Juarez Cirino Dos Santos - Direito Penal Parte Geral 3 Ed 2008

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  • Este comp~ndio de DIREITO PENAL (Parle Geral),escrito para estudantes, professores e profissionais do sistema de justi98 criminal, possui caracteristicas exclusivas.

    A Teoria 'da Lei Penal, desenvolvida a partir da distin~o entre objetivos declarados de proteGao de bens juridicos do discurso oficial e objetivos reais de garantia das relaes de propriedade e de poder politico do discurso critico, descreve os principios fundamentais, os critarios de validade e as tacnicas de

    interpreta~o da lei penal em perspectiva nova e criativa.

    A Teoria do Fato Pun/vel, construida com as categorias cientificas da moderna dogmatica penal, descreve 0 estado de desenvolvimento atual do conceito de crime, nas dimensoes fundamentais de tipo de injusto e de culpabilidade, complementadas pela teoria do autor, da tentativa e do concurso de crimes, alam de urn capitulo sobre a responsabilidade penal da pessoa jur/dica, tema controvertido na atualidade.

    A Teoria da Pena indica os fundamentos politicos e os problemas juridicos da repressao penal nas formaes sociais capitalistas, permitindo enfocar sob outra luz decisOes sobre conceito, fum;oes, sistema, aplicayao, substituiC;ao e extim;ao da pena e das medidas de seguranr;a. Em sociedades desiguais, absolver ou condenar acusados criminais nao sao decisoes neutras, mas exerc[cio de poder seletivo orientado pela ideologia penal, em geral ativada p~r estere6tipos, preconceitos e otitras idiossincrasias pessoais, p~r sua vez desencadeados p~r indicadores sociais negativos de pobreza, desemprego, marginaliza~o etc.

    Conhecer as premissas ideol6gicas do poder punitiv~ e condi~o para reduzir a repressao seletiva do Direito Penal, mediante pratica judicial comprometida com a democracia, que come98 pela garantia do individuo em face do poder repressivo do Estado, continua pela promo~o dos direitos humanos da popula~o criminalizada e se consolida com a plena realiza~o da dignidade humana.

    I

    343.2 S237d 3.ed.

    DIREITO PENAL Parte Geral

  • copyright 2008 by ICPC Editora Ltda. e Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

    Todos os direitos reservados as editoras ICPC Editora Ltda. e Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

    A reprodu

  • IV

    APRESENTA

  • e jurisprudencia brasileiras. Definir 0 sistema de fato punivel do Direito Pena( brasileiro

    com as categorias cientificas da moderna dogmatic a penal surgiu como tarefa de grande interesse teorico e pratico. A armadura teo-rica utilizada para constrmr 0 sistema de fato punivel se enraiza no conjunto da atual literatura juridico-penal alema, representada por autores de grande prestigio cientifico - como Winfried HASSEMER Harro OTTO, Kristian KUHL, Fritjof HAFT, entre outros -, mas ~ influencia decisiva sobre 0 modelo de fato punivel desenhado no texto provem de duas monumentais construc;oes cientificas da teoria penal universal: ]ESCHECK/WEI G END (Lehrbuch des 5 trajrechts, 1996, sa edic;ao) e, de modo especial, ROXIN (Strajrecht, 1997, 3a edic;ao).

    A Teoria da Pena indica os fundamentos politicos e os proble-mas juridicos da repressao penal nas formac;oes sociais capitalistas, permitindo enfocar sob outra luz decisoes sobre necessidade e suftciencia da sanc;ao penal em processos criminais. 0 discurso do texto sob , clara influencia de RUSCHE/KlRCHHEIMER (Punishment and social structure, 1939),MELOSSI/PAVARINI (Carcelyfabrica, 1980) e,como sempre, BARATTA (Criminologia critica e critica do direito penal, 1999), tern por objeto 0 conceito, funfoe~ sistema) aplicafao, substituifao e extinfao da pena, alem das medidas de seguranfa, da afao penal e, agora, um capitulo sobre criminologia e politica criminal.

