Jornal Casa do Patrimônio JP

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Mural cerâmico do Mercado Sindolpho Freire p. 4 Cidade Velha p. 8 Falésia do Cabo Branco p. 3 Entrevista com Gonzada Rodrigues p. 6 Editorial p. 2

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Segunda edição do jornal, uma parceria entre Copac-JP e Iphan

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Mural cerâmico do Mercado Sindolpho Freire

p. 4Cidade Velhap. 8

Falésia do Cabo Brancop. 3

Entrevista com Gonzada Rodriguesp. 6

Editorialp. 2

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A tradição dos ferros de marcar boi e o ofício de ferreiroSob os signos das boiadas: as marcas de ferrar gado que povoam o sertão paraibano - Daniella Lira

Falésia do Cabo BrancoA preservação do Seixas - Danielle Mendes

Entrando de casa em casa, pode-se apreciar a hospitalidade do sertanejo, que a tudo responde com presteza,

simplicidade e uma sabedoria que não se aprende na escola, mas na lida do dia a dia. Eles, a princípio, não entenderam a importância de tantas perguntas, o porquê de se falar sobre um assunto tão corriqueiro. Não sabiam que isso tudo é novidade para quem vem da capital... Mas, aos poucos, contaram histórias e descreveram práticas, que aprenderam com os pais e que ensinam aos filhos, como verdadeiras “aulas” que vão se repetindo de geração em geração. Foi assim o desenvolvimento da pesquisa, dentro do programa de mestrado profissional (PEP-MP) oferecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), sobre os ferros usados para marcar o gado no sertão paraibano, nas cidades de Sousa, Aparecida, São Francisco e Nazarezinho, onde foi possível entrar em contato com pessoas diretamente associadas ao uso dos ferros, de forma a confirmar sua permanência e complexidade. Surgia assim Sob os signos das boiadas, uma viagem a um universo repleto de manifestações culturais, ao universo dos sertões e das marcas de ferrar bois. Mas o que é um ferro de marcar boi? Para que e por quem é usado? Os ferros, que indistintamente podem ser denominados ‘ferro de marcar’ ou ‘marca de ferrar’, são instrumentos usados para carimbar o gado de forma definitiva. Os criadores usam a marca como um sinal individual de propriedade, que com o tempo, passa a fazer parte do couro do animal, como se ali tivesse nascido. As marcas de ferrar vão sendo criadas e, de uma forma bem particular, compõem a cultura dos sertões, através de desenhos que identificam os criadores de gado através dos campos e dos tempos. Segundo a tradição, as marcas podem surgir a partir de uma base familiar, na qual os descendentes acrescentam ou subtraem traços de acordo com critérios pessoais, criando marcas individuais capazes de identificar suas posses. Mas os filhos

podem, ainda, usar a mesma marca do pai, acrescentando um segundo ferro com um número que os diferencie. Ou, até mesmo, podem criar uma marca totalmente original. Depois de concebida, a marca é produzida artesanalmente pelo ferreiro em uma oficina, muitas vezes herdada do pai que um dia lhe ensinou o ofício. De longe pode-se ouvir a música produzida pelas batidas dos ferros e ritmada por um código imperceptível para quem está de fora, mas determinante para que a execução do trabalho seja precisa. Finalizado, o ferro é aquecido e testado em alguma madeira solta pela oficina, registrando mais uma marca produzida pelo artista. A marcação pode então ser realizada. É a ferra, considerada por alguns como uma verdadeira cerimônia sertaneja. Os vaqueiros entram em cena e, de forma que parece ser calculada, jogam a corda ao ar, laçam o animal, prendem-no e, com o ferro do proprietário em brasa, marcam-no, na coxa posterior direita. Esse ritual pode parecer cruel para quem não está acostumado com as “coisas do sertão”, mas é comum e, muitas vezes, necessário para aqueles que lidam com o gado. O sertanejo atribui valores às marcas de forma que sua representação vai muito além da cicatriz feita a “ferro e fogo” no animal. Assim, a partir da ideia de que os bens culturais não valem por si mesmos, de forma que para serem entendidos como referências culturais, algum grupo precisa lhes atribuir valores e sentidos, as marcas de ferrar gado podem ser consideradas como referências culturais daqueles que fazem parte do universo rural, configurando uma identidade local e contribuindo, em um contexto mais amplo, para a diversidade cultural brasileira.

