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    UNESP

    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    Jlio de Mesquita FilhoInstituto de Artes

    Programa de Ps-graduao em Artes - Mestrado

    Apropriao e insero na contra-arte da gerao AI-5

    Diana Vaz de Jesus

    Dissertao submetida UNESP comorequisito parcial exigido pelo Programa dePs-Graduao em Artes, rea de concentraoem Artes Visuais, linha de pesquisa emAbordagens Tericas, Histricas e Culturais daArte, sob a orientao do prof. Dr. JosLeonardo do Nascimento, para a obteno do

    ttulo de Mestre em Artes.

    So Paulo

    2010

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    Banca Examinadora

    Prof. Dr. Jos Leonardo do Nascimento

    Orientador (Instituto de Artes UNESP)

    Prof. Dr. Srgio Romagnolo

    (Instituto de Artes UNESP)

    Prof. Dr. Francisco Cabral Alambert Junior

    (Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas USP)

    Data de aprovao: 17 de dezembro de 2010

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    Ficha catalogrfica preparada pelo Servio de Biblioteca e Documentao do Institutode Artes da UNESP

    (Fabiana Colares CRB 8/7779)

    CDD 709.81

    V393aVaz de Jesus, Diana, 1979-

    Apropriao e insero na contra-arte da gerao AI-5 /Diana Vaz de Jesus. - So Paulo, 2010.

    144 f. ; il. + 01 CD

    BibliografiaOrientador: Prof. Dr. Jos Leonardo do NascimentoDissertao (Mestrado em Artes) Universidade Estadual

    Paulista, Instituto de Artes. 2010.

    1. Arte Histria. 2. Arte brasileira. I. Nascimento, JosLeonardo. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto deArtes. III. Ttulo

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    AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais pelo apoio, carinho e amor incondicional.

    Ao Daniel Gis, pelo amor, companheirismo e compreenso.

    Ao Prof. Dr. Jos Leonardo do Nascimento, pelo incentivo, confiana e orientao.

    Aos membros da Comisso Julgadora de Qualificao: Prof. Dr. Omar Khouri e Prof. Dr.

    Srgio Romagnolo pelas valiosas colocaes e comentrios.

    CAPES por ter-me concedido a bolsa e possibilitado a realizao desta dissertao.

    A todos aqueles que, de alguma forma, auxiliaram na minha pesquisa.

    Galeria Luisa Strina pelo material cedido e Patricia Dominguez por ter sido to prestativa.

    Fundao Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, pelo material enviado.

    WSET Multimdia, ao Guilherme Whitaker e Simone Rodrigues por terem me

    presenteado com um maravilhoso catlogo.

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    RESUMO

    Este trabalho tem como objeto de pesquisa obras de artistas brasileiros, que nas

    dcadas de 1960 e 1970 produziram seus trabalhos utilizando como procedimento artstico a

    apropriao e tambm a (re) insero de suas obras no cotidiano. Dentre os que mais se

    destacaram nesta prtica no perodo estudado, selecionaram-se para anlise os artistas: Nelson

    Leirner, Cildo Meireles e Antonio Manuel.

    Definindo melhor o conceito de apropriao e retomando a histria desse

    procedimento na arte foi possvel fazer um levantamento de questes que este tipo de prtica

    aponta e as mudanas de paradigma que ocasionou. Desde os readymades de Duchamp aos

    dtournement dos situacionistas, a prtica da apropriao problematizou questes como a

    autoria do artista e a prpria natureza da arte.

    Como o suporte de tais obras so objetos do cotidiano, foi tambm analisada a

    questo do que definiria um objeto apropriado como obra de arte, tendo como base terica a

    definio de arte de Arthur C. Danto (A Transfigurao do lugar-comum).

    Partindo para a arte brasileira, buscaram-se as primeiras manifestaes desta prtica

    para verificar sua adaptao aos ideais de arte nacional. Retomando o contexto scio-poltico-

    econmico dos anos 1960 e 1970, em particular o perodo do AI-5, foi possvel analisar se talcontexto influenciou na criao das obras dos artistas analisados. Tendo como referncia o

    termo contra-arte - cunhado pelo crtico Frederico Morais para referir-se arte da gerao

    AI-5 - verificou-se que esses artistas somaram a contestao poltica contestao da prpria

    arte, residindo neste ltimo seu verdadeiro legado.

    Palavras-chave: apropriao, insero, readymade, arte brasileira, gerao AI-5

    Grande rea: letras, lingstica e artes

    rea: artes

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Fig. 1: Pablo Picasso. Natureza Morta com Cadeira de Palha, 1912. Fonte: Pablo Picasso: ARetrospective. New York: Thames and Hudson, 1980. Catlogo de exposio, 22 mai.-16 set.1980. The Museum of Modern Art. p. 157

    20

    Fig. 2: Raoul Hausmann. O crtico de arte, 1919/20. Fonte: O livro da arte. So Paulo: MartinsFontes, 1999. p. 210

    21

    Fig. 3: Alexander Rodchenko.Maquete para uma ilustrao para Sobre isto (Pro eto), um poemade Maiakovski. 1923.Fonte:< http://www.moma.org/interactives/exhibitions/1998/rodchenko/index.html>

    22

    Fig. 4: Max Ernst. Uma semana de bondade ou Os sete elementos capitais, 1930. Fonte:BATCHELOR, David; FER, Briony; WOOD, Paul.Realismo, Racionalismo, Surrealismo. SoPaulo: Cosac Naify, 1998. p. 58

    23

    Fig. 5: Kurt Schwitters.Relevo, 1923. Fonte: WALTHER, Ingo F. (org.).Arte do Sculo XX.Taschen, 2005. p. 462

    23

    Fig. 6: Marcel Duchamp. Fonte, 1917/1964. Fonte: MINK, Janis.Marcel Duchamp: a arte comocontra-arte. Taschen, 2000. p. 66

    25

    Fig. 7: The Blind Man, N 2, 1917. p. 4-5. Fonte: The International Dada Archive. Disponvel em

    25

    Fig. 8: Marcel Duchamp.L.H.O.O.Q., 1919. Fonte: MINK, Janis.Marcel Duchamp: a arte comocontra-arte. Taschen, 2000. p. 65

    29

    Fig. 9: Man Ray. O Enigma de Isidore Ducasse, 1920.Fonte:

    30

    Fig. 10: Meret Oppenheim, Minha ama-seca, 1936. Fonte: BATCHELOR, David; FER, Briony;WOOD, Paul.Realismo, Racionalismo, Surrealismo. So Paulo: Cosac Naify, 1998. p. 240

    30

    Fig. 11: Robert Rauschenberg. Canyon, 1959. Fonte: OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Taschen,1994. p.149

    32

    Fig. 12: Andy Warhol.Marilyn Monroe (Marilyn), 1967.Fonte:

    32

    Fig. 13: Arman. Acumulao de jarros, 1961. Fonte: OSTERWOLD, Tilman. Pop Art. Taschen,1994. p.117

    34

    Fig. 14: Raoul Vaneigem e Grard Joanns.Internacional Situacionista, 1967.

    Fonte:

    37

    Fig. 15: Asger Jorn. O Pato Inquietante, 1959. Fonte: 37

    Fig. 16: George Maciunas. Fluxus Manifesto, 1963.Fonte:

    38

    Fig. 17: Ben Vautier.Mystery Food, 1963. Fonte: O que Fluxus? O que no ! O porqu. Braslia/Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2002. p. 58

    39

    Fig. 18: George Maciunas. Seu nome soletrado com objetos G E O R G E B R E C H T, 1976. Fonte:O que Fluxus? O que no ! O porqu. Braslia/ Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco doBrasil, 2002. p. 204

    40

    Fig. 19: Joseph Kosuth, Uma e trs cadeiras, 1965. Fonte: DEMPSEY, Amy. Estilos, escolas emovimentos. So Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 240

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    Fig. 20: Sherrie Levine,After Walker Evans: 4, 1981. Fonte: http://www.metmuseum.org 46

    Fig. 21: Walker Evans,Allie Mae Burroughs, Hale County, Alabama, 1936.Fonte: http://www.metmuseum.org

    46

    Fig. 22: Michael Mandiberg, Sem ttulo (AfterSherrieLevine.com/2.jpg), 2001.Fonte: www.aftersherrielevine.com

    48

    Fig. 23: Michael Mandiberg, Certificado de Autenticidade.Fonte: www.aftersherrielevine.com

    48

    Fig. 24: Andy Warhol,Brillo Boxes, 1964.Fonte: http://www.nationalgalleries.org/whatson/exhibition/:/372/3741

    55

    Fig. 25: Michael Craig-Martin, An Oak Tree, 1973.Fonte: http://www.tate.org.uk/servlet/ViewWork?workid=27072

    64

    Fig. 26: Roy Lichtenstein. Retrato de madame Czanne, 1962. Fonte: The Roy LichtensteinFoundation. Disponvel em:

    65

    Fig. 27: Jorge de Lima. Manequins de mulher sem rosto, 1939. Fonte: CHIARELLI, Tadeu.Apropriaes/ Colees. Porto Alegre:Santander Cultural, 2002. p. 67

    74

    Fig. 28: Alberto da Veiga Guignard. Sem ttulo, 1949. Fonte: CHIARELLI, Tadeu. Apropriaes/Colees. Porto Alegre:Santander Cultural, 2002. p. 63

    75

    Fig. 29: Athos Bulco. Recordaes de Viagens O Turista II, 1953. Fonte: CHIARELLI, Tadeu.Apropriaes/ Colees. Porto Alegre:Santander Cultural, 2002. p. 54

    75

    Fig. 30: Nelson Leirner. Pr-do-sol, 1962. Fonte: CHIARELLI, Tadeu. Nelson Leirner: arte e noArte. So Paulo: Galeria Brito Cimino: Takano, 2002. p. 35

    80

    Fig. 31: Nelson Leirner. Pintura I, 1964. Fonte: CHIARELLI, Tadeu. Nelson Leirner: arte e no

    Arte. So Paulo: Galeria Brito Cimino: Takano, 2002. p. 39

    81

    Fig. 32: Nelson Leirner. Acontecimento, 1965. Fonte: CHIARELLI, Tadeu. Nelson Leirner: arte eno Arte. So Paulo: Galeria Brito Cimino: Takano, 2002. p. 44

    82

    Fig. 33: Antonio Dias.Nota sobre a Morte Imprevista, 1965.Fonte: http://www.antoniodias.com

    84

    Fig. 34: Carlos Vergara. Vote, 1965. Fonte: http://www.carlosvergara.art.br 84

    Fig. 35: Marcelo Nitsche.Aliana para o progresso, 1965. Fonte: http://www.mac.usp.br 85

    Fig. 36: Hlio Oiticica.B 36 Blide caixa 01- Apropriao 01, 1966. Fonte: RAMREZ, Mari Carmen(org.).Hlio Oiticica: the body of colour. London: Tate Publishing, 2007. p. 114

    87

    Fig. 37: Hlio Oiticica.B 38 Blide Lata 01- Apropriao 02 Consumitive, 1966.Fonte: RAMREZ, Mari Carmen (org.). Hlio Oiticica: the body of colour. London: TatePublishing, 2007. p. 116

    89

    Fig. 38: Rex Time, n 4, 1967. Fonte: Biblioteca do Museu de Arte Moderna de So Paulo 90

    Fig. 39: Antonio Manuel. Represso outra vez eis o saldo, 1968. Fonte: FILHO, Paulo Venncio;BRETT, Guy. Fatos Antonio Manuel. So Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil, 2007. p. 26

