Jovens em Conflito com a Lei: Juventude Kafkiana em Manaus · 2017-03-16 · criminalização, a...

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MARIANAZARETHVASQUESMOTA

JOVENSEMCONFLITOCOMALEI:JUVENTUDEKAFKIANAEMMANAUS

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EstaobrafoiproduzidaemplataformaLinux(Ubuntu),comossoftwareslivresLaTeX,Texmaker,DigileCalibre.

DiagramaçãoeRevisãoMauroJoséCavalcanti

CapaAngelaBarbirato

ConselhoEditorialDr.MarceloBastosSeráficodeAssisCarvalho

Dra.RobertaDubocPedrinhaDra.DulcinéiaDuartedeMedeirosDr.ErivaldoCavalcantieSilvaFilho

MsC.GuilhermeGustavoVasquesMotaDra.MônicaNazaréPicançoDias

EstaobraépublicadasoblicençaCreativeCommons3.0(Atribuição-Usonão-Comercial-Compartilhamento)FICHACATALOGRÁFICA

Mota,MariaNazarethVasques,Jovensemconflitocomalei:juventudekafkianaemManaus[recursoeletrônico]/MariaNazarethVasquesMota—RiodeJaneiro:Rizoma,2016.

ISBN978-85-5700-082-7(versãoimpressa)

1.Direito2.Criminologia3.FranzKafkaI.Título.

CDD364CDU343.9

RizomaEditorialCaixaPostal46521

20551-970,RiodeJaneiro,RJrizomaeditorial.com

[email protected]

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DEDICATÓRIAÀMINHAMÃECOMOSEMPRESAUDADES

por ser tão importante a infância dedico este trabalho a todas as crianças órfãs abandonadas,negligenciadas, não amadas ou educadas, as vítimas de todas as formas de abuso, para as quaisdesejoumavidaondepossamserlivreseamadas.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus filhos, CARLOS ANTONIO DE CARVALHO MOTA JR E GUILHERME GUSTAVOVASQUESMOTA,peloapoioecompanheirismoemtodososmomentos.

Aomeuorientador,DOUTOREDSONPASSETTI,pessoagenerosaequemuitocolaborounaconduçãodestetrabalho.

AosProfessoresLUIZANTONIOCAMPOSCORREAeMARIADEFÁTIMARODRIGUES,ReitoreSub-ReitoradoCentroIntegradodeEnsinoSuperiordoAmazonas(CIESA),peloapoio.

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APRESENTAÇÃO

Paraaspessoas sensíveis,pensarnos jovenspobres sempre instigaráoque se temde sedicioso,pelaincompreensãodaformacomosãoelestratadose,ainda,porque,emgeral,aliadoàquestãoeconômica,háaindaascondiçõessociaiseculturais,enamaioriadasvezes,sãoselecionadosdentrodeumenormeuniversodejovensquepraticamasmesmascondutas,pararesponderaumsistemapunitivoqueprecisafuncionar,talvezcomoumaformadejustificarsuaexistência.

Onascimentodessascriançasporsisójácorrespondeaumpadrãodistinto,poisnemsempresuasmãestiveramaoportunidadedesesubmeteremaumpré-nataladequadoeaousodasvitaminasnecessáriasaodesenvolvimentodacriança.OpartopossivelmenteocorreráemumHospitalPúblico,ondeummédicodeplantãojamaisvistopelamãedacriançafaráoparto,podendoserafórceps.

Tendosorte, serão levadasa tomar todasasvacinas,oque lhespermitiráumdesenvolvimentosemasdoenças,algumashojejáerradicadas.AEscolaétardia,umavezquesomenteaosseteanosaelaterãoacesso, ao passo que crianças que não passam por tais privações (econômicas, sociais), iniciam nomínimo três anos antes sua educação escolar. A desistência da formação regular vem rápido, pelaescassezderecursosbásicos,emmuitoscasos,somenterestaàcriança,trabalharemtênueidade.

Agrega-seataisfatosconhecidosportodos,oqueresumeaestóriadessascrianças,futurosjovensemconflito com a lei: a violência a que são submetidos, podendo ser física ou psíquica,mas por vezes,decorredasrelaçõesengendradasnoseiodaprópriafamília.Paisrevoltadosqueencontramnosfilhosapossibilidadededescontarsuasfrustrações,covardianointeriordafamília,istoé,oriundadaquelesquepoderiamedeveriamprotegê-los.

OcontextolevaabuscarocernedostratamentosdesiguaisporpartedoEstadoemrelaçãoataiscriançaseaindaquesepercebaumesforçoparaalcançarmudanças,permaneceaculturadecrueldadeemrelaçãoaospobresselecionadosparaaplicaçãodasmedidassocioeducativas,queparecemnãoeducarninguém.Muitas são as estatísticas produzidas à disposição dos interessados, mas aquela que comprova quealguém saiu do sistema com umamelhor escolaridade, não está disponibilizada. Também não há umacompanhamentodojovemquepassoupeloensinoprofissionalizante,nosistemadeatendimento.

O objetivo deste trabalho é então mostrar que a pobreza continua sendo o principal alvo decriminalização,adiscriminaçãopermaneceeaviolênciacontinuasendoummodelodeatuação,quandosetratadejovensemconflitocomaLei.OautoritarismosocialsemantémumavezquetalculturanãopodeseralteradapelaLei.

Muitosediscutequandooassuntoéacriminalidadedoadolescenteeassoluçõesapontadaspelosquedefendemoagravamentodasmedidascomasquaissepretendecombateracriminalidadecaminhamnadireçãodareduçãodamaioridadepenaledoaumentodotempoparainternaçãodoadolescenteinfrator.OencarceramentomassivodespontacomoumaestratégiadegestãodamisériatrazendoapercepçãodaincapacidadedocapitalismoemconceberformasparacontornarapobrezaeamisériaemtodososseussentidoscomojádeflagraramNilsChristieeThomasMathiesen.Nomundoglobalizado,anecessidadedeotimizaroconsumoconduzàexclusãodaquelesquenãoseenquadram,tendocomodestinoodescartecomodemonstrouBaumanem“VidasDesperdiçadas”.

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Inquire-seaindaseasituaçãodessesjovenspodeserdesignadadeKafkiana,significandoasubmissãoa“[...]umlequedeexperiênciasquevaidoabsurdoridículodofuncionamentocotidianodasinstituiçõesburocráticasatéasmanifestaçõesmaismortaisdopoderadministrativo”(Löwy,2005,p.203).

Embora não se tenha a pretensão de aludir à obra Kafkiana por um viés literário, faz-se necessárioexplicar, para melhor compreensão, alguns conceitos, e, ainda, propor uma interpretação e umacomparaçãodostextosdoautorcomarealidadecotidianadosdiasatuais.

É importante salientarqueapalavra“texto”vemde tecer, suaorigemetimológica.O leitor sedeparacomcertaslacunasexistentesnesse“tecido”,quelheprovocaminquietaçãoemrelaçãoàcaracterísticaficcionaldaleitura.Defato,umtextosóseconcretizaatravésdoleitor,poiséelequemvaipreencheraslacunasdo“tecido”(texto),“costurá-lo”e,ainda,desvelaroutraslacunas.

Aliteraturafantástica,comoobservadaemFranzKafka,nadamaisédoqueumahipérboledefatosque,se exagerados, seriamdefinidos como impossíveis.Oqueo autor quer naverdade é fazer comqueoleitordesperte,atravésdoestranhamento,paraassituaçõesqueelevivetodososdiasenãosedácontadisso.Emresumo,Kafkaexageraessassituações,atravésdesuaficçãofantástica,afimdecriticá-lasecriarnoseuleitoraslacunasqueproduzirãoainquietude,comopropósitodemostrarumavisãocríticadarealidadeatravésdairrealidade.

OprimeirocapítulotratadaHistóriadaLegislaçãoquecontacomodesdeaColônianossoPaístratouospobres, negros e escravos todos jovens o que evoluiu da pena demorte ao confinamento, do critériobiopsicológicoaodafaixaetária,masquesedimentouumaculturadecriminalizaçãoeseletividadedosmesmosqueapesarde tantosTratadoseConvençõesedoEstatutodaCriançaedosAdolescentesquecomemorou26anosdeexistêncianãomudouaformadetratamento,emquepeseastentativas.

Continuamconfinados,narealidade,paranada,sãoasmaioresvítimasdemorteviolentaeincrementamasestatísticasdosautosderesistência,quandomorremporbalasdepoliciaisquedeveriamprotegê-los.

Nosegundocapítulo,percorre-seacriminalizaçãodosjovensrelacionandotaisocorrênciascomapartirdavisualizaçãodaSociedadeDisciplinareSociedadedecontrole,desnudadasapartirdopensamentodeMichelFoucault, incluindoincursõesaomodeloPanópticocolhendodosautorespesquisadosaanálisedas relações de poder que comportam tais fluxos aos quais o jovem é submetido pelo Estado,demonstrandocomooPoderéutilizadoparasubmeterumacategoriaqueémarginalporserpobre.

Desvela-seaindaofuncionamentodoSistemaPenalJuvenil,noqueserefereaosTribunais,paramostrara inadequação de tratamentos dados aos jovens que permanecem quase sempre sem defesa, em umsistemaproteçãoorientadoporvalorestãoabstratosquantoilusórios.

Ocontextovai indicarqueesses jovenssãoosOutsider(s)deBecker (2008)eparaelesse reservaacriminalização da pobreza, a discriminação, a utilização da violência comomecanismo de contençãosocialeoautoritarismosocial.

Noterceirocapítulo,busca-severificaratransiçãodaóticadacriminologiasobreaquestãodosjovens,iniciando pela Escola de Chicago até o que se denomina de Criminologia Moderna. Dentre essasvertentes,aaboliçãodoencarceramentodosjovenspareceseraúnicapossibilidadedefazer-sejustiça

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aos mesmos. Dentre essas vertentes, a abolição do encarceramento dos jovens parece ser a únicapossibilidadedefazer-sejustiçaaosmesmos.

Hulsman(2003,p.207)afirmaque:“a‘criminalização’éinjusta,jáqueatravésdesuaprópriaestrutura,negaasvariedadesjáexistentesnavidasocialeosdiferentes‘significados’daígerados,eporqueelaéincapazdepercebê-los e lidar comeles.É injusta tambémporquenãoconsegue lidar igualmentecomagressoresevítimas:amaioriadelesnemmesmoaparecenajustiçacriminal(cifraoculta):regrageralsão lidados em algum outro lugar de uma forma que não é sequer conhecida pela justiça criminal”.Insiste-seaoqueparecenamanutençãodeummodelosabidamenteinjusto.

Para Passetti, o abolicionismo afasta “a concepção criminológica do indivíduo criminoso, norte doDireitoPenalcontemporâneo,epropiciaaexpansãodaeducaçãolivremente”(2006,p.231).

Oquartocapítuloprende-seamostrarpormeiodaformacomosãolidadasasestatísticaseassituaçõesenfrentadaspelosjovensondeamedidasocioeducativanãoeduca,jáquesãoapenasmedidassimilaresàquelasprevistasnoCódigoPenal,portanto,umsimulacrodoquesefazcomosadultos.Comparaentãoassituaçõesvivenciadaspelosjovensemconflitocomaleicomouniversokafkiano.

É ainda um viés deste trabalho abordar a questão do jovem em conflito com a Lei no Estado doAmazonas, para tanto foi desvelada a estrutura de atendimento do Estado, assim como abordados osdadosdisponíveisemrelaçãoaoassunto.

Oconjuntodedocumentose instituiçõesespecíficasatuaisqueapoiamo tratamentoeatendimentodosjovensemconflitocomaLeipeloBrasilforaminseridoseanalisados,taiscomo:ConvençõeseTratadossobreosDireitosdasCriançaseAdolescentes,EstatutodaCriançaedoAdolescente,ConselhoNacionaldeJustiça,entreoutros.

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I.ESCORÇOHISTÓRICODALEGISLAÇÃOBRASILEIRARELATIVAÀCRIANÇAEAOADOLESCENTE

Neste capítulo, apresentar-se-á uma retrospectiva da legislação relativa aos atos infracionais, no queconcerneao tratamentodispensadoàscriançaseaosadolescentes,ouoqueRizzinidenominoude:“aarte de governar as crianças”. Como se verá adiante, as crianças nem sempre foram objetos depreocupaçãodoDireito,mas,comoensinamalgunsintelectuais,oesquecimentoeosilênciotambémsãodiscursivos.Sendoassim,cabeapergunta:“porqueemdeterminadocontextohistóricoascriançaseosadolescentespassamaserobjetosdepreocupaçãodoDireito?”Buscar-se-áresponderaessaperguntanestecapítulo,demonstrandoqueessapreocupaçãocomeçaquandoascriançaseosadolescentespassamaserconsideradossujeitosdedireito.

Alcançar o período em que crianças e adolescentes passaram a ter a seu favor o asseguramento degarantias de direito, por parte do Estado, é percorrer uma longa trajetória, expressa em diversaslegislaçõesnodecorrerdotempo.

Hajavistaoobjetivodotrabalho,oalvoserácoletareanalisaralegislaçãorelacionadacomapuniçãodosjovens.

Para tratar da questão dos jovens em conflito com a lei, primeiramente, faz-se necessário entender aproteção a eles oferecida, bem como verificar a forma como a partir do século XIX a criança e oadolescente1passamasertratadospeloEstado,oqualsebaseiaemumalegislaçãoqueapenasreproduzotratamentocostumeirododecorrerdosséculos.

Noqueconcerneàproteção,revisar-se-á,entreoutros,algunsinstrumentoslegaisimportantesquetratamdo assunto, tais como: aDeclaração dosDireitos dasCrianças de 1924; aDeclaraçãoUniversal dosDireitosHumanosde1948,ummarcodaproteçãoàcriança2; aDeclaraçãoUniversaldosDireitosdaCriança de 1959 e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança de 1989, promulgada pelasNações Unidas, cujo mandato é a imposição de direitos que visam à proteção integral da criança,abrangendotambémosadolescentes.

Emesferanacional,oEstatutodaCriançaedoAdolescente,naLeinº.8069/90, atendeaospreceitosinternacionaisnoqueserefereàproteçãodacriança.Simultaneamente,verificar-se-áqueosatoslegaisselecionados refletemapolíticaadotada, tantonoquese refereaosproblemasdeabandono,mascomênfasenoscriminais,quantonoqueserefereàssituaçõesdeinstitucionalização.

ApósaaprovaçãodoEstatutodaCriançaedoAdolescente(ECA)aLein.8242,de12.10.1991,criouoConselhoNacionaldosDireitosdaCriançaedoAdolescente(CONANDA),que“integraoconjuntodeatribuiçõesdaPresidênciadaRepública”3,queseráposteriormenteanalisadoemconjuntocomaPolíticaNacionaldeDireitosHumanosdeCriançaseAdolescentesnoBrasileSINASE–SistemaNacionaldeAtendimentoSocioeducativo4.

AoolharparaalegislaçãoconstruídanoBrasilnãosepodeesquecerqueelarepresentaocontrolesocialpenal5 que esteve sempre presente nas sociedades e que por meio dela foi estabelecido um sistema

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voltado para crianças e jovens; inicialmente, equiparando os abandonados, em virtude do tratamentodado, a infratores. É interessante notar que, num primeiro momento, os jovens abandonados foramincorporadospelopoderpúblicoatravésdasmesmasviaseaosmesmosdispositivosdecontrolequeos“jovensinfratores”;fatoquemudoucomopassardosanos.

No tempo, estabeleceram-seváriasdoutrinasde atuaçãopara alcançaro controle,mas, semdúvida, ainstitucionalizaçãodosjovensemquestãoseguiuomodelohistóricodoprivilegiamentodasclassesmaisabastadas.Essaseletividadeéoutralinhadeforçapresentenestecapítulo.

Durante esse percurso histórico, há de ter de se observar diferentes autores que apontam essacaracterísticaque,comoseveráadiante,nãoéexclusivadosistemapenalbrasileiro,masqueemnossasociedade aliou-se a componentes estruturais de nossa formação histórica, fato que só reforçou talseletividadee,hoje,ganhaaindamaisforçacomacrescentecriminalizaçãodapobreza.

Assim, faz-se necessário apontar os componentes estruturais que afetaram a formação da sociedadebrasileira:a)o racismoàbrasileira;b)autilizaçãodaviolênciacomomediadoradaordemsocialnoBrasilec)oautoritarismosocial.

Por“racismoàbrasileira”,entende-se,naesteiradopensamentodeAlfredoGuimarães6,queaquestãoracialdoBrasiléimportanteediferenciadadadeoutrospaíses.Dadécadade20paracá,aidentidadenacionalmostrou o produto de três raças para que se colocasse na definição de branco pessoas comtraçosafricanos,ouseja,essadefiniçãotornou-semaisampladessaforma,aomesmotempoemqueseenquadravamoutroscomonegroseíndios.

NoBrasil,pensa-sequeasituaçãodedesigualdadeentrebrancosenãobrancosliga-seàpobrezaenãoao preconceito e à discriminação. Porém, preconceito e discriminação ligam-se à etnia e classemisturando-se;oque,ao longodo tempo,acabaporcontaminarapopulaçãocomafalsa ideiadeumasociedadequeaceitaamiscigenação.

Flauzina(2008,p.17)esclareceque:

NoBrasil,paísqueforjaumaimagemdeharmoniaracialtãodescoladadarealidadequetomaporreferência,oracismosemprefoiumavariáveldecisiva.Odiscursoracistaconferiuasbasedesustentodoprocessocolonizador,daexploraçãodamãodeobradosafricanosescravizados, da concentração do poder nasmãos das elites brancas locais no pós-independência, da existência de um povo superexploradopelasintransigênciasdocapital.Emsuma,oracismofoioamparoideológicoemqueopaísseapoioueseapoiaparasefazerviável.Viável,obviamente,nostermosdeumpactosocialracialfundamentado,doqualaselitesnuncaabrirammão.

NoBrasil,separamaspessoaspelacor,pelodinheiroquepossuem,pelabeleza,oumelhordizendo,pelafeiura, e também pela posição que elas ocupam na sociedade, além de o sobrenome também ser umindicativodostatusdapessoa.

Bauman(2009,p.259)apontaprimeiramenteparaadificuldadededefinir“violência”,masesclarece:“écaracterísticadaviolênciaobrigaraspessoasa fazeremcoisasquedeoutramaneiranãofariamequenãotêmvontadedefazer”.Econtinua:“...sim,violênciasignificaaterrorizaraspessoasparafazê-lasatuarcontraavontadedelaseassimprivá-lasdeseudireitodeescolha”.Oautorlecionasobreaformadeconsecuçãodetaisobjetivosquesetraduzememdanos,emdoreemhorror.

PrelecionaaindaBauman(2009,p.260)serilegítimaaviolência,tratando-sedecoerção,aqualnãose

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atribuiqualquerlegitimidadeeaindaposiciona-senosentidodeque,“nalutapelopoder,aviolênciaéaomesmo tempo ummeio e um risco. Esse papel dual tem origem no principal objetivo dessa luta:legitimaracoerção”.

NoBrasil,àscondutassociaisincorpora-seaviolência,semprepresente.Naatualidade,tem-seacessoàviolência,quandoelasemanifestanasrelaçõesfamiliares,noassédiosexualno trabalhoe tambémnomoral; os quais são quase sempre sofridos em silêncio. Bauman vai além quando estabelece que a“socializaçãoconsisteeminduzirosindivíduosafazeremdeboavontadeoquedeacordocomasregrasdasociedadeprecisamfazer.”(2009,p.267)7.Aviolênciaseinsere,então,namanutençãodaordem.

Não há como pensar a violência sem atrelá-la ao autoritarismo vigente em nossa sociedade. Adorno(2011, p. 4) observa que tal conduta foi denominada por Paulo Sérgio Pinheiro de “autoritarismosocialmenteimplantado”.Oautoritarismofuncionacomoumaexpressãodaviolênciaquesemovimentanasrelações,emespecialnasinstitucionaisemnossoPaís,apesardaredemocratização8.

Emrelaçãoàcriançaeaoadolescente,impendelembraraassertivadePassetti(1995,p.33):

Nãoé,enfim,nenhumapolíticadedistribuiçãode rendaquepacificaráomercado.Oquepodemosafirmarcomsegurança,équeacriança ou o adolescente infrator, na maioria das vezes, foi uma criança violentada, física e/ou mentalmente, excluída da escola,provenientedeumafamíliaquemuitasvezescomplementasuarenda,quandonãoaobtémexclusivamentenomercadoilegaleviveemtalsituaçãodetensãoquenãolhepermitecolaborarcomasociabilidadeesperadapelasociedadeinstituídaaseusfilhos.

Atransformaçãodascriançasemjovensemconflitocomalei,seanalisadasobaóticadasviolênciasporelassofridas,respondeaosmotivosqueastransformaram;antes,crianças;hoje,violentadoras.

Naúltimadécada,observa-seumaumentodasanálisessobreacriminalizaçãodapobreza.Wacquant,em“PunirosPobres:ANovaGestãodaMisérianosEstadosUnidos”defendea tesedequenosEstadosUnidosagestãodamisériasedeslocoudotratamentosocialaopenal,fenômenoquetambémseobservanoBrasil.Batista,naapresentaçãodaobradeWacquant(2001,p.14),dizseraobra“fundamentalparaosqueestãopensandohojeaquestãocriminal”,talvezamaissignificativasobreoassunto.

NoBrasil, entretanto, a criminalização da pobreza é histórica, não é prática nova tal fenômeno estarligado à noção de classes perigosas que, por sua vez, associam-se à pobreza. É diante da realidadehistórica,emqueosjovenspobresnegrosequasenegrosseencontram,quesepretendeestabelecerumlevantamentohistóricodalegislaçãoqueafetou,desdeacolonizaçãodoBrasil,avidadetaisjovens.

Antecedentes

HeltonFonsecaBernardes(2005,p.21)relataos“aspectoshistóricosdadisparidadedetratamentopeloDireitoPenal”efazreferênciaaoCódigodeHamurabi(2067-2025),noqualseverificavaaaplicaçãode penas diferenciadas a favor dos nobres, privilegiava-se a aplicação de penas pecuniárias e, casoessas não ocorressem, aplicava-se o talião.Assim, os grupos sociaismenos abastados acabavamnãocompondoodanoe,porisso,sofriampenascorporais.

SobreoCódigodeManu,observaBernardes(2005,p.25)quesendoasociedadeindianadivididaemvárias castas, as classesmais baixasnão tinhamprivilégios, assimcomoos escravosquenem sequereramconsideradoshumanos,masbense,comotais,esquecidos.Oautor trataaindadaGrécia,ondea

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desigualdade entre cidadãos era patente, havendo pessoas comdireitos e privilegiamentos ao lado deoutras, como estrangeiros, bárbaros, gentes, habitantes da periferia que tinham direitos inferiores. Osgregos por fim estabeleceram o jus civile e o jus gentium para consolidar as diferenças (Bernardes,2005,p.31).

NoImpérioRomano,osgrupossociaisconstituíam-seemfunção“donascimento,fortunaedomicíliodapessoa, os quais, por sua vez, constituíam-se em patrícios, clientes, plebeus e escravos” (Bernardes,2005,p.32).O jusciviledestinava-seaospatrícios,quepossuíamodireitodevotare recebervotos,ocupar cargos públicos, comandar as legiões romanas, tornarem-se sacerdotes e integrar o colégiosacerdotal,tomarpossedasterrasconquistadas,contrairmatrimôniolegítimo,realizarqualquernegóciojurídico e fazer valer seus direitos na justiça. “Os patrícios e somente eles eram cidadãos romanos edetinham,portanto,comexclusividade,todososdireitosnaRomaantiga,querosprivados(juraprivata)querospolíticos(jurapublica)”(Rolim,2008,p.49).

Pormeio da legislação romana são ampliados os direitos, visando ao fim da diferença entre classessociais,mas,aindaassim,forammantidososprivilégiosdospatrícios,quedetinhamopoderdegoverno,dosagradoedamagistratura9(Bernardes,2005,p.34).

Na IdadeMédia, clero e nobreza tinhamprivilégios assegurados, nãopodendo ser alvos de tortura, aqualeradestinadaaosplebeus.Assim,ossenhoresfeudais,osreiseaIgrejaCatólicaaplicavamsuasprópriasregrasdeDireitoCriminal(idem,p.37).AimportânciadaIgrejaeratãosignificativaqueelasetransformoueminstituiçãodopróprioEstado.OdeclíniodaIgrejaocorrenãosópelasReformasemseuinterior,mastambémpelalaicizaçãododireitoocorridoemváriospaíses(Idem,p.41).

OsreiscomeçamareforçarseupoderapartirdoséculoXII,umperíodoanterioraoconstitucionalismomoderno em que “a interpretação do direito encontrava-se estreitamente ligada à religião, àmoral, àtradiçãoeaoscostumestranscendentalmentejustificadosequeessencialmentenãosediscerniam”(Idemp.42).

Bernardes demonstra que o tratamento desigual presidia os julgamentos que, afinal, reconheciam emantinhamasdiferenças.

Falar-se-á,apartirdeagora,doperíododenominadoporThompson(1976,p.77)de“FortalecimentodaMonarquia”, que resultou nas Ordenações no Brasil; na Compilação de Duarte Nunes; e, enfim, noCódigoPenalBrasileiro.

AsOrdenaçõesFilipinas tiveram suavigência noperíododaMonarquia absoluta, foramaplicadas noBrasile,semdúvidaalguma,influenciaramanossalegislação.Aspenaseramcruéis,amaiorpartedosdelitos tinha comopunição apenademorte, que eradiferenciada em:morte cruel,morte atroz,mortesimplesemortecivil.Haviaumaformadistintadeagiremcadapenademorte.Namortecruel,retirava-se a vida pormeio de suplícios; namorte atroz, que podia ser seguida de confisco de bens, havia aqueima do cadáver, esquartejamento e proscrição da memória; na morte simples, havia somente asupressãodavida,oupordegolaçãoouporenforcamento(paraclassesbaixas),eamortecivilconsistianaeliminaçãodosdireitosdacidadania(Thompson,1976,p.100).

Emrelaçãoàhistóriadacriançaedoadolescente,percebe-sequenemestes,nemaqueleseramobjetos

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depreocupaçãodoDireito.Ambosdiziamrespeitoàfamíliae,nela,eramservosdaautoridadepaterna,oqueocorriatantonoOcidentequantonoOriente,nãohavendointeressedoDireitoemtalrelação.

Relatamosdoutrinadoresque tantoopatriarcado romanoquantooDireitoGermânicoapresentavamomesmoabsolutismo,ouseja,opaitinhaodireitosobreavidadofilho,estelhepertencia.

EmEsparta,relata-sequeacriançanascidacomalgumtipodedeficiênciaoucomproblemascongênitoseraatiradadedespenhadeiros.AcriançapertenciaaoEstado.

Emtermosdeproteçãoàcriança,pode-secitar:

a)OCódigodeHamurabi,queestabeleciaapenademorteparaohomemqueroubasseofilhodeoutro,casoofilhoroubadofossemenor;

b)OsjuristasnoDireitoRomano,quejádistinguiamosmenorespúberesdosimpúberes,distinçãoessaestabelecidapormeiodeavaliaçãofísica;

c)AatenuaçãodotratamentoemrelaçãoapessoasmaisjovensnoDireitoMedieval;

Em relação à arte, a criança até o século XII era desconhecida e não era representada. As criançasapareciamcomohomensemminiaturas10(Ariès,2006,p.18).

Ramos (2002, p. 20) ao relatar sobre as crianças que eram usadas como grumetes nas caravelas quevinham de Portugal, observa que além de elas serem utilizadas aos sete ou oito anos, tambémdesempenhavam atividades muito acima de suas possibilidades físicas, eram, ainda, acomodadas aorelento,ondesesujeitavamàchuvaeaosol,sofriamabusosexualeemsuaalimentaçãoescassa,comoadetodos,haviaatératos.Sobreisso,oautormencionadoseexpressadaseguinteforma:

[...]entreguesaumcotidianodifícilecheiodeprivações,osgrumetesviam-seobrigadosaabandonarrapidamenteouniversoinfantilparaenfrentararealidadedavidaadulta.Muitosgrumeteseramsodomizadospormarinheirosinescrupulosos–categoriaclassificadanos documentos como firmada por ‘criminosos da pior espécie’ tais como ‘assassinos, incendiários, (e) sediciosos’, cuja pena por‘decapitação ou enforcamento’ havia sido comutada ‘pelo serviço marítimo’ – de evidente superioridade física sobre os meninos.Relatos de viajantes estrangeiros que passaram por Portugal no século XVIII dão conta de que a pedofilia homoerótica eramuitocomum,permitindosuporquenasembarcações,ambienteondeatémesmoosreligiososcostumavamatoleraratosconsideradosdignosdecondenaçãoàfogueira,talpráticaeraextremamentecorriqueira.

As crianças e os adolescentes que não tinhampai eram considerados órfãos emPortugal, e, portanto,ficavam à mercê dos soberanos. As moças (órfãs) eram encaminhadas a tais caravelas a fim de secasaremcomosportuguesese,emgeral,vinhamacompanhadasdeumreligiosoqueasvigiavaparaquenãofossemalvodeabusosporpartedosmarinheiros.

AlegislaçãoimplantadanoBrasildurantealgunsanoséconsectáriadotratamentodadoacriançaseaadolescentesnesseperíodo.Somentecomaideiaprogressivasobrecidadania,alegislaçãosemodificou,não representando,necessariamente, umamudança eficazna formade tratamentodadoàqueles sempreacostumadosaseremtratadosdemodotãodesigual.

AlegislaçãoBrasileiraaté194811

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Deve-se considerar que como colonizados os brasileiros foram submetidos à organização e à lei doscolonizadores,estarepresentadamaisespecificamentepelasseguintes leis:OrdenaçõesAfonsinas,quenão foram aplicadas no Brasil, pois sua vigência ocorreu entre 1447 e 1521; Manuelinas, as quais,impressasem1521,nortearamasinstituiçõesburocráticasrelacionadascomaJustiça,quenotempodesuavigênciaaplicavarealmenteumdireitopenalnoâmbitoprivado;e,finalmente,AsFilipinas.

AaplicaçãodalegislaçãodoReinoseriaimpossívelnosistemadasCapitaniasHereditárias,entretanto,foramimplementadascomainstalaçãodosGovernosGerais(Fragoso,1987,p.58).ÉMartimAfonsodeSouza,comogovernadordoBrasil,compoderesconcedidospelosoberano,queiniciaaaplicaçãodasOrdenaçõeseeditaAlvarás,regimentos,entreoutros,quepassamaconstituiranossaprimeirafontedoDireitoPenal(Batista,Zaffaroni,2000,p.417).

Emrelaçãoàs“criançasdeninguém”,noséculoXVIII,aassistênciaeraprestadapelaIgrejaCatólica,representada especialmente pela roda dos expostos, fundada em1726 naBahia e em1738 noRio deJaneiro por meio da Santa Casa de Misericórdia. As Câmaras Municipais excluíam-se daresponsabilidadedecolaborarnaeducaçãodetaismenores(Jesus,2006,p.37).

A legislação portuguesa, pormeio dasOrdenações Filipinas, foi grandemente utilizada noBrasil, emespecial comavindadeD. JoãoVI.AsOrdenaçõesFilipinasvigoramapartir de1603 emPortugal,tendocomoescopooterroratravésdepuniçõesdurascomo:penasdemorteporenforcamento,porfogoetormentos,queeramaplicadasaoarbítriodojuiz,assimcomoasconfissões,queeramobtidaspormeiodetorturas.AsOrdenaçõesFilipinasforamutilizadasatéaediçãodoCódigoCriminalde1830(Bruno,Aníbal,1967).

Apuniçãoeraaplicadaapartirdosseteanosdeidade, teoricamentenãoseaplicavaapenademorte;teoricamente, pois, na realidade, tal pena ocorria, visto que em alguns casos jovens entre dezessete evinteeumanospodiamsercondenadosàmorte(Saraiva,2009,p.29).

Confirmando a tradição de tratamento desigual no Brasil, o Código Criminal de 1830 mantinha umtratamentodiferenciadoaosescravose leiserameditadasnosentidodareafirmaçãodasdiferenças.ALeinº4de10dejunhode1835éumexemplo,poisestabelece:

Artigo1–Serãopunidoscompenademorteos escravosquemataremporqualquermaneiraque seja,propinaremveneno, feriremgravemente ou fizerem outra qualquer grave offensa physica ao seu senhor, a suamulher, a descendentes, que em sua companhiamorarem,aadministrador,feitoreàssuamulheres,quecomellesviverem.

Aomesmotempo,oCódigoCriminalde1830estabeleceuainimputabilidadeaosquatorzeanosdeidade– artigo 3°.: deve ser considerado que ao menor de sete anos não era atribuída responsabilidade,entretanto,entre07e14anos,aprovadediscernimentoos transformavaemrelativamente imputáveis,podendoserrecolhidosàscasasdecorreção.

Interessanteéumrelatosobreumadúvidaemrelaçãoàaplicaçãodepenamorteaseraplicadaaumaescravamenorde14anos,pelofatodetermatadoaesposadeseucapataz,oquegerouoAviso190,de1852,determinandoautilizaçãodopadrãodemenoridadeaos14anosparaa“creoulaAmbrosiana”,ouseja,opadrãodamenoridadeésobrepostoàpenademorteparaosescravos.Oquequeremosressaltarcomissoéqueanecessidadedetalconsultaacercadequepenalidadeprevaleceriaparaaescravamenordeidaderevelaostatusdesigualdestinadoaosescravos,comoafirmaRizzini(2009,p.103):“Trata-se

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deumadeclaraçãosobreopoucoounenhumvalordoescravonasociedade,chegandoasuscitardúvidasquantoàaplicabilidadedalei”.

EssefatotrouxeaindaadisposiçãodoAviso478,de1863,sobreaproibiçãodousodeoutradataquenãoadocometimentodocrimeparaoestabelecimentodamenoridadede14anos.

OCódigoPenalde1890considerouquea inimputabilidadepoderiaocorrerdeduas formas: relativa,entre09e14anos;eabsoluta,paraosmenoresde09anos(artigo27,parágrafo1º)12.Entreaidadede09 e 14 anos, a avaliação sobre a possibilidade de entendimento sobre o certo e o errado ficava acritériodomagistrado.

Oartigo30doDecreto847de1890determinavaqueosmaioresde9anosemenoresde14,emcasodeagiremcomdiscernimento,seriamrecolhidosaestabelecimentosdisciplinaresindustriais,acritériodoJuiz,nãopodendoorecolhimentoexcederaidadede17anos.

OProjeton.250de1893estabeleciaqueosmenoresde10anosnãoeramresponsáveispeloscrimes;entretanto, eles poderiam ser recolhidos a um “instituto de educação e correcção por tempo que nãoexcedaàmaioridade”.Tambémpoderiaocorrerdeospaisficaremresponsáveispelaguardadomenor.Jáosmaioresde10eosmenoresde14nãotinhamcapacidadedereconheceracriminalidadedeseuato,então,ojuizpoderiaestabeleceraatribuiçãodaresponsabilidadeaospais,oudeterminarorecolhimentoaumestabelecimentopenal,agrícolaouindustrialportempoquenãoexcedesseamaioridade.13

A possibilidade de o Juiz poder determinar a atribuição dos pais pelo recolhimento dos filhos e emoutrassituaçõesdecidirsuainstitucionalizaçãojádemonstraumtratamentodiferenciadoqueconstituiu,desdesempre,apráticadosistemapunitivoecontinuasendoumacaracterísticadosistema.

Retornandoà legislaçãodoséculoXIX,oDecreto678de1850criouacasadecorreçãodestinada“aexecução da pena de prisão com trabalho dentro do respectivo recinto”. A casa era dividida em: a)correcional, onde ficavam os menores condenados em face do artigo 13 do Código Criminal, quedispunha:“Seseprovaremqueosmenoresde14annosque tiveremcommettidocrimes,obraramcomdiscernimentodeverãoserrecolhidosàcasadecorreçãopelotempoqueaojuizparecer,comtantoqueorecolhimento não exceda à dezessete annos” e b) criminal, onde ficavam os outros presos nãocomponentesdadivisãocorrecional14.

Em1875,peloDecreton.5849,queestabeleceuoRegulamentoparaoAsylodemeninosdesvalidos,osquais ali ficavam entre a idade de 6 a 12 anos, observava-se a educação voltada a profissões como:encadernador,alfaiate,carpinteiro, torneiro,entalhador,funileiro,serralheiro,surrador,sapateiro,entreoutras,ficandoclaroquedepoisdecompletadaaeducaçãodeveriampermanecerportrêsanosnaoficinado“Asylo”,ondedeveriamdestinarovalorpré-estabelecidonoRegulamentoaoscofresdaInstituição.Devolviam,então,aoEstadooscustosdesuaeducação.

Estãosendosempreconsiderados,comidênticostatusparafinsdeinstitucionalização,cujareabilitaçãodeveseralcançadapelo trabalhoe instrução,osmendigosválidos,vagabundosouvadios,capoeirasemenoresviciosos(Lei947/1902–FonteCIESPI).

Deve-se ressaltar que, em1899,MoncorvoFilho15 criouo InstitutodeProteção à Infância doRiode

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Janeiroque,em1904,passouareceberapoiofinanceirodogoverno.OInstitutovoltava-seaoamparoeàproteçãodainfâncianecessitadanessaépoca.ObservaRizzini(2009,p.118)quehá“umapreocupaçãocrescente com a criminalidade infantil”. Percebe-se que a preocupação dos estadistas era com ascriançasejovensabandonadose/ouinfratores,aquembasicamentedestinava-seomesmotratamento.

EmfinsdoséculoXIX,segundoDonzelot(1980,p.79),passa-seareuniremummesmoalvoainfânciaem perigo e a infância perigosa e, não por acaso, a legislação brasileira caminha nomesmo sentido,assim como a Lei francesa, que estabelecia o poder do Estado ao retirar dos pais o pátrio poder,permitindo uma educação profissionalizante para osmenores16 não criminosos,mas aomesmo tempoconstruindoimitaçõesdeprisõesparaquetaisjovensficassemisoladosatéamaioridade.Arealidadeéaexistênciadeinconvenientescomoosfilantroposcuidandodoabandonoedajustiçadoscriminosos17.Pensava-sequeapessoanasciasentenciadaequeatravésdecertosdispositivoscomo:tutela,educação,trabalho,entreoutros,talsentençapoderiaserneutralizadaoucorrigida.

OProjetonº94de1912trataentãodainfânciaabandonadaecriminosa,estabeleceatuteladoEstadooudaUniãoparasubmetê-losaoregimehospitalaroueducativo,comoaseguir:

[...]a)osmaterialmenteabandonados;b)moralmenteabandonados,ouseja,osqueemrazãodeenfermidades,ausencia,negligencia,frouxidãoouvíciosdeseuspaesestejamsemconvenientedirecçãoeprivadosdeeducação;c)mendigosevagabundos;d)quetiveremdelinquido.

AocompulsaroProjeto94de1912verifica-seaampla formacomoé tratadaaquestãodosmenores,estabelecendo a forma de encaminhamento deles em função da idade, do ato cometido, se crime oucontravenção,sepossuialgumadoençacomoretardamento,entreoutros.

ÉaindanoProjeto94queseestabelecemosTribunaisJuvenis.Éinteressanteobservarqueainstruçãoeo julgamento a cargo dos Tribunais (Juvenis) abrangem “todas as questões relativas ao abandono,mendicidade,vagabundagemoucriminalidadedemenoresdequetratamosartigos11,12e14destaleificamexcluídosdojuízocomum”.ÉnoProjeto,queseimpõemoprazodejulgamentodoscasos(máximodeoitodias)eainstalaçãodeum“depósitodemenores”,ondeelesesperavamadecisãodeseudestino(inaugurandoaprisãocautelarparaos“menores”).

Noartigo33, ficamcriadososestabelecimentosparamenores, taiscomoo“depósitodemenores”, jámencionado18.

No artigo 34, são criadas, no Distrito Federal, duas escolas de preservação e de reforma, umestabelecimento para menores anormais e duas escolas de reforma, além da previsão de ensino deatividades representativas das profissões dos trabalhadores de menor renda. Para os jovensinstitucionalizados,odirecionamentoéparaqueotrabalhootransformenumtrabalhadorsubalternoedebaixarenda.

A legislação da época mantém a equiparação entre a proteção ao menor de 18 anos abandonado oupervertidocomoprocessodejulgamentodosdelinquentesmaioresde14anosemenoresde18anos,istoé, os abandonados, ospervertidos,mendigos, vadios e libertinos, entreoutros, são tratadosnamesmainstância,incasu,noJuizadodeMenores.

JoãoBatistaCostaSaraiva(2009,p.27)lecionasobreotratamentodadoàcriançaquandoseanalisao

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CódigoCivilde1916eoCódigoNapoleônicovigentenosprimeirosanosdoséculoXIX:

[...] do ponto de vista da responsabilidade civil por atos praticados por menores, do Código Napoleônico, passando pelo revogadoCódigoCivilPátrioaovigenteCódigoCivilvigente,pode-seafirmarqueaLei civilnãoestabelecemuitadiferençaentreumcachorroeumacriança19(grifonosso).

EmfacedaLei4.242,de06dejaneirode1921,emseuartigo3º,ogovernoficouautorizadoaorganizaro serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinquentes; na mesma Lei, foiregulamentadaasuspensãodoPátrioPoder.Oserviçocriadomantém-seoqueperdurouporquasetodooséculoXX,aequiparaçãoentreinfânciaemabandonoedelinquentes,colocadosnomesmopatamar.

OsDecretos16272/1923eo3828/1925estabelecemqueosabandonadossão:

a - aqueles que não têm habitação certa, sem meios de subsistência, por serem órfãos ou seus paisdesaparecidos ou desconhecidos, sem tutor; que encontrem-se em tais condições devido a indigência,enfermidade,ausênciaouprisãodospais,tutoroupessoaquetenhaavigilânciadomenor:pai,mãe,tutorimpossibilitadoouincapazdecumprirseusdeveresemrelaçãoaosmenores;

b-cujospai,mãe,tutorouencarregadopratiquematoscontráriosàmoraleaosbonscostumes;quandopais,tutoresoupessoaemcujaguardaestejaosexponhaàcrueldade,exploraçãoouperversidadeequesejam taismenores vítimas demaus tratos habituais e castigos imoderados, privados de alimentos oucuidados indispensáveis à saúde, empregados em ocupações proibidas e contrárias à moral, bonscostumes ou que lhe ponham em risco a vida e a saúde; induzidos à gatunice, mendicidade oulibertinagem;

c -queapessoaque lhe tenhaaguardaestejacondenadaamaisdedoisanosdeprisãoporqualquercrimeeaqualquerpenacomocoautoresoucúmplicedecrimecometidoporfilho,pupilo,menorsobreguardaoucrimepraticadocontraeles”.

Verifica-se, por meio do artigo 24, no §2°, que um dos argumentos que legitimam a internação é odiagnóstico médico jurídico. Sobre tal possibilidade, Passetti (2002, p. 357) esclarece: o objetivoprincipaleracombateroindivíduoperigosocomtratamentomédicoacompanhadodemedidasjurídicas.Paraessavertenteinterpretativa,apersonalidadedo“criminoso”eraconsideradatãoimportantequantoo ato criminal e, por isso, o infrator deveria ser internado para que, no futuro, fosse reintegradosocialmente.Desdeentão,essaargumentaçãopermanecesendoaceitacomojustificativaparaaalegadapericulosidadedoadolescentepobreeanecessidadedeseuinevitávelencarceramento.

Historicamente, a internaçãoatingeospobres,MichelFoucault, inHistória daLoucura (2007, p. 78),observaque:

[...] a internação é uma criação institucional do séculoXVII. Ela assumiu, desde o início, uma amplitude que não lhe permite umacomparaçãocomaprisãotalcomoestaerapraticadanaIdadeMédia.Comomedidaeconômicaeprecauçãosocial,elatemvalordeinvenção.Masnahistóriadodesatinoeladesignaumeventodecisivo:omomentoemquealoucuraépercebidanohorizontesocialdapobreza, da impossibilidade de integrar-se no grupo; omomento emque começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade.Asnovassignificaçõesatribuídasàpobreza,aimportânciadadaàobrigaçãodotrabalhoetodososvaloreséticosaeleligadosdeterminamaexperiênciaquesefazdaloucuraemodificam-lheosentido.

OestabelecimentodeumTribunaldeMenoresnoBrasil,em1923,seguiuumatendênciainternacional,inaugurada pelos Estados Unidos, que, em 1899, criou em Illinois o primeiro Órgão desse gênero.

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Alemanha,Argentina, Inglaterra, Japão,Espanha,MéxicoeChileaderiramàcriação inaugurandoseusjuízosespeciaisvoltadosaosmenores.

OsTribunais deMenores acabarampor possibilitar a institucionalização de normas que originaramo“direito domenor”; esses, como instâncias judiciais, tornaram-se “verdadeiras instâncias judiciais deexceção”,aplicavammedidasdenaturezapenalacomportamentosnãopenais(Machado,2003,p.35).

Rodrigues(2001,p.45)informa,apartirdaanálisedeespecialistas,queotratamentoestabelecidoparaosmenores,previstonoantigoCódigodeMenores,eacriaçãodoJuizadodeMenores tinhamcaráterassistencialista,poisdefiniamosdireitosàsaúdeeàeducaçãoefixavamtambémmedidasaotrabalhodomenor”. Embora o aspecto assistencialista20, os institutos inaugurados, ainda no começo do século,”apresentavamumcaráterrepressivo,correcionalepunitivo.”

ODecreto3828/1925repeteojáenunciadonoDecreto16272/1923,quedispõe:

Artigo3°-Consideram-sepervertidososmenoresvadios,mendigoselibertinos

“...§1°-Sãovadiososque,tendodeixado,semcausalegitima,odomícilliodopae,mãe,tutor,guarda,ouoslogaresondeseachavamcollocados por aquelles a cuja autoridade estavam submetidos ou confinados, são encontrados habitualmente a vagar pelas ruas oulougradouros publicos, sem que tenham meio de vida regular,ou tirando seus recursos de occupação immoral, prohibida ouprovavelmenteinsufficiente.

§2° - Sãomendigos os que habitualmente pedem esmola,para si ou para outrem, ainda que este seja seu pae e suamãe,ou pedemdonativossobpretextodevendaouofferecimentosdeobjeto.

§3°-Sãolibertinososquehabitualmente:

a)naviapublicaperseguemouconvidamcompanheirosoutranseuntesparaapraticadeactosimmoraes;

b)seentregamàprostituiçãoemseuprópriodomicilio,ouvivememcasadeprostituta;oufrequentecasadetolerancia,parapraticaractosimmoraes;

c)sãoencontradosemqualquercasaoulograr,praticandoactosimmoraescomoutros;

d)vivemdeprostituiçãodeoutrem.”

SubmetidosaomesmoJuízodeMenores,oprocedimentosediferenciavaquandosetratavademenoresabandonados ou pervertidos e menores delinquentes. Quanto aos primeiros, podiam ser adotadas asseguintesmedidasdeentregadomenor:aospais,tutoroupessoasobcujaguardavivia,sobascondiçõesde prover a ele saúde, segurança emoralidade; entrega domenor a pessoa idônea ou “interná-lo emhospital,asylo,institutodeeducação,officina,escoladepreservaçãooureforma”;podendoordenarasmedidas adequadas para aqueles que precisassem de tratamento especial em face de sofrerem dequalquer doença física oumental, e, finalmente, decretar a suspensão ou perda do pátrio poder ou adestituiçãodatutela.

O procedimento nessa situação (menores abandonados ou pervertidos) iniciava-se ex-ofício, arequerimento do curador ou pessoa por queixa e, ainda, por denúncia. Em quarenta e oito horas, osnotificados (pais, tutor ou encarregado da guarda) deviam apresentar defesa, podendo o Juiz solicitarmaioresesclarecimentosoudiligências.Cabiarecursodeapelaçãoemrelaçãoàdecisãoproferidae,emrelaçãoaoAcórdão,cabiasomenteEmbargodeDeclaração21.

Emrelaçãoaosmenoresdelinquentes,situavam-senafaixaetáriademaisde14anosemenosde18anose não eram submetidos a processo penal, no entanto, a partir do artigo 8° inicia-se a explicação dos

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procedimentoscomoaseguir:oprocessoiniciava-seex-ofício,medianteportariadoJuiz,pordenúnciadapromotoriapúblicaouporqueixadaparteofendida;nãoeramsubmetidosainquéritopolicialeeramprocessadosejulgadospeloJuizdeMenores.

Poderia ser, segundo o parágrafo primeiro, preso em flagrante, quando após lavrado o auto pelaautoridadecompetentedeveriaserencaminhadoaoJuiz.Aodesignardataparainstauraçãodoprocesso,era indicado defensor, o rito processual é o mesmo do Processo Penal. O processo deveria estarconcluídonoprazomáximode15dias.

Em caso de procedência da acusação, se fosse caso de contravenção não indicativa de vício ou máíndole,elepoderiaserentregueaospais,tutor,detentordaguardaoudar-lheoutrodestinoconveniente(Artigo11).

Seo“menor”fosseabandonado,pervertidoouemperigo,eleeramandadoàinternaçãoemumaescolade reforma, por todo o tempo necessário a sua educação, por três anos, no mínimo, e sete anos, nomáximo (§ 1°); se culpado,mas não abandonado e nempervertido, era internado pelo prazo de um acincoanosnomáximo(§2°);Sefosseocasodecrimegravepraticadopormaiorde16anosemenorde18anos,seoagentefosseperigosoepervertidomoralmente,apenaeracumpridaemprisãocomumouespecial.Naprisãocomum,seriaseparadodosadultos(§3°).Paraomaiorde16emenorde18anos,peloDecreto,estabelecia-seorecolhimentoaomesmoespaço.Observe-sequeesteDecreton.3828,demarço de 1925, já no início do século vinte, delineava uma política consentânea com a história dacriança e dos jovens pobres no decorrer dos séculos; em vários países, manifestada nainstitucionalizaçãodosjovensabandonadoseinfratores,masquenemalcançavaaproteçãonecessáriaaojovemabandonadonemmelhoravaacondiçãododelinquente.

Oinstitutodaliberdadevigiadaaparececomoumaconquistadaquelejovemconsideradoculpado,desdequeeleviesseaatenderalgumascondições,entreasquais:a)possuirfamíliaidônea,b)possuir16anoscompletos, c) ter cumprido metade do tempo de internação, não tivesse praticado outra infração eestivesseaptoaganharavida,oualguémpudesselheproporcionarmeiosdesubsistência.

ODecreton.17943A,de1927,consolidouasleisdeassistênciaeproteçãodos“menores”,designadode Código deMenores. Essa consolidação foi abrangente, tendo tratado de forma bastante exaustivatodasassituaçõesreferentesaosmenores,tratandodacriançadaprimeiraidade,dosinfantesexpostos,dosmenoresabandonados,dopátriopoder,datutela,dosmenoresdelinquentes,daliberdadevigiada,dotrabalho dos menores, da vigilância sobre os menores, dos crimes e da contravenção, do Juízo deMenores,doProcesso,doAbrigodeMenores,dosInstitutosdisciplinaresedoConselhodeAssistênciaeProteçãodosMenores,totalizando231artigos.Ressalte-sequeaConvençãodeGenebrade192422nãoteveimportânciaparaaelaboraçãodoCódigoquesemenciona.

SobreoCódigode1927observeser:

[...]aprimeirasistematizaçãolegislativareferenteacriançaseadolescentesnoBrasil(CódigoMeloMatosde1927),queperdurou52anos,tendonascidosobaégidedadoutrinadaprevençãogeralfrutodoconceitodepericulosidadeededefesasocial(Oliveira,1993,p.37).

Estabeleceu-sequeomenorde14anosnãoseriasubmetidoaprocessopenaldenenhumaespécie,masdeveriaprestar informações sobreos fatospuníveis e submetidoaumaverificaçãode suas condições

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mentais, físicas,morais, sociais e econômicas de seus pais, tutor ou pessoa sob cuja guarda vivesse.Constatando-sequeomenoremquestãosofriadealgum transtorno relacionadoàsuasaúde,previa-sequefossesubmetidoatratamento.

Sendo abandonado ou correndo risco de ser, seria internado em asilo, casa de educação, escola depreservaçãoouconfiadoapessoaidôneaporidadenãosuperiora21anos.Casonãoseverificassemascondiçõesacimamencionadas,seriaentregueaospais,tutoroupessoaemcujaguardavivesse(artigo68eparágrafos).

Emrelaçãoaomaiorde14anosemenorde18anosquefosseautordecrimeoucúmplicedecrimeoucontravenção,estabeleceuoartigo69eparágrafoscomosesegue:

Art.69. O menor indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou Contravenção, que mais de 14 e menos de 18, serásubmettido a processo especial, tomando, aomesmo tempo, a autoridade competente as precisas informações, a respeito do estadophysico,mentalemoraldelle,edasituaçãosocial,moraleeconômicadospaes,tutoroupessoaincumbidadesuaguarda

§1º.Siomenorsoffrerdequalquerformadealienaçãooudeficiênciamental,forepleptico,surdo-mudoecegoouporseuestadodesaúdeprecisasdecuidadosespeciaes,aautoridadeordenarásejasubmettidoatratamentoapropriado.

§2º.Siomenornãofôrabandonado,nempervertido,nemestiveremperigodeoser,nemprecisardotratamentoespecial,aautoridadeorecolheráaumaescoladereformapeloprazodeumacincoanos.

§3º.Siomenorforabandonado,pervertido,ouestiveremperigodeoser,aautoridadeointernaráemumaescoladereforma,portodootemponecessárioàsuaeducação,quepoderáserdetrêsannos,nomínimoedeseteannos,nomáximo.

Tratamentodiferenciadodestinava-seaosinfratorescommaisde16emenosdel8anosdeidade,quandopraticavam crime considerado grave pelas suas circunstâncias. Ficando provado ser pervertido ouperigoso, seria encaminhado a um estabelecimento paramenores de idade, na ausência deste, ficariareclusoemumaprisãocomum,masseparadodosadultos(Artigo71).

Apena,entretanto,nãopoderiaexcederaoseumáximolegal.Seacondutadelitivafossecontravenção,não revelando o menor ser de má índole e vícios, o juiz, após advertência ao contraventor, poderiaentregá-lo aospais, tutoroupessoadetentoradaguarda (Artigo72).Emcasode absolvição, entre asmedidasaseremeleitasestavaaliberdadevigiada(Artigo73).

Aspectorelevanteéaclassificaçãodevadios,mendigosecapoeirasmaioresde18anosemenoresde21anos,quedeveriamserrecolhidosàsColôniasCorrecionaispeloprazodeumacincoanos(Artigo78).ParaRizzini(2009,p.123),“apráticadeclassificarindivíduosdeacordocomdeterminadascategoriasresultoudaincorporaçãodeconhecimentosemvoga,advindos,sobretudo,daantropologiacriminaledapsiquiatria”.Continuaaautora:

[...] No que se refere aosmenores, essa classificação transformou-se em um verdadeiro escrutínio de suas vidas, vasculhando-seaspectosdopresente,dopassado,desuafamíliaedesuapersonalidade.Aquinos interessaexplorarporque teriamsidoosmenoresincluídosnascategoriasdevadiosedesordeiros,emvoganaépoca.Aleituradadocumentaçãoencontradasobreesteperíodonoslevaacrerquetalfatosedeu,àmedidaqueeramidentificadospelomenosdoisimportantesaspectosdaquestãoenvolvendomenores:a)opotencial deperigoparao futurodanação, pois entendia-seque, entregues aoócio, certamente engrossariamas fileirasdosvadios,vagabundos e criminosos que vagavam pelas ruas das cidades; b) a noção de que a infância constituía a fase ideal paramoldar oindivíduo,educando-ooureabilitando-o.

Oartigo87dispunhaque,emcasodefaltadeestabelecimentoadequado,osmenoresde14a18anossentenciadosseriamrecolhidosaprisõescomuns,masseparadosdoscondenadosmaiores.

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NocapítuloVIII,explica-seaLiberdadeVigiada,comoaseguir:

Artigo92–Aliberdadevigiada,consisteemficaromenoremcompanhiaesobaresponsabilidadedospaes,tutorouguarda,ouaoscuidadosdeumpatronato,esobvigilanciadojuiz,deaccôrdocomospreceitosseguintes:

1.Avigilânciasobreosmenoresseráexecutadapelapessoaesobaformadeterminadapelorespectivojuiz;

2.Ojuizpodeimporasmenoresasregrasdeprocedimentoeaosseusresponsáveisascondições,queacharconveniente

3.Omenorfica,obrigadoacompareceremjuízonosdiaqueforemdesignados.Emcasodemorte,mudançaderesidênciaouausêncianãoautorizadadomenor,ospaes,oautorouguardasãoobrigadosaprevenirojuizsemdemora;

4.Entre as condições a estabelecer pelo juiz pode figurar a obrigação de serem feitas as reparações, indemnizações ou restituiçõesdevidas,bemcomoasdepagarascustasdoprocesso,salvocasodeinsolvênciaprovadaereconhecidapelojuiz,quepoderáfixarprazoparaultimaçõesdessespagamentos,tendoemattençãoascondiçõeseconômicaseprofissionaesdomenoreseuresponsavellegal.

5.Avigilancianãoexcederádeumano;

6.Atransgressãodospreceitosimpostospelojuizépunível;

OCapítuloXtratavadavigilânciasobreosmenores,nosartigos126a131,eapartirdoartigo157oProcessoéestabelecido.Énosartigos169e175que ficaclaraaexistênciade inquéritopolicialnoscrimespraticadospormenoresde14a18anos.Adesignaçãodedefensor,assimcomoadecuradorjáestava prevista, dessa forma, a ideia da possibilidade de contraditório já se estabelecia em casosenvolvendomenoresdeidade.Naprática,pensa-seseressaumaformalidade,porquedequalquerformaapuniçãojáestariadecidida.

Passetti(2002,p.112)seexpressasobrealegislaçãocomoaseguir:

O pensamento jurídico desde o século XIX procurou caracterizar a infância criminalizada com base na patologia e na irreversívelcondiçãodestascriançasqueemergiramde setorespauperizadosde imigrantesenegrosescravos libertos.Namelhordashipóteseseramconsideradosvagabundosparaosquaiscriaramasescolasagrícolascomo intuito,desde lá, sepossível,integrá-losaos setoresinferioresdahierarquiafuncional.Aissosomou-seainternaçãoemSãoPaulo,decriançasnomanicômiojudiciáriomisturadosaadultosatésuaconsagraçãonoCódigodeMenoresde1927,destinando-lhespequenosencarceramentos,damesmamaneiraquefezaparecer,em1922,umasessãoespecialnoJuqueryparacriançasenlouquecidas.Ascriançassempreforamvistas,estudadasedispostascomomini-adultos;equandoprovenientesdossetoresmaispauperizados,comoummanancialdepericulosidades.”

Incorpora-se a partir doCódigodeMenores de 1927o Inquérito queverificava a vida domenor e aliberdadevigiadaaparecendocomoumapossibilidadedemedidaaseraplicadaaojoveminfrator,oqueparecenãoserporacaso,umavezquetaispráticasforamincorporadasjánoséculoXIX,primeiramentepelaFrança,emespecialoInquéritosocial.

As exigências e a profundidade de informações que vão sendo extraídas das crianças consideradasperigosas ou em perigo acabam também no Brasil por permitir “uma codificação de intervenções daAssistênciaPúblicaegruposdefilantropos”(Donzelot,1980,p.111).

A partir do Código de Menores o Estado passa a poder intervir em situações relacionadas com o“menor”emperigodeseperverter,istoé,independentementedeumasituaçãojáconsolidada.

