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Jornal laboratório do curso de jornalismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) - edição de junho de 2009

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jornal laboratório do curso de jornalismo da ufpr - edição 03 | junho de 2009

UFPR

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Alunos de Direito afirmam que professores não cumprem carga horária básica

EsPoRtEs

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Como a lei pode evitar a exploração dos craques mirins do futebol

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2::: junho de 2009

opinião

No último dia 26, o deputado federal Ibsen Pinheiro (PMDB) propôs o projeto de lei que “dispõe sobre listas preordenadas de candi-daturas em eleições proporcionais e financiamento público de campanhas eleitorais”. Para valer na eleição de 2010, o projeto deveria ser aprovado “com urgência” e votado até o final de setembro pelo Congresso Nacional, o que não ocorreu. O projeto aguarda despacho, mas, de acordo com a or-dem de votação, mesmo se aprovado, não entrará em vigor a tempo de afetar a próxima eleição, somente a de 2014.

O diretor do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade) e do Institu-to Paranaense de Direito Eleitoral (Ip-rade), Luís Gustavo Severo, respondeu aos questionamentos do Jornal Co-municação a respeito do tema. Severo é ainda membro da Comissão de Dire-ito Eleitoral da OAB-PR.

O que muda com a lei do financia-mento público?Severo: Apesar de já existir o financia-mento público nas campanhas, com o horário eleitoral gratuito, por exemplo, o financiamento privado é responsável pela maior parte do aporte de recursos na campanha. As pessoas jurídicas po-dem doar até 2% do que declararam no Imposto de Renda do ano anterior e as pessoas físicas até 10%. Dentro desse limite, é livre a doação. Isso acaba cau-sando diversos problemas como troca de favores: o candidato recebe verba privada e devolve isso por medidas que beneficiem o doador.

Então o financiamento público seria mais vantajoso?Severo: Desacompanhado de um mecanismo muito eficiente de con-trole de gastos de campanha, isso não serviria de nada. Ou seja, fazer com que o governo dê mais dinheiro aos partidos e não fiscalizar vai signifi-car que eles receberão mais dinheiro público e continuar recebendo din-heiro das empresas privadas pelo caixa dois. Para substituir o financiamento de campanha, antes é preciso um controle mais eficaz de gastos de cam-panha. Sem essa medida prévia, fazer financiamento público no Brasil vai ser mais uma daquelas reformas ‘para inglês ver’.

E quanto ao voto em lista fechada?Severo: No sistema de lista fechada, o partido político é que vai escolher a or-dem dos candidatos e o eleitor votaria apenas na legenda. Dependendo do número de votos, o partido teria dire-ito a um número de cadeiras. Quem teria direito ao mandato é aquele que o partido escolheu previamente, em ordem. Esse sistema visa fortalecer o partido político. A eleição de um depu-tado seria disputada internamente. No momento das convenções é que se definiria quem seria o primeiro, o

segundo, o terceiro e, depois, cada can-didato sairia pedindo votos para o seu partido.

Isso não acaba perpetuando as oli-garquias partidárias?Severo: Claro. Sou radicalmente con-tra essa proposta. Primeiro pelo fato citado na sua pergunta. Certamente irá acontecer isso [a perpetuação das oligarquias partidárias]. Dificilmente vamos verificar uma oxigenação do parlamento. Outra coisa: a pessoa que está lá em primeiro lugar na lista vai deixar de fazer campanha eleitoral. Ela sabe que o partido vai fazer, no mínimo, uma cadeira e ela será a rep-resentante. Isso acaba causando uma inércia dos chefões. Todo mundo que está surgindo agora vai ter que penar pra eleger aquela cúpula partidária que já está há tempos no poder.

Qual a relação da lista fechada e do financiamento público?Severo: Um não existe sem o outro. Não há como se pensar no sistema de lista fechada com o sistema de financi-amento privado, pois o candidato não consegue por dinheiro na sua cam-panha quando não existe campanha própria. Existe apenas a do partido. O sistema atual de financiamento pri-vado é feito na base da troca de favores imediatos. O empresário dificilmente vai dar dinheiro para o partido saben-do que ele pode eleger candidato A, B, C. Se passar um, provavelmente passa o outro. Eu acredito, sinceramente, que nenhum dos dois vai passar no Congresso. O voto em lista fechada apresenta deficiências insuperáveis que já mencionei e o financiamento público não iria vingar no país sem uma rigorosa fiscalização da Justiça Federal. Com uma melhor fiscalização não é necessário mudar o sistema que temos hoje, talvez fazer alguns reparos, mas nada tão radical.

O que mais entra na discussão da re-forma política?Severo: Existe a discussão do voto distrital, que está um pouco mais à parte. Hoje os deputados são eleitos de acordo com os estados. A nossa di-visão política é a mesma que a geográ-fica. Ou seja, os deputados federais de São Paulo são eleitos em todo o estado de São Paulo. A ideia é que talvez isso fosse modificado para que fossem cria-dos distritos. O deputado mais votado em cada distrito seria eleito. Então, a divisão política passaria a ser distrital. É algo a se discutir melhor.

E que benefícios essa mudança traria?Severo: Essa proposta criaria uma identidade do eleitor com o can-didato eleito. Os deputados atual-mente representam alguns setores, mas não de regiões específicas. Essa discussão, infelizmente, como não trata diretamente de dinheiro e de campanha, acaba ficando em segun-do plano:::

editorial

Em agosto de 2008, foi aprovada uma lei que tornará os bancos escolares um pouco mais animados. Embala-dos pelas canções das aulas de música que passarão a ser obrigatórias no currículo escolar com a implantação da lei n˚ 11.769, os alunos do ensino básico do Brasil rece-berão noções mais completas de cultura e história.

O Comunicação estampa essa notícia na capa deste mês por considerar que, mesmo relativamente antiga para os pa-drões imediatistas do jornalismo moderno, trata-se de uma iniciativa importante. Além disso, esta edição do jornal marca os 50 anos da morte do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos, grande incentivador do ensino musical nas escolas.

O sonho de todo menino é ser jogador de futebol pro-fissional? Alguns deles o realizam muito jovens e chegam a receber propostas milionárias de clubes internacionais. A ma-téria da editoria de esportes desta edição mostra que existem restrições para a atuação desses pequenos jogadores e que a lei dos Brasil os protege da exploração e do trabalho infantil.

