Jornal CMA

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Rua Monte Alegre, 389 - Santa Teresa - Rio de Janeiro - RJ -Tel: (21) 3970-0922 / 3970-3626 - e-mail: [email protected] ENTRE MÃES: Seis Anos é o Intervalo S eis anos é o intervalo entre a mãe sofrida e a mãe tranquila. Seis anos é o inter- valo entre o conflito e a segurança. Quando tivemos que deixar o João na escola (nunca gostei de chamar de creche), aos 7 meses, ocorreu a mim, à mãe, tudo o que é esperado da cultura atual da ditatu- ra à maternidade. E que eu, como filha da cultura, senti; culpa, remorso, medo, an- gústia e outros sentimentos pouco agradáveis. Doía mesmo, era um corte na carne. Deixar o João, que ainda mamava peito, com "estranhos" era a pior dor que eu já tinha suportado até então. A escola nos foi muito bem recomendada e, de alguma maneira, aquilo me tranquilizava. Era a Casa Monte Alegre, "os afetos de uma ca- sa"... Continua na página 2 Sobre Sementes E u queria falar aqui de um sonho. Dos sonhos acordados, aqueles que nos fazem criar, inventar o que não existe, desejar o que não existe e ... construir. Dar vida aos sonhos. Quero falar de um sonho que começou lá atrás, quando eu era ainda criança. Quero falar dos iní- cios e do que eles geraram e continuam gerando. Da semente Casa Monte Ale- gre, que diz muito do que ela é hoje. Continua na página 16... Festa do Pindorama S aiba o que aconteceu na festa do Pindorama, no último sábado (28/11) com o Grupo do Diamante... Confira na Página 3 Índice ENTRE MÃES Seis anos é o intervalo...............2 AGRADECIMENTO Festa do Pindorama...................3 INSPIRAÇÃO Depoimento do artista...............3 OLHARES DOS EDUCADORES Imaginação e Expressão............4 Uma experiência entre ciências e crianças.....................................5 Capoeira e Educação.................6 Percussão e Ritmo.....................7 Manhãs na Escola.....................8 A Fotografia Representa o Passado......................................9 ESCOLA UM LUGAR ESPECIAL O Sentido de Uma Escola.......10 ARTE E EDUCAÇÃO Conversa sobre Arte e Educa- ção..........................................11 Um passeio entre os Pequenos Objetos.................................12 COMER É... Comer é colocar o mundo pra dentro......................................13 ONDE UM PEDIDO NOS LEVA Um pedido e uma semente..........14 ESCOLA, UMA EXPERIENCIA VIVA Os afetos de uma casa e os desa- fios de uma escola...................15 AGRADECIMENTO ESPECIAL Sobre sementes.............................16 Trava Língua................................17 Inspiração A partir de uma oficina realizada com alunos da Casa Monte Alegre, Dado Oliveira concebeu a obra A mulher que eu amo está grávida”. Confira na página 3 O Sentido de uma escola H á 22 anos, quando ajudei a cons- truir a escola, já buscávamos criar um espaço comprometido com a expres- são das crianças, onde os olhos pudes- sem não deixar de contemplar o espa- ço e o azul... Confira na página 10

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Jornal da Casa Monte Alegre | Educação Infantil

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Rua Monte Alegre, 389 - Santa Teresa - Rio de Janeiro - RJ -Tel: (21) 3970-0922 / 3970-3626 - e-mail: [email protected]

ENTRE MÃES: Seis Anos é o Intervalo

S eis anos é o intervalo entre a mãe sofrida e a mãe tranquila. Seis anos é o inter-valo entre o conflito e a segurança. Quando tivemos que deixar o João na escola (nunca gostei de chamar de creche), aos 7 meses, ocorreu a mim, à mãe, tudo o que é esperado da cultura atual da ditatu-ra à maternidade. E que eu, como filha da cultura, senti; culpa, remorso, medo, an-gústia e outros sentimentos pouco agradáveis. Doía mesmo, era um corte na carne. Deixar o João, que ainda mamava peito, com "estranhos" era a pior dor que eu já tinha suportado até então. A escola nos foi muito bem recomendada e, de alguma maneira, aquilo me tranquilizava. Era a Casa Monte Alegre, "os afetos de uma ca-sa"... Continua na página 2

Sobre Sementes

E u queria falar aqui de um sonho. Dos sonhos acordados, aqueles que nos fazem criar, inventar o que não existe, desejar o que não existe e ... construir. Dar vida aos sonhos. Quero falar de um sonho que começou lá atrás, quando eu era ainda criança. Quero falar dos iní-cios e do que eles geraram e continuam gerando. Da semente Casa Monte Ale-gre, que diz muito do que ela é hoje. Continua na página 16...

Festa do Pindorama

S aiba o que aconteceu na festa do Pindorama, no último sábado (28/11) com o Grupo do Diamante... Confira na Página 3

Índice ENTRE MÃES Seis anos é o intervalo...............2 AGRADECIMENTO Festa do Pindorama...................3 INSPIRAÇÃO Depoimento do artista...............3 OLHARES DOS EDUCADORES Imaginação e Expressão............4 Uma experiência entre ciências e crianças.....................................5 Capoeira e Educação.................6 Percussão e Ritmo.....................7 Manhãs na Escola.....................8 A Fotografia Representa o Passado......................................9 ESCOLA UM LUGAR ESPECIAL O Sentido de Uma Escola.......10 ARTE E EDUCAÇÃO Conversa sobre Arte e Educa-ção..........................................11 Um passeio entre os “Pequenos Objetos”.................................12 COMER É... Comer é colocar o mundo pra dentro......................................13 ONDE UM PEDIDO NOS LEVA Um pedido e uma semente..........14 ESCOLA, UMA EXPERIENCIA VIVA Os afetos de uma casa e os desa-fios de uma escola...................15 AGRADECIMENTO ESPECIAL Sobre sementes.............................16 Trava Língua................................17

Inspiração

A partir de uma oficina realizada com alunos da Casa Monte Alegre, Dado Oliveira concebeu a obra “A mulher que eu amo está grávida”. Confira na página 3

O Sentido de uma escola

H á 22 anos, quando ajudei a cons-truir a escola, já buscávamos criar um espaço comprometido com a expres-são das crianças, onde os olhos pudes-sem não deixar de contemplar o espa-ço e o azul... Confira na página 10

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Página 2 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

ENTRE MÂES: Seis anos é o intervalo entre a mãe sofrida e a mãe tranquila Ana Paula Cordeiro

S eis anos é o intervalo entre a mãe sofrida e a mãe tranquila. Seis anos é o intervalo entre o conflito e a segurança. Quando tivemos que deixar o João na escola (nunca gostei de chamar de creche), aos 7 meses, ocorreu a mim, à mãe, tudo o que é esperado da cultura atual da ditatura à mater-nidade. E que eu, como filha da cultura, senti; culpa, remorso, me-do, angústia e outros sentimentos pouco agradáveis. Doía mesmo, era um corte na carne. Deixar o João, que ainda mamava peito, com "estranhos" era a pior dor que eu já tinha suportado até então. A escola nos foi muito bem reco-mendada e, de alguma maneira, aquilo me tranquilizava. Era a Casa Monte Alegre, "os afetos de uma casa". A Val foi uma pessoa importantíssima, que penso, hoje, ter cumprido bem a função de "maternagem" em minha ausên-cia. Mas não foi fácil, por muito tempo não foi. Eu chorava a cada despedida, ainda que escondida, eu voltava cabisbaixa, eu sentia falta dele, e, mais do que eu sentir sua falta, o que mais me dilacerava era pensar que ele estaria sentindo a minha. A escola sempre me tranquilizava: "Ana, ele chora um pouco depois que você sai, mas logo depois para". Engraçado que eu via isso com outras crianças, mas sempre achava que eu estava o negligenciando e que ele ficava esperneando o tempo todo sem mim.