    92

    Fig. 40: Cildo Meireles. Tiradentes: totem-monumento ao preso poltico, 1970. Fonte: CAMERON,Dan; HERKENHOFF, Paulo; MOSQUERA, Gerardo. Cildo Meireles. So Paulo: CosacNaify, 2000. p. 64

    94

    Fig. 41: Artur Barrio. Situao T/T, 1 (2 parte), 1970. Fonte: CANONGIA, Ligia (org.). Artur

    Barrio. Rio de Janeiro: Modo, 2002. p. 22 23

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    Fig. 42: Nelson Leirner. O Porco, 1967. Fonte: CHIARELLI, Tadeu.Nelson Leirner: arte e no Arte .So Paulo: Galeria Brito Cimino: Takano, 2002. p. 108

    100

    Fig. 43: Nelson Leirner. Tronco com cadeira, 1967. Fonte: CHIARELLI, Tadeu.Nelson Leirner: artee no Arte. So Paulo: Galeria Brito Cimino: Takano, 2002. p. 103

    100

    Fig. 44: Cildo Meireles. Estudo para espao/tempo, 1969. Fonte: MEIRELES, Cildo. Babel / CildoMeireles. Rio de Janeiro: ARTVIVA Editora. So Paulo: Estao Pinacoteca do Estado de SoPaulo, 2006. p. 25

    106

    Fig. 45: Cildo Meireles. Espaos virtuais: Cantos, 1967-68. Fonte: CAMERON, Dan;HERKENHOFF, Paulo; MOSQUERA, Gerardo. Cildo Meireles. So Paulo: Cosac Naify,2000. p. 9

    106

    Fig. 46: Cildo Meireles. Inseres em circuitos ideolgicos: Projeto Coca-Cola, 1970. Fonte:CAMERON, Dan; HERKENHOFF, Paulo; MOSQUERA, Gerardo. Cildo Meireles. SoPaulo: Cosac Naify, 2000. p. 109

    107

    Fig. 47: Cildo Meireles.Inseres em circuitos ideolgicos: Projeto Coca-Cola, 1970. Fonte: GaleriaLuisa Strina, So Paulo/SP

    109

    Fig. 48: Cildo Meireles.Inseres em circuitos ideolgicos: Projeto Coca-Cola, 1970. Fonte: GaleriaLuisa Strina, So Paulo/SP

    112

    Fig. 49: Cildo Meireles. Inseres em circuitos ideolgicos: Projeto Coca-Cola, 1970. Fonte:CAMERON, Dan; HERKENHOFF, Paulo; MOSQUERA, Gerardo. Cildo Meireles. SoPaulo: Cosac Naify, 2000. p. 111

    114

    Fig. 50: Exposio A Nova Crtica, 1970. Fonte: FREITAS, Artur. CONTRA-ARTE: vanguarda,conceitualismo e arte de guerrilha 1969-1973, 2007. p. 97

    116

    Fig. 51: Antonio Manuel.Isso que , 1975. Fonte: Arte como questo: Anos 70. So Paulo, TomieOhtake, 2009. p. 75

    118

    Fig. 52: Cildo Meireles. Inseres em circuitos ideolgicos: Projeto Cdula, 1970. Fonte:CAMERON, Dan; HERKENHOFF, Paulo; MOSQUERA, Gerardo. Cildo Meireles. SoPaulo: Cosac Naify, 2000. p. 51

    119

    Fig. 53: Antonio Manuel. Estudantes fazem o caos e anunciam nova passeata, 1968 Fonte: FILHO,Paulo Venncio; BRETT, Guy. Fatos Antonio Manuel. So Paulo: Centro Cultural Banco doBrasil, 2007. p. 82

    121

    Fig. 54: Antonio Manuel. Clandestinas, 1973. Fonte: Coleo de Arte da Cidade de So Paulo. Foto:Diana Vaz

    123

    Fig. 55: Antonio Manuel. Clandestinas, 1973. Fonte: Coleo de Arte da Cidade de So Paulo. Foto:Diana Vaz

    124

    Fig. 56: Antonio Manuel. Clandestinas, 1973. Fonte: Coleo de Arte da Cidade de So Paulo. Foto:Diana Vaz

    124

    Fig. 57: Antonio Manuel. Clandestinas, 1973. Fonte: Coleo de Arte da Cidade de So Paulo. Foto:Diana Vaz

    126

    Fig. 58: Antonio Manuel. Exposio de 0 a 24 horas, 1973. Fonte: Fundao Biblioteca Nacional,

    Rio de Janeiro

    128

    Fig. 59: Antonio Manuel. Exposio de 0 a 24 horas, 1973. Fonte: Fundao Biblioteca Nacional,

    Rio de Janeiro

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    Fig. 60: Antonio Manuel. Exposio de 0 a 24 horas, 1973. Fonte: Fundao Biblioteca Nacional,

    Rio de Janeiro

    131

    Fig. 61: Antonio Manuel. Exposio de 0 a 24 horas, 1973. Fonte: Fundao Biblioteca Nacional,

    Rio de Janeiro

    131

    Fig. 62: Antonio Manuel. Exposio de 0 a 24 horas, 1973. Fonte: Fundao Biblioteca Nacional,

    Rio de Janeiro

    131

    Fig. 63: Antonio Manuel. Exposio de 0 a 24 horas, 1973. Fonte: Fundao Biblioteca Nacional,

    Rio de Janeiro

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    SUMRIO

    Introduo 12

    1. Apropriaes 18

    1.1.Readymade 23

    1.2. Para alm do readymade: anos 60 e 70 31

    1.3. A questo da autoria 49

    2. A Transfigurao do lugar-comum 55

    3. Apropriaes no Brasil 73

    3.1. Brasil anos 60 e 70: contexto 76

    3.2. Vanguarda e apropriao 79

    3.3. Gerao AI-5 92

    3.4. O porco do Nelson Leirner 97

    3.5. As inseres de Cildo Meireles 104

    3.6. Os jornais de Antonio Manuel 1203.7. Contra-arte (guerrilha artstica) 132

    Consideraes Finais 135

    Bibliografia 138

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    INTRODUO

    Vivemos hoje o chamado pluralismo na arte contempornea. Uma obra de arte pode

    ser feita a partir de qualquer coisa objetos comuns, materiais precrios e descartveis, p,

    aes, letras - o que a imaginao do artista demandar. E esses materiais utilizados pelo

    artista, em geral, no so feitos por ele, mas adquiridos, apropriados. Sabemos que no foi

    sempre assim e que, em algum momento, o paradigma da arte se modificou para poder

    abarcar essas variaes de procedimentos artsticos.

    Foi em busca desse momento que percebi a necessidade de se compreender melhor a

    prtica da apropriao. Buscando referncias de artistas que se utilizaram da apropriao em

    seus trabalhos, encontrei na arte brasileira uma gama enorme de obras ricamente poticas e

    questionadoras. Desde ento, venho me dedicando a pesquisar arte brasileira e o

    procedimento da apropriao.

    Na minha pesquisa de concluso do curso de graduao (2003) intitulada S me

    interessa o que no meu: aspectos da apropriao na arte brasileira apresentei um

    histrico sobre a Arte Brasileira que, desde o descobrimento do Brasil, teve modelos

    importados e adaptados nossa cor local. Passando pelo barroco, pela arte acadmica, pelo

    modernismo e pelos movimentos de neovanguarda, os artistas brasileiros se influenciarampelo que vinha de fora para construir uma arte nacional. Relacionei este fato com a prpria

    identidade brasileira, que formada pela juno da raa que j havia nesta terra (ndios) com

    raas vindas de outros continentes (Europa e frica). Ainda pensando neste aspecto de se

    apropriar do que vem de fora me remeti ao Manifesto Antropfago de Oswald de Andrade e

    ao movimento antropofgico, que props uma devorao da arte estrangeira para se fazer uma

    arte brasileira. Partindo para outro sentido de apropriao, o de readymade1

    1 Termo em ingls cunhado pelo artista francs Marcel Duchamp (1887 - 1968), que literalmente significa feito pronto.Neste procedimento, o artista se apropriava de objetos do cotidiano, retirando-os de seu contexto original e inserindo-os no

    circuito de arte.

    e em suas

    inmeras possibilidades dentro da prtica artstica, analisei dois tipos de procedimentos: aapropriao de obras de arte e a apropriao de circuitos. Esses dois tipos de apropriaes tm

    em comum o fato de lidarem com sistemas (o sistema de arte e o sistema de circulao de um

    objeto no cotidiano).

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    Em outra pesquisa, para concluso do curso de ps-graduaoLato Sensu em Histria

    da Arte (FAAP, 2008) intituladaApropriaes e a Orte de Nelson Leirner, focalizei-me no

    artista Nelson Leirner. Apresentei um breve histrico da apropriao na arte e comparei a obra

    de Nelson a dos outros artistas citados. Verifiquei que o artista exerce um dilogo com a

    tradio da apropriao e foi um dos pioneiros desta prtica no Brasil. Tambm foi possvel

    verificar que alm de similaridades, ele possui singularidades que o torna o artista que .

    Dando continuidade s minhas pesquisas, esta dissertao tem como objeto obras de

    artistas brasileiros, que nas dcadas de 1960 e 1970 produziram seus trabalhos utilizando

    como procedimento a apropriao e tambm a (re) insero de suas obras no cotidiano. Entre

    os que mais se destacaram nesta prtica no perodo estudado, selecionei para anlise os

    artistas: Nelson Leirner, Cildo Meireles e Antonio Manuel.Algumas idias e resultados obtidos nas pesquisas anteriores sero retomados, mas

    neste trabalho irei abordar outras questes e idias que no foram levantadas nestas outras

    pesquisas. Para apresentar as questes que irei abordar se fez necessrio retomar a histria da

    apropriao.

    Muitos historiadores consideram que esta prtica tenha se iniciado no cubismo atravs

    das colagens. Artistas como Picasso e Braque, por volta de 1912, comearam a incorporar

    elementos do cotidiano, como recortes de jornal ou cartas de baralho, em suas pinturas. Mas aprtica da apropriao deu seu grande salto e encontrou sua maior expresso com Duchamp e

    seus readymades. O artista produziu uma srie de obras em que ele retirava o objeto de seu

    contexto e funo original e o inseria no circuito de arte, resignificando-o, como seu famoso

    urinol assinado e intitulado Fonte de 1917. Seguindo a linha do readymade surgiu o objeto

    surrealista, baseado na idia de objet trouv2

    Antonio Manuel e Nelson Leirner fizeram trabalhos em jornais e Cildo Meireles

    devolvia circulao suas garrafas de coca-cola e suas cdulas de dinheiro modificadas. As

    obras de arte desses artistas eram disfaradas de objetos comuns e misturavam-se entre eles.

    Circulavam no mundo e no em museus. Com essa suposta dissoluo da fronteira entre arte e

    . Aps um perodo sem grandes mudanas dentro

    deste quadro, a apropriao ser retomada nas dcadas de 1960 e 1970 numa amplitude maior:

    o objeto apropriado e resignificado era tambm reinserido em seu contexto original, ou seja, oartista devolvia o objeto ao cotidiano. Este o caso dos artistas que irei analisar nesta

    pesquisa.

    2

    (fr. objeto encontrado) um objeto encontrado ao acaso pelo artista e exposto como obra de arte.