Alem disto, mais uma vez a editoria de UFPR traz polêmica em sua página. Alunos da graduação de Direito apresentaram aos coordenadores e chefes de departamento do Setor de Ciên-cias Jurídicas um relatório revelador: se todos os professores cumprissem suas hora-aula, haveria tempo suficiente para divi-dir as turmas e ainda manter a qualidade da pós-graduação.

ERRATA: Diferente do que foi noticiado na edição passada, o atual presidente da Casa do Estudante Uni-versitário (CEU), Elizeu Alves, não é filiado ao PMDB, e sim ao PSDB (há 9 anos). Também, segundo os mora-dores da casa, não foi o atual presidente, Elizeu Alves, o responsável por acionar o Ministério Público, mas sim o Conselho Curador da Casa. Na matéria “Rios curitiba-nos pedem socorro”, a última linha, no final da matéria, não foi impressa. Lá deveria estar escrito “vizinhos a um

rio cuja água apre-senta poluição”.

O Comunicação é uma publicação do curso de Jornalismo da Universidade Fe-deral do Paraná, com a participação de alunos das disciplinas de Laboratório de Jornalismo Impresso e Laboratório Avançado de Jornalismo Impresso.

Professor orientador: Toni Andre Scharlau Vieira. (jornalista responsável – RP/MT 6680 - RS).editor Chefe: Fábio Pupo.seCretaria de redação (imPresso): Chico Marés e Manuela Salazar. seCretária de redação (on-line): Iasa Monique. subseCretárias: Juliane Massaoka, Lina Hamdar e Luciana Galastri. Webmaster: Tiago Capdeville. Chefe de rePortagem: Mário Messagi Jr.

editores: CiênCia e TeCnologia: Guilherme de Souza. CoMPoRTaMenTo: Rodrigo Batista. CulTuRa: Rafael Rodrigues e Ilana Stivelberg. eSPoRTeS: Gabriela Bas-tos. PolíTiCa: Cícero Bittencourt e Luciane Belin. SoCiedade: Juliana Vitulskis e Henrique Kugler. ufPR: Lilian Wiczneski, Nayara Brante e Sharon Abdalla.

fotografia: Julia Guedes. Arte: Renata Bossle. CaPa: RenaTa BoSSle. Charge: Yuri Alhanati. infografiCos: Tiago PizzoloProjeto gráfiCo e diagramação:Juliana Karpinski.

endereço: Rua Bom Jesus, 650 – Juvevê – Curitiba-PR. telefone: (41) 3313-2017.

e-mail:[email protected] site:www.jornalcomunicacao.ufpr.br

tiragem: 4 mil exemplares. imPressão: Gráfica O Estado do Paraná.

expediente

Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade) e do Insti-

tuto Paranaense de Direito Eleitoral

(Iprade), Luís Gustavo Severo em

entrevista ao Comunicação

conheça também nosso site

www.jornalcomunicacao.ufpr.br

Sem fiscalização, a reforma não saiDas partituras às carteiras

Phillipe Trindade

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junho de 2009 3:::

Um ano e meio antes das eleições para o governo do es-tado, duas pesquisas já foram realizadas para indicar quem pode suceder Requião. Uma delas, realizada pelo Instituto Vox Populi e encomendada pelo Partido Progressista (PP), in-dica que o prefeito de Curitiba Beto Richa (PSDB) receberia 42% das indicações, e o senador Osmar Dias (PDT) 38%. Já a outra, do Instituto Datafolha, leva em consideração também a possível candidatura do sena-dor Álvaro Dias (PSDB), que receberia 39% dos votos em um duelo contra o irmão Osmar (com 27% das intenções de voto contra Álvaro e 31% contra Ri-cha) e 52% caso fosse apoiado pelo PDT – Richa receberia o mesmo número de votos que Álvaro, em ambas as situações.

As pesquisas denunciam o início das especulações e do jogo político para a escolha dos candi-datos pelos partidos. Frequentes em época de eleição, essas sonda-gens geralmente são solicitadas pelos veículos de comunicação para informar aos eleitores quais poderão ser os candidatos e quem será o possível vencedor, ou então pelos próprios parti-dos, para que possam ser usadas como método de elaboração de estratégias de campanha. Nestes

casos, a maioria das investigações sequer chega ao conhecimento dos eleitores. No entanto, até que ponto pesquisas como esta, real-izada tanto tempo antes do pleito, são realmente confiáveis?

Manipulação ou informação?

Entre as críticas atribuídas por alguns especialistas ao papel das pesquisas de opinião está a aber-tura que elas têm para a manipula-ção dos dados em favor de um ou outro candidato. De acordo com o cientista político Emerson Cervi Urizzi, a distorção dos resultados não é uma consequência da pes-quisa em si, mas do uso que se faz dela. “Se o interesse for modificar a realidade para beneficiar deter-minado candidato, a pesquisa vai ser só uma ferramenta, mas quem faz isso é seu realizador”, afirma.

A manipulação das pesquisas para favorecer o voto útil (preferên-cia do eleitor por candidatos mais bem colocados nas pesquisas) pode

ser resolvida através do controle das pesquisas pela Justiça Eleitoral e pelos próprios partidos, para que não seja divulgado material distor-cido e que induza os eleitores a vo-tar nos candidatos que apresentam maior aprovação prévia. “O eleitor tem o direito de saber como está a opinião dos outros; se ele vai ou não pela opinião das pessoas é uma opção individual”, defende a cien-tista política Luciana Veiga, profes-sora do Departamento de Ciências Sociais da UFPR.

Rogério Bonilha, diretor do In-stituto Bonilha de pesquisa, afirma que a maioria dos candidatos que encomendam os levantamentos eleitorais utilizam os dados obtidos para criar um plano de atividade política. “Eles podem conduzir a campanha de forma racional, afastando o subjetivismo que car-acteriza o comportamento dos políticos, e elaborar o plano com os dados da pesquisa”, sugere.

Segundo o deputado estadual Ney Leprevost (PP), as investi-

gações que acontecem junto ao eleitorado podem ser essenciais na hora de criar o marketing e di-vulgar o candidato. “As pesquisas nos auxiliam a compreender o pensamento do eleitorado e iden-tificar as tendências”, afirma.

