JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES...

8
JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES COMO UM GÊNERO JORNALÍSTICO A DEFENSE OF DAILY STRIP COMICS AND CHARGES AS A JOURNALISTIC GENDER VINÍCIUS NEVES FERRAZ LUIZ REIS Resumo Tema: Uma publicação jornalística, seja um jornal impresso ou uma revista, é composta por diversos gêneros jornalísticos, incluindo aqueles informativos, interpretativos ou opinativos. O tema que vai ser abordado trata-se da defesa das tiras e charges como um gênero jornalístico opinativo e interpretativo. Objetivo: O cerne deste trabalho de conclusão de curso é fazer uma defesa consistente das tirinhas e charges como um gênero jornalístico opinativo tal como o editorial de jornal (ou carta ao leitor, no caso das revistas), artigo, coluna, resenhas, cartas e comentários -- que são gêneros jornalísticos já consagrados, aceitos e discutidos em todo o meio acadêmico e em redações de veículos da imprensa. Resultado: é proposto no tema defender as charges e tirinhas como gêneros jornalísticos, e, após se comparar com outros já consagrados gêneros jornalísticos, o resultado desta pesquisa confirma a premissa inicial. Palavras-Chave: Tirinhas; charges, gêneros jornalísticos, revista, jornal, ilustração. Theme: A journalistic publication, being a printed newspaper or a magazine, is made by several journalistic genres, including those informatives and/or opinatives. The core of this term paper is to do a defense os stripes comics and charges as a opinative journalistic genre such as a newspaper editorial (or letter to reader, in case of magazines), articles, columns, reviews, letters or comments. Objective: Results: Keywords: Strip comics, charges, journalistic genres, magazines, newspaper, illustration. INTRODUÇÃO Ao decorrer do curso de Comunicação Social – Jornalismo, o graduando tem o primeiro contato com os diversos gêneros jornalísticos presentes em qualquer publicação jornalística e ao se aproximar de concluir a graduação deve saber diferenciá-los entre si. É preciso saber a diferença e a força de cada gênero dentro da publicação, uma coluna publicada na Folha de São Paulo, por exemplo, tem um impacto diferente de um editorial publicado na mesma edição daquele mesmo jornal, isso porque o editorial representa a opinião do jornal, e não apenas uma opinião pessoal, como é o caso dos artigos e colunas. O tema central deste artigo é definir tirinhas e charges políticas como um gênero jornalístico, justamente pelo fato de que ambas estão inclusas no contexto político, social ou econômico de um país, estado e cidade; apresentam a opinião de autor e são utilizados para estimular a reflexão em quem os consome – assim como uma coluna ou artigo. Vale ressaltar que todas as tirinhas e charges publicadas em qualquer jornal ou revista – a citar Folha de São Paulo, Estadão, Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Revista Piauí, Correio Popular e outros – estão repletas de discursos críticos e/ou ideológicos, base de comparação, novamente, com o artigo e editorial. Assim como o articulista transforma sua voz em texto, o cartunista ou chargista transforma a tirinha e charge em linguagem visual, ou melhor, jornalismo visual ou ilustrado. Apesar disso, a comparação não é válida somente a artigos e editoriais. Há gêneros jornalísticos textuais que são utilizados como instrumento humorístico e satírico, como, por exemplo, os artigos e crônicas. Esse uso também é o mesmo das charges e tirinhas em variados jornais e revistas. As tirinhas e charges contumazmente são definidas como um gênero dos quadrinhos, mas este trabalho tem como objetivo defender que ambos fazem parte do gênero jornalístico, apesar de serem frequentemente ignorados ou descartados no meio acadêmico. Muito disso se deve ao fato de que muitos leitores dos jornais categorizam as tirinhas e charges como um passatempo, algo destinado para causar alívio cômico ao leitor e amenizar a seriedade do jornal. Ao fazer isso, as tirinhas e charges acabam frequentemente no campo do entretenimento, usadas apenas para descontrair o leitor. Esse entendimento é exposto no livro do autor Marcos Nicolau (2004), que, no que se refere ao valor da tirinha como informação crítica e como forma de entretenimento, escreve: (...) mesmo que a tirinha tenha ganhado vida própria em revista autônomas nas décadas que se seguiram ao seu surgimento, foi nas páginas de jornais que ela se consolidou como uma categoria estética de expressão e opinião sobre o cotidiano, representada por personagens que nos imitam. Ela faz humor, trata com ironia, satiriza e provoca reflexões, tanto as trivialidades do dia a dia quanto as questões mais séries do país e do mundo. Sua intenção de entreter traz implícito o questionamento, a denúncia e mesmo a autocrítica. Além de promover a defesa de algo como um gênero jornalístico, este trabalho também tem como objetivo incentivar o debate acadêmico sobre este tema, que apesar de estar enraizado no jornalismo décadas, ainda não é devidamente discutido por estudantes de Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1918

Transcript of JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES...

