João Da Gomeia -é o candomblé

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38 Revista Magistro www.unigranrio.br Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas UNIGRANRIO Vol. 1 Num.1 2010 O Negro Baiano Pai Joãozinho da Goméia: o candomblé de Duque de Caxias na mídia dos anos cinquenta Joselina da Silva Universidade Federal do Ceará RESUMO: João Alves Torres Filho (Joãozinho da Goméa, Pai João, Táta Londirá, Seu João da Pedra Preta) tem constituído parte importante de diferentes estudos sobre a cultura e as religiões afrobrasileiras. Nascido em 1914, na Bahia, chega à Capital Federal em 1946. Estabeleceu-se na cidade de Duque de Caxias, região metropolitana da capital. Este texto se propõe a analisar a seção intitulada Ao cair dos Búzios”, publicada diariamente no Jornal Diário Trabalhista, entre 1949 e 1951. Ali, eram respondidas, por ele, as cartas dos consulentes. O famoso baiano ajudou a remover aquelas manifestações de religiosidade da periferia social para a vida cultural da cidade. Contribuiu também com a difusão e solidificação das religiões de matriz africana. Esta é uma investigação em andamento, no âmbito do N’BLAC (Núcleo Brasileiro Americano e Caribenho de Estudos em Relações Raciais, Gênero e Movimentos Sociais) da Universidade Federal do Ceará, campos Cariri. Palavras chave: Candomblé, religiões afrobrasileiras, negros, relações raciais ABSTRACT: Torres João Alves Filho (Joãozinho da Goméa, Pai João, Táta Londirá, Seu João da Pedra Preta) has been referential in different studies on african-Brazilian culture and religion. Born in 1914 in Bahia, arrived at Federal Capital in 1946. He established himself in the city of Duque de Caxias in the metropolitan area of the capital. This paper aims to analyze the section titled "Ao cair dos Búzios”, daily published in the Jornal Diário Trabalhista, between 1949 and 1951. There were answered by him, the letters of the consultants. The famous baiano helped remove those expressions of religiosity from the social periphery to the cultural life of the city. Also contributed to spreading and solidification of the religions of African origin. This is an

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    Vol. 1 Num.1 2010

    O Negro Baiano Pai Joozinho da Gomia: o candombl de Duque de

    Caxias na mdia dos anos cinquenta

    Joselina da Silva Universidade Federal do Cear

    RESUMO: Joo Alves Torres Filho (Joozinho da Goma, Pai Joo, Tta Londir, Seu

    Joo da Pedra Preta) tem constitudo parte importante de diferentes estudos sobre a

    cultura e as religies afrobrasileiras. Nascido em 1914, na Bahia, chega Capital

    Federal em 1946. Estabeleceu-se na cidade de Duque de Caxias, regio metropolitana

    da capital. Este texto se prope a analisar a seo intitulada Ao cair dos Bzios,

    publicada diariamente no Jornal Dirio Trabalhista, entre 1949 e 1951. Ali, eram

    respondidas, por ele, as cartas dos consulentes. O famoso baiano ajudou a remover

    aquelas manifestaes de religiosidade da periferia social para a vida cultural da cidade.

    Contribuiu tambm com a difuso e solidificao das religies de matriz africana. Esta

    uma investigao em andamento, no mbito do NBLAC (Ncleo Brasileiro Americano

    e Caribenho de Estudos em Relaes Raciais, Gnero e Movimentos Sociais) da

    Universidade Federal do Cear, campos Cariri.

    Palavras chave: Candombl, religies afrobrasileiras, negros, relaes raciais

    ABSTRACT: Torres Joo Alves Filho (Joozinho da Goma, Pai Joo, Tta Londir,

    Seu Joo da Pedra Preta) has been referential in different studies on african-Brazilian

    culture and religion. Born in 1914 in Bahia, arrived at Federal Capital in 1946. He

    established himself in the city of Duque de Caxias in the metropolitan area of the

    capital. This paper aims to analyze the section titled "Ao cair dos Bzios, daily

    published in the Jornal Dirio Trabalhista, between 1949 and 1951. There were

    answered by him, the letters of the consultants. The famous baiano helped remove those

    expressions of religiosity from the social periphery to the cultural life of the city. Also

    contributed to spreading and solidification of the religions of African origin. This is an

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    ongoing investigation under the N'BLAC (Brazilian Center of the American and

    Caribbean Studies in Race Relations, Gender and Social Movements), from Federal

    University of Cear.

    Key words: Candombl, afrobrazilian religions, blacks, racial relations

    No topo da ladeira, onde havia ar fresco um jovem e bonito mulato

    enxugava constantemente o suor do rosto de oito mulheres em traje de

    sacerdotisa, cada qual com um jarro dourado ou prateado na cabea e

    uma vassoura nova na mo Observei com interesse o jovem pai. Era conhecido pelos seus casos de amor com outros homens e pela sua

    incapacidade de manter disciplina entre as filhas do seu templo de

    caboclo. Tinha fama de ser danarino maravilhoso e eu podia

    imagin-lo, pela sua figura leve e graciosa. O rosto era bonito e

    agradvel, mas no frgil, e a sua pele de mulato claro contrastava

    bem com a camisa-esporte azul-marinho que usava aberta ao peito .