O fato é que os dias foram passando, um a um, e, a cada nova entrega do João, uma nova cruel despedida. Então ele fez um ano, dois anos e assim por diante. E ele passou a andar, a correr, a crescer e a chorar menos! Mas ainda tinha algo na despedida, eu ainda chorava por dentro. Algo daquela despedi-da remetia às despedidas da minha mãe, quando eu tinha que entrar na minha escola, aos quatro anos. A resposta da escola sempre foi no sentido de que o João era uma criança tranquila, se desenvolvia bem e chorava o normal para uma criança que vê sua mãe sair por algumas horas - e acreditem, eu realmente penso que mães têm que sair por algu-mas horas! Mas quando por volta dos dois anos, na fase em que algumas crianças lançam mão das mordidas para se comunicar com o mundo, eu descobri que meu filho era um "mordedor". Então a Monte Alegre começou a sinalizar aquele comporta-mento e nos chamar para conversar. Sempre conversas muito tranquilas, conversas mesmo, troca de informações que, apa-rentemente, não nos fariam descobrir nada demais. Era um interesse despretensioso em mim, em nós, no João, na nossa dinâmica familiar. "Ana, tem algo diferente?", "Ana, como vocês estão?", "Como está o sono do João?" Nessa época o João ainda não falava como as crianças do seu grupo, mas como sempre acreditamos que cada criança tem seu tempo, nas diversas fases do desenvolvimento, estávamos espe-rando, sem pressão. Só que a única forma que o João estava encontrando de se comunicar era através das mordidas. A qual-quer sinal de frustração, era mordendo que ele avisava ao mun-do sua insatisfação. É interessante mencionar que, nesta fase, é pela zona oral, pela boca, que criança buscará caminhos para a satisfação pulsional. A modalidade de relação com o mundo neste momento é a de incorporação do objeto, o que é amado é incorporado e destruído, ou seja, é um jeito "primitivo" de a criança conseguir o que deseja: trazendo para dentro de si. Bom, de conhecimento disso, a Monte Alegre, começou a tra-balhar com o João e nos chamar para a parceria neste trabalho: estimular a fala, dar objetos para o João morder, estar atento

aos desejos do João e nomeá-los, ou seja, encaminhar a agressi-vidade pela via do simbólico, o que fizemos à risca.

M as não era só isso o que a Monte Alegre nos queria pro-por, nos queria mostrar. Das várias conversas ao longo de mais ou menos um ano e meio (nos intervalos em que o João melho-rava e regredia no lance das mordidas), uma conversa foi fun-damental. Estávamos eu, meu marido e Nena e, por nós, foram ditas frases que remetiam o João a um lugar muito infantiliza-do, ainda, como se, sem saber, não estivéssemos vendo todas as suas possibilidades de crescimento, como se não estivéssemos deixando nosso filho crescer! Isso foi ficando claro para nós no decorrer da conversa até que nos foi possível ser dito pela Nena algo muito parecido com a conclusão mencionada a pouco. Dito de forma muito cuidadosa, mas enfática, dito de uma for-ma segura. Nós estávamos diante de uma constatação que iria mudar toda a relação com nosso filho e, consequentemente, sua presença na escola. E isso não é uma hipérbole. Nas semanas seguintes a entrada do João já havia mudado. A cada novo dia eu o deixava um pouco mais segura, as despedidas não eram mais tão demo-radas e já podiam ser feitas do portão. Eu já não descia aquela ladeira choramingando, eu já descia a ladeira olhando para a frente. Ele passou a entrar confiante, a linguagem desabrochou, as mordidas cessaram.

P ara além das orientações pedagógicas dirigidas à criança - o que não é possível sem um olhar atento a cada uma delas - é esse tipo de parceria proposta aos pais que faz a diferença na Casa Monte Alegre. É esse tipo de parceria genuína que faz a diferença no que se chama relação pai-escola. É para além da simples participação nas reuniões. É como o vínculo com um analista: você deposita ali uma confiança fundamental que o autoriza a te dizer sobre você. E é essa parceria que deve ser aceita sob a pena de corrermos o risco de subestimar as capaci-dades de nossos filhos e subvalorizar o trabalho e a escuta da escola. Hoje, seis anos depois, a despedida do João é feita antes de começar a subida da rua, pois ele decidiu que quer "ir sozinho". Despedimo-nos no começo da ladeira, eu atravesso a rua e me encosto no poste de luz, que é de onde tenho ampla visão para acompanhar seus passos até o portão, e ele sobe. No portão, antes de entrar, ele sorri orgulhoso e me acena lá de cima, eu sorrio e o aceno orgulhosa lá de baixo. Ele entra, eu posso continuar. Não há mais choros. Ele cresceu. Eu também. Ana Paula Cordeiro é mãe do João Paulo (Grupo Diamante), Psicanalista.

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Página 3 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

AGRADECIMENTOS Festa do Pindorama

A gradecemos as famílias que compareceram a Festa do Pindo-rama no sábado dia 28/11/2015, no Parque das Ruínas. Uma lin-da festa onde todos nós, adultos e crianças, brincamos e vivemos muitas histórias juntos! Agradecemos todos vocês pela presença no lançamento dos livros e exibição dos vídeos da Oficina do Olhar no dia 02/12/2015 no centro Cultural Laurinda Santos Lobo.

F oi um prazer curtir os poe-mas em forma de histórias, con-tados pelo grupo de contadores de histórias da Casa Poema com direção da Elisa Lucinda. Um agradecimento especial ao Grupo do Diamante que se des-pede da Educação Infantil, da Casa Monte Alegre, das Educa-doras e vão desbravar outros mares no Ensino Fundamental. Já estamos sentindo Saudades.

Depoimento do Artista Dado Oliveira

A mulher que eu amo está grávida Carvão e guache sobre tela

184 x 100 cm

A partir de uma oficina realizada com alunos da Casa Monte Alegre, Dado Oli-veira concebeu a obra “A mulher que eu amo está grávida”. O artista conta como se deu o seu processos de criação: “Fiz esse trabalho inspirado na experiência que tive com as crianças da CMA. Nos primeiros dias após a passagem deles pelo atelier eu entrei em processo de cria-ção, tirando partido do material que eles usaram, e lembrando da liberdade e do desapego, coisas que estão muito presen-tes na relação deles com o mundo nessa idade.”

O Jornal Monte Alegre é uma publicação produzida com patrocínio da Casa Monte Alegre.

Direção: Nuelna Vieira e Cristiany Posner Editoração: Alexander Schio Assessoria: Alberto Rophie Rua Monte Alegre, 389, Santa Teresa – RJ CEP.: 20240-191 Telefones (21) 3970-0922 / 3970-3626 [email protected]

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Página 4 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

Imaginação e Expressão: Um caminho com as histórias

Andrea Romero

T udo começa com uma roda. Há uma inclusão de todas as crianças, cada uma delas com sua singularidade. Apresento uma narrativa, que vou construindo com vozes diferentes e a emoção dos personagens em cada uma delas. Em determinados mo-mentos aparecem as cantigas, danças e dramatizações, com improvisos e muita atenção às histórias que as crianças também passam a contar. Existe uma troca muito rica. Existe também muito carinho envolvido. Uma história contada pode sempre acolher o que uma criança tem a dizer. As histórias estão sempre se transformando, produzindo novos significados. Uma vez que as crianças entram nas narrativas, elas podem trans-formar os afetos em palavras. É uma forma de crescer. Através dos diferentes movi-mentos das histórias cantadas e dançadas, elas também vão trabalhando todo o corpo, inventando novas formas de expressão, de crescimento. Antes mesmo do nascimento de uma criança, os pais já começam a construir uma nar-rativa. A criança bem pequena diz o próprio nome quando fala dela. O "eu quero" vem depois do "Pedro quer". As histórias ajudam na formação dessa pessoa singular, que vai ter, também, mais chances de saber conviver melhor em grupo. Através da literatu-ra desenvolvemos um pensamento crítico, tão importante para dar conta das inúmeras situações da vida, para transformar o que precisa ser transformado.

P ara o educador Jorge Larrosa, a literatura é um dos pilares da formação de todos nós. Para ele a tarefa principal de um educador é transformar o mundo em algo interes-sante e a arte não é apenas um instrumento para isso, mas um fundamento. Comparti-lho do pensamento dele. A história evoca o medo, a raiva, a rivalidade, a angústia, o sentimento de perda, as alegrias, o amor, as superações, os inúmeros sentimentos das crianças. É possível, de-pois de reconhecer estes sentimentos em todos nós, ir elaborando melhor e sentir alí-vio, aceitar ou não, criar novas formas de se expressar e de estar no mundo, inventando novas narrativas.

A credito numa educação que desperte o artista que todos nós somos. A literatura é fundamental para o despertar desse artista. Artista que seja capaz de transgredir, de ser questionador, capaz de conhecer sua potência e sua capacidade de estar na vida com possibilidades maiores de construir uma vida mais leve e feliz. E não só para cada um de nós, mas pensando também no todo. Gosto de trabalhar com coisas muito simples, como bolinha de sabão que se transfor-ma em borboleta voando, cadeiras que viram um ônibus, um pano que é uma vela de um barco, o chão colorido que passa a ser a casa de porquinhos. Soltamos a imagina-ção e ela fala dos nossos sonhos, pesadelos, do que vivemos, do que podemos viver, do que gostaríamos de viver. Nessa sociedade do espetáculo que vivemos, e que parece tão distante do que somos de verdade, encontrar o lugar da invenção, da experimentação, das brincadeiras mais sim-ples, é construir uma educação transformadora de nós mesmos, o que vai possibilitar uma mudança que pode ser compartilhada por todos.

