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JOSÉ M. ALEXANDRINO Escritos sobre a Universidade e sobre a Faculdade 2011 Lisboa INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

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JOSÉ M. ALEXANDRINO

Escritos sobre aUniversidade e sobre a

Faculdade

2011

Lisboa

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS

DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Organização de Carla Amado Gomes e Tiago AntunesCom o patrocínio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento

José M. Alexandrino

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

escritossobre

a universidadee sobre afaculdade

20111

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Título: Escritos sobre a Universidade e sobre a Faculdade

Autor: José Melo Alexandrino

Edição:

Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

www.icjp.pt

Novembro de 2011

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Alameda da Universidade

1649-014 Lisboa

E-mail: [email protected]

ISBN: 978-989-97410-8-9

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NOTA PRÉVIA

Nos últimos cinco anos, a Universidade portuguesa foi confrontada com a necessidade de reflectir sobre si própria, quer por força da globalização e do correspondente impulso europeu (de que o “Processo de Bolonha” constitui o elemento mais visível), quer por força da reforma do seu estatuto fundamental (com a aprovação, pela Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior), quer por força da institucionalização dos processos de avaliação da qualidade do ensino (com destaque para o impacto da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior), quer por força da adaptação regulamentar que foi forçada a promover na sequência da reforma do estatuto da carreira docente (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto).

Já no plano interno, as Universidades e as suas estruturas orgânicas, depois da energia despendida na adaptação à reforma, encontram-se hoje antes de mais confrontadas com a necessidade de proceder a uma primeira avaliação das opções tomadas na concretização desse processo: opções estratégicas fundamentais, desenho institucional, racionalidade e eficiência do funcionamento, qualidade e resultados.

Neste contexto, num momento de incomparável expansão do seu quadro de doutores e a dois anos de celebrar o seu Centenário, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa está justamente a repensar a introdução de reformas indispensáveis ao nível do seu perfil de Escola de referência no ensino e na investigação, tal como ao nível da modernização da gestão e da organização interna.

Em todo o caso, um debate não começa normalmente do nada e é sabido como as organizações, a começar certamente pelas universitárias, são por natureza avessas a

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transformações profundas e repentinas. Eis duas razões essenciais que de algum modo justificam a presente publicação.

Seleccionados pelo seu interesse potencial, os textos reunidos nesta obra documentam, antes de mais, vários momentos de um processo de reforma política da universidade e da sua concretização prática. Em segundo lugar, ainda a partir do prisma de um docente universitário institucionalmente interessado, constituem elementos de um debate sobre a Universidade e sobre a Faculdade que se tem desenvolvido ao longo dos últimos cinco anos. Não deixam, por fim, de revelar a complexidade dos processos de mudança no interior das organizações públicas.

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 31 de Maio de 2011José Melo Alexandrino

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PLANO

I ParteSobre a Universidade

1. Algumas notas sobre o projecto de proposta de lei do regime jurídico das instituições do ensino superior

2. Notas sobre a proposta de lei n.º 148/X

3. Algumas notas de carácter geral sobre o Programa Estratégico da Universidade de Lisboa

4. Programa Estratégico da Universidade de Lisboa – duas notas da área de Direito

5. O novo modelo de governo da Universidade

6. O novo Estatuto da Carreira Docente Universitária

II ParteSobre a Faculdade

7. Observações sobre o Processo de Bolonha

8. Racionalização dos procedimentos de concurso

9. Notas ao anteprojecto de estatutos da Faculdade

10. Princípios orientadores dos mestrados

11. A invalidade do artigo 9.º-A do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados

12. Proposta de alteração aos estatutos da Faculdade de Direito de Lisboa

13. E statutos da Faculdade: presente e futuro

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I PARTE

Sobre a Universidade

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§ 1. ALGUMAS NOTAS SOBRE O PROJECTO DE PROPOSTA DE LEI DE

REGIME JURÍDICO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR

O projecto de proposta de lei de regime jurídico das instituições de ensino superior (com a referência “Documento de trabalho 05”) constitui uma versão corrigida do projecto aprovado na generalidade, para consultas, em 5 de Maio de 2007, pelo Conselho de Ministros.

Cingiremos estas breves notas às soluções e disposições relativas ao ensino superior público, com destaque para o capítulo III do Título III (órgãos de governo e gestão). Por seu lado, devido à natureza de certo modo inacabada do projecto (v. infra, n.º 1), salvo uma ou outra excepção, não se descerá a uma apreciação na especialidade.

1. Questões formais

Começando por uma sintética apreciação formal, salta à vista o facto de se estar perante um documento de trabalho. São disso clara manifestação os artigos incompletos e repetidos, certas formulações e sobretudo a circunstância de em menos de dez dias o projecto ter sofrido um número tão considerável de alterações (o que indicia, pelo menos, uma relevante não-fixação do texto do diploma). Parece-nos, aliás, que uma futura lei, com o âmbito que a esta se pretende atribuir, pode perfeitamente ter menos um terço dos artigos.

Exemplo de precariedade – mas, no caso, também de debilidade de fundo – é o disposto no artigo 150.º (contra-ordenações): não só as coimas devem ser significativamente agravadas (entre 10 e 50 vezes, pelo menos), como muitas das

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infracções deveriam ser melhor articuladas com procedimentos sancionatórios de outra natureza e com outros mecanismos (por exemplo, de avaliação e acreditação).

2. Questões de fundo

Um dos objectivos declarados deste projecto traduz-se no reconhecimento da diversidade de estatuto legal das instituições, sendo que se remete para os estatutos de cada universidade a definição do regime de autonomia das unidades orgânicas (artigo 64.º, n.º 2, alínea d)).

2.1. Dificilmente aceitável é, no entanto, a possibilidade de a separação e autonomização institucional de uma unidade orgânica poder ser aprovada apenas por maioria absoluta dos membros do conselho geral (artigo 119.º, n.os 1 e 2), sem qualquer audição das demais unidades orgânicas e sem necessidade de analisar as implicações dessa transformação junto destas últimas (artigo 119.º, n.º 3).

2.2. O projecto procura, em seguida, dar resposta a problemas centrais do governo e da gestão dos estabelecimentos de ensino superior, substituindo, nas universidades, a assembleia da universidade e o senado por um conselho geral e, nas unidades orgânicas, a assembleia de representantes e o conselho directivo por um conselho geral e um director.

Face às conhecidas debilidades do quadro vigente (nomeadamente quanto à autenticidade dos processos de participação, à competitividade eleitoral e responsabilização e quanto a preocupações com a boa gestão e a eficiência), as soluções desenhadas no projecto podem representar um franco progresso.

Hoje em dia, de resto, perante o efectivo apagamento da assembleia de representantes, os estabelecimentos já são governados essencialmente por dois órgãos: o (presidente do) conselho directivo e o conselho científico.

Ora no projecto, se é visível um certo estrangulamento do estatuto do conselho científico, por outro lado, é também evidente que através do conselho geral (integrado na sua maioria por doutores) há por assim dizer um desdobramento institucional e um

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significativo reforço do peso efectivo (dos membros) do anterior órgão científico (por exemplo, na designação e na destituição do director).

2.3. Há, no entanto, entre outros, alguns reparos de fundo a fazer às soluções do projecto em matéria do governo das universidades (e das respectivas unidades orgânicas).

Um desses reparos tem a ver com a composição do conselho geral. O projecto pretende impor que as personalidades externas representem mais de 30% dos membros do conselho geral. É exagerado.

Simultaneamente, exigir-se-ia uma garantia legal da representação de todas as unidades orgânicas no conselho geral (como justa imposição da autonomia, da participação e da responsabilização).

Um outro reparo tem enfim a ver com o estatuto do director e do reitor. Segundo o projecto, o reitor só pode ser destituído por maioria de quatro quintos dos membros do conselho geral (artigo 87.º, n.º 1). Trata-se de solução claramente discrepante do regime actualmente em vigor (nos termos do artigo 22.º da Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro, a assembleia da universidade pode destituir o reitor por maioria de dois terços dos seus membros efectivos) e que além disso contradiz a ideia de maior responsabilidade que se pretendeu emprestar a todo o novo regime. Na prática, a solução do projecto é a de que o reitor afinal não responde perante nenhum órgão.

2.4. Relativamente ao conselho pedagógico, há duas chamadas de atenção a fazer: o facto de ser o único órgão a garantir a paridade entre representantes do corpo docente e dos estudantes, limitação que é de saudar, e o relevo da competência que lhe é atribuída para a aprovação do regulamento de avaliação.

Lisboa, 23 de Maio de 2007.

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§ 2.NOTAS SOBRE A PROPOSTA DE LEI N.º 148/X ∗

O Conselho de Ministros aprovou em 14 de Junho de 2007 (no que traduz a 3.ª versão vinda a público dessa iniciativa legislativa) a proposta de lei de regime jurídico das instituições de ensino superior (proposta de lei n.º 148/X).Tendo como pano de fundo a perspectiva já assumida pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa1, centraremos estas notas nas soluções relativas ao ensino superior público, com destaque para a matéria dos órgãos de governo e gestão, sem no entanto deixar de considerar a forma e o sentido geral das alterações introduzidas pela proposta de lei na 2.ª versão do projecto de proposta de lei (com a referência “Documento de trabalho 05”).

1. Questões formais e sentido geral das alterações introduzidas

1.1. Começando pela apreciação formal, confirma-se inteiramente o que anteriormente foi dito sobre o carácter inacabado da precedente versão do projecto. Se da 1.ª para a 2.ª versão o projecto tinha sofrido dezenas e dezenas de alterações (ainda que algumas fossem de ordem sistemática), da 2.ª para a 3.ª as alterações são da ordem das centenas. Na verdade, além dos 27 artigos aditados (os novos artigos 12.º,

* Texto apresentado ao Presidente do Conselho Científico da Faculdade, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, e posteriormente distribuído numa das várias reuniões Plenárias do Conselho Científico então agendadas para o efeito da discussão da reforma legislativa em causa.

1 Onde contamos os dois artigos publicados pelo Senhor Professor Doutor Jorge Miranda no jornal Público, em 31 de Maio de 2007 e 15 de Junho de 2007.

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22.º, 43.º, 48.º, 65.º, 98.º, 99.º, 112.º, 114.º, 117.º, 120.º, 121.º, 124.º, 125.º, 126.º, 133.º, 135.º, 137.º, 151.º, 165.º, 168.º, 169.º, 173.º, 177.º, 178.º e 181.º) e dos artigos eliminados (como os precedentes artigos 19.º, 56.º, 73.º, 105.º e 110.º), considerados os números e as alíneas, foram introduzidas no diploma em análise mais de trezentas alterações.

1.2. Ora, quando se supunha como desejável a redução do número de artigos, a proposta de lei veio a ficar com 184 artigos, contra os 163 do anterior projecto.

1.3. Foram naturalmente refeitos os artigos incompletos (veja-se o novo artigo 164.º), suprimidos os artigos repetidos (era o caso do anterior artigo 73.º) e afastado o carácter precário de certas disposições (como notámos ser o caso de todo o regime contra-ordenacional).

1.4. A maioria das alterações incide sobre aspectos de legística formal. Entre algumas novidades estilísticas deve contar-se a substituição da expressão “unidades orgânicas de ensino” por “escolas” (segundo o critério estabelecido no novo artigo 13.º, n.º 1, alínea a)).

1.5. Curiosamente, mesmo em aspectos formais, poucas são as alterações introduzidas a respeito das instituições de ensino superior privadas (vejam-se, por exemplo, os artigos 138.º e seguintes).

1.6. Na fronteira entre os aspectos formais e os substantivos, entre outras alterações, foram eliminadas diversas referências avulsas anteriores ao Conselho Coordenador do Ensino Superior (nos precedentes artigos 30.º, n.º 3, 52.º, n.º 1, e 62.º, n.º 3), tendo ficado apenas duas menções (nos novos artigos 13.º, n.º 6, e 152.º, n.º 1).

1.7. No entanto, num número considerável de preceitos, são introduzidas alterações substantivas ou com implicações substantivas. É isso, a nosso ver, o que sucede designadamente com as soluções previstas nos seguintes artigos: 11.º, n.º 1, 12.º, 15.º, n.os 1 e 2, 31.º, n.os 1 e 2, 42.º, 47.º, n.os 1 e 2, 48.º, 50.º, 51.º, 59.º, 61.º, n.º 2, alínea a), 65.º, 77.º, n.º 2, 80.º, n.º 2, 81.º, n.os 5 e 8, 82.º, n.º 1, alínea a), 83.º, n.º 2, 86.º, n.º 2,

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88.º, n.º 2, 89.º, 92.º, n.os 3 e 4, 95.º, n.º 2, 97.º, 98.º, 100.º, 102.º, n.º 1, alínea b), 103.º, n.os 1 e 2, 106.º, n.º 5 (e, bem assim, com a supressão do anterior n.º 4 do artigo 102.º), 120.º a 122.º, 126.º, 129.º, n.º 3, 131.º, 133.º, 135.º, 151.º, 164.º, 165.º, 166.º, n.º 1, 173.º, 177.º e 183.º, n.º 1.

2. Questões de fundo

Já quanto às questões de fundo (alterações substantivas) a considerar nesta sede, elas são de dois tipos: por um lado, muitas das alterações visam atender às críticas apresentadas, designadamente pela Faculdade de Direito de Lisboa2; por outro, certas alterações correspondem a um agravamento das soluções anteriores.

2.1. Dentro do primeiro grupo de alterações, devem considerar-se, em especial, as seguintes:

1) Um marcado reforço no reconhecimento da diversidade de estatuto legal das instituições (v.g., artigos 11.º, n.º 1, 12.º, 65.º, 97.º), com uma franca flexibilização da estrutura dos órgãos das unidades orgânicas, que, pelo menos teoricamente, deixam de ser obrigadas a adoptar a mesma estrutura de órgãos das instituições a que pertencem (artigo 97.º), com possibilidade de diferente redistribuição das competências nos estatutos (artigo 92.º, n.º 3) e com um alargamento da margem de delegação de competências por parte do reitor (artigo 92.º, n.º 4);

2) A previsão da garantia da participação de todas as unidades orgânicas na gestão da universidade, através da possibilidade de criação de um Senado Académico (artigo 77.º, n.º 2);

3) O reforço da possibilidade de criação de outros órgãos com competências próprias no âmbito científico (artigo 80.º, n.º 2, in fine), onde se julga poder figurar um Conselho Científico Plenário, órgão ao qual, a nosso ver, pode passar a caber, por exemplo, a eleição do presidente do Conselho Científico (artigo 102.º, n.º 8);

2 Outras atendem, por exemplo, a exigências feitas pelas estruturas sindicais.12

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4) O inequívoco reforço das competências do Conselho Científico (artigo 103.º), que passa a deliberar sobre a distribuição do serviço docente;

5) A restrição das competências do director (artigo 100.º) e do presidente do Conselho Geral (artigo 83.º, n.º 2);

6) A previsão da destituição do reitor por maioria de dois terços dos membros do Conselho Geral (artigo 89.º) – e já não de quatro quintos, como na versão anterior (artigo 87.º)3.

2.2. Dentro do segundo grupo de alterações (as que representam um agravamento das soluções anteriores), destacamos três:

(i) A atribuição ao conselho de gestão da competência para aprovar as propinas (artigo 95.º, n.º 2);

(ii) A maioria para a aprovação da mudança institucional das unidades orgânicas (artigo 129.º, n.º 3);

(iii) O novo artigo sobre a “passagem ao regime fundacional” (artigo 177.º), que permite que a transformação de uma instituição ou de unidade orgânica possa, feitas as contas, ser decidida, no prazo de três meses, por uma parcela diminuta dos representantes da instituição ou da unidade orgânica.

Lisboa, 20 de Junho de 2007

3 Na versão de 4 de Maio de 2007 (1.ª versão), aprovada em 5 de Maio, a maioria era de dois terços (artigo 78.º).

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§ 3.ALGUMAS NOTAS DE CARÁCTER GERAL SOBRE O

PROGRAMA ESTRATÉGICO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA *

Introdução

Na sequência da divulgação, em finais de Janeiro de 2008, das linhas gerais do “Programa Estratégico da Universidade de Lisboa” (abreviadamente, PEUL), aprovadas para debate público pela Assembleia Estatutária em 23 de Janeiro, texto que se seguiu a um outro, de inícios de Janeiro, designado “Programa Estratégico” (abreviadamente, PE), pretendo aqui sumariar um conjunto de observações de recorte geral.

Se a reforma do ensino superior, encetada em 2007, com a aprovação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (abreviadamente, RJIES), abriu uma oportunidade que, segundo penso, não pode ser desaproveitada, a apresentação de um Programa Estratégico pela Universidade de Lisboa deve ser vivamente saudada.

Ainda que centrado nos aspectos de ordem substantiva presentes nesses documentos estratégicos, começarei pelos aspectos formais, avançando depois para os substantivos e concluindo com a apresentação de algumas sugestões de redacção. A atenção estará, como é natural, fixada no que considero serem os pontos críticos.

1. Reparos de ordem formal

1.1. A primeira observação a fazer respeita à designação do próprio Programa

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Estratégico: tal como decorre expressamente dos textos em presença (PE, pág. 6; PEUL, n.º 3), trata-se de documentos “de orientação”, de “linhas gerais, provisórias”, “de suporte às audições e debates”. Sendo assim, talvez essa condição se devesse reflectir na própria designação, chamando-lhe, por exemplo, “Programa estratégico de referência”.

O problema está longe de ter mera relevância formal: por um lado, a configuração das decisões estratégicas deve ser deixada aos órgãos que vierem a ser eleitos após a aprovação dos novos estatutos; por outro, se, na elaboração dos estatutos, tem toda a razão de ser tomar como ponto de partida um determinado quadro de referência estratégico (exigência implicitamente decorrente da lei, quando a mesma impõe, no artigo 173.º, n.º 2, às instituições um dever de racionalização das suas unidades orgânicas), não pode, de modo algum, através dessa via, coarctar-se a liberdade de decisão da Assembleia Estatutária nem, tão-pouco, perturbar ou inverter o sentido da função essencial tanto do momento constituinte como do momento subsequente.