    Atendia com solicitude s filhas, todas aparentando muito mais idade

    do que ele. (LANDES, 2002. p.303 ).

    Est uma das primeiras referncias na literatura acadmica sobre Joozinho da

    Goma, j nos anos trinta. Ao mesmo tempo em que apresentado como uma figura

    que emanava para si comentrios crticos de um grupo mais ortodoxo das tradies de

    matrizes africanas, atraia olhares de aplausos sua arte de danarino dos ritmos

    desenvolvidos em funo do culto aos orixs. O texto de Landes (2002) ferino em

    relao aos homossexuais pertencentes ao candombl baiano. Entre outros fatos,

    explicita pela primeira vez, que, ao contrrio do que ocorria na sociedade patriarcal, o

    candombl nag era dominado pelas mulheres e o de caboclo pelos homossexuais. A

    autora relaciona a liderana masculina nos cultos homossexualidade e prostituio.

    H, segundo ela, uma constante tenso entre mes e pais- de - santo. Landes estuda um

    momento em que ocorre uma ressiginificao das religies afro-brasileiras na Bahia. H

    a entrada de um expressivo nmero de homens, como lderes de casa de religies de

    matriz africanas que so assumidamente homossexuais. Muitos em busca de um

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    empoderamento por vezes negado na sociedade em geral. O candombl, passa a ser

    ento, uma agncia de prestgio para aquele grupo.

    A medida que Joo da Pedra Preta foi se tornando conhecido nos meios pblicos da

    cidade de Salvador, d-se uma ressignificao de seu papel social. De tal sorte que Jorge

    Amado assim se refere a ele depois de classific-lo como possuidor do candombl

    mais espetacular, da Bahia. O autor o define como um maravilhoso bailarino e

    digno de todos os palcos .

    Esse caminho de So Caetano que leva entrada difcil da goma

    percorrido por quanto artista, quanto escritor e quanto sbio passa por

    essa cidade... sou og deste candombl e talvez este seja o nico ttulo

    que carrego comigo. Quase og tambm o professor Roger Bastide

    da Faculdade de Filosofia de So Paulo.( AMADO, 2000, p.11)

    desta figura pblica que se ocupar o presente texto. Nosso objetivo longe est de

    insero nas diversas anlises sobre as controvrsias a seu respeito. Sua atuao como

    praticante de uma das manifestaes de religiosidade de matriz africana estar ausente

    deste artigo. Neste sentido, observaremos sua (auto) construo como figura pblica,

    nos anos quarenta e cinqenta, atravs do dilogo nas pginas dos jornais, do Rio de

    Janeiro, notadamente nas respostas aos seus consulentes. Analisaremos a seo

    intitulada Ao cair dos Bzios, publicada diariamente no Jornal Dirio Trabalhista,

    entre 1949 e 1951, onde respondia s cartas enviadas.

    As religies afro-brasileiras na Capital Federal dos anos cinquenta.

    Nenhuma das liberdades civis tem sido to impunemente

    desrespeitadas no Brasil, como liberdade de culto. .. qualquer

    beleguim da polcia se acha com direito de intervir numa cerimnia

    religiosa pra semear o terror entre os crentes.. Esta violncia j se

    tornou um hbito...De segunda a sbado, as folhas dirias ...incitam a

    polcia a invadir esta ou aquela casa de culto, cobrindo de ridculo as

    cerimnias que l se realizam...

    (Jornal Quilombo, pg.7 Liberdade de Culto, Edson Carneiro, Jornal

    Quilombo, Ano II Rio de Janeiro, Janeiro de 1959).

    Edson Carneiro, autor do texto acima era um defensor das religies de matriz Africanas.

    Alm de seguidor, como jornalista influente na capital, fazia uso das pginas do Jornal

    publicado pelos ativistas do movimento social para defender e divulgar as violncias

    sofridas pelos adeptos. O jornal O Quilombo - em sua edio de Dezembro de 1948

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    com uma extensa reportagem intitulada: Como se desenrola uma festa de

    Candombl, assinada pelo autor. Este mesmo jornal, seguindo uma tendncia do

    movimento negro, da poca, de defesa das religies afro-brasileiras, publica mais

    adiante, uma coluna contundente, atendendo ao objetivo de denunciar e defender o culto

    aos orixs.

    Para que se possa melhor compreender a amplitude da representao de Joozinho da

    Goma na difuso e solidificao das religies de matriz africana, propomos uma

    anlise das relaes raciais na cidade, a partir do final dos anos quarenta. Nosso olhar se

    debruar - de forma breve sobre algumas das anlises realizadas por Costa Pinto

    (1952). Suas pesquisas podem nos ajudar a entender a ambincia das relaes raciais e

    sua influncia no campo das religies afro-brasileiras, na antiga Capital, poca em que

    Joozinho da Goma est escrevendo sua coluna. O Distrito Federal - visto por Costa

    Pinto- encontra-se em pleno estado de urbanizao e industrializao, estimulando para

    si uma larga corrente migratria, com uma populao diversificada social e etnicamente.

