educao, em fortuna ou em status. Podemos, assim,nos tornarmos uma ameaa paranossos pais e sermos rejeitados por eles. Vocs percebem que sempre a presena desta criana em ns que tem medo de no seramada, que tem medo de no ser reconhecida.Freud d, igualmente, o exemplo de um professor universitrio quedurante muitos anos aspirara ctedra do seu mestre. Quando seusonho se realizou, pela aposentadoriado seu mestre, ele foi invadido por uma depresso da qual s saiudepois de longos anos.Um psiclogo como Fenichel ver, como uma causa profunda do medodevencer, o sentimento de indignidade. Temos, pois, de observar em nsanossa relao com o sucesso.

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    Nosso desejo do sucesso e nosso medo do sucesso. E neste medo dosucessotalvez esteja includo um sentimento de indignidade estadepreciao de si mesmo que talvez

    seja a herana de um certo nmero dejulgamentos que nos foramdirigidos. Quando se repete a uma criana que ela nunca ser nada,que ela no inteligente ou queno sabe cantar, ela integrar esta programao. E se um dia elachega ao sucesso, inconscientemente ela pensa que este sucesso no justo.Citando Fenichel: "O sucesso pode significar a realizao de algumacoisa imerecida, que acentua a inferioridade e a culpa. Um sucesso podeimplicar no somente

    em castigo imediato mas tambm em aumento de ambio, levando aomedo de futuros fracassos e de sua punio".Para Karen Horner, o medo do sucesso resulta do medo de suscitarinvejanos outros, com perda conseqente do seu afeto. Alguns tm medo devencer porque no queremque os outros sintam cimes dele, o que muito arcaico. Os gregosexpressavam isso da seguinte maneira: "Os deuses tm inveja do sucessodos homens". Porque elesconsideravam que o sucesso dos homens retirava as suas prerrogativas.46A maioria dos primitivos pensa que muito sucesso atrai, para o homem,umperigo sobrenatural.Herdoto, em particular, v em todos os lugares da histria a obrada inveja divina. Quando os homens e mulheres so muito ambiciosos,atraem toda sorte de infelicidades. S est seguro o homem que obseuro. "Para viver feliz,viva escondido", para viver feliz, viva deitado.O medo da diferenaNeste momento reencontramos Jonas. Talvez seja o anonimato, oimpessoalque ele busca fugindo para Trsis, mais do que afirmar sua prpriapersonalidade. interessanteobservar nesta passagem, que alguns podem utilizar a mstica, os

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    ensinamentos espirituais, no para superar sua personalidade, mas parafugir dela. Para regredirao impessoal. No ao transpessoal, no alm do pessoal, mas aointrapessoal. Neste aspecto, a espiritualidade pode servir de pretexto

    para fugir afirmao do seuEu.Jonas foge para Trsis porque, indo para Nnive, ele deve seafirmar. E afirmar-se afirmar-se diferente. Afirmar-se diferenteno quer dizer afirmar-se contra,mas afirmar-se no que temos de prprio, na misso particular que nosfoi dada para servir a todos.O que pedido a Jonas no que seja, apenas, um sbio que viveno anonimato de uma cabana no fundo de um bosque, mas que seja

    tambmum profeta. O silncio queest nele no uma ausncia de palavras, mas a me dapalavra. E antes de se calar, antes de saborear a beleza do silncio,ele dever dizer sua prpria palavra.Antes de chegar a este estado de no-desejo e no-medo, no cimo donosso "vir-a-ser", do nosso tornar-se, neste estado de Paz integrada,trata-se de viver este desejo.E ns s podemos super-lo depois de o termos realizado. O que ns nocompletamos, o que ns no realizamos, ns no superamos e,alm disso, recusamos. preciso falar para ir alm da palavra. preciso desejar para iralm do desejo. E, algumas vezes, ns nos servimos daespiritualidade, nos refugiamos num falsosilncio e num no desejo, que uma ausncia de vida, que uma falta de vitalidade e que est mais prxima da depresso doque do estar desperto, alerta. Que estmais prxima da despersonalizao do que datranspersonalizao.Jonas no teme a inveja do seu Deus, j que seu Deus quem oenvia em misso. Mas ele teme, sem dvida e principalmente, ocime e a incompreenso dos seus irmos.Porque esta misso de ir a Nnive obriga-o, de alguma maneira, acompactuar com os inimigos de Israel. Ele teme ser rejeitado e morto