1.2. Uma segunda nota formal respeita à designação dada ao capítulo 3 do PEUL (“Recomposição institucional em cinco áreas estratégicas”). Por um lado, só numa parte é que se pode falar em recomposição institucional, uma vez que o consórcio a estabelecer com o Instituto Politécnico de Lisboa (IPL) não modifica o perfil institucional, dado que com ele não é afectada a natureza das duas instituições. Por outro, como se verá de seguida, há boas razões contra a expressão “estratégicas”, quando referida às áreas a criar. Também aqui, uma sugestão seria, por exemplo, a de dizer “Recomposição em cinco áreas”4.

1.3. Também parecia melhor a designação “reforma pedagógica” (PE, pág. 20) do que “reforma dos estudos” (agora presente na epígrafe do capítulo 5 do PEUL): na verdade, o que está em causa é uma reconfiguração do sistema de ensino e de aprendizagem, apostando em mecanismos que visam a melhoria da qualidade do ensino,

4 Deve, além disso, notar-se a variedade de designações presente nos vários planos estratégicos apresentados por cada uma das áreas (aí ditas) temáticas: o de Artes e Humanidades fala em “área” e “área estratégica”; o de Ciências da Saúde fala normalmente em “área”, mas também em “escola”; o de Ciências e Tecnologia fala em “área”; o de Ciências Sociais fala em “área de coordenação estratégica”; o de Direito, Administração e Economia abdica de qualquer referência desse tipo.

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um melhor nível de aproveitamento e um melhor ambiente escolar.

2. Reparos de ordem substantiva

Centrarei as observações de natureza substantiva em três domínios: (i) orientações principais do Programa Estratégico; (ii) perfil, natureza e funções das áreas [estratégicas]; (iii) conteúdo do programa relativamente à reconfiguração do enquadramento pedagógico (dito, no PEUL, “Reforma dos estudos”).

2.1. Inicialmente (no PE, pág. 8), apareciam como sendo as duas ambições centrais para a próxima década “a internacionalização da Universidade de Lisboa e o reforço do seu papel na sociedade portuguesa”; dizia-se ainda que “o novo modelo de organização” assenta em cinco orientações principais. Agora (no PEUL, n.º 13), as mesmas cinco orientações principais surgem não como bases do modelo de organização, mas como as bases do próprio Programa Estratégico.

Mais uma vez, julgo que a boa via era a da versão inicial. De outra forma não se compreenderiam omissões tão importantes como a da referência àquelas duas ambições (internacionalização e papel na sociedade) ou como as das apostas na qualidade e na excelência (nos planos pedagógico, científico e de investigação) e no incremento de um elevado padrão de eficácia e eficiência (no plano organizativo).

2.2. O problema nevrálgico de todo o Programa Estratégico – o mesmo não se poderá dizer dos futuros estatutos, como veremos – passa pelo esclarecimento a fazer acerca do perfil, da natureza e das funções a cometer às cinco áreas [estratégicas].

Procuraremos esse esclarecimento olhando as indicações presentes na lei, no PEUL, nos vários planos estratégicos de cada uma das áreas e ainda em soluções de outros sistemas.

2.2.1. Começando pelos planos estratégicos sectoriais, podem os mesmos ser ordenados em dois grupos distintos: (1) o dos que pretendem uma “integração

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forte” (área das Ciências da Saúde e área da Ciência e Tecnologia), elevando mesmo as áreas ao estatuto de unidade orgânica (avançando inclusivamente com órgãos próprios); e (2) o dos que concebem as áreas como estruturas de “integração fraca” (em geral, ainda que com nuances, as demais).

Na verdade, no plano estratégico apresentado pela área das Ciências da Saúde, propõe-se, inicialmente, constituir uma “rede de cooperação entre diferentes instituições”; mais adiante, fala-se da constituição de uma “entidade agregadora e potenciadora do funcionamento articulado das instituições constituintes”; no final, no esquema de “Governance”, surge-nos um Conselho Superior, dotado de vastas competências, presidido por um presidente com estatuto de Vice-Reitor. Na proposta de organização apresentada pela (e para a) área da Ciência e Tecnologia, o modelo institucional assenta na figura de uma “Escola de Ciências e Tecnologia”, integrando institutos de investigação e outras unidades e “em consórcio com” ISEL, ISCTE, LNEG e (outras Escolas).

Por sua vez, o PEUL, ao definir as funções dessas áreas (vejam-se os respectivos n.os 25 a 34), parece desenhá-las como “espaços de coordenação do trabalho universitário”, como “organizational structures”; no entanto, no final, também ele atribui consideráveis poderes ao órgão colegial de coordenação dessas áreas (PEUL, n.º 82), poderes dificilmente compatíveis com um perfil de mera estrutura de coordenação e mais próximos dos de uma verdadeira unidade orgânica.

2.2.2. Perante estes dados, há que reconhecer que estas diversas hipóteses não são entre si e no seu conjunto conciliáveis, nomeadamente com as soluções da lei.

Em primeiro lugar, estas estruturas (as áreas) não podem ter um poder de decisão estratégica. Por diversas razões: porque tal constitui matéria reservada ao Conselho Geral de cada instituição; porque, consequentemente, não havendo fusão entre a Universidade de Lisboa e o IPL, as decisões estratégicas sobre as escolas e unidades do IPL não podem deixar de ser tomadas pelo Conselho Geral desse Instituto Politécnico; enfim, porque a lei delimita o consórcio apenas à

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“coordenação da oferta formativa e dos recursos humanos e materiais” (artigo 17.º, n.º 1, do RJIES)5.

Em segundo lugar, a menos que tal corresponda a uma operação de fusão de anteriores escolas ou unidades orgânicas da Universidade de Lisboa (não havendo, com efeito, nenhum obstáculo à fusão numa grande Escola de Ciências da Saúde das várias Faculdades existentes nessa área), as áreas de que fala o Programa Estratégico não podem, nos termos aí previstos, vir a constituir unidades orgânicas. Porquê?

Em parte, pelas razões agora acabadas de indicar, em especial pelo facto de o RJIES não permitir a constituição de uma unidade orgânica com órgãos e competências que se projectam simultaneamente em subestruturas de uma universidade e de um politécnico. Essa hipótese é não só contrária ao espírito da lei (que dá corpo a um assumido sistema binário), como ao sentido e alcance de inúmeras disposições, como é o caso dos artigos 14.º, n.º 3, 16.º, n.º 1, 27.º, n.º 1, 40.º, alínea c), 70.º, n.º 1, etc., do RJIES. Em todo o caso, ainda que pudesse constituir uma unidade orgânica (por exemplo, uma escola), a mesma não poderia ser presidida pelo Vice-Reitor, porque a isso se oporia o disposto no artigo 97.º do RJIES (que define os requisitos mínimos a que tem de obedecer a estrutura dos órgãos das unidades orgânicas) e, à revelia do que certamente se pretende, a haver um órgão colegial de coordenação, o mesmo teria de incluir representantes dos estudantes (artigo 97.º, alínea b), v), do RJIES).

Em terceiro lugar, não serve o exemplo de outros sistemas, como, por exemplo, poderia eventualmente ser o da University of Oxford: (1.º) porque, nesse caso, as Divisions agregam subestruturas da mesma universidade; (2.º) porque elas não constituem unidades orgânicas, mas sim uma extensão funcional dos serviços da Reitoria (gerindo sobretudo o planeamento e finanças dessas quatro áreas académicas); e (3.º) porque, além do mais, o estatuto dessas instituições está altamente estabilizado (estabilidade que, em certos domínios, se mede em

5 Neste ponto, a solução nem sequer difere da que seria aplicável às unidades de institutos politécnicos integradas excepcionalmente numa universidade, ao abrigo do artigo 13.º, n.º 6, do RJIES (como se pretende fazer com a Escola Superior de Enfermagem de Lisboa).

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séculos), sem prejuízo da grande diversidade estatutária de cada uma das escolas, faculdades e institutos.

2.2.3. Por onde deve passar então a solução?Se nelas se pretender integrar as unidades orgânicas do IPL, as áreas devem

constituir estruturas de coordenação – nessa medida, tanto podem ser vistas como uma extensão dos serviços e dos poderes funcionais da Reitoria (há então razão para que sejam dirigidas pelo Vice-Reitor), como manifestação de devolução de tarefas por parte das unidades orgânicas (fazendo então sentido a existência de um Conselho Coordenador).

Quais deveriam ser, nesse quadro, as suas funções? Por exemplo, as seguintes (com isto propondo a substituição do texto dos

n.os 29 e 82, bem como a correspondente reformulação dos n.os 30 a 34 do PEUL):

– Estimular a cooperação entre as instituições e entre as unidades orgânicas, em especial no que respeita à gestão eficiente dos recursos;

– Enquadrar devidamente a oferta formativa, no seio da área e do consórcio;

– Facilitar a mobilidade e o percurso académico dos alunos;– Favorecer a circulação e o tratamento da informação no seio da área;– Propor e acompanhar o desenvolvimento de programas de âmbito

interdisciplinar;– Propor a celebração de protocolos e consórcios com outras entidades,

públicas ou privadas.

2.3. Uma nota merece ainda o conteúdo da rubrica “Reforma dos estudos”. Francamente, julgamos faltarem aí referências à política de admissões, à dimensão das turmas, ao acompanhamento (tutoria) dos alunos, à disponibilização de materiais de estudo, a mudanças a introduzir, enfim, no tipo de ensino ministrado.

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3. Algumas sugestões de redacção

Além das que já foram referidas, apresentam-se ainda algumas propostas concretas de redacção:

– Substituir toda a primeira parte do n.º 4 por: “Inspirados no quadro de referência definido no Programa Estratégico, os Estatutos (...)”

– No início do n.º 13, substituir “Programa Estratégico” por “modelo de organização”;

– No início dos n.os 19 a 22, substituir “coordena” (e “promove o desenvolvimento”) por “integra”;

– Entre o n.º 24 e o 25, substituir “Funções das áreas estratégicas” por “Perfil e funções das áreas”;

– Substituir o início do n.º 29 pelo seguinte: “Cada área será presidida por um Vice-Reitor (...)”.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2008

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§ 4. PROGRAMA ESTRATÉGICO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA:

DUAS NOTAS DA ÁREA DE DIREITO *

No seguimento da divulgação das linhas gerais do “Programa Estratégico da Universidade de Lisboa” (abreviadamente, PEUL), aprovadas para debate público pela Assembleia Estatutária em 23 de Janeiro, pretendo aqui apresentar duas notas, perspectivadas pelo prisma da área do Direito, Administração e Economia.

Para o efeito, parte-se do pressuposto de que as “áreas estratégicas” mencionadas no PEUL constituem “estruturas de coordenação” (entendidas como extensão dos poderes reitorais e como devolução de tarefas por parte das unidades orgânicas) e de que, por não serem verdadeiras unidades orgânicas, as funções dessas áreas devem centrar-se na cooperação/coordenação e no enquadramento da oferta formativa disponibilizada pelas diversas entidades integrantes.

Dito isto, prendem-se as duas notas com (i) a hipótese de fusão da área de Ciências Sociais com a de Direito, Administração e Economia e com (ii) a necessidade de considerar as especificidades dos modelos institucionais de funcionamento da investigação.

1. A área de Direito e Ciências Sociais: uma fusão a considerar?

Não se colocando, segundo o pressuposto há pouco referido, o problema da instituição das áreas como macro-escolas ou como macro-unidades orgânicas, talvez possa ser repensado o esquema de cinco áreas.

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Listemos algumas das razões que podem depor no sentido da hipótese de reunião numa única área (de Direito e Ciências Sociais) das duas áreas de Ciências Sociais e de Direito, Administração e Economia:

(i) Uma primeira tem a ver com o desequilíbrio que se detecta entre as cinco áreas, no que se refere, por exemplo, ao número de doutores, de tal modo que, mesmo com a fusão das duas áreas de Ciências Sociais e de Direito, Administração e Economia ainda se obteria um número claramente inferior à média de doutores das demais três áreas;

(ii) Uma outra deriva da antecedente e prende-se com a debilidade da estrutura de investigação acreditada na FCT, na área de Direito, Administração e Economia, problema para o qual tem de ser perspectivada uma solução aceitável, para o bom desenvolvimento dessa área e para o equilíbrio global dentro da Universidade de Lisboa (v. infra, n.º 2);

(iii) É relativamente claro, por outro lado, que a área de Direito, Administração e Economia traduz uma realidade puramente potencial (pelo menos, do ponto de vista dos cursos de 1.º ciclo ministrados actualmente na Universidade de Lisboa); seria talvez melhor deixar em aberto o desenvolvimento desses núcleos (Administração e Economia), a promover de forma gradual (e eventualmente até com recurso a consórcios com outras instituições); por esse lado, a designação da área (Direito e Ciências Sociais) não impede o devido enquadramento desses futuros núcleos;

(iv) Deve ainda notar-se a dupla complementaridade existente entre os dois centros motores da nova área: a Faculdade de Direito tem uma dominante no 1.º ciclo, o Instituto de Ciências Sociais no 2.º e 3.º ciclos; o Direito é uma Ciência Social cada vez mais interdisciplinar, as Ciências Sociais não podem dispensar a Ciência do Direito;

(v) Por último, se observado um dos modelos que serviu de inspiração às áreas (as Divisions da “University of Oxford”), observa-se que é na Divisão das Social Sciences que estão integrados, entre outros: os departamentos de Economia, de Sociologia, de Política social e trabalho social, de

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Desenvolvimento internacional e a Faculdade de Direito (por sinal, a única faculdade que integra essa divisão).

2. As especificidades das estruturas de investigação

Um dos aspectos que importa talvez considerar em perspectiva menos uniformizadora é o do desenvolvimento da investigação científica. Pelo menos, no curto e no médio prazo.

A esse respeito, sem prejuízo de acolhimento que me merecem em geral as linhas desenhadas no capítulo 4 do PEUL, há um conjunto de aspectos em falta, cuja omissão poderia ser colmatada.

2.1. Basta observar os dados presentes no n.º 39 do PEUL para verificar o total desequilíbrio na afectação do financiamento de I & D na Universidade de Lisboa. Os números impressionam. Ora a estratégia de reforço da investigação científica deve, a meu ver, partir dos constrangimentos existentes e sobretudo ter em conta a especificidade de cada uma das áreas ou mesmo a especificidade de uma escola. Exige-se, nesses casos, um programa tendo em vista a transformação progressiva das tradições e dos esquemas de investigação predominantes.

2.2. Consequentemente, deve ser avaliado pela instituição o peso efectivo da investigação realizada, ainda que a mesma seja produzida individualmente ou por estruturas não acreditadas, de modo a que (1) possam ser definidas formas de compensação que afastem distorções injustas e a que, num segundo momento, (2) possam ser postos em marcha os supramencionados programas de adaptação.

2.3. A este respeito, poderá ainda ser referido que a variedade de unidades orgânicas deve igualmente dar lugar a uma variedade de modelos de escola, também neste domínio. Aliás, a própria integração nas áreas da Universidade deveria poder

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conhecer intensidades variáveis, segundo o perfil, as dinâmicas e a vontade de cada uma das unidades orgânicas.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2008

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§ 5.O NOVO MODELO DE GOVERNO DA UNIVERSIDADE ∗

Começo por saudar a realização destes Estados Gerais e por agradecer o amável convite que, em nome da Associação Académica da Universidade de Lisboa, me foi dirigido pelo Dr. André Caldas, a quem cumprimento cordialmente, cumprimentos evidentemente extensíveis ao Senhor Vice-Presidente do Conselho Geral da Universidade de Lisboa, Dr. Paulo Teixeira Pinto. Só poderia de facto agradecer a oportunidade de poder partilhar, junto de um público tão especialmente interessado, um conjunto despretensioso de reflexões sobre as transformações do quadro institucional da universidade em Portugal.

Tendo presente o perfil deste encontro e a qualidade dos destinatários deste painel, penso que não teria muito sentido descer a uma análise jurídica do sistema de governo da Universidade. Tão-pouco me parece ser ocasião para reflectir sobre o contexto em que nos movemos, que é um contexto não só de múltiplas e penosas reformas legais, mas sobretudo um contexto de mercantilização (e instrumentalização) da Universidade, de abismo orçamental1 e – atrevo-me a dizer! – de degradação

* Tópicos da intervenção proferida no painel “O novo modelo de governo da Universidade”, integrado nos “Estados Gerais da Associação Académica da Universidade de Lisboa”, organizados pela Associação Académica da Universidade de Lisboa, em 1, 2 e 3 de Outubro de 2010, na Reitoria da Universidade de Lisboa.

1 A prática de cortes cegos no financiamento das Universidades iniciada em 2007 tem sofrido agravamentos reiterados, agravamentos esses que, em 2010 e 2011, atingirão o limite do impraticável,

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induzida pelo Processo de Bolonha, na forma como o mesmo foi implementado entre nós.

Em breves tópicos, começarei por isso por dar nota de alguns dos momentos marcantes da reforma do modelo de governo da universidade, sobretudo nos dois anos de 2007 e 2008, passando em seguida a assinalar as principais modificações introduzidas pelo Regime Jurídico das Instituições do ensino Superior (abreviadamente, RJIES)2, terminando com algumas notas pessoais.

1. As etapas de um processo de reforma

Foi durante o período que precedeu a aprovação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, de que se conheceram sucessivos anteprojectos (entre 5 de Maio de 20073 e 16 de Junho de 20074), que mais vivo e interessante esteve o debate sobre a reforma do modelo de governo da Universidade, podendo situar aí a primeira de uma série de oito etapas.

(1.ª etapa) Em Maio, Junho e Julho de 2007, cingindo-me apenas a opiniões expressas por membros da nossa Universidade (e colhidas junto de um único jornal)5, vozes como as do Professor Jorge Miranda denunciaram a concentração de competências, a perda de representatividade das unidades orgânicas, o excesso de pessoas externas em detrimento dos estudantes e a subversão da autonomia universitária6; mais tarde, o mesmo Professor viria a realçar, no 2.º anteprojecto, o

tendo em atenção a estrutura da despesa e da receita e o contexto de recessão económica.2 Aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro.3 Data da aprovação pelo Conselho de Ministros, na generalidade, de um borrão de anteprojecto

“para consultas”, ao qual se seguiu, em meados desse mês de Maio, o “Documento de trabalho 05” (versão corrigida mas ainda precária daquele primeiro texto).

