JorgeDamasceno-Tesedemestrado
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UNIVERSIDADE CATLICA PORTUGUESACentro Regional das BeirasFaculdade de Letras
MESTRADO EM LINGUSTICAE ENSINO DE LNGUAS
RELATO DE FUTEBOL:IMAGEM SONORA EM MUDANA
Mestrando: Jorge Manuel Cardoso DamascenoOrientador: Dr. Carlos A. M. Gouveia
Tese em Anlise Crtica do Discurso e Lingustica Sistmico-funcionalJaneiro 2003
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preciso, contra o saber, criar saberes e, contra os saberes, contra-saberes.Boaventura de Sousa Santos (1996: 93)
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Doutor Carlos Gouveia e Prof. Dra. Ludwina van Son, pela orientao recebida, e
pelos conselhos e observaes, manifesto o meu reconhecimento e a minha gratido.
Ao Daniel Matos e esposa, pela amabilidade de efectuarem uma das gravaes de relato
radiofnico para este trabalho.
Salom, pela ajuda no mbito da informtica e pela pacincia que revelou em relao a
ambos (a mim e Tese).
Piedade, pela reviso e pelas sugestes no mbito dos dois ltimos captulos.
Em geral, o meu agradecimento a todos os que me incentivaram e apoiaram ao longo deste
percurso.
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ndice
Captulo I - Introduo
1. Objectivos ... ... ... ... ... ... ... ... ... 10
2. Questes de investigao ... ... ... ... ... ... ... 11
3. Pressupostos tericos ... ... ... ... ... ... ... 14
5. Resumo dos captulos ... ... ... ... ... ... ... 155.1. Quadro terico-metodolgico ... ... ... ... ... 15
5.2. Anlise de texto ... ... ... ... ... ... ... 16
5.3. Prtica discursiva e prtica sociocultural ... ... ... 16
5.4. Concluso ... ... ... ... ... ... ... 17
Captulo II - Quadro Terico-Metodolgico
1. Ps-modernidade e mudanas socioculturais ... ... ... ... 19
1.1. Aspectos distintivos da comunicao mediatizada ... ... 23
1.2. O relato de futebol: uma prtica discursiva singular ... ... 26
2. Gramtica sistmico-funcional ... ... ... ... ... ... 29
2.1. Contexto: gnero e registo ... ... ... ... ... 33
2.1.1. Contexto sociocultural ... ... ... ... 35
2.2. Macrofunes ... ... ... ... ... ... ... 36
2.2.1. Macrofuno ideacional ... ... ... ... 36
2.2.2. Macrofuno interpessoal ... ... ... ... 38
2.2.3. Macrofuno textual ... ... ... ... ... 39
2.2.3.1. Tema marcado ... ... ... ... 41
2.2.3.1. Tema simples vs. Tema mltiplo ... ... 43
3. Anlise Crtica do Discurso ... ... ... ... ... ... 44
3.1. Ideologia ... ... ... ... ... ... ... ... 47
3.2. Ordem de discurso ... ... ... ... ... ... 50
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4. Aspectos metodolgicos da anlise ... ... ... ... ... 54
4.1. Uma abordagem tridimensional da Anlise Crtica do Discurso ... 54
4.1.1. Textos ... ... ... ... ... ... ... 55
4.1.2. Prticas discursivas ... ... ... ... ... 56
4.1.3. Prticas socioculturais ... ... ... ... 56
4.2. Corpus ... ... ... ... ... ... ... ... 57
4.2.1. Amostra ... ... ... ... ... ... ... 57
Captulo III Anlise de Texto
1. Aspectos da anlise e do tratamento de dados ... ... ... ... 60
1.1. Unidades de anlise ... ... ... ... ... ... 60
1.2. Procedimentos ... ... ... ... ... ... ... 61
1.2.1. Transcrio ... ... ... ... ... ... 61
1.2.2. Codificao ... ... ... ... ... ... 62
2. Transitividade no RF ... ... ... ... ... ... ... 63
2.1. Momentos do Jogo ... ... ... ... ... ... 63
2.1.1. 1 Momento de Jogo: Excertos 13 ... ... ... 64
2.1.2. 2 Momento de Jogo: Excertos 46 ... ... ... 68
2.1.3. 3 Momento de Jogo: Excertos 7 9 ... ... ... 70
2.1.4. 4 Momento de Jogo: Excertos 10 12 ... ... 72
2.1.5. Circunstncias ... ... ... ... ... 73
2.2. Variantes de registo no RF ... ... ... ... ... 74
2.2.1. Sub-registo Relato Comentado (Excertos 16) ... 80
2.2.2. Sub-registo Relato Objectivo ... ... ... ... 83
2.3. Relato de futebol na rdio ... ... ... ... ... ... 852.3.1. Relato Comentado ... ... ... ... ... 86
2.3.2. Relato Objectivo ... ... ... ... ... 88
2.4. Relato de futebol na televiso ... ... ... ... 89
2.4.1. Relato Comentado ... ... ... ... ... 90
2.4.2. Relato Objectivo ... ... ... ... ... 91
3. A organizao funcional da mensagem no RF ... ... ... ... 93
3.1. Tema marcado vs. no-marcado ... ... ... ... 933.2. Tema mltiplo ... ... ... ... ... ... ... 98
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Captulo IV - Prticas discursivas e socioculturais
1. A prtica discursiva do Relato de Futebol ... ... ... ... 103
1.1. Processos discursivos do RF ... ... ... ... ... 104
1.1.1. A Imagem Sonora ... ... ... ... ... 104
1.1.2. A conversacionalizao do RF ... ... ... 106
2. Prtica Sociocultural ... ... ... ... ... ... ... 108
2.1. Ordem de Discurso ... ... ... ... ... ... 110
2.2. Tecnologizao do discurso ... ... ... ... ... 111
Captulo V - Concluso
1. O RF como texto lingustico ... ... ... ... ... ... 117
1.1. Caractersticas lingusticas do RF ... ... ... ... 117
1.2. Sub-registos do RF ... ... ... ... ... ... 119
1.2.1. Relato Objectivo ... ... ... ... ... 119
1.2.2. Relato Comentado ... ... ... ... ... 119
1.3. Rdio vs. Televiso ... ... ... ... ... ... 120
2. Interpretao - Prtica Discursiva ... ... ... ... ... 121
3. Explicao - Prtica sociocultural ... ... ... ... ... 123
Referncias bibliogrficas ... ... ... ... ... ... ... 126
Apndice Transcries ... ... ... ... ... ... ... 131
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ndice de Figuras
Fig. 2.1. Modelo tridimensional de Anlise Crtica do Discurso ... ... 54
Fig. 3.1. Excertos 10-12: Participantes ... ... ... ... ... 73
Fig. 3.2. Excertos 112: Processos. ... ... ... ... ... 75
Fig. 3.3. Relato Comentado: Processos ... ... ... ... ... 81Fig. 3.4. Excertos 16: Participantes ... ... ... ... ... 82
Fig. 3.5. Relato Objectivo ... ... ... ... ... ... ... 83
Fig. 3.6. Excertos 7-12: Participantes ... ... ... ... ... 84
Fig. 3.7. Relato radiofnico ... ... ... ... ... ... 86
Fig. 3.8. Rdio - Relato Comentado: Participantes ... ... ... ... 87
Fig. 3.9. Rdio - Relato Objectivo ... ... ... ... ... ... 88
Fig. 3.10. TV: incidncia global dos processos ... ... ... ... 90Fig. 3.11. Relato televisivo nos dois sub-registos ... ... ... ... 90
Fig. 3.12. Televiso - Relato Comentado ... ... ... ... ... 91
Fig. 3.13. TV Relato Objectivo: Participantes ... ... ... ... 92
Fig. 3.14. Temas mltiplos ... ... ... ... ... ... ... 99
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ndice de Quadros
Quadro 2.1. Organizao do corpus ... ... ... ... ... 58
Quadro 3.1. Tabela de identificao de constituintes ideacionais e textuais 62
Quadro 3.2. Coding-sheet ... ... ... ... ... ... ... 63
Quadro 3.3. Sucesso de processos relacionais ... ... ... ... 65Quadro 3.4. Predomnio de processos relacionais no excerto 2 ... ... 66
Quadro 3.5. Predomnio de oraes materiais e relacionais no excerto 4 ... 68
Quadro 3.6. Predomnio material no Relato Objectivo ... ... ... 71
Quadro 3.7. Circunstanciao por excerto ... ... ... ... ... 74
Quadro 3.8. a bola como Actor ... ... ... ... ... ... 76
Quadro 3.9. Acces materiais a que se associa o Actor a bola ... ... 77
Quadro 3.10. Totais de ocorrncia de cada tipo de Actor ... ... ... 77
Quadro 3.11. Profuso da Localizao no Relato Objectivo ... ... ... 79
Quadro 3.12. Oraes tpicas do Relato Objectivo ... ... ... ... 85
Quadro 3.13. Relato televisivo: Processos ... ... ... ... ... 89
Quadro 3.14. Temas marcados vs no marcados ... ... ... ... 95
Quadro 3.15. Prcessos e Circunstncias em posio temtica ... ... 96
Quadro 3.16. Processo como Tema Marcado ... ... ... ... 98
Quadro 3.17. Tema simples vs. Tema mltiplo ... ... ... ... 99
Quadro 3.18. Tipos de Tema mltiplo ... ... ... ... ... 100
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Convenes de transcrio
REL Relator
REL1 Primeiro relator
REL2 Segundo relator
REP Reprter
REP1 Primeiro reprter
REP2 Segundo reprter
COM Comentador
EST Estdio (coordenador de emisso a partir do estdio)
[abc ] Sobreposio de fala
Segmentao
(2) Nmero de orao
(...50) Concluso de segmento interrompido por uma orao
intercalada
XXXXXX Expresso imperceptvel
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Captulo I
Introduo
1. Objectivos
corrente considerar-se o relato de futebol, doravante (RF), como um discurso
estereotipado e situado algo fora da norma lingustica. Por outro lado, no raro ser apontado
como um discurso que se revela algo infiel realidade dos factos observados pelos jornalistas
sobre o relvado de jogo e configurados linguisticamente para o ouvinte.