    Alavancado pelo crescimento das organizaes populares e a ampliao das agendas e

    demandas reivindicativas, um novo movimento negro se fazia insurgente. dentro deste

    quadro interpretativo que o autor insere as organizaes negras, dividindo-as em

    tradicionais e de novo tipo. (COSTA PINTO: 1952).

    As associaes tradicionais seriam aquelas de fundo religioso, ou culturais. As

    religiosas se dividiriam em catlicas ou as de origem africana. O uso dos tambores na

    umbanda, segundo o autor, teria provocado a sua proibio dentro do permetro urbano

    do antigo D.F. A Baixada Fluminense (regio da grande capital, onde se encontra a

    cidade de Duque de Caxias) passou a abrig-las, depois disso. Costa Pinto observa um

    crescimento, em nmero de participantes, notadamente com elementos das camadas

    economicamente superiores e no negras da sociedade. Tal fato explicado pelo autor

    de duas formas: uma deve-se ao modismo com extensas reportagens na imprensa - e

    outra insatisfao, desses grupos, com a religio oficial. Outro ponto que a faz tornar-

    se um lugar de grande afluncia o fato de ter-se transformado num local onde se podia

    ir procura de soluo dos problemas de sade. Era tambm um lugar de associativismo

    e lazer.

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    Paralelamente as discriminaes liberdade de culto sofrida pelos praticantes da

    religio, como denunciado no texto de Edson Carneiro na epigrafe, havia um

    crescimento da participao dos mais economicamente privilegiados, numa prxis

    religiosa, pautada numa tradicionalidade afro-brasileira, denominada pelo autor de

    Macumba. Acreditamos que foram os intensos debates promovidos nacionalmente

    com maior nfase, no eixo, Rio, So Paulo - os propiciadores de uma atmosfera onde as

    religies afro-brasileiras, at ali, abertamente perseguidas pela polcia, passassem a

    receber, como convidados, os mesmos representantes policiais. Vejamos esta

    reportagem sobre uma festa no Candombl de Joozinho da Goma: ... Estava ali

    gente de toda espcie. Alm do grupo de Copacabana. Gente rica e gente pobre...

    operrios de fbrica, ao lado com os granfinos que vieram de longe... O delegado de

    Caxias, Tenente Ablio Gomes Vieira foi convidado e ele compareceu macumba de

    Xang. Vrios policiais o acompanhavam e ele permaneceu l at s 23 horas.(Dirio

    Trabalhista, Rio de Janeiro, 12 de Sex, 1950. Ano V, Num.1291. p.08). Pelas mos de

    Joozinho da Goma, os antigos algozes eram agora reverenciados e postos solenemente

    sentados ao lado dos lderes polticos, intelectuais, religiosos e membros da sociedade

    local. Todos participantes das efemrides em honra aos orixs.

    Vendo desta forma, pode-se ento perceber que a grande visibilidade atribuda ao Tat

    Londir (como tambm era conhecido o pai-de-santo) devia-se as suas lidas sociais e

    religiosas, mas no s elas. O ambiente cultural federal constitua um momento propcio

    midiatizao e da exaltao das religies de Matriz Africanas. Assim, como veremos

    no tpico seguinte Joozinho foi transformado num produto vendido com pompa e

    galhardia pelos meios de comunicao locais, notadamente num peridico de referncia

    no DF.

    A construo miditica do maior Babala do Brasil

    Joozinho realizou ontem, em Salvador, a festa anual de Pedra Preta,

    na qual o famoso babala cumpre obrigaes para com o poderoso caboclo. A festa, segundo telegrama enviado a este jornal pelo Filho de Oxosse, constituiu em um grande espetculo. Compareceram centenas de pessoas. Gente de todos os nveis sociais. Mdicos,

    advogados e engenheiros misturavam-se com operrios, professores

    ao lado de estudantes, Pretos e brancos. Enfim, como sempre

    acontece, Joo da Pedra Preta fez um grande candombl que por certo

    se propagou at as primeiras horas de hoje.

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    (O Dirio Trabalhista, Rio de Janeiro- 07 de Janeiro de 1950; Ano V.

    Num.1189, p.06).

    Joo Alves Torres Filho (Tata Londir, Joo da Pedra Preta, seu Joo) nasceu em 23 de

    maro de 1914, na cidade de Inhambupe, na Bahia. O trato com um pblico diverso

    social e racialmente fazia parte da lide religiosa e de sua prtica individual, j em

    Salvador, como rapidamente apontado aqui. Ele chega Capital Federal em 1946

    (Silva, 2002),e como uma pessoa de reconhecimento pblico. Era o Joo da Pedra

    Preta (por encarnar um Caboclo, com este nome). Estabeleceu-se no Bairro

    Copacabana, cidade de Duque de Caxias, regio metropolitana da capital, onde vrios

    outras casas, tambm estavam sendo fundadas. (LEMOS, 1980; PERALTA, 2000).

