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JOAQUIM MARQUES ALVES FONSECA Assistente da Faculdade de Letras do Porto Bolseiro do I.N.I.C. COESÃO EM PORTUGUÊS SEMANTICA-PRAGMATICA-S INTAXE Dissertação de Doutoramento em Linguística Portuguesa apresentada ã Faculdade de Letras da Universidade do Porto PORTO 1981

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  • JOAQUIM MARQUES ALVES FONSECA

    Assistente da Faculdade de Letras do Porto

    Bolseiro do I .N . I .C .

    COESO EM PORTUGUS

    SEMANTICA-PRAGMATICA-S INTAXE

    Dissertao de Doutoramento em L ingus t ica Portuguesa apresentada Faculdade de Letras da Universidade do Porto

    PORTO

    1981

  • (i)

    Testemunho de homenagem e agradecimento devo averbar aqui ao

    Prof. Bernard Pottier, que de bom grado aceitou orientar a elaborao

    desta tese - tendo-o feito com inexcedvel zelo e sol feita ateno.

    Um agradecimento sincero exprimo tambm ao Prof. Oscar Lopes,

    a quem muito de perto devo o meu despertar para a Pragmtica Lingusti-

    ca, e com quem pude discutir, com inequvoco proveito, alguns momentos

    deste trabalho.

    Joaquim Fonseca

  • (11)

    Toute mthode, toute technique d'analyse aide a dcouvrir certains aspects du langage, mais e l l e ne saura i t s u f f i r e a une comprhension d'ensemble du phnomne l i ngu i s t i que .

    Bernard Po t t i e r

  • . 1 .

    PLANO GOBAL

    INTRODUO

    PRIMEIRA PARTE

    A noo de coeso

    SEGUNDA PARTE

    Coeso ao nTvel da microsintagmtica

    CAP- 1 - A coeso do Sintagma Nominal

    CAP. 2 - A coeso do Sintagma Verbal

    TERCEIRA PARTE

    Coeso ao nvel da mesosintagmtica

    A coeso do Enunciado

    QUARTA PARTE

    Coeso ao nvel da macrosintagmtica

    A coeso do Texto

    CONCLUSO

    BIBLIOGRAFIA

    NDICE

  • .2.

    INTRODUO

  • .3.

    INTRODUO

    1.

    tugus O presente trabalho tem por objecto de estudo a coeso em por-

    ^ Em sentido corrente, banal, a lexia coeso convoca a noo de Interligao dos elementos de um dado conjunto, ou de organizao, estru-turao de um dado complexo.

    Transposta nomenclatura de algumas cincias, a mesma lexia mantm no essencial aquele sentido: na QuTmica, a designao de coeso aplicada s foras estruturadoras (foras de coeso) que renem, num dado corpo, os seus componentes (Stomos, molculas); na Sociologia, a mesma de-signao remete para os laos, mais ou menos apertados, que congregam os individuos, ou os grupos sociais por que estes se distribuem, numa dada comunidade; neste domnio, entra em jogo um factor especfico, a saber, o jrau de adeso de cada indivduo sua comunidade, isto S, o modo mais'ou menos actuante, participativo, segundo o qual esse indivduo se integra no complexo scio-cultural e histrico que justamente constitui uma comunida-de.

    No domnio da reflexo cientfica sobre as lnguas naturais (LNs), aquela mesma lexia - coeso - esta apta a ser utilizada,guardando o mesmo sentido bisico de interligao, de conexo entre os instrumentos verbais - quer tomados globalmente como inventario de signos disponveis para o exerccio lingustico quer considerados na sua actualizao em ca-da acto de fala.

    Esta formulao sugere imediatamente que, na considerao das

    LNs, se desenham dois domnios especficos, e interligados, a que a noo

    de coeso se pode aplicar com pertinncia: um primeiro domnio respeita

    lngua enquanto complexo organizado de instrumentos verbais (enquanto sis-

    tema); um segundo domnio concerne s sequncias de signos lingusticos em

    que concretamente se manifesta uma lngua em cada acto verbal. Ou seja,

    transposta nomenclatura lingustica ( metalinguagem), a lexia (a meta-

  • .4 .

    l e x 1 a ) c o e s a o ap l icar -se- quer ao sistema l i ngu s t i co ( configurao g lo-bal de uma lngua como sistema) quer aos produtos verbais projectados em discurso em cada acto de f a l a .

    Nesta base, d i s t i ngu i r - se - entre coeso de LN,, LN?, LN , e coesao em LN1, LN2, LN^, ou entre coeso paradigmtica e coeso sintagm-t i c a . Respeita a primeira (coeso de LN ou coeso paradigmtica) aos nexos estruturadores do sistema v i r t ua l que uma l ngua, tomada como um amplo paradigma; respeita a segunda (coeso em LN ou coeso sintagmtica) s co-nexes entre os signos projectados no eixo das sucessividades configurado em discurso.

    2-Foi com referncia a este l t imo domnio - coeso sintagmtica

    ou coesao em LN - que a noo que nos ocupa se af i rmou, crescentemente, na descrio-explicao l i n g u s t i c a . justamente da coeso sintagmtica -que tomarei como o domnio prprio da coeso - que t r a t a r e i neste t rabalho.

    Tal no inva l ida que a coeso possa - e deva - ser tambm re fe -r i d a a o sistema l i ngu s t i co como acervo idiomtico est ru turado, disponvel para o exercc io verbal . Algumas l inhas de ref lexo f icaro de seguida ano-tadas sobre a coeso paradigmtica, a coeso de LN,, LN .

    1 n

    1. Em termos genricos, o que est em causa na considerao da coeso 4e- uma LN um problema velho de sculos, que j nos surge equacionado na querela entre Analogistas e Anomalistas, e que hoje se formula em termos de sistematicidade e assistematicidade de uma LN.

    Um tratamento adequado desta questo poder com vantagem ser re fer ido a duas dist ines metodolgicas bsicas propostas por E. Coseriu: de um lado, a d ist ino entre lngua h i s t r i ca e lngua func iona l , e do ou t ro , entre sistema e norma. Sobre a pr imeira destas dist ines se debrua Coseriu em vrios t rabalhos, alguns datados do i n c i o da dcada de 60, e agora reu-nidos, em traduo espanhola, em Coseriu, 1977; quanto segunda, ela fo i proposta in ic ia lmente em Coseriu, 1952, e sucessivamente retomada em d iver -sos trabalhos do mesmo Autor.

  • .5.

    1 .1 . Cada LN apresenta-se imediatamente como um complexo organizado de variedades - d is t r ibudas quer loca l e regionalmente (variedades diatpicas) quer segundo a es t r a t i f i ca o soc ia l ou sc io -cu l tu ra l dos fa -lantes (variedades d ias t r t i cas) quer segundo o tema e as f ina l idades co-municativo - expressivas desenvolvidas em situaes de comunicao t p icas (variedades d ia fas icas) .

    Como se sabe, estas variedades l i ngu s t i cas recobrem-se, no sentido de que em cada uma delas se projectam as outras (numa dada var ie -dade regional reconhecem-se matizaes d i as t r t i cas e d ia fas icas , e assim sucessivamente); por outro lado, essas variedades, co-exist indo (como va-riedades s inc rn icas) , continuamente se i n t e r - i n f l uenc iam, se interpene-tram.

    As conexes entre estas variedades desenham o que E. Coseriu chama arqui tectura de uma l ngua. A coeso paradigmtica - a coeso de de uma lngua - r e f e r i r - s e - , po is , imediatamente sua arqu i tec tu ra : esta apresentar-se- mais ou menos coesa, sendo essa coeso escalonvel de aor do, basicamente, com o nmero de variedades, a homogeneidade de cada uma, a demarcao mais ou menos n t i da entre e l a s , o seu grau de in terpenet ra-o. Em suma, a coeso de uma lngua ser a fe r ida pela amplitude da var ia-o l i ngu s t i c a no seio da comunidade que a f a l a .

    Sob esta p t i ca , que atende "diversidade na unidade", s i t ua -es muito dspares se reconhecem nas d i ferentes l nguas. No que tange ao portugus, generalizadamente apontada a sua aprecivel "unidade" - tanto mais sa l iente quanto so conhecidas quer a grande extenso geogrfica (e a nao contiguidade destes espaos) quer a diversidade sc io -cu l tu ra l das co-munidades que falam portugus, quer, en f im, a desigual situao l i n g u s t i -c_a de algumas dessas comunidades ( lembrar-se- que, nas ex-colonias por tu-guesas, o portugus cons t i tu i lngua ve i cu la r , em convivncia com d i fe ren-tes "lnguas nacionais" e , em alguns casos, com cr iou los "de base portugue sa" ) . 0 fu turo do portugus como lngua una (na diversidade) questo sa-l i e n t e , em que esto envolvidos factores de ndole muito d iversa. Um deles - que assume pa r t i cu l a r relevo - respei tar vontade comum, adeso dos indivduos e comunidades ao object ivo de salvaguardar, na incoercve l e sempre enriquecedora diversidade, o patr imnio cu l tu ra l s ingular que a l ngua, que de todos e a todos especif icamente congrega. Passa por aqui

  • .6 .

    o que se convencionou chamar Defesa da Lngua - conceito onde no cabe ho-je a contemplao de falsas questes de "purismo" ou de "hegemonia", antes aponta para uma consequente integrao de um "p lur i l ingu ismo in terno" em que se consumam vi r tua l idades amplamente abertas da l ngua.

    0 estudo da coeso paradigmtica ou da coeso de uma lngua con-f l u i , assim, neste quadro, com o prprio estudo da variao l i ngu s t i c a v i -va numa comunidade - variao que, v is ivelmente, se a r t i cu l a a factores "ex-ternos" lTngua, mas que sobre ela fortemente actuam.

    1.2. Cada uma daquelas variedades l i ngu s t i cas considerada na sua con-figurao prpria - i s t o , tomada, atravs de uma for te reduo, como complexo estruturado idealmente homogneo (na caracterizao proposta por Coseriu, como complexo s in tp ico , s i ns t r t i co e s in fs ico) - cons t i t u i um sistema funcional de entidades in ter l igadas por conexes que se do, como se sabe, na base da semelhana e da oposio. E ao conjunto destes laos que, em sentido e s t r i t o , convm a designao de es t ru tu ra : esta respe i ta , assim, a uma lTngua func iona l , a cada uma das lnguas funcionais que se re-vela c o n s t i t u i r cada uma daquelas variedades. Deste modo, ressal ta a natu-reza "p lu r i - s i s temt i ca" de cada lngua h i s t r i ca (a que se ap l i ca ra , en-to, no estr i tamente a noo de sistema, antes, como sabido, a de d ia--s is tema).

    A hoje correntemente denominada L ingust ica do Sistema (que engloba quer orientaes es t ru tu ra l i s tas inequivocamente reducionistas quer a Gramtica Gerativo-Transformacional - tenha-se presente a caracterizao dada por N. Chomsky da competncia l i ngu s t i ca do fa lante-ouvinte i dea l ( i za do): Chomsky, 1965) toma justamente como seu objecto de ref lexo uma lngua funcional - um complexo de entidades l i ngu s t i cas s in tp ico , s i n s t r t i c o e s in fs ico - que considera como "mdia" ou "comum", e com a qual i d e n t i f i c a metodologicamente uma dada LN.

    Assim concebida como sistema idealmente homogneo, alheio a to -da a variao "externa" , cada LN revela , por sua vez, uma estruturao d i fe renciada, onde cabem assimetrias e desequi l br ios internos. A coeso para-digmtica - a coeso de uma LN - pode, assim, ser re fer ida agora ao grau, maior ou menor, de s is temat ic idade, de "regular idade" do sistema func iona l .