M eus encontros com as crianças são de uma troca permanente, até mesmo quando tenho que dar limites. Porque a brincadeira tem regras, porque aprender a ouvir o outro não é fácil. Também, temos a hora de apenas ouvir os livros, de ver os livros. São livros com pala-vras, sem palavras. Mas todos têm um texto. Não existe livro sem texto. Um escritor e ilustrador inglês de livros infantis, chamado Tony Ross, diz: "As crian-ças vêm de outro planeta e têm suas próprias regras, suas próprias crenças, suas pró-prias estruturas". Acho que o educador só ganha se tiver coragem de conhecer esse planeta, ou de lembrar dele, já que fomos crianças. Brincar junto, contando e ouvindo histórias, é uma passagem para esse planeta. Para terminar, convido o Paulo Freire: "É impossível ensinar sem essa coragem de querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência. É impossível ensinar sem a capacidade forjada, inventada, bem-cuidada de amar". Andrea Romero é jornalista, atriz, contadora de histórias e bacharel em Comunicação Social.

Colônia de Férias

P ais e Amigos da CMA, janeiro é mês de colônia! Todo ano para atender as necessida-des de algumas famílias, promove-mos uma colônia bem especial! Nossa colônia tem como objetivo principal oferecer as crianças uma casa para brincarem, fazerem amigos, estabelecendo relações e tecendo vínculos. Umas férias na escola! Ocupamos-nos em inventarmos dias ricos em experiências para as crian-ças, tendo cuidado com o ritmo de cada um, evitando essa lógica social que valoriza a aceleração e a quanti-dade desenfreada de atividades, le-vando as pessoas a fadiga e a disper-são. Em nossa programação valorizamos as artes como principal articuladora entre as pessoas, os materiais e o ambiente. Dança, circo, teatro, tintas, argilas, fotografia... São meios, estí-mulos para que cada um possa aguçar sua curiosidade e ampliar sua percep-ção de si e do mundo. Assim, nossos dias terão um pouquinho de tudo! Quando? 11 de janeiro à 23 de janei-ro de 2016. Horário: 9:00 às 17:00. interessados enviar e-mail para: [email protected] As inscrições acontecerão até dia 15/12/2015! Esperamos por vocês!

Pensamentos Manoel de Barros

“Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica, nem com

balanças, nem barômetros. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamen-to que a coisa produza em nós.”

“Prezo insetos mais que aviões

Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim esse atraso de nas-cença

Eu fui aparelhado para gostar de pas-sarinhos

Tenho abundância de ser feliz por isso

Meu quintal é maior do que o mun-do.”

“Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e

sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que

comparação.“

“O olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê. É preciso trans-

ver o mundo.”

Page 5: Jornal CMA

Página 5 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

Uma experiência entre ciências e crianças pequenas Ana Carolina

C iências na educação infantil é uma proposta para experienciar a ciência em sua essência. Por quê? Porque nesta fase do desenvolvimento em que as crianças se encontram elas querem entender tudo o que os cerca: Por que o céu é azul? Por que existem animais que dor-mem de dia e outros que dormem à noite? Como eram os dinossauros? Por que eles não existem mais? Onde foram parar? Nunca mais os veremos? Com a ciência buscamos respostas e estimulamos cada vez mais essas investigações. Vivemos situações de pesquisas onde as etapas do método científico estão presentes, sem nem ao menos precisar falar sobre isso, e nem usar as palavras. Investimos em experienciar uma ciência viva, uma ciên-cia presente nas indagações e curiosidades do cotidiano da escola.

C omo fazemos isso? Nossa prática para essa faixa etária precisa ser permeada, primeiramente, pela imagi-nação. Não adianta chegar com informações prontas, as crianças precisam descobrir as coisas por si mesmas, agindo no mundo. Essas atividades de investigação pre-cisam estar sempre ligadas a propostas práticas, nas quais as crianças possam tocar, sentir, interagir com os saberes, as dúvidas, as ideias, para que aquilo tenha algum fundamento para elas, para que agir, pesquisar, crie sentidos e elas vejam a funcionalidade do mundo e estabeleçam vínculos afetivos com a ciência. O trabalho do educador de ciências com essa faixa etária é um desafio grande, porque, dependendo da relação que as crianças criam com a ciência neste primeiro contato, pode-se abrir um mundo, como podem também se fechar portas: se o professor não souber muito bem o que está fazendo e como está fazendo. É essencial em nossa proposta sempre repensar as práticas, buscando

maravilhar as crianças e encantá-las com o mundo natural, com as hipóteses que imaginamos e criamos a partir do debruçar so-bre nossas curiosidades.

O educador precisa estar atento aos interesses das crianças, que mais uma vez, retornando ao que foi dito acima, são muitos e duram o tempo do instante da curiosidade. Às vezes, é um tempão, outras vezes é um tempo intenso e se esgota ali. Eles pensam em muitas coisas ao mesmo tempo, têm sede de conhecimento. Muitas vezes preparamos uma aula sobre algum tema baseado no interesse daquela turma há uma semana e quando chega na hora do encontro, eles já não querem mais saber sobre aquilo. Cabe ao educador, ouvi-los e tentar responder a algumas questões sobre aquele tema do momento e estabelecer uma relação rápida com aquilo que preparou. Mas, claro que isso só não basta: é necessário também que o educador traga para si a responsabilidade de preparar uma experiência sobre aquele tema para o próximo encontro. Assim, partimos da curiosidade das crianças, que são muitas e nos desafiam a acompanhá-las no tempo; construímos encontros quinzenais para experienciarmos essas inquietações e buscarmos, a partir das vivências, espaços para escutarmos cada criança e visualizarmos suas ideias e construções. Pessoalmente, eu Carol, gosto muito do trabalho com a educação infantil. Gosto muito de responder essas questões, acho essa sensação de desafio feita por eles muito boa. Tento ao máximo ajudá-los a entender as coisas do mundo natural, os acontecimen-

tos que os rodeiam, dando instrumentos para que eles descubram por si mesmos.

Ana Carolina é Bióloga e Professora do Ecobé Projetos Pedagógicos.

OLHARES DOS EDUCADORES

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Página 6 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

Capoeira e Educação Patrícia Nascimento

P ensar o recém nascido como um bichinho que nasce imerso na cultura e à medida que cresce se desenvolve, incorporan-do os códigos culturais e as regras de convivência, pode ser um bom exercí-

cio para começarmos a refletir sobre educação. Um bom exemplo é a criança que troca a noite pelo dia, os pais dela,

geralmente, fazem o que for possí-vel para ajustar essa disfunção de horários, porque a vigília da crian-

ça é um transtorno para toda famí-lia.

O que isso tem a ver com educa-

ção? Tudo! As práticas sociais formam, modelam, integram a

pequena pessoa, a fim de que esta se enquadre e consiga sobreviver

na adversa realidade sociocultural.

E ntão, educação pode ser sinô-

nimo de adequação? Talvez. E em algumas abordagens, sim, isso se torna a máxima. Como por exemplo, na perspectiva da edu-cação formal. A educação escolar desde os anos iniciais prepara a criança para ficar horas sentada por dia e condiciona maneiras de conhecer o mundo, de ver as coisas e defini-las como a ideia de belo, feio, certo, errado, bom e ruim etc. Tudo isso acontece

por meio de abstrações várias e sobretudo, na prática, no dia a dia, que valoriza a racionalização em detrimento do vivenciado.

A educação infantil, em algumas instituições, ainda é um oásis na formação integral do ser humano, porque se distancia da lógica escolar tão preocupada com resultados. E o que faz uma escola que foge a essa lógica e não se preocupa com resultados? Organi-

za suas práticas, dando espaço à expressão, às vivências, ao inesperado, tendo como foco a autoconstrução dos sujeitos, crianças e adultos. Nós nos preocupamos com o que o outro tem a dizer. Criamos espaços para escuta! Dessa mistura entre cuidado e edu-

cação, o mundo chega inteiro para a criança, sem a fragmentação por áreas tão comum na vida escolar. Nesse movimento de conhecer o mundo na inteireza, ela está se construindo e aprendendo sobre si, sobre os outros e como equacionar as interações

nessa dinâmica.

A interlocução com o meio que a cerca é um desafio, pois apresenta à criança necessidade de negociação desde a mais tenra

idade, seja na disponibilidade da mãe para amamentar, na disputa de um brinquedo com o colega, na necessidade de nomear, na decisão de quem vai participar da brincadeira e muito mais.

O que está posto nessas situações cotidianas é considerar o outro, consciente ou inconscientemente, como um meio para dar cabo

aos seus anseios e, assim realizar trocas construtivas, necessárias a um desenvolvimento saudável.

A contribuição da capoeira nessa construção estimula a propriocepção da criança, e a partir disso, a percepção do outro. Atitude fundamental para que o jogo/brincadeira aconteça. Com as crianças bem pequenas, o trabalho começa pela percepção do próprio

corpo, do espaço, do tempo, do jogo de forças que possibilitam ou dificultam o mover-se no espaço. Além de perceber o clima no grupo, o coletivo. Esses são alguns dos elementos de referência, para elas perceberem a si e a partir daí, agirem sobre o meio.