A investigação eleitoral faz parte do jogo político e normalmente é a base da estratégia dos candidatos na hora de escolher qual ponto será trabalhado durante uma cam-panha. “Se a pesquisa está favore-cendo o candidato, ela vai aparecer no horário eleitoral gratuito com o seu material de campanha. Se é desfavorável, ele vai rever as suas estratégias”, explica a doutora em sociologia política e professora da UFPR Kelly Prudêncio.

No entanto, a professora alerta para a ausência de evidências sobre a manipulação que as pesquisas podem exercer sobre o voto. “Pre-cisamos de estudos muito específi-cos para verificar se houve ou não interferência na decisão dos votos por causa de uma pesquisa”.

Ferramentas de distorção

O questionário e a amostra-gem de comunidades são exemp-los de estratégias que podem ser utilizadas para alterar um resultado (ver box). Dependendo da forma como um questionário é elabo-rado, ele pode já sugerir ou induzir os entrevistados a determinadas respostas. Da mesma forma ocorre a seleção da amostragem. “Se você tem o interesse e a má-fé de querer aumentar um determinado índice e legitimá-lo através de uma pes-quisa, você pode escolher um ambiente em que as expectativas lhe são favoráveis e verificar que neste lugar a intenção de voto em determinado candidato aumenta”, exemplifica Kelly.

De acordo com Luciana, ex-istem padrões científicos testados que conduzem a uma pesquisa im-parcial, mas também há ferramen-tas que podem ser utilizadas para atender a um interesse pessoal. “A manipulação acontece quando o pesquisador é profundamente inexperiente e desconhecedor do método ou está agindo de má-fé”.

Como uma pesquisa pode mudar uma eleição?

Processos de levantamento e

divulgação dos dados são mecanismos de

influência sobre o resultado de uma

eleição

Construção da pesquisa

Bonilha explica que as inves-tigações eleitorais possuem múlti-plas funções. “O lado que o eleitor conhece bem é o da ‘corrida de cavalos’, a pesquisa que mostra quem está na frente. O eleitor não toma conhecimento dos estudos estratégicos, que mostram como o candidato pode ganhar a diantei-ra”, afirma.

O método mais utilizado nessas pesquisas que mostram quem está vencendo é o quantita-tivo, que geralmente trabalha com questionários para obter dados numéricos de intenções de voto. Nas pesquisas para o uso interno dos políticos ou dos partidos são realizadas as qualitativas, onde o objetivo não é simplesmente cont-abilizar os votos, mas identificar os motivos pelos quais um eleitor vota em um ou outro candidato. Segundo Veiga, um método não substitui o outro. “Na qualita-tiva você explora e levanta prob-lemas novos, que você não teria condições se não pudesse ouvir as pessoas. Na quantitativa você vai contar aquelas opiniões”.

As pesquisas de intenção de voto são regulamentadas pelo Tri-bunal Superior Eleitoral (TSE), que determina os parâmetros e as características que uma pes-quisa deve ter. Todas as pesqui-sas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento da população, são obrigadas a serem cadastradas no juízo eleitoral – a quem compete fazer um registro com no mínimo cinco dias de antecedência da di-vulgação. Neste controle devem constar informações sobre o mé-todo utilizado na pesquisa. Es-tes dados ficam à disposição dos partidos políticos ou coligações durante um prazo de 30 dias.

Segundo Urizzi, a regulamen-tação aliada aos interesses com-erciais resulta na produção de pesquisas muito fiéis à realidade. “Estes grandes institutos têm o interesse de manter a sua imagem pública, eles não podem errar. Se errarem, tem que ser de maneira não intencional”, explica:::

INTENÇÃO DE VOTO O questionário fechado é o principal método utilizado nas pesquisas

Verônica Gavloski

política

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Quando se fala em lixo re-ciclável, Curitiba é citada como cidade modelo. Mas de quem realmente é esse mérito? Das 545 toneladas de lixo recolhidas diariamente na capital, apenas 80 vêm dos caminhões do pro-grama “Lixo que não é Lixo” da Prefeitura. O restante, cerca de 465 toneladas, é resultado da coleta informal realizada pelos catadores de rua, também con-hecidos como carrinheiros.

A maioria deles trabalha sozin-ha, na coleta e venda do lixo, mas há aqueles que preferem se congre-gar em associações ou cooperativas. Cerca de 20% dos 25 mil carrin-heiros de Curitiba e Região Met-ropolitana fazem parte de uma das 32 entidades existentes na capital. A atuação desses órgãos é uma questão polêmica. Para alguns, integrar o carrinheiro a essas instituições significa valorizar o trabalho deles. Mas, para outros, pode ser a criação de um vínculo pouco saudável.

Para o técnico ambiental Sérgio Farias, responsável pelo departamento de projetos do Instituto Lixo e Cidadania, re-unir os carrinheiros em uma as-sociação é uma forma de tirá-los das condições precárias que a atividade gera. Já o sanitarista Nicolau Obladen defende que eles deveriam trabalhar sozinhos. “Eles até podem ser auxiliados, mas somente no que se refere à separação correta do lixo. A ven-

da e a administração do dinheiro deveriam ser feitas pelos próprios carrinheiros, e não por terceiros”, diz Farias. “Não é o que acontece nas cooperativas. Muitos sequer sabem o quanto o material deles vale”, completa.

Mas segundo o carrinheiro e presidente da Cooperativa Cata-mare, Waldomiro Ferreira da Luz, não é bem assim. “Sabemos quanto vale nosso trabalho sim”, declara. Todo o lixo reciclável (cerca de 30 toneladas por mês) é vendido em conjunto – tanto o material proveniente dos catadores quanto do caminhão que faz a coleta dos órgãos públicos e empresas. “O catador sabe exatamente quanto dinheiro seu lixo gerou. E todas as informações sobre a venda do ma-terial são colocadas em edital e dis-cutidas em reunião”, explica.

Atualmente, a Cooperativa Catamare possui 38 associados. De acordo com Ferreira da Luz, o número pode ser considerado baixo, pois muitos carrinheiros preferem trabalhar sozinhos – na maioria das vezes se sujeitam a explorações impostas por atraves-sadores (donos de barracões que compram o lixo), como submissão a regras e horários determinados.

Outras parcerias

Além das associações, um outro ator vem demonstrando interesse no trabalho dos car-rinheiros. A Prefeitura Munici-pal de Curitiba implantou, em 2008, o Eco Cidadão, projeto que visa melhorar a qualidade do trabalho dos catadores. De acordo com Ana Flávia Soares, coordenadora do projeto, a meta é oferecer aos carrinheiros toda a infraestrutura necessária para que eles desempenhem a função de forma mais digna

e empreendedora. “Os catadores são instruídos quanto a questões técni-cas, logísticas e comer-ciais referentes a seu trabalho”, diz.