  • .7 .

    E c laro que a avaliao global da sistematicidade de uma LN -- mesmo considerada na base da fo r te reduo que conduz a tom-la como l n -gua funcional - um object ivo i d e a l , pois supe uma descrio-explicao acabada e coerente. No entanto, na base dos trabalhos de investigao d i s -ponveis, e tambm na base da nossa prpr ia in tu io de fa lan tes , cada um de ns acede faci lmente constatao de que uma lngua no nunca um "sis tema p e r f e i t o " , antes um complexo percorr ido por d i ferentes graus de orga-nizao. A viso "ingnua" de uma lngua como um sistema harmonioso "o tout se t i e n t " cedo deu lugar, na ref lexo l i n g u s t i c a , a uma ou t ra , que considera di ferentes "graus de coerncia" da estruturao.

    Tal v i s ve l no sistema g l o b a l , mas tambm - e mais imediata-mente - em cada um dos "sistemas parc ia i s " nele reunidos (o sistema fn ico , o sistema gramat ica l , o sistema lex ica l . . . ) e , dentro de cada um destes, nos vrios "micro-sistemas" que a invest igao l i n g u s t i c a vem tentando ca-r ac te r i za r .

    a. Se tomarmos, por exemplo, o plano fnico de uma l ngua, e mais

    estr i tamente o sistema fonemtico, nele vemos recortadas zonas de fonemas fortemente in ter l igados face a outras em que estas entidades se i n t e r - r e -lacionam menos intimamente. Cabem nas pr imeiras os fonemas que a i n v e s t i -

    gao fonolgica d i s t r i b u i por uma mesma s r i e , uma mesma ordem e, em par-t i c u l a r , por uma correlao ou fe ixe c o r r e l a t i v o . Corresponde esta d i s t n buio, como se sabe, ao reconhecimento de laos apertados entre os fone-

    mas, laos estabelecidos na base do grau de semelhana que os rene, re fe-r ida aqui part ic ipao em comum de determinados traos d i s t i n t i v o s . Quan-to mais elevado fo r o nmero de traos d i s t i n t i v o s comuns a um dado comple-xo de fonemas tanto mais fortemente estes se i n te r l i gam. As correlaes fo -nolgicas, que assentam, como sabido, na repar t io regular de um ou de vrios traos d i s t i n t i v o s por d i ferentes fonemas, configuram num dado s i s -tema uma rea "bem in tegrada" , ou um centro - de que distam, mais ou menos, os fonemas nelas no i n s c r i t o s , dos quais se d i r que esto "menos bem i n -tegrados" ou que se situam numa zona p e r i f r i c a do sistema, numa p e r i f e r i a . Um sistema fonolgico " i dea l " s e r i a , po is , aquele em que todos os fonemas se revelassem "bem in tegrados" , o que se t r a d u z i r i a na sua inscr io em corre ia

  • .8 .

    coes fonolgicas e, part icularmente, numa nica correlao.

    A demarcao entre um centro e uma p e r i f e r i a rad ica, como se v, no diverso grau de semelhana que aproxima as entidades l i n g u i s t i c a s . 0 que esta em causa a extenso ou a profundidade das relaes paradigmticas: centro e pe r i fe r i a entender-se-o, assim, como dois plos marcados> como "les deux posi t ions l im i tes de l ' i n t g r a t i o n maximale et minimale dans le systme, entre lesquelles se s i tuent cel les que l 'on peut caractr iser comme penchant vers de centre ou la pr iphr ie ou comme posi t ions ind-termines" (0. Leska, 1966, 54) ' ' .

    Na avaliao da "regularidade in terna" do sistema fonolgico de uma LN entram, porm, em jogo outros fac tores, nomeadamente os que de-rivam quer do facto de que o sistema no e s t t i c o , antes dinmico, quer do facto de que ele no est isolado dos outros "sistemas parc ia is " que perfazem a l ngua. De entre esses factores sa l ien tare i os seguintes: o rer^ dimento funcional e fec t ivo de um fonema (ou de uma oposio fonolg ica, ou dos traos d i s t i n t i v o s nela envolvidos) pode ser maior ou menor; cada fone_ ma tem uma d is t r i bu io espec f i ca , e e afectado na sua realizao concre-ta por parte das outras entidades com que surge combinado; os vrios fone-mas tem "realizaes normais" (ao nvel da norma) mais ou menos diferencia^ das da sua e s t r i t a configurao ao nvel do sistema, e , eventualmente, em maior ou menor nmero de variantes (a lofones) ; a amplitude desta variao , tambm e la , mais ou menos pronunciada (configurando, deste modo, um "campo de disperso" mais ou menos extenso, que as realizaes concretas - ao nvel da fa la - podem ainda a la rga r ) ; a eventual presena de fenme-nos de neutra l izao, o nmero de oposies afectadas, a maior ou menor dj_ versidade dos contextos em que ela tem lugar , e a sua e fec t iva projeco mais ou menos elevada no exercc io verbal - eis outras var iveis que afec-tam a regularidade " te r i ca " de um dado complexo fonemtico.

    Estes (e alguns outros) aspectos da estruturao interna e do funcionamento do sistema fonolgico so suscitados como fac to r espec f ico da mudana l i n g u s t i c a (em interaco com outros, d i tos "ex te r io res" ao sistema) no quadro de uma investigao diacrnica e s t r u t u r a l , cedo r e i v i n -dicada pela Escola de Praga, mas que tardou, de algum modo, a impor-se at explorao sistemtica proposta por A. Mart inet em diversos trabalhos (de que a sua Economie des changements phontiques. Tra i t de phonologie

  • .9 .

    diachronique , Par is , 1955 - representa uma compilao re-elaboradae apro-fundada). Nesta perspect iva, a "regularidade" do sistema - a sua coeso -- est ar t icu lada sua maior ou menor estabi1 idade, e , mais que isso , de modo especi f ico ba l iza o sentido ou a orientao da mudana l i n g u s t i c a .

    b.

    Ao nvel do plano s i g n i f i c a t i v o (ou do plano do contedo) da organizao de uma LN, tem tambm validade a oposio acima caracterizada entre um centro e uma p e r i f e r i a . Neste domnio, l iga-se a p e r i f e r i a tudo o que se apresenta como " i r r egu la r " ou "anmalo" num dado conjunto de unida-des reunidas num paradigma - mas tambm tudo o que se revele como quebra ou sub-aproveitamento da "produt iv idade" que o sistema, enquanto complexo de "possibi1 idades em aber to" , teoricamente comporta.

    Na estruturao do lx ico e na f lexo verbal so part icularmen-te notrios todos estes momentos de " incoerncia" da organizao interna de uma LN - " incoerncia" que consideravelmente alargada por fenmenos espe-c f i cos de homonmia, de po l i s semi a, de metaforizao, de pol imorf ismo, de metonimizao, de s incret ismo, de cumulao numa mesma forma de valores s i -gn i f i ca t i vos d iversos, de co-existncia de entidades diferenciadas mas i so -funcionais. Tocamos aqui a questo-chave da problemtica da re l a t i va " incoe-rncia" do sistema ao nvel do plano do contedo, que radica no que por ve_ zes se denomina "dualidade assimtrica do signo l i n g u s t i c o " , ou se ja , no facto de que a uma mesma forma ou a uma mesma propriedade formal no corres-ponde univocamente um determinado valor s i g n i f i c a t i v o .

    A avaliao da coeso paradigmtica fa r - se - , tambm aqu i , com referencia imediata a cada um dos "sistemas parc ia is " - o sistema gramati-c a l , o sistema l e x i c a l , o sistema semntico - e , dentro de cada um deles, tomar em considerao os ml t ip los "micro-sistemas" reconhecveis. Tambm aqui , o que est em causa o levantamento da extenso ou profundidade das relaes paradigmticas, na base das quais se recor tar , em cada nvel de estruturao, um centro e uma peri f e r i a , no sentido acima estabelecido. A semelhana que rene num paradigma diversas entidades l i ngu s t i cas ser sempre maior ou menor, em funo quer do nmero de propriedades ou traos comuns, quer da regularidade da sua repart io pelas diversas entidades quer,

  • .10.

    enfim, da natureza (formal e/ou func iona l , s i g n i f i c a t i v a ) dessas proprieda-des.

    Segundo as l inhas gerais traadas nas alneas a e b, a ava l ia -o da coeso paradigmtica - da coeso de uma LN - buscar fundamentalmen-te captar a regularidade interna de cada paradigma, e, a p a r t i r da , as co-nexes entre os diversos paradigmas, atendendo naturalmente a cada nvel de estruturao e s relaes entre e les. Um t a l programa c o n f l u i , a f i n a l , com object ivos centrais da descrio l i n g u s t i c a , aplicada a cada uma das l n -guas - o levantamento da est ru tura do sistema func iona l , do modo como uma dada entidade l i ngu s t i c a se re lac iona, mediata ou imediatamente, com as ou t rs . E um ta l programa que vemos sumariamente enunciado por Herculano de Carvalho num passo da sua Teoria da Linguagem qua aqui t ranscrevo, onde ex pl ic i tamente o Autor emprega a metalexia coeso no sentido que tenho vindo a caracter izar : "Conforme a natureza e o grau de semelhana existente entre os diversos membros de um paradigma, sero naturalmente mais ou menos nt i_ mos os laos que os unem entre si e portanto mais ou menos fo r te a coeso interna do paradigma. Deste modo ser mais coeso o paradigma const i tu do pe las vrias formas do ve rbo c a n t a r (canto, cantas, . . . cante, . . . canta-va, e t c . ) - unidas simultaneamente pela semelhana formal e de valor funcio nal - , do que o const i tu do pelas 1 . pessoas do s ingular do p re t r i t o per-f e i t o do ind ica t i vo de todos os verbos (can te i , c o r r i , p a r t i , e s t i v e , pude, f u i , e t c . , e t c . ) l igadas em grande parte apenas pela identidade func iona l . E mais coeso o paradigma formado pelas s ib i l an tes /s z s z/ do que o para-digma maior que compreende todos os fonemas ass i lb icos , com diferenas fo mais to acentuadas como as que h, por exemplo, entre / z / e / p / ou, mais ainda, entre / p / e T/ .

    Por outro lado, dado que as mesma relaes que se do entre uma certa entidade e os diversos paradigmas a que pertence resultam a f ina l em relaes entre os mesmos paradigmas (o de /s z s z/ com o de / f v / ) , que assim entram a c o n s t i t u i r paradigmas mais extensos (o de /s z s z f v / ) , do mesmo grau de int imidade dessas relaes sucessivas (de entidade para entj^ dade, de paradigma para paradigma) est imediatamente dependente o grau de coeso interna do sistema t o t a l " (Carvalho, J . G. Herculano, 1973, 408-409).

  • . 1 1 .

    Tomando, como acima se anunciou, o eixo das sucessividades c m o domTnio prprio da coeso, ocupar-me- neste trabalho a es t ru tu ra-o sintaqmtica dos signos l i n g u i s t i c o s . Anal isar a coeso em portugus cons i s t i r a , assim, em levantar e caracter izar um complexo de laos, de vnculos (exp l c i tos e imp l c i tos) que congregam os signos projectados em unidades sintagmticas de di ferentes extenso. Descrever e exp l icar esse conjunto de nexos - que ao mesmo tempo so parte integrante do manifesta-do nos signos em combinao sintagmtica e neles se revelam como agentes da sua estruturao - comporta, naturalmente, a captao dos p r inc p iose dos mecanismos que presidem sua projeco, ou que nela esto envolvidos.