Com a finalidade de contribuir para clarificar a validade das questes atrs enunciadas,parto da formulao de Halliday (1973: 141), segundo a qual a natureza da lngua est
directamente ligada com as necessidades que chamada a satisfazer na vida diria. Este
posicionamento terico permite, partida, encarar o relato de futebol como um discurso
resultante das circunstncias especficas em que produzido. De facto, o RF apresenta-se
como um processo efmero, instantneo, muito original e muito interessante de verbalizao
de um espectculo movimentado, interactivo, colorido e repleto de pormenores e de
peripcias, que consegue, de algum modo, substituir a imagem televisiva, constituindo uma
alternativa vlida televiso e, porventura, comparncia dos adeptos de futebol no prprio
estdio, para assistirem partida.
O presente estudo segue o posicionamento terico deste autor, com o objectivo de
analisar a prtica discursiva do relato de futebol, tentando verificar a relao entre as suas
vertentes lingustica e sociocultural. A partir desta finalidade, a prossecuo deste trabalho
encerra os seguintes objectivos especficos:
a) identificar as caractersticas lingusticas deste tipo de discurso;
b) relacionar o texto oral produzido pelos jornalistas com os processos
discursivos que o compem e,
c) explicar os contornos deste tipo de discurso como forma de prtica
sociocultural, relacionando-o com as instituies em que est inserido.
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2. Questes de investigao
Como ouvinte assduo das reportagens desportivas da rdio, parece-me pertinente
analisar o relato de futebol, nas verses radiofnica e televisiva, abordando a relao entre o
texto oral produzido e o contexto social que o motiva. Seguindo os ensinamentos da Anlise
Crtica do Discurso, trata-se de analisar e explicitar a interaco existente entre o discurso e a
sociedade, como refere, por exemplo, Fairclough (1995: 65):
It is I believe important both for linguists to be sensitive to how discourse is
shaped by and helps to shape social structures and relations, and for sociologists
to be sensitive to how social structures and relations are instantiated in the fine
detail of daily social practices, including discourse.
A concepo multifacetada do discurso, atrs enunciada, permite clarificar
alguns aspectos que se afiguram relevantes para o estudo do RF, tendo em
considerao: (a) a sua vertente lingustica, (b) o seu carcter eventualmente
manipulativo, do ponto de vista sociolingustico, (c) os procedimentos de seleco e de
transformao das fontes de informao, adoptados pelos media, e (d) a adaptao do
discurso do RF s caractersticas e s expectativas da audincia.
Relativamente primeira questo, a vertente lingustica do RF, e partindo da
convico fundamental de que o jornalista-relator no existe isoladamente, sendo, muito pelo
contrrio, porta-voz de grupos e de categorias sociais, constituindo-se como produto
lingustico e agente de constituio desses mesmos grupos e categorias sociais (cf. igualmente
v. Dijk (1997: 3), o presente estudo poder contribuir para uma viso mais completa, no s
das caractersticas lingusticas do RF, como tambm da natureza do contexto em que este
produzido, o que implica reconhecer, no discurso, as marcas das contingncias socioculturais
que interferem nas sua produo.Assim, importante ter em considerao que o discurso do relator corre atrs da
bola, tal como o fazem os jogadores, adaptando-se maior ou menor velocidade com que os
acontecimentos se desenrolam. De facto, no s a rapidez do jogo, como tambm as
caractersticas emocionais associadas reportagem do espectculo futebolstico, tornam muito
problemtico o raciocnio objectivo e a satisfao do desgnio informativo dos jornalistas. As
componentes espectculo, emoo e incerteza so parte integrante do jogo e, por conseguinte,
dos processos discursivos dos relatores e dos comentadores, o que confere, necessariamente,ao texto do RF caractersticas lingusticas peculiares.
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Quanto ao carcter eventualmente manipulativo do RF, o segundo aspecto a
considerar remete-nos para o facto de o reprter executar a sua tarefa informativa em
condies especiais de produo de fala, realizando um nvel elevado de dbito, que pode
atingir a articulao de sete palavras por segundo (cf. Vigliocco & Hartsuiker, 2002). Sem
tempo suficiente para monitorizar o seu desempenho, o relator no poder evitar que sejam
detectados no seu discurso eventuais distores da realidade observada, que podero ser
motivadas por sentimentos de pertena social, profissional ou clubstica. O jornalista no
deixa de pertencer a um espao social formado por um aglomerado de actores sociais, cujo
estatuto de pertena tanto mais forte, quanto maior a sua centralidade nesse espao. (cf.
Bourdieu, 1987: 151-154). Dado que o RF se interliga com outras prticas sociais e
institucionais, como so o mundo do futebol, a poltica ou os media, diversos interesses
socioculturais e societais podero interferir na iseno e objectividade jornalsticas do RF.
Coloca-se igualmente a questo do carcter mais ou menos fidedigno do texto oral dos
jornalistas responsveis pela reportagem, seguindo a convico de Stuart Hall (1992: 159)
acerca da manipulao ideolgica das audincias: "Texts (...) produce a representation of the
real which the viewer is positioned to take as a mirror reflection of the real world.
Por outro lado, de ter presente o facto de cada sujeito no actuar exclusivamente no
seio de um grupo social isolado, responsvel apenas pela produo de significado de acordo
com uma identidade e uma ideologia prprias. Pelo contrrio, ele situa-se na interseco de
diversos grupos sociais, sendo sempre porta-voz de um discurso ideolgico que pretende
naturalizar uma realidade social. essa representao do mundo social que, uma vez aceite
como legtima, passa a integrar as representaes mentais de outros actores sociais
desprevenidos, os quais, posicionados ideologicamente, vo transformar e transaccionar essa
viso subjectiva do mundo, formalizando-a nas prticas discursivas como testemunhas de uma
verdade (cf. Morley, 1992: 164-165). Ser que esta relao entre o texto e o sujeito social,
que parece favorecer as condies para o posicionamento ideolgico, poder dificultar, aqualquer ouvinte assduo (portanto mais exposto a este gnero de discurso), a tarefa de emitir
uma opinio lcida e independente acerca do jogo de futebol relatado? O esforo no sentido
de clarificar os aspectos ideolgicos relacionados com o relato de futebol poder igualmente
constituir uma questo relevante neste estudo.
De acordo com Fairclough (1995b:48), o discurso dos mediapassa por um processo de
transformao da informao recolhida, com vista sua adequao ao texto final e que se
prende com o terceiro aspecto a considerar, i.e., a prtica discursiva, que consiste naproduo, distribuio e consumo de textos, constitundo um processo institucional, mais ou
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menos longo e linear, de seleco e edio de informao: The production of a text is a
collective process, involving journalists, producers, and various categories of editorial staff,
as well as technical staff. Esta srie de rotinas institucionais dos media, caracterizada pela
transformao de materiais-fonte em texto pode ser considerada um processo manipulativo,
uma vez que consiste na seleco de determinado aspecto da realidade social, e na sua
transformao de acordo com as especificidades discursivas do mediumresponsvel pela sua
apresentao.
No que diz respeito ao quarto e ltimo ponto, referente adaptao do RF realidade
contempornea, no se pode considerar a rdio como o medium anacrnico que luta para
suprir a falta de vocao para o uso da imagem, contrariamente ao que seria de esperar. De
facto, de salientar a sua franca implantao junto do pblico: pelo facto de no reclamar
uma ateno visual absorvente, levando vantagem em relao ao magnetismo visual da
televiso, a rdio constitui um parceiro interlocutivo de quem viaja, trabalha ou,
simplesmente, a certa altura, no pretende ficar s. Este ltimo aspecto esteve na base de um
estudo realizado h 10 anos em Inglaterra analisou a relao interlocutiva entre um programa
de rdio e a respectiva audincia, composta maioritariamente por donas de casa, tendo
evidenciado a correlao entre a identidade social da audincia e a necessidade de produzir
um discurso adequado natureza dessa mesma audincia, como refere o autor acerca do
discurso produzido por Tony Blackburn, locutor do referido programa matinal da estao
britnicaRadio 1:
far from providing background chatter which can be ignored, he obviously
intends his comments to be heard by his audience - and he knows who his
audience is. The reinforcement of the dominant ideology of domesticity is
definitely a function of the encoded media messages emanating from Radio 1
(Hobson, 1992: 108).
Diferida no espao, mas no no tempo, esta interaco condiciona seriamente as linhas
orientadoras do discurso produzido. No caso do RF, afigura-se pertinente verificar a
existncia de uma interaco semelhante, entre jornalista e ouvinte, partindo do pressuposto
de que esse facto contribui para determinar tudo o que dito e o modo como dito.
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3. Pressupostos tericos
O paradigma funcionalista, em que se insere o presente trabalho, caracteriza-se por
dois pressupostos bsicos, segundo Schiffrin (1994: 22): (a) a convico de que a linguagem
tem funes que so externas organizao dos sistemas lingusticos e (b) de que essas
funes externas influenciam o modo como os sistemas se encontram organizados. Esta
convico, corroborada por um sector importante da Anlise do Discurso (cf., por exemplo,
Halliday, (1971:141-144), Halliday, (1973: 343-345), Kress, (1985: 4-5); Fowler & Kress,
(1979:185-190)). Esta rea constituda por investigadores que acentuam a importncia da
relao entre o texto e o contexto, levando a Anlise Crtica do Discurso (ACD) mais longe
este projecto funcionalista, ao analisar a relao entre a lngua e a sociedade, numa
perspectiva marcadamente sociopoltica.Uma das duas vertentes funcionalistas deste estudo
insere-se precisamente na ACD, cujas metas de anlise levam a abordagem do discurso aos
limites do contexto social. O discurso analisado atravs da observao da problemtica das
relaes sociais estabelecidas na base da ideologia, do poder e da hegemonia, no se
limitando, portanto, ao contexto imediato de situao que caracteriza a AD mais tradicional.