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    pelo ostracismo de seu povo.Ele teme ser considerado um "colaborador", um inimigo do seu povo.O complexo de Jonas no , somente, um medo do sucesso, umsentimento de culpa diante do sucesso, um medo de suscitar inveja nos

    outros. O complexo de Jonas , tambm,o medo de ser diferente, de ser rejeitado por aqueles dos quais ele sediferenciou.Rollo May, Maslow, Fenichel, foram grandes psiclogos humanistas queintroduziram, na psicologia, a noo do transpessoal e cujas obrasso familiares a vocs. RolloMay dizia: "Muitos fatores provam que a maior ameaa, a causa maisntida da angstia do homem ocidental contemporneo, na metade dosculo XX, no a castrao,

    mas o ostracismo". Quer dizer, a situao considerada comoterrvel e aterrorizante de ser rejeitado pelo grupo.Muitos de nossos contemporneos passam por uma castraovoluntria, isto , renunciam ao seu poder, sua originalidade, sua criatividade, sua independncia,pelo medo da48rejeio, pelo medo do exlio. Eles adotam a impotncia e oconformismo (e para Rollo May o conformismo vai ser a doena maisimportante do nosso sculo) devido ameaa eficaz e terrvel do ostracismo.O conformismo sempre foi considerado necessrio sobrevida de umgrupo e sua harmonia interna, mas este conformismo pode se tornaropressivo e provocar doenas.Estes fenmenos so observados, algumas vezes, em certos gruposespirituais. Tomam-se as mesmas atitudes, a mesma maneira de olharmaisou menos inspirada, repetem-seas mesmas frases, sem verdadeiramente pensar em integr-las. Entra-seassim em uma atitude mais ou menos esquizide.H aqueles que representam o papel que lhes pedido, mas o Serverdadeiro no est neles. Neste caso, ocorre uma espcie demal-estar, que pode gerar uma doena.E a este propsito, eu me lembro do que disse Santo Toms de Aquinoa um dos seus discpulos, que um dia lhe perguntou: "Se minha

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    conscincia me pede para fazertal coisa e o Papa me pede para fazer outra, a quem eu devoobedecer?"Esta questo muito atual. No lugar do Papa voc pode colocar o

    seu guru, colocar o sol ou a lua, pode colocar uma pessoa ou umarealidade que seja para voc umaautoridade suprema, a referncia que voc busca quando coloca umaquesto profunda. O que acontece se esta autoridade lhe diz para fazeralguma coisa e o seu desejointerior lhe manda fazer outra? A quem obedecer? A qual voz escutar?Santo Toms de Aquino d uma resposta a seu discpulo que talvezsurpreenda a alguns de vocs. Porque ele no diz: "Obedea aoPapa", mas ele diz: "Obedea sua

    prpria conscincia, obedea sua conscincia procurandoesclarecla". No separe as duas partes da frase: "Obedea suaprpria conscincia" e, ao mesmo tempo,"procure esclarec-la". Porque, talvez, esclarecendo-a vamos descobrirque aquilo que a49autoridade diz seja o certo. Mas, no ponto onde estamos, precisoobedecer nossa prpria conscincia.Esta frase de Toms de Aquino para mim uma boa frase deTerapeutas. Se ele tivesse dito: " preciso obedecer ao Papa", eleteria feito dessa pessoa uma hipcritaou, sobretudo, uma esquizofrnica. Esta atitude pode ser observada emalguns catlicos ou em pessoas que pertencem a outros gruposhumanos.Obedecem autoridade,mas uma personalidade interior se dissocia, pouco a pouco, dos seusatos. E nesta diviso entre o que ns fazemos e o que ns pensamosvai se introduzir um mal-estar,ou um "estar mal" que gera a doena.Portanto, como eu lhes dizia h pouco, podemos nos enganar mas nopodemos mais nos mentir. preciso aceitar nos enganarmos, mas aomesmo tempo buscar esclarecero nosso caminho, mantendo os dois juntos. Mas no podemos maismentira ns mesmos. E, por vezes, ter a coragem de nos diferenciarmos do

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    nosso meio e daqueles que,para ns, constituem uma autoridade. Porque, caso contrrio,descobriremos que estamos nos destruindo naquilo que temos de maisautntico.