Está prevista a montagem de 25 parques equi-pados com todo o maquinário necessário para a realização da pesagem, sepa-ração e arma-zenamento do lixo reciclável. A previsão é de que tudo já esteja instalado até 2012. Até agora foram entregues cinco parques, lo-calizados no Rebouças (ma-triz), Cajuru, Boqueirão, Pin-heirinho e CIC. “A Prefeitura já está inserindo o carrinheiro nas suas ações, mas ainda fica difí-cil saber se não é simplesmente uma capa de democracia que se reveste em marketing político”, opina Myrian Del Vecchio, jornalista e doutora em meio ambiente e de-senvolvimento pela UFPR.

A consultora am-biental Neiva Ron-sani acredita que at-ualmente o exemplo que melhor tem dado certo é o de Londrina. A cidade tem cerca de 40 associações, que contam com o apoio da prefeitura local para confecção de sa-colas específicas para a coleta e uniformes. E tudo é administrado pelos próprios catadores. “Londrina, mais do que Curitiba, pode ser consid-erada uma cidade modelo na reciclagem do lixo”.

A crise do carrinheiro

Os catadores têm faturado en-tre R$ 200 e R$ 700 por mês. Em tempos mais promissores esse valor poderia chegar a R$1.200. O motivo do baixo rendimento é a queda no preço de venda dos produtos (ver box). Alguns chegam a estar 46% mais baixos do que há um ano. É o caso do alumínio, um dos materiais com melhor potencial de venda, que antes da crise era vendido a R$ 4,30 o quilo. Hoje não se paga por ele mais do que R$ 2,00.

“Sem dúvida a crise chegou até os carrinheiros”, lamenta Elizabeth Mira, responsável pelo acervo fotográfico da Cata-mare. Na opinião dela, que diari-amente acompanha a rotina dos catadores, a única solução para o problema é agregar novos valores ao lixo que é vendido. A aquisição de máquinas que transformam produtos como plástico e pa-pelão em matéria prima possibil-itaria um considerável aumento no preço de venda. A garrafa pet é um bom exemplo. Após passar por um processo em que são re-tiradas as impurezas, as garrafas podem ser vendidas em forma de pequenos flocos a um preço três vezes maior do que quando oferecida no formato comum.

Outra ameaça

Um assunto que tem provocado desconfiança entre os carrinheiros é a construção de um novo local para o armazenamento do lixo, uma vez que o Aterro do Caximba, lo-calizado a 23 km de Curitiba e que recebe todo o resíduo da capital e da Região Metropolitana, já está com sua capacidade esgotada. A Pre-feitura de Curitiba deverá implantar, ainda este ano, um novo modelo de tratamento de resíduos sólidos que será administrado por um consórcio formado por 18 municípios e super-visionado pelo Sistema Integrado de Processamento e Aproveitamento de Resíduos (Sipar).

O temor dos carrinheiros é que esse novo consórcio passe a recolher todo o lixo de Curitiba, excluindo a função deles. Para a procuradora do Ministério Público do Trabalho Margaret Matos, o consórcio com-promete o trabalho dos catadores e favorece uma empresa privada. João Carlos Fernandes, gerente técnico do empreendimento, afirma que o novo sistema não fará coleta de lixo recic-lável, apenas recolherá e processará o lixo comum. Portanto não afetará a coleta dos carrinheiros. “Não há ex-clusão”, argumenta Fernandes. “Pelo contrário. A nova indústria vai atrair mais empresas recicladoras e, assim, poderá favorecer os coletores”:::

A difícil luta de quem tira o sustento do lixo

Sozinhos ou em associações,

carrinheiros sofrem com queda no preço

dos recicláveis

4::: junho de 2009

sociedade

Katy Mary de Farias

Julia

Gued

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5:::junho de 2009

cultura Ensino musical obrigatório valoriza o legado de Villa-Lobos

Há 50 anos morria o compos-itor Heitor Villa-Lobos, músico brasileiro, grande valorizador da cultura e do folclore nacional, que se tornou célebre por unir música e sons naturais. “Conside-ro minhas obras como cartas que escrevi à posteridade, sem espe-rar resposta”, afirmou, certa vez, o compositor. Uma dessas cartas, ao que parece, está sendo lida por nossa geração. É o seu legado para a educação musical: Villa-Lobos foi o maior partidário do ensino da música no Brasil, sendo re-sponsável por sua implantação no governo de Getúlio Vargas. Ago-ra, depois de 40 anos de espera, as escolas regulares voltarão a ter música como disciplina do cur-rículo, com a aprovação, em 2008, de um projeto de lei que o torna obrigatório. Agora, depois de 40 anos de espera, as escolas regulares voltarão a ter música como disci-plina do currículo, com a aprova-ção, em 2008, do projeto de lei nº 11.769, que o torna obrigatório.

“A última geração que teve ensi-no musical obrigatório nas escolas foi a da Bossa Nova e da Tropicália. Então, muito do que se fala hoje so-bre um empobrecimento musical no Brasil pode ter uma base na falta de

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Nova lei que torna obrigatório o ensino de música nas escolas beneficia a cultura e

a educaçãoMarina Feldman

subsídios que a geração atual tem”, afirma a professora de música Estrela Ruiz Leminski. Ela acredita que a implantação do ensino de música trará consequências que vão além do âmbito escolar, atingindo também a cultura nacional. “A influência para a educação com certeza será grande. Existem vários estudos que mostram que a música ajuda na matemática, no raciocínio lógico, mas acho que existe um porquê mais amplo nisso”.

Villa-Lobos preocupava-se também com a elevação artístico-musical da população. Para ele, o ensino da música transformaria o povo brasileiro em um público mais sensível às manifestações artísticas e faria com que a música se tornasse parte da vida cotidiana. “A visão de Villa-Lobos foi fantástica. O canto orfeônico foi aplicado por Villa-Lo-bos e foi utilizado até 1961, quando uma medida de lei desobrigou as escolas a ensinarem música”, conta o musicólogo Harry Crowl.