J á com as crianças maiores, além dos elementos referencias que ajudam na percepção do próprio corpo, trabalhamos a oralida-de como elemento criador e delimitador da realidade. Através de histórias e cantorias construímos o ambiente para nossas práti-cas. Cantando ouvimos, vivenciamos e criamos as nossas próprias histórias.

A capoeira convida para o encontro consigo e com o outro. Quando estamos na roda, alguém canta, outro alguém toca, mais al-

guém joga e todos estão num movimento criativo e harmonioso. A magia acontece.

Todavia, persiste o desafio do encontro, porque junto a ele coexistem: o prazer, a dor, a negociação, a frustração, a alegria e o cuidado de pensar seu desejo sem desconsiderar o do outro. E isso é formação, educação, crescimento, construção... Pois, nesse

trabalho que aqui vos apresento, não existe vida fora do encontro!

Patrícia Nascimento é Capoerista,Pedagoga e Pesquisadora Bolsista IC do Projeto Brinquedoteca na Escola – ISERJ. Professo-

ra de Capoeira da CMA.

OLHARES DOS EDUCADORES

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Página 7 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

OLHARES DOS EDUCADORES

Percussão e Ritmo Vitor Giraldi

O nosso segundo semestre começou cheio de aventuras e desafios. As crianças chegaram com muita vontade de aprender. Assim, a partir das brincadeiras e dos movimentos exploramos ritmos e sons. Percebo uma marca das crianças dessa escola, na qual a maioria se destaca pelo

controle motor e por uma riqueza do psicomotor. Entendo essa marca como um efeito do ambiente disponível a elas, efeito dos estímulos da arte e do corporal, tudo

isso tão presente em seus cotidianos.

O físico e o motor estão sempre sendo explorados em nossos encontros. Uma das brincadeiras que adoramos fazer é a da bola. Uma brincadeira que a gente faz

com uma bola imaginária. Aqui precisamos imaginar e estarmos atentos, porque às vezes o jogo fica ágil, outras mais lentos e em diferentes momentos as consignas se

alteram. Juntos vamos girando a bola imaginária e criando elos entre um e outro. Essa brincadeira ajuda a acordar os sentidos e atrair a concentração deles para ativi-

dade.

N esse segundo semestre inventamos um jogo de pegar uma bola de verdade. É muito legal ver como eles usam a bola, a firmeza em segurar, como cada um a en-trega pra seu colega de modo a controlar a força, a velocidade e o ritmo. Sim, a brincadeira ganha um ritmo, conforme conseguimos fazer a roda girar... Adoramos brincar juntos, olhando no olho e aumentando os desafios. Temos muitas brincadeiras que convergem som, ritmo e movimento. Algumas vo-

cês conheceram nas comemorações do dia das mães e do dia dos pais, como: brin-car de bater palmas ao som do tambor, identificando os sons agudos e graves; a

brincadeira do índio, na qual eles correm e andam lentamente, seguindo o ritmo dos tambores; e, com os maiores, o prazer da execução de ritmos, formando grupos de 3 a 4 crianças e escolhendo um líder, democraticamente, para ser o proponente do

que se iríamos tocar. Essa última também foi bem interessante. Todos gostaram muito. Imaginem! Uma criança cria um som no tambor e depois todos juntos repe-

tem ritmos. Descobrimos muitas possibilidades. Eles são muito criativos.

N ossos encontros acontecem assim, com muitas brincadeiras que inventamos e

que nos acompanham desde sempre como: Ali Babá e os quarenta ladrões, batucan-do no chão com as palmas da mão e com outras partes do corpo, um dois três batati-

nha frita, congelados e muito mais.

J á com os bebezinhos nossas brincadeiras foram tocar, olhar, repetir e sorrir! Sim.

Eles pegam um instrumento, produzem um som e começam a sorrir! As brincadei-ras são mais livres, preparamos um espaço para eles explorarem e descobrirem em suas ações um efeito no grupo, no espaço e no outro.

Brincamos de tocar, bater pezinho ao ritmo de algumas musicas, de cair no chão (cair de maduro como alguns falam) e sempre focando no sensorial, para eles terem um encontro, uma relação, com os tambores e os batuques.

O s bebês estão apropriados desse espaço e quando me veem, já abrem um sorri-so e buscam: cada um, seu instrumento. Outros ficam rodeando, olhando, dançan-

do... mas estão todos ali, presentes, compartilhando sons, ritmos e olhares.

Foi um semestre prazeroso, cheio de encontros com as crianças crescidas e sabendo o que estão fazendo nesse espaço com tantos instrumentos.

É um prazer estar com as crianças e com os ritmos, criando laços afetivos e desper-tando o som de cada um!

Victor Giraldi é músico e professor da Casa Monte Alegre.

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Página 8 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

OLHARES DOS EDUCADORES

Manhãs na escola, espaço para expandir os movimentos e os encontros Tatiana Queiroz

N este semestre, procuramos investir nas brinca-

deiras que exploram o movimento corporal, trabalhando o cuidado com próprio corpo e com

o alheio. Por isso, em nossas manhãs, brinca-mos de subir, descer, correr, explorar os espaços, de pega-pega e de esconde-esconde, que, por sinal, é uma das brin-

cadeiras prediletas do grupo. Brincamos algumas vezes de coelhinho sai da toca, quando cada criança ficava dentro do

bambolê e, ao contarmos, um, dois, três, todas trocavam de lugares. Confesso que, no inicio não foi fácil, já que elas

entendiam que o primeiro bambolê que iniciava a brinca-deira eram os delas. Elas tomavam posse, e não queriam

mais sair. Mas, com muita conversa e brincadeira, começa-ram a brincar de diferentes formas com esse material.

Tentamos brincar de futebol, mas não deu muito certo, pois sempre tinha alguém que pegava a bola e saia correndo, dizendo que era dele. Então, criamos novas regras para o futebol: sair correndo e chutar para fazer o gol. Não dar muito certo é super certo!!

Assim que chegamos próximos deles é que sabemos como pensam, agem e organizam o mundo à sua volta!

E mbarcando nesse movimento corporal, pensamos em explorar os sentidos, sobretudo a relação do tato por meio do contato

com a argila, descobrindo uma nova textura. Algumas crianças embarcaram na brincadeira, enquanto outras se permitiam sentir com as pontas dos dedos, fizeram pegadas de bichos na argila, passaram nos cabelos, nos pés um dos outros. Pensando neste

corpo que sente, ouve, olha, toca...

Um dia, enquanto as crianças estavam brincando no chão colorido, apresentamos a elas algu-mas garrafas com a água, e isso aguçou a curiosidade delas. Dissemos que iríamos fazer uma

experiência. Imediatamente a maioria sentou em roda para observar o que iria acontecer. Mos-tramos uma essência alimentícia nas cores vermelha e verde. Na primeira garrafa, pingamos

uma gotinha amarela e ela foi lentamente se misturando à água. As crianças ficaram com os olhinhos brilhantes, como se estivessem vendo algo sobrenatural. Alguns falavam: – Tá fican-do amarelo! Olhavam para os lados e percebiam objetos da mesma cor. Por exemplo, a cor do

chão, da roupa, de alguns brinquedos etc... Uma gota de anilina na água e... vivemos muitas associações!

D epois de observar o interesse delas, propusemos trazer papel crepom de várias cores para descobrirmos juntos o resultado de outra experiência. Pegamos algumas garrafas e as crianças

iam colocando crepom picado para vermos o resultado. Alguns pegaram o crepom e preferiram brincar de fazer chuva de papel colorido, outros fizeram minhoca, enfeite de cabelo, rabo de

bicho, dentre outros.

Ainda na exploração sensorial, passeamos pelo bairro, uma vez que vamos observando o que esta a nossa volta, contemplamos as cores e formas que encontramos no meio do caminho das mais variadas espécies de flores, plantas, casas grandes, pequenas,

amarelas, verdes, vermelhas, branca, coloridas. Ao passar pelas plantas, algumas crianças imaginavam ser a floresta do lobo.

A proveitamos para brincar um pouco no bonde. Para onde vamos? Cada um se imagi-

nou passeando para algum lugar. Uns foram para a praia, a pracinha, para casa, mui-tos lugares.

Vamos juntos pegar o bonde e embarcar nessa aventura entre cores, lobos, unicórnios,

caranguejos e muito mais.

Nossas manhãs são assim, momentos de estarmos juntos, brincando, inventando, andando pelo bairro, descobrindo uns aos outros e vivendo travessuras entre os amigos.

Tatiana Queiroz é pedagoga e professora do Integral da Casa Monte Alegre

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Página 9 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

OLHARES DOS EDUCADORES

A fotografia representa o passado Cecília Figueiredo

C om esta reflexão, que dá título a este texto, produzida pelas crianças, nós fechamos as atividades da oficina do olhar em 2015.

Neste ano experimentamos uma grande mudança na

nossa oficina. Uma mudança que representa um aprofundamen-to do trabalho realizado e experimentado entre equipe e crian-ças ao longo de 4 anos de atividades com imagens na Casa

Monte alegre.