    Como apontado pelo jornal Quilombo:

    So Joo no Quilombo de Caxias

    A pequena cidade Estado do Rio, Caxias, se transforma num grande,

    imenso quilombo. Seu povo todo negro. Cada fundo de casa um

    terreiro em cada encruzilhada se topa com um despacho pra Ex. No sem motivo que j chamam Caxias de Roma sem igrejas... Era

    dia de So Joo...Danamos no terreiro do famoso pai-de-santo

    Joozinho da Gomia...

    (Jornal Quilombo, pg.12 . So Joo no Quilombo de Caxias Jornal

    Quilombo, Ano I. Rio de Janeiro, Julho de 1949).

    Chegando ao Rio de Janeiro, em pouco tempo, a mesma prtica de aproximao com a

    classe dominante da sociedade local, foi adotada. Sua fama o precedeu, mas, foi

    tambm solidificada atravs de um grande jornal da cidade. Em 1950, era conhecido e

    reverenciado pela mdia da Capital Federal como o maior Babala do Brasil.

    Numa das primeiras divulgaes feitas pelo Jornal Dirio Trabalhista, sobre a coluna,

    Ao cair dos Bzios, os leitores eram incentivados a enviar suas cartas de consulta

    juntamente com um pequeno cupom publicado no peridico. Assim, acreditamos que os

    editores, garantiam uma maior tiragem, uma vez que levavam a pessoa a adquirir um

    exemplar, para retirar o cupom. Dessa maneira, a fama de Joozinho auxiliava na

    expanso econmica da publicao. As cartas eram encaminhadas redao e seriam

    processadas pelos jornalistas Ariosto Pinto e Batista de Paula, que as entregariam

    rigorosamente, na ordem de chegada, ao pai-de-santo, em Duque de Caxias. Todas

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    as missivas deveriam ser acompanhadas de pseudnimo e endereo do consulente. Ao

    serem publicadas, era mencionado somente o bairro ou a rua de residncia. Reiteradas

    vezes eram os leitores lembrados sobre a importncia do anonimato. A.L.C (Rua dos

    Invlidos) Deveria ter mandado pseudnimo. Mas devo lhe dizer que no vejo nada de

    anormal na sua vida. ( Dirio trabalhista. Ano V. Rio de Janeiro. Quarta-feira, 8 de

    fevereiro de 1950. Num. 1216).

    Em 1949, quando as primeiras cartas foram divulgadas, a coluna (como tambm o

    cupom) era ilustrada por duas mos que juntas lanavam os bzios num movimento

    descendente, com o ttulo: Ao cair dos bzios. Aps alguns meses, Joozinho,

    anuncia que vai viajar Bahia, para cumprir obrigaes espirituais e que no seu

    regresso retomaria a coluna. Para tanto, seu retorno da Bahia era noticiado, como um

    grande acontecimento havido na cidade:

    Chegou anteontem, pelo vapor Itaimbm, procedente de salvador onde fra ao seu famoso terreiro da Goma realizar

    obrigaes da seita, o poderoso babala Joozinho da Goma. Ao seu desembarque, no armazm 14, do cais Porto, ocorreu

    uma legio de admiradores, amigos, dificultando o prprio

    trnsito na avenida Rodrigues Alves..... (Dirio trabalhista. Ano

    V .Rio de Janeiro. Sbado, 28 de janeiro de 1950. Num. 1207 ).

    Naquele primeiro momento, a seo limitara-se resposta a um pequeno nmero de

    cartas, semanalmente. Quando do seu retorno, amplia-se o espao e responde a dez

    consultas, a cada dia. Outra mudana, ocorrida na coluna na segunda fase, que ao

    invs dos desenhos das mos, foi inserida na pgina, uma pequena foto do rosto de

    Joozinho. Novamente, grandes noticirios foram destinados pelo jornal, numa

    divulgao prvia do atendimento aos missivistas.

    Volta seo Ao cair do Bzios. A partir do dia 2 de fevereiro prximo, Joozinho da Goma, o mais poderoso Babala do Brasil,

    passar a responder as cartas consultas que a ele dirigirem... Conforme do conhecimento dos nossos leitores, Joozinho da

    Goma respondeu pelas colunas desta folha, milhares de cartas que a

    ele enviaram pessoas no s desta capital, como de todos os estados

    do Brasil.... Est pois o Babala baiano, Filho de Oxosse o protegido de Yans pronto para atenuar os males fsicos e espirituais

    dos seguidores da seita, dos crentes e os incrdulos, pois que sua

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    misso praticar o bem a todos que a ele recorrerem..1. (Dirio

    trabalhista. Ano V .Rio de Janeiro. Sbado, 28 de janeiro de 1950. N.

    1207.)

    Durante o afastamento da coluna, o pai-de santo, no desaparece das pginas do

    matutino e se mantm em permanente contato, com os leitores, enviando longos

    telegramas, dando conta de suas atividades em solo baiano. A presena e o nome de

    Joozinho da Goma no peridico, foi sistematicamente reapresentada em diversas

    edies, mesmo estando fora da capital. Uma expectativa era construda pelos editores,

    diante de sua volta cidade.

