José Carlos de Figueiredo Ferraz (Prefeito)

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José Carlos de Figueiredo Ferraz (1971-73) A cobra estava muito feliz : não precisava mais se mover para conseguir alimento. Certo dia, apavorada, percebeu que comia a si mesma, pela cauda. Em uma palestra proferida na Câmara dos Deputados dois anos após ter deixado a Prefeitura, José Carlos de Figueiredo Ferraz usou este trecho de um conto caboclo como uma imagem do que considerava ser o destino das grandes cidades brasileiras, caso não se atentasse para um planejamento racional. Ele se referia ao crescimento explosivo das metrópoles brasileiras, especialmente São Paulo, descuidadas com o aspecto qualitativo que o progresso deve ter. E confundir qualquer aumento quantitativo com "progresso" é uma armadilha fácil para a estagnação, ou mesmo para a decadência. E não era outra a tônica em voga durante o "milagre econômico" do governo Médici : a propaganda da ditadura militar fazia estardalhaço com os progressos aritméticos, como se as somas ou multiplicações fossem os únicos referenciais de avaliação da qualidade da existência humana. Ao assumir a Prefeitura disse sobre a cidade : "Tudo em ti agora é grande, teus feitos e teus problemas. Tua riqueza e tua pobreza." Figueiredo Ferraz tinha uma autoridade enorme para questionar a ilusão dos números usados abusivamente pela tecnoburocracia da ditadura. Assim como Pires do Rio (consultar verbete) e Prestes Maia (consultar verbete), era um técnico renomado, professor da Escola Politécnica e dono de um dos melhores escritórios de engenharia da América Latina, responsável por diversas obras sofisticadas, entre elas o prédio do Museu de Arte de São Paulo na avenida Paulista. Nos anos 50, quando Lina Bo Bardi idealizou o atual prédio do MASP na avenida Paulista, muitos profissionais de respeito duvidaram que fosse possível executar a obra, devido ao arrojado vão livre em concreto armado - o maior do mundo com seus 70 metros. Como o terreno destinado ao MASP era o espaço do antigo belvedere do "Trianon" da avenida Paulista, havia uma obrigação legal de deixar o andar térreo livre. Isto porque Joaquim Eugênio de Lima, o loteador da Paulista, doou este terreno para a municipalidade com uma cláusula que exigia a preservação da vista em direção ao centro. Para atender esta imposição do doador, e não querendo abrir mão de seu projeto, a arquiteta recorreu a Figueiredo Ferraz, que não só aceitou o desafio, como também concordou em trabalhar de graça. Quando das comemorações do cinquentenário do MASP, em 1991, Ferraz confessou : "O projeto estrutural me parecia utópico, era uma concepção fora dos padrões normais, a desafiar os conceitos clássicos de segurança e estabilidade. Mas esta utopia se transformou numa contundente realidade - não sem exigir de nós um enorme esforço e uma dedicação ímpar. Afinal o sonho de Lina Bo Bardi se realizou no concreto que nós erguemos. A técnica se incorporou, como sempre, à arte, numa esplêndida simbiose de harmonia." A mesma competência técnica de Figueiredo Ferraz o levou a enxergar objetivamente os problemas que ameaçavam o futuro da cidade. E para ele o automóvel era um desses problemas : "A princípio o carro surgiu como um instrumento discriminatório, como um testemunho de prestígio e poder, e assim se

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  • Jos Carlos de Figueiredo Ferraz (1971-73) A cobra estava muito feliz : no precisava mais se mover para conseguir alimento. Certo dia, apavorada, percebeu que comia a si mesma, pela cauda.

    Em uma palestra proferida na Cmara dos Deputados dois anos aps ter deixado a Prefeitura, Jos Carlos de Figueiredo Ferraz usou este trecho de um conto caboclo como uma imagem do que considerava ser o destino das grandes cidades brasileiras, caso no se atentasse para um planejamento racional.

    Ele se referia ao crescimento explosivo das metrpoles brasileiras, especialmente So Paulo, descuidadas com o aspecto qualitativo que o progresso deve ter. E confundir qualquer aumento quantitativo com "progresso" uma armadilha fcil para a estagnao, ou mesmo para a decadncia. E no era outra a tnica em voga durante o "milagre econmico" do governo Mdici : a propaganda da ditadura militar fazia estardalhao com os progressos aritmticos, como se as somas ou multiplicaes fossem os nicos referenciais de avaliao da qualidade da existncia humana.

    Ao assumir a Prefeitura disse sobre a cidade : "Tudo em ti agora grande, teus feitos e teus problemas. Tua riqueza e tua pobreza." Figueiredo Ferraz tinha uma autoridade enorme para questionar a iluso dos nmeros usados abusivamente pela tecnoburocracia da ditadura. Assim como Pires do Rio (consultar verbete) e Prestes Maia (consultar verbete), era um tcnico renomado, professor da Escola Politcnica e dono de um dos melhores escritrios de engenharia da Amrica Latina, responsvel por diversas obras sofisticadas, entre elas o prdio do Museu de Arte de So Paulo na avenida Paulista.