    A caracterizao da noo de coeso agora brevemente apresen-tada preencher toda a Primeira Parte deste t rabalho. Nas seces seguin-tes, a par de observaes e de consideraes que, eventualmente, complemen tam informaes j disponveis e que, sobretudo, assinalam mais de perto o quadro ter ico e metodolgico por que se optou, proceder-se- anlise dos aspectos que se me afiguram mais relevantes na coeso do Sintagma Nominal, do Sintagma Verbal, do Enunciado (simples) e do Texto. Finalmente, em Con-l_us_ao procurar-se- retomar de modo condensado os pontos centrais da re-flexo e da anlise propostas, e assinalar algumas tarefas para invest iga-o futura na mesma rea.

  • .12.

    NOTAS

    (1) Ao nvel do plano sintagmtico, tambm pertinente uma oposio centro/

    /periferia - qual, de um modo genrico, ser referida a coeso das uni

    dades lingusticas (do Sintagma ao Texto). Para uma apresentao desta

    oposio ao nvel da estruturao sintagmtica ver Primeira Parte 5-

  • .13.

    PRIMEIRA PARTE

    A NOO DE COESO

  • . 1 4

    A NOO DE COESO

    PLANO

    2- Coeso

    2< Coerncia

    3- Coerncia vs coeso; coerncia j | coeso

    L\. Coeso e nvel de estruturao l i ngu s t i ca

    5- Nota sobre a "coeso" da lex ia

    6- Centro e Per i f e r i a na estruturao dos signos extensos

    Notas

  • .15.

    A NOO DE COESO

    Na ref lexo l i n g u s t i c a sobre as unidades "above the sentence" (na terminologia aqui adoptada, "alm-Enunciado") ou, mais est r i tamente, so bre o tex to , duas metalexias - coeso e coerncia - concorrem como designa-o de uma fundamentalmente idnt ica dimenso central de t a i s produtos ver-ba is , que se poder enunciar sumariamente como a continuidade de senti do que os percorre, os un i f i ca como mensagem global realizada numa sequncia de Enunciados (ENs).

    Tais metalexias so, na verdade, amplamente u t i l i zadas como ge nericamente equivalentes ' ' ; no ra ro , porm, elas remetem para aspectos, sem dvida i n te r l i gados , mas d i s t i n t o s , da configurao do tex to .

    Em ordem a estabelecer inequivocamente o sentido em que tomo aqui coeso, passarei em r e v i s t a , embora de modo breve, o que ju lgo ser basicamente intendido no uso de ta is metalexias. As consideraes que de-senvolverei conduziro a uma redef inio das noes veiculadas em ta is de-signaes, (e , consequentemente, das suas i n t e r l i g a e s ) ,e ao mesmo tempo permit i ro mostrar que as realidades para que remetem no constituem dimen soes estr i tamente do tex to , antes se revelam em todos os signos extensos

    ( i s t o , que resultam da combinao de elementos l i v r e s ) , a saber, o Sinta-(3T gma, o Nucleus, o Enunciado e o Texto ).

    1 . COESO

    1.1. Num trabalho recente, M.A.K. Hal l iday e R. Hasan (Hal l iday-

    -Hasan, 1976) ^4^ renem sob a designao de " tex tu re" ( textura) um comple xo de propriedades que tomam como caracterizadoras do Texto: "The concept of TEXTURE is en t i r e l y appropriate to express the property of 'being a t e x t ' . A tex t has tex tu re , and th i s is what dist inguisnes i t from some-th ing that is not a tex t . I t derives t h i s texture from tha fac t that i t

  • .16.

    functions as a uni ty wi th respect to i t s environment" (p .2 ) .

    Consubstancia-se, assim, a textura nos traos que fazem de um produto verbal um todo semntico uni f icado, como ta l funcionando globalmen^ te numa situao de comunicao, em que se inscreve por forma adequada. Por isso, o texto surge na viso de Halliday-Hasan (que subscrevo por i n te i r o ) basicamente como "a continuum of meaning-in-context" (p .25) , "a un i t of language in use" (p . l ) - independentemente da sua extenso: " I t [a t e x t ] may be anything from a single proverb to a whole p lay, from a momentary cry fo r help to an a l l -day discussion on a committe" ( p . l ) . E sabido que qual-quer unidade l i ngu s t i ca - mesmo o morfema, em contextos par t icu lares - po-de funcionar como tex to .

    Abandonando os casos em que esta unidade l i ngu s t i ca se real iza num s Enunciado (EN) ou mesmo em entidades de nvel i n f e r i o r , Hal l iday--Hasan procuram levantar os recursos que o ingls (como, naturalmente, cada uma das lnguas) dispe para a criao de tex tu ra , recursos que transpare-cem especificamente no texto e o distinguem "from a disconnected sequence of sentences" ( p . l ) ( 5 ) .

    1 . 2 . Reconhecem os Autores uma "textura externa" (a)e uma"textura

    in terna" (b ) .

    a. Cabe na " textura externa" tudo o que respeita a "the external

    factors a f f ec t i ng the l i n g u i s t i c choices that the speaker or w r i t e r makes", o que tem a ver com "the nature of the audience, the medium, the purpose

    of the communication and so on" (p.21).

    Considerado sob este ngulo, o texto revelar uma consistncia prpr ia , concretizada, por um lado, basicamente numa continuidade temtica e, por ou t ro , numa certa uniformidade ou homogeneidade no que tange a aspe tos variados, nomeadamente ao nvel de lngua e ao "gnero" (ou " rhe tor ica l form", p.22). Halliday-Hasan fazem uma muito breve referncia a estas dimeji soes, introduzidas em termos de " f i e l d " , "mode" e "tenor" que " co l l ec t i ve l y

  • .17.

    define the context of s i t ua t i on of a t ex t " (p .22)^ 6 ^ . Numa formulao s in t t i ca, Hal l i day-Hasan iden t i f i cam os aspectos exter iores da textura com o que designam "consistency of reg i s te r " (que assegura a "con t inu i ty of meaning in re la t ion to the s i t u a t i o n " - p.23), entendendo por " reg is te r " "the set of semantic conf igurat ions that is t y p i c a l l y associated wi th a pa r t i cu la r CLASS of contexts of s i t u a t i o n , and defines the substance of the t e x t : WHAT IT MEANS, in the broadest sense, inc luding a l l the components of i t s meaning, s o c i a l , expressive, communicative and so on as well as representat ional " (p.26)

  • .18.

    , nao reunidos em construo gramatical, nao congregados pelo que Halliday-

    -Hasan chamam estrutura ("structure"). (Ver, porm, adiante 1.6).

    luma representao esquemtica, teremos, pois:

    Textura

    externa - consistncia de " reg is te r "

    - "estrutura do discurso"

    interna "theme systems" - " information systems"

    - coeso

    Halliday-Hasan no deixam de subl inhar a fo r te interconexo en-t re a " textura externa" e a " tex tura i n te rna " , que s metodologicamente so separveis: "the in te rna l and the external aspects of ' t ex tu re ' are not wholly separable, and the reader, or l i s t e n e r , does not separate themwhen responding unconsciously to a passage of speech or w r i t i n g . But when the l i n g u i s t seeks to make e x p l i c i t the basis on which these judgments are formed, he is bound to make observations of two rather d i f f e ren t kinds. The one concerns re la t ions w i th in language, patterns of meaning real ized by grammar and vocabulary; the other concerns the re la t ions BETWEEN the language and the relevant features of the speaker's and hearer 's (or w r i t e r ' s and reader's) ma te r i a l , socia l and ideological environment" (p.20) .

    Halliday-Hasan debruam-se sobre a " textura i n t e rna " , e em par-t i c u l a r sobre a sua componente coeso, deixando de lado, depois de uma ca-

    racterizao sumria, os aspectos que tangem " textura externa" : "The s i tua t iona l propert ies of t e x t s , which are now beginning to be studied in greater de ta i l and wi th greater understanding, const i tu te a vast f i e l d of enquiry which l i es outside our scope here" (p.21) .

    As dimenses que os Autores renem na textura preenchem a " textual or text - forming component" de um sistema l i n g u s t i c o , componente intimamente l igada s duas outras que neste reconhecem - a componente idea-t iona l e a interpessoal (Ver p.26-30). Aquela primeira "comprises the

  • .19.

    resources that language has for creating text, in the sense in which we have

    been using the term all along: for being operationnaly relevant and cohering

    within itself and with the context of situation" (p. 27).

    1 . 3 . De entre os " text - forming resources" de uma lngua avultam, na

    perspectiva de Hall iday-Hasan, os que realizam a coeso. Os Autores atribuem-- lhe uma singular re levncia, a ponto de em muitas formulaes'tomarem a parte pelo todo' , ou se ja , a ponto de cometerem em exclusividade coeso o papel di ferenciador entre texto e "no- texto" : "Cohesion is the set of meaning re lat ions . . . that dist inguishes tex t from 'non- tex t ' . . . " (p .26) . (Formulaes anlogas abundam ao longo do t raba lho) .

    Interessa-me captar mais de perto as dimenses que Hal l iday--Hasan englobam na sua noo de coeso, e desse modo marcar a sua especi-f ic idade no seio de todos os aspectos que perfazem a tex tura .

    1 . 3 . 1 . Numa formulao genrica, Halliday-Hasan renem sob a designa-

    o de coeso todos os nexos semnticos que se estabelecem entre os ENs por que se real iza o tex to . Tm, porem, conscincia do carcter extremamente va_ go de uma ta l assero: "To say that two sentences cohere by v i r tue of re lat ions in t h e i r meaning is not by i t s e l f \iery prec ise. P rac t i ca l l y any two sentences might be shown to have something to do wi th each other as f a r as t he i r meaning is concerned" (p.11) . Muitos desses modos de i n t e r - r e l a -cionao so deveras f lu idos - pensam Halliday-Hasan - e no ser ia f c i l dar deles uma caracterizao object iva s a t i s f a t r i a . Escapariam, assim, a uma sistematizao c la ra , e o seu papel na estruturao do texto ser ia d i -f c i l de ava l ia r em termos precisos. Ao lado destes laos h, porm, - con^ tinuam os Autores - "one spec i f i c kind of meaning re la t i on that is c r i t i c a l fo r the creation of tex tu re : that in which ONE ELEMENT IS INTERPRETED BY REFERENCE TO ANOTHER. What cohesion has to do wi th is the way in which the meaning of the elements is in te rp re ted . Where the i n te rp re ta t i on of any item in the discourse requires making reference to some other item in the discourse,

    file:///iery
  • .20.

    there is cohesion" (p. 11; o sublinhado " meu).

    As relaes assim expl ic i tamente marcadas entre os ENs por que se rea l iza o texto so susceptveis de uma c lara sistematizao: elas cabem num nmero r e s t r i t o de categorias - re fe renc ia , subs t i t u i o , e l i p se , conjun-o e coeso l e x i c a l . Cada uma desta categorias " i s represented in the tex t by pa r t i cu la r features - r epe t i t i ons , omissions, occurrence of cer ta in words and constructions - which have in common the property of s i gna l l i ng that the i n te rp re ta t i on of the passage in question depends on something e lse. I f that 'something e lse ' is verbal ly e x p l i c i t , then there is cohesion"(p.13).

    Daquelas cinco categorias de nexos coesivos, as quatro primeiras perfazem o que Halliday-Hasan designam coeso gramatical (que analisam demo-radamente nos captulos 2, 3, 4 e 5, respectivamente); a l t ima daquelas ca-tegorias (coeso lex i cal) caracter izada, muito mais brevemente, no cap tu-lo 6, onde os Autores distinguem coeso l ex i ca l por rei terao de um item ("A re i te ra ted item may be a r e p e t i t i o n , a synonym or near-synonym, a super-ord inate, or a general word; and in most cases i t is accompanied by a re fe -rence i tem, t y p i c a l l y the" (p.278)) e por " co l l oca t i on " (nexos coesivos es-tabelecidos na base de "the associat ion of l ex i ca l items that regulary co--occurr" - p.284).