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    vida, o que ento difere um objeto comum do objeto apropriado, ou seja, o que define o objeto

    apropriado como obra de arte? O que levava o artista a buscar esse circuito alternativo de

    exposio? E ao trabalhar com apropriao, como se d a autoria do artista? Sendo o conceito

    de apropriao de origem estrangeira, como se deu sua adaptao para a arte brasileira?

    Tentando responder algumas das questes levantadas acima percebi a necessidade de

    retomar a situao scio-poltico-cultural no Brasil. Os anos 1960 e 1970 foram marcados por

    um governo ditatorial. O regime militar imps a censura e a represso que afetaram a

    dinmica cultural, o que exigiu do artista um posicionamento poltico. O perodo da

    publicao do AI-5 fez surgir uma gerao de artistas com obras mais radicais e

    contestadoras. Em certos casos, as dificuldades em expor seus trabalhos em instituies de

    arte levaram os jovens artistas s ruas, produzindo assim obras que estabelecessem umarelao comunicacional com o pblico, convidando-o participao. Este compartilhamento

    da obra com o pblico fez com que o artista dividisse sua autoria com o

    observador/participador, e a insero da obra no cotidiano levou o artista a quase um

    anonimato. Com tudo isso, diluram-se a autoria da obra, a sua mercantilizao e os limites da

    arte. Todos os sistemas foram questionados. Para isso, o artista inseria sua obra nestes

    sistemas usando de sua linguagem e especificidade. Assim, encontrava uma maneira

    camuflada de expressar seu discurso e sua potica e uma maneira mais abrangente de difundirseu trabalho e suas idias. O artista brasileiro, em grande parte por causa deste contexto

    poltico, adaptou a prtica da apropriao aos seus ideais, construindo uma produo de

    carter ativista, diferenciando-se assim da produo de arte norte-americana e europia.

    Apesar de a apropriao ser uma prtica j tradicional dentro da arte, amplamente

    utilizada nos dias de hoje, existe pouca bibliografia especfica sobre o assunto, sendo ainda

    incompreendida e pouco aceita por uma grande parte do pblico no especializado, gerando

    sempre polmicas, discusses e at processos de direitos autorais. Dentre os artistas jprocessados podemos citar Andy Warhol, Roy Lichtenstein e Jeff Koons que tiveram casos

    ganhos e tambm perdidos. Existe at um site canadense3

    3 http://www.appropriationart.ca Acesso em: 05 out. 2009

    , com mais de 500 profissionais da

    arte afiliados, em que se discute uma lei de direitos autorais menos rgida e mais condizente

    com a realidade da arte contempornea, onde os artistas possam trabalhar com a apropriao

    sem correr riscos. Isso demonstra a necessidade de se discutir a apropriao na arte e

    compreender melhor seus conceitos.

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    Os estudos sobre arte brasileira vm crescendo constantemente e tem se dado bastante

    ateno arte dos anos 1960 e 1970. Mas ainda pouco se pesquisa sobre a apropriao na arte

    visual brasileira. interessante notar que a maioria dos textos sobre este assunto foram

    produzidos pelos prprios artistas que refletiam sobre sua produo e sobre a arte de seu

    tempo, muitas vezes travando disputas com a crtica de arte vigente. O uso de apropriaes na

    arte modificou toda sua estrutura, sua linguagem e sua conceitualizao, criando uma

    revoluo artstica, e de extrema importncia entender como se deu este processo na arte

    brasileira. Como disse Dcio Pignatari:

    Os grandes criadores os inventores de Ezra Pound contribuemcom signos novos estruturais antagnicos em relao ao sistemaanterior que no os pode absorver sem destrurem-se. Por isso os

    combatem. Um signo novo estrutural tem funo crtica emetalingstica: ele ameaa o sistema de valores preexistenteapontando para a possibilidade de um novo sistema. (PIGNATARI,1998: 64)

    Um signo novo estrutural ressurgia numa poca de mudanas em que tudo era

    contestado. Compreendendo este tipo de arte, seus conceitos e definies, compreenderemos

    melhor seus reflexos na arte de hoje.

    Assim sendo, os objetivos desta pesquisa so apresentar um breve histrico da

    apropriao na arte e de seus conceitos; verificar como se deu a adaptao da prtica da

    apropriao na arte brasileira; analisar como o contexto scio-poltico-econmico brasileiro

    dos anos 1960 e 1970 influenciou a arte da poca; compreender a teoria que existe por detrs

    de uma apropriao artstica e como se estrutura (ou desestrutura) o sistema de arte com este

    tipo de procedimento; apresentar e interpretar algumas obras dos artistas selecionados e

    contribuir para uma reflexo sobre a arte brasileira.

    Para tanto, recorri a diversas fontes bibliogrficas. Deu-se prioridade a fontes

    primrias como entrevistas, textos e manifestos produzidos pelos prprios artistas estudados.Tambm utilizei como fontes: livros e teses especficos sobre esses artistas e sobre arte

    brasileira, como os escritos pelos historiadores Aracy Amaral, Cristina Freire e Tadeu

    Chiarelli; textos sobre a linguagem da arte e a prtica da apropriao como os do artista

    Marcel Duchamp, do filsofo americano Arthur C. Danto (A Transfigurao do lugar-

    comum, 2005) e dos tericos franceses Nicolas Bourriaud (Ps-produo, 2009) e Anne

    Cauquelin (Arte contempornea: uma introduo, 2005); e de livros sobre a situao scio-

    econmica-poltica das dcadas analisadas.

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    Escolhi como base terica da minha pesquisa o conceito de arte contido no livro A

    Transfigurao do lugar-comum de Arthur C. Danto. Partindo da questo Qual a diferena

    entre uma obra de arte e um objeto comum similar a esta?, gerada aps visitar uma exposio

    de Andy Warhol, Danto tentou formular uma definio de arte. Como a diferena no se

    encontra no visvel, mas sim no carter ontolgico, o filsofo retomou diversas teorias da arte

    e apresentou algumas proposies para encontrar a verdadeira essncia da arte. Isso

    demonstra sua predileo pela esttica do sentido do que pela esttica da forma. Afirmou, por

    exemplo, que toda arte deve ter um significado, portanto, toda arte representacional e por

    isso mesmo passvel de uma espcie de anlise semntica, sendo o formalismo inadequado

    como filosofia da arte. Afirmou tambm que a obra de arte um veculo de representao que

    corporifica seu significado, so significados corporificados, e que a chave para entend-la ainterpretao. A obra o objeto mais o significado, e a interpretao explica como o objeto

    traz em si o significado que o observador (...) percebe e ao qual reage de acordo com o modo

    como o objeto o apresenta. (DANTO, 2005: 19).

    O mtodo utilizado nesta pesquisa foi o de anlise comparativa. Tomando como grau

    de igualdade o tempo (anos 1960 e 1970), o espao (Brasil) e o fato dos trs artistas

    trabalharem com apropriao e insero; compararei suas produes, seus procedimentos e

    seus questionamentos. Levando em conta a influncia dos movimentos de arte internacionalda poca como a pop art, o novo realismo francs, a arte conceitual, os situacionistas e o

    grupo Fluxus, comparei esses movimentos com a produo da arte brasileira para verificar

    suas similaridades e singularidades.

    Sendo assim, a pesquisa foi estruturada da seguinte maneira:

    No primeiro captulo foi abordado o conceito de apropriao na arte, suas

    manifestaes iniciais e as mudanas que provocou no sistema da arte ocasionando a criao

    de um novo paradigma. Apresentei em seguida um breve histrico das apropriaes artsticas,produzidas aps a assimilao deste novo paradigma e, posteriormente, provocadoras de seu

    alargamento. Foram analisados os problemas da autoria e da expresso subjetiva do artista.

    No segundo captulo, discorri sobre o livro A Transfigurao do lugar-comum, de

    Arthur C. Danto. Apresentei um resumo sobre as idias e questes contidas no livro,

    chegando concluso de uma definio de arte. Neste captulo foram abordados os problemas

    da suposta dissoluo da fronteira entre arte e vida e do que definiria um objeto apropriado

    como obra de arte.

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    O terceiro captulo contem um estudo da apropriao na arte brasileira dos anos 1960 e

    1970. Foi apresentado um breve histrico do contexto scio-poltico-econmico da poca e

    das mudanas que essa situao provocou na arte. Em seguida, apresentei algumas obras dos

    trs artistas estudados e todos os questionamentos que elas provocaram. Verificou-se que,

    embora a influncia do contexto repressivo e a presena do dado poltico contido nessas obras

    fosse inegvel, sua importncia encontra-se na renovao da linguagem artstica.

    Nas consideraes finais relacionei as obras analisadas e os procedimentos da

    apropriao e da insero com a definio de arte proposta por Danto. Por fim, comentei

    sobre o legado deixado pela arte aqui apresentada na arte contempornea brasileira, fechando

    assim essa pesquisa e abrindo possibilidades para novas indagaes, discusses e concluses.

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    1. APROPRIAES

    O fim da hegemonia da Academia de Arte e o enriquecimento da classe burguesa, no

    fim do sculo XIX, foram pontos iniciais de mudana no sistema e no mercado de arte.

    Opondo-se Academia, os artistas buscavam cada vez mais a autonomia da arte. Embalados

    pela sociedade moderna, que exigia sempre novidades para alimentar o consumo, os artistas

    inovavam cada vez mais. Seguindo esse fluxo, no sculo XX, as sucessivas vanguardas

    fizeram surgir novas prticas artsticas e novas maneiras de encar-las. Uma dessas prticas

    foi a apropriao.

    Apropriao, em sentido amplo, significa apoderar-se, tomar como prprio, adaptar.

    Podemos, por exemplo, comentar da apropriao de elementos da cultura de uma sociedade

    por outra. Nesse sentido, podemos citar o caso da apropriao de diversos elementos da

    cultura grega (como a arte e a religio) pelos romanos. Mesmo dentro do contexto artstico, a

    palavra apropriao pode ser usada para designar diversos procedimentos. Se pensarmos no

    sentido de adaptar, apropriao pode se referir a procedimentos como releituras e citaes. Ao

    tentar diferenciar esses procedimentos, Ana Amlia BARBOSA (2005: 145), esclarece que

    releitura reler, ler novamente, dar novo significado, reinterpretar, pensar mais uma vez.

    Aponta que na citao no existe referncia direta. No entanto, quando me aproprio da

    imagem, ela est contida em meu trabalho, inteira ou desconstruda, mas est presente.

    At mesmo a noo de cpia deve ser repensada dentro do amplo conceito de

    apropriao. Contrapondo as noes de cpia tradicional e moderna, David Evans comenta:

    Para um pintor como Ingres, copiar era um componente vital deaprendizagem que era completada com sucesso quando aoriginalidade se tornasse discernvel. Em contraste, o copiarmodernista no um meio para este fim. o fim. Ou melhor, o meio

    para diferentes fins. (EVANS, 2009: 15)

    4

    O ato de copiar (as obras dos antigos mestres, elementos da natureza, etc.) foi, por

    sculos, um dos mais usuais mtodos de aprendizagem. A partir da arte moderna, a cpia

    tomou outros rumos, outros sentidos e questes como originalidade e valorizao do gesto

    criador do artista comearam a ruir.

    4 Traduo da autora do ingls: For a painter like Ingres, copying was a vital component of an apprenticeship that wassuccessfully completed when originality became discernible. In contrast, modernist copying is not a means to this end. It is

    the end. Or rather, it is the means to different ends.