Discurso , deste modo, entendido como a dicotomia lngua / contexto social, o que d origem
a conceitos crticos que denotam intrinsecamente ambas as reas, como, por exemplo the
analysis of discursive social power (v. Dijk, 1996: 90), ou the socially determined patterns
of language (Fowler & Kress, 1979: 185), interligando, portanto, o comportamento
lingustico s condies sociais que o determinam.
Em face da vertente lingustica da anlise, a abordagem de textos resultantes dos
eventos comunicativos obriga a explorar a forma como as relaes sociais deixam as suas
marcas no texto, oral ou escrito. Por esse motivo, a outra vertente deste trabalho insere-se na
lingustica sistmico-funcional. O que neste trabalho se entende texto determinado pela
noo de Halliday & Hasan, segundo os quais se define como: "any piece of language that is
operational, functioning as a unity in some context of situation (...). It may be spoken orwritten, in any style or genre, and involving any number of active participants" (1976: 293).
Assim, o texto constitui a unidade de comunicao por excelncia, no s segundo os
sistemicistas, como tambm para os investigadores que se situam no campo da ACD.
Contudo, torna-se importante clarificar a noo de texto no que respeita ao seu
envolvimento sistmico-funcional, em contraste com a lingustica formal. De facto, no
entender de Halliday (1975: 123), a realizao lingustica de discurso resulta de um processo
de escolha a partir de um sistema de significados, numa escala de constituncia, que difere da
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lingustica estrutural ao articular, sucessivamente, num crescendo de abrangncia, a fonologia,
a lexicogramtica e a semntica:
text is not made of sounds or letters; and in the same way it is not made of
words and phrases and clauses and sentences. It is made of meanings, and
encoded in wordings, soundings and spellings. (...) A text is a semantic unit,
realized as (encoded in) phonological or ortographic units. Secondly text is
choice. A text represents a selection within numerous sets of options; (...) each
decision of the speaker (...) presupposes a paradigmatic environment, a set of
options that have the potentiality of being selected under the given conditions.
Adoptando uma posio divergente em relao ao estruturalismo, a lingustica
sistmica representa, para a maioria dos analistas crticos, a componente textual da ACD, e
baseia-se no facto de o sistema gramatical da lngua constituir o reflexo das necessidades
pessoais e sociais que esta chamada a satisfazer (cf. Halliday, 1971:142). Deste modo, a
realidade alvo de um processo de instanciao, entendendo por instanciao, segundo
Matthiesen (1994:22), a produo de significados e a sua materializao sob a forma de texto,
procedendo a escolhas dentro do potencial semntico do sistema, processo que o autor
designa por logogenesis the creation of meaning through instantiation of the system in
text. Por sua vez, os significados so realizados no texto, i.e., representados por constituintes
lingusticos que se encontram sistematizados pela gramtica e repartidos por trs sistemas
semnticos: a Transitividade, a Modalidade e a Textualidade. A partir de cada um destes
sistemas, o falante efectua a sua escolha dos fraseados que considera estarem de acordo com
os significados que pretende incluir no seu texto.
5. Resumo dos captulos
5.1. Quadro terico-metodolgico
O captulo reparte-se por diversos assuntos tericos considerados determinantes para a
investigao realizada: Ps-modernidade e mudanas scioculturais, linguagem mediatizada,
Gramtica Sistmico-Funcional e Anlise Crtica do Discurso.
Em primeiro lugar, procede-se a uma descrio, necessariamente sucinta, do
enquadramento da problemtica destas mudanas no contexto societal mais vasto da Ps-
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modernidade, assim como das implicaes que a crise da modernidade aporta para a
identidade, o funcionamento e a linguagem dos mediana actualidade.
A Lingustica Sistmico-Funcional alvo de uma resenha sumria, a partir dos seus
fundamentos tericos, com especial nfase nas trs macrofunes que a arquitectam e, dentro
de cada uma destas, os aspectos mais relevantes que se considerou terem implicaes directas
na execuo deste trabalho.
Discutem-se ainda as caractersticas, as metodologias e a problemtica que envolvem
a lingustica de cariz crtico. Segue-se uma breve descrio da linha evolutiva que tem
caracterizado o conceito de ideologia, desde o iluminismo at atingir os seus contornos
actuais mais prximos da ACD. Todo o enquadramento terico da ACD converge para a
apresentao do modelo de Anlise do Discurso de Fairclough (1985), o qual serve de base
operacional anlise crtica do evento comunicativo que abordado neste trabalho.
Inclui-se no final deste captulo a explicitao das metologias e dos critrios utilizados
no processo de seleco, recolha e tratamento dos dados que compem o corpusconstrudo
para este trabalho.
5.2. Anlise de texto
O captulo abre com a clarificao dos diversos procedimentos relativos transcrio,
identificao e codificao dos dados, sobre os quais incidiu a anlise realizada.
Segue-se a anlise ideacional do RF, abrangendo os doze excertos do corpus, atravs
da verificao dos significados experienciais que so vo sendo instanciados ao longo dos
textos. Tal acaba por implicar a diviso do corpusem dois sectores diferenciados, o Relato
Objectivo e o Relato Comentado, os quais, por sua vez, so sub-divididos, na perspectiva dos
mediaenvolvidos na transmisso do programa desportivo analisado neste trabalho: a rdio e a
televiso.
Por seu turno, a perspectiva textual da anlise dominada pela Tematizao. Nestafase do captulo, identifica-se e sistematiza-se a ocorrncia dos temas marcados e dos no-
marcados, assim como dos Temas simples e dos mltiplos.
5.3. Prtica discursivas e socioculturais
Partindo da anlise textual e da caracterizao das propriedades lingusticas do RF j
efectuada no captulo anterior, passa-se abordagem da relao entre o texto produzido pelos
jornalistas e a prtica discursiva que configura. Descrevem-se os principais constrangimentosque rodeiam este tipo de reportagem, assim como os principais recursos discursivos
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evidenciados por esta prtica discursiva, como a conversacionalizao do discurso e a
imagem sonora virtual dos acontecimentos mais importantes do jogo.
Por ltimo, passa-se a explicar a relao entre o texto e o contexto institucional e
societal em que o RF est inserido, e que condicionam a sua produo. D-se especial ateno
s mudanas socioculturais que afectam a sociedade, assim contribuindo para reestruturar as
prticas discursivas e, por conseguinte, o discurso dos jornalistas.
5.4. Concluso
Neste ltimo captulo, procede-se a uma sistematizao das principais caractersticas
do RF, incuindo os sub-registos Relato Objectivo e Relato Comentado. Compara-se
igualmente os traos gerais observados nos textos de ambos os media responsveis pelo
gnero reportagem: a rdio e a televiso.
Ao nvel da interpretao, esta resenha inclui ainda o escrutnio do discurso do RF,
dando-se relevo interao entre jornalista e ouvinte, que se encontra condensada nos textos,
assim como aos reflexos desta interaco nos processos discursivos que se verificam no RF.
Por ltimo, no que respeita relao entre o texto e as prticas institucionais, i.e.,
como a produo textual constitui a materializao lingustica dessas prticas, considera-se
que a instabilidade discursiva revelada pelo RF est relacionada com as constantes mudanas
socioculturais que caracterizam as sociedades modernas em transio na crise de
ps-modernidade, com reflexos visveis na permanente reestruturao das prticas
discursivas, s quais o RF no alheio.
Feita a clarificao da natureza e dos limites do trabalho empreendido, passamos a
delinear, no prximo captulo, o enquadramento terico e metodolgico que presidiu anlise
do RF, nas suas facetas de texto lingustico, de prtica discursiva e de prtica sociocultural.
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Captulo II
Quadro Terico-Metodolgico
1. Ps-modernidade e mudanas socioculturais
Mudanas socioculturais incessantes caracterizam a era em que nos situamos e
questionam o modo como a realidade social vista e vivenciada, e afectam todas as prticas
sociais. Estas alteraes tero tido o seu incio na dcada de 1960 (cf., por exemplo, Sousa
Santos, 1996: 213) e deram origem a um perodo de transio da modernidade para um novo
paradigma de contornos ainda mal definidos, designado por ps-modernidade. Em termosgerais, este perodo definido, por exemplo, por Elliot & Turner (2001: 4), como:
a change of mood at the level of interpersonal relationships, social practices,
and modern institutions. (...) it designates a break of modernity, to announce
the end of history and the social, and to welcome the collapse of European or
Western global hegemony.
Esta ruptura com a modernidade afecta todos os campos da vida actual, originando
uma crise de relaes sociais, da cultura e da poltica nacional (cf. Cohen & Kennedy, 2000:
90). Deste modo, tm vindo a ser questionadas todas as certezas firmes acerca da constituio
da verdade, a par da desvalorizao da importncia de determinados conceitos, at agora
bem alicerados, como o liberalismo, o nacionalismo, o socialismo, que contribuam para a
uma compreenso slida e serena da contemporaneidade. Esbatem-se igualmente as barreiras
que garantiam a separao estatutria de grupos sociais, distinguiam estilos e formas artsticas
e demarcavam esferas da vida social, como so os casos do trabalho e do lazer, da produo e
do consumo, ou mesmo da vida domstica e do emprego. Assiste-se igualmente
mercantilizao de bens no produzidos como mercadoria, envolvendo todos os aspectos da
vida cultural e social. Os media inundam os cidados com um volume cada vez maior de
informao, imagens e mensagens. O consumo adquire uma importncia crescente, sendo
cada vez mais primordial, associando-se tendncia individual de auto-realizao pessoal e
de construo de um estilo de vida personalizado, em contraposio aos padres
estandardizados de regulao (idem: 91).
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Perde-se, aos poucos, a noo de identidade e de nacionalismo, j que o processo
poltico e econmico tem vindo a projectar-se para alm da jurisdio do Estado nacional, em
virtude de um alargamento institucional e cultural que envolve relaes econmicas
transnacionais e comunicaes electrnicas instantneas (cf. Elliot & Turner, 2001: 5). A
globalizao uma das marcas dessa ruptura entre modernidade e ps-modernidade. No
contexto cultural, as prticas transnacionais originam, ainda segundo os mesmos autores
(ibidem, 5), um novo padro de subjectividade:
The result is a new fragmentation of experience, erosion of core distinctions
between mind and world, or self and society, and a schizophrenic shattering of
the self. Here personal and cultural life becomes disarmingly episodic
fracturing, inconsequential, and fleeting.