    Ento o medo de Jonas este medo de ser diferente, de ser rejeitadopor aqueles dos quais ele se diferenciou. E o conformismo podeprovocarum certo nmero de patologias.Quantos pssaros tiveram suas asas aparadas ou cortadas para queficassem felizes e confortveis em suas gaiolas douradas?Vocs se lembram do livro de Dostoiewski sobre a lenda do GrandeInquisidor. O Grande Inquisidor diz ao Cristo, que retorna terra:"Vai ser preciso te suprimir

    novamente, porque vais tornar as pessoas muito nfelizes, tornando-asmuito livres. Ns queremos tornar os homens felizes. Ns dizemos:faa isto e tudo correrbem. Faa aquilo e tudo correr bem. Ao invs disso, Tu fazes doshomens seres livres. Tu no dizes: faam isto, faam aquilo. Eno te esqueas que a maneirade dizer,50faa isto ou faa aquilo, que importante. Nesta liberdade, ohomem infeliz. Ele prefere que se diga faa isto ou faa aquilo.Ns queremos a liberdade dos homensporque ns os libertamos do peso de sua liberdade. Tu, Tu ds a elesa liberdade. E esta liberdade muito difcil de viver."Este texto bem atual para ns. Porque estamos, sem cessar, procura de algum, de um ensinamento ou de uma instituo quenos digam o que bom e o que mau.E que nos isente do exerccio de nossa liberdade. Um mestre verdadeirono nos isenta de nossa liberdade. Ele nos d elementos dereflexo, um certo nmero de exercciose de prticas a viver, a fim de que nos tornemos livres por nsmesmos. Sua palavra no substitui a nossa palavra, mas sua palavranutre nossa prpria palavra. Seudesejo no substitui o nosso desejo. Ns no somos suasmarionetes, seus soldadinhos ou discpulos fanticos dos seusensinamentos, mas nos tornamos pessoas livres,

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    nutridas pelas luzes e pela riqueza que ele pode nos comunicar.A vontade de ser como todo mundo traz um sentimento de impotnciaexcepcional. Os psiclogos humanistas vo nos mostrar que apresso social tal e to forte, que

    a maior parte das pessoas tenta resolver os seus problemas pessoaisadaptando-se, cegamente, s normas e aos valores do grupo. Cortadosdesua ateno primria,empregam o critrio de adaptao como o nico ponto dereferncia para julgar se uma atitude, individual ou coletiva, aceitvel.Cito Harlow: "Parece que a presso de se conformar (de se adaptar)s normas do grupo irresistvel, mesmo quando esta adaptao

    est claramente em conflito comas percepes, com as atitudes e convices do indivduo".Para ns, este um bom critrio dediscernimento.Um grupo so, saudvel, capaz de conter pessoas muitosdiferentes, que pensam diferente e que se enriquecem com suas51diferenas. Porque se todos pensam a mesma coisa, se entrarmos todosna mesma concha, ns no pensaremos mais. E a nossa relaono mais uma relao de alianade uns para com os outros, mas sim uma relao de submisso a umadoutrina comum. como a gua que, caindo num campo, gerasse floresde uma nica cor.O que interessante notar que, quando um ensinamento pode florirsob diferentes formas, ele encontra aplicaes em ambientes e mundosdiferentes. o sinal deque estamos num espao que colabora para nossa evoluo em vez denos destruir, em lugar de nos bloquear.O medo de mudanasExistem tambm muitas pessoas que tm medo de mudanas, mesmo seesta mudana as abre para uma existncia melhor e mais feliz. Oabandono dos hbitos antigos, aperda do conhecido, cria em algumas pessoas um clima intolervel deinsegurana. No h realmente segurana seno no previsvel,mesmo que isto signifique infelicidade

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    e sofrimento.Tem-se observado que o desejo de segurana muito pronunciado nospsicticos. Porque em sua infncia lhes foi ensinado que todamudana uma ameaa para eles.