    Joozinho da Goma foi Bahia cumprir obrigaes da seita. Deu

    muitas festas a que compareceram milhares e milhares de pessoas. Fez

    trabalhos de muita importncia e concluiu, segundo estamos informados, servios iniciados aqui, os quais necessitam ser

    concludos na terra do senhor do Bonfim. Joozinho da Goma, como

    j tivemos ocasio de informar aos nossos leitores, est radicado nas

    proximidades desta capital e pretende levantar um terreiro brevemente. Alis, a festa que este jornal patrocinou, em Setembro, no

    Carlos Gomes, teve como objetivo arrecadar meios para a construo

    da casa de Yanan.

    (Dirio Trabalhista, Rio de Janeiro 25 de janeiro de 1950, ano V;

    num.1204.p. 03.)

    O pai-de-santo, por sua vez, colaborava com esta estratgia, alimentando as

    reportagens, com informaes de prprio punho. Sob o ttulo Joozinho da Goma

    chega hoje da Boa terra, o jornal anunciava seu regresso ao Rio de Janeiro, dando hora

    e local do desembargue e nome do navio que o trazia. A notcia era completada com um

    telegrama enviado por Joo da Pedra Preta, no dia anterior. Neste processo de

    construo de Seu Joo como o maior babala do Brasil, percebe-se um esforo no

    sentido de demonstrar seriedade e responsabilidade no exerccio religioso, por parte de

    pai de santo, como publicado no mesmo dirio.

    Conforme do conhecimento de nossos leitores, Joozinho da Goma

    respondeu pelas colunas desta folha, milhares de cartas que a le

    enviaram pessoas no s desta capital,como de todos os Estados do

    Brasil. Em virtude de seu embarque para a Bahia, o babalorix deixa de responder muitas que se achavam em seu poder. Levou-as

    Salvador a fim de que da capital baiana nos enviasse as respectivas

    respostas. O seu trabalho no terreiro de So Caetano, foi tanto, que as

    1 Dirio trabalhista. Ano V .Rio de Janeiro. Sbado, 28 de janeiro de 1950. N. 1207.

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    cartas ficaram sem respostas. Aos doentes, aos descontrolados

    financeiramente, Joozinho da Goma realizou sesses para que as

    foras ocultas os ajudassem. E as cartas sem resposta foram pelo

    babala, em cerimnia de seita, incineradas.

    (Dirio Trabalhista, Rio de Jan, 28 de Jan,1950. Ano V,

    Num.1207. p.04).

    Consultas distncia: A conversa mediada pelo jornal.

    A sesso do Jornal Dirio Trabalhista, denominada Ao cair dos bzios, dava a seu

    signatrio a oportunidade de fazer-se mais prximo de uma populao oriunda dos mais

    variados extratos sociais, se analisarmos pelas menes dos bairros de onde proviam as

    consultas. Pouco sabemos sobre o perfil das pessoas que as enviavam, uma vez que o

    prprio Joozinho deixava claro, que no atendia, cartas sem pseudnimo ou com dois

    remetentes. O consultor espiritual solicitava que novas missivas fossem escritas, e

    justificava informando: De vez em quando recebo vrias consultas numa mesma carta.

    Duas ou mais juntas. Nem chego a jogar os bzios. Isto porque a seita no o permite. A

    reposta quebraria o sigilo e no candombl nada se faz sem sigilo. Os leitores eram,

    ento, ensinados a reenviar cartas, com apenas um tema a ser consultado.

    Analisando as respostas dadas por Joozinho entre 1949 a 1951, pudemos observar que

    diferentes temas foram desdobrados pelo autor, ao longo do perodo estudado. Algumas

    vezes a coluna era iniciada com um pequeno bilhete, fazendo lembretes ou

    esclarecimentos sobre como as cartas deveriam ser remetidas. Outras, era como um

    jeito amigo de se dirigir aos seus leitores, de forma generalizada. Nestes casos, havia

    uma assinatura do lder espiritual, ao final, como se fosse uma mensagem parte.

    Atendendo aos pedidos de meus amigos, reinicio hoje, a seco Ao cair dos Bzios. Passarei a atender, na medida do possvel, a todo os que me procurarem. Por outro lado, evitaremos as grandes demoras.

    Porque o jornal ter espao suficiente para eu atender s consultas,

    proporo que me forem chegando as cartas. Podem me consultar.

    Todos sero atendidos em pouco tempo. Joozinho da Goma2.

    2 Dirio Trabalhista .Ano VI .Rio de Janeiro. Domingo, 23 de setembro de 1951. N. 1707.

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    (Dirio Trabalhista .Ano VI .Rio de Janeiro. Domingo, 23 de setembro

    de 1951. N. 1707).

    Os textos se apresentavam, quase que poticos, numa resposta e conseguiam ser ferinos,

    contra seus algozes, na carta seguinte. Usando linguagem coloquial, respondia aos seus

    leitores, dando cincia de alguma pergunta feita ou admoestao recebida. Assim sendo,

    s vezes tratava das indagaes dos consulentes, outras reagia a comentrios mais

    acirradamente crticos, como no caso do Botafoguense de Botafogo: No entendo de

    futebol. E nem posso fazer o que voc me pede. Dizem que no futebol no h lgica. E

    no havendo lgica de que serviria a lgica do candombl?3 (Ano VI .Rio de

    Janeiro. Quarta -feira, 28 de setembro de 1951. N. 1709).