O Código de Menores incorporou a legislação dos colonizadores portugueses e, ainda, Império eRepúblicaBrasileira.Cumpre,ainda,enfatizarsobreoCódigodeMenoresaregulamentaçãodotrabalhoinfantilejuvenilnoCapítuloIX.ParaRizzini(2009,p.137),emboranãofizesseoassuntopartedapautadediscussãoepolêmicanasdécadasanteriores,“ofatodaelaboraçãodeumnovocapítulo,noslevaacrer que sua importância era reconhecida, ainda que não aparecesse nas leis e projetos anteriores ao

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Código”.

O Código proibia que os menores de 12 anos trabalhassem, assim como estabelecia regras para otrabalhodosmenoresde18anos,entreelas,aproibiçãodetrabalhoportemposuperioraseishoras.

Deve-seconsiderarqueoEstadoNovoinicia-secomogolpedeEstado.Apesardavigilânciainstauradasobreostrabalhadores,énessemomentoqueseinstalaumapolíticatrabalhista,aindaqueparafavorecerosinteressesdogoverno.ACLT–ConsolidaçãodasLeisdoTrabalho,de1943,proibiuotrabalhodosmenoresatéos14anoseoCódigodeMenores foientão revistoem talaspecto.Écriadoumsistemanacional com a participação dos Estados e entidades privadas para crianças e adolescentes que eracompostodasseguintesentidades:

ConselhoNacionaldoServiçoSocial(1938);

DepartamentoNacionaldaCriança(1940);

ServiçoNacionaldeAssistênciaaMenores(SAM,1941);

LegiãoBrasileiradeAssistência(LBA,1942).(Rizzini,2008,p.52)

OCódigoPenalBrasileirode1940foiinstituídopeloDecretoLein.2848de7dedezembroe,noartigo23,estabelecia:“osmenoresdedezoitoanossãopenalmenteirresponsáveis,ficandosujeitosàsnormasestabelecidasnalegislaçãoespecial”.

Em relação à institucionalização demenores no período, é importante ressaltar que peloDecretoLei3799/41 foi o SAM – Serviço de Assistência a Menores – instituído; já o Decreto 16575 de 1944aprovouoregulamentodoSAM,ServiçodeAssistênciaaosMenores,emboraasubordinaçãodoSAMpermanecessenoMinistériodaJustiçaeaexecuçãodoatendimentotivessesidoseparadaempartedainstânciajurídica.Em1944,oSAMadquiriuâmbitonacional,aosJuízosdeMenorescabiaautorizaroabrigoaosmenores(Rizzini,2009,p.265).

Entre suas atribuições, o SAM tinha a responsabilidade de sistematizar e orientar os “serviços deassistência aosmenores desvalidos e transviados” (Rizzini, 2009, p 265).Destaca a autora queSAMsignificariaSemamoraoMenor.Realmente,comorelatado,ainstituiçãoconsistiaemameaçaàscriançaspobres, tendo recebido diversas denominações como: “Escola do Crime”, “Fábrica de Criminosos”,“Sucursal do Inferno”, “Fábrica deMonstros”, que representam o imaginário popular em relação aotratamentodadoàscrianças(Idem,p.266).

AConstituiçãode1937tratoudainfânciaedajuventude.Noartigo127,expressava-secomoaseguir:

Artigo127–A infânciaea juventudedevemserobjetodecuidadosegarantiasespeciaisporpartedoEstado,que tomará todasasmedidasdestinadasaassegurar-lhescondiçõesfísicasemoraisdevidasãedeharmoniosodesenvolvimentodedassuasfaculdades.

Oabandonomoral,intelectualoufísicodainfânciaedajuventudeimportaráfaltagravedosresponsáveisporsuaguardaeeducação,ecabiaaoEstadoodeverdeprovê-lasdoconfortoedoscuidadosindispensáveisàpreservaçãofísicaemoral.

AospaismiseráveisassisteodireitodeinvocaroauxílioeproteçãodoEstadoparaasubsistênciaeeducaçãodasuaprole.

Não se pode deixar de citar a Declaração de Genebra (1924) que, como componente da normativa

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internacional,reconheceuosseguintesprincípios:

1º. Princípio –A criança gozará de todos os direitos enunciados nestaDeclaração.Todas as crianças, absolutamente semqualquerexceção,serãocredorasdestesdireitos,semdistinçãooudiscriminaçãopormotivosderaça,cor,sexo,religião,opiniãopolíticaoudeouranatureza,origemnacionalousocial,riqueza,nascimentoouqualqueroutracondição,quersuaoudesuafamília.

2º. Princípio – A criança gozará de proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas, oportunamente, facilidades, por lei e por outrosmeios, a fimde lhe facultar odesenvolvimento físico,mental,moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e emcondiçõesdeliberdadeedignidade.Nainstituiçãodeleisvisandoaesteobjetivolevar-se-ãoemconta,sobretudo,osmelhoresinteressesdacriança.

3º.Princípio–Desdeonascimento,todacriançaterádireitoaumnomeeaumanacionalidade.

4º.Princípio–Acriançagozarádosbenefíciosdaprevidênciasocial.Terádireitodecrescerecriar-secomsaúde;paraisto, tantoacriançacomoàmãe,serãoproporcionadoscuidadoseproteçãoespeciais,inclusiveadequadoscuidadospréepós-natais.Acriançaterádireitoàalimentação,habitação,recreaçãoeassistênciamédicaadequadas.

5º. Princípio –A criança incapacitada, física,mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidadosespeciaispelasuacondiçãopeculiar.

6º.Princípio–Paraodesenvolvimentocompletoeharmoniosodesuapersonalidade,acriançaprecisadeamorecompreensão.Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, um ambiente de afeto e desegurançamoralematerial:salvocircunstânciasexcepcionais,acriançadetenraidadenãoseráapartadadamãe.Àsociedadeeàsautoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e àqueles que carecem demeiosadequadosdesubsistência.Édesejávelaprestaçãodeajudaoficialedeoutranaturezaemproldamanutençãodosfilhosdefamíliasnumerosas.

7º. Princípio – A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelomenos no grau primário. Ser-lhe-ápropiciadaumaeducaçãocapazdepromoverasuaculturageralecapacitá-laa,emcondiçõesdeiguaisoportunidades,desenvolverassuasaptidões,suacapacidadedesentirjuízoeseusensoderesponsabilidademoralesocial,eatornar-seummembroútildasociedade.

Osmelhores interessesda criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação.Esta responsabilidadecabe,emprimeirolugar,aospais.

A criança terá ampla oportunidade para brincar edivertir-se, visando aos propósitos mesmos de sua educação; a sociedade e asautoridadespúblicasempenhar-se-ãoempromoverogozodestedireito.

8º.Acriançafiguraráemquaisquercircunstânciasentreosprimeirosareceberproteçãoesocorro.

9º.Acriançagozarádeproteçãocontraquaisquerformasdenegligência,crueldadeseexploração.Nãoserájamaisobjetodetráficosobqualquerforma.

Nãoserápermitidoàcriançaempregar-seantesdaidademínimaconveniente;denenhumaformaserálevadaouser-lhe-ápermitidoempenhar-seemqualquerocupaçãoouempregoque lheprejudiqueasaúdeouaeducaçãoouque interfiraemseudesenvolvimentofísico,mentaloumoral.

10º.Acriançagozarádeproteçãocontraaosquepossamsuscitaradiscriminaçãoracial,religiosaoudequalqueroutranatureza.Criar-se-ánumambientedecompreensão,detolerância,deamizadeentreospovos,depazedefraternidadeuniversalemplenaconsciênciadequeseuesforçoeaptidãodevemserpostosaserviçodeseussemelhantes.

A Declaração de Genebra, de 1924, só passou a ser Lei no Brasil em 20 de novembro de 1959,demonstrandoodesinteressedoEstadoemrelaçãoàcriançajáemplenoséculoXX.

Acredita-se ser relevante citar que a Consolidação das Leis Penais de 1922 considerava não seremcriminosososmenoresde14anos.NosProjetosGaldinoSiqueira,olimitedeidadeeramantidoem14anos;nodeSáPereira,16anos;nodeAlcântaraMachado,18anoseoCódigoPenalde1940,atéhojevigente, influenciado pelo Projeto deAlcântaraMachado, considerou que osmenores de 18 anos sãopenalmenteirresponsáveis.

AlegislaçãoBrasileirade1948até1989

Nesta fase, que se inicia em1948, novas preocupações aparecemno cenáriomundial.Evidentemente,

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diantedopós-guerra,omundoficaestarrecidoaotomarconhecimentodasatrocidadescometidaspelosnazistas, pensa-se que as violações praticadas poderiam ter sido prevenidas se houvesse um efetivosistema de proteção internacional deDireitosHumanos23 (Piovesan, 2008).Acresce-se o fato de quepara por fim a guerra com o Japão os Estados Unidos iniciam a era das bombas atômicas fazendoexplodirduas:umaemHiroshimaeoutraemNagasaki.Naverdade,estavammostrandoaomundoasuaforça bélica sem se preocuparem com a morte de aproximadamente 250 mil pessoas, fora as quesobreviveramepassaramasofrercomosefeitosdaradiação.Essefatomostroutambémanecessidadede limitação da soberania dos países, o que só poderia ser alcançado com a interveniência de umorganismointernacional.

Tal período representa a fase de internacionalização dos Direitos Humanos, “que corresponde a umperíodoevolutivo,ondesecompreendeanecessidadedetornaradignidadehumanaumvalorsupremo”(Comparato, 2004, p. 55). O mundo ficou dividido em dois blocos: os capitalistas e os comunistas,inaugurandoaGuerraFria,queperduroupordécadas.

Diantedosconflitosassimdelineados,osPaísessignatáriosdaCartadaONU(OrganizaçãodasNaçõesUnidas)firmamaDeclaraçãoUniversaldeDireitosHumanosem1948.

Na realidade, a destruição dos seres humanos da forma como foi levada a efeito na segunda guerramundial, para Foucault (1999, p. 304), é resultante do racismo que, embora já existisse, passou afuncionardeoutromodo,paraoautor:

Araça,oracismoéacondiçãodeaceitabilidadedetiraravidanumasociedadedenormalização.Quandovocêstemumasociedadedenormalização,quandovocêstemumpoderqueé,aomenosemtodasuperfícieeemprimeirainstância,emprimeiralinha,umbiopoder,poisbem,o racismoé indispensável comocondiçãoparapoder tirar avidadealguém,parapoder tirar avidadosoutros.A funçãoassassinadoEstadosópodeserassegurada,desdequeoEstadofuncionenomodobiopoder,peloracismo(Foucault,1999,p.306)

Aindasobreo tema,Foucault (1999,p.307)esclarecenãose tratarsomentededestruiro“adversáriopolítico,mas a raça adversa” e acrescenta que surge um elemento novo que vai aparecer no final doséculo XIX, “como uma maneira não simplesmente de fortalecer a própria raça eliminando a raçaadversa(conformeostemasdaseleçãoedalutapelavida),masigualmentederegeneraraprópriaraçaaquepertencemos”(idem,p.308).

Opodersoberanoeobiopoderlegitimamposiçõessobrevidaemorte,queremrelaçãoaosindivíduos,quer em relação à população. O que uniu o poder soberano e o biopoder foi o racismo, não aquelecomumentrepessoasqueseodeiampelosmaisdiversosmotivos,masoquepossibilitaodomíniodeunssobre os outros.O racismo já existia,mas para Foucault o biopoder introduziu o racismo como algoessencialaopodernosentidodetiraravida,oracismoéentão“ligadoaofuncionamentodeumEstadoqueéobrigadoautilizararaça,aeliminaçãodasraçaseapurificaçãodaraçaparaexercerseupodersoberano”(Foucault,1999,p.309).E,acrescenta:

[...]NãoháEstadomais disciplinar, claro, do que o regimenazista; tampoucoháEstadoonde as regulamentações biológicas sejamadotadasdeumamaneiramaisdensaemaisinsistente.Poderdisciplinar,biopoder:tudoissopercorreuesustentouamuqueasociedadenazista(assunçãodobiológico,daprocriação,dahereditariedade;assunçãotambémdadoença,dosacidentes).Nãohásociedadeaumsótempomaisdisciplinaremaisprevidenciáriadoqueaquefoiimplantada,ouemtodocasoprojetada,pelosnazistas.Ocontroledaseventualidadesprópriasdosprocessosbiológicoseraumdosobjetivosimediatosdoregime(Foucault,1999,p.309).

AindasobreoracismodeEstadoSales(2011,p.173)comenta:

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OracismodeEstadoéumapráticadecisivaaoexercíciodepodercomsuastecnologiasnocampodeconcentração.Aoampliarmosodiscurso para a atualidade relacionada aos campos de concentração a céu aberto (periferias, comunidades, etc.) nota-se certoredimensionamentodaseletividadepenalcombinada,agoracomosdireitosdeminorias,agrupamentossociais,práticasdeorganizaçõesnãogovernamentaiseprogramassociaisedeproteçãoeprecauçãopoliciais.

ADeclaraçãodeGenebrasobreosDireitosdaCriança,de1924,nãoinfluenciouoCódigodeMenoresde1927,como jáexplicitado.Assim tambémaDeclaraçãoUniversaldeDireitosHumanosde1948eainda o Pacto de San José da Costa Rica24, de 1969, que tratou dos direitos das crianças e que jáincorporavaaDoutrinadaProteçãoIntegral,nãoafetaramosprincípiosinstituídospeloCódigoMenoresde1979,queadotouaDoutrinadaSituaçãoIrregular.

Emtodosostratadoscitados,porém,háoreconhecimentododeverdeseapoiaracriança,deformamaisoumenoscompleta,tendoemvistaelatersidosempretratada,noquesereferiaasuadignidade,comoinferioraoquevinhasendoconquistadopelosadultos.AcriançasurgecomoalvodeproteçãonoartigoXXV–2 daDeclaraçãoUniversal deDireitosHumanosde 1948: “2Amaternidade e a infância têmdireito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora domatrimônio,gozarãodamesmaproteçãosocial.”

Narealidade,apósasguerrasmundiais,hácertanecessidade:“efeitodiretodadiplomaciadovencedor,intelectuais, filantropos e políticos apresentam a necessidade de formalizar em âmbito internacional aproteçãodosdireitosdacriança”(Oliveira,2010,p.174).

A Declaração de Genebra de 1924 “foi o primeiro documento voltado aos direitos e defesa daintegridadedacriança,semespecificarsesuaaçãoestavavoltadaapenasaparcelapobreeconsideradadelinquente da população” (Oliveira, 2010, p. 176).Até então, segundo a autora o foco das políticaseramcentradasnocomportamentodosjovensemsituaçãodedesvio.

ApósasegundaguerramundialcomacriaçãodaONU,pormeiodaCartadeSãoFranciscode1945,passa-seautilizarosinstrumentosdedireitointernacionalpúblicocomoformade:

[...] sistematização jurídica juvenil. Iniciativas pautadas em valores humanitários e de preservação de um projeto de juventude quejustificamainterferênciadasagendasinternasdosEstadosnapromoçãodepolíticaspúblicasqueprevinamautilidadefuturadasjovensvidas(Oliveira,2010,p.178).

Reforça-seanormativainternacional25,quesomenteinfluenciaráalegislaçãoapartirdoECA–EstatutodaCriançaedoAdolescente,queirácoincidircomomomentodenovaredemocratizaçãodoBrasil.

OmomentoderedemocratizaçãodoPaíscoincidecomanecessidadedequeoEstadodemonstrequeseafastoudaspráticasditatoriaisenessesentidováriasConvençõesetratadossãoratificados.OECAvairefletirtodososprincípiosinsertosnaConvençãodosDireitosdaCriançade1989.

Entretanto,sabe-sequeamãoquetornaoserhumanodescartávelnãosesoltapordecretos, tratadoseconvenções;portanto,amaioriadopactuadotorna-semerafiguraretóricasemconteúdopráticoconcreto.

ApesardocenáriointernacionaleadespeitodoCódigodeMenores,alegislaçãorelacionadaacriançase adolescentes continuou a proliferar. A Lei 2254/54 foi vigente até 2009, com a Lei n. 12.015, foirevogada,passandoentãooadultoquecorromperoufacilitaracorrupçãodepessoamenorde18anosaresponderpeloartigo244-BdoECA.

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OProjeto1712/1964autorizouoPoderExecutivoacriaraFundaçãoNacionaldoBemEstardoMenor,criadapelaLei4513/64,aelaincorporandoopatrimônioeasatribuiçõesdoServiçodeAssistênciadoMenor.OdiscursoquejustificaacriaçãodaFundaçãoéautoritárioedemonstraumsabersobreaclassedominada,queprecisadecorreção:“oquesepretendeécurarapobrezaouminimizarosimpactosdaacumulaçãodecapital?”26(Passetti,1982,p.45).

É relevante perceber que até essemomento aPolítica relacionada coma criança e o adolescente nãoadquiriraa importânciaquelheédadapeloRegimevigenteem1964,cujodesenvolvimentosedápormeiodasnecessidadesidentificadaspelapolíticadesegurançanacional.

Talpolíticadeveserconsideradanobojodogolpede1964edoAtoInstitucionalnº5de1968,quando:

[...]aboliu-seohabeascorpus,avitaliciedadedosmembrosdopoderjudiciário,bemcomoretiroudojudiciárioqualquerpossibilidadedeapreciaçãodalegalidadedosatosproferidospeloexecutivo....”(Bernardes,2005,p.71).

Ogolpemilitarde1964instauraassimumregimeditatorial,noqualosdireitoscivisepolíticosforamrestringidospelaviolência;ademais,possibilitariaaintervençãodoexecutivoemoutrospoderes,alémde julgar e legislar.ALei de SegurançaNacional,Decreto nº 898, de 29 de setembro de 1969, visacombater aqueles que semostravam contrários ao sistema, essa lei “utiliza termos abertos, tais como‘subversivo’, ‘ideias incompatíveis’, ‘atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional’ etc.ficando assim a classificação das condutas humanas à pura arbitrariedade do poder público, que asutilizavadeformaindistinta”(Bernardes,2005,p.73).

Passetti (1982, p. 48), em suadissertaçãodemestrado, faz comque se reflita sobre a visãoda entãopolítica de segurança nacional sobre a questão das crianças e jovens e aponta alguns parâmetrosconsideradosnavisãodaépoca,emsuamaioria,colocadosporMarioAltenfelder.

PelofatodeoBrasil,paísemdesenvolvimento,convivercomamarginalidade,osmenoresentãonelainseridos seriam submetidos a um afastamento de seu desenvolvimento, gerando a sua condição deabandonados;

A família, estrutura básica da sociedade, vem se alterando e consequentemente se desagregando,perdendodessemodosuasfunçõesdeproteçãoeeducação;

Em face do processo de desorganização da família ocorre: diminuição da autoridade paterna,emancipaçãodamulher,independênciadosmembrosdacasa;

Normasevaloresdasociedadeocidentalseperdem;

Hádoisgrupos:osqueaceitamasociedadecomoelaéeosquenãoaaceitamdessaformasãoentãoosrebeldes,quepodemserdedois tipos.Oprimeiroépacíficoeutiliza-sedeatitudesextravaganteseosegundo,nãopacífico,subversivoeperigoso.

O “menor”, objeto dessa política, emerge nesse ambiente, podendo ser: o infrator, o abandonado, ocarente; em tal época, todos são colocados nomesmo status. Para se entender tal fenômeno, Passettiapontaparadoisargumentosvariáveis introduzidospelosistema,osquaisoautorassimdenomina:“oprimeiro,chamaremosdeopreçoaserpagoparaserdesenvolvidoe,aosegundo,preçoaserpagopara

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sermoderno”:

Comrelaçãoaoprimeiroargumento,doisfatoressetornarãorelevantes:amigraçãoeoprocessodeurbanizaçãoeindustrialização.Amigração é explicada como resultante do desequilíbrio provocado entre os setores primário e secundário da economia que acabagerandoofluxodemão-de-obraaoscentrosurbanosondeseconcentramas indústrias,e,consequentementeosmelhoresempregos.Porsuavezosprocessosdeurbanizaçãoeindustrializaçãoaceleradoscompreendidosnaimperiosamodernizaçãodasociedadeacabamnãopermitindoaemergênciadecondiçõesdebem-estarfavoráveisatodapopulação.Nestesentidoapopulaçãomigranteacabanãoconseguindoparticipardedesenvolvimento(passivoouativo),queopaísatravessa.Aevidênciadetalfatoaparecenafiguradochefede família que não se integra ao mercado de trabalho. Amulher, consequentemente, tem que procurar de alguma forma obter osproventosnecessáriosàfamília,oqueacabaporcolocarascriançasexpostasaosperigosdoabandono,vícioexploraçãoedelinquência(Passetti,1982,p.49-50).

Osegundoargumentofunda-senaideiadequeasociedademodernageradesagregaçãomoral,istoé,apermissividade.Nesse sentido, colaboram não só a irresponsabilidade dos pais, como também a dosprofessores,fazendocomqueascriançassetornempresasfáceisde“mauselementos”.Porfim,aculparecaitambémnosmeiosdecomunicaçãodemassaporveicularemmensagenslicenciosaseviolentas.

Continuando,PassettilecionacomoaspectosrelevantesdaPolíticaNacionaldoBemEstardoMenor:a)integração de programas nacionais de desenvolvimento econômico e social; b) dimensionamento dasnecessidadesafetivas,nutrição,sanitáriaseeducação;c)racionalizaçãodosmétodosaseremutilizado.

Passettiremeteaindaaofatodequeapropostafinca-semaisem“umamudançadementalidade,pormeiode um processo de educação da família e ação comunitária” (1982, p. 51). E que o discurso daFUNABEM é no sentido de estar a sociedade sofrendo com a degeneração de seus valores. Então,entendemosarticuladoresdanovapolíticaqueàcomunidadecaberiareincorporarosmenores,comentaPassetti:

Ésabidoqueoproblemanãoestánaincapacidadedeseabsorverpopulaçõeslocaisoumigrantesnoprocessodeprodução,mas,sim,nofatodequeesteliberapartedapopulaçãoalocadanosetorprodutivodasociedadecriandooexércitoindustrialdereserva.Assim,nãosãoosvaloresqueestãosendocorroídos,masafuncionalidadeaelesatribuída.Verasociedadesobopontodevistavalorativonadicotomiatradicional-modernoéumfalsoproblemaouumabelafórmuladeadiar,aagoniadosproblemassociais(Passetti,1982,p.52).

A Lei 5258/1967 dispôs sobre medidas aplicáveis aos menores de 18 anos pela prática de fatosdefinidoscomoinfraçõespenais,destacamosaalíneabdoartigo2º.,queestabelecia:

B–Seomenorpraticarfatodefinidoemleicomoinfraçãopenalaquesejacominadapenadereclusão,oJuizmandaráinterná-loemestabelecimentoapropriadoparaasuareeducação,pelotempoenascondiçõesconstantesdosparágrafosseguintes:

§1º.O prazo de internação não será inferior a dois terços domínimo, nem superior a dois terços domáximo da pena privativa deliberdadecominadaaofatonaLeiPenal.“Dentrodesselimiteojuizfixaráoprazomínimodeinternaçãoatendendoàpersonalidadee,notadamente,aomaioroumenorgraudepericulosidade,abandonomoraleperversãodomenor,bemcomoànatureza,aosmotivoseàscircunstânciasdofato”.

Aoseconsiderarapenadehomicídiosimples,dereclusãode06a20anospelaLeiacima,otempodeinternaçãonãopoderiaserinferioraquatroanosenemsuperioraaproximadamente12anos,indicandooabsurdodapenalizaçãoaplicadaaomaiorde14emenorde18anos,principalmentequandoseobservaque para a aplicação da pena levavam-se em conta os “maus antecedentes”, ou seja, passagens pelosistema,aindaquefossemapenasmeraspassagensbrevespelaDelegacia.

Permitia a Lei que o jovem infrator pudesse, após o cumprimento da metade da internação, por“manifestacessaçãodepericulosidade”,sersolto.Ainternaçãonãopoderiaprolongar-sealémdadataemqueomenorcompletasse18anos,oque,afinal,acabavaporlimitarapenaaummáximodeseisanos

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(14aos18anos).

ALei5439/68alterouaLei5258/67estabelecendoasnormasaseremaplicadasaosjovensinfratorespelapráticadeinfraçõespenais.Poressalegislação,emcasodeevidenciar-sepericulosidade,omenorestaria submetido à internação, quando mediante parecer do Diretor da Instituição, do ÓrgãoAdministrativo competente ou doMinistério Público, o juiz declarasse a cessação da periculosidade,observando-seficarentãoointernadoàmercêdadiscricionariedade(ouarbitrariedade),principalmentedasautoridadesadministrativas.Dequalquerforma,operíododeinternaçãomanteve-seatéosdezoitoanos.

Em1969,oCódigoPenalMilitarestabeleceuaimputabilidadedeformaexcepcionalaos16anos(artigo50).Noartigo51,oCPMequiparavamenoresamaiores.AmbosforamrevogadoscomaConstituiçãode1988.

A Lei 6697, de 10 de outubro de 1979, instituiu o novo Código deMenores e elegeu a doutrina dasituaçãoirregular,situaçãoaqualéestabelecidapelapróprialegislação,consoanteselênoart.2º.:

ParaosefeitosdesteCódigoconsidera-seemsituaçãoirregularomenor:

I–privadodecondiçõesessenciaisàsuasubsistência,saúdeeinstruçãoobrigatória,aindaqueeventualmente,emrazãode:

a)falta,açãoouomissãodospaisouresponsável;

b)manifestaimpossibilidadedospaisouresponsávelparaprovê-las;

II-vítimademaustratosoucastigosimoderadosimpostospelospaisouresponsáveis;

III–emperigomoral,devidoa:

a)encontrar-se,demodohabitual,emambientecontrárioaosbonscostumes;

b)exploraçãodeatividadecontráriaaosbonscostumes;

IV–privadoderepresentaçãoouassistêncialegal,pelafaltaeventualdospaisouresponsável;

V–comdesviodeconduta,emvirtudedegraveinadaptaçãofamiliaroucomunitária;

VI–autordeinfraçãopenal.

NoCódigo de 1979, uma categoria de crianças e adolescentes é reinventada (já que existia antes umtratamentodiferenciado):adosmenoresemsituaçãoirregular.Paraestes,oJuizadodeMenores,paraosoutros,aVaradeFamília.Taismenores(emsituaçãoirregular)nãosãosujeitosdedireito,tantoéquesãodefinidossemprecisão,podemestaremsituaçãoderisco,emperigomoraloumaterial,ouaindaemcondiçõesdifíceis(Saraiva,2009,p.52).

Desse modo mutatis mutandis tratava-se do que Donzelot denomina de Patologia da infância, queabrangeomenoremperigoeaqueleperigoso(Donzelot,1980,p.92).

É importante ressaltar ainda a ausência de direitos das crianças em relação àmedida que porventurafosseadotadapeloJuizdeMenores,poisaestecabiadecidirsobreosmenoresemsituaçãoirregular;naprática,tornandoacriançadesassistidaemré.

Noticia-seque80%dapopulaçãointernadasFEBEM(s)eramconstituídasporcriançaseadolescentesqueestavamprivadosdeliberdade,nãopelapráticadeatosdelituosos.Dessaforma,criminalizava-seapobreza(Saraiva,2009,p.54).

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Pormeio doCódigo de 1979, não hámelhora para as crianças, assim como a Política encetada pelaFUNABEMtambémnãocorrespondeàsexpectativasquenortearamasuaimplementaçãoemsubstituiçãoaoSAM;“aocontrárioasituaçãoseagravanoperíododaditaduraemrazãodoarrochosalarialedaconcentraçãobrutalderenda”(Rizzini,2009,p.70).27

Amenoridadedeque se trata, termoque se tornoupejorativo, tinha sentidoevidentede inferioridade,faltava-lhes a capacidade que gerava um paternalismo absoluto, quer fosse dos pais, quer fosse doEstado.Este,muitasvezes,interferindoemsituaçõesconsequentesdeumestadodeabsolutapobreza.

OnovoCódigonãoprivilegiavaodevidoprocessolegal,logo,nãohaviaanecessidadedocontraditórioeainternaçãodecididasemdireitoadefesaconsistiaemprivaçãodeliberdade,aliás,comoatéhoje,emquepeseàsalteraçõeslegais.

Ao Juiz deMenores concedia-se o arbítrio de decidir sobre a situação da criança e do adolescente,sendoele,então,oEstado,oPai,odisciplinador,odonodoingressoedasaídadosistemacriadopelaPolíticaNacionaldeBemEstardoMenor.Narealidade,sãoessascriançasdesassistidas,emsituaçãodita “irregular” que acabam tomando as ruas e adquirindo a visibilidade que incomodou e incomoda,porque não nos permite esquecer a existência desses indivíduos que historicamente estão sendoconfinadosemespaçosjáhámuitoagonizantes.Agoniaessaque,comoapontaDeleuze(1992,p.220),nãopodeserobjetodeoutracoisaalémdogerenciamento.

SobreaconfusãoentrecarênciaedelinquêncianoCódigodeMenoresde1979,Machado:

...entende que pela “confusão conceitual entre carência e delinquência, atingiu-se a criação de um direito triplamente iníquo: PorprimeiroparausaraterminologiaempregadanalegislaçãobrasileiraanterioràCFde1988eaoECA,porquesecriouacisãoentreascrianças e os jovens em situação regular – quemereciam uma legislação própria e razoavelmente dotada das garantias iluministas,embora ainda não reconhecidos plenamente como sujeitos de direito, e aplicada por uma instância judicial revestida das garantiasprocessuais–eaquelasemsituaçãoirregularnãomerecedorasdessedireitomaterialeprocessualmaiscivilizado.Emsegundoporquese possibilitou a implementação de medida de privação de liberdade (já que segredados nos reformatórios) de enorme massa decrianças e jovens desassistidos socialmente – que nunca foram autores de fato definido como crime -, cuja única falta teria sido onascimentoemfamíliasmarginalizadasdafruiçãodasriquezascoletivamenteproduzidas,tratado-seaproblemáticasocialcomoquestãodepolícia.E,porúltimo,porqueselogrouderrubartodasasgarantiasdosautoresdecrime,inimputáveisemrazãodaidade,aosquaisse passou a negar os mais elementares direitos humanos, como a reserva legal, o contraditório e a ampla defesa, sob o falaciosoargumentodeque,quandooEstado,medianteaJustiçadeMenores,privava-osdeliberdadeporquecometeramfatotípicopenalmente,estavasendoadotadamedidaprotetivaenãorepressiva(Machado,2003,p.47e48).

Relata ainda a autora acima citada que o carente pode ser privado então de sua liberdade, pois é odelinquenteempotencial,eaquelequedelinquiupodeserprivadodetodososdireitosegarantiasqueconstituem“aperversidadedaardilosaconstruçãointelectual”(Machado,2003,p.48).

A análise da autora de que o carente pode ser alvo da supressão da liberdade pois é um futurodelinquente e de que o que delinquiu não precisa recebergarantias individuais pois o Estado o estáprotegendo,naverdade,nãoétãodistantedarealidadedoadolescenteinfratornaatualidade,porquealeiporsisónãogarantemudançanocomportamentodasautoridadesligadasaessegrupodepessoas.Ésó procurar verificar a natureza dos recursos judiciais da defesa em prol do adolescente infrator nosTribunais,nascidadesondeocorrem,comoporexemploemSãoPauloeobservarsuainocorrênciaemManaus, onde pesquisa ao site do Tribunal de Justiça indicou, naquele momento, a inexistência derecursoafavordejovensemconflitocomaLei.

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Nãosepodesuporqueamudançademodelogereumavisãodiferenciadaemrelaçãoaessascriançaseaos infratores,mas,nomínimo,comaalteraçãodoparadigma,estabelecem-se,de formaclara, regrasparaorespeitoàconsideraçãodesujeitosdedireitos.Dequalquerforma,nãosepercebeumcaminhonosentidodebuscarparaessascriançasejovensumapolíticaqueatendaassuasnecessidadeseoseduqueparaquesetornememancipadose,comoconsequência,cidadãos.

Se,porumlado,apartirde1988,torna-senecessáriaapresençadoadvogado,poroutro,nãoseaplicaaojovememconflitocomaleinenhumagarantiacomoasdestinadasaomaior,taiscomo:atenuantes.Ajustificativadequeháaaplicaçãodamedidasocioeducativadeinternaçãoequenãoseestátratandodeprisãoéumailusão,jáquearealidademostra-sebemdiferente.Osjovensemconflitocomaleisofremosmesmosproblemasqueosadultosesãocolocadosemumsistemasimilar28.

Não se podem olvidar três acontecimentos relacionados ao campo penal que geraram mudançassignificativasnovetustoCódigoPenalde1940:oprimeirofoiaLei6.416/77,queestabeleceugrandesalterações no sistema de penas29; o segundo, a elaboração do Código Penal de Nelson Hungria, quedeveria ter entrado em vigor em 1º de janeiro de 1970 (o que não aconteceu pormotivos de ordempolítica),que incorporava“o sistemabiopsicológico, eisqueomenorentre16e18anos responderiacriminalmentepor fatopraticadoseapresentasse ‘suficientedesenvolvimentopsíquicoparaentenderocaráter ilícitodofatoedeterminar-sedeacordocomesseentendimento”30 (Saraiva,2009,p.56);eoterceiro,aReformade1984,queadotouosistemadeprogressivodeexecuçãodapena,cujoobjetivoeraaressocializaçãodocondenado.

Apertinência das colocações acima reside no fato de que como aos jovens infratores não se aplicampenas,aelesnãosãoconcedidososdireitosconsagradosaosadultos,aindaporquesetemaimpressãode um sistema mais humano, o que na prática não ocorre, pois as medidas por mais aparência dehumanidadequecontenhamacabamporserempregadasembuscademaiorcriminalizaçãodossetoresmaispobresdapopulação.

AocomentarsobreoCódigodeMenoresde1979,Oliveira31observa:

O Código de Menores entra em vigência em 1979, ano que inaugura oficialmente a abertura política no Brasil.Constitui-se naformalizaçãolegalquesecoadunacomaPolíticaNacionaldoBemEstardoMenor(PNBM),decorrentedapolíticasocialdaditaduramilitar. Fundamenta-se nos mesmos preceitos que nomeiam a figura do delinquente, o indivíduo perigoso, a associação pobreza-marginalidadeea ideiadedefesa social, retraduzindosoba formade segurançanacionalo subversivopordelinquente,umasupostaminoriaporoutrasupostamaioria(Oliveira,1993,p.37).

Maisadiante,Oliveiralembraqueoanode1979foioAnoInternacionaldaCriança,possibilitandocomque “grupos voltados para a defesa dos direitos de crianças e adolescentes” já manifestassem suascríticasàdoutrinadasituaçãoirregular.

Alegislaçãobrasileirade1988aoséculoXXI

Aideiadesepararalegislaçãoapartirde1988ocorreporque,noperíodo,oBrasiliniciavaoprocessode retorno à realidade democrática, e também por, em termos de normativas internacionais, haverocorrido um avanço em relação ao tratamento de crianças e adolescentes, isto é, não se quer maisenxergar a criança como um adulto pequeno, mas como um cidadão: pessoa dotada de direitos

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fundamentaisquedeve ter a suadignidadehumana respeitadapormeiodapossibilidadedeusufruiro“direitoaterdireitos”,Arendt,2006).32

Pelofatodequedesdeoanode1979aONU,pormeiodesuaComissãodeDireitosHumanos,vinhatrabalhandoumaConvençãosobreosDireitosdaCriança,quesomenteem1989foiproclamada,nossosdispositivos constitucionais sobre o assunto já abraçavam a doutrina então a ser defendida pelosOrganismos Internacionais e conhecida como “Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral àCriança”,enterrandodevezaconhecidadoutrinadasituaçãoirregular,preconizadanoCódigode1979.AlémdaConvenção,influenciaramosseguintesdocumentos:a)RegrasMínimasdasNaçõesUnidasparaaProteçãodosMenoresprivadosdeliberdade–14/12/90;b)RegrasMínimasdasNaçõesUnidasparaaAdministração dos Direitos dos Menores – Regras de Beijing -29/11/85; c) Diretrizes das NaçõesUnidasparaaPrevençãodaDelinquênciaJuvenil–DiretrizesdeRiad-14/12/90.

Tendoemvistaainfluênciadanormativainternacionalcitada,primeiramentenaConstituiçãode1988eposteriormentenoEstatutodaCriançaedoAdolescente,abaixoestãolistadosositensaparentementeeparticularmentemaissignificativos,parafinsdecompreensãodecomosedesenhouoEstatutoatualmentevigente.

REGRASMÍNIMASDASNAÇÕESUNIDASPARAAPROTEÇÃODOSMENORESPRIVADOSDELIBERDADE

[...]

PERSPECTIVASFUNDAMENTAIS

1.Osistemadejustiçademenoresdeverespeitarosdireitoseasegurançadosmenoresepromoveroseubem-estarfísicoemental.Aprisãodeveráconstituirumamedidadeúltimorecurso.

2.OsmenoressódevemserprivadosdeliberdadedeacordocomosprincípioseprocessosestabelecidosnestasRegrasenasRegrasMínimasdasNaçõesUnidasparaaAdministraçãodaJustiçadeMenores(RegrasdeBeijing).Aprivaçãodeliberdadedeummenordeve ser umamedida de último recurso e pelo períodomínimo necessário e deve ser limitada a casos excepcionais.A duração dasançãodeveserdeterminadaporumaautoridadejudicial,semexcluirapossibilidadedeumalibertaçãoantecipada.

3. As Regras têm como objetivo estabelecer um conjunto de regrasmínimas aceitáveis pelas NaçõesUnidas para a proteção dosjovens privados de liberdade sob qualquer forma, compatíveis com os direitos humanos e liberdades fundamentais, tendo em vistacombaterosefeitosnocivosdequalquertipodedetençãoepromoveraintegraçãonasociedade.

4.AsRegrasdevemseraplicadascomimparcialidade,semdiscriminaçãodequalquerespéciequantoàraça,cor,sexo,idade,língua,religião,nacionalidade,opiniõespolíticasououtrascrençasoupráticasculturais, situaçãoeconômica,nascimentoousituaçãofamiliar,origem étnica ou social e incapacidade. As crenças religiosas, as práticas culturais e os conceitos morais dos jovens devem serrespeitados.

5.AsRegrastêmporfimservircomopadrõesdefácilreferênciaeencorajareguiarosprofissionaisenvolvidosnagestãodosistemadajustiçajuvenil.

6.AsRegrasdevemserpostasrapidamenteàdisposiçãodopessoaldajustiçademenoresnasualínguanacional.Osjovensquenãosão fluentesna língua faladapelopessoaldoestabelecimentodedetençãodevem terdireitoaos serviçosgratuitosdeum intérprete,semprequenecessário,emespecialduranteosexamesmédicoseprocessosdisciplinares.

7.Quandoapropriado,osEstadosdevemincorporarasRegrasnasualegislação,oumodificá-laemconformidade,epreverrecursoseficazesemcasodeincumprimento,incluindoaindenizaçãoquandosãoinfligidosmaustratosaosjovens.OsEstadosdevemtambémsupervisionaraaplicaçãodasRegras.

8.Asautoridadescompetentesdevemprocurarconstantementeaumentaraconsciênciadopúblicoquantoaofatodeoscuidadosaosjovensdetidoseapreparaçãodoseuregressoàsociedadeseremumserviçosocialdegrandeimportância;comestefimdevemtomarmedidasnosentidodeproporcionaremcontactosdiretosentreosjovenseacomunidadelocal.

9. Nenhuma das disposições contidas nestas Regras deve ser interpretada como excluindo a aplicação das normas e instrumentospertinentesdasNaçõesUnidasrelativosaosdireitosdohomem,reconhecidospelacomunidadeinternacional,quesejammaisfavoráveisaosdireitos,aotratamentoeàproteçãodosmenores,dascriançasedetodososjovens.

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10.NocasodeaaplicaçãodecertasRegrascontidasnasPartesIIaV,inclusive,deestasRegrasapresentaremalgumconflitocomasRegrascontidasnaParteI,éaobrigaçãodeaplicaçãodestasúltimasqueprevalece.

[...]

EmrelaçãoàsRegrasdeBeijing,1985,destacamosositensaseguir:

[...]

7Direitosdosjovens

7.1Respeitar-se-ãoasgarantiasprocessuaisbásicasemtodasasetapasdoprocesso,comoapresunçãodeinocência,odireitodeserinformadodasacusações,odireitodenãoresponder,odireitoàassistênciajudiciária,odireitoàpresençadospaisoututores,odireitoàconfrontaçãocomtestemunhaseinterrogá-laseodireitodeapelaçãoanteumaautoridadesuperior.

[...]

18Pluralidadedasmedidasaplicáveis

18.1 Uma ampla variedade demedidas deve estar à disposição da autoridade competente, permitindo a flexibilidade e evitando aomáximoainstitucionalização.

Taismedidas,quepodemalgumasvezesseraplicadassimultaneamente,incluem:

a)determinaçõesdeassistência,orientaçãoesupervisão;

b)liberdadeassistida;

c)prestaçãodeserviçosàcomunidade;

d)multas,indenizaçõeserestituições;

e)determinaçãodetratamentoinstitucionalououtrasformasdetratamento;

f)determinaçãodeparticiparemsessõesdegrupoeatividadessimilares;

g)determinaçãodecolocaçãoemlarsubstituto,centrodeconvivênciaououtros

estabelecimentoseducativos;

h)outrasdeterminaçõespertinentes.

18.2Nenhum jovem será excluído, total ou parcialmente, da supervisão paterna, a não ser que as circunstâncias do caso o tornemnecessário.

[...]

19Caráterexcepcionaldainstitucionalização

19.1Ainternaçãodeumjovememumainstituiçãoserásempreumamedidadeúltimo

recursoepelomaisbreveperíodopossível.

[...]

DIRETRIZESDASNAÇÕESUNIDASPARAAPREVENÇÃODADELINQUENCIAJUVENIL(DIRETRIZESDERIAD)

[...]

I.PRINCÍPIOSFUNDAMENTAIS

1. A prevenção da delinquência juvenil é parte essencial da prevenção do delito na sociedade. Dedicados a atividades lícitas esocialmenteúteis,orientadosrumoàsociedadeeconsiderandoavidacomcritérioshumanistas,osjovenspodemdesenvolveratitudesnãocriminais.

2.Paraterêxito,aprevençãodadelinquênciajuvenilrequer,porpartedetodaasociedade,esforçosquegarantamumdesenvolvimentoharmônicodosadolescentesequerespeitemepromovamasuapersonalidadeapartirdaprimeirainfância.

3. Na aplicação das presentes Diretrizes, os programas preventivos devem estar centralizados no bem-estar dos jovens desde suaprimeirainfância,deacordocomosordenamentosjurídicosnacionais.

4.Énecessárioquese reconheçaa importânciadaaplicaçãodepolíticasemedidasprogressistasdeprevençãodadelinquênciaqueevitem criminalizar e penalizar a criança por uma conduta que não cause grandes prejuízos ao seu desenvolvimento e que nemprejudiqueosdemais.Essaspolíticasemedidasdeverãoconteroseguinte:

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a) criação demeios que permitam satisfazer às diversas necessidades dos jovens e que sirvam demarco de apoio para velar pelodesenvolvimento pessoal de todos os jovens, particularmente daqueles que estejam patentemente em perigo ou em situação deinsegurançasocialequenecessitemumcuidadoeumaproteçãoespeciais.

b) critérios e métodos especializadas para a prevenção da delinquência, baseados nas leis, nos processos, nas instituições, nasinstalações e uma rede de prestação de serviços, cuja finalidade seja a de reduzir osmotivos, a necessidade e as oportunidades decometerinfraçõesouascondiçõesqueaspropiciem.

c) uma intervenção oficial cuja principal finalidade seja a de velar pelo interesse geral do jovem e que se inspire na justiça e naequidade.

d)proteçãodobem-estar,dodesenvolvimento,dosdireitosedosinteressesdosjovens.

e)reconhecimentodofatodequeocomportamentodosjovensquenãoseajustamaosvaloresenormasgeraisdasociedadesão,comfrequência, parte do processo de amadurecimento e que tendem a desaparecer, espontaneamente, namaioria das pessoas, quandochegamàmaturidade,e

f)consciênciadeque,segundoaopiniãodominantedosespecialistas,classificarumjovemdeextraviado,delinquenteoupré-delinquentegeralmentefavoreceodesenvolvimentodepautaspermanentesdecomportamentoindesejado.

5.Devemserdesenvolvidosserviçoseprogramascombasenacomunidadeparaaprevençãodadelinquência juvenil.Sóemúltimocasorecorrer-se-áaorganismosmaisformaisdecontrolesocial.

[...]

III.PREVENÇÃOGERAL

8. Deverão ser formulados, em todos os níveis do governo, planos gerais de prevenção que compreendam, entre outras coisas, oseguinte:

a)análiseprofundadoproblemaerelaçãodeprogramaseserviços,facilidadeserecursosdisponíveis;

b)funçõesbemdefinidasdosorganismoseinstituiçõescompetentesqueseocupamdeatividadespreventivas;

c)mecanismosparaacoordenaçãoadequadadasatividadesdeprevençãoentreosorganismosgovernamentaisenãogovernamentais;

d) políticas, estratégias e programas baseados em estudos de prognósticos e que sejamobjeto de vigilância permanente e avaliaçãocuidadosadurantesuaaplicação;

e)métodosparadiminuir,demaneiraeficaz,asoportunidadesdecometeratosdedelinquênciajuvenil;

f)participaçãodacomunidadeemtodaumasériedeserviçoseprogramas;

g)estreitacooperaçãointerdisciplináriaentreosgovernosnacionais,estaduais,municipaiselocais,comaparticipaçãodosetorprivado,de cidadãos representativos da comunidade interessada e de organizações trabalhistas, de cuidado à criança, de educação sanitária,sociais,judiciaisedosserviçosderepressão,naaplicaçãodemedidascoordenadasparapreveniradelinquênciajuvenileosdelitosdosjovens;

h)participaçãodosjovensnaspolíticasenosprocessosdeprevençãodadelinquênciajuvenil,principalmentenosprogramasdeserviçoscomunitários,deautoajudajuveniledeindenizaçãoeassistênciaàsvítimas;

i)pessoalespecializadodetodososníveis.

IV.PROCESSOSDESOCIALIZAÇÃO

9.Deveráserprestadaumaatençãoespecialàspolíticasdeprevençãoquefavoreçamàsocializaçãoeàintegraçãoeficazesdetodasascriançase jovens,particularmenteatravésda família,dacomunidade,dosgruposde jovensnasmesmascondições,daescola,daformação profissional e do meio trabalhista, como também mediante a ação de organizações voluntárias. Deverá ser respeitado,devidamente,odesenvolvimentopessoaldascriançasedosjovensquedeverãoseraceitos,empédeigualdade,comocoparticipantesnosprocessosdesocializaçãoeintegração.

[...]

V.POLÍTlCASOCIAL

44. Os organismos governamentais deverão dar amáxima prioridade aos planos e programas dedicados aos jovens e proporcionarfundossuficienteserecursosdeoutrotipoparaaprestaçãodeserviçoseficazes,proporcionando,também,asinstalaçõeseamão-de-obra para oferecer serviços adequados de assistência médica, saúde mental, nutrição, moradia e os demais serviços necessários,particularmenteaprevençãoeotratamentodousoindevidodedrogas,alémdeteremacertezadequeessesrecursoschegarãoaosjovenseserãorealmenteutilizadosemseubenefício.

45.Sóemúltimocasoosjovensdeverãoserinternadoseminstituiçõesepelomínimoespaçodetemponecessário,edeverásedara

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máxima importância aos interesses superiores do jovem.Os critérios para a autorização de uma intervenção oficial desta naturezadeverãoserdefinidosestritamenteelimitadosàsseguintessituações:

a)quandoacriançaouojovemtiversofridolesõesfísicascausadaspelospaisoututores;

b)quandoacriançaoujovemtiversidovítimademaus-tratossexuais,físicosouemocionaisporpartedospaisoututores;

c)quandoacriançaouojovemtiversidodescuidado,abandonadoouexploradopelospaisoututores;e,

d)quandoacriançaouojovemseverameaçadoporumperigofísicooumoraldevidoaocomportamentodospaisoututores.[...]

Asregrasrelacionadascomaformadesepunirosjovensforamincorporadaspelosistemabrasileiro,dosprincípiosqueoconsagraestáodalegalidadeeaquelesrelacionadoscomoprocedimentoquevairesultarnaaplicaçãodasmedidassocioeducativas.

Alegislaçãoevidenciadaénosentidodequeascriançaseosadolescentesadquiramaconsideraçãodesujeitosdedireitos,portanto,aelessejareconhecidaaqualidadedecidadão,inclusivepeloalcancedadignidadehumana.

Acategoriasujeitodedireitosacarretaumasériededireitosqueatéentãonãoeramrespeitados;deumlado,osdireitosfundamentais:vida,saúde,educação,profissionalização,lazer,cultura,liberdade,entreoutros; de outro, a aplicação do due process of law, proporcionando aos jovens o direito aocontraditório,ampladefesaeatendimentoaosprincípiospenaiseprocessuaispenaisconstitucionais.

Adignidadehumanaéumvaloraseralcançadocomorespeitoaosdireitos,quemmelhordefineissoéKant,quandoseexpressacomoaseguir:

Noreinodosfins,tudotempreçoouumadignidade.Quandoumacoisatemumpreço,pode-sepôremvezdelaqualqueroutracoisacomo equivalente,mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade(Kant,1991,p.77).

Quandosenegaoacessoaosdireitos,numpatamarmínimoparaoalcanceaumavidadigna,nega-seadignidade e se impedeodesenvolvimento.Ao sepensar emalcançar umpatamarmínimodedireitos,apenasenfatizamosadesigualdadenaconquistadedireitos,principalmentenoqueserefereaosdireitossociais.ParaBobbio,“sódemodogenéricoeretóricosepodeafirmarquetodossãoiguaiscomrelaçãoatrêsdireitossociaisfundamentais(ao trabalho,à instruçãoeàsaúde);aocontrário,épossíveldizer,realisticamente,quetodossãoiguaisnogozodasliberdadesnegativas”(2004,p.66).Evidentemente,aconquistadedireitossociaisigualitáriospressupõeanecessidadedeumaestruturadeserviçospúblicosqueosgarantam.

Em 1990, então, promulga-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (que será abordadoposteriormente).Emrelaçãoà legislação, cita-seaindaaLei9455/97,quedispõe sobreoscrimesdetorturaequeestabeleceno§4º.doartigoI, incisoII,oaumentodepenadeumsextoaumterço,seocrime for cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente e ainda revoga o artigo 233 doEstatutodaCriançaedoAdolescente.

ALeiComplementar75/93,quedispôs sobre aorganização, as atribuições eo estatutodoMinistérioPúblico,definiu seroMPa instituiçãoquedevezelarpelaobservânciadosprincípiosconstitucionaisrelativos:“...osdireitoseinteressescoletivos,especialmentedascomunidadesindígenas,dafamília,doadolescenteedoidoso”.

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AlessandroBaratta, in InfanciayDemocracia(2004), abordaalgunsaspectosnecessáriosdo respeitoaos ditames da Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças de 1989, em especial anecessidadedeseestabelecercomonaTeoriadoempoderamentodeJohnFriedman33:

[...]nosprogramasdedesenvolvimentonaAméricaLatinaeoutraspartesdomundo,estáfundadonoincrementodopodersocialenatransformaçãodesteúltimoempoderpolítico,começandocomofortalecimentodacapacidadeeconômicaecomunicativadospobres,apartirdonúcleofamiliaredacomunidadelocal.34

Oautormostraqueateoriadoempoderamentoestabelecequeéapobrezaqueexcluioplenoexercíciodos direitos políticos e, quanto ao fortalecimento que propõem, não é outra coisa que a extensão dacidadania ativa, quer dizer, o núcleo familiar e a comunidade local é que são capazes de realizar omodeloda“democraciainclusiva”(Baratta,2004).

Sobre o assunto, o documento da SaveChildren da Suécia, denominado “Promoção da participaçãoprotagônicaesignificativadecriançaseadolescentesexpostosàviolência”identificaqueaConvençãodeDireitos da Criança, estabelece quatro direitos básicos às crianças e adolescentes: à participação(podendoexprimir livremente suaopiniãoemassuntosque lhesdiga respeito); anãodiscriminação;àvida; ao desenvolvimento e à proteção.Para seus autores é pormeio da participação protagônica quecriançaseadolescentesmudarãosuarelaçãodesigualcomosadultos,jáoempoderamentotemavercom“autoestima,autonomia,habilidadessociais,identidade,solidariedade,segurançaedignidade”e,ainda,oempoderamentoquelhespermitirá“identificarsuasdebilidadesepotencialidades,visandomanejareaceitarasprimeiraseadesenvolver,deumaformaótima,asúltimas”(SaveChildren-Suécia,2008,p.13).

OEstatutodaCriançaedoAdolescente

AntesdaadoçãodaDoutrinadeProteçãoIntegral,alegislaçãoadotouomodelodaSituaçãoIrregular,como já explicitado. A Situação Irregular era aquela em que a criança e o adolescente estavam emsituação de abandono ou de práticas ilícitas, encaradas como se fossem situações similares e eramresolvidas pelo Juiz de Menores e Comissários de Menores, estes acabavam por submetê-los aprogramas em que tinham sua liberdade restrita em Instituições como: Funabem, Febem, entre outras.Essas instituições se responsabilizavampor tratar a situação irregular.Os jovens emabandonoou emcondutasilícitaspodiamficaracargodoEstadoatéosdezoitoanoseexcepcionalmenteatéos21anos.

Narealidade,tantoosqueestavamemabandonoquantoosinfratoreseramvistoscomopessoasobjetodadecisão estatal, que podiam ser internados, semi-internados, colocados em lares substitutos, sem seperseguir a conveniência e sem oportunizar possibilidade consentânea para eles que, sem dúvida,deveriamterseusdireitosrespeitados.Portanto,oparadigmadasituaçãoirregulartirava-lheso“direitoaterdireitos”,porquejáquesãomaltratados,abandonados,cometemaçõesinfracionaise,muitasvezesconsideradas imorais, são eles ainda inimigos, comprometem o equilíbrio necessário ao bomdesenvolvimento das relações em sociedade35. Estão impedidos de participar do “espaço públicocomum”, de pertencer a uma comunidade política que, segundo Hannah Arendt, é o que permite aconstruçãodeummundocomumatravésdoprocessodeasserçãodosdireitoshumanos(LAFER,1988).

Crianças e adolescentes estiveram em quase toda a história excluídos de participação quandocomparadoscomoutrossujeitos.ParaBaratta,(2004)issoocorreporquenãosãopartesdopacto,oque

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ostransformaemseresdiferentes,paraoautor,deumlado,háosadultos;deoutro,ascriançaseanimais.Emborapossamencontrarproteçãonoestadocivil,queéprodutodopacto,aestenãopertencem.Oautoraindaobservaquepara as crianças: “o argumentodadiferença temproduzidobenefíciosmínimos emtermosdeproteção”,emverdadeaoargumentodaigualdadeverificam-seefeitosnegativos,porexemplo,ograndenúmerodereservasfeitaspelosEstadosaConvençãodeDireitosdaCriança.

Sersujeitodedireitos,então,constituiumanovaluta;agora,pelodireitodeserouvido,pelodireitodeformar pensamentos próprios, de conquistar o bem estar social, e, para isso, quando se estabelece oprincípio do interesse superior da criança e do adolescente, dever-se-ia lutar pelo direito de não sersubmetidoàreclusão(pormeiodainternação),cujaaplicaçãonãomereceucensura.

O modelo da situação irregular era de negação de direitos fundamentais, determinadosconstitucionalmente,aomesmotempoemquenãoeramasseguradoslegalmenteosdireitosrelacionadoscom o sistema punitivo. A visão equivocada prevista pela legislação, na realidade, efetivava umtratamentoqueeraautorizadoparacriançaseadolescentespobres.

Machadoobservaqueapolíticadeinstitucionalização,levadaaefeitoapartirdadécadade60,“acabouporgerar tãosomenteumacondiçãodesub-cidadaniadeexpressivogrupode jovenscriados longedenúcleos familiares, nas grandes instituições que se tornaram adultos incapazes do exercício de suaspotencialidadesplenas”(2003,p.28).

Aautoraapontaaindaparaa“confusãoconceitual”entremenores“desvalidos”e“autoresdecrimes”quefezcomqueambosrecebessemomesmotratamento.

Refletirsobretaisfatoséverificarquenãosóosadolescentespobrescometematosdelituosos.Seporumlado,emquepeseaausênciadeprovasempíricasanortearodifundidoaumentodacriminalidadeentre os jovens como demonstrado porMartha deToledoMachado em “A proteção constitucional decrianças e adolescentes e os direitos humanos”, atendia a um programa de submissão aos desejosdaquelesqueencetavamtaispolíticaspúblicas,comosempre,preconceituosas(Machado,2003,p.46).Poroutrolado,ainternaçãobuscavaamanutençãodadesigualdade,tendoemvistaaformaçãodestinadaaospobresquereforçavasuaposiçãosubalterna.

Aquestãoéquea internaçãopermaneceu.Sersujeitodedireitosnãomodificouo tratamentodadoaosjovensemconflitocomalei,aocontrário,permaneceramalvosdoconfinamentoemespaçosincapazesdealteraremsuaexistência.Quandoseverificaapossibilidadedemudançasnosistemanuncasefalaemcontemplararetiradadessamedida“socioeducativa”queéainternação.

Nãosepodesuporqueamudançademodelogereumavisãodiferenciadaemrelaçãoaessascriançaseaos jovens emconflito coma lei,mas,nomínimo, coma alteraçãodoparadigma, estabelecem-se,deforma clara, regras para o respeito à consideraçãode sujeitos dedireitos.Dequalquer forma, não sepercebeumcaminhonosentidodebuscarparaessascriançasejovensumapolíticaqueatendaassuasnecessidadeseoseduqueparaquesetornememancipadose,emconsequência,cidadãos.

Ahistóriadalegislação:

Éumahistóriadeavançoseretrocessosnoconfiscodeconflitos(dodireitolesionadodavítima)edautilizaçãodopoderconfiscatório,bemcomodoenormepoderdecontroleevigilânciaqueopretextodanecessidadedeconfiscoproporciona,sempreembenefíciodo

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soberanooudosenhor.(BatistaeZaffaroni,2003,p.385).

Portanto,alegislaçãoaplicávelàcriançaabandonada,pobreouinfratorasempreresultouemformasdedominação.Em“AArte deGovernar asCrianças”,Rizzini (2009)mostra como se deu o domínio nodecorrerdosséculos,pormeiodasmãospelasquaispassaramessascriançasejovens.

Aautoracitadaassimdividetaisperíodos:

Nasmãosdosjesuítas:evangelizar;

Nasmãosdossenhores:ascriançasescravas;

NasmãosdasCâmarasMunicipaisedaSantaCasadeMisericórdia:ascriançasexpostas;

Nasmãosdosasilos;

Nasmãosdoshigienistasefilantropos;

NasmãosdosTribunais:reformatóriosecasasdecorreção;

Nasmãosdapolícia:defesanacional;

Nasmãosdospatrões:acriançatrabalhadora;

Nasmãosdafamília;

Nasmãosdoestado:clientelismo;

NasmãosdasForçasArmadas:SegurançaNacional;

NasmãosdosJuízes:omenoremsituaçãoirregular;

Nasmãosdasociedadecivil:criançaseadolescentessujeitosdedireito.

Cadaumdessesperíodosrefletealegislaçãoquefoicitadaanteriormente.

OEstatuto daCriança e doAdolescente –ECAé aquele diploma legal que representa a fase emquecriançaeadolescentepassamaser“vistos”comosujeitosdedireito.Festejado,naprática,oECAnãoresultouemmudançaquesignificasseaefetivaçãodonovoparadigmaquepropunha.

ADoutrinadaProteçãoIntegral

O artigo 1º. da Lei 8069/1990 estabelece: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e aoadolescente”.36A proteção reforça-se nos artigos 2º. a 6º. em que se descrevem direito e deveresrelacionadoscomacriança(pessoaaté12anosdeidadeincompletos)eadolescente(pessoaentredozeadezoitoanosdeidade).ComoexcepcionalidadeàaplicaçãodoECAapessoascomidadeentre18e21anos.

