JOCA MARTINS Direito e Movimentos 2011

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    Universidade Federal do CearFaculdade de DireitoPrograma de Ps-Graduao em Direito

    Curso de Mestrado em Direitorea de Concentrao em Ordem Jurdica Constitucional

    Martha Priscylla Monteiro Joca Martins

    Direito(s) e(m) Movimento(s):Assessoria Jurdica Popular a Movimentos Populares Organizados em

    torno do Direito Terra e ao Territrio em Meio Rural no Cear

    Fortaleza2011

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    Martha Priscylla Monteiro Joca Martins

    Direito(s) e(m) Movimento(s):Assessoria Jurdica Popular a Movimentos Populares Organizados em

    torno do Direito Terra e ao Territrio em Meio Rural no Cear

    Dissertao de Mestrado apresentada aoPrograma de Ps-Graduao da Faculdade deDireito da Universidade Federal do Cear paraobteno do grau de Mestre em Direito.

    Orientador: Prof. Dr. Joo Luis Nogueira Matias

    FortalezaAgosto - 2011

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    Direito(s) e(m) Movimento(s):Assessoria Jurdica Popular a Movimentos Populares Organizados em

    torno do Direito Terra e ao Territrio em Meio Rural no Cear

    Esta dissertao de mestrado foi submetida Coordenao do Programa de Ps-Graduao emDireito, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Direito,outorgado pela Universidade Federal do Cear UFC e encontra-se disposio dosinteressados na Biblioteca da referida Instituio.A citao de qualquer trecho desta Dissertao de Mestrado permitida, desde que feita deacordo com as normas de tica cientfica.

    Data da aprovao: ______/_______/_______

    Banca Examinadora:

    Prof. Dr. Joo Luis Nogueira Matias (Orientador)Universidade Federal do Cear

    Profa. Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho (Co-orientadora)Universidade Federal do Cear

    Prof. Dr. Carlos Frederico Mars de Souza FilhoPontifcia Universidade Catlica do Paran

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    Avaliadores:

    Joo Lus Joventino do NascimentoOrganizao Popular do Aracati - Cear

    Frum em Defesa da Zona Costeira do Cear

    Maria de Lourdes Vicente da SilvaMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Cear

    Ricardo Weibe do NascimentoMovimento dos Povos Indgenas no Cear

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    Dedico esta dissertaoAos Carlos,

    s Flores de Liz,Aos Gama,s Turas,

    Ao Povo do Mangue,Ao Povo do Serto,

    Aos Povos Indgenas,Ao Povo Sem Terra,

    Ao Povo que danou cirandaNo dia em que a Avenida

    Parou.Ao CAJU-UFC,

    De todos os tempos.

    Ao To,Por que

    Movendo-me em tudo o que faoEu te amo pequeno filho.

    E ao Cris,

    Por todo o amor que h nessa vida.

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    AGRADECIMENTOS

    Quando se est pesquisando um encontro com o orientador, com a co-orientadora,

    um grupo de estudos, estar em campo, ministrar uma aula so momentos ricos e valiosos quese unem a outras ocasies s quais nos fazem refletir sobre o que nos propomos a conhecer.

    Assim, inicio por agradecer a todos e todas que, de alguma forma, de qualquer modo,

    consciente ou inconsciente, contriburam com esta pesquisa; a vocs, muito obrigada!

    Ciente de que os nomes aqui citados so uma parte, significativa, dos encontros que

    me ajudaram a elaborar esta dissertao, sigo grata...

    Monica Joca, mame, pelo jeito bom de nos amarmos e cuidarmos, por ter me

    educado para ser uma Mafalda crescida.

    Ao Cristiano Therrien, por ter me apresentado ao CAJU, pelas vezes que disse que o

    Direito precisa de gente boa para que eu no fosse embora para outros saberes, por partilhar

    ideias e ideais, por me ajudar a corrigir, ler, reler, por me ouvir, por dialogar, pela pacincia.

    Ao To Joca Therrien, por ter sido to tranquilo e compreensivo todas as vezes que

    disse que precisava de tempo para pesquisar e escrever.

    Ao Rafael Joca, pelas palavras, pelo carinho, por ter transcrito boa parte do material

    desta pesquisa, por ser meu irmo e melhor amigo.

    Angela de Souza e ao Jacques Therrien, pelas valiosas e imprescindveis

    contribuies nesse e em outros trabalhos acadmicos, por me ensinarem outros jeitos bons de

    fazer parte de uma famlia.

    Luciana Nbrega, pelos conhecimentos produzidos e partilhados, pela

    solidariedade acadmica, por ter me feito ver o mundo mais colorido ps-Lu-na-minha-vida.

    Ao Professor Joo Luis Nogueira Matias, pela orientao, pelo incentivo, por ser um

    professor dedicado.

    Professora Alba Carvalho, pela co-orientao, por ter me apresentado riqueza

    terica de Boaventura de Sousa Santos, por ser uma professora inspiradora, pelas boas ideias

    nascidas a cada encontro.

    Professora Germana Moraes, por ter me ajudado a permanecer no Direito, por ter

    me incentivado a iniciar o Mestrado.

    Ao Professor Gustavo Raposo, pelas valiosas dicas.

    Marilene, pelo apoio, pelo cuidado com os mestrandos.

    Ao Mrcio Alan Menezes, por ter revisado o texto, me ouvido, me ajudado a refletirsobre esta pesquisa, por ser um bom amigo.

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    Lia Felismino, Ana Stela Vieira Mendes, ao Homero Bezerra e Frutuoso de

    Oliveira Jnior, por terem tornado o Mestrado mais leve e mais feliz, pelos conhecimentos

    partilhados, por serem amigos queridos.

    Turma do Mestrado de 2009, pelos encontros, pelos debates, pelos apoios mtuos.

    Carla Sofia, pelas palavras de uma boa amiga que acalantam nos dias de sol e de

    chuva cinzenta nesses dois ltimos anos.

    Liliam Litsuko, ao Luiz Otvio Ribas, Jos Humberto Ges e Ricardo Pazello, por

    terem me apresentado a autores e ideias, pelas tantas ajudas.

    Ao Renato Roseno, por ter me feito acreditar que a pesquisa era possvel, pelos

    dilogos e ideias iniciais.

    Camila Holanda, Christiane Nogueira, Christianny Digenes, Fabiola Arajo eNeiara de Morais Bezerra, por serem amigas Mafaldas crescidas que me ajudaram a pensar

    sobre esta pesquisa, e as quais levo no corao com todo meu amor.

    Aline Amorim, Leuny Remgio, ao Marcus Giovani, por serem amigos leais e

    queridos em meu retiro dissertativo...

    Aos meus primeiros alunos, pelas mtuas aprendizagens, pelo carinho com que

    sempre me lembrarei de vocs.

    Bel, Cecilia, Dilly, Lia, Maiana, Mariana, Natlia, Renata, Sofia, Talita, ao Julian,Tafarel e toda a gente da Assessoria Jurdica Popular Universitria, pelos sonhos partilhados.

    Aos advogados assessores jurdicos populares, pelo que identifica, pelo que move,

    pelo companheirismo, pelas diversas contribuies nesta pesquisa.

    Ao Professor Carlos Frederico Mars, pela oportunidade de ouvi-lo em palestras e na

    Comuna da Terra, pela felicidade de ter aceitado o convite de fazer parte da banca.

    Ao Joo Lus Joventino, Ricardo Weibe do Nascimento, Maria de Lourdes Vicente,

    por terem acolhido o convite de avaliarem esta dissertao, e por aceitarem vir ao encontro daacademia, que tem tanto a aprender com os movimentos populares.

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), pela

    bolsa concedida.

    Amada Me, pelo que nasce, pelo que floresce, pelo que fenece, pelo que conflita,

    pelo que movimenta, pelo Amor, pela Terra.

    todos e todas, desejo-lhes flores, girassis e borboletas, em meio s tantas lutas

    travadas!

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    T no puedes comprar al viento,T no puedes comprar al sol

    T no puedes comprar la l luvia,T no puedes comprar al calor .

    T no puedes comprar las nubes,T no puedes comprar mi alegra,

    T no puedes comprar mis dolores.

    No se pode comprar o ventoNo se pode comprar o sol

    No se pode comprar a chuvaNo se pode comprar o calor

    No se pode comprar as nuvensNo se pode comprar as cores

    No se pode comprar minha alegr iaNo se pode comprar minhas dores

    Vamos caminando, vamos dibujando el camino!Vamos caminado, aquse respira lucha.

    Vamos caminando, yo canto porque se escucha.Vamos caminando, aquestamos de pie.

    Que viva Lati noamrica.No puedes comprar mi vida!

    (Cal le 13. Lati noamrica)

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    RESUMO

    A presente dissertao objetiva investigar a prxis da Assessoria Jurdica Popular amovimentos populares organizados em torno da luta pela terra e pelo territrio em meio rural

    no Cear. Para tanto, combinou-se a pesquisa bibliogrfica e de campo, esta realizada pormeio de entrevistas, grupos focais, rodas de conversa, dilogos informais e observao

    participante junto a advogados da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares noCear e integrantes de movimentos por eles assessorados. Resultados apontam que essesmovimentos, em suas lutas reivindicativas e de resistncia, em perspectivas pluritnicas emulticulturais, produzem significados de direito terra e ao territrio que levam

    problematizao da cultura jurdica hegemnica enquanto campo possvel de concretizaodestes direitos. Neste mbito atuam os advogados populares, os quais, em conjunto com osassessorados, constituem estratgias jurdico-polticas que fortalecem as lutas dos movimentos

    populares na concretizao de seus direitos territoriais, e incitam constituio de outrasculturas jurdicas propcias a concretizao do Direito Humano Terra e ao Territrio, em sua

    perspectiva intercultural e crtica.

    Palavras-chave: Assessoria Jurdica Popular; movimentos populares; direito terra e ao

    territrio

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    ABSTRACT

    This dissertation aims to investigate the praxis of the Juridical Popular Assistance to organized

    popular movements in the struggle for land and territory in rural country of Cear. For thispurpose, have been combined bibliographic and field researches, through interviews, focusgroups, rounds of conversation, informal dialogues, participant observation with attorneys ofthe National Network of Popular Lawyers in Cear and members of social movements assisted

    by them, in their search for equity in access to land and land occupation in Cear. Resultsindicate that these movements, in their vindicating struggles and resistance, in multiethnic andmulticultural perspectives, produce meanings of land and territory rights that lead to the

    problematization of hegemonic legal culture as a field of possible realization of these rights.Those Lawyers working together with their advised popular movements, constitute legal and

    political strategies that strengthen the struggles of popular movements in achieving theirterritorial rights, and incite the constitution of other legal cultures conducive to achieving the

    Human Right to Land and Territory in its intercultural and critical perspective.