O canto orfeônico foi a forma que Villa-Lobos encontrou para levar a música a todos. Segundo Crowl, a técnica consistia em uti-lizar canções folclóricas conhe-cidas e harmonizá-las para várias vozes, ensinando música através do canto em conjunto. Simul-taneamente, em outros países, técnicas parecidas foram implan-tadas. Na Hungria, por exemplo, até hoje é utilizado o método de Zoltan Kodály. A obra do educa-dor húngaro baseia-se nos mes-mos pilares que a de Villa-Lobos. Seu método, porém, foi posto em prática amplamente em seu país

natal. “No Brasil se assimilou um conceito errado de que as matérias mais importantes seriam aquelas ligadas às ciências exatas, e a arte é vista como perfumaria”, acres-centa Crowl.

Quebrando antigos rótulos

Para Estrela, esse panorama se altera progressivamente. “As pessoas têm a visão de um ensino técnico, que serve para colocar os jovens no mercado, mas eu acho que isso aos poucos vai mudando. Elas estão aprendendo a valorizar o ensino da música”, afirma a pro-fessora. De acordo com ela, hoje se valorizam mais as chamadas in-teligências múltiplas. Segundo essa teoria – de Howard Gardner – o ser humano tem oito inteligências, cada uma delas mais ou menos desenvolvida em cada indivíduo. Uma dessas é a musical. “Às vezes ouço de outros professores que um determinado aluno é desleixado, preguiçoso, mas, na música, é meu aluno mais genial. Isso ajuda a que-brar antigos rótulos”, defende.

Solange Marinho Gomes, professora da Faculdade de Artes do Paraná (FAP) e especialista em educação musical, é outra defen-sora do ensino. “Não existiu até hoje uma cultura humana em que a música não estivesse presente. O papel da educação musical é levar esse conhecimento humano para todos”, afirma. Para ela, uma mentalidade que dê mais valor a certas áreas do conhecimento é equivocada, pois todo o conheci-

mento humano é importante. “Além de tudo, a música, quando inserida no universo infantil, tem um papel essencial no desenvol-vimento. Um indivíduo também precisa desenvolver linguagens não-verbais”, acrescenta.

O aspecto lúdico da música parece atrair novos partidários da educação musical. Gabriela Sasson Rassi, de 9 anos, decidiu estudar violão por gostar muito de música – especialmente de in-strumentos de corda. Ela acredita que a implantação da educação musical no ensino obrigatório é algo positivo. “No horário extra, muitas crianças não po-dem ter aulas de música e é um jeito muito bom de nos educar”, conta. Ela diz que no futuro não pretende trabalhar com música, mas que, no momento, estudar música é uma experiência muito interessante e que ajuda a desen-volver sua audição.

Para Harry Crowl, a utili-dade dessa formação vai além da audição. Segundo ele, aqueles que estudam música aprendem muito sobre disciplina. Em sua experiência como coordenador da Orquestra Filarmônica da UFPR, composta basicamente de jovens, notou claramente o efeito da música sobre a formação do in-divíduo. “Em nenhuma orquestra jovem que eu participei você ouve falar de maus alunos. A disciplina que eles são obrigados a ter para dominar o instrumento é taman-ha, que isso passa, naturalmente, para as outras disciplinas”, explica.

Boas possibilidades no futuro

O cinquentenário da morte de Villa-Lobos, neste ano, não deixa de ser um estímulo para criar um futuro promissor para a educação musical. Para Solange, o fato, do ponto de vista educacio-nal e cultural, é muito positivo. A especialista ressalta ainda o lado humano da música. “Uma pessoa que está fazendo música está feliz. É muito difícil você ver, no ensaio de uma banda, as pessoas tristes. A música é algo que traz satisfação. A produção artística é inerente do ser humano e faz muito bem. En-tão, por que não dar essa experiên-cia para muita gente?”

A lei, aprovada em agosto do último ano, afirma que “a música deverá ser conteúdo obrigatório [...] do componente curricular”. Para Solange Gomes, isso já repre-senta um grande passo. No entan-to, ela ressalva que é preciso pen-sar na forma que essa lei será posta em prática. “Como a música vai acontecer na escola? Quem serão os professores que vão trabalhá-la? Existirão professores de músi-ca suficientes para o Brasil todo?”, questiona Solange. A professora acredita que ainda é necessária muita discussão em torno disso, mas as possibilidades de sucesso são grandes. “Acho que pode dar certo e a escola passará a ter um papel de democratizar a música. Não temos como saber quantos talentos perdidos temos por aí e, a partir de agora, poderemos desco-brir”, finaliza:::

CONCERTO DIDÁTICO Camerata Antiqua de Curitiba apresenta canções de Villa-Lobos para alunos do ensino público curitibano

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6::: junho de 2009

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Suzete Lorena da Silveira é católica e fiel fervorosa. Dedica a maior parte de seu tempo para a Igreja como coordenadora de ministros de uma paróquia de Curitiba e tem uma visão bem crítica em relação às pessoas que não seguem o catolicismo como deveriam. Ela não con-corda com algumas posturas de outros fiéis e diz ser bem rígida como coordenadora para exigir uma conduta condizente com o modo de vida pregado pela crença. “Seguir a religião é viver de acordo com o que ela prega. Ao invés de questionar, devemos tentar entender a visão da Igreja e aceitá-la”, afirma. “É triste ver pessoas que não estão seguindo o caminho certo”. Ela diz que se pudesse acharia uma nova forma de evangelizar para que todos fossem atingidos pela fé.

A excessiva dedicação de fiéis às religiões gera opiniões muito contraditórias e dis-cussões sérias e polêmicas. Al-guns pensam que as atitudes de um fiel devem ser controla-das para não caírem em exces-sos. Já outros consideram que os exageros estão na mente e na interpretação de cada um. Suzete confessa que no início se sentia incomodada quando discordavam ou criticavam

sua conduta frente à religião. “Hoje eu só rezo, pois sei que cada um tem seu tempo de experimentar o que eu experi-mentei”, conta. A importância da crença para Suzete é grande. “A Igreja se tornou o fio condu-tor de minha vida”.

Para Adriano Holanda, co-ordenador do Núcleo de De-senvolvimento Humano da UFPR, exageros acontecem em qualquer área da vida, pois o modelo de comportamento humano pode apresentar iden-tidades sadias ou não. “Quando não se consegue mais dialogar com as diferenças, algumas pes-soas extrapolam o limite do bom senso e perdem sua condição de refletir, seguindo ideologias cristalizadas e não saudáveis”.

