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Racionalidade econômica dos grandes proprietários de terras romanos: Crítica à leitura weberiana de Moses Finley

José Ernesto Moura Knust Mestrando no PPGH-UFF

Orientando da professora Dra. Sônia Regina Rebel de Araújo Membro do Niep-PréK-UFF e do Ceia-UFF

Bolsista de mestrado do CNPq

Os estudos sobre a Economia Antiga são dominados há mais de um século pelo

que chamamos de debate entre primitivistas e modernistas. No início de tal debate,

ainda no século XIX, economistas da Escola Histórica Alemã, como Karl Rodbertus e

Karl Bücher, defendiam a idéia de que o Mediterrâneo Antigo pertencia a uma fase

inicial do desenvolvimento econômico histórico universal, tratando-se de uma economia

essencialmente agrícola e voltada para a auto-suficiência das unidades produtivas, e por

isso desprovida de relações comerciais relevantes. Esta posição ficou conhecida como

primitivista. Por sua vez, renomados classicistas, como Eduard Meyer e Michail

Rostovtzeff, defendiam uma visão mais corrente no senso comum sobre o mundo

clássico Greco-romano: esta sociedade, vista como espécie de mito fundador da

civilização ocidental não poderia ser sustentada por uma economia tão débil como a

postulada pelo primitivismo, pelo contrário, haveria de possuir uma economia similar ao

capitalismo moderno. Esta posição ficou conhecida como modernismo. Entre o final do

século XIX e a década de 60 do século passado, a visão modernista dominou os estudos

sobre a economia antiga – talvez por apresentar uma visão mais convergente com a

visão geral que se tinha do mundo Greco-romano, talvez por lidar melhor com as fontes

históricas, abundantes em exemplos de trocas comerciais e produções mercantilizadas1.

A partir da década de 60, porém, Moses Finley iniciou uma releitura da história

econômica Greco-romana crítica ao modernismo e que visava recuperar muitos dos

aspectos do primitivismo. Influenciado por Karl Polanyi e Max Weber, Finley afirmava

que os antigos não possuíam uma economia autônoma da sociedade e que a cidade

antiga era essencialmente um centro de consumo e não de produção2. A obra de Finley

era um ataque muito bem elaborado contra visões anacrônicas do mundo romano e

contra o uso indevido de métodos quantitavos a partir das fontes primárias Greco-

romanas. A importância da obra de Finley para os estudos sócio-econômicos da

antiguidade é inegável, sua abordagem se tornou paradigmática desde a década de 60 e

1 Aldo Schiavone, Uma História Rompida 2 Moses Finley, A Economia Antiga

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fixou algumas problemáticas centrais em torno das quais se desenvolveram os estudos

posteriores sobre a economia antiga.

Um desses problemas centrais que Finley estabeleceu foi a questão da

racionalidade econômica. A partir de sua obra, muito se discutiu o quanto os

investimentos de recursos pelos antigos, especialmente da elite proprietária de terras,

refletiam de fato uma racionalidade econômica. A compreensão dos critérios que

definiam o comportamento desta elite em sua relação com suas propriedades fundiárias

é um elemento chave para a caracterização qualitativa da economia romana, permitindo

distinguir as características específicas desta economia com a de outros períodos da

história3. Atualmente, existe uma preocupação muito grande no debate acerca da

economia antiga em estabelecer a magnitude e as possibilidades de crescimento do

produto interno bruto do império romano. Sem diminuir a importância destes tipos de

estudos, acreditamos que é fundamental sua complementação por perguntas mais

primordiais sobre as relações sociais de produção que estruturam tal economia, sendo o

estudo da racionalidade econômica da elite proprietária de terra uma das chaves para

este empreendimento. Caso contrário, ficaremos eternamente reféns dos termos do

debate oitocentista, que estabelecia que ou a economia romana era subdesenvolvida e

por isso diferente da economia capitalista, ou era desenvolvida e por isso similar a

economia capitalista – sem pensar diferenciações qualitativas entre os diversos sistemas

econômicos históricos.