    Nos anos 50, quando Lina Bo Bardi idealizou o atual prdio do MASP na avenida Paulista, muitos profissionais de respeito duvidaram que fosse possvel executar a obra, devido ao arrojado vo livre em concreto armado - o maior do mundo com seus 70 metros. Como o terreno destinado ao MASP era o espao do antigo belvedere do "Trianon" da avenida Paulista, havia uma obrigao legal de deixar o andar trreo livre. Isto porque Joaquim Eugnio de Lima, o loteador da Paulista, doou este terreno para a municipalidade com uma clusula que exigia a preservao da vista em direo ao centro.

    Para atender esta imposio do doador, e no querendo abrir mo de seu projeto, a arquiteta recorreu a Figueiredo Ferraz, que no s aceitou o desafio, como tambm concordou em trabalhar de graa. Quando das comemoraes do cinquentenrio do MASP, em 1991, Ferraz confessou : "O projeto estrutural me parecia utpico, era uma concepo fora dos padres normais, a desafiar os conceitos clssicos de segurana e estabilidade. Mas esta utopia se transformou numa contundente realidade - no sem exigir de ns um enorme esforo e uma dedicao mpar. Afinal o sonho de Lina Bo Bardi se realizou no concreto que ns erguemos. A tcnica se incorporou, como sempre, arte, numa esplndida simbiose de harmonia."

    A mesma competncia tcnica de Figueiredo Ferraz o levou a enxergar objetivamente os problemas que ameaavam o futuro da cidade. E para ele o automvel era um desses problemas : "A princpio o carro surgiu como um instrumento discriminatrio, como um testemunho de prestgio e poder, e assim se

  • comportou por algum tempo. Depois socializou-se e agora o agente da equabilidade, acessvel a muitos e ambicionado por milhes." (...)

    "No entanto, j de algum tempo vem incorrendo uma inverso : a submisso do homem ao automvel, que de senhor passa a escravo. E este novo senhor de uma voragem desmedida e de um apetite descomunal (...) Admitindo-se para o carro uma vida til de dez anos, o lixo anual automobilstico da ordem de cem mil por milho, ocupando cerca de um quilmetro quadrado. Para tornar ainda mais sugestiva a argumentao, acrescente-se que, para uma mesma faixa de trfego, digamos 3,5 m, o automvel transporta dezessete vezes menos passageiros por hora do que o nibus, vinte vezes menos do que o metr, trs vezes menos que a bicicleta, e pouco mais que a marcha a p."

    Assim, ciente da hipertrofia causada pelo automvel, Ferraz dedicou-se com afinco s obras do metr, praticamente paralisadas na administrao de Maluf. Apesar de ter feito uma gesto curta, foi o prefeito que mais trabalhou para colocar em operao a primeira linha, a Norte-Sul, deixando-a em fase de testes quando foi obrigado a deixar o cargo. Porm, infelizmente, a sua lucidez foi o motivo de seu bito poltico. Incomodou o ufanismo vigente ao levantar para o debate questes fundamentais, como a incapacidade do poder municipal em acompanhar a exploso do crescimento urbano desordenado com os servios bsicos necessrios. Dizia que a cidade sofria de "encefalite urbana", "doena" que comprometia seu pleno desenvolvimento : "Como efeito colateral deste gigantismo surgem as deseconomias, em substituio s economias de escala geradas pela aglomerao de porte justo."

    E ao dizer dramaticamente que "So Paulo precisa parar", foi interpretado ao p da letra pela mediocridade poltica que grassava no auge do "milagre econmico" - prestes a sucumbir diante da alta dos preos do petrleo. O governador Laudo Natel, que o havia nomeado, demitiu-o com uma simples carta. Outros fatores tambm pesaram para sua desgraa poltica. Embora pressionado, recusava filiar-se Arena (Aliana Renovadora Nacional), o partido oficial do regime militar. Alm disso, contra a vontade de Natel, tentou fechar a fbrica de cimento Perus, na poca a maior fonte poluidora da cidade.

    Para a avenida Paulista havia feito um projeto de via expressa subterrnea para dar vazo aos carros que usam a avenida apenas como passagem, deixando as pistas de superfcie para o trnsito local. Por baixo da via expressa correria o metr e seria reformados convenientemente todos os equipamentos subterrneos hoje saturados como tubulaes de gua, esgoto, gs e eletricidade. Seu sucessor, Miguel Colassuono, ignorou totalmente o projeto, cumprindo a orientao mesquinha de Laudo Natel, totalmente despida de qualquer critrio urbanstico.

    A Lei de Zoneamento em vigor atualmente foi concebida por Figueiredo Ferraz em 1972. Apesar de defasada em muitos aspectos e das modificaes e violaes sofridas ao longo do tempo, ainda o nico instrumento de ordenamento da ocupao espacial da cidade. Tambm em sua administrao foi criada a Emurb (Empresa Municipal de Urbanizao), dotando a Prefeitura de um rgo tcnico voltado para o urbanismo. Agncia Estado

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