Para a psicóloga Sonia Lyra, presidente do Instituto de Psi-cologia e Religião de Curitiba (ICHTHYS), o problema não se encontra na religiosidade exacerba-da em si, mas nas conseqüências que ela pode ter para a comu-nidade e para a própria pessoa. “São excessos aqueles compor-tamentos que saem dos padrões da comunidade em questão e são prejudiciais na medida em que seus resultados sejam destrutivos”.

Visões intolerantes podem causar problemas com famí-lias e amigos. Holanda explica que qualquer fiel das igrejas e seitas deve tomar cuidado para não cometer extremismos. “Não é a religião que te impõe e sim a própria pessoa que não consegue discernir sobre seus limites”, afirma.

Até onde é saudável ter fé?

Intolerância pode levar fiéis a problemas de relacionamentos

sociais

Camila Scarpi

ufpr

Desistindo de amizades

Camila Marquesi Casarin desistiu de muitas amizades e passou a se dedicar à religião e aos princípios em que acredi-tava. Ela se afastou dos amigos que tinha antes de descobrir sua fé porque não concordava com algumas posturas, como cigarro, bebidas e baladas. Hoje, a jovem de 20 anos frequenta a Igreja Presbiteriana e participa de várias atividades junto à co-munidade. Mas ela diz ter uma visão mais aberta em relação ao assunto. “Tenho amigos de outras religiões e quando conversamos sobre isso sempre respeito e pro-curo entender”.

Diversos motivos influen-ciam os exageros, desde fatores emocionais, financeiros e até mesmo a própria ignorância. “A predisposição de algumas pes-soas, somada a interesses políti-cos de líderes religiosos mal intencionados, são fatores propí-cios para o surgimento de adep-tos limitados, que não consigam mais conviver com as multiplici-dades”, afirma Sônia.

Uma grande parte das pes-soas mais religiosas é mais velha. Por se depararem com a finitude da vida, elas tendem à religiosi-dade. “Até porque a maioria das religiões prega a idéia de con-tinuação da vida após a morte”, comenta Holanda.

Clarice Barros Espíndola, 77 anos, é uma devota assídua de sua crença, o espiritismo. Ela não deixa de faltar aos encontros e palestras espíritas e não se preo-cupa em desmarcar compromis-

sos que não envolvam sua fé para se dedicar inteiramente. “Faço isso por devoção, compromisso e amor à religião”. Ela considera que o fiel deve ter uma postura condizente com o espiritismo. “É uma forma de fazer valer a fé”.

Segundo Sonia, apesar dos comportamentos extremis-tas, a religiosidade é natural do homem como busca de um sen-tido para a vida. “As religiões são representações da busca pela ex-periência de transcendência do homem”, explica.

Visão dos líderes

Para o padre João Ba-tista Chemin o excesso é desnecessário. “A busca da san-tidade não está em fazer coi-sas extraordinárias, mas fazer ex-traordinariamente as pequenas coisas”. O padre explica que é responsabilidade dos membros da igreja orientar pessoas que se percam nesse caminho. “É mais válido praticar a caridade e torná-la um hábito”, pondera.

Paulo Cezar, pastor da Igreja Internacional da Graça de Deus, acredita que toda instituição es-pera que seus fiéis sigam os man-damentos ensinados. Contudo, ninguém deve esquecer as respon-sabilidades e compromissos que tem fora da Igreja, como família e trabalho. “Um fiel que ora 24 horas por dia e se esquece de seus compromissos não está seguindo a vontade de Deus”. Cezar tam-bém considera que o trabalho de pastor é orientar as pessoas nos caminhos certos para que elas não se percam em excessos.

Ajuda profissional em conjunto

Sonia Lyra acha importante que religião e psicologia devam seguir juntas para o auxílio de fiéis fervorosos. Ela explica que a pessoa deve procurar ajuda es-pecializada sempre que começar a ter frutos negativos sobre suas ações, sejam elas ligadas a re-ligião ou não. “O que difere um exagero positivo ou negativo, dentro da religião, são as conse-quências que as atitudes trazem”, comenta Sonia. A psicóloga de-fende diagnósticos diferenciados e uma análise profunda da raiz dos problemas comportamen-tais. “A busca pela fé controlada e saudável exige muita força de vontade, mas é possível”, com-pleta Sônia.

Segundo Adriano Holanda, não cabe à psicologia dizer o que é ou não saudável dentro da religião, mas é necessária a interação entre os dois campos para que juntos possam ajudar pessoas com esses problemas. Para o coordenador, o que a psicologia pode fazer é desco-brir dentro da religião proble-mas psicológicos e, em parce-ria à entidade, solucioná-los. “Não se deve induzir sobre a religiosidade do paciente, mas deixar que ele mesmo observe a causa de seu problema, que pode ou não ser a forma com que lida com sua religiosidade”, diz. Holanda acrescenta que a ajuda deve vir inclusive de dentro da própria instituição religiosa, que tem como dever ajudar seus fiéis:::

EXAGERO Problemas emocionais e financeiros ou ignorância podem causar excessos religiosos

Page 7: Jornal Comunicação

Um levantamento feito por estudantes do curso de Direito da UFPR aponta para uma realidade preocupante no curso: a carga-horária mínima em sala de aula dos professores não é cumprida. De acordo com o Conselho de Ensino e Pes-quisa (Cepe), todo professor deve ministrar semanalmente oito horas-aula, independente de seu regime de trabalho.

De acordo com o levanta-mento, se todos os professores dessem apenas a carga-horária mínima de aula, seriam pos-síveis 428 horas-aula semanais para o curso inteiro, entre maté-rias obrigatórias e optativas de graduação e pós-graduação. No entanto, apenas 330 são ofereci-das pelos quatro departamentos do setor.

Os redatores afirmam que o parecer foi feito com a inten-ção de provar a viabilidade de dividir as turmas do curso, sem que ocorresse sobrecarga de professores ou salas de aula. As turmas de Direito são divididas apenas durante o primeiro ano. A partir do segundo, os 80 alu-nos são agrupados em uma só sala. “Em turmas menores havia mais discussão e debates, as aulas eram muito mais produ-tivas. Em turmas grandes não tem tanta participação e as aulas são muito expositivas”, reclama um aluno que pediu para não ser identificado.