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OdispositivodaLeimencionadaacompanhaoidealdaproteçãointegraljáprevistonoartigo227daCF,que estabeleceu o dever da família, da sociedade e do Estado com a prioridade de assegurar:alimentação, saúde, educação, profissionalização, lazer, cultura, dignidade, liberdade, respeito,convivênciafamiliarecomunitáriae,aomesmotempo,preservando-adequalquerformadenegligência,violência,crueldade,discriminação,opressãoeexploração.

Igualmente,todasascriançaseadolescentespossuemstatusdecidadãos,devendoser-lhesasseguradastodas as prestações negativas ou positivas a serem cumpridas por parte doEstado e assegurando quetodospossuamtratamentoigual.

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição de 1988 foi regulamentada para podercumpriroestatuídonoartigo227.Dessemodo,podemosobservarasprincipaisbasesqueestruturaramomencionadoEstatuto:

Acriançaeoadolescentedevemserconsideradoscomo“pessoaemdesenvolvimento”;

O termo “menor” não deve sermais usado, assim como a expressão “situação irregular”.O primeiroporque na realidade designava pessoas pobres em diferentes fases de desenvolvimento e situaçõesdiferentes(carentesxinfratores).

O artigo 1º. que adota aDoutrina de Proteção Integral: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral àcriançaeaoadolescente”.

Definiu que criança é a pessoa até doze anos incompletos e adolescentes aqueles entre 12 e 18 anos;(artigo2º.)

Protegeugestanteenascituro(art.8º.),reguloudeformaexclusivaaadoçãonosartigos39a52;

OsDireitosFundamentaisestãoreguladosnosartigos7º.a69;

O artigo 71, ao determinar o direito da criança e do adolescente à cultura, lazer, esportes, diversões,espetáculos e produtos e serviços, fecha o ciclo dos direitos previstos nos Pactos Internacionais deDireitosCivisePolíticoseodosDireitosEconômicos,SociaiseCulturais,todosassumidospeloBrasil,queostransformouemDireitosFundamentaisex-vidaConstituiçãoFederal.

OsitensenunciadossãopertinentesaoLivroIdoECA.OLivroII,comênfasenoqueserefereaosatosinfracionais, e que se refere à política de atendimento, medidas de medidas pertinentes aos pais ouresponsável,doConselhoTutelar,doacessoàjustiça,doscrimeseinfraçõesadministrativas.37

Como resultado das notícias de condutas graves cometidas por adolescentes, há sempre um grupo de“empreendedoresmorais”(Goffman,2006)queselevantamnosentidodareduçãodamenoridadepenaloudoaumentodoprazodeinternaçãoparaoadolescenteinfrator.Quantoàprimeira,váriastêmsidoasoportunidadesdedebatesobreoassunto.Aideiaaparececomosoluçãoparaosmalesprovocadospelaadolescênciainfratorae,aindaconsideramquecomopodemvotaraos16anosessaentãoseriaaidadeparacriminalizá-los,poissão,naatualidade,comtalidadeamadurecidososuficiente.

Aparece também,comoquestãorelevante,adivulgaçãodequeos jovens infratoresficamimpunesaos

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atos infracionais cometidos; o que semdúvida é um equívoco, pois entre asmedidas socioeducativasprevistasnoartigo112doECA,indubitavelmente,apreferidanamaioriadoscasoséadeinternaçãoquerestringealiberdade.Reduziraidadelevaria,maisumavez,aoresultadoquejáseconhecesobrenossosistemapenitenciário:maissuperlotação,maismedidasrestritivas,menospossibilidadedesocializaçãopositiva,istoé,nenhumarespostaquevalidasseatransformação.38

Nodia13dejulhode2010,datadecomemoraçãodos20anosdoEstatutodaCriançaedoAdolescente,aFolhadeS.PaulopublicaumareportagemsobreapesquisafeitapelaUniversidadeFederaldaBahiaqueconclui“queojudiciáriointernamuitasvezessemprovas,semfundamentaçãolegaleemaudiênciasprecárias”39ecolocaaindaqueosjuízesnãogarantemaosadolescentesosdireitosquesãopermitidosaosadultospeloCódigoPenal,alémdoqueainternaçãoétambémutilizadacomomedidaprotetiva.Asprincipaisviolaçõesapontadasrelativasaosatosinfracionaiscometidossão:

1–agrandemaioriadasapelaçõesdosadolescentesérejeitada;2-participaçãoinexpressivadaDefensoriaPública;3-Flexibilizaçãodosprazosmáximosdeinternaçãoprovisória;4-Audiênciasmuitorápidasesemtestemunhasdedefesa;5-Imposiçãodemedidasdeinternaçãoforadashipóteseslegaisprevistas;6-Insuficiênciadeprovasnacondenação.

Peloquesedepreende,nãohácomofalaremausênciadepuniçãoemais:deve-se,sim,falarsobreosdireitosasseguradosconstitucionalmentedesprezados.

Acriançaeoadolescentepraticamatosinfracionais,osquaissãoprevistosnalegislaçãopenal.OECA,noqueserefereaosjovensemconflitocomalei,ésimilaraoCódigoPenal,inclusivenoqueserefereàaplicaçãodasmedidassocioeducativasquenadamaissãodoqueaspenasrestritivasdedireito.Quantoàreclusão,permaneceosistemadeinternar.

Aretóricavoltadaaoaumentodepenasparaadultoseareduçãodamenoridadepenalparaadolescentestransformam-se,inclusive,emjargões,queemtemposdecampanhaeleitoralfiguramcomopalavrasdeordemparaasoluçãodeproblemasque,comojásesabe,estãomenosnacondutadejovenscomidadeentre12a18anosemais,muitomais,naformacomosereproduzemasdesigualdadessociais.

ParaPauloLúcioNogueira(1996,p.15),osprincípiosqueorientaramoECAsão,entreoutros:

Princípio da Reintegração e Reeducação, artigos 119, incisos I a VI, que indicam que o adolescenteinfratordeveserreintegradoereeducadopormedidassocioeducativasdeproteção.Afamíliadeveserinseridaemprogramasrecebendoauxílioeassistênciadevendoseromesmosupervisionadoemrelaçãoassuasatividadesescolares.

PrincípiodoContraditório, queoriundodaConstituição federal, artigo5º.LV, e artigos171a190doECAinstandoaosÓrgãosespecíficosaobrigatoriedadedaampladefesae igualdadede tratamentonoprocedimentodeapuraçãodeatoinfracional.

Principiodaprevalênciadosinteressesdomenor,art.6º.

PrincípiosdaEscolarizaçãoFundamentaleProfissionalização,artigos120,parágrafo1º.E124–XI;

PrincípiodaProteçãoestatal,artigo101.

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PrincípiosdaRespeitabilidadeedoCompromisso,arts18,124–Ve178.

Para oCONANDA, oEstatuto daCriança e doAdolescente se apoia nos seguintes eixos: promoção,controleedefesa,considerandocomodiretrizessencialapoliticadeatendimentodacriança,acriaçãodosConselhosMunicipais,EstaduaiseNacional.Nãoesquecendoquea“mobilizaçãodasociedadeéasalvaguardadessesdireitos”.40

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente foi criado pela Lei n. 8242, de12.10.1991,alémdosobjetivosprevistosemlei,realizaassembleiasordináriasmensais,funcionampormeio de comissões temáticas, grupos de trabalho e, de dois em dois anos, realiza a ConferênciaNacional,visandoaoplanejamentodepolíticasdeatendimento.

Ainda deve ser lembrado o SINASE, que consubstancia o Sistema Nacional de AtendimentoSocioeducativo e aPolíticaNacional deDireitosHumanosdeCrianças eAdolescentesnoBrasil queserãoabordadosmaisdetalhadamentenopróximocapítulo.

ReflexosdaLegislaçãoMenoristaemManaus

Até 1935 é possível relacionar as seguintes Instituições de atendimento a crianças e adolescentes emManaus:SeminárioEpiscopalSãoJosé–1848,InstitutodeEducandosArtífices-1855substituídopeloInstituto de Artes e Ofícios -1892, Da Casa dos Educandos – 1858, Colégio Nossa Senhora dosRemédios–1858–extintoem1862,AsiloOrfanológicoAmazonense–1884(AsiloOrfanológicoElisaSouto)extintoem1892,InstitutoBenjaminConstante–1892;InstitutoAgrícoladoAmazonas,EscoladeAprendizeseMarinheiros,InstitutoAfonsoPena,1906,PatronatoAgrícola,CasaDr.Fajardo–1922–HospitalInfantil;CrecheAliceSallestransformadaemAbrigoMeninoJesus–atualpreventórioGustavoCapanema–filhosdehansenianos.41

Em21.09.1935, pela Lei n. 18, foi criado emManaus o primeiro JuízoTutelar deMenores.A partirdessemarco,váriasInstituiçõesforamcriadas.Pode-seindicaracriaçãodoInstitutodeAmparoSocial(1935); Serviço de Assistência e Proteção aos Menores (1937), em 1938 é criado o AprendizadoAgrícoladoParedão,ondeseinternavamos“menoresdesocupados”eabandonados,em1939aprimeiraentidadepara os “infratores” é estabelecidana antigaCasadeDetenção, posteriormentePenitenciáriaEstadualDesembargadorRaimundoVidaldePessoa42 (desativadadefinitivamente em2011) em seçãodenominadaMeloMatos,seguindoatendênciadecriarnaprópriapenitenciáriaumpavilhãoparajovens,mas transformado depois em Instituto. É um tempo em que o Judiciário era vinculado ao Executivo,portanto,asatividadeseramconsideradascomoumassuntodegoverno(Tapajós,1991).

Posteriormente,foicriadoo2ºJuízodeMenoreseestabelece-seumAbrigo-EscolaRuralparaosjovensdo InstitutoMeloMatos. Acompanha também o tratamento dado aos “infratores” uma educação paratrabalhos,cujocrescimentopessoalfosselimitado.

No período ainda cria-se em Manaus o Comissariado de Menores e Casas para o atendimento de“menores”dosexofemininoeatéestadatapermaneceaEntidadeDagmarFeitosa(TAPAJÓS,1991).

Em 1955,Manaus assiste à criação doDepartamento Estadual daCriança, fato ocorrido noGoverno

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trabalhistadePlínioRamosCoelho.Emseuprimeiro“GovernoRevolucionário”,em1964,écriadaaDivisãodeServiçosSociaisdoPalácioRioNegro.

OServiçodeAssistênciaaoMenor,naestruturadaFUNABEM,querefleteaordemautoritáriadaépoca.Em 1974, é criada a Secretaria de Serviços Sociais, também se assiste à criação da Delegacia deMenores,nofinalde1976,écria-seaFundaçãoEstadualdoBemEstardoMenor–FEBEM-AM.

Emdezembrode1981,paraexecuçãodoPlanoNacionaldeBemEstardoMenor–PNBEMaFEBEMpassaaserdenominadaIEBEM–InstitutoEstadualdoBemEstardoMenordoAmazonas.

ÉaautoradominuciosotrabalhodelevantamentohistóricodasInstituiçõesrelacionadascomcriançaseadolescentes em Manaus que dá conta de algumas estatísticas de atendimento relacionadas com operíodo,massurpreende-secomosatendimentosrealizadoseanotadosnoanode1964quandocoloca:

Odocumentonarrao trabalhodo JuízodeMenoresnaquele tempo.Taldocumentoconstadosanexosdeste trabalhoeatravésdelepode-seobservarque,naqueleórgãoforamatendidosonúmerode1.342menoresnaqueleano.Destesuns,somenteonúmerode75foramatendidosporquestõesdeaçõescontrafeitasàlegislaçãopertinente,tornando-seimediatamentesignificativaadiscrepânciadestanumeração. Interessante também, e notar nesta relação numérica, os assuntos que levavam osmenores aquele Órgão, onde entretantos,constavaachamada“POBREZA”,comocausaparaocuidadodomenorcitadino(Tapajós,1991,p.307).

Alógicadoatendimentoconcentradanapobrezarefleteasituaçãoquepermanecenotempo.Aolongodotempo,observou-sesempreoestabelecimentodeumsistemapenalparaosjovens,masnuncasepensouemdestituiresseprocessodaJustiça,oqualsempreseefetivoucomousemasgarantias,comousemconsideraçãoaosdireitosàscriançaseadolescentes,narealidade,aperfeiçoou-se.

Aopçãoportratardoatoinfracionalporoutrainstâncianãoéconsiderada,masdeveria.Aopensar-senoassuntooabolicionismopenalsurgecomoapossibilidadedeinserçãodeumavisãodiferenciadaparaaquestão,istoé:

Oabolicionistatratacadacasocomoalgoespecial,comosituaçãoproblemaenãocrimeouinfração.Procuracompreenderasituaçãodosenvolvidos,algozesevítimas,tomandopartidodeambos.Anti-universalista,reconheceaverdadeemcadaparteebuscaasoluçãopelo lado de fora, o da conciliação capaz de propiciar uma resposta-percurso que evita a prisão e ao mesmo tempo, incentiva aindenização(Passetti,2006,p.83).

Asituaçãoproblema43abordaassituaçõesdesvinculando-asdodireitopenalque“sequestraapalavraentre os opositores e suprime a possibilidade de conciliação”, desta forma, a singularidade de cadaproblemaéconsideradaparaadoçãodasoluçãoqueseafastadalegislaçãoqueuniversalizaascondutas(Sales,2011,p.32).

Nestecapítulo,ficaclaroqueháumamudançanosentidodeproteçãoaosjovensemconflitocomalei,gerando assimumanova legislação.Entretanto, o sistemapunitivopara jovensmanteve-se elegendo ainternaçãocomosuaprincipalexpressão.

Éindubitávelque,atualmente,configurou-seumsistemapunitivojuvenilemqueseprocuraefetivarasgarantiasentendidascomonecessáriasàlegitimação,afinal,dapuniçãoqueaplica.Alegislaçãoanterioraoprivilegiaromodelodetutelanãoasseguravataisgarantias,entretantopensa-sequeaquestãoaserenfrentadaédeconteúdodiferente,umavezqueaessênciadaformadelidarcomassituaçõesemquesedeparamjovensnãomudou.

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Aoesforçolegislativonãosejuntaàdecisãopolíticadetratarascriançaseosadolescentespobresdemaneiradiferente, são semprealvosdediscriminação, sãoosalcançadosporesse sistema,aquemsecontinuaperpetuandoadesigualdade,verificadaemnossoPaísdesdeacolonização,comohistoriadonalegislaçãocompilada,aocontráriodaevoluçãoquepareceterconseguidooECA.

ParaPassetti:

O ECA permanece utilizado como lei penal e deve-se ler o que ele propõe, então como educação para a futura cidadania, comosinônimodaafirmaçãonacrençanaeducaçãocombasenapena.Mantidoessepreceito,aorganizaçãodainternaçãoestarásempreconectadacomadelinquênciae,pormaisqueseelogieasoluçãodemocráticanopresente,maiscedooumaistardeelanoscolocaránovamentediantederebeliõesefracassosdessehumanismopunitivo(2007,p.163).

Assim, chega-se à única conclusão plausível: de que é necessário abolir um sistema que não produzresultadosfavoráveiseeficazesaosjovensemconflitocomalei.

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II.OSISTEMAPUNITIVODOSJOVENS:IMPUNIDADExIMPUTABILIDADE

OEstatuto daCriança e doAdolescente foi comemorado por alguns setores da sociedade como umagrandeconquistanaproteçãodosdireitosdacriançaedoadolescente.Emmomentosanteriores, jáfoiexpostonossopareceracercadainstauraçãodeumsistemapunitivoparaascriançasinfratoraspormeiodoECA,falta,ainda,analisaressamudançanalegislaçãonoqueserefereaoestabelecimentodosnovosmecanismosdecontroleexistentesnasociedade.

Analisar as mudanças passa, obrigatoriamente, pelo desenvolvimento da sociedade disciplinar e decontroleencontradosemMichelFoucaulteGillesDeleuze.EmFoucault,éprecisoanalisarosconceitossobreasociedadedisciplinareobiopoder.

Nasociedadedisciplinar:

[...]investe-senocorpoparaoEstado.Umcorpoútiledócilquefoigestadaumabiopolíticadapopulação.Eraprecisocuidardocorpo,desuaconsciência,pormeiodosserviçosdesaúdesestatais,dosaneamentodascidadeseassistênciaaosoperários.Servivoeraserprodutivo, e todo ser produtivo devia ter seu corpo cuidadopelos chefes da fábrica, da escola, da família, do hospital, da cidade.Apolítica passava a ser a condição de acesso a permanecer vivo: era preciso atingir o Estado, por governo ou influência, paragovernamentalizá-los. Tratava-se de uma política que designava locais para resistir, ao mesmo tempo em que estes lugares erampreenchidosporresistênciasqueosfaziamexplodir(Passetti,2003,p.43).

AsociedadedisciplinarémostradaporFoucaultao indicaroadestramentoemrelaçãoaoscorpos,aoesclarecerquenamonarquiaadministrativasobravaumespaçoparaqueosindivíduospudessemburlaralei e que a tolerânciamuda a partir do século XVIII, quando a polícia e a hierarquia administrativaaparecem. Em verdade, são as novas formas da economia e um medo relacionado com movimentospopulares que originam as novas formas de “esquadrinhamento” da sociedade representadas pelodisciplinamento(Droit,2001,p.46)44.

SobreasociedadedisciplinarPassettiaindainforma:

A era da sociedade disciplinar é a da internação em reservas, santuários, partidos, escolas, fábricas, exércitos, prisões, hospitais,extraindonesteslugaresprodutividadeútiledócilatédecorpostidoscomoinúteiseperigosos.ViveréumaIdeiaqueexige,doatodacrise, a busca para soluções para o Ideal deVida.A saúde da ideia exigemais emais reformas: do espaço, dos instrumentos, dascrenças,daspessoasmantidascomfénosoberanoeemsuasleis.Osindivíduos,asinstituições,asociedadeeoEstadoprecisamserreformados.Foiaeradoinvestimentodisciplinarnocorpoedeumabiopolíticaregulamentandoaespécie(Passetti,2003,p.245).

ASociedadedisciplinarnãoseidentificacom“umainstituiçãonemcomumaparelho,exatamenteporqueelaéumtipodepoder,umatecnologiaqueatravessatodasasespéciesdeaparelhoseinstituiçõesparareuni-los, prolongá-los, fazê-los convergir, fazer com que se apliquem de um novo modo” (Deleuze,2005,p.35).

Aotratardobiopoderedasociedadedisciplinar,Foucaultmostraque,enquantoasegundaprocurafazercom que uma multiplicidade possa se transformar em indivíduos “vigiados, treinados, utilizados,eventualmentepunidos”;obiopodernãotratadecorposindividuais,masdeuma“massaglobal”ecomoesta é afetada por “processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como onascimento,amorte,aproduçãodadoençaentreoutros”(Foucault,1999,p.289).Dessaforma,trata-se

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dacidadeedapopulação.

SegundoPassetti(2003,p.43),asociedadedisciplinaraindaéatuante,“semadisciplinamodernaeotradicionalcastigo,oocidentefoiincapazdepensareviveroutraformaquenãoasociedade”.45

Aotratardaspenalidades,Passetti(2007,p.28)observaque“asociedadedecontroledisseminafluxosvigilantes de segurança que vão desde o domínio das forças que combatemos suplícios privados nasfamílias até os que defendem abertamente a pena de morte”; indica que se justificam os direitos de“causaramorteedecausaravida,procedentesdasociedadedesoberaniaedasociedadedisciplinar,por meio da convocação à participação”. Para o autor, todos são conclamados a participar da“penalizaçãoalternativa,dajustiçarestaurativaedasváriascombinaçõesaindaaseremcriadas,semqueosistemapenalabdiquedosaprisionamentos”46.DizaindaPassetti(2007,p.28):

Asociedadedecontroleexpõeaoolhardetodoseàvigilânciainterminável,nãosóosinfratoresedelinquentes,dentroeforadaprisão,mascidadãosnasruas,emambientesdetrabalho,nolazerenocomércio,aspopulaçõesdaperiferia(favelasecomunidades)e,nestecaso, identificadoscomosetoresvulneráveis, para garantir a defesa de setores abastados que também se encontram estreitamentevigiados. É a sociedade de controle (dos governos) a céu aberto, que atua estratificadamente, sobre os diferentes, anormais,subversivos, delinquentes e perigosos da sociedade disciplinar, para os quais,No passado se recomendavam e exigiam prisões comcelas individuais, religião e trabalho.Hoje sob a condição de vulnerabilidades, qualquer pobre como uma futura ameaça a ordem,necessita de investigação sobre sua formação para que não venha a se tornar inevitável criminoso ou a potencial vítima propícia, ovagabundo,oarruaceiro,otraficante,oamedrontadordobomcidadão.Elepassaaseralvodoinvestimentoeminclusãopormeiodeinstalaçãodeequipamentossociais,educaçãoeletrônica,estímuloàparticipação,namelhoriadascondiçõesdeexistêncianaprópriacomunidade.Acomunidade,ouperiferia, passa a seroprogramaa ser aplicadocomsucesso, comoo reparadordas condiçõesdemisériashistóricas.

SegundoDeleuze:

Na sociedade de disciplina não se parava de recomeçar (da escola à caserna, da caserna à fábrica), enquanto nas sociedades decontrole nunca se termine nada, a empresa, a formação, o serviço sendo os estados metaestáveis e coexistentes de uma mesmamodulação,comoquedeumdeformadoruniversal.(1992,p.221-222)

OSistemaPunitivodosJovenscorrespondeaumaperfeiçoamentodadisciplinaesuainter-relaçãocomo biopoder na medida em que há a necessidade de que o Estado regule, normalize, regulamente,normatize,institucionalizeoquevaiinfluenciaraspráticasquepodemafetaroequilíbriodasrelações.As estratégias para que a população possa ser administrada, controlada e regulada são uma questãopolíticaqueafetatodoodesenvolvimentosocial.

Retomando a questão dos jovens infratores, é imperioso, então, observar o fato de que amaioria dosjuristasopinapela falênciadosistemacarcerárioparaoadulto, tantoéqueaspenasalternativasedesuspensão condicional do processo foram revistas para aumentar a possibilidade de aplicação emrelaçãoaotempodepenaprevisto,noentantomantemainternaçãocomomedidanoECA.

Em30dejunhode2010,foisancionadaaLeiquealteraaLeideExecuçõesPenais(7210/84),quereduzemumdiadepenacada12horasdefrequênciaescolaremensinofundamental,médio,profissionalizante,superiorouderequalificaçãosuperior.

Em05.07.2011,entrouemvigoraLei12.403/2011,quealterou32artigosdoCódigodeProcessoPenal.ALeipermitea aplicaçãodemedidascautelaresalternativasàprisãopreventiva (prisãodomiciliar emonitoramentoeletrônico)47.

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Asnovasmedidaslevamemconsideraçãoocustodemanutençãodeumpreso,emmédiaR$1.800,00,enquanto o monitoramento eletrônico custa entre R$ 700,00 a R$800,00. Considera-se, ainda, que oBrasil possua a quarta maior população carcerária do mundo, que é de 496 mil presos, dos quais,aproximadamente,44%sãopresosprovisórios48.

Osdadosrelativosa2014,publicadosem2016,dãocontadequeapopulaçãocarceráriaerade622.202pessoaseque40%sãopresosprovisórios,ocupandoaindaa4.Maiorpopulaçãocarceráriadomundo49.

Sobreasprisões,MichelFoucaultassimseexpressou:

Temosvergonhadenossasprisões.Essesenormesedifíciosqueseparamdoismundosdehomens.Construídosoutroracomorgulhoapontodesituá-los,comfrequência,noscentrosdacidadehojenosconstrangem.Aspolêmicasquesedesencadeiamcomregularidadea respeito das prisões, e recentemente, devido a numerosas revoltas, testemunham de modo claro esse sentimento. Polêmicas,constrangimentoeausênciadeamorque,aliás,acompanharamasprisõesdesdequeelasseafirmaramcomopenauniversal,digamosemtornode1820.E,noentantoessainstituiçãoresistiu150anos.Éumfatoextraordinário.Como,eumeperguntei,umaestruturaquefoitãocensuradapôderesistirportantotempo?(Foucault,2003,p.152).

Foucaultmostraqueo sistema jáestava falidodesde1820. JuarezCirinodosSantos50, in 30 anos deVigiarePunir(Foucault)lembra:

[...]4.Oestudodaprisão,localdatrocajurídicadocrime(retribuiçãoequivalente)edoprojetodecorreçãodecondenados(sujeitosdóceiseúteis)-com200anosdeisomorfismoreformista,comfracasso,reformaereproposiçãodoprojetofracassado–aprofundaadistinçãoentreobjetivosideológicoseobjetivosreaisdainstituição:osobjetivosideológicosdaprisãoseriamarepressãoereduçãoda criminalidade; os objetivos reais da prisão seriama repressão seletiva da criminalidade e a organização da delinquência,definidacomotáticapolíticadesubmissão.

SegundoPassetti,osreformadores:

[...] na atualidade dividem-se em dois grandes grupos: um pretende variar as penalidades, reduzindo os encarceramentos, e o outropropõeoaumentodepenalizaçõeseaprisionamentos.Deumladoposicionam-seosdefensoresdaspenasalternativas,osarautosdacriminologiacrítica;deoutrolado,osconservadoresquepropugnamosprogramasdetolerânciazero...(Passetti,2006,p.93).

O programa de tolerância zero deriva de ideias conservadoras que são utilizadas para justificar adetenção dos “suspeitos de sempre”. Em 1994, George Kelling e Catherine Coles observaram quepequenasdesordenséqueprovocamproblemassériosdeconvivência,dessemodo,paraprevençãodegraves delitos, uma cidadania consubstanciada deveria interferir na atuação da polícia e nos valoresmorais conservadores. A partir de tais pensamentos, desenvolvidos em função da teoria das “janelasquebradas”, é que se instalou a política de tolerância zero, instaurada pelo Prefeito deNovaYork, oconservadorRudolphGuilliane,em1994,equeseespalhoupelomundo.Talprogramaévistocomoumaguerra,cujoobjetivoélimparasruasdosdelinquentes,lutarcontraospichadores,usuáriosdedrogas,prostituição,ouaquelesquenãopagampelosserviçospúblicos.Nessalógica,torna-senaturalocontrolequeinstalabarreirasfísicas,vídeo-vigilância,criandoumarsenalparagerarsegurança.Osalcançadosportalpolíticasãoos“suspeitosdesempre”(Anitua,2005,p.785).

Aotratardatolerância,Oliveira(2005,p.200-201):

Dateoriadavidraçaquebrada-quemroubaumovo–roubaumboi–ao investimentonapresençaextensivaeostensivadapolíciacomunitária; das prisões de segurança máxima aos dispositivos de controle carcerário e a céu aberto; o combate às chamadas“pequenasincivilidades”comomeiodeprevenirasdesignadas“patologiascriminais”ganhouestrada,ganhouoceanos,ganhoumundo,ganhouespaço.Talprogramafoiecontinuasendoimplementadoemváriaspartesdoplaneta.Ofatodegovernosdeesquerdateremincorporado o programa de tolerância zero e se prestado a ser não só porta de entrada como via de escoamento, multiplicação e

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alastramentodetalprograma,explicita,entreoutrascoisas,oóbvio:otolerânciazeroé,antesdemaisnada,umapolíticadeEstado.51

Emboradefendidascomoumaestratégiadehumanizaçãodosistemapenal,adespenalizaçãoprometidanaLei9.099/95,porexemplo,acabana realidadepunindocondutas jádescriminalizadaspela faltadeefetividade.É evidentequeno âmbitodeste trabalho tratar a questãodos substitutivospenais finca-seapenasnofatodequeessespertencemaoâmbitoemquesedesenvolveapesquisa,masaanálisedeveserfielaoconstantedotextocitadodePassetti(2006):“EnsaiossobreUmAbolicionismoPenal”.

Nestecapítulo,cumpre,ainda,mostrarqueoEstatutodaCriançaedoAdolescente,noqueserefereàpráticadeatos infracionais,constitui-seemumverdadeiroSistemaPunitivovoltadoparaos jovens,apretextodenãose tratardeummodelopunitivo,desrespeitaaprópria racionalidadedosistemaaquepertence,oqueosjuristaschamariamde“Ilegítimo”dopontodevistadasgarantiasconstitucionaiscomoaodueprocessoflaw,mas,piorainda:nãoaplicarparaestes inúmerosbenefíciosquesãodestinadosaos adultos, previstos naLegislação Penal, que deve ser aplicada subsidiariamente aoECA.Mas, narealidade,asseguraraosjovensemconflitocomaleitaisgarantiascorroborariaamanutençãodosistemaquesequerabolir,opunitivojuvenil.

Entretanto, traz perplexidade a forma como os operadores do Direito que atuam no sistema juvenilpercebem essas “incoerências jurídicas básicas” na constituição de um sistema que à luz do próprioDireitoseriainconstitucionaleilegítimo.Nocentrodestacontradiçãoestáotermo“proteger’aoinvésde“punir”, e o fato de que na prática emesmo na teoria jurídica do ECA, o “proteger” émesmomais“punitivo”paraosjovensdoqueo“punir”paraosadultos.

Afirmarqueosjovenssãoinimputáveiséapenas,agarantiadequedopontodevistadoindivíduoobjetodessesistema,estedesconheceoquelheéimposto.Apesardasdistintasdenominações,como“sistemadeproteção”osistemapunitivojuvenilsemantémcomoobjetivodedesenvolverumaaçãopunitiva.

NarelaçãoentrecrimeecriminosodescritaporFoucaulttantoemaverdadeeasformasjurídicasquantoemNascimentodaBiopolítica,nocasodosjovensocriminosonãojápossuíaumaqualificaçãolegaledirigida,éacriançaeoadolescente,eosaberaplicadoaelaéumdiscursopsicológico,correcionalquesedenomina“deproteção”.

Apesardasdistintasdenominações,osistemapunitivojuvenilsemantémcomoobjetivodeaplicarumaaçãopunitiva.Ofracassonarecuperaçãodejovens,demonstradopelareiteraçãodecondutasviolentasemalgunscasosquealcançambastanteexposiçãonamídia,acendenasociedadeodesejodevingançaepugnaporpuniçõesmaiselevadas,quandonãopelareduçãodamaioridadepenal.

Areduçãodamaioridadepenalpodenãosersignificativa,umavezqueseconsideraqueosistemapenalaoqualestãosubmetidosésemelhanteaodosadultos,mas,aomesmotempo,relevaumanseiodeumaparceladasociedadeporumareduçãodoperíodocronológicoemfavordeumaentradamaisrápidanaadultez e para tanto, a única proposta que apresentam é a inserção destes “novos adultos” no sistemacarcerário.A inserçãonesse sistema significaráaperspectivado indivíduocarregarmaisumestigma,diz-semaisum,pois,comojásemostrounoprimeirocapítulo,amaioriadaspessoasselecionadasparaoingressonosistemapenaljácarregamconsigooestigmadeserpobrese/ounegros.

Em artigo publicado na Consulex, (2003, p. 20), Luiz Flávio Gomes52 observa que, em pesquisa

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realizadapelaOrdemdosAdvogadosdoBrasil,89%dospesquisadosmanifestaramconcordânciacomareduçãodamaioridadepenal.Paraoautor:“ocientificamentecorretoésuaperemptóriarefutação,emrazão, sobretudo, da sua ineficácia e insensibilidade”. Filia-se a tal entendimento inclusive no que serefereà inserçãodo jovememumsistema tratadocomouma“EscoladeCrimes”,ondecertamente sefiliariamaocrimeorganizado.

SegundoGoffman,osgregosforamoscriadoresdotermoestigmaereferiam-sea“sinaiscorporaiscomosquaisseprocuravaevidenciaralgumacoisadeextraordináriooumausobreostatusmoraldequemoapresentava” (2008, p. 11).Em relação à era cristã, “dois tipos demetáforas foramacrescentadas aotermo:oprimeirodelesreferia-seasinaiscorporaisdegraçadivinaquetomavamaformadefloresemerupçãosobreapele;osegundo,umaalusãomédicaaessaalusãoreligiosa,referia-seasinaiscorporaisdedistúrbiofísico”(Idem).

Finalmente,esclareceGoffman:

Atualmente,otermoéamplamenteusadodemaneiraumtantosemelhanteaosentidoliteraloriginal,porémémaisaplicadoàprópriadesgraça do que a sua evidencia corporal. Além disso, houve alterações nos tipos de desgraças que causam preocupações. Osestudiosos,entretantonãofizerammuitoesforçoparadescreverasprecondiçõesestruturaisdoestigmaoumesmoparafornecerumadefiniçãodopróprioconceito....(Idem)

Entãoosestigmatizadossãoaquelescujasdeformaçõesfísicasoudecaráteros tornam“diferentes”navisãodeoutros,oqueocorrecomosjovensinfratores.

Oindivíduoquepassapelosistemapenalpodeseridentificadocomoum“indivíduodesacreditável”,queéaquelequepossuiumaespéciedeestigmaquenãopodeserpercebidavisivelmente,ouseja,otipodeestigmacriadopelapassagempelosistemapenal.

OControleSocialPenaldojoveminfrator

O controle social se estabelece em face da necessidade de se constituírem pautas de comportamento.Para tanto, instituições são criadas para garantir que os indivíduos se adaptem a tais regramentos deconduta, visando à não ocorrência de conflitos. O Estado, utilizando-se das instâncias dedisciplinamento, formais e informais, pretende que a sociedade viva harmonicamente; parece bastantesimples:aquelesquenãoobedecemaopacto53,ferindoospreceitosquesevoltamàvidaemsociedade,devemserpunidos.

Molinasdefineocontrolesocialcomo:“...oconjuntodeinstituições,estratégiasesançõessociaisquepretendempromoveregarantirareferidasubmissãodoindivíduoaosmodelosenormascomunitários”(Molinas, 1997, p. 75). Não há como ignorar que essemesmomodelo de controle e disciplinamentoimpostoaosadultosaplica-seaosjovens.

No entanto, primeiramente, caberia refletir sobre a qualidade de jovem infrator, se essa é umacaracterísticaqueodiferedeoutrojovemconsideradonormal.JuarezCirinodosSantos54justificandoaassertivaobserva:

[...] infraçãonãoéfunçãodoadolescenteinfrator,mascomportamentonormaldoadolescente–nocasodajuventudebrasileira,queviveemcondiçõessociaisadversase,comfrequência,insuportáveis,ocomportamentoanti-socialnormalpodesertambémnecessário:

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segundo,queaqualidadedeinfratornãoconstituipropriedadeintrínsecadeadolescentesespecíficos,masrótuloatribuídopelosistemadecontrolesocialadeterminadosadolescentes;terceiro,queaposiçãosocialdesfavorecidadoadolescentequepraticaumainfraçãoédecisivaparasuacriminalização(aqui,nosentidode“infracionalização”);quarto,queaseleçãodesigualdeadolescentesnoprocessodecriminalizaçãopodeserexplicadapelaaçãopsíquicadeestereótipos,preconceitoseoutrasidiossincrasiaspessoaisdosagentesdecontrole social; quinto que a prisionalização (no sentido de “institucionalização”) do adolescente rotulado como infrator produzreincidênciae,nocursodotempo,carreirascriminosas.Nabasedessesprocessosestãoasdeterminaçõesprimáriasdocomportamentoanti-social:asdesigualdadesestruturaisdasrelaçõeseconômicasesociais,instituídaspelasformaspolíticasejurídicasdoEstado,quegarantemelegitimamumaordemsocialinjusta(SANTOS,2005,p.3).

Sobreoassunto,Passettiafirma:

Ao se entender as atitudes dos adolescentes como práticas políticas questionadoras da condição humana, incluindo sua própriabanalização, passa a assumir grande interesse a oferta de novas soluções que recusem o círculo vicioso delinquência –cárcere –reincidência-cárcere, semelhante àquele que atinge a supressãoda cidadania na vida adulta.Esta recusa, que inclui a superaçãodanoçãodedelinquência,determinaautilizaçãodeumsistemanãopenalista,emquepráticascompensatórias,terapêuticas,conciliadorase educativas substituam o papel punitivo do sistema penal, metaforizado sob a rubrica de infração e travestidos em medida sócioeducativa(Passetti,1995,p.91).

Cabe,então,aqui,negartaispráticas,insurgindo-secontraelas,poisasdesigualdadessãoincorrigíveis,emborasempreseapresentembravamenteideiasqueparecemresolverosproblemasrelacionadosataisdesigualdades. Em 1990, os 189 países dasNaçõesUnidas assumiram um compromisso de reduzir a“proporçãodapopulaçãoqueviveemextremapobreza”(sãoaspessoasquevivemcommenosdeumdólar/dia) emmetade até 2015. Esse compromisso foi consequência de várias conferências e cúpulasinternacionais iniciadasem1990,entreelas, aCúpulaMundialemfavorda Infância.Naverdade,éoreconhecimentodapobrezacomoumfenômenosocialeeconômicocomplexoqueprecisaseramenizado,poisnãosevislumbrasuasolução,essaconstataçãofazcomqueseconcordeque,emboraospraticantesde atos infracionais sejam jovens pertencentes às mais diversas classes sociais, são os pobres queacabamintegrandoosistemapunitivoestabelecidopeloECA.55

Essa ordem social injusta garantida pelo Estado ou pelo poder dominante sempre destinou adeterminadaspessoasseupoderecontrole,esempreofezemrelaçãoaogruporeduzidodepessoasqueselecionou,nãopoderiaserdiferentecomosjovensqueentraramnascategoriasvisadashistoricamente,osrelatossobreosjovensnãoeramcomuns,oquesóaconteceapartirdoséculoXIX.Masosinimigossempreexistiram,jovenspobresintegramhodiernamentetalcategoria.

Paratantonaatualidade:

Deformaexplícita,oprincipaletalvezoúnicopropósitodasprisõesnãoéserapenasumdepósitodelixoqualquer,masodepósitofinal,definitivo. Uma vez rejeitado, sempre rejeitado. Para um ex-presidiário sob condicional ou sursis, retornar à sociedade é quaseimpossível,maséquasecertoretornaraprisão.Emvezdeorientarefacilitarocaminhode“voltaàcomunidade”parapresidiáriosquecumpriramapena,a funçãodosagentesdacondicionalémanteracomunidadea salvodoperigoperpétuo temporariamenteà solta(Bauman,2005,p.107).

Nota-se que para aquele a quem se destina omáximo controle, o destino é a prisão, ou, no caso dosjovens em conflito com a Lei, a internação. Notícia veiculada em 12.06.2011mostra que, segundo aSubsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria de DireitosHumanos,existeumtotalde60miladolescentesquecumpremmedidassocioeducativas;desses,14milestão em regime fechado e cerca de 70% tornam-se reincidentes após saírem das unidades deinternação56.

Os selecionados, inimigos, foramosheregesoudissidentes, opositoresdosmonarcas; os indesejáveis

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quecriaramdificuldades,osmarginaisemfunçãodomomentohistórico,entreoutros(Zaffaroni,2007,p.36/37).

ParaZaffaroni(2007,p.46a51),opoderplanetáriotemsuaprimeiraetapanocolonialismoeaíéfácilidentificar “iguais ou estranhos”, “amigos ou inimigos”. Quando o mencionado autor fala do “poderpunitivo na periferia neocolonizada”57, identifica-se que sempre o controle social escolheu gruposespecíficos para impor a repressão, então se identificam: campos de concentração para nativos,apartheidparamestiçagem(mestiçoserammenosdomesticáveis),eramconsideradosdesequilibradosoudegenerados morais, os mais rebeldes eram denominados selvagens, inimigos da civilização e doprogresso.Comoadventodasditadurasmilitares,osdissidentesforamsubmetidosaumsistemapenalparalelo,oqualsimplesmenteoseliminavaeumsistemapenalsubterrâneo,cruel,planejadoeexecutadoe,aindasegundooautor,aanalogiacoma“soluçãofinal”éinegável.

Narealidade,houvesempreuminimigoquecontinuamentesereproduz,poiséaformadesemanteremimutáveisàspossibilidadesdeseletividadeemrelaçãoaumgrupoquesempreserepete,oupobresoucontestadores.Hoje, por absoluta falta de resistência, vê-se um direcionamento crescente relacionadocomospobres.

Passetti(1982,p.60),aorefletirsobreopensamentoquenorteouaPolíticaNacionaldoBemEstardoMenor emplenaDitaduranoBrasil, aponta anecessidadedemodernizaçãoqueoGal.MeiraMattos,citado pelo autor, entendia que ocorreria não “apenas como liberdade política, mas liberdade edesenvolvimento,cujasínteseéobemcomumouobemestarcomum”.58

Para Passetti, “a estratégia de modernização pelo chamado autoritarismo exige de imediato aidentificação do inimigo (desta feita interno) visível como forma possível de realizar a expansão docapitaleconteroconjuntodereivindicações.”(idem,p.60)

ÉaindaPassettiqueidentificaoinimigo:

O inimigo é a guerrilha (urbana e rural), corporificação do inimigo externo internamente, apresentada como perversão aos direitosdemocráticoscuja identificaçãoconsisteempôrsobsuspeitaaclasseoperáriacomoumtodo.Namedidaemqueaguerrilhaéumaestruturaçãoradicalizantedasreivindicaçõesbloqueadasquedeságuamnapropostaderupturaestrutural,aformadecombatê-laéadeassociar lideranças operárias e “simpatizantes” em geral, como veiculadores de uma ideologia espúria... (idem, p. 60-61)- grifos doautor.

Pensa-se que o inimigomudou, pois aquele que a pouco se referia, já foi calado,mas o combate é omesmo (não é um bom combate), vivemos substancialmente diante de padrões autoritários, que seexpressamnascasaslegislativas,queimpõemverticalmenteopensamentodoexecutivoe,comexceçãoaos períodos eleitorais, votam e aprovam aquilo que o governo determina, em geral de interesse dedeterminado grupo. A autoridade imposta se espraia em toda a nossa sociedade, portanto, mesmonaquelasInstituiçõesqueseposicionamemescalahierárquica,semgrandesignificação,aautoridadeéexercidadeformacontundente,eelas,lamentavelmente,continuamaexistirporelasmesmas.

A criança e o adolescente, sujeitos aos mecanismos inerentes a nossa autoritária sociedade, sofremabusosde todasasmaneiraspossíveis,exploraçãono trabalho,sexual,econômica,negligênciaemaustratos.Masosinadmissíveissãoospiores,aquelesocorridosnoambienteinstitucional,queconstituemtortura.

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Em30.03.2010,oJornalATardedoRiodeJaneironoticiouqueoMinistérioPúblicodoRiodeJaneirodenunciou 44 servidores do Departamento Geral de Ações Educativas (DEGASE): “pelo crime detorturacontra21adolescentesinternadosnoEducandárioSantoExpedito,localizadoemBangunazonaoeste da cidade”.A Promotora responsável pela denúncia afirmou que osmenores foram espancadosapóstentativadefugaemnovembrode2008.“Umadasvítimas,umadolescentede17anos,chegouaserinternadoapósaspancadaseacaboumorrendotrêsdiasdepois,segundoaPromotora”.

Entre os casos acompanhados pela Comissão de Direitos Humanos em 2000, informa que PEDROALVESFRANÇA, “no dia 09 de junho de 1996, foi detido por policiais estaduais emManaus sob asuspeitadeenvolvimentoemcrimedelatrocínio”.Foramidentificadosquatropoliciaiscivis.“Olaudodo IML comprovou que a vítima foi torturada.Os policiais colocaram um saco de lixo na cabeça natentativadeasfixiá-loenquantodesferiamsocosepontapés.

Emnotapública, oCEDECA (CentrodeDefesadaCriança edoAdolescente) tratoudamortedeumadolescenteemcumprimentodemedidadeinternação,ocorridaem15.08.2009,quedemonstraafalênciadosistemasocioeducativodoDistritoFederal.ÉinformadonanotaqueoCAJE(CentrodeAtendimentoJuvenilEspecializado),localondeocorreuoóbito,comporta160internosenaocasiãoestavacom300internos.59

Sabe-se que tais casos são inúmeros, e dificilmente informa-se o resultado de investigações paraesclarecersituaçõescomoessas.

Ocontrolesocial,então,mantém-seinalterado,usadesuasagênciasformaisparaalcançarseusobjetivosque,semdúvida,nãoémudaracondiçãodeninguémpelaressocializaçãooueducação,ousubstituiçãopeloEstado de outras agências (informais), apenas incluir, em alguns casos, excluir, afastar, esconderaquiloquepensapodercontrolar.O lamentáveléque,comoseobserva,osadolescentessãoalvosdamesmapolítica,oqueatornaaindamaisnociva.

OFimdaFEBEMeasnovaspropostasdoGovernoemrelaçãoaosJovensemConflitocomaLei

Em 11.10.2007, o Governo Federal lançou o Programa Social de Enfrentamento da Violência contraCriançaseAdolescentes,denominado“PACdaCriança”.Oprograma,deimediato,contoucomrecursosna ordemdeR$ 2,9 bilhões para compor oOrçamento daUnião até 2010, com a participação de 12Ministérios.ComoPrograma,pretendeu-semudarapolíticadeinternaçãodejovensemconflitocomaleiquecontrariamoECA,queprevêqueamesmasóocorraemcasosexcepcionais.OPACdaCriançasedesenvolveemtrêseixos:

[a)]2. ProjetoBem-me-quer

Para atendimento a crianças vítimas de violência em 11 regiões metropolitanas de maiorvulnerabilidade60,quecorrespondemàáreadoPRONASCI–ProgramaNacionaldeSegurançaPúblicacom Cidadania. Pretendeu-se fortalecer as redes de proteção à infância por meio da equipagem dosConselhos Tutelares. Preocupou-se também em ampliar o Programa de Proteção de Crianças e

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AdolescentesAmeaçadosdeMorte(PPCAAM)presentesatéentãoemseisestados.

As ações abrangem também crianças em situação de negligência, trabalho infantil, abandono escolar,entreoutros.

[b)]2. ProjetoCaminhoparaCasa

Asaçõestêmcomoobjetivocriançaseadolescentesemabrigoemfunçãodapobreza,comaaplicaçãodeR$133,7milhões, no período de 2008 e 2010.As ações visam ao retorno dos abrigados aos seuslares, entre elas, o apoio financeiro aos pais. Também se incluiu o apoio àqueles que completam amaioridade dentro dos abrigos, o projeto abrangeu ainda a participação de casais que acolhem ascriançasenquantosuasfamíliassereestruturam.

[c)]2. Projetona“MedidaCerta”

EsteProjetoconsistiuna“apostadoGoverno”paraacabarcomo“sistemaFebem”.Oprincipalobjetivoeraaimplementaçãodoatendimentodosadolescentesemconflitocomaleiemmedidassocioeducativasemmeioaberto.AprevisãofoideaplicaçãodeR$534milhõesparainvestimentonaproposta.

Estipulou-seestimularaliberdadeassistidaeaPrestaçãodosServiçosàComunidadecomoobjetivodoSistemaNacionaldeAtendimentoSocioeducativo(SINASE).

A Secretaria Especial de Direitos Humanos e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e doAdolescentee,mais14representantesdoGovernoforamresponsáveisporelaboraroSINASE–SistemaNacionaldeAtendimentoSócioEducativoeestáemvigordesde2006,cabeaoSistemapormeiodeseusprincípios estabelecer os requisitos necessários para o atendimento e construção das garantias deDireitosnecessáriasascriançaseadolescentes.61

A fim de comemorar os 16 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Secretaria Especial deDireitosHumanos da Presidência daRepública e oConselhoNacional dosDireitos daCriança e doAdolescenteapresentaramoSistemaNacionaldeAtendimentoSocioeducativo–SINASE.62

OSINASE reafirmou “a diretriz do estatuto sobre a natureza pedagógica damedida socioeducativa”,priorizaramasmedidasemmeioaberto(prestaçãodeserviçosàcomunidadeeliberdadeassistida)emvezdaquelasquerestringemaliberdade(semiliberdadeeinternação).Narealidade,buscou-seamenizara tendência à internaçãode jovens emconflito coma lei.Constituiu-se emum sistemadegarantia dedireitos.

Em sua composição, o SINASE se estrutura em Órgãos de deliberação, de gestão da execução dapolítica, entidades de atendimento, financiamento, entidades de atendimento (Estados, Municípios eONG’s)eÓrgãosdecontrole.

AsrelaçõesmantidasnosistemanacionalabrangemoSistemaEducacional,SistemaÚnicodeSaúde,oSistemaÚnicodeAssistênciaSocialeoSistemadeJustiçaeSegurançaPública.

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Para que sejamcumpridas as determinações doSINASE,União,Estados eMunicípio se articulamnasatribuiçõesecompetênciasqueestabelecem.

InovaçãodoSINASEéaobrigatoriedadedeelaboraçãodeumPlano IndividualdeAtendimentoparacumprimento pelo jovem em conflito com a lei, denominado PIA, por tal instrumento, o jovem vaiestabelecerumprojetodevidaquevailheservirdentroeforadaInstituição:

OquemaisimpressionanoSinaseéamudançanoparadigmacorrecional.Atecnologiadecorreçãoaplicadaaosadolescentesnascidanoséculo18eaindaemvogaemcasosdeinternaçãoeinternaçãoprovisória,éfundamentalmentedistinta.Autopiacorrecional‘pré-sinase’ funciona acoplada ao regulamento da instituição, suas rotinas, suas práticas diárias: tal hora levantar, tal hora rezar, tal horatrabalhar,talhoraestudar.OnovoparadigmapossibilitaqueoEstadoexecuteumaintervençãosobrearotina–administraçãodotempo–comapromessadetransformaratravésdohábitoadolescenteindisciplinadoemumcorpodocilegal:socialmenteútil–corpodócil–e,ao mesmo tempo socialmente legalizado. Não basta obviamente trabalhar, já que muitos desses adolescentes cumprem medidasocioeducativa, justamente em virtude de suas rotinas de ocupação: tráfico, roubo, contrabando. Ou dizendo de uma forma maispoliticamente correta, o jovem deverá ter acesso a políticas públicas que lhes permitam inclusão social.A crença depositada nessamáquina correcional é de que seria possível utilizar algumas engrenagens da escola, da religião, do esporte, das artes para que oadolescenteinfratorsejareprogramadoemsuastendênciasindisciplinadaseilegais.Nesseparadigma,essareprogramaçãoéfacilitadaquandooadolescentecumpreoprograma-rotinadaInstituição(MaraschineRaniere,2011,p.100).

Para os autores, omodelo não considera comoo jovem tornou-se infrator, quer tenha sido pormaus-tratos sociais, negligências, violências; quer não. O que é relevante é que se ele “nasceu com umaessênciamá”poderáserreprogramado(idem,p.100).

Estatecnologiadisciplinardopoderestánocentrodasdiscussõesde“vigiarepunir”(Foucault,2009),quando o tema é a sociedade disciplinar.Na análise de como o sistema penal sai de uma prática desuplícios, de execuções em praça pública para um sistema em que a punição não atinge o corpo doindivíduo,masasualiberdade.Sai-sedosuplícioechega-seàsgaiolashumanas.

Foucault(2009)desvelacomoasociedadedisciplinarbuscoucriaradocilizaçãodecorposmedianteapráticasinstitucionaisdestinadasatornarohomemútil.Aprópriaprisão,segundooautor,cumpresuasfunções,apesardoqueinicialmentesepodeacreditarejustamenteporisto,porexplorarasinformaçõesúteis da criminalidade, além de engessar uma massa humana de pessoas em prisões, que hoje seassemelhamemmuito,nocasodoBrasil,àsmasmorras.

Adisciplinafabricaassimcorposquevãooperarnãocomosequer,massegundooquesequer:corposdóceis,aumentam-seasforçasdocorpo,emtermoseconômicosdeutilidade,ediminuem-seessasforças,em termos políticos de obediência. O autor exemplifica que tais mecanismos disciplinares do poderpodemservistosem“colégios,muitocedo;mais tardenasescolasprimárias; investiram lentamenteoespaçohospitalar[...]”.Assim,dizoautor,adisciplinaéaanatomiapolíticadodetalhe.(Foucault,2009,p.134).

Emoutubrode2010,oConselhoNacionaldosDireitosdaCriançaedoAdolescente(CONANDA)lançao Plano decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes – 2011-2020. Do documento,destacam-se os eixos da Política Nacional dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes,estruturada em cinco eixos orientadores voltados para efetivação de ações fim e ações meio, todosnecessários para que se alcance o funcionamento do Sistema de Garantia e Direitos: Promoção dosDireitos;ProteçãoeDefesadosDireitos;ParticipaçãodeCriançaseAdolescentes;ControleSocialdaEfetivaçãodosDireitos;eGestãodaPolítica.

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Odesenvolvimentodecadaumdoseixosatendeobjetivosespecíficosnabuscadapromoção,proteçãoedefesadosdireitos,portanto,articulam-separaalcançarosfinspretendidos.

Estrutura de Atendimento aos Jovens em Conflito com a Lei emManaus

NaSecretaria deAssistênciaSocial doEstadodoAmazonas integra-se oDepartamentodeAtenção aCriança e ao Adolescente, sendo o órgão atuante no que se refere aos jovens em conflito com a leiatendendoasdisposiçõesdoEstatutodaCriançaedoAdolescentetraçaseusobjetivosemetasemeixosrelacionadoscomaaçãopedagógicae“buscando,sobretudoarticulação institucionalpara inclusãodeseupúblicoalvo”.

Emrelaçãoàsunidadesdeatendimentocontacom:

[1.]2. CentroIntegradodeAtendimento

OndeestãoconcentradasasatividadesdoJuizadodaInfânciaedaJuventude/varacriminal,MinistérioPúblico (Promotoria da Infância e da Juventude), Defensoria Pública, Delegacia Especializada deAssistênciaeProteçãoàCriança/DEAPCA.

No local, executam-se as medidas socioeducativas de Liberdade Assistida, Prestação de Serviços àComunidade (Polo Central), Semiliberdade e Internação Provisória, atendendo em torno de 650adolescentes.

AEscola Josephina deMelo, daSecretaria deEstadodeEducação eCultura, atende aos jovens compassagempelosistemaderesponsabilizaçãopenal.

Encontra-se ai, ainda, o ProjetoRenascer, que disponibiliza, em parceria com instituições públicas eprivadas, programas de profissionalização e qualificação profissional nas áreas de Marcenaria,Informática, Panificação,Mecânica (Automotiva eMotos), Eletricidade, Pedreiro e Embelezamento eEstética.

[2.]2. CentrosSocioeducativos63

InternaçãoProvisória–acolheadolescentesde12a18anosincompletosdeambosossexos,emcasodeencaminhamentopeloJuizdaInfânciaeAdolescênciapeloprazomáximode45dias.

Internação Masculina – executada nos Centros Socioeducativos Senador Raimundo Parente (CidadeNova) internaçãode jovensemconflito coma leina faixaetáriade12a16anoseAssistenteSocialDagmarFeitoza(Alvorada)ondesãointernadosnafaixaetáriade16a18anoseexcepcionalmenteaté21anos.AlémdosCentrosmencionadas,aindafuncionamaDEAPCAeacasadoMigranteJacamim–Capacidadedeatendimento90adolescentes.

[3.]

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2. InternaçãoFeminina

Centro Sócio-Educativo Maryse Mendes com capacidade para 20 adolescentes. No centro, aindafuncionam, oCentro deRegimedeSemiliberdade, comasmesmas atividades onde se destinamcincovagas.

[4.]2. SemiliberdadeRegimedeAtendimentoemedidasocioeducativacomfuncionamentodeumaunidade

adaptada. Os jovens participam de atividades de suporte social, Projeto Renascer e ProgramaAgenteJovem.

[5.]2. Liberdade de Assistência à Criança e Adolescentes/IACAS; Centro de Defesa da Criança e

Adolescente‘PénaTaba’CEDECA;Projeto“Tocandoemfrente”/Corado,e5nosMunicípiosdePresidenteFigueiredo,Parintins,Itacoatiara,MauéseManacapuru.

Oatendimentoatualéde600adolescentesemManausede150nosMunicípiosdoInteriordoEstado.

Em visita do Programa Medida Justa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)64, cujo relatório foiencaminhadoem03.11.2011aoPresidentedoConselhoNacionaldeJustiça,aavaliaçãoqueconsideraarealidadelocalapresentoumaispontosnegativosdoquepositivos,taiscomo:

A - Não há problemas de superlotação, mas existe “desarranjo na estruturação e distribuição dasunidadesdestinadasaocumprimentodamedidasocioeducativaedistribuiçãodeunidadesdestinadasaocumprimentodemedidasocioeducativacomprivaçãode liberdadeque tornadeficienteosistemaparaexecuçãodeinternação”(2011,p.3);

B-FaltamunidadesparaoatendimentonoInteriordoEstado,oquegeraodeslocamentodejovensemconflito comaLeiparaManaus eque impossibilita avisitade seusparentes, peladistância, alémdeocasionar a presença dos mesmos emDelegacias (constatou-se que um adolescente noMunicípio deBorbapermaneceuporcincomesesnaDelegacia);

C–EmboraexistaumaGerênciadeMedidasSocioeducativasfuncionandonaSecretariadeEstadodeAssistênciaSocialeCidadania,nãoháumprogramaestadualdeatendimento.OexemploqueédadoénaUnidadeMariseMendes,ondenãoháelaboraçãodeplanodeatendimentoindividualdosadolescentes,os técnicos (assistente social e psicóloga só atendem uma vez por semana) apenas uma professoratrabalhanolocaleasadolescentesalicolocadasdeformaprovisórianãorealizamnenhumaatividade(p.4);

D–Nãohá separaçãodos adolescentespor idade, compleição física etc., há adolescentes cumprindointernaçãoprovisórianoCentroIntegradodeAtendimentoInicial,oriundosdedistritospoliciais,ondepermaneceramnacelaporcincodias.Celassujas,combanheirosinterditados;

E–Reclamaçõesdeagressõesfísicasporpartedosinstrutoresealimentaçãoinadequada;

F - Na Unidade Dagmar Feitosa foi detectada a morte de um adolescente, por outros, numa práticadenominada“batismo”65, que, apesar de estar sendo gravada pelo sistema, não gerou nenhuma atitude

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parasalvá-lo.

G–Servidoresnecessitandodecapacitaçãoe,emrelaçãoàJustiça,maldistribuídos,gerandodemoranosprocessos;

H–SomenteaunidadeSenadorRaimundoParentefoiconsideradacomoexemplar.

AssimficaclarocomoemManaustaisconfinamentosnãoconseguemnemmanterumacoerênciacomosfinsquedeclaramsedestinar, trazendoaconstataçãoqueoverdadeiroviésdessesmecanismoséodetirarojovememconflitocomaleidecirculação

OECAeoSistemaPunitivodosJovens

Por sistema penal, entende-se “o controle social punitivo institucionalizado”, por institucionalizado,entende-se “o conjunto das agências que operam a criminalização (primária e secundária) ou queconvergemnasuaprodução”(ZaffaronieBatista,2006,p.60).“Noconceitodeve-seconsideraraindaasilegalidadesquesãopraticadasdeformamaisoumenosconhecidasoutoleradas”(Batista,1996,p.25).

OEstatutodaCriançaedoAdolescenteestabelecequeascondutasdosmenoresquepossamsertípicasem face da Lei de Contravenções Penais e Código Penal aplicáveis aos adultos denominam-se atosinfracionais,mesmoquesedigatratar-sedeoutramodalidadequenãodosistemapunitivodosadultos.Oquemuda,defato,éapenasadenominação.

Estabelece-se que a apuraçãodas ocorrências visa à reeducação e reintegração à sociedade e não aocastigo;entretanto,oCódigoPenal,partegeral,éutilizadocomosubsidiário,assimcomooCódigodeProcessoPenal.No artigo 103, estabelece-se que ato infracional é a conduta descrita como crime oucontravençãopenal.