As mudanas em curso geram uma sensao de vazio de subjectividade; a ideia de
garantir a liberdade e a individualidade de cada cidado revela-se incompatvel com a
necessidade, por parte do corpo social, de controlar e de regular os indivduos, no plano
social, poltico e econmico, sendo este aspecto, o excesso de regulao, uma das
caractersticas importantes da modernidade, como salienta, por exemplo, Boaventura de
Sousa Santos (1996: 207):
Ao consistir em direitos e deveres, a cidadania enriquece a subjectividade e
abre-lhe novos horizontes de auto-realizao, mas, por outro lado, ao faz-lo
por via de direitos e deveres gerais e abstractos que reduzem a individualidade
ao que nela h de universal, transforma os sujeitos em unidades iguais e
intercambiveis no interior de administraes burocrticas pblicas e privadas,
receptculos passivos de estratgias de produo, enquanto fora de trabalho, deestratgias de consumo, enquanto consumidores, e de estratgias de dominao,
enquanto cidados da democracia de massas.
O papel de centralidade desempenhado pelos media na articulao entre os espaos
pblico e privado, no mbito da estratgia de dominao do indivduo por parte do colectivo
social no propriamente especfico da poca actual; tampouco ser a ideia de poder, ou de
diferenciao de classe social. Com a lenta, mas crescente, implantao da democracia, assimcomo do Estado Social, que desempenhou um papel preponderante na emergncia e no
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desenvolvimento da esfera pblica, tendo ainda em conta o desenvolvimento tecnolgico, o
crescimento da economia de mercado e a consequente exploso da comunicao, o sc. XX
alterou a dicotomia esfera pblica / esfera privada. Dos grupos constitudos por indivduos
que exerciam a sua opinio relativamente aos diversos aspectos da vida social, como a
poltica, ou a arte, por exemplo, assistiu-se constituio de um aglomerado social
indiferenciado e sem textura, formada por indivduos isolados, desligados entre si, mas,
paradoxalmente, actuando em conjunto, que se passou a designar por massa, como descreve
o socilogo Pissarra Esteves (1998: 211-215):
o desenvolvimento da modernidade deu lugar a um tipo particular de
sociabilidade, antes desconhecida: as relaes sociais que resultam da
intensificao da vida urbana e da industrializao, prprias das aglomeraes
urbanas extremamente numerosas (...) formam o que habitualmente apelidamos
massa. (...) Na medida em que a massa se forma com a indexao de
indivduos annimos e isolados, no sequer imaginvel que a partir dela haja
alguma vez lugar a qualquer tipo de afirmao subjectiva.
Os membros desta massa so annimos e inoperantes a nvel individual. Apenas de um
modo simblico conseguem contribuir para a coeso do grupo. Os pblicos tradicionais so
substitudos por uma massa constituda por sujeitos sociais sem opinio formada, tornada o
principal agente da opinio pblica em estreita relao com o Estado enquanto entidade
pblica, mas manipulada por este. A este processo no so alheios os media, cuja
legitimidade indissocivel da sua insero no metabolismo social.
A popularizao e a influncia crescentes dos media, ao longo do sc. XX,
possibilitaram, por um lado, anular a afirmao individualizada de cada sujeito social e
substitu-la por uma outra, fabricada a partir de padres artificiais. Uma vez conseguida anormalizao do indivduo, estava aberto o caminho para a construo discursiva desse
sujeito, segundo normas convencionadas, dada a receptividade de cada actor social para
aceitar como vlido o discurso proferido com legitimidade poltica inquestionada. Bourdieu
(1987: 164-165) clarifica o modo como esta legitimidade simblica constitui um instrumento
que revela a utilidade de moldar a realidade social de acordo com padres previamente
planificados:
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Le pouvoir symbolique est un pouvoir de faire des choses avec des mots (...) un
pouvoir de consacrer ou de rvler des choses qui existent dj (...) c'est le
pouvoir de faire des groupes, de manipuler la structure objective de la socit.
Estamos assim perante a performatividade ampliada ao campo sociolgico da
estruturao e da relao grupal, de cujo interior emerge uma luta permanente pela
hegemonia, pelo monoplio da legitimidade oficial atribuda pela palavra. Ainda de acordo
com o mesmo autor, um exemplo deste mecanismo constitutivo da realidade social pode
encontrar-se na atribuio de ttulos sociais (nobilirios, acadmicos, etc), que conferem ao
outorgado uma hegemonia automtica, assente em poderes reconhecidos data de atribuio e
sedimentados ao longo das lutas hegemnicas anteriores (idem). Deste modo, o discurso
considerado, socialmente performativo, visto que se assume como um instrumento de
constituio da diferena e da estratificao de natureza social, de acordo com as quotas de
capital simblico que so permanentemente atribudas. A delimitao simblica da
diversidade e da diferena passa, assim, a existir politicamente como significante. Para
Bourdieu, o poder simblico numa perspectiva semitica (ibid. 160-166). Ao mundo real,
objectivo, aplicada uma discursivizao subjectiva, que pretende construir uma realidade
social e naturaliz-la, transformando-a em senso-comum, aceite como verdadeira, com o
objectivo de satisfazer objectivos de regulao da interaco social e, consequentemente, das
prticas discursivas.
Uma vez que o discurso mediatizado um instrumento de valor estratgico para impor
uma verdadesocial do mundo, naturalizando, i.e. tranformando em senso-comum aquilo que
afinal de contas subjectivo, esta faceta do poder, de natureza simblica, enquanto
administrado sistematicamente atravs dos media, adquire as propriedade de mediao
simblicae remete-nos para a anlise da sua importncia na encruzilhada de outros campos
sociais e das lutas pela hegemonia e pela dominao.A crescente complexidade da vida moderna, em contraste com a falta de
esclarecimento da opinio pblica, contribui para reforar o desgnio informativo dos meios
de comunicao social. massa politicamente difusa e socialmente heterognea, constituda
por actores sociais politicamente indecisos , paradoxalmente, concedida actuao no espao
pblico. Esta realidade de interveno poltica marcada pelo esteretipo do indivduo sem
opinio prpria nem actuao autnoma, mas que detm a capacidade de delegar
democraticamente a legitimidade de deciso em quem revela melhor eloquncia para oconvencer. Seguindo a perspectiva de Breton & Proulx (1997: 252-253) acerca da permanente
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falta de esclarecimento da opinio pblica, trata-se de um indivduo incapaz de saber
exactamente o que quer (...) receptivo aos media que utiliza como bssola (...), aberto
argumentao, porque tem necessidade de se deixar convencer (...) bom cliente da propaganda
e do domnio dos media. , assim, um sujeito que intervm (ou no) poltica e socialmente
no interior, no de um grupo que ostenta uma imagem definitivamente marcada, do ponto de
vista scio-poltico, mas dentro de uma vasta massa em permanente transformao social,
ideolgica e, consequentemente, de opinio, de acordo com a instrumentalizao de que
alvo por parte do marketingpoltico (cf. Bourdieu, 1989).
A opinio pblica deste modo um metabolismo social, no qual o discurso ocupa uma
posio central. Cada actor social desempenha o seu papel interlocutivo, na medida em que
objecto de uma discursivizao permanente acerca da realidade social, mas constitui
simultaneamente um factor de legitimao do poder, a partir do momento em que, de um
modo consciente ou inconsciente, aceita, transacciona e contribui para a naturalizao dessa
verdade subjectiva, ideolgica.
1.1. Aspectos distintivos da comunicao mediatizada
Mais do que uma forma de desporto, o futebol actualmente um meio de
entretenimento de massas, fruto da evoluo da sociedade ps-industrial e da funo do
desporto na sociedade. Ao passar a ser objecto de reportagem mediatizada, i.e., da
transmisso de um acontecimento, leando-o at junto da audincia a que se destina e
transformando-o num produto estandardizado que se adequa s caractersticas do medium, o
desporto passa a ssumir a dimenso de espectculo; dado que a linguagem dos mediareflecte
a sociedade, seleccionando, construindo e transaccionando informao que reproduz relaes
sociais existentes, as transmisses dos jogos de futebol constituem uma forma de prtica
social, passando, assim, a ser um veculo de transmisso de valores sociais. O relato de
futebol , portanto, um veculo de socializao.Analisar a linguagem dos media, perspectivando a sua relao com uma opinio
pblica difusa, num quadro de crescente mudana scio-cultural, pressupe o entendimento
da dimenso sociopoltica do discurso, i.e., da linguagem enquanto instrumento de interaco,
de comportamento social e de hegemonia de um grupo sobre outro, cujo produto discursivo
resulta da interaco entre sujeito social e instituio e, por sua vez, entre esta e o plano
societal mais abrangente. Esta perspectiva, segundo Winfried Schulz (2003: 3), apela para a
condio meditica dos contedos transmitidos, possibilitando o acesso dos indivduos aosaspectos da realidade social que, de outro modo, estariam fora do seu alcance. Mas para alm
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dos mediacomo janela para o mundo, a mediatizao tem ainda a funo de aproximar os
prprios actores sociais, tornando possvel, deste modo, a criao do espao pblico, um
forum, para o qual convergem intervenientes com determinadas afinidades sociais.
A mediao encarada pelo socilogo Stuart Hall (1992: 130) como um processo de
codificao e descodificao influenciado por variveis de natureza psicolgica e sociolgica,
diversificadas, subjectivas e pouco susceptveis de quantificar:
The broadcasting structures must yield encoded messages in the form of a
meaningful discourse. The institution-societal relations of production must pass
under the discursive rules of language for its product to be realized. (...)
Before this message can have an effect (...) it must first be appropriated as a
meaningful discourse and be meaningfully decoded. It is this set of decoded
meanings which have an effect, influence, entertain, instruct or persuade, with
very complex perceptual, cognitive, emotional, ideological or behavioural
consequences.