Outros acadêmicos se queixam da falta de carteiras su-ficientes nessas classes mais nu-merosas. O aluno Mozart Silva-no diz que o grande número de alunos faz com que os docentes mudem até mesmo a forma de avaliação: alguns professores optam por aplicar provas objeti-vas em vez das discursivas para ter menos trabalho de corrigir.

O parecer foi enviado para a Coordenação do curso e para os quatro departamentos do Setor de Ciências Júridicas. Segundo o estudante Felipe Spack, a úni-ca resposta foi da Coordenação, que alegou indisponibilidade de dividir as turmas. “Nosso objetivo não é incomodar pro-fessores, mas garantir turmas pequenas e evitar que a salas de graduação se transformem em um cursinho”, explica ele.

Com o Programa de Expan-são das Universidades Federais (Reuni), a partir do ano que vem, o número de vagas ofer-tadas no vestibular de Direito

passará de 80 para 100 e no primeiro ano do curso haverá apenas uma turma – o que c o n t r i b u i para salas ainda mais cheias.

“ H á t u r m a s

que passam de 90 pessoas, porque tem gente que faz de-pendência e outros que são do Provar [Processo de Ocupação da Vagas Remanescentes]. Mas se todos os professores dessem as aulas em todas as turmas ain-da sobraria carga horária”, co-menta a aluna Tchenna Maso. O coordenador do curso de Direito, Luís Fernando Pereira, afirma que as turmas numerosas não prejudicam o aprendizado, pois a prática de ensino é a mes-ma. “Até agora não recebemos nenhum reclamação formal do ponto de vista pedagógico”, revela.

“Para a pós-graduação ter conceito alto as salas devem ter apenas 15 alunos. Por que será que isso não se aplica a graduação?”, questiona Tchenna. Para Pereira, as diferenças en-tre os dois níveis explicam essa diferença: na pós-graduação é feito um trabalho totalmente diferente da graduação, por ser mais focado na produção acadêmica e não somente no levantamento bibliográfico, como é feito nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs). Na opinião dele isso justifica as turmas menores, com um acompanhamento maior por parte do professor.

Responsabilidade

De acordo com Perei-ra, a coordenação só tem a atribuição de organizar a grade curricular de acordo com os de-partamentos. “Os professores são vinculados aos respectivos departamentos e lá que é feita a distribuição didática para os docentes”, esclarece.

O chefe do Departamento de Direito Privado, César Ser-bena, afirma que em nenhum dos quatro departamentos do curso há o problema de não-cumprimento de carga horária. “Não tenho como criar disci-plinas aleatoriamente e passar para os professores”, alega .

Para o diretor do Setor, Ricardo Fonseca, é normal ocorrerem falhas em um curso

composto por mais de 60 pro-fessores divididos em quatro departamentos, porém o problema deve ser enfrentado. “Não podem-os ficar presos a dados quantita-tivos de avaliação da produção e do trabalho docente. A univer-sidade se faz com excelência e a partir de critérios qualitativos”, defende Fonseca.

Ele garante que os profes-sores da UFPR estão compro-metidos com as atividades de pesquisa e extensão e que se deve tomar cuidado ao avaliar o desempenho dos docentes apenas pela carga horária. “Nen-hum dos nossos departamentos altera os dados das atribuições didáticas para fabricar matérias com número de horas superiores às lecionadas”, afirma.

Reclamações em Medicina

Situação semelhante à do curso de Direito é encontrada em Medicina. “Tem professor que termina a aula bem mais cedo para poder atender no consultório particular. Temos praticamente metade da nossa carga horária”, critica uma alu-na. Outra estudante disse que os colegas apenas comentam entre si sobre as faltas, mas não passam a reclamação adiante por medo de serem prejudica-dos. “Para entrar na residência, o contato com os profissionais é muito importante, essencial”, justifica. Ambas pediram para não serem identificadas com medo de futuras represálias.

Uma delas comenta que certa vez os alunos entregaram uma carta na Coordenação e no

Relatório feito por alunos

visa divisão do curso em duas turmas para diminuir as

salas cheias

No Direito, alunos reclamam que professores não cumprem carga horária

Departamento sobre as faltas. Foi respondido que devido à mudança curricular o professor estava sobrecarregado. “Quem responde pelos professores são os departamentos. Não é muito comum ter na Coordenação reclamações sobre não-cumpri-mento de carga horária. Quan-do surgem, elas são enviadas ao colegiado”, conta a coordena-dora do curso de Medicina da UFPR, Claudete Reggiani.

Queixas não são formalizadas

Apesar dos casos apresenta-dos, a UFPR não recebeu recla-mações formais sobre o assunto. O órgão responsável para punir as faltas com desconto na folha de pagamento é a Gerência dos Procedimentos Disciplinares (GPD) da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progepe). “Estou nesse cargo há 14 anos e nunca vi um processo por falta de docentes. É mais comum para técnicos”, revela o gerente da GPD, Max Malucelli.

Ele explica que pelo decre-to nº 1.867 de 1996 todos os professores do ensino superior estão dispensados do controle de ponto, portanto as recla-mações por não cumprimento de carga-horária devem partir das coordenações de curso. “O coordenador deve av i sar a chefia do respectivo departa-mento, que decide se abona ou se convoca uma reunião, em que o faltante tem o direito de defesa. Caso não apresente justificativa, vai para a direção do setor, que en-caminha para a Progepe”, descreve Malucelli:::

Os professores são vinculados aos respectivos departamentos e lá

que é feita a distribuição didática para os docentes”

Luís Fernando Pereira

junho de 2009 7:::ufpr

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Nosso objetivo não é incomodar

professores, mas garantir turmas

pequenas e evitar que a salas de graduação se

transformem em um cursinho”,

Felipe Spack

Trecho do levantamento feito por estudantes demonstra a relação entre horas-aula oferecidas e horas-aula não cumpridas

Page 8: Jornal Comunicação

Amparo das leis para os craques mirins

Com apenas dez anos, Jean Carlos Chera – que jogava nas categorias de base da ADAP, clube hoje extinto, na época sediado em Campo Mourão – já havia recebi-do propostas para jogar em vários times, inclusive no exterior. Hoje, com 14 anos, ele integra a base do Santos Futebol Clube, de São Pau-lo, e já tem contrato até 2011. Esse é o sonho de muitos meninos, mas é algo que pode ir contra a lei. De acordo com a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Cristiane Sbalqueiro Lopes, o atleta mirim que treina por von-tade própria, sob o comando de um treinador capacitado, não está agindo ilegalmente. Porém, o advogado de direito desportivo, Alexandre Hellender de Quadros, ressalta que antes dos 14 anos, qualquer vínculo profissional é ve-dado pela legislação.