Como contribuição ao debate sobre o problema da racionalidade econômica dos

grandes proprietários de terras romanos, pretendo, nesta comunicação, revisar os termos

propostos por Finley e revisá-los dentro do próprio arcabouço teórico reivindicado por

este historiador, a sociologia weberiana. Pretendemos identificar elementos

interessantes para análise do comportamento econômicos dos antigos presentes neste

arcabouço teórico e deixados de lado por Finley, mas também identificar as próprias

limitações deste aporte teórico para a melhor reflexão sobre nosso problema.

Ao discutir a produção agrícola romana, no capítulo “Senhores e Camponeses” de

A Economia Antiga, Finley apresenta sua principal contribuição ao problema da

racionalidade econômica dos grandes proprietários de terras da antiguidade clássica. Ele

critica a tendência modernista de imputar aos antigos raciocínios produtivistas comuns à

realidade moderna afirmando que os pesquisadores fazem isso a revelia da analise

3 Dennis Kehoe, Investment, Profit and Tenancy. The Jurists and Roman Agrarian Economy. Ann Arbor: Michigan University Press, 1997, p.1

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empírica, “por não acreditarem que os gregos e romanos tivessem sido tão incapazes de

melhoramentos ‘tão simples’”4. Contrariando estes modernistas, Finley afirma a

estabilidade e riqueza obtidas pela elite romana a partir de suas propriedades rurais eram

conseqüências da magnitude de suas posses e riquezas e não por qualquer forma

qualitativamente diferente de encarar a produção agrícola5. A idéia básica é a de que os

“fatores que hoje chamamos econômicos, maximização de rendimentos (...) ou cálculos

de mercado”6 não exerciam um papel importante no comportamento dos antigos – papel

exercido, na verdade, por “valores fundamentais”7. Por isso a economia não possuía um

caráter autônomo, pois, acima de tudo, a satisfação de necessidades não se dava pelo

mercado, o que, para Finley, torna impossível uma análise do comportamento

econômico dos antigos – pois se não há maximização de rendimentos através de

cálculos de mercado nem sequer existiria um comportamento econômico a ser

analisado8.

Finley parte de duas premissas equivocadas: primeiro, de que racionalidade

econômica significa busca por aumento da produtividade e diminuição de custos através

de cálculos econômicos refinados; segundo, de que o termo economia limita-se à

maximização de rendimentos a partir de cálculos de mercado. É necessário lembrar que

Finley está fazendo uma crítica direta à abordagem modernista que imputava um ethos

burguês, capitalista e moderno aos grandes proprietários de terras gregos e romanos, e é

dentro desta crítica que sua ênfase na inexistência de comportamentos capitalistas na

antiguidade precisa ser compreendida. Porém, para o avanço do debate sobre o

problema da racionalidade, é fundamental lembrar, também, que mesmo dentro

“daquilo a que Weber chamava racionalidade econômica”, essas duas premissas de

Finley podem ser criticadas. Mais do que isso, as duas premissas que estruturam a tese

de Finley sobre a inexistência de comportamento econômico entre os antigos podem ser

criticados a partir dos próprios ensinamentos dos dois autores que, aparentemente, mais

lhe influenciaram: Max Weber e Karl Polanyi.

No capítulo sobre Sociologia Econômica de Economia e Sociedade, Weber

distingue dois tipos fundamentais de racionalidade econômica: a racionalidade formal e

a racionalidade substantiva. A racionalidade formal nada mais é que o desenvolvimento

4 Moses Finley, A Economia Antiga, op.cit., p.149. 5 Ibidem, p.150. 6 Ibidem, p.55. 7 Ibidem, p.80. 8 Ibidem, p.26.

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de técnicas de cálculo da forma mais precisa e eficiente de resolver problemas através

de regras abstratas e universais. Já a racionalidade substantiva é aquela que direciona a

ação dentro de um postulado de valores e, em um sentido mais estritamente econômico,

“o grau em que o abastecimento de bens de determinados grupos de pessoas (...) ocorre

conforme determinados postulados valorativos”9. Tudo aquilo que Finley identifica

como pertencente à racionalidade econômica e inexistente entre os antigos pertence

essencialmente ao campo do conceito weberiano de racionalidade formal. Ou seja,

apesar de reivindicar a obra do sociólogo alemão, Finley ignora por completo a idéia

weberiana de racionalidade substantiva, limitando a racionalidade econômica à

racionalidade formal.