N ossa oficina começou em 2012 como aula de cinema, mas

a ênfase na técnica e na linguagem que o cinema pediam não estavam se mostrando uma estratégia coerente com a proposta

de experimentação múltipla que a escola se propunha a ofere-cer. Observava que as crianças reproduziam técnicas, mas não

tinham a oportunidade de desenvolver sua própria linguagem e simplesmente brincar com ela. Em 2013 iniciei minha pesquisa de doutorado que trata da relação profunda entre os retratos

fotográficos e expressões identitárias dos indivíduos, a partir do olhar da psicossociologia, ou seja, quando este sujeito está no

coletivo e se expressa a partir dele. Eu não pesquiso as crianças da escola, mas elas são fonte de reflexão constante. O trabalho

com imagens que realizamos na CMA tinha que mudar...e mu-dou. Desde 2014 estamos vivendo uma transição do cinema

para a fotografia e da fotografia para a imagem no seu sentido mais amplo. Enfim, conseguimos neste ano transitar e nos as-sentar em um lugar onde a experimentação com imagens cons-

trói possibilidades de reflexão com as crianças ao mesmo tem-po em que é a própria expressão de uma linguagem instigante.

A bandonamos de vez a ideia de que imagens são produções autorais e apostamos em retratos compartilhados e negociados,

produzidos coletivamente. As máquinas estão nas mãos das crianças e dos adultos e todas as fotografias são observadas,

mostradas e vividas por todos ao mesmo tempo. Partimos do princípio que estas imagens são fruto de múltiplas iterações.

Das crianças e entre elas, das crianças com os adultos e das crianças com o espaço da escola como um todo. Neste sentido

as fotografias produzidas são o resultado destas influências e a autoria se tornou, neste processo, um detalhes, nada prioritário

no trabalho.

Pelos Grupos:

O grupo da Borboleta experimentou objetos óticos, que geram imagens e transformam a realidade com forma e cores, espe-

lhos, papeis que geram reflexos deturpados, papel celofane que produz realidades mais coloridas, tubos e caixas que recortam a

realidade e até a iteração destes materiais. Construímos máqui-nas de sucatas e brincamos muito com elas. Ao final usamos as

máquinas de verdade para fotografar livremente e criar histórias a partir das imagens.

A s imagens produzidas não estão sozinhas, são aliadas de narrativas fantásticas que trazem para a realidade os cavaleiros e as cavaleiras, princesas e dragões além de produzir reflexões

sobre situações reais. As fotografias são a porta de entrada para temas variados e para a expressão de situações cotidianas. Mes-

mo com as máquinas feitas de sucata as crianças tiram “selfies”, mostram as fotos de mentirinha para os amigos e

apertam botões mágicos que mandam as fotos direto para o facebook. A brincadeira fotográfica se torna uma reprodução do cotidiano e acaba expondo e trabalhando nossos hábitos e

nossa cultura.

R etomamos nos dois grupos (borboletas e diamante) um pouco da cultura do álbum com a intenção de brincar com a fotografia e a memória, pois estamos vivendo tempos de produ-ção imagens em grandes quantidades, mas que permanecem no campo da virtualidade, sem nunca se materializarem. Os álbuns foram um caminho de brincar com esta materialidade, com a escolha das “melhores” imagens e com a relação das fotografi-as com outras imagens importantes, como os desenhos. Estes álbuns são revisitados periodicamente e, assim, tocamos na memória dos grupos. Como crescem rápido em um ano! As imagens fazem estas mudanças saltarem aos olhos e emocio-nam quem as observa. Na nossa última visita ao álbum do gru-po do Diamante surgiu a reflexão que deu o título a este texto. A ideia do passado brotou no grupo e a discussão pegou fogo entre as crianças, que logo arrumaram também uma solução para que a fotografia representasse o futuro: “A máquina foto-gráfica pode ser uma máquina do tempo”.

P assado, presente e futuro foram, afinal, temas importantes para o grupo do diamante neste ano. Começamos conversando sobre a história da fotografia e criamos uma câmera de lambe-lambe onde as crianças podiam entrar dentro, se cobrir com o pano preto e fazer um retrato de outra criança, que em seguida era revelado da anilina colorida. Retrato e desenho...assim co-mo antigamente. Comparamos retratos e pinturas de reis e rai-nhas, fizemos retratos dos amigos e colamos na parede da sala com a técnica do lambe-lambe. O outro lambe-lambe que usa cola de goma para fixar arte gráfica nos muros da cidade.

F izemos seções de retratos com os temas do carnaval, do

folclore e dos índios e experimentamos a magia de virar perso-nagens a partir da pintura, maquiagem e da fotografia. Realida-

de e ficção juntos em um caldo de identidades borbulhantes.

Continua na próxima página...

Page 10: Jornal CMA

Página 10 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

Casa Monte Alegre, os sentidos de uma escola de Educação Infantil

Daniela Guimarães

V ocê já notou o lugar importante que ocupam as cores, os sons e os sonhos na linguagem das crianças? Tudo é luminoso, aéreo, livre e fresco como a água que corre. E quanto a nós, apressamo-nos em erguer uma barreira, a apagar a luz (...) a baixar obstinadamente para lama e para as pedras os olhos que teimavam em contemplar o espaço e o azul” Celestian Freinet As palavras do educador francês ajudam-me a falar dos sentidos que a Casa Monte Alegre produz como escola de Educação Infantil desde o seu início, em 1994.

H á 22 anos, quando ajudei a cons-truir a escola, já buscávamos criar um espaço comprometido com a expres-são das crianças, onde os olhos pudes-sem não deixar de contemplar o espa-ço e o azul. Hoje, pude ter meu filho nesta escola e perceber no lugar de mãe, estes princípios operando no modo do Gabriel ser no mundo. É bonito perceber nele o valor dos amigos: a importância de ir à casa deles, desejar trocar suas próprias coi-sas, alegrar-se enormemente em cada encontro na rua ou na praça, sempre desejar compartilhar suas novidades com os pares. Com os amigos, inventa mundos e tem a segurança, construída em 5 anos de convivência diária, para negociar, fazer proposições, opor-se, reparar atropelos, querer bem e ser querido. Importante como aprendeu a segurar a raiva que escorria pelo corpo e colocá-la na voz que hoje diz “eu não quero”, “não faz isso comigo”, “eu não gostei”. Ao mesmo tempo, é precioso perceber como aprendeu a pesquisar, a inventar, a se sentir autor e a manifestar seus sentidos. Desenhar, dançar e falar são modos de criar histórias, de sentir-se importante, afirmar a autoestima. Hoje, é um me-nino grande, que dorme na casa dos amigos, veste-se sozinho, diz o que sente, começa a aventurar-se na escrita e na leitura, pede para a gente ler histórias, quer fazer (ele mesmo) os planetas da sua festa espacial de 6 anos.

G abriel vai para outra escola ano que vem, levando da Monte Alegre o que plantamos há 22 anos e Cris, Nena, Bel, junto com as que vieram depois, bus-cam cultivar todos os dias... a aprendizagem de cuidar de si, a autonomia, a se-gurança nas relações, a produção de linguagem, a experiência com diversas prá-ticas culturais, a alegria. Foi muito especial ter participado da história da Casa Monte Alegre durante todo esse tempo de tão variadas formas. Para nós, adultos, também é espaço de huma-nização, aprender a expandirmo-nos sem atropelar o outro, exercitar a autorida-de (diferente do autoritarismo), experimentar o confronto, a escuta, o diálogo, estar junto, crescendo nas diferentes formas de produzir encontros. Obrigada Cris e Nena! Obrigada Bel! Obrigada aos pais do Grupo do Diamante! Obrigada a todos! Daniela Guimarães é mãe do Gabriel (Grupo do Diamante) e fundadora da Casa Monte Alegre, Professora da UFRJ.

A fotografia representa o passado Continuação da página 9

F inalizamos o ano com as crianças usan-do pequenas câmeras para retratarem seus amigos e fixarem neste suporte as expres-sões sentimentais com o este grupo que se despede da escola. Estas imagens foram selecionadas por eles, reveladas e coladas no álbum. Outros grupo, outras propostas com ima-gens: Bem no início deste ano realizamos um desejo antigo de promover um encontro sobre fotografia com a equipe de professo-res. Em duas etapas refletimos juntos sobre o que estamos registrando quando fotogra-famos e filmamos o nosso trabalho cotidia-no. Pensamos sobre as imagens que produ-zem visões sobre a infância e depois deba-temos formas de melhorar a produção foto-gráfica com dicas simples e que se incorpo-raram no fazer da equipe.