    Assim, as questoes tecnicas da pena criminal sao inseridas em perspectiva criminologica: em sociedades desiguais, aplicar penas criminais nao significa quantificar punic;oes, mas administrar confli-tos ideologicos e emocionais conforme parametros autoritarios ou democraticos de controle social. Absolver ou condenar acusados criminais nao sao decisoes neutras, regidas pela dogmatica como cri-terio de racionalidade, mas exerdcio de poder seletivo rientado pela ideologia penal, quase sempre advada por estereori.pos, preconceitos

    tr,.ggtr~sj

  • SuMARIO

    PRIME IRA PARTE

    TEORIA DA LEI PENAL

    CAPiTULO 1 DlREITO PENAL ....................................................................... .-............................. 3

    I. Conceito de Direito Penal ........................................................................ 3 II. Objetivos do Direito PenaL ..................................................................... .4

    1. Objetivos declarados do discurso juridico oficial ............................ 5 2. Objetivos reais do discurso juridico critico .................................... 6

    2.1. Direito Penal e desigualdade social ........................................ 9 2.2. Bern juridico: ainda urn conceito necessario ........................ 14

    CAPiTULO 2 PRINCIPIOS DO DIREITO PENAL .................................................................... 19

    L Prindpio da legalidade ............................................................................... 20 1. Proibi

  • 1. Conceito de territorio ...................................................................... 37 SEGUNDA PARTE 2. Imunidades diplomaticas .............................................. : .................. 38 3. Navios e avioes publicos e privados .............................................. 39 4. Lugar do crime .................................................................................. 41 TEORIA DO FATO PUNiVEL

    II. Criterio da extraterritorialidade ................................................................ 42 1. Principio da prote

  • CAPITULO 8 1. A
  • 2. Elementos especiftcos do tipo objetivo da omissao de a
  • r I I

    c) Manifesta

  • 1. Autoria direta ...................................................................................... 361 1. Teorias sobre desistencia da tentativa~ ........................................... .401 2. Autoria mediata .................................................................................. 362 1.1. Teoria de politica criminal ....................................................... .401

    2.1. Hipateses de autoria mediata .......... ; ....................................... 363 1.2. Teoria da grac;:a ........................................................................... 402 2.2. Problemas especiais: erro, excesso, tentativa e omissao de

    ac;:ao na autoria mediata .................... , ....................................... 365 3. Autoria coletiva, ou co-autoria .................. : ..................................... 367

    3.1. Decisao comum para 0 fato ..................................................... 369 3.2. Realizac;:ao comum do fato ....................................................... 370 3.3. Co-autoria e tentativa ................................................................ 371 3.4. Co-autoria e omissao de ac;:ao .................................................. 372

    IV Participac;:ao .................................................................................................. 372

    1.3. Teoria dos fins da pena. ........................................................... .402 2. Tentativa inacabada e acabada ........................................................ .402 3. Estru144ta da desistencia da tentativa ...... : ...................................... .404

    3.1. Desistencia voluntaria .............................................................. .404 3.2. Arrependimento eficaz ............................................................. 405.

    4. Tentativa falha .................................................................................... 406 5. Extensao dos efeitos da desistencia da tentativa ......................... .407 6. Arrependimento posterior .............................................................. .409

    1. Instigac;:ao ............................................................................................ 375 CAPITULO 16 a) 0 dolo do instigador e a decisaodo autor. ............................... 376 b) 0 dolo do instigador e 0 fato do autor ..................................... 377 c) Erro de tipo eerro de tipo permissivo do instigador ............. 378

    2. Cumplicidade ...................................................................................... 379

    UNIDADE E PLURALIDADE DE FATOS PuNiVEIS .................................... .411 I. Introduc;:ao .................................................................................................... 411 II. Unidade e pluralidade de ac;:6es tipicas ................................................... .412 III. Pluralidade material de fatos puniveis ..................................................... .414

    a) Naturezada ajuda material ............................................... ~ .......... 379 IV Pluralidade formal de resultados tipicos .................................................. 416 b) 0 dolo do cumplice e 0 fato principal ....................................... 380 V Unidade continuada de fatos tipicos ....................................................... .420