Este procedimento compromete o melhor desenvolvimento das idéias de Finley.

Sua percepção de que o comportamento dos grandes proprietários romanos difere em

pontos fundamentais do comportamento capitalista é correta. Porém, ao identificar

racionalidade exclusivamente com o comportamento tipicamente capitalista, Finley se

limita a caracterizar a racionalidade econômica dos antigos negativamente, chegando a

conclusão final (inevitável ao partir desta identificação equivocada) de que não existia

qualquer racionalidade deste tipo no mundo antigo. Mesmo atuando dentro dos

referenciais weberianos, reivindicados por Finley, não é possível afirmar que um

comportamento deixa de ser racional por não estar baseado em cálculos econômicos,

mas em valores, pois para Weber um comportamento baseado em postulados

valorativos pode ser tão racional quanto aquele baseado no cálculo econômico,

possuindo o que ele chama de racionalidade substantiva.

Essa limitação da racionalidade econômica à racionalidade formal é uma

abordagem bastante comum. Isto se explica pelo fato de o termo racionalização ser

amplamente utilizado por Weber em seus estudos sobre a formação do mundo moderno,

o que acabou levando-o a ser associado completamente com a idéia de expansão do

Capitalismo e do Estado Burocrático Moderno, processos históricos ligados a profundos

desenvolvimentos de racionalidades formais. Mesmo Weber toma este caminho nos

trabalhos sobre o mundo antigo que escreveu entre 1891 e 1897, tentando identificar

comportamentos racionais e irracionais a partir das possibilidades de formalização e

acreditando que tal procedimento permitiria estabelecer a existência do capitalismo na

antiguidade. John Love, em um importante trabalho de análise da obra weberiana e sua

9 Weber, Economia e Sociedade, Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Vol.1. 3ª Ed. Brasília: EdUnB, 1994, p.52.

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relação com o estudo da economia antiga, identifica, precisamente, que no momento da

carreira em que escreveu estes trabalhos sobre antiguidade, Weber equalizava

racionalidade, racionalidade formal e comportamento capitalista, só percebendo o

equívoco desta formulação em suas obras sociológicas do final da carreira, notadamente

Economia e Sociedade10. Segundo o próprio Love, um ardoroso weberiano, a

abordagem a partir destas obras sociológicas é muito mais promissora para o estudo da

economia antiga do que a abordagem a partir das obras sobre o mundo antigo,

aparentemente o caminho tomado por Finley.

Desta forma, em Economia e Sociedade, racionalização não é necessariamente a

racionalização ocorrida no Ocidente moderno, mas a busca pelo controle da realidade

por um princípio de racionalização, que busca banir percepções particularizadas e

ordenar a percepção de mundo em regularidades inteligíveis, coerentes e consistentes

com um sistema de valores11. Isto é, não existem racionalidades absolutas e universais,

possivelmente derivadas de um racionalismo formal baseado no cálculo, mas inúmeras

racionalidades substantivas que dependem de sistemas de valores específicos. Mesmo a

racionalização capitalista do ocidente moderno, vista por Weber como aquela que

melhor desenvolveu a racionalidade formal e por Finley como o padrão universal da

racionalidade econômica, depende de seus valores específicos, como o próprio

sociólogo alemão estudou em seu famoso Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.

Os problemas desta visão limitada do conceito de racionalidade econômica estão

intimamente ligados ao problema da segunda premissa: identificar o mercado como o

elemento chave para a definição de economia. Finley cita um conceito um pouco

confuso de economia, pinçado do economista Erich Roll, segundo o qual “o problema

central da investigação econômica é a explicação do processo de troca ou, mais

particularmente, a explicação da formação de preço”12. Porém, ao falar em formação de

preços e, principalmente, ao identificar comportamento econômico com maximização

de rendimentos através de cálculos de mercado percebemos que Finley é tributário da

concepção marginalista que define economia como “ciência que estuda a alocação

racional de recursos escassos entre fins alternativos”, cunhada pela primeira vez pelo

10 John Love, Antiquity and Capitalism: Max Weber and the sociological foundations of Roman civilization. Londres e Nova York: Routledge, 1991, p.34. 11 Kalberg, “Max Weber’s types of rationality: Cornerstones for the analysis of rationalization processes in history”. The American Journal of Sociology, Março de 1980, Vol.85, nº5, p.1155-1157 e 1160. 12 Finley, A Economia Antiga, op.cit., p.26.