    Keywords: Juridical Popular Assistance, popular movements, the right to land and territory

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    SUMRIO

    1 INTRODUO ..................................................................................................................... 11

    2 OL MULHER RENDEIRA, OL MULHER REND: TECENDOCONHECIMENTOS ................................................................................................................ 13

    2.1 O encontro como reencontro: a artes e o desenho ......................................................... 182.2 Percursos no campo ......................................................................................................... 26

    3 HISTRIAS, FALAS E CANES: AS LUTAS PLURITNICAS EMULTICULTURAIS PELO DIREITO TERRA E AO TERRITRIO EM MEIO RURAL

    NO CEAR .............................................................................................................................. 36

    3.1 Vivemos em Curral Velho, mas no queremos viver encurralados : a luta em defesa doterritrio e do ecossistema manguezal de um Povo do Mangue ........................................... 393.2 como diz o ditado antes era hora de parar, agora hora de falar : a retomada daslutas dos Povos Indgenas por seus territrios ...................................................................... 673.3 Cante l, que eu canto c: A inundao da Lapa pelas guas do desenvolvimento.... 863.4 De quem essa terra? Nossa! : trabalhadores rurais em movimento na luta pela terra............................................................................................................................................... 91

    4 OS OLHARES DE ASSESSORES JURDICOS POPULARES SOBRE AS LUTAS PELATERRA E PELO TERRITRIO ............................................................................................ 113

    5 PINDORAMA, PINDORAMA, MAS OS NDIOS J ESTAVAM AQUI!: REFLEXESSOBRE O DIREITO DE PROPRIEDADE PRIVADA DA TERRA NO BRASIL .............. 132

    6 CAMINHANDO E CANTANDO E SEGUINDO A CANO: ASSESSORIAJURDICA POPULAR MOVIMENTOS POPULARES ORGANIZADOS EM TORNODO DIREITO TERRA E AO TERRITRIO .................................................................... 156

    6.1 Vamos caminhando, vamos dibujando el caminho: Tessituras da Assessoria JurdicaPopular ................................................................................................................................ 1596.2 Vamos caminhando, aqu se respira lucha: a Assessoria Jurdica Popular na

    perspectiva de movimentos populares ................................................................................. 1766.3 Vamos caminando, yo canto porque se escucha: a Assessoria Jurdica Popular na

    perspectiva de advogados populares ................................................................................... 191

    CONCLUSO ........................................................................................................................ 210

    REFERNCIAS ..................................................................................................................... 220

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    1 INTRODUO

    No ambiente rural do Cear, diversas populaes organizam-se em torno da luta pela

    terra e pelo territrio, em meio a conflitos socioambientais, disputas por sentidos de

    desenvolvimento, interesses sociais e econmicos conflitantes sendo tensionados pela lgica

    da propriedade privada da terra.

    Em suas lutas reivindicativas e de resistncia, e com base em experincias e relaes

    econmicas, sociais, polticas e culturais vivenciadas nessas populaes, esses movimentos

    constituem diversos significados em torno do direito terra e ao territrio, em perspectivas

    pluritnicas e multiculturais. Em encontrando bices poltico-jurdicos concretizao deste

    direito diversos movimentos so assessorados por advogados(as) populares por meio da prxisda Assessoria Jurdica Popular.

    Esta pesquisa de mestrado inseriu-se nesse mbito, objetivando investigar a prxis da

    Assessoria Jurdica Popular junto a movimentos populares organizados em torno do direito

    terra e ao territrio em meio rural no Cear.

    Para tanto, combinei a pesquisa bibliogrfica pesquisa de campo, procurando focar

    meus estudos nas temticas relativas Assessoria Jurdica Popular e aos direitos territoriais

    realizando atividades de campo por meio de entrevistas, grupo focal, observao participante edilogos formais e informais com quatro assessores jurdicos populares ligados Rede

    Nacional de Advogados e Advogadas Populares no Cear (RENAP-CE). Semelhante

    procedimento campal foi realizado junto aos movimentos assessorados por esses(as)

    advogados(as).

    Como resultado da pesquisa realizada, elaborei esta dissertao, estruturada em sete

    partes. Na segunda, relatarei como o objeto de pesquisa foi a mim sendo apresentado, bem

    como descreverei as atividades de campo realizadas nesta pesquisa. No terceiro tpico,analisarei as falas, histrias e canes dos movimentos assessorados, a fim de buscar

    compreender o que significam como direito terra e ao territrio, compreendendo que esses

    significados originam as demandas reivindicativas postas para seus assessores jurdicos

    populares. No quarto segmento, descreverei e analisarei as percepes dos(as) advogados(as)

    envolvidos na pesquisa acerca da luta pela terra e pelo territrio e de direitos gestados no seio

    dos movimentos assessorados em torno desta luta. No quinto mdulo refletirei a respeito da

    construo do direito de propriedade privada da terra no Brasil, com o fito de investigar, no

    campo jurdico-politico, as teias que sustentam esse direito e que se constituem nos principais

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    bices concretizao do direito terra e ao territrio. No sexto segmento, por meio de

    tericos da Assessoria Jurdica Popular e de temas afins, e das falas de assessores jurdicos e

    assessorados, debaterei acerca do que se constitui, no mbito do panorama tecido nos

    captulos anteriores, a prxis da Assessoria Jurdica Popular a movimentos populares

    organizados em torno do direito terra e ao territrio em meio rural no Cear.

    Seguem-se as concluses, acompanhadas das referncias bibliogrficas.

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    2 OL MULHER RENDEIRA, OL MULHER REND1: TECENDO

    CONHECIMENTOS

    Os caminhos trilhados em meus percursos acadmicos e profissionais foram traando

    um possvel desenho dissertativo, reforado pela minha insero no Grupo de Estudos e

    Pesquisas sobre o pensamento de Boaventura de Sousa Santos no Cear2(2009), o que me deu

    aporte terico inicial para delinear o objeto de investigao de pesquisa para a dissertao de

    mestrado.

    Boaventura de Sousa Santos elabora chaves analtico-conceituais com base em

    estudos empricos acerca das prticas e das demandas sociais sobre temas diversos3. Alm da

    riqueza conceitual do pensamento de Santos, sua permanente (re)significao, sua tessiturano encastelada e a perene (re)definio de seus conceitos com base em suas pesquisas

    permitem a esse autor constituir suas reflexes conectadas a mltipla(s) experincia(s)

    humana(s).

    Em relao ao campo do Direito, formula uma sociologia jurdica das

    emancipaes4, ao tecer uma rede de percepes polticas, jurdicas e sociais diversas que se

    interligam, formando uma teia de conceitos fundantes de seu pensamento jurdico crtico.

    Contrape-se utilizao, pela cincia moderna, de um saber pretensamentehegemnico e universal, o qual obscurece ou invisibiliza outras formas de conhecimentos,

    alternativos ao modelo vigente5. H produo de no existncia sempre que uma dada

    entidade desqualificada e tornada invisvel, ininteligvel ou descartvel de um modo

    irreversvel6. a razo indolente que provoca o desperdcio da experincia social7. E, ao

    1 Trecho da msica Mulher Rendeira de Alfredo Ricardo (conhecido como Z do Norte). Existemcontrovrsias sobre a sua autoria de Mulher Rendeira. Diz-se que Mulher Rendeira j era cantada nos sertesnordestinos antes de Z do Norte chegar ao Rio de Janeiro nos anos 1940. H quem diga que seu autor Virgolino Ferreira da Silva, o temido cangaceiro Lampio. Mas mais provvel que tenha sido adaptada erecebido acrscimos ao longo do tempo. E no de todo improvvel que algumas estrofes tenham sido de fatocriadas pelo talentoso Z do Norte (Informao disponvel em; acesso em 06 jun. 2011).2Sob a coordenao da Profa. Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho, da Ps-Graduao em Cincias Sociais daUniversidade Federal do Cear.3Essas pesquisas so, em geral, realizadas por grupos de pesquisa vinculados ao Centro de Estudos Sociais daFaculdade de Economia da Universidade de Coimbra, coordenado por Boaventura de Sousa Santos.4WOLKMER, Antonio Carlos. Introduo ao Pensamento Jurdico Crtico. 6. ed. So Paulo: Saraiva, 2008,

    p. 60-66.5Para maior aprofundamento vide: SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crtica da Razo Indolente: contra odesperdcio da experincia. So Paulo: Cortez, 2000; e SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramtica do

    Tempo: para uma nova cultura poltica. So Paulo: Cortez, 2006, p. 97-119.6SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramtica do Tempo: para uma nova cultura poltica. So Paulo: Cortez,2006, p. 102.7Ibid., p. 94.

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    mesmo tempo, transforma interesses hegemnicos [de determinados grupos sociais] em

    conhecimentos [tidos como] verdadeiros8.

    O autor prope constituir outra racionalidade, que se funda em trs procedimentos

    metassociolgicos: a Sociologia das ausncias, a Sociologia das emergncias e o trabalho de

    traduo9; e desafia a razo indolente10.

    A Sociologia das ausncias amplia o tempo presente, visibilizando seus vrios modos

    de existncia; e a Sociologia das emergncias contrai o tempo futuro por no situar o campo

    das expectativas sociais em uma perspectiva irrealizvel, de eterno devir11, ao mesmo tempo

    em que amplia as suas possibilidades, fazendo emergir possibilidades (potencialidades) como

    [...] capacidades (potncia) que se movem no campo das expectativas sociais com suporte

    em experincias concretas12.Essas duas sociologias implicam-se, pois, quanto mais experincias sociais estiverem

    disponveis (presentes), mais h um campo vasto de potencialidades e capacidades de outras

    experincias sociais (emergentes) para o tempo futuro. E, a fim de que essa pluralidade de

    experincias presentes e emergentes possa dialogar em uma perspectiva emancipatria, Santos

    prope um conjunto de pressupostos terico-prticos que intitula de traduo, definindo-a

    como o procedimento que permite criar inteligibilidade recproca entre as experincias do

    mundo, tanto as disponveis como as possveis, reveladas pela sociologia das ausncias e asociologia das emergncias13.

    Suas ideias despertaram-me para a busca de experincias humanas que me

    instigassem a refletir sobre questes que me inquietavam desde h muito no campo do Direito,

    as quais sero aclaradas no decorrer deste captulo; impeliram-me a realizar de pesquisa

    bibliogrfica e de campo no Direito, a fim de tornar presentes e emergentes prxis jurdicas e

    significados de Direito(s) gestados em lutas sociais contra hegemnicos ao Direito Moderno

    Estatal e constituram lentes com as quais passei a olhar a pesquisa, no decorrer de todo o seudesenvolvimento.

    8Ibid., p. 97.9Ibid., p. 94.10Ibid., p. 97.11Como exemplo cito a eterna promessa do capitalismo em produzir riquezas que possibilitem um vida digna

    para todos(as).12SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramtica do Tempo: para uma nova cultura poltica. So Paulo: Cortez,2006, p. 118; 119.13Ibid., p. 123-124.

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    Tempos depois, caminhando por Curral Velho, uma comunidade de marisqueiras(os)

    e pescadores(as) localizada no litoral do Cear14, no decurso da realizao das primeiras

    atividades de campo desta pesquisa, a leitura de vrios outros textos relacionados a processos

    de investigao de conhecimentos se fez concretude para mim15, em especial as seguintes

    palavras de Alba Carvalho:

    [...] semelhana da rendeira, o(a) pesquisador/pesquisadora joga bilros, portando,em uma mo, os da teoria e, na outra, os da empiria. E na percia do saber e na artedo ofcio, entrecruza teoria e empiria, em um movimento incessante da razo, daimaginao e da sensibilidade16.