4 Data da aprovação da proposta de lei n.º 148/X pelo Conselho de Ministros.5 Na realidade, o debate sobre esta reforma legislativa envolveu todos os sectores e agentes que se

cruzam com a vida da universidade, tendo dado lugar a dezenas e dezenas de debates e tomadas de posição, quer pelas instituições universitárias, escolas e órgãos, quer pelos professores e sindicatos, quer pelos estudantes e suas organizações representativas, quer pelos partidos políticos, quer ainda pela opinião pública em geral.

6 Público, 15 de Maio de 2007, p. 4526

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domínio desses aspectos negativos, nomeadamente a subversão “da ideia de universidade como comunidade de pessoas”7 8, sustentando, perante o texto da proposta de lei, que “a liberdade de aprender e de ensinar e a participação activa de professores, estudantes e funcionários nos órgãos de gestão [estavam] ameaçadas”9; já para o Reitor da Universidade de Lisboa, era falsa a ideia de que a participação fosse um empecilho à modernização, reclamando para os reitores a legitimidade que sempre tinham tido ao longo dos séculos10; Vasco Pulido Valente, por sua vez, apontou o dedo à redução da universidade “a um mero fornecedor de mão-de-obra qualificada”11. Enfim, as citações poderiam acumular-se12.

Por seu lado, em geral e fora da Universidade de Lisboa, não foram muitas as vozes daqueles que aplaudiram a reforma, podendo, no entanto, citar-se os nomes de João Caupers, na Universidade Nova de Lisboa13, e de Vital Moreira, na Universidade de Coimbra14.

(2.ª etapa) A discussão e votação da lei tiveram lugar num tempo recorde (entre 28 de Junho e 19 de Julho), vindo a merecer na votação final global os votos contrários de todos os partidos da oposição, não obstante a abertura revelada pelo PSD na discussão e votação na generalidade.

(3.ª etapa) Uma vez publicada a lei (em 10 de Setembro de 2007), no seio da Universidade de Lisboa, o debate passou em especial pela apresentação de um

7 Público, 31 de Maio de 2007, p. 47.8 Num documento apresentado em 18 de Maio de 2007, escrevia ainda o Professor Jorge Miranda

que [o anteprojecto introduzia uma] “modificação radical do sistema de governo das instituições públicas e das unidades orgânicas, com grande redução do número de órgãos e dos respectivos titulares, alteração da representatividade dos corpos académicos, centralização e concentração de poder”.

9 Público, 22 de Junho de 2007, p. 8.10 Público, 28 de Junho de 2007, p. 43.11 Público, 1 de Julho de 2007, p. 46.12 Foi também nesse período mais aceso do debate (no lapso de tempo entre a apresentação da

proposta de lei e a sua discussão e aprovação pela Assembleia da República) que a Universidade de Lisboa lançou a “Convenção da Universidade de Lisboa” (cfr. Alameda de Futuros – Estratégia e Estatutos da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2008, p. 4).

13 João Caupers, Memorando apresentado ao Magnífico Reitor da UNL, 17 de Maio de 2007.14 Público, 12 de Maio de 2007.

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“Programa Estratégico”, cuja discussão teve efectivamente lugar nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2008 e de cujo referencial resultaram alguns dos eixos da mudança, quer no plano das prioridades de fundo (como o reforço da centralidade da investigação, a internacionalização e a necessidade de reestruturação pedagógica), quer no da reorganização interna da Universidade (indo aí o destaque para a ideia de áreas estratégicas)15.

(4.ª etapa) Partindo da reflexão antecedente, a Assembleia Estatutária procurou dar expressão a três princípios essenciais que retirou do novo regime jurídico: uma direcção coesa; a participação da comunidade universitária; e o reforço da coordenação estratégica. Em especial, no que respeita ao redesenho do modelo de governo da Instituição, além da criação de um Conselho Geral e da abertura a personalidades externas, mudanças directamente impostas pelo RJIES, os Estatutos da Universidade consagraram a existência de um Conselho Universitário (como “órgão de consulta permanente do Reitor e de coordenação estratégica da Universidade”)16 e de um Senado (como órgão de aconselhamento e de apoio à vida da comunidade universitária como um todo), além da previsão de outros órgãos menores e da criação de um ente operacional (o Centro de Recursos Comuns e Serviços Partilhados)17.

(5.ª etapa) Os Estatutos da Universidade (aprovados em Abril de 2008 e publicados em 1 de Agosto seguinte) definiram cinco Áreas Estratégicas (Artes e Humanidades, Ciências da Saúde, Ciências e Tecnologia, Ciências Jurídicas e Económicas, Ciências Sociais) e agregadas a cada uma delas as várias unidades e subunidades existentes ou a criar; em relação ao sistema de órgãos das unidades orgânicas, os Estatutos optaram por um modelo uniforme, impondo a existência de uma Assembleia, do Director, do Conselho Científico e do Conselho Pedagógico; em contrapartida, admitiram a possibilidade de criação de outros órgãos, não entrando no detalhe das soluções a adoptar em concreto por cada unidade orgânica.

15 Cfr. Alameda de Futuros…, pp. 5, 8 ss.16 Artigo 36.º dos Estatutos da Universidade de Lisboa.17 Cfr. Alameda de Futuros…, pp. 22 ss.

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(6.ª etapa) A etapa seguinte traduziu-se na eleição do Conselho Geral e também na eleição das Assembleias Estatutárias das várias unidades orgânicas (actos eleitorais que vieram a ter lugar em 22 e 23 de Outubro de 2008); por seu lado, com a cooptação das seis personalidades externas, o Conselho Geral veio a ficar definitivamente constituído em 10 de Dezembro de 2008.

(7.ª etapa) Durante os meses de Novembro e Dezembro de 2008, as várias Assembleias Estatutárias apreciaram e aprovaram as versões preliminares dos estatutos das respectivas unidades orgânicas, sendo em geral visível a preocupação com as dimensões da eficiência, da profissionalização e da coordenação, sem prejuízo da diversidade de soluções18, imposta pelas diferentes opções então tomadas e pela diferente fisionomia de cada Escola (sobretudo por força da presença ou ausência de departamentalização).

(8.ª etapa) Os primeiros meses do ano de 2009 foram por isso dedicados à ultimação e homologação dos novos estatutos e à definição das lideranças e das demais estruturas organizativas e funcionais neles previstas.

2. As principais modificações introduzidas pelo RJIES

Numa fase em que se discutia ainda uma 2.ª versão do anteprojecto, escrevi o seguinte sobre o sentido da reforma que então se desenhava: “[o] projecto procura […] dar resposta a problemas centrais do governo e da gestão dos estabelecimentos de ensino superior […]. Face às conhecidas debilidades do quadro vigente (nomeadamente quanto à autenticidade dos processos de participação, à competitividade eleitoral e

18 A tarefa de redacção dos estatutos veio a ser acompanhada por uma Comissão Técnica (artigo 54.º, n.º 4, dos Estatutos da Universidade de Lisboa), que preparou designadamente dois documentos de referência (um para os Estatutos e outro para o Regulamento Eleitoral) e que teve intervenção decisiva na questão da clarificação, quanto à manutenção ou não, da personalidade jurídica das unidades orgânicas que dela já dispunham, tendo sido efectivamente acolhida a resposta positiva.

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responsabilização e quanto a preocupações com a boa gestão e a eficiência), as soluções desenhadas no projecto podem representar um franco progresso. Hoje em dia, de resto, perante o efectivo apagamento da assembleia de representantes, os estabelecimentos já são governados essencialmente por dois órgãos: o (presidente do) conselho directivo e o conselho científico”19.

Hoje e para os nossos efeitos, no âmbito do que podemos considerar o modelo de governo da universidade pública (e das suas unidades orgânicas), sem me deter no regime fundacional20, podemos identificar cinco grandes planos e as correspondentes mudanças:

(i) Quanto à estrutura do governo: desapareceu a assembleia da universidade21

e, no âmbito das unidades orgânicas, desapareceram a assembleia de representantes e o conselho directivo (até aí, órgãos de representação alargada dos vários corpos); surgem o conselho geral e a assembleia da faculdade (agora, nas vestes de órgãos colegiais restritos) e o director;

(ii) Quanto à forma e procedimento de designação: o reitor deixa de ser eleito por toda a comunidade universitária, passando a ser designado pelo conselho geral, precedendo apresentação de programa e audição pública dos candidatos; nas faculdades, os conselhos científicos (com um número máximo de 25 membros) passam a ser constituídos por representantes eleitos pelos professores e investigadores e ainda por representantes das unidades de investigação;

(iii) Quanto ao perfil e funções dos vários órgãos: dá-se uma aparente centralidade ao conselho geral (dito órgão de topo), ao qual são cometidas funções eleitorais, de direcção estratégica e de supervisão; centralidade

19 José de Melo Alexandrino, Algumas notas sobre o projecto de proposta de lei de regime jurídico das instituições de ensino superior, 23 de Maio de 2007.

20 A grande diferença reside aí no facto de virem a existir dois órgãos de supervisão, um órgão interno ao estabelecimento (o conselho geral) e um órgão da fundação (o conselho de curadores), como se pode observar pelo disposto nos artigos 131.º e 133.º do RJIES ou nos Decretos-Leis n.os 96/2009, e 97/2009, de 27 de Abril.

21 Ainda neste âmbito, mantém-se o senado (agora apenas como órgão consultivo) e é criado o provedor do estudante.

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efectiva é dada, sim, ao reitor e ao director; em terceiro lugar, a uma certa desvalorização do conselho científico corresponde uma revalorização do conselho pedagógico;

(iv) Quanto à abertura à sociedade: impõe-se que o conselho geral seja integrado pelo menos em 30% por personalidades externas de reconhecido mérito, permitindo-se que os estatutos das unidades orgânicas consagrem solução similar22;

(v) Quanto à participação e posição relativa dos estudantes: num quadro de deliberada compressão do estatuto dos estudantes na estrutura dos órgãos, preserva-se todavia a composição paritária do conselho pedagógico e garante-se que os estudantes devem representar pelo menos 15% da totalidade de membros do conselho geral.

Notas finais

Dito isto, há um conjunto de notas finais que me parecem dignas de realce, a primeira das quais é a de que, não obstante o contexto e não obstante uma série de reservas que o novo regime jurídico ainda suscita23, a começar pelo excesso de regulação, na parte que respeita especificamente ao modelo de governo, o RJIES representa, a meu ver, um progresso face ao quadro jurídico precedente.

A segunda nota é a de que, confirmando de certo modo as críticas feitas nesse sentido, em Portugal, passámos directamente daquilo que era apelidado de “sistema de assembleia” para um sistema “presidencializante”, dada a centralização de responsabilidades e de competências no reitor e no director.

22 Artigo 97.º, alínea a), iv, do RJIES.23 Entre Maio e Junho de 2007, o Governo reconsiderou muitas das observações então feitas,

designadamente pela Universidade de Lisboa e pela respectiva Faculdade de Direito.31

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A terceira nota, ainda no plano geral das instituições universitárias, é a de que o conselho geral se afigura como um órgão que dificilmente pode cumprir eficazmente as funções de supervisão e de definição estratégica, quer por insuficiente ligação à vida da comunidade académica, quer pela completa ausência de vínculos de permanência (e da correspondente profissionalização) dos respectivos membros, quer pela própria indefinição quanto à natureza do órgão e às condições de funcionamento.

Já no âmbito específico da Universidade de Lisboa, tendo ficado pelo caminho uma concepção de “integração forte” pelas áreas estratégicas, as mesmas acabaram por se esvaziar, não passando hoje, pelo que me é dado observar, de estruturas virtuais de coordenação24, sem efectiva ligação às Faculdades ou ao Conselho Geral.

Há por isso razões para considerar o afinamento do modelo de governo da Universidade de Lisboa, a começar pelo reforço operacional e simbólico do Conselho Geral e a passar não só pelo repensar das áreas estratégicas, como por uma clarificação dos próprios objectivos estratégicos – aos quais todos os órgãos, todas as estruturas e todos os elementos da comunidade se devem saber vinculados e relativamente ao cumprimento dos quais devem ser institucionalizados mecanismos adequados.

24 Desde o início, considerei ser esse “o problema nevrálgico” de todo o Programa Estratégico (v. supra, § 1).

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§ 6.O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE UNIVERSITÁRIA ∗

Muito poucos serão os atractivos de afrontar um tema à partida tão maçador como o do estatuto da carreira docente universitária e a minha única consolação está no facto de a tarefa estar também distribuída por outras intervenções, que me aliviarão do tratamento de um conjunto de matérias.

Devo, por outro lado, confessar que, não sendo eu um especialista do Direito da função pública – acaso se possa ainda falar em função pública1 –, nem do Direito universitário, a minha presença neste Colóquio deve-se a uma relação essencialmente prática, desenvolvida no âmbito da Universidade de Lisboa e da sua Faculdade de Direito, com os temas e problemas que ao longo destes últimos quatro anos envolveram a reforma do ensino superior: chamado a integrar, em 2008 e 2009, a Comissão Técnica de acompanhamento dos estatutos das Faculdades2, estive também envolvido na Comissão que, sob a coordenação do Professor Pedro Barbas Homem, teve a incumbência de preparar e coadjuvar na regulamentação necessária à execução do Estatuto da Carreira Docente Universitária (abreviadamente, ECDU)3 e no seguimento

* Tópicos da intervenção proferida em 5 de Maio de 2011, no “Colóquio Direito Universitário – Um debate sobre o novo quadro jurídico das Universidades Públicas”, organizado pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

1 Sobre o assunto, Ana Fernanda Neves, «O Direito da Função Pública», in Paulo Otero / Pedro Gonçalves, Tratado de Direito Administrativo Especial, vol. IV, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 360 ss. [359-556].

2 Artigo 54.º, n.º 4, dos Estatutos da Universidade de Lisboa.3 Aprovado inicialmente pelo Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro, e revisto, por último e na

parte que aqui interessa, pelo Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto, por sua vez alterado, por apreciação parlamentar, pela Lei n.º 8/2010, de 13 de Maio.

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do trabalho da qual vieram a ser aprovados e publicados, em Setembro último, cinco regulamentos4.

Dessa condição não decorre, porém, que venha aqui falar em nome da Universidade ou dessas comissões, mas tão-somente em nome pessoal. Contudo, apesar de estar limitada por um conhecimento de ordem pragmática, a minha intervenção pretende, em compensação, contribuir para um debate o mais aberto possível. Aberto e problematizante, no que vai implícita a recusa da tentação de dar parecer sobre a multiplicidade de questões jurídicas que semelhante disciplina sempre suscita.

Neste quadro, deixando propositadamente de lado qualquer ênfase nos temas que constituem objecto de outras intervenções e centrado exclusivamente na carreira docente do ensino universitário, (i) começarei por uma breve referência ao contexto em que surge a reforma do ECDU; (ii) procurarei em seguida marcar posição sobre três questões prévias relevantes; (iii) seguindo depois à enumeração das principais inovações introduzidas, (iv) para terminar com o arrolamento de um ou outro nódulo problemático.

1. O contexto

Seria muito interessante começar por um apontamento de Direito comparado. Na manifesta impossibilidade desse exercício, seja-me permitida a seguinte dupla constatação: com a reforma do ECDU, ficámos um pouco mais próximos da Alemanha, mas não ao ponto de acolher esse traço fundamental (ou “pequeno detalhe”5), que é a proibição de a progressão na carreira ser feita na mesma universidade (Hausberufungsverbot); mas ficámos também um pouco mais distantes da Espanha, onde, segundo a doutrina, a inamovibilidade dos docentes continua a ser absoluta, onde pouco se avançou na imparcialidade e no rigor dos concursos e onde, ao invés, deram entrada preocupações menores, como a da ênfase semântica na igualdade de sexos

4 Diário da República, 2.ª série, n.º 181, de 16 de Setembro de 2010, pp. 47 392-47 403.5 Cfr. Francisco Sosa Wagner, El mito de la autonomía universitaria, 3.ª ed., Cizur Menor / Madrid,

Thomson / Civitas, 2007, p. 107.34

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(como a reiterada utilização na Lei 4/2007, de 12 de Abril, das fórmulas decano e decana, catedrático e catedrática, etc.)6.

Julgo poder afirmar que apesar das críticas que têm sido, e podem ser, dirigidas a determinados aspectos do novo quadro legislativo aplicável, não deve ser questionada a clara vontade de reforma que animou o XVII Governo constitucional nesta matéria, vontade que congraçou três grandes zonas de decisão política: a concretização do processo de Bolonha (2006-2010), a redefinição do regime de vínculos, concursos, carreiras e remunerações dos funcionários públicos (2008-2009)7 e a reforma do Direito universitário stricto sensu, de que a revisão do ECDU constituiu o coroamento8.

Ora, muito se poderia decerto acrescentar sobre o contexto, desde logo, quanto à transformação da concepção de universidade e à crescente dependência desta face ao mercado9, quanto à significativa mudança na capacidade de oferta docente no nosso país, quanto à grande perturbação causada nestes anos10 pelas inúmeras tarefas de adaptação à reforma11, mas também quanto ao facto de o Mundo já se encontrar em convulsão muito antes da crise despoletada em 200812 e de Portugal estar precisamente agora a rubricar um resgate financeiro, de contornos e consequências ainda difíceis de avaliar para a vida da Universidade.

6 Ibidem, pp. 115, 164 ss., 171, respectivamente.7 Operada sobretudo pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de

vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (abreviadamente, LVCR), alterada pelas Leis n.os 64-A/2008, de 31 de Dezembro, 3-B/2010, de 28 de Abril, e 55-A/2010, de 31 Dezembro.

8 Assim o reconhece o primeiro parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto: “Com a revisão dos estatutos das carreiras docente do ensino universitário, de investigação, e docente do ensino superior politécnico, completa-se a profunda reforma do ensino superior português inscrita no Programa do Governo […]”.

9 A este respeito, veja-se o texto elucidativo, subscrito por Pedro Santa Clara e Daniel Traça, «Educação Superior em Portugal: propostas a médio e longo prazo», produzido no âmbito do movimento “Mais Sociedade”, acessível em <http://www.maissociedade.com/wp-content/uploads/2011/04/Mais-Sociedade-Capa-EducacaoSuperiorpub.pdf> (3 Maio 2011).