CASA DO PATRIMÔNIO DE JOÃO PESSOA

Átila Tolentino – Iphan/PBEmanuel Braga – Iphan/PBIgor Alexander – Iphan/PBJamile Paiva - UFPBJosélia Almeida Martins – Copac/JPLane Aires – Copac/JPMaria Olga Enrique Silva – Iphan/PBSuelen Andrade – Iphan/PBSuperintendente do Iphan-PBKleber Moreira de SouzaCoordenador do Patrimônio Cultural de João PessoaRosangela Regis ToscanoCoordenadora do Projeto de Extensão Probex/Ufpb/Copac-JPJamile PaivaEditorCasa do Patrimônio de João PessoaProjeto Gráfico e DiagramaçãoRinker CabralTextosDaniella LiraDanielle MendesGiovanna IsmaelMaria José Teixeira Lopes GomesFotosAdriano FrancoJosé Maria BezerraJosélia AlmeidaKarina BarretoJoão PedrosaRevisãoAtila TolentinoSuelly Maux

Conhecidacomo “Porta do Sol”, João Pessoa localiza-se na porção extremo leste do Brasil e é a

capital que abriga a Ponta do Seixas, uma formação geológica localizada no ponto mais oriental de todo o continente americano. Trata-se de uma faixa de areia que se encontra a menos de um quilômetro ao sul da falésia do Cabo Branco, outro marco geográfico do nosso litoral. Diante desses atributos, a cidade recebe o título de lugar “onde o Sol nasce primeiro nas Américas”. A importância ambiental desses dois patrimônios naturais da Paraíba e do país resultou na criação de um projeto de preservação da área, desenvolvido pela Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de João Pessoa. Realizou-se uma análise sobre a erosão marinha do conjunto Seixas — composto pela Praia do Seixas, Praia da Penha, a Falésia do Cabo Branco a partir da Praça de Iemanjá — a fim de criar estratégias para contenção e redução do processo de degradação física dessas paisagens. Analisando os parâmetros físicos, bióticos e antrópicos da degradação, a equipe responsável realizou estudos para a definição das alternativas de proteção

mais adequadas à conservação do local. Dentro do projeto de preservação do conjunto Seixas foi criado um Plano de Ação Educativa por parte da Coordenadoria do Patrimônio Cultural de João Pessoa (COPAC), denominado “A Cidade Começa Onde Eu Nasci”, voltado para a preservação e a importância ecológica e social do local. Esse plano tem o objetivo de colaborar com o processo de construção e fortalecimento do conhecimento crítico e a apropriação dos bens culturais por parte da comunidade. O plano potencializa o elo entre a memória e os indivíduos, mapeando os conhecimentos e saberes dos moradores da área, incentivando a retomada das práticas e das representações culturais da população local. Para a realização desse plano, a equipe responsável terá como base a Escola Municipal Antônio Santos Coelho

Neto, localizada na Praia da Penha, que atende alunos dos bairros Cabo Branco, Seixas, Penha e Jacarapé. Eles participarão das oficinas de Educação Patrimonial, além da produção de vídeos, exposição e seminário sobre a paisagem costeira e as manifestações culturais da comunidade. Na ação educativa também serão contemplados os pescadores e os moradores mais antigos da comunidade. As rodas de diálogos acontecerão na Associação dos Pescadores da Praia da Penha, onde os jovens alunos terão oportunidade de ouvir as histórias dos mais velhos, numa troca de saberes, o que resultará numa atitude de valorização e respeito para com os mais velhos. As entrevistas individuais também fazem parte da metodologia adotada, para o mapeamento das manifestações culturais apontadas pelos entrevistados – pescadores e moradores mais antigos.