Esta particularidade de os prprios media decidirem sobre a estandardizao das
fontes, impondo-lhe as transformaes consideradas necessrias at esta atingir um padro
pr-determinado e adequado, de modo a servir os parmetros pr-estabelecidos, designado
por mediatizao. Este fenmeno tem origem, segundo Schulz (2003: 4), no desenvolvimento
e na preponderncia do medium televiso, constitui um marco de mudana sociocultural e
afecta a percepo da realidade social, o comportamento e as relaes interpessoais dos
indivduos.
Torna-se, assim, indispensvel uma abordagem, mesmo que sumria, dos aspectos de
natureza sociolgica e sociolingustica (ideologia, hegemonia, poder, dominao, media e
opinio pblica), que so parte integrante das prticas discursivas e determinam a anlisetextual, quer a nvel escrito, quer a nvel oral. Ao considerar indissociveis lngua e sociedade,
a ACD encontra-se no centro de articulao de todas essas tendncias, assumindo, assim, um
papel de destaque na anlise social.
Neste quadro de construo social da realidade, o discurso desempenha um papel
fulcral no exerccio do controlo sobre o cidado da democracia de massas. Dimenses
discursivas, como a ideologia, surgem integradas nos aspectos intrnsecos dos media, como a
informao ou o espectculo. Fairclough (1995b: 2), ao referir-se, no s ao papelsignificativo que os mediadesempenham durante as campanhas eleitorais, como tambm
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capacidade daqueles de transformar um acontecimento trgico numa cobertura jornalstica
espectacular, reconhece-lhes uma certa forma de poder, em virtude da sua capacidade de
determinarem a forma como os acontecimentos so apresentados ao pblico e influenciarem o
modo como por este so descodificados:
The common theme of these events is the power of the mass media. The power
of the media to shape governments and parties, to transform the suffering of the
South (rooted in exploitation by the North) into the entertainment of the North
(...) the power to influence knowledge, beliefs, values, social relations, social
identities.
Este posicionamento social de destaque assumido pelos mediaadvm da sua natureza
intrnseca e determina a sua importncia na confluncia das relaes sociais. A anlise da
capacidade dos media de continuamente interferirem na construo da realidade social
implica, no s a verificao das marcas que este processo deixa gravadas no discurso, como
tambm a sua interpretao, ou seja, o processo de descodificao de significados sociais a
expressos (cf. Fowler & Kress, 1979: 196). Materializam-se, portanto, duas tendncias
cientficas de base: uma primeira vertente debrua-se sobre o discurso na perspectiva da
anlise social, enquanto uma segunda se situa mais prxima dos estudos lingusticos.
O discurso mediatizado no se resume simples produo de um determinado evento
que mediatizado para fins de consumo privado. Assume, pelo contrrio, a forma de cadeia
de eventos comunicativos, dada a complexidade e a multiplicidade de processos envolvidos
na seleco, produo de informao para consumo pblico, como revela Fairclough (1995b:
49-49):
The production of a text is a collective process, involving journalists, producers,and various categories of editorial staff, as well as technical staff. (...) The
production of media texts can thus be seen as a series of transformations across
what I earlier called a chain of communicative events which links source events
in the public domain to the private domain consumption of media texts.
H ainda a destacar a questo de saber quem realmente tem acesso ao discurso
mediatizado, pelo facto de as fontes serem objecto de uma seleco criteriosa. Este processode escolha sofre diversos condicionalismos de natureza econmica e poltica, seguindo rotinas
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previamente estabelecidas, de produo e de distribuio, que tendem a concentrar-se na
escolha de assuntos considerados news-worthy, i.e., adequados a uma lgica estrita de
mediatizao; por outro lado, e em consequncia, subsiste ainda a questo do controlo e da
legitimidade de quem deve e pode contribuir para a comunicao desenvolvida no espao
pblico (cf. Hargreaves, 1987: 142):
Organizations which are not perceived as legitimate (...) are excluded or more
rarely referred to. (...) The result is a predominantly establishment view of the
world, manifested textually in, for instance, ways in which the reporting of
speech is treated.
O discurso dos media igualmente marcado por uma tenso entre a produo e o
consumo de texto mediatizado, em que o reprter assume a identidade de mediador entre
espao pblico e espao privado (cf. Fairclough, 1995: 49). Apesar de o ouvinte no poder
contribuir directamente para a produo discursiva e sofrer o impacto do discurso pblico,
encontra-se a inscrito, o que contribui para a reestruturao do discurso, o que vem originar,
no entendimento de Fairclough (1995b: 64), uma complexa dialtica entre o discurso dos
mediae o discurso conversacional da vida corrente.
No entanto, todos estes processos de interaco entre as esferas pblica e privada
encontram-se em permanente mutao, em consequncia das constantes mudanas que se
verificam actualmente nas relaes institucionais e sociais. Cada vez com maior frequncia,
ajustamentos socioculturais permanentes conferem ao discurso formas e contedos
diversificados e contraditrios, sob a forma de tecnologizao do discurso, processo que
consiste, (como se ver em pormenor na seco 2 do presente captulo) na restruturao da
ordem de discurso dentro das instituies, retirando ao discurso o seu carcter de
espontaneidade, controlando-o, de acordo com uma programao discursiva institucional.Estas reestruturaes discursivas tm vindo a ser alvo de anlise, dada a sua importncia
como indicador das tendncias sociais e, consequentemente, lingusticas, cifrando-se como um
objecto de estudo que Fairclough (1995b) designa por engineering of social change.
1.2. O relato de futebol: uma prtica discursiva singular
O RF particulariza um tipo de prtica discursiva com marcas contextuais especficas.
Assume a forma de reportagem, cujo objectivo dar conta de acontecimentos em directo, que,neste caso especfico, se desenrolam a uma velocidade por vezes vertiginosa, originando um
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discurso, tambm ele, vertiginoso. J em 1994, um estudo efectuado tendo como objecto um
desafio de futebol de alta competio, a contar para uma competio europeia, d-nos conta
da identidade discursiva especfica do relato de futebol:
A situao de um relato de futebol pautada pela mxima imediatez na
descrio dos acontecimentos em curso, reforada por uma grande velocidade
de locuo. (...) a imediatez e a velocidade de locuo implicam, neste discurso
oral estereotipado, a utilizao de um lxico concreto e rigoroso que permita
uma identificao precisa do real, reduzindo ao mnimo os elementos
responsveis por essa articulao. (Pereira & Garcia, 1994: 44-46).
A esta descrio deve ser acrescentado o factor constitudo pela ausncia da imagem
(no caso do relato radiofnico). Para poderem discursivizar os acontecimentos sem ficar nas
covas, parafraseando a expresso que denota o lance em que um defesa lateral batido em
velocidade por um avanado, os Relatores possuem um vasto repertrio deexpresses muito
usuais e estereotipadas, que funcionam como blocos semnticos pr-existentes na memria
prontos a serem utilizados de um modo automtico. Seguem-se alguns exemplos de
futebols, de entre uma vasta quantidade de expresses que, por ocorrerem inmeras vezes
ao longo do relato, caracterizam este tipo de discurso:
bola batida;
jogadores acantonados na rea;
a pisar os calcanhares;
o rbitro diz que no nada;
estorvar a aco;
est solto de marcao;
canto de mangas arregaadas;
tira o cruzamento;
a tentar sair com a bola controlada;
(...)
Uma das dimenses do presente estudo incide sobre os diferentes discursos produzidos
por diferentes vozes na reportagem radiofnica do jogo de futebol. A figura dojornalista-relator pode assumir uma de vrias vozes: Relator, Comentador, Reprter. Estas
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correspondem a diferentes papis desempenhados pelos vrios elementos de uma equipa de
Jornalistas, e no apenas um Relator, todos eles a presenciar o jogo com a mesma funo de
Reprter, actuando embora com funes diferenciadas, em locais especficos situados em
redor do local do acontecimento. Esta disposio da reportagem em diversos pontos do local
do jogo origina posicionamentos diferentes de cada um dos Jornalistas, face aos factos
observados dentro e fora do campo; estamos, por conseguinte, em presena de discursos algo
diferenciados, apesar de pertencerem ao mesmo registo - relato de futebol.
As funes destes trs tipos de jornalistas relatores so as seguintes: o relator
propriamente dito tenta construir ideacionalmente uma imagem aproximada dos
acontecimentos; o reprter, pelo facto de operar mesmo junto aos limites do relvado, tem a
incumbncia de complementar o relato com pormenores considerados relevantes, no
momento da jogada relatada, com vista melhor compreenso dos factos por parte dos
ouvintes; o comentador, por seu turno, sentado ao lado do Relator, vai tecendo consideraes
gerais, pouco pormenorizadas, sobre o desenrolar do encontro. Tais diferenas de funo
observam-se com clareza nos trs exemplos seguintes, produzidos, respectivamente, por
Relator, Reprter e Comentador. As transcries contm diversos smbolos relativos
segmentao e numerao das oraes que sero analisadas no prximo captulo e foram
alvo de clarificao na lista de convenes de transcrio atrs apresentada:
(a) REL2 (9) Toz vai largar (10)largou (11)deu para Antchouet (12)
Antchouet tudo pr direita Bezirovi(13)na rea est Detinho (14)
Antchouet vai pra l para (15) 4 do Sporting 2 do Leixes na rea
(16) difcil (17)ainda assim Bezirovi tira o cruzamento (18)era
paraDetinho (19) a bola vem c para o outro lado
(b) REP1 (16) fora da rea (17)eu no tive dvidas nenhumas (18)eu estou atrs da baliza do guarda-redes Nelsonagora de facto (19)
concordo contigo (20) o carto que eu tenho dvidas se no (21)
seria carto encarnado para Andr Cruz
(c) COM (27) mas nestas circunstncias de facto (28)eu creio (29)
que o Olegrio Benquerena optou e bem pelo carto amarelo para o
Andr Cruz
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A outra dimenso da presente abordagem do RF resulta dos diferentes media
habitualmente envolvidos neste tipo de reportagem. De entre o total de doze excertos de
relato de futebol analisados neste trabalho, oito so de relato radiofnico e quatro so de
relato televisivo.