10 E aqui o fenómeno é similar em Espanha e Portugal (cfr. Francisco Sosa Wagner, El mito de la autonomia…, pp. 125 ss., 185).

11 O Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro, foi sensível a essa preocupação (cfr. n.º 11 do respectivo preâmbulo).

12 Com interesse, António Menezes Cordeiro, «A tutela do consumidor de produtos financeiros e a crise mundial de 2008/2010», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 69, n.os III/ IV (2009), pp. 603-632.

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2. Três questões preliminares

As três questões prévias a que me pretendo referir têm a ver (i) com o conceito e âmbito do que podemos entender como “estatuto da carreira docente universitária”, (ii) com a relação entre as normas do ECDU e as normas gerais da função pública e (iii) com o tipo de competência legislativa exercida pelo Governo na aprovação da reforma ao ECDU.

2.1. A primeira questão prende-se portanto com uma distinção que me parece ser útil estabelecer entre estatuto da carreira docente universitária em sentido formal e o que podemos por comodidade designar de estatuto da carreira docente em sentido material: (i) em sentido formal, o estatuto da carreira docente universitária corresponde ao diploma jurídico com essa designação, agora na versão revista de 2009/2010 (e a que em geral nos referiremos); (ii) em sentido material, podemos considerar que o estatuto da carreira docente universitária se espraia ainda por diversa legislação avulsa especificamente aplicável ao recrutamento, às funções ou à carreira dos docentes universitários, com destaque para os preceitos dos seguintes diplomas: os artigos 18.º, 35.º e 39.º da Lei de Bases do Sistema Educativo13, os artigos 2.º, n.º 2, 47.º, n.º 1, 50.º, 51.º, 70.º, n.º 1, e 120.º do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES)14, os artigos 3.º e seguintes do regime jurídico do título académico de agregado (ainda que esse diploma seja extensível também às universidades privadas)15, bem como os artigos 24.º e 44.º, n.os 3 a 8, da Lei do Orçamento de Estado para 201116.

2.2. A segunda questão respeita à relação entre as normas do ECDU e as normas gerais da função pública (sobretudo a LVCR e o regime de contrato de trabalho em funções públicas17) e tem dado azo a muitas perplexidades e hesitações.

13 Aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, e alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, pela Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto.

14 Aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro.15 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 239/2007, de 19 de Junho.16 Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.17 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro.

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Segundo uma orientação muito difundida, o critério de solução do problema seria dado integralmente pelo regime das “fontes normativas do contrato” definido no artigo 81.º da LVCR, onde estariam claramente hierarquizadas as diversas fontes e a prioridade da respectiva aplicação18.

De facto, o artigo 86.º da LVCR estabelece que “excepto quando dela resulte expressamente o contrário, o disposto na presente lei prevalece sobre quaisquer leis especiais”. E o artigo 81.º, n.º 1, da mesma lei de vínculos enumera as fontes normativas do regime do contrato “por esta ordem”:

a) A LVCR e a legislação que a regulamenta, na parte aplicável; b) As leis gerais cujo âmbito subjectivo abranja todos os trabalhadores, na parte

aplicável; c) As leis especiais aplicáveis às correspondentes carreiras especiais, nas

matérias que, face ao disposto na lei, possam regular; d) O regime de contrato de trabalho em funções públicas;[…].O que devemos extrair destas indicações?Sem prejuízo de outras respostas que venham a ser dadas dentro e fora deste

Colóquio, penso que posso liminarmente adiantar duas coisas: a primeira é a de que as ressalvas feitas nesses preceitos devem ser levadas a sério (e, segundo a minha contabilidade, apenas 41% dos artigos da LVCR são aplicáveis directamente à carreira docente universitária, com 57 artigos totalmente inaplicáveis19 e 13 artigos apenas parcialmente aplicáveis ou com as necessárias adaptações20); a segunda é a de que esses dois preceitos da LVCR não estabelecem, nem podiam estabelecer (em virtude de se tratar aí de um problema de reserva de Constituição, a enquadrar devidamente pela

18 Neste sentido, Paulo Veiga e Moura / Cátia Arrimar, Os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da Administração Pública, 2.ª ed., Coimbra, Wolters Kluwer / Coimbra Editora, 2010, p. 233; Paulo Veiga e Moura, Comentários aos Estatutos das Carreiras de Docente do Ensino Universitário e Politécnico, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 56, 130-131, 133 ss.

19 Assim, no pressuposto da validade da reforma do ECDU, os artigos 10.º a 19.º, 22.º a 24.º, 32.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 44.º, 49.º, 52.º, 53.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º a 65.º, 73.º a 75.º, 80.º, 82.º, 90.º, 93.º a 100.º, 102.º, 103.º, 103.º-A, 105.º a 108.º, 110.º, 111.º e 115.º da LVCR.

20 Assim, entre diversos outros, os artigos 6.º, 25.º a 30.º, 50.º, 51.º, 54.º, 66.º, 67.º ou 88.º da LVCR.

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Ciência do Direito), nenhuma hierarquia entre as fontes, mas apenas uma “ordem de aplicação”, que não dispensa o trabalho da devida aplicação/interpretação.

2.3. A terceira questão prévia é, a meu ver, a mais grave e perturbadora, por levantar problemas sérios de competência legislativa.

O problema põe-se da seguinte forma: o Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto, foi aprovado pelo Governo ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, ou seja, ao abrigo da competência legislativa concorrencial21. Mas pergunto: não deveria o Governo ter recorrido necessariamente à competência legislativa complementar22, como de resto sempre fez nas sucessivas revisões do ECDU introduzidas nos últimos 20 anos, invocando então o desenvolvimento do regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho (princípios gerais de salários e gestão de pessoal da função pública) e, por uma vez23, o desenvolvimento da Lei da Autonomia Universitária de 1988?

Na verdade, confrontando os princípios gerais de salários e gestão de pessoal de 1989 com o novo (e revolucionário) regime de vínculos, carreiras e remunerações de 2008, a resposta não poderia deixar de ser afirmativa, por muitas e variadas razões24. E esta é, a meu ver, das muitas em que são prolíferos os comentadores das leis, a principal suspeita de inconstitucionalidade em que incorre parte da reforma do ECDU de 2009, sobretudo naqueles domínios – e são muitos – em que se desvia frontalmente das regras e dos princípios estruturantes da LVCR de 2008.

21 Por último, sobre a matéria, Carlos Blanco de Morais, Curso de Direito Constitucional, tomo I – A lei e os actos normativos no ordenamento jurídico português, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 432 ss.; Paulo Otero, Direito Constitucional Português, vol. II – Organização do poder político, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 395 ss.; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V – Actividade constitucional do Estado, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 201.

22 Blanco de Morais, Curso…, I, p. 434; Paulo Otero, Direito Constitucional…, I, pp. 397 ss.; Jorge Miranda, Manual…, V, pp. 201, 409 ss.

23 No excelente Decreto-Lei n.º 252/97, de 26 de Setembro, cujo artigo 2.º (sobre as relações com a lei geral) é particularmente elucidativo, no confronto com a confusão que reina actualmente sobre invertida relação entre a lei geral e a lei especial (v. supra, n.º 2.2.).

24 Idêntica conclusão se deveria, a nosso ver, extrair já anteriormente, ainda que com menor carga argumentativa, quer à luz da Lei de Bases do Sistema Educativo, que prevê expressamente o desenvolvimento legislativo do regime de carreiras do pessoal docente [artigo 62.º, alínea c)], quer à luz do próprio RJIES, na parte aplicável.

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3. As principais inovações introduzidas

Considerando hoje ultrapassadas algumas das dificuldades que se colocaram acerca da aplicação dos regimes de transição, entre as principais inovações introduzidas pela reforma de 2009/201025, contam-se as seguintes:

(i) Define-se o doutoramento como o grau de entrada na carreira26, (1) com abolição das categorias de assistente e de assistente estagiário e (2) com a instituição de um período experimental de cinco anos (artigo 25.º, n.º 1), após doutoramento e concurso para professor auxiliar, seguido de uma avaliação específica da actividade desenvolvida (mecanismo facilitado com a aprovação da Lei n.º 8/2010, de 13 de Maio);

(ii) Procede-se à generalização da exigência de concurso para a mudança na categoria (artigo 9.º), sendo por isso eliminados os mecanismos de transição automática entre categorias (sem prejuízo de um regime transitório para os assistentes e assistentes estagiários, prorrogado em mais um ano com a aprovação da Lei n.º 8/2010, de 13 de Maio);

(iii) Os concursos (que são apenas documentais)27 passam a ser internacionais, com júris maioritariamente externos à instituição (artigo 46.º)28, com necessária valorização de todas as componentes das funções docentes e com reforço das garantias de transparência (artigo 62.º-A);

25 Apesar de ter inovado em 80 artigos, o legislador, sem grande lógica, entendeu que não devia aprovar um novo ECDU, mas tão-somente proceder a mais uma revisão do diploma de 1979. Lembre-se que o Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto, alterou a redacção de 45 artigos do ECDU (artigo 2.º), aditou 16 artigos (artigo 3.º) e, ele próprio, introduziu 22 artigos; por seu lado, o texto do ECDU já não tem mais do que 70 artigos (muitos dos quais incompletos ou puramente residuais, face a sucessivas revogações parciais).

26 Artigos 11.º e 41.º-A do ECDU, designadamente.27 O que afasta profundamente este regime dos correspondentes princípios e regras da LVCR,

tornando designadamente inaplicável a regulamentação operada pela portaria 83-A/2009, de 22 de Janeiro, recentemente revista pela portaria n.º 145-A/2011, de 6 de Abril.

28 A inovação já tinha sido antecipada pelo Decreto-Lei n.º 239/2007, de 19 de Junho.39

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(iv) O novo ECDU preserva integralmente, com o seu perfil de título académico e com os seus objectivos e efeitos próprios29, as provas de agregação, admitindo que possuam uma repercussão específica, designadamente no âmbito da avaliação do desempenho;

(v) É introduzido, na sequência do disposto no artigo 50.º do RJIES, um estatuto reforçado de estabilidade no emprego (tenure) para os professores catedráticos e associados (artigo 20.º do ECDU);

(vi) Muito embora as categorias de pessoal docente tenham passado a ser apenas as de professor catedrático, professor associado e professor auxiliar (artigo 2.º)30, há três grupos de pessoal docente a considerar na aplicação do ECDU: 1) os docentes integrados na carreira; 2) os docentes (transitoriamente) considerados integrados na carreira31; e 3) os docentes não integrados em carreira (também referidos como “pessoal docente para além da carreira”32 e como “pessoal especialmente contratado”33);

(vii) Procede-se a uma revisão da disciplina aplicável aos docentes especialmente contratados (artigos 3.º, 14.º a 18.º e 30.º a 33.º-A), cujo recrutamento é feito por convite, sujeito a determinados requisitos de forma e fundamentação e admitindo-se a constituição de uma base de recrutamento para futura escolha da individualidade a ser objecto de convite (artigo 17.º-B); todos estes docentes são contratados a termo certo, estando embora sujeitos a variados regimes de funções;

(viii) Procede-se igualmente a uma revisão global da matéria dos concursos (artigos 37.º a 62.º-A) e da matéria dos direitos e deveres do pessoal docente, considerando neste plano, além da liberdade de orientação e opinião científica, a definição do programa das unidades curriculares, os regimes de prestação de serviço, de férias e licenças, de dispensa de

29 Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 239/2007, de 19 de Junho.30 Como é sabido, a categoria de professor agregado desapareceu em 1979, com a versão inicial do

ECDU.31 Artigos 10.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto, na redacção da

Lei n.º 8/2010, de 13 de Maio.32 Artigo 67.º, n.º 4, do ECDU.33 Epígrafes dos artigos 3.º e 8.º, bem como da secção II do Capítulo II e do Capítulo do ECDU.

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serviço e equiparação a bolseiro e de aposentação e reforma (artigos 64.º ao 83.º);

(ix) Neste âmbito, são ainda definidos os princípios especialmente aplicáveis à avaliação do desempenho dos docentes, prescrevendo-se que o respectivo regime de avaliação deva constar de regulamento a aprovar por cada instituição, ouvidas as organizações sindicais (artigo 74.º-A), com isso afastando também genericamente as disposições da LVCR;

(x) São definidos mecanismos tendentes a favorecer a mobilidade de professores e a colaboração entre as universidades e outras instituições, nomeadamente através da dispensa de serviço docente para a participação em projectos de investigação ou extensão (artigo 77.º, n.º 5);

(xi) É traçado o objectivo do alargamento dos lugares do topo da carreira, determinando-se que o conjunto de professores catedráticos e dos professores associados (de cada instituição e também de cada unidade orgânica de ensino ou de ensino e investigação) deve representar entre 50% e 70% do total dos professores de carreira34, fixando-se a data de 1 de Setembro de 2014 como o horizonte temporal para alcançar aquele objectivo (“de modo faseado e o mais célere possível”35);

(xii) Foi deferida à autonomia das instituições de ensino superior a regulamentação necessária à execução do ECDU, nomeadamente no que se refere a procedimentos, regras de instrução dos processos e prazos aplicáveis aos concursos e convites (artigo 83.º-A);

(xiii) Fomenta-se, em termos claramente ampliativos face à LVCR, o recurso a meios alternativos de resolução de conflitos emergentes destas relações jurídicas de emprego público, quer pelo recurso a uma cláusula geral, quer pela expressa previsão da arbitragem, da mediação e da consulta (artigo 84.º-A).

34 Artigo 84.º do ECDU.35 Artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto.

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4. Algumas zonas problemáticas na operacionalização da reforma

A matéria do estatuto da carreira docente universitária é função não só do contexto e do quadro de opções políticas, mas é igualmente atravessada por um conjunto de exigências contraditórias, como a justiça e a juridicidade36, o respeito pelas liberdades académicas (e a correspondente autonomia universitária)37, a igualdade de acesso à função pública, o reconhecimento (e a diferenciação) do mérito, a eficiência e organização, a transparência e racionalidade dos procedimentos, a democracia, a qualidade, a avaliação do desempenho, a mobilidade de professores, a valorização económica do conhecimento, etc.

É por isso natural a existência de tensões na forma como a lei procede à composição e conciliação desses distintos valores e interesses; por sua vez, a essas problemáticas não são ainda imunes a outros factores relevantes, tais como: a cultura predominante e o carácter da instituição (escola ou departamento) em concreto, a afeição ou desafeição aos (ou dos) poderes fácticos, as regras aplicáveis à composição dos júris, a existência ou não de provas nacionais38, etc.

Dito isto, gostaria então, para terminar, de dar nota de um ou outro desses nódulos problemáticos na reforma do ECDU, em especial os seguintes três: (i) a “cláusula dos assessores”; (ii) a devolução de poderes de regulamentação às instituições; (iii) a operacionalização dos deveres a que alude o artigo 84.º, sobre número e percentagem de professores de carreira.

4.1. Segundo o artigo 16.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto, “o exercício de funções a que se refere o n.º 1 do artigo 73.º [do ECDU] suspende os prazos previstos no n.º 3 do artigo 8.º, no n.º 5 do artigo 10.º e no n.º 7 do artigo 11.º

36 Destacando aí a exigência do respeito pelos princípios ordenadores da função pública (sobre a matéria, cfr. Ana Neves, «O Direito da Função Pública», pp. 419 ss.).

37 Sobre o cerne da autonomia universitária, Luís Pedro Pereira Coutinho, As faculdades normativas universitárias no quadro do direito fundamental à autonomia universitária – O caso das universidades públicas, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 75 ss., 151.

38 Com reiteradas preocupações neste âmbito, Jorge Miranda, «Carreira universitária – uma proposta de mudança», in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. 49.º, n.os 1 e 2 (2008), pp. 429-441.

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para aqueles que à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, estejam no desempenho das mesmas”.

Isto significa que o exercício das funções de Deputado, de membro do Governo Regional, de juiz do Supremo Tribunal de Justiça, de director-geral e subdirector geral ou equiparados, de chefe de gabinete e adjunto do gabinete dos titulares de órgãos de soberania, entre numerosos outras funções enunciadas em sucessivas 25 alíneas, permite a suspensão do prazo de 5 ou 6 anos, a contar de 1 de Setembro de 2009, para os assistentes convidados e professores auxiliares convidados ou para os assistentes e assistentes estagiários entregarem a tese de doutoramento e poderem ser automaticamente contratados após a conclusão do doutoramento.

Se em relação à generalidade das situações referidas do n.º 1 do artigo 16.º (gravidez de risco, licença parental, etc.) a suspensão (nesse casos, por períodos limitados) se justifica inteiramente, já em múltiplas hipóteses de funções referidas no artigo 73.º do ECDU (em muitos destes casos, por períodos extraordinariamente longos e sem termo certo), estaremos claramente perante diferenciações sem fundamento material bastante39 e, em certos casos, também desproporcionadas, irracionais e arbitrárias e, além disso, com um grande potencial de ofensa ao núcleo da autonomia universitária.

A solução do problema, caso o preceito possa ser salvo, estará na interpretação conforme à Constituição, afastando a aplicabilidade da suspensão do prazo em todas as constelações de hipóteses de manifesta inconstitucionalidade.

4.2. São múltiplas as questões jurídicas envolvidas na devolução da regulamentação (e no correspondente fenómeno de deslegalização) de um conjunto de matérias do estatuto da carreira docente, a começar pelas relações com outras fontes pré-ordenadas do Direito da função pública (v. supra, n.º 2.2.) e a passar pelo apuramento da respectiva validade e limites ou pelo que deve entender-se por “quadro da necessária harmonização de regras gerais sobre a matéria”40.

39 Sobre o sentido e alcance da proibição de discriminações, no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição, José de Melo Alexandrino, Direitos Fundamentais – Introdução geral, Estoril, Principia, 2007, pp. 75-76.