    1.3.2. Fica patente que a dimenso bsica contida na noo de coeso

    desenvolvida por Halliday-Hasan e a da dependncia semntica expl ic i tamen-te assinalada entre os ENs por que se rea l i za o texto - dependncia semn-t i c a no sentido e s t r i t o j acima assinalado e que interessa subl inhar de novo: "Cohesion occurrs where the INTERPRETATION of some element in the discourse is dependent on that of another. The one PRESUPPOSES the other , in the sense that i t cannot be e f f e c t i v e l y decoded except by recourse to i t . When th is happens, a re la t i on of cohesion is set up, and the two e le -ments, the presupposing and the presupposed, are thereby at least po ten t i -a l l y in tegrated in to a t ex t " ( p .4 ) .

    Importa, porm, sa l i en ta r que este p r inc p io insistentemente S] blinhado como cruc ia l por Hal l iday-Hasan, ' ' por um lado, se apl ica de mo-do diferenciado (a) e , por outro lado, no pert inente em algumas das ma-nifestaes da coeso configuradas pelos Autores (b ) .

  • . 2 1 .

    a. Os laos coesivos realizados por re ferenc ia , por subst i tu io

    e por e l ipse (que cons t i tu i uma "subst i tu io por zero") esgotam-se, sem dvida, numa conexo de dependncia semntica no sentido enunciado; os ele_ mentos "pressuponentes" so d iafr icos (anafricos ou catafor icos nos dois primeiros casos, anafricos no te rce i ro ) e colhem a sua interpretao em outro(s) elemento(s) verbal izados, no co- texto.

    Aos laos coesivos estabelecidos por conjuno apl ica-se tambm o p r inc p io da dependncia semntica, mas em termos inequivocamente d iver -sos. Repare-se: "They [ "con junt ive elements"] are not p r imar i l y devices fo r reaching out in to the preceding (or fo l lowing) t e x t , but they express cer ta in meanings which presuppose the presence of other components in the discourse" (p.226). Atente-se: aqui o elemento "pressuponente" no surge (ao cont rar io do que vimos ocorrer nos casos acima re fer idos) como termo a i n t e rp re ta r , antes como termo que estabelece, pelo seu prpr io s i g n i f i -cado, uma relao a cumprir entre os ENs que a r t i c u l a . Pois que as "conjun t i ve re la t ions are not ' p h o r i c ' " (p.321), em r igor nelas no se consuma uma dependncia semntica nos termos es t r i t os em que Halliday-Hasan a conf igu-ram. S, po is , em sentido algo di latado poderemos ver desenhada atravs das "conjuntive re la t i ons " uma conexo de dependncia semntica. Isso no esca-pa aos Autores, que, confrontando a coeso real izada por conjuno com a que se consuma por . re fe rnc ia , subst i tu io e e l i p s e , concluem: "With conjun-ct ion . . . we move in to a d i f f e r e n t type of semantic r e l a t i o n , on which is no longer any kind of search i n s t r u c t i o n , but a spec i f i ca t i on of the way in which what is to fol low i s systemat ical ly connected to what has gone before" (p.227). Esta caracterizao no conduz, porm, Halliday-Hasan a renunciar ao p r inc p io exp l i ca t i vo da dependncia semntica, que mantm como vl ido nos seguintes termos: por conjuno "some re la t ion is establ ished between the meanings of two continuous passages of t e x t , such that the i n te rp re ta -t ion of the second is dependent on the re la t i on in which i t stands to the f i r s t " (p.308; o sublinhado e meu).

    Finalmente, algumas (mas s algumas) das conexes que Hal l iday--Hasan inscrevem na coeso lex ica l part ic ipam (mas nela no se esgotam como nos casos da coeso por re fernc ia , subst i tu io e e l ipse) da relao de de-pendncia semntica: o que acontece na rei terao de elemento nominal pre-

  • .22.

    cedido de d i a f r i c o , em que se congrega, por tan to , coeso por referncia com coeso l e x i c a l . Todos os outros nexos que cabem na coeso lex i ca l se furtam, como veremos em b . , ao p r inc p io e x p l i c a t i v o da dependncia se-mntica ta l como o apresentam Hall iday-Hasan.

    b.

    A dependncia semntica estabelecida pela via de uma "pressu-posio resolv ida" no co-texto no tem cabimento como p r i nc p io e x p l i c a t i -vo dos nexos semnticos que Halliday-Hasan congregam na coeso lex i ca l es-t r i t a ou "coeso lex ica l pura" , i s t o e , a que se manifesta como "a funct ion simply of the co-occurence of lex ica l i tems" de algum modo in ter l igados no sistema, e independentemente de qualquer t i p o de " r e l a t i o n of reference" (p.283). Na verdade, em qualquer das manifestaes da "coeso puramente le_ x i c a l " (quer por re i te rao, nas suas d i fe ren tes modalidades, j acima es-peci f icadas, quer por "co l loca t ion" ) no h lugar "resoluo de uma pres-suposio", no sentido que j conhecemos.

    Halliday-Hasan disso se apercebem, sem dvida (ver pa r t i cu la r -mente p.288-290). Teimam, no entanto, em considerar v l ido tambm neste do-mnio aquele p r i nc p i o . Fazem-no, porem, de modo excessivamente a r t i f i c i a l , atravs de uma generalizao demasiado ampla, que mais do que leg i t imar a validade daquele p r i nc p io torna v i s ve l a sua no per t innc ia . 0 caminho seguido pelos Autores para a manuteno, no domnio da "coeso puramente le x i c a l " , do p r inc p io de que h lugar a lao coesivo entre ENs quando entre eles se estabelea a "resoluo de uma pressuposio" o de assinalar que a interpretao de um qualquer item lex i ca l e , num t e x t o , sempre dependente do contexto verba l , do co- tex to , em que t a l i tem se inscreve: "The envi ron-ment determines the ' i n s t a n t i a l meaning1 or t e x t meaning, of the i tem, a meaning which is unique to each spec i f i c instance. In reading or l i s t en i n g to t e x t , we process cont inuously, and therefore by the time any given l e x i -cal item is taken i n , i t s context has already been prepared" (p.289); esse co-texto (e nele em p a r t i c u l a r o co-texto l e x i c a l ) " f requent ly provides a great deal of hidden informat ion that is re levant to the i n t e rp re ta t i on of the item concerned" ( ibidem; o sublinhado meu).

  • .23.

    notr io que no se t ra ta aqui da conexo "pressuponente-pres-suposto", antes da assumpo por parte de cada elemento de um texto de um valor de comunicao especf ico (de um " i ns tan t i a l meaning") que decorre da interdependncia que a todos rene no seio de um universo de discurso justamente configurado em todo o texto - o que se apl ica a todos os items l e x i c a i s , independentemente de, em competncia (no sistema), estarem ou no i nte r-re1aci onados.

    Decididamente (e t a l como as "relaes conjunt ivas" - ver acima), as conexes que cabem no mbito da "coeso lex ica l pura" no so " f o r i cas " ( d i a f r i c a s ) , e a elas se no pode ap l i ca r o p r inc p io bsico da dependncia semntica proposto por Halliday-Hasan. Quanto a mim, mais va le r ia renunciar generalizao excessiva (e improcedente) que os Autores propem, e assumir inequivocamente um outro t i po de explicao para a coeso lex ica l pura, a sa-b e r > da equivalncia semntica entre items lex ica is consubstanciada na recor-rncia semi ca (mais ou menos ampla) e em laos semnticos (no estr i tamente in tens iona is , mas tambm extensionais) estabelecidos na base da associao, oposio, part ic ipao . . . e outros modos de in te r l i gao de d i f c i l c l a s s i f i cao " i n systematic semantic terms" (p.285). A estes ml t ip los laos entre items lex ica is projectados em discurso (laos que no envolvem identidade de referncia) vem-se dando tambm a denominao genrica de "cross-reference" , a separar dos que envolvem estr i tamente identidade de designado e a que con-vm a expresso co-referncia.

    Observe-se que so justamente estes laos que no envolvem iden-t idade de designado ou de referncia que so convocados na coeso lex i ca l pu-ra de Hall iday-Hasan, tornando-se, po is , desnecessrio invocar a todo o cus-to a conexo de dependncia semntica - que, de resto (como ju lgo te r f icado demonstrado) no tem aqui apl icao.

    A esta luz , mantm-se perfeitamente vlidas todas as outras con-sideraes tecidas por Halliday-Hasan a propsito da coeso lex i ca l pura, no-meadamente

    ( i ) no que concerne rei terao - que ela no " i n any way dependent on the re la t ion of reference" (p.283);

  • .24.

    (ii) no que respeita a colocao ("collocation") - que "the relative

    strenght of the collocational tension is really a function of two

    kinds of relatedness, one kind being relatedness in the linguis-

    tic system and the other being relatedness in the text" (p. 289-

    -290).

    Sendo assim, na avaliao da coeso lexical h que ter em conta

    dois factores bsicos: por um lado, o grau de interconexo dos items lexi-

    cais no sistema (em termos de sinonmia, hiperonTmia - hiponTmia, coloca-

    o ..., . . . ) ; por outro lado, o grau de proximidade, entre os items assim

    relacionados, no texto "in the simple sense of the distance separating one

    item from another, the number of words or clauses or sentences in between"

    (p.290). Na verdade, "The cohesive force that is exerted between any pair

    of lexical items in a passage of discourse is a function of their relative

    proximity in these two respects" (ibidem) C).

    Convir ainda assinalar um outro ponto quanto coeso lexical,

    adequadamente referido por Halliday-Hasan. Ao contrrio do que se passa na

    coeso gramatical, em que os elementos que a instauram "all explicitly pre-

    suppose some element other themselves" (p.288), na coeso lexical "it is

    not a case of there being particular lexical items which always have a cohe-

    sive function. EVERY lexical item MAY enter into a cohesive relation, but

    by itself it carries no indication whether it is functioning cohesively or

    not. That can be established only by reference to the text" (ibidem; o su-

    blinhado meu).

    1 .4 . As consideraes desenvolvidas nos nmeros precedentes pe rm i t i -

    ram j , a par de algumas anotaes c r t i c a s , deixar caracterizada de modo suficientemente c laro a noo de coeso proposta por Hall iday-Hasan, e as-s ina la r a sua especif ic idade entre os " text - forming resources" de um s i s t e -ma l i n g u s t i c o .

    Congregando os aspectos assinalados com os contidos em outras fo_r mulaes equivalentes ou prximas d is t r ibudas ao longo do trabalho de H a l l i -day-Hasan, convir re ter como fundamentais os seguintes pontos:

  • .25.