    Isto se deu ao ver de um lado o litoral e o mangue, do outro um grupo de mulheres

    fazendo renda, sentadas na calada, a observar, pensei:

    Desde bem pequena a menina ia praia. Em seus primeiros passos ela vai areiaseca, no caminho ela descobre conchas, pequenas, grandes, de variadas formas ecores, e ela passa a olhar para a areia de um modo diferente, no mais somente aareia, ela, a areia e seus tesouros que os(as) adultos(as) explicaram-lhe que eramconchas. E, um dia, ela se aproxima do mar, no incio corre das ondas, depoisdescobre que o mar no apenas mais um elemento da paisagem, o prazer de

    banhar-se nas guas, e percebe que a areia molhada boa para fazer castelos. E queos tesouros, chamados de conchas, podem enfeit-los. Tempos passa, a meninacresce, leva outra menina praia, e observando-a descobre que no somente a praiamudava com o tempo, tambm ela mudava com a praia...17

    Estas palavras foram registradas no dirio de pesquisa e ficaram guardadas em minha

    memria. Na pesquisa, aprendi a manter um dirio, o qual, transcendendo o relato dos dadosobservados, se assemelha mais ao arquivo proposto por Wright Mills:

    Nesse arquivo o estudioso, como arteso intelectual, tentar juntar o que est fazendointelectualmente e o que est fazendo como pessoa. No ter medo de usar suaexperincia e relacion-lo diretamente com os vrios trabalhos em desenvolvimento.[...]. Mantendo um arquivo adequado, e com isso desenvolvendo hbitos deautorreflexo, aprendemos a manter nosso mundo interior desperto.18

    14 Mais precisamente localizada na Praia de Arpoeiras, em Acara-Cear. A comunidade vivencia conflitossocioambientais causados por fazendas de carcinicultura, assunto sobre o qual retornarei no captulo 3 destadissertao.15Tais como: BECKER, Howard S. BORGES; Maria Luiza X. de A. (trad.) Segredos e Truques da Pesquisa.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007; MILLS, C. Wright; DUTRA, Walstensir (trad.). A Imaginao Sociolgica.Rio de Janeiro: Zahar, 1982; CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em cincias humanas e sociais.Petrpolis: Vozes, 2006; e CARVALHO, Alba Maria Pinho de. O exerccio do ofcio da pesquisa e desafio daconstruo metodolgica. In: BAPTISTA, Maria Manuel (Edio). Cultura: metodologias e investigaes.Lisboa: Ver O Verso, 2009.16CARVALHO, Alba Maria Pinho de. O exerccio do ofcio da pesquisa e desafio da construo metodolgica.In: BAPTISTA, Maria Manuel (Edio). Cultura: metodologias e investigaes. Lisboa: Ver O Verso. 2009, p.

    133.17Anotaes feitas em meu dirio de pesquisa, na noite de 7 (sete) em junho de 2010, em Curral Velho.18MILLS, C. Wright. DUTRA, Walstensir (trad.). A Imaginao Sociolgica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.212-213.

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    A busca por outros aportes nesta pesquisa tornaram-se ainda mais tangveis para mim

    em consonncia com o esforo por aprender a constituir um racionalismo aberto e crtico,

    teorizado por Carvalho, o qual

    [...] concebe a cincia como uma criao da razo crtica, em articulao com aimaginao e a sensibilidade, em resposta s interpelaes da realidade, nas suasinfinitas conexes de espao e tempo. a afirmao da cincia como realizaocriativa do racional, em sintonia vigilante s provocaes do real, em sua diversidadee complexidade de experincias. Em verdade, esta [perspectiva do RacionalismoAberto e Crtico] uma produo epistemolgica que afirma a natureza poltica dacincia, como uma prtica que se institui e se desenvolve na teia das relaes sociaisde um dado espao, em um tempo histrico especfico24.

    No influxo dessas ideias, antes de tranar os birros25, reflito agora sobre como o tema

    e o delineamento do objeto de pesquisa desta dissertao foram a mim se apresentando no

    decurso de experincias acadmicas e profissionais. Concebo que esta dissertao, em suagestao inicial, se iniciou no encontro e na vivncia com a Assessoria Jurdica Popular (quem

    fala, fala de um lugar), e tomou vida nos caminhos investigativos trilhados.

    Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 405). A prxis entendida, portanto, como a atividade humana fundamental pormeio da qual o homem modifica o seu mundo e a si mesmo. [...] manifestando-se atravs da atividade criadora eautocriadora. Essa tica de anlise enfatiza que os grupos humanos, na sua vida real, no produzem apenas os

    bens materiais, mas ao faz-lo elaboram, ao mesmo tempo, ideias, representaes, saberes que contribuem para areproduo e transformao da realidade. (DAMASCENO, Maria Nobre; THERRIEN, Jacques. Introduo. In:DAMASCENO, Maria Nobre; THERRIEN, Jacques (Orgs.). Artesos de um outro ofcio:mltiplos saberes e

    prticas no cotidiano escolar. So Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto do Governo doEstado do Cear, 2000, p. 17).23 [...] o que caracteriza o direito ser uma totalidade concreta e, ao mesmo tempo, estar inserido nela. o

    problema do poder, em sede de discusses jurdicas, que d azo superao da discusso do jurdico como meraforma ou um elemento em ltima instncia, assim como permite entrever na realidade do direito a assimetriaentre as regulaes sociais possveis. Direito organizao poltica [...]. (PAZELLO, Ricardo Prestes. AProduo da Vida e o Poder Dual do Pluralismo Jurdico Insurgente : ensaio para uma teoria de libertaodos movimentos populares no choro-cano latino-americano. Dissertao (Mestrado em Direito) UniversidadeFederal de Santa Catarina (UFSC), Florianpolis, 2010., p. 118).24CARVALHO, Alba Maria Pinho de. O exerccio do ofcio da pesquisa e desafio da construo metodolgica.In: BAPTISTA, Maria Manuel (Edio). Cultura: metodologias e investigaes. Lisboa: Ver O Verso, 2009, p.125-129.25Os bilros so uma espcie de haste de madeira provida de uma cabecinha numa das extremidades. Sobre elaenrola-se a linha para fazer a renda. Os bilros so sempre utilizados aos pares.; acesso em 21 Abr. 2011. "Bilro um termo

    portugus empregado pelos literrios brasileiros e que se encontra no dicionrio. Na prtica e na vida real, as

    rendeiras brasileiras preferem de fato usar a palavra Birro, termo que no recebeu nenhum reconhecimento daparte da camada intelectual, porque as rendeiras [eram] na sua imensa maioria mulheres que muitofrequentemente no sabiam quase ler, e que por consequncia no tinham voz. (Informao disponvel em; acesso em 22 abr. 2011).

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    2.1 O encontro como reencontro: a artes e o desenho26

    No primeiro semestre da graduao, ao ouvir uma professora falar em Direito

    Humanitrio, fui perguntar, daquele jeito que s um(a) iniciante capaz: como fao para

    trabalhar com esse Direito?. Confesso que no apreendi parte dos conceitos apresentados na

    resposta, poca; no entanto, uma palavra ficou gravada: CAJU. E esse foi apenas o incio da

    busca pelo encontro.

    Percebia que o ensino jurdico universitrio, em geral, proporcionava a aprendizagem

    acerca do Direito Estatal positivado, na Constituio Federal e demais dispositivos legais, em

    uma perspectiva tcnico-formal. Os corredores da Faculdade me pareciam insensveis ante as

    inquietudes na busca pelo Direito como sentido de Justia.

    No segundo semestre (1999) cursei a capacitao em Direitos Humanos e AssessoriaJurdica Popular realizada pelo Centro de Assessoria Jurdica Popular Universitria (CAJU27).

    Aps a capacitao incorporei-me ao CAJU (1999-2002). E apoesia do encontrose deu28.

    Minha identidade no Direito fez-se nas malhas da Assessoria Jurdica Popular

    (AJP29) e a possibilidade de um direito emancipatrio e libertrio foi o que ocupou meus

    esforos de dilogo(s) crtico(s) com a teoria e a prtica jurdica.

    Em 2000, nos Encontros Universitrios de Pesquisa da Universidade Federal do

    Cear (UFC), apresentei o trabalho Assessoria Jurdica Popular e a luta pela igualdade dossexos e pela livre orientao sexual30, onde buscava compreender como a AJP poderia ser

    uma prtica jurdica mais apropriada luta pela emancipao feminina31.

    26A renda feita em uma almofada onde ela [a rendeira] fixa alfinetes a fim de fazer o contorno do desenho queser a renda, depois de fazer isso ela vai entrelaando os bilros at que o desenho aparea em forma de renda.(Informao disponvel em: ; acesso em 22 abr. 2011). Odesenho, aqui, significa o objeto da pesquisa.27Projeto de Extenso formalmente vinculado Universidade Federal do Cear, desde o ano de 1998, hoje sob aorientao do Prof. Dr. Gustavo Raposo, cujo propsito o de buscar, por meio da Assessoria Jurdica PopularUniversitria, atuar na educao em direitos humanos junto a movimentos, utilizando-se da Educao Popularcom aporte terico em Paulo Freire.28Porque sou humano e creio no divino da palavra, pra mim um orculo a poesia! meu tar, meu baralho,meu tricot, meu i ching, meu dicionrio, meu cristal clarividente, meus bzios, meu copo d'gua, meu conselho,meu colo de av, a explicao ambulante para tudo o que pulsa e arde. A poesia sntese filosfica, fonte desabedoria, e bblia dos que, como eu, creem na eternidade do verbo, na ressurreio da tarde e na vida bela.(LUCINDA, Elisa. A Fria da Beleza. In: LUCINDA, Elisa; ALVES, Rubem. A Poesia do Encontro. Campina:Papirus 7 Mares, 2008).29A sigla aparece, por vezes, como AJUP.30 JOCA, Priscylla. Assessoria Jurdica Popular e a luta pela igualdade dos sexos e pela livre orientaosexual. XIX Encontro Universitrio de Iniciao Pesquisa da Universidade Federal do Cear, 2000, Fortaleza.In: Anais do XIX Encontro Universitrio de Iniciao Pesquisa da Universidade Federal do Cear - Fortaleza:Universidade Federal do Cear, 2000.31

    Para aprofundar-se sobre o tema vide MAIA, Christianny Digenes; LOPES, Ana Maria Dvila. AAssessoria Jurdica Popular na construo de uma nova cultura jurdica antipositivista e antimachista :superando a discriminao de gnero no Direito. XIX Encontro Nacional do CONPEDI, 2010, Fortaleza. In:Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDIFortaleza. Florianpolis: Fundao Jos Arthur Boiteux, 2010.

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    Este trabalho originou projeto de pesquisa (2001-2003) cujo tema era sobre Direitos

    de Mulheres em mbito Internacional. Tal caminho investigativo redundou na monografia de

    final de curso (2003), cujo ltimo captulo tratou de Novas perspectivas do Direito na

    conquista pela igualdade: Experincia das Promotoras Legais Populares, Advocacy e

    Assessoria Jurdica Popular32.

    No decurso da graduao, envolvi-me em alguns estgios: na Organizao no

    Governamental (ONG) Centro de Defesa dos Direitos da Criana e do Adolescente do Cear

    (CEDECA-CE)33(2000-2003), como educadora em Direitos Humanos na ONG Comunicao

    e Cultura34 (2000) e no Escritrio de Direitos Humanos e Assessoria Jurdica Popular Frei

    Tito de Alencar (EFTA)35(2001).