Saberes e Fazeres Cidade e Patrimônio

Telas - Cristina Strapação

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Mural cerâmico do Mercado Sindolpho Freire O restauro e a relembrança do mural histórico do Mercado Público - Giovanna Ismael

A arte nasceu para registrar a história. Na Grande João Pessoa, ela se manifesta pelos quatro cantos

da cidade, principalmente nos painéis ou murais de azulejo. Enquadrando-se neste último caso, uma belíssima obra localizada no Mercado Público Sindolpho Freire, em Cruz das Armas, apesar dos seus quase 50 anos, 31m2 e 1.118 peças e uma enorme importância histórica, pareceu insuficiente para que fugisse da negligência e do descaso. De março a junho deste ano, a Coordenadoria do Patrimônio Cultural (Copac) concluiu as intervenções de restauro do mural, feito em 1963 pela artista pernambucana Sylvia Barreto. Todo o Mercado já havia passado por um imenso restauro, restava apenas o mural. Nem mesmo é mais lembrada a frase que, logo abaixo da assinatura da artista, hoje é coberta de concreto. A energia que passava pelo mural, antes provinda da arte, era exaltada com precisão através das fortes cores da bandeira brasileira que ilustravam a representação de uma cena rural na cultura da cana-de-açúcar. Infelizmente, a energia artística foi ficando apagada, sendo substituída pela concreta, daquelas que marcam em relógios seu funcionamento e pelas quais passam fiações elétricas. Azulejos soltos e com buracos, insetos, pichações, cola agora tomavam conta do mural. Segundo a equipe do projeto, a metodologia para um restauro como este é bastante detalhista. Um mapeamento do mural foi executado, logo em seguida, foi realizado um gráfico para localizar os danos sofridos. A partir desta identificação dos danos, percebeu-se que a obra continha, em sua maioria, partes com sujidades generalizadas, mas também áreas problemáticas razoáveis que indicavam perdas parciais profundas do azulejo e numa pequena área a perda total. Coordenado pela restauradora da Copac, Piedade Farias, e pelo diretor do Departamento de Arquitetura da

Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), Sóter Carreiro, o projeto de restauro necessitou de 19 etapas realizadas em quatro meses. O processo passou desde a montagem do canteiro de obras, limpeza, confecção de placas cerâmicas, nivelamento e higienização à aplicação da camada de proteção contra raios ultravioleta. A equipe foi composta por restauradores e ex-alunos da Oficina-Escola de João Pessoa. Para Alan Gledson, um dos membros da equipe, a restauração foi primordial para revalorizar o ambiente.

“O Mercado é bem antigo, e, com o passar dos anos, aquele mural deixou de ser valorizado. A partir do momento em que restauramos, demos uma nova vida ao mural e ao contexto do prédio”, disse. Os resultados da intervenção emocionam os que participaram do projeto, e, principalmente, os moradores da comunidade. Piedade Farias, satisfeita com os resultados, comentou que participar de um feito como este é um sentimento único. “O mural tem uma importância histórica e artística pelo seu estilo, por marcar uma época. Meio

século de vida, mas só agora as pessoas passam a notar algo que para elas não existia. É maravilhoso salvar um bem de uma destruição que feria o belo, a história”, disse. A Placa Inaugural em bronze, em que são estampadas as datas de início e conclusão das obras do Mercado Público Municipal, também não havia escapado do descaso. A situação não era de gravidade igual a do mural, mas por sua referência histórica, não poderia ser deixada de lado. Desempenamento da placa, higienização, limpeza, remoção de manchas e aplicação de produto antioxidante resultaram em quase 20 dias de trabalho.