    A separao da me ou do ambiente familiar foi-lhes apresentadocomo o equivalente da morte e do caos. Esta noo vai criar, nestaspessoas, um medo de toda e qualquermudana.Para ns uma boa indicao de como dar aos nossos filhos asegurana da qual eles tm necessidade, dando-lhes ao mesmo temposua liberdade. Muita segurana vaiimpedir a evoluo da pessoa. Mas muita liberdade vai causartambm muita angstia. Porque a criana no sabe mais quais

    so os seus limites. Portanto, o medo deno ser como os outros vai gerar um outro medo: o medo de conhecer-sea si mesmo.52O medo de se conhecerJonas pode ter medo de ser diferente, porque esta diferena o quefaz dele ele mesmo. Seus desejos, esta voz no mais ntimo do seu ser,que o faz preocupar-secom os outros e com o seu bem-estar, so fatores que o foram aabandonar o seu conforto. Seu conforto quer dizer sua normose, a qual suportvel. Quanto mais oconhecimento impessoal, mais ele d segurana. Quanto mais elese tornapessoal, na escuta do nosso mundo interior, mais nos tornamoshesitantes, assaltados, svezes, pelas dvidas. interessante observar que a experincia transpessoal no nosdespersonaliza mas, sobretudo, nos personaliza. E ela nos leva a nosinterrogarmos sobre o que temosde prprio, com todas as dvidas que isto implica quanto nossaidentidade.Bettelheim mostrou que esta ambivalncia, ante mudana,encontra-se em muitas crianas. Ela vai se manifestar pelo medo deaprender coisas novas, um temor de conhecer.Ele cita o caso de uma menina que se recusava a aprender biologia

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    porquea hereditariedade fazia parte desta matria. E ao estudar, ela selembrava da origem difcilde sua prpria existncia, pois tinha sido abandonada por sua me

    e adotada por pessoas pouco generosas, que no lhe davam osentimentode ter sido desejada.Assim o desejo de fracassar na escola e, mais tarde, em sua vida, ,para Bettelheim, um mecanismo de defesa contra a descoberta deverdadesdesconcertantes dentrodela mesma. Nesta pessoa h necessidade de proteger sua auto-estima,evitando o encontro com o conhecimento de si mesma.

    Ento o medo de conhecer, o medo de se conhecer, segundo Maslow, oprprio medo de fazer. No se quer saber para no se ter quefazer. Ele nos d o exemplo dosalemes que viviam nas cercanias do campo de concentrao deDachau. Eles53preferiam no saber o que se passava no campo, porque, se elessoubessem, teriam que fazer alguma coisa.Assim, ns entendemos um pouco mais do Complexo de Jonas. Diantedestaexperincia que lhe acontece, desta voz que o convida a ir paraNnive, ele sente todas asexigncias a elas relacionadas. Ele sente que no suficientesonhar com um mundo melhor, mas preciso que ele mesmo o tornemelhor. Ele prefere no saber, eleprefere no conhecer. E com este gesto ele passa ao largo dele mesmo,ele passa ao largo de sua grandeza. E esta prpria grandeza, estaimagem do homem autntico,que iremos estudar logo mais.54SEGUNDO CAPTULOO mergulho no inconscienteJonas foi conduzido pela vida a este momento, do qual ele no podemais recuar. Ele vai mergulhar na gua. Na gua que o smbolo

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    do inconsciente, do enfrentara si mesmo. Ele vai ser recolhido por um peixe. Eu lhes lembro que aBblia no fala em baleia. Em hebraico, a palavra peixe est maisprxima de um monstro marinho.

    Jonas vai fazer a experincia da Sombra. E ns chegamos a essemomento onde, na profundidade delc mesmo, ele deve encontrar umasada. Quando no h mais sada noexterior, quando eu me bato contra todos os muros, preciso procuraruma sada no interior.Ns j vivemos esta experincia algumas vezes. E eu penso nestapalavra do Evangelho, na qual Jesus responde queles que pedem sinais,que pedem milagres e prodgios:"No lhes ser dado outro sinal seno o de Jonas". Assim,

    queles que esto em busca do maravilhoso e do fantstico, Cristoparece lhes dizer que o nico sinal seguroe certo o sinal de Jonas. Isto , que o nico sinal pelo qualnos aproximamos da verdade o da nossa prpria transformao.Porque os milagres, as coisas maravilhosas,esto ainda no exterior de ns mesmos. E, algumas vezes, nada mudoudentro de ns.O sinal de Jonas o sinal de algum que mergulhou na profundeza doseu inconsciente e que, de sua transformao,55espera a salvao. O smbolo de Jonas vai ser reempregado, nahistria de Cristo, nos trs dias que ele passou dentro da terra, nabaleia-terra. Nesta baleia, naprofundidade da terra, vai operar-se a passagem da morte para a vida.Portanto, a experincia de Jonas a experincia de descerconscientemente para a morte, descer conscientemente em nosso sermortal. entrar, com conscincia, naprofundeza da condio humana. E do fundo deste inferno, dofundo deste infortnio, que ele vai se lembrar.Aqui ns ficamos muito prximos dos Terapeutas de Alexandria quandoeles falam da anamnese essencial, isto , desta lembrana do Ser.No se trata de se lembrarsomente dos traumatismos de nossa primeira infncia, no se trata dese lembrar somente dos acontecimentos felizes e infelizes da nossaexistncia, mas trata-se