    Essas experincias fizeram-me vivenciar outras formas de atuao jurdica, as quaisse utilizavam da via judicial como apenas mais um meio de concretizao de direitos,

    compreendendo a educao em direitos e a atuao jurdico-poltica como outros caminhos

    possveis e necessrios na busca por essa concretizao.

    Aps graduar-me, trabalhei na Fundao da Criana e da Famlia Cidad (FUNCI) 36

    (2005/2006) como coordenadora do projeto Agncias de Cidadania, onde pude participar do

    grupo dos gestores(as) que o reformularam, buscando constituir as Razes de Cidadania37, as

    32JOCA, Priscylla. Internacionalizao dos Direitos das Mulheres: da igualdade formal igualdade material.Monografia (Faculdade de Direito) - Universidade Federal do Cear (UFC), Fortaleza, 2003.33O CEDECA-CE tem como misso: Defender os direitos de crianas e adolescentes, especialmente quandoviolados pela ao ou omisso do poder pblico, visando o exerccio integral e universal dos direitos humanos.

    Nossa atuao tem como fundamento os direitos consagrados na Conveno Internacional dos Direitos daCriana, na Constituio Federal e no Estatuto da Criana e do Adolescente. (Informao disponvel em; acesso em 13 mar. 2011).34 O Comunicao e Cultura uma Organizao no Governamental (ONG) fundada em 1988. Sediada emFortaleza, no Cear, tem como misso atuar em escolas, principalmente pblicas, visando promover a formaocidad de crianas e adolescentes e contribuir para a melhoria da qualidade do ensino (Informao disponvelem ; acesso em 13 mar. 2011). No perodo de estgio atuei comoeducadora em cursos promovidos pela ONG ligados ao Projeto Clube do Jornal (sobre este projeto, ver em; acesso em 13 mar. 2011).35 O Escritrio de Direitos Humanos e Assessoria Jurdica Popular Frei Tito de Alencar tem como objetivo

    prestar assistncia jurdica s comunidades marginalizadas do Estado do Cear. Criado em junho de 2000, ele vinculado comisso de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa, atuando em convnio comentidades pblicas e privadas na defesa da sociedade contra violaes aos direitos humanos, em demandascoletivas ou individuais de grande repercusso (Informao disponvel em ;acesso em 30 mai. 2010). O EFTA nasceu de um convnio (hoje no mais vigente) entre o Tribunal de Justia doEstado do Cear, a Assembleia Legislativa do Estado do Cear, e a Universidade Federal do Cear, estarepresentada pelos projetos de extenso CAJU e Ncleo de Assessoria Jurdica Comunitria (NAJUC).Posteriormente, a Universidade de Fortaleza (UNIFOR) agregou-se ao EFTA por meio do Servio de AssessoriaJurdica Popular (SAJU-CE).36Fundao vinculada Prefeitura Municipal de Fortaleza.37

    Hoje vinculadas Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza, define-se como a Secretaria de DireitosHumanos nos bairros, numa atuao que considera as especificidades dos territrios e que est fortemente ligadas organizaes da sociedade civil. Trata-se, portanto, de uma gesto de aes compartilhadas entre poder

    pblico municipal e comunidades, atravs do intercmbio de conhecimentos sobre direitos humanos, do fomento

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    quais, contando em sua equipe com advogado(a), psiclogo(a), assistente social e assessor

    comunitrio, passaram a pautar sua atuao jurdica na AJP38.

    Quando, alguns anos mais tarde (2008), trabalhei como assessora jurdica da Casa

    Abrigo para Mulheres Vtimas de Violncia da Prefeitura Municipal de Fortaleza39, deparei

    dificuldades e descaminhos no cotidiano da defesa de direitos. Percebi, ento, que ainda

    buscava a resposta s perguntas teimosas e renitentes em minhas ideias/ideais: o que

    concebemos como Direito pode ser um campo frtil a real concretizao de Direitos Humanos

    e Fundamentais?; h relao possvel entre Direito, Emancipao e Libertao?.

    Aproximava-se o reencontro.

    Dvidas em mente, no primeiro semestre do mestrado, o objeto desta pesquisa

    comeou a ser esboado. Iniciei com a ambio de dialogar sobre as (im)possveis relaesentre Direito e Emancipao, tomando-os como dois conceitos que se cruzam e que podem ou

    no se hibridizar40.

    Por isto instigada, inseri-me no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o pensamento de

    Boaventura de Sousa Santos no Cear, e, aps um dos encontros do grupo, evoquei a ideia de

    quando atuava no CAJU aproximei-me, por meio do referido projeto, da Rede Nacional de

    Advogados(as) Populares no Cear (RENAP-CE)41(2000/2002), experincia por meio da qual

    participao popular e da identificao dos potenciais criativos das comunidades. (Informao disponvel em; acesso em30 mai. 2010).38Percebo ser necessrio refletir acerca das (im)possibilidades e contradies da aplicao da Assessoria JurdicaPopular em mbito de uma poltica pblica municipal. Contudo, isto no ser analisado no trabalho dissertativo,

    por no constituir seu objeto e por ser deveras complexo, suscitando a necessidade de outra pesquisa.39A PrefeituraMunicipal de Fortaleza [...] lanou a casa-abrigo de Fortaleza [...] em novembro de 2006. [...] Aimplantao de casas-abrigo uma poltica pblica de mbito nacional que vem sendo estimulada pela SecretariaEspecial de Polticas para as Mulheres-SPM, e est prevista em diversos documentos oficiais, tais como aPoltica Nacional de Enfrentamento Violncia, o Plano Nacional de Polticas para as Mulheres e, maisrecentemente, o Pacto Nacional de Enfrentamento Violncia contra a Mulher. Alm disso, a Lei 11.340/06,conhecida como Lei Maria da Penha, tambm prev a criao desses equipamentos no texto da lei, art. 35, II.(ZARANZA, Janaina Sampaio; GASPAR, Larissa Maria Fernandes; MACIEL, Maria do Socorro Camelo.Polticas Pblicas de Enfrentamento da Violncia contra a Mulher: a experincia de Fortaleza. In: ALVES, MariaElaene Rodrigues; VIANA, Raquel (Orgs.). Polticas para as mulheres em Fortaleza: desafios para aigualdade. So Paulo: Fundao Friedrich Ebert, 2008, p. 83).40 Um texto de Boaventura de Sousa Santos lana luz sobre essa questo: SANTOS, Boaventura. Puede elderecho ser emancipatrio? In: SANTOS, Boaventura de Sousa. AN, Carlos Lema (Trad.). SociologaJurdica Crtica:para un nuevo sentido comn en el derecho. Madrid: Trotta, 2009, p. 542-611.41Surgiu em dezembro de 1995 [a RENAP Nacional], num encontro nacional realizado em SP Capital. Esteencontro fundacional foi precedido de uma reunio em SP, coordenada pelo Secretrio Agrrio do PT, comrepresentantes do MST, CPT, ANAP, AJUP, quando analisou-se a necessidade de retomar a articulao deadvogados/as populares, em mbito nacional, j que se detectava uma ofensiva do latifndio sobre o PoderJudicirio, tendo como casos emblemticos as decises dos juzes de Alhandra-PB e de Pirapozinho-SP,

    determinando a priso de lideranas do MST e CPT sob fundamentos jurdicos muito semelhantes, em regiesmuito distantes geograficamente. No tinha um nome definido, nem se chamou de rede, mas de proteojurdica do povo da terra [...].S no Encontro paranaense, realizado em maro de 1996, em Maring, que surgea proposta de ser uma rede, no de advogados amigos do MST ou s do povo da terra, mas uma rede de

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    pude perceber as diferenas e similitudes existentes entre a atuao de advogados(as)

    populares da RENAP e a AJP Universitria. E, no incio do mestrado, soube que a maior parte

    dos(as) advogados(as) da RENAP-CE so oriundos(as) de algum dos projetos de extenso

    universitria em AJP localizados em Fortaleza42.

    Aferi, ento, que este seria um momento precioso para, por meio da investigao da

    atuao desses(as) advogados(as) populares, compreender como se constitui uma prxis

    jurdica que se afirma como emancipatria e libertria, com suporte na experincia da AJP na

    Advocacia Popular.

    No decorrer dos estudos, apercebi-me da necessidade de realizar tal investigao em

    campo, aliando-os pesquisa bibliogrfica. Pressupus, pela minha prpria experincia na AJP,

    que a atuao desses(as) advogados(as) constitui suas experincias cotidianas de assessoriaaos movimentos, em uma permanente ressignificao terica e prtica. Portanto, a fim de

    melhor compreender essa prxis na contemporaneidade, busquei vivenci-la como

    pesquisadora.

    Destaca-se ainda que se constituiu em um ponto de longas reflexes o

    questionamento sobre se me encontrava apta a realizar essa pesquisa, haja vista a minha

    identificao com a Assessoria Jurdica Popular. A conscincia, no entanto, de que se

    apresentava a mim uma nova realidade na prxis jurdica dos(as) advogados(as) e a busca pordeterminados caminhos investigativos transmutaram essa identificao em obstculo

    transponvel na pesquisa, de um lado, e, de outro lado, em experincia valiosa na apreenso do

    objeto a ser pesquisado.

    advogados populares, j que alguns profissionais atendiam em seus escritrios demandas populares urbanas, nos dos movimentos sociais rurais. (FRIGO, Darcy. Em entrevista concedida a Leandro Franklin Gorsdorf. Em12 de dezembro de 2003. Braslia/Distrito Federal. Publicada em GORSDORF, Leandro Franklin. AssessoriaJurdica Popular e a construo de um novo senso comum emancipatrio. Dissertao (Mestrado em Direito).Universidade Federal do Paran (UFPR), Curitiba, 2004, p. 145). Quanto a RENAP-CE, Freitas aponta que estaRede foi formada em 1998, em decorrncia do contato do MST com a Renap Nacional, aps o Encontro

    Nacional da RENAP realizado em So Lus nesse mesmo ano e que, no incio, era formado basicamente poradvogados(as) do MST ou que apoiavam esse movimento, sendo ampliada em suas temticas com o passar dotempo. (FREITAS, Elmano. Em entrevista concedida a Priscylla Joca, 05 de maro de 2010, Fortaleza/Cear).Hoje, a RENAP-CE articula-se em torno das temticas seguintes: direitos de criana e adolescente; questessocioambientais; direito terra e ao territrio (em meio urbano e rural); povos indgenas; comunidadestradicionais; direitos de mulheres; direitos de lsbicas, gays, travestis, transexuais e transgneros (LGBT);sindicatos (rurais e urbanos); direitos culturais; presos polticos; direito memria e verdade. Para aprofundar-se ver em: KOPITTKE, Alberto Liebling. Introduo Teoria e Prtica Dialtica no Direito Brasileiro: aexperincia da Renap. So Paulo: Expresso Popular, 2010.42

    Sendo esse: Centro de Assessoria Jurdica Popular (CAJU) e Ncleo de Assessoria Jurdica Comunitria(NAJUC), regularmente cadastrados na Universidade Federal do Cear; e o Servio de Assessoria JurdicaPopular (SAJU-CE), em fase de reconhecimento e cadastramento na Universidade de Fortaleza; todos existentesh mais de dez anos.