No caso de Jean, a lei é ‘driblada’ através de contratos baseados em direito de imagem. Ele é garoto-propaganda do Santos, vinculado totalmente ao clube desde que tinha doze anos. Treina na categoria de base do ano de 1994, como titular, sen-do que nasceu em 1995. “Joga-dores como o Jean, Neymar e Robinho são tão bons que queimam etapas”, explica o responsável pelo projeto “Meninos da Vila”, Higor Nunes. Jean é o típico jogador almejado por clubes estrangeiros, o que faz

Anseio de transformar talento em ouro

levanta discussão sobre o cumprimento das leis por parte de clubes e empresários

8::: junho de 2009

esportes

Natasha Romanzotti

dele uma peça de alto valor no mercado do futebol.

O projeto “Meninos da Vila” funciona como escola de futebol, e visa explorar a marca Santos, trazer torcedores e receita ao clube, além de revelar novos talentos, que pas-sam então a treinar nas categorias de base. O Santos afirmou dar todo o suporte e contratar os ga-rotos profissionalmente. O caso de Jean é diferente. “Ele chegou até aqui através de marketing. O pai do garoto postou um vídeo na internet, vários clubes fizeram ofertas, e a do Santos foi a mais alta”, conta Nunes.

De acordo com os respon-sáveis pelas categorias de base dos clubes da capital paranaense, isso acon-tece em casos isolados. A maioria dos joga-dores vem de escolas de futebol ou passam por avaliações, mas também podem ser descobertos por observadores técnicos – espal-hados por todo o país. Quanto às chances de chegar ao time principal, o coordenador das categorias de base do Coritiba, Mário André Mazzuco, afir-ma que é um p r i v i l é g i o de poucos e cita ex-e m p l o s como o de Keirrison,

Rafinha, Adriano e Pedro Ken. Já para o coordenador das bases do Clube Atlético Paranaense, André

Leite, o clube tem a tendência de

revelar joga-dores: “Chi-

co, Raul e Rodol-pho são exemplos.

O Dago-berto, joga-

dor do São Paulo Futebol Clube, também saiu daqui”.

O Coritiba e o Paraná Clube iniciam as categorias de base no sub-11. Já no Atlético, iniciam-se no sub-15, com garotos de, no mínimo, 14 anos. Indo até o sub-20, os times de base recebem treinamentos adequados a cada idade. Dos mais novos aos mais velhos, aumentam o número de treinos por semana, além dos ex-ercícios de condicionamento. Nos três clubes, somente aos 16 anos o

jovem é contratado profissional-mente. Antes disso, só existe

um registro amador. Esse registro amador, segundo Cristiane, caracteriza

fraude para o Ministério Público do Trabalho.

“É a maneira que os times encontram de

ligar o jogador ao clube sem cum-prir devidamente a lei”, explica.

Q u a d r o s explica que a partir dos 14 anos, desde que represen-tados pelos pais, os atletas podem firmar o primeiro vín-culo com os clubes, ainda no âmbito não-prof is -

sional, mas apenas medi-

ante pagamento de auxílio financeiro

na forma de bolsa de apren-

dizagem. O clube deve fornecer assistência médica, odontológica, psicológica, seguro de vida, ajuda de custo de transporte, ter e manter instalações desportivas adequadas, empregar profissionais especial-izados em formação desportiva e adaptar a formação dos atletas ao atendimento do currículo escolar.

A questão dos empresários

Segundo a procuradora do Ministério Público, o que carac-teriza a ilegalidade de uma ativi-dade esportiva é a exploração do trabalho infantil. “De uns anos pra cá, o futebol vem se tornando um negócio muito rentável”, explica. Ela afirma que o MP realiza um trabalho árduo para combater e punir clubes que não cumprem as leis, bem como os “agentes in-formais” – aqueles que querem explorar o atleta financeiramente. No Paraná, já houve três denún-cias de exploração por parte dess-es agentes informais. Cristiane confirmou que foram localizados e advertidos. “Muitos jovens as-sinam contratos com empresários antes dos 18 anos, e acham que aquilo vale alguma coisa. Não vale nada”, esclarece.

Mazucco afirma que muitos dos atletas do Coritiba possuem empresários. “O clube busca for-mar parcerias, para que isso não atrapalhe, pois um precisa do out-ro”, diz. Já Leite comenta que cerca de 90% dos jogadores de base do Atlético são empresariados. “Isso não atrapalha nada. O que muda é na hora do contrato, é com o jogador que o empresário vê a sua

parte”, afirma.O responsável pe-

las bases do Paraná, Luis Alexandre Cor-rea, afirma que a política do clube é outra. Nenhum dos meninos de base têm empresários :::

O papel dos pais

“Segundo minha experiência, os pais não costumam acompanhar o processo de formação dos atletas”, fala Quadros. De acordo com o ad-vogado, a inserção do menor na atividade desportiva deve ser bem re-fletida e, obrigatoriamente, passar por uma avaliação criteriosa do clube ou entidade formadora. “As situações mais preocupantes estão ligadas ao afastamento do convívio familiar”, destaca. “Menores que saem de sua cidade e de seu estado de origem se sentem compelidos a cumprir a legislação porque os pais simplesmente não conhecem a situação a que os filhos estão submetidos”, finaliza.

A psicóloga esportiva Márcia Regina Walter confirma que crianças que se inserem no esporte muito cedo podem não aguentar a pressão de competir e de ter a disciplina necessária. Márcia diz que a melhor atitude é preparar emocionalmente os jovens. “Não que seja essencial, mas o mais correto seria dar às crianças um acompanhamento psi-cológico”, diz. Para ela, os pais devem apoiar sem gerar expectativas, e a conversa tem que ser um elemento presente. A psicóloga admite que o esporte é uma opção de vida e, portanto, não há como não exigir que o atleta tenha responsabilidades e disciplinas. “Desde que a criança esteja se profissionalizando no esporte por vontade própria e tenha um treino adequado a sua idade, esse estilo de vida torna-se positivo”.

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TALENTO Quanto mais novo o jogador, mais altas as apostas no futuro craque