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    Outra forma de abordar a distino das diversas prticas de apropriao foi

    apresentada por Douglas CRIMP (2005: 116) que props duas categorias: o de carter

    regressivo e o de carter progressista dos usos da apropriao. Para ele, a apropriao de

    carter regressivo um retorno a uma compreenso pr-modernista da arte enquanto

    combinao criativa de elementos derivados de um vocabulrio historicamente dado. Nesta

    categoria, o artista apropria-se do passado, de um estilo e, embora se saiba que os elementos

    de estilo no so inveno do artista, h de fato uma iluso muito forte em relao ao

    produto final como um todo e em relao contribuio criativa do artista para a

    ininterrupta e contnua tradio da arte (CRIMP, 2005: 116-117). J na apropriao de

    carter progressista, o artista retira da histria um objeto real. Os elementos individuais desse

    objeto apropriado conservam firmemente sua identidade. No passam a iluso de um todosem emendas. A obra no aspira a uma universalidade atemporal e afirma sua efemeridade.

    Com base nessas definies, ser abordado nesta dissertao o conceito de apropriao

    de carter progressista, ou seja, quando a artista toma para si imagens, objetos, espaos,

    veculos, etc., e torna claro este emprstimo, conservando a identidade da coisa apropriada.

    Outro fator importante dentro deste conceito de apropriao a quebra do fazer manual e da

    criao a partir de uma matria prima. Como aponta BOURRIAUD:

    Pode-se dizer que esses artistas que inserem seu trabalho no dosoutros contribuem para abolir a distino tradicional entre produoe consumo, criao e cpia, ready-made e obra original. J no lidamcom uma matria-prima. Para eles, no se trata de elaborar uma

    forma a partir de um material bruto, e sim de trabalhar com objetosatuais em circulao no mercado cultural, isto , que j possuemforma dada por outrem. (2009: 8)5

    Bourriaud utiliza o termo tcnico Ps-produo6 para designar as manifestaes

    artsticas contemporneas. Para ele, a apropriao a primeira fase da ps-produo: no se

    trata mais de fabricar um objeto, mas de escolher entre os objetos existentes e utilizar ou

    modificar o item escolhido segundo uma inteno especfica.7

    5 Ps-produo: como a arte reprograma o mundo contemporneo , p.8

    6 Termo tcnico usado no mundo da TV, do cinema e do vdeo que designa o conjunto de tratamentos dados a um materialregistrado.

    7

    Ibid., p.22

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    Para melhor compreender a prtica da apropriao, to amplamente utilizada na arte

    contempornea, tentei compor um histrico, apresentando diversos procedimentos e as

    principais questes que estes levantaram.

    Muitos historiadores consideram que a apropriao, ou seja, o uso de imagens ou

    objetos que no so feitos pelo artista, mas apossados por ele como elementos constituintes de

    seu trabalho, tenha se iniciado no cubismo atravs da prtica da collage (palavra francesa para

    colagem). Essas colagens comearam a ser produzidas na fase conhecida como cubismo

    sinttico que abrange os anos de 1912 a 1914. Uma das primeiras colagens, feita por Pablo

    Picasso (1881 1973), a obraNatureza Morta com Cadeira de Palha de 1912 (fig.1). Nela,

    o artista inseriu um pedao de oleado8 que imita o assento de palhinha e usou uma corda

    como moldura. Picasso, Braque (1882 1963) e outros adeptos incorporavam elementos docotidiano em suas pinturas. Recortes de jornal, cartas de baralho, simulacros de texturas,

    pedaos de madeira, tudo se transformava em matria artstica que era agregada suas telas.

    Esses objetos eram deslocados de seu habitat e ganhavam novos significados, mas ainda eram

    presos superfcie da tela. Alm de terem a funo de representar (serem parte de uma

    imagem) eles tambm tinham a funo de apresentar, pois mantinham sua identidade original

    como fragmento do mundo real. Olhamos tanto a iluso quanto a coisa real.

    1. Pablo Picasso.Natureza Morta com

    Cadeira de Palha, 1912

    Colagem e leo sobre tela

    27 x 35 cm

    Muse Picasso, Paris

    8

    Lona impermeabilizada por uma camada de verniz; encerado.

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    Outros movimentos artsticos tambm

    aderiram ao procedimento da colagem, como o

    dadasmo, o construtivismo e o surrealismo,

    mas cada um a seu modo, ampliando cada vez

    mais a operao e o limite desta prtica. Suas

    colagens eram feitas com recortes de

    fotografias, ilustraes e tipografias extradas

    de todo o tipo de material impresso que faziam

    parte da moderna cultura de massa. Este

    procedimento foi inicialmente chamado de

    foto-colagem pelos dadastas eposteriormente de fotomontagem pelos

    construtivistas russos, termo que acabou se

    generalizando.

    As fotomontagens dos dadastas

    berlinenses, como as de Raoul Hausmann

    (1886 1971) (fig.2), tinham forte teor crtico

    e colocavam-se contra a arte burguesa e a pintura a leo. Queriam atacar o realismoconvencional da pintura (...) com o prprio realismo.9

    Na origem e na difuso do conceito de fotomontagem, podemosidentificar uma opo tanto ideolgica quanto descritiva de umatcnica adequada nova tendncia que busca assemelhar o processode trabalho artstico ordem industrial, mecnica, do sistema demontagem que opera a partir da apropriao e reorganizao deelementos j existentes no mundo. Desta forma, repudiam acriatividade fetichizada do gnio artstico que ancorava seu fazerna habilidade manual para expressar idias originais. Mais do que

    uma simples tcnica de construo de imagem, a fotomontagem seapresentava como bandeira-manifesto da anti-arte que pretendiaconfrontar os valores da tradio das belas-artes. (RODRIGUES,2010: 8)

    Como Simone Rodrigues coloca:

    10

    9SCHARF apud Tadeu CHIARELLI, A Fotomontagem como introduo arte moderna: vises modernistas sobre a

    fotografia e o surrealismo. In:ARS (USP), 1: 71

    10

    Simone RODRIGUES, Jorge de Lima, Fotomontagista. In:A Pintura em Pnico: Fotomontagens de Jorge de Lima, p. 8

    2. Raoul Hausmann. O crtico de arte, 1919/20

    Fotomontagem

    31,7 x 25,4 cm

    Tate Collection, Londres

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    Alm disso, buscavam emitir uma

    mensagem de rpida decodificao pelo

    observador. Os construtivistas russos (fig.3)

    tambm compartilhavam dessa opo

    ideolgica. Formalmente, as fotomontagens

    desses dois movimentos tm um aspecto

    planar (rompendo com a iluso de

    tridimensionalidade), so fragmentadas e

    abusam das linhas de fora do plano.

    A fotomontagem foi um procedimento

    bastante utilizado tambm pelos surrealistas,talvez por se adequar to bem s suas

    propostas de extrair significados da

    justaposio de elementos dspares. Max Ernst

    (1891 1976) (fig.4), por exemplo, criticava o

    excesso de ideologia dos dadastas berlinenses

    e se dedicou a um novo tipo de colagem,

    chamada por ele de colagem-romance, comuma inteno expressiva mais lrica, onrica e

    bem-humorada.11

    Outro artista do perodo que vale a pena ser destacado Kurt Schwitters (1887 1948)

    (fig.5) que, indo alm das colagens cubistas e das fotomontagens, agregava em suas telas

    objetos variados, geralmente usados, resduos da cidade moderna. Nestas suas obras, ouMerzcomo ele denominava, o artista criticava a civilizao moderna, mas, ao mesmo tempo,

    acreditava na fora transformadora e na liberdade criadora da arte abstrata.

    Formalmente, nestas

    fotomontagens, ao contrrio da fragmentao dad, h uma aparente continuidade do espao.

    Disjunes e deslocamentos ocorrem dentro de uma cena real.

    Apesar das colagens terem sido uma inveno de suma importncia na arte, outro

    artista do mesmo perodo foi muito mais alm no procedimento da apropriao, causando uma

    mudana de paradigma na arte, apontando um novo sistema. Este artista foi Marcel Duchamp

    (1887 1968) e este novo procedimento foi chamado por ele de readymade.

    11

    Cf. Ibid., 9

    3. Alexander Rodchenko. Maquete para uma

    ilustrao para Sobre isto (Pro eto), um poema

    de Maiakovski, 1923

    Fotomontagem

    42.5 x 32.5 cm

    State Mayakovsky Museum, Moscou

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    4. Max Ernst. Uma semana de bondade ou Os sete

    elementos capitais, 1930

    Colagem

    5. Kurt Schwitters.Relevo, 1923

    Colagem de vrios materiais sobre madeira,

    35,5 x 30 cm

    Museum Ludwig, Colnia

    1.1Readymade

    No ano de 1917, em Nova Iorque, Marcel Duchamp mandou um urinol invertido,assinado R. Mutt e intitulado Fonte (fig. 6) ao Salo Sociedade dos Artistas Independentes

    (do qual fazia parte da organizao). A idia principal deste salo era dar oportunidade a

    qualquer um de expor sua obra, sem passar por nenhuma seleo. Como Duchamp fazia parte

    da organizao, resolveu inscrever sua obra usando um pseudnimo: Richard Mutt. Mas por

    se tratar de algo completamente diferente do que era feito at ento, e por acharem que era um

    objeto vulgar, a obra no foi exposta, causando uma discusso entre alguns dos organizadores,

    levando renncia de Duchamp do seu cargo no conselho. Logo em seguida, o artista, junto a

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    outros colegas, editou a revista The Blind Man e publicou nela um artigo que defendia o Sr.

    Mutt12

    O caso Richard Mutt

    :

    Dizem que qualquer artista que pagasse seis dlares podia expor.Richard Mutt enviou uma fonte. Sem discusso, essa peadesapareceu e nunca foi exposta.Quais so as bases para a recusa da fonte de Mutt?1. Alguns alegaram que ela era imoral, vulgar.2. Outros que era um plgio, uma mera loua sanitria.

    Bem, a fonte de Mutt no imoral, isso absurdo, ela to imoralquanto uma banheira. um acessrio que se v todos os dias naslojas de aparelhos sanitrios.Se Mutt fez ou no com suas prprias mos a fonte, isso no tem

    importncia. Ele ESCOLHEU-A. Ele pegou um objeto comum do dia-a-dia, situou-o de modo que seu significado utilitrio desaparecessesob um ttulo e um ponto de vista novos criou um novo pensamento

    para o objeto.Quanto a ser uma loua sanitria, isso uma tolice. As nicas obrasde arte que a Amrica j produziu so seus aparelhos sanitrios esuas pontes.

    Ao lado do artigo citado havia uma foto da Fonte tirada por Stieglitz em seu estdio

    (fig.7). Logo depois de ser fotografada, a obra desapareceu, permanecendo o debate que se

    tornou mais importante que o objeto.13

    A Fonte um dos mais conhecidos e polmicos readymades14

    12 DUCHAMP, Marcel; WOOD, Beatrice; ROCH, Henri-Pierre. apud TOMKINS, 2004: 208-209

    de Duchamp. O artista

    criou o conceito de readymade por volta de 1915, que consistia na apropriao de objetos

    retirados do cotidiano, objetos industrializados, com larga escala de produo, que eram

    desprovidos de sua funo original para tornarem-se obras de arte. Com os seus readymades

    ele questionava a presena da mo do artista na obra, dizendo que o que importava a idia

    que o artista quer passar, que no importa se o artista fez o objeto, o importante ele o ter

    escolhido. Suas escolhas eram baseadas numa neutralidade esttica, na indiferena em

    relao aos objetos, deixando de fora o julgamento de gosto, numa completa anestesia.