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    Eis que, em meados de 2009, procurei a RENAP-CE, apresentando-lhes as ideias

    iniciais do que viria a ser esta pesquisa. Tornei a achar-te quando te encontrei43. E o

    reencontro se fez. Quando entrei em contato com a RENAP-CE44 expliquei que pretendia

    pesquisar acerca da relao entre Direito e Emancipao por meio dessa Rede de Advogados

    Populares, o objeto ainda estava se apresentando, tal qual o borro de uma ideia em seu

    inicio.

    Entre setembro de 2009 e maio de 2010 realizei vivncias e incurses no campo a

    fim de me aproximar, (re)conhecer, delimitar e traar os passos para aprender, com maior

    densidade e clareza possveis, sobre o tema a ser pesquisado.

    O contato com o Projeto Novas perspectivas para um velho direito: a propriedade e

    o meio ambiente45, por meio do Mestrado em Direito na UFC, instigou-me a pensar sobre aatuao de advogados(as) populares na concretizao do direito terra e ao territrio.

    Inicialmente, entrevistei alguns(mas) advogados(as) da RENAP-CE com o fito de adentrar o

    tema Direito de propriedade e movimentos sociais e produzir um artigo a ser apresentando

    no II Encontro de Propriedade e Meio Ambiente promovido por esse projeto46.

    Foram entrevistados advogados(as) que atuam em meio rural e em meio urbano.

    Diversos(as) advogados(as) da RENAP-CE atuam na assessoria ao Movimento dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra no Cear (MST-CE), Povos Indgenas, PopulaesTradicionais e Comunidades Urbanas. Esse contato inicial por meio das entrevistas mostrou-

    me a amplitude e complexidade de cada um desses meios, levando-me a optar, por afinidade

    pessoal, pelo meio rural47.

    43 Trecho do poema Quando te vi amei-te j muito antes, de Fernando Pessoa. Disponvel em; acesso em 13mar. 2011.44Em junho de 2009, inicialmente por meio de um de seus integrantes, escolhido porque j o conhecia desde apoca em que atuava no CAJU, ele foi meu contemporneo na AJP Universitria. Aps, participei de umareunio com o coletivo desta rede, apresentando as ideias iniciais da pesquisa.45Casadinho Universidade Federal do Cear-UFC e Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC. Coordenadorna UFC: Prof. Dr. Joo Luis Nogueira Matias. Vigente entre 2009-2010.46O Encontro ocorreu no dia 23 de outubro de 2009, e inseriu-se na programao do III Simpsio Internacionalde Propriedade e Meio Ambiente, entre 19 e 23 de outubro de 2009, no Auditrio de Centro de Cincias Jurdicasda Universidade Federal de Santa CatarinaUFSC.47 Entrevistas por meio de questionrios semi estruturados, que redundaram no artigo: JOCA, Priscylla;

    NBREGA, Luciana. O Olhar de Advogados(as) Populares: o direito a terra e a pluralidade de movimentos

    sociais. In: WACHOWICZ, Marcos; MATIAS, Joo Luis Nogueira (Org.). Direito de propriedade e meioambiente: novos desafios para sculo XXI. Florianpolis: Fundao Boiteux, 2010. Dos quatro advogados(as)acompanhados(as) nesta pesquisa dissertativa, trs foram contatados j nesse perodo, tendo participado dasentrevistas para o citado artigo, dentre outros(as) advogados(as).

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    Nos meses seguintes, fui a algumas reunies da RENAP-CE como pesquisadora, e,

    aps, esbocei um pr-projeto de pesquisa48no qual o objeto de pesquisa desta dissertao ia

    se apresentando com maior clareza. Nessa poca, segui nas atividades de campo com a

    inteno de compreender a atuao da RENAP-CE como uma rede de advogados(as)

    populares voltada concretizao de direitos de movimentos organizados em torno da luta

    pela terra e pelo territrio em meio rural no Cear.

    At que, em maro de 2010, participei do Seminrio de 15 anos da RENAP no

    Cear49e, em outro dia desse mesmo ms, estive presente na avaliao interna da RENAP-

    CE no seu planejamento anual. Nesses momentos, percebi que o objeto sobre o qual gostaria

    de me debruar no era a Rede, por acreditar que as perguntas que movimentavam a pesquisa

    seriam mais claramente vislumbradas alm das relaes institucionais e do funcionamento eorganizao da RENAP-CE, e sim a prxis jurdica de assessores jurdicos populares junto a

    movimentos populares organizados em torno da luta pela terra e pelo territrio no meio rural

    do Cear.

    O objeto foi, assim, aclarando-se, apresentando-se como a investigao sobre a

    prxis de advogados(as) populares ligados a RENAP-CE junto a movimentos populares

    organizados na luta pela terra e pelo territrio em meio rural no Cear.

    Esses movimentos, em suas demandas, pedem aplicaes e interpretaes contra-hegemnicas ao Direito Estatal, emergem direitos insurgentes, ressignificam direitos e

    resistem em torno de necessidades e interesses constitudos e reconhecidos nesses grupos,

    levando ao reconhecimento de novos direitos estatais ou do pluralismo jurdico. Esse quadro

    espelha a pluralidade tnica, a multiculturalidade e as desigualdades sociais e econmicas

    brasileiras que tencionam uma equidade social-ambiental-territorial.

    Outras foras sociais organizam-se pela manuteno da propriedade exclusivista,

    cartorria, individualizada e insustentvel em sua produo e na extrao de recursosnaturais. Nessa diversidade de demandas, tenses e espaos agem os(as) advogados(as)

    populares que assessoram esses movimentos, em prxis jurdicas que possam viabilizar e

    concretizar as demandas desses movimentos.

    Busquei, desde ento, investigar a prxis da Assessoria Jurdica Popular junto a esses

    movimentos, o que passa por compreender: o que os movimentos populares significam como

    48Essas reunies ocorrem na primeira semana de cada ms, h partilha de experincias, encaminhamento de

    questes comuns entre esses(as) advogados(as), e planejamento conjunto de estratgias e atuaes jurdico-polticas na concretizao dos Direitos Humanos e Fundamentais no Cear, em articulao com a RENAPNordeste e Nacional.49Realizado no Auditrio da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Cear (UFC).

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    direito(s), em suas resistncias e reivindicaes, em torno da luta pela terra e pelo territrio;

    como os(as) advogados(as) percebem essas direitos e com estes dialogam; como se constituem

    as demandas jurdicas por meio do encontro movimentos e advogados(as); e como a

    Assessoria Jurdica Popular, em meio a essas tessituras de resistncias, reivindicaes,

    demandas e lutas se faz como prxis para, ao final, refletir sobre suas potencialidades, limites

    e contradies no contexto de lutas pelo direito terra e ao territrio.

    A fim de possibilitar melhor compreenso da prxis jurdica desses(as)

    advogados(as), optei por acompanhar, desde maro de 2010, quatro assessores jurdicos

    populares da RENAP-CE ligados a movimentos organizados em torno da luta pela terra e

    pelo territrio em meio rural no Cear.50

    Os(as) advogados(as) foram escolhidos atentando-se para os critrios seguintes:respeitando a paridade de gnero, optei por escolher dois homens e duas mulheres, todos(as)

    advindos(as) de projetos de extenso em AJP Universitria. No decurso das incurses em

    campo, apercebi-me das ligaes entre a Rede de Assessoria Jurdica Universitria no Cear

    (REAJU)51 e a RENAP-CE. Dos(as) advogados(as) acompanhados, trs formaram-se

    recentemente e o outro se graduou em Direito h alguns anos. Todos(as) vm de projetos de

    extenso universitria em AJP: um do CAJU-UFC, outro do NAJUC-UFC e dois do SAJU-

    UNIFOR52

    .E, com o objetivo de compreender os fluxos comuns das lutas de resistncias e

    reivindicaes em torno da terra e do territrio, escolhi esses(as) advogados(as) tambm pela

    diversidade de movimentos assessorados em meio rural: MST, Indgenas e Comunidades

    Tradicionais. Assim, um dos advogados assessora povos indgenas e comunidades

    tradicionais; outro o MST e comunidades tradicionais; uma das advogadas assessora o MST; e

    outra diversos Povos Indgenas; todos(as) atuantes no meio rural do Cear53.

    50Dois desses assessores j vinham sendo acompanhados, a advogada que trabalha com povos indgenas, desdejaneiro; e o advogado que trabalha com comunidades tradicionais, desde fevereiro.51A REAJU composta, hoje, pelos seguintes projetos: Centro de Assessoria Jurdica Universitria (CAJU) e

    Ncleo de Assessoria Jurdica Comunitria (NAJUC), ambos ligados Faculdade de Direito da UniversidadeFederal do Cear (UFC); Servio de Assessoria Jurdica Universitria (SAJU), ligado Universidade deFortaleza (UNIFOR); e o Programa de Assessoria Jurdica Estudantil (PAJE), ligado Universidade Regional doCariri (URCA). A REAJU ligada Rede Nacional de Assessoria Jurdica Universitria (RENAJU), fundada em1996, e que conta hoje com vinte e trs projetos de Assessoria Jurdica Universitria em todo o pas. (Informaodisponvel em: ; acesso em 29mai. 2010).52A convivncia com estes grupos no decurso do Mestrado aponta que novas prticas e percepes sobre AJPtm sido criadas e que alguns documentos vigentes na poca em que participava, como o Regimento do CAJU e

    a Misso do CAJU, no so mais utilizados, ou sequer conhecidos, por seus membros atuais.53Dos quatro, as duas advogadas assessoram tambm comunidades urbanas no que tange ao direito moradia, cidade e democratizao do espao urbano, contudo, para efeitos desta dissertao, observei o trabalho delasrelativo ao meio rural.

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    guisa de informao, nenhum(a) dos(as) advogados(as) apresentou-me, poca da

    consecuo da pesquisa, trabalhos de AJP junto a Quilombos. Aps, soube que dois desses

    advogados estavam estabelecendo contatos com comunidades quilombolas.54

    Desenvolvi esta pesquisa de dissertao sob duas feies principais: bibliogrfica e

    de campo. E, desde as primeiras incurses em campo, realizei: entrevistas (no estruturadas,

    estruturadas e semi estruturadas, a depender do contexto), observao participante, dilogos e

    escutas de histrias, poemas e canes.

    Como pesquisadora, busquei no falar sobre ou encaixar o que vi e vivi em pr -

    concepes acadmicas, e sim falar com e praticar um encontro de saberes e conhecimentos,

    acadmicos e no acadmicos55.

    Utilizei diversos meios de registro: udio (gravador), anotaes (de entrevistas edirio), filmagens e fotografias. Realizei tambm estudos por meio desitese redes de e-mails

    ligados aos movimentos populares, aos(s) advogados(as) populares, e temtica apresentada

    nesta pesquisa, a fim de acessar informaes comunicadas com base no ponto de vista desses

    movimentos e advogados(as)56.