A diferena do discurso televisivo em relao ao relato radiofnico marcada pela
presena da imagem. O facto de o telespectador ter acesso ao visionamento, em directo, dos
acontecimentos do jogo, torna suprfluas algumas caractersticas deste tipo de discurso, como
os exemplos de futebols, embora no se possa dizer que as mesmas estejam totalmente
arredadas do relato da televiso. A preocupao em construir enunciados que tentam
reproduzir a realidade com o mximo de rigor e de pormenor d lugar s referncias
simplificadas dos intervenientes em aco, em cada momento, acompanhadas de referncias
gerais do contexto fsico situado para alm das imagens captadas pelas cmaras, isto , fora
do alcance visual do telespectador.
2. Gramtica sistmico-funcional
A lingustica funcional baseia-se na correlao entre as estruturas da lngua e as
funes a que cada uma dessas estruturas est associada. Halliday (1973:142) refere, a este
propsito, que as configuraes formais da lngua, que so sistematizadas pela gramtica,
esto intimamente relacionadas com as necessidades pessoais e sociais que a lngua
chamada a servir. Por conseguinte, torna-se necessrio situar a abordagem funcional,
distinguindo duas vertentes de anlise lingustica: por um lado, a tradio sintagmtica, com
razes na Lgica e na Filosofia, que tem desenvolvido a vertente estruturalista dos estudos
lingusticos; por outro lado, a vertente de orientao paradigmtica, que emerge das reas da
retrica e da etnografia, e que considera o texto como unidade de comunicao, acima do
nvel da frase (cf. Halliday, 1994: xxxviii).
O campo da etnografia tem contribudo significativamente para o estudo do carcter
funcional da lngua, sobretudo a partir do incio do sc. XX com Malinowski, na sequncia
das suas investigaes. Este autor investigou as bases funcionais que caracterizam o uso da
lngua, atravs da observao sistemtica da linguagem usada pelas crianas, numa primeira
fase e, posteriormente, ao escrutinar o uso da lngua por parte de povos considerados exticos,
tendo deste modo influenciado decisivamente o seu seguidor nessa rea, M. A. K. Halliday,
que foi um dos investigadores mais activos nos estudos etnogrficos, principalmente a partirde finais dos anos 1950.
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Estes desenvolvimentos viriam a estar na origem da investigao prosseguida por
linguistas dos meios acadmicos da chamada Escola de Lingustica de Praga, j antes da 2
Guerra Mundial. O principal contributo deste crculo de estudos para a lingustica funcional,
consistiu no desenvolvimento do conceito de estrutura informacional, considerando j o texto
comoa unidade de comunicao, contribuindo com a noo da estrutra Tema-Rema, embora a
um nvel estritamente informacional, distante do actual conceito sistmico, como ser referido
adiante. A designao estrutura informacional deve-se ao facto de os investigadores da
Escola de Praga considerarem que o Tema se refere informao dada (Given), i.e., j
conhecida do interlocutor, considerando a parte restante da mensagem, o Rema, como
informao nova (New), que corresponde ao contedo que realmente se quer transmitir. A
informao dada habitualmente colocada no incio da estrutura; isto f-la coincidir com o
Tema, embora no lhe corresponda totalmente em termos funcionais. A posio sistmica
relativamente a este aspecto um pouco divergente, visto que se considera prioritria a funo
de Tema como organizador da orao como mensagem, como nota Fries (1994: 5):
there is no reason that Themes cannot also be topics or topic-like. Systemicists
simply wish not to defineTheme as known information so that they can account
for instances in which New information is used to orient the reader/listener to
what is about to follow [itlico no original].
Nas ltimas dcadas a lingustica sistmica tem vindo a conhecer um desenvolvimento
crescente, em consequncia de trabalhos realizados com objectos de estudo bastante
diversificados. Um desses campos de investigao, o desenvolvimento da linguagem da
criana, est na base de um trabalho de Halliday (1975), que evidencia com clareza o carcter
funcional da lngua em uso. O autor demonstra que a progresso realizada pela criana, que foi
alvo de observao, no que respeita aquisio e utilizao da lngua como instrumento de
interaco social, desde o aparecimento das primeiras estruturas da protolngua at ao domnio
da lngua utilizada pelos adultos, constitui um valioso campo de observao e de compreenso
da natureza funcional da lngua. Estando fora dos horizontes deste trabalho o aprofundamento
desta questo, torna-se, contudo, pertinente verificar o facto da linguagem humana ser
essencialmente funcional. Tal facto decorre da relao que existe entre:
(a) o sistema lingustico encarado como um potencial semntico, i.e., umconjunto de significados possveis ao dispor do utente lingustico, os quais
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possuem em comum o facto de estarem interligados por relaes semnticas
dentro de uma determinada interaco social;
(b) a realizao prtica desses significados sob a forma de estruturas, que so
transaccionadas com o interlocutor, com objectivos comunicativos.
Enquanto o sistema lingustico do adulto articula a relao entre significado e
expresso atravs da articulao de vrios nveis (semntica, lexicogramtica e fonologia), a
linguagem da criana no recorre a estes nveis de forma lingustica; os sons, espontneos e
imitativos da envolvncia fsica e social, que utiliza para efeitos comunicativos, j por volta
do 10 meses de idade, realizando a correspondncia entre os nveis semiolgico e fonolgico
da lngua sem fazer uso de formas lexicais (cf. Halliday, 1975: 37-44). O sistema
sociosemitico da criana apresenta caractersticas funcionais que podem ser consideradas
comuns ao sistema lingustico do adulto: o potencial de comportamento da criana
permite-lhe j interagir, de uma forma sociolingustica, em situaes muito diversificadas, no
mbito do contexto social em que se movimenta. As limitaes de natureza lingustica so
compensadas pelo facto de a criana j conseguir mobilizar um conjunto de funes sociais da
linguagem instrumental, regulatria, interaccional, pessoal, heurstica, imaginativa e
informativa que vai desenvolvendo at adopo definitiva da linguagem adulta, por volta
dos 20 meses (ibidem, 39). Por outro lado, regista-se j a existncia da opo por significados
marcados e no-marcados (idem). A harmonizao entre a funo social da linguagem e a sua
realizao sob a forma de estruturas lingusticas progressiva:
The functions themselves emerge with remarkable clarity. (...) It was possible
throughout NL 1-51, to assign utterances to expressions, expressions to
meanings and meanings to functions with relatively little doubt or ambiguity.
(...) these evolve into the abstract functional components of the adult grammar
system; and these components then serve as the medium for the encoding, in
grammar, of the original functions in their concrete extensions as what we
could call simply the uses of language (ibidem. 40-41).
No incio do seu processo de socializao, o ser humano no desenvolve propriamente
a competncia lingustica de locutor ideal, gerador passivo de frases, dissociando a estrutura e
1O autor identifica as vrias fases de desenvolvimento lingustico desta criana, desde a fase da protolngua at adopo definitiva da linguagem adulta (cf. Halliday, 1975: 147-158).
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uso atravs da oposio entre competncia e performance(cf. Fowler & Kress, 1979: 187);
desenvolve, pelo contrrio, uma competncia sociosemitica, em que o desenvolvimento da
linguagem ocorre em ligao estreita com as necessidades de interaco social, como conclui
Halliday (1975: 121):
In the process of building up the social semiotic, the network of meanings that
constitute the culture, the child is becoming a member of the species social
man. (...) Social man is, effectively, sociosemiotic man, man as a repository
of social meanings.
Verfica-se assim que a relao significado/estrutura dinamizada pela funo social
que a utilizao da lngua pretende realizar. Inversamente, e na perspectiva da anlise do
discurso, uma determinada estrutura, seleccionada pelo falante no mbito de um potencial
semntico, s pode, portanto, ser inteiramente compreendida, se for analisada e explicada
luz da funo que essa mesma estrutura pretende realizar no mbito do contexto que serve de
enquadramento interaco sociosemitica, como veremos, em pormenor, na seco
seguinte, que trata da Anlise Crtica do Discurso.
2.1. Contexto: gnero e registo
A variao lingustica verificada de texto para texto no pode ser interpretada apenas
atravs da especificidade pessoal ou social de cada falante, visto que o contexto interage
directamente com a produo textual e encontra-se a inscrito, ou seja, cada texto produzido
de acordo com o contexto imediato em que est inserido e de que faz parte.
Este conjunto de variveis fsicas e sociais que influenciam o texto forma o contexto
de situao, definido por Firth como a situao que constitui o enquadramento exterior ao
texto, constituda pelos significados que so seleccionados e descodificados em determinadascircunstncias (cf. Halliday 1975: 65). A noo de contexto distingue-se de uma concepo
mais vasta, o contexto de cultura, definido, ainda segundo Firth (idem), como: culture as the
environment of the system, of the total meaning potential. No caso especfico do presente
trabalho, poderemos considerar, de um modo geral, que ao enquadrarmos o registo do RF no
mbito do contexto da instituio discursiva do jornalismo, verificamos que o discurso
produzido pertence ao gnero reportagem.
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A ACD mobiliza principalmente as noes de gnero e de discurso, associando-as ao
campo mais vasto da ordem de discurso que engloba as prticas discursivas, como salienta
Kress (1985a: 4)2:
Both discourse and genre arise out of the structures and processes of a society;
discourses are derived from the larger social institutions within a society;
genres are derived from the conventionalized social occasions on and through
which social life is carried on.
Podemos afirmar, portanto, que o discurso resultante do relato de futebol deve ser
considerado muito para alm da perspectiva de uma srie de enunciados acerca de um simples
jogo de futebol, j que surge na confluncia de factores contextuais, nos quais se insere, e os
quais realiza linguisticamente. Seguimos, a este propsito, Halliday (1994: 339) quando este
autor refere que h aspectos do texto que so motivados pelo seu registo, de que , alis, uma
instanciao:
For a text to be coherent, it must be cohesive, but it must be more besides. It
must deploy the resources of cohesion in ways that are motivated by the register
of which it is an instance; it must be semantically appropriate, with
lexicogrammatical realizations to match (i.e. it must make sense).