O mural

A obra de arte é considerada um bem cultural integrado, em outras palavras, foi feita exclusivamente para aquele lugar, sem poder ser deslocada ou recolocada. “O mural foi feito para aquela parede, podemos observar isso quando nota-se que ele acompanha o caminho em ‘L’ da parede”, explica Piedade.

Esta obra de arte, não diferente de qualquer outra ao redor do mundo, valoriza o espaço e transmite bem-estar às pessoas que trabalham e transitam por ali. “O artista deixa sua marca, marca de sua época, e as pessoas se identificam com aquele bem, por isso é um bem patrimonial. Quando estávamos restaurando, as pessoas passavam com lembranças saudosistas da época em que o mural foi montado. Uma obra como essa se torna importante a partir do momento que se torna referência para as pessoas”, disse a coordenadora. Sóter Carreiro, também artista plástico, destacou a importância da artista pernambucana, apontando as características marcantes de sua obra. “Sylvia Barreto sofreu tremenda influência de Brennand, era contemporânea dele. Desde a década de 1960, ela pintava sobre a vida rural nordestina e apresentava o papel da mulher da época”, comentou. “Em breve, estaremos tombando este mural do Mercado e um da mesma artista localizado no bairro de Manaíra”, completou.

Tema da Edição

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Entrevista com Gonzada Rodrigues

Ele nasceu em Alagoa Nova, mas João Pessoa ocupa um lugar especial em seu coração. Hoje, é um dos maiores nomes da literatura paraibana, autor de Notas do Meu Lugar, Um Sítio que Anda Comigo, Café Alvear, Filipéia, entre outros. Com uma carreira de sessenta anos no jornalismo, Gonzaga Rodrigues também é cronista e conhece, como poucos, a história da cidade. Foi numa terça feira que consegui localizá-lo: um senhor gentil, de riso fácil e rosto alegre. Em uma agradável conversa na Academia Paraibana de Letras, da qual era presidente interino, ele contou um pouco de sua vida, carreira e sua relação com a cidade.

Casa do Patrimônio – Gonzaga Rodrigues, em sua opinião, qual é o papel da leitura na formação de um bom jornalista, ou até de um bom cidadão?

Gonzaga Rodrigues – É fundamental. Sem leitura, por osmose, ele jamais chegará a lugar nenhum. A leitura é mais do que fundamental, por isso o governo devia estimular as bibliotecas pelo país. Houve um governo aqui na Paraíba, o governo de Pedro Gondim, onde havia uma biblioteca ambulante; ela saía por aí pelas cidades e foi muito festejada, afinal, eram cidadezinhas de interior que não tinham bibliotecas e de repente chegava lá: Monteiro Lobato e outros autores, muito bem escolhidos, que pudessem agradar. Faziam sucesso.

Casa do patrimônio – Raquel de Queiroz, Monteiro Lobato, Lima Barreto, Machado de Assis, são grandes nomes da literatura brasileira que sempre tiveram essa relação com o jornalismo em maior ou menor grau...

Gonzaga Rodrigues – Sim, sempre tiveram, a maioria. Os escritores quase

sempre começaram pelo jornalismo, até porque jornalismo é exercício, e é um exercício do qual você não pode fugir, você está ganhando a vida ali.

Casa do Patrimônio – Nos anos 1970 o senhor começou a escrever crônicas. Como começou seu interesse e qual a importância desse gênero textual?

Gonzaga Rodrigues – Eu era um homem de redação, repórter, copydesk, redator; sempre fui da redação, nunca fui um bom

repórter. O pessoal deixava o texto na redação para que eu desse uma ajeitada, nesse sentido, sempre fui preciosista, mas nunca fui um bom repórter. Severino Ramos sim foi um grande nome, o melhor repórter que conheci até hoje. A crônica é mais trabalhosa, por mais arte que exija, ela é uma visão de um fato processado subjetivamente, não é como uma reportagem que tem a obrigação de usar sempre palavras objetivas para narrar um fato. Então, na época, a crônica

tinha uma força enorme no jornalismo brasileiro. Aquela linguagem, mais doce, mais suave, sem a dureza da objetividade é uma visão pessoal do fato. A diferença é essa: a notícia é impessoal, mas a crônica é pessoal. Então enveredei por esse caminho e as pessoas começaram a achar bom (risos), não sei se isso foi bom ou ruim, mas estou nesse caminho.