    Tal delimitao, nascida de pr-compreenses e experincias acadmicas e

    profissionais, bem como de reflexes e estudos tericos, ocorreu tambm em incurses em

    campo vividas entre 2009 e 2010. Desse modo, essa dissertao vem sendo escrita h muitosanos. As inquietaes e reflexes que por aqui aportam vm de espaos acadmicos e no

    acadmicos, e de grupos diversos, ainda que interconectados57.

    Traado o desenho, passo agora descrio das atividades desenvolvidas em campo,

    conforme esboarei a seguir.

    54Estimo que as 79 comunidades registradas por um professor de Par no representam nem a metade do realnmero de quilombos no Cear. Em mais de 100 dos 184 municpios cearenses, h comunidades quilombolas.So tanto quilombos rurais, quanto quilombos urbanos, formados por negros que fugiram do Interior do Estado

    para tentar encontrar trabalho em Fortaleza. (HOLANDA, Ceclia. Em entrevista concedida a An Coppens.Publicada no Jornal Dirio do Nordeste, em 5 ago. 2007. Informao disponvel em; acesso em 11 jun. 2011).55 Durante a pesquisa, cada artigo escrito sobre o tema era publicizado para os(as) advogados(as)

    pesquisados(as), e, em algumas ocasies, eles(as) me procuravam e dialogavam sobre o que havia escrito,refletindo e problematizando acerca de algumas questes relativas temtica em estudo. Em junho de 2010, comLuciana Nbrega, viajei para Curral Velho a fim de apresentar os artigos produzidos sobre a comunidade e osconflitos socioambientais que enfrentam.56 Destacam-se: (acesso em 24 abr. 2011); (acesso em 24 abr. 2011); < http://www.mst.org.br/> (acesso em 24 abr. 2011); (acesso em 24 abr. 2011); (acesso em 24 abr.2011); e participao em grupos de e-mailsda RENAP-CE e REAJU.57

    melhor comear, creio, lembrando aos principiantes que os pensadores mais admirveis dentro dacomunidade intelectual [...] no separam seu trabalho de suas vidas. Encaram a ambos demasiado a srio parapermitir tal dissociao, e desejam usar cada uma dessas coisas para o enriquecimento da outra. (MILLS, C.Wright. DUTRA, Walstensir (trad.). A Imaginao Sociolgica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 211-212).

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    2.2 Percursos no campo

    Como primeira atividade de campo mais voltada para esta pesquisa dissertativa, em

    fevereiro de 2010, acompanhei o trabalho de um dos advogados junto Comunidade de

    Curral Velho, havendo levantamento de dados primrios de pesquisa. Intuitivamente, j

    havia iniciado os percursos no campo58.

    Por meio de grupos focais, entrevistas semiestruturadas e observao participante,

    pesquisei em Curral Velho sobre: a relao da comunidade com o territrio e os significados

    gestados pela comunidade em torno dos direitos terra e ao territrio; suas histrias, falas e

    canes sobre suas resistncias devastao socioambiental causada, principalmente, pela

    produo de fazendas de carcinicultura existentes no entorno da comunidade, e em defesa deseu territrio e do ecossistema manguezal; a relao com o advogado que os assessora

    juridicamente; e o que compreendem como Direito e advocacia popular.

    No percurso da viagem, realizei entrevistas sem roteiro ou com roteiro

    semiestruturado com o advogado, com o fito de compreender tanto sua prxis na advocacia

    popular, bem assim sobre como ocorre a relao jurdica deste com a comunidade de Curral

    Velho. Ele um advogado-poeta, e, nas viagens e entrevistas realizadas, uma de suas formas

    preferidas de comunicao era a leitura de suas poesias escritas sobre suas experincias comoadvogado popular e os movimentos assessorados, precedidas da contagem de histrias e

    casos que o inspiraram59.

    Duas outras entrevistas (maro de 2010), utilizando-se de roteiro semiestruturado,

    foram realizadas com esse advogado a fim de me aprofundar em questes como propriedade,

    terra, territrio, advocacia popular e assessoria jurdica popular.

    58Foram realizadas quatro visitas comunidade com a finalidade de realizar a pesquisa. A primeira, em fevereirode 2010, acompanhando o advogado popular. A segunda, em maro de 2010, foi realizada em conjunto com oadvogado e Luciana Nogueira Nbrega, a fim de produzir (com esta), em coautoria, artigos sobre Curral Velho.A terceira, em junho de 2010, com o objetivo de apresentar os artigos por ns escritos. E a quarta, em agosto de2010, acompanhando o advogado. Frutos dessas visitas foram publicados os artigos seguintes: JOCA, Priscylla;

    NOBREGA, Luciana. No mangue de mim, no mangue, sou mangue vou lhe mostrar": um estudo sobre osimpactos socioambientais da carcinicultura na comunidade de Curral Velho - Acara/Cear. II Encontro daSociedade Brasileira de Sociologia, 2010, Belm. In: Sociedade Brasileira de Sociologia da Regio Norte (Org.).Amaznia: mudanas sociais e perspectivas para o sculo XXI. Belm: Universidade Federal do Par, 2010;JOCA, Priscylla; NOBREGA, Luciana. O Direito a Terra, ao Territrio e ao Meio Ambiente do Povo doMangue. In: WACHOWICZ, Marcos; MATIAS, Joo Luis Nogueira (Org.). Propriedade e Meio Ambiente: em

    busca de sua convergncia. Florianpolis: Boiteux, 2010; e JOCA, Priscylla; NOBREGA, Luciana. PopulaesTradicionais, Territrio e Meio Ambiente: um estudo sobre a carcinicultura e a comunidade de Curral Velho -Acara/Cear. XIX Encontro Nacional do CONPEDI, 2010, Fortaleza. In: Anais do XIX Encontro Nacional do

    CONPEDIFortaleza. Florianpolis: Fundao Jos Arthur Boiteux, 2010.59Um dos dias mais ricos no decurso da pesquisa se deu na segunda viagem a Curral Velho, em que ficamos emum posto de gasolina, na estrada, esperando o socorro mecnico para o carro particular que nos transportava, e,durante longo tempo, o advogado declamou suas poesias e contou histrias.

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    Ainda em maro de 2010 procurei a Secretaria Estadual do Movimento dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra no Cear (MST-CE), a fim de pedir permisso para

    pesquisar o trabalho do advogado e da advogada que os assessoram.

    Em abril de 2010, em meio a atividades da Jornada Nacional de Lutas por Reforma

    Agrria60, iniciou-se o acompanhamento de atividades da advogada, com base em

    observao participante na primeira audincia de negociao sobre a ocupao rururbana61

    Comuna da Terra 17 de Abril62, onde estavam presentes o Movimento dos Conselhos

    Populares no Cear (MCP-CE), o MST-CE, os legalmente proprietrios, a Secretaria de

    Desenvolvimento Agrrio do Cear (SDA) e o Instituto de Colonizao e Reforma Agrria

    no Cear (INCRA).

    Em outra ocasio (abril de 2010), fiz uma viagem pelo interior do Cear com aadvogada a uma (ento) recente ocupao do MST-CE. Nesse dia, a advogada foi ao Frum

    da cidade e conversou com o oficial de justia sobre a medida liminar de reintegrao de

    posse j concedida para os legalmente proprietrios da terra. A advogada e o coordenador do

    movimento na cidade deram uma entrevista emissora de rdio local sobre a ocupao, o

    MST e a realidade do no acesso terra no Brasil. Aps, passamos parte do dia na ocupao.

    60 A Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrria realizada [anualmente] em memria dos 19companheiros assassinados no Massacre de Eldorado de Carajs, durante operao da Polcia Militar, nomunicpio de Eldorado dos Carajs, no Par, em 1996. O dia 17 de abril, data do massacre que teve repercussointernacional, tornou-se o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrria. No ano de 2010 teve como tema: Lutarno Crime. (Informaes disponveis em ; acesso em 29 mai. 2010).61Essas ocupaes nascem de aes comuns entre o MST e movimentos urbanos pelo direito a moradia, onde se

    busca, alm da morada, reservar espaos para o agrocultivo e a criao de animais de pequeno porte. A ocupaoDandara (Belo Horizonte, desde abril de 2009) define-se como: [...] a Dandara traz dois diferenciais. O primeiro o perfil rururbano da ao, que reivindica um terreno de 40 mil metros quadrados no bairro Cu Azul, na

    periferia de Belo Horizonte. A idia pedir a diviso em lotes que ajudem a solucionar o passivo de moradia deBelo Horizonte, hoje avaliado em 100 mil unidades, das quais 80% so de famlias com ganhos abaixo de trssalrios mnimos. E tambm contribuir na gerao de renda e na segurana alimentar, ao adotar-se um sistema deagricultura periurbana, em que cada lote destine uma rea de terra possvel de se tirar subsistncia oucomplemento de renda e alimentao saudvel. (Informao disponvel em:; acesso em 2 ago.2010).62A Comuna da Terra 17 de Abril define-se em seu blogcomo [...] a primeira ocupao urbana realizada emFortaleza/CE em parceria pelo MCP-Movimento dos Conselhos Populares e MST-Movimento dos TrabalhadoresRurais Sem Terra, que aconteceu no dia 14 de abril, em um Latifndio Urbano de 500 Hectares localizado noJos Walter, Fortaleza-CE (AV I com a AV Perimetral). (Informao disponvel em:; acesso em 29 mai. 2010). [...] foram muitas as lutas e [...] vitriasconstrudas coletivamente. Como exemplo: a Bodega Vitria Coletiva, que hoje fundamental para garantir

    preos populares nos produtos de primeira necessidade das famlias acampadas. Mas, ainda tem a Cooperativa de

    Costura, o Salo de Beleza Comunitrio, a Horta entre outras. No dia 02 de maro [de 2011], uma importantevitria foi alcanada pelas famlias que h cerca de um ano esto acampadas na Comuna 17 de abril: seroconstrudas 1.200 moradias no terreno do acampamento em benefcio das pessoas que l esto. (Informaodisponvel em: ; acesso em 23 abr. 2011).

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    Na Jornada de Lutas acompanhei tambm uma manifestao do MST-CE diante do

    Palcio Iracema63, a fim de reivindicar uma reunio com o governador (do Estado do Cear)

    com o fito de tratar de uma pauta enumerada pelo Movimento64.

    A advogada foi entrevistada em maio de 2010, noutra ocasio, por meio de um

    roteiro semiestruturado, mediante perguntas j formuladas ao outro advogado (de Curral

    Velho).

    Em janeiro de 2010, fui XV Assembleia Estadual dos Povos Indgenas do Estado

    do Cear65, onde tive o primeiro contato com Povos Indgenas. No incio de abril (2010),

    conversei com uma liderana indgena do Povo Tapeba. Ainda que, com essa liderana,

    tenha dialogado s essa vez, tal ocasio apresentou-se como de enorme importncia, pois

    esta me deu consistentes relatos acerca da identidade e da cultura indgena no Cear, do PovoTapeba e de sua luta pela terra.

    Aps os primeiros contatos, em abril de 2010, fui com a advogada popular que

    trabalha com Povos Indgenas Sesso Solene em Homenagem aos Povos Indgenas do

    Cear na Assembleia Legislativa do Estado do Cear. L pedi a permisso do Povo Tapeba e

    do Povo Pitaguary para acompanhar o trabalho dela junto a esses povos. A advogada

    vincula-se ao Centro de Defesa e Promoo dos Direitos Humanos da Arquidiocese de

    Fortaleza (CDPDH) e, por meio desta, assessora os Povos Tapeba, Pitaguari, e Jenipapo-Kanind66.