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economista britânico Lionel Robbins13. Finley constrói uma dicotomia entre economia

de mercado, na qual esta definição formalista funcionaria, e sociedade sem economia

autônoma que é condizente, em parte, com a construção teórica de Polanyi, já que o

antropólogo húngaro também considera que o formalismo marginalista é correto para a

análise do mundo capitalista. Porém, Finley subverte a percepção polanyiana ao

considerar que, ao não existir este comportamento descrito pelo formalismo nas

sociedades sem mercado, não há comportamento econômico. Polanyi diferencia

Economias de Mercado e Economias sem Mercado, e não Sociedades com Economia e

Sociedade sem Economia, como acaba fazendo Finley ao afirmar que não existe

comportamento econômico sem mercado.

Ao adotar estas premissas, Finley é forçado a assumir uma posição ainda mais

criticável ao tentar explicar o comportamento da elite proprietária romana com relação à

produção agrícola. Segundo ele, a tradição, o hábito e as regras empíricas são os

determinantes deste comportamento. Tradição, hábito e regras empíricas – três

conceitos extremamente problemáticos que Finley utiliza como se fossem pontos

pacíficos. Mas o que será que Finley entende por cada um deles?

Comecemos pelo último dos três. Para entendê-lo, é preciso lembrar que Finley

acredita que a inexistência de um desenvolvimento verdadeiramente científico do

pensamento econômico na antiguidade é indício da inexistência de uma economia

autônoma. Citando Schumpeter, Finley contrapõe o verdadeiro pensamento econômico

surgido com o capitalismo aos conhecimentos pré-científicos baseados meramente no

senso comum, existentes no mundo antigo14. Ou seja, Finley iguala racionalidade

econômica e teorias econômicas modernas, contrapondo a isto a reflexão empírica

cotidiana, a que se limitariam os proprietários de terras da antiguidade. Novamente

Finley ignora aspectos importantes da sociologia weberiana. Além da tipologia que

contrapõe racionalidade formal e racionalidade substantiva, que apontamos acima,

Weber contrapõe, em outra tipologia, mais dois tipos de racionalidade: a racionalidade

prática e a racionalidade teorética. Como podemos inferir de suas denominações a

racionalidade prática é a avaliação cotidiana das próprias ações pelos agentes para que

seus objetivos sejam alcançados, enquanto a racionalidade teorética é a construção de

13 Carlos Águedo Nagel Paiva e André Moreira Cunha, Noções de Economia. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008, p.22, n.10. 14 Finley, op.cit. p.22 e 23.

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concepções abstratas sobre a realidade (e não a ação na realidade propriamente dita)15.

Esta distinção weberiana impede que se cometa a confusão que Finley incorre: a

reflexão empírica pode ser tão racional quanto o pensamento científico; são tipos ideais

diferentes de racionalidade e precisam ser analisadas respeitando suas especificidades.

Desta forma, afirmar que os proprietários romanos agiam por regras empíricas, e não

baseados por uma reflexão científica, não impossibilita a existência de uma

racionalidade que fundamenta as decisões destes proprietários.

Sobre os conceitos de hábito e de tradição, o problema é mais complicado. Dentro

do quadro teórico weberiano, existe a distinção entre dois tipos de ação social

economicamente orientada: a tradicional e a racional referente a fins16. Weber não

detalha o que entende por ação econômica tradicional, mas podemos pensá-la em

paralelo com a ação social tradicional, descrita como “reação surda a estímulos

habituais que decorre na direção da atitude arraigada”17. Aparentemente, Finley se

baseia nesta distinção weberiana entre tradição e racionalidade para contrapor o

comportamento dos grandes proprietários de terras da antiguidade ao comportamento

“verdadeiramente” racional da sociedade de mercado. O problema neste ponto é que

Weber, e conseqüentemente Finley, encara a ação tradicional como dada, pensando-a

como algo que existe por si, espécie de reminiscência inconsciente da história, sem

necessidade de explicação. Acredito que esta abordagem é limitada necessitando

revisão. Para fazê-lo, podemos recorrer ao antropólogo norueguês Fredrik Barth, cujas

formulações teóricas convergem com o individualismo metodológico de Weber, porém

apresentando uma explicação bem mais interessante para o comportamento tradicional

ou costumeiro.