40 Em sentido inaceitável, Paulo Veiga e Moura, Estatuto da Carreira Docente…, pp. 133-134.43

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4.3. Por fim, penso que num momento tão decisivo como o que atravessamos, faz todo o sentido que as Universidades públicas dêem a máxima atenção possível ao cumprimento dos deveres fixados no artigo 84.º do ECDU em matéria de percentagem de professores de carreira, devendo promover com celeridade a abertura dos correspondentes concursos41. Mas que o façam não só atendendo aos critérios definidos no artigo 120.º do RJIES, mas também, e sobretudo, às exigências cimeiras da justiça, da igualdade de tratamento, da racionalidade e da prestação de contas perante a comunidade.

41 Artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31 de Agosto.44

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II PARTE

Sobre a Faculdade

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§ 7.OBSERVAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE BOLONHA ∗

No âmbito deste debate e numa apreciação muito sumária, o problema da adaptação do Curso de Direito (e de toda a vida da Faculdade) ao Processo de Bolonha merece ser analisado pelo menos segundo os seguintes planos: (i) um nível de reflexão mais vasto sobre o modelo e objectivos do sistema de ensino a ministrar na nossa Faculdade (sobretudo no curso de licenciatura); (ii) um nível de reflexão sobre a atitude mais conveniente para conduzir o processo de adaptação (com o menor sacrifício possível tanto dos padrões de exigência defendidos pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa como do espírito de Bolonha); e (iii) um nível de reflexão sobre aspectos organizativos e práticos mais prementes.

1. Quanto ao primeiro aspecto, é claramente perceptível a relativa incompatibilidade entre a ambição de manter “um curso em que se conjugam uma larga formação humanística e uma sólida formação técnico-científica”1 com a ideia tão propalada na Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto, e no Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de

Versão escrita das observações feitas na reunião de assistentes especialmente convocada pelo Senhor Professor Doutor Jorge Miranda, em 27 de Março de 2006, na Faculdade de Direito de Lisboa, complementada por algumas notas retiradas da leitura do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março.

1

Cfr. o documento «A estrutura do curso de Direito em face do “Processo de Bolonha” e das alterações da lei de bases do sistema educativo», FDL, s.d., p. 1.

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Março, de “transição de um sistema de ensino baseado na ideia de transmissão de conhecimentos para um sistema baseado no desenvolvimento de competências”.

A definição do ponto de equilíbrio entre estes dois vectores é, a meu ver, um pressuposto da racionalidade e do sucesso do processo de adaptação, uma vez que dele dependem todas as suas múltiplas componentes: desde a organização do plano de estudos e a definição (?) de um projecto educativo2, passando pela definição de condições específicas de ingresso, sistema de créditos, regime de avaliação, introdução de novas metodologias de trabalho, adaptação dos programas, reorientação de recursos, etc., até às alterações a promover no mero funcionamento burocrático dos serviços ou no aproveitamento das instalações.

Apesar de o processo de adequação ter como limite temporal o final do ano lectivo de 2008-20093, nada obsta a que esta reflexão mais geral se projecte para lá desta data, podendo, dentro dos limites aí fixados, recorrer-se ao regime (mais simplificado) das “alterações” (artigos 75.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 74/2006), introduzindo então as modificações que resultarem dessa reflexão, mas também da prática entretanto registada4.

2. Plano distinto, mas não menos fundamental, é o que se prende com a atitude perante o processo de mudança que a adaptação a Bolonha impõe. A este respeito, cinco observações:

– Parece fazer cada vez menos sentido a insistência na diabolização do Processo de Bolonha;

– Tão-pouco fará sentido um processo de mudança a medo ou apenas virtual;

2 Cfr. artigo 57.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março.3 Cfr. artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março.4 Em contrapartida, mesmo que o registo da adaptação se promova para entrar em funcionamento no

ano lectivo de 2007-2008, nada impede a adopção de medidas preparatórias que possam vir a servir de ensaios da futura mudança. Um exemplo, entre diversos possíveis, seria o de extinguir ou de restringir a época de Setembro (aliás, em Setembro de 2007, terá início o ano lectivo segundo o novo modelo, pelo que já no ano de 2006-2007 parece ser inviável a existência de uma época de recurso nessa data).

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– Quando muito, poderiam definir-se qual ou quais as zonas de resistência a esse processo (ao nível da concepção, da organização ou de outros elementos caracterizadores do Curso de Direito);

– A estratégia deve, se possível, assentar (1.º) na redução de danos e (2.º) no aproveitamento da oportunidade que assim nos é oferecida de modernização, adaptação e melhoria de estruturas, práticas, metodologias e regras;

– Para esse efeito, além da abertura à mudança, duas ideias-guia devem ser a da flexibilização e a da diferenciação.

3. Já no plano que até à data tem sido alvo de maior atenção (o organizativo e prático), tendo presentes as deliberações do Conselho Científico da Faculdade e da Comissão Científica do Senado, parece haver vantagem tanto na semestralização do Curso como na opção pela existência de disciplinas bi-semestrais5. Uma vez firmado consenso sobre esses dois pontos, à luz das observações precedentes, uma adaptação realista ao Processo de Bolonha vai necessariamente ter implicações em todos os domínios da organização e do funcionamento dos vários cursos e da Faculdade no seu todo. Por isso mesmo, em face das exigências de equilíbrio na distribuição dos custos da mudança, nenhum elemento do sistema deve à partida ser excluído do processo de adaptação6.

A rigidez e a uniformização forçada que se verificam actualmente, por exemplo, ao nível da estrutura curricular, das componentes da avaliação e da própria filosofia do regime de avaliação (que é redundante), deveriam ser abandonadas, a favor:

(i) De uma maior diversificação no peso relativo das unidades curriculares e de outras medidas de trabalho (ou seja, do incremento de uma geometria variável nas disciplinas);

5 Eventualmente, com aferição sumária de conhecimentos no final do primeiro semestre (para todos os alunos ou só para aqueles que o requeiram).

6 Não me parece, por exemplo, que a avaliação contínua, por vezes tão mitificada, possa ou deva manter-se nos mesmos moldes em que vem sendo praticada.

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(ii) Da restrição da avaliação contínua às disciplinas onde esse modelo verdadeiramente se justifique;

(iii) Da redução dos tempos e dos elementos de avaliação;(iv) Da diversificação, flexibilização e simplificação dos métodos de avaliação,

designadamente através da concessão de uma consistente margem de liberdade nesse domínio (sobretudo nas cadeiras teórico-práticas) aos docentes, pelo menos aos professores-coordenadores;

(v) Da redução dos conteúdos programáticos onde tal se justifique.

4. Por fim, ainda ao nível prático, deveriam ser preparados inquéritos aos estudantes e aos docentes sobre algumas das opções mais elementares a fazer, cujos resultados deveriam ser depois conciliados com as informações procedentes da análise comparativa de cursos de referência com objectivos similares ministrados em Portugal e no espaço europeu7.

7 Cfr. artigo 63.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março.

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§ 8.RACIONALIZAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE CONCURSO ∗

1. Âmbito da questão e sequência

O Conselho Directivo da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, através do seu Presidente, solicitou informação, sugestões de racionalização e esclarecimento jurídico sumário sobre as seguintes questões relativas ao procedimento de recrutamento de assistentes, assistentes estagiários e monitores: (i) conteúdo dos avisos e editais; (ii) métodos de selecção; (iii) funcionamento do júri, no que concerne especialmente ao encargo de lavrar actas das reuniões; (iv) formalidade da audiência dos interessados.

Solicitada e reunida documentação demonstrativa das práticas procedimentais em uso na Faculdade, foram identicamente solicitadas, através dos Serviços, informações sobre os procedimentos seguidos por outras unidades orgânicas da Universidade de Lisboa; foram ainda analisados actos (nomeadamente avisos e editais) concursais de outras Universidades e mesmo de estabelecimentos de ensino superior politécnico.

Não tendo sido identificada jurisprudência especificamente relevante para o objecto do pedido1, foi todavia tido em consideração o anteprojecto de Estatuto da Carreira Docente Universitária, apresentado em 2001 pela Secretaria de Estado do Ensino Superior (abreviadamente, anteprojecto).

* Texto elaborado a solicitação do Senhor Presidente do Conselho Directivo da Faculdade.1 Ainda assim, veja-se o parecer n.º 86/1992 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da

República [Lourenço Martins].50

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A análise, necessariamente sucinta, tem um objectivo essencialmente pragmático – visa-se a racionalização dos procedimentos e salvaguardar, nos limites da Constituição e da lei, os direitos e interesses juridicamente atendíveis de todos os intervenientes – e teve ainda como preocupação suplementar definir uma linha que, sem prejuízo do rigor, não possa vir a ser usada contra a Faculdade, relativamente a procedimentos concluídos ou em curso. Além disso, na equação das diferentes questões, dada a centralidade do procedimento de recrutamento de assistentes estagiários2, ponderado o facto de resultar satisfatório o procedimento em uso no que respeita à contratação de monitores3 e dado, por último, o carácter por assim dizer residual dos concursos para assistente, será tomado como paradigma o procedimento dos concursos para assistente estagiário, podendo, com as necessárias adaptações, alguma ou algumas das conclusões aí extraídas serem estendidas aos demais procedimentos.

2. Algumas notas preliminares

2.1. Da observação perfunctória do ordenamento e da prática administrativa, ressaltam de imediato três impressões. A primeira consiste no carácter relativamente exíguo dos dados normativos4, que se resumem afinal a quatro números do artigo 13.º do ECDU5, a saber:

2 Rege neste domínio o artigo 13.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária (abreviadamente ECDU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro, alterado, por ratificação, pela Lei n.º 19/80, de 16 de Julho, com sucessivas alterações.

Quanto ao ensino politécnico, veja-se o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de Julho (Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico).

3 Que se processa na base do Regulamento de Concurso de Monitores, de 19 de Setembro de 2000.4 A exiguidade não deixava de estar presente no anteprojecto (artigos 50.º, 51.º e 52.º), que todavia,

neste domínio, tinha as superiores vantagens de indicar a legislação subsidiária (artigo 2.º), de conter normas remissivas (artigo 52.º, n.º 1) e de remeter expressamente a restante disciplina dos concursos documentais para o domínio do regulamento (artigo 52.º, n.º 1, in fine).

5 Quanto aos assistentes, fora da situação típica do artigo 12.º, n.º 1, veja-se o disposto no artigo 12.º, n.os 3 e 4; por sua vez, quanto aos monitores, dispõe o artigo 3.º, n.º 3: Os conselhos científicos, quando necessário, podem propor a admissão, em regime de prestação eventual de serviço, como monitores, de profissionais com curso superior e adequadamente qualificados em actividades relacionadas com as respectivas disciplinas ou de alunos dos dois últimos anos dos cursos, aos quais compete coadjuvar, sem o substituir, o pessoal docente em aulas práticas e trabalhos de laboratório ou de campo.

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1. O recrutamento de assistentes estagiários faz-se por concurso documental.2. Ao concurso são admitidos os licenciados ou diplomados com curso superior

equivalente que tenham obtido a informação mínima de BOM e satisfaçam os demais requisitos constantes do respectivo edital, a publicar em dois dos jornais diários de circulação nacional e no Diário da República.

4. A ordenação dos candidatos, que deverá ser feita nos termos anunciados nos editais, compete à comissão do conselho científico do grupo ou departamento, devendo ainda ser confirmada pelo conselho científico da escola funcionando em plenário ou, havendo-a, em comissão coordenadora.

5. No caso de os candidatos terem desempenhado o cargo de monitor, deverá ser tida em consideração a informação fundamentada do professor sob cuja orientação tenham trabalhado.

A segunda traduz-se na proliferação das formas utilizadas nesses procedimentos,

havendo, por exemplo, Universidades que recorrem a seis métodos de selecção e outras apenas a um, notando-se, por outro lado, na prática administrativa, a falta de clarificação ou até a confusão existente entre os conceitos de métodos de selecção, critérios de ordenação dos candidatos6 e o resultado dessa ordenação (ou classificação).

A terceira tem a ver com uma das marcas deste regime especial de recrutamento de agentes do Estado: a preocupação de não onerar as Universidades com uma excessiva burocratização7.

A existência de concursos para o recrutamento de assistentes não é legalmente imposta, mas pode ter lugar sobretudo quando o objectivo do concurso for o da constituição de reservas de recrutamento, com vista à satisfação de necessidades previsionais.

6 É esta a expressão acolhida no artigo 13.º, n.º 4, do ECDU.7 Esta preocupação foi expressamente enunciada no considerando 5 do preâmbulo do Decreto-lei n.º

448/79, de 13 de Novembro, está implícita na fórmula utilizada no artigo 13.º, n.os 2 e 4, do ECDU (ao remeter para os termos dos editais), está patente na prática administrativa que entretanto se generalizou, não deixando de estar tão-pouco presente no espírito e no articulado do anteprojecto (que, por exemplo, jamais dá a entender a necessidade de realização da audiência prévia dos candidatos).

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2.2. Haveria ainda decerto outras observações preliminares a relevar, desde as que respeitam ao exercício das competências (no seio da Universidade8, no seio da Faculdade9 e no seio do próprio procedimento10) até, mais prosaicamente, ao modo como deve ser designado o acto de publicitação do concurso (se edital ou aviso)11 – às quais se atenderá apenas na medida do necessário à economia da solicitação.

3. As questões de fundo

3.1. As quatro questões de fundo que importa resolver (v. supra, n.º 1.) são todas elas, por assim dizer, função do problema mais vasto das relações entre as normas do regime geral do recrutamento e selecção de pessoal na Administração Pública12 e as normas e princípios do Código do Procedimento Administrativo (enquanto regime geral do procedimento), por um lado, e as disposições do regime especial do ECDU (tanto ao nível das exigências do recrutamento como ao nível das do procedimento), por outro13.

Ora, não sendo caso de dar a semelhante problema uma resposta unitária14, válida para todas as situações de colisão, lacuna ou insuficiência de regulamentação do regime especial, convém tê-lo em consideração à partida para, num segundo momento,

8 Está em curso o processo de delegação de competências nos Conselhos Directivos e nos Conselhos Científicos, por parte do Magnífico Reitor.

9 Está identicamente em curso a definição das competências da Comissão Coordenadora do Conselho Científico.

10 Como há muito defendemos (cfr. José Alberto de Melo Alexandrino, O procedimento pré-contratual nos contratos de empreitada de obras públicas, Lisboa, 1997, pp. 58, 108), no procedimento administrativo, mostra-se conveniente a adopção da figura do “responsável pelo procedimento”, independentemente de a condução do mesmo competir a um funcionário ou agente, a um júri ou a um órgão colegial – naturalmente, para além da devolução aos Serviços de determinadas tarefas, a começar pela do secretariado nas reuniões do júri.

11 A prática regista, em 2006, a utilização de “edital” (por exemplo, na Universidade de Évora, na Universidade da Madeira, na Universidade do Minho, na Universidade Nova de Lisboa ou na Universidade do Porto) e de “aviso” (na Universidade Técnica de Lisboa, por exemplo).

12 Hoje regulado essencialmente no Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho.13 Sobre o problema dos conflitos normativos e Administração Pública, por todos, cfr. Paulo

Otero, Legalidade e Administração Pública – O sentido da vinculação administrativa à juridicidade , Coimbra, 2003, maxime pp.639 ss.

14 Sobre a complexidade da resolução de antinomias jurídicas junto da Administração, em nota conclusiva, cfr. Paulo Otero, Legalidade..., p. 727.

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dilucidar como deve ser resolvida, em concreto, uma específica dimensão dessas relações15, na hipótese da solução normativa não ser alcançável no sistema do próprio regime especial (o ECDU).

3.2. O artigo 13.º do ECDU (ao invés do que dispunha o artigo 52.º, n.º 1, do anteprojecto de 2001) não estabeleceu expressamente a regra segundo a qual os concursos documentais se regem por regulamento a aprovar pela entidade pública. Devia, em todo o caso, tê-lo feito, por imperativos de segurança jurídica, racionalidade e garantia dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. O legislador preferiu escolher uma estrada um pouco mais sinuosa, ao estabelecer nos n.os 2 e 4 desse artigo 13.º que cada concurso documental se rege pelos termos do respectivo edital. Qual é o alcance jurídico destas disposições?

(i) Em primeiro lugar, delas resulta directamente a atribuição à entidade administrativa de uma ampla margem de configuração do conteúdo do próprio edital16;

(ii) Em segundo lugar, ao determinar que as condições e termos do concurso são definidos no edital, a lei está a autorizar a administração a editar as normas que hão-de pautar as condições do concurso (designadamente: documentação a apresentar, funcionamento do júri, forma de apreciação dos elementos curriculares, eventual admissão de entrevista, critério de ordenação dos candidatos, prazo de proferimento da decisão, forma da decisão, notificações e destino das actas);

(iii) Ou seja, o artigo 13.º, n.os 2 e 4, do ECDU acaba por conferir, indirectamente, um poder de integração normativa equivalente ao do que se disporia por apelo ao artigo 52.º, n.º 1, do anteprojecto;

15 Mesmo à luz do artigo 2.º do anteprojecto, a conclusão a retirar não poderia deixar de ser esta.16 Sobre os limites da margem de livre decisão, em especial sobre os seus limites imanentes, cfr.

Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, tomo I, Lisboa, 2004, pp. 197 ss.; sobre os princípios fundamentais do recrutamento e selecção de pessoal, na sua qualidade de princípios gerais comuns a todos os concursos, cfr. Paulo Veiga e Moura, Função Pública, 1.º vol., Coimbra, 1999, pp. 87 ss., que todavia parece chegar a uma conclusão excessiva ( ibidem, p. 96), face ao teor literal dos artigos 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho

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(iv) Em quarto lugar, uma vez que o próprio ECDU disciplina, nos seus artigos 37.º a 52.º17, de forma exaustiva, um outro concurso documental (o concurso para recrutamento de professores catedráticos e associados), é esta disciplina – e não outra – que, com as necessárias adaptações18, deve servir de quadro subsidiário ao concurso documental para recrutamento de assistentes estagiários, bem como para os procedimentos similares que possam ter lugar para recrutamento de assistentes ou contratação de monitores.

Dito isto, que todavia representa já um avanço considerável, permanece ainda por esclarecer: (1.º) se é ou não admissível a adopção de um regulamento sobre o assunto; (2.º) qual o conteúdo que, na ausência de regulamento, deve ser dado ao edital; (3.º) se podem existir avisos e se o conteúdo destes deve ser distinto do dos avisos publicados no Diário da República.