Page 1: JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES …nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/... · Desde o início da implantação de tirinhas, sempre houve a preocupação

JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES COMO UM GÊNERO JORNALÍSTICO A DEFENSE OF DAILY STRIP COMICS AND CHARGES AS A JOURNALISTIC GENDER

VINÍCIUS NEVES FERRAZ

LUIZ REIS Resumo Tema: Uma publicação jornalística, seja um jornal impresso ou uma revista, é composta por diversos gêneros jornalísticos, incluindo aqueles informativos, interpretativos ou opinativos. O tema que vai ser abordado trata-se da defesa das tiras e charges como um gênero jornalístico opinativo e interpretativo. Objetivo: O cerne deste trabalho de conclusão de curso é fazer uma defesa consistente das tirinhas e charges como um gênero jornalístico opinativo tal como o editorial de jornal (ou carta ao leitor, no caso das revistas), artigo, coluna, resenhas, cartas e comentários -- que são gêneros jornalísticos já consagrados, aceitos e discutidos em todo o meio acadêmico e em redações de veículos da imprensa. Resultado: é proposto no tema defender as charges e tirinhas como gêneros jornalísticos, e, após se comparar com outros já consagrados gêneros jornalísticos, o resultado desta pesquisa confirma a premissa inicial. Palavras-Chave: Tirinhas; charges, gêneros jornalísticos, revista, jornal, ilustração. Theme: A journalistic publication, being a printed newspaper or a magazine, is made by several journalistic genres, including those informatives and/or opinatives. The core of this term paper is to do a defense os stripes comics and charges as a opinative journalistic genre such as a newspaper editorial (or letter to reader, in case of magazines), articles, columns, reviews, letters or comments. Objective: Results: Keywords: Strip comics, charges, journalistic genres, magazines, newspaper, illustration. INTRODUÇÃO

Ao decorrer do curso de Comunicação Social – Jornalismo, o graduando tem o primeiro contato com os diversos gêneros jornalísticos presentes em qualquer publicação jornalística e ao se aproximar de concluir a graduação deve saber diferenciá-los entre si. É preciso saber a diferença e a força de cada gênero dentro da publicação, uma coluna publicada na Folha de São Paulo, por exemplo, tem um impacto diferente de um editorial publicado na mesma edição daquele mesmo jornal, isso porque o editorial representa a opinião do jornal, e não apenas uma opinião pessoal, como é o caso dos artigos e colunas.

O tema central deste artigo é definir tirinhas e charges políticas como um gênero jornalístico, justamente pelo fato de que ambas estão inclusas no contexto político, social ou econômico de um país, estado e cidade; apresentam a opinião de autor e são utilizados para estimular a reflexão em quem os consome – assim como uma coluna ou artigo.

Vale ressaltar que todas as tirinhas e charges publicadas em qualquer jornal ou revista – a citar Folha de São Paulo, Estadão, Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Revista Piauí, Correio Popular e outros – estão repletas de discursos críticos e/ou ideológicos, base de comparação, novamente, com o artigo e editorial. Assim como o articulista transforma sua voz em texto, o cartunista ou chargista transforma a tirinha e charge em linguagem visual, ou melhor, jornalismo visual ou ilustrado.

Apesar disso, a comparação não é válida somente a artigos e editoriais. Há gêneros jornalísticos textuais que são utilizados como instrumento humorístico e satírico, como, por exemplo, os artigos e crônicas. Esse uso também

é o mesmo das charges e tirinhas em variados jornais e revistas.

As tirinhas e charges contumazmente são definidas como um gênero dos quadrinhos, mas este trabalho tem como objetivo defender que ambos fazem parte do gênero jornalístico, apesar de serem frequentemente ignorados ou descartados no meio acadêmico. Muito disso se deve ao fato de que muitos leitores dos jornais categorizam as tirinhas e charges como um passatempo, algo destinado para causar alívio cômico ao leitor e amenizar a seriedade do jornal. Ao fazer isso, as tirinhas e charges acabam frequentemente no campo do entretenimento, usadas apenas para descontrair o leitor.