Casa do Patrimônio - Sua trajetória de cinco décadas no jornalismo é uma marca impressionante. O jornalismo é a sua vida ou existem outras paixões?

Gonzaga Rodrigues– A minha paixão mesmo é a literatura, o jornalismo nunca foi a minha paixão, foi somente um meio de vida, uma forma de sobreviver, mas nunca foi minha paixão. Eu nunca desejei ser um grande repórter, mas sempre desejei ser um grande escritor, o que nunca consegui. Para mim, a maior das artes é a música porque a transmissão é rápida: você está ali sentadinho, sem esforço nenhum e de repente (cantarolando) Tantantan! Você imediatamente recebe a mensagem.

Casa do Patrimônio – Como o senhor definiria a sua relação com a cidade de João Pessoa? Onde se encontram a sua história e a história da cidade?

Gonzaga Rodrigues– É a minha segunda casa. Eu cheguei aqui jovem, tinha 18 anos, vinha de uma terrinha pequenininha, Alagoa Nova. Então tem aquela coisa platônica da primeira impressão. Essa cidade, João Pessoa, pareceu muito com o meu temperamento, era uma cidade quieta, tranquila, recatada; não era exibida como Natal. João Pessoa sempre foi recolhida, as pessoas viviam em casa. Mas isso está mudando por conta dessa cidade nova que está surgindo ali à beira-mar, com esses arranha-céus; e é outra

cidade, não tem mais nada a ver com a gente.

Casa do Patrimônio – O senhor acha que João Pessoa perdeu algo com isso?

Gonzaga Rodrigues – Eu acho que ela perdeu suas características, mas ganhará novas, quem sabe. Mas era uma cidade descansada, preguiçosa, de funcionários públicos (risos).

Casa do Patrimônio – Em seu livro Café Alvear, o senhor conta um pouco da história da cidade.

Gonzaga Rodrigues– Café Alvear é aquele ponto de encontro importante que fazia do ponto de Cem Réis uma espécie de termômetro cultural e político da cidade. O ponto de Cem Réis era vivo, as comunicações na cidade eram apenas o jornal e o rádio, o telefone era precário. Então as pessoas faziam ali a sua troca de hormônios, ficavam ali sabendo as novidades: “quem é?”, “quem não é?”, “rapaz, você soube? Fulano está levando chifre” (risos).

Casa do Patrimônio – Que memórias da vida pessoense o cidadão Gonzaga Rodrigues “colocaria em um relicário”?

Gonzaga Rodrigues – Fazer um destaque não é fácil nesse mar de acontecimentos, eu levo uma vida muito plana, não tenho grandes alegrias; minha grande alegria era o amor, mas o amor é entre quatro paredes. Não acho que há nada para destacar, e se eu destacasse qualquer coisa, seria falso.

Casa do Patrimônio – Como jornalista e escritor, como o senhor vê o patrimônio cultural pessoense hoje?