À primeira destas subquestões, damos liminarmente uma resposta positiva, por um conjunto de razões que não vemos sequer motivo para desenvolver, não estivéssemos nós perante uma das mais evidentes provas da conveniência no exercício da autonomia universitária, precisamente nos domínios estatutário19, científico e administrativo20.

Na ausência de regulamento, o conteúdo do edital21 é essencialmente relativo22 e pode ser, parcialmente, feito por remissão (para os requisitos fixados no ECDU, para documentação referida no regime geral de recrutamento de pessoal ou para outros documentos devidamente publicizados); o importante é que contenha (ou remeta para)

17 Em conformidade com o artigo 9.º, alínea b), do mesmo diploma.18 Encontramo-nos, também aqui, perante um resultado em tudo idêntico ao que resultaria da

aplicação do artigo 52.º, n.º 1, in fine, do anteprojecto.19 Ainda que a questão não seja líquida, nos limites dos estatutos da respectiva Universidade,

entendemos que também as faculdades e demais unidades orgânicas gozam de autonomia estatutária (subespécie de autonomia normativa).

20 Por último, cfr. Jorge Miranda, «Art. 76», in Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, pp.738 ss., maxime 740 s.

21 Ainda que não seja directamente aplicável, o conteúdo do aviso de abertura no recrutamento do regime geral (artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho) bem pode servir de modelo (sobre o assunto, cfr. Paulo Veiga e Moura, Função Pública, pp. 120 ss.)

22 Um bom exemplo de edital, entre muitos outros, é o constante do aviso da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, publicado no Diário da República, II série, n.º 23, de 28 de Janeiro de 1993.

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todas as condições funcionalmente requeridas naquele específico concurso, no que respeita: à entidade promotora, ao âmbito e destinatários do concurso, à eventual exigência de apresentação de trabalhos, à documentação a apresentar, aos métodos de selecção, à possibilidade de exigir a prestação de esclarecimentos complementares orais (ou até a realização de uma entrevista) e ao critério de ordenação dos candidatos23.

Quanto à última das subquestões, deve, por um lado, utilizar-se apenas a designação legal que é a de “Edital” e, por outro, o conteúdo do Edital deve ser o mesmo quando publicado no Diário da República ou nos jornais, pois a esse resultado conduz inequivocamente o elemento literal.

3.3. Quanto aos métodos de selecção a utilizar, eles devem estar especificados no edital (artigo 13.º, n.os 2 e 4, do ECDU).

Ora, tratando-se de um “concurso documental”, que mais não fosse por aproximação ao disposto nos artigos 37.º ao 52.º do ECDU24, os métodos de selecção hão-de incidir totalmente ou, pelo menos, de forma preponderante sobre elementos com suporte documental escrito (ou equiparado), sejam elementos curriculares, sejam trabalhos especificamente elaborados para o concurso. Ou seja, o método de selecção, há-de ser sempre uma espécie de “apreciação curricular qualificada”25, segundo as condições fixadas no edital; por sua vez, por analogia com o disposto no artigo 49.º do ECDU, a “ordenação dos candidatos” deve ter por fundamento algo como “o mérito científico e pedagógico do curriculum vitae”, o mérito26 do (eventual) trabalho apresentado a concurso, bem como os esclarecimentos prestados sobre o mesmo27.

23 A composição do júri e a homologação da decisão estão expressamente reguladas no n.º 4 do artigo 13.º do ECDU; já quanto ao funcionamento dos júris, na ausência de outro regulamento (designadamente da Universidade), julgamos ser matéria que deve ser disciplinada em termos genéricos pelo Conselho Científico.

24 Eis um domínio de manifesta inaplicabilidade do regime geral de recrutamento e selecção.25 Devem, por isso, considerar-se anómalos alguns dos métodos utilizados por outras instituições

do ensino superior público.26 No artigo 49.º, n.º 2, do ECDU fala-se em “valor pedagógico e científico”, mas reportando-se ao

relatório exigido nos concursos para professor associado (artigo 44.º, n.º 2).27 É, nessa medida, inteiramente adequado o disposto no ponto 7 do anúncio publicado pela

Faculdade de Direito de Lisboa, no Diário da República, II série, n.º 218, de 14 de Novembro de 2005, p. 15 995, como exemplo de uma excelente tradição; tal como o é, entre outros, o Edital n.º 348/2006 feito publicar pela Universidade do Minho (Diário da República, II série, n.º 161, de 22 de Agosto de 2006, p.

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Quanto à entrevista, se entendida num sentido estrito, ela não deveria ter lugar num procedimento deste tipo, devido precisamente ao seu carácter não-documental28. Já quando entendida como mero adjuvante no esclarecimento dos elementos documentados, ela é perfeitamente compatível com a natureza do procedimento, podendo ser aliás muito conveniente. Em todo o caso, entendemos que a entrevista29 não deverá ter um peso decisivo no resultado do concurso25.

3.4. Por expressa disposição legal (artigo 13.º, n.º 4, do ECDU), as funções do júri – a lei não utiliza sequer, no âmbito deste concurso, a expressão “júri” – competem “à comissão do conselho científico do grupo ou departamento respectivo”26.

Existirá então o dever de lavrar actas das reuniões? E em que termos ?Mais uma vez, perante a lacuna, o caso análogo mais próximo está patente no

artigo 52.º, do ECDU, que dispõe:

1. A decisão do júri, tomada por maioria simples dos votos dos seus membros, ficará consignada em acta, com indicação do sentido dos votos individualmente expressos e dos respectivos fundamentos.

2. O resultado do concurso constará de relatório final, subscrito por todos os membros do júri, que será remetido, juntamente com as actas do concurso, ao Ministério da Educação, no período de oito dias.

15 825).28 No âmbito do regime geral de recrutamento e selecção, procura-se hoje objectivar a entrevista

profissional [cfr. artigos 23.º, n.os 1 e 2, e 27.º, n.º 1, alínea g), do Decreto-Lei n.º 24/98, de 11 de Julho], particularmente através da elaboração de uma ficha individual detalhada (sobre o assunto, cfr. Francisco Pimentel, Guia Prático sobre Concursos de Pessoal na Função Pública, Coimbra, reimp., 2002, pp.71 ss.).

29 Nesse sentido aponta já o legislador, no âmbito do próprio regime geral (cfr. artigo 36.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho).

25 No limite, ainda que isso não corresponda nem a uma exigência nem a um hábito no plano universitário, poderia ser eventualmente sugerido – caso o critério de ordenação dos candidatos não devesse ser o que ficou indicado no texto – que o resultado da classificação (CF) fosse dado pela aplicação de uma fórmula como a seguinte (em que AC é a avaliação curricular e E a ponderação dos esclarecimentos orais): CF = 4AC + E.

526 Deve, contudo, entender-se que se trata de um júri pelo menos em sentido funcional.

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3. O relatório final referirá unicamente os nomes dos candidatos a nomear para as vagas postas a concurso.

Deste quadro, resultam, com as necessárias adaptações, linhas claras de solução do problema, que, também aqui, não passam pelo recurso ao disposto no regime geral de recrutamento e selecção27. São elas as seguintes:

(i) A comissão do conselho científico (que funciona como júri) deve lavrar actas das suas reuniões;

(ii) Se um candidato tiver de ser excluído, a comissão “elaborará um relatório justificativo, que será assinado por todos os seus membros e de cujo teor se dará conhecimento ao candidato excluído” (artigo 48.º, n.º 2, do ECDU) – ou seja, nesta hipótese, deve ser elaborado um relatório justificativo, anotando simultaneamente o facto em acta28;

(iii) As actas devem conter os fundamentos das decisões tomadas29;(iv) As actas, juntamente com o relatório final, são enviadas ao Conselho

Científico (ou à sua comissão coordenadora)30.

3.5. Finalmente, sobre a realização da audiência dos interessados, nos concursos documentais a que se referem os artigos 37.º a 52.º do ECDU, não parece que haja lugar

27 Cfr. artigos 15.º, 16.º e 29.º, entre outros, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho.28 Face à menor dignidade do concurso para assistente estagiário, na falta de especificação no edital

ou em regulamento, é duvidosa a aplicação analógica do disposto no artigo 44.º do ECDU (o que pressuporia uma decisão pelo menos da comissão coordenadora do Conselho Científico a homologar a não admissão ao concurso).

29 Cfr. artigo 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho.Em geral sobre as actas dos órgãos administrativos colegiais, vejam-se os artigos 27.º e 28.º do

CPA; como exemplos de minutas de actas, cfr. Francisco Pimentel, Guia Prático..., pp. 60 ss.30 A norma do artigo 52.º, n.º 2, do ECDU constitui norma especial, quer relativamente ao disposto

no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho (enunciando aliás um direito de acesso às actas sob reserva de lei), sobre o qual prefere, quer relativamente ao disposto no artigo 62.º do CPA, que todavia sempre seria pelo menos de aplicação supletiva, nos termos do artigo 2.º, n.º 7, do CPA. Pelo menos, uma vez que tudo aponta para que estejamos aí perante um conjunto de normas que concretizam preceitos constitucionais (artigo 268.º, n.os 1 e 2, da Constituição), o que implica a aplicação imediata dessas normas do CPA, por força do disposto no seu artigo 2.º, n.º 5.

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à realização de uma formalidade desse tipo31. Na verdade, se o concurso for estritamente documental e se o critério de ordenação dos candidatos for o do mérito científico e pedagógico, salvo em situação de erro grave ou má fé, não se vê como possa a participação dos candidatos ter utilidade na decisão32.

Porém, não só não estamos directamente na presença de um concurso desse tipo como, a propósito da necessidade de proceder à audiência prévia surgem dificuldades adicionais, que importa sumariamente enfrentar. Essas dificuldades tanto podem resultar da fenomenologia do concurso como de considerações técnico-jurídicas mais vastas.

Quando, num concurso documental, a entidade administrativa tenha indicado entre os métodos de selecção dos candidatos a “entrevista”, a “entrevista profissional de selecção”, a “experiência profissional”, a “motivação para o ensino e investigação” ou métodos semelhantes, os candidatos têm possibilidade de controlar a objectividade da respectiva aplicação, nomeadamente na base das fórmulas de classificação que então se impõem, aduzindo razões e argumentos em defesa dos seus pontos de vista ou, eventualmente até, em defesa da racionalidade da decisão. Tudo impõe neste caso a realização da audiência.

Mas, ainda que o tema seja atravessado por inúmeras controvérsias e ainda que com dúvidas, pensamos que a conclusão há-de ser a mesma – pelo menos na falta de preceito legal especial que expressamente exclua ou limite a realização dessa formalidade – nas demais situações do concurso documental do artigo 13.º do ECDU.

Com efeito, apesar de, há muito, considerarmos que a audiência prévia não constitui objecto de um direito fundamental33 e que a falta de realização da audiência se

31 Já quanto à realização da audiência prévia nos concursos do regime geral, cfr. Paulo Veiga e Moura, Função Pública, pp. 163 ss.; Francisco Pimentel, Guia Prático..., pp. 79 ss.

32 Ainda assim, não pode por esse motivo considerar-se integrada a previsão do artigo 103.º, n.º 1, alínea b), do CPA, que consagra uma das hipóteses de inexistência de audiência (sobre o tópico, entre outros, cfr. Paulo Mota Veiga, Função Pública, p. 169; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 5.ª reimp., 2006, p. 321).

33 Cfr., v.g., Marcelo Rebelo de Sousa / José de Melo Alexandrino, Constituição da República Portuguesa – Comentada, Lisboa, 2000, p. 398.

Na recusa da qualificação como tal está essencialmente a ausência de fundamentalidade material, sobre cujo conceito, por último, cfr. José de Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituição portuguesa, vol. II – A construção dogmática, Coimbra, 2006, pp.174 ss.

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traduz em mero vício de forma gerador de anulabilidade (artigo 135.º do CPA)34, não pode deixar de reconhecer-se que, nesta parte, o Código do Procedimento Administrativo pretendeu inequivocamente introduzir-se em todos os procedimentos administrativos35 disciplinados em lei anterior36. Se a esse resultado conduzem os elementos do programa normativo37, no mesmo sentido depõem a praxis da Administração Pública, bem como o sentido da jurisprudência dos tribunais administrativos e, em geral, as orientações na doutrina.

O facto de os candidatos pouco poderem adiantar de seu, num procedimento documental, até pode ser considerado uma razão a favor da audiência, uma vez que da realização da mesma não é previsível que resulte grande perturbação à marcha do procedimento. Tudo está, nesse caso, em organizar atempadamente a notificação dos candidatos para que se pronunciem sobre o projecto de decisão (no caso, a lista que virá a figurar no relatório da comissão) ou mesmo em momento anterior [cfr. artigo 103.º, n.º 2, alínea a), do CPA].

4. Conclusões

Em modo de síntese final, poderíamos formular as seguintes conclusões:

(1.ª) Deve preferir-se a denominação de edital à de aviso;(2.ª) O edital deve ser publicado no Diário da República e em dois jornais;(3.ª) O conteúdo dos editais publicados pela Faculdade de Direito tem-se revelado

adequado às exigências legais e funcionais dos concursos, o mesmo se

34 Já neste sentido, cfr. José M. Alexandrino, O procedimento pré-contratual..., p. 68, nota 114.35 E, de certo modo, como há muito reconheceu a doutrina, todos os procedimentos são especiais.36 Sobre a importante distinção entre as leis especiais anteriores e posteriores ao CPA (levando num

caso à aplicação directa e no outro à aplicação supletiva), cfr. Mário Esteves de Oliveira / Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa – Das fontes às garantias, Coimbra, 1998, pp.35 ss.

37 Quanto à letra, veja-se, em particular, o disposto nos artigos 2.º, n.º 5, e 100.º, n.os 1 e 3, do CPA.60

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podendo dizer dos métodos de selecção, da ordenação dos candidatos, da composição e do funcionamento do júri;

(4.ª) O candidato excluído deve ser notificado pela comissão, com base em relatório justificativo, assinado por todos os seus membros;

(5.ª) Na dúvida, os júris deverão promover, por recurso a fórmulas expeditas, a audiência dos candidatos, de modo a procurar satisfazer as exigências impostas pelo Código do Procedimento Administrativo.

Salvo melhor.

Lisboa, 4 de Outubro de 2006

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§ 9.NOTAS AO ANTEPROJECTO

DE ESTATUTOS DA FACULDADE ∗

Introdução

Sem prejuízo de o anteprojecto de estatutos1 […] me parecer bem nas suas linhas fundamentais (tendo apreciado particularmente a atenção dada à regulação do processo eleitoral e revisão dos estatutos), vou directamente aos aspectos que convocaram as minhas reflexões e que se prendem com (i) a coadjuvação do Director, (ii) com as competências dos órgãos e (iii) com as estruturas de avaliação interna da qualidade.

No final dessas notas, deixarei ainda uma ou outra sugestão de redacção.

1. Coadjuvação do Director

Hoje mais do que nunca, […] uma Faculdade com milhares de alunos e centenas de docentes constitui uma organização especial2 e complexa, à qual se colocam sempre crescentes exigências, desde logo ao nível da gestão propriamente dita.

Para responder a esses desafios3, muitas universidades, designadamente anglo-

* Versão pontualmente abreviada das notas remetidas ao Senhor Professor Doutor Jorge Miranda, autor do anteprojecto em referência.

1Na sua versão de 2 de Julho de 2008.2 Sobre a especificidade deste tipo de organização baseada em informações, merece ser lembrado o

célebre ensaio de Peter Drucker, The coming of the new organization (Knowledge management) [1988], trad. portuguesa, «A nova organização», in Peter Drucker na Prática, Rio de Janeiro, Elsevier / Editora Campus, 2006, pp.7-27.

3 Sobre estes desafios, Júlio Pedrosa / João Filipe Queiró, Governar a Universidade Portuguesa – Missão, organização e autonomia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, pp.1 ss.

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saxónicas (por exemplo, da Austrália ou do Reino Unido), não dispensam a existência4

de gestores (em regra, nas vestes do Faculty Manager ou do Executive Officer)5 e de outros cargos executivos similares.

No Canadá, mas também nos Estados Unidos6, existe em muitas Faculdades o cargo de Deão/ou Director-adjunto (Doyen adjoint, Assistant Dean)7.

Ainda que em Portugal, por razões conhecidas8, a solução não tenha sido adoptada, a introdução de um órgão singular de direcção tenderá a abrir caminho a essas figuras9.

Por seu lado, da auscultação a diversos professores e assistentes da Faculdade, colhi a convicção de que seria bem aceite a introdução do cargo de adjunto do Director ou secretário executivo. A única observação que me foi feita prendeu-se com a preservação das funções legais e estatutárias do secretário da Faculdade, o que não é difícil de garantir nos próprios estatutos.

Nesse sentido, como mais uma forma de coadjuvação do Director, proponho a criação do cargo de adjunto do Director /ou secretário executivo.

Para tal, sugiro que:

4 Além, naturalmente, do director/deão e dos vice-directores.5 Na Universidade de Sydney (como se pode ver no documento acessível em

<http://www.usyd.edu.au/about/publication/pub/calendar/2006/gen_deans_2006.pdf>, 28.07.2008), todas as 16 Faculdades ou Escolas dispõem de estruturas desse tipo, sendo a mais frequente a existência de um Faculty Manager.

A Faculdade de Direito, por exemplo, além do Dean e do Professor Head of School, dispõe ainda de dois Pro-Dean (no caso, dois Professores associados) e de um Faculty Manager. Há Faculdades que têm dois gestores (como Veterinária), três gestores (como Artes), comité executivo e gestor (como Economia e Gestão, Engenharia), director-executivo e gestor (como Ciências), só comité executivo (como Medicina), só gestor (como a Escola de Artes), etc.

6 Figuras como as referidas também aparecem em países tão diferentes como a Suíça, a Hungria, a Sérvia, a Rússia, a Indonésia, etc.

7 Assim, por exemplo, na Faculdade de Direito da Universidade de Ottava, o constitucionalista Pierre Thibault desempenha actualmente as funções de Director-adjunto e secretário (Doyen adjoint et secrétaire), existindo ainda uma segunda adjunta do Director.