Esse entendimento é exposto no livro do autor Marcos Nicolau (2004), que, no que se refere ao valor da tirinha como informação crítica e como forma de entretenimento, escreve: (...) mesmo que a tirinha tenha ganhado vida própria em revista autônomas nas décadas que se seguiram ao seu surgimento, foi nas páginas de jornais que ela se consolidou como uma categoria estética de expressão e opinião sobre o cotidiano, representada por personagens que nos imitam. Ela faz humor, trata com ironia, satiriza e provoca reflexões, tanto as trivialidades do dia a dia quanto as questões mais séries do país e do mundo. Sua intenção de entreter traz implícito o questionamento, a denúncia e mesmo a autocrítica.

Além de promover a defesa de algo como um gênero jornalístico, este trabalho também tem como objetivo incentivar o debate acadêmico sobre este tema, que apesar de estar enraizado no jornalismo há décadas, ainda não é devidamente discutido por estudantes de

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1918

Page 2: JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES …nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/... · Desde o início da implantação de tirinhas, sempre houve a preocupação

comunicação, em especial por estudantes de jornalismo. Justi ficativa

No âmbito pessoal, a justificativa para a realização deste trabalho se deve ao fato de que eu possuo bastante interesse por este tema, tanto pela parte gráfica e visual das tiras, charges e fins como pelo conteúdo jornalístico e textual das publicações que as utilizam em suas páginas.

Além de ser estudante de jornalismo, também sou desenhista e aspirante a cartunista, embora ainda não possua nenhuma tirinha lançada.

No âmbito acadêmico e social, a produção deste artigo é justificada pelo fato de que há muito para ser explicado e estudado sobre a relação duradoura da imprensa com o cartunismo. Charges políticas sempre são publicadas em jornais diários e revistas semanais e mensais. O que está sendo proposto aqui é analisar quando surgiu essa parceria e qual a função das charges e tirinhas nas páginas das publicações. Metodologia

Para dar o embasamento teórico necessário, a metodologia de pesquisa realizada foi fazer uma revisão de literatura bibliográfica de autores brasileiros que já tenham abordado o tema em outras publicações. Dentre eles destacam-se principalmente dois autores que têm obras lançadas pela editora independente Marca de Fantasia, que tem sede em João Pessoa, Paraíba, e têm a diretoria composta por pesquisadores do Grupo de Pesquisa em História em Quadrinhos e Mestrado em Comunicação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Esses autores são Marcos Nicolau e Paulo Ramos, autores de ‘Tirinha, a síntese de um gênero jornalístico’ e ‘Tiras Livres, um novo gênero dos quadrinhos’, respectivamente. Por se tratar de um trabalho que busca se debruçar em cima dos gêneros jornalísticos, foram consultados também manuais de redações de diversos jornais impressos de circulação nacional e também o acervo de tirinhas desses veículos, em sua total maioria disponível em páginas na internet dos veículos ou em domínios mantidos por entusiastas do tema. Contexto histórico

As tirinhas e charges começaram a se popularizar como gênero jornalístico ilustrado nos Estados Unidos no fim do século XIX. Segundo Jacques Marny, em seu livro Sociologia das Histórias aos Quadrinhos, o começo da harmoniosa relação das tirinhas com as publicações jornalísticas surgiu em 1895, quando Richard Felton Outcault publicou a primeira tira do chinesinho The Yellow Kid (A criança amarela, em tradução livre) no jornal sensacionalista New York World. A data, no entanto, não é consenso entre os estudiosos da área, já que há historiadores do gênero que alegam que a primeira tira cômica

publicada em jornal foi impressa em 12 de dezembro de 1897 e marca o nascimento da Katzenjammer Kids, (Os garotos Katzenjammer), criação de Rudolph Dirks.

Após essa fórmula demonstrar sucesso e atrair leitores, o New York World começou a investir ainda mais nos suplementos ilustrados do domingo, ampliando espaço para outros cartunistas. Com o sucesso do diário, um dos concorrentes do jornal à época, o New York Journal contratou Outcault e em 1897 foi lançado outro sucesso: Os Sobrinhos do Capitão.

Figura 1.Tirinha ‘Sobrinhos do Capitão’

Outro fato que impulsionou o surgimento de tirinhas em jornais foi o curioso fato da escassez de espaço nos jornais: as tiras com três quadros ocupavam pouco espaço na página, sendo que meia página poderia ser utilizada para alocar três tiras ou uma história como a da imagem acima.