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    de nos lembrarmos do Ser que nos faz ser. A lembrana deste Ser nosvem, freqentemente, no momento em que temos a impresso deperdermos nossa prpria vida, nosmomentos de grande fragilidade, onde nos damos conta de que no

    somoso Criador de nossa prpria vida.Jonas vai fazer esta experincia. E neste momento que ele vaideixar subir nele a prece da lembrana: "Em teu ser que passa,lembra-te do Ser que ". Esta tambm uma palavra de bno, que dada aos terapeutas. E eleajudar as pessoas, que sofrem deste sofrimento que passa, a tomaremconscincia em si mesmas, do "Serque ". Do ponto de vista do mtodo, consiste em levar a pessoa

    at o centro inacessvel de sua origem.Jonas diz: "No seio dos infernos eu continuo a olhar para o teu SantoTemplo". Isto quer dizer que ele no perdeu a sua orientaointerior. No deserto de nossasvidas, os mapas de estradas no so muito teis. Ns no temosnecessidade de mapas. Estes so teis quando estamos na cidade, masno deserto, onde no h mais estradas,para que servem os mapas? No deserto, no temos necessidade demapas esim de bssolas.56Jonas perdeu todos os seus mapas, todos os seus pontos de referncia,todas as suas escalas, mas no perdeu a bssola. Ele no perdeu asua orientao. A sua orientaopara o Ser. Creio que isto mportante para ns, quando estamossem referncias, porque neste momento temos que fazer uso da nossabssola, isto , do nosso corao.Um corao que busca o Ser. Porque no suficiente ter asas, necessrio saber voar. No suficiente ter uma bssola, necessrio saber interpret-la.O papel do terapeuta colocar o indivduo em contato com suabssola interior, que mostra o seu norte, que mostra o Ser. E quandons guardamos esta orientaointerior, seja o que for que faamos ou sejamos, no nos perderemos.No fundo do sofrimento, do monstro que nos aprisi.ona, da doena

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    quenos asfixia, precisolembrar que temos um corao e simplesmente guard-lo orientadopara o Ser. simplesmente um olhar interior. No se v nada,

    no se sabe mais nada e, no entanto,segue-se, Os que fizeram esta experincia de caminhar no desertocompreendem do que se trata. Porque com nossos olhos no vemosnada e,no entanto, a bssola indicaa direo.Portanto Jonas, no interior do monstro, encontra sua bssola,reencontra o seu centro, entra em contato com o seu ser essencial. Avida o obriga ao essencial. Ele

    no pode mais se contar estrias, ele no pode mais construir,para ele mesmo, belas representaes do mundo, porque ele fez aexperincia da morte, porque ele feza experincia da finitude de todas as coisas. Mas no corao destafinitude ele fez tambm a experincia do infinito, que nada nemningum pode tirar.Agora o peixe pode vomit-lo, porque ele cessou de se identifcarcom o espao-tempo. Ele tocou nele mesmo, em alguma coisa que nomorrer. Ele fez a experinciade que era mortal, de que no tem mais nada a perder, que no hmais razo de ter medo, pois existe dentro dele algo que nada nemningum poder destruir.Ento ele pode retornar terra firme e cumprir sua misso. Esta uma experincia comum s pessoas que estiveram em57coma profundo. Aps esse perodo de coma profundo, onde elas foramdeclaradas clinicamente mortas, quando voltam ao mundo no tmmaismedo de servir e, algumasvezes, todo o seu modo de vida se transforma. So testemunhos quens recebemos.Mas no necessrio ter um acidente ou uma experincia de comaprofundo para compreender que h em ns um lugar que nada tem aperder, que no tem medo e que podeir em direo ao outro, que pode cumprir sua misso e ir a