Texto e contexto interagem mutuamente, numa relao dinmica e de permanente
mudana, segundo o mesmo autor: a text is not a mere reflection of what lies beyond; it is an
active partner in the reality-making and reality changing-processes (idem). Devido a esse
facto, a maneira como a lngua utilizada varia de situao para situao, ou seja, de acordo
com a relao entre o texto e o contexto.Por esta razo, o discurso resultante da prtica discursiva constituda pelo RF deve ser
considerada, do ponto de vista sistmico-funcional, como o resultado de dois factores
discursivos: o sociocultural e o lingustico. O primeiro delimita os textos produzidos, de
acordo com as normas de constituio da linguagem jornalstica, ditadas pela instituio
jornalismo, enquanto o segundo factor transmite aos textos um conjunto de propriedades
lingusticas prprias, em consequncia das condicionantes do primeiro. Os textos produzidos
2Fairclough (1985a: 10-15) ilustra igualmente a aplicao desta perspectiva no mbito da ACD.
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e transmitidos tanto pela rdio como pela televiso e identificados como RF contm as
directrizes sociolingusticas, i.e., as marcas do discurso institucional do jornalismo em geral,
as quais que servem de configurao ao gnero reportagem.
Segundo Eggins & Martin (1997: 236), os diversos gneros distinguem-se de acordo
com as diferentes finalidades que se pretende atingir na interaco sociocultural, o que
determina a especificidade lingustica do respectivo registo. Gnero , deste modo, o conjunto
formado pelo registo e pela sua finalidade social:
Linguists define genres functionally in terms of their social purpose. Thus,
different genres are different ways of using language to achieve different
culturally established tasks, and texts of different genres are texts which are
achieving different purposes in the culture.
A identidade sociocultural do gnero que enquadra o RF tem origem na natureza
institucional do discurso jornalstico em geral, configurando a informao transmitida atravs
de padres estabelecidos, como a objectividade, a clareza, etc. H ainda a acrescentar que os
textos produzidos destinam-se a um pblico especfico, cujo conhecimento, mais ou menos
profundo, do assunto tratado d origem construo de um discurso de caractersticas
lingusticas distintivas. Estes aspectos institucionais e societais renem, um conjunto de
variveis do contexto de cultura que identificam o gnero. O RF sofre ainda o impacto de um
conjunto de circunstncias do contexto de situao, ou seja, as condies especficas
imediatas que condicionam o discurso e o identificam como registo. Este impacto ocorre
atravs da escolha de determinadas construes lexicogramaticais, no s identificativas,
como tambm quase exclusivas deste registo, i.e. o conjunto de variveis do contexto de
situao as quais, ao nvel lingustico, condicionam a produo do texto (cf. Eggins & Martin,
1997: 251). O enunciado (1) exemplifica a especificidade deste registo.
(1) passe queima para Joo Pinto
Neste exemplo no ocorre propriamente a instanciao lingustica da aco realizada
(Passa ou ento H um passe); para alm disso, a expresso queima descreve a falta
de espao de um jogador que recebe a bola debaixo da marcao rigorosa de um adversrio.
Estas caractersticas, aliadas informao produzida e transaccionada para o ouvinte, sob aforma de reportagem, identificam aspectos particulares de um registo especfico, cujos traos
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lingusticos prprios se diferenciam da reportagem da imprensa escrita ou da televiso,
embora estas, como aquele, incidam sobre o mesmo acontecimento.
2.1.1. Contexto sociocultural
Enquanto o texto funciona como um produto discursivo, resultado da instanciao
lingustica das prticas discursivas, estas, por sua vez, localizam-se num universo simblico
mais vasto: o das prticas socioculturais. Este vasto universo semitico, do qual o discurso
apenas um sector parcelar, constitudo por inmeros campos de organizao e de actuao
social. A interaco destas esferas, no centro das quais a prtica discursiva serve de mediador,
concretiza uma matriz dinmica de permanente transformao dos eventos discursivos. A
interactividade social de grupos em constante mudana e em permanente luta hegemnica d
origem permeabilidade discursiva de cada esfera de eventos discursivos, proporcionando
uma reformulao permanente do discurso que produzido e interpretado.
O contexto sociocultural encontra-se num processo dinmico de permanente
reformulao, como resultado das mudanas socioculturais, e molda as prticas discursivas, j
que, como vimos, o discurso constitudo socialmente. A lngua assim usada para
satisfazer as necessidades da interaco social, espelhando na sua estruturao essas mesmas
necessidades:
An account of linguistic structure that pays no attention to the demands that we
make of language is lacking in perspicacity, since it offers no principles for
explaining why the structure of the language is organized in one way rather
than in another. (Halliday, 1970: 141)
Todos estes aspectos dinmicos, de natureza sociocultural e discursiva, sofrem um
processo de instanciao lingustica, i.e., so depositados nos textos, o que possibilita a suaanlise sistemtica. Da que a anlise crtica do discurso assuma uma natureza interdisciplinar
que analisa as relaes dinmicas entre o discurso e as prticas socioculturais. Esta relao
entre a natureza lingustica do discurso e a sua faceta cultural e societal constitui o principal
pressuposto da ACD e ser alvo de discusso mais aprofundada na seco 3 deste captulo.
2.2. Macrofunes
SegundoEggins & Martin (1997:232), a text is the weaving together simultaneouslyof several different strands of meanings (...). Os autores referem-se a trs elementos
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contextuais Campo, Relaes e Modo que expressam significados de natureza distinta e
so elaborados em conjunto para formar o texto. O primeiro abarca os acontecimentos sociais;
o segundo refere-se natureza dos participantes e ao papel por eles desempenhado na
interaco social, e, finalmente, o Modo, designa a representao simblica, sob a forma de
texto (ibidem, 238). Estas trs componentes contextuais so sistematizadas gramaticalmente,
fazendo-se corresponder, respectivamente, s macrofunes ideacional, interpessoal e textual.
O conjunto destes trs sistemas semnticos forma a essncia da Gramtica
Sistmico-Funcional, permitindo-nos observar o discurso de um plano mais elevado, no
sentido de detectar trs tipos diferentes de significado que nele se podem encontrar (cada um
deles integrado na respectiva macrofuno), e que so produzidos simultaneamente:
1. contedos, aces, estados e eventos, que representam a realidade fsica ou mental, e
que so instanciados sob a forma de Processos, Participantes e Circunstncias,
pertencentes macrofuno ideacional e realizados lexicogramaticalmente nos
sistemas da Transitividade e da Ergatividade;
2. estratgias e posicionamentos de interaco social, e relaes discursivas entre
locutor e interlocutor(es), que produzem significados de cariz interpessoal e so
realizados no Modo Oracional e na Modalidade;
3. modos de organizao e de focalizao de significados especficos no interior (ou
provenientes do exterior) da mensagem, empregues para ajudar o interlocutor a
integrar mentalmente o contedo do discurso, abrangendo o sistema de coeso e de
tematizao, e constituem a macrofuno textual.
2.2.1. Macrofuno ideacional
Segundo Halliday (1994: 106 109), a imagem mental que o ser humano constri da
realidade atravs do uso da linguagem tem a particularidade de se decompor em trs
elementos experienciais bsicos:
1. o prprio processo, i.e. o tipo de aco que a mensagem pretende transmitir;
2. o(s) participante(s) sistematicamente associado(s) ao processo, ou seja, a(s)
entidade(s) que tomam parte no acontecimento, de um modo activo ou passivo;
3. as circunstncias, que ocorrem anexas ao processo e que so responsveis
pelas condies em que aquele decorre.
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Esta concepo tripartida da realidade, que molda a instanciao lingustica dando
origem a trs elementos experienciais bsicos acima referidos, constitui a base sobre a qual
assenta a Gramtica da Transitividade, expressa por Thompson (1996: 77) nos seguintes
termos:
If we use functional labels, (i.e. labels which indicate the role played by each
element of the representation), we can express (...) the content of clauses in
terms of processes involving participants in certain circumstances.
De entre todos os elementos ideacionais que fazem parte de um enunciado, o processo
ocupa um lugar central, visto que confere o tom experiencial a esse mesmo enunciado.
Segundo Halliday (1994: 107), os processos do tipo material, relacional e mental constituem
um grupo predominante no mbito da Gramtica da Transitividade, configurando,
respectivamente, as trs instncias bsicas da experincia: (1) actos e eventos, (2) estados e
relaes abstractas entre elementos do mundo real e ainda (3) registos mentais da nossa
experincia interior. Complementando estas facetas da experincia, h ainda a registar a
existncia de trs outros processos (verbal, comportamental e existencial), que ocupam um
lugar intermdio no interior do continuum arquitectado pelos primeiros, referidos acima: o
tipo verbal na fronteira entre relacional e mental; por outro lado o processo do tipo
comportamental proporciona a transio entre mental e material e, por ltimo, o processo
existencial situa-se na interseco dos tipos material e relacional. O trs primeiros tipos de
processo formam um meio de interpretao primria, i.e., directa, da realidade, sendo tambm
os processos habitualmente mais utilizados.
Como foi referido acima, os participantes so elementos experienciais intrinsecamente
envolvidos no processo. A natureza diferente de cada um dos seis goings-on bsicos da
Transitividade, isto , das actividades da realidade espelhadas pela lexicogramtica, d origema um grupo especfico de participantes a eles associados, embora alguns possam ocorrer
ligados a vrios processos, como o caso do Beneficirio, por exemplo. Outro caso especfico
apresentado pelo Existente, que detm a exclusividade dos processos Existenciais. Quanto
ao Experienciador, que ocorre associado a processos Mentais, ele tem a particularidade de
representar sempre um ser humano3.
3Ressalva-se, porm, o caso da metfora gramatical, em que o significado resultante de um processo mental transferido para uma entidade no-humana que passa a deter a funo de Experienciador, como no exemplo
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De entre os trs elementos bsicos que constituem a representao da experincia, as
circunstncias detm uma localizao mais perifrica em relao ao processo, como se
constitussem apenas apndices, tendo a funo de representar as condies que envolvem a
realizao do processo que est a ser alvo de instanciao lingustica.