    ( i ) a coeso concerne aos traos que caracterizam o texto como objec-to "l inguTstico, no no que tange ao que ele s i g n i f i c a ("Cohesion does not con_ cern what a tex t means" - p.26 - dimenses que os Autores congregam na noo de " r eg i s t e r " ; ver, porm, o contido acima na nota 7) - antes no que diz res-peito ao modo como ele est construdo como e d i f c i o semntico (a coeso "concerns how the tex t i s constructed as a semantic e d i f i c e " - ib idem). Por i sso , a coeso ~ uma dimenso comum a todos os t e x t o s , neles se manifestan-do embora de modos di ferenciados: "The meaning re la t i ons which cons t i tu te cohesion are a property of tex t as such, and hence they are general to texts of a l l types, however much they may d i f f e r in the p a r t i c u l a r form they take in one text or another" (p .26) ;

    ( i i ) a coeso c o n s t i t u i , na formao do tex to como e d i f c i o semnti-co, complemento indispensvel dos seus "substant ive meanings", pois serve a art iculao e x p l c i t a de uns com os outros (p .26 ) ; aos recursos para a coe-so de que dispe um dado sistema l i n g u s t i co compete "a kind of c a t a l y t i c funct ion in the sense t ha t , without cohesion, the remainder of the semantic system cannot be e f f e c t i v e l y act ivated at a l l " (p .28) ;

    ( i i i ) a coeso e real izada por recursos idiomticos ( i s t o e , e s p e c f i -cos de um dado sistema l i n g u s t i c o ) , manifestados expl ic i tamente na imanincia do tex to , na sua sintagmtica in te rna , onde desenham " re la t ions w i th in the language" p.20); ta i s recursos apresentam (ou assumem), po is , um carcter emi-nentemente relacionador, garantindo a consistncia in terna do e d i f c i o semn-t i co que o t e x t o , assegurando uma continuidade semntica entre os ENs por que este se concret iza: "When we consider cohesion . . . we are inves t iga t ing the l i n g u i s t i c means whereby a tex t is enable to. funct ion as a s ingle meaning-fu l un i t " (p.28-30; o sublinhado meu). A forma mais expressiva que Hal l i -day-Hasan encontram para subl inhar este aspecto, efectivamente bsico na ca-racterizao da coeso, pode encontrar-se na pg. 303: a coeso "provides, fo r the t e x t , which is a semantic u n i t , the sor t o f con t inu i t y which is achie ved in units at the grammatical level - the sentence, the clause and so on - by grammatical s t r uc tu re " ;

  • .26.

    ( i v ) a coeso consubstancia-se em nexos de dependncia semntica ( a c i -ma especif icados) e de equivalncia semntica (na interpretao que acima dei das conexes que perfazem a coeso lex ica l pura).

    1 . 5 . Antes de prosseguir com a referncia a alguns outros aspectos do

    trabalho de Halliday-Hasan que interessam ainda caracterizao da noo de c o e s o , convir determo-nos um pouco numa avaliao c r t i c a de algumas das di menses atrs assinaladas.

    a. Importa, em pr imeiro lugar, e x p l i c i t a r que considero "excessiva"

    a demarcao que estabelecem os Autores entre "o que o texto s i g n i f i c a " e as conexes semnticas que perfazem a sua noo de coeso. que, quanto a mim, os nexos coesivos so parte integrante do que o texto s i g n i f i c a , onde.deres^ t o , alguns deles assumem um relevo pa r t i cu la r . certo que se t ra ta de umsi -gnif icado eminentemente re lac ional ou relacionador, mas sempre fortemente fun dido com os "substantive meanings" do tex to . Tenham-se em conta, a este res-p e i t o , part icularmente as conexes estabelecidas por conjuno e as que pre-enchem a coeso l e x i c a l .

    Observe-se, ainda a este propsi to , que me surge igualmente de-veras "excessiva" a demarcao entre "o que o texto s i g n i f i c a " e "o modo co-mo ele est construdo como e d i f c i o semntico": este lt imo c o n s t i t u i , por s i mesmo, tambm, e in i lud ive lmente , uma dimenso do sentido do tex to .

    b.

    Em segundo lugar , ", quanto a mim, insustentvel a t r i b u i r coe-so ( t a l como a concebem Hall iday-Hasan, na base da considerao e s t r i t a da sintagmtica imanente do texto - ver acima) o papel f u l c r a l de garantia da unidade semntica do tex to , da sua continuidade de sent ido. (Relembremos: "When we consider cohesion . . . we are inves t iga t ing the l i n g u i s t i c means whereby a tex t is enable to funct ion as a s ingle meaningful u n i t " p.28-30).

  • .27.

    E, efectivamente, i r r e fu tve l que para Halliday-Hasan a coeso se consubstancia em nexos manifestados em supe r f c i e , ou se ja , manifestados concretamente em instrumentos l i ngu s t i cos projectados expl ici tamente em dis_ curso. Por i sso , uma constante, ao longo do t raba lho, a exigncia do "ex-p l ic i tamente verbal izado": "Cohesion is a semantic re la t i on between an e le -ment in the tex t and some other element that is cruc ia l to the i n te rp re ta -t i on of i t . This other element is also to be found in the t ex t " ( p .8 ) ; na coeso cabem os elementos que tem em comum "the property of s igna l ing that the i n t e r p r e t a t i o n " de um dado segmento do texto "depends on 'something e l s e ' . I f that 'something e lse ' is verbal ly e x p l i c i t , then there is cohesion" (p.13; o sublinhado meu). Poderia mu l t i p l i ca r as c i taes; t a l no ser, porm, ne-cessr io , pois bastar atentar em que sempre Halliday-Hasan operam com elemen-tos l i ngu s t i cos expl ic i tamente presentes no texto (repare-se que, na e l i p s e , o e x p l c i t o est real izado por zero - e l ipse como "subs t i tu t ion by zero" ) .

    Ora, da experincia de cada um de ns que a continuidade semn-t i c a de um texto rad ica, em muitos momentos, em informaes disponveis a par-t i r do contexto no verba l , das coordenadas da enunciao - logo, em informa-es i m p l c i t a s , agregadas ao tex to , mas no verbalizadas. Sendo assim, i l e gt imo pretender que a continuidade de sentido t p i ca do texto seja um dado estr i tamente dos instrumentos verbais expl ic i tamente realizados e que ela se-j a , em p a r t i c u l a r , assegurada pelos recursos que Halliday-Hasan integram na sua noo de coeso.

    Esclarea-se que estes aspectos atinentes s informaes i m p l c i -tas_ que se agregam necessariamente a um texto (e nele operam fortemente, tan -to ao nvel da sua produo como da sua recepo-interpretao) no so con-templados por aqui lo que Halliday-Hasan consideram "the s i t ua t i ona l propert ies of the t e x t " (p.21 - ver referncia j f e i t a acima). Estas respeitam e x c l u s i -vamente s dimenses que os Autores renem na noo de " r e g i s t e r " , e nela ca-be, como se v i u , apenas o que tange continuidade temtica e a aspectos da homogeneidade do tex to , ta is como nvel de lngua u t i l i zad o e " rhe to r i ca l form". (Ver, acima, 1 .2 . ) . Na verdade, no trabalho de Halliday-Hasan nunca equacionado o cont r ibuto das coordenadas da enunciao para o desenho da con-t inuidade de sentido do t ex to , e em pa r t i cu l a r o que toca s informaes de i -xadas imp l c i tas pelo locutor - aspecto que, como te re i a oportunidade de sub l inhar , fundamental neste domnio.

  • .28.

    Por i sso , so (pelo menos) surpreendentes algumas das considera-es tecidas por Halliday-Hasan a pginas 299-303, nomeadamente as que em seguida surgem sublinhadas: "The con t inu i t y that is provided by cohesion con-s i s t s , in the most general terms, in expressing at each stage in the d iscour-se the points of contact with what has gone before. The s ign i f icance of t h i s l i es in the simple fac t that there are such points of contact: that some en-t i t y or some circunstance, some relevant feature or some thread of argument persists from one moment to another in the semantic process, as the meanings unfo ld. But i t has another more fundamental s ign i f i cance , which l i es in the in te rp re ta t i on of the discourse. I t is the con t inu i t y provided by cohesion that enables the reader or l i s t ene r to supply a l l the missing pieces, a l l the components of the p ic ture which are not present in the tex t but are necessary to i t s i n t e r p r e t a t i o n " (p.299; o sublinhado meu).

    Na minha opin io, no se v como possvel cometer t a l alcance coeso nos termos em que Halliday-Hasan a caracterizam, ou se ja , atendendo, como se v i u , exclusivamente a imanncia do texto e neste apenas as conexes exp l c i tas realizadas por instrumentos ou recursos s in tct icos ( t a i s como os que so considerados nas categorias da re ferenc ia , da subs t i tu i o , da e l i p s e , da conjuno) e s que so instauradas no domnio da coeso lex i ca l pura.

    Da mesma forma, no v i s v e l , atentas as consideraes j t e c i -das nos nmeros an ter io res , como podem os Autores a t r i b u i r (sua) coeso es-te outro papel, a saber, o de "ac tua l ly enabl ing" o receptor de um texto " to i n te rp re t i t and determining how he does so" (p.303; o sublinhado meu).

    Julgo que ao cometerem este papel c ruc ia l coeso, Halliday-Hasan tomam de novo ' apa r te pelo todo ' : ao referirem-se coeso, es t r i tamente , tm em mente todas as dimenses da textura e no apenas o sub-conjunto delas que denominam coeso.

    Convir adiantar aqui que a noo de coeso que adoptarei neste estudo abarcar inequivocamente aspectos que legi t imaro estes papeis que Halliday-Hasan lhe atribuem - mas sem fundamento s u f i c i e n t e , como tente i mos-t r a r . Por i sso , se re tere i na noo de coeso os aspectos que nela integram Halliday-Hasan (e que acima ficaram referenciados), nela fa re i i n c l u i r muitos

  • .29.

    outros no contemplados por estes Autores, de forma a que se cumpra e f e c t i -vamente e por i n t e i r o a dimenso essencial que adequadamente eles reconhe-cem na coeso - a que tange aos nexos semnticos que basicamente respondem pela unidade semntica, pela continuidade de sentido de um produto verbal .

    c.

    Halliday-Hasan partem, como se assinalou em 1 . 1 . , de uma adequa-da caracterizao do texto e das relaes EN-texto. No entanto, esta perspec-t i va eminentemente textual (que respeita a caracterizao de uma sequencia de ENs a p a r t i r da, na base da considerao de uma unidade semntica global ade-quadamente agregada a uma situao de comunicao) , em r i g o r , abandonada na anlise da coeso: como se v i u , os Autores apenas atendem ao que, na sintagm-t ica imanente do t e x t o , surge exp l c i t a e imediatamente como instrumento de ligao entre ENs. Sendo assim, a perspectiva tomada na caracterizao da coe-so e mais propriamente co - tex tua i , j que o que esta em causa no e seno um sub-conjunto de aspectos da configurao e x p l c i t a de cada EN de uma sequencia, decorrentes justamente da sua co-textual izao ( ta is como a projeco de r e l a -tores, de e l i p s e , de instrumentos d ia f r i cos . Ver ainda adiante 1 -8 . ) . 0 que se afirmou parece valer mesmo para o enfoque que e dado s dimenses da coeso lex ical pura: na sua considerao - f e i t a , de res to , de modo muito breve - nun-ca e explici tamente adoptada uma perspectiva que parta do texto como unidade semntica g loba l .

    d. Finalmente, atentas as dimenses focadas por Hall iday-Hasan, l o -

    go se torna sa l iente a ausncia de qualquer referncia s categorias verbais de tempo e aspecto, e a todos os outros elementos de local izao temporal. 0 funcionamento do sistema verbal no t e x t o , em ar t icu lao com outros l o c a l i z e dores temporais, cons t i tu i uma dimenso central na configurao daquela un i -dade l i n g u i s t i c a - dimenso sistematicamente ignorada pelos Autores.

  • .30.

    1-6.

    Como f i cou v i s t o , Halliday-Hasan reservam a noo de coeso em sentido especf ico para um dado complexo de relaes semnticas inter-ENs, que atras f icaram caracterizadas. Trata-se, po i s , como tambm j i se assina-l ou , de relaes entre unidades l i ngu s t i cas sintacticamente independentes, ou se ja , no congregadas por nexos que respeitam configurao de uma cons-truo gramatical (em termos de Hall iday-Hasan, relaes entre unidadeslT i -guTsticas no reunidas por conexo de " e s t r u t u r a " ) .