Já em 1912 foi fundado, nos Estados Unidos, o primeiro “sindicato” responsável por comercializar histórias em quadrinhos – o King Features Syndicate – que distribuía materiais para veiculação em sociedades de mundo inteiro. Segundo Magalhães (2006), essas distribuidoras “dominam não só o processo criativo como também o produtivo e de comercialização, a ponto de terem o gênero como um valor identitário”.

Calcula-se que até o final de 1960 trezentas histórias em quadrinhos aparecem no mercado americano em mil e setecentos jornais diários, sendo lidas por cerca de cem milhões de leitores. O jornal americano Washington Post, por exemplo, publica todos os dias cinco páginas de tiras – cerca de trinta histórias novas diariamente.

Os números demonstram que o gênero já estava presente para gerações de leitores, em jornais de diferentes partes do globo, servindo de inspiração para jovens desenhistas em seus países.

Embora esses “sindicatos” tivessem um papel importante para a distribuição de tirinhas, eles dificultaram que novos desenhistas independentes pudessem competir com eles no mercado editorial.

Desse modo, fica fácil entender como as tirinhas constituíram-se como um gênero de

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1919

Page 3: JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES …nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/... · Desde o início da implantação de tirinhas, sempre houve a preocupação

presença marcante nos jornais diários de inúmeros países, incluindo o Brasil.

Desde o início da implantação de tirinhas, sempre houve a preocupação em manter as tirinhas não só engraçadas, mas voltadas a provocar uma ‘alfinetada’ em setores da sociedade. Era isso que tornava o gênero tão inédito, atrativo aos leitores e rentável aos donos do jornal.

Apesar dessa característica das tirinhas no exterior, as primeiras tirinhas que ocuparam as páginas dos jornais brasileiros não apresentavam, no entanto, a acidez e crítica política que era publicada nos outros países ou no Brasil de hoje. A primeira tira publicada no Brasil foi uma tira do cachorro Bidu, do cartunista Maurício de Souza, na edição de 29 de dezembro de 1963 da Folha de S. Paulo. Maurício de Souza, hoje celebrado cartunista, era repórter policial e trabalhava à época para o jornal.

Figura 2. A primeira tirinha publicada em um jornal brasileiro. Diferentemente de como é a maioria das tirinhas atuais, o sentido dessa tirinha era vertical.

Outros personagens da Turma da Mônica começaram a serem publicados no jornal após essa primeira experiência, até que em 1970 começaram a serem publicadas em suas próprias revistas, as revistinhas da Turma da Mônica.

O tom crítico das tirinhas começou a mudar em 1980, quando a Folha de S. Paulo começou um processo de distribuição de tirinhas ao contratar os serviços da Agência Funarte, que era dirigida por Ziraldo e que contava com uma

equipe de 15 desenhistas. Pela Agência Funarte foram publicadas tiras de Angeli, Laerte e outros em dezoito jornais diários em todo o território brasileiro.

Antes da contratação da Funarte, o periódico já publicava o trabalho de alguns destes artistas, como é o caso de Angeli, que teve sua estreia na Folha Ilustrada em 1973 com a tira abaixo.

Figura 3. Tirinha de estreia de Angeli na Folha Ilustrada.

Sobre o tom e a linguagem das tirinhas nos jornais, o autor Paulo Ramos (2014) aborda, em seu livro Tiras Livres – um novo gênero dos quadrinhos como houve uma guinada na forma em que o cartunista Laerte Coutinho resolver desenvolver suas tiras desconectando-as da obrigatoriedade de serem cômicas, engraçadas, tornando-as menos rígidas e mais liberal. “Eu acabei fazendo essa passagem de forma mais radical em 2005, quando eu larguei personagens mesmo de vez, desisti expressamente de usar personagens e aposentei meu modo de construir piadas. Porque tudo isso são maneiras mais ou menos formuláveis de trabalhar. E são maneiras em que o cérebro se apoia, uma espécie de muleta para trabalhar”, relatou o cartunista em entrevistas feitas durante o período. As tiras de Laerte passaram a serem entendidas como algo capaz de transitar entre os universos literário e jornalístico, dependendo do olhar de quem as lê. Isto mais uma vez desmonta a tese de que as tiras dos jornais tem a função de serem um alivio cômico, um contraponto divertido à sobriedade do jornal. A experiência de Laerte demonstra bem isso, o formato não está engessado.

Figura 4. Tira de Laerte utiliza de metalinguagem para explicar mudança no formato – que passa do humor para a reflexão.