    Duchamp se preocupava muito com o problema do gosto e, falando da comparao dos seus

    13Nos anos 60 Duchamp mandou fazer rplicas da Fonte e de outros readymades.

    14 comum encontrar a palavra readymade escrita de maneira separada: ready-made. Optou-se usar nesta dissertao apalavra sem separao por ser o modo mais constante em livros em ingls, sendo provavelmente a forma como Duchamp a

    escrevia.

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    6. Marcel Duchamp. Fonte, 1917/1964

    Readymade: urinol de porcelana

    Coleo de Arturo Schwarz, Milo

    7. The Blind Man, N 2, 1917

    Pginas 04 e 05

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    readymades com o objet trouv (procedimento que ser retomado nesta dissertao),

    comentou:

    Os meus Ready-Mades no tm qualquer relao com o objet trouv,

    pois o chamado objeto achado completamente submetido aogosto pessoal. o gosto pessoal que decide que determinado objeto nico e belo. (...) Considero o gosto, o bom e o mau, o maior inimigoda arte. (DUCHAMP, 1962: 109)15

    Com seus readymades, Duchamp libertou o artista da habilidade manual e da

    associao a um estilo. Mas sem a presena gestual e habilidosa do artista, sua autoria, como

    era concebida anteriormente, desaparece. O pintor no mais ligado a sua tela por uma

    misteriosa relao fsica anloga a procriao. (...) emergiu o que vem sendo chamado a

    personalidade da escolha. 16

    Arturo Schwarz comenta que Andr Breton foi um dos primeiros a tentar fornecer ao

    termo readymade uma definio precisa: objetos manufaturados promovidos dignidade de

    objetos (obras) de arte atravs da escolha do artista. (BRETON, 1922 apud SCHWARZ,

    1987: 45). Schwarz ento afirma que esta definio genrica em excesso e diz ser necessrio

    fazer uma srie de definies:

    Ou seja, o gesto do artista est na escolha e no deslocamento do

    objeto. Ele se torna ento aquele que mostra, aponta. O ato de escolher suficiente para

    fundar a operao artstica.

    A grosso modo, o readymade pode ser definido como qualquerentidade comum e elaborada que, unicamente em razo de ter sidoescolhida pelo autor, e sem sofrer nenhuma modificao, consagrada como uma obra de arte. (SCHWARZ, 1987: 45)

    Se nesta definio o objeto no pode sofrer nenhuma modificao, os readymades que

    de alguma maneira so modificados entram em outras categorias, que so:17

    Readymade assistido: esse tipo de objeto surge quando a interveno do autorrestringe-se mudana do ngulo a partir do qual um elemento normalmente

    percebido, mas sem transformar ou modificar de modo algum o objeto.

    15 Entrevista concedida a Katharine Kuh.In: KUH, Katharine.Dilogo com a arte moderna. 1965, p. 109

    16 Traduo da autora do ingls: the painter (...) is no longer bound to his canvas by a mysterious physical relationshipanalogous to procreation. () has emerged which has been called the personality of choice. ARAGON, Louis. TheChallenge to Painting, 1930. In: EVANS, David. (org.)Appropriation, 2009: 27-28

    17

    Cf. SCHWARZ, 1987: 45-46

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    Readymade retificado: quando o autor retifica um readymade.

    Readymade retificado e imitado: quando o autor repete e corrige um readymade.

    Semi-readymade: quando o autor elabora uma montagem, que uma combinao de

    readymades mais ou menos modificados.

    Readymade recproco: proposta de Duchamp para expor a antinomia bsica entre a

    arte e os readymades. Como exemplo prope o uso de um Rembrandt como tbua de

    passar roupa.

    Todas essas questes nos levam a perceber que o readymade foi a primeira

    manifestao CONCEITUALIZADA do procedimento da apropriao. 18

    No livro Arte Contempornea: uma introduo, Anne Cauquelin destrincha melhor

    essas questes e apresenta em Duchamp alguns pontos que o coloca como o embreante da

    arte contempornea:

    1. A distino entre a esfera da arte e da esttica.Esttica designando o contedo das obras, o valor da obra em si; aarte sendo simplesmente uma esfera de atividades entre outras, semque seu contedo particular seja precisado.

    2. Na esfera da arte, considerando-a no mais dependente de umaesttica; os papis dos agentes no so mais estabelecidos comoanteriormente.Produtores, intermedirios e consumidores no podem mais serdistinguidos. Todos os papis podem ser desempenhados ao mesmotempo. O percurso de uma obra at o consumidor presumido no mais linear, mas circular.

    3. Essa esfera no est mais em conflito com as outras esferas deatividades, mas, ao contrrio, integra-se a elas.

    Abandono dos movimentos de vanguarda e do romantismo da figuraartista.

    4. Como a arte um sistema de signos entre outros, a realidadedesvelada por meio deles construda pela linguagem, seu motordeterminante.

    Importncia dos jogos de linguagens e de construo da realidade; aarte no mais emoo, ela pensada; o observador e o observadoesto unidos por essa construo e dentro dela. (2005: 90)

    18

    Cf. BOURRIAUD, 2009: 22

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    Na primeira proposio Anne comenta da ruptura de Duchamp com a prtica esttica

    da pintura, se declarando um antiartista. A arte no mais para ele uma questo de

    contedos, mas de continente. Basta o continente (meio) para afirmar que o objeto se trata de

    arte, ou seja, o local de exposio torna esses objetos obras de arte. A obra pode ser qualquer

    coisa, pois o valor mudou de lugar, est relacionado ao local e ao tempo e no mais ao objeto.

    O autor desaparece como artista pintor, a assinatura sua nica marca de existncia e um dos

    indcios de valorizao do objeto.

    Na segunda proposio, demonstra como o artista desempenha diversos papis. O

    artista identifica-se com o galerista-marchand pois arranja e exibe um objeto, no cria, mas

    utiliza materiais. Encontra-se identificado tambm com o observador dizendo que o

    observador que faz o quadro pois este faz parte do sistema que observa, produzindo assimcondio de transformar o objeto observado. Desempenha tambm o papel de jri (Duchamp

    foi membro da Sociedade dos Artistas Independentes), crtico de sua prpria obra (produziu

    textos e notas sobre seus trabalhos e agrupou-os em caixas) e curador de exposies. Assim

    sendo, o artista no um elemento parte, no h separao de papis, apenas uma cadeia de

    comunicao encerrada em si mesma.

    A terceira proposio diz respeito integrao da arte com o sistema geral (social,

    poltico, econmico). O artista no mais aquele que vivia margem. A arte e o artista fazemparte de um sistema geral, de uma rede. As operaes que se desenrolam no interior dessa

    rede tm a ver com as propriedades da rede, e no com a vontade do artista.

    Dentro desta mesma proposio podemos citar o apontamento de Bourriaud ao afirmar

    que, ao utilizar

    como instrumento de produo um objeto fabricado em srie, ele[Duchamp] transporta o processo capitalista de produo (trabalhara partir do trabalho acumulado) para a esfera da arte, ao mesmo

    tempo inscrevendo o papel do artista no mundo das trocas: de repenteele parece um comerciante, cujo trabalho consiste em transferir umproduto de um local para o outro. (2009: 19-20)

    Finalizando o pensamento de Cauquelin, na quarta proposio a autora chama a

    ateno para a importncia da linguagem. Duchamp enchia de potncia seus trabalhos com

    ttulos e com jogos de linguagem. Atravs dos trocadilhos que criava, redimia a palavra do

    lugar-comum. Os objetos dos quais se apropriava eram deslocados de seu contexto

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    principalmente pelo ttulo (isento de qualquer relao bvia com o objeto) que os rebatizava.

    Sobre esse uso da linguagem, o artista comenta:

    Uma importante caracterstica era a curta frase que eu

    ocasionalmente inscrevia no readymade. Esta frase, em vez dedescrever o objeto como um titulo, era feita para carregar a mente doespectador em direo a outras regies mais verbais. (DUCHAMP,1961)19

    Um grande exemplo disso seu trabalho

    intitulado L.H.O.O.Q. (fig.8), um readymade

    retificado em que acrescenta bigode e cavanhaque

    a uma reproduo daMona Lisa de Da Vinci. O ato

    dessacralizador dessa obra mitolgica vemprincipalmente da ironia do ttulo que, lido em

    francs, significa algo como ela tem fogo no rabo.

    Mas ao mesmo tempo em que ele dessacraliza, ele

    exalta, pois elege, escolhe essa obra dentre nosso

    enorme banco de dados e a re-apresenta, a re-

    significa.

    Explicitando todas as regras, pondo a nu osistema, Duchamp colocou a arte em xeque e

    acabou criando um novo paradigma. Mas todos os

    pontos entravam em conflito com o regime

    moderno, por isso sua aceitao e assimilao

    foram lenta e inicialmente para poucos.

    Duchamp participou de alguns movimentos

    artsticos, como o dadasmo e algumas exposiessurrealistas. Alis, o surrealismo foi constitudo em sua maioria por antigos dadastas. Mas a

    estrutura e as atitudes dos surrealistas eram bem diferentes dos dadastas. Entretanto

    encontramos no surrealismo um tipo de apropriao bem similar ao readymade. O objeto

    surrealista (fig. 9 e 10) era criado usando como procedimento o chamado objet trouv (fr.

    19 Traduo da autora do ingls: One important characteristic was the short sentence which I occasionally inscribed on thereadymade. That sentence, instead of describing the object like a title, was meant to carry the mind of the spectator towardsothers regions more verbal. Marcel DUCHAMP. Apropos of Readymades, 1961. In: EVANS, David (org.).Appropriation,

    2009: 40

    8. Marcel Duchamp.L.H.O.O.Q., 1919

    Readymade retificado: lpis sobre uma

    reproduo daMona Lisa

    19,7 x 12,4 cm

    Philadelphia Museum of Art, Filadlfia

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    objeto encontrado) que consistia num objeto encontrado ao acaso pelo artista e exposto

    como obra de arte. Seguindo a frase de Lautramont20 que virou lema dos surrealistas: To

    belo como o encontro ocasional, em uma mesa onde se pratica a dissecao, de uma mquina

    de costura com um guarda-chuva 21, o objet trouv tinha como princpio um encontro

    fortuito e aleatrio. Diferentemente do readymade, o objeto encontrado era escolhido por

    sua singularidade, por qualidades estticas e simblicas, implicando num juzo de gosto. Eram

    enfatizadas a aluso potica, os significados ocultos, a metfora, o fetichismo, o onrico e o

    misterioso. Esses objetos seriam a encarnao do desejo. Apesar dessa diferena na escolha

    do objeto, Andr Breton, idealizador do surrealismo, considerava o readymade o primeiro

    objeto surrealista.22

    9. Man Ray. O Enigma de Isidore Ducasse, 1920

    Mquina de costura embrulhada

    10. Meret Oppenheim,Minha ama-seca, 1936

    sapatos de salto brancos com enfeites de papel,

    apresentados em uma bandeja oval,

    14 x 21 x 33 cm

    Moderna Museet, Estocolmo

    20 Pseudnimo de Isidore Ducasse (1846-1880)

    21 apud DEMPSEY, 2003: 151

    22

    Cf. Andr BRETON e Paul LUARD. The Object, 1938. In.: EVANS, David (org,)Appropriation, 2009: 31

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    1.2 Para alm doreadymade: anos 60 e 70

    O conceito de readymade foi retomado por alguns movimentos artsticos somente aps

    o fim da Segunda Guerra Mundial (momento em que o plo das artes era Nova Iorque e uma

    onda de abstracionismo se espalhara pelo mundo). Essa retomada do readymade e da prtica

    da apropriao, ligado a um retorno da figurao, teve incio em meados dos anos 50 e, j nos

    anos 60 e 70, tomou conta das manifestaes artsticas. Por ter sido uma poca de

    experimentaes, de grandes contestaes e de busca por maior liberdade, os artistas foram

    ampliando cada vez mais o suporte e o limite da arte.