    Torna-se, porm, evidente que os nexos semnticos analisados -- realizados por re fernc ia , subs t i t u i o , e l i p s e , conjuno e pelas corres-pondncias assinaladas entre elementos lex ica is que os Autores congregam sob a designao de coeso lex ica l - podem pro jectar -se tambm no i n t e r i o r de um mesmo EN, que c o n s t i t u i , como se sabe, uma construo gramatical (a constru-o gramatical de nvel mais elevado). No que respeita a coeso lex i ca l a l -guns dos laos que nela vimos caber (mais rigorosamente, algumas conexes por " co l l oca t i on " ) podem mesmo pro jectar -se entre items que se congregam em un i -dades sintagmticas const i tu in tes do EN (SN, SV).

    Por i sso , podem Halliday-Hasan af i rmar com toda a propriedade que "cohesion is not , s t r i c t l y speaking, a re la t i on 'above the sentence ' " , antes "a re l a t i on to which the sentence, or any other form of grammatical s t r u c t u r e , is simply i r r e l evan t " (p .9 ) . Ou se ja , os elementos verbais entre os quais se estabelece um nexo coesivo "may be s t r u c t u r a l l y re la ted to each other , or they may no t ; i t makes no di f ference to the meaning of the cohesive r e l a t i o n " (p .8 ) . Em suma, "the cohesive re la t ions themselves are the same whether t h e i r e l e -ments are w i th in the same sentence or not" (p .9 ) .

    Por outro lado, e tambm acertadamente, Halliday-Hasan salientam que os nexos "es t ru tu ra i s " instaurados entre os elementos que perfazem uma "unidade gramat ical" cabem legitimamente no mbito da coeso: "Structure i s , of course, a un i fy ing r e l a t i o n . The parts of a sentence or a clause obvious^ ly 'cohere' wi th each other , by v i r tue of the s t ruc tu re " (p .6 ) . Por i sso , "A l l grammatical uni ts - sentences, clauses, groups, words - are in te rna ly 'cohesive' simply because they are s t ruc tu red" (p.7) ( 1 ] ) .

    0 EN e, dentro de le , cada um dos sintagmas const i tu in tes apresen-tam, po is , naturalmente, enquanto construo gramat ica l , uma coeso es t r u t u -

  • . 3 1 .

    r a 1 " a q u e eventualmente se juntam relaes coesivas atinentes aos items lex ica is ou realizadas por re fernc ia , subs t i tu io , e l ipse e conjuno (Note-se que estas quatro modalidades da coeso gramatical s podem pro-jec tar -se entre sintagmas const i tu in tes do EN, no no seio de cada um de-les : a ltima delas (conjuno) est envolvida na configurao do EN compos-to ou complexo).

    A props i to , convm reparar que Halliday-Hasan abandonam aqu i , sem mais comentrios, o p r inc p io cruc ia l que dizem operar na coeso - o da relao "pressuponente-pressuposto", no que tange interpretao do pr ime i -ro. Obviamente, ele no tem aqui aplicao - o que, quanto a mim, cons t i tu i sr ia incongruncia da parte dos Autores na caracterizao da coeso. A este momento de incongruncia deve juntar -se o que advm do facto de o mesmo prir^ ci pi o exp l i ca t i vo no ser tambm ap l i cve l , em r i g o r , no que tange coeso lex ica l (pura) , como tente i mostrar atrs (ver 1 .3 .2 .b . ) .

    Anotarei que a expresso acima u t i l i z a da - coeso es t ru tu ra l - ret i rada de um trabalho de M.A.K. Hal l i day, j atrs ci tado (Ha l l iday , 1964), em que o Autor prope dados essenciais sobre a noo de coeso, retomados e ampliados na obra de que me venho ocupando agora. Nesta, aquela expresso no re t ida - mas -o, sem dvida, o contedo bsico ne la , ento, configurado, que acima f icou exp l i c i t ado .

    Ter interesse observar que, na "apresentao" da noo de coe-so em Hal l iday , 1964, no ainda invocado o p r inc p io exp l i ca t i vo funda-mental, que tem vindo a ser analisado cr i t i camente , da dependncia semnti-ca entre um elemento ("pressuponente") e um outro ("pressuposto"). No entan-t o , esse p r inc p io de algum modo introduzido - em termos nada c la ros , re-f i r a - se - e, curiosamente, a propsito da coeso e s t r u t u r a l , nomeadamente que se pro jec ta , no seio do EN ("Sentence") composto ou complexo, entre as "clauses" suas cons t i t u in tes . As art iculaes entre estas no EN - diz H a l l i -day - "take various forms", de entre as quais se salientam como mais s i g n i -f i ca t i vas as de '"dependence" and ' l i n k i n g ' " , ou se ja , em termos "aproxima-t i v o s " e " t rad i c iona i s " (so palavras de Hal l iday) as de " ' subord ina t ion ' and 'coord inat ion ' . . . " (Ha l l iday , 1964, p.304). Ora, justamente, a este pas_ so junta o Autor uma nota (4) que transcrevo: "A more correct theore t i ca l statement of s t ruc tu ra l cohesion i s that i t is presupposit ion at the rank of the sentence. Presupposition is the special re la t i on between elements of a

  • .32.

    non-chain-exausting st ructure that have as the i r exponents terms in a non--choise-exausting system. Thus in " I ' l l come i f you want me "the s t ruc tu ra l re la t ion of "cond i t ion ing" clause and "condit ioned" clause, which is a type of dependence, is one of presupposition" (Hal l iday, 1964, 304; o sublinhado meu).

    0 carcter sumrio desta referncia de Hal l iday no permite ava-l i a r adequadamente o que intende aqui por "pressuposio". Julgo, porem, que no cabe aT o que em Halliday-Hasan 1976 configurado sob a mesma designa-o - que, de res to , como se anotou acima, no tem aplicao nas dimenses "es t ru tu ra i s " da coeso intra-EN. Talvez aquilo para que aponta Hal l iday na-quele passo no seja outra coisa que a interdependncia formal que rene os termos integrantes de uma construo gramatical (onde eles reciprocamente se convocam). Essa interdependncia , com e f e i t o , uma dimenso central da con-figurao de uma construo gramatical - e como ta l ser re t ida adiante como fortemente actuante na coeso est rutura l dessas unidades l i ngu s t i cas . No ca-so em anlise,uma outra interdependncia - sernntico-funcional - rene as u n i -dades em combinao: talvez que tambm para esta outra interdependncia apon_ te Hal l iday naquele passo.

    Voltando, porm, a Halliday-Hasan 1976, e s dimenses coesivas intra-EN que estava a anal isar , acrescentarei que elas so abandonadas na re -f lexo desenvolvida pelos Autores, que se centram, como j se fez notar , ex-clusivamente nas conexes inter-ENs, pois consideram que as "cohesive t i es between sentences stand out more c lear ly because they are the ONLY (1 2) sour ce of t ex tu re , whereas wi th in the sentence there are the s t ruc tu ra l re la t ions as w e l l " (p .9 ) . por isso que " In the descr ipt ion of a t e x t , i t is theinter_ sentence cohesion that is s i g n i f i c a n t " , pois " that represents the var iable aspect of cohesion, d is t inguish ing one tex t from another" (p .9 ) .

    1 . 7 . Halliday-Hasan inscrevem tambm na " textura in terna" dimenses

    especif icas da organizao do EN considerado " in i t s ro le as the rea l i za t i on of t ex t " (p.326) - dimenses que apresentam em termos de "theme systems" e " informat ion systems" (ver acima 1.2.b. ( i i ) ( 1 3 ) . Trata-se, segundo os Au-to res , de dimenses da estruturao do EN que representam a "s t ruc tu ra l coun-

  • .33.

    te rpar t of cohesion" (p.326; o sublinhado meu).

    Por esta v i a , de alguma forma ficam estes aspectos conectados, na viso de Hall iday-Hasan, com a coeso - mas dela demarcados. Repare-se, porm, que, t a l como as conexes coesivas que consideram, estes aspectos, por um lado, tambm se manifestam como recursos id iomticos expl ic i tamente concretizados na sintagmatica interna do t ex to , e, por outro lado, so tambm (se bem que no exclusivamente e, por vezes, no prevalentemente) uma funo do co- tex to . (Por esta v i a , inscrever-se-iam tambm no p r i nc p i o da dependncia semntica, se no tomado to estr i tamente como o fazem Hal l iday--Hasan). Para alm de tudo isso, e indesmentvel que os mecanismos envo lv i -dos nestas dimenses se revelam como centrais na real izao da continuidade de sentido entre ENs.

    Nestas c i rcunstncias, surge-me como estranha a no incluso por i n te i ro das dimenses agora em referncia na noo de coeso proposta por Hall iday-Hasan.

    Numa outra publicao, Hal l iday afirma exp l ic i tamente : "The cons-t ruc t i on of discourse demands resources not only fo r a t tach ing a sentence to what has preceded i t , but also f o r organizat ing the sentence in such a way that is appropriate as information in the context " . (Ha l l i day , 1967/68,p.210) Tal abrange os aspectos englobados por Halliday-Hasan na sua noo de coeso, como tambm as que caracterizam em termos de "theme systems" e " in format ion systems", dos quais Hal l iday d i z , ento, que respeitam organizao da i n -formao carreada no EN " in such a way as to f i t i n w i th what has preceded in the t ex t " (Ha l l iday , 1967/1968, p.210; o sublinhado meu).

    Estas consideraes so, quanto a mim, su f i c ien tes para l e g i t i -mar a incluso por i n t e i ro na noo de coeso daqueles mecanismos de a r t i -culao de ENs - se coeso dizem efectivamente respe i to , como vimos defer^ derem Hall iday-Hasan, os nexos inter-ENs que uni f icam o t ex to . , com cer-teza, em nome da salvaguarda do p r inc p io da dependncia semntica nos t e r -mos res t r i t os em que Halliday-Hasan a concebem (que tenho vindo insistemen-te a c r i t i c a r ) que estes Autores renunciam a i n c l u i r expl ic i tamente e sem rodeios aquelas dimenses na sua noo de coeso.

    Todos os investigadores que se vem debruando sobre o que asse-

    gura a continuidade de sentido t p i c a do texto reconhecem o papel central

  • .34.

    que nesse domnio cabe queles mecanismos (ou mais rigorosamente ao que e conhecido pela ar t iculao tema / rema). Halliday-Hasan reconhecem-lhes tambm esse papel , mas acabam por o secundarizar ao cometerem coeso no sentido e s t r i t o em que a tomam (e de que, em verdade, excluem aquelas d i -menses) a funo cruc ia l na configurao da continuidade semntica entre os ENs por que se rea l iza o tex to . Ficam, po is , elas includas no ro l da-quelas outras relaes semnticas que Halliday-Hasan reconhecem como "asso_ c iated wi th a t ex t " mas que "are not embodied" no conceito de coeso (p. 13).

    Quanto a mim, numa noo de coeso adequadamente configurada -- que no se atenha ao sub-conjunto r e s t r i t o de nexos que nela contemplam Halliday-Hasan - aquelas dimenses da estruturao do EN tm lugar re levan-t e , apesar de, reconhecidamente, no se t e r chegado ainda a uma c a r a c t e r i -zao suficientemente inequvoca e coerente do que deve entender-se por tema e por rema. Na verdade, estas designaes apontam para realidades no co in -c identes, no apenas em di ferentes orientaes da ref lexo l i n g u s t i c a (o que, em certa medida, ser ia de esperar) , mas tambm no seio de uma mesma orientao: haja em v is ta as di ferentes concepes do tema (e do rema) mes-mo entre investigadores que, reclamando-se basicamente de V. Mathesius, ten -tam levantar uma caracterizao consistente da chamada " funct iona l sentence

    perspect ive". Uma t a l situao compromete, sem dvida, uma adequada explora-~ ~ (14)

    ao destas dimenses fortemente operantes na const i tu io do texto v ' .