A resposta ao longo do ano foi surpre-endente e toda a equipe se entusiasmou em produzir mais e melhores imagens que re-gistrassem o trabalho no cotidiano escolar. Cinco maquinas foram compradas pela escola e incorporadas ao trabalho com as crianças de formas diversas. Agora temos que nos colocar o desafio da escolha e da seleção de imagens, separação de arquivos, desapego em jogar fotos na lixeira virtual e organizar nossos registros para relatórios e trabalhos de reflexão. Desafio, quase olím-pico, para 2016! Parte deste desafio foi iniciado com a proposta da campanha #momentocma, onde pais e equipe posta-ram fotos na pagina da escola no facebook utilizando esta hashtag. Depois de algum tempo selecionamos algumas imagens para compor uma exposição virtual no site da escola destacando momentos do cotidiano escolar e os princípios do trabalho realiza-do pela escola.

O trabalho no berçário também foi a realização de um desejo e neste ano experi-mentamos incursões nos três grupos de forma mais pontual e simples. A proposta ainda é produzir registros do cotidiano das iterações entre as crianças e entre estas e os adultos, mas também produzimos pequenos livros onde brincamos com o rosto, o retra-to e a identidades dos pequenos. Em muitos momentos os bebes se mostram muito pró-ximos das imagens e sempre querem sorrir para foto e ver as imagens registradas no visor da câmera. Com menos de um ano eles já sabem muito bem o que é e o que faz uma câmera. Mais uma vez estamos refletindo, com a fotografia, sobre nossa cultura. Neste caso, nossa cultura visual. Cecília Figueiredo é educadora da oficina do olhar na Casa Monte Alegre e douto-randa e psicossociologia pela UFRJ.

OLHARES DOS EDUCADORES

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Página 11 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

Conversas sobre arte e educação Carol Cony

V enho refletindo muito sobre o fazer artístico e sobre a importância da arte na sociedade. A arte como um campo sensí-vel, que levanta questões sobre o passado, o presente e o futuro, não deixando de lado as transformações da humanida-de. O artista age no meio dessas transformações e modifica os padrões moralistas e conservadores de uma sociedade. Ele subverte esses padrões no momento em que defende a liberdade, criatividade, afetos, encontros e a necessidade de

criar mundos diferentes. Novas possibilidades de se viver no mundo, de se relacionar uns com os outros, de criar novos caminhos para que haja encontros afetivos.

E u chamaria de artistas todos aqueles que se dedicam, de alguma maneira, no rompimento desse padrões opressores e violen-tos que conhecemos desde os primórdios da humanidade e que, atualmente, tem se mostrado muito forte em diferentes formas de atuação, desde a violência psicológica investida nos meios de comunicação, com relação ao consumo, à felicidade ideal, gerando preconceitos para com aqueles que não são iguais a você até a violência direta e física contra os desfavorecidos, principalmente negros que moram na periferia, levantando uma bandeira, que pensávamos que era antiga, do pensamento opressor e excludente de qualquer ditadura já existente no mundo. O livre pensamento é a única saída para uma transformação radical de uma sociedade que está despencando no abismo do autori-tarismo e da intolerância. A arte tem o seu lugar revolucionário. “A revolução somos nós”, como diz o artista alemão Joseph Boeys.

A partir disso, chego ao meu relato pessoal sobre minha vivência na Escola Casa Monte Alegre, onde sou professora de Dan-ça e Criação de crianças de 1 a 5 anos. Minhas aulas são conduzidas, a partir de um encontro. Esse encontro desperta a possibilidade de sentirmos como estamos naque-le momento, quais são as demandas das crianças e as minhas. É um improviso dos afetos. As aulas são conduzidas a partir de exercícios, nos quais a criança também propõem. Elas criam seus movimentos, elas imitam os dos colegas, elas contam histórias e transformam palavras em gesto. Não há um desdém pelo acontecimento, tudo pode se tornar acontecimento. E a partir desses acontecimentos desenvolvemos juntos nossa aula, visitando outras linguagens e descobrindo diálogos interessantes entre teatro, dança, desenho, comicidade, etc. Há uma potencia do fazer, pensando na possibilidade de abrir e não fechar para uma definição dessas ações que estamos criando.

O que percebo é que os adultos estão cada vez mais exigentes com o resultado das coisas. Existe uma angustia muito forte em relação à essa possibilidade de não ter certeza, de não estar pronto, de não estar definido. As crianças sabem muito bem inventar saídas criativas para suas dores, mas precisam ser incentivadas a isso. Precisam estar seguras de que são livres e que suas poten-cias são bem vindas. Essas potencias são as verdadeiras possibilidades de criação de mundos diferentes e da possibilidade de lidarmos com as diferenças e respeitarmos o outro como potencia. Quando há essa troca criativa na aula, que na maioria das ve-zes tem, as diferenças fazem com que o trabalho artístico fique mais interessante e profundo. Elas se envolvem mais e não repe-tem discursos preconceituosos dos adultos, que muitas vezes aparecem. É sobre a potencia do indivíduo que elas entram na cole-tividade e se surpreendem com o outro e com suas próprias ações.

H á um encantamento nessa descoberta. É a partir da paixão pela descoberta de sua potencia pessoal que a criança se interessa pelo outro, o ouve, o enxerga e o respeita. É a partir dessa potencia que podemos criar novas saídas para um mundo tão desespe-rado e violento. É a partir dela que faremos as pequenas grandes revoluções. Carol Cony é bailarina, atriz e trapezista. Formada em licenciatura pela Faculdade de Dança Angel Vianna e pelo TEPA, Tea-

tro Escola de Porto Alegre. Foi integrante do grupo carioca Intrépida Trupe durante seis anos. É fundadora, diretora e atriz do

grupo Circo Strada. Criadora do espetáculo solo Retratos, dirigido por Cristina Moura em 2014. Professora de Dança e Cria-

ção da CMA.

ARTE E EDUCAÇÃO

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Página 12 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

Um passeio entre os “Pequenos Objetos” Andreia Manho

T enho o costume de sair da escola com minha turma do integral, a galerinha de 3 a 5 anos, geralmente vamos à pracinha, mas já fomos ao Instituto

Benjamin Constant e ao Centro Cultural Municipal Laurinda Santos Lobo. A pro-posta é brincar. Livre no espaço aberto, descobrir novos espaços, novos lugares e possibilidades do brincar, do criar e aprender com a natureza, com o outro, com o meio em que estamos inseridos. Dessa vez seria diferente, iriamos à uma exposição artística. O Laurinda recebeu uma exposição chamada “Pequenos Objetos”, fui conhecer e achei que seria ótimo para as crianças verem a exposição. Embora tão novos já julgam seus desenhos, algumas vezes acham que não sabem desenhar ou que o que fazem é feio. Como as obras que compõe a exposição são abstratas, quase engenhocas, pensei ser ótimo para criar a relação com os próprios desenhos deles.

C oincidentemente, a Nena sugeriu que levássemos as crianças, em pequenos grupos, para ver a exposição e que depois desenvolvêssemos alguma atividade com eles no próprio espaço. Eu fui com três grupos à exposição, no primeiro grupo foram apenas 4 crianças de 2 anos. Os outros dois grupos foram crianças de 3 a 5 anos. Eu descobri que cada vez que estive lá, vi uma exposição diferente. O grupo de 2 anos estava eufórico, como estavam orgulhosos e felizes de estarem ali! Eles desfrutaram de cada espaço vazio, ocuparam a exposição. Correram, vibraram, pararam. Deitaram no chão, olharam fixamente para os quadros e viram um montão de coisas: caranguejo, monstro, bo-la... inclusive o Lobo e os porquinhos. Manifestaram cada sensação com os movi-mentos de seus corpos. Depois sentamos ali mesmo, rodeados de quadros e dese-nhamos a nossa arte.

O segundo grupo também viu o caranguejo, mas curtiu mesmo tocar no livro com os croquis dos quadros, eles viram uma infinidade de coisas, inclusive uma obra de arte que eu nem tinha notado. Apontando para a porta, o Bento me falou: “Eu gostei mais dessa!” Era a paisagem do lado de fora. Dessa vez nós fizemos uma linda arte coletiva. Havia canetinhas, um monte de pe-quenos objetos, cola e um papel bem grande. Cada um foi ocupando um espaço no papel e seus desenhos se completaram lindamente. O terceiro grupo era composto por algumas crianças que já sabiam ler e quando eu perguntava: “O que você está vendo nessa obra?” Eles corriam para ler o título. Foi preciso explicar que o título era só o título, nós poderíamos ainda assim ver outras coisas ali. E, aos poucos, eles foram se permitindo e a imaginação foi longe. Teve chuva de chicletes, monstro que soltava lava, monstro espinho, casulo de borbole-ta... E eu quando fui sozinha, só tinha conseguido ver formas esquisitas e rodas de bicicleta.