Na Faculdade de Ciências da Universidade do Ontário Ocidental foi recentemente criado o cargo de adjunto para a diversidade e o apoio social (Assistant Dean, Diversity & Outreach), cfr. <http://www.uwo.ca/sci/docs/general/Assistant%20Dean%20Diversity&Outreach-Revised.pdf>.

8 Sobre os problemas da governação das universidades entre nós, Júlio Pedrosa / João Queiró, Governar a Universidade Portuguesa..., pp.17 ss., 33 ss., 60.

9 Em algumas escolas da Universidade Católica Portuguesa existe uma Comissão Executiva, que, embora constitua órgão auxiliar do Director, visa sobretudo a articulação regional.

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a) Salvaguardando as funções legal e estatutariamente cometidas ao secretário da Faculdade, possam caber em especial ao adjunto do Director funções nos domínios da comunicação e informação, da avaliação da qualidade, do desenvolvimento e da internacionalização;

b) O adjunto do Director possa integrar o órgão a que se refere o artigo 49.º (Conselho Académico), ainda que me pareça mais necessária a existência de um conselho coordenador (órgão verdadeiramente auxiliar do Director, para a reflexão sobre problemas de organização e gestão da Faculdade) do que de um Conselho Académico10;

c) O núcleo de meios audiovisuais (a que se refere o artigo 68.º, n.º 3) passe para a órbita do Director, constituindo responsabilidade directa do adjunto do Director;

d) O Director, quando a tal se não oponha o Presidente do órgão em causa, se possa excepcionalmente fazer assistir pelo seu adjunto nas reuniões em que participe, pelo menos no seio da Faculdade.

2. Competências dos órgãos

Em matéria da competência dos diversos órgãos de gestão, sugiro os seguintes aditamentos:

a) Quanto às competências da Assembleia da Faculdade

[Aditamento ao artigo 32.º]Aprovar a Carta de Conduta [ou outra designação] dos estudantes da Faculdade de Direito.

10 O mesmo se pode dizer das comissões de ano referidas no artigo 62.º, n.os 1 e 3, que não têm, ao que creio, funcionado minimamente (sem prejuízo de reconhecer a necessidade de mecanismos de coordenação a esse nível).

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b) Quanto às competências do Director

[Aditamento ao artigo 45.º]Definir um modelo uniforme de concretização dos efeitos, designadamente financeiros, da colaboração entre a Faculdade e os institutos de ensino e investigação sectoriais, ouvido o Conselho Científico e os Presidentes de cada um dos Institutos, e velar pela boa execução do mesmo.

c) Quanto às competências do Conselho Científico

[Aditamentos ao artigo 55.º]Fixar os princípios estruturantes do regime de avaliação de conhecimentos

Velar, se necessário através de estruturas próprias, pela qualidade do ensino ministrado na Faculdade

[Aditamento, no final da alínea b) do artigo 56.º] (...), nomeadamente através da definição dos princípios estruturantes dos programas de mestrado e de doutoramento.

3. Estruturas de avaliação interna da qualidade

Quanto à avaliação interna da qualidade, penso que a estrutura a prever nos estatutos deveria estar menos definida; em alternativa, a composição da comissão referida no artigo 36.º deveria ser reformulada, pelo menos no sentido de integrar outros docentes (nomeadamente assistentes) e o adjunto do Director (caso venha a existir).

Por um lado, como em parte decorre de sugestões anteriores, todos os órgãos são chamados a envolver-se na avaliação interna da qualidade. É por isso que, em grande

65voltar ao Plano

medida, não basta a articulação com o Conselho Pedagógico (artigo 36.º, n.º 3), devendo aliás obstar-se aos bloqueios que podem advir de uma insuficiente ou inadequada articulação.

Por outro lado, a experiência destes dois meses como membro da Comissão de avaliação interna (constituída por professores e assistentes) permitiu perceber que uma estrutura deste tipo pode desenvolver um bom trabalho, como penso que será visível já em Outubro de 2008.

Por fim, a Faculdade encontra-se de certo modo ainda dependente da definição pela Universidade das várias componentes do sistema de garantia interna da qualidade referidas nos artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 38/2007, de 16 de Agosto, o que talvez também desaconselhe soluções rígidas em sede de estatutos da Faculdade.

4. Sugestões de redacção

Artigo 1.º, n.º 2Aditar no início: No domínio das disciplinas jurídicas,

Artigo 2.º, n.º 2Aditar no final: ou daquela que lhe venha a suceder

Artigo 13.ºAditar, depois de “nos termos da lei”: , dos estatutos e dos regulamentos da Universidade,

Artigo 48.ºAlterar a epígrafe (?): Coadjuvação do Director

Artigo 52.ºAditar, depois de “com agregação” e no final: ou seu equivalente na carreira de investigação

Artigo 54.º, n.º 2Aditar, depois de “tem o direito de”: através do Presidente do Conselho Científico

Artigo 56.º, alínea c)66

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Aditar, depois de “Centro”: ou Centros

Artigo 69.º, n.º 1Aditar, depois de “Científica”: existente.

Eis […] as notas e observações que, sem prejuízo de melhor análise, a leitura do anteprojecto de estatutos me mereceu.

Lisboa, 29 de Julho de 2008

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§ 10.MESTRADOS EM DIREITO

PRINCÍPIOS ORIENTADORES ∗

Princípios gerais

1. A Faculdade de Direito oferece programas de mestrado científico e programas de mestrado profissionalizante.

2. A organização de cada programa de mestrado compete ao Conselho Científico.3. A criação de um programa de mestrado pressupõe necessariamente:

a) A prévia identificação dos respectivos objectivos, destinatários e modelo específico de funcionamento;

b) A ponderação da avaliação feita aos resultados dos programas de mestrado em funcionamento na Faculdade;

c) A consideração dos programas de mestrado em Direito oferecidos por outras Instituições, particularmente na área da Grande Lisboa.

4. Anualmente, o Conselho Científico define o número máximo de áreas de especialização e procede à racionalização da oferta de toda a formação pós-graduada.

* Proposta apresentada ao Conselho Científico e aprovada na generalidade na reunião de 25 de Outubro de 2009.

68voltar ao Plano

5. Compete ao Director, sob proposta do grupo de disciplinas, designar o coordenador de cada programa de mestrado.

I) Programas de mestrado científico

6. Os programas de mestrado científico têm a duração de 4 semestres.7. Não são admitidos aos programas de mestrado científico candidatos com

classificação inferior à classificação mínima de licenciatura concretamente exigida, salvo o disposto no número seguinte.

8. Pode admitir-se a transição para os programas de mestrado científico de candidatos que obtiverem uma classificação elevada no termo da parte lectiva do mestrado profissionalizante.

9. Os programas de mestrado científico integram necessariamente uma vertente de metodologia do trabalho científico.

II) Programas de mestrado profissionalizante

10. Os programas de mestrado profissionalizante têm a duração de três semestres.11. As aulas têm preferencialmente carácter teórico-prático.12. Os trabalhos finais devem ter um tema circunscrito, preferencialmente com

relevância prática.13. A orientação dos trabalhos finais será adaptada a um conjunto de modelos de

orientação a definir pelo Conselho Científico.14. Os júris das provas de mestrado profissionalizante integram pelo menos um

doutor.

Lisboa, 15 de Outubro de 200969

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§ 11.A INVALIDADE DO ARTIGO 9.º-A

DO REGULAMENTO NACIONAL DE ESTÁGIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS ∗

Introdução

Na sua sessão plenária de 28 de Outubro de 2009 e de 10 de Dezembro de 2009, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados aprovou diversas alterações ao Regulamento Nacional de Estágio (Regulamento n.º 52 -A/2005, de 1 de Agosto)1, nomeadamente a que resulta do aditamento de um artigo 9.º-A (Exame nacional de acesso ao estágio), que dispõe no seu n.º 1:

1 — A inscrição preparatória dos candidatos que tenham obtido a sua licenciatura após o Processo de Bolonha será antecedida de um exame de acesso ao estágio, com garantia de anonimato, organizado a nível nacional pela CNA ou por quem o Conselho Geral designar.

* Texto do parecer sumário apresentado à Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, a pedido informal desta, no âmbito da contestação do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados.

[No sentido das conclusões deste parecer, pelo Acórdão n.º 3/2011, de 4 de Janeiro, o Tribunal Constitucional veio a declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 9.º-A, n.os 1 e 2, do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados, na redacção aprovada pela Deliberação n.º 3333-A/2009 do Conselho Geral da Ordem dos Advogados].

1 Deliberação n.º 3333-A/2009, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 242, de 16 de Dezembro de 2009.

Nos termos do artigo 45.º, n.º 1, as alterações aprovadas entraram em vigor a 1 de Janeiro de 2010.

70voltar ao Plano

A invalidade do n.º 1 deste novo preceito – ao qual podemos pragmaticamente cingir-nos – é, porém, manifesta, (i) quer por razões de legalidade, (ii) quer por razões de constitucionalidade, (iii) incorrendo no final no desvalor da nulidade.

1. A ilegalidade do regulamento

A norma em questão foi aprovada em flagrante desvio ao princípio da legalidade2, quer por contradição directa ao direito vigente3 (artigo 187.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que em todo o caso sempre gozaria de preferência), quer por ofensa ao princípio da reserva de lei. No caso, a reserva de lei é ofendida por duas vias: (i) por um lado, porque, quanto ao seu conteúdo, o acto produzido pelo Conselho Geral não tem fundamento numa norma jurídica primária prévia; (ii) por outro lado, porque foi flagrantemente desrespeitado o princípio da legalidade da competência, uma vez que a introdução de semelhante disciplina exorbita das atribuições da Ordem dos Advogados (v. infra, n.º 2).

2. A inconstitucionalidade do regulamento

A inconstitucionalidade da norma deriva de três ordens de razões: (1) da invasão de um domínio da função legislativa por parte de um órgão da Administração Pública; (2) da violação da reserva material de lei, por estar em causa uma afectação de direitos, liberdades e garantias; e (3) pela simultânea violação da reserva de lei parlamentar, consagrada no artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa (abreviadamente, CRP).

2 Entre muitos, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Sobre os Regulamentos Administrativos e o princípio da legalidade, Coimbra, 1987, pp. 155 ss.; Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, tomo I – Introdução e princípios fundamentais, 3.ª ed., Lisboa, 2008, pp. 159 ss.

3 Decidiu por isso bem, nessa parte, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, na sentença de 29 de Março de 2010 (P. 521/10.7BELSB).

71voltar ao Plano

2.1. Antes de mais, por se tratar de uma norma inovadora, a aprovação pelo Conselho Geral do artigo 9.º-A do Regulamento Nacional de Estágio configura a prática de um acto que invade a essência do político, exprimindo uma clara realização de opções4 sobre a definição e prossecução de interesses essenciais da colectividade5.

Por outras palavras, o acto praticado invade o domínio da função legislativa, que “consiste essencialmente na actividade permanente e de carácter político de definição de princípios e elaboração de preceitos com eficácia externa, tipicamente com carácter regulador da vida colectiva e, portanto, com vocação primacial de incidência directa e imediata nos cidadãos”6.

Ora, sendo a Ordem dos Advogados mera associação pública, integrando por essa via a administração autónoma, e encontrando-se a mesma confinada ao desempenho da função administrativa, a prática de um acto pertencente às funções primárias do Estado, não pode deixar de ser entendida como uma verdadeira usurpação de funções.

E uma invasão deste tipo importa naturalmente a inconstitucionalidade do regulamento7.

2.2. Em segundo lugar, não estamos perante uma incursão legislativa qualquer; estamos perante a restrição a um direito, liberdade e garantia, por se tratar de uma acção normativa que afecta desfavoravelmente o conteúdo ou o efeito de protecção8 da liberdade de escolha de profissão (artigo 47.º, n.º 1, da CRP).

Também aqui, a ofensa é evidente, desde logo porque o n.º 1 do artigo 47.º admite restrições “legais”9 (impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à capacidade), mas não admite, nem podia admitir, restrições “regulamentares”!

4 Como não deixa de decorrer do novo preâmbulo e do teor das diversas deliberações aprovadas pelo Conselho Geral.

5 Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, tomo I, p. 38.6 Ibidem, p. 39.7 Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo [colab. de Lino Torgal], vol. II,

Coimbra, 2001, reimp., 2006, p. 178.8 Sobre o conceito de restrição, José de Melo Alexandrino, Direitos Fundamentais – Introdução

geral, Estoril, 2007, p. 114.9 Reiterando nessa parte idêntica regra geral presente no artigo 18.º da CRP.

72voltar ao Plano

Mas a ofensa não deixa de ser evidente ainda pela percepção de que a norma regulamentar nunca se poderia ocupar de matérias onde vigora um princípio de reserva integral de lei (ou seja, de matérias que estejam constitucionalmente reservadas à lei), como é o caso da restrição a direitos, liberdades e garantias.

Ora, com o novo artigo 9.º-A, o Conselho Geral introduziu na ordem jurídica um claro cerceamento do direito de acesso à profissão de advogado, quando a lei em vigor reconhece, sem nenhum obstáculo, o direito à inscrição no estágio dos licenciados em Direito10; o mesmo aliás já fazia o precedente Estatuto da Ordem dos Advogados, que justamente tivera como preocupação fundamental a “eliminação dos entraves ao pleno acesso à profissão”11.

3.3. Em terceiro lugar, nem sequer o Governo estaria habilitado a introduzir, por decreto-lei simples, semelhante solução, na medida em que a disciplina dos direitos, liberdades e garantias integra a reserva de competência legislativa da Assembleia da República [artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP], sendo por essa razão também evidente a inconstitucionalidade orgânica da intervenção normativa do Conselho Geral.

3. O desvalor jurídico do acto

A doutrina tende entre nós a ver na ilegalidade dos regulamentos o desvalor da nulidade, na medida em que, se assim não fosse, “o regulamento ilegal teria, na prática, a virtualidade de suspender a lei por si violada desde a sua entrada em vigor até à sua anulação, bem como a de revogar a lei por si violada no caso de a anulação não ser pedida no prazo legalmente previsto”12.

E, neste caso, mais do que a ilegalidade pesa a inconstitucionalidade – num duplo sentido: (1) no sentido de se estar em presença de uma nulidade absoluta ou radical, por

10 Artigo 187.º da Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro.11 Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março.12 Cfr. Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, tomo

III – Actividade Administrativa, Lisboa, 2007, pp. 256-257.73

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usurpação do poder legislativo13; e (2) no sentido de legitimar inclusivamente aos cidadãos o recurso ao direito de resistência (artigo 21.º da CRP)14.

Quanto ao mais, em aplicação do quadro jurídico da nulidade, o acto é nulo e de nenhum efeito e a respectiva invalidade pode ser conhecida oficiosamente e impugnada a todo o tempo.

Salvo melhor.Lisboa, 4 de Maio de 2010.

13 Admitindo esta modalidade de usurpação de poder, no caso do acto administrativo, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, p. 386.

14 Por último, Paulo Otero, Direito Constitucional Português, vol. I – Identidade constitucional, Coimbra, 2010, pp. 115 ss.

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§ 12.PROPOSTA DE ALTERAÇÃO AOS

ESTATUTOS DA FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA ∗

Segundo o artigo 95.º, n.º 1, dos Estatutos da Faculdade, publicados em 19 de Março de 2009, os estatutos podem ser revistos um ano após a data da sua publicação, sendo que entre os órgãos com poder de iniciativa se encontra o Conselho Científico (artigo 97.º, n.º 1).

Não tendo tido intervenção na discussão que rodeou a aprovação dessas normas, por autolimitação imposta pelo facto de integrar a Comissão Técnica nomeada para acompanhar o processo estatutário (artigo 54.º, n.º 3, dos Estatutos da Universidade), o signatário, tendo em conta a experiência deste ano e meio e o superior interesse da Faculdade, entende ser seu dever colocar à apreciação do Conselho Científico, de que é membro, um pequeno conjunto de propostas de alteração aos Estatutos, alterações essas que incidem nos seguintes domínios: (i) forma de eleição do Director; (ii) plano estratégico; (iii) dispensa de serviço; e (iv) afinamento do perfil do Conselho Académico.

Relativamente ao procedimento de eleição do Director, por razões de equilíbrio com as soluções desenhadas para a designação do Reitor e por razões de racionalidade e de prestação de contas, não há razões para que não deva ser seguida uma solução idêntica ou equivalente à adoptada pelas demais unidades orgânicas da Universidade de Lisboa.

* Proposta apresentada ao Conselho Científico em Outubro de 2010 e por este apreciada na reunião de 26 de Janeiro de 2011.

75voltar ao Plano

Relativamente ao plano estratégico da Faculdade, já previsto nos actuais Estatutos, importa apenas clarificar o órgão ao qual compete a respectiva elaboração e o prazo para o efeito.

Quanto à matéria da dispensa de serviço, no caso do Director, parece razoável que a regra deva ser a da dispensa do serviço docente, admitindo no entanto a possibilidade de ser prestado o serviço, mediante comunicação ao Conselho Científico.

Já relativamente ao Conselho Académico, se a existência de um órgão desse tipo permite dar resposta a necessidades efectivas de participação e envolvimento da comunidade escolar na vida da Faculdade, a experiência revela que a solução acolhida nos Estatutos é propiciadora de ineficiência e de insegurança jurídica; assim, na redefinição do perfil desse órgão (cujas funções se devem cingir essencialmente aos trabalhos escolares, convénios, gestão administrativa e financeira e instalações da Faculdade), propõe-se que seja restringido ao necessário e adequado o elenco das decisões sujeitas a parecer vinculativo, aumentando por outro lado as exigências em termos de transparência e de condições de participação efectiva (daí a imposição de uma informação trimestral).

Nestes termos, propõe-se à consideração do Conselho Científico as seguintes alterações aos artigos 16.º, 20.º, 39.º, 43.º, 45.º, 46.º, 53.º, 55.º, 56.º e 59.º dos Estatutos da Faculdade:

Artigo 16.ºEleições

[…]6 – A eleição do Director rege-se pelo disposto no artigo 39.º.

Artigo 20.ºDispensa do serviço docente

1 – O Director está dispensado do serviço docente, podendo todavia prestá-lo, mediante comunicação expressa dirigida nesse sentido ao Conselho Científico.