    1.8. Se me alonguei numa anlise c r t i c a da noo de coeso propos-

    ta em Hall iday-Hasan, 1976 ^ ' , fo i porque considero este trabalho ex t r e -mamente representat ivo (de res to , no quadro j a por si o r i g ina l da viso de Hal l iday do sistema l i ngu s t i co de uma LN - quadro globalmente conhecido por Gramtica Sistmica) como ten ta t i va de focar , de modo integrado re -f lexo sobre o EN e as unidades in t ra -EN, o que respeita const i tu io do tex to . Por outro lado, esse trabalho prope dimenses inequivocamente impo tantes que re tere i na noo de coeso que desenvolverei neste meu estudo, e ainda pistas bastantes sugestivas que importar ia explorar ^ ' , como tambm, f inalmente, consideraes e perspectivas de enfoque que convm, sem dvida, superar.

  • .35.

    Se atentarmos bem no exposto nos nmeros anter iores, ser f c i l conc lu i r que - parte o que tange coeso lex ica l (pura) , de resto, como j ass ina le i , i n sat isfator iamente explorada ' ' - o que f i c a sa l iente na noo de coeso proposta que Halliday-Hasan nela incluem, a f i n a l , to so-mente os recursos s in tc t icos de uma LN

    ( i ) para a formao das unidades f rsicas e in t ra fs icas enquanto construes gramaticais (aspectos que perfazem a coeso e s t r u t u r a l . cons i -derada muito de passagem pelos Autores); e

    ( i i ) para a juno de ENs (v ia re latores - coeso por conjuno) e sua in te r l i gao por e l ipse e por instrumentos d ia fr icos (preenchendo es-tes as categorias coesivas da referncia e da subs t i tu i o) .

    No concernente ao ponto ( i i ) - central na ref lexo desenvolvida por Halliday-Hasan - incontestvel que se t r a t a de aspectos formais da ar t icu lao de ENs, que garantem o que chamarei "a boa formao semntico-- s i n t c t i c a do t r ans f r s t i co " .

    Salta a evidncia que a perspectiva tomada por Halliday-Hasan na caracterizao da coeso no nunca textual - antes, como j sa l i en te i (ver,acima, I . 5 . C . ) , meramente co- t e x t u a l , pois que os Autores atendem sobre-tudo resoluo de alguns aspectos da estruturao concreta de cada EN de uma sequncia que decorrem justamente da sua co- textual izaco. ta is como eventuais fenmenos de "economia" do j verbalizado (e l ipse) ou da sua ex-presso condensada (em subst i tutos l e x i c a i s , correntemente denominados pro-- formas) e ainda a seleco adequada dos ar t igos (por ex, a def in i t i vizao) e d i a f r i cos , a projeco de re la tores . So estas dimenses da construo do t rans f rs t i co amplamente consideradas no domnio da chamada "discourse gram-mar" norte-americana e em muitos trabalhos que visam captar conexes entre ENs sintacticamente independentes (ver, por ex, Waterhouse, V. , 1963; ve rou -t ras re fernc ias, mais abaixo, nota 18); em nenhum deles a investigao se desenvolve numa perspectiva textual - que parte do texto como unidade g lo -bal adequadamente contextualizada - antes numa pt ica meramente co - t ex tua l , que no mais do que uma opo metodolgica para o estudo do EN: t ra ta-se

  • .36.

    de ver no EN o in f luxo do "alm-EN", ou se ja , de tomar em considerao o que no EN testemunha ou i nd i c i a a sua insero numa unidade mais vasta, atendendo-se sempre sintagmtica imanente. Trata-se, em suma, de uma extenso da anlise da sintaxe e da semntica do EN ao "alm-EN" - via que conduz a ver dimenses da "gramtica do discurso / tex to " no EN. (Lembre-se mais uma vez que cabe legitimamente nestes aspectos envol v i -d o s n a co-textual izao de um EN - logo, na "boa formao do t r a n s f r s t i -co" - o mecanismo da ar t icu lao tema - rema, que, como se v i u , Hal l iday--Hasan no incluem na sua noo de coeso).

    Sendo assim, e se a estes nexos inter-ENs, concretizados em re-cursos s i n t c t i c o s , j un ta r os que tangem coeso lex ica l pura ( i n te rp re -tados luz das consideraes tecidas em 1.3.2.b. - em que os tomo como con substanciados em equivalncias semnticas que, em competncia, renem items lex ica is em paradigmas mais ou menos fortemente configurados) poderei , em sntese, re ter que em Halliday-Hasan encontramos dois grandes t ipos de co-nexes, que ao nvel e s t r i t o da sintagmtica imanente, esto envolvidos na instaurao da continuidade de sentido t p i ca do tex to :

    continuidade semntica inter-ENs

    ( i ) por juno ou

    combinao

    ( i i ) por equi valncia

    relatores

    ("conjunt ive re la t ions" )

    - referncia

    subst i tu io

    - e l ipse

    - isossemia (recorrncia semi ca manifestada nos laos abrangi-dos na coeso lex ica l pura)

    De acordo com o acima exposto, o termo ( i i ) deste quadro respe i -ta aos nexos estabelecidos na base da co-referncia e da cross-referncia^1 8^

  • .37.

    1 .9 .

    Na base da considerao deste sub-conjunto de nexos inter-ENs, de recorte n t i do na sintagmtica imanente do tex to , pensam Halliday-Hasan poder ava l ia r objectivamente o grau de coeso desta unidade l i n g u s t i c a . Na verdade, sublinham adequadamente os Autores que a coeso do textouma ques-to de "mais ou menos", no uma questo de "sim ou no". (Anote-se que na considerao do EN e das unidades sintagmit icas suas const i tu intes tambm possvel reconhecer graus de coeso, que em devido tempo sero anal isados).

    No quadro estabelecido por Halliday-Hasan, os graus de coeso sao uma funo, basicamente, da densidade dos nexos inter-ENs, ou mais simplesmente, do nmero de nexos que se instauram entre os ENs, e da d is tn-cia_ a que os mesmos (e neles os segmentos em conexo) se encontram uns dos outros. Um l t imo fac to r ent ra , necessariamente, tambm em jogo, a saber, o que respeita ao tijpo de nexo (gramatical ou l e x i c a l , e, dentro de cada um, as di ferentes modalidades da sua real izao) . A este propsito, convir te r presente que Halliday-Hasan pouca ateno concedem hierarquia a reconhecer, quanto a fora coesiva respect iva, nos nexos instaurados pelas diversas mo-dalidades da coeso gramat ical , apenas focando a ordenao a estabelecer no a m b i t 0 d a coeso l e x i c a l . A consideram, como j brevemente se re fe r i u acima (ver 1 .3 .2 .b . ) trs factores fundamentais - o grau de l igao, em competncia dos items l e x i c a i s , a d istncia que os separa no tex to , e, f inalmente, no que toca especificamente " c o l l o c a t i o n " , " t h e i r overal l frequency in the system of language", que os Autores esclarecem nos seguintes termos: "A word which enters with equal readiness i n to co l locat ion wi th words of e\/ery possible range of lex ica l meaning e f fec ts r e l a t i v e l y l i t t l e cohesion with any of them. Words such as cjo or man_ or know or way can hardly be said to contract s i g n i -f i can t cohesive re l a t i ons , because they go wi th anything at a l l . Since, rougly speaking, words of th i s kind are also those with high overal l frequen-cy in the language, in general the higher the frequency of a lex ica l item ( i t s overal l frequency in the system) the smaller the part i t plays in l e x i -cal cohesion in tex ts " (p . 290).

    Se os quadros de anlise da coeso de textos com que fecha o t r a -balho de Halliday-Hasan me surgem demasiado esquemticos ( 1 9 ) , no ser de esquecer as consideraes que os precedem, em par t i cu la r as que preenchem o ul t imo pargrafo do n? 8 . 1 . , p.332-333. A se colocam pistas de grande i n t e -

  • .38.

    resse e se referem var iveis a tomar em conta, que ampliam fortemente as ma-gras indicaes fornecidas pelos quadros de anl ise (dados, sem dvida, com um inequvoco ob ject ivo d idc t i co) .

    1.10.

    Ao longo desta exposio, f i cou devidamente sublinhada a posio c r t i c a por mim assumida em relao a noo de coeso proposta por Ha l l i day--Hasan - sem com isso inva l i da r alguns aspectos inequivocamente pos i t ivos propostos pelos Autores.

    Na noo de coeso a adoptar neste estudo, tentare i i n tegra r as dimenses centrais focadas por Halliday-Hasan com outras fortemente operan-tes na configurao da unidade e da continuidade semnticas do tex to , cuja caracterizao requer, in i lud ive lmente , a considerao das coordenadas da enunciao, logo, uma ptica pragmtico-comunicativa, que necessariamente se desligar da considerao e s t r i t a da sintagmtica imanente desta unidade l i ngu s t i ca - ou, melhor, a penetrar luz daquelas dimenses. No que res-peita a coeso das unidades frsicas e i n t r a f r s i c a s , s i t ua r -me-e i , porem, numa optica prxima da adoptada por Hall iday-Hasan, que atende aos p r i n c -pios que intervm na configurao " e s t r u t u r a l " , cons t ruc iona l , dessas u n i -dades (embora o v fazer , note-se, num quadro te r i co que no e o da Gram-t i ca Sistmica de Ha l l i day ) .

    Para a configurao clara da noo de coeso anunciada, i n t e res -sar caracter izar antes o que, part icularmente no mbito da chamada L ingus t ica de Texto, vem sendo apresentado como a grande dimenso def in idora do t ex to , a saber a sua coerncia.

    2- COERNCIA

    2-1 . Divulga a ( j vastssima) b i b l i o g r a f i a ( 2 0 ) no domnio da L i n -

    gust ica de Texto toda uma sr ie de argumentos (de ndole diversa e de va-

  • .39.

    l o r ou pert inncia desigual) em favor do desenvolvimento de uma teor ia l i n -gust ica que suporte a construo de um modelo adequado gerao (enumera-o e descrio-explicao e x p l c i t a s ) , no de todas e somente as frases pos-sveis de uma LN, antes de todos e somente os textos possveis de uma LN ' '.

    Representariam essa teor ia e esse modelo uma resposta a v e r i f i -cao emprica imediata de que as produes verbais se apresentam no como f rase , mas sim como "connected discourse", como tex to . Este, e no a f rase, c o n s t i t u i r i a verdadeiramente o "domnio na tu ra l " da teor ia l i ngu s t i ca e de um modelo adequado descrio-explicao dos produtos verbais , j que, de-cididamente, o texto o signo l i ngu s t i co " o r i g i n r i o " , i s t o , no decor-rente da teorizao l i n g u s t i c a , antes, espontnea e naturalmente actual iza-

    (22) do na interaco verbal v ' . Um ta l modelo - Gramtica de Texto - conce-bido como a representao exp l c i t a da competncia dos fa lan tes , que uma competncia t e x t u a l , no uma competncia f rs i ca . Por i sso , a Gramtica de Texto d iverg i r radicalmente dos modelos correntes de descrio-explicao l i ngu s t i ca ("Gramticas de f r a s e " ) , no const i tu indo, de forma alguma,mera extenso destes l t imos: realizando-se embora numa sequncia de frases (ca-da uma delas em si mesma, em p r i n c p i o , "bem formada"), o texto surge como uma unidade g loba l , como um todo, marcado por uma relevncia contextual gl ba l , pois d expresso a uma inteno comunicativa un i t r i a (que nele o re-ceptor apreende). A representao desta to ta l idade (como, de resto, de qua]_ quer complexo global) no coincide com a representao da soma das suas pa tes , dos seus elementos cons t i t u t i vos .