    Observamos que Joozinho era instado a responder sobre os mais variados assuntos.

    Desde questes financeiras, amorosas, familiares, trabalhistas e mesmo sobre futebol.

    Optamos por fazer um levantamento dos assuntos sobre os quais versaram a conversa

    entre Seu Joo e os clientes. Embora muitas das respostas fossem hbridas no contedo,

    nosso intento foi procurar perceber mais atentamente, o eco das questes de ordem

    espiritual, no dilogo de Seu Joo, com seus leitores ou seguidores.

    Esperanosa (Bangu). Faa tudo para estudar, minha filha. Pois voc

    possui uma rara inteligncia e deve aproveit-la. Se eu fosse rico seria

    capaz de financiar seus estudos. No pare. E, mais uma vez aproveite

    sua rara inteligncia. Estude mesmo. E mostre esta resposta aos pais

    adotivos. Gostaria de lhe conhecer apenas por curiosidade, pais sou

    grande admirador das pessoas inteligentes e de bom carter como

    voc. Felicidades, minha filha Esperanosa. (Dirio Trabalhista. Ano

    V. Rio de Janeiro. Sbado, 11 de maro de 1950. N. 1241).

    Havia, conselhos espirituais (pblicos e privados) e lies de cunho moral. Os

    primeiros eram aqueles em que os demais leitores tomavam conhecimento do problema

    do consulente e da atitude a ser tomada no campo religioso ou da vida privada. A carta

    era recontada pelo consultor espiritual, quase na ntegra.

    Sabido de mais (Vila Isabel)- Pois sim. Voc mesmo muito sabido.

    To sabido que facilitou, facilitou e acabou nessa situao que voc

    acha gostosa. Sua mulher lhe abandonou, sua filha de 13 anos est em

    situao difcil e perigosa, voc no tem trabalho e cr que viver as

    custas de uma escrava branca seja programa para um homem. Voc

    3 Ano VI .Rio de Janeiro. Quarta -feira, 28 de setembro de 1951. N. 1709.

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    est to enfeitiado que nem sabe o que fazer. Alis, seu anjo da

    guarda, depois de ver voc sofrer tanto, resolveu indicar-lhe o

    caminho certo, embora tardiamente. Voc precisa ir a um terreiro, urgentemente. No perca tempo, meu filho, voc que acredita ser

    sabido de mais.

    (Dirio Trabalhista. Ano V. Rio de Janeiro. Quarta-feira, 15 de

    fevereiro de 1950. N. 1222).

    Naqueles aos quais denominamos de conselhos espirituais privados, o Joozinho sugeria

    uma conversa com o consulente e o convidava a entrar em contato com os editores, para

    marcar uma visita a Duque de Caxias. Assim foi com a pessoa de pseudnimo Gariba,

    do Jockey Club: Seu caso sobretudo espiritual. E eu somente posso cuidar desses

    casos pessoalmente. Passe antes na redao, das 5 s 6 horas, a fim de tomar

    informaes para falar comigo.4 (Dirio Trabalhista. Ano VI .Rio de Janeiro. Tera -

    feira, 25 de setembro de 1951. N. 1708). Havia ocasies em que os aspectos do

    comportamento eram realados e utilizados como lies de vida a serem apreendidas

    pelos interlocutores e leitores da coluna.

    Mirian (Engenho de Dentro) ..Eu lhe havia dito, h mais de 3 meses, que no se deve brincar com Exu. O homem da rua no to ruim como se pensa - e para este seu criado ele tem sido at bom. Mas,

    tambm no perdoa as pessoas que zombam de sua terrvel

    fora.....Depois de consultar os Bzios, vi que voc no deseja se

    endireitar... O marido e os filhos voc nunca ver...Dizem os bzios

    que seu marido est comprometido com outra que lhe respeita e trata

    seus filhos como se fossem prprios. ...Nada lhe direi de novo para

    que voc volte a ser o que era...eu lhe indiquei o caminho certo e voc

    preferiu o errado. Faa tudo que mandei. E ver Mirian como mudar

    sua vida.... foi voc a nica causadora de tudo... creia mais nas foras

    sobrenaturais, no tente desrespeitar Exu e seja feliz5.(Dirio

    Trabalhista. Ano VI .Rio de Janeiro. Domingo, 23 de setembro de

    1951. N. 1707).

    Em diversas missivas, percebemos o sistema binrio que classifica as coisas, como nas

    religies monotestas, o bem e o mal. Mesmo que seja dito que Exu apresenta os dois

    lados, ao mesmo tempo, concebe a fora daquele que no perdoa. O Babala segue

    4 Ano VI .Rio de Janeiro. Tera -feira, 25 de setembro de 1951. N. 1708.

    5 Dirio Trabalhista. Ano VI .Rio de Janeiro. Domingo, 23 de setembro de 1951. N. 1707.

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    atendendo s expectativas da conjuntura moral/amoral, como no caso da Domstica

    Infelicitada de Copacabana.