C om essa turma usamos a massinha e pequenos objetos. Eles se divertiram fa-zendo suas esculturas. Ficaram incríveis! Além da interação e do desdobramento com a exposição, nosso passeio avançou. Foi o caminhar até chegar ao Laurinda, observar os muros, as folhas, cuidar do ami-go, ver um pássaro, um gato, um cachorro, encontrar um conhecido. Foi esperar e olhar para os dois lados antes de atravessar a rua, cantar e caminhar descompromis-sadamente. Foi brincar no bonde e fazer uma viagem imaginária cheia de curvas até a pracinha... Foi correr pelo jardim, se empoleirar no coreto, jogar com força as pequenas mangas que estavam no chão e se divertir ao vê-las explodir. Foi subir e descer aquelas escadas enormes com muito cuidado e alegria e andar um pouco mais rápido na volta, porque estávamos atrasados para o almoço...

F oi descobrir que o olhar da criança nos leva mais longe. E que, com elas, novos mundos são descobertos. Foi aprender que existem muitas formas de apreciar uma exposição de arte. Foi entender que centro cultural, exposições, instalações, mu-seus... que qualquer lugar pode ser lugar de criança. Não são os lugares que são inapropriados para as crianças, são as imposições e limitações que os adultos instau-ram que podem dificultar o acesso a eles. É uma questão de olhar, de sentir, de quebrar barreiras e, principalmente, de permi-tir novas possibilidades de conhecer e experimentar o mundo. Andreia Manho é Atriz, discente de Pedagogia na UNIRIO e Educadora do Inte-gral.

ARTE E EDUCAÇÃO

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Página 13 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

COMER É... Comer é colocar o mundo pra dentro

Grace Bird

E ssa frase me caiu como uma bomba no começo do ano quando eu estava fa-zendo minha primeira pesquisa para o trabalho que eu estava prestes a começar na Casa Monte Alegre. Desde então, não consegui me livrar mais dela! Coloquei no primeiro relatório das crianças e, agora, pensando no desenvolvimento do projeto, ela me veio mais uma vez!! Quando a li pela primeira vez, eu buscava um caminho para o projeto, minha ca-beça fervilhava com tantas perguntas. Eu teria que trabalhar a culinária com crian-ças tão pequenas, que estariam começando seu relacionamento com a comida e no grupo das crianças maiores que já possuem um repertório, um gosto. O que eu poderia viver com elas que as estimulassem a se relacionarem melhor com os ali-mentos?

O “mundo” dessa frase me fez ver a quantidade de informações, estímulos, influências, diversidade e oferta de alimentos a que nossas crianças estão expostas. Deve ser bem confuso pra eles!!! Por quê? Viajando em que caminho pegar, lembrei de quantas vezes me perguntei lá na Amazônia, quando eu passeava de barco por uma única casinha completamente no meio do nada, com uma pessoinha feliz na janela: – Meu Deus essas pessoas co-mem o quê? Imediatamente já me batia uma vergonha danada de mim mesma, porque, é claro, comem o que é natural comer, o que a natureza nos dá e o que fomos criados para comer. Enfim um caminho!! Vamos comer o que o mundo natural nos dá!! Senti uma certa peninha das crianças, mas decidi que nossas degustações seriam sem qualquer tempero ou outra coisa que pudesse maquiar o sabor natural dos nossos alimentos. Acho que ao invés de apresentar essa ideia como pena, poderia trazê-las como uma afirmação, uma proposta que se alinha com a escola. Nossos temperos são: pouco sal, cheiro verde etc... nada de maquiar! Quase me arrependi depois de tomar essa decisão, pensando que, se houvesse alguma rejeição a mim, pois eles não me conheciam, ou mesmo os alimentos por-que não teriam nem sal. Eu poderia ter colocado tudo a perder. – O alimento seduz? – É isso, Grace? – Também achamos isso. Talvez possamos dizer. Essa decisão tinha um risco: eles poderiam associar a minha pessoa, o nosso encontro como uma coisa ruim, que eles não apreci-am. Rejeitando os legumes, rejeitariam as oficinas de culinária? Mais questões se apresentavam na construção de uma prática culinária para crianças pequenas.

M ais perguntas surgiram: será que eu deveria ser tão radical assim? Que tipo de relação eu quero que eles tenham com os alimentos? Quero só que eles gostem ou que conheçam para que possam escolher? Então, ficamos assim: vamos no mais puro e natural possível, acreditando que o instinto e o paladar de cada um vai decidir por eles. Até aqui, tudo resolvido!! Mas isso era só o começo!! Fui toda feliz fazer minhas primeiras compras e, de cara, escolhi umas cenouras e foi aí que o tal “mundo” me veio novamente na forma de perguntas básicas: – E aí? Vai apresentar a cenoura como? Só cozida? E as outras formas de comer cenoura, e as outras formas de comer qualquer coisa? Novas perguntas: – E se não gosta-rem cozidas, será que gostarão ralada? No ralador grosso ou no ralador fino? E as batatas? Será que eles sabem que as batatas não vem do pacote? Será que eles sabem o que é uma batata? Foco e novas decisões! A linha de trabalho continuava a natural, mas vi a necessidade de fazer uma clara identificação de cada alimento. Entendi que é muito importante saber o que se está comendo, conhecer os alimentos por meio das ferramentas que o

nosso corpo nos dá e que mais uma vez é o que temos de mais natural. Sendo assim, além da degustação, resolvi apresentar o alimento em natura e deixá-los tocar, cheirar, morder e mais o que quiserem fazer para que conheçam o alimen-to de forma mais agradável e lúdica possível. E, só depois do primeiro contato feito, apresentar o alimento cozido no vapor. No caso das frutas, a linha continu-ou a mesma, e não há adição de açúcar em nada apresentado.

O projeto começou e com ele muitas surpresas!! Novamente nas compras, vi que o “mundo” ainda estava colado em mim! Fui comprar as batatas e me depa-rei com uma enorme variedade de batatas, que já conhecia, mas ainda não tinha me dado conta de que eram tantas! Dando uma rápida olhada no mercado, agora com outros olhos, fiquei chocada. Tudo tinha variedade. Novo ajuste no projeto, as crianças precisavam conhecer isso. Depois que consegui estabelecer uma cumplicidade com as crianças todos rela-xamos e as personalidades se mostraram e com elas os nossos desafios. Estimu-lar a comer para quem não gosta de comer, estimular a provar para quem tem medo de provar e estimular a sentir o sabor para quem come só por comer. Hoje, depois de meses de trabalho já podemos identificar algumas mudanças de comportamento. O interesse pelos alimentos tem se mostrado com animação. Na produção de receitas com o grupo das crianças maiores, o prazer em produzir e comer o que foi feito tem crescido e barreiras estão sendo quebradas. Já pensando na continuidade do trabalho, o “mundo” e as dúvidas já estão ba-tendo à minha porta e, agora, a grande questão é: Como evoluir com esse traba-lho? Que novidades apresentar? Animação não nos falta, então vamos em frente!!! Grace é culinarista e professora da Oficina de culinária.

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Página 14 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

Um pedido e uma semente Simone Silva

T udo começou com um pequeno recardo na agen-da, por meio do qual a escola solicitava, aos pais,

uma breve pesquisa sobre o projeto de 2015: o baobá. Devido à simpatia pelo tema, coloquei-me prontamente animada. Mas logo surgiu uma pequena insegurança: o que fazer? Como fazer? Como tornar a atividade um momento, de fato, de troca entre os pais e o filho? A dúvida e a insegurança não eram exatamente pela incer-teza quanto ao êxito da pesquisa, mas sobre a condução daquele momento. Buscando o caminho mais fácil, primei-ramente fizemos um passeio pelo Campo de Santana para ver, tocar e fotografar os baobás que lá estão há centenas de anos. A partir desse dia, o projeto, que já não era mais só da escola, passou a ganhar proporções tão gigantes quanto à do próprio baobá.

P or meio de uma fotografia e de um pequeno trecho de um conto de Mia Couto, que compartilhei na rede social, Olívia e eu fomos presenteadas com pequeninas e resistentes sementes de baobá, que uma grande amiga havia ganhado de um de seus alunos angolanos. As sementinhas viajaram de Angola até Fortaleza e, em seguida, vieram para o Rio de Janeiro. Um caminho longo e tortuoso para sementinhas tão pequenas. Durante o tempo que esperávamos ansiosas pela chegada do pre-sente, passamos a buscar material que nos ensinasse mais sobre a visitante que estava por chegar. Lemos cordel sobre os baobás de Recife, narramos o temor que o pequeno príncipe tem dessa árvore tão imponente, vimos a edição de “Um pé de que?” sobre os baobás africanos, tratamos terra, falamos sobre números, tamanhos e cores. Aos poucos, fomos nos dando conta que, em casa, tínhamos um assunto que não era propriamente nosso, mas, naquela altura, já não era só dela.