    Em meados de abril, encontrei uma liderana do Povo Jenipapo-Kanind em

    Fortaleza, a qual me indicou que fosse a uma apresentao, no dia do ndio (19 de abril), do

    Povo Jenipapo Kanind, em Aquiraz67. Nesse encontro, tive a oportunidade de ter o primeiro

    contato e dilogo com ela acerca de seu Povo Indgena e da relao deste com a terra

    63Local onde se encontrava, na poca, o gabinete do governador do Cear.64A pauta geral nacional est disponvel em ; acesso em 29 mai. 2010. CadaEstado, no entanto, traa uma pauta a partir das reivindicaes nacionais e da realidade de cada local, onde entra,

    por exemplo, pedido de desapropriaes de terras especficas ou a questo da seca verde no Cear no ano de2010. (Informaes colhidas durante a manifestao, por meio de dilogos com a advogada e militantes do MST-CE).65 Informaes sobre esta Assembleia esto disponveis em:; acesso em 29 mai. 2010.66

    Para mais informaes sobre o CDPDH ir em ; acesso em 29 mai. 2010.67O Povo Jenipapo-Kanind localiza-se s margens da Lagoa Encantada com uma rea de 1.731 hectares deterra, situada no Distrito de Jacana, no municpio de Aquiraz, Cear, h cerca de 55 Km de Fortaleza.(Informao disponvel em ; acesso em 29 mai. 2010).

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    indgena. No dia 19 de abril, fui a Aquiraz, com o objetivo, cumprido, de pedir a autorizao

    desse Povo.

    Em maio de 2010, acompanhei a advogada aldeia Jenipapo-Kanind, em uma

    reunio que ocorre mensalmente para informa-la sobre os procedimentos judiciais, e onde se

    dialoga com representantes do Povo sobre seu cotidiano e problemas, como questes

    socioambientais por eles vivenciadas. Em duas ocasies (em maio de 2010), fiz entrevistas

    com essa advogada utilizando-me do mesmo instrumental aplicado ao advogado e

    advogada anteriormente citados68.

    Duas entrevistas foram vitais para me auxiliar na compreenso de aspectos da

    RENAP no Cear e da Advocacia Popular. Estas, com a utilizao de roteiro semiestruturado,

    foram feitas com o fundador e primeiro articulador da RENAP-CE, em maro e maio de 2010.Por fim, em julho de 2010, participei do Encontro Nacional da RENAP, em Gois.

    Ouvir advogados(as) populares de vrios recantos do Brasil, realizar breve entrevista com

    Joo Pedro Stdile69 e com fundadores(a) da RENAP Nacional consistiram em momentos

    valiosos para seguir na compreenso da significncia da advocacia popular70.

    O caminhar na pesquisa foi clareando as seguintes percepes, como pesquisadora:

    ainda que tenha compreendido novos conceitos, at mesmo contrrios aos meus pr-conceitos

    e compreenses, tudo com o intuito de adquirir conhecimento acerca do tema em estudo, asexperincias, reflexes e os dilogos fludos nas atividades de campo e buscar aprender, como

    pesquisadora, a deixar-me afetar71 constituram conhecimentos e visibilizaram-me saberes,

    experincias e prticas, os quais nenhuma palavra escrita podia, por si, fazer-me conhecer.

    68 Observei que esta advogada, no incio, apresentava-se resistente ao uso do gravador. Aps as primeirasentrevistas, disse-me que podia usar o gravador, mas que no a avisasse quando fosse utiliz-lo. Nas ltimasentrevistas ela sentia-se a vontade com o uso do gravador, pedindo-me apenas para paus-lo em determinadosmomentos.69 Membro da direo nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para maisinformaes ver em: ; acesso em 11 mai.2011.70Utilizo a expresso advocacia popular porque por eles utilizada como equivalente a assessor jurdico popular.71A dico utilizada, inspirando-me em Jeanne Favret-Saada, a qual diz: meu trabalho sobre a feitiaria noBocage francs levou-me a reconsiderar a noo de afeto [...] primeiro, para apreender uma dimenso central dotrabalho de campo (a modalidade de ser afetado) [...]. [...]. Afirmo [...] que ocupar tal lugar no sistema defeitiaria no me informa nada sobre os afetos do outro; ocupar tal lugar afeta-me, quer dizer, mobiliza oumodifica meu prprio estoque de imagens, sem contudo instruir-me sobre aquele dos meus parceiros. Mas [...] o

    prprio fato de que aceito ocupar esse lugar e ser afetada por ele abre uma comunicao especfica com osnativos: uma comunicao sempre involuntria e desprovida de intencionalidade, e que pode ser verbal ou no.(FAVRET-SAADA, Jeanne. SIQUEIRA, Paula (Trad). Ser afetado. Cadernos de Campo n13.Revista dosAlunos de Ps-Graduao em Antropologia Social da USP, 2005, p. 155,159). Marcio Goldman ao discorrer

    sobre Jeanne Favret-Saada, expe que [...] uma das originalidades de seu trabalho talvez resida no fato de que oprincipal operador desse agenciamento sejam os afetos suscitados ou revelados em uma experincia vivida dealteridade, seja no trabalho de campo, seja por outros meios. O que produz resultados que, evidentemente,reagem sobre os prprios afetos agenciados: h, em mim, uma espcie de perptua retroao entre um modo no

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    rodas de conversas e entrevistas foram realizadas com pessoas ligadas Associao de

    Marisqueiras e Pescadores de Curral Velho74.

    Nos percursos investigativos acompanhei o advogado de Curral Velho em outras

    atividades, junto ao Povo Indgena Trememb e uma comunidade de agricultores 75. Realizei

    uma entrevista com uma liderana desse Povo, utilizando-me, basicamente, do mesmo

    questionrio semiestruturado aplicado s lideranas cujos povos so assessorados pela

    advogada do CDPDH. Quanto comunidade, no houve tempo no decurso da pesquisa para

    realizar entrevistas e rodas de conversa, no entanto, a realizao de uma visita acompanhando

    Luiz Gama permitiu-me colher dados por meio de observao participante.

    Em setembro de 2010, realizei um grupo focal com os(as) advogados(as) envolvidos

    na pesquisa a partir do seguinte tema: as demandas dos movimentos que vocs assessoramesto contempladas atualmente pelo ordenamento jurdico brasileiro?.

    Em outras ocasies, na avaliao dos(as) prprios(as) pesquisados(as), no decurso da

    pesquisa, houve poucos ensejos de acompanha-los(as) no contato direto com os movimentos,

    por choque de atividades, por impossibilidades minhas, ou mesmo por essas atividades no

    terem ocorrido durante esses meses dedicados mais intensamente ao campo. Percebo, contudo,

    que os momentos em que estive presente foram-me ricos e frteis na aferio do objeto.

    Durante esses trs meses acompanhei os(as) advogados(as) em ocasies diversas,institucionais, acadmicas, judiciais e extrajudiciais, e em atividades ligadas s manifestaes

    dos grupos assessorados.

    74O advogado foi indicado para a Associao pelo Instituto Terramar, o qual se define como uma organizaono-governamental, sem fins lucrativos, do campo popular democrtico que atua na Zona Costeira do Cear,visando o desenvolvimento humano com justia socioambiental, cidadania, participao poltica, autonomia dosgrupos organizados e fortalecimento da identidade cultural dos Povos do Mar do Cear. (Informao disponvelem: ; acesso em 25 abr. 2011).75Comunidade da Lapa em Potiretama, Cear. Essa comunidade uma das afetadas pela construo da Barragemdo Figueiredo. A Secretaria dos Recursos Hdricos do Governo do Estado do Cear alega que A barragemFigueiredo tem capacidade para acumular 519 milhes de metros cbicos de gua destinados ao abastecimento,controles de cheias no baixo Jaguaribe e irrigao de 8.000 ha de terras, gerando 96.000 empregos diretos eindiretos. A produo diria de 15.000 kg de pescado acarreta 4.250 empregos diretos e indiretos, alm doturismo e lazer. (Informao disponvel em: ; notcia veiculada em 12 jan. 2009; acesso em 25 abr. 2011). Em agosto de 2010, faltando

    poucos meses para a concluso da Barragem do Figueiredo, dezenas de famlias, que moram dentro da rea queser inundada pelo aude, ainda no tm para onde ir. H mais de dois anos esperam as indenizaes e casas

    prometidas pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). Como nenhuma casa foi construda,os moradores resolveram impedir os trabalhos de construo da parede no leito do Rio Figueiredo at que orgo federal defina e comece a cumprir o cronograma de desapropriao. (Informao disponvel em:

    ; notcia veiculada em 25 ago. 2010; acesso em25 abr. 2011). Quando da ocupao, o advogado foi procurado e acompanhou um grupo junto sede daDefensoria Pbica da Unio em Fortaleza, ocasio em que estive presente. Posteriormente, o advogado visitou aLapa e o acompanhei como pesquisadora.

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    O dilogo com os(as) advogados(as) em trnsito, em momentos de refeio, no

    decurso das atividades, me proporcionou escuta de falas e reflexes dialgicas, muitas vezes,

    mais elucidativas do que no momento das entrevistas, estando tudo registrado em dirio.

    Ainda que no tenha constitudo objeto desta pesquisa, por se tratar de questo rural e

    urbana, a Comuna 17 de Abril adquiriu vida prpria nesta investigao. Durante o ano de

    2010 visitei algumas vezes a Comuna. Nos primeiros dias de ocupao, ia ao encontro da

    advogada do MST, ou na nsia de compreender melhor o que se construa por l. Indo

    entrevistar uma liderana do MST para a pesquisa, onde aproveitei para realizar mais uma

    visita, levando um professor para visitar o local, ele me ajudou a questionar o problema da

    terra e minha pesquisa com suas perguntas; e, em especial, levando dois professores

    considerados referncia na Assessoria Jurdica Popular. Pude, ento, ouvi-los falar para opovo que ocupava a terra e dialogar com integrantes do MST. Os contatos com a comuna

    instigaram-me diversas reflexes sobre a questo da propriedade e a luta pela terra e pelo

    territrio.

    No ano de 2010, tambm, mantive contato, em reunies presenciais, virtuais, por

    grupo de e-mails, com pesquisadores(as) em AJP e temas afins de vrios recantos do Brasil.

    Em dezembro de 2010, participei da oficina Cartografando Experincias de Assessoria

    Jurdica Popular, ocorrida no VI Seminrio Internacional de Direitos Humanos daUniversidade Federal da Paraba (UFPB). Esses dilogos e escutas, ainda que no consistam

    em dados primrios da pesquisa, afetaram-me de muitos modos e contriburam na

    ressignificao de conhecimentos acerca do objeto.