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    Nnive.O tornar-se autnticoChegamos, portanto, ao ponto em que Jonas saiu do peixe. Este peixe,

    para os alquimistas, o smbolo do que eles chamam Atharzor, o lugar dapurificao, o lugaronde passamos atravs do fogo, no qual o ouro se revela no meio dosminerais.Um dia, um homem perguntou a um fundidor de ouro e de prata:"Quando que o ouro est pronto e que a prata est pronta?" O fundidorrespondeu: "Quando, em me debruandosobre ele, posso reconhecer os traos do meu prprio rosto''. E

    os Padres do deserto diziam que eles tinham que passar pela Athanor,poreste braseiro, para quepudessem contemplar os traos do seu prprio rosto. Para que nocorao do filho do homem possa se revelar o Filho de Deus.Jonas tornou-se um Filho de Deus atravs das provaes e tornou-seo que podemos chamar um homem autntico. Dizamosh pouco que, no medo de Jonas, ao lado do medodo sucesso, do medo de ser invejado pelos outros, do medo de serdiferente dos outros, do medo de conhecer-se a si mesmo, haviatambmesse medo de autenticidade.A autenticidade tem outra conotao, no sentido heideggeriano dotermo. Cada um de ns tem como misso ser o seu Ser verdadeiro.Antes de fazer alguma coisa, nstemos que Ser.58 por isto que no Evangelho de Tom, quando os discpulosperguntam a Jesus: "O que preciso fazer acerca do alimento, daprece, dos ritos e da ao?" Jesus respondesimplesmente: "Parem de mentir. O que vocs no amam, no ofaam"- Esta pode parecer uma palavra estranha porque se nofizermos o que no amamos, no faremosmuita coisa, Mas o que Jesus diz que, antes de fazermos o que querque seja, precso ser, porque o nosso ser que vai qualificar

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    todos os nossos atos.Ns conhecemos bem isto no mundo teraputico. O mesmomedicamento,segundo a qualificao do profissional que nos receita, ter

    efeitos diferentes. por isto que,na formao dos terapeutas, importante o desenvolvimento de suaqualificao, de sua competncia, mas tambm muitoimportante o desenvolvimento da sua qualidade.Porque um indivduo pode ter muitas qualificaes, muitos diplomase muito poucaqualidade. E preciso ter as duas juntas.O que pedido a Jonas antes de poder ir a Nnive enfrentar asua prpria Nnivc interior. Ele ter que enfrentar os seus medos

    interiores. Amar nossos inimigosno , em princpio, amar aqueles que nos perseguem, mas aprender a amar esta parte de ns que ns no aceitamos.Jonas teve que aprender a amar a sua covardia para poder sair dela.Teveque aprender a no ter mais medo do seu medo para se tornarcorajoso.Cada um tem um inimigoem si mesmo. Uma parte de si que no quer conhecer, que lhe fazmedo,que o ameaa- E se esta parte no aceita por ns, ns aprojetamos para o exterior. por isso que o trabalho sobre a Sombra importante na psicologiada profundeza. A passagem atravs do mar, esta incubao no ventredo monstro, uma condiopara nos tornarmos seres autnticos. Portanto ns nos perguntamos.Qual o meu lugar neste mundo? O que eu vim fazer nesta terra? Qual a minha misso? Qual a minha vocao?59Cuidar do OutroO Livro de Jonas nos diz que, num primeiro momento, ns temos denostornar nosso Ser verdadeiro. uma tarefa. A tarefa do homem tornar-se um ser humano. E

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    a partir disso que vai despertar nele a preocupao com o outro.Mais nos tornamos ns mesmos, mais descobrimos que nosso Ser relao. desta descoberta de simesmo que vai nascer cuidado do outro. Neste momento eu me torno

    responsvel por tudo e por todos, como dizia Dostoiewski.Este cuidar no puramente psquico. uma sensaofsica, de sentir em seu prprio corpo o prprio corpo de nossafamlia, o corpo da sociedade e o corpo do Universo.Isto no quer dizer estar infeliz porque os outros esto infelizes.H um sofrimento no Universo e necessrio no rejeit-lo.Mas no temos tambm que superajuntarsofrimento, porque o que existe j suficiente.Trata-se, porm, de ser feliz por todos. Sermos felizes de um modo