Barth defende uma teoria da ação social focada na importância da construção de

estratégias racionais de interações pelos agentes sociais que buscam a maximização

daquilo que eles consideram valioso a partir de seus sistemas de valores, posição

próxima, de certa forma, com o conceito weberiano de ação econômica racional

referente a fins. Porém, depois de desenvolver toda a teoria baseado nesta percepção do

conceito de racionalidade, Barth matiza sua teoria afirmando que ele não considera que

os agentes, de maneira geral, constroem estratégias de ação a todo tempo. Na verdade,

eles agem guiados pelas suas ações rotineiras em situações similares anteriores, caso

15 Kalberg, op.cit., p.1152 16 Weber, Economia e Sociedade, op.cit., p. 41. 17 Weber, Economia e Sociedade, op.cit., p.15.

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tais comportamentos não tenham sido obviamente desastrosos e tenham recebido a

aprovação social. De um ponto de vista estratégico, porém, essa forma de ação faz

sentido: reduz a necessidade de informações para a tomada de decisão e aumenta a

previsibilidade das conseqüências do comportamento. Isto é, dentro de um sistema

hiper-complexo de relação de fatores a serem levados em consideração para a tomada

de decisão, como é a vida em sociedade, o comportamento costumeiro é uma forma

eficiente de ação ao reduzir os riscos assumidos.

Por outro lado, porém, isto não significa que Barth esteja apenas chegando a

uma percepção “automatista” do comportamento humano por um caminho diferente,

salientando certa racionalidade nesse comportamento. Ele afirma que apesar da força do

comportamento costumeiro, as pessoas estão a todo o tempo fazendo julgamentos na

vida, analisando as performances sociais de si próprios e dos outros.

Desta forma, Barth foca sua atenção no processo de institucionalização dos

comportamentos costumeiros. Segundo ele, o conceito de racionalidade “maximizadora

de valores” não nos provê um modelo geral para análise das decisões individuais, mas

ilumina o processo de institucionalização dos comportamentos. Isto ocorre de duas

maneiras: 1) Quando um agente adota um curso de ação próximo ao que seria a

estratégia mais racional nos termos de seus valores, são grandes as chances de ele

interpretar os resultados de tal comportamento como benéficos e repetir tal curso de

ação em outras oportunidades similares; 2) Quando este processo descrito acima ocorre

com outra pessoa, e a situação e comportamento são replicáveis por um agente que o

observa, o comportamento daquele servirá de exemplo para este, também estimulando a

reprodução do comportamento. Percebemos, desta forma, que para Barth o

comportamento costumeiro é resultado de um movimento convergente dos agentes na

direção de estratégias ótimas. Explica-se, portanto, o comportamento costumeiro pela

institucionalização processual de uma estrutura racional de comportamento18.

Cabe apontar que a explicação para a racionalidade substantiva, de Weber, ou

para a institucionalização dos comportamentos costumeiros através do modelo de

“maximização de valores”, de Barth, depende da identificação, justamente, destes

sistemas de valores que modelam o comportamento. O individualismo metodológico, ao

se focar exclusivamente na ação individual, não consegue responder satisfatoriamente a

este questionamento. Barth chega a afirmar que sua proposta de abordagem toma como

18 Ibidem, p.101-102.

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dados os sistemas de valores, os padrões pré-estabelecido de status, obrigações e

direitos morais, e de acesso a recursos e distribuição de bens e oportunidades. Isto é,

para explicar o comportamento humano, o individualismo metodológico toma como

dada uma situação inicial que lhe escapa explicar. Para explicar tais “situações iniciais”,

acreditamos que é fundamental o abandono do individualismo metodológico puro e

simples, pois foge ao interesse e possibilidades deste paradigma metodológico explicar

as desigualdades sociais que explicam as tais “situações iniciais”.