    Com o objetivo de nomear os(as) advogados(as), sem, no entanto, identific-los, bem

    como buscar perceber o que os(as) motiva na advocacia popular, lhes pedi que se

    batizassem, dizendo-me um nome pelo qual gostariam de ser chamados nesta dissertao, e,

    caso o quisessem, dissessem o porqu

    76

    77

    . As respostas seguem abaixo:A advogada de Povos Indgenas no Cear, apontando o nome de Tura, relatou:

    76 O pedido foi-lhes feito desde abril de 2010, contudo, apenas o advogado de comunidades tradicionais merespondeu pouco tempo depois, os demais, apenas ao final da pesquisa deram-me a resposta.77Durante a defesa desta dissertao me foi questionado o motivo de no ter identificados os(as) advogados(as),ao que respondi: para proteo de suas identidades e por tratar-se de anlises de suas falas, e no de seusinterlocutores, por no ter trabalhado com histria de vida ou outro aporte metodolgico que me permitisseanalisar o perfil desses(as) advogados(as). Eis que, o Prof. Dr. Carlos Frederico Mars chamou-me ateno parao fato de que esses(as) advogados(as) estavam produzindo doutrina jurdica e, portanto, havia por isso de seremidentificados, ao que foi acompanhado por outros membros da banca. Autorizada, pois, pelos advogados(as),identifico-os como: Claudio Silva (advogado do MST-CE); Maria de Lourdes Vieira (advogada de Povos

    Indgenas no Cear); Patrcia Oliveira Gomes (advogada do MST-CE); Rodrigo de Medeiros (advogado decomunidades tradicionais, como Curral Velho e Lapa). A fim de manter o formato original da dissertao econservar o relato dos caminhos percorridos no decurso desta pesquisa, opto por manter seus nomes derebatismo, tal qual se observa a seguir.

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    Tura, liderana indgena kayap que colocou uma faca no rosto de um diretor daEletronorte h muitos anos, na verdade esse deveria ser o meu nome, mas comominha av havia falecido h pouco tempo meu pai colocou o nome dela. Minha me,

    por estar desaldeada, tem fascnio pelas lideranas guerreiras e queria batizar seusfilhos com nomes de guerreiros, mas s rolou com meu irmo que se chama Raoni,

    por causa do cacique que ganhou o mundo78

    .

    O advogado de Comunidades Tradicionais e Povos Indgenas, assim se batizou:

    Escolhi o Luiz Gama, advogado negro, filho de um portugus e de uma negra lderda revolta dos Mals, posto como escravo por seu prprio pai. Sempre tive umaadmirao por esta revolta. Ele tentou estudar no Largo do So Francisco, mas o

    preconceito dos filhos de fazendeiros tornou insuportvel o estudo. Foi militar [...],policial. E acho que em sua poca era um advogado popular, totalmente identificadoe atuando, no s na esfera tcnico jurdica, por suas causas. Ele participava de aodireta, ajudando nas fugas de escravos. Atuava no debate pblico, escrevendo em

    jornais. Parece que soltou por volta de 500 escravos, usando, inclusive, o direitoromano. Ele tambm atuava politicamente, foi fundador do Partido Republicano e

    rompeu em sua formao, porque no quiseram enfrentar a questo da libertao dosescravos. Enfrentava coronis militares, fazendeiros, etc. Na poca em que faleceu,trouxe grande comoo a So Paulo. Mas como todo advogado popular, um heriannimo, esquecido pela histria oficial79.

    A advogada do MST disse que se chamaria Flor de Liz 80. O advogado do MST

    chamou-se Carlos Alencar, assim explicando:

    Carlos para fazer referncia a dois Carlos que tenho conhecido ultimamente e tmme servido de admirao e inspirao. O primeiro Carlos Mariguela, um homemque atravessou duas ditaduras no Brasil, sempre firme na luta. Um revolucionrioque no se prendeu dogmas. Foi liderana estudantil, militante do PCB (depois

    rompe, por divergncia com o reformismo da III Internacional), filia-se a tradiocubana e ingressa na guerrilha armada. Um lutador do povo, sambista, capoerista e

    poeta. O outro Carlos o Fonseca, liderana da Frente Sandinista de LibertaoNacional. Estou lendo sobre a Revoluo Sandinista e inevitvel no se inspirar naltima revoluo que nosso continente viveu. Bem. "Alencar" no d nem paraesconder. Nosso cearense lutador e que tanto nos motivou nos ltimos dias81.

    Por fim, j em maro e abril de 2011, ante a inesperada exonerao, pela Assembleia

    Legislativa do Estado do Cear, de todo o quadro de advogados(as) e estagirio(as) do

    Escritrio de Direitos Humanos e Assessoria Jurdica Popular Frei Tito de Alencar, pude

    78Por e-mail, enviado em 26 abr. 2011. Sobre Tura: A ndia kaiap Tura que, em 1989 empunhou um facocontra o atual presidente da Eletrobrs, Jos Antonio Muniz Lopes, ento diretor da Eletronorte, em um protestoem defesa do Xinguficou de p em frente mesa da Comisso de Direitos Humanos e apontou o dedo para orepresentante da Funai: "O Xingu est nas minhas mos, ento eu no posso deixar a construo desta barragem.Eu no vou deixar construrem Belo Monte, porque eu nasci na beira do Xingu, afirmou Tura. Ela falou que aFunai est fazendo trabalho escondido e que no perguntaram para eles, nas aldeias, se Belo Monte era bom ouruim. A Funai no conhece os ndios na rea. O governo nos abandonou e agora ele mesmo nos ameaa,acrescentou. (SOTOMAYOR, Katiuscia; MACEDO, Gustavo Rodrigues. Governo foge do debate sobre aconstruo da Usina de Belo Monte. Publicado em 4 dez. 2009. Disponvel em:; acesso em 27 abr. 2010).79Por e-mail, em 2 mai. 2010.80Por e-mail, em 27 abr. 2011.81

    Por e-mail, enviado em 18 abr. 2011. O sobrenome Alencar refere-se a Frei Tito de Alencar, o qual inspirou onome e a criao do Escritrio de Direitos Humanos e Assessoria Jurdica Popular Frei Tito de Alencar. Amotivao a que o advogado se refere diz respeito repentina exonerao sofrida pelos(as) advogados(as) doEFTA, como segue nas prximas linhas escritas nessa dissertao.

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    contribuir com o processo de organizao em torno da luta pela manuteno do espao como

    um Escritrio de Direitos Humanos radicado na prxis da AJP82.

    Iniciou-se um processo de negociao e dilogo com a Assembleia Legislativa do

    Estado do Cear (ALCE) no intuito de esclarecer as atividades do Escritrio, seus objetivos, a

    especificidade e diferenciao da AJP em relao assistncia integral e gratuita prestada pela

    Defensoria Pblica do Estado do Cear, e os meios de melhorar efetivamente seu

    funcionamento. Pude estar presente feitura de parecer apresentado ALCE 83, em reunies

    com os Movimentos Populares, e na Comisso responsvel pela elaborao de um projeto de

    Lei institucionalizando o EFTA84, formada por um representante da ALCE, um da Defensoria

    e um dos Movimentos Populares85.

    Nesses meses, a participao nesse processo, como pesquisadora e como sujeito docampo da Assessoria Jurdica Popular no Cear na defesa do EFTA, incitou-me a

    problematizar, refletir, buscar meios de comunicar de modo mais claro e direto a significncia

    da AJP86.

    82Surpresa ontem no Escritrio de Direitos Humanos Frei Tito de Alencar, da Assembleia Legislativa: todos osfuncionrios foram exonerados dos cargos, deixando, assim, um ponto de interrogao sobre o futuro do rgo. Aentidade atua h 11 anos na defesa da sociedade contra violaes dos direitos humanos, em demandas coletivasou individuais de grande repercusso como casos de violncia policial, tortura, negao do direito moradia edemais causas. [...] Os motivos das dispensas no foram esclarecidos", afirma a advogada [.. .]. Nervosa com ademisso, ela conta que h tempos a estrutura do local estava frgil, faltando computadores, com salrios baixose pouco apoio poltico da Comisso de Direitos Humanos, agora presidida pela Deputada Estadual, Eliana

    Novaes. "As exoneraes foram to estranhas que nem fomos avisados oficialmente, s atentamos quando vimosnossa conta do banco sem dinheiro", frisa. Ela conta ainda que membros da Diretoria Operacional da AssembleiaLegislativa lhe informaram que no h possibilidade de retorno dos profissionais e nem a data para retomada dostrabalhos. A advogada teme abandono das comunidades e perda dos prazos judiciais. (Informao disponvelem: ; notcia veiculada em 4 de mar. 2011;acesso em 25 abr. 2011).83 O parecer contou com o dilogo, reviso, autoria conjunta, assinatura de vrios professores(as) eadvogados(as) populares ligados AJP no Brasil. Ver em: COLETIVO DE ASSESSORES JURDICOSPOPULARES. Parecer sobre Pertinncia e Legalidade do funcionamento do Escritrio de DireitosHumanos e Assessoria Jurdica Popular Frei Tito de Alencar da Assembleia Legislativa do Estado doCear (EFTA), 2011. (Disponvel em ; acesso em 04

    jul. 2011). Tal processo repetiu-se na busca pela resposta pergunta: quais as singularidades e diferenasapontadas na distino entre AJP e Assistncia prestada pela Defensoria, no que tange, especificamente, aatuao judicial prestada por assessores jurdicos populares?.84A lei foi promulgada pela Assembleia Legislativa do Estado do Cear sob o n14922/11, tendo sido publicada

    em 2 (dois) de junho de 2011, e entrado em vigncia na data da sua publicao.85Participei como representante indicada pelos Movimentos.86 Falar para/com quem nunca teve contato com a prxis da AJP, juristas ou polticos, foi um exerccio decomunicao e despertou-me para outros aspectos da AJP antes no vislumbrados.

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    Na trana dos bilros, inicio pelos fios que tecem resistncias e reivindicaes de

    movimentos populares na luta pela terra e pelo territrio, desfiados na escuta de suas histrias,

    falas e canes.

    3 HISTRIAS, FALAS E CANES: AS LUTAS PLURITNICAS E

    MULTICULTURAIS PELO DIREITO TERRA E AO TERRITRIO EM MEIO

    RURAL NO CEAR

    As incurses em campo puseram-me em contato com diversas realidades,

    comunidade de marisqueiras e pescadores, comunidade de agricultores, sociedades indgenas,

    trabalhadores rurais sem terra: cada uma dessas populaes com suas singularidades e

    historicidades fazem emergir questes que lhe so prprias e devem ser consideradas em suas

    diferenas.

    Essas e outras tantas populaes organizam-se em movimentos populares em torno

    de suas resistncias e reivindicaes, e constituem significados de direito terra e ao territriocompreendidos em perspectivas pluritnicas89e multiculturais90.

    89 Na compreenso de etnicidade inspiro-me em Joo Pacheco de Oliveira, para quem a etnicidade supenecessariamente uma trajetria (histrica e determinada por mltiplos fatores) e uma origem (uma experincia

    primria, individual, mas que tambm est traduzida em saberes e narrativas aos quais vem se acoplar). O queseria prprio das identidades tnicas que nelas a atualizao histrica no anula o sentimento de referncia origem, mas at mesmo o refora. da resoluo simblica e coletiva dessa contradio que decorre a fora

    poltica e emocional da etnicidade. (OLIVEIRA, Joo Pacheco de (Org.). A viagem da volta: etnicidade,poltica e reelaborao cultural no Nordeste indgena. 2. ed. Rio de Janeiro: Contra Capa/LACED, 2004, p.32;33). Assim, reflito sobre o que