    no egosta e aceitarmos que nunca seremos totalmente,completamentefelizes. Sermos felizes otanto que podemos ser, mas com esta abertura que nos impede de nosfecharmos na iluso, na complacncia. a partir desta abertura,que nos tornaremos capazes deir na direo daquele que consideramos como estrangeiro, comoestranho.Aps esta passagem atravs da morte e atravs das provaes,Jonas ir a Nnive. Assim, a palavra d'Aquele que vem a Jonas,numa segunda vez, decerta maneira: "Levanta-te,vai a Nnive, a grande cidade. Faze-a escutar a revelao que Euentrego a ti ". Desta vez, Jonaslevantou-se, no ficou deitado, no fugiu, no teve medo e foia Nnive. Ele foi aos inimigos do seu povo. Ora, Nnive era umacidade deenormes dimenses. Eram necessrios trs dias para atravess-la.O primeiro sinal que nos toca na experincia do transpessoal quens no temos mais medo do que antes nos fazia60medo. E esta tambm uma experincia que podemos sentir em nossoprprio corpo.Ns j falamos do perdo. Podemos perdoar algum com a nossacabea e tambm com o nosso corao, mas quando estamos na

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    presena da pessoa que nos fez mal, nossocorpo sente uma espcie de repulsa. Existem em ns tantas memriasque provocam esta reao! E a libertao do medo no somente uma coisa psquica ou intelectual.

    tambm algo fsico. Quando nos aproximamos desta ou daquelapessoa, sentimos que o nosso corgo fica calmo, quando antes havia umatenso, uma contrao. Este um sinal de que alguma coisa se limpou em nossa memria e que nsfomos libertados de um peso de memria que entranhava o nossocorpo.Jonas est surpreso indo a Nnive por no sentir mais o temor emseu corpo, o desejo de partir em sentido inverso. Ele habitado poruma fora confiante. Ele no

    tem mais nada a perder. No h mais nada a ser tirado dele. Eleno tem mais medo de perder sua reputao. A estima de si mesmo,ele no a espera mais dos outros.Os outros podem pensar o que quiserem, o importante para ele nomentir mais. Ser autntico. nesta autenticidade que ele encontra asua paz e a sua fora.Ns no temos nenhum poder sobre uma pessoa que autntica,sobre algum que honesto em si mesmo. Vocpode lhe dizer tudo o que quiser e no o far tremer. Masalgum que mente a si mesmo, mesmo se ele tem grandes idias,grandes teorias, diante de certas situaes ele se por a tremer,porque ele no um com ele mesmo.Porque est dviddo em si mesmo.E a partir de sua unidade reencontrada, de seu desejo pessoal emunidade com o seu desejo transpessoal que Jonas va encontrar afora para enfrentar Nnive. L,ele vai poder pregar a sua mensagem: "Dentro de 40 dias Nnive serdestruda ". Sua mensagem a lei de causa e efeito. Esta lei, que61em snscrito se chama karraa, dizer a algum que ela colhe oque semeou. Se Nnive continua a viver desta maneira, na violncia,no poder, na explorao dos homenspelos homens, a conseqncia s poder ser a morte.A mensagem de Jonas o fruto de uma observao. o fruto deuma lucidez. Tal causa gera tal efeito. Se o mundo continua a viver

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    desta maneira, no h mais muitotempo a viver. So mensagens que ns escutamos ainda hoje. amensagem do Clube de Roma, que analisa as dificuldades ecolgicas domundo. Vocs aqui so muito sensveis

    a estas questes. E nelas podemos reconhecer a palavra de Jonas.A felicidade de ver os maus castigadosO curioso que Jonas, de certo modo, est feliz por ser um profetada "m sorte". Ele diz tudo isso e, ao mesmo tempo, ele pensa que nadavai mudar. o paradoxode Jonas. Ele no tem mais medo de dizer o que ele tem a dizer, masele no acredta que o que ele diz possa ter alguma influncia.Esta tambm uma etapa que podemos identificar em nossaexistncia. Ns dizemos o que temos a dizer, estamos lcidos