    Asseguraria, pois a Gramtica de Texto uma descrio-explicao conveniente do "connected discourse", mas ainda - argumenta-se - a capata-o de regularidades ao nvel da frase no esclarecidas pelos modelos de Gra matica de frase (regularidades d is t r ibudas pelo domnio s i n t c t i c o , mas tambm morfo-fonolgico, e sobretudo semntico e pragmtico), e , finalmen-t e , o aprofundamento da compreenso de outras regularidades j basicamente, mas no completamente, caracterizadas por esses mesmos modelos.

    2 - 2 . Mais do que proceder avaliao dos vrios argumentos invoca-

    dos em favor de uma L ingus t ica de Texto, mais do que procurar averiguar da

  • .40.

    necessidade (face aos modelos existentes de Gramtica de frase) e ate da possibi l idade de construo de uma Gramtica de Texto v ' (dadas, funda-mentalmente, a mul t ip l i c idade e a complexidade das dimenses coexistentes e interactuantes no tex to , e a grande variedade de t ipos de t e x t o ) , mais do que caracter izar a forma e o funcionamento dos modelos j propostos -- interessar-me- aqui a captao da noo de coerncia t e x t u a l , amplameri te tratada nos trabalhos de L ingust ica de Texto, onde apresentada como dimenso bas i l a r , ou mais exactamente, como o prpr io l im ia r que separa o texto de uma a r b i t r r i a sequncia de frases (ENs).

    Sem me deixar encerrar excessivamente no quadro ter ico e meto_ dolgico que suporta a L ingust ica de Texto, p rocura re i , nos nmeros que ime_ diatamente seguem, re te r o que ju lgo ser basicamente intendido no uso da ex presso coerncia t ex tua l . Tal tarefa no f c i l , po is , por um lado, se vem assist indo a mul t ip l icao de "subcategorizaes" da coerncia (por ex, coe-rncia semntica, coerncia pragmtica, coerncia nar ra t i va, coerncia e s t i -l s t i c a . . . ) , e, por outro lado, nem sempre se apresenta de modo inequvoco o contedo vasado em ta l designao. Convir assinalar que no vou tentar % zer uma s n tese, nem to pouco uma anlise c r t i c a de cada uma das acepes matizadas em que se vem u t i l i zando a metalexia coerncia. Interessa-me ape-nas, como escrevo acima, re te r o que ju lgo ser basicamente intendido por coe-rncia ou coerncia t e x t u a l . Muitas das formulaes contidas nos nmeros ime-diatamente seguintes orientam a ref lexo desenvolvida para alguns pontos cen-t r a i s , que condensarei em 2-3. e retomarei mais demoradamente em 'IA - 2-5. A se afirmar gradualmente uma redef inio da noo de coerncia, luz da interpretao que dou do uso de ta l metalexia no mbito da ref lexo mais i n -sistemente divulgada (e que considero a mais representat iva) sobre o tex to .

    2 . 2 . 1 . Numa primeira aproximao coerncia do t e x t o , s i tuar-me-ei pre_

    ferentemente do ngulo do locu to r , suscitando uma inteno comunicativa g lo -bal que, a f i n a l , s nos dada, s se nos torna d isponve l , como se sabe, no_ e pelo tex to .

    Num segundo momento ( 2 - 2 . 8 . ) , optarei decididamente pela pt ica do receptor, que atende ao modo como este in te rp re ta o tex to , ou se ja , recons-

  • . 4 1 .

    t r i (quase sempre aproximativmente) a inteno comunicativa global manifestada no e pelo tex to . claro que esta a via pr i v i l eg iada na ref lexo l i n gu s t i c a , e s a pa r t i r dela, e com referencia constante a e l a , podemos colocarnos na pt ica do locutor .

    A construo do texto pelo locutor representa a l inear izao de uma to ta l idade de s ign i f i cao por ele in tendida: no cabendo, pela sua comple_ xidade e/ou extenso, nos l im i tes de um EN, essa to ta l idade de s ign i f icao d i s t r i bu i se por uma sequincia de ta is unidades. (Abandonamse, uma vez mais, os casos em que o texto se mater ia l iza num so EN, ou em unidade de nvel i n f e r i o r . Ver acima ]_.).

    Os ENs que realizam o texto devem, pois ordenarse e a r t i c u l a r se de modo a que neles se desenvolva (idealmente) ' ' sem rupturas, sem h ia tos , sem solues de continuidade, o todo da mensagem.

    Numa formulao ainda um tanto genrica, d i r se que j u s t a mente um t a l desenvolvimento que garante a coerncia do tex to . Esta t raduz se , por tanto, no que se poder chamar i n te r l igao consequente dos contedos manifestados em cada um dos ENs em sequncia que concretizam o tex to . Assegura esta i n te r l i gao a continuidade de sentido t p i c a desta unidade l i n gu s t i c a , sobre que repousa a possib i l idade de se lhe a t r i b u i r um sen t i do g loba l , que justamente representa a reconstruo (nas mais das vezes aproximat iva, como j a se re fe r i u ) da inteno comunicativa do locutor v ' .

    Sendo assim, a questo da coerncia textua l poder equacionarse , de um modo t r i v i a l , nos seguintes termos, que r e t i r o de van Di j k , 1972, p.96: "how may we s i gn i f i c an t l y ' cont inue' a tex t [tendo em conta o seu " tp ico" global] when the sentence(s) S,(S. S, ,) is given?".

    22.2. 0 object ivo de ' cont inuar ' " s i g n i f i c an t l y " um t ex to , a pa r t i r de

    um dado momento do seu desenvolvimento, ser alcanado se se ver i f i carem, cumulativamente, as condies gerais seguintes: (Para o bom entendimento das formulaes que se seguem, ter se presente a observao que abre o nmero

    precedente 22 .1 )

  • .42.

    ( i ) os "objectos" e o que deles se predique, os fac tos , os aconte-cimentos . . . a manifestar devem congregar-se com os j manifes_ tados e com eles perfazer o universo de discurso f ixado pela in teno comunicativa global que pres id iu ao acto l i n g u s t i c o ;

    ( i i ) os "objectos" e o que deles se predique, os fac tos , os aconte-

    cimentos . . . que vm preencher, nos termos de ( i ) , o universo

    de discurso f ixado pela inteno comunicativa global do locutor

    devem d i s t r i b u i r - s e por sucessivos ENs de molde a que, cumula-

    t i vmente,

    a. no dem lugar , quer entre eles quer em relao aos j mani-festados, nem a tauto log ia nem a contradio;

    3. se interconectem na base de uma recproca re levncia, ou se-

    j a , se dem mutuamente acesso.

    Estas condies (que retomarei mais abaixo) representam o gran-

    de p r inc p io a que deve subordinar-se a 'continuao' de um texto a p a r t i r

    de fragmentos seus j actual izados. Elas perfazem justamente as condies da

    coerncia t ex tua l .

    Como se v, estas concernem seleco dos designados (os "objec

    t o s " , e o que deles se predique, os fac tos , os acontecimentos . . . ) a in t rodu

    z i r nos sucessivos ENs do t ex to , e sua in te r l igao consequente.

    Se atentarmos em que, como se sabe, o designado (o mundo das " co i sas" para que remete o signo l i ngu s t i co ) ex te r i o r s LNs (como exteriores^ a estas tambm se revelam aquelas normas de no contradio, de nao tau to lo -g ia , e de re levnc ia) , concluiremos que a coerncia re leva, no da conf igu-raro idiomtica e s t r i t a , espec f ica ( " in terna" ) da LN em que se manifesta o tex to , antes de um plano ex te r io r e autnomo (mas no a lhe io , sublinhe-se) a essa LN, e a todas. Caracter izarei adiante (ver 2-4) esse plano, interessan-do-me apenas agora re ter esta sua condio de exter ior idade e de independen-

  • .43.

    cia em relao organizao id iomt ica de cada uma das LNs, e ao seu fun-

    cionamento.

    Convir assinalar que se toma aqui designado num sentido amplo

    que envolve no apenas a referncia a "objectos" do " r e a l " , mas tambm as

    "predicaes" que a esses "objectos" so especif icadas e os in te r l igam (os

    pom em re lao) , a fora i l o c u t r i a do EN, a viso do locutor que modali-

    za a designao e especificamente a or ienta para determinadas f inal idades

    comunicativo-expressivas. Talvez que um outro termo - comunicado - fosse

    aqui mais adequado para a expresso de todas estas ml t ip las dimenses que

    englobo em "designado". De qualquer modo, sempre que se escreva aqui desj_-

    gnado ou in te r l igao consequente de designados, deve entender-se que se

    pretende fazer referncia a todo o complexo de dimenses atrs referencia-

    das.

    2-2.3. A 'continuao' adequada de um tex to a p a r t i r de um dado momen-

    to do seu desenvolvimento envolve, a inda, uma outra condio, de natureza

    diversa das anteriormente estabelecidas. Poderei condens-la na seguinte fo r -

    mulao:

    ( i i i ) os ENs por que se dist r ibuem os designados a manifestarna 'con-

    t inuao' de um tex to devem ( t a l como os j actual izados) suce-

    der-se de forma a garan t i r a "boa formao semnt ico-sintact ica

    do t r ans f r s t i co " que neles se rea l i za . (Para o designado por es_

    ta expresso, ver acima 1-8 . ) .

    Torna-se patente que ao considerarmos a "boa formao do t rans-

    f r s t i c o " nos movimentamos no mbito do texto concretamente real izado numa

    LN e nos referimos aos recursos idiomticos (instrumentos e mecanismos, e

    pr incp ios da sua actual izao) envolvidos na conexo inter-ENs. Tocamos,

    po is , aqui o domnio por excelncia explorado por Halliday-Hasan na sua no-

    o de coeso ( in ter -ENs).

    Nesta base, estabelecem alguns Autores uma d is t ino entre coe-

  • .44.

    rncia e coeso, assinalando que as duas dimenses no se implicam rec ipro-camente: "We can have ( e x p l i c i t l y ) cohesive texts which are not coherent, and vice versa. And, in f a c t , coherent texts which also manifest surface cohesion represent only special cases of textual t ightness" (Ostman, 1978, p.102). No ra ro , porm, aqueles nexos coesivos so tomados directamente como condio de coerncia - sem se atentar na diversidade de natureza que demarca estas dimenses da const i tu io do texto das normas de no tau to lo -g i a , de no contradio e de relevncia que, em r i g o r , preenchem a noo de coerncia. Outras vezes, enf im, deles se d i z , mais adequadamente, que cons-t i tuem "grammatical propert ies of discourse" ou "syntac t ic structures expres-sing semantic coherence re la t ions in discourse" (van D i j k , 1977, p.127) - o que, r e f i r a - s e , rigorosamente s exacto no que tange projeco de re la -tores^ (as condies do seu uso exigem, efectivamente, que se cumpra a r e l a -o - que e uma relao de relevncia - instaurada entre ENs pelo prpr io si_ gni f icado desses instrumentos).

    Pela minha par te , exc lu i re i inequivocamente estas conexes da n o de coerncia. Delas d i re i que no constituem condio de coerncia, qjje no realizam coerncia, antes a pressupem. (Este ponto ser e s c l a r e c i d o s lon_ go da exposio). por isso que, quando esta "pseudo-condiao" de coerncia re fer ida , logo se aduz que se t r a ta de "condio no s u f i c i e n t e " : na verda-de, no d i f c i l " fab r i ca r " sequncias de ENs in ter l igados por instrumentos e mecanismos de conexo (pro-for