Gonzaga Rodrigues – João Pessoa começou a ser preservada tardiamente. Porque com a localização do Iphan no Recife, sempre se cuidou mais do patrimônio recifense, e o resto era periferia; de tal modo, que, só no governo de Ivan Bichara em 1979, foi que realmente se começou a cuidar. Começou com a preservação da igreja de São Francisco, que já era preservada na lei, só na lei. Nós temos aqui uma coisa linda, que eu acho mais

linda do que a igreja de São Francisco, que é a igreja da Misericórdia; uma igrejinha bem quadrada, bem simples, uma das mais velhas. A mais velha é a catedral, mas reforma aqui, reforma ali; a igreja da Misericórdia não, foi sempre a mesma. Em 1600 ela já existia, quando o Santo Ofício esteve aqui na cidade, a Santa Inquisição, por volta de 1590, eles se reuniram lá. Bom, então quando as autoridades paraibanas começaram a tomar consciência da preservação, isso já era algo difundido no país. Houve um doido que entrou na igreja de São Francisco e saiu quebrando tudo nela, a partir do momento em que ele quebrou as imagens da igreja, as autoridades atentaram para a preservação.

Casa do Patrimônio – Para nós, da Casa do Patrimônio de João Pessoa, o senhor é um relicário da memória, da nossa memória. Quais são os relicários vivos do escritor Gonzaga Rodrigues?

Gonzaga Rodrigues – Relicário vivo? (pausa) Eu não sei se pode ser considerado como relicário vivo o nosso patrimônio sacro. Essas nossas igrejas, temos a igreja de Nossa Senhora do Carmo, que é um barroco meio rocambolesco é verdade, mas tem também a igreja de Santa Tereza, bem singela. Em termos de pessoas, quem melhor escreveu, melhor tratou da nossa igreja de São Francisco foi um baiano que entendia de barroco, fosse ele brasileiro ou português; foi um cidadão, já falecido, chamado Clarivaldo Prado Valadares. Ele fez andanças por aqui e registrou. Eu adoro essa cidade, sabe? Não sei se falta pouco tempo para mim por aqui, mas eu queria demorar mais um tempinho em cima dela (risos).

Relicário de Memória

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Cultura em Ação

Cidade VelhaMaria José Teixeira Lopes Gomes Pie Farias, autora da poesia “Cidade Velha“, é uma poetisa enamorada da velha Capital da Parahyba, a quem ela dedica o poema. Como restauradora do barroco franciscano, e sensível à beleza estética do Centro histórico, a autora delimita os postulados de sua poética na memória “das portas e janelas (da cidade velha) enfileiradas”. É o casario enfileirado que faz a poetisa entrar em devaneio ao observar o espaço vivido de seus antigos moradores, onde as representações e configurações não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação da autora que a levam ao devaneio e à melancolia. O tema engloba a vivência de eras passadas de portas e janelas que tomaram outras funções e de ruas que tomaram outras denominações. As imagens do poema refletem o jogo melancólico com a intimidade das casas, e da cidade que se desfaz, esvaindo o passado e com ele o sentido do pertencimento de seus moradores. A poetisa nos seus versos resgata a vivência de seus antigos moradores, revivendo lembranças, conservando-lhes seus valores de imagens.

CIDADE VELHA ...Portas, janelas(da cidade velha)enfileiradas. Portas do tempodas gameleirasbondes, ruelasbecos, ladeirasrios e matas.Portas dos templosPortas das casas. Portas do tempodas ceias fartasportas que se abrempara as calçadasonde as cadeirasse amontoavampara uma prosa. Portas das ruasde linhas tortas;Rua Direita,do Rosário,Rua Nova,das Convertidas e da Areia.

Portas, janelascom suas bandeirasmeio-góticas,arqueadas,tuas sacadaslembram as moçasdebruçadas... ...Hoje, inda belasportas, janelasde uma belezatriste, amarga... assim fechadasquase vaziasabandonadas...

Se eu não tivesse perdido o sonhoperdido a alma imaginava-asportas, janelastodas soberbastodas abertas... ...Imaginavamúsica, pianofestas e valsas...imaginavafitas e laçosem suas cortinastão delicadas... Quem dera, o tempoque ainda esperasportas, janelastraga bons ventosdevolva-lhes a graçae o encantamentoque esbanjavas... Portas, janelas(da cidade velha)enfileiradas...

A João Pessoa, que um dia voltará a se chamar PARAHYBA.

Pie Farias