    acerca dos acontecimentos do mundo e, ao mesmotempo, no acreditamos que alguma coisa possa mudar. H umaespcie de fatalismo, como se o encadeamento de causa e efeito nofindassejamais. a lei do sansara:"O que foi, ser".E, para grande surpresa de Jonas, esta palavra escutada. Para ns, um ensinamento. Al.gumas vezes podemos dizer palavras que sojustas para ns, mas no somosns que falamos. H uma voz na nossa voz. Como para os Terapeutas,onde, s vezes, h uma mo na sua mo. Ou como para adanarina, onde h uma dana em sua dana.E atravs da dana do seu corpo, do seu ventre, o Universo quevemos danar.Portanto, para ns um ensinamento. possvel que nocreiamos verdadeiramente no que dizemos. Contudo, precsa62mos dizer. O mais surpreendente em Jonas que ele gostaria muito queos ninivitas no escutassem suas palavras. Esta espcie decontentamento que temos quando vemosos outros pagarem pelas conseqncias dos seus atos. A isso nschamamos justia. H em ns algo impiedoso. Diante docomportamento de algumas pessoas sentimo-nosfelzes, de certo modo, ao v-las castigadas.Na Idade Mdia havia um telogo, que eu considero um mau telogo,o qual dizia que ao sofrimento dos condenados se superajuntava a

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    felicidade dos eleitos. Esta uma triste felicidade. E esta triste felicidade era o que Jonasesperava. Ele esperava que os inimigos do seu povo sofressem o castigo.Ora, o povo de Nnive creu em Deus. E crer em Deus, o que quer dizer?

    aderir presena do Ser, retornar conscincia do Ser.Reencontramos ento o antigo significadoda palavta "Penitncia". Fazer penitncia sair daquilo que contrrio natureza, na direo do que lhe prprio - naspalavras de So Joo Damasceno. O povode Nnive vivia contra a natureza e naquele momento voltou suaverdadeira natureza. interessante ver como isto se passou. Eles proclamaram o estado dejejum, vestiram-se de sacos, dos maiores aos pequennos. E quando as

    palavras de Jonas cheRaramaos ouvidos do Rei de Nnive, ele levantou-se do seu trono,despojou-se de suas roupas reais e, vestido unicamente de um saco,sentou-se sobre us cimas. Entizoele fez ordenar a Nnive: "Por ordem do Rei e da sua corte, nenhunhomem e nenhumanimal, de tamanho grande ou pequeno, comer nada, provar oubeber, nemmesmo gua. Todos se vestiro de sacos, tanto os homens, quanto osanimais. Eles invocaro Aquele que , na chama do seu corao.Cada um deve sair do mau caminhoe, saindo dele, ns no pereceremos ".A primeira coisa que pedida o jejum. Esta uma prticainteressante, quando sentimos que perdemos o nosso eixo.63Encontramos vrias interpretaes fsicas e psicolgicas dojejum. O jejum pode ser praticado para seguir um regime de I .emagrecimento, mas na dimenso espiritual tem a finalidade de fazer aexperincia da falta. Descobrir que, alm dos vegetais que nosnutrem, o Senhor da Vida quenos nutre. sentir tambm nossa fragilidade. uma maneira deretornarmos ao essencial. uma tcnica que leva ao xtase que,neste caso, preciso manejar comcuidado. Se quisermos nos abrir a certos estados de conscincia- este um ensinamento que encontramos em muitas tradies- bom no

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    termos o estmago muito cheio.H outros momentos em que, evidentemente, timo ench-lo. Eesta uma parte da formao dos hindus - quando querem tervises, passam por um perodo de jejum.

    Ento os habitantes de Nnive fazem esta experincia do jejum. Emseguida, eles tiram suas roupas. As vestimentas que simbolizam asclasses sociais e que so umsinal de reconhecimento. Na Frana, d-se muita ateno cordas camisas e ao n das gravatas. Dependendo do Ministrio em que aspessoas trabalham, suas camisasvariam de cor. Em Nnive, preciso retirar sua camisa, sua gravata,e se vestir com um saco.Nnive tornou-se uma cidade cheia de sofrimento, porque alguns

    homensexerceram o poder sobre outros homens. Porque o desprezo, adesigualdadee o desrespeito seinstalaram entre os seres. O fato de se despojar dos atributos de suaclasse social nos lembra que, qualquer que seja nossa situao,somos todos seres humanos.Qualquer que seja nossa cor, somos todos cor da pele, desde o maioraomenor.O que muito me surpreende que os animais tambm devem participardojejum. Do ponto de vista simblico, dizem os Antigos, trata-se defazer jejuar em ns nossosanimais interiores, nossos impulsos, nossos instintos, a fim