Pasquim

Não se pode dissertar sobre tirinhas e

charges como gêneros jornalísticos sem se aprofundar no caso de uma das mais célebres e impactantes publicações jornalísticas nacionais

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1920

Page 4: JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES …nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/... · Desde o início da implantação de tirinhas, sempre houve a preocupação

compostas por páginas e páginas de charges e tirinhas, como é o caso do semanário Pasquim. Pensado e criado em 1968 para ser uma publicação comportamental que abordasse temas tabus como política, sexo, drogas, feminismo, divórcio e outros, Pasquim – que foi criado por jornalistas e cartunistas – adotou uma linha editorial politizada com o crescimento da repressão imposta pela ditadura militar no Brasil. Um dos criadores do Pasquim, o cartunista Jaguar, disse que o nome significa jornal difamador, folheto injurioso. Diversas das capas do “jornal” eram desenhos e charges, sendo que outras vezes eram fotos com inserções de “balõezinhos” de fala desenhados a mão, um recurso característico dos quadrinhos. O Pasquim é conhecido como um dos principais representantes brasileiros do Jornalismo Alternativo e foi alvo de censura pelos militares, chegando a ser enquadrado na Lei da Imprensa. O Pasquim é quase um exemplo perfeito para se mostrar que o cartunismo e o chargismo estão ligados intrinsecamente ao jornalismo. Este jornal alternativo vendia cerca de cem mil exemplares por semana, mais do que revistas como a VEJA e extinta Manchete, e entrevistava personalidades relevantes à época, como o metalúrgico e líder sindical Luis Inácio Lula da Silva, que viria a ser eleito presidente da República dez anos após o semanário ser descontinuado, em 1991.

Figura 5. Capas d’O Pasquim.

A força e o impacto do Pasquim na opinião pública durante a época em que era publicado chegou a ser mostrada em uma cena do filme ELIS (2016), com direção de Hugo Prata. O filme conta a trajetória da cantora e intérprete Elis Regina, da ascensão à fama até a sua morte, em 1982. Em uma determinada cena, que se passa no período da ditadura militar, Elis Regina é chamada para prestar esclarecimentos aos militares após dizer, em uma entrevista coletiva no exterior, que as pessoas no Brasil não tinham liberdade. Temendo que algo acontecesse a sua família, Elis negocia com os militares de fazer uma apresentação na olimpíada militar. Tal ato desperta irritação no cartunista Henfil, que publicava tiras e charges no Pasquim. Henfil, que teve seu irmão torturado na ditadura militar, decide publicar na edição do folhetim uma charge (abaixo) de Elis Regina enterrada – simbolizando a morte daquilo que um dia tinha sido uma artista revolucionária.

Figura 6. Tira de Henfil enterra Elis Regina após ela se apresentar na Olimpíada Militar.

Segundo o filme, ao tomar conhecimento da charge, Elis Regina fica irritada com Henfil. Há quem tente acalmá-la dizendo que daqui a um tempo ninguém mais vai se importar com a tira, mas Elis responde dizendo: “eu vou me importar, isso foi publicado no Pasquim, que todo mundo lê”.

Isso demonstra o impacto da publicação e que uma simples tira de jornal repercutiu tremendamente, especialmente considerando o contexto histórico. Cenário contemporâneo

Atualmente, todos os principais jornais de circulação nacional, como O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e O Globo, publicam tirinhas e charges em suas páginas. Um dos mais acessados do país, o portal G1 também publica tirinhas de cartunistas como André Dahmer e Arnaldo Branco na área Pop & Arte de seu site.

Figura 7. Mundinho Animal', de Arnaldo Branco, publicada no G1 em 28 de março de 2016, em meio a inflamadas discussões a respeito do impeachment da então presidente Dilma Rousseff

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1921

Page 5: JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES …nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/... · Desde o início da implantação de tirinhas, sempre houve a preocupação

Figura 8. 'Rei Emir', de André Dahmer, publicada no G1 em 25 de março de 2016.

A tira acima, por ter sido publicada no contexto das discussões sobre o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, que chegou a ser chamado de golpe; é uma crítica à imprensa e consequentemente ao próprio G1, que foi frequentemente acusado de ser um dos apoiadores do golpe.

Já o periódico O Globo costuma trazer, em sua primeira página, charges políticas feitas pelo chargista, caricaturista Chico Caruso, que publica no jornal desde 1984. O espaço privilegiado dedicado às charges feitas por Caruso é considerado incomum e se deve ao fato das charges se alinharem ao posicionamento editorial do jornal.

Figura 9. Charge de Caruso na primeira página d'O Globo é alvo de polêmica e é acusada de incentivar violência ao retratar a então presidente Dilma Rousseff como refém de terrorista do Estado Islâmico.