Thompson (1996: 104-105) relembra, todavia, que as condies acima referidas no se
apresentam compartimentadas, i.e., combinam, ao mesmo tempo, vrios tipos de significado.
Esta particularidade d origem a uma grande variedade de possveis situaes circunstanciais,
que Halliday (1994:151) sistematizou em 9 categorias: Localizao, Extenso, Modo, Causa,
Contingncia, Acompanhamento, Papel, Assunto e ngulo.
2.2.2. Macrofuno interpessoal
O uso da lngua permite igualmente produzir significados que identificam o tipo de
interaco estabelecida entre locutor e interlocutor(es). A interaco assume, na perspectiva
interpessoal, o carcter de troca discursiva. Esta consiste, basicamente, em dar e pedir bens &
servios (assumindo a orao o carcter semntico de proposta), assim como dar e pedir
informao (proposio), originando quatro funes discursivas bsicas: oferta, ordem,
afirmao e pergunta.
Acontece, porm, que as escolhas possibilitadas pelo sistema no se limitam s quatro
funes atrs enumeradas. Segundo Halliday (1994: 88) h a registar um vasto campo de
seleco de significados, que ultrapassa as possibilidades limitadas da Polaridade baseada
apenas em dois plos afirmativo e negativo:
There are intermediate degrees: various kinds of indeterminacy that fall in
between, like sometimes or maybe. These intermediate degrees, between the
positive and the negative poles, are known collectively as Modality.
O vasto conjunto de opes no mbito da Modalidade resume-se a quatro tipos:
probabilidade, frequncia, obrigao e inclinao, que se conjugam com o tipo de troca
discursiva efectuada (bens & servios ou informao), dando origem, respectivamente
modalizao e modulao (cf. Halliday, 1994: 88-92).
No RF, a grande maioria das oraes do tipo declarativo, o que restringe a
Modalidade funo de dar informao. A relao diferida com o auditrio, tanto da rdio
sugerido por Halliday (1994: 344): the fifth day saw them at the summit, que corresponde ao fraseadocongruente: they arrived at the summit on the fifth day.
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como da TV, no perdendo o seu carcter dialgico, no deixa no texto as marcas da troca
discursiva. A interaco entre os diversos jornalistas intervenientes praticamente inexistente,
limitando-se aos casos em que um dos jornalistas se candidata ao turno de fala, ou solicitada
a opinio de um comentador acerca de um lance que acaba de ocorrer. Os dois exemplos
seguintes pretendem ilustrar cada uma dessas situaes:
a) Jornalista-Reprter candidata-se ao turno de fala (excerto 5):
REP2deixa-me dizer que neste momento na tribuna VIP o Secretrio de Estado
Emlio Loureiro esfuziante ainda comemorou o golo do Sporting
b) Relator solicita a opinio do Jornalista-Comentador (excerto 3):
REL Augusto Incio o Sporting abriu ali um verdadeirouma autntica auto-estrada
para o Detinho furar
O facto de a interaco retratada nos exemplos atrs apresentados no ocorrer com
grande regularidade no texto do RF coloca esta macrofuno como a menos saliente, tendo
em conta as duas restantes, no tendo, portanto, sido includa na anlise sistemtica do corpus
abordado neste trabalho.
2.2.3. Macrofuno textual
Um outro potencial semntico, complementar aos outros dois, mas distinto destes, por
ser de natureza fortemente metalingustica, i.e., estar vocacionado para a forma como os
significados ideacionais e interpessoais so organizados sob a forma de mensagem, a
macrofuno textual. Segundo Matthiesen (1994: 22), por exemplo, a macrofuno textual diz
respeito ao modo como a mensagem manipulada pelo locutor, de acordo com o significado
que pretende transmitir e de acordo com o que espera do interlocutor no processo dedescodificao:
The third metafunction, the textual metafunction, orients towards (...) the realm
of meaning. Specifically, it constructs ideational and interpersonal meanings as
information that can be shared by speaker and addressee; and it enables this
sharing by providing the resources for guiding the exchange of meaning in text.
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No caso do relato de futebol, o discurso directamente condicionado, de um modo
imediato, pela sucesso dos acontecimentos em directo. O texto vai sendo gradualmente
construdo, segmento a segmento, ao sabor dos acontecimentos, i.e., medida que o relator
vai presenciando a partida e se esfora por dar notcia dos factos, transaccionando-os para o
ouvinte sob a forma de oraes sincopadas e, do ponto de vista do contedo ideacional,
praticamente independentes umas das outras; contudo, seguindo a recomendao de Halliday
& Hasan (1976: 291) o RF no pode deixar de ser considerado como uma unidade semntica,
no seu todo, considerando que um texto algo muito mais abrangente do que apenas um
conjunto de ideias e de oraes.
No Relato de futebol habitual o discurso do Relator no contemplar mais do que
alguns elementos conjuntivos a servir de ligao paratctica s oraes que vo sendo
produzidas. Este aspecto coesivo resulta da instanciao de acontecimentos em srie, sem
margem de tempo para que o relator possa desenvolver o texto a partir da sua reflexo
pessoal, ficando minimizados todos os aspectos relacionados com a progresso temtica ou a
coeso. So estes aspectos que marcam o grau de textura lingustica do discurso, entendendo-
se por textura a interligao semntica entre os elementos lingusticos do texto, do ponto de
vista fonolgico ou lexicogramatical.
A lingustica funcional aborda a organizao da mensagem a partir de dois
componentes: o Tema, que compreende o incio da orao (ou de um complexo oracional) e
assume a funo de base introdutria, sobre a qual assenta o segundo componente, o Rema,
ou seja, o resto da mensagem. Uma vez que servindo o elemento escolhido para a posio
temtica que serve de ponto de partida (Halliday, 1994: 38), tal implica, numa perspectiva
funcional, que a seleco de diferentes Temas produz oraes com significados igualmente
distintos. alis esta caracterstica do Tema que est na base da definio preconizada por
Halliday (idem): The Theme is one element in a particular structural configuration which,
taken as a whole, organizes the clause as a message.As concluses relativas ao estudo da ocorrncia dos diversos tipos de Tema num
determinado texto vem-se, partida, limitadas pela contingncia da comparao dos
resultados obtidos com o que se verifica habitualmente em outros registos. Um trabalho
efectuado por Mohsen Ghadessy (1995) revela-se um auxiliar til na comparao de
resultados, visto incidir sobre um registo adjacente ao do RF: o comentrio escrito de partidas
de futebol. De facto, o corpusdo referido trabalho constitudo por 37 artigos do jornal The
Times, que correspondem a comentrios de jogos de futebol da primeira liga inglesa. Na
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perspectiva do estudo da tematizao, o referido trabalho permite a comparao dos dados
relativos ao discurso do RF em ambas as lnguas, visto incidirem sobre o mesmo gnero.
2.2.3.1. Tema marcado vs. no-marcado
A anlise sistemtica das escolhas efectuadas para preencher a posio temtica dentro
de um texto revela-nos a natureza dos sucessivos significados que vo sendo colocados em
destaque e a sua importncia na estrutura informacional, i.e., por oposio ao Rema. A
determinao daquilo que tipicamente escolhido para a funo de Tema permite observar,
do ponto de vista semntico, a sucesso de significados que vo sendo produzidos no interior
do texto, orao aps orao.
No que respeita realizao do Tema na Lngua Inglesa (que tem vindo a servir de
referncia teoria sistmica), a ocorrncia tpica, de acordo com Halliday (1994:43), consiste
na seleco de um elemento ideacional com a funo de Sujeito: The Subject is the element
that is chosen as Theme unless there is a good reason for choosing something else. A escolha
do Sujeito para assumir a funo temtica corresponde, deste modo, configurao que o
interlocutor, por princpio, espera que acontea. A seleco de outro elemento para esse fim
alerta-o de imediato para um significado que est a ser especialmente colocado em destaque.
A opo excepcional ou habitual do elemento temtico determina, respectivamente, o carcter
marcado ou no-marcado do Tema.
O mesmo acontece na Lngua Portuguesa; no entanto, depara-se-nos aqui a questo da
especificidade da lngua, devido ao facto de a eliso do Sujeito ser muito frequente,
contrariamente ao que sucede em Ingls. Levantam-se aqui algumas das discusses mais
actuais (e polmicas) em redor da identificao das diferentes realizaes do Tema em
portugus, com implicaes na distino entre Tema marcado e no-marcado.
Perante a ausncia do Sujeito, algumas opinies4prevem a possibilidade de o Processo
passar a assumir a funo Temtica, visto corresponder ao primeiro elemento ideacional daorao, facto que, seguindo a opinio de Martin, Matthiesen & Painter (1997: 28),
determinante para a identificao do Tema. Contudo, deve-se levar em linha de conta que, no
caso em que o Sujeito, apesar de elidido, recupervel ao nvel lexicogramatical a partir da
orao anterior, continua, apesar de tudo, a assumir a funo de Tema (ibid, 1997: 29):
4Souza (1997), Siqueira (2000) e Lima-Lopes (2001), citados em Ventura e Lima-Lopes (2001).
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Where two clauses are linked by coordination in a paratactic structure the
Subject of the second clause may be ellipsed or understood (...) In such a case
the ellipsed Subject of the second clause counts as the (ellipsed) topical Theme.
Consequently, the Process is not the Theme.
Na sequncia de estudos realizados no mbito da Lngua Portuguesa, outros autores j
vm manifestando a mesma opinio (Gouveia & Barbara, 2001), considerando como Tema o
Sujeito ausente, em funo dos seguintes dados:
(a) a omisso do Sujeito ocorre geralmente em frases contextualizadas (no isoladas
entre si), nas quais a presena do Sujeito na orao anterior permite actualiz-lo atravs
de um procedimento lexicogramatical de recuperao do elemento em falta, a partir do
local da orao onde este se encontra elidido, ou ento a prpria entidade denotada
encontra-se presente na situao de