AlémdetrazerparaoECAtodososcrimes,oartigo103aindaenglobaavetustaLeidasContravençõesPenais, cuja existência já deveria ter sido alvo de descriminalização66. Ao considerar como atoinfracionalacondutadescritacomocrimeoucontravenção,equipara-secontravençãopenalcomcrime,pois os transforma para os fins do sistema, que pune o jovem ao denominar sua conduta de atoinfracional.

Submetem-seàsmedidasdoECAosmaioresde12anosemenoresde18anos,devendoserconsideradaa data da prática do ato infracional. Para as crianças menores de 12 anos aplicam-se as medidasprevistasnoartigo101domencionadoEstatuto.67

Dessaforma,ascriançasmenoresde12anosficamexcluídasdapossibilidadedaaplicaçãodemedidasocioeducativa,reservadaentãoaospraticantesdeatoinfracionalexvidoartigo103doECA,trazendoaconstataçãodequeseexisteumindividuorealmente inimputáveléacriançamenorde12anos, jáquemedidadeproteçãopossuiemsuaessênciacomojávisto,verdadeirapunição.

As medidas socioeducativas são: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços àcomunidade; liberdadeassistida; inserçãoem regimede semiliberdade; internaçãoemestabelecimentoeducacional,qualquerumadasmedidasprevistasnoartigo101,IaVI.Oquesedepreendeéque:

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1 – As medidas não privativas de liberdade são a reparação do dano, a advertência, prestação deserviçosàcomunidadeealiberdadeassistida;

2-Asmedidasprivativasdeliberdadequesãoasemiliberdadeeainternação,quepodemsercumpridasemmeiofechadoousemiaberto.

Cumpreenfatizarqueemrelaçãoàreparaçãododano(artigo116),quandoestenãoforpossível,poderáser aplicada outramedida em substituição, significando que para o pobre a substituição será sempreefetivada, ou seja, esta não émedida a ser aplicada a jovens pobres (cujamaioria constitui alvo doEstatuto).

Igualmente,enfatiza-seasemelhançadasmedidasdestinadasaosadolescentescomaquelasdosadultos,porexemplo,aprestaçãodeserviçosàcomunidade,inserçãoemregimedesemiliberdade,ainternação(queéareclusão),alémdoqueoparágrafoprimeirodoartigo112,aoestabelecerque:“parágrafo1º.Amedidaaplicadaaoadolescente levaráemconta a suacapacidadedecumpri-la, as circunstâncias e agravidadedainfração”geraodebatesobreaplicaçãodoprincípiodaproporcionalidadedapena68.

Entende-sequenãohácomotrabalharcomumconceitodeinfraçãobaseadoemcrimesecontravençõese,aomesmotempo,seestabelecermedidasquevãodaadvertênciaà internação,adefiniçãodepenasdesconsiderando a gravidade dos atos praticados. Portanto, para manter a racionalidade jurídicadeclarada pelo próprio sistema, há necessariamente de ocorrer a a aplicação do princípio daproporcionalidade da pena, por mais plausíveis que sejam as justificativas em sentido contrário.Defender a inexistência do princípio é considerar que independentemente do ato praticado, qualquermedidapoderiaseraplicada,umavezqueovetoremcomentoestabelecequeapenadevaseraplicadadeacordocomaculpabilidadedoautordodelito,a ideiadequeasmedidassocioeducativasnãosãopenasentãoautorizariamaaplicaçãodemedidasdesproporcionaisjáqueditascomoprotetivasparaoadolescente.Defender anão aplicaçãodoprincipiodaproporcionalidade é estabelecer inclusiveumaanulaçãoda“anterioridade”.

Entenderqueasmedidasaplicáveisnãopunem,masprotegem,érefletiroassuntosobopontodevistadiscriminatório, ora desde quando internar é proteger, principalmente na forma como se temconhecimentopeloamplonoticiáriosobreoassunto?Impormedidasépunir;nãodesenvolver.

NoECA,encontra-setodooprocedimentoqueconstituio“processopenaljuvenil”doBrasilemqueseestabelecem os procedimentos para aplicação da punição aos adolescentes, quando há prática de atoinfracional.

MedidasSocioeducativas

As medidas socioeducativas são sanções e não há como negar tal natureza, constituem umaresponsabilizaçãodojovememconflitocomaleipeloatodelituoso,éimpositivaevisaàretribuição,éaplicadapormeiodemedidaspedagógicasevisamàressocializaçãodojovem.

Sobreafunçãodasmedidassocioeducativas:

[...]parecehaverumconsensoentreosentrevistados:elaobjetivareeducareressocializaraquelesqueinfringiramalei.Entretanto,asconcepçõesdereeducaçãoeressocializaçãoqueserevelamnosargumentosapresentammúltiplossentidosqueparecemdecorrerdas

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visões demundo já enunciadas: uma que privilegia a retribuição aos atos infracionais e a outra que privilegia a produção social dainfração(Pietrocolla,Sinhoretto,Castro,2000,p.35).

Paraasautoras, aquelesque são favoráveisà reeducaçãoe ressocialização,entendemqueasmedidasdevemfazercomqueosjovenstornem-seúteisàsociedadepelaaquisiçãodevaloresmoraiseéticos,masháoutrosquenãoacreditamporacharqueosjovensemconflitocomaleisãoirrecuperáveis,dessemodo,deveriamapenasser“segregados”(Idem,p.35).

IndependentedaposiçãoadotadaporaquelesqueatuamedebatemoECA,asmedidasseinseremnumsistemaverdadeiramentepunitivoparaosjovensemconflitocomaLei.

MedidasSocioeducativas

Advertência

O artigo 115 estabelece a medida socioeducativa que feita pelo Promotor ou Juiz consiste em“admoestaçãoverbal”.Censura-seoadolescenteapenasdeformaverbal,oquedeveocorrernapresençadeseuspais,ouresponsáveis.Destina-seaatosdepoucagravidade.

É a mais branda das medidas e consiste numa admoestação verbal, é uma censura realizada aoadolescentenapresençadeseuspais.Osbeneficiáriosdamedidanãopodemregistrarantecedentes,nemreiteraçãodepráticasinfracionais,destinando-seaatosdepoucagravidade.

ObrigaçãodeRepararoDano

Consoanteartigo116,areparaçãopodeocorrernasseguintesformas:devoluçãodacoisa,ressarcimentodoprejuízoeacompensaçãodoprejuízoporqualquermeio.Opedidodereparaçãodeveserfeitopelavítima.É formade reconhecimentoda ilicitudedoatopeloadolescente.Amedidadeve serdedifícilaplicação aos adolescentes pobres, cuja família para assumir tal compromisso o fará certamente comprejuízo da sobrevivência. No entanto, para aqueles, minoria alcançada pela lei com condiçõeseconômicasmaisadequadas,éumaformadenãoseremresponsabilizadosdeformamaiscontundente.

PrestaçãodeServiçosàComunidade

O artigo 117 estabelece a medida que consiste em realizar tarefas gratuitas de interesse geral “porperíodo não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e programascomunitáriosegovernamentais”.TalmedidanãoeracontempladanoCódigodeMenores,atualmenteéaplicadadeacordocomagravidadedoatopraticadopeloadolescente,sendomedidaemmeioabertooseucumprimentonãoéremunerado.

AprestaçãodeserviçosàcomunidadeénosistemadepenasdoCódigoPenal,umamedidarestritivadedireitos.Asatividadesaseremdesenvolvidasnãodeverãogerarprejuízoaohoráriodeescolaevisaadesenvolverumsentimentodesolidariedadepelapráticadetarefasdeinteressecoletivo.

LiberdadeAssistida

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Essaespéciedemedidadenotabemocaráterdisciplinardecorreçãodo jovemligandoasaberesquebuscamreintegrá-loàsociedade.

Previstano artigo118 e119, visa acompanhar eorientar o adolescente, busca a integração familiar ecomunitária,quandooapoiosedápormeiodetécnicosespecializados.Emconsonânciacomoparágrafo2º.doartigo118,aduraçãodamedidaédeseismeses,podendoserprorrogadaousubstituídaporoutramedida. A liberdade assistida está relacionada com a prática de atos de maior gravidade, mas nãosuficientes para imposição da medida de internação. A medida pode ser prorrogada, revogada ousubstituída. A liberdade assistida permite a manutenção dos laços familiares, frequência à escola eprofissionalização.

A liberdadeassistidaéaplicadaquandohácometimentodeatos infracionaisdemaiorgravidade,masquenãocomportamaprivaçãodeliberdade.

Semiliberdade

Amedidaprevistanoartigo120afastaparcialmenteoadolescentedoconvíviofamiliarecomunitário,maspermitequeelefrequenteaescolaoutrabalhe,desdequesejarecolhidoaumaentidadeànoite.

O regime de semiliberdade não estabelece prazo determinado, aplicando-se então as disposiçõesrelacionadascomainternação(artigo120,parágrafo2º.).

Podeserdeterminadaabinitioouaplicadacomobenefíciodemudançaderegime,nocasodainternaçãoparaasemiliberdade.Oadolescentedeverásercolocadoemestabelecimentoprópriopodendoexerceras atividades externas, uma vez que é obrigatória a frequência a estabelecimento escolar e suaprofissionalização.

Internação

Estáprevistanoartigo121econsistenaprivaçãodeliberdade,quepodeserdenomínimoseismesesenãoexcederaoprazomáximodetrêsanos,masaliberaçãoaos18anoséobrigatória.ApropostacabeaoÓrgãodoMinistérioPúblicoeaaplicaçãopeloJuiz.

Ainternaçãotambémnãocomportaprazodeterminado,devendoserreavaliada,nomáximoacadaseismeses(artigo121,parágrafo2º.).

Éamedidaaplicadanoscasosdeatoinfracionalpraticadoscomgraveameaçaeviolênciaàpessoa,pelareiteração do cometimento, pelo não cumprimento contumaz e injustificado da medida anteriormenteimposta. Em caso de internação aplicada pelo descumprimento “reiterado e injustificável da medidaanteriormenteimposta”,estanãopoderásersuperioratrêsmeses(artigo122,parágrafo1º.).

Oartigo121,parágrafo5º,foirevogadopeloCódigoCivilde2002,queestabeleceuamaioridadeaos18anos,portanto,nãopodendoainternaçãoprolongar-sepormaistempoqueaidademencionada.

O artigo 114 estabelece que para impor-se asmedidas previstas nos incisos II a VI do artigo 112 énecessária a existência de provas suficientes de autoria e materialidade da infração, ressalvada a

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hipótesederemissão,nostermosdoartigo127”.Noartigo124,encontram-seosdireitosdoadolescenteemcasodeprivaçãodeliberdade69.

Remissão

A remissão aparece comoumaprerrogativa doMinistérioPúblico que ao concedê-la não dependedahomologação judicial, por isso, suanaturezapara judicialdiferede institutos existentesnaLegislaçãoPenal, como o perdão judicial, por exemplo. No caso, o Ministério Público não apresenta aRepresentação.

Aremissãoprevistanoparágrafoúnicodoartigo126consisteemdiscricionariedadedoJuize,nocaso,importa em suspensãoou extinçãodoprocesso, essa remissãonão se confunde comaquela concedidapeloMinistérioPúblico.

A concessão da remissão para judicial impede a aplicação de outramedida socioeducativa, pois estaexclui o processo ex vi do artigo 126. Aquela judicial não impede que seja aplicada medidasocioeducativa,desdequenãoprivativadeliberdadeoudesemiliberdade,comoindicadonoartigo127,sendoesta,portanto,relativaàremissãojudicialenãoàoutra70.

Procedimentosparaaplicaçãodasmedidassocioeducativas

Aapuraçãodoato infracional temseusdispositivos reguladosnosartigos171a196doECA.Quesedesenvolvecomoaseguir:

Emcasodeapreensãoporordemjudicial,oadolescentedevedeimediatoserlevadoàpresençadojuiz;

Apreendido em flagrante, o adolescente deve ser encaminhado à autoridade policial, em DelegaciaEspecializada, caso exista, e se a prática do delito tiver sido levado a efeito junto commaior, esteinicialmenteseráparaláconduzido;

Em caso de crime praticado em flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou graveameaça àpessoa, devemser adotadas asprovidênciaspara apreensãodosprodutos e instrumentosdainfração, bem como serem requisitados exames e perícias e ainda lavratura de auto ou boletimcircunstanciado;

Emcasodeinocorrênciadeviolênciaougraveameaçaàpessoa,emcasodeflagrantealavraturadoautopoderásersubstituídapeloboletimdeocorrência;

Ocomparecimentodospais permite a liberaçãodo adolescente, desdeque assinado compromisso emqueseresponsabilizempelaapresentaçãodeleaoMinistérioPúblico.Entretanto,emcasodegravidadedo ato infracional praticado, poderá ser o adolescente mantido sob internação (para garantir suasegurançapessoaloumanutençãodaordempública).

Oadolescentedeveráser,desdelogo,emcasodenãoliberação,encaminhadoaoMinistérioPúblico;emcasodeimpossibilidade,aliberaçãodeverásedarnoprazode24horas,oadolescentejamaisdeveráficaremlocaisjuntocomadultos;

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Oadolescentenãopoderáserconduzidoemcompartimentofechadodeveículopolicial,emcondiçõesatentatóriasàsuaintegridadefísicaoumental;

SeoMinistérioPúbliconãopromoveroarquivamentoouprocederàremissão,ofereceráarepresentaçãoà autoridade judiciária, para que se instaure procedimento com o fim de aplicação de medidasocioeducativa;

Em caso de discordância de pedido de arquivamento por parte doMinistério Público, nos termos doartigo 181, parágrafo 1º., a autoridade judiciária fará remessa ao Procurador Geral de Justiça, oprocedimentoentãoésimilaraodoartigo28doCódigodeProcessoPenal,quandoseconcordarcomoPromotorratificaráouoarquivamentoouaremissãoe,emcasocontrário,designar-se-áoutroPromotorparaapresentararepresentação.

Oprocedimentoemcasodeadolescenteinternadodeveráserconcluídonoprazomáximode45dias;

Noartigo184ao190doECA,estabelece-seoprocedimentonasaudiências,naformadeaplicaçãodasmedidas,naparticipaçãodospaisouresponsáveiseintimaçãodadecisãofinaldoprocedimento.

Importa fazer algumasconsiderações sobreoelencodemedidas socioeducativaseoprocedimento.Oprocedimento mostra que para a aplicação da medida se criou um sistema processual penal, que foibaseado evidentemente no do adulto e previsto no Código de Processo Penal, que, aliás, aplica-sesubsidiariamenteaoEstatutodaCriançaedoAdolescente,restasaberseasgarantiassãoatendidas.

No que se relaciona às medidas socioeducativas, cumpre enfatizar a visão que se tem da liberdadeassistida e da internação. Em relação à primeira, Santos (2006, p. 120) observa que “houve umredimensionamento das formas punitivas doEstado, em que a internação não desapareceu.Apenas asmedidas em meio aberto ganharam mais força política e cultural”, para o autor, na atualidade, taismedidaspunitivassetornamumapráticarecorrenteeaindaummeiodepuniçãogeneralizada.71Santos(2006,p.123)observaqueaLiberdadeAssistidaacopla-seaoProgramaTolerânciaZero,querefleteaintolerânciadoEstado.Narealidade,comaspessoasmaispobres,deixa-seaprevençãoeopta-sepelarepressão,odireitopenaléexercidodeformamáximavivendo-sedentrododitoEstadodemocráticodedireitoumestadodepolícia.72

A possibilidade de internação verificada no caso do artigo 122, II e III, do ECA, que permiteinterpretações que dão ao julgador o poder de: pelo (I) reiteramento de outras infrações graves (nãoespecificadas) e (II) pelo descumprimento reiterado e injustificável demedida anteriormente impostapossamdeterminarainternação(nessecasoaspenassãocumuladas–aregradoconcursomaterial,puraesimples).

Osistemapunitivoassimdelineadoespecificasempreanecessidadedocontraditórioedaampladefesa.“Contraditório”e“ampladefesa”sãoprincípiosdeorigemconstitucional,oquesignificaqueemnossosistemaprocessualpenalninguémserácondenado semque sejadefendidodasacusaçõesque lhes sãoimputadas,taisprincípiostraduzemodueprocessoflaw.

Idealmente, teríamos jovensemconflitocoma leidefendidosporadvogadoscontratadospara tal fim,entretanto,sendoamaioriapobre,taldefesaficaacargodoEstado,pormeiodasDefensoriasPúblicas.

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Então, essa participação pode ser efetiva, mas pode, em alguns casos, significar apenas umaconcordânciacomopensamentodoMinistérioPúblicoeMagistratura.

Parafinsdeexemplificaraopiniãoacimacitamosumjulgamentoquebemdemonstraoassunto:

CompulsandooREn. 285.571-5 - doRel.:Min.SepúlvedaPertence, verifica-se tratar-se de decisãorelacionada com Recurso Especial (RE) do Ministério Público do Estado do Paraná (MPE) que seinsurgiucontraofatodeodefensordativodojovememconflitocomaleiconcordarcomaplicaçãodemedidasocioeducativamaisgravosa.OConselhodaMagistraturadoTribunaldeJustiçadaqueleEstadonegouprovimentoàApelaçãodoMPE,considerandonãohavernulidadenadefesa,queconcordoucomaaplicaçãodemedidadeinternação.

Norelatório,oMinistrocita,considerando“extraordinário”oindeferimentodaApelação,peloTribunalde Justiça, com base em que: “a defesa foi exercida, visando à ampla proteção na reeducação eressocializaçãodosmesmos,hajavistaqueamedidasocioeducativanãopodeserconsideradapuniçãonosmoldesdoprocessocriminal”(f.214/215).

Osargumentosdadefesaparaconcordarcomamedidade internaçãoédequeestas“nãosãopenas”;“sãoformaderessocializaroadolescenteinfrator”.ParaodefensordativoaInternaçãodeserrecebida“não como um castigo ou pena a ser cumprida, mas como uma ajuda para que possam, em pequenoespaçodetempo,ressocializar-separaviveremharmoniafamiliaresocial”.

Aoanalisarosargumentosdodefensor,entendeoMinistroquehouveausênciadedefesa.

AlgumaspassagensdovotodoMinistrocorroboramopensamentodequeinternarnãoéumbemparaoadolescenteentreestes:

Nem se trata de contestar a ilusão – que, nas condições brasileiras, raia pelo humor sádico – de que amedida socioeducativa deinternaçãosejaumbemparaoadolescentequehajapraticadoatoinfracional:oimportanteéqueasuaaplicaçãopressupõeaapuraçãodofatoaquecominada.

Finalmente, para reconhecer a ausênciadedefesaoAcórdão temaEmenta: “Defesa edueprocess: aaplicaçãodasgarantiasaoprocessoporatosinfracionaisatribuídosaadolescente”.

O que se evidencia da decisão é a falta de defesa a que ficam sujeitos jovens infratores, gerando aprópriaindignaçãodoacusador,nocaso,oMinistérioPúblicoEstadualquerecorreu.OpróprioSupremoTribunaldeJustiça,pormeiodeseuministro,assimoreconheceu,inclusivenosentidodeainternaçãoserpena.

Oliveira,sobreaausênciadedefesaassevera:

Napráticajudiciária,amaiorpartedas“defesas”realizadaspelosadvogadosinstituídosrestringe-seàmerapresençaformalquetemporobjetivoimputarregularidadelegalaoprocedimentoburocrático.OECAcontinuasendoatravessadopelamentalidadedoCódigodeMenoresde1979,quejátraziaadoCódigoMeloMattosde1927abrilhantadapeladitadura.Mas,nãosóamesmalegislaçãoquetrazarupturaéatravessadaporlacunasconvenientesqueoperamatrocadesinaisentreaprimaziadojuiznoreferencialjurídico-políticodaDitaduraeapreponderânciapositivadadatutela,agora,sobafiguradopromotor.Ainternaçãoprevistacomoexceçãotorna-seregrasoborespaldocientíficodaelaboraçãodepareceresbiopsicossociais–fundamentaçãocientíficadapráticaencarceradoradecriançasejovensnoBrasil,exercitadahámuito,antesmesmodoCódigodeMenoresedaPNBM–quefornecemotestemunhopreferencialpara legitimaras sentençasde internaçãoproferidaspelos juízescomo formademelhor responderàmanutençãodaOrdemPública(2003,p.228).

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Vê-sebemdelineadopeladecisãodoMinistroepelaspalavrasdeOliveiraqueaqueleenvolvidoemumprocedimentode talnaturezaéo retratadoporKafkaem“OProcesso”,quandocolocaaspalavrasdoadvogadoaBlock73:

[...]Estasmanifestaçõesdojuiznãotêmparatiimportânciaalguma-disseoadvogado-;nãoteassustes,pois,acadapalavraqueeudigo,porque se isto se repetenãovoltarei a informar-tedenada.Nãopossocomeçaruma frase semque tumecontemples comaexpressãodequemesperanesseprecisoinstanteasentença(Kafka,p.223).

ApassagemdeKafka,emborasetratedeumaficçãoacabapormanterlaçosestreitoscomarealidadedaburocraciadosprocessosjudiciais,queretirainclusiveapossibilidadedemanifestaçãodequemseriaomaiorinteressado:oacusado,istoé,aelecumpreapenasesperar,poissuavoznãofazpartedoqueajustiçadenominadefesa,tornando-seoacusadomudo,umavezquenãohácomoexplicá-laparaosquenão compreendem o saber técnico e, ainda mais do que a técnica, importam as redes que englobamrelações que vão alémdo entendimento do procedimento.No caso doProcesso deKafka, o pintor, opadre,oestudante,ojuiz,oadvogado,entreoutros.

No processo vê-se que as Leis funcionam em documentos (papéis), mas o que fica demonstrado é ocontroleque sepassaa exercer sobreapersonagem,cujavidapassaadesenvolver-seem funçãodosprocedimentos que não consegue entender, já que nem sabe de que é acusado. O autor mostra asincoerênciasdosistemaaquesevêexposto.Tudoissoéutilizadoparadeslocaroleitordocotidianoelevá-loaoestranhamento,quenadamaisédoqueoabsurdoquesevivetodososdiasequeaspessoasnão sedãoconta.Assim,oautor “hiperboliza” situaçõespara fazerum jogocomo leitor,ondeoqueparecemaisabsurdonadamaisédoqueamaisnuaecruarealidade.

Para que se mantenha íntegra a declarada racionalidade de proteção do jovem tem que no mínimoassegurarapossibilidadededefesatécnica.Paraosjuristasadefesatécnicaestánonúcleodasgrandesgarantias,quenaverdadenãopassadeaplicaçãododueprocessaosjovens.

FlávioAméricoFrasseto74,aocomentardecisõesproferidasemsededeTribunaisSuperiores,observaa“receptividade da Corte Federal aos reclamos da defesa e de outro lado demonstra que os grausinferioresdejustiçanãotêmguardadocomafidelidadeesperadaosdireitosoutorgadosaosjovensquepoderão receber ou já receberammedidas socioeducativas”. Lembra ainda o autor a perpetuação de“procedimentosabsolutamenteirregularesnajurisdiçãodeprimeirograu”.ÉnotávelapreocupaçãodoProcurador de Estado atuando na Assistência Judiciária do Estado de São Paulo que mostra aimportância da defesa técnica atuante para efetivação dos direitos desses jovens Infratores, como aimportância da análise dos Ministros dos Tribunais Superiores colocando de forma adequada anecessidadedorespeitoaosdireitosentãoconsagradosnaConstituiçãoFederaleECA.

Antes,nomodelodasituaçãoirregular,nãoeraobrigatóriaapresençadoadvogado,oqueaparecenoECA como uma inovação, mas “na prática judiciária a maior parte das ‘defesas’ realizadas pelosadvogados instituídosrestringem-seàmerapresençaformalque temporobjetivo imputarregularidadelegalaoprocedimentoburocrático.”75

Lembra ainda o autor da perpetuação de “procedimentos absolutamente irregulares na jurisdição deprimeirograu”.ApreocupaçãodoProcuradordeEstadoatuandonaAssistênciaJudiciáriadoEstadodeSãoPauloquepugnapelaimportanciadaaplicaçãodadefesatécnicasomadaàsdecisõesdosMinistrosdo Supremo Tribunal Federal, revelam como um mecanismo básico desse contraditório sistema de

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proteção,quehodiernamente éutilizado tambémno sistemapenaldos adultos, adefesa técnica, não érepeitada nesses procedimentos, nos remetendo a uma situação análoga à analisada por Foucault em“Verdadeseformasjurídicas”.

FicabemdefinidoqueInternaçãoépena,portanto,nãodeveseraplicadaaosjovensemconflitocomalei.

Dosrecursos

Oartigo198doECAestabelecequeosistemarecursaldoCódigodeProcessoCiviléutilizadoparaosprocedimentos relacionados à Justiça da Infância e da Juventude, com as alterações que estabelece,emborasejaanormadecarátergeralaaplicaçãosubsidiáriadoCódigodeProcessoPenalelegislaçãocomplementar,impõem-seemfacedanaturezadosatosinfracionaisbaseadosemcrimesecontravençõesexvidoartigo152domencionadodiplomalegal.

Entretanto,énecessáriooatendimentoàsregrasenunciadasnoartigo198,quedevemserrespeitadasporsetrataremdenormasdecaráterespecial76.

Entende-seserrelevanteverificarcomoajurisprudênciavemsendoconduzidaemrelaçãoàssituaçõesprocedimentais, relacionadas com os processos de jovens em conflito com a lei. Inicialmente, paraesclarecer que as súmulas emitidas por Tribunais Superiores, independente das datas, são válidas,enquantonãorevogadaspelopróprioTribunalqueasaprovaram.

SuaimportânciaresideemreiteraranaturezadoECAemrelaçãoaosatosinfracionaisqueseconstituiem um Sistema Penal Juvenil que aplica penas aos jovens em conflito com a lei, desmistificando anaturezadasmedidassocioeducativascomopedagógicasenecessáriasparareinserçãodosalcançadosporelasnasociedade.

DecisõesconsubstanciadasemSúmulasdoSuperiorTribunaldeJustiça:

SÚMULA108,DJ22.06.1994:“Aaplicaçãodemedidassocioeducativasaoadolescente,pelapráticadeatoinfracional,édacompetênciaexclusivadoJuiz”.

Por meio da súmula ficou claro que oMinistério Público ao conceder a remissão não pode aplicarmedidasocioeducativa,poisestaécompetênciaexclusivadoJuiz.

Aediçãodasúmula108nospareceresolveudeformadefinitivaaaplicaçãopeloMinistérioPúblicoderemissãocumuladacommedidasocioeducativa.

Nãohácomocompreenderaremissãocumuladacomaplicaçãodemedidasocioeducativa,umavezqueremirsignificaperdoar.

SÚMULA265,DJ29.05.2002:“Énecessáriaaoitivadomenorinfratorantesdedecretar-searegressãodamedidasocioeducativa”.

Coloca-seumapádecalnapossibilidadedequehajaumamudançademedidasemqueomenorsejaouvido,situaçãoquevinhaocorrendo,gerandoentãorecursosjudiciaissobreoassunto.

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SÚMULA338,“DJ16.05.2007:”“Aprescriçãoéaplicávelnasmedidassocioeducativas”.

Aprescriçãoécausadeextinçãodepunibilidadeexvidoartigo107–IVdoCódigoPenalsignificaaperda do direito do Estado de agir no sentido de punir o infrator. Não seria razoável deixar dereconheceraprescriçãoafavordoadolescente,atéporqueémaisummecanismodeaperfeiçoamentodosistemapunitivo.

Não pode se deixar de comentar como essa decisão traz uma controvérsia em relação ao pensamentojurídico, pois, a princípio o que se tem é a proteção e não a punição. Assim aplicar a prescrição áproteçãoconsiderandoa racionalidadedosistemaseriaumamedidaque iriaprejudicaro jovem.Mascomosesabequenaverdadeoqueestáemjogoéumsistemapunitivo,asdecisõesescoamparaoutroslados, trazendo á tona toda a irracionalidade desses rituais, de uma forma que nos que queremverdadeiramenteajudarosmenoresalia-seumdiscursoquerevelaacontradiçãoentrerealidadeefinsdeclaradosdessesistemadosjovens.

Odebatesobreoassuntoocorreunosentidodereconhecer-seounãoprescrição,queéumInstitutodeDireitoPenaleProcessualPenalafavordosjovensemconflitocomalei,umavezdenãosetratarparamuitosdeumsistemadeaplicaçãodepenas,oqueefetivamenteé.

SÚMULA 342,DJ 29.05.2007: “No procedimento para aplicação demedida socioeducativa é nula adesistênciadeoutrasprovasemfacedaconfissãodoadolescente”.

Apráticadoprocessopenal já é impeditivadacondenaçãobaseadaapenasemconfissões semoutrossuportesprobatórios,dessemodo,aplica-seaosadolescentestambémamedida.

DecisõesJudiciaisnosTribunaisSuperiores

AsdecisõesapresentadasevidenciamocomportamentodosTribunaisSuperioresemrelaçãoàspráticasrelacionadascomos jovensemconflitocoma lei emcasosondeadefesaé realmenteexercidapelosprofissionaisqueatuamnocaso.

HC36884/SP–CRIMINAL.HC.FURTOQUALIFICADO.ROUBOQUALIFICADO.REITERAÇÃODAPRÁTICA DE ATOS INFRACIONAIS. DESCUMPRIMENTO REITERADO DE MEDIDAS ANTESIMPOSTAS. INTERNAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEMDENEGADA.

Trata de situação relativa à reiteração de prática de atos infracionais, no caso também reiteradodescumprimentodemedidasjáimpostas,poressemotivooSupremoTribunaldeJustiça–QuintaTurma–Rel.MinistroGilsonDipp–entendeuquenãoháconstrangimento ilegalnaaplicaçãodamedidadeinternação,ressalte-sequeofatoeradefurtoerouboqualificados.

HC 57251/SP - “ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ECA. HABEAS CORPUS.SEMILIBERDADE. DESCUMPRIMENTO. PRÁTICA DE NOVO ATO INFRACIONAL ANÁLOGOAOCRIMEDEFURTO.MEDIDADEINTERNAÇÃOPORPRAZOINDETERMINADO.AUSÊNCIADEFUNDAMENTAÇÃOLEGAL.EXCEPCIONALIDADEDAMEDIDA.ORDEMCONCEDIDA.

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Ausência de fundamentação legal que justificasse a medida imposta. As medidas aplicadas aosadolescentes podem ser substituídas (artigo 99 a 100 c.c 113 do ECA), mas considerou o MinistroArnaldo Esteves Lima, da 5ª. Turma do Supremo Tribunal de Justiça, que por se tratar de medidasocioeducativa a substituiçãodemedida aplicada anteriormentepelade internaçãocontrariouo artigo122doECA,umavezqueestesóautorizaareferidamedidaemcasodecondutaspraticadascomgraveameaça ou violência à pessoa. Além desse fato, observou que a mesma decisão foi aplicada noHC57170/SP,dalavradoMinistroArnaldoEstevesLima.

HC70677/RJ – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DERECURSO ORDINÁRIO. ESTATUTO DACRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A ROUBO MAJORADO.INTERNAÇÃO. PROGRESSÃO PARA SEMILIBERDADE. DESCUMPRIMENTO. MAIORIDADECIVIL. LIBERAÇÃO COMPULSÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. CRITÉRIOS. NÃOOCORRÊNCIA.

EntendeuoMinistroFelixFischerdaQuintaTurmadoSupremoTribunaldeJustiçaquefrenteàalteraçãoda maioridade civil prevista na Lei 10.406/2002, Código Civil, não houve alteração ao artigo 121,parágrafo 5º. da Lei n. 8069/90, devendo a idade de 21 anos sermantida para fins de concessão deliberdade compulsória aos adolescentes que cumpram medidas socioeducativas. É reconhecida aaplicabilidade do Instituto da prescrição que no caso deve ser o relacionado aos três anos, duraçãomáxima prevista para a internação, in casu, artigo 115 do Código Penal. Considerando as datas dasentença,fugaeapreensãodojoveminfrator,denegouaordemdeHC77.

CONCESSÃO DE REMISSÃO PELO MAGISTRADO, SEM OITIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.NULIDADE.INTELIGÊNCIADOSARTS.186,PARÁGRAFO1º.,E204,AMBOSDALEI8.069/1990.(HC96.659,RELMIN.GILMARMENDES,JULGAMENTOEM28.9.2010,SEGUNDATURMA,DJEDE15.10.2010).

Enfatiza a importância, sob pena de nulidade, da manifestação do Ministério Público em caso deconcessãoderemissão.

Comojárelatado,FlávioAméricoFrasseto78,aotratardaNovajurisprudênciadoSupremoTribunaldeJustiçarelacionadaàsmedidassocioeducativaseprocessos,agrupouosreferidosjulgadosporespéciededecisão,ecompulsando-asverificamosseremestas,entreoutras,asqueseguem:

A excepcionalidade da medida de internação – O Supremo Tribunal de Justiça reafirmou aexcepcionalidadedamedidade internação“ao revésdos juízos locais,quenão rarasvezescostumamolvidarocaráterdeexceçãodamedida”.

Oroldoartigo122doECAétaxativo.Amedidadeinternaçãosubmete-seaoprincípiodalegalidadeestrita.Nãohá“superioresinteressesdojovem”aser internado,essaéaúltimaratio.Dessemodo,ainternaçãonãopodeseraplicada:

-emcasodeadolescenteprimárioenvolvidoematoequiparadoatráficodedrogas;

-emcasodeadolescenteenvolvidoematosquenãosejamconsideradosgraves;

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- em caso de substituição à medida anterior, supostamente inadequada e descumprida, a não ser nascondiçõesdoartigo122-IIIenolimitetemporaldomesmodispositivo79;

-sóagravidadedasituaçãonãoésuficienteparaaplicaramedidadeinternação.

ParaFrasseto,“acaracterizaçãodaexcepcionalidademotivadoradainternaçãorequerdomagistradoumjuízomais profundo e consideraçõesmais amplas sobremúltiplos aspectos do caso, que vá alémdoshabituaisautomatismoslógicosdedutivosutilizadosnassentenças”;

-otempocronológiconãoédecisivo:

Aaplicaçãodainternaçãonãodeveserbaseadasomentenagravidadedofato,assimcomootempodecumprimentoreduzidonãoestáajustificaraimpossibilidadederegressãodamedida.

-AsituaçãodaFEBEMé,sim,relevanteparaseconsiderarqualamedidamaisadequada;

RefleteFrasseto:“[...]Nelas,privaçãodeliberdadeaindaévistadeformaquaseidílica,comoaltamentepedagógicaeamplamentecapazdeconverterjovensinfratoresemjovensvirtuosos.OSupremoTribunaldeJustiçaemmaisdeumjulgadonosconvidaarompercomestaindiferençaquaseautistaàrealidade”.

Outrasquestõessãoaindatratadas,eacadaassertivaselecionaocitadoautorinúmerasdecisõesemsededoSupremoTribunaldeJustiça,firmadassobreosassuntos.

Importa observar que o Superior Tribunal de Justiça, ao estabelecer uma intervenção no sentido daproteçãoaoadolescente infrator,propiciaoconhecimentodaausênciadesensibilidadedos julgadoreslocais em relação à situação desses adolescentes, o que infelizmente não atende aos pressupostos dopróprioSistemaPenalJuvenil,ignorandoemmuitoscasosassuasprópriasregras.

ALeideExecuçõesdasMedidasSocioeducativas

Sóaimplantaçãodeumsistemapunitivosemelhanteaodosadultosnãofoiconsideradosuficientepelosoperadoresdodireito,quepugnamporumaleideexecuções,certamentenosmoldesdadosadultos,equesesabenãoéobservada,ajustificativaéoarbítrioediscricionariedadenaexecuçãodasmedidas,reincidindo-se na ideia errônea de que umaLei altera comportamentos culturalmente solidificados. Jáexiste uma Proposta de Criação de Lei, por meio de um anteprojeto, elaborado pela AssociaçãoBrasileira de Magistrados e Promotores da Infância e da Juventude com a finalidade de regular aexecuçãodasmedidassocioeducativas

DoConselhoTutelar

OConselhoTutelar(CT)estáprevistonoartigo131doECAcomo:“órgãopermanenteeautônomo,nãojurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e doadolescente,definidosnestaLei”.

OsConselhosTutelares:

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[...]estãoinseridosnumapropostapolíticogovernamentale,nestecaso,oEstatutoeaLDBfuncionaramcomodispositivoslegaisemconsonância com o momento de descentralização e municipalização das políticas sociais, apresentando justificativas de cunhodemocráticodasinstituiçõesqueofereciamatendimentoàparceladapopulaçãocarente.Maisumavezépossívelconstataroarranjodeforçasedepoderes implicadosnasociedadedecontroleevidenciadoemumnovojeitodefazerpartedosocial,mas tambémemcorpossaudáveis,versáteise ligadosasubjetividadescadavezmaisdistantesdoscorposdisciplinadoseprodutivos(Lazzari,2008,p.75).

Portanto,osConselhosTutelaresatendema lógicadademocraciaque investenaparticipaçãopopular:“Aparticipaçãodoscidadãoscomodemocraciacidadã,democraciaparticipativa, acabou incorporadaem diversas Constituições Federais, inclusive a brasileira de 1988, acolhendo a ação de conselhosvoltadospragestãodaschamadaspolíticaspúblicas”(Lazzari,2008,p.75).Paraaautora:“quantomaisdemocráticaparece,melhoré”(idem).

Para levar a efeito tal atribuição, devem-se adotar providências administrativas e promover arepresentaçãoaojuízocompetenteparaapuniçãodaquelesquedesatenderemaLei.

ÉórgãodoMunicípio,ondehaverápelomenosumConselhoTutelarcompostoporcincomembros.Acomunidade local os escolhe para ummandato de três anos, sendo possível a recondução pormesmoperíodo(art.132doECA).Lazzari(2008,p.84)observaque:

OConselhoTutelaraparececomoumaconquistahistóricadademocraciaquefezvalerosdireitospreconizadosnoECAdedefesadacriança e do adolescente e para fazer funcionar a participação direta da sociedade no controle higienista e exercitar também ademocracia,pormeiodaseleições.

OMunicípioterásuapróprialegislação,podendodefinirumoumaisConselhosTutelaresquepodemsereleitos ou simplesmente escolhidos. Há a necessidade de que o Conselho funcione em sedes deComarcas,quandoestenãoésede,aqueledefinidonasededaComarcaatenderáoutrosMunicípios.NocasodeumMunicípiocomváriosJuizados,funcionaráumConselhoparacadaJuizado.

Consoanteoartigo133doECA,ocandidatoamembrodoConselhodeverápossuir idoneidademoralreconhecida,idadesuperioravinteeumanoseresidirnoMunicípio.ParaqueseatesteaidoneidadeénecessáriooatestadodaPrefeituraMunicipaloudaJustiça.AsdespesascomoConselhoTutelarcorremporcontadaPrefeituraMunicipal,inclusiveremuneraçãodosmembros.

Nãosemrazão,Tavares (2006,p.141) lembraqueapossibilidadedo“aventureirismodapoliticagembrasileira,comsangramentodoErárioPúblico”,comasituaçãoinseridanoretromencionadoartigo.Masdeve-seiralém,istoé,nãoesquecerqueesseésóumaspecto,pioressãoascondutasdepessoassemcondiçõesde recusaremaadoçãodemedidasque,naprática,prejudicamacriançaeoadolescenteeque,muitasvezes,representamverdadeiradecisãojudicial,quandorecolocamcriançasemoutroslares,denunciampais,alteramguardasjudiciais,entreoutros.

O Conselho Tutelar tem autonomia para o desempenho de suas atribuições, não integra o PoderJudiciário,portanto,suas funções têmcaráteradministrativo.AsatribuiçõesdoConselhoTutelarestãoprevistasnoartigo136doECA,entre asquais ado inciso I: “atender as criançase adolescentesnashipóteses previstas nos artigos 98 e 105, aplicando as medidas previstas no artigo 101, I a VII;”.Observando-sequeoConselhonãopoderáaplicaramedidadecolocaçãoemfamíliasubstitutaequedeacordocomoparágrafoúnicodoartigoamedidadecolocaçãoemabrigoé“provisória”.Aaplicaçãodasmedidas, pelo Conselho Tutelar se escora no artigo 105, que estabelece que “Ao ato infracional

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praticadoporcriançacorresponderãoàsmedidasprevistasnoartigo101”.

AResolução75/2001doCONANDAestabeleciaosparâmetrosparacriaçãoefuncionamentodoCT’s,masaResolução139/2011alterou-avisandoatenderasnecessidadesverificadasnosvinteanosdeECA.Anova resolução foi elaborada apartir dedebates e reuniões tendo comopartícipesosConselheirosTutelaresdetodooBrasil.

Emrelaçãoàsalteraçõespodemosevidenciar:

CriaçãodeConselhoTutelaracada100milhabitantes,porregião,circunscriçãoadministrativaoumicrorregião;

APrevisãonaLeiorçamentárialocaldeveabranger:aformaçãocontinuada,custeiodemobiliárioeespaçoadequadoparaasede,poraquisiçãooulocaçãoesuamanutenção,custeiodeágua,telefonefixoemóvel,internet,computador,faxetc.Custeiodedespesacomconselheirosparaoexercíciodesuasatribuiçõesetransporteadequado,permanente,exclusivoemanutenção;

AausênciadedotaçãoorçamentáriapodesercombatidapormeioderequerimentodoCMDCA,CTou qualquer cidadão ao Poder Executivo, Legislativo eMinistério Público as medidas judiciaiscabíveis;

Em relação à candidatura do Conselheiro acresce-se a necessidade de comprovar conclusão doensinofundamentale ter formaçãoespecíficanaáreadoECA,soba responsabilidadedoCMDAlocal, ser aprovado em prova de conhecimento sobre o direito da criança e do adolescente decaráter eliminatório a ser formulada por comissão examinadora (o que deve ser previsto em leilocal);

Várias alterações e exigências passaram a compor o processo de escolha dos ConselheirosTutelares;

PassouaconterosprincípiosediretrizesaseremobservadospelosConselheirosnoexercíciodesuasatribuições;

OMinistérioPúblicoeoPoderJudiciáriopassamateracessoirrestritoàsinformaçõesconstantesdos Registros do Conselho Tutelar. As informações relativas às demandas e deficiências noatendimento a população de crianças e adolescentes, tendo comobase o Sistema de Informaçõespara Infância e Adolescência - SIPIA. Os Conselhos deverão encaminhar trimestralmenteinformaçõessobreodesenvolvimentodesuasatribuiçõesaoCMDA,MinistérioPúblicoeJuiz;

A Resolução ainda especifica: Deveres, Condutas Proibidas, Impedimentos para analisar casos,PenalidadesAplicáveiseRegimedisciplinardeaplicaçãoaosConselheirosTutelares.

AmedidaaseraplicadaàcriançaédefinidapeloConselhoTutelar.Talmedidanãotemcaráterpunitivo,“caracterizando-sepeladesjudicialização,conformeesclareceShecaira(2008,p.171).80

Quando Shecaira (2008) assevera que a medida definida pelo Conselho Tutelar é desjudiscializadapensa-sequesuaanálisecinge-seàobservaçãodequenãoéumainstânciajudicialqueaplicaamedida,embora se saiba que o Conselho Tutelar funcione como um Tribunal, pois ao adotar e determinar aaplicaçãodemedidasemiteumjulgamento,sóquenãonoâmbitodojudiciário.

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Apesar da possibilidade de recursos junto à Justiça, entende-se que esta é uma abertura à adoção demedidasarbitráriasporpartedealgunsConselheiros,que,muitasvezes,vãocontraobomsensoe seprestamaoatendimentodefavoresquepoderãosernofuturocontabilizadoscomovotos.

Aocomentararupturadoconceitodesituaçãoirregular,Oliveiraobservaquearealidadeéautilizaçãode termos que substituemoutros para reenquadrá-los a ummomento emque se pretende democrático.Paraaautora:

Oqueera irregularparaaDitaduraMilitarconfigura-senademocraciaemequivalentecidadãoàesperadedireitos.Acondiçãodeameaçaàordeméreequacionadaemdiferentesvaloraçõesdegrauquetransitamnointeriordamesmalógica.”(2003,p.227)81.

Acima se delineou o Sistema Punitivo dos jovens brasileiros recheado de garantias, como manda oformalismo; com decisões inclusive das mais altas Cortes do País, tudo para proteção82 dos pobresalcançadospeloECA.Mas,narealidade,sãoessesprodutosdeumapolíticaqueassociasemprepobrezacomcriminalidade.

Foucault(2003,p.35)salientoucombastanteprecisãoadesigualdadeaoafirmarque:

Umadvogadosecompra,querdizerque,afinal,odireitoareceberjustiçasecompra.”Econtinua:“Tomoesseexemplosimples,maséevidentequeésegundoaclasseaqualsepertence,segundoaspossibilidadesdefortuna,segundoasposiçõessociaisqueseobtémajustiça.

OSistemamantémapolíticadeintervencionismodoEstado,queérepressivoenãoatendeanecessidadedosjovensquesãonovamentevitimados,emespecialquandointernados,masaestruturadelineadapeloECAéumafábricadeempregose,portanto,temdesermantida.GanhamosfuncionáriosdoEstadoeosfornecedores(dealimentação,porexemplo),assim,éummercadocujatendênciaépermanecer,atendeainteresses.

OsConselhosTutelaresnoEstadodoAmazonas

NoEstadodoAmazonasfuncionam71ConselhosTutelares(CT’s),emManausfuncionamnoveCT’s83.

Nos tópicos acima delineados procurou-se identificar toda a “Rede de Proteção” que Lazzari definecomo“oconjuntodeinstituiçõesquecompõemoenfrentamentoàsviolaçõesdosdireitosdascriançasedosjovens...”(2008,p.7).

Impunidade

Anoçãodeimpunidadeestáassociadaàdivulgaçãodeinformaçõessobrefatosviolentosenvolvendoaparticipaçãodeadolescentes (menoresde18anos),oquepassaparao imagináriopopularcomoumaconstantenocomportamentodosjovensemconflitocomalei.

Hásituaçõesemqueo tratamentodispensadoaos jovensemconflitocoma leiémaisgravedoqueodispensadoaosadultos,poisaestesseabreapossibilidadedeaplicaçãodaLei9.099/95quepermiteinclusive em alguns casos a suspensão do processo, enquanto ao menor, o regime fechado pode seratribuído mesmo em casos de menor gravidade, em face do desatendimento comum às garantias

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concedidasaomenor.

Diantede talcontexto, tramitamnoCongressoNacional inúmerosprojetosde leique tratamnãosódareduçãodamaioridadepenal,mastambémdoaumentodotempodeinternaçãoeaindaparaconsiderarainfraçãodamenoridadecomocausadereincidêncianamaioridade,medidasqueservemparaaumentararepressãoemrelaçãoaosjovens.

Assim, pode-se citar que relacionadas com a redução da maioridade penal 35 PEC (s) estão emtramitação e voltadas para a aplicação da reincidência três PEC(s) 84. O mais surpreendente é aexistênciadeumprojetodeleiquepretendeaumentaroprazodeinternaçãoparajovensemconflitocoma leiquepraticaramato infracionaldeestuprooucrimescontraavida (cometidospormotivo fútiloutorpe ou com emprego de meio insidioso ou cruel que são medidas qualificadoras), quando então ainternação iria de três até seis anos. Na realidade, o projeto cria uma modalidade de internaçãoqualificada e esquece que crime contra a vida não é só o homicídio, portanto, arrasta também outrasfiguraspararesponsabilizar,comoporexemplo,ajovemquevierapraticarumabortopormotivofútilficaria,segundooSenadorqueapresentouoprojeto,detrêsaseisanosemmedidadeinternação.

Bauman(2005),quandoserefereàmodernidade,faladequeéelaacondiçãodaproduçãocompulsivadeprojetose,paraoautor,seháprojeto,hárefugo:“Nenhumacasaestárealmenteconcluídaantesqueosdejetosindesejadostenhamsidovarridosdolocaldaconstrução”econtinua:

Quandosetratadeprojetarasformasdeconvíviohumano,orefugosãosereshumanos.Algunsnãoseajustamàformaprojetadanempodemserajustadosaela,ousuapurezaéadulterada,esuatransparência,turva:osmonstrosemutantesdeKafkacomooindefinívelOdradek ou o cruzamento de gato com ovelha – singularidades, vilões, híbridos que desmascaram categorias supostamenteinclusivas/exclusivas.Nódoas numapaisagem sob outros aspectos elegante e serena. Seres inválidos cuja ausência e obliteração sópoderiabeneficiaraformaprojetada,tornando-amaisuniforme,maisharmoniosa,maisseguraeaomesmotempomaisempazconsigomesmo(Bauman,2005,p.41).

Apropostaquepretendealteraroartigo228daConstituiçãofederalequeestabeleceaimputabilidadepenalaosdezesseisanosdeidadeéadenúmeroPEC171/1993etodasasquetratamdomesmoassuntoestão a esta apensada. Pode-se, ainda, citar as PEC’s de números: 426/1996;91/1995;321/2001;179/2003,entreoutras(Souza,2007).

AindaquedenunciandoaviolênciaedesrespeitoàsgarantiasinstauradasnoSistemaPunitivoJuvenil,osRelatóriosdeOrganismostantoprivadosquantopúblicossãosemprenosentidodoaperfeiçoamentodosistema,nuncaumacontestaçãoaelemesmo,istoé,desdequeseatendamàsgarantias,devepermanecercomosenãohouvesseoutrasoluçãoparaaquestãodacriminalidadedojovem.

Ao tratarda Justiça Juvenil, oRelatóriodaANCED (AssociaçãoNacionaldosCentrosdeDefesadaCriançaedoAdolescente)85relataaspectosdedesatendimentoaosDireitosdasCriançaseAdolescenteemcasosdepráticadeatosinfracionais.Compulsandoasobservaçõesfeitasalgunsaspectosdevemserevidenciados:

[1.]2. O desconhecimento do adolescente infrator do sistema que o pune, na maioria das vezes pela

ausência de escolaridade, não consegue compreender o processo burocrático a que está sendosubmetidoenemasconsequênciasdeseuato.

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[2.]2. Condições de internação inadmissíveis para medidas que se denominam “socioeducativas”. No

relatório, cita-se a visita surpresa feita pelo Desembargador Siro Darlan do Rio de Janeiro aoInstitutoPadreSeverianoqueassimexpressou-se:

[...]ondesócabem130jovensemcumprimentodemedidahavia230.HorrorizadaaequipequevisitavaoPadreSeverianoconstatouque o lugar que chamam de cama era um beliche de cimento sem colchão, onde dormem dois, às vezes três jovens adolescentes.Escovadedente só temaquelesque recebemdos familiares.Assimmesmoécortadapelametadepelosagentesde segurança.“Olocaldestinadoahigienepessoalestavainfestadoderatosebarataseacomidaeraservidaemquentinhasfriasecomolimitedecincominutosparaengoliremoqueéservidoduasvezesaodia.(p.269)

[3.]2. CasosdivulgadospelamídiadedetençãoemDelegaciadePolíciadejovenscomadultos.

Oscasosrelatadossãodeumajovemde16anosquepeladenúnciadefurtoficou27diasemcelajuntocom20 homens (adultos), os quais a submeteram a constrangimento, tortura e abuso sexual constante.Outrorelatonosdácontadeumameninade12anosqueagrediuumDelegadoeficoudetidapordoisdiasàvistadosoutrosencarcerados.(p.278)

[4.]2. Apesar da ausência de dados, a maior parte dos jovens é responsabilizada por infrações

relacionadascomopatrimônioenãocomaçõesviolentascomoadivulgaçãodefatospontuaiscomalarde pela mídia fazem crer. É uma realidade que quando o jovem pobre é surpreendido pelaPolícia comdrogapara consumopróprio é classificado como traficante,mas quandopertence àscamadasdemelhor rendada sociedadeacaba sempreem tratamentopara recuperaçãoemclínicaespecializada.

[5.]2. Nãohápuniçãoparaosagentespoliciaisenvolvidosemtorturacontrajovens.EmMatoGrossodo

Sul, as mães de jovens internos na unidade Dom Bosco denunciaram que seus filhos sofremviolência por parte dos policiais desde omomento da apreensão até em situação de rebelião.Ainformaçãodequeaviolênciaseriaplenamentejustificadapormeiodosautosderesistência,masos exames de corpo de delito dão conta de que os jovens não se encontravam em posição deagressãooqueéconstatadopeloslocaisondesãoagredidos.86(p.277)

[6.]2. Osjovensemregimedeinternaçãovivemociosos,nãosãosubmetidosaqualquertipoderotina,e

seestudamofazemdemaneirainadequadaàsnecessidades,porexemplo,todosnamesmasalacomumúnico educador que fornece orientação a jovens de níveis distintos, semutilização sequer dematerialdidáticoapropriado.

Na realidade não podemos olvidar, o que nosmostraBaratta (2002, p. 171), quando trata do sistemaescolarcomo“primeirosegmentodoaparatodeseleçãoemarginalizaçãonasociedade”.Paraoautor,“osistemaescolarrefleteaestruturaverticaldasociedadeecontribuiparacriá-laeconservá-la”,portanto,repetição de anos, ausência de programas de treinamento para omercado de trabalho. Criticava-se aeducação fornecidaaospobres internosqueosdestinavaapapéis sociais subalternos, atualmentenemessespapéissãoesperadosparaeles.

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[7.]2. Ausênciadeassistênciamédica–relata-sequealémdascondiçõesdehigieneseremprecárias,os

jovensnãorecebemacompanhamentomédico.

O Estado democrático de direito deveria ser responsável pela promoção dos direitos humanos,entretanto, aglobalizaçãoacabapor agravaro aumentodasdesigualdades sociais.Se, porum lado,oEstado não reconhece sua responsabilidade sobre a ausência de garantias aos direitos básicos docidadão,poroutro, aumenta a repressão,mantémaviolência já institucionalizadapelaDitadura enãogaranteasegurançadapopulação.

A violência do Estado na repressão aos adolescentes infratores é apoiada pela sociedade civil. Naatualidade, mesmo os tratamentos considerados desumanos são desvelados ao público com grandenaturalidade,nãohavendoapreocupaçãodeescondê-los,maséoapoiopopularqueospermite87.

“ACrítica”,jornaldeManaus,trouxeamatéria“Caosexpostonascadeias”,datadode14.11.201088,ointeressanteéqueosargumentosparadiminuirocaos,nuncasãotrabalharcomnovaspropostas,postoque as soluções sempre residememmaior númerodevagas emaior númerode agentes, isto é,maiorcontrole.Orelatonosdácontaqueondedeveriamestarreclusas104pessoasestão828,eoEstadonãoseresponsabilizapelainadequação,umavezqueéinformadoqueaobrigaçãodeconstruirpresídiosédoMinistério da Justiça. A ausência de ressocialização é atribuída ao insuficiente número de agentespenitenciários,opensamentoédequeopresofazoquequerdentrodosistema,eaumentaroquadrodeagentes parece resolver. E tais medidas solucionam? Sabe-se que não, são apenas discursos quepretendemdesoneraroEstadodasuairresponsabilidadenotratocomopreso.

É para esse sistema que irá o jovem infrator, que evidentemente não tem qualquer chance de sair dosistema punitivo juvenil para uma vida digna a quem oEstado pormeio da suaConstituição Federalpromete.

Oquesefazédestruiradignidadedapessoapormeiodeimposiçãodeabusosfísicosepsicológicos,queaodestruíremahonradessesjovensacabaportorná-losirrecuperáveis.Essaéaestruturaquesevêmontadaeoperadapelosditosbonscidadãosqueaniquilam,comdinheiropúblicoerecebemaplausosdasociedade,apossibilidadedemelhoradeumcontingentedejovenscujomaiorcrimeéserpobre.

Crianças e adolescentes ainda são percebidos como seres inferiores, portanto, seus direitos sãoesquecidos,oqueapenasevidenciaserasituaçãodeautoritarismoaindapermanentenoBrasil.

Nestecapítulo,procurou-sedemonstrarqueaprática ‘Menorista’não foi abandonada, atéporqueumaLeinãotemocondãodeafastaraculturaenraizada,mesmonosoperadoresdoDireito,dequebandidobomébandidomortoedequejáquenadaháafazer,omelhoréinternarjovens,lutarpelareduçãodamaioridade,internar,nãodefender,oqueocorredeformaabsolutamentefria,indiferenteemantenedoradoautoritarismoquetambémnãosemudapelaLei.

Osnovosatoresdoparadigmaatual,democráticoeparticipativo,obrigaa todosodeverdeassegurargarantiasedireitosdascriançasejovens,maséineficaz,comosesabe,independentedomodeloquesequeiraadotar,areclusãonãofunciona,portanto,abolirainternaçãoépossível:

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Oabolicionismopretendebuscarotalentodecadaumdosenvolvidosnasituaçãoproblema,perguntando,comosugeriuDeleuze,‘oqueestamos fazendo de nós mesmos’? Isto é problematizar os casos que escapam da cifra negra, dos acordos em delegacias, dascorrupçõesdediversasordensqueosistemapenal,porcimaouporbaixo,acabaabsorvendo.Oabolicionismopenal,nestesentido,éuma heterotopia, uma estética da existência (quer liberar e não libertar), um estilo de vida, porque é impossível querer liberar asociedadedapuniçãoseocastigonãoforliberadonointeriordecadapessoa.Oabolicionismo,nopresenteenomínimo,éumredutordecustos,umampliadordesoluçõeslivreseumdesarvoradorparavelhas-novasmentalidades.Comovacúolos,heterotopias,atitudes-limite,oabolicionismopenaléhistóriadopresente,incômododesassossego(Passetti,2003,p.228/229).

Aaboliçãodosistemapenalpermitiriaresolverassituações-problemaatendendotantoosreclamosdavítima, quanto trabalhar com os autores dos fatos (atos?) infracionais, segundo possibilidades quepoderiam resultar em alterações de padrões de comportamento eficazes, atendendo a todos osenvolvidos.

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III.CRIMINOLOGIAEPOLÍTICACRIMINAL:UMOLHARSOBREOSJOVENS

ApartirdomomentoemqueocálculoutilitaristadeBenthamfoiinseridonasreformaspenais,desdeoséculoXVIII e a infração sendo uma definição política, não há possibilidade de existir uma estruturacapazdedetectareresponsabilizartodososquecometemosatostidoscomocrime,afinaltodososdiassurgem novas condutas definidas como crimes o que aumenta mais ainda o controle das condutas nasociedade.

Comoexemplo,bastaraciocinarsobreashistóriasquesecontamnodiaadia:alguémquenãocolocouotriângulonomomentoemqueocarroenguiçounapistaprovocandoumacidentecomvítimas,ouqueseevadiuparanãoresponderpordanoscausados;paisqueespancamfilhosefilhosqueagridemseuspais;filhosqueseapropriamdevaloresdeseuspais89;colegasquefurtamobjetosnaEscola;funcionáriosquelevam material do escritório para casa; e, assim, tantas outras, como: abuso sexual cometido porparentes,que,nãoraro,nãosãosequerdenunciados,entreoutros.Taisacontecimentosacabamcompondoacifraocultadacriminalidade,portanto,nãochegamsequeraoconhecimentodasautoridadespoliciais.

As condutas que atingem, emgeral,maior númerodepessoas, comoodesviodeverbas públicas,máaplicaçãoderecursospúblicosesuperfaturamentodepreços tambémparecememsuamaioriacomporpartedacifraoculta.

Emfunçãodasuposiçãodequeaspessoasenvolvem-seemsituaçõesproblemáticasquenemsempresãoresolvidaspelaviapunitiva,équesealcançaráummelhorentendimentodacriminologia,emespecialemrelaçãoaosjovens.

A discussão sobre a criminologia deve considerar sua perspectiva histórica. Embora a ciência dacriminologiasósejaassimconsideradahápoucomaisdeumséculo,aquestãodapuniçãoeasnormasdecomportamentoquegeramomaniqueísmosãomuitoanteriores,demonstrandoquetalquestãosemprefoialvodaexistênciadeumgrupodepessoasconviventesemdeterminadaépoca(DiaseAndrade,1992,p.4).