O exemplo da tira ‘Rei Emir’ no G1 mostra que, embora frequente, nem todos os veículos condicionam a publicação das tiras com o alinhamento do conteúdo com sua linha editorial, assim como também ocorre com as colunas e artigos. A charge de Caruso n’O Globo, no entanto, mostra que ainda há veículos que exigem esse alinhamento ou beneficiam charges que vão ao encontro do posicionamento do jornal sobre o tema. Definindo gêneros jornalísticos

Sempre que a imprensa vai se adaptando a criando novos formatos, os gêneros jornalísticos e midiáticos devem acompanhar a mudança e passar por atualizações, e isso é algo que ocorre não só no jornalismo, mas em outras áreas da comunicação, como a publicidade.

Dentro do jornalismo impresso há seus gêneros textuais como notícias, relatos, reportagens, narrativas, que ainda podem ser divididas em gêneros factuais, ou seja, que não apresentam a opinião de quem os escreve, apenas relata um fato, como é o caso de notícias e reportagens – sendo que esse último possui ainda a característica de ser um gênero

jornalístico interpretativo. A outra metade da divisão são os gêneros opinativos, que inclui os editoriais, cartas aos leitores, colunas, artigos, charges e tiras. Dentro estes dois últimos, a diferença é simples e abrange apenas o formato: enquanto a tirinha é exposta em quadrinhos, na maioria das vezes três quadrinhos dispostos lado a lado, a charge é uma ilustração que não é enquadrada e não necessita de uma continuidade, como é o caso das tirinhas, que trabalham com uma ideia de início – meio – fim.

A primeira divisão por gênero jornalístico ocorreu no começo do século XVIII, quando o jornal Daily Courant dividiu seus conteúdos em notícias e comentários, basicamente uma divisão baseada em informação e opinião. Para Felipe Pena (2005), autor de Teorias do Jornalismo, essa classificação é caracterizada na intenção do autor ao realizar uma função, ou seja, opinar, informar, interpretar ou entreter.

Já para Wellington Pereira (2005), a divisão deveria ser adotada em informativo, interpretativo e opinativo, já que gêneros apresentam contradições entre si. Em seu livro ‘Crônica: a arte do útil e do fútil’, ele diz que as crônicas não só são um gênero opinativo como também interpretativo, já que não precisa estar necessariamente inserida no contexto temporal político, histórico ou social associado à pauta do jornal do dia.

No caso das tirinhas e charges, esse contexto da temporalidade se faz mais presente, mas não é exatamente uma exigência. Em relação aos outros gêneros, a tirinha demonstra ter uma linguagem literária presente tanto na crônica como uma linguagem denunciante e crítica presente no artigo.

Marcos Nicolau (2004) demonstra enfaticamente em sua obra o entendimento das tiras como um gênero jornalístico opinativo do mesmo nível de um editorial. Isso chega a ser reforçado pelo escritor Erico Veríssimo, que na apresentação do primeiro livro do personagem Rango, do cartunista Edgar Vazques, expressa que cada uma das histórias em quadrinho de Vazques vale por um editorial de jornal – “um editorial realista, corajoso e pungente”.

O Manual de Redação do jornal Folha de São Paulo, no entanto, não inclui tiras e charges em suas definições de gênero jornalístico. De acordo com a publicação, “A Folha comporta os seguintes [gêneros]:

1) Análise: contém a interpretação do autor e

é sempre assinada; 2) Artigo: contém a opinião do autor e é

sempre assinada; 3) Editorial: expressa a opinião do jornal e

nunca é assinado; deve ser enfático, equilibrado e informativo, apresentar a questão tratada e desenvolver os argumentos defendidos pelo jornal, ao mesmo tempo em que resume e refuta

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1922

Page 6: JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES …nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/... · Desde o início da implantação de tirinhas, sempre houve a preocupação

os contrários; 4) Crítica: avalia trabalho artístico, acadêmico

ou desempenho esportivo e é sempre assinada; 5) Crônica: aborda assuntos do cotidiano de

maneira mais literária do que jornalística e é sempre assinada.

6) “Feature”: apresenta a notícia em dimensões que vão além de seu caráter factual e imediato, em seu estilo mais criativo e menos formal; pode ser o perfil de um personagem ou história de interesse humano;

7) “Resenha”: faz o resumo crítico de um livro e é sempre assinada;

8) Notícia: relata a informação da maneira mais objetiva possível; raramente é assinada;

9) Reportagem: traz informações mais detalhadas sobre notícias, interpretando os fatos; é assinada quando tem informação exclusiva ou se destaca pelo estilo ou pela análise.”