E is que as sementes chegaram. Plantamos quatro em nossa varanda e as demais foram doadas à escola. Numa tarde, durante a aula de capoeira, energizamos as sementinhas, tocamos na terra, cantamos e semeamos. Foi uma experiência grandiosa por ter acompanhado com a escola o andamento e a propor-ção que o projeto tomou. Para além da sorte de termos ganha-do as inusitadas sementes, a vivência com o projeto foi me revelando uma série de coisas sobre uma participação mais simétrica no dia a dia da minha filha. Hoje, diante das duas mudinhas, seguimos em casa falando sobre o baobá. Compar-tilhamos, por exemplo, do mesmo temor do pequeno prínci-pe: “Filha, o baobá vai crescer, vai ser maior do que a nossa casa. O que vamos fazer?!!!”. Falamos sobre medo e alegria. Das muitas questões que o projeto me apresentou, a que mais tem me inquietado, uma vez que seguimos falando sobre ele em casa, é a apresentação das coisas feias e injustas do mun-do aos nossos filhos. Como falar? Como explicar? Quando dizer?

A ssim, “O embondeiro que sonhava pássaros”, de Mia Couto, que nos rendeu, com a escola, toda essa linda vivência, não teve como anfitrião o imaginário da Olívia; diferentemente das sementinhas, ficou pelo caminho. Boa leitura! Simone Silva é mãe da Olívia (Grupo Diamante).

ONDE UM PEDIDO PODE NOS LEVAR?

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Página 15 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

Os afetos de uma casa e os desafios de uma escola

Nuelna Vieira

U ma escola com muro grafitado pelas crianças do Grupo Batatatinhas do Terror (2014), quando em-

barcamos em um convite de um pai grafiteiro profissional, alemão que morava temporariamente em nosso bairro? Uma escola com essas marcas a que se propõe? É um pouqui-nho do que vocês vão encontrar nesse jornal a que nos propu-semos, dito e escrito por diferentes profissionais da escola e também por alguns pais. Um jornal com muitas histórias para ampliar o mundo das crianças, a partir das relações que acontecem entre crianças, adultos, espaços, ideias, desejos, saberes, objetos, sons, ex-pressões, sentimentos... Acreditamos que uma vez a mente expandida, ou seja, a percepção de si e do mundo aumentada, não diminui jamais (Alguém disse isso!). Investimos nas pessoas, na potência de cada um. Assim, diag-nósticos, nomeações, funções... são importantes como pontos de partida por onde vamos começar um encontro, um pedido, um projeto pedagógico. Porém, aonde vamos chegar? No ca-minhar vamos descobrindo.

O nosso ouro é ter clareza das necessidades de cada um no coletivo. O grupo é fundamental para o desenvolvimento hu-mano. Valorizamos muito essa integração dos pares, familia-res, bairro e uma equipe ampla de profissionais dispostos a encontrar e experienciar diferentes possibilidades com as cri-anças. Por isso, nesta escola, organizamos um espaço/tempo enrique-cido pela Arte! Música, Dança, Literatura, Teatro, Circo, Ca-poeira, Oficina do Olhar, Percussão... Misturado com Ciência (Ecobé), Culinária, Diferença e inclusão, Psicomotricidade... Tudo isso produz uma escola pulsante, cheinha de histórias vivas, traduzidas por diferentes olhares, exploradas de muitos ângulos e vividas nas intensidades dos afetos. Afetos entendi-do como tudo que nos afeta, nos toca, mexe, altera nossas sen-sações e percepções. Compartilhamos, nesse jornal, um pouco do nosso trabalho, dos nossos olhares, conceitos, conhecimen-tos e, sobretudo, afetos... Muitos dos profissionais da escola expuseram um pouco do nosso ano, do nosso semestre e, às vezes, a particularidade de um encontro... Muito do trabalho pedagógico desenvolvido na escola.

U ma escola que entende que educar é escutar o outro abre espaço para que cada um possa se expressar, se expor, sentin-do-se potente, pertencente a um coletivo, que é bem maior que o grupo de referência, e assim, inventando, perguntando, expe-rimentando, encontrando seus interesses e seus parceiros. É assim que aprendemos aqui a ser o que se é! Essa é a educação que almejamos: sendo quem se é. Pois, quando alguém sabe de si, limites e possibilidades, estabelece um ponto de partida para estar com outro, em relação com os afetos, saberes e todo um mundo ao seu redor. A capacidade de aprender está ligada à disponibilidade de afetar e ser afetado, de estar disponível para querer saber, para deixar ser tocado! É assim que a Casa Monte Alegre, em seus 20 anos de existên-cia, vem, a cada dia, tecendo muitas histórias com cada um que chega! Nuelna Vieira é diretora da Casa Monte Alegre

ESCOLA, UMA EXPERIÊNCIA VIVA

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Página 16 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

UM AGRADECIMENTO ESPECIAL

Sobre sementes que germinam Adrianne Ogêda Guedes

E u queria falar aqui de um sonho. Dos sonhos acordados, aqueles que nos fazem criar, inventar o que não existe, desejar o que não existe e ... construir. Dar vida aos sonhos. Quero falar de um sonho que começou lá atrás, quando eu era ain-

da criança. Quero falar dos inícios e do que eles geraram e continuam gerando. Da semente Casa Monte Alegre, que diz muito do que ela é hoje. Quando eu via com olhos de menina a força e potência que a imaginação tinha. Filha de

uma atriz-professora, cresci em meio a fantasias e histórias. No meu quarto um baú, cheio dos figurinos das peças que minha mãe havia montado. Uma amiga de brincadeiras chegou quando eu tinha meus 5 anos de vida. E brincávamos muito! De virar personagens, mergulhar fundo em todo o imaginário de símbolos que as histórias de fadas, de capa e espada e todas as que nos

habitavam nos forneciam. Alimento saboroso que nos fazia ir ao reino dos cavaleiros do rei Artur, subir na garupa de Robin Ho-od, morar na Casa das Árvores. Brincar era tudo o que queríamos. Era tudo o que precisávamos. Fui tão longe, lá no sonho da

menina magricela e viajante que fui, para dizer dos nascimentos que vieram vida a fora. Todos eles frutos dessa semente da me-ninice. Todos eles filhos da saúde, força, alegria e vida que o “território do brincar” me trouxe. Do brincar imaginando, criando

realidades. Parafraseando Marina Colasanti, “às vezes o que não é verdadeiro pode ser mais verdadeiro do que a realidade”.

E m 1992 engravidei. E a força daquela experiência impulsionou outros nascimentos. Isabella chegava. Glauco, seu pai, ao

meu lado. E sonhei um lugar em que Isabella, a minha criança e, claro, mais crianças, pudessem encontrar terreno para criar. Imaginar. Brincar. Viver junto. A arte como modo de vida. Sonho sonhado junto com o apoio de Glauco e com a parceria profis-sional de Daniela lá nos idos de 1994. O sonho ganhou corpo. Ganhou pares. Ganhou cores e movimento. E ficou maior do que o

sonho de menina. Maior do que o sonho sonhado com Dani em 1994. Maior porque, como vida que é, cresce e se expande ao sabor da dinâmica dos encontros, da energia de cada parceiro que pisa com seus outros sonhos para fazê-los realidade.

H oje, quando vejo a vida monte alegrense, a riqueza dos projetos, a beleza dos festejos, a entrada de tantos novos sonhadores, realizadores, inventores, dando forma e vida a projetos, recebidos pelos braços fortes, cheios de desejo, de curiosidade e coragem

da Cris, da Nena, da Bel e de toda a equipe Monte Alegre, dos que já passaram por lá e dos que lá estão, fico confiante na vida, no belo da vida e dos encontros. Na força das sementes. Na potência do criar e do viver a arte como modo de vida e conexão com

o mundo.

Adrianne Ogêda Guedes Doutora em Educação pela UFF (2008). Trabalhou nos últimos 20 anos como professora e coordena-dora em Instituições de Educação Infantil, Ensino Fundamental, cursos de graduação de Pedagogia e Especialização em Edu-

cação Infantil e Literatura Infanto-Juvenil, bem como em cursos de extensão e programas de formação docente.

Page 17: Jornal CMA

Página 17 JORNAL DA CASA MONTE ALEGRE

TRAVA LÍNGUA

BAGRE BRANCO, BRANCO BAGRE.

A LARA AGARRA E AMARRA A ARARA RARA.

TRÊS TIGRES TRISTES PARA TRÊS PRATOS DE TRIGO.

OLHA O SAPO DENTRO DO SACO

OLHA O SACO COM SAPO DENTRO

O SAPO BATENDO PAPO

E O PAPO SOLTANDO VENTO

QUANDO DIGO DIGO,

DIGO DIGO, NÃO DIGO DIOGO

QUANDO DIGO DIOGO,

DIGO DIOGO, NÃO DIGO DIGO

A Casa Monte Alegre está há 20 anos exercendo o ato de educar no bairro de Santa Teresa. Entendemos que educar é poder escutar o outro nas suas miudezas. É proporcionar um espaço-tempo para que possamos

expressar, comunicar ao mundo nossas ideias, emoções... É poder descobrir na relação com o outro um mundo bem maior! Agradecemos a todos vocês que chegaram ao final do nosso Jornal! Até 2016 com mais encontros e histórias! Equipe CMA