    Um dos precursores dessa retomada da apropriao foi o artista norte-americano

    Robert Rauschenberg (1925-2008). Situado na transio entre o expressionismo abstrato e apop art e aproximado do chamado neodad, o artista ficou conhecido pela tcnica

    denominada por ele de combines23

    A partir de 1962, Rauschenberg comeou a se apropriar tambm de imagens e as

    incorporava em seus trabalhos atravs do processo de serigrafia. Outros artistas do mesmo

    perodo compartilhavam este mesmo processo de produo. O mais famoso deles foi AndyWarhol (1928 1987). Em seus trabalhos, Warhol trabalhava com repeties de imagens

    estereotipadas da cultura de massa que davam arte um carter de produto (fig.12), tanto que

    batizou seu estdio de The Factory

    (fig.11). Rauschenberg criou o termo em 1954 para se

    referir a suas obras que combinavam elementos da pintura e da escultura. Num misto de

    colagem, readymade, Merz e objet trouv, o artista mesclava objetos do cotidiano, elementos

    encontrados e todo tipo de material descartado pela sociedade e, sobre tudo isso, adicionava

    camadas de tinta numa pintura semelhante ao expressionismo abstrato. Rauschenberg tentava

    recuperar um certo esprito dadasta mas tambm buscava um novo modo de levar adiante ainfluncia do expressionismo abstrato. Percebemos em suas obras um conflito na valorizao

    do gesto criador. Ao mesmo tempo em que o artista aquele que escolhe, retira e combina

    objetos do cotidiano, ele tambm cria, explora suas emoes numa pintura gestual. A autoria,

    de certa forma, permanecia.

    24

    23 Se a obra se destinava a ser pendurada na parede era chamada de combine paintings.

    . L, suas obras eram produzidas em srie utilizando

    um procedimento mecanizado (serigrafia), no qual o artista no se valia mais do pincel e do

    gestual.

    24 A Fbrica

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    11. Robert Rauschenberg.

    Canyon, 1959

    Combine Painting

    219,7 x 179,1 x 57,8 cm

    Sonnabend Gallery, Nova Iorque

    12. Andy Warhol. Marilyn Monroe

    (Marilyn), 1967

    Silk-screen sobre papel

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    Tanto Warhol quanto Rauschenberg esto integrados pop art.Neste movimento, os

    artistas exploravam as imagens vinculadas comunicao de massa e sociedade de

    consumo, que constituam um novo material iconogrfico. Eles reproduziam em larga escala

    essas imagens apropriadas, retirando da obra seu carter de objeto nico e atestando a

    efemeridade daquilo que produziam. Ao copiar essas imagens do cotidiano, falavam do

    universo do espectador, de algo popular, mas banal, kitsch, trazendo tona crticas arte e

    sociedade, ao mesmo tempo em que celebravam o american way of life. Era a alta arte

    posando de baixa arte, ou seja, os artistas se apropriavam dos procedimentos de produo e

    materiais, referencias icnicas, e modos de recepo do domnio da ento chamada baixa

    cultura ou cultura de massa, e os introduziam no discurso da alta cultura.25

    Na Frana surgiu um movimento com caractersticas similares ao neodad e pop art:o novo realismo. Fundado em 1960 por Pierre Restany (1930 - 2003), o Nouveau Ralisme26

    era caracterizado por um novo aproximar-se perceptivo do real27. Seus artistas, apesar de

    terem poticas individuais e estilos variados, tinham pontos em comum como a influncia do

    dadasmo (readymade sem a indiferena esttica pregada por Duchamp) e do surrealismo

    (descoberta do maravilhoso no cotidiano mais banal), e a tomada de conscincia de uma

    natureza moderna, que a da fbrica e da cidade, da publicidade e dos mass media, da

    cincia e da tcnica.28

    No descobri o princpio da acumulao, foi ele que me descobriu.Sempre foi bvio que a sociedade alimenta sua sensao desegurana por meio de um instinto de camundongo aglomerador,

    demonstrado em suas vitrines, em suas linhas de montagem e em suaspilhas de lixo. (ARMAN apud DEMPSEY, 2003: 210)

    Dentre a variada produo dos artistas do novo realismo encontramoscolagens, instalaes, happenings, acumulaes, compresses, entre outros. Como exemplo,

    podemos citar a obra de Arman (1928-2005) que trabalhava com apropriao e acumulao de

    objetos (fig.13), geralmente detritos, num misto de readymade, objet trouv e merz. Sobre

    essa sua tcnica, declarou:

    25 Benjamin H. D. BUCHLOH. Parody and appropriation in Francis Picabia, Pop and Sigmar Polke, 1982. In: EVANS,David. (org.)Appropriation, 2009: 179

    26Novo Realismo em francs

    27 RESTANY, 1979: 29

    28

    Ibid., p. 24

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    13. Arman.Acumulao de jarros, 1961

    Jarros esmaltados em vitrine de plexigas

    83 x 142 x 42 cm

    Museum Ludwig, Colnia

    A prpria cidade que provia material para a criao de suas obras. BOURRIAUD

    (2009: 23-24) comenta que os novos realistas eram fascinados pelo ato de consumir e

    apresentavam as relquias desse gesto, privilegiando mais o valor de uso das coisas,

    diferentemente da pop artque era mais interessada no impulso visual que levava compra,

    privilegiando o valor de troca. Ao recuperar objetos j usados, mostrando o fim do processo

    de consumo realizado por outrem, os novos realistas inventaram uma espcie de ps-

    produo ao quadrado, e foram os primeiros paisagistas do consumo, os autores das

    primeiras naturezas-mortas da sociedade industrial 29

    Diferentemente das vanguardas do incio do sc. XX, que eram essencialmente crticas

    e contra a burguesia, esses movimentos do incio dos anos 60 acolhiam a classe burguesa eseu universo. Podemos perceber essa diferena de ideologia nos comentrios dos novos

    realistas Yves Klein e Arman sobre o dadasmo:

    .

    Klein: Sim, porque no fundo Dad foi um movimento mais poltico doque artstico. Estamos de frias, no estamos em revolta. No estamos

    fugindo.Arman: Durante uma conversa com Yves Klein, Rauschenbergrecolheu a frase: Para Dad, tratava-se mais de excluir, tratava-se, portanto, de um combate. Para ns, trata-se sobretudo de

    incluir...30

    Outra mudana significativa foi a da figura do artista. Se nas primeiras vanguardas do

    sc. XX ele era aquele que vivia margem, no incio dos anos 60 ele foi associado ao

    glamour e celebridade, como no caso de Warhol.

    29 BOURRIAUD, Nicolas. Ps-produo: como a arte reprograma o mundo contemporneo,p. 24

    30 Debate mediado por Sacha Sosnowsky em 1960 com Yves Klein, Arman e Martial Raysse. In: FERREIRA, Gloria;

    COTRIM, Ceclia (orgs.). Escritos de artistas: anos 60/70, 2006: 57

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    Porm, um movimento deste mesmo perodo seguiu no sentido contrrio e

    compartilhou as ideologias utpicas das primeiras vanguardas. A Internacional Situacionista

    (IS) nasceu em 1957, na Itlia, da fuso de outros movimentos como a Internacional Letrista

    (do qual participava o cineasta e terico Guy Debord), o Movimento Internacional por uma

    Bauhaus Imaginista (que inclua o artista ex-CoBrA Asger Jorn) e a Comisso

    Psicogeogrfica de Londres (inventada no momento da criao da IS pelo artista ingls Ralph

    Rumney). Os membros da IS acreditavam no carter essencialmente revolucionrio da arte e

    buscavam romper com o ecletismo cultural e com o establishment artstico. No

    consideravam seu movimento como mais um dos ismos, pois, para eles a noo de

    situacionismo conectada com uma tentativa de recuperao para o mercado artstico das

    produes dos membros do movimento (PERNIOLA, 2009: 16). Declaravam que nopoderia haver arte situacionista, apenas o uso situacionista da arte. Para eles, a Arte

    estabelecida contrape-se vida porque imobiliza, materializa, reduz a existncia subjetiva do

    indivduo mercadoria. Contra o espetculo reinante, pregavam a participao total, a

    produo coletiva e annima e a renovao cultural e social. Para tanto criaram algumas

    estratgias/propostas: o controle das novas tcnicas de condicionamento, a pintura industrial,

    a psicogeografia, a urbanstica unitria, o jogo, a situao construda e o dtournement. Dentre

    alguns projetos, havia a idia de infiltrar elementos situacionistas clandestinos nos pontosvitais do sistema capitalista (apropriando-se das tcnicas de condicionamento) ou de construir

    situaes por meio da organizao coletiva de um ambiente unitrio e de um jogo de

    acontecimentos. Mas a proposta que mais se relaciona com esta dissertao e a que

    apresentaremos com mais detalhes a dtournement(fr. desvio), que pode ser descrita como

    um uso poltico do readymade recproco de Duchamp (BORRIAUD, 2009: 36). Em seu

    Guia prtico para o desvio, Guy Debord (1931-1994) e Gil Wolman (1929-1995)

    propunham o uso da herana literria e artstica da humanidade para objetivospropagandsticos de guerrilha. Para eles, quaisquer elementos poderiam ser usados para fazer

    novas combinaes, pois seu significado pode ser alterado em um novo contexto:

    Est implcito que no h limite para corrigir uma obra ou paraintegrar diversos fragmentos de trabalhos obsoletos em um novo;

    pode-se alterar o significado desses fragmentos de qualquer formaapropriada, deixando aos imbecis a sua escravido s referncias es "citaes".Tais mtodos parodsticos foram freqentemente usados para obterefeitos cmicos. Mas tal humor o resultado de contradies dentrode uma condio cuja existncia no posta em questo. (...) Torna-

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    se necessrio conceber ento um estgio pardico-srio no qual aacumulao de elementos desviados, longe de procurar despertarindignao ou riso ao aludir a um trabalho original, expressar nossaindiferena em relao a um original insignificante e esquecido, e que

    procura proporcionar uma espcie de sublimao.31

    Apesar da proposta do desvio situacionista ter similaridades com as prticas de

    apropriaes j citadas nesta pesquisa, a diferena fundamental est no fato de que, enquanto

    o ponto de chegada das outras prticas uma obra que tem um valor autnomo ainda

    artstico, o ponto de chegada do dtournement um produto que, mesmo podendo valer-se

    de meios artsticos e, ainda, de obras de arte, revela-se imediatamente como a negao da arte,

    sobretudo pelo carter de comunicao imediata que contm. (PERNIOLA, 2009: 28)

    Dentre os suportes possveis para se aplicar o desvio estavam os quadrinhos (fig.14),

    que tinham a vantagem de ser acompanhados de ilustraes cujas relaes com o texto no

    so imediatamente bvias32

    importante tambm destacar uma das normas de utilizao do desvio formuladas

    pelos situacionistas que demonstram seu carter guerrilheiro e sua crtica expresso

    subjetiva:

    , e o cinema que, para eles, era onde o desvio alcanaria maior

    eficcia. O desvio tambm foi aplicado na pintura (fig.15) pelo artista dinamarqus Asger

    Jorn (1914-1973), que fazia alteraes em pinturas ruins, de segunda mo, compradas por

    ele em brechs.

    As distores introduzidas nos elementos desviados devem ser as maissimples possveis, j que o impacto de um desvio diretamente

    proporcional memria consciente ou semiconsciente dos contextosoriginais dos elementos. Isto bem sabido. Permita-nos apenas notarque se esta dependncia da memria implica que deve-se determinaro pblico-alvo antes de planejar-se um desvio, isto apenas um caso

    particular de uma norma geral que governa no s o desvio como

    tambm outras formas de ao neste mundo. A idia da expressopura e absoluta est morta; ela sobrevive temporariamente em formade pardia apenas enquanto o nosso inimigo sobreviver.33

    31 Guy DEBORD e Gil WOLMAN. Guia prtico para o desvio, 1956

    32 Ibid.

    33

    Ibid.

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    14. Raoul Vaneigem e Grard Joanns.

    Internacional Situacionista, 1967

    Comic desviado

    Pster

    37,5 x 55,5 cm

    15. Asger Jorn. O Pato Inquietante, 1959

    Pintura desviada

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    A partir de 1962 a IS tomou outro rumo. Algumas divergncias internas levaram a

    excluses e desistncias de alguns membros, na maioria artistas profissionais, mudando o

    enfoque do movimento para um campo somente poltico, cujas idias serviram de base para a

    revolta estudantil de 1968 em Paris.

    Nos anos 60, outra rede internacional de artistas compartilhou das ideologias utpicas

    e do experimentalismo das vanguardas: o Fluxus. O termo Fluxus foi criado por George

    Maciunas (1931-1978) inicialmente para ser ttulo de uma revista, concretizando-se em

    movimento em 1962. O grupo teve como primeiros seguidores membros do curso de

    composio experimental, conduzido por John Cage (1912-1992) em 1958 naNew School for

    Social Research, em Nova Iorque, como George Brecht (1926-2008), Dick Higgins (1938-

    1998), Allan Kaprow (1927-2006), entre outros. Alm de compositores, fizeram parte doFluxus artistas de diversas reas e de diversos pases. Da enorme lista de participantes,

    podemos citar: Yoko Ono (1933), Nam June Paik (1932-2006), Ben Vautier (1935), Joseph

    Beuys (1921-1986), Wolf Vostell (1932-1998), entre outros.

    Maciunas escreveu um manifesto (fig.16)

    verificando no dicionrio as definies da palavra

    fluxo e relacionando com estas os pontos principais

    do movimento, que eram:Purgar

    (...)

    o mundo da doena burguesa,intelectual, cultura profissional ecomercializada, PURGAR o mundo daarte morta, imitao, arte artificial, arteabstrata, arte ilusionista, artematemtica, - PURGAR O MUNDO DOEUROPANISMO!

    PROMOVER UMA ENCHENTE E UMA

    MAR REVOLUCIONRIA NA ARTE.Promover arte viva, anti-arte, promoverREALIDADE NO ARTSTICA

    (...)

    a serentendida por todos, no somentecrticos, diletantes e profissionais.

    FUNDIR as estruturas culturais, sociais erevolucionrias polticas para chegar emuma frente unida e ao. (MACIUNAS,1963)34

    34

    In: O que Fluxus? O que no ! O porqu., 2002: 94

    16. George Maciunas. Fluxus Manifesto,

    1963

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    Percebemos neste manifesto um esprito crtico e revolucionrio, que contesta a arte

    como instituio e prega a anti-arte e a unio de arte e vida. A maioria das obras criadas pelos

    artistas do grupo envolvia a colaborao entre eles ou com o espectador e eram apresentadas

    na forma de happenings ou performances, principalmente nos festivais, como os Festum

    Fluxorum, realizados em cidades como Copenhague, Paris, Dsseldorf, Amsterd e Nice.

    Esses happenings experimentais mesclavam as diversas linguagens como msica, dana,

    teatro e artes visuais, e suas aes eram compostas por sons (rudos), movimentos e objetos

    do cotidiano. So exemplos aDrip Music, Fluxversion 1 (1959) de George Brecht, cuja ao

    era realizada por dois intrpretes: o primeiro intrprete, numa escada de mo alta, despeja

    gua de um jarro bem lentamente dentro da campnula de uma trompa ou tuba, segurada na

    posio para ser tocada por um segundo intrprete no nvel do cho35, ou a Mistery Food(1963) de Ben Vautier, na qual os intrpretes comem uma refeio que no pode ser

    identificada por ningum36 (fig.17).

    17. Ben Vautier.Mystery Food, 1963

    Ben Vautier comendo Comida Misteriosa com Robert Bozzi e George Maciunas observando

    Festival Fluxus em Nice, julho de 1963

    35 Traduo da autora do ingls: First performer on a tall ladder pours water from a pitcher very slowly down into the bellof a French horn or a tuba held in the playing position by a second performer at floor level. In: The Fluxus PerformanceWorkbook, 2002: 22

    36

    Traduo da autora do ingls: Performers eat a meal that cannot be identified by anyone. Ibid., p. 103

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    Alm das performances, produziram

    filmes, publicaes variadas, arte postal,

    instalaes e objetos - muitos dos quais

    eram postos em valise (fig.18) semelhante

    ao museu porttil de Duchamp sempre se

    apropriando de elementos do cotidiano.

    Para Maciunas, os objetos Fluxus deveriam

    ser produzidos em massa e serem

    radicalmente baratos, como folhetos de

    propaganda. Afirmou que:

    Fluxus definitivamente contraobjetos-de-arte como bens no-

    funcionais a serem vendidospara sustentar o artista.Poderia ter a funo

    pedaggica temporria deensinar s pessoas a falta denecessidade da arte incluindo aconseqente falta denecessidade de si. Portanto, no

    deveria ser permanente. (MACIUNAS, 1964)37

    Os elementos unificadores nas obras do Fluxus eram o estilo do design de Maciunas e

    o conceito de concretismo aos quais estavam ligadas. Maciunas fala a respeito deste conceito

    em seu ensaio/manifesto Neo-dada na msica, teatro, poesia, arte 38

    Duchamp, junto com o Zen Budismo, foram o cerne dos ensinamentos de Cage e as

    maiores influncias do Fluxus. Sobre o Zen Budismo, Danto comenta

    de 1962. Comenta que,

    em contraste com os ilusionistas e a abstrao, os concretistas preferem o mundo da realidade

    e a unidade da forma e contedo. Quanto maior o grau de intensidade do concretismo, mais

    prximo o artista chega da anti-arte ou niilismo da arte. O anti-artista dirigido

    principalmente contra a arte como profisso, contra a separao artificial entre o artista e aplatia, ou criador e espectador, ou vida e arte.

    39

    37 Carta de George Macuinas para Tomas Schmit, janeiro de 1964. In: O que Fluxus? O que no ! O porqu., 2002., p. 163

    que um seminrio

    38 In: Ibid., p. 89-90

    39

    Cf. Arthur C. DANTO. O Mundo como Armazm: Fluxus e Filosofia.. In: Ibid., p. 28

    18. George Maciunas. Seu nome soletrado com

    objetos G E O R G E B R E C H T, 1976

    The Gilbert and Lila Silverman Fluxus CollectionFoundation, Detroit

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    sobre o tema, dado pelo Dr. Suzuki na Columbia University, foi um dos eventos culturais

    mais influentes do final dos anos cinqenta em Nova Iorque, o que auxiliou na disseminao

    dessa filosofia entre os vanguardistas americanos desta poca. Dela, assimilaram a crena de

    que a conscincia mais elevada poderia ser alcanada mediante a mais comum das atividades.

    Que o decurso da vida diria oferece todas as possibilidades exigidas por aqueles que

    procuram uma vida espiritual. As apresentaes do Fluxus eram acontecimentos simples e

    cotidianos, como o ato de comer, e, apesar de terem um fundo de expectativas teatrais, elas

    eram escolhidas para terem um grau zero de emoes, assim como os readymades. Sobre isso,

    MACIUNAS (apud DANTO, 2002: 28) comentou: Eu daria grande reconhecimento a

    George Brecht por ter estendido a idia do ready-made ao domnio da ao. Uma ao

    readymade deveria ser, assim como o objeto, de fcil execuo, que pudesse ser feita porqualquer pessoa e que no precisasse de nenhum tipo de habilidade especfica. Mas o prprio

    BRECHT (apud DANTO, 2002: 27) aponta a diferena de suas aes e as de Duchamp: No

    h diferena entre arte e vida cotidiana... eu pego uma cadeira e simplesmente a coloco numa

    galeria. A diferena entre uma cadeira de Duchamp e uma das minhas cadeiras que a de

    Duchamp est num pedestal enquanto a minha ainda pode ser usada.

    A maior contribuio do Fluxus, segundo Danto, foi demonstrar que a arte pode

    lembrar a realidade em qualquer grau desejado, que a questo no identificar o que pode seruma obra de arte e sim qual a nossa percepo de algo se o vemos como arte. Como

    Maciunas colocou: Se o homem pudesse ter uma experincia do mundo, o mundo concreto

    que o cerca (...) da mesma maneira que tem a experincia da arte, no haveria necessidade de

    arte, artistas e de elementos igualmente no-produtivos.40

    Outro importante movimento que ampliou o procedimento da apropriao foi a Arte

    Conceitual. Henry Flynt (1940), integrante do Fluxus, criou o termo em 1961 num ensaio

    chamado Concept Art, em que dizia:A arte conceitual antes de tudo uma arte na qual o material oconceito, assim como, por exemplo, o material da msica o som.Como os conceitos tm ntima ligao com a linguagem, a arteconceitual uma espcie de arte da qual o material a linguagem.(FLYNT, 1961 apud DEMPSEY, 2003: 240)

    40 George MACIUNAS. Neo-dada na msica, teatro, poesia, arte, 1962. In: O que Fluxus? O que no ! O porqu., 2002:

    90

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    42

    Apesar de o termo ter sido cunhado no comeo dos anos 60, os artistas s iniciaram

    suas produes conceituais por volta de 1965. o caso da obra Uma e trs cadeiras (fig.19)

    de Joseph Kosuth (1945). Nela, o artista exibe um objeto retirado do cotidiano (cadeira), uma

    ampliao fotogrfica do mesmo objeto e uma definio encontrada em dicionrio do objeto

    apropriado; chamando ateno para a relao entre o objeto fsico e suas diferentes

    representaes e entre conceitos e aquilo a que se referem.

    19. Joseph Kosuth, Uma e trs cadeiras,

    1965

    uma cadeira, uma foto sua e uma definio

    de dicionrio impressa.

    Em 1969, Kosuth escreveu o artigo A Arte depois da filosofia que, durante muito

    tempo, foi a referncia para avaliao da arte conceitual. O artigo obteve larga repercusso na

    mdia41

    A definio mais pura da Arte Conceitual seria a de que se trata deuma investigao sobre os fundamentos do conceito arte, nosentido que ele acabou adquirindo.

    e tornou-se espcie de manifesto. Nele, apontou as principais questes e

    caractersticas da arte conceitual. Assim, a definiu:

    42

    Ao rever o conceito e a funo da arte, afirmou ser necessrio separar a esttica da

    arte:

    A relao da esttica com a arte no diferente da relao daesttica com a arquitetura, em que a arquitetura tem uma funo

    41 O artigo foi traduzido e publicado no Brasil em 1975 na revistaMalasartes.

    42 Joseph KOSUTH. A arte depois da filosofia, 1969. In: FERREIRA, Glria; COTRIM, Ceclia (orgs.). Escritos de artistas:

    anos 60/70, 2006: 227

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    43

    muito especfica, e o valor de seu projeto, o quanto ele bom, estrelacionadoprimordialmente ao desempenho de sua funo. 43

    Criticou a arte formalista por ser apenas puros exerccios no campo da esttica e por

    no questionar a natureza da arte, aceitando como uma definio de arte algo que existe

    somente com bases morfolgicas. Afirma que ser um artista agora significa questionar a

    natureza da arte. (...) Se um artista aceita a pintura (ou escultura), ele est aceitando a tradio

    que o acompanha.44

    Deslocando a importncia do objeto para o conceito e para a natureza da arte, Kosuth

    afirmou que uma obra de arte um tipo de proposio apresentada dentro do contexto da

    arte, como um comentrio sobre a arte.

    Apontou a importncia e o pioneirismo de Duchamp que, com seu

    readymade, mudou a natureza da arte de uma questo de morfologia para uma questo de

    funo. E complementou: Toda a arte (depois de Duchamp) conceitual (por natureza),

    porque a arte s existe conceitualmente.

    45

    Um trabalho de arte uma tautologia, na medida em que umaapresentao da inteno do artista, ou seja, ele est dizendo que umtrabalho de arte em particular arte, o que significa: uma definioda arte. Portanto, o fato de ele ser arte uma verdade a priori.

    Dessa forma, coloca a obra de arte como filosofia.

    E continua:

    46

    Para o artista, a nica exigncia da arte com a arte.

    Alm de Kosuth, outros artistas tambm escreveram suas concepes de arte

    conceitual. o caso de Sol LeWitt (1928) que, em seus ensaios Pargrafos sobre Arte

    Conceitual (1967) e Sentenas sobre Arte Conceitual (1969), apontou a importncia da idia

    em detrimento do objeto ou da forma. Chegou a afirmar que a prpria idia, mesmo no caso

    de no se tornar algo visvel, um trabalho de arte tanto quanto qualquer produto

    terminado.

    47

    43 Ibid, p. 214-215

    44 Ibid, p. 217

    45 Ibid, p. 219

    46 Ibid, p. 220

    47

    Sol LEWITT. Pargrafos sobre Arte Conceitual, 1967. In: Ibid, p.179

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    Como percebemos, na arte conceitual, o artista podia se apropriar de qualquer coisa

    para fazer seu trabalho. Desde objetos a espaos, palavras, materiais precrios ou efmeros,

    tudo era vlido, pois o importante era o conceito da obra. O predomnio da idia sobre o

    objeto provocava a negao da arte como mercadoria e a separao definitiva entre a esttica

    e a atividade artstica. O trabalho era entendido como um condutor da mente do artista para

    os observadores48. O palpvel perdia sua importncia. Muitas vezes, a idia do artista era

    materializada em formas de documentos ou registros, tais como fotografias ou textos

    impressos. Para eles, esse registro no o objeto de arte, pois o objeto de arte no um objeto

    que pode ser diretamente percebido, o que levou Lucy Lippard a falar de uma

    desmaterializao da obra de arte. Cristina Freire aponta para o fato de que, hoje, esse termo

    anacrnico e reducionista, pois desconsidera o fato de que estamos falando de fotografias,textos, livros de artista, que, ao se afastarem da noo hegemnica da arte objetual, no se

    desmaterializam, mas requerem outra aproximao.49

    Os artistas conceituais norte-americanos e ingleses faziam, de certo modo, uma crtica

    social que passava pelo filtro de uma crtica da instituio. Mas seus maiores questionamentos

    eram sobre a prpria natureza da arte. J nos pases latino-americanos, a arte conceitual teveoutro foco, mais social e ideolgico, o que levou a muitos historiadores a repensar a definio

    anglo-saxnica de arte conceitual e propor teses alargadas sobre ela.

    Comenta que h certa inteno de

    permanncia de algo que escapa e que essa presena ausente o que caracteriza a produo

    dos anos 70.

    50

    Apesar de encontrarmos exemplos de apropriao desde a dcada de 10, este termo s

    entrou de vez no vocabulrio artstico no final dos anos 70 e incio dos anos 80, para designar

    as prticas de alguns artistas norte-americanos do chamado ps-modernismo. Em 1977,

    Douglas Crimp organizou a exposio Pictures no Artists Space em Nova Iorque,

    apresentando o trabalho de diversos artistas que se baseavam na possesso,

    geralmente noautorizada, de imagens e artefatos de outros. Essa exposio acabou sendo a precursora de

    uma corrente apropriacionista, que ficou associada a certas galerias comercias em Nova

    Iorque, como a Metro Pictures e a Sonnabend Gallery, e a artistas como Sherrie Levine

    48 IDEM. Sentenas sobre Arte Conceitual, 1969. In: Ibid, p. 206

    49 Cristina FREIRE. O presente-ausente da arte dos anos 70. In:Anos 70: trajetrias, 2005: 148

    50

    Esse assunto ser retomado no terceiro captulo desta dissertao.

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    (1947), Richard Prince (1949) e Jeff Koons (1955). Muitos desses artistas apropriadores

    usavam a fotografia como recurso para saquear e re-usar. o caso de Sherrie Levine que, em

    sua obra After Walker Evans (fig.20), (re)fotografou uma srie de fotografias (fig.21) de

    Walker Evans (1903-1975) atravs de um catlogo de exposio. A artista apresentava sua

    obra tal qual a imagem apropriada, sem adies, combinaes ou alteraes. Questionava a

    natureza da arte e noes como originalidade, autenticidade e autonomia. Como CRIMP

    (2005: 121) coloca, a apropriao de Levine reflete a estratgia da prpria apropriao pois

    comenta da apropriao de Evans (e da fotografia em geral) pelas instituies de arte erudita e

    comenta da fotografia como ferramenta de apropriao. Para enfrentar a crise que sofreram

    nos anos 60 e 70, os museus e galerias passaram a reavaliar produtos at ento secundrios

    (como fotografias e obras efmeras) e inseri-los no mercado. Levine criticava essainstitucionalizao da arte, mas ao mesmo tempo fazia parte disso. Percebemos que a artista

    apenas problematizava a noo de autoria, sem a abolir, pois produzia uma obra mercadoria

    com sua assinatura para garantia de mercado. Para BOURRIAUD (2009: 24), os artistas dos

    anos 80 consideravam a obra de arte como uma mercadoria absoluta e a criao, como um

    simples simulacro do ato de consumo. Esses artistas sentiam que tudo j havia sido criado e

    que nada mais poderia ser original, restando a eles fazer novas combinaes e novas leituras.

    Percebemos esse sentimento na declarao de Sherrie LEVINE (1982):O mundo est cheio ao ponto de sufocar-se. O homem marcou sua

    presena em cada pedra. Cada palavra, cada imagem arrendada ouhipotecada. Sabemos que uma pintura seno um espao no qualuma variedade de imagens, nenhuma delas originais, misturam-se econfrontam-se. Uma pintura um tecido de citaes sadas dosinumerveis centros de cultura. Semelhante a Bouvard e Pcuchet,esses eternos copistas, ns apontamos o profundo ridculo que

    precisamente a verdade da pintura. Ns podemos apenas imitar umgesto que sempre anterior, nunca original. Sucedendo o pintor, o

    plagiador no possui mais em si paixes, humores, sentimentos,impresses, mas sim esta imensa enciclopdia de onde ele extrai. Oobservador o espao onde se inscrevem todas as citaes quecompem uma pintura, sem que nenhuma delas sejam perdidas. Osignificado de uma pintura situa-se no em sua origem, mas em seudestino. O nascimento do observador deve ser custa do pintor.51

    Nesta declarao, Levine se apropria de trechos do texto A morte do autor de Roland

    Barthes (1915-1980), cujas idias tiveram grande influncia sobre a gerao da artista.51

    Traduo do ingls da autora. Sherrie LEVINE, Statement, 1982. In: EVANS, David (org.).Appropriation, 2009: 81

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    20. Sherrie Levine, After Walker Evans: 4, 1981

    fotografia

    12.8 x 9.8 cm

    The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

    21. Walker Evans,Allie Mae Burroughs, Hale

    County, Alabama, 1936

    fotografia

    20,3 x 25,4 cm

    The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

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    Em seus trabalhos, Levine fazia referncia a uma arte do passado, mas sem inteno

    de super-la. Re-apresentava essas obras segundo princpios pessoais. Um de seus critrios de

    seleo era a esttica, o que contraria o conceito de readymade. Mas essas obras exigiam um

    leitor atento, seno colocaria abaixo toda funo crtica em detrimento de um puro deleite

    esttico.

    Anos mais tarde, o artista Michael Mandiberg (1977) problematizou ainda mais o

    procedimento de Sherrie Levine ao escanear em alta resoluo (850 dpi) as mesmas fotos de

    Walker Evans (fig. 22) e disponibiliz-las na internet para download.52

    Conforme visto, o conceito de readymade foi sendo ampliado e modificado. Aspossibilidades de apropriao de coisas j prontas so infinitas. Mas se nos mantivermos

    idia original de readymade cunhada por Duchamp, encontraremos algumas contradies em

    sua continuidade. Como ressalta Maria Isabel Branco Ribeiro

    Junto s fotos,

    Mandiberg disponibiliza tambm um certificado de autenticidade de sua obra (fig. 23),

    impedindo qualquer valorizao econmica e mercadolgica de seu trabalho.

    53

    Quem quer que procure dar continuidade estar, no mnimo,trabalhando dentro de uma categoria reconhecida nos termosapresentados por Marcel Duchamp, com referncias e associaesimediatas, ironicamente j identificadas como um padro de gosto e,

    portanto, estar em direo oposta apontada. (1999: 56)

    :

    E ainda:

    A aplicao do mtodo para a criao de um readymade cominteno de obter resultados semelhantes aos de Duchamp torna-seineficaz, pois implica sempre referncia e comentrio ao artista

    francs, anulando o sentido de neutralidade, quando no diluindo aspropostas iniciais. (1999: 58)

    A pureza dos readymades de Duchamp no pode mais ser alcanada, mas este

    procedimento props rumos e tornou-se modelo da arte contempornea.

    52 www.aftersherrielevine.com ou www.afterwalkerevans.com Acesso em: 19 out. 2009

    53 Maria Isabel Branco RIBEIRO. Nelson Leirner. In: Por que Duchamp? Leituras duchampianas por artistas e crticosbrasileiros , 1999.p. 56-61

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    22. Michael Mandiberg, Sem ttulo

    (AfterSherrieLevine.com/2.jpg), 2001

    Imagem digital em alta resoluo

    3250px x 4250px (at 850dpi)

    23. Michael Mandiberg, Certificado de

    Autenticidade

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    1.3 A questo da autoria

    Uma das questes essenciais que a prtica artstica da apropriao provoca a

    problematizao da autoria. Como vimos nos exemplos aqui citados, os artistas apropriadores,

    de uma maneira ou de outra, passaram por esta questo. Alguns desses artistas deram maior

    nfase a este ponto e teorizaram sobre o assunto, co