Uma das possíveis razões da Folha de S.

Paulo para excluir as tiras e charges dessas definições seria a de que nem sempre a tirinha ou a charge precisa estar, necessariamente, em sintonia com a pauta do veículo. Enquanto é comum que as colunas e editorais abordem temas recentes do noticiário, as charges e tiras não tem essa obrigação, embora isso aconteça de forma mais do que frequente.

Nota-se, portanto, que as tiras e charges possuem várias similaridades com diversos dos gêneros citados no Manual da Redação da Folha de S. Paulo, como, por exemplo, a assinatura do autor, presente nos gêneros opinativos; o tom literário da crônica e a informalidade e criatividade do “feature”. Isso demonstra que, segundo os critérios do próprio jornal, as tiras e charges poderiam facilmente ser incluídas no rol de gêneros jornalísticos reconhecidos pelo corpo editorial do diário.

Aqui fica registrado que os manuais de redações de jornais precisam se atentar ao surgimento de novos gêneros jornalístico e atualizar seus conceitos e definições.

A tirinha e a imprensa

Por ser considerada como uma piada curta – de um, dois, três ou até quatro quadrinhos – é compreensível entender porque as tirinhas se consolidaram como parte de um jornal, pois, além de dinâmica, toma pouco tempo do leitor e ocupa pouco espaço no jornal – e espaço no jornal representa dinheiro, já que é uma página a mais que está sendo impressa ou uma página a menos que está sendo destinada para publicidade.

Tirinhas em geral não costumam representar personagens reais e específicos, e sim representações, muitas vezes universais. É por isso que tirinhas como ‘Calvin e Haroldo’ e ‘Charlie Brown’, ambos norte-americanos, e ‘Mafalda’, que é argentina, costumam serem traduzidas para outros idiomas e publicadas em

jornais de outros países: porque os personagens são crianças, e crianças existem em todos os países e culturas – é algo universal. Segundo Jacques Marny em A Sociologia das Histórias em Quadrinhos, as tiras de ‘Charlie Brown’ já foram publicadas em mais novecentos jornais dos Estados Unidos e em mais de cem jornais estrangeiros. Esse sucesso e toda essa reprodução mostra que os leitores se sentem, de alguma forma, representados por aqueles personagens e conseguem se relacionar com as histórias contadas e vividas por eles.

Em diversos casos – como naqueles já citados na abordagem do cenário contemporâneo (4.2) – é possível observar episódios em que cartunista e chargistas usaram seus espaços dentro da imprensa para criticar a própria imprensa e a mídia de um modo geral, isso é outro fator que assemelha as colunas das tirinhas, como é possível ver nos exemplos abaixo, onde a cartunista Laerte Coutinho critica a abordagem e o sensacionalismo dos veículos de comunicação durante a eleição presidencial de 2014 no Brasil.

Na tira de Laerte, a crítica é direcionada

aos repórteres dos canais de televisão, que no entender dele estariam inflando o número de manifestantes presentes nos atos que levaram ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na ilustração é possível ver o repórter entrevistando os fatos e distorcendo o relato para encaixa-lo em outra narrativa confrontante com a realidade, afim de atrair espectadores e retratar as manifestações como um marco histórico da política nacional ao compará-las com os outros atos já registrados nos livros de história, como os atos do movimento Diretas Já.

Já na próxima imagem, publicada na edição do dia 13 de janeiro de 2015 da Folha de São Paulo, Laerte Coutinho publica charge em que critica a capa da revista VEJA que circulou nas bancas a dois dias das eleições presidenciais de 2014. A edição, que trazia em sua capa a afirmação de que o ex-presidente Lula e a então presidente e candidata a reeleição Dilma Rousseff sabiam do esquema de corrupção descoberto na Petrobras. A capa chegou a ser contestada à época pela falta de evidências e pelo caráter sensacionalista.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1923

Page 7: JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES …nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/... · Desde o início da implantação de tirinhas, sempre houve a preocupação

O atentado referido na charge seria os ataques terroristas realizados em novembro de 2015 em Paris, que causou a morte de mais de cento e oitenta pessoas. A crítica do cartunista ironiza que, diante da falta de novidades sobre o caso, os editores da revista decidem ligar Dilma e Lula ao atentado.

Os exemplos mostram que as tirinhas e charges continuam com seus espaços para críticas sociais dentro dos jornais, mesmo que essas críticas sejam direcionadas aos próprios veículos onde são publicadas.