    Devido sua pouca experincia, minha filha, voc no soube se

    conduzir como deveria, diante dos filhos de seus patres e tambm

    diante do patro. Aos poucos eles foram se aproveitando de voc...Por

    acaso voc pensou que eles estavam preparando um plano tenebroso

    contra sua honra? No. Mas devia ter pensado....O filho mais velho,

    estando voc em casa, sem mais ningum, disse-lhe que a sua

    despedida estava por um triz e que somente ele poderia resolver o

    caso. E voc, menina muito inexperiente...Deixou que ele fizesse o

    que desejasse...o irmo tambm entrou no negocio. O pai achou que

    deveria pegar o seu quinho... A situao grave. Voc...

    Infelizmente, ficar marcada por todo sempre... Quanto ao casamento

    com um deles. Dizem os bzios ser muito difcil. Mas, vou tentar e

    isto no lhe custar coisa alguma. Garanto-lhe porm, uma coisa:...

    Sobre aqueles pecadores jogarei todo o poderio dos orixs. E tambm

    de Exu..(Outra coisa: voc no ser posta na rua. J fiz alguma

    amarrao nesse sentido)6 . (Dirio Trabalhista. Ano VI .Rio de

    Janeiro. Tera -feira, 25 de setembro de 1951. N. 1708).

    Apesar de sua atuao como lder espiritual ou mesmo sua vida privada fosse, muitas

    vezes, criticada por sua homossexualidade o jeito pouco ortodoxo de agir, os conselhos

    atendiam moral vigente. O papel feminino era marcado pela situao ou status

    familiar daquele momento. Nesse caso a mulher que deu mal passo, perdeu o respeito

    dos vizinhos e da famlia deveria pagar por isso. Neste mister, seu Joo nada poderia

    fazer, pois era castigo de Exu. A tica da sociedade, regulada por princpios e papeis

    bem definidos, fica clara na resposta Caidinha na Lama, de Vila Isabel)

    Ainda h alguma possibilidade. A vida no est perdida para voc.

    Seu corao ainda possui fora. E seu marido, caidinha, quer mesmo

    voltar a viver com voc. Aceite-o . Ele errou. Mas, pai dos seus

    filhos. E que faria voc sozinha neste mundo, ou por outra, com esses

    dois filhinhos menores?. Dentro dessas duas prximas semanas ele

    tornar a ser seu companheiro. Aceite-o ele o pai de seus filhos7.

    (Dirio Trabalhista. Ano VI .Rio de Janeiro. Tera -feira, 25 de

    setembro de 1951. N. 1708. p39).

    6 Ano VI .Rio de Janeiro. Tera -feira, 25 de setembro de 1951. N. 1708.

    7 Ano VI .Rio de Janeiro. Tera -feira, 25 de setembro de 1951. N. 1708. p39.

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    O Joozinho da Goma, da seo Ao cair dos bzios era um analista, atento e

    participante dos temas ligados vida cotidiana. Contraditoriamente a partir das

    anlises de Costa Pinto (1952) em seu trabalho realizado na poca, que fala de receitas e

    de curandeirismo, por parte dos guias espirituais - Joozinho no dava instrues

    espirituais ou de sade nas pginas do dirio. Limitava-se a incentivar o (a) autor (a) da

    carta procurar um mdico e quando muito, sugerir a ingesto de um fortificante,

    como recomendado a Sempre Triste, de Vila Isabel. Sua vida est mais ou menos

    calma. Seus caminhos esto abertos. Conforme-se com a sorte. Domine o gnio em

    todas as ocasies. H alguma perturbao em sua sade e o caso de mdico. No h

    feitiaria, em sua vida. Tome um fortificante8. (Dirio Trabalhista. Ano VI .Rio de

    Janeiro. Domingo, 23 de setembro de 1951. N. 1707).

    Embora j consagrado, como um lder da Nao Angola, Joozinho no enfatiza atravs

    das respostas, qualquer meno ao lado espiritual do consulente.

    Brotinho de Benfica ( Benfica)- Pea conselhos aos seus pais. Voc

    ainda est estudando e na sua idade, 13 anos, no deve estar

    consultando a gente. Deixe o namorado de lado e se agarre aos livros, Brotinho. Sua vida vai ser muito boa e ter um final feliz. Mas

    no pense que ser pra j. Estude, minha filha, e quando estiver

    prximo da formatura pode me procurar para eu lhe ajudar no que for

    possvel. (Dirio Trabalhista. Ano V. Rio de Janeiro. Quarta-feira, 15

    de fevereiro de 1950. N. 1222).

    Com certa freqncia explicava que iria pedir ajuda ao Caboclo Pedra-Preta e nos casos,

    mais intricados, recorreria ao auxlio de Exu.

    Rosa de Cosme Damio ( Rua Maria Amlia) Cuidado no seu emprego. H alguma

    pessoa querendo lhe prejudicar, porm Pedra Preta vai lhe socorrer. No h por

    enquanto, feitiaria em sua vida. (Dirio Trabalhista. Ano V. Rio de Janeiro. Sexta-

    feira, 17 de fevereiro de 1950. N. 1224).