O homem construiu um sistema punitivo que evoluiu e, aparentemente, buscou tornar-semais humanoquandoabandonounamaioriadosEstadosaspráticas radicais, taiscomo:morte,banimento, suplício,entre outras. Porém, sem dúvida, ampliou seu espectro de controle ao alcançar cada vez mais ospraticantesdedelitospequenos90,apretextodediminuirapuniçãopormeiodoencarceramento.

ApartirdomomentoqueocorremasreformaspenaisdoséculoXVIIIocrimeéestabelecidocomoumatoquepossui potencial nocivopara a sociedade. Isto posto conclui-se que a criminalizaçãovolta-separa os atos e não há na previsão substantiva do crime a inserção do indivíduo. Isso gera toda umainflação de saberes sobre o criminoso que deslocou o homo legalis ao homo penalis até o homocriminalis,queemboratendopermeadoacriminologianãonecessariamenteéaderidocomoestratégiadegoverno(Foucault,2008,p.342).

Ficaclaroassimqueautilizaçãodetaissaberesemumaestratégiadegovernotemconotaçãopolíticae

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noquerelacionacomopresentetrabalhopercebe-sequeossaberesquevãonortearapolíticacriminaldomenorcontinuaamesma,istoéaEscolaPositivista,apesardetodaaevoluçãoverificadaapartirdaúltimadécadadoséculoXX(Foucault,2008,p.342).

Na realidade, o que preside cada momento histórico corresponde às mudanças no pensamentocriminológico. O desenvolvimento da criminologia altera e influencia a Política Criminal gestada emdeterminadosperíodos,mas apolítica adotadanão corresponde aopensamento criminológicodaquelaépoca,nãohavendosimultaneidadeentreumaeoutra.Asteoriascriminológicassobrevivemaotempo,convivemeinfluenciamaPolítica.

Nãosepodeolvidarqueohomemexerceseuinstintopunitivoemfunçãodasmaisdiversascausas,comoos nazistas contra judeus, homossexuais, deficientes, loucos, ciganos e negros, as ditaduras contra ossubversivos,asespéciesreligiosaseasetnias,ostraficantescontraostraidores,oscartéis,aindacontratraidores, as autoridades no exercício do poder, os governantes ao decidirem quem vive e o quepermanece(aodistribuíremverbas,baseadosmaiseminteressespessoaisdoqueemreaisnecessidades),portanto,trata-sedesdesemprederedesqueseaperfeiçoamparapunir.

ACriminologia,comoaciênciaqueprocuraidentificarascausasdacriminalidade,desenvolveuteoriase algumas abordaram especificamente a questão dos jovens. As teorias convivem, como já dito, nãosendosubstituídas.Quantoàpolíticacriminal,pode-seafirmarque,emrelaçãoàjuventude,desenvolve-se a partir da analogia entre o enfrentamento da criminalidadedo adulto, gerandoummodelo similar,logo,fadadoaoinsucesso.

Criminologia

Para alguns autores, a Escola Clássica do Direito Penal já pode ser considerada uma criminologia(criminologia clássica), uma vez que aborda a questão criminal. Sobre a criminologia clássica éimportante ressaltar que sob essa visão o delito era consequência do livre arbítrio, isto é, o homemescolhiaacriminalidade,etorna-se,então,relevanteverificarcomoseoriginaessacriminologiaquesaidaeradossuplíciosparaumadepenalidadesmaisbrandas.

Nopodersoberano,opoderdoreidepunirseconfundecomopoderpessoaldosoberano.Orei,“porrazões de tesouraria se arroga o direito de vender ofícios da justiça que “lhe pertence”, que ele temdiante de simagistrados, proprietários de seus cargos, não só indóceis,mas ignorantes, interesseiros,prontosaocompromisso”.Talpoderacarreta“privilégiosdajustiça,suaarbitrariedade,suaarrogânciaarcaica,seusdireitosdecontrole”.Sofrecríticasnãosóporessesfatos,masaindapelamistura“entresuasfraquezaseseusexcessos,entreseusexagerosesuaslacunase,sobretudoopróprioprincípiodessamistura,osuperpodermonárquico”(Foucault,2009,p.78).

Ao tratar da reforma do direito criminal, Foucault (2009) enfatiza alguns aspectos que a tornaramnecessária:

A –Deve ser vista como estratégia para o remanejamento do poder de punir, cujos objetivos foram:maiorregularidade,maioreficácia,constânciaediminuiçãodocustoeconômicoemaiorefeito(p.78);

B–Repartiçãoemcircuitoshomogêneos,emexercícioemtodasaspartes,“demaneiracontínuaatéo

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maisfinogrãodocorposocial”(p.78);

C-Areformafoimaisarticuladapelos“legistas”quepelosmagistradosepretendiaqueosmúltiplos,descontínuosecontraditóriosprivilégiosdasoberanianãoinfluenciassemopoderdejulgar(p.79);

D – A reforma fez da punição e da “repressão das ilegalidades uma função regular co-extensiva àsociedade; não punirmenos,mas punirmelhor; punir talvez comuma severidade atenuada,mais parapunir commais universalidade e necessidade; inserirmais profundamenteno corpo social o poder depunir”(p.79).

Éimportanteassinalarqueapartirdanecessidadedemudançadaantigaformadepunir,quenarealidadeexpressava o poder soberano constituindo-se como atos simbólicos desse mesmo poder, é que sãoconstruídos princípios que ainda hoje regulam o sistema punitivo moderno como: princípio dalegalidade, da anterioridadeda lei, dahumanidade, dautilidade edaproporcionalidade, frutosdeumliberalismopenal.

Iniciando-senoséculoXIX,asprincipaispreocupaçõeseramoaumentodacriminalidadeeosproblemassociaissurgidosdaRevoluçãoIndustrial,queacabavamporgerarumconflitoemrelaçãoaopensamentootimista e esperançoso do Iluminismo, havendo a necessidade de explicar de maneira empírica adesorganizaçãosocialobservada,oqueocorreapartirdainserçãodosdadosderegistrocivil,quandoháapassagemdaestatísticarudimentarparaacientífica,oquepossibilitaotrabalhocomosdados.

ParaSalodeCarvalho(2008,p.69):

As teorias humanistas, plenamente apropriadas pelo discurso do liberalismo penal divulgado pela Escola Clássica, solidificarão aestrutura principiológica do direito e do processo penal, projetando (formalmente) a racionalização do poder punitivo a partir dosconceitosdeigualdadeeautonomiaentresujeitos,independênciaeimparcialidadedojulgador.

E,ainda:

OsfundamentosdodireitopenaldaModernidadesãoapresentadosdeformahomogêneaecoerentepelaIlustração:aleipenal(geral,anterior, taxativa e abstrata) advémdo contrato social (jusnaturalismo antropológico), livre e conscientemente aderido pelas pessoas(culpabilidade / livre arbítrio), que se submetem à penalidade (retributiva) em decorrência da violação do pacto. A conduta punívelexternamenteperceptíveledanosa(direitopenaldofato)éreconstituídaecomprovadaemprocessocontraditórioepúblico,orientadopela presunção de inocência, com atividade imparcial demagistrado que valora livremente a prova (sistema processual acusatório).Assim percebe-se claramente programa de intervenção penal limitada cuja centralidade é a tutela dos direitos individuais contra ospoderesirracionais.Semembargo,eaindaqueimplicitamente,aorientaçãopossibilitacompreensãopessimistaacercadopoderestatal,poispropensoàviolaçãodosdireitosfundamentaisdapessoahumana.

É autentica a utilização política dos discursos inaugurados pelo pensamento do Direito Penal daModernidade, estes claramente criticado pelos juristas, recebe reforço a cada ano de mais leis queagravampenas e outras, sabidamente ineficientes, para combater a criminalidade e quenão se tornameficazescolaborandoparaoaumentodacifraocultadacriminalidade.

ÉrelevanteobservarqueàsEscolascorrespondemasteoriasqueestavamsendodesenvolvidasnaquelemomentoemqueforamdefinidas,assim,hápensamentoscriminológicosrelacionadoscomopositivismo,construcionismo,fenomenologiaecomafilosofiacrítica,queparecedarinícioaumarevoluçãonaformadeseencararofenômenocriminal.

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SãoprincípiosdaCriminologiaClássica(Baratta,2002):

Princípiodahumanidade–penasquenãopodempassaraosdescendentes,nãodevemserinfamantes,atorturaéproibida,entreoutros;

Princípiodalegalidade–aspenasdevemserprevistasanteriormenteasuaaplicação;

PrincípiodaUtilidade–aspenasvisamaodisciplinamentodopobre(prêmioecastigo).

Os princípios que regem hoje o Direito Penal e que constituem ainda determinações constitucionaisforam,emsuamaioria,delineadosnessaEscola.

PositivismoCriminológico

Podem ser situadas inúmeras teorias e pensamentos considerados antecedentes da criminologiapositivista tais como: Ciência Penitenciária, Fisionomistas, Frenologia, Cubi Y Soler, Psiquiatria,Antropologia,EstatísticaMoralouEscolaCartográfica,entreoutros.

Acriminologiatorna-seciênciaquandoLombrosopublicasuateoriaemoHomemdelinquente,em1896,onde,apartirdepesquisassobreosdelinquentes,traçaumperfildocriminoso.Pormeiodesseperfil,háaconclusãodequeoindivíduo,pormeiodefatorescomoinfluênciahereditáriaeatavismoéresponsávelpelacriminalidade.

Atéosdiasdehojeacriminologiaéafetadaporessepensamento, seusseguidoresacrescentamoutrasconsideraçõesaopensamentocriminológico,como:ainfluênciadefatorescomomeio-ambiente,clima,doenças,entreoutros,paraidentificarasorigensdacriminalidade.

O positivista pensa a partir de um método que será empregado para suas descobertas, ele é umobservadordarealidadeebuscaaexplicaçãodosacontecimentos.Elenãoéreflexivo.“Opensamentopositivista de fato naturalmente presta-se à ideologia oficial e aos interesses da classe dominante”.(TayloreYoung,1988,p.224).

OpositivismoinauguraoDireitoPenaldoAutorcomopráticalegítimanaanálisedoatocriminoso.Issoocorre inicialmente a partir do atrelamento desse saber ao saber psiquiátrico, gerando o examepsiquiátricocomomedidadecontrolerelacionadaaoscrimes.

Foucault, em “OsAnormais” (2002, p. 24), descreve vários casos emque o exame indica o caminhocriminoso do suspeito que, em comparação com outro, torna-se o alvo preferencial. Na atualidade, aleituradeobrasquedescrevempesquisasfeitasemprontuáriosdeadolescentessujeitosamedidasditasprotetivasutilizaexpressõescomo:“famíliadesestruturada”;“nãofrequentaaescola”;“indisciplinado”,“usamaconha”, entreoutras.Taisdenominações transformamoassim identificadoemalvodo sistemapunitivo.

OspositivistasLombroso,FerrieGarofalobuscavamencontrarnocriminosocaracterísticasque,seumavez identificadas, gerariam a explicação para o crime. Como atividade principal, os positivistaspretendiamestudaraquiloquenãoeraperfeitonocriminoso,que,afinal,paraeleseraoqueolevavaa

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delinquir.

Cadaumdospositivistas enunciados acimaestabeleceuumperfil que correspondia ao criminoso,quepassou,então,apossuirumrosto.Oestereótipodocriminosoestavadefinitivamenteinseridonocontroledacriminalidade.

O pensamento positivista se debruçava para fazer análises em uma sociedade definida, desde aquelaépoca, por práticas de manutenção do status quo característicos da lógica liberal de governo, semquestioná-las, se tem como objeto de interesse a realidade reconhecida oficialmente e, ao fazê-lo,legitimaosistema.

“Arealidadeoficialéaaqueladentrodaqualopositivistaoperaconfortavelmente,nãoindagandooquepoderia ser e jamais procurando transcender a ordem estabelecida” (Quinney, 1998, p. 224). Para opositivista,oshomensestariamdivididos emdoisgrupos:osnormais (nãocriminosos) eos anormais(criminosos).AobradeLombroso,emespecial,erigeoparadigmaetiológico(abuscadeumapatologiaparaexplicarocomportamentocriminoso).

SociologiaCriminalAmericana

OpositivismorepresentadopelaAntropologiaLombrosianafoiabandonadoe,nosEstadosUnidos,ondea criminologia aparece como uma especialização da sociologia americana, deu origem a inúmerasescolas: Ecológica de Chicago, da Associação Diferencial, da Anomia, das Subculturas e oInteracionismoSimbólicoeTeoriasCríticasquepartemdedoispostuladoscomuns:

1.Ofatodeocrimeserumfenômenocoletivo,portanto,sujeitoaleisde“determinismosociológico”eprevisível;

2. E os fatores de “raiz sociológica” como desencadeadores, tais como: miséria, ambiente moral ematerial,educação,família.

Aceitou-seopensamentodeDurkheimnosentidodequeocrimeéencontradoemtodasassociedades,estandorelacionadocomavidaemcoletividadeeatreladoàestruturasocialecriminal.

O positivista não adota uma posição crítica; estuda o que está posto, não pretende se aprofundar nosentidodebuscaraorigemdosproblemas.Estudaodelinquente,nãoestudaaLeiPenal,poisqueaLeiéarealidadeoficial.Internalizaosentimentodobemedomal.

A-AEscolaEcológicadeChicago

EmNascimentodaBiopolítica,Foucault(2008)irátrazerreflexõeseanáliseacercadavisualizaçãodasrelaçõesdecrimeepuniçãodosneoliberaisestadunidenses.Preliminarmente,partedaproblematizaçãodosordoliberais91sobreaimplantaçãonasociedadedoquechamamdegesellsshaftspolitik92,orientadaparaconstituircondiçõesparaexistênciadeumaeconomiademercado.

NosentidodeRöpke,deRüstow,deMüller–Armackquerdizeroque?Querdizer,deumladogeneralizardefatoaforma‘empresa’no interiordocorpooudo tecidosocial [...]avidado indivíduonão temdese inscrevercomovida individualnumâmbitodegrande

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empresa, que seria a firma ou, no limite, o Estado, mais tem de poder se inscrever no âmbito de umamultiplicidade de empresasdiversasencaixadaseentrelaçadas [...]com,porexemplo, sua relaçãocomsuapropriedadeprivada, sua relaçãocomasua família,comosseusseguros,comsuaaposentadoria–temdefazerdelecomoqueumaespéciedeempresapermanenteeempresamúltipla(Foucault,2008,p.332).

Assim,paraaimplantaçãodessemodelonaAlemanhaserianecessárioimplantarumquadropolíticoemoralquecomportasseumacomunidadenãodesagregadae,enfim,quegarantisseumacooperaçãoentreos homens, naturalmente enraizados e socialmente integrados. Já no neoliberalismo estadunidense, ageneralizaçãodaformaeconômicadomercadofuncionacomoprincípiodeinteligibilidade“princípiodedecifraçãodas relações sociais edoscomportamentos individuais”,oque significaque“aanáliseemtermos de economia de mercado, em outras palavras, em termos de oferta e procura, vai servir deesquemaquesepodeaplicaracamposnão–econômicos”(Foucault,2008,p.332).

Aquestãocriminal,emboranãopertençaaocampodeestudosdaeconomia,poderia,medianteapráticadosneoliberaisestadunidenses,serestudadasobopontodevistaeconômico,retirandoaimportânciadaanálisedohomolegalis,penalisecriminalisatendo-sena“medidadopossível,graçasaumaanálisequeseriapuramenteeconômica,aumhomooeconomicus evercomoocrime, talvezacriminalidade,podeseranalisadaapartirdai”,buscando,assim,avisualizaçãodaproblemáticadocrime,semteremvistaasformasdeumaestruturajurídica93(Foucault,2008,p.343).

A análise passa para o lado do sujeito individual e é nisso que mantém ligação bem próxima àsconotaçõestrazidasporBeccariaeBenthamnareformadosistemapenalnoséculoXVIII,quetemcomoobjetodesuasanálisesoato,ocrimeenãoocriminoso.Mas,enquantonosestudosdoséculoXVIIItodaamecânicapenalcomquesonhavaBenthambuscavaextinguiracriminalidade,umaespéciedeanulaçãogeral do crime, os neoliberais americanos entendiam que uma política penal deveria renunciarabsolutamenteaessetipodesupressãoeanulaçãoexaustivadocrime(Foucault,2008).

Para os neoliberais estadunidenses, o princípio regulador da política penal consiste emuma “simplesintervenção nomercado do crime e em relação à oferta de crime”. Tratam assim da necessidade dacriaçãodeumademandanegativa,aqualteráumcustoquenãopoderásuperarocustodacriminalidade,cujaofertaquerselimitar.(Foucault,2008,p.350).

Paraessesteóricos,acriaçãodessademandanegativasedarápeloenforçodalei94enãosebuscamaisextinguir o crime, “pois uma sociedade vai bem com certa taxa de ilegalidade e iria muito mal sequisesse reduzir indefinidamente essa taxa de ilegalidade”.Assim, o problemada penalidadedeve seresumiraduasquestões:a)quantosdelitosdevemserpermitidoseb)quantosdelinquentesdevemserdeixadosimpunes(Foucault,2008,p.350).

Emmeio a esses raciocínios, surge então toda uma tecnologia ambiental ou psicologia ambiental nosEstadosUnidos,quevai localizaraaçãopenalapartirdopressupostodequeosujeitoéconsideradocapazderesponderaessasmudançasnosganhoseperdastrazidospordemandaspositivasounegativasesedãosobdeterminadascondutascriminosasnaesferadaofertadocrime,sendo,então,umaatuaçãoquesedarásoboambientedomercado,ouseja,meramenteambiental(Foucault,2008).

Nessesentido,aEscoladeChicagoacompanhaomodelodeanáliseambientalneoliberaldosEstadosUnidos nas primeiras décadas do século XX, em que o País se encontrava em franco processo deindustrialização, comnecessidade demão de obra e capital disponível que gerava grandemovimento

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migratório,osimigrantesconcentraram-seemNewYork,DetroiteChicago.EmChicago,haviamuitosimigrantescujosvaloreseramdiferentesdaclassededirigentesdacidade,onde tambémocorreuumamigração interna daqueles vindos de economias agrárias, em sua maioria de populações de origemafricanaquesedeslocaramparaascidades.

Anitua situa o crescimento populacional de Chicago, ao tratar do aumento da população urbana dosEstadosUnidos e do decréscimodaquela localizada na área rural: “... a cidade deChicago tinha, em1840quandoerarecém-fundada,2.000milhabitantes;em1860jápossuía110.000habitantes,em1870,300.000 mil, em 1890 alcançaria a cifra de 800.000, e em 1910 já contaria com dois milhões dehabitantes.Em1920,umterçodosseus2.700.000habitanteseramestrangeiros”(Anitua,2008,p.411).

Vê-sequeograndedesenvolvimentourbanístico,econômicoefinanceiroresultouemgrandeincrementopopulacional em espaços curtos de tempo. Isso ocorreu ainda pela chegada de imigrantes, comoreferenciado, embuscade trabalho, entre osquais: tchecos, judeus, alemães, holandeses, gregos entreoutros.Shecaira(2008)observaqueseteporcentodapopulaçãoeraconstituídapornegrosprovenientesdascorrentesimigratóriasdosulprocurandoempregoemlocaissemtantadiscriminação.

Acidadecontrastacomacomunidaderuralgerandooanonimato,odistanciamentodosvaloresfamiliares(moralistasereformadoressociais).Seantesaascensãosocialerabuscadapormeiostradicionaiscomootrabalho;nassociedades,comoaproduzidaemmeiourbano,odelitopoderiaserumasolução.

EmChicagoerapossíveldistinguircincozonasconcêntricas:Loop-zonacentralocupadaporfábricas,serviços administrativos, armazéns comerciais e bancos; zona intersticial e de transição - tanto emsentidoestáticocomodinâmico,estandopermanentementesujeitaàinvasãoresultantedocrescimentodazona central e por isso em constante degradação física. Seus habitantes estão sempre dispostos aabandoná-la(assimquemelhoraremdecondiçãofinanceira).Éodormitóriodosmaispobres,dosquechegaram local dos ghettos do slum, dos bordéis, entre outros. A terceira é a zona residencial dostrabalhadoresdesegundageração;aquarta;adegrandesblocoshabitacionais,hotéisresidenciais,classemédiaeaquinta,aclassederespeitáveisedeposse(AndradeeDias,1992).

Nas pesquisas realizadas pela Escola (teoria ecológica),observou-se que a delinquência não estavarelacionada a todas as regiões, mas concentrada em determinadas áreas, isto é, a concentração dadelinquênciadiminuíaàmedidaqueiamsedistanciandodocentro.AconstataçãoocorreupormeiodaanálisededadosdoTribunaldeMenores,verificou-seaindaqueàmedidaqueosimigrantesmudavamde zona de residência, por exemplo, os jovens tendiam a delinquir menos. Porém, no centro, asestatísticas se mantinham, o que é explicado pelo fato de que novas levas de pessoas ingressavamnaquelelocal.

Coincidentemente,emrelaçãoaosnegros,odistanciamentodocentrofaziacomqueadelinquênciaentreelesdiminuísse.Destaca-se, então,queadesorganizaçãosocial emumazonapodeservistacomoumateoria do “controle social informal”, já que em função da diversidade de grupos nacionais e raciaisdiferentes o reconhecimento de normas e valores semelhantes é validado, o que impossibilita aorganizaçãoparacontrolaradelinquência.

Nãohavia, em facedodesejodemudardezona, apossibilidadedeapoiar instituiçõesquepudessemmudarasituaçãopercebida.AdesorganizaçãosocialéoprincipalfocodeestudodaEscoladeChicago

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(Anitua,2008).

ParaShecaira(2004,p.152):

[...] a ideia central do pensamento ecológico é que a cidade não é somente um amontoado de homens individuais e de convençõessociaisdecorrentesdoagrupamentohumano.Nãosãosóasruas,parques,linhasdeônibus,metrô,rededeesgotoetc.Aocontrário,a‘cidadeéumestadodeespírito,umcorpodecostumesetradiçõesedossentimentoseatitudesorganizados,inerentesaessescostumesetransmitidosporessatradição.Emoutraspalavras,acidadenãoémeramenteummecanismofísicoeumaconstruçãoartificial.Estaenvolvida em processos vitais das pessoas que a compõe’.Cada cidade tem sua cultura própria, seus estatutos, seus ditames, umaorganização formal e outra informal, seus usos e costumes, seus ‘cantos’, e suaprópria identidade.Nadamais representa oRiodeJaneiroqueoCorcovadoeoPãodeAçúcar.SãoPauloéaAvenidaPaulista,assimcomoNewYorkéaestátuadaLiberdade.

Comopropostasàecologiacriminalapresenta(Maillo,2007,p.86):

a)necessidadeefetivadascondiçõeseconômicasdascrianças;implantaçãodeprogramasqueenvolvamrecursoshumanosjuntoàcomunidadeequeestescentremsuasforçasnocidadão;

b) a operação deve ser desenvolvida pela vizinhança, a administração e planejamento devem serelaboradosporáreasdelimitadas;

c)controleseiniciativasdevemocorremdentrodaprópriacomunidade;

d)CriaçãodeProgramascomunitáriosparaqueascriançastenhamseutempopreenchido.

A escola de Chicago representou a primeira teoria sociológica do crime e a primeira “denúncia deinadequaçãodasrespostasdetratamentoindividual”e,ainda:

Trata-se, em primeiro lugar, de perspectivar a política criminal ao nível da pequena comunidade local de vizinhança em que osdelinquentesvivem.Trata-se,emsegundolugardemobilizarasinstituiçõessociaislocais(vizinhança,igreja,escola,gruposdesportivos,etc.)paraobviaràdesorganizaçãosocial,reconstituirasolidariedadesocialecontrolarosdelinquentes.Daiqueumadaspreocupaçõesquase obsessivas doChicagoAreaProject seja o demotivar os residentes locais com prestígio e aceitação social para interviremcomo social workers voluntários. Isto em obediência àmáxima de que a reintegração na vida comunitária (condição essencial daprevençãocriminal)deve,namedidadopossível,fazer-seàcustadosprópriosresidentes(DiaseAndrade,1992,p.287).

Entende-secomoprincipaisconsequênciasdaEscolaaimportânciadaprevençãoeanecessidadedequeparaaadoçãodedeterminadaPolíticaCriminalestudosdedadosdarealidadedevemserelaboradosnacidade(Shecaira,2004).

Nascimento(2011,p.73)esclarecequearegiãomaispopulosadeManauslocaliza-senaZonaNorteeZonaLeste,nesseslocaisprevalecemasmaiorestaxasdemortalidadeporhomicídios,emboraamaiorpartedeestabelecimentosde segurançapúblicaconcentre-senazona suldaCapital.Aconstataçãodoautordemonstraaimportânciadoambienteparadefiniçãodepolíticase,decomoasegurançaacabaporseconcentrarnasáreasemqueseencontramaspopulaçõesmaisabastadas.(DeveserobservadoqueaZonaSuldeManauséaquelaondeestá localizadaaPontaNegra,bairroondemoramaspessoascommaiorpoderaquisitivodacidade).

B-TeoriadaAssociaçãoDiferencial

EmfacedasdescobertasdaEscoladeChicago,dequeascausasdacriminalidadenãosãobiológicasoupsicológicas,massãoosindivíduosnormaisquecometemocrimeequeascausasparaissotêmorigem

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social,Sutherland95propôsestateoria.

Paraele,osdelinquentesjuvenisserelacionamcomosoutros,passammuitotempoagrupadoserealizamos atos delitivos em conjunto. Para o estudiosomencionado, a associação gera o treinamento, logo, adelinquênciaéaprendida,ouseja,ainteraçãoeacomunicaçãogeramaaprendizagem.

Omaisimportante,porém,éofatodequequandoasdefiniçõesfavoráveisàinfraçãoprevalecem,équeos autores a praticam. A teoria também gera a constatação de que pessoas de alto poder aquisitivopraticamcrimese, apesardosdanosvultososparaacomunidade, ficam impunes (crimesdecolarinhobranco).

Os estudos da Teoria da Associação Diferencial foram fundamentais em função da criminalidade decolarinhobrancoporalgunsmotivos,entreeles:a)quequestõesgenéticasepsicológicasqueinduziamao entendimento de uma inferioridade ou anormalidade do delinquente não eram verdadeiras; b) avinculaçãodadelinquênciacomapobreza,osdelitosdaclassemédiaealtaeramdesconsiderados.Se,porumlado,aquelesqueviamnaquestãoindividual(pobreza,genesouinferioridade)nãoconseguiamexplicar a criminalidade do colarinho branco; por outro, a pobreza também não a justificava, pois amaioriadospobresnãoédelinquente(Anitua,2008).

Emrelaçãoàscríticasquesofreuateoria,Shecaira(2004,p.211)aponta:aprimeirarelaciona-secoma:“desconsideraçãoda incidênciadefatores individuaisdepersonalidade,ocultoseaté inconscientesnaassociação e demais e demais processos psicossociais96; explica que, do mesmo modo, “a teoriadesatende as diferentes aptidões individuais para a aprendizagem; tampouco aclara o porquê se suainterpretação estar dirigida unicamente aos modelos de comportamento criminal, e às orientações devaloresdesviados”.E,finalmente,complementanosentidodequenãoháumaexplicaçãodomotivoporqueemiguaiscondiçõesumapessoaadereao“modelodesvianteeoutranão”(idem).

Portanto pode-se explicar pelaTeoria exposta tanto o delito das classes baixas como a dasmédias ealtas.

C–TeoriasdaSubculturaDelinquente

DiaseAndrade(2004,p.290)aotratardateoriaofazemapartirdaconceituaçãodeculturaqueparaeles:

Porrazãodeeconomia,nestasedeapenascuramosdoconceitosociológicodecultura:umconjuntodecritériosdevalorcapazesdeorientar eficazmente a acção social. Em sentido sociológico, a cultura estende-se, pois, a todos os modelos colectivos de acçãoidentificáveisnaspalavrasenacondutadosmembrosdeumadadacomunidade,dinamicamentetransmitidosdegeraçãoparageraçãoedotadosdecertadurabilidade.

Aexistênciadesubculturaimpendeoreconhecimentodaexistênciadedivergênciaemrelaçãoàculturaquedomina.Aindaparaosautoresacimacitados,segundoasteoriasdasubcultura,“ocrimeresultadainteriorizaçãoedaobediênciadeumcódigomoralouculturalque tornaadelinquência imperativa.Àsemelhança do que acontece como comportamento conforme à lei, tambéma delinquência significa aconversãodeumsistemadecrençasemvaloresemacções”(DiaseAndrade,2004,p.291).

Asteoriastratamaformaçãodapersonalidadecomoumprocessodesocialização,ospadrõesculturais

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seriaminternalizadospormeiodeinstintossociais.ParaCohen97,osvaloresenormasquepodemserdiferentesestãoespecialmenteestabelecidosemgruposjovens,eestes,então,formamsubculturas.

Para o autor, a delinquência juvenil apresenta os seguintes pontos: não utilitária - namedida em quecometeacondutadelitivapelomerofatodecometê-la(furtarporfurtar);maliciosa-adesobediênciaàsnormas acarreta certo grau de prazer e, sendo negativa a conduta, é correta para o jovem, porque éincorretaparaosoutros.Nãohavendoumentendimentocomumsobreateoria,elafoiimportanteporquedemonstrouque as sociedades sãodividas emclasses e quepara os jovensnãopertencentes à classemédiaexistemdesvantagens,aordemeadisciplinaaelesdadassãomenosefetivase tendemmaisaofracasso(Maillo,2007,92).

D-ATeoriadaAnomia

Deve-seoconceitodeanomiaaDurkheim.Eporanomiaentende-seaausênciadenormas.Paraoautor,o crime não era constituído somente de carga negativa, para ele, tinha um caráter funcional, o autorobservoutambémqueacriminalidadefazia-sepresenteemtodasassociedades(Durkheim,2007).

Percebe-sequeasmanifestaçõesantissociaissãocomunsnassociedades,masissonãoacarretaqueemtodaselasummesmofatosejaconsideradocomocriminosonemqueaqueleatohojecriminalizadosemantenhadessaformaparasempre,poisaevoluçãosocialalteraoconteúdodecondutasconsideradascriminosas.

Em algumas situações, há dificuldade de adaptação, pelo fato de que as mesmas possam provocarinsegurançaeimpediraplenaconfiançanasnormas,Bizelli(2007,p.149)lembraque:

Naprimeira formadeorganizaçãosocial,apoucadiferenciaçãosocial,ousemelhanças,ondeháemconjuntocrençasesentimentoscomuns à média dos membros do corpo social, forma-se o que o autor chama de ‘consciência coletiva’, que se sobrepõem àsconsciênciasindividuais,queestáforadaconsciênciacomume,naocorrênciadeumcrime,setiverumaprecisãoeintensidadepodeatingiramédiadaconsciênciacoletivae,comotal,alcançaotodo.Areaçãoimediataestáembasadanavingança,nodesejodepunir,dereprimir.

Emcasode“umareaçãodifusanasociedade”opoderdereaçãoédopróprioEstado,devendoserasuaprioritária atitude defender “a consciência comum” contra os inimigos (idem, p. 149).Mais adiante oautor,sobreoassuntorelata:

Difícilnãopensarmos,de imediatooupelomenosemparte,nosdiasposterioresaoataquedoàsduas torresem11desetembrode2001:odifusonasociedade(perplexidade,medo,ameaça)eareaçãogovernamentalindependentementedaONU,direitointernacionalevozescontráriasinternaseexternas.Mastalreaçãonãoseaplicasomenteemcasodetalexcepcionalidade.ElaéumacaracterísticadodireitopenaleseaplicaemnomedoEstadoepeloEstado,acrimesqueocorremnocotidianoepodemconfigurar-seao‘ameaçar’àconsciênciacoletivamesmoqueelaaindanãotenhaapercepçãodetalameaça(oEstadopodeatuarcomoumamedidapreventiva)(Bizelli,2007,p.150).

RetomandoaTeoria,aanomiavincula-se,narealidade,àperdadaefetividadedanormaeseusvalores.Como conquista lógica da sociedade estadunidense, está a busca do bem-estar, por isso as pessoaspassamacometerirregularidades.FoiMerton98oestudiosoresponsávelpelodesenvolvimentodateoriaa partir das ideias de Durkheim que “concebeu então o conceito de ‘anomia’ como um ‘estado dedesintegração’originadonosobstáculosdadivisãodotrabalho,quedificultaacomunicaçãodiretaentremembros de um projeto social comum” (Elbert, 2009, p. 159). Para muitos, a obra de Mertoncorrespondeàprimeirateoriasociológicadacondutadesviada.Houveêxito.

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SegundoElbert:

ParaMerton,“asociedadeatuaobstaculizandooufomentandoasexpectativasdessesindivíduose,seasestruturassociaisestãomalintegradasproduz-se emcertosgrupos, uma tendência ao abandonodasnormas, à carênciado respeitopara comelas, desatandoatendênciaaqueeles‘busquemsuasmetasforadoestabelecido”(2009,p.160).

Acriminologiapositivistaestabeleceucritérios“deanormalidade,doença,desviosepatologiassociais”,condutas desviadas e incorporou a linguagem médica, diagnóstico, prognóstico, tratamento e, dessemodo,serviuparaestabelecersobrearealidadedeclassedapopulaçãopenitenciária,associaçõesentreo pobre, o feio, o anormal e o perigoso, o rico, o belo, o inofensivo, criando um estereótipo dodelinquentequepertenciaàsclassespobres.(Castro,2005)

Asteoriasacimadelineadassedesenvolveramnumperíodoemqueasociedadenãoabominavaooutro,portanto, caracterizava-se como uma sociedade inclusiva. Ao tratar do assunto, Young (2002, p. 22)observa que nessa sociedade “o outro desviante” paga sua dívida com a sociedade e se reintegra.Oviciadoemdrogassecura,oadolescenteseajustaàsociedade.TaldiscursoéconsentâneocomacrençadeumEstadodebem-estarsocialecomacriminologiapositivista,acreditando-seaindanocrimecomoresultadodeumcomportamentodoindivíduoedestecomasociedade.

Olabellingapproacheoetiquetamento(Interacionismo)

O pensamento que gerou a teoria do labelling approachocorre em um momento de grandesacontecimentos em nível mundial, o que gerou uma série de movimentos entre os jovens, como porexemplo, a reação aGuerra doVietnã e consequentemente a deslegitimação das instituições até entãotradicionaisnosEstadosUnidosqueacabouporgeraromovimentohippie99.

Em relação às Instituições Totais, Goffman (1999) mostra o comportamento das pessoas frente aburocracias“poderosas”,quantoaoestigma,háreferênciaaotemanocapítuloanterior,entretanto,algunsaspectosdevemaindaserconsiderados:

Emrelaçãoàpráticadeinternarqueseverificatantocomoformadeaplicaçãodemedidasocioeducativaquantoemrelaçãoacriançasemabandonoousituaçãoderisco:

Uma disposição básica da sociedade moderna é que o indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, comdiferentescoparticipantes,sobdiferentesautoridadesesemumplanoracionalgeral.Oaspectocentraldasinstituiçõestotaispodeserdescritocomarupturadasbarreirasquecomumenteseparamessastrêsesferasdavida.Emprimeirolugar,todososaspectosdavidasãorealizadosnomesmolocalesobumaúnicaautoridade.Emsegundolugarcadafasedaatividadediáriadoparticipanteérealizadanacompanhiaimediatadeumgruporelativamentegrandedeoutraspessoas,todaselastratadasdamesmaformaeobrigadasafazerasmesmascoisasemconjunto.Emterceiro lugar, todasasatividadesdiáriassãorigorosamenteestabelecidasemhorários,poisumaatividade levaem tempopré-determinadoà seguinte, e todaa sequênciadeatividadesé impostadecima,porumsistemade regrasformais explícitas e um grupo de funcionários. Finalmente, as várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único,supostamenteplanejadoparaatenderaosobjetivosoficiaisdainstituição(Goffman,1999,p.18).

Éimportantelembrarqueoprocedimentoaquesesubmeteojovememconflitocomaleinomomentodaadmissãoaumainstituiçãoparaaplicaçãodemedidasocioeducativaéaexpropriaçãodaquiloqueéseu,que,narealidade,ofazsersingularemrelaçãoaooutro,portanto,deimediatoperdeasuadiferença.

Torna-seestigmatizado,poisinfringiuopadrãoqueasociedadepoderiaesperardele,deixoudeatenderasexpectativasquesetinhasobreele100.

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OimportanteéoresultadodosestudosqueconsoanteesclareceAnitua(2008,p.583).

[...]De acordo com as necessidades da vida, numa instituição total, o interno desenvolve uma nova identidade, que começa comoprocessodemutilaçãoou“desestruturaçãodoeu”doingresso,econtinuacommecanismosdepoderquelevamointernoamodificarsuacondutae adesenvolver estratégiasde resistência.Estanova identidade, alémde ser funcionaldentroda instituição, servepara“marcar” o interno como um ser distinto e inferior para a vida em liberdade.Assim o estigma de ter sido condenado e ter estadoencerradocomo“louco”,“delinquente”etc.acompanharáoindivíduoportodasasatividadesquepretendarealizar.

Outros sociólogos analisaram a situação dos delinquentes em face de assunção de determinadoscomportamentos que acabam por se amoldar à criação do estereótipo do delinquente, comoChapmananalisou. Já Garfinkel introduz o ritual das “cerimônias degradantes”. Os fatos cometidos pelossentenciadosserãodefinidoscomoanormais(idem,p.587).

Emverdade,naatualidade,ospresossãosubmetidosaosrituais,depositamseuspertencesnaentradaenamaioriadasprisõesrecebemsuanovaidentidade:umnúmero,passamasevestircomseuuniforme,amaioria da cor laranja, despem-se de sua identidade anterior e assumem uma nova. Em relação aosjovens, sabe-se que, apesar das faladas garantias, a polícia e os juízes decidemque eles deverão serinternados,passando,dessaforma,pelomesmoprocessodospresosadultos.

O conceito de crime, de criminoso e de vítima é uma construção feita com escopo em estigmas eideologias que é influenciado pelo controle social formal ou informal, então está sempre distante darealidade(DiaseAndrade,1999).

Então as ordens sociais, científicas, ideológicas, institucionais atuam para a criação do conceito. Narealidade,ocrimenãoexisteforadoseuprocessodecriação,masaocriá-losepermiteacriminalizaçãoseletiva dosmarginalizados, afirma-se o predomínio das classes dominantes e proporciona-se a falsapercepçãodesegurança.

Odelito então é produto de umanegociação que tem lugar na interação na qual um sujeito implicadorecebea“etiquetadedelinquente”,apartirdessaconstataçãooenfoquedoetiquetamentofoioriginado.

Ateoriadoetiquetamentofoidesenvolvidanadécadade60esuaimportânciaestánodeslocamentodaanálisedascausasdocrime,umavezquetrabalhacomanoçãodequeacondutaporsisónãoédelitiva,masquedelitivoéoquesedefinecomotal,emnossoPaís,aLei.Portanto,éareaçãodacomunidadequetransformaacondutaemcrime.

Muitos incorrememcondutasdelitivas,masnemtodossãocriminalizados,mesmodescobertos,algunsnãosãoalcançadospelo sistemapunitivo.O jovem,porém,aoserdescobertoeetiquetado, sofreumaalteraçãoemseuprocedimentoenaformacomosevê,podendogerarumacontinuidadedelitivacomorespostaàassunçãodaetiquetarecebida,oquepodeocorreraindaquandoafastadodoconvíviodeseusfamiliareseamigos.

Ateoriarecebeumuitascríticas,entreelasadequealgumascondutastipificadascomocrimesempreoforam,emtodaahistória,como:homicídios,roubos,furtos,entreoutros.DequalquerformaapercepçãomanifestadapelacorrenteédaperspectivadecomoasInstituiçõeslidampoliticamentecomessesatos.

Mas, evidentemente, em algumas sociedades, determinados comportamentos são elididos, emboratradicionalmentecriminosos,comoexemplo,pode-secitarqueparaosislâmicosháaobrigaçãodematar

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oestupradordafilha.

Pode-se indicarHowardBecker,emOutsiders,e IrvingGoffman(obras jácitadas)comoimportantes,sociólogosnaconstruçãodopensamentointeracionista.

Maillo (2007, p. 259) observa que Zaffaroni, Alagia e Slokar desenvolveram uma linha “bastante”ortodoxanoenfoquedoetiquetamento,demonstrandoqueosistemadeAdministraçãodeJustiçaatuade“formaaltamenteseletiva”.

Realmente, Zaffaroni e Nilo Batista, ao tratarem do assunto na obra acima citada, observam que oprogramacriminalizantenãopermiteseucumprimento,assimcomoaquelesqueoaprovamnãodetêmamenornoçãodoimpactoasercausadonapopulação,umavezqueolegisladornãotemacapacidadedeprevercomoseráocomportamentodasinstanciasformaisdecontroleemrelaçãoaapuraçãodoato.

Por esse motivo, a consequência da criminalização primária é, sem dúvida, a seletividade nacriminalização secundária, caso contrário, não haveria atuação das agências de controle. Os autoresobservam,ainda,quequantomenospodermaisvulneráveissãoosindivíduose,portalmotivo,acabamsendoobjetosdoetiquetamento.

ParaMaillo(2007),acaba-seporperseguirosdelitoscometidospelasclassesmaisdesfavorecidasquesão,emgeral,osdelitoscontraopatrimônio.

Para Becker (2008), o etiquetamento ocorre inicialmente com a criação de normas (criminalizaçãoprimária)edepoiscomaimposiçãodasnormasaalguém(criminalizaçãosecundária).

Ateoriaprovocouumamudançanaformadeseolharacriminalidade,emvezdeseperguntarsobreodelinquente,passa-seafazê-loemrelaçãoàs instânciasquedefinemeadministramadelinquência.Asperspectivas acima apontadas originam o que se denomina de criminologia da reação social, a qualoriginaráaCriminologiaCríticaeaRadical.

É importante enfatizar que o “labelling approach” gerou a constatação de que a pena serve para aperpetuaçãodocaráterdesvianteatribuídoaalguémselecionadopelosistema.Acriminalidade,então,passaaservistacomoumaconstruçãosocial,assim,oparadigmaetiológiconãosesustenta,redundanacríticanecessáriaaoDireitoPenal, cujo sistemaéestabelecidoparaaobtençãodadominação social,querpolítica,quereconômica.

CriminologiadeConsensoedeconflito

Inicialmente,observa-sequetantoSalomãoShecaira,quantoJorgedeFigueiredoDiastratamdoassunto.

A antinomia de consenso e conflito para Dahrendorf (1974) já estava colocada quando Sócrates(consenso)eTrasímaco(conflito),naRepúblicadePlatão,dialogamsobreajustiça101.Masfoinateoriasociológica,introduzidaporDurkheimeMarx,quepassouaconstituirumtemarelevante.Ummodelodeconsenso impede a mudança, pois para o consensualismo os indivíduos compartilham os objetivoscomuns a todos os cidadãos e a finalidade da sociedade é alcançar um funcionamento perfeito(harmônico).

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Asmudançassociaisconstituem-seemdisfunções,éumafalhanosistemaqueimpedeaintegraçãodaspessoasemsuasfinalidadesevalores.SãopremissasdasTeoriasConsensuais:

Todasociedadeéumaestruturadeelementosrelativamentepersistenteeestável;

Todasociedadeéumaestruturadeelementosbemintegrada;

Todoelementoemumasociedadetemumafunção,istoé,contribuiparasuamanutençãocomosistema;

Todaestruturasocialemfuncionamentoébaseadaemumconsensoentreseusmembrossobrevalores.

A sociologia criminal americana até 1960 desenvolve-se dentro de um paradigma consensual eetiológico, apoia-se em explicações sobre fatos sociais e sociedade. São as teorias da associaçãodiferencial,daanomia,dasubculturadelinquenteeinicialmentedaEscoladeChicago.

ÉsustentadotambémporautoresnãoMarxistas.OconflitoparaMarxpartededuasclasses,asquaissãodefinidas “pela posição quanto à propriedade dos meios de produção”. O conflito para Dahrendorf(1974)éprovocadopelasprópriasrelaçõessociaisefazpartedavida,ouseja,“atoda‘aassociaçãohumanaimperativamenteordenada’provocaresistênciaàautoridadeeporissooconflito”.

Asteoriasbaseadasnoconflitosão:OInteracionismoSimbólico(labellingapproach)eCrítica.

Paraateoriadeconflito,existenasociedadeumalutapermanentepelopoder,quesemantémpormeiodacoerção.Dentrodesseprocesso,ocrimeassumesua importância.Aordemnasociedadeestá ínsitanaforça e na coerção, em outras palavras, dominação por poucos e sujeição de outros (muitos), não seestabelecemacordos.ComopremissadasteoriasdeconflitoDahrendorf(1974)elenca:

Todasociedadeestá,acadamomento,sujeitaaprocessosdemudança;

Amudançasocialéubíqua;(queestáaomesmotempoemtodaaparte);

Todasociedadeexibe,acadamomento,dissensãoeconflitoeoconflitosocialéubíquo;

Todooelementoemumasociedadecontribuidecertaformaparasuadesintegraçãoemudança;

Todaasociedadeébaseadanacoerçãodealgunsdeseusmembrosporoutros.

Aimportânciadeseenfatizaropensamentoconflitualéindicaraformacomoacriminalizaçãooperar,alei penal não pode ser encarada como produto de um acordo para harmonia da sociedade,mostra-secomoa formade subjugaçãodeuns em relação a outros.Ogrupodepessoasque acabam impondo alegislaçãoatuaemfunçãodascondutasquelhesgeramincômodoouprejuízo(Anitua,2008,p.603).

Desvela-sequeaatividadedasagênciasdecontroleérealizaroprocessoseletivodecriminalização.E,aindaquenoprocessodecriminalizarpode-seagircomadiscricionariedadequepermiteoatendimentoafavoreseconcessões.

Como resultado institucional do labelling approach pode-se situar, porque estão sendo aplicadas: aproibiçãodeemissãodecertidõesdeantecedentescriminaiseasmedidasalternativasàpenadeprisão.

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Opensamentocriminológicocrítico

Opensamentocríticoconstitui-seemmudançasbaseadasnasquestões levantadasapartirdo labellingapproach,quepassaadirigir-seàestruturadosistemadecontrole.Parataiscríticos,importa,saberomotivoporquedeterminadosindivíduossãotratadoscomocriminososeoutrosnãoapartirdeumamerarelaçãodeseletividadeporInstituiçõesqueformamomecanismodecontroleformal.

Opensamentocriminológicocríticosurgeapartirde1970esedesenvolvesobváriasvertentescomo:novacriminologia,criminologiaradical,criminologiacrítica,criminologiamarxista.

Para Alessandro Baratta (1997, p. 161), são as seguintes as etapas percorridas que vão dodesenvolvimentodasociologiacriminalatéacriminologiacrítica:

Em primeiro lugar, o deslocamento do enfoque teórico do autor, para as condições objetivas, estruturais e funcionais, que estão naorigemdosfenômenosdodesvio.Emsegundolugar,odeslocamentodointeressecognoscitivodascausasdodesviocriminalparaosmecanismosinstitucionaisatravésdosquaiséconstruídaa‘realidadesocial’dodesvio,ouseja,paraosmecanismosatravésdosquaissãocriadaseaplicadasasdefiniçõesdodesvioedacriminalidadeerealizadososprocessosdecriminalização.

Acriminologiacríticaéumateoriacríticadetodoocontrolesociale,portanto,temcomoobjetoacriticaem relação às instâncias formais e informais de controle, em verdade, foi assumida em termos dePolíticasCriminaismanifestando-secontudopormeiodeumaeficáciainvertidaque,afinal,acabouporlegitimaroEstadoàmaiorrepressão,videocasodaLeidosJuizadosEspeciaisCriminaisedePenasAlternativasnoBrasil,oqueseráanalisadoposteriormente(Castro,2004).

A Criminologia Radical foi influenciada pelo pensamento de Marx e Engels, embora estes sejamescassos.Ainfluênciamarxistaéobservadaapartirdaconstataçãodequeocapitalismoéabaseparaadelinquência, uma vez que o egoísmo faz com que as pessoas ajam em próprio benefício e por issotornam-sedelinquentes(Maillo,2007,p.272).

A Criminologia Radical gerou uma série de vertentes heterogêneas como: Criminologia de Conflito,NovaCriminologia,CriminologiaRadicalpropriamenteditaeorealismodeesquerda,Teoriaestrutural-marxistadaproduçãodadelinquênciajuvenil,CriminologiaFeministaePós-ModernaeaCriminologiaverde.

Taisideiastêmalgunstraçoscomunsquesãoosqueseguem:

1. Sãoasclassessociaisdemaiorpodereconômicoe,assim,éopolíticoqueimpõeseusvalores.ODireito Penal protege o interesse dessas classes. Os delitos praticados pelos que têm podergeralmenteficamimpunes.OsdelinquentessãoprejudicadospelasociedadeepeloDireitoPenal;

2. Nosdiscursossobreascausasdodelitoesconde-seoquerealmenteérelevante;

3. Adelinquênciaéresultadodocapitalismo,queacriaemfunçãodatolerânciadasdesigualdadesquepromove;

4. PugnaporumaprofundareformadaSociedade, tal intervençãoseoperarianosentidodareduçãodasdesigualdades.

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Dasteorias,aestrutural-marxistadaproduçãodadelinquênciajuvenil interessa.Maillo(2007,p.277)lecionaqueos contatosdacriançacoma família e a escola se expressampormeiodeumaeducaçãocoercitivadeformaqueessevínculosiniciaissãonegativos.Acriançaobedeceaospaisportemoreseinserenaescolae,deformasutil,tambémdesenvolveumtemor.Osjovens,aoseligaremadeterminadogrupo,emgeralosprocedentesdeestruturasdecontrolenegativas,acabamseunindoàquelesque têmproblemas semelhantes, por exemplo, os que não são bons alunos, tais associações podem serdeterminantesparaqueojovemvenhaadelinquir.

Supera-seoparadigmaetiológicoocorrendoumarupturaaopositivismocriminológico.Aexistênciadecondutasdanosassocialmenteenãocriminalizadassãodenunciadas,como:racismo,corrupção,delitosdopoder,entreoutros.Osistemavigenteeraprodutordeinjustiças.Oscriminólogosradicaispretendiamasupressãodosistemapenal.

Atualmente, abandonou-se a busca pela legitimação da pena e das causas, o sistema penal passou aoperar de forma administrativa, seu poder deriva de sua indeterminação. Afinal, o que ele faz é“identificar,classificar,ordenaregerenciargruposperigososdemodoeficiente”.Avigilânciasedestinaaeles.Anitua(2008,p.815)esclarece:

Ofatodeque,sefaleem‘gerência’significaqueapenalogiadeprincípiosdoséculoXXInãopretendecastigar,éticaoujuridicamente,nemreeducaroureabilitar,nemtampoucoeliminaradelinquêncianofuturo,massimplesmentetorná-latratáveloutolerável.Osistemapenaladquireumafunçãogerencial,jáqueseconvertenomecanismodegestãodaquelesgruposderisco,atravésdeinstrumentosquevão desde o confinamento em cárceres de simples custódia, até sistemas demonitoramento eletrônico, novas formas de vigilância,impedimentos físicos etc. Pretende-se, com isso, reduzir os danos e afastar a ideia do perigo, sem comprometer-se com nenhumapropostadeumfuturomelhor,semdelitosnemcastigos.

CriminologiaModerna

Na criminologia moderna desenvolvida a partir de 1980 passa a se delinear como tendência: oabolicionismopenal,oneorrealismodeesquerdaeateoriadodireitopenalmínimo.

AbolicionismoPenal

O abolicionismo penal para Passetti (1999, p. 61) “é uma vertente libertária que investe na crítica àpuniçãoequeencontrou,noséculoXX,soluçõeslivresdeutopias,presentificandoaatuação”.PassouatervisibilidadenopósSegundaGuerraMundial“paraacuarodireitopenalequestionarosprincípiosdeumasociabilidadeautoritáriapautadanacentralidadedopoder”.Oabolicionismo“pretendediscutiradiscursividadepenalizadoraancoradanumaprofusãodereformasqueatestamepublicizamainoperânciadamelhorpuniçãoedeseusefeitosdisciplinaresedecontrole,segundoofluxocontrárioaodo“ruimcom,piorsem”.102

Osteóricosdoabolicionismopenalnãoaceitamumapolíticacriminalalternativa,oabolicionismoéumaformadesealteraraPolíticaCriminal.Amanutençãodosistemaéquecomportaaideiadealternativasàpolítica criminal e, estas, em vez de tratarem de soluções efetivamente redutoras do sistema, adotamestratégiasqueaumentamapunição,logo,nãofazempartedesuaabordagem.

Os abolicionistas penais entendem que em função de ocorrer uma intervenção estatal nos processos

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penaisocorretambémumagravamentodosconflitos,umavezqueasrespostasserãopunitivas.(Elbert,2009,p.133).

Foucault(2003),aotratarsobreasformasdeclausurapraticadasaofinaldoséculoXVIII,observaqueestavamforadosistemajudicial,masnoséculoXIXaprisãotransforma-senaformageraldecastigo.Ascríticaseosquestionamentos feitos forammuitos, taiscomo:dificuldadedecontroledaaplicaçãodaspenas,mistura de condenados, um lugar atrativo para os delinquentes e a possibilidade de assumirempermanentementetalpapel.

Foucault (2003) inquire sobre por que a prisão fincou-se institucionalmente, uma vez que a lógica daprisãonãoestavanaideiadosreformadores,comoBeccariaeoutros.Paraoautor,trata-sedeuma“novaeconomiadepoder”,poisemtodaaconstruçãodocrime,anecessidadedepuniçãopassaaexistirpelanecessidadedeseresguardarasociedadeeoinfratorrompecomopactosocialeporissopassaaservistocomouminimigo,ouseja,oquesepunerealmentenãoéafaltacometida,masalesãoquesofreasociedade.

Então,aspráticaspunitivasforamlegitimadaspelacriminologiatradicionaleosmecanismosdepoderexercidospelosistemapunitivoforamreforçadospelaameaçadacriminalidade“comoumálibicontínuoparaendurecerocontroledasociedade”(Foucault,2003,p.264).

O abolicionismo penal comporta várias visões, destacam-se as deThomasMathiesen, LoukHulsman,NilsChristie,EdsonPassettieFoucault.

Importanomomentoconheceropensamentodessesconstrutoresdoabolicionismoque,emboraprovindodeenfoquesdiferentes,apresentamcoincidênciasnaformadeolharosistemapunitivo.

AconcepçãodeLoukHulsmanéfenomenológica,paraele,osistemapenalacabasendoumproblemaporsua própria existência e deve ser abolido imediatamente. Alguns pressupostos a sua constatação danecessidadedeabolirsão:

Avisãodequeoaparelhopenaléúnicocomoformadeproteçãocontraosfenômenossociaisqueperturbamaspessoascomunsequenãotêmideiadecomoelefunciona;

ParaHulsman,mesmoos juízes eospolíticosnão temqualquer aproximaçãodos indivíduosquecondenam,jáquepertencemaclassesocialdiversa,paraoautor:

Não se trata de má vontade da parte deles. Entre pessoas de cultura, modo de vida, linguagem, modo de pensar diferentes,naturalmentesecriaumaespéciedeincomunicabilidadedifícildesuperar.Detodoomodo,opapelqueosistemapenalreservaaojuizoimpermeabilizacontraqualqueraproximaçãohumana.Dentrodestesistemaacondenaçãoàprisãoé,paraojuiz,umatoburocrático,umaordemescritaaserexecutadaporterceirosequeeleassinaemalgunssegundos.Quandoojuizviraacabeçaparaentregarosautosaoescrivão,ocondenado,queminutosantesestavadiantedeseusolhos, jáfoi levadoetiradodesuavista,passando-seentãoparaopróximo.Eparavocêquecirculalivrementeaprisãoeopresosãocoisasaindamaislongínquas(Hulsman,2005,p.20).

Aideiasimplistadequeaspessoasousãoboasoumás;

Os delinquentes são vistos como pessoas a parte, ‘anormais sociais’, não são bons, bons são osrepresentantes da ordem.Tal pensamento corresponde a assentimentos preconcebidos e a ausência dereflexãopessoaléque“mantêmdepéossistemasopressivos”(Hulsman,1997,p.57).

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Osprincípiosprotetivos tantona áreapenal, quantonaprocessualpenal são realmente aplicadosaosfatos?Aspessoasalvosdosistemasesentembemjulgadas?

Observa:

Quandoosistemapenalseapropriadeum‘assunto’eleocongela,demodoquejamaissejainterpretadodeformadiferentedaquefoino início. O sistema penal ignora totalmente o caráter evolutivo das experiências interiores. Assim, o que se apresenta perante otribunal,nofundo,nadatemavercomoquevivemepensamosprotagonistasnodiadojulgamento.Nessesentido,pode-sedizerqueosistemapenaltratadeproblemasquenãoexistem(Hulsman,2005,p.27).

ParaHulsman, o sistema penal acaba dirigindo-se aos objetivos internosmais que aos externos, fatocomumnasgrandesburocraciaselembraaindaqueosofrimentogeradopela,enaprisãoéestéril.

Hulsmanconstataaindaqueaformacomoofatodelituosoécriminalizadoérelativo,variandonotempoeno lugar.Alémdessesvetores,oabolicionista indica inúmerosoutros,comoosdacifraoculta(paraele,negra),osistemapenalcomoumafábricadeculpados,odequeéaleiquecriaocriminoso,entreoutros.

Enfim, no pensamento deHulsman, as instâncias intermediárias poderiam tratar das situações que, narealidade,sãocausadasporconflitosentreaspartes,conflitostaisquesãoproblemassociaisedevemassimsertratados(Hulsman,1997).

Não é demais lembrar sobre as possibilidades de solução para uma mesma situação problema103,punitivo,compensatório,terapêutico,conciliatórioeeducativo.

Salles (2011)observaquepormeiodaJustiçaRestaurativaomodeloconciliatório jáéutilizadoenoBrasilépresenteaConciliaçãonosConselhosTutelares,entretanto,dizaautora:

Osconselheirosbuscamouvirosproblemasdejovensprovenientesdascamadasmaisdesprovidasdasociedadeeencontrarsoluçõespara seusconflitos.Noentanto, assimcomoaspráticas adotadaspela justiça restaurativa,os conselhos tutelares aindaoperampelaforma do tribunal buscando identificar culpados e inocentes, pormeio de testemunhos e confissões para estabelecer a verdade edeliberar o que é justo. Estas práticas estão atreladas ao atual sistema de justiça e pautadas na lógica penal de acusar e julgar,distanciando-se,portantodaspráticasabolicionistas(Salles,2011,p.101,E102).

Em relação aomodelo punitivo e compensatório, a autora assevera que sãomaneiras “acusatórias delidar comuma situação-problema que implicarãona existência de umvencedor e umperdedor.Estesestilos ainda são norteados pela lógica e pela linguagem do modelo punitivo utilizadas pela justiçacriminal,apartirdousodosconceitosdevítimaeofensor”(Salles,2011,p.102).

Sallesaindatratadoestiloterapêuticoeeducativo.Emrelaçãoaoterapêutico,informaumnovomodelodeenfrentamentoàquestãodasdrogas,nocasodoBrasil,ondeoqueseaplicaéumamedidarestritivadedireitosedeveseroinfratorsubmetidoaoprogramaespecialparausuáriosdedrogas(PROUD),jáemrelaçãoaomodeloeducativopensa-seem“educaroinfratorparaavidaemcomunidade”(2011,p.109e110).

As críticas às formas como tais modelos são aplicados no Brasil relacionam-se como a adoção demedidas “autoritárias e perversas” e a ausência de liberdade para “experimentação livre da vida”(Salles,2011,p.110)104.

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Nãoexisteummodeloparaosprocedimentosalternativos105 visando ao enfrentamentodo crime, paraHulsman:“Sequisermosprogredirnocampodasalternativas,devemosabandonaraorganizaçãoculturale social da justiça criminal”. A justiça criminal versa sobre a figura do criminoso, baseia-se naatribuiçãodeculpaetemumpontodevistade‘juízouniversal’domundo(2004,p.68).

Osistemapenaldaformacomoestruturadooperaadesigualdade,poisosquesãoaprisionadossãoosmaispobres,entretanto,pensa-sequeaorecorreraregrascivis,comodefendidoporHulsman,visandoàindenização dos danos estar-se-ia diante de um enfrentamento da questão que, além de privilegiar avítima,retiraoautordofatodanosodaesferapunitivaquetemnoDireitoPenalsuaoperacionalização.Devolveaosenvolvidosodomíniodofatonabuscadesuasolução.

Mathiesen106(2003)formulaalgumasquestõessobreofundamentodapenaqueseescoranaprevençãogeral e especial. A prevenção geral supostamente serviria para fazer com que as outras pessoas nãopraticassem delitos em função da pena aplicada ao criminoso, e a especial (individual) seria aretribuiçãodocrimecometidopeloinfrator,visandoàreabilitação,inabilitaçãoedissuasãoindividual.Paraoautor,aprisãotemcincoobjetivoscomoseresumeaseguir(2003,p.90):

1º.Reabilitação

Informa sobre os inúmeros estudosempíricos que acabarampor demonstrar que a prisão não gera talefeito, citou em seu texto a “afirmação reveladora feita há mais de quarenta anos por Lloyd W.MacCorkle”,comoaseguir:

Demuitasformas,osistemasocialdereclusãopodeservistocomofornecedordeummododevistaquepermiteaoprisioneiroevitarosefeitospsicológicosdevastadoresdeinternalizareconverterarejeiçãosocialemauto-rejeição.Defato,issopermiteaoprisioneirorejeitarseusrejeitadoresaoinvésderejeitarasipróprio.

2º.Intimidação

Aideiadequeocondenadoficarácomomedodeserparaláenviado;

3º.PrevençãoGeral

Osefeitosdaintimidaçãoquepodemareclusãogeraremoutros.Omedodeseraprisionado.Jásesabequepelomenostalresultadoéincerto.Aoanalisarpesquisasefatos,Mathiesen(2003,p.92)leciona:

[...]apuniçãoéummodopeloqualoEstadotentacomunicarummensagem,especialmenteagruposparticularmentevulneráveisnasociedade.Comoummétododecomunicação,éextremamenterude.Aprópriamensagemédifícildesertransmitida.

4º.Oargumentodainterdiçãoseletivaecoletiva

A coletiva implica “uso da prisão contra categorias inteiras de prováveis reincidentes. Vocêsimplesmenteosliquidatrancafiando-osejogandoforaachave”.107

Sobre a interdição seletiva, que se baseia na “predição individual de transgressores violentos de altorisco combase nos critérios de antecedentes específicos”, os estudiosos do assunto, segundo o autor,concluírampelasaltastaxasdeerrosemrelaçãoàspredições.

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5º.Amedidadocastigo

Lecionaaindaquemesmosabedoresdequeaprisãonadaprevine,imagina-sequepossa“balancearoatocomprecisão”.Paraoautor,tempoetransgressãocriminalsãoimensuráveis,portanto,comsegurançaabalançadapuniçãonãopodesermedida.108

ParaMathiesen(2003,p.132),nãoháfundamentomoralparaaprevençãogeral,umavezquecastigaralguémparaquesejaexemploparapessoastotalmentedistintas,principalmente,quandosepretendequeocastigo,independentementedequemsejaocastigado,pobre,rico,fracoouforte,sirvaparaqueoutrospermaneçamlivreséinjustificável.

Oautorteceaindaobservaçõessobreapossibilidadedeseratingidaaprevençãogeralquandoaquelesaquemcastigamos, sãomajoritariamente gente pobre e fortemente estigmatizadas que necessitamais deassistência do que de castigo (idem, p. 133). “O caráter classista do sistema penal explica-se comoresultado de um processo através do qual a igualdade formal da lei e sua exclusão sistemática dequalquerreferênciaàclasse,narealidade,éincapazdeporfreioàdesigualdade”(idem,p.133)109.

Emrelaçãoaindaaprevençãogeral,oautordesvelaqueaineficiênciapreventivadaprisãoseconstituiemumproblemadecomunicação:

Nesse contexto, a punição é ummodopeloqual oEstado tenta comunicar umamensagem, especialmente a gruposparticularmentevulneráveis na sociedade. Como um método de comunicação, é extremamente rude. A própria mensagem é difícil, devido aincomensurabilidadedaaçãoedareação.Amensageméfiltradaedeturpadaduranteoprocessoeéconfrontadacomumarespostacultural nos grupos que a desconsidera, acabando por neutralizá-la. Acrescentem a isso o profundo problema moral enraizado napuniçãodealgumaspessoascomoobjetivodepreveniroutrosdeagirdeformasemelhante–umproblemamoralquenãoéperdidonosgruposalvoimportantes-evocêsterãooquadrogeral.Oqueésurpreendentenãoéoefeitomínimo,masapersistentecrençapolíticaemtalmétododecomunicaçãoprimário(Mathiesen,2003,p.93).

Entãoosargumentosquefundamentamapenanãosãodefensáveis,nãohácomopugnarpelamanutençãodoencarceramento.Mathiesen(2003)entãoestabeleceduasquestões:aprimeiraemrelaçãoaoquedeveser feito com o cárcere e por que os temos já que são um fiasco? Ao responder manifesta-se pelapresençadeumaonipresenteepersistenteideologia110docárcere.

AotratarparaasoluçãoacenaMathiesen(2003,p.229)paraoquesedevefazer,nocaso:“ofracassodaprisãorequer,desdeoracional,umareduçãodoencarceramentoeumaeventualaboliçãodele”.

DeacordocomMathiesen,oabolicionismosedesenvolvepormeiodeumaposturapermanentementedeoposiçãoedecompetiçãocomodomínioexercidopelopoder.ApolíticadesenvolvidapeloautorgerouacriaçãodaKROM

–OrganizaçãoNorueguesaAnti-Carcerária:

Ainsatisfaçãoparaaentãosituaçãodasprisõesreuniuacadêmicos,advogadosecientistassociaisemumaassociaçãoquepretendiaenvolverosprópriosprisioneirosnaaçãopolítica,equenãotardouamudarseufocoparaaabolição(Salles,2011,p.142).

MathiesencompartilhaseutrabalhocomNilsChristieefincasuaobramaisnasrelaçõesdeclasse,aindaemsociedadesdesiguaiseconsequentementenaspenas:

Ao sugerir o encarceramento de alguns indivíduos com algumasmudanças no tratamento dosmesmos,Mathiesenmostra sua face

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reformistaedistanciadoabolicionismoquepotencializapráticasdeliberdades.Aproxima-sedaguinadaminimalistadeNilsChristieefortalece,porsuavez,opodercentralizadonasociedade,tambémpossíveldereformasconstanteseportantocomportandoaspráticasinacabadas(Salles,2011,p.145).

O autor entende que a prisão “é um sistema profundamente irracional em termos de seus própriosobjetivosestabelecidos”,eobservaaindaqueaspessoasdesconhecemafragilidadeequeaprisãocriauma“sociedademaisperigosaporproduzirpessoasmaisperigosas”(Mathiesen,2003,p.95).Alémdepropor apoio às vítimas, inclusive por meio de compensação econômica por parte do Estado, e emrelação ao transgressor acha que o enfrentamento da pobreza deveria ser uma guerra ao invés depromovê-lacontraocrime(idem).

Para Nils Christie o Direito, “está se convertendo em um instrumento utilitário, afastado de suaproximidade com a s instituições culturais.Dessamaneira, o direito perde qualidades essenciais, emparticularsuasraízesnonúcleobásicodaexperiênciahumana”(Christie,1993,p.186).Porcerto,torna-senecessárioqueoDireitopermaneçaintegradocomacultura.

O sistema penal é um instrumento que causa dor para o fim de controle social e, ainda, deveria serconstruído pormeio de justiça comunitária e participativa, gerando espaços informais de “manejo deconflitos”.Christie defende, ainda, a colocação da vítima em igualdade ao autor do fato para fins debuscadeindenizaçãopelosdanossofridos.

ParaChristie111:

[...]oníveldedorqueimpõeumasociedadenãoestádeterminadopelosdelitoscometidos,queocastigonãoéumasimplesreaçãoanteosatosvis,queoníveldecastigonãoafetademasiadamenteoníveldedelitosequealeinãoéuminstrumentonaturalparaadministrarasociedade.Istotambémnosliberadacargadautilidade:aindaparaaquelesqueoptampelaconcepçãoutilitáriadocastigo,deixaclaroquetemosodireitodeoptar.Paraorestodenós,istosempreesteveclaro(1993,p.188).

O autor propunha que com imaginação se buscasse alternativas ao castigo, mais do que castigosalternativos ou justificativas alternativas para o castigo apresentava exemplos de sociedades que nãoresolviamosconflitopelalógicapunitiva(Anitua,2008,p.708).

Aprisãoérealmenteumsofrimentodesnecessárioqueimpedequeoindivíduotenhaalgumainiciativa,poisassuasregrassãodepassividadediantedadependênciaedominaçãoqueexisteemseuinterior.

ParaEdsonPassetti(2003,p.218),aaboliçãoévistapelosoutroscomoumautopia,mascomosustenta“o abolicionismo não se pretende utópico e tampouco admite ser tratado como trapaceiro ouirresponsável”epodeseradotado.NãosepodemaiséimaginarqueoDireitoPenalemsuaexecuçãovámudar,porexemplo,tratandoigualmenteàquelesqueodesatendem.

Dizoautor:

Oquenãoseescondeereconheceéqueaprisãonãoémaislugarderessocializaçãoefuturareintegração,masdepósitodecorposparaosquaisoúnicoinvestimentoestánareduçãoazerodapossibilidadedefuga,sobrigorosavigilânciaapósosentenciamentocombasenoaumentodepena.

ÉaindaPassetti(2003:222/223)queensina:

Oabolicionistatratacadacasocomoalgoespecial,comosituaçãoproblemaenãocrimeouinfração.Procuracompreenderasituaçãodos envolvidos, dos algozes e vítimas, tomando partido de ambos.Anti-universalista reconhece a verdade em cada parte e busca a

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soluçãopeloladodefora,odaconciliaçãocapazdeproporcionarumarespostapercursoqueevitaaprisãoeaomesmotempoincentivaaindenização.

Na realidade, quando se trata de pensar no abolicionismo penal não se pode deixar de considerar aexistênciadacifraocultadacriminalidadequebemdemonstraaexistênciadoabolicionismo,entretanto,oabolicionismoseaplicaapenasàcriminalidadedesconhecida,masqueexiste,criandoumcontingentedepessoasparaquemapuniçãonãofuncionaenemporissoasociedadeperdeummínimodaharmoniaquesepretende.:

Defatoasociedadesemcastigoexiste,tambémporqueéimpossívelaosistemapenalpunirtodosaquelesquecometemumainfraçãoàlei.Elefuncionademaneiraseletiva,endereçadoaosqueinfringiramodireitodepropriedade(Passetti,2004,p.21).

Aduz o autor que tanto no Capitalismo quanto no Socialismo os criminosos “devem ser retirados decirculação”, em função da prevenção geral e, ainda, que na democracia “a seletividade recai sobre opobrequerouba,furta,estupra,mata”enaditadura“sobreosubversivoquedesestabilizaaditadura”.Observaque,quandoumainfraçãoéselecionadaavítimaviratestemunha,oEstadoemvezdeindenizá-lainvestenapuniçãodoculpadoeoresultado“finaldoprocessolevaocondenadoàspenasalternativasouaoencarceramentoemprisões,manicômios,quandonãoemmanicômiosjudiciários-lugaremqueseconfinaumaprisãoperpétua...”(Passetti,2004,p.21).

Oabolicionismopenal libertáriofoidesenvolvidoapartirdeestudos levadosaefeitopeloNúcleodeSociabilidadeLibertária(Nu-Sol),em1990,entendidocomo:

[...]oabolicionismopenal libertárioseconstituicomoumaanti-doutrina, comumestilodevida livre.Suaconstruçãoacontecenapráticacotidiana,pormeiodaexperimentaçãodenovaspráticasdesociabilidadeslivresdeumaestruturadedominação.Seualvoéaaboliçãodamoraldocastigo,darecompensa,quecomeçaemcadaumeacabaemespaçosfechados,atrásdosmurosdasprisões,eminternaçõesouacéuaberto(Salles,2011,p.146).

ParaPassetti(2005,p.83):“Experimentaroabolicionismoéantesabolirocastigodentrodesi,inventarnovoscostumes libertários, lidarcomopresentesemmedoecomriscos.Épraticar liberdades:énãotolerarprisõesparaosjovens”.

Foucault(2009),emVigiarePunir, trata,entreoutrostemas,daquelequedenomina“carcerário”,ondevaiproblematizaroencarceramentoeseudesenvolvimentoatéquenajustiçapenal,aprisãotransformaemtécnicapenitenciáriaoprocessopunitivo,passandoentãoarelatarseusefeitos,paraoautor:

[...]oefeitomaisimportantetalvezdosistemacarcerárioedesuaextensãobemalémdaprisãolegaléqueeleconseguetornarnaturalelegítimoopoderdepunir,baixarpelomenosolimitedetolerânciaàpenalidade.Tendeaapagaroquepossahaverdeexorbitantenoexercíciodocastigo,fazendofuncionarumemrelaçãoaooutro,doisregistros,emquesedivide:um,legal,dajustiça,outroextralegal,dadisciplina.Comefeito,agrandecontinuidadedosistemacarcerárioporumladoeoutrodaleiesuassentençasdáumaespéciedacauçãolegalaosmecanismosdisciplinares,àsdecisõeseassançõesqueestesutilizam(Foucault,2009,p.286).

Continuando a problematização, o autor vai explicar como essa invenção “desacreditada” desde seuaparecimentoadquiresolidezobservandoque“enterradacomoestánomeiodedispositivoseestratégiasdepoderelapodeoporaquemquisessetransformá-laumagrandeforçadeinércia”(Foucault,2009,p.289).

Narealidade,entendequeaprisãopodesermodificadaoudispensadadefinitivamente,emsociedadescomoanossa.Oautoresclarecequetalprocessojáestáemandamento(idem)112.

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Em relação às teorias criminológicas abordadas pode-se verificar que o Interacionismo Simbólico,embora tenhapossibilitadoumavisãonovapara a criminologiadandoorigemaCriminologiaCrítica,Radical e Nova Criminologia, proporcionou o aumento do número de criminalizados, como jáevidenciado anteriormente, não se preocupou com a criminalidade e sim com a perspectiva dacriminalização.

Oabolicionismopenalidentificouqueosistemapenaltrataosproblemassemconsiderarapossibilidadedeváriasrespostasparaumasituação,sempossibilitaràspartesseuenfrentamentoeacabaporimpediraescolhadeumamaisadequadarespostaparaosenvolvidos(Castro,2004,p.40).

SeusreflexosforamdesdeasreformasnosCódigosdeprocedimentopenal,voltando-separaavítimaepermitindo acordos reparadores e, ainda, medidas alternativas a privação de liberdade,descriminalizaçãodecondutaseMinimalismoPenal.Entretanto,aomesmotempo,foramcriminalizadascondutascontraomeio-ambiente,violênciafamiliarecrimescontraminorias(Castro,2004,p.41).

Por descriminalização deve-se entender que ocorre quando uma conduta “torna-se liberta dosimpedimentos e das penas a ela atribuídas pelo direito penal”, trata-se apenas de uma das faces dacriminalização, porque nada impede que venha a ser novamente criminalizada. Na prática acaba porrepresentar umamudança na forma de penalizar, tirando-a do campo jurídico para deslocá-la para ostratamentosmédicos-psicológico113.

Deve-se aindadestacar queo abolicionismopenal se coloca contra omododepuniçãooperadopelodireito penal e como substituição Hulsman apresenta cinco modelos: o educativo, o terapêutico, ocompensatórioeopunitivo,paraseroperadocomoconsentimentodeambasaspartes114.

MinimalismoPenal

Ominimalismopenaléummovimentoreformista,inicia-senadécadade80doséculoanterior,embasa-senoprincípiodaintervençãomínima,nabuscadepenasalternativasenareformadalegislaçãopenalepenitenciária.

NoBrasil,eleérepresentadopelaReformadoCódigoPenalde1984,aLein.7209e7210/84,aLein.9714/98 e ainda a 9099/95.A consequência de tais legislações foi inversa ao que se pretendia, poisampliaramocontrolesocialeaindarelegitimaramosistemapenal(Andrade,2006,p.467).

Adeslegitimaçãodosistemaéexplicadapelopensamentoabolicionista,conformejáevidenciado,maséimportanteacrescentarquesuamarca“éaeficáciainvertida”queconstitui“acontradiçãoentrefunçõesdeclaradas, oupromessas quenão cumpre, e funções reais que cumpre semdeclarar; que cumpriu emsilêncio, embora hoje desnudadas;” (idem, p. 470). A função real do sistema penal é a construçãoseletivadacriminalidadeeafunçãorealdaprisãoé“fabricarcriminosos”.

Alegislaçãopretensamenteminimalistaacabouportrazermaiorcriminalizaçãodecondutas,quandosetrata da Lei 9.099/95, essa constatação é muito clara. Primeiro por que em vez de ter o legisladoradotado um programa de descriminalização, resolveu propor um modelo segundo a própria leidespenalizador.Segundo,despenalizar,comosesabe,éanãoaplicaçãodepenas,masimplantou-setodo

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umaparato burocrático para “não aplicar penas”.Atualmente, há uma estrutura denominada “JuizadosEspeciaisCriminais”,cujafunçãoéexatamenteessa.

Semprecomdemandareprimidacrioucargosefunçõesparaseudesempenho,alifuncionaaconciliação,comoprimeiramedidapropostaporum“Conciliador” (leigo),quasesempreaspropostas sãoaceitas,umavezquenãosediscuteaculpa,masnapráticaquemfazprimeirooBoletimdeOcorrência,seráavítima.Aooutrocabeàopçãodeaceitaraqueleacordo,comosefosseamelhoropção,emboramuitasvezesconsidere-seinocente.

A despenalização é aplicada por meio de pagamento de cestas básicas ou aplicação de medidasrestritivasdedireitos,admitetambématransaçãopenal.

Aconsideraçãofeita,dalegislação,énosentidodemostrarquesetornoumaisfácillevaralguém,pormotivosàsvezesinsignificantesaessenovomodelodejulgamentoquesediz“despenalizador”.Agravaainda o fato de que este abrange a Lei de Contravenções Penais que há muito já deveria ter sidorevogada,pelainsignificânciadascondutasqueprescreve.

À Lei de Execuções Penais (7210/84) como inúmeras em nosso País, falta aplicabilidade, em geralmenospelaausênciaderecursosparasuaimplementaçãoemaispelaausênciadedecisãopolítica.

AreformadoCódigoPenalvemsendofeitaporoutrasleis,masrealizadadeformapontualestabelecenarealidadeumsistemadesarmônico.Dessemodo,oquesevênominimalismoéumareformaqueacabaporgerarmaiorcriminalização.

Neorrealismodeesquerda

Adenominaçãoderealismoserveparasercontrapostaaoidealismoradicaldosanos60a70,averdadeé que surge uma “nova criminologia”, a partir da crítica feita ao enfoque do etiquetamento (labellingapproach)eacriminologiacrítica,nosentidodequeosestudosdasteoriascentravam-seem:

contradições internas do capitalismo; os abusos do controle social estatal; o Direito Penal como instrumento dos poderosos paraconservarsuaposiçãodeprivilégioecontroledaclassetrabalhadora;asdistorçõesdapolíciaedosistemadeadministraçãodejustiça;o criminosos como uma espécie de Robin Hood que rouba dos malvados burgueses; ou a necessidade de profundas reformasestruturais nas sociedades contemporâneas. Por esse motivo o delito era concebido muitas vezes como mera construção que ospoderososutilizavamembenefíciopróprio,demodoquecareciadesentidoestudarsuaetiologiaouproporpolíticascriminaisparasuaprevençãoecontrole;muitopelocontrário,essasatividadespodiamserclassificadascomo legitimadorasdo injustoestadodecoisas,induzindoàaçãopolíticaeasmudançasestruturaisprofundas(Maíllo,2007,p.281).

Paraorealismodeesquerda,odelitorepresentaumproblema:“Oestadonãopodeinventarnemimportodasasdefiniçõesetampoucoosmeiosdecomunicaçõespodemfazeristo”.

Para os realistas a maioria das condutas previstas como crime no direito penal representa algumconsenso entre a maior parte da população, que concorda com a tipificação de tais condutas e suapuniçãopormeioatédepenasmaisseveras,outroaspectoqueenfatizaméque:

[...] quem delinque não é um alguém que luta contra o sistema, mas sim provavelmente, alguém que vitimiza ainda mais os quepoderiamseoporaosistema,edessaforma,adicionamaiorconfusão,umavezqueatingeogozodedeterminadosdireitosporpartedessessetoresmaisvulneráveise,portantoodelinquentenãoéumRobinHood(Anitua,2008,p.716).

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A partir dessa percepção Shecaira (2004) vai indicar que os neorrealistas vão defender algumasmudançasnaformadetratarasquestõesrelacionadascomocrimeeocriminosoentreelas:

A – Retornar ao estudo da etiologia do delito, priorizando-se os estudos da vitimologia; Pretendemvoltar-separaosdesprovidosquemaissofrememfunçãodacriminalidade;

B – As causas do delito devem ser objeto de denuncia (“os pensadores críticos dedicam-se mais aeconomia política e à teoria do Estado de que propriamente a criminologia”), “para que a injustiçaestruturalsejaidentificadacomsuagênese”(idem,p.336)

C – Não aceita a pobreza como fator exclusivo do crime, devendo ser também analisados oindividualismo, a competição excessiva, a busca permanente de bens materiais, as descriminaçõessexuaiseracismo;

D–PretendemcriarumanovarelaçãoentreaPolíciaesociedade,devendotambémserparticipanteacomunidadecomvistasaumademocráticaorganizaçãodasociedade.

Aagendadoscriminólogosdeveseralterada,poisalgumasmudançasocorreramemrelaçãoaocrime:em face do desemprego estrutural que ocorre nos grandes centros gerando uma maior riqueza emcontraste com uma grande pobreza; a revelação das vítimas, que deixaram de ser invisíveis (cifrasnegras),segundoestimativasinformadasporShecaira(2004)naordemdedoiscasosnãonoticiadosparaum apresentado. Entre as mudanças chama atenção a que diz respeito à problematização dacriminalidade:

Para os teóricos rotulacionistas, a quantidade de crime, o tipo de pessoa e infração selecionadas para serem criminalizados, e ascategoriasusadasparadescrevereexplicarodesviantesãoconstruçõessociais.Ocrime,oudesvionãoéumacoisa‘objetiva’queláestá,masumprodutodedefiniçõessocialmentecriadas:odesvionãoéinerentenumitemdecomportamento,maséaplicadoaelepelaavaliaçãohumana(Young,2002,p.67).

Finalmente,Shecaira(2008)vaitratardauniversalidadeeseletividadedajustiçaeaproblematizaçãodapuniçãoeculpabilidade,naprimeirasituaçãoapontaterhavidocertasuperaçãosobreoestereótipodocriminoso,quelocalizavaentreosadolescentesdosexomasculinoagrandemaioriadecometimentodedelitoseofatodequeocrimeémaisdifusodoquesugereestereótipodocriminoso,apontandoparaumanaturezadacriminalidadequeseriaendêmica.

Jáemrelaçãoàpuniçãoeculpabilidade,ovolumedecrimeslevaa“umaprofundamentodasposturasestataisrelativasaele”.Apolícianãosuspeitadeindivíduos“passouasuspeitardecategoriassociais”.EmrelaçãoàculpabilidadeoutrosfatoresexternosinfluenciamaavaliaçãopessoalequesãoosmesmosrelevantesparaasdecisõesdaJustiça(Shecaira,2008,p.341).

A influência da criminologia na legislação referente à criança e aoadolescente

Observa-se que algumas teorias criminológicas preocuparam-se com os adolescentes em particular eapresentaramanálisessobreadelinquênciaentreeles.Entretanto,avisãodessesteóricosemnadaafetoualegislação.

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Pode-seafirmarqueopensamentoquenorteoualegislaçãorelativaàcriançaeaoadolescenteantesdaaprovaçãodoEstatutodaCriançaedoAdolescente,em1990,estavabaseadonoparadigmaetiológico,aideia de que tutela é consequência do tratamento que evidentemente incorporava, além do modelopositivista,aquelededesigualdadedeclasseestatus.

Porém, o pensamento observado nos tratados jurídicos sobre o ECA, como se fosse uma conquistagrandiosa por incorporar um sistema penal juvenil em que, segundo os juristas, são respeitados osdireitosdosjovensemconflitocomaleieaindaquepensarcontrariamenteseriaumretornoàtutela(dalegislação anterior), deixa uma preocupação, pois a crítica a ser feita deveria considerar que uminstrumento legal não é capaz de corrigir as questões de classe e status, que geram a inserção dosadolescentesdesemprenomodelo.

Poroutro lado, influenciamaatuaçãodosoperadoresdoECAaquelaspolíticascriminaisqueSalodeCarvalhodenominamaximalistas,quegeraramacriaçãode“modelosdehipercriminalização”como:aspolíticasdeleieordemetolerânciazero,amídiaaogeraraideiadequeamaioriadosatoscometidospor adolescentes são extremamente graves, o que evidentemente é refletido no tratamento dado aosadolescentesinfratores.

Passetti(2003,p.171-172),aotratardatolerânciazero,remeteaumestadopenalizador,ondepesquisase estudos mostram “dimensões atuais dos efeitos da globalização nas segregações, confinamentos eextermíniosdepopulaçõespobres,adulta,juvenileinfantil”.Paraoautor,aquelesqueanteseramvistospelo Estado em situação de “anomia temporária” acabam por ser tratados como “forma acabada dedeslocamento” e que, afinal, passam a ser vistas como incapazes de recuperação, para tais pessoas oestadodestina:

[...] tratamento policial, identificando suas eventuais inclusões à ilegalidade ao mesmo tempo em que, confinadas em suasterritorialidades,separam-seesãorepartidas,ainda,comovirtuosaseviciadas,pertencentesafamíliasestruturadasedesestruturadas,clamandopormaiorsegurançaaoEstadopenalizador.

Narealidade,omodeloimplantadopeloECAnãoaprofundaoquejáestavapostosocialmente,deumcontingente de pessoas que já nasce marcado para o sistema penal e não há dentro das medidasestabelecidas pelo Estatuto nada de novo que possa provocar efetivamudança e omodelo afinal vaiexistirseretroalimentando,semgerarbenefícioalgumparaosjovensalcançados.

Dizer que medidas restritivas são socioeducativas é enganar os ouvidos e os olhos e denominarinternaçãoàprisãoémaisfalsoainda.Portanto,asaídaéreconhecerqueascriançaseosadolescentesnãopodem,noqueserefereàsditascondutasinfracionais,sersubmetidosaqualquermodeloestruturadopara punir, mesmo dito não punitivo. Como consequência, impõe-se a análise do abolicionismo dosistema penal juvenil como forma de corrigir a legislação autoritária e discriminatória que vige háséculosemnossopaís.

ASociedadeSobControle

Aindaseconvivecomaeradopanoptismo,sociedadedisciplinar,disciplinamento,comagravanteparaaqueles jovensquese tornaram“descartáveis”,não interessamaninguém, sãoperigosos,nãoestão sedisciplinando.

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Opanoptismo acabou por constituir-se em ummodelo de controle, em seu bojo carregava a ideia dapuniçãonamodernidade.

NaCartaI–Aideiadoprincípiodainspeção(Crecheff,RússiaBranca,1787),(Bentham,2008),oautordacartaexplicaqueoplanodoedifícioconcebidoporBenthamseaplicaatodososestabelecimentos:

[...]nosquais,numespaçonãodemasiadamentegrandeparaquepossasercontroladooudirigidoapartirdeedifíciosqueira-semantersob inspeçãoumcertonúmerodepessoas.Não importaquãodiferentesouatémesmoquãoopostos, sejamospropósitos: sejaodepunir o incorrigível, encerrar o insano, reformar o viciado, confinar o suspeito, empregar o desocupado, manter odesassistido,curarodoente,instruirosqueestejamdispostosemqualquerramodaindústria,outreinararaçaemascensãonocaminhodaeducação,emumapalavrasejaeleaplicadoaospropósitosdasprisõesperpétuasNascâmarasdemorte,ouprisõesdeconfinamento antes da sentença, ou casas penitenciárias, ou casas de correção, ou casas de trabalho, ou manufaturas, ouhospícios,ouhospitaisouescolas.

Ora,opanópticosuperousuaideiafísicademeraconstrução,passandoaconstituirsistemadecontrolequeseaplicouatodasasinstituições.ParaBauman,opanópticoéutilizadoporMichelFoucaultcomo“arquimetáfora do podermoderno”, uma vez que os que estavamno sistema ficavampresos ao lugar,impedidos demovimentar-se, estavam sob vigilância, era ummodelo de “engajamento e confrontaçãomútuos entre os dois lados da relação de poder”. Ou seja, a necessidade de alguém estar sempredisponívelparaoexercíciodocontrole,deespaçosdelimitadosepessoasfincadasemtaislocais,paraocitadoautoropoder“semovecomavelocidadedosinaleletrônico”,tornou-se“extraterritorial”.

O panóptico como sistema de controle não acabou, mas aperfeiçoou-se, pois não se trata mais deadministrarumsistemadereservaparaomercadodetrabalho,elepermanecevivo,subjugandoàquelesqueninguémquer(osencarcerados–estereótiposdoscriminosos–negros,quasenegros,pobres,sempreestes),incorporandotecnologiaspós-modernasutilizadasnãosónoslocaisdeconfinamento.Nãoéàtoaquehojeseconvivecomprisõesdesegurançamáximaparapresosconsideradosperigososemregimedisciplinardiferenciado,oquerepresentatalaperfeiçoamento(Miller,2008).

“O panóptico não é uma prisão. É um princípio geral de construção, o dispositivo polivalente davigilância, a máquina óptica universal das concentrações humanas”. (Miller, 2008, p. 90). Benthamentende que a partir de pequenas alterações omodelo se aplica para prisões, escolas, usinas, asilos,hospitais,workhouses.“Elanãotemdestinaçãoúnica:éacasadoshabitantesinvoluntários,reticentesouconstrangidos”.(idem).

ParaFoucault(2003,p.72),aideiadopanópticoéadeque“todomundoserávigiado”.Entendeoautorque o sonho de Bentham realizou-se jurídica e institucionalmente a partir do Estado Napoleônico,servindocomomodeloaosEstadosdoséculoXIX,completaaindaoautor:

Vivemosemumasociedadepanóptica.Têm-seestruturasdevigilânciainteiramentegeneralizadasdasquaisosistemapenal,osistemajudiciáriosãoumapeçaassimcomoaprisão,porsuavez tambémoé,estruturadevigilânciadasquais,apsicologia,apsiquiatria,acriminologia, a sociologia, a psicologia social são os efeitos. E ali, nesse panoptismo geral da sociedade, que se deve reinserir onascimentodaprisão.

Portanto,opanópticoinaugurouummodelodecontrole,todosprecisamservigiadosemtodososcasosevidencia-seoexercíciodocontrolepeloEstado.PanópticoeSociedadeDisciplinarcomplementam-seeconvivem.Nasociedadedisciplinar,aobtençãodos“corposdóceis”peloconfinamentoepelaestruturaqueacorrentaemespaçosfechadosquesesucedem:família,escola,prisão,fábrica,exército,hospital,entre outros. O panóptico permitindo a visibilidade de todos, como em 1984 de OrsonWells, o big

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brother (livro e filme) e mais recentemente emMinory report, o filme, quando o crime pode serantevistoecombatidoantesdesuaocorrênciautilizandoastecnologiasconsentâneascomaspráticasdaSociedadedeControle.

Ao tratardasociedadedecontrole,Passettiobservaqueesta foianunciadaporFoucaulte tratadaporDeleuze, eque suacaracterísticamarcanteé ade se redimensionarpelo inacabado.NessaSociedade,onde nada pode escapar acontecem: a – espaços disciplinares sem demarcação; b – predominam aprodução imaterial e intelectual; c – não se está mais no âmbito da inclusão – exclusão como naSociedadeDisciplinar;d–nasociedadedecontroleasfronteirasnãoestãoclaramentedelimitadas,nemasmarginalidades, nemaspenas estãodefinidas (aspenas restritivasdedireitos sãodefinidas caso acaso); d – Na sociedade de controle chama-se à participação cada um nos múltiplos fluxos, não háespaçosvagoseaquelesdasociedadedisciplinarsãocadavezmaisrestritos(Passetti2007).

Acriminologiamoderna, seéque sepodeassimchamarosnovosmodelos,nãoestápreocupadacomideologias, mas com estatísticas, pode ser denominada atuarial ou gerencial, não importa, a ideia écriminalizar cada vez mais condutas, como vão ser aplicadas as penas não é o mais significativo equandosedecidepelareclusãoentãoaprisãopodeseradesegurançamáxima.Jásesabequenãoháeducação,nem trabalho, nem ressocialização, somente a socializaçãonegativa, aquela emque “mandaquem pode”. O dono do quarteirão, o dono da prisão, os armados, os donos da droga, e após ésobreviver.Ésóoqueimporta.

Váriosestudiososrelataramseupensamentosobreaimpossibilidadedequeomodelocarcerárioproduzaalgumefeitofavorávelàeducaçãoeàreinserçãodocondenado,paraBaratta(2002,p.184)“ocárcereécontrário a todomoderno ideal educativo, porque este promove a individualidade, o auto respeito doindivíduo,alimentadopelorespeitoqueoeducadortemdele”.Paraoautoracimacitadonadetençãoodetido submete-se a um processo de degradação, “com as quais o encarcerado é despojado até dossímbolosexterioresdaprópriaautonomia(vestuárioseobjetospessoais),sãooopostodetudoisso”.E,afirma: “a educaçãopromoveo sentimentode liberdade e de espontaneidadedo indivíduo: a vida nocárcere,comouniversodisciplinar,temumcaráterrepressivoeuniformizante”.

Essemesmomodelo pretende fazer algo a favor dos jovens infratores, observe-se que estes ficam àmercêdosmesmosagentesdosistema,quesão incapazesdemudaraespéciede tratamento,atépelasmesmasconfigurações.

Para Bauman (2010), os pobres não formam mais um exército de reserva, não existe mais uminvestimentoracionalcomosmesmos,passaramaserdependentesperpétuosenãosãomaisvistoscomrecursos potenciais. Analisa o autor estar sendo redefinida como lei e ordem a questão do pobreconsideradaantescomosocial.

ParaAnitua(2009,p.816):

Nosúltimosanos,governadospelos“medos”aumainfinidadedequestõesreaisounão-,aideiadesegurançaseriaaquetrariaemparte,essesuporteideológicoeemocional.Diantedacarênciadeideologiastransformadorasedepossibilidadesdepolíticasefetivas,asburocraciaspolíticasvoltamasvistasparaavelhaferramentapunitiva,aqualoferecemaumacomunidadeassustadacomoumaclarademonstração de que “estão fazendo alguma coisa”. Isso foi identificado como uma política penal “populista” – embora no meuentender,éclaramenteelitista,comonãopodeserqualqueroutralógicapunitivaoubélica-,vistoqueessasburocraciassugeremqueatuamcomorespostasaospedidosdeumasuposta“audiência”.

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TratandodoabolicionismopenalémuitovaliosocitardoispensamentosdePassetti(2006,p.89):

1ª.Oabolicionismopenalsurpreendeporenfatizaraeducaçãolivrediantedaculturadocastigo,suprimindoasoluçãofácil,burocráticaeonerosada aplicaçãodapena emnomedeumahistória remota, fundadano castigo, na suanaturalização enumaduvidosamoralsuperiorqueatravessaasociedadedisciplinaredecontrole.

2ª. O abolicionismo penal provoca os juízes, advogados, promotores e técnicos sociais e comportamentais a abdicarem deprocedimentos envelhecidos e preconceituosos, anamneses caducas, testes obsoletos, enfim, do poder que reitera seus saberesrepressivosparaexercitarempráticasliberadoras.

Éperceptívelumamudançanaformadeutilizaçãodaleiedodireitocomodecorrerdosséculos,apartirde uma doutrina de governo liberal pode se exprimir das lições de Foucault, em Nascimento daBiopolíticaquehouveumamudançadeserdodireitoaperfeiçoadacomosurgimentodoneoliberalismo.Oruleoflawpassaaseruminstrumentonecessárioparaaregulaçãodecondiçõesnãoeconômicasquemediante o intervencionismo jurídico constante tem viés de estabelecer uma moldura adequada paragarantiraexistênciadeummercadolivre,assimaleiassumeacondiçãoderegradojogoeconômicoeopapel do direito passa a se limitar a regulamentar por intervenções não voltados para o processoeconômico,masemtudooqueocircundar,istoénaprópriasociedade(Foucault,2008,p.277).

Énecessárioconsiderarentãoaformacomoalegislaçãopenalvemseestabelecendoemnossopaís,éum programa criminalizante que faz parte do intervencionismo do Estado para regular o máximo decondutas. Em quase todas as legislações há artigos criminalizando atos, ao lado do Código Penalproliferamas legislaçõesespeciais, tratandode situaçõesespecíficas,CódigodeTrânsito,EstatutodoIdoso,EstatutodaCriançaedoAdolescente,LeidoMeio-Ambiente(queinclusivecriminalizaapessoajurídica),CódigodoConsumidor,LeideEntorpecentes,LeiMariadaPenha,LeideCrimesHediondos,CódigoTributário,LeiEleitoral,LeideContravençõesPenaisetantasoutras,aoladodasjáexistentes.

DessemodonãohácomolutarcontraainjustiçasocialmassomentemanterostatusquopelasregrasdojogomedianteregrasformaiseaindanãohácomocumpriresseprogramacriminalizantedoEstadoeaconsequênciaéqueinúmerasdessascondutas,quenemomelhordosoperadoresdodireitoconheceemsua totalidadesequerchegamaoconhecimentoda justiçae,portantosão resolvidasporoutrasvias115,demonstrandoqueoabolicionismojáexiste.

Nopresentecapítulo,olhou-separaacriminologiaeapolíticacriminal relativaaos jovensequenãoresultaram numa crítica que redundasse em mudanças na forma de lidar com a punição juvenil que,principalmente,éresultadodeumaburocraciatãoestabelecidaearticuladaemverdadecomaeconomiaqueédeabsoluta incompreensãoporpartedamaioriadaspessoas, emespecialdos jovens,portanto,elessãofantasmastransitandoporespaçosquenemsequercompreendem.Deveriamestardiantedeumanova perspectiva, que já é colocada emprática, embora informalmente, que é encarar-se as situaçõesproblemaseresolvê-lasporoutrasvias.

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IV.JOVENS,VIOLÊNCIAECONTROLE:OCONFLITOCOMALEI:KAFKA,ABUROCRACIAEAS“CADEIASDEPAPEL”

Pode-seconstatarquealémdojovembrasileiroserobjetodeumsistemasombrioquesepropõegarantirsuaproteção,masqueantesdetudoopenaliza,estátambémaquémdoscontrolesformais,comoefeitododescasoedoestigmaporserpobre,nãopossuirfamíliaouescolaridade.

Inicialmente se deve esclarecer sobre a importância dos dados apresentados peloMapa daViolência2011relacionadoscomoBrasilecomManaus.Seporumlado,prende-seaofatodequejuntocomamorteviolenta,porhomicídiodos jovensencontramos, emboranão identificados, aquelesmortospelapolícia,porgalerasrivais(nocasodeManaus)ouporqueimadearquivoemfacedeenvolvimentocomdrogas,poroutrolado,aviolênciaquegeraamortedejovensconcentra-senoslocaismaispobresdacidade.

OMapadaViolência116,2011–OsjovensdoBrasil–resultadeparceriaentreoMinistériodaJustiçaeInstituto Sangaria. A autoria é de Julio Jacobo Waiselfisz, que indica inicialmente alguns vetorescoincidentesnapesquisa,entreeles,adiminuiçãonosíndicesdeviolência,emfunção,segundooautor,daspolíticasdesenvolvidasapartirde2003.Masosnúmerosaindasãoelevados,osprincipais“atoresevítimas”daviolênciasãojovens,emcadatrêsmortesoriginadaspelaviolência,duassãodajuventude.Aspectorelevanteéque,emborahajaumacontençãoemrelaçãoàviolênciahomicidanascidades(emmeiourbano),verifica-seocrescimentoemrelaçãoàscidadesdointerior.

OMapadaViolênciade2011117constituiumseguimentodepesquisainiciadaem1998efinalizadaem2008. Aborda a “evolução damortalidade violenta da juventude brasileira”, e analisa asmortes poracidentesdetrânsito,homicídioseoutrastambémletais(Waiselfisz,2011,p.7).

Omundoestápreocupadocomaviolência,poisseassisteaumaumentopermanentenosindicadoresdastaxas de violência. Diz o autor que: revela-se por meio de “taxas de homicídio, conflitos étnicos,religiosos,raciaisetc. índicesdecriminalidade, incluindonessacategoriaonarcotráfico”.Àviolênciaseincluioutrosacontecimentoscomo:“violênciaintrafamiliarcontraamulherouascrianças,aviolênciasimbólicacontragrupos,categoriassociaisouetnias,aviolêncianasescolasetc”(Waiselfisz,2011,p.10-11).

Aanáliseapresentadaconcentraabuscaemdados referentesàviolênciaemrelaçãoahomicídiosporcausasexternasemjovens,emespecial,noqueserefereaoEstadodoAmazonasesuacapitalManaus.

Emboraa tendêncianão tenhasidoapresentadaemrelaçãoaosMunicípiosdoEstadodoAmazonas,oautoralertaparaa“interiorizaçãodaviolência”quecomeçouaserdetectadaapartirde2004,taldadopassouaconstituirobjetodapesquisatambém.

Quantoàfaixaetária,oautor,emrelaçãoàadolescênciaeàjuventude,afirmaqueadotouasdefiniçõesdaOrganizaçãoPan-americanadaSaúdeedaOrganizaçãoMundialdeSaúde:adolescênciaentre10a19anos, sendo que a pré-adolescência de 10 a 14 anos e da propriamente dita de 15 a 19 anos. “Já oconceito de juventude resume uma categoria essencialmente sociológica que indica o processo de

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preparaçãoparaoindivíduoassumiropapeldeadultonasociedade,tantonoplanofamiliar,quantonoprofissional,estendendo-sedos15aos24anos”(Waiselfisz,2011,p.12).

Astabelas1e1.1apresentamdadospertinentesaoTrabalhodesenvolvidonoMapadaViolência2011.

[p]

-L-C-C-C-C-C-C-C-EspaçoGeográfico

EspaçoGeográfico Naturais HomicídiosAmazonas 44,7 25,9Brasil 26,4 39,7

Table.1:*Tabela1.1:Estruturadamortalidade:Participação (%)dasdiversas causas.População jovemdoestadodoAmazonaseBrasil,2008.FONTE:Waiselfisz(2011,p.20),comadaptações.

Pelosdadosapresentados,observa-sequenoAmazonasosjovensmorremmaisporcausasviolentasdoque naturais, preocupando a questão relativa com aos motivos que, provavelmente, originaram taisóbitos.NoBrasil, o dado é aindamais significativo quando se comparamortes por causas naturais ehomicídios.

EspaçoGeográfico Taxa PosiçãoManaus 78,2 4ºBrasil 52,9 6º

Amazonas 46,0 8ºTable.2:Comparaçãodataxadehomicídiosnapopulaçãojovem(15a24anos)doBrasil,doEstadodoAmazonasedomunicípiodeManauseseuposicionamentonomundo.FONTE:Waiselfisz(2011,p.29,38e68),comadaptações.

EspaçoGeográfico TaxaManaus 78,2Brasil 52,9

Amazonas 46,0Table.3:*Tabela 2.1:Comparação da taxa de homicídios na população jovem (15 a 24 anos) doBrasil, doestadodoAmazonasedomunicípiodeManaus,2008.FONTE:Waiselfisz(2011,p.29e38),comadaptações.

Nas tabelas2e2.1,verifica-sequeemrelaçãoaoEspaçoGeográfico,mesmonomundooEstadodoAmazonasapresentaíndiceselevados,inclusivesendosuperioraoapresentadonoBrasil.

EspaçoGeográfico Nºdehomicídios`Manaus(Capital) 266

Interior 53

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Amazonas(Total) 319Table.4:Númerodehomicídiosnapopulaçãojovem(15a24anos)noEstadodoAmazonas,divididoporcapitaleinterior,2008.FONTE:Waiselfisz(2011,p.28e37),comadaptações.

Atabela3evidenciaqueonúmerodehomicídiosemManausécincovezesmaiorquenoEstado,oquecertamenteéjustificadopelaconcentraçãourbana.

Figure.1:Taxadehomicídiosnapopulaçãojovem(15a24anos)noEstadodoAmazonas,divididoporcor/raça,2008.FONTE:Waiselfisz(2011,p.61e62),comadaptações.

Dados Brancos NegrosNúmerodeHomicídios 11 300TaxadeHomicídio 7,9 55,3

Table.5:Númerodehomicídiosnapopulaçãojovem(15a24anos)noEstadodoAmazonas,divididoporcor/raça,2008.FONTE:Waiselfisz(2011,p.61e62),comadaptações.

Ésignificativaadiferençaentrejovensmortosporcausasviolentasquandoseanalisaodadoemrelaçãoàetnia.Apresenta-setantoatabela4quantoafigura1.

Para o autor, impressiona a magnitude dos dados, pois, apesar de inúmeras campanhas, comoDesarmamentoeoutrasiniciativasEstaduais,ocorrerammaisde50milhomicídios“nívelsemelhanteaopicode51milhomicídiosde2003.Issorepresenta137vítimasdiárias,númeromaiorqueomassacrenoCarandiru118” e continua: “Nadécada analisadamorreram,noBrasil, exatamente521.822mil pessoasvítimasdehomicídio,quantitativoqueexcede,largamente,onúmerodemortesdamaioriadosconflitosarmadosregistradosnomundo”(Waiselfisz,2011,p.24).

Finalmente, em relação às análises efetuadas com outros dados informados, o maior número dehomicídiosocorreentreosdesexomasculino;em2008,essataxafoidaordemde92%;em1998,ataxadehomicídiosemrelaçãoàpopulaçãototal,emjovensera232%maiorquedapopulaçãonãojovem;em2008, tais taxas são 258%maiores, em relação aos homicídios. Nascimento (2011, p. 109), sobre ocrescimentodaviolênciaemManausobserva:

[...] na segundametade da década de 1980, o tráfico de drogas tornou-semais aparente.Mais de 1/3 dasmortes provocadas poragressõesnessadécadaforamdevidasàsarmasdefogo(38%egrandepartedasvítimaseramjovenscomhistóriadeenvolvimentocomdrogas.Erampessoasquese tornavamvítimasdehomicídiosdeautoriadesconhecidaeeramencontradasmortasemestradas

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vicinais, denominadas “varadouros”, ou em lugares bem afastados de áreas residenciais. Eram mortes com características deexecuções,queexigiamcadavezmaisocontrolepermanentedearmasdefogo,apesardequeatéo finaldadécadade1990aindaeramfrequentesoshomicídiossemutilizaçãodearmasdefogo,nasuamaioriapormotivosfúteis,paraoshomensepassionaisparamulheres119.

Nascimento(2011,p.109)apontaalgunseventosquesãosignificativosparaanálisedaformacomooshomicídiosemjovensvêmacontecendoemManaus:

Aatuaçãodas“galeras”eabrutalidadecomosecomportamseusmembros,chegandoaopontodecriarem“armascaseiras”,entramemdeclínioapartirdoano2000,masseverificaoaumentodochamadocrimeorganizado,emespecialnoqueserefereàsdrogas;

Osjovenscomidadeentre18e24anospossuem,trêsanosdeestudoeachancedeserassassinadoerade250paracada100.000mil,dezvezesmaiorentreosquepossuíamensinomédiocompleto;

Ataxademortalidadeporhomicídiosentreosjovenséinfluenciadaporvariáveiseconômicasaolongo das gerações; a pior condição de mercado combinado com aumento de renda média nasregiõescom indicadoresdedesigualdade“parece ter impactopositivo sobrea taxadehomicídiodessegrupoetário”(p.94).

NoEstadodoAmazonasasmortesviolentas sãodistribuídasde formadesigual,poisénacapitalqueessesóbitosseconcentram,“oquepareceestabelecerumarelaçãodiretacomagrandeconcentraçãodaeconomia emManaus”.Mesmo os municípios que compõem a RegiãoMetropolitana deManaus nãoapresentamtais índicesenemosmaioresmunicípioscomoParintins,Manacapuru, ItacoatiaraeCoari.“OsdadosdoMinistériodaSaúdemostraramque,em2007,dos590óbitosporhomicídiosregistradosnaRegiãoMetropolitanadeManaus120,556ocorreramemManaus”(Nascimento,2011,p.45).

Em“OProcesso”,deKafka,duasnarrativassãosignificativasquandosepensanos jovensmortosporhomicídios:aprimeiraqueiniciaaestória:

Alguém devia ter caluniado JosefK., pois sem que ele tivesse feito qualquermal foi detido certamanhã.A cozinheira da senhoraGrubach,suahospedeira,quetodososdiasàsoitohoraslhetraziaodesjejum,nãoseapresentounoquartodeK.nessamanhã.Jamaisacontecera isso.K.aguardouaindaumpouquinho,olhourecostadoemseutravesseiro,aanciãquemoravaemfrentedesuacasaequeoobservavacomumacuriosidadeinteiramenteforadocomum:depoisporémsentindo-seaomesmotempofamintoesurpreso,fezsoaracampainha.Imediatamente,bateramemsuaporta,enodormitórioentrouumhomemaoqualK.jamaisviraantesnaquelacasaKafka,2002,p.46).

AssimcomeçaasagadeJosefK.,paraCarone(2009,p.75):

Nãosurpreendequeomodocomoafraseinauguraldoromancesecomportadiantedaprimeiracenaserepita,commaioroumenorcargadecontraste,tantoemrelaçãoàsdemaiscenasdoCapítuloPrimeiroquantoaosrestantesquecompõemocorpodaobra.Assiméque entre os esbirrosmais oumenos sinistros quevãodeterK. figuramcolegasdebanco do herói – semdizer que no capítuloquinto,doisguardasdiretamentevinculadosaoTribunalserãocastigadosnumquartodedespejodoprópriobancoAdetençãodeK.poroutro ladoprovoca, semmotivodiscernível, a reverênciada senhoraGrubach, sua locadora, e a retraçãoobstinadada senhoritaBürster, sua vizinha de quarto. Um passo adiante é por meio de representações conhecidas como inquérito (Capítulo Segundo),cartórios,(CapítuloTerceiro),escritóriodeadvocacia(Capítulossexto,sétimoeoitavo)queseveemincorporadonotextoelementosconvencionaisdapráticajurídica[...].

A segunda narrativa, quando K. percorre um caminho na busca pelo entendimento do que estavaocorrendo,sobreele,epermeadoporestasexperiênciasburocráticas(Tribunal,advogadoetc.),asquaiselesabiaquenãopoderiamserepetirindefinidamente,chegam-seaoderradeirofinalquandoK.émorto“–Comoumcachorro!”Semnuncaterconhecidoacausadetodaaperseguição(Kafka,2009,p.254).

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Os jovensmortos por causas violentas, emespecial homicídios emcircunstâncias injustificáveis, cujaproporçãochocaatodosaquelesqueasavaliam,equivalemàpersonagemkafkiana,mortos:“Comoumcachorro!”.Esseshomicídiospertencemajulgamentosinformais,semTribunais.

K.aindafezumaúltimaperguntaparasimesmoantesdaexecução:‘Ondeestavaograndetribunalaoqualelenuncahaviachegado‘?Noúltimoinstantepersistiaagrandeperguntaquepretendiaasoluçãomaiordojulgamento.Agrandiloquênciaesperadasefaziadifusanaexpropriaçãodavidaqueoprocessolhearrebatoudeumasóvez.‘Tudopertenceaotribunal’.Seucorpofoiabatido.Tudopertenceaotribunal.K.nãohaviareparado.Tudopertenceaotribunal,poisnumamanhãelefoidetido.Seucorpofoiabatido.Comoumcão.OProcessofragmento-ínfimo,fragmentoinfame,frasemínima:tudopertenceaotribunal(Oliveira,2004,p.122).

K.buscouoTribunal,aliás, todaanarrativade“OProcesso”sedánessaprocura,mas tambémnãooencontrou. O jovem infrator se o encontra, quando vivo, deve nela se perder, emudecido peloprocedimentoeouvido,pelapromotoriaquandoelaassimodesejarcomofontedeconfissão:otribunaléacusaçãoejulgamento.

EsseéomundodeKafka,nãosó fictício,massombrio, repletode realidadesurpreendenteemquesepercebe os jovens em risco não somente os captados pelo sistema formal,mas os jovens em geralmorrendo como cachorros de rua, diariamente julgados nas ruas sem a necessidade do processo,masdeleextraindoosentenciamentodemorte.

Apena demorte, hoje praticamente inexiste como aplicação legal de punição a umato classificado, política e historicamente, comocrime. Comumente é vista como incivilidade, falta de racionalidade no exercício de um poder. A continuidade de sua prática é umresíduo do suplício.Mesmo a guilhotina vista com horror pelas sensibilidades humanistas, é uma suavização dos cruéis espetáculospúblicosdeimolaçãoemnomedosoberano.Issonãosignificaqueapenademortetenhasidobanida;muitospaíses,democráticosouditatoriais,insistememmantê-laaosqueatentamcontraasociedade.Vezououtrasereanimamosdebatesquefazememergir,oscadavez menos tímidos defensores da pena de morte. Nesse mesmo diapasão gritam donas de casa apresentadores de programas deauditórioeatéprofessoresdefilosofiadeuniversidadesrenomadas.Viaderegra,essacomoçãopúblicaqueclamaporpenademortesegue-seaalgumacontecimentotrágicocomamortecrueldeumacriança,umestupro,umesquartejamento,umsequestro.Semprecasosquechocamporsuaexcepcionalidadeequecontamcomlargacoberturadamídia.Esquece-sequeapenademorteéexercidalargamentenosconfrontosdiários,muitasvezesconhecidoscomochacina,esuaaplicaçãoestãonasmãosdasempresasdasprisões,dosesquadrõesdegruposparamilitares,dospoliciaisheróisedejovensqueencaramousodearmaseamorteviolenta(delesedosoutros) comoalgonatural, corriqueiro;muitasvezes celebrado,desejado, cantado.Para alémda reposiçãodopoder soberanoque apenademorte implica,promovendoamortedo sangue ruimparagarantir avidado sanguebom,a aceitação, tácitaounão,de suacontinuidade como prática disseminada na sociedade, explicita o desejo desta em deixar que morra todo aquele que ela considerainsuportável(Verbetes)121.

Observa-sequenoAmazonas,noanode2008,morreramporhomicídio827pessoas,oqueresultounopercentualde24,8%por100.000.Emrelaçãoàpopulaçãojovem(15a25anos),foramregistrados319homicídios,cujopercentualfoide46,0%.Amortedejovenscomoconsectáriokafkianoépresente.122

KafkaeosJovensemconflitocomalei

Em 2010, a Secretaria de Direitos Humanos publicou o Levantamento Nacional de AtendimentoSocioeducativoaoAdolescenteemconflitocomaLei123.Nodocumento,informa-sequeosdadosforamcoletadostendoporbaseadatade30.11.2010.Nota-seaexistênciadeumaumentode763adolescentes;quandocomparadoaoanode2009,ocrescimentofoide4,50%.

EspaçoGeográfico Total %Interior 1 0,3(Manaus) 299 99,7

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Total 300 100,0Table .6: Adolescentes cumprindo medidas socioeducativas no Estado do Amazonas, divididos emcapitaleinterior,2006.FONTE:LevantamentoNacionaldeAdolescentesemConflitocomaLei,2011(Comadaptações).

MEDIDASSOCIOEDUCATIVAS 2009 2010 %Internação 65 33 -49,23

InternaçãoProvisória 18 25 38,89LiberdadeAssistida 11 9 -18,18

Table.7:TaxadecrescimentodejovensemRestriçãodeLiberdadeePrivaçãodeLiberdade,noEstadodo Amazonas. FONTE: Levantamento Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei, 2011 (comadaptações).

MEDIDASSOCIOEDUCATIVAS 2007 2008 2009 2010JovensemconflitocomaLei 75 90 94 67

Internação 52 61 65 33Table .8:EvoluçãodoquantitativodeJovensemRestriçãodeLiberdadeePrivaçãodeLiberdade,noEstado doAmazonas. FONTE:LevantamentoNacional deAdolescentes emConflito com aLei, 2011(comadaptações).

O Estado doAmazonas é um dos Estados commenores taxas de internação – e, portanto um espaçoestatístico também possível para se investir em abolição da internação - caso 1,5 jovens para cada10.000adolescentesemidade12a17anosincompletos.Ocálculosedeuconsiderandoumapopulaçãode461.477jovensentre12a17anosincompletosesuarelaçãocomonúmerodeadolescentesrestritoseprivados de liberdade, isto é 67.No caso doBrasil essa proporção foi da ordem de 8,8 por 10.000jovens(p.24),oquetambéméirrelevanteparajustificarinternações.

Todavia,em“ConsideraçõesGerais”sobreosistemasocioeducativoeperspectivasparaoPPA-PlanoPlurianual2012–2015,afirma-se:

No Brasil, o crescimento da violência sistemática e do tráfico de drogas expõe a população adolescente de famílias pobres e deterritóriosvulnerabilizados aomaior riscode envolvimento comacriminalidade.Como resposta a este fenômenoparteda sociedadereage com o paradigma ultrapassado da punição e influi emmovimentos de retrocesso em relação às leis garantistas dos direitos,conquistassignificativasdosmovimentossociaisbrasileirosemdefesadosdireitosdascriançasedosadolescentes.Nestecenário,aresolução doCONANDAque instituiu o SINASE e o projetoLei 134/2009 em tramitação noSenado federal, representammarcosimportantesaseremconsolidados(p.31).

Eainda:

[...]Oatendimentoaoadolescenteemconflitocomaleinoquedizrespeitoàvisãodossetoresdasociedadesobreotemaestálongedeserumconsenso.Estaoscilaentreosmovimentosderepressãoepuniçãocomoalternativasàviolênciaeosmovimentosdedefesadosdireitosdosadolescentesemreaçãoaoprocessodecriminalizaçãodapobreza.Diantedessequadro,faz-senecessárioavançarnocaminho da consolidação do SistemaNacional deAtendimento Socioeducativo (SINASE) enquanto uma política pública que ganharelevânciacadavezmaiornoprojetosocietáriodeigualdade,justiçaeoportunidades(idem).

Oreconhecimentodequeaviolênciaeotráficodedrogasexpõemosadolescentesdefamíliaspobreslevamarefletirsobreessacondiçãodepobreza,quealiadaaoutrasvaiacabarportransformarorestritoestatísticoemfundamentocientíficodamoraledeseucorrelato,aprevençãogeral.

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OIBGE,2009,informaqueemdezanosopercentualdepessoasvivendocomatémeiosaláriomínimoper capita caiu de 32,4% para 22,6%. Apesar das melhorias anunciadas, 44,7% das crianças eadolescentesdeaté17anosviviamemfamíliacomrendapercapitademeiosaláriomínimoe18,5%comumquartodomesmovalor(p.8).

Apopulação totaldoBrasil– IBGE2013– indicavaumtotalde201.032.714milhõesdepessoaleapopulação entre 12 a 18 anos totalizava 26.154.356 jovens. A Coordenação Geral do SINASE noLevantamentoAnual referentea2013 informouque23.066 jovensestavamemrestriçãoeprivaçãodeliberdade(internação,internaçãoprovisóriaesemiliberdade)e659emoutrasmodalidades(atendimentoinicial,sançãoemedidaprotetiva),sendo96%masculinoe4%feminina.Emrelaçãoacor:17,15%seminformação;Branca24,58%;PretaeParda57,41%;Indígena0,16%;Amarela0,70%.

As causas de óbito no interior das unidades de internação ocorrem: conflitos interpessoais – 59%;conflitosgeneralizados-17%;suicídio–14%eoutros4%.

WaiselfizapresentouoMapadaViolência,em2015,destafeitafocandosuapesquisaemadolescentesde16e17anos,noBrasil.Oautordotrabalhoinformaquenoanode2013amortalidadenafaixaetáriaindicadarepresenta46%dosóbitosdototaldejovens,noperíodo(Waiselfiz,2015).

Emrelaçãoafaixaetáriade16anos,registraram-se3561mortes,dasquais1534,vítimasdehomicídio,ou43,1%.Naidadede17anos,dototalde4.592óbitos,2215foramhomicídios,numtotalde48,2%.Para2015estima-sequecorresponderáa50%ohomicídioemmortesnasfaixasetáriasde16e17anos,destacando-se:

Aparticipaçãomasculinaempercentualde93%;

Em2013,morreram173,6%maisnegrosquebrancos;

Em2013osjovensde16anosqueforamaóbitocomutilizaçãodearmadefogo,foide81,9%dototaldehomicídios,eosde17anos,damesmaforma,numtotalde84,1%.

Em relação ao nível educacional este émenor, entre os jovens vítimas de homicídio, do que deoutrosjovens;

Na região norte as mortes, por homicídio, entre os jovens de 16 e 17 anos impulsionaram ocrescimentodastaxasem76,2%.

Emrelaçãoaosjovensnafaixaetáriade15a19anos,quantonade0a19anos,naclassificaçãointernacional,oBrasilocupaa3.posição.

Passetti(1995,p.21)falasobreosmiseráveisquehoje:nãosãomais“osandejos,maltrapilhos,pedintese,àsvezesfilósofosdaembriagueznamadrugada,abandonadosasuaprópriasorte”,tambémnãosãoosdesempregados,sãomãodeobrabarata,os“novosmiseráveis”,habitamomercadoilegale,porvezes,coabitamomercadolegal.“Paraosnovosmiseráveisoqueimportaéarendaparaoacessoaosbensdeconsumo”.[...]“Buscamjustiçaquandoapolíciaosmatasemjulgamentoprévioouquandoapopulaçãopraticalinchamentosemreaçãoaosseusatosviolentos”.VivemindiferentesaoEstadodeDireitoouaodeBemEstarSocial124.

Continuaoautor:

AJustiçacomoformadepermanecervivoapartirdomomentoemque,porqualquerrazão,rompem-seosfrágeiselosqueunemosparceirosnomercado ilegal,necessitaseresclarecidanoquedizrespeitoàsgarantiasdeformaçãodofuturocidadão.Nocampode

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nossosinteressesissosignificaentenderoECAenquantobuscadegarantiasacriançaseadolescentes,ouseja,umjulgamentojusto.Noentanto,respaldadonoCódigopenalde1940,elaboradoduranteoEstadoNovo,oECAnadamaisfazdoqueidentificarinfraçãocom crime e medida socioeducativa com pena, reproduzindo sob pretexto educativo o sistema penal. Mas do que afirmar suasintenções,deve-seconfrontaroECAcomasituaçãodevidadocontingentequechamamospornovosmiseráveis.Estesnãodevemseentendidosapenascomopopulaçãodebaixarenda,porqueessecritériooficial,antesdemaisnada,camuflaasverdadeirasfontesderenda que não se encontram exclusivamente no mercado legal de inserção de mão de obra. Devemos entender estas crianças eadolescentes a partir da situação de suas famílias integradas total, parcial ou perifericamente aomercado ilegal, e do seu acesso aescola–mínimoaceitosocialmenteparaprepararofuturocidadãoàvidadotrabalhoegarantirsuaindividualidade,deacordocomoqueesperaoEstadodeDireitooudeBem-EstarSocial(Passetti,1995,p.23).

Então, para compreender a situação social de crianças e adolescentes violentados, impende verificarduasoutrascategoriasinsistentesnodiscursojustificadordeinternaçõescomo:afamíliadesestruturadaeosupostoacessodemocráticoàescola.Noqueserefereàfamíliadesestruturada,oconceitopassouaserassociadoàpossibilidadedemanutençãodelaporumdosgenitores,oquesejustificapelofatodequeafamíliamudou,nãocorrespondendomaisaomodeloclássicodefamíliaburguesa.Quantoà“falácia”doacessoaescola125,estatempoucoresultadoemrelaçãoao“contingentedenovosmiseráveis”,acabamrecebendoummínimodeescolaridadeentendidonolimitedoanalfabetismo(Passetti,1995,p.25)126.

Como supor que tais jovens compreendam a burocracia e a normatização que os circundam em umcontexto em que legalidade e ilegalidade transitam no mesmo espaço e, depois, porque no máximotornam-se“analfabetos funcionais”,seontemvítimasdessesistemadesigual;hoje,deumcomplexodenormaseprocedimentosaosquaisolhamsubmissose,nãoraramente,sequersãoouvidos,recobertosporprogramasdemaquiaçãodamiséria.

O Estado de Direito pauta seu funcionamento na dignidade, mas isso não impede as execuções, asinternações,osabusosdeautoridadeeatortura,semautorização,masbaseadaemumapráticaautoritáriaqueseretroalimentanotempo,aculturadocastigo.

Em“OProcesso”,K. sepergunta: “Que tipodepessoas eramaquelas ?Doque elas falavam?Aqueautoridadepertenciam?K.aindavivianumEstadodeDireito,reinavaapazemtodaaparte,todasasleisestavamemvigor,quemousavacairdeassaltosobreeleemsuacasa?(Kafka,2005,p.10).

Foram divulgadas imagens pela internet em que policiais deManaus, pertencentes às Forças Táticasaparecemhumilhando,agredindo,atirandoe,afinal,ferindoumadolescentede14anos,fatoocorridoem17.08.2010.Antes dos tiros, o jovem foi submetido à violência e tortura psicológica.Os objetos quetraziaforamarrancadosdeleàforça,umdospoliciaisatiradiretamenteemseutórax,ojovemtentafugir,emseguidaomesmopolicialmiraparaacertar,quandoumdelesimpede.Ospoliciaissejustificamcomasdesculpasdesempre: foramrecebidosàbalaeatirarampara sedefender.O jovemera segundoospoliciais,um“soldadodotráfico”.

Apesardeentregues, imediatamente,as imagenssóforamdivulgadasemmarçode2011.Naoperação,participaram cinco policiais militares. Quanto ao jovem, ele vive hoje no Programa de Proteção àsVítimaseTestemunhasetransformou-seemdelator.

NoRiodeJaneiro,foidenunciadaamortedeumjovemde19anos,namadrugadade12.07.2011,pelaUnidadedePolíciaPacificadora (UPP)nacomunidadePavão-Pavãozinho,Ospoliciaisafirmaramqueeleestavavendendodrogas,entretantoapurou-sequeasafirmaçõesdospoliciaiseraminverídicas.

Ocasodomenino“Juan”,queficoudesaparecidodurante16dias,apósumaoperaçãopostaempráticapela Polícia no combate ao tráfico de drogas, na Baixada Fluminense, resultou em uma morte, umdesaparecimento e dois feridos gravemente.Após a denúncia do sumiço domenino Juan, passou-se a

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investigare,comosempre,terminouemmaisumrelatodeautosderesistência(licençaparamatar).Dezdiasapósaoperação,ocorpodojovemfoiachadoeconfirmadoporexamedeDNA127.

NumprimeiromomentoestamosdiantedeK.dealguémquejáestavasubmetido,nãotinhacomoreagiredepoiscomoasseveraPassetti(1999,p.11):

Violentados são sujeitos sujeitados numa sociabilidade autoritária que os dispõem, dependendo das circunstâncias, como vítima ouagressor.Éumcírculoquenãosefechacomapenajurídica,porqueacriançaviolentadadehojepoderásetransformarviolentadornainfância,juventudeouvidaadulta,damesmamaneiraqueamulhersubalternizadacomviolênciapelomaridotendeatransferirfluxosdeódioparaofilho,eomaridosujeitadonotrabalhopodedesvencilhar-sedestasenergiascomviolênciasnocorpodamulhere/oudosfilhos. São apenas metamorfoses simultâneas de violentadores em violentados por uma educação autoritária. Entretanto, será atransformação de um destes atos em ilegalidade denunciada e apurada iniciará o circuito interno deste processo que se chamarávitimização.

Essesjovensemconflitocomalei,julgadosesentenciadosàmorte,vitimadoseviolentadoresremetemàobra de Kafka, “O Processo”, em que, segundo Tragtenberg (2001, p. 6): “O que importa no “OProcesso”éoculpadomaisdoqueajustificaçãoounãodacausa,queépoucomenosquesecundária,porqueajustiçaéinacessível,permanecendoincomunicávelcomohomem.Essamáquinapermanecesó,semgestos,nemaparatos,comoumapresençainsólitanodramahumano”.

Asituação,mutatismutandis,tambémlembraaPequenaFábula:

“Ah”,disseorato,“omundotorna-seacadadiamaisestreito.Aprincípioeratãovastoquemedavamedo,eucontinuavacorrendoemesentiafelizcomofatodequefinalmenteviaàdistância,àdireitaeàesquerda,asparedes,masessaslongasparedesconvergemtãodepressaumaparaaoutra,jáqueestounoúltimoquartoelánocantoficaaratoeiraparaqualeucorro”–“Vocêsóprecisamudardedireção”,disseogatoedevorou-o(Kafka,2002,p.138).

Aos jovensmortosporpoliciais,ondeestejam,qualquerquesejaadireçãoescolhida:ouserãopegospela ratoeiraou simplesmente engolidospelogato.ParaCarone, oqueKafkanosdiz éque “aúltimasaídalevaàruína”(Carone,2011,p.170).

Burocracia:CadeiasdePapel

ABurocraciaconsisteemestabelecerprimeiramenteumaorganizaçãohierárquicaqueéestruturadaporDepartamentos, Divisões, Coordenações, Setores, Seções, Órgãos, Funções, entre outros. Para seufuncionamento,papéiseprocessostransitampelamáquinaburocráticaestabelecida.

A importância da estrutura está em fazer com que cada um dos diversos componentes cumpra comeficiênciaseuspapéis.Arrecadamimpostos,cobramtaxas,promovemasegurança,aeducação,asaúde,sentenciam, denunciam, internam e todos trabalham de forma autônoma, uma vez que ao Estado éimpossívelcontrolartodasessasfunções.

NãohácomoimaginaroEstadoarticulandotodososseusMinistériosdeformaacontrolá-los;então,ocontrole é feitoporpartes, órgãos internos e, ainda, têm-seosTribunaisdeContas (UniãoeEstados)para fiscalizar a aplicaçãodos recursos liberados em funçãodeplanos eorçamentos,mas, realmente,acabamtodostrabalhandocomosefossemgavetas128,ondecadaumarecebeasinformaçõeseláficamfechadas.Istoé,nãohásinergia,todostrabalhamparasipróprios.

Hulsman (1997, p. 58), ao tratar da burocracia, faz comque se reflita sobre o discurso que coloca osistemapenalcomoaracionalidadecriadaecontroladapelohomem.Oautorobservaqueaoserefletirsobre o assunto se imagina que cada uma das estruturas (Polícia, Juízes, administração penitenciária,

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Parlamento,entreoutros)atuaefuncionaemharmonia,masesclareceseressauma“visãoabstrata”:

Narealidade,cadaórgãoouserviçotrabalhaisoladamenteecadaumadaspessoasqueintervémnofuncionamentodamáquinapenaldesempenha seu papel sem ter que se preocupar com o que se passou antes dela ou com o que se passará depois. Não há umacorrespondência rigorosaentreoqueumdeterminado legisladorpretendenummomentodado–oqueeleprocuracolocarna lei,noCódigo penal – e as diferentes práticas das instituições e dos homens que as fazem funcionar. Tais instituições não têm nada emcomum, a não ser referência genérica à lei penal e à cosmologia repressiva, liame excessivamente vago para garantir uma açãoconjuntaeharmônica.Tais instituiçõesestão,defato,compartimentalizadasemestruturas independentes,encerradaemmentalidadesvoltadasparasimesmas(Hulsman,1997,p.59).

SustentaaindaHulsman(1997,p.59)quecadainstituiçãotemorganizaçãoprópriaeatuasobocomandodeumchefe,queopreparodoscomponentesdamesmaédiferente:nãoestãotrabalhandoemconjunto,comosepensa,“prestandojustiça”ou“combatendoacriminalidade”:

Comotodasasgrandesburocracias,suatendênciaprincipalnãosedirigeparaobjetivosexternos,massimparaobjetivosinternos,taiscomoatenuarsuasdificuldades,crescer,encontrarumequilíbrio,velarpelobem-estardeseusmembros–numapalavra,assegurarsuaprópriasobrevivência.Oprocessodeburocratizaçãoeprofissionalização,quetranspassaosistemapenal,fazdeleummecanismosemalma(Hulsman,1997,p.60).

Naestruturaqueatendeochamadojovememconflitocomalei,ousejaqueméseletivamentecapturadoe aomesmo tempo é o exponencial da suspeição, amesma coisa poderá ocorrer: juízes, promotores,defensores,policiais,psicólogos,assistentessociais,monitoreseprofessores, todosemitempareceres,talvezsearticulem,emprogramas,epodemtambém,colocá-losemgavetas,ouinseri-losemprocessosquenemsempresãointegralmentelidos,istoé,semnenhumresultadoparaocaso129.Comoduvidardequenãoraroadecisãoocorraemdesfavordojulgado?

Aburocraciaem“OProcesso”,deKafka,éclaramenteestruturada,inclusiveemníveis,eétãopoderosaqueatuapormeiodetodaasociedade,todostrabalhamparaoTribunal.

Arealidadeem“OProcesso”parecedistante,masnãooé,poiscriminosaéapessoadisponívelalheser imputadaumasentença.Por isso,oMagistrado,quando lheentregamoprocesso, recebe tambémacargaburocrática,emquetodosjáfalaram:polícia,defensoria,ministériopúblico;emcasodejovens,aequipe:assistentesocial,psicóloga,paiseojovem(àsvezes),emgeralcombasenaformadeconduçãodosatores(acimanominados)ocorreráarotulação.130.

Dornelles(2002,p.121)faladeumEstadoquesetornouMínimonaesferaeconômicaesocial,masquecorresponde a um “EstadoMáximo na esfera da segurança pública e no exercício do controle socialatravés da criminalização dos problemas sociais”. Diante do contexto em que se desenvolvem aspolíticasdesegurançapública,osescritosdeKafkasetraduzemouem“autoridadepessoalehierárquicadoaparelhodoEstado–jurídicoouadministrativo–queocupaaposiçãocentral,comonocasode“OProcesso”.Taissituaçõeslevamosjovensemconflitocomalei,tornarem-se:“sereshumanospresosnarede da máquina burocrática, dos aparelhos das criações reificadas” (Löwy, 2005, p .94). PoucoimportandoseoEstadoémínimooumáximo.

Löwy(2005,p.11)aoargumentar sobreas interpretaçõesdiversasdaobradeKafkaobservaquesuacontribuiçãositua-se:“maisnacorrente‘sociopolítica’,mastentaarticularosoutrosníveis,graçasaumfiovermelho que permite ligar a revolta contra o pai, a religião da liberdade (de inspiração judaicaheterodoxa)eoprotesto(deinspiraçãolibertária)contraopodermortaldosaparelhosburocráticos:oantiautoritarismo”.

“O autor, então vai levar os leitores ao conhecimento da imagem que considera “surpreendente” em

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Kafka:“Ascadeiasdahumanidadetorturadasãofeitasdepapeldeescritório”(Löwy,2005,p.14).

Esclareceainda:

A imagem das ‘cadeias de papel’ parece, de resto ter duplo sentido: sugere, ao mesmo tempo, o caráter opressivo do sistemaburocrático, que subjuga os indivíduos com seus documentos oficiais, e o caráter precário das cadeias que facilmente poderiam serrompidasseoshomensquisessemlibertar-sedelas[...](Löwy,2005,p.15).

Nesses papéis estão algemados os “jovens em conflito com a lei”, ou em cadeias que poderiam serrompidas se as autoridades quisessempor fim a ummodelo, por elesmesmos diagnosticado como jáfalido,desdeo inícioqueéredesenhadocomomedidasocioeducativaeque terminana internaçãosuamais perversa forma. É o instante em que o perverso recebe o estatuto de efeito naturalizado, daconstruçãodeumsabersobreanaturezahumanaemseusaspectosdomesticáveis.

Visãosobrearesponsabilidadepenaldojovememconflitocomalei

Oconceitodeimputabilidade,sobopontodevistajurídico,significaqueimputáveléaquelequealeidiz que é, assim como define o que é crime, define a quem se pode imputá-lo.No caso doBrasil, oCódigo Penal de 1940 definiu que imputável é a pessoamaior de 18 anos, quando tratamos de faixaetária; mas ser menor de 18 anos não é a única possibilidade de não imputação de uma condutaconsiderada como crime. Nos artigos 26 a 28 do Código Penal encontram-se descritas às causas deinimputabilidade.

ParaoEstatutodaCriançaedoAdolescente,criançassãoaquelaspessoascujaidadevaiaté12anos;após, são consideradas adolescentes. Esse patamar de 18 anos de idade é o recomendado pelaConvençãodosDireitosdaCriançade1989,daqualoBrasilésignatário.

Ao se tratar da inimputabilidade, deve-se distinguir a impossibilidade de aplicação de pena daresponsabilização pelos atos infracionais praticados, o que significa que pelo ECA a criança, isto é,pessoadeaté12anosdeidadeincompletoséinimputáveleirresponsávelpenalmente,emborapossavirapraticarumatoinfracional.

Jáemrelaçãoaojovemnafaixaetáriade12a18anostemosoinimputáveldiantedalegislaçãopenal.Entretanto, ele é responsável penalmente, o que significa que em caso de prática de ato infracionalresponderádiantedeumsistemapróprioprevistonoECA,oqueconstituiumsistemapenaljuvenil.

Oprocedimentoparaaplicaçãodasmedidassocioeducativas,que jáfoiobjetodeanálisedo trabalho,requeroutraimportanteobservaçãosobreapenalizaçãodoatocometido.

Naverdade,estesadolescentesnãosãopunidospeloquefizerem,maspeloquepodemvirafazer.Ainquisiçãoaqueestãosubmetidosnão percorre apenas atos, pessoas e objetos,mas vasculha almas, tratadas pelamentalidade punitiva como formas desabitadas quedevemestaraserviçodoprocedimentolegal(Oliveira,1996,p.5).

Oliveira(1996,p.6)relataaexistênciadepadrõesquejustificamainternação,entreeles,oprimeiroqueseassenta“natríadedaordempública,personalidadeviolentaeintegridadepessoal”;osegundorefere-seàinternação“propriamenteditaacrescidodeumnovoelementoadissoluçãodaautoridadepaterna”,queresultaentãonumquartoelemento.

Ainda,Oliveira(1996)observaaquestãodaduraçãodainternaçãoprovisóriade45diaseacotejacomomáximodainternação–trêsanos,observandoqueapesardainternaçãoprovisóriapoderáseraojovem

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atribuídamedidadiferentedainternação,oquerealmenteresultanumcastigomaior.

Recentemente, foiaprovadaa lein.12.403/2011,quealterouartigosdoCódigodeProcessoPenal.Asignificativamudança na lei é a do artigo 313, que acaba por impedir a prisão preventiva em crimesdolosos punidos com pena privativa de liberdademáxima inferior a quatro anos (não podendo ser osuspeitoreincidenteemcrimedolosoe,emcasodecrimescontracrianças,adolescentes,mulheresporviolênciadoméstica,idosos,enfermosoupessoaportadoradedeficiência).Aalteraçãopassaapermitirqueaautoridadepolicialnessescasosarbitreafiança.

Resta,então,evidenciadoquepormaisqueseafirmequeosistemapenaljuvenilsejabenéficoaojovem,a insistência na manutenção da internação provisória de jovens em conflito com a lei em si já évergonhoso,comojádesveladoporOliveira(1993)umavezqueaessejovemrecolhidocautelarmente,por 45 dias, poderá ser aplicada uma medida socioeducativa de restrição de liberdade e não deinternação,porissoaantecipaçãopormeiodaprovisoriedadedamedidaéinjustificável.Orasenãoestáojovem“sentenciado”,senemsempreasprovasestãocolhidas,sealeiobrigaocontraditórioeaampladefesa,eainda, seemsituaçõessemelhantesoadulto temobenefíciodoarbitramentode fiançacomomanter a internação cautelar para os jovens, senão como uma medida de cunho discriminatório epreventivo?

Entretanto, em situações análogas em que a lei processual permite um benefício, isto é, conduta compenasidênticasresultaemdesigualdadedetratamentoinaceitável.Issodemonstraqueoregimedestinadoaosjovensemconflitocomaleiémaisseveroaindadoqueosistemapenalparaadultoseamascaraareclusãocomoumapossibilidadedemedidasocioeducativaparaojovem.

“AMetamorfose”,deKafka (2011),permitea leituradevárias formasea essas sepodemacrescer ainternaçãodosjovensemconflitocomaleipelasseguintesrazões:

QuandoGregorSamsaacordou,pensouquetinhasonhado.Rememorandooseucotidiano,ficouclaroqueeleeraefeitodeumchefeaterrador,deumpai exploradoredeuma família emque todosdependiamdele.Transformadoem insetonemmaispodeexpressar-secomohumano,embora tudoemseu interiorcontinuassehumano.Sentimentos,pensamentos,dor,tudocomoumhumano,entretanto,eraagorasóuminseto(Kafka,2011),umpersonagemnietzschiano,querevelaodemasiadohumano.

“Ametamorfose”insereumasimbologiaquemostraacondutadaspessoasemrelaçãoàquiloquefugiudoprogramadoepermitecompararojovememconflitocomaleiaalguémqueincomodaoEstadoeaSociedade,comoéocasododesviado,docriminoso,porisso,paraele,destinam-seprocedimentosqueosdevemtransformareminsetos:aeducaçãopelainternação.

Asociedadeéafamíliaqueagoranãoquermaisaquelequeanteseraseuesteio.Opaitentamatá-lo,airmãquerselivrardele,umavezqueelenãotemmaisutilidade.Anãoserquenaprisãosetorneútilaprodutividades relativas ao continuar de ilegalidades. Mas ainda é somente inseto disponível ainseticidas.

OHomemmédioecomumdoDireitoeosJovensemConflitocomaLei

Hulsman(1997,p.55),sobreohomemcomum,observaquequandopolíticosemseusdiscursos,mídiaeestudiososdepolíticacriminal“sepõemdeacordoedãoapalavraaumdeterminado“homemcomum”,

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[...]estehomemcomum seriaobtuso,covardeevingativo.Nãofariadistinçãoentreosmarginais,osviolentos,osmolestadoresdetodosostipos,reservando-lhesemblocoodesprezopúblico.Imaginariaasprisõescheiasdeperigososassassinos.Everianoaparelhopenaloúnicomeiodeproteçãocontraosfenômenossociaisqueoperturbam(grifodoautor).

Diz ainda o autor: “Ora, este homem não existe! Trata-se de uma cômoda abstração para legitimar osistemaexistenteereforçarsuaspráticas”.Quandotratadoassuntoestáreferindo-seàopiniãopública,comoéproduzidaeconduzidaecomoseequivocadapordesconhecerosistemapenal(Hulsman,1997,p.56).

Masohomemmédiododireitopenaléanalisadoparatambémlegitimarapunição,entretanto,aplicadaindividualmente. O homem médio corresponde àquele que pode compreender a ilicitude do ato quepratica.É alguéma quem se atribui umpadrão de comportamento que o torna diligente e que quandoatendidas as expectativas da sociedade em relação ao seu comportamento nada a ele poderá serimputado.

Sobre talhomempensa-sequenãorepresentaummodelo;àsvezes,questiona-se:sabe ler,escrever,éempregado,casado,solteiro...Emqueentãosepautaaanálisejurídicaqueotornaumréu?Conclui-se,então, que tal análise não passa de umamera abstração.Abstração essa que está a cargo do julgadorcomomaisumaconstruçãoparapermitiramanutençãodosistemapunitivodirigidoaospobres.

Sobre esse “novo” Sistema Penal, percebe-se que o homemmédio é mais que apenas um elemento,corroboracomtodaumaestratégiadefuncionamento,comomostraFoucault:

Resumindo:desdequefuncionaonovosistemapenal–odefinidopelosgrandescódigosdosséculosXVIIIeXIX–umprocessogloballevouosjuízesajulgarcoisabemdiversadoquecrimes:foramlevadosemsuassentençasafazercoisadiferentedejulgar;eopoderdejulgarfoiempartetransferidoainstânciasquenãosãoadosjuízesdainfração.Aoperaçãopenalinteiracarregou-sedeelementosepersonagensextrajurídicos.Pode-sedizerquenãohánissonadadeextraordinário,queédodestinododireitoabsorverpoucoapoucoelementos que lhe são estranhos. Mas uma coisa é singular na justiça criminal moderna: se ela se carrega de tantos elementosextrajurídicos,nãoéparapoderqualifica-los juridicamentee integrá-lospoucoapouconoestritopoderdepunir;éaocontrárioparapoder fazê-los funcionar no interior da operação penal como elementos não jurídicos; é para evitar que essa operação seja pura esimplesmenteumapuniçãolegal;éparaescusarojuizsimplesmenteaquelequecastiga.

[...]

Ajustiçacriminalhojeemdiasófuncionaesósejustificaporessaperpétuareferênciaàoutracoisaquenãoéelamesma,poressaincessantereinscriçãonossistemasnãojurídicos.Elaestávoltadaaessarequalificaçãodosaber(Foucault,2009,p.25e26).

Oaspectomaisenfatizadoemrelaçãoaohomemmédioounormalestárelacionadoaodesconhecimentoounãocompreensãodasnormas.Nãoconstitui,preocupaçãodagrandepartedejuristas131(Vullu,2005,p.25).

Caberia, então, discutir a aplicação do conceito ao jovem em conflito com a Lei,mas, na realidade,presume-sequeaquelequenãoseenquadranodito“homemmédio”,nãoépassíveldepunição.

Machado(2003,p.255)apresentaumestudosobrea“potencialconsciênciadeilicitudeeexigibilidadede conduta diversa132em que são imprescindíveis a responsabilização criminal democrática doadolescente autor de crime”. Para a autora, a questão impede a “a arbitrariedade estatal derivada daconcepçãoobjetivapuradodireitopenal”.

Aautoraapresentaduasponderaçõessobreoassunto:

A–Queao jovemse reconheceacondição“fáticadepessoaemdesenvolvimento”,masconstataqueapesardeteraprendidoaobedecer,eletransgrideasnormasdeconvíviosocial,masreconhecequeosmecanismos individuais de “autocontrole” não estão desenvolvidos no jovem, concluindo que: “os

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parâmetros que norteiam a exigibilidade de conduta diversa para o adolescente não pode ser igual aempregadaparaoadulto”(Machado,2003,p.256);

B-Explica:“Emgrandeslinhas,nãopodemostrabalharcomaréguadacondutamédiadoadulto,paravalorarareprovabilidadedacondutadoadolescente”.

Para a autora, háque sebuscar umparâmetroque seja apropriadopara a adolescência e entendequetambém o conceito de potencial consciência da ilicitudemerece ajustes para aplicação ao jovem (p.256).Comissocolaboraparamaisumredesenhosobreasuperfície,jápordemaisborradadegrafiteelápissobreopapelbranco.

Énecessárioreconhecerqueojovememconflitocomaleinãoéohomemmédiododireito.Nãopoderiaserassimreconhecidoemfacedequeépessoaemdesenvolvimento,nãoéadulto.Entretanto,talfatonãogeraumaproposta demudançanomodelo.MaryBelof (2006, p. 115) entendeque “osdelitos gravesdevemestarmencionadostaxativamentenalei,noqueserefereaosjovensemconflitocomalei,comofimdeevitarinterpretaçõesdapalavra‘grave’queafetemoprincípiodaexcepcionalidade,comosucedeemalgunspaíses”.Verifica-sequeapropostanãoédesolução.

Juventuderedundante.JuventudeKafkiana

OconceitoderedundanteédadoporBauman(2004,p.20):

Serredundantesignificaserextranumerário,desnecessário,semuso–quaisquerquesejamosusosenecessidadesresponsáveispeloestabelecimentodospadrõesdeutilidadeedispensabilidade.Osoutrosnãonecessitamdevocê.Podempassarmuitobemeatémelhorsemvocê.Não há uma razão auto evidente para você existir nemqualquer justificativa óbvia para que você reivindique o direito àexistência.Serdeclaradoredundantesignificatersidodispensadopelofatodeserdispensável-talcomoagarrafadeplásticovaziaenão retornável, ou a seringa usada, umamercadoria desprovida de atração e de compradores, ou umproduto abaixo do padrão, oumachado,semutilidade,retiradodalinhademontagempelosinspetoresdequalidade.Redundânciacompartilhaoespaçosemânticode‘rejeitos’, ‘dejetos’, ‘restos’, ‘lixo’ com refugo.O destino dos desempregados, do ‘exército de reserva damão de obra’, era seremchamadosdevoltaaoserviçoativo.Odestinodorefugoéodepósitodedejetos,omontedelixo.

Osjovensredundantessãoaquelesaquemseaplicaumamedidasocioeducativadeinternação;paraelesoquerestaéolixo,poisforamselecionadosporserempobresedestinadosacumprirumapenaporalgoquemuitosfazem,maspermanecemcomocifrasnegras,nãosendoalcançados.

Os jovens em conflito com a lei são então encaminhados a instituições do Estado, onde estarãoconfinadose,lá,nadaquemudearealidadeacontecerá,nemhá,nofuturo,comolivrarem-sedasmarcasqueadquirirãopormeiodocumprimentodessetempo.Talvez,ocorposaiasemferidas,masaalma,semdúvida,estarátatuada,comonaColôniaPenaldeKafka,seucrimeestaráinscritopelorastelo,emsuaalmacujocorpojáestásuficientementemarcado.

Ao pensar nesses jovens punidos com o que na verdade é uma prisão faz rememorar que a “prisão”jamais reabilitouou reintegrouninguém.Háumapreocupaçãogeneralizadacoma segurançae tal fatopodetrazervantagensapolíticos,empresárioseburocraciapúblicaeprivada.Ocrimefazpartedeumespetáculo, cujo conjunto desses elementos deve proporcionar omedo como resultado provavelmentesuperioraquepodeserarealidade.

Diante dessa perspectiva, a categoria segurança é alimentada pela construção de prisões, aumento depenas, alterações nos procedimentos, como o regime disciplinar diferenciado e tudo ocorreparalelamenteaumdiscursodespenalizadorque,aocontráriodoqueinforma,alcançamaispessoaseassubmetemamedidasrestritivasdedireito,dodireitocomodever,resultadodelutapelavidaqueproduz

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sujeições(dominações)eassujeitamentos(oamoràobediência).

Ocrimeé identificadocomaquelequeéconsideradodesclassificado,associadoà“criminalizaçãodapobreza”:

Paraisso,orejeitado/excluídorecorreaosúnicosmeiosàsuadisposição,todoscontendoalgumadosedeviolência;éoúnicorecursosque pode aumentar seu ‘poder de prejudicar’, único poder que podemopor ao poder esmagador dos que os rejeitam e excluem.Aestratégiade“rejeitarosquerejeitam”logoafundanoestereótipodorejeitado,acrescentandoàimagemdocrimeainerentepropensãodo criminoso a reincidência. No final, as prisões, surgem como o principal instrumento de uma profecia que cumpre a si mesma(Bauman,1999,p.135)133.

Alógicadainternaçãodojoveméamesmadoadulto:confinarpormeiodaprisionização.Nãoésempropósitoqueoíndicedereincidênciaentreosmesmossejadaordemde70%.134Nãoédeseassustar,como sublinhou Foucault (2002), que toda esta situação, incluída a rejeição, redundam emassujeitamentos.

Educação e Medidas Socioeducativas. Relatório para academia deKafka

Aotratardoassuntoeducaçãonestetrabalho,pretende-sevisualizaroequívocoemrelaçãoàsmedidasditassocioeducativas,queconstituemapenasdenominaçõesdiferenciadasparaasmedidasrestritivasdedireitos e de reclusão previstas no Código Penal. A falta de possibilidade de se encontrar umaperspectiva diferenciada daquela prevista no documento substantivo penal para os jovens em conflitocomaleijáindicaosdesacertosesperados.

NodocumentoMapeamentoNacionaldaSituaçãodoAtendimentodosAdolescentesemCumprimentodeMedidas Socioeducativas (Sumário Executivo)135, são colocados alguns elementos significativos paraentender-seaquestão,relativaao“bomfuncionamento”daestatística:

-Apermanênciadaexistênciadecasosdeextremaviolênciaemdiversasunidades(apráticaresultaemrebeliõesemortedeadolescentes);

-Emrelaçãoaosadolescentes internados:90%sãodosexomasculino;76%comidadeentre16e18anos; mais de 60% da raça negra; 51% não frequentavam a escola; 49% não trabalhavam; quandopraticaram o delito 82%moravam com a família. Quase 50% não concluíram o ensino fundamental;85,6%eramusuáriosdedrogaseconsumiammajoritariamentemaconha,67,1%;31,3%cocaínaecrack;eálcool32,4%;

- Em relação aos delitos praticados a maioria corresponde a roubo 29,5%; Homicídio 18,6%; furto14,8%;etráficodedrogas8,7%;

-OEnsinoEscolardosjovensemconflitocomaleiocorrepormeiodainserçãoemEscolasPúblicas;e85 % das unidades do sistema de atendimento aos jovens em conflito com a lei oferecem ensinoprofissionalizante, entretanto este é destinado ao jovem internado como um premio por bomcomportamento,etalcritérioéverificadoem42%dasunidades.

Aorelatarapesquisarealizadacommães,paiseavós,assimresumiu-senoRelatório:

Anoção de ‘cadeia’ revela a falha sistemática em relação à proposta sociopedagógica. Por outro lado, as falas dos jovens, que serepetemnosdepoimentosdosfamiliares,refletemdeumlado,arealidadecomquesãotratadosduranteapassagempelosistema;de

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outro,avisãopunitivacristalizadanasociedadeeexercidaporumsegmentodefuncionáriosdaunidade.Todasasimagensdasfamíliasestãoimersasemexpressõesutilizadasnouniversoprisional.Operfilpredominantedaspercepçõesdospaisentrevistadoséodequeoperíodopassadonainstituiçãoseriaumachanceparaoadolescenterefletirsobreseusatosemudaraorientaçãodasuavida.

Opensamentodospaisrefleteaindaumequívoco,baseadonaesperançadequeotratamentoinadequadorecebidopossaalterarcomportamentos.

-Napesquisaseverificaainexistênciadeumplanoestratégicoquesustenteasaçõeseducativase,ainda,além das dificuldades dos pais acompanharem o desenvolvimento dos filhos, o relatório destaca: a“posturaburocráticaedistanciadadarealidadedosoperadoresdodireitoedosfuncionáriosdosistema;eculturarepressiva,punitivaecruelcomquesãotratadososjovens”.

OCustodamedidadeprivaçãodeliberdadevariaentreR$1.898,00aR$7.426,00poradolescente.Amaiorpartedosrecursoséutilizadaemrecursoshumanos.Aunidadequeapresentouapiorqualidadenapesquisafoiaqueapresentouumcustode3.938,00reais(semconsideraroscustosindiretos)eamelhor,aqueapresentouumcustode2.965,00reaisporadolescente.

O que se depreende de tais dados é que não se trata de uma questão de recursos. Tais valores,provavelmente em ummodelo abolicionista, permitiria umamelhor aplicação e, principalmente, outraeducação do jovem em conflito com a lei. Entretanto, sobre a sanção normalizadora afirma Foucault(2009,p.171)assevera:

Naessênciadetodosossistemasdisciplinares,funcionaumpequenomecanismopenal.Ébeneficiadoporumaespéciedeprivilégiodejustiça, com suas leis próprias, seus delitos especificados, suas formas particulares de sanção, suas instâncias de julgamento. Asdisciplinasestabelecemuma‘infrapenalidade’;quadriculamumespaçodeixadovaziopelasleis;qualificamereprimemumconjuntodecomportamentosqueescapavaaosgrandessistemasdecastigoporsuarelativaindiferença.

ÉaindaFoucault(2009,p.172)queobserva:“Masadisciplinatrazconsigoumamaneiraespecíficadepunir e que é apenas um modelo reduzido do tribunal. O que pertence à penalidade disciplinar é ainobservância, tudo o que está inadequado à regra, tudo o que se afasta dela, os desvios”.Amedidasocioeducativa é, então, o tribunal do tribunal, mesmo quando passamos da disciplina ao controle,reiterandoafiguradosoberano,aindacomodelimitaçãoàfigurado“rei”,mesmosubstituídoporpovo.

Educarparaasoberaniacentralizadaéeducarjustificandoousodaforça.Elaprecisasercontidanumdeterminadolugar.SeuusonasváriasrelaçõesdesoberaniaencontranoEstadoaautoridadeparadispordelacomomonopólioelegitimidade.Decimaparabaixonahierarquia,vãosedefinindoospoderesdomonopóliodaforça:abaixodoEstado(regulamentadopelaConstituição),ospais(reguladospelosCódigoPenaleCivil)e,depoisosdiversosníveisemqueousodaforçaéintoleráveleparaosquaisoEstadomoderno,comomedidadeproteção,utilizaosaparatosrepressivos(Passetti,2003,p.76-77).

Foucault(1979,p.181),aotratardeseuprojetogeral,explicaqueseuobjetivoé“inverteradireçãodaanálisedodiscursododireitoapartirdaidademédia”.Dizoautorqueprocurou:“fazeroinverso:fazersobressairofatodadominaçãonoseuíntimoeemsuabrutalidadeeapartirdaímostrarnãosócomoodireitoéinstrumentodessadominação–oqueéconsenso–mastambémcomo,atéquepontoesobqueformaodireito”[...]“põeempráticarelaçõesquenãosãodesoberaniaesimdedominação”136.

ParaFoucault(1970,p.181e182),vaialémparaexplicar:

[...] Por dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de uns sobre os outros, ou de um grupo sobre outro,mas asmúltiplasformasdedominaçãoquepodemseexercernasociedade.Portanto,nãooreiemsuaposiçãocentral,masossúditosemsuasrelações recíprocas:nãoa soberaniaemseuedifícioúnico,masasmúltiplas sujeiçõesqueexisteme funcionamno interiordocorposocial.Osistemadodireito,ocampojudiciáriosãocanaispermanentesderelaçõesdedominaçãoetécnicasdesujeiçãopolimorfas.Odireitodeveservistocomoumprocedimentodesujeição,queeledesencadeia,enãocomoumalegitimidadeaserestabelecida.Paramim,oproblemaéevitaraquestão–centralparaodireito–dasoberaniaedaobediênciadosindivíduosquelhesãosubmetidosefazer

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apareceremseulugaroproblemadadominaçãoedasujeição.

Zanella(2010,p.4)observaqueessesjovensemconflitocomaleicumprindomedidassocioeducativasemmeioabertooucomoegressosdeunidadesdeinternação“figuramcomoogrupoescolarcommaiordificuldade de aceitação por parte da escola”. A autora informa, ainda, que o fato de ter havido umaumentode6%nataxadeescolarizaçãosignificaapenasquantidadeenãomelhoriasnoqueserefereaoprocessoeducacional.

É Zanella (2010) que, a partir de sua pesquisa no Estado do Paraná, apresenta os resultados da 1ª.Conferência Nacional de Segurança Pública, coordenada pelo Programa Proeduse, em formato deconferências livres, onde se propôs aos adolescentes discutirem as “suas vivências no que tange àsviolênciasexistentesnocotidianoescolar”.Algumasconclusõesinformadaspelaautoraforamresumidasaseguir:

-Osadolescentesrelatamqueaescolareproduzelegitimaoestigma,adiscriminação,quandoocorrem“xingamentos,ameaças,humilhações,racismo,homofobia,diferençassociaisereligiosaseviolênciadeprofessoresemrelaçãoaoaluno”(SECJ,2009,p.58).

-Asescolasnãocumpremseupapelemfunçãodaviolênciaexistente:aspessoassãovítimadeváriostiposdediscriminação–apelidos,roupa,condiçãosocial,racismo,aparênciafísicaetc.Afichacriminaltambémvaiensejarhumilhações(SECJ,2009).

-AspessoasabandonamaEscolaporsesentiremhumilhadas.

- Os profissionais estão conscientes dos acontecimentos,mas não sabem como ajudar os alunos a sedistanciaremdasviolências.

-OConselhoTutelar,emgeral,nãoadotaprovidênciasemrelaçãoàsdenúnciasdirigidaspelaEscola.

- A existência do Programa da Patrulha Escolar Comunitária137. Os patrulheiros são chamados paramediar conflitos que poderiam ser resolvidos pela própria escola. Há situações em que o policial,quandoamediaçãonãosurteefeito,levaojovem“atéumasalamaisescuraedesfereunstabefes”.

Emrelaçãoaosadolescentesemconflitocomalei,Zanella(2010)vaipontuarosseguintesaspectosqueapresentopelarelevânciaparaotrabalhoedeformaresumida:

- “Quando o adolescente se constitui no sujeito histórico adolescente em conflito com a lei,passa acarregar consigo o estigma do infrator”. Quando usam entorpecentes permanecem na escola paracomercializá-los.

-Esses jovensnão sãobem recebidosnaescola,portanto,quandoprocurada,dificulta a inserçãodosmesmos, dizem estar atuando em benefício dos outros alunos, quando se consegue amatrícula, que éefetivada com a presença de um técnico, o adolescente vai enfrentar sozinho variadas discriminações“veladas”easreferênciasaosatosinfracionaissãopermanentes.

Fica claro que os jovens em conflito com a lei em cumprimento da medida socioeducativa aopretenderemcumprirsuaobrigatoriedadedefrequênciaàEscolaestãofadadosaofracasso,certamente,existemsituaçõesemquenemsequerseconseguesuainserção.

Saliba(2006,p.127)vaiinformar:

Dessa forma, longe de proporcionar autonomia e liberdade, o cumprimento da pena sócio-educativa inculca no adolescente suadiferençafrenteaosnormais,revelandosuadeficiênciamoralfrenteàsociedadee,aomesmotempo,implanta-lheamarcasocialde

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delinquente.Portanto,estigmatizadoesemautoestima,otrabalhoefetuadopelaparceriaestádistantedelibertá-lodesuacondiçãodemarginalizado,contrariamente,oexcluiaindamais.

Naeducação“paratodos”,nãoháespaçoparaosjovensemconflitocomalei.Narealidade,parataispessoasnacondiçãoemqueseencontramnãosurpreende;paraosjovensemconflitocomaleinega-seoingressoemqualquerposição;aescolaproduzcircularidade.

Emrelatórioparaacademia,Kafka (2002 )contasobreomacacocapturadoqueaoserpresoemumagaiolapretendedequalquerformasairdalieencontraumasolução:tornar-sehumano.Aprendeimitandoos humanos, cuspindo, bebendo, fumando, até se tornou uma sensação nos espetáculos do Teatro deVariedades.Omacaco relata todas as noites sua transformação, como sua determinaçãopara alcançarumasaída.Aeducaçãonesseprocessolhetiroualiberdadee,odeformou,aoagircomohumano,masànoite,dormecomumchimpanzéfêmea:demasiadamentehumanoparapensarereproduziraespécie,oracomomacaco,orainseto,oraindivíduo.

AsescolaspertencemaoEstado,funcionamcomoagentesdemanutençãodeseusinteresses,existemparao exercício da superior política social a favor da soberania. Não deve qualquer preocupação com opotencialdecriatividadequepossa teralguémnaqueleespaço,nempoderia,poisoque seaplicaéapedagogiadaopressãocombinada,hojeemdia,comapedagogiadacriatividadeprodutiva.

Estecapítuloencerra-sepeloquedeveriaseroinício,ouseja,averificaçãodapossibilidadedeseremosjovensemconflitocomaleiconsideradoskafkianos,

Com Kafka apareceu à palavra kafkiano, uma designação para os excessos de racionalidades impessoais nas funções, cargos eprocedimentosqueorientamaprodutividademoderna, suasconstruçõesdeverdadesamparadasemrealidadesesonhos,envolvendogenteseanimais,surpreendentesinstantesondeseesperaoprevisível.Muitaprodutividadeansiadaparacadaum,metaimpossíveldeseratingida,atravessandocadapessoaatodoinstante,exigindoimpessoalidade,transparência,participação,elogiosedandoemtrocadireitosedeveres.Alguémsobesteritmo,euouvocê,estamosexpostospordentroeporfora.Espera-sequeaspaixõesrespondamcomobediêncianamesmaproporçãoquea razãoexigeumegoperfeito,o indivíduo.Tantacoisacorretaprescritaeasercumpridadelineiamapasquedemarcamitineráriosaseremseguidosparaseobterosucesso.Orebanhocaminha!Fronteirassãodemarcadas,osuniformesexigidos,oshorárioscumpridos,asposturasrecomendadas,a tosaregular.Porémquandomenosseespera,porumacaso,umdispersogesto,umabsurdo,depara-secomodesviodarota.Sabidodeantemão,queéprecisocorrigiraanormalidadeemqualquerinstante,emnomedarazão,davigilânciaprodutivaedocastigoexemplar,eu,você,eleouelaestamosdiantedokafkiano.(Passetti,2004,p.10).

Vive-senumasociedadeemqueseaceitaquea“umdispersogesto”ouum“desviode rota”dêazoarespostasquenão indicamsaídas.Oestranho tornou-se comumeo absurdo também.Maspoderia serdiferenteoatendimentoaoproblemado jovememconflitocoma lei,emespecial,aquelequeestáemmedidasocioeducativade internação,ouseja,preso,quese iniciassepeladiversificaçãoda formadeconduçãodecadasituaçãoproblema,gerandoumasingularidadequenãoéapreciadanosistemavigente.Nãohápossibilidadedetratarasituaçãodeformaaconsiderarentãoaespecificidadedoacontecimento?

Pode-se,então,concluircomasassertivasdeHulsman(1997):

Afinal, quem vai para prisão? Se a mídia não se dedicasse apenas ao sensacionalismo, se não se preocupasse somente em darrepercussãoaesseshorríveisprocessosdostribunaisqueconsiderammaisimportantes,poderíamossabermelhoroquesepassatodososdiasnascentenasdesaletas,ondejuízestêmcompetênciaparacondenardezenademilharesdepessoasquepovoamnossasprisões.

Hulsman (1997) relata que uma jornalista francesa teve a ideia de ver o que acontecia numaCâmaraCorrecional do Tribunal de Paris que julgava os flagrantes delitos, pois nestes locais há um lugarreservadoparajornalistas,masquepermaneciasemprevazia.AjornalistaChristianHennionreuniusuas

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observaçõesemumlivro:

As crônicas foram reunidas em um livro curtomas impressionante, onde se vê passar como um relâmpago a clientela habitual dostribunais correcionais: batedores de carteira, ladrõezinhos de toca-fitas ou de mercadorias em lojas, estrangeiros que infringemregulamentaçõesespecíficas,pessoasacusadasdenãopagarotáxiouacontadorestaurante,deterquebradounscoposdecafé,oupor terdesacatadoumagentedaautoridade....Emsuma,pessoasque têmproblemascoma leienão têmninguémaseu ladopararesolver as coisas amigavelmente. [...] os marginalizados, os ‘casos sociais’. O sistema penal visivelmente cria e reforça asdesigualdadessociais(Hulsman,1997,p.18e19).

Todavia,osistemaserevigoroudesdeentão,criandoosTribunaisEspeciais,apunirosjovens,pensa-seem educá-los, o que não se consolida, quer frente àsmedidas socioeducativas, quer diante da escolaformal, onde até pelo fato de serem aceitos, com plena listas de reservas, nada aprendem, além dadisposiçãoàreincidência.

Deve-se ainda considerar que partindo do pressuposto de que os governos liberais entendem queprincípio reguladordaprópriaatividadedeEstado,da sociedadee suasnormas, seobtémapartirdeumamudança radical em relação à concepção de que ohomosoeconomicus continua sendo como, noséculoXVIII,agradedeanáliseeconômicado indivíduo,antesentendidocomoconsumidor,ohomemdastrocas(emquesebuscavaaequivalência,igualdadeetc.),econsumidor,agoratambémumprodutordesuaprópriasatisfação,devendoassimserentendidocomoumaempresa.

NopresentetrabalhoimportaessaanálisedocapitalhumanonaformaempresanoqualsegundoFoucault(2008), por meio do elemento genético, se retomará o racismo de Estado e se configurará suareprodutibilidadescomocriançasejovenspobres.

A constituição de “um capital humano genético”, no qual para os neoliberais haveria necessidade deformação desse capital humano, ocorre quando “essas espécies de competência máquina que vãoproduzir renda,oumelhor,quevãoser remuneradaspor renda”dependemdo tempodededicaçãodospais aos seus filhos, desde berço, fala do afeto, o nível cultural, compondo o ambiente da vida dacriança.

ApobrezanocapitalismoseconfigurarásemprecomoameaçaaoEstado.Sãopessoasperigosas,comobediência deformada, potenciais criminosos, doentes sociais e que serão afinal regenerados, comoobjetodeinvestimentoemanejopeloEstado,pormeiodefluxosquecompõeinternações,programasdesereduzirapobreza,pedagogias,tribunaiseestatísticas.

ASociedadeSobControle

Ainda se convive com a era do panoptismo, sociedade disciplinar, disciplinamento. O panoptismoacabouporconstituir-seemummodelodecontrole,queemseubojocarregavaoprojetodepuniçãonamodernidade,queseiniciaemmeadosdoséculoXVIII

NaCartaI–Aideiadoprincípiodainspeção(Crecheff,RússiaBranca,1787),(Bentham,2008),oautordacartaexplicaqueoplanodoedifícioconcebidoporBenthamseaplicaatodososestabelecimentos:

[...]nosquais,numespaçonãodemasiadamentegrandeparaquepossasercontroladooudirigidoapartirdeedifíciosqueira-semantersob inspeçãoumcertonúmerodepessoas.Não importaquãodiferentesouatémesmoquãoopostos, sejamospropósitos: sejaodepunir o incorrigível, encerrar o insano, reformar o viciado, confinar o suspeito, empregar o desocupado, manter odesassistido,curarodoente,instruirosqueestejamdispostosemqualquerramodaindústria,outreinararecaemascensão nocaminhodaeducação,emumapalavrasejaeleaplicadoaospropósitosdasprisõesperpétuasNascâmarasdemorte,ouprisõesdeconfinamento antes da sentença, ou casas penitenciárias, ou casas de correção, ou casas de trabalho, ou manufaturas, ou

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hospícios,ouhospitaisouescolas.

Ora,opanópticosuperouoqueerasóumaidealizaçãofísicademeraconstrução,passandoaconstituirsistema de controle que se aplicou a todas as instituições a necessidade de alguém estar sempredisponível para o exercício do controle, de espaços delimitados e pessoas fincadas em tais locais.Quandoopodermove-secomavelocidadedosinaleletrônicotorna-seextraterritorial.

Opanóptico como sistemade controlenão acabou,mas aperfeiçoou-se emmonitoramento.Permanecevivo, subjugando àqueles que ninguémquer (os encarcerados – estereótipos dos criminosos – negros,quasenegros,pobres,sempreestes),incorporandonovastecnologiasutilizadasequeultrapassamlocaisde confinamento. Não é à toa que hoje se convive com prisões de segurança máxima para presosconsiderados mais do que perigosos, porque perigosos à própria prisão ,em regime disciplinardiferenciado,oqueexpressatalaperfeiçoamento(Miller,2008).

“O panóptico não é uma prisão. É um princípio geral de construção, o dispositivo polivalente davigilância, a máquina óptica universal das concentrações humanas”. (Miller, 2008, p. 90). Benthamentende que a partir de pequenas alterações omodelo se aplica para prisões, escolas, usinas, asilos,hospitais,workhouses.“Elanãotemdestinaçãoúnica:éacasadoshabitantesinvoluntários,reticentesouconstrangidos”(Idem).Eacasatransformou-seemmundomonitorado.

Portanto, seopanóptico inaugurouummodelodecontrole,e todosdeviamservigiados,nasociedadedisciplinar, para a obtenção dos “corpos dóceis” era necessário o confinamento que se sucedessem:família, escola, prisão, fábrica, exército, hospital. Hoje combina-se com variados dispositivos decontroleeporisso,odiscursosobrepessoasemconflitocomaleiemregimessemiabertosouabertosdemonitoramentosdejovens,semprescindirdainternação.

Aotratardasociedadedecontrole,Passetti(2007)observaqueestafoianunciadaporFoucaultetratadaporDeleuze,equesuacaracterísticamarcanteéaderedimensionarpeloinacabado.Nessasociedade,onde nada pode escapar acontecem: a – espaços disciplinares sem demarcação; b – predominam aprodução imaterial e intelectual; c – não se está mais no âmbito da inclusão – exclusão como naSociedadeDisciplinar;d–nasociedadedecontroleasfronteirasnãoestãoclaramentedelimitadas,nemasmarginalidades,nemaspenasestãodefinidas(aspenasrestritivasdedireitossãosempreredefinidascasoacaso);d–Nasociedadedecontrolechama-seàparticipaçãocadaumnosmúltiplosfluxos,nãoháespaçosvagoseaquelesdasociedadedisciplinarsãocadavezmaisrestritos.

A criminologia moderna, se é que se pode assim chamar os novos modelos, está preocupada comestatísticas,podeserdenominadaatuarialougerenciale importacriminalizarcadavezmaiscondutas,voltadaparacomovãoseraplicadasaspenas.Quandosedecidepelareclusãoaprisãojápodeseradesegurança máxima. Sabe-se que, nestes locais, não há educação, nem trabalho, nem ressocialização,somentea socializaçãonegativa,aquelaemque“mandaquempode”ondemacacosestão tomadosporinsetos. Em sua volta, O dono do quarteirão, o dono da prisão, os armados, os donos da droga, esobrevivênciaésóoqueimporta.

Para Bauman (2010), os pobres não formam mais um exército de reserva, não existe mais uminvestimentoracionalcomosmesmos,passaramaserdependentesperpétuosenãosãomaisvistoscomos recursos potenciais.Analisa o autor estar sendo redefinida como lei e ordem a questão do pobre,consideradaantescomosocial.EcomosublinhouFoucaultsobreoneoliberalismoeapunição,háefeitosdeestatísticasdonovocapitalhumano:asociedadedeveseconformarcomseusdéficits.

ParaAnitua(2008,p.816):

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Nosúltimosanos,governadospelos“medos”aumainfinidadedequestõesreaisounão-,aideiadesegurançaseriaaquetrariaemparte,essesuporteideológicoeemocional.Diantedacarênciadeideologiastransformadorasedepossibilidadesdepolíticasefetivas,asburocraciaspolíticasvoltamasvistasparaavelhaferramentapunitiva,aqualoferecemaumacomunidadeassustadacomoumaclarademonstração de que “estão fazendo alguma coisa”. Isso foi identificado como uma política penal “populista” – embora no meuentender,éclaramenteelitista,comonãopodeserqualqueroutralógicapunitivaoubélica-,vistoqueessasburocraciassugeremqueatuamcomorespostasaospedidosdeumasuposta“audiência”.

Assim,aspropostasapresentadasemrelaçãoaumaalteraçãonosistemapunitivoconsistem,emverdade,no surgimento de novos saberes relacionados ao exercício do poder e, aos diferentes objetivos degoverno,conformeavisualizaçãodocriminosocomoinimigodasegurança.Masnenhumdessessaberesbuscouumaverdadeirainovaçãojáquesemprerecuam,covardemente,emreformas.

Oinovadorabolicionismopenalrompecomatradiçãodasreformas.

1ª.Oabolicionismopenalsurpreendeporenfatizaraeducaçãolivrediantedaculturadocastigo,suprimindoasoluçãofácil,burocráticaeonerosada aplicaçãodapena emnomedeumahistória remota, fundadano castigo, na suanaturalização e numaduvidosamoralsuperiorqueatravessaasociedadedisciplinaredecontrole.

2ª. O abolicionismo penal provoca os juízes, advogados, promotores e técnicos sociais e comportamentais a abdicarem deprocedimentos envelhecidos e preconceituosos, anamneses caducas, testes obsoletos, enfim, do poder que reitera seus saberesrepressivosparaexercitarempráticasliberadoras(Passetti,2006,p.89).

Osnovosatoresdoparadigmaatual,democráticoeparticipativo,obrigaa todosodeverdeassegurargarantiasedireitosdascriançasejovens,maséineficaz,comosesabe,independentedomodeloquesequeiraadotarseareclusão“nãofunciona”,portanto,abolirainternaçãoépossível:

Oabolicionismopretendebuscarotalentodecadaumdosenvolvidosnasituaçãoproblema,perguntando,comosugeriuDeleuze,‘oqueestamos fazendo de nós mesmos’? Isto é problematizar os casos que escapam da cifra negra, dos acordos em delegacias, dascorrupçõesdediversasordensqueosistemapenal,porcimaouporbaixo,acabaabsorvendo.Oabolicionismopenal,nestesentido,éuma heterotopia, uma estética da existência (quer liberar e não libertar), um estilo de vida, porque é impossível querer liberar asociedadedapuniçãoseocastigonãoforliberadonointeriordecadapessoa.Oabolicionismo,nopresenteenomínimo,éumredutordecustos,umampliadordesoluçõeslivreseumdesarvoradorparavelhas-novasmentalidades.Comovacúolos,heterotopias,atitudes-limite,oabolicionismopenaléhistóriadopresente,incômododesassossego(Passetti,2003,p.228/229).

Aaboliçãodosistemapenalpermitiriaresolverassituações-problemaatendendotantoaosreclamosdavítima, quanto trabalhar com os autores dos atos infracionais, segundo possibilidades que poderiamresultaremalteraçõeseficazes,atendendoatodososenvolvidos.

Éperceptívelumamudançanaformadeutilizaçãodaleiedodireitocomodecorrerdosséculos,apartirdeumadoutrinadegovernoliberalpodeseexprimirdasliçõesdeFoucault(2008),emNascimentodaBiopolítica,houveumamudançadeserdodireitoaperfeiçoadacomosurgimentodoneoliberalismo.Oruleof lawpassaa serum instrumentonecessárioparaa regulaçãodecondiçõesnãoeconômicasquemedianteo intervencionismo jurídico constante temoviésde estabelecerumamoldura adequadaparagarantiraexistênciadeummercadolivre.Assimaleiassumeacondiçãoderegradojogoeconômicoeopapel do direito passa a se limitar a regulamentar por intervenções não voltadas para o processoeconômico,masemtudooqueocircundar,istoénaprópriasociedade(Foucault,2008,p.277).

Énecessárioconsiderarentãoaformacomoalegislaçãopenalvemseestabelecendocomoumprogramacriminalizante, que faz parte do intervencionismo do Estado para regular omáximo de condutas. Emquase todas as legislações há artigos criminalizando atos, e ao lado do Código Penal proliferam aslegislaçõesespeciais,tratandodesituaçõesespecíficas,CódigodeTrânsito,EstatutodoIdoso,Estatutoda Criança e do Adolescente, Lei do Meio-Ambiente (que inclusive criminaliza a pessoa jurídica),CódigodoConsumidor,LeideEntorpecentes,LeiMariadaPenha,LeideCrimesHediondos,Código

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Tributário,LeiEleitoral,LeideContravençõesPenaisetantasoutras,aoladodasjáexistentes.

Dessemodo,nãohácomolutarcontraainjustiçasocial,massomentemanterostatusquopelasregrasdojogomedianteregrasformais,masnãohácomocumpriresseprogramacriminalizantedoEstadoeaconsequênciaéqueinúmerasdessascondutas,quenemomelhordosoperadoresdodireitoconheceemsua totalidade, sequer chegam ao conhecimento da justiça e, portanto são resolvidas por outras vias,demonstrandoqueoabolicionismojáexiste.

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ASPERSONAGENSDEKAFKA

Ascriançaspobresestãonasruas,àsoutrasconfinadasnosgrandescondomínios.Paraessasasegurançaqueasabrigadomedo,paraasoutrasafamadeprovocadorasdosmedos.

Osjovenspobresdesejamserconsumidores,masnadapodemcomprar.Sapatosusados,roupasgrandes,analfabetos funcionais, inseridos em algum programa de educação continuada. Usuários da merendaescolar,quiçádasdrogas.

Unsconseguemescapardaarmadilhadatentaçãodefazeroquetodojovemfaz,transgredir.Algunsnãoescapamesãoinseridosnarededasubmissão.

Se vão para a escola, e lá conseguem permanecer tornam-se os humanos desejados pelo Estado,prestarão serviços em algum órgão público, para cumprimento demedida socioeducativa, assustandoquemosenxergamcom“criminosos”.Osolharesparaelesosligamàsdrogas,aofurto,sãomarginais.

Sãopobres, estigmatizadose afinal selecionados; sãoaquelesqueno futurovãoalimentar as taxasdeencarceramentodosadultos.

Personagens kafkianas são tatuadas como na Colônia Penal, viram insetos nametamorfose a que sãosubmetidos, sãodestruídos pelo gato, sãomacacos na gaiola exibindo-se para a academia, e sãoumafontederecursosparamuitos,oquejustificaestaroTribunaldeKafkasituadoemlocaltãopobre.Nãoentendemporqueestãopresoseprovavelmentenemaexecuçãosemprocesso,daqualnãopodemmaisfalar.Sãoosmortosamaisemumaguerraquenãocondecoraheróis.

O Estado com sua carga burocrática implanta os Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais, osConselhos Tutelares os Sistemas Nacionais, as descentralizações, para dividir responsabilidades;distribuirecursosparanovasunidadesdeinternaçãoetambémparaconstruçãodenovasprisões,novasvagas até que voltem a estar abarrotadas. As estatísticas comprovam que as mudanças devem serpequenasequeosprogramassejamenormes.

Mas,pordentroouporforadoEstadoháalguémcapazdereconhecendoofracassodetantosprogramas,proponhaaaboliçãodoencarceramentodosjovens?Quecaminhenadireçãodaaboliçãoqueafinaljáexiste,paraoadulto,pormeiodaimpunidadereinante.

O Estado na administração das crianças e jovens pobres é como o Pai, no Veredito de Kafka, acondenaçãoéàmorte,masquenemsempreocorrepelosuicídio.

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REFERÊNCIAS

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DOCUMENTOSCONSULTADOS

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Notas1OConceitodeadolescênciaéumaconstruçãoquesedeunodecorrerdotempo.DuranteaIdadeMédia,porexemplo,nãohaviacontrolesobreaidade,poisodiadonascimentodaspessoaseradesconhecido.AtéoséculoXVIIaadolescênciafoiconfundidacomainfância,enosséculosXVIeXVIIaimagemdoadolescente era atrelada a papéis sociais (como um quase adulto). Não se pode esquecer que seusignificado pode estar relacionado com as experiências de vida, que são diferentes (o burguês, oproletário, o indígena). InSubvertendo o conceito da violência,Coimbra.C.C;Bocco, F;Nascimento,M.L assim se expressam: “Em suas pesquisas, Margaret Mead (1951) já nos apontava, com suasexperiências emSamoa, que a adolescência nadamais é que um ‘fenômeno cultural’ produzido pelaspráticas sociais em determinados momentos históricos, manifestando-se de formas diferentes e nemsequerexistindoemdeterminadoslugares”.Apesardadifusãomassivadafiguradoadolescentecomoograndeíconedostemposcontemporâneos,aprendemoscomMeadqueelaétotalmenteengendradapelaspráticas sociais. De acordo com Lepre (2005), por exemplo, foi no século XVIII que surgiram asprimeirastentativasdedefinirclaramentesuascaracterísticas.NoséculoXX,embasadoempressupostoscientíficos, o adolescente moderno típico estabeleceu-se com características e atributos psicológicosbemdemarcados.Disponívelem:http://www.psicologia.ufrj.br/abp/,acessoem2015.04.2011.

2O artigo 24 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi desenvolvido na ConvençãosobreosDireitosdasCrianças,quandosepassouaelegeroprincípiodaamplaproteçãodacriança,emtodosossentidos,deixando-sedefundarseusdispositivosnasideiasdesituaçãoirregularcomoformadeproteção

3Lein.8.242,de12deoutubrode1991–artigo1º.,parágrafo1º.

4Documentosqueserãoabordadosposteriormente.

5O controle social é um dos objetos da criminologia, sendo o controle social penal um “subsistemadentrodosistemaglobaldecontrolesocial;diferedesteúltimoporseusfins(prevençãoourepressãododelito),pelosmeiosdosquaisseserve(penasoumedidasdesegurança)epelograudeformalizaçãoqueexige”(PabloMolina,1992,p.77).

6Disponívelemhttp://www.fflch.uspbr/,acessoem:19.04.2011

7EmAbbagnano(2000:1002)–violênciaédefinidacomo:“...1.Açãocontráriaàordemouàdisposiçãodanatureza.Nessesentido,Aristótelesdistinguiaomovimentosegundoanaturezaeomovimentoporviolência.Oprimeirolevaoselementosaoseulugarnatural;osegundoafasta-os(Decael,I,8,276,a22) (v. FÍSICA). 2. Ação contrária à ordem moral, jurídica ou política. Nesse sentido, fala-se em“cometer” ou “sofrer violência”. Algumas vezes esse tipo de violência foi exaltado por motivospolíticos.Assim,Sorelfezadistinçãoentreaviolênciaquesedestinaacriarumasociedadenovaeaforça,queéprópriadasociedadeedoEstadoburguês.“Osocialismodeveàviolênciaosaltosvaloresmorais com que oferece salvação aomundomoderno”. (Réflexions sur la violence, 1966, trad. It, p.133).

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8Adorno(2011:4)asseveraque“anossasociedadeéumasociedadequetemraízesnoautoritarismo”.

9Osromanostinhamclassessociaisbemdefinidas:patrícios-cidadãosromanosquedetinhamopoderedesempenhavamasfunçõesmaisimportantes;clientes-homenslivresqueseassociavamaospatrícioseprestavam-lhesserviçosemtrocadeauxílioeconômicoeproteçãosocial;plebeus-homenslivresquesededicavam ao comércio, trabalho agrícola e artesanato e escravos - a maioria era composta porprisioneirosdeguerra;distinguindo-se,portanto,emrelaçãoaosdireitosqueexerciam.

10Ariéssobreaausênciadarepresentaçãodacriança,afirma:“émaisprovávelquenãohouvesselugarparainfâncianessemundo”(2006,p.17).

11OCIESPI (CoordenaçãodeEstudosePesquisas sobre a Infância–UniversidadeSantaÚrsula -RJ),catalogou a legislação relativa à criança e ao adolescente por assunto, na informação, interessa alegislaçãorelacionadanotítulo:CrimeeInstitucionalização,utilizadanestetrabalhopelapertinênciaeabrangênciarelacionadacomotemaquesedesenvolve.

12Saraiva, (2009, p. 34) esclarece que o critério utilizado pelo Código Penal de 1890 era obiopsicológico,significandoqueomaiordenoveanosemaiordequatorzeseriasubmetidoàavaliação.

13AindaSaraiva(2009,p.33)informaquenofimdoséculoXIXeiníciodoséculoXXéqueemnossoPaís conhecemos as instituições públicas de abrigamento. Em períodos anteriores era a Igreja queassumiatalresponsabilidade.

14CIESPIem11.10.2010.

15MoncorvoFilhoeramédicoesepreocupavacomasituaçãodascriançasabandonadas.

16A expressão “menores” designa um preconceito, ela é utilizada tanto para indicar a criança e oadolescentecarentescomoosinfratores.Osquenãoestavamemtalcondiçãoeramchamadosdecriançaoujovem,ouaindaadolescente,nuncamenor.

17“Afimdecontornaressesdois inconvenientes,acolaboraçãoentrea justiçaeasobras filantrópicasproduziuumsistemaqueprefiguravaaatualliberdadevigiadaeaassistênciaeducativaemmeioaberto.Trata-sedeumesquemaemtrêstempos:emprimeirolugaromenorécondenadoepassaparaaalçadadaadministraçãopenitenciária; em segundo lugar esteo confia a sociedadedepatronagem, aqual emterceirolugardevolve-oàfamíliaexercendosobreela,umcontrolesobreaboavigilânciadomenorquetemsobsuaguarda.Sealgonãolheagradar,elapodetomá-lodevoltaafimdecolocá-loemumdeseuscentrose,senelesocorreralgumarebelião,podemandá-lodevoltaàprisão”(Donzelot,1980,p.81).

18Saraiva 2009, p. 20, lembra queEmilioGarciaMendes separa a história do direito juvenil em trêsetapas, sendo a segunda a “de caráter tutelar” que consoante explica: “tem sua origem nos EstadosUnidoseseirradiapelomundo,noiníciodoséculoXX.Numperíododetempodevinteanos,iniciandoem1919coma legislaçãodaArgentina, todosospaísesdaAméricaLatinaadotaramonovomodelo,resultante de promiscuidade do alojamento de maiores e menores nas mesmas instituições.”EvidentementecoincidecomapreocupaçãonoBrasildeefetivasamesmaseparação.

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19Istoé,“aresponsabilidadeédodono”.

20Leardoni, Gimenez, Santos e Nozabielli, inO processo de Afirmação da Assistência Social comoPolítica Social, expressam-se da seguinte forma: a prática assistencialista era exercida pelas almascaridosas,mas a ajuda aos necessitados sempre esteve presente na história, tais práticas foram sendoapropriadas pelo Estado. “No Brasil, até 1930, não havia uma compreensão da pobreza enquantoexpressãodaquestãosociale,quandoestaemergiaparaasociedade,eratratadacomo“casodepolícia”eproblematizadaporintermédiodeseusaparelhosrepressivos.Dessaformaapobrezaeratratadacomodisfunção individual...”.Aprimeiragrande regulaçãodaassistência socialnopaís foi a instalaçãodoConselho Nacional de Serviço Social – CNSS - criado em 1938.” Disponível emhttp://www.ssrevista.uel.br/,acessoem:20.03.2011.

21Acórdão é a decisão do Órgão Colegiado do Tribunal, que aprecia a apelação. Os embargos dedeclaraçãocabemsomenteparasanarobscuridadesnotextodasentença.

22Em1924aAssembleiadaLigadasNaçõesadotouaDeclaraçãodeGenebradosDireitosdaCriança.

23Osprimeirosprecedentesdoprocessode internacionalizaçãodosDireitosHumanos foramoDireitoHumanitário,aLigadasNaçõesUnidaseaOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho(Piovesan,2008,p.109).

24Também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, refere-se ao tratadointernacionalassinadoentreospaísesmembrosdaOrganizaçãodosEstadosAmericanosatravésdoqualos Estados signatários se comprometem em comprometem a respeitar os direitos e liberdades nelareconhecidoseagarantirseulivreeplenoexercícioatodapessoaqueestásujeitaàsuajurisdição,semqualquerdiscriminação.AconvençãotambémestabeleceuaComissãoInteramericanadeDireitosHumanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Para mais detalhes ver:http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/Convencao_Americana.htm.

25A expressão normativa internacional é usada aqui para designar o conjunto de documentosinternacionaisrelacionadosàcriançaeaoadolescente.

26O Discurso a que se refere faz parte das falas de Mario Altenfelder em suporte à criação daFUNABEN. É um discurso autoritário que “entende de tudo, principalmente de classe dominada: elaprecisasercorrigida”(Passetti,1982,p.45).

27Sobreaquestãodadesigualdade,daconcentraçãoderendaedapobreza,BonellieRamosobservam:... o Brasil tinha experimentando entre 1960 e 1970 um aumento na concentração de renda semprecedentes em relação aos países para os quais existe documentação estatística”, os autores aindainformam:“Paraos10%maisricos,porexemplo,oaumentoderendaentre1960e1980chegouacercade150%emtermosreais.Paraos40%maispobres,poroutroladooaumentofoidaordemde120%nasduas décadas. Ainda sobre o assunto: 20%mais pobres detinham 3,5% da renda e, em 1979, 2,9%,enquantoos20%maisricospassaramde54%para62,8%.Os10%situadosnaescalasuperiorderendadetinhamquaseametadedarendaem1979,ouseja,46,8%(Bonelli,Ramos,1993,p.77e79).

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28Previstasnoartigo112doECAapresentasetepossibilidadesquevãodaadvertênciaàinternação.“Deiníciooquepoderiaserumapossibilidadejurídicaparaimpedirainternação,elaborandopropostasnãopunitivas às transgressões realizadas pelos jovens, mesmo nos limites do Estatuto-lei, não passou deeufemismo que institucionalizou um nome diferente para aplicação de pena em vez de lidar com umasituação-problema. Poucos estudos específicos indicam a continuidade da mentalidade punitiva dosjuízes,queprivilegiamamedidadeinternaçãoeusamoECAcomoumminicódigopenalaplícavelaosinimputáveis”(Verbetes).Disponívelemhttp://www.nusol.org/verbetes,acessoem:17.07.2011.

29“As mais importantes são: 1) instituição de regimes de execução de penas (fechado, semiaberto eaberto),relacionadosàquantidadedapenaenãocomapericulosidade;2)osistemadealbergueparaoregime aberto; 3) trabalho externo para todos os condenados, entre outros”. Mota, Maria Nazareth,mimeo,dissertaçãodemestrado,2002.

30Pensa-sequeastentativasdareduçãodamenoridadepenalpossaterseiniciadoaí.

31Mimeo da dissertação demestrado, intitulada “Inventário de Desvios (os direitos dos adolescentesentreapenalizaçãoealiberdade),PUC/SP,1993.

32AConstituiçãode1988queemrelaçãoàcriançaeaosadolescentesdetermina:Art.227.Édeverdafamília, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, odireitoàvida,àsaúde,àalimentação,àeducação,aolazer,àprofissionalização,àcultura,àdignidade,ao respeito, à liberdadeeàconvivência familiar e comunitária, alémdecolocá-losa salvode todaaformadenegligência,discriminação,exploração,violência,crueldadeeopressão.

§1º.OEstadopromoveráprogramasdeassistênciaintegralàsaúdedacriançaedoadolescente,admitidaaparticipaçãodeentidadesnão-governamentaiseobedecendoosseguintespreceitos: I–aplicaçãodepercentual de recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II – criação deprogramasdeprevençãoeatendimentoespecializadoparaosportadoresdedeficiênciafísica,sensorialoumental,bemcomodeintegraçãosocialdoadolescenteportadordedeficiêia,medianteotreinamentopara o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com aeliminaçãodepreconceitoseobstáculosarquitetônicos.

§2º. A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e defabricaçãodeveículosdetransportecoletivo,afimdegarantiracessoadequadoàspessoasportadorasdedeficiência.

§3º.Odireitodeproteçãoespecialabrangeráosseguintesaspectos:I– idademínimadequatorzeanospara admissão ao trabalho, observado o disposto no artigo 7º., XXXIII; II – garantia de direitosprevidenciáriosetrabalhistas;III–garantiadeacessoaotrabalhadoradolescenteàescola;IV–garantiade pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual edefesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;V –obediênciaaosprincípiosdebrevidade,excepcionalidadeerespeitoàcondiçãopeculiardepessoaemdesenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade; VI – estimulo doPoder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, aoacolhimento,sobaformadeguarda,decriançaouadolescenteórfãoouabandonado;VII–programasdeprevençãoeatendimentoespecializadoàcriançaeaoadolescentedependentedeentorpecentesedrogas

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afins.

§4º.Aleipuniráseveramenteoabuso,aviolênciaeaexploraçãosexualdacriançaedoadolescente.

§5º.AadoçãoseráassistidapeloPoderPúblico,naformadalei,queestabelecerácasosecondiçõesdesuaefetivaçãoporpartedosestrangeiros.

§6º.Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos equalificações,proibidasquaisquerdesignaçõesdiscriminatóriasrelativasàfiliação.

§7º.Noatendimentodosdireitosdacriançaedoadolescentelevar-se-áemconsideraçãoodispostonoartigo204.

33John Friedman e autor do livro Empowerment: uma política de desenvolvimento alternativo, cujatraduçãoéportuguesa.

34Traduçãolivre.

35Como assinalaBustosRamírez:A ideologia da situação irregular converte a criança e o jovem emobjeto, e não em sujeito de direitos em um ser dependente que há de ser submetido à intervençãoprotetoraeeducadoradoEstado.ElSistemaPenalJuvenil–/JusticiaPenalJuvenil/ComisíonEuropea,ILANUD-disponívelem02.09.2010–internet.Traduçãolivre.

36ParaJuarezCirinodosSantos“oconceitodeproteção integralda legislação temoóbviosentidodeproteçãototal,absoluta,semlimitações–enãoparcial,relativa,limitada,sealeinãocontémpalavrasinúteis,easpalavrastêmalgumsignificado-,oquebastaparaindicaraatitudegenerosadolegislador.Noplanodaaplicação,osistemadejustiçasocioeducativafundadopelaleiéintegradoporoperadoresjurídicosetécnicosqualificados,todosemmaioroumenorextensãopessoalmentecomprometidoscomapolíticaoficialdeproteçãointegraldainfânciaedajuventude.Masentreasboasintençõesdolegisladoreadedicaçãodosprotagonistasdosistemadejustiçasocioeducativa,porumlado,easituaçãodebrutaldesproteção da juventude (e da infância) no Brasil, por outro lado, parece existir algo mais do queimagina nossa vã filosofia: a lógica diabólica das contradições reais de processos estruturais einstitucionais aparentemente independentes da vontade individual.” In: O adolescente infrator e osdireitoshumanos.Disponívelhttp://www.abmp.org.br/acervo.php,acessoem:10.03.2010.

37DisposiçõesgeraissobreaPolíticadeAtendimento–artigos86a89;Dasentidadesdeatendimento;Dasmedidasdeproteçãoedasmedidasespecíficasdeproteção–artigos98a102;Dapráticadosatosinfracionais(disposiçõesgerais)–artigos103e104;DosDireitosIndividuais-artigos106a109;DasGarantias Processuais – artigos 110 e 111; Das medidas socioeducativas – artigos 112 a 125; Daremissão-artigos126a128;Dasmedidaspertinentesaospaisouresponsável–artigo129e130;DoConselhoTutelar – artigos131 a140;Doacesso à justiça– artigos141 a151;Dosprocedimentos–artigos152a199;DoMinistérioPúblico– artigos200a205;Doadvogado–artigos206a207;Daproteçãojudicialdosinteressesindividuais,difusosecoletivos–artigos208a224;Doscrimesedasinfraçõesadministrativas–artigos225a258;DisposiçõesFinaiseTransitórias–artigos259a266.

38JoãoBatistaCostaSaraiva–Aidadeeasrazões:nãoaorebaixamentodaimputabilidadepenal, in

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Adolescentes Privados de Liberdade: A normativa Nacional e Internacional e reflexões acerca daresponsabilidadepenal–FONACRIAD,4ª.Ed.,SãoPaulo,Cortez,2008.Oautorcomparaosbenefíciospertinentes aoDireito Penal e a Internação do adolescente: “Outra questão que tem sido levantada serefereaomódulomáximodeinternamentodeumadolescenteinfrator,fixadoemtrêsanos,comlimitede21 anos de idade para sua liberação. Amatéria embora admita avaliação, merece algumas reflexõesdiante do conjunto do sistema penal do imputável, apresentado como solução para a criminalidade.Deve-se considerar que para um adulto permanecer três anos “fechado”, sem perspectiva de algumaatividadeexterna, suapenadeverásituar-seemummódulonão inferiora18anosde reclusãoeisquecumprido 1/6 da pena (que são os mesmos três anos a que se sujeita o adolescente) terá direito abenefício.Nãosepodedesconsiderar,nocasodoadolescente,quetrêsanosnavidadeumjovemde16anosrepresentacercade1/5desuaexistênciaemumafasevital,detransformações,nacomplementaçãodaformaçãodesuapersonalidade,ondesefazpossívelafixaçãodelimitesevalores(p.165)

39FolhadeS.Paulo,terçafeira,13dejulhode2010C3eC1.

40Disponívelemwwwmj.gov.br/sedh/conanda/index/htm,acessoem23.06.2011.

41Levantamento feito na dissertação de mestrado de Luziele Maria de Souza Tapajós – A FrancadelinquêncianazonadeManaus–AlgumasinformaçõessobremenoresinfratoresnacidadedeManaus,PUC/SP-1991.

42APenitenciáriaDesembargadorRaimundoVidaldePessoafoiconstruídanomodelopanóptico.

43Paraquesejapossívelfugir-sedanoçãodequeadeterminadacondutacorresponderásempreàmesmasoluçãoqueestáprevistaemleiequeafastaosenvolvidosdesuaprática,Hulsmanesclareceque“umasituação problema é entendida como um evento que faz parte de nossa existência e que deve sersolucionadapelaspessoasqueparticipamdiretamentedaexperiência.Éumamaneiralivredeinterpretara situação vivida que devolve aos envolvidos o evento que lhes é expropriado pelo sistema penal”(Salles,2011,p.121).

44Droitéautordolivro:MichelFoucault.Entrevistas.

45“Nasociedadedisciplinar,segundoMichelFoucault,investiu-senocorposãoparaoEstado.Umcorpoútiledócilparaoqualfoigestadaumabiopolíticadapopulação.Eraprecisocuidardocorpo,desuaconsciência,pormeiodosserviçosestatais,dosaneamentodascidadeseassistênciaaosoperários.Servivoeraserprodutivo,etodoserprodutivodeviaterseucorpocuidadopelosdafábrica,daescola,dafamília,dohospital,dacidade”(Passetti,2003,p.43).

46“Vivemos emum tempo emque prepondera o inacabado; emque prisioneiros organizados preferemtransformaraemEstadoeempresa(ComandoVermelho,PartidodoPrimeiroComandodaCapital)emvezdeprovocarsuademolição.Eradosnegócios,diplomaciasedaprisãocomolugardesociabilidade,deintegraçãodecidadãosmiseráveis livrespormeiodevisitas,sexo,casamentoseempreendimentos.Diantedetantosnegócios,deperdedoresradicais,normaisnormalizados,moderadosedeespetáculosdeliberdade,aboliraprisãoantesdequalquercoisa,éumaaçãoquecomeçacomaaboliçãodocastigoemsimesmoeimpedimentodeencarceramento”(Passetti,2007,p.38).

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47“... No discurso jurídico penal a pena alternativa é considerada um benefício com a finalidade dediminuir as estatísticas de reincidência, atender as finalidades de ressocialização dos condenados,estimular o convívio na comunidade, e reduzir o aprisionamento, lançandomão ao mesmo tempo docontrole contínuopormeiode tecnologias de vigilância e dispositivos eletrônicos, comonas recentesinovaçõesnaliberdadeassistida.Aproblematizaçãodessesdispositivosevidenciaastendênciasatuaisdeacoplamentoaoprogramadetolerânciazeroedeinvestimentomassivoempuniçõesrotuladascomomenosdegradantes.Trata-sedepunirmaisemmenorintensidadeedegerirumaeconomiafortalecedoradas sujeições respaldadas na obediência à lei. O investimento em garantismo, penas mínimas oualternativas é parte constitutiva do programa de controle a céu aberto e que não leva ao fim dosencarceramentos. Quem pede garantismos e penasmínimas nunca sabe onde vão acabar asmáximas”(Verbetes).Disponívelemhttp://www.nusol.org/,acessoem:17.07.2011.

48Disponívelemhttp://www.jusbrasil.com.br/,acessoem:06.07.2011.

49Disponívelemhttp://www.justica.gov.br,acessoem:14.10.2016.

50Trabalho apresentado no 11º. Congresso Internacional do IBCCRIM (2005) São Paulo, SP. O autorconclui ainda: 5. O controle da criminalidadeaparece no contexto político da luta de classes dassociedadesmodernas,marcadopelofracassodosobjetivosideológicosderepressãodacriminalidadeedecorreçãodocondenado,queencobreoêxitohistóricodosobjetivos reais de gestãodiferencial dacriminalidade;aleipenaléuminstrumentodeclasse,produzidaporumaclasseparaaplicaçãoàsclassesinferiores; a justiça penal constitui mecanismo de dominação de classe, caracterizado pela gestãodiferencialdas ilegalidades; a prisão é a instituição central da estratégia de dissociação política dacriminalidadecomrepressãodacriminalidadedasclassesinferioreseimunizaçãodacriminalidadedaselitesdepodereconômicoepolítico.

51Oliveira ainda esclarece: “Diante desta presença que vivemos neste presente preciso não há comosustentarqueestamosdiantedeumadistorçãohistóricadoexercíciodatolerância.Poisoprogramadetolerânciazeronãoéadeformação,masafissura,fraturaexpostadeumaculturaqueinvestenocultodatolerância”(2005,p.201).

52Otítulodoartigoé:MaioridadePenal,oEcaeasuarazoabilidade.

53OcontratualismodeRousseau influencioudiretamenteaRevoluçãoFrancesaacentuandocomopontobasilar os chamados direitos e garantias individuais. A base da sociedade esta na vontade geral queexpresseolivreacordodedireitosnaturaiseindividuaiscivis.Opoderconstituídoequerepresentaessavontadegeraléumainstituição(Estado)moralepolíticaquedáexecuçãoasdecisõesdotodo(Wockmer,2006).

54Artigo: O adolescente infrator e os direitos humanos, p. 3. Disponível em:http://www.cirino.com.br/,acessoem:20.05.2010.

55CEPAL–RumoaoObjetivodoMilêniodeReduzirapobrezanaAméricaLatinaeCaribe.

56Disponívelem:http://www.uol.com.br/,acessoem:4.07.2011.

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57Opoderpunitivonaperiferianeocolonizada:“Usadocomoinstrumentoverticalizadordassociedadescolonialistaseneocolonialistas,nassociedadescolonizadasopoderpunitivoourepressorfoiempregadopara convertê-las em imensos campos de concentraçãopara os nativos (dado que todos eramconsideradosbiologicamenteinferiores).Odesavergonhadolemaescritosobreasportasdoscamposdeconcentração – o trabalho liberta (Arbeit macht frei) – era uma síntese grosseira das premissascolonialistas:oscolonizadosdeviamtrabalharesubmeter-separaaprenderaseremlivres”(Zaffaroni,p.46 e 47). O autor sobre o assunto ainda observa: “O exercício do poder repressivo nos paísescolonizados permaneceu sem grandes alternativas até muitas décadas depois da independência, aoamparo de repúblicas oligárquicas quemantiveram asmaiorias em condições análogas à servidão.Aindependência significoumuitasvezesapenasa ascensãoda limitadaclassedosbrancosdescendentesdos colonizadores. Justiça exercida por grandes proprietários de terras, penas de morte privadas,assassinatos de dissidentes, repressão emmassa, recrutamento forçado demestiços emulatos para osexércitos, polícias de ocupação, arbitrariedades e torturas, degolas, aprisionamento sem processo,estados de exceção permanentes e fenômenos de incrível corrupção foram correntes nesses imensoscamposdeconcentração”(p.47e48).

58Gal Meira Mattos, A Geopolítica e as projeções do poder, apudEdson Passetti, Dissertação deMestrado,mimeo,PUC/SP1982.

59SitedoCEDECA

60“Odeslocamentoatualdoconceitodevulnerabilidade,vinculadoaprogramasepolíticasdesegurança,respondeaogerenciamentodepopulaçõesconstruídascomoduplamentevulneráveis,expostasaoriscoda violência equalizando pela seletividade o duplo vítima-criminoso, inerente ao sistema penal. Suaoperacionalização,nasociedadedecontrole,provémderesultadosdepesquisasvoltadasaocombateàpobreza,noiníciodadécadade1990,ebaseia-senaqualidadedevida,articulaaeducaçãovoltadaaresponsabilidade social; a estatística redimensionadaemgeorreferenciamento;o cálculodo algorítimodorisco,provenientedamatemática,projetandoíndicesdezonasepessoaspreferencialmenteexpostasasofreroucometerdeterminadoscrimes;referênciasmetodológicasextraídasdamedicinaepidemiológicae investimentos em equipamentos sociais, articulando polícia, comunidade, ONG’s e governos. Oconceito de vulnerabilidade é antiabolicionista penal; seus efeitos históricos políticos explicitam acontinuidade da prevenção geral e o redimensionamento do campo de concentração a céu aberto(Verbetes).Disponívelem:http://www.nusol.org/verbetes,acessoem:17.07.2011.

61“O SINASE é o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político,pedagógico,financeiroeadministrativo,queenvolvedesdeoprocessodeapuraçãodeatoinfracionalatéa execução damedida socioeducativa. Esse sistema nacional inclui os sistemas estaduais, distritais emunicipais, bem como todas as políticas, planos e programas específicos de atenção a esse público(SINASE,p.22)”.

62O documento do Governo Federal sobre o SINASE está disponível em:http://www.condeca.sp.gov.br/legislaaoo/sinase_integra,acessoem29.06.2011.

63EmtodososCentrossãooferecidasAtividadesdeProfissionalização,deescolarizaçãoobrigatória,desuportesocialeapoioeorientaçãofamiliar.

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64OProgramaMedidaJustadoConselhoNacionaldeJustiçapretenderealizarumaradiografianacionalarespeitodaformacomovemsendoexecutadaamedidasocioeducativadeinternação.Disponívelem:http://www.cnj.jus.br/,acessoem:28.06.2011.

65Obatismoconsisteemapertarumlençolnopescoçodoadolescenteatéqueelepercaossentidosparaemseguida,soltarolençolparaqueoadolescenteserecupere.

66Descriminalizar significa tirar da esfera punitiva determinada conduta, por exemplo, as condutaselencadas pela Lei de Contravenções Penais deveriam inclusive sair da esfera da Lei dos JuizadosEspeciaisCriminaisetodasascondutasalidescritasnãoseremconsideradascomocontravenções.

67“Artigo101.Verificadaqualquerdashipótesesprevistasnoartigo98,aautoridadecompetentepoderádeterminar,dentreoutrasasseguintesmedidas:I–encaminhamentoaospaisouresponsáveis,mediantetermo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula efrequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão emprogramacomunitárioouoficialdeauxílioàfamília,àcriançaeaoadolescente–requisiçãodetratamentomédico,psicológicooupsiquiátrico,emregimehospitalarouambulatorial;VI–inclusãoemprogramaoficialoucomunitáriodeauxílio,orientaçãoetratamentoaalcoólatrasetoxicômanos;VII-abrigoementidades;VIII–colocaçãoemfamíliasubstituta;Parágrafoúnico–Oabrigoémedidaprovisóriaeexcepcional,utilizável como forma de transição para colocação em família substituta, não implicando privação deliberdade”(ECA).

68O controvertido parágrafo 1º. deste artigo 112, ora sob comentário, tem levado muitos juristas àdiscussãodoutrinária.Parauns,odispositivoadotaoprincípiopenaldaproporcionalidadedapenacomrelação à gravidade do delito. Para outros, o Estatuto, com sua filosofia protetora da criança e doadolescente,afastatalprincípioquesomentepodeseraplicadonosistemapunitivo,queédestinadoaosimputáveis. Sustentam que aqui o sentido inarredável é para pessoa em desenvolvimento, pois asmedidas aplicáveis nãopunem,masprotegeo adolescente como atendimentoda reeducação, oque épara o seu proveito, visando sua reabilitação social. In Tavares, José de Farias –Comentários aoEstatutodaCriançaedoAdolescente,RiodeJaneiro,Forense,2006.(p.119).

69I–entrevistar-sepessoalmentecomorepresentantedoMinistérioPúblico;II–peticionardiretamenteaqualquerautoridade;III-avistar-sereservadamentecomseudefensor;IV–serinformadodesuasituaçãoprocessual sempre que solicitada....”; V – ser tratado com respeito e dignidade; VI – permanecerinternadonamesmalocalidadeounaquelamaispróximaaodomicíliodeseuspaisouresponsável;VII–recebervisitas,aomenossemanalmente;VIII–corresponder-secomseusfamiliareseamigos;IX–teracesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; X –habitar alojamento em condiçõesadequadas de higiene e salubridade; XI – receber escolarização e profissionalização; XII – realizaratividades culturais, esportivas e de lazer;XIII - ter acesso aosmeios de comunicação social;XIV–receberassistênciareligiosa,segundoasuacrença,edesdequeassimodeseje;XV–manterapossedeseus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daquelesporventura depositados em poder da entidade; XVI – receber, quando de sua desinternação, osdocumentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade. Parágrafo 1º. – Em nenhum caso haveráincomunicabilidade; Parágrafo 2º.A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita,inclusive de pais ou responsável se existiremmotivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos

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interessesdoadolescente.

70OMinistérioPúbliconãopodeaplicarmedidasocioeducativa,somenteoJuiz,mastalpossibilidade,reconhecidanoartigo127,érealmenteinconstitucional,mesmocomaaplicaçãoporpartedoJuiz.

71Noartigo,publicadoinVerve(9,2006,p.120),ThiagoSouzaSantosqueentre1996e2003houveumaumentoemSãoPaulononúmerotantodeinternaçõesquantoemcasosdejovensemliberdadeassistida,ocorrendonestecasoumaumentode141%enonúmerodeinternações,nomesmoperíodooaumentofoide265%.

72ParaCândidoFurtadoMaiaNeto,inmonografias.com/trabalhos,disponívelem17.08.2010,“Ateoriada“tolerânciazero”,implementadaemNovaYork,deveriaserchamadade“intolerânciamáxima.”

73BlockeraclientedoDr.HuldquetambémeraadvogadodeK.Seuprocessosequertinhaseiniciado.Eoadvogadoaparentementefaziagrandesesforçospelasuadefesa.

74É Procurador do Estado de São Paulo, em seu artigo Ato Infracional, Medida Sócio Educativa eProcesso: A nova Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça in. analisou inúmeras decisões deTribunais Superiores que elucidam o tratamento que vem sendo dispensado aos jovens infratores e ainterpretaçãodoEstatutodaCriançaedoAdolescente.

75Oliveira,Salete–OEstadocontraos jovens–VERVE:RevistaSemestraldoNU-SOL–NúcleodeSociabilidadeLibertária,n.03,abr.2003–SãoPaulo,oprograma,2003–semestral.p.227.

76Artigo196...I–ainexigênciadepreparoparaencaminhamentoderecurso;II–oprazoqueéde10(dez)dias, em todososcasosexcetonosdeembargodedeclaração,paraasquais serãoaplicadasasregras comunsdoCódigodeProcessoCivil, artigo523e seguintes; III –prioridadena tramitaçãodorecursonojuízoadquem,facilitadacomadispensadoparecerdorevisor;IV–oprazodecontrarazõesdo agravado em 5 (cinco) dias ;V – o prazo de 48 (quarenta e oito horas) para providenciar-se otransladoqueinstruioagravodeinstrumento;VI–oefeitoapenasdevolutivo,comexceçãodasentençaconcessiva de adoção internacional, ou, em qualquer outra hipótese de grave risco para o direitoquestionado (veja-se comentário ao artigo 215);VII – interessante peculiaridade: o juiz poderá elemesmo, reformar sua própria decisão, logo se convença ser ela injusta ou inconveniente à finalidadesocialdanormaestatutária,evitandoassimàsubidaaotribunal.

77AsdecisõesdoSupremoTribunaldeJustiçaemHabeasCorpusquegeraramacitaçãodeementassãode 2004 a 2006. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia, acesso em:18.10.2010.

78FlávioAméricoFrasseto–ProcuradordoEstadodeSãoPaulodeAssistênciaJudiciária,naFunçãodeDefensorPúblico,noartigo‘Atoinfracional,medidasocioeducativaeprocesso:anovajurisprudênciado Supremo Tribunal de Justiça” Estudos: Revista Igualdade, XXXIII – CAOPECAE – MinistérioPúblico do Estado do Paraná, 2009. Disponível emhttp://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=689.

79“Artigo122.Amedidade internação sópoderá seraplicadaquando: I– tratar-sedeato infracional

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cometidomediante grave ameaçaouviolência à pessoa. II – por reiteraçãono cometimentode outrasinfrações graves; III- por descumprimento reiterado e injustificável damedida anteriormente imposta.Parágrafoprimeiro–OprazodeinternaçãonahipótesedoincisoIIIdesteartigonãopoderásersuperiora três meses. Parágrafo segundo – Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outramedidaadequada.(ECA)

80Sobre a vantagem da desjudicialização não é pacífica na doutrina. Há quem diga que a máximainformalidade do procedimento adotado no Conselho Tutelar pode gerar, em determinadas situações,vulnerabilidadeàintegridadefísicaemoraldacriança.

81Emboradiferentes,ostermos,osignificadodatutelapermanece.Aduzaautora:“Corrobora-seassimcomareproduçãodehierarquiamúltiplassubvencionadaspelaconstituiçãodosconselhostutelares,queporsuavezremete-nosainstânciassuperioresconformadasnosConselhosdeDireitos,subordinadosemúltimainstânciaaoMinistérioPúblicoqueéreconhecidonoEstadodeDireitocomo‘guardiãodobemcomum’(Oliveira,2003,p.227).

82Por proteção integral à criança e o adolescente o CONANDA define: “A proteção integral é umconceito que abrange o conjunto de direitos assegurados exclusivamente a crianças e adolescentes,levando em conta sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, a fim de assegurar plenascondiçõesparaoseudesenvolvimentointegral”(DiretrizesdaPolíticaNacionaldeDireitosHumanos).

83Disponívelem:http://www.promenino.org.br/,acessoem:03.07.2011

84AnexosaoRelatóriosobreaJustiçaJuvenildaANCED,ps.287a290.

85Análise sobre os direitos da criança e do adolescente no Brasil: relatório preliminar da ANCED,Brasil,2009.

86SobreosautosderesistênciaéesclarecedorrefletirsobreotextodeVeraMalagutiBatista-Filicídio:aquestão criminal no Brasil contemporâneo, a seguir: “... Há sempre um novo argumento a justificarnovas torturas, novas chacinas, novas prisões: o que não muda é a clientela que se metamorfoseiainfinitamenteemíndios,pretos,pobreseinsurgentes.Desconstruiraquestãodasdrogasédesnaturalizaraviolênciacontraajuventudepobre.trata-sedeumpassoimportanteparaainterrupçãodofilicídioedaconstituição da periferia em campo de concentração, território de suspensão de direitos, seja naPalestina,noIraque,emBeslanounosmorrosdenossacidade”.

87EmManaus, em recente rebelião no presídio,as autoridades sem qualquer pudor informaram que ospresos iriam dormir no pátio, sem colchão ou roupas, mas de cuecas. Ninguém, na sociedade civilmanifestou-secontra,otratamentoincomumnãosurpreendeu.

88ACrítica,domingo,14.11.2010,anversodaC7.“Caosexpostonascadeias”.

89Oartigo181doCódigoPenalconcede imunidadeemrelaçãoaoscrimespatrimoniaispraticasentreascendentesedescentes.

90Programadetolerânciazeroepenasalternativas

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91“Ordoliberalismo–ÉumaescoladeeconomistaschamadadeEscoladeFriburgo,constituídaaoredorda“revistaOrdo”,ouainda”ordoliberais”(Foucault,2008,p.141).

92Aexpressão alemã significaumapolíticade sociedadeneoliberal emqueoEstado “temde intervirnessasociedadeparaqueosmecanismosconcorrenciais,acadainstanteeemcadapontodaespessurasocialpossamteropapeldereguladores–eénissoqueasuaintervençãovaipossibilitaroqueéoseuobjetivo: a constituiçãodeum reguladordemercadogeralda sociedade”e ainda, “nãoéumgovernoeconômicoéumgovernodasociedade”(Foucault,2008,p.199).

93Ohomooeconomicus–“consideraro sujeitocomohomooeconomicusnão implicaumaassimilaçãoantropológicadetodoocomportamento,qualquerquesejaaumcomportamentoeconômico.Querdizer,simplesmente, que a grade de inteligibilidade que será adotada para o comportamento de um novoindivíduoéessa[...].Ohomooeconomicuséainterfacedogovernoedoindivíduoeissonãoquerdizerdeformaalgumaquetodooindivíduotodoosujeitoéumhomemeconômico(Foucault,2008,p.346).

94Porenforçodaleientende-sequeé“oconjuntodeinstrumentosdeaçãosobreomercadodocrimequeopõeàofertadocrimeumademandanegativa”(Foucault,2008,p.348).Foucault,aindaacrescentaque:“importância,aatividade,ozelo,acompetênciadoaparelhoencarregadodedetectaroscrimes [...]aqualidadedoaparelhoencarregadodeacusarcriminososefornecerasprovasefetivasdequecometeramo crime [...]maior oumenor rapidez dos juízes em julgar,maior oumenor severidade dos juízes nasmargensquealeilhefaculta”,basicamente“tudooqueporconseguintevairesponderàofertadecrimecomoconduta“(Foucault,2008,p.348).

95Sutherland,EdwinHard,PrinciplesofCriminology,1934.

96Oautoresclareceque:“ocrimenemsempredecorredepadrõesracionaiseutilitários,poisháfatosabsurdos, ocasionais, espontâneos, impulsivos, alheios a qualquer processo de aprendizagem. Existeademaisumacertasimplificaçãonareconstruçãomuitomecânicadoprocessodeaprendizagem.Sublinhaque“oprocessodeaprendizagemdependedecontatossimbólicosenadaconcretos,queoconvertememumdesenvolvimentomuitocomplexo”(Shecaira,2004,p.211).

97COHEN,A.DelinquentBoys.NewYork:FreePress,1955.

98MERTON,Robert.Socialtheoryandsocialstructrure.NewYork:TheFreePress,1968.

99Pode-se citar o grande crescimento econômico dos Estados Unidos no pós-segunda guerra quemelhorou a condição em especial da classe média. A expansão dos mercados em nível planetário,convivendocomummundodividoemduasgrandespotênciasquegerouaguerrafria(Shecaira,2004).

100Por identidade social virtual entende-se como o conjunto de exigências e as expectativas que sãoconstruídas sobre o outro. Já a identidade social real constitui-se no conjunto de atributos ecaracterísticasquepossuemefetivamenteosindivíduos(Goffman,2008)

101“Entãobem:emtodososcasosasleissãofeitaspelogrupodominanteemseuinteressepróprio;umademocraciafazleisdemocráticas,umdéspotafazleisautocráticaseassimpordiante.Aofazerestasleis,elesdefinemcomo‘justo’paraseussubordinadosoqueédeseuinteressepróprio,echamamtodaaquele

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que as viola de ‘malfeitor’, punindo-o adequadamente. É isto que quero dizer: em todos os Estados‘justo’ temomesmosignificado,asaberoqueédeinteressedogrupoestabelecidonopoder,queéogrupomaisforte.Portantoaconclusãocorretaéqueoqueé‘justo’éamesmacoisaportodaparte:ointeressedogrupomaisforte“Afirmoqueajustiçanãoéoutracoisasenãoavantagemdomaisforte”(Dahrendorf,1974,p.153)

102Passetti (2005, p. 83) “Sabemosque o sistemapenal é incapaz de apanhar todos os infratores.Eleopera por seletividade sócio-econômica, sim, e, além disso, diversos encaminhamentos feitos àsdelegacias jamaischegamaosistema,gerandoacifranegra.Osistemapenalnãopodeenãoquerdarcontadetodasasinfraçõescometidasoudenunciadas.

103Enãomaisutilizaradenominação“crime”.“Umasituação-problemaéentendidacomoumeventoquefazpartedenossaexistênciaequedeve ser solucionadapelaspessoasqueparticipamdiretamentedaexperiência.Éumamaneiralivredeinterpretarasituaçãovividaquedevolveaosenvolvidosoeventoquelheséexpropriadopelosistemapenal”(Salles,2011,p.121).

104ParamaisinformaçõesveraDissertaçãodeMestrado,apresentadaem2011,intitulada“LoukHulsmane o Abolicionismo Penal” por Anamaria Aguiar e Salles. Disponível emhttp://www.pucsp.br/ecopolitica/pesquisa/mestrado/docs.

105O autor esclarece que alternativas a justiça criminal não são ‘sanções’ alternativas, tratam-sedealternativasaosprocessosdejustiçacriminal(Hulsman,2004,p.52).

106TantooartigodeMathiesennaVerve,quantoatraduçãoemespanholdaobra“Juicioalaprisionumaevaluacióncrítica”datamde2003.

107Mathiesen (2003,p.93) informa ser esta aPolíticapresentenosEstadosUnidos: “Aquestãonãoéreabilitarostransgressoresenempreveniroutrosdecometerematossimilares,massimplesmentetirartransgressores de circulação social”. No Brasil alguns programas revelam tal tendência, um deles oRegimeDisciplinarDiferenciado–RDD.

108Aindacomplementa“Seaspessoasrealmentesoubessem,oquãofragilmenteaprisão,assimcomoasoutraspartesdosistemadecontrolecriminal,asprotegem–defato,seelassoubessemcomoaprisãosomente cria uma sociedade mais perigosa por produzir pessoas mais perigosas – um clima para odesmantelamentodasprisõesdeverianecessariamentecomeçarjá.(2003,p.95)

109Traduçãolivre.

110“Asideologiassãosistemasdecrençasquedãosentidoeinfundemlegitimidadeavidasocial.Existeuma ideologia do cárcere pelo qual a prisão como instituição cobra significação elegitimação”(Mathiesen,2003,p.223).

111Traduçãolivre.

112“Podemos, ao contrário situar os dois processos que na própria continuidade dos processos que afizeramfuncionarsãocapazesderestringirconsideravelmenteseuusoetransformarseufuncionamento

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interno.Eelesjáforaminiciadosemgrandeescala.Uméoquediminuiautilidade(oufazaumentarasdesvantagens)deumadelinquênciaorganizadacomoumailegalidadeespecificada,fechadaecontrolada;assim, com a constituição em escala nacional ou internacional de grandes legalidades ligadas aosaparelhospolíticoseeconômicos(ilegalidadesfinanceiras,serviçosdeinformação,tráficodearmasededroga, especulações imobiliárias), é evidente que a mão de obra um pouco rústica e manifesta dadelinquênciasemostraineficiente:ouaindaemescalamaisrestrita,ahierarquiaarcaicadaprostituiçãoperde grande parte de sua antiga utilidade, desde o momento em que previsões econômicas sobre oprazer sexual foram feitos de modo muito melhor pela venda de anticoncepcionais, ou através depublicações, filmes e espetáculos. O outro processo é o crescimento das redes disciplinares, amultiplicaçãodeseusintercâmbioscomoaparelhopenal,ospoderescadavezmaisamplosquelhessãodados,atransferênciaparaelescadavezmaiordefunçõesjudiciárias;oraàmedidaqueamedicina,apsicologia,aeducação,aassistência,o‘trabalhosocial’tomamumapartemaiornopoderesdecontrolee sanção, emcompensaçãooaparelhopenalpoderá semedicalizar, sepsicologizar, sepedagogizar; edesse modo tornar-se menos útil a ligação que a prisão constituía quando, pela defasagem entre seudiscurso penitenciário e seu efeito de consolidação da delinquência, ela articulava o poder penal e opoder disciplinar. “No meio de todos esses dispositivos de normalização que se densificam, aespecificidadedaprisãoe seupapelde junçãoperdempartede sua razãodeser” (Foucault,2009,p.289).

113Disponívelem:http://www.nusol.org/verbetes,acessoem:17.07.2011.

114“O modelo educativo, diz respeito à escolarização e outras maneiras de atrair o infrator paraatividadesquesatisfaçamseusinteressessemgerarnovassituaçõesproblemas.Oterapêuticoéindicadopara os casos em que o (s) envolvido (s) necessite (m) de acompanhamento psicológico e não serestringeaosusuáriosdesubstânciasilícitas;damesmamaneiraqueoeducativofuncionacomoapoioademais ocupações ou interesses do envolvido e não à escolaridade obrigatória.O compensatório é omodeloparasoluçãodesituaçõesproblemaqueabarcamasindenizaçõesouperdasmateriais,emqueavítima requer o ressarcimento compatível com os rendimentos do adversário. Por fim o modeloconciliatório, o mais importante do abolicionismo penal, supõe o desarmamento de espírito dosenvolvidosedisponibilidadeparaacertos;éummodeloinspiradonodireitocivilemqueaspartessãoconvidadas a acertarem o litígio por meio de uma solução conciliatória”. [...] “os modelos deabolicionismo penal arranjam o primeiro e importante esforço para se apresentar situações-problemaforadoâmbitodapunição,dodomíniododireitopenaledautopiadasociedadeigualitária”(Verbetes).Disponívelem:http://www.nusol.org/verbetes,acessoem:17.07.2011.

115A legislação baseada na proporcionalidade apresenta penas cuja possibilidade de cumprimentoinexiste encontramos aí situações antagônicas, pois as penas de multa e dias deveriam simplesmentedesaparecerdosistema,porabsurdase,revistasaspenasemcujaaplicaçãoconceitosenormascomo:concursomaterial(quesomaaspenas)ecrimeshediondos(queagravaaspenas),sãoapenassimbólicaspornãopoderemtambémserefetivadas.

116Nocontextodotrabalhooautorindicaqueemquepeseasdificuldadesdesenomearoqueseentendeporviolênciaalguns“elementosconsensuaissobreotemapodemserdelimitados:anoçãodecoerçãoouforça;odanoqueseproduzemindivíduospertencentesàdeterminadaclasseoucategoriasocial,gêneroouetnia”(Waiselfisz,2011,p.10).

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117O autor explica: “Colocado de maneira simples pretendemos fornecer informações sobre comomorrem nossos jovens: em suas capitais, em seus estados, nos grandes conglomerados urbanos, nosmunicípios,porcausasqueaOrganizaçãoMundialdaSaúdequalificacomoviolentas.Todaviaénítidoqueestamoslidandocomaviolêncialetal,istoéaviolênciaemseugrauextremo,masquerepresentaapontavisíveldo icebergdamodernidadedenossas relações sociais.Não se aludeaomenosde formadireta,salvoemalgumasexceções,aoutras tantaspreocupaçõesconcomitantesquenãosãoapenasdoBrasil,masdedimensõesquaseplanetárias.Assim,nãosefaladiretamentedoalarmanteincrementodoconsumo de drogas e do narcotráfico; não se fala das diversas formas emergentes de dominação econtrole territorial que disputam com oEstado a legitimidade no uso da violência, seja resultante dotráfico, de milícias, de madeireiras ilegais e interesses econômicos e políticos rondando grandesempreendimentosagrícolasnoarcododesmatamento.Ounasáreasdebiopirataria,ounosmunicípiosdefronteirana rotadonarcotráfico,docontrabandodearmas,deprodutosetc.Umexemplobem recentedessaterritorializaçãodaviolênciaesuapossívelerradicaçãofoiaretomadadoComplexodoAlemão,noRiodeJaneiro”(Waiselfisz,2011,p.8).Verifica-se,portantoqueaterritorializaçãoeerradicaçãodaviolênciafazpartedeumanecessidade,queinclusivesemela,sequersepoderiapensaremeventosemnívelinternacional,comoarealizaçãodaCopadoMundode2014.

118AatuaçãodaPolícianoCarandiru(CasadeDetenção),emfunçãodeumtumulto,deixou111mortos,arquivadosoficialmente.

119Nascimentoaindaobservaque“asmortesconsumadassemutilizaçãodearmasdefogo,emgrandesquantidades, passam a ser articuladas por gangues rivais, as “galeras” formada nos bairros maispauperizadosenasuaquasetotalidadeporadolescentesejovensdosexomasculinoqueutilizavamnamaioria das vezes, instrumentos perfuro cortantes (facas, terçados e punhal, além de outros) e/oucontundentes(pedaçosdepau,pedra,barrasdeferro,etc.)”(Nascimento,2011,p.91).

120ALei Complementar do Estado doAmazonas de n. 52/2007, em seu artigo 1º. designou a Regiãometropolitana deManaus, composta dos seguintesMunicípios: Rio Preto da Eva, Careiro daVárzea,Iranduba,NovoAirão,Itacoatiara,ManacapuruePresidenteFigueiredo.

121Disponívelem:http://www.nusol.org/verbetes,acessoem:18.07.2011.

122Estas observações iniciais permitem ingressar em análises relacionadas com o universo ficcionalkafkiano,maslimitandoaalgumasobrascomo“OProcesso”,“AColôniaPenal”,“AMetamorfose”,“APequenaFábula”e“DiscursoparaAcademia”.

123Disponívelem:http://www.direitoshumanos.gov.br/2011/07/Spdca,acessoem:15.07.2011.

124Apenademorteéaplicadanomercadoilegal,aoreceberoestatutodediscussãojurídicopolítica,nãosóse tornaumaafrontaaoEstadodeDireitoeaomínimodeconstitucionalidadecomo tambémevocareconhecimentodefinitivodaeficáciaeeficiênciadomercado ilegalcomoparte integrantedeumcertotipodegenocídio(Passetti,1995,p.22)

125“Do ponto de vista empírico, observa-se, noBrasil, umgrande fosso educacional, onde indivíduospobres possuemmenor grau de escolarização. A imensa concentração de renda do trabalho deve-se,

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nesse diagnóstico, à desigualdade na distribuição da educação entre indivíduos e ao elevado prêmioatribuído,noBrasil àqualificação (anosde escolarização)da renda.Como indivíduos ricos sãomaiseducadosqueindivíduospobres,constataçãotrivial,oimportanteédefinirosentidodecausalidade.Aproposiçãocentraleassumidanodiagnósticoéadequeaacumulaçãodecapitalhumanoéoprincipalfator determinante da desigualdade da renda. Essa proposição é defendida em base puramenteeconométrica;afundamentaçãoeconômica,noentanto,éa teorianeoclássicadocapitalhumano.[...]àmedidaqueasoportunidades educacionais foremmelhordistribuídas, a concentraçãodos rendimentosdevediminuir”.Aindaéoautorqueinformaqueaincidênciamaiordapobrezaeentreascriançasaté10anos. “A pobreza transmite-se intergeracionalmente, namedida em que, com nenhuma oumuito baixaescolarização, as crianças pobres de hoje formam os excluídos do futuro, num circulo vicioso”(Medeiros,p.328e330).

126Oautorobserva:“Poroutrolado,senãoraramenteficaconstatadoqueosadolescentesinfratoressãoanalfabetos ou semianalfabetos, o que recoloca em discussão a ineficiência da escola para suprir ascarênciasnasociabilidadedeinfraçõescometidasporjovensdesegmentossociaiscomacessoarendasmaiselevadaseescoladeprestígio.Vaisetornandomaisnítidoumquadroemqueécrescenteainserçãonomundo do crime e em que os confrontos entre grupos e destes com a polícia levam à difusão daaplicaçãodajustiçapelasprópriasmãos”(Passetti,1995,p.26e27).

127“O procedimento policial no caso Juan foi omesmo praticado em todas as supostas investidas dapolícia contra traficantes de drogas que dominam os morros cariocas ? A polícia vai investigar ecombaterocrime,ocorreumatrocadetiros,alega-sequeosbaleadoseramtraficantesetc.OcasoJuanexpôsquetudoissoéumagrandefarsaparaesconderqueasoperaçõessãonaverdadeumapolíticaparareprimirapopulaçãopobre.NomorrodoDanon,ondearepercussãodocasoediversosoutrosmotivospermitiramumaapuraçãoeadescobertadosfatosquenuncavemàtona,ficouesclarecidoquetodasaspessoasatingidaspelarepressãonãoeramcriminosos,portanto,nãotrocaramtirocomapolíciaequetodas as informações repassadas pela polícia sobre a operação eram falsas”. (Disponível em:http://www.pco.org.br/conoticias,acessoem:21.07.2011).

128Ao explicar a forma como utilizava a palavra “conversão” em entrevista a J.B.Celis, Hulsmanexplicou: “- Vou usar uma metáfora. Podemos definir nós mesmos como uma espécie de armáriocomposto de múltiplas gavetinhas. Aí organizamos todos os dados que nos chegam: o que vemos asmensagens que recebemos do exterior e do interior; aí arquivamos também nosso saber. E temos atendênciaderecusarasmensagensquenãocoincidemcomestaorganizaçãopessoal.Senãotemosmaisgavetas, ou se aquilo que nos chega não vem no formato que se ajusta às gavetas existentes, nós oeliminamos. Mas, se ao invés de rejeitar o dado novo, aceitamos rever todas as classificações ereorganizar as gavetas, estaremosdiante daconversão de que falo.Na realidade a conversão sempreimplica num salto, porque não se sabe exatamente no que vai dar uma tal reorganização. E um saltomortal,poisaconversãonecessariamenteseproduzemdoisníveis:odacompreensãodarealidadee,paralelamente,odapráticaquedeladecorre”(Hulsman,1997,p.47e48).

129Emabrilde2010noBlogdaUniãoNacionalrepublicana(disponívelnainternetem17.07.2011),foiinformadosobreocasodo“monstro”deLuziâniaquematouseisrapazes,naqueleMunicípio.AestóriademonstraumasequênciadeerrosnalibertaçãodeAdimarJesusdaSilva(jámorto).Primeiroporquenão foi feita a consulta de antecedentes criminais, se teria conhecimento de um mandado de prisão

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expedido contra o mesmo em outro Estado. O Ministério Público solicitou que fosse submetido aavaliaçõesporquetinhatraçosdepsicopatapodendocometeroutroscrimes.Apsiquiatradeuoparecerfavorável,nãopercebeunadaincomumnomesmo.Todosatuaramisoladamente,oresultadofoitrágico.

130“As pessoas que estão envolvidasem eventos “criminais”, no entanto, não parece em si mesmas,formarumacategoriaespecial.Aquelesquesãoregistradosoficialmentecomo“criminosos”constituemapenasumapequenapartedosenvolvidosemeventosquelegalmentepermitemacriminalização.Entreeles, jovens das partes mais desfavorecidas da população são fortemente super-representados”(Hulsman,2003,p.195).

131AautoradaDissertaçãolembraque:“Naáreajurídica,écomumclassificar“homemmédio”comooindivíduomedianoqueintegraasclassessociaisdominantes.Oproblemadessaclassificaçãoéqueelanãoéembasadaemnenhumdadoobjetivo,concreto,esimemmanifestaçãodosjuristas”(Vullu,2005,p.25).

132Tanto a exigibilidade de conduta diversa como a potencial consciência da ilicitude são requisitosessenciaisàaplicaçãodepena,paraosadultostambém.

133Cumpreaquidestacarosentidodotermoprisionizaçãoquedenotaafinalosefeitosdoconfinamento,“marcadamentediferentesdoimpacto“reeducador”e“reabilitador”atribuídoàprisãoporseusteóricosepromotores(Bauman,1999,p.134).

134“SegundoaSubSecretariadePromoçãodosDireitosdaCriançaedosAdolescentesdaSecretariadeDireitosHumanos,cercade70%dessesjovenstornam-sereincidentes-voltamapraticarcrimesquandodeixamasUnidadesdeInternação.Disponívelem:http://www.jb.com.br/,acessoem:16.11.2010.

135Disponívelem:http://www.anped.org.br/,acessoem:22.07.2011.

136.Oautoresclareceque:“...(equandodigoodireitonãopensosimplesmentenalei,masnoconjuntodeaparelhos,instituiçõeseregulamentosqueaplicamodireito)”(Foucault,1979,p.181).

137OProgramaexisteemCuritiba.

Naturais Externas TotalHomicídios SuicídiosAcidentesTransportes

MortesViolentas 33,5 66,5 100,0 37,7 7,0 13,5

58,1Brasil

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