Abaixo, na coluna intitulada “Dona Folha, tá difícil te defender”, o colunista, ator e escritor Gregório Duvivier critica o jornal Folha de São Paulo, que o tem em seu quadro de colunistas semanais.

Na coluna, Duvivier diz que mesmo sendo

um dos colaboradores do jornal, está difícil defender o jornal quando o mesmo publica um editorial pedindo mais repressão aos manifestantes que chega a chamar de “grupelhos

extremistas”. A crítica do colunista ao jornal leva em conta que os protestos citados no editorial ocorreram em São Paulo, um dos estados que tem uma das polícias que mais mata no mundo. Vale ressaltar que quando publicado, o presidente Michel Temer acabara de deixar a vice-presidência da República para assumir a titularidade de chefe do Executivo. Ao concluir o texto, o colunista diz que o jornal cria alarmismo desnecessário ao comparar o protesto de Black blocs aos “fanáticos da violência” que criaram a Alemanha nazista ou aos “extremistas” que levaram ao golpe militar de 64. O último parágrafo do texto diz que “Um jornal é do tamanho dos inimigos dele. Quando a senhora [Folha] pede maior repressão a adolescentes desarmados, se alinha com o mais forte e faz vista grossa para a truculência. Jornalismo, para mim, era o contrário”.

O exemplo acima se assemelha ao modo que como as tiras e charges também criticam a imprensa, e que esse tipo de crítica não está restrito a nenhum dos formatos, seja textual como as colunas ou ilustrativo como charges e tiras. Na televisão, embora seja extremamente mais raro, também há programas que utilizem cartunismo como um recurso jornalístico. O exemplo mais notável é o programa de entrevista Roda Viva, que é produzido e transmitido pela TV Cultura desde 1986. No programa, o entrevistado fica sentado no centro de uma roda, cercado por entrevistadores -- em sua maioria jornalistas -- e também pelo cartunista Paulo Caruso, que acompanha a entrevista enquanto desenha charges sobre o entrevistado. O exemplo chama a atenção porque o chargista – embora não faça perguntas – está sentado ao lado de jornalistas e que, ao fim do programa, haverá um produto jornalístico sendo entregue ao telespectador.

Sinalizado com o círculo vermelho, o cartunista Paulo Caruso acompanha a entrevista ao lado de jornalistas e elabora uma charge.

Paulo Caruso termina charge de Tom Zé.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1924

Page 8: JORNALISMO A DEFESA DAS TIRINHAS E CHARGES …nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/... · Desde o início da implantação de tirinhas, sempre houve a preocupação

O resultado é assinado e mostrado aos telespectadores. Na imagem acima é retratado o entrevistado, neste caso o cantor e compositor Tom Zé. Ele falava sobre o episódio polêmico em que compôs uma canção para a empresa Coca Cola e se viu diante da revolta de fãs que não gostaram de ver o artista, considerado um iconoclasta independente, ligado à empresa multinacional. Conclusão

Conclui-se que diante de todas as razões apresentadas, os gêneros dispostos no tema deste Trabalho de Conclusão de Cursos se enquadram como gêneros jornalísticos. Apresentam similaridades com outros gêneros e estão há décadas sendo publicados em jornais.

O argumento usado por mim é corroborado por publicações de outros autores já citados no decorrer do texto e também na referência bibliográfica (item 9). Agradecimentos

Agradeço imensamente ao professor Luiz Reis, pelo apoio e orientação na elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso. Sem deixar de mencionar e agradecer, desde já, aos professores

Romoaldo de Souza e Ana Seidl pela avaliação deste TCC durante a avaliação na banca.

Por fim, agradeço minha mãe, Rosana Fernandes Neves, pelo constante apoio durante todos os meus anos de vida e especialmente nestes três anos de caminhada pela graduação em Comunicação Social – Jornalismo. Referências bibliográficas MAGALHÃES, Henrique. Humor em pílulas: a força criativa das tiras brasileiras. Marca de Fantasia, 2006. RAMOS, Paulo. Raio-X das Tiras no Brasil. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) NICOLAU, Marcos. Tirinha: a síntese criativa de um gênero jornalístico. Marca de Fantasia, 2004. MENDES, Toninho. Humor Paulistano, a experiência da circo editorial. Editora SESI-SP, 2014. RAMOS, Paulo. Tiras livres: um novo gênero dos quadrinhos. Marca de Fantasia, 2014.

Simpósio de TCC e Seminário de IC , 2016 / 2º 1925