    3. Concorrencia de formas de participac;:ao ....................................... 381 VI. A pena de multa na pluralidade de fatos puniveis ................................. .424 4. Participac;:ao necessaria ...................................................................... 382 VII. Limite das penas privativas de liberdade ................................................ .425 5. Tentativa de participac;:ao .................................................................. 383 . VIII. Pluralidade aparente de leis ...................................................................... .426

    V Comunicabilidade das circunstancias ou condic;:6es pessoais ............... 383 1. Especialidade ...................................................................................... 426 2. Subsidiariedade ................................................................................... 427

    CAPITULO 15 3. Consunc;:ao .......................................................................................... 428 TENTATIVA E CONSUMA

  • TERCElRA PARTE II. A politica penal da legisla~ao brasileira .................................................... 517 III. Penas criminais ............................................................................................ 520

    1. Pena privativa de liberdade ............................................................... 521 1.1. Regimes de execu~ao das penas privativas de liberdade ...... 522 TEORIA DA PENA

    a) Regime fechado ..................................................................... 526

    CAPITULO 18 b)litegime semi-aberto .............................................................. 527 c) Regime aberto ....................................................................... 527

    POLiTICA CRIMINAL E DIREITO PENAL ..................................................... 459 d) Regime especial para mulheres ........................................... 529 I. 0 discurso oficial da teoria juridica da pena .......................................... .461 1.2. Direitos e deveres do condenado ........................................... 529

    1. A pena como retribui~ao de culpabilidade ................................... .461 a) Direitos do condenado ........................................................ 529 2. A pena como preven~ao especial ................................................... .464 b) Deveres do condenado ........................................................ 530 3. A pena como preven~ao geral ........................................................ .466 c) Trabalho do condenado ....................................................... 531 4. As teorias unificadas: a pena como retribui~ao e preven~ao ...... 469 d) Remi~ao penal ....................................................................... 532

    II. 0 discurso critico da teoria crimino16gica da pena .............................. .472 1.3. A disciplina penal ...................................................................... 534 A) A critic a negat"jva/ agnostica d~ pena criminal ................................... 472 1.3.1. Faltas disciplinares .......................................................... 535 B) A critica materialista/ dialitica da pena criminal .............................. .477 1.3.2. San~oes disciplinares e regime disciplinar

    1. A pena como retribuifao equivalente do crime ............................. .477 diferenciado ..................................................................... 535 2. A prevenfao especial como garantia das rela~oes sociais ............ .483 a) Advertencia verbal e repreensao .............................. 536 3. A prevenfao gera/como afirma~ao da ideologia b) Suspensao ou restri~ao de direitos e isolamento6

    dominante .............................................................................. , ....... 488 celular ........................................................................... 536 4. As teorias unificadas como integra~ao das fun~oes manifest as c) Regime disciplinar diferenciado .............. : ................ 536

    ou declaradas da pena criminal ..................................................... .493 1.4. Individualiza~ao da execu~ao: classifica~ao e exame 5. Conclusao ....................................................................................... 494 crimino16gico .......................................................... : .................. 538

    a) Classifica~ao dos condenados ............................................. 538 CAPITULO 19 b) Exame criminol6gico ........................................................... 538 PruSAO E CONTROLE SOCIAL .......................................................................... 499 1.5. Detra~ao penal ........................................................................... 540

    I. Introdu~ao ....... ~ ............................................................................................. 499 1.6. Limite das penas privativas de liberdade ................................ 541 II. A rela~ao carcere/ jdbrica ............................................................................... 502 2. Penas restritivas de direitos .............................................................. 541 III. A o~igem da penitenciaria .......................................................................... 503 2~ 1. Pressupostos de aplica~ao das penas restritivas de Iv. 0 modelo ftladelftano de penitenciaria ....................................................... 506 direitos ......................................................................................... 542 V. 0 modelo auburnia,!o de penitenciaria ...................................................... 507 2.2. Especies de penas restritivas de direitos ................................ 544 VI. Industria do encarceramento: atualidade e perspectivas ...................... 510 a) Presta~ao pecuniaria ............................................................. 544 VII. A privatiza~ao de presidios no Brasil ....................................................... 513 b) Perda de bens e valores ........................................................ 545

    c) Presta~ao de servi~os a comunidade ou a entidades publicas ................................................................................... 546 CAPITULO 20