    Vale notar que embora, muitas vezes, o discurso de Seu Joo - nas inmeras entrevistas

    que d aos jornais e revistas - mostre a preocupao em separar o Candombl da

    8 Ano VI .Rio de Janeiro. Domingo, 23 de setembro de 1951. N. 1707.

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    Umbanda, l-se, em sua coluna, conselhos da seguinte ordem: Reze diariamente;

    quando tiver tempo v missa, ou ainda: No h feitiaria em sua vida e seus

    caminhos esto abertos.9 (Dirio Trabalhista. Ano VI .Rio de Janeiro. Quarta -feira, 28

    de setembro de 1951. N. 1709. 101). Em sntese, o candombl de Joozinho, enquanto

    uma construo scio-cultural em constante processo de recriao e transformao ao

    conflitar determinadas posies da religiosidade ortodoxa de certa forma aproximou ou

    sintetizou as dimenses tradicional/moderno. Neste sentido explica-se como as

    respostas aos consulentes estariam sempre de acordo com a moral vigente.

    Pensares Conclusivos

    nesta confluncia entre a visibilidade das relaes raciais, nos estudos acadmicos

    (Silva, 2005), das denncias nos peridicos afro-brasileiros (Nascimento, 2003; Ferrara,

    1986) e da expanso da macumba na mdia escrita (Costa Pinto, 1952), que surge e se

    consolida a coluna Ao Cair dos bzios. Baseados nas concluses de Costa Pinto,

    vimos, ento, que Joozinho da Goma se beneficiou de vrios fatores presentes naquela

    conjuntura social. Houve uma constante presena nos jornais dirios e revistas

    semanais, que faziam despertar, o maior interesse de um grupo economicamente

    privilegiado, sobre as religies de matriz africana.

    Joozinho quis fixar-se no antigo DF, certamente, porque como capital do Brasil, o Rio

    de Janeiro seria o local mais indicado para desenvolver seu estilo singular de lder

    espiritual. A cidade, possua todo o glamour que este necessitava para mostrar seu

    potencial, no s religioso, mas tambm artstico. O uso da mdia firmou o poder como

    pai de santo e tornou-o conhecido em uma cidade que, comeava a viver o esplendor

    desenvolvimentista, voltando a propiciar a coexistncia da imensa diversidade de cultos

    religiosos10

    . O estilo do pai-de-santo, no fundo, compreendia o processo do desejo

    cosmopolita, produzido pelo mito do anonimato na cidade grande. Projetando-se no

    universo miditico, realizou seus sonhos negociando com alguns intelectuais

    9 Ano VI .Rio de Janeiro. Quarta -feira, 28 de setembro de 1951. N. 1709. 101

    10 Joo do Rio, no incio desse sculo chamou ateno para esse fenmeno em sua obra Religies

    do Rio.

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    interessados em descobrir as lgicas dessa religio to prxima e ao mesmo tempo to

    distante, do entendimento da modernidade.

    Joozinho, com uma imagem carismtica se transformou num grande out door sobre si

    mesmo, propiciando uma maior valorizao das religies Afro-Brasileiras. Assim, os

    cultos saram do esconderijo ao qual haviam sido relegados e se projetaram na mdia

    com a fama (rapidamente alcanada), pelo maior Babala do Brasil.

    Com base nesses diversos aspectos, gerados ao longo da histria do Tata Londir,

    percebe-se diferentes dimenses edificadas pelas interfaces e contradies que

    acompanham sua religiosidade. Algum que acabou por trazer o candombl para o

    centro dos debates e da construo do pensamento social no pas. Seja na atrao de

    inmeros adeptos, seja como promotor de admirao e pompa, Joozinho da Goma

    (ou Seu Joozinho, Pai Joo, Tta Londir ou Seu Joo da Pedra Preta, ajudou a

    remover sua religio da periferia social da cidade. A imagem pblica de Joozinho se

    construiu paralelamente, pelos espectadores, por pais-de-santo, por dirigentes polticos e

    culturais e por ele mesmo e, principalmente pela imprensa, como um fenmeno

    espetacular por seu poder de dramatizao de questes que envolviam religio,

    sexualidade e etnia. Esses temas difundidos no imaginrio da cidade de Duque de

    Caxias e por conseguinte, tambm na Capital Federal, acabaram, de uma ou outra

    forma, por convergir para a resistncia cultural da populao afro descendente. Assim,

    Joo da Pedra Preta conseguia reunir num nico elo, sem contradies aparentes no seu

    fazer, o ldico, o cultural, o religioso, o sagrado e o profano.

    REFERNCIAS

    AMADO, Jorge. Bahia de todos os Santos. Record. RJ. 41 Tiragem, 2000.

    BASTIDE, Roger. As Religies Africanas no Brasil .So Paulo: Biblioteca Pioneira de

    Cincias Sociais, 1971.

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    CARNEIRO, dson . Candombls da Bahia. Rio de Janeiro: Andes, 1954.

    DANTAS, Beatriz Ges. Vov Nag e Papai Branco: usos e abusos da frica no

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    PERALTA, Antonio Carlos Lopes. Um Vento de Fogo Joo da Gomia: Um

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    em um clube social de negros no Rio de Janeiro. Dissertao apresentada ao Curso de

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    e o sagrado na exaltao do candombl. In: Caminhos da alma. Memria afro-

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