76voltar ao Plano

2 – Os Presidentes da Assembleia da Faculdade, do Conselho Científico e do Conselho Pedagógico, bem como os Subdirectores e o Presidente do Instituto de Cooperação Jurídica podem ser dispensados pelo Conselho Científico, no todo ou em parte, do serviço docente.

Artigo 39.ºEleição

1 – Desde que reunindo as condições definidas no artigo 16.º, n.º 2, pode ser eleito Director qualquer professor ou investigador da Faculdade em exercício de funções ou professores ou investigadores de outra unidade orgânica da Universidade de Lisboa ou de outras instituições, nacionais ou estrangeiras, de ensino universitário ou de investigação.2 – O Director é eleito pela Assembleia da Faculdade, de harmonia com o disposto nos números seguintes.3 – O procedimento de eleição inclui necessariamente:

a) O anúncio público da abertura de candidaturas;

b) A apresentação pública de candidaturas;

c) A audição pública dos candidatos pela Assembleia da Faculdade, com apresentação e discussão do seu programa de acção;

d) A votação final da Assembleia da Faculdade.

4 – O procedimento de eleição do Director é organizado pela Assembleia da Faculdade e tem o seu início com o anúncio público da abertura do prazo para apresentação de candidaturas.5 – Considera-se eleito Director o candidato que obtiver a maioria absoluta dos votos dos membros da Assembleia da Faculdade em efectividade de funções.6 – Se nenhum candidato obtiver mais de metade dos votos válidos, proceder-se-á a uma segunda votação à qual apenas poderão concorrer os dois candidatos mais votados que não hajam retirado as suas candidaturas.

77voltar ao Plano

Artigo 43.ºCompetências de carácter geral

[…]j) Elaborar o plano estratégico da Faculdade, a submeter ao parecer do Conselho

Científico, no prazo de 60 dias contados da tomada de posse do Director;l) Elaborar e remeter aos presidentes dos demais órgãos da Faculdade uma informação

trimestral sobre a actividade da Faculdade, bem como sobre a situação financeira da mesma.

[aditamento de duas alíneas]

Artigo 45.ºCompetência relativa ao pessoal não docente e não investigador

Compete ao Director, ouvido o Conselho Académico:[…].

Artigo 46.ºCompetência relativa aos serviços da Faculdade

Compete ao Director, ouvido o Conselho Académico:[…].

Artigo 53.ºCompetências de carácter geral

[…]c) suprimida.

Artigo 55.ºCompetência relativa aos funcionários

não docentes e não investigadores

suprimido.

78voltar ao Plano

Artigo 56.ºCompetência relativa aos serviços da Faculdade

suprimido.

Artigo 59.ºCompetências de gestão administrativa e financeira

[…]b) suprimida.

Lisboa, 21 de Outubro de 2010

79voltar ao Plano

§ 13.ESTATUTOS DA FACULDADE: PRESENTE E FUTURO ∗

Começo por saudar a realização destas Jornadas Pedagógicas e por agradecer o amável convite que me foi dirigido pela Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, cumprimentando, muito cordialmente, o seu presidente, Gonçalo Carrilho.

Vou aproveitar esta oportunidade para partilhar convosco elementos da minha experiência ao longo de quase duas décadas, dando também de algum modo continuidade a reflexões e observações que fiz designadamente em Outubro passado, no âmbito dos “Estados Gerais da Associação Académica da Universidade de Lisboa”, sobre o novo modelo de governo da Universidade1.

Tendo presente o perfil destas jornadas, em breves tópicos e deixando a análise substantiva e o debate para depois, (i) começarei por recuperar algumas das notas sobre o governo da Universidade, (ii) passando em seguida a um conjunto de observações gerais sobre este processo de revisão dos estatutos da Faculdade (iii), centrando-me depois na exposição dos elementos fundamentais das três propostas de alteração aos estatutos entretanto apresentadas.

* Notas da intervenção proferida nas Jornadas Pedagógicas, organizadas pela Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, em 18 de Março de 2011.

1 Organizados pela Associação Académica da Universidade de Lisboa, nos dias 1, 2 e 3 de Outubro de 2010.

80voltar ao Plano

1. Reflexões sobre o modelo de governo da Universidade

1.1. Num momento em que se discutia ainda uma 2.ª versão do anteprojecto do regime jurídico das instituições do ensino superior (RJIES), em Maio de 2007, escrevi o seguinte sobre o sentido da reforma que então se desenhava: “[o] projecto procura […] dar resposta a problemas centrais do governo e da gestão dos estabelecimentos de ensino superior […]. Face às conhecidas debilidades do quadro vigente (nomeadamente quanto à autenticidade dos processos de participação, à competitividade eleitoral e responsabilização e quanto a preocupações com a boa gestão e a eficiência), as soluções desenhadas no projecto podem representar um franco progresso. Hoje em dia, de resto, perante o efectivo apagamento da assembleia de representantes, os estabelecimentos já são governados essencialmente por dois órgãos: o (presidente do) conselho directivo e o conselho científico”2.

Como é sabido, o novo regime jurídico das instituições do ensino superior quis dar uma centralidade efectiva ao reitor e ao director (presidencialização do sistema); por outro lado, o RJIES, ao mesmo tempo que procedia a uma compressão do estatuto dos estudantes, não deixou de revalorizar o conselho pedagógico. Em todo o caso, como defendi em Outubro passado, quanto ao novo órgão máximo do sistema, o Conselho Geral, tudo parece indicar que o mesmo “dificilmente pode cumprir eficazmente as funções de supervisão e de definição estratégica, quer por insuficiente ligação à vida da comunidade académica, quer pela completa ausência de vínculos de permanência (e da correspondente profissionalização) dos respectivos membros, quer pela própria indefinição quanto à natureza do órgão e às condições de funcionamento”3.

1.2. Quanto à forma como a Universidade de Lisboa concretizou as soluções do novo regime jurídico, registei essencialmente as seguintes duas notas, uma a respeito das áreas estratégicas e outra do sistema de governo da Universidade:

2 José Melo Alexandrino, Algumas notas sobre o projecto de proposta de lei de regime jurídico das instituições de ensino superior (v. supra, § 1).

3 José Melo Alexandrino, O novo modelo de governo da Universidade (v. supra, § 5).81

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(i) Quanto às áreas estratégicas, “tendo ficado pelo caminho uma concepção de “integração forte” pelas áreas estratégicas, as mesmas acabaram por se esvaziar, não passando hoje, pelo que me é dado observar, de estruturas virtuais de coordenação4, sem efectiva ligação às Faculdades ou ao Conselho Geral”.

(ii) Quanto ao sistema de governo, pronunciei-me a favor da introdução de alguns afinamentos, “a começar pelo reforço operacional e simbólico do Conselho Geral e a passar não só pelo repensar das áreas estratégicas, como por uma clarificação dos próprios objectivos estratégicos – aos quais todos os órgãos, todas as estruturas e todos os elementos da comunidade se devem saber vinculados e relativamente ao cumprimento dos quais devem ser institucionalizados mecanismos adequados”5.

2. Observações gerais sobre o processo de revisão dos estatutos

Foi neste contexto e com este espírito que, também em Outubro passado, subscrevi um documento dirigido ao Conselho Científico (por ser o órgão de governo com iniciativa estatutária no qual eu tinha assento) sugerindo a abertura de um processo de revisão dos estatutos da Faculdade.

Olhando de uma forma muito geral para este processo de revisão (formalmente aberto em 14 de Fevereiro de 2011) e para os três projectos de revisão apresentados, é possível identificar logo à partida um conjunto de impressões relevantes, em especial as seguintes:

(i) Há um reconhecido grau de insatisfação quanto a certos aspectos da orgânica e do funcionamento da Faculdade;

4 Desde o início, considerei ser esse “o problema nevrálgico” de todo o Programa Estratégico, como no texto, então subscrito, Algumas notas de carácter geral sobre o Programa Estratégico da Universidade de Lisboa (v. supra, § 3).

5 V. supra, § 5.82

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(ii) No seio da nossa comunidade académica, parecem ser os docentes aqueles que revelam maior insatisfação;

(iii) Os principais pontos preocupação (pela sua transversalidade) são, segundo me parece: forma de eleição do Director (prevendo-se a prévia apresentação de um programa de acção); racionalização da gestão; informação sobre a vida da Faculdade; redefinição do estatuto do conselho académico; investigação, cooperação e internacionalização;

(iv) Todos os projectos preservam, no entanto, uma das singularidades dos estatutos da Faculdade de Direito de Lisboa: a existência de um conselho académico, com representação de todos os corpos;

(v) Há no entanto grandes diferenças entre os três projectos, a mais relevante das quais é a de um desses projectos (o projecto n.º 2) se apresentar como uma proposta de mudança profunda na estrutura e no modo de funcionamento da Faculdade (daí também a auto-qualificação de projecto de revisão total), ao passo que os dois outros projectos se cingem a alterações de alcance pontual e limitado.

3. O conteúdo dos projectos apresentados

Abstraindo aqui por completo das eventuais questões formais (e ainda das de legalidade ou mesmo das da ordem da conveniência), vou procurar expor, muito sinteticamente, o que penso serem as linhas mestras desses projectos.

3.1. Quanto ao primeiro projecto, por mim subscrito, as propostas de alteração incidem sobre um número limitado de preceitos6, relativos a quatro domínios: forma de eleição do Director; aprovação do plano estratégico; dispensa de serviço; e afinamento do perfil do Conselho Académico. Citando a respectiva nota justificativa:

6 Propõem-se alterações pontuais aos artigos 16.º, 20.º, 39.º, 43.º, 45.º, 46.º, 53.º, 55.º, 56.º e 59.º.83

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(i) “Relativamente ao procedimento de eleição do Director, por razões de equilíbrio com as soluções desenhadas para a designação do Reitor e por razões de racionalidade e de prestação de contas, não há razões para que não deva ser seguida uma solução idêntica ou equivalente à adoptada pelas demais unidades orgânicas da Universidade de Lisboa.

(ii) Relativamente ao plano estratégico da Faculdade, já previsto nos actuais Estatutos, importa apenas clarificar o órgão ao qual compete a respectiva elaboração e o prazo para o efeito.

(iii) Quanto à matéria da dispensa de serviço, no caso do Director, parece razoável que a regra deva ser a da dispensa do serviço docente, admitindo no entanto a possibilidade de ser prestado o serviço, mediante comunicação ao Conselho Científico.

(iv) Já relativamente ao Conselho Académico, se a existência de um órgão desse tipo permite dar resposta a necessidades efectivas de participação e envolvimento da comunidade escolar na vida da Faculdade, a experiência revela que a solução acolhida nos Estatutos é propiciadora de ineficiência e de insegurança jurídica; assim, na redefinição do perfil desse órgão (cujas funções se devem cingir essencialmente aos trabalhos escolares, convénios, gestão administrativa e financeira e instalações da Faculdade), propõe-se que seja restringido ao necessário e adequado o elenco das decisões sujeitas a parecer vinculativo, aumentando por outro lado as exigências em termos de transparência e de condições de participação efectiva (daí a imposição de uma informação trimestral)”.

3.2. Quanto ao segundo projecto, apresentado pelo Cristóvão Marques e pelos Professores Alexandra Leitão e David Duarte (e subscrito ainda por quase duas dezenas de docentes), o mesmo apresenta-se, muito diversamente, como um projecto de revisão total dos Estatutos: o número de alterações propostas ultrapassa por isso largamente a

84voltar ao Plano

centena; para dar uma primeira imagem dessas modificações, irei então destacar as principais novidades que se encontram em cada um dos seus sete capítulos7:

(i) Capítulo I (normas gerais) – passa a haver uma norma sobre atribuições (2.º); admite-se que, mediante deliberação do conselho científico, possam ser ministradas disciplinas em línguas estrangeiras, nomeadamente o inglês (5.º); introduz-se a figura dos “Promotores da Faculdade de Direito” (13.º).

(ii) Capítulo II (órgãos) – previsão de um novo órgão da Faculdade, o administrador executivo (14.º/1), e de um novo órgão de extensão à comunidade, o conselho consultivo (14.º/2); disciplina-se em novos moldes o preenchimento das vagas que ocorram no conselho científico e nos membros eleitos do conselho pedagógico, obrigando a nova eleição (16.º/3); a Assembleia da Faculdade passa a apreciar o cumprimento do programa do Director (22.º/f); refundição das regras (actual artigo 36.º) sobre a participação nas reuniões da Assembleia da Faculdade, que são públicas (23.º/2); alargamento da área de recrutamento do Director e imposição aos candidatos a este órgão da apresentação de um programa de acção (25.º/3); atribuição de novos poderes ao Director, designadamente em matéria de institutos de investigação (26.º); eliminação da previsão de existência de subdirectores; em sede competências do Director, reformulação dos casos de audição do conselho académico (artigos 27.º a 31.º), sendo as competências deste órgão concentradas num único artigo (37.º), em vez dos actuais 6 (artigos 53.º ao 58.º); correspondente redefinição do dever de audição do conselho académico (eliminando o actual artigo 51.º/2); regulação da matéria do administrador executivo (32.º a 34.º); redução para 9 do número de membros do conselho académico (36.º); nova forma de designação do conselho científico, que passa a ser feita pelos plenários dos grupos científicos (40.º); previsão de novas competências do conselho

7 Havendo quase duas dezenas de artigos eliminados, e mais de três dezenas de artigos novos ou grandemente refundidos – isto, sem mencionar relevantes modificações de sistemática, como sucede com o novo capítulo VI (83.º a 91.º), sobre normas eleitorais, que pertence ao capítulo II (artigos 25.º a 33.º) dos actuais estatutos.

85voltar ao Plano

científico; eliminação do artigo sobre órgãos auxiliares do conselho científico (actual artigo 72.º); aparente modificação das regras sobre iniciativa em matéria de aprovação do regulamento de avaliação pelo conselho pedagógico (48.º/c); redução da periodicidade das reuniões ordinárias do conselho pedagógico, de semestral para bimestral (49.º/1); regulação da matéria do conselho consultivo (50.º a 53.º).

(iii) Capítulo III (grupos científicos) – definição, em termos totalmente inovadores, da organização dos grupos científicos (54.º a 58.º), prevendo designadamente a existência de dois órgãos: o plenário do grupo científico e o coordenador, eleito pelo primeiro.

(iv) Capítulo IV (organização administrativa e financeira) – reconfiguração da matéria dos meios e serviços, repartidos em unidades administrativas e unidades administrativas técnico-científicas (59.º e 60.º), com a especificação da natureza e das funções de cada uma destas unidades, com destaque para o que se dispõe a respeito do “Gabinete Erasmus e de Relações Internacionais” (66.º).

(v) Capítulo V (institutos de investigação) – transformação dos institutos da Faculdade em “Institutos de investigação”, sujeitos a acreditação (77.º); afectação destes institutos aos grupos científicos da respectiva área; definição das atribuições (79.º) e imposição designadamente a cada um da publicação de uma revista especializada (81.º).

(vi) Capítulo VI (normas eleitorais) – encurtamento do prazo para a marcação das eleições (83.º/2); especificação do sistema de representação (83.º/3); eliminação da norma sobre número mínimo de proponentes (actual 27.º/2);

(vii) Capítulo VII (revisão dos estatutos) – sem alterações significativas (salvo a respeito da 1.ª revisão, pela natureza das coisas).

3.3. O terceiro projecto, subscrito pelo Professor António Pedro Barbas Homem, incide sobre os seguintes aspectos:

86voltar ao Plano

(i) Criação e organização do Gabinete de apoio à investigação jurídica (alteração dos artigos 79.º e 80.º dos estatutos);

(ii) Alteração e aditamento de um artigo sobre o Instituto de Cooperação Jurídica (artigos 81.º e 82.º);

(iii) Aditamento de dois preceitos sobre o Instituto de Direito Brasileiro (artigos 83.º e 84.º);

(iv) Quanto à organização, tanto o Gabinete como os três Institutos referidos são dotados de um Presidente e de quatro vice-presidentes.

87voltar ao Plano

ÍNDICE

Nota Prévia, pág. 3Plano, pág. 5

I ParteSobre a Universidade

1. Algumas notas sobre o projecto de proposta de lei do regime jurídico das instituições do ensino superior, pág. 7

2. Notas sobre a proposta de lei n.º 148/X, pág. 10

3. Algumas notas de carácter geral sobre o Programa Estratégico da Universidade de Lisboa, pág. 14

4. Programa Estratégico da Universidade de Lisboa – duas notas da área de Direito, pág. 21

5. O novo modelo de governo da Universidade, pág. 25

6. O novo Estatuto da Carreira Docente Universitária, pág. 33

II ParteSobre a Faculdade

7. Observações sobre o Processo de Bolonha, pág. 46

8. Racionalização dos procedimentos de concurso, pág. 50

9. Notas ao anteprojecto de estatutos da Faculdade, pág. 62

10. Princípios orientadores dos mestrados, pág. 68

88voltar ao Plano

11. A invalidade do artigo 9.º-A do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados, pág. 70

12. Proposta de alteração aos estatutos da Faculdade de Direito de Lisboa, pág. 75

13. Estatutos da Faculdade: presente e futuro, pág. 80

Índice, pág. 88

89voltar ao Plano

Organização de Carla Amado Gomes e Tiago AntunesCom o patrocínio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento

Depois da energia despendida na adaptação a uma série de reformas

legislativas, as Universidades e as suas estruturas orgânicas encontram-se hoje

em dia confrontadas com a necessidade de proceder a uma primeira avaliação

das opções tomadas na concretização desse processo: opções estratégicas

fundamentais, desenho institucional, racionalidade e eficiência do

funcionamento, qualidade e resultados.

Os textos reunidos nesta obra documentam, antes de mais, vários momentos de

um processo de reforma política da universidade e da sua concretização prática.

Em segundo lugar, ainda a partir do prisma de um docente universitário

institucionalmente interessado, constituem elementos de um debate sobre a

Universidade e sobre a Faculdade que se tem desenvolvido ao longo dos

últimos cinco anos. Não deixam, por fim, de revelar a complexidade dos

processos de mudança no interior das organizações públicas.

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