    . . , .

    d) Interdi~ao temporaria de direitos ....................................... 548 e) Limita~ao de fim de semana ............................................... 549 g$ISTE:~~N~tl~~~RP ... ;.~ . ,.~.~ . ~, ....... ~.~ ....... , .. , .. : .. ~ ......................... 517

  • -.

    3. Pena de multa ..................................................................................... 549 3.1. Comina

  • 2.5. Concurso de circunstancias legais ........................................... 599 2) Pressupostos subjetivos ...................................................... 620 2.6. Limites'de agrava
  • CAPITULO 23 2. Ac;ao penal privada ............................................................................ 683 MEDIDAS DE SEGURAN
  • 2. Decadencia ......................................................................................... 705 3. Perempc;:ao .................................. ~ ....................................................... 705

    V. Renuncia e Perdao ....................................................................................... 706 1. Renu.ncia ................................................... : .......................................... 706 2. Perdao .................................................................................................. 706

    VI. Retratac;:ao do agente .................................................................................. 707 IX. Perdao judicial ............................................................................................. 708 X. A extinc;:ao da punibilidade nos tipos complexos, nos tipos

    dependentes de outros tipos, nos tipos que pressupoem outros tipos, nos tipos qualificados pelo resultado enos tipos conexos ........ 709

    XI. A extinc;:ao da punibilidade no concurso de crimes ............................... 710

    CAPIruLO 26 CRIMINOLOGIA E POLITICA CRIMINAL ........................................................ 711

    I. PoJitica criminal alternativa ........................................................................ 711 1. Origens Epistemo16gicas .................................................................. 713 2.Criminalidade e imagem da criminalidade ..................................... 715

    II. Direito Penal minimo ................................................................................. 716 III. Propostas de reforma da legislac;:ao penal ............................................... 719

    1. Propostas de reduc;:ao do sistema de justic;:a criminal ................... 719 2. Propostas de humanizac;:ao do sistema penal ................................ 722

    BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 725

    iNDICE ALFABETICO REMISSIVO .................................................................... 743

    xxviii

    PRIMElRA PARTE

    TEORIA DA LEI PENAL

  • CAPITULO 1 DIREITO PENAL

    1. Conceito de Direito Penal

    1. 0 Direito Penal e 0 setor do ordenamento juridico que define cri-mes, comina penas e preve medidas de seguran

  • Teona da Lei Penal Capitulo 1

    descritos na parte especial do Codigo Penal, ou em leis penais especiais. A arao ou omissao de apio dotada dos caracteres de tipo de injusto, que define 0 objeto de reprovarao no autor (0 que e reprovado), e dos caracteres da culpabilidade, que define 0 fundamento da reprovarao do autor (por que e reprovado), realiza 0 conceito de fato punivel, estudado na Teoria do Fato Punivel, segunda parte deste livr~.

    3. 0 Codigo Penal, estatuto legal que define crimes e preve penas e medidas de seguran

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 1

    e protege apenas parcialmente os bens juridicos selecionados para prote

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 1

    produ~ao e hegemonic as do poder politico do Estado, como indicam as teorias conflituais da Sociologia do Direito.7

    4. A mudan~a da fonte formal (a lei) para a fonte material (0 modo de produ~ao) do Direito significa trocar a 16gica formal por uma 16gica matenal (ou logica dialitica), utilizada pela Criminologia como metodo de pensar 0 crime e 0 controle social nas sociedades contemporaneas, embora a dogmatica juridica permane~a sob a egide da 16gica formal, como logica juridica classica. 5. 0 conceito de modo de produfao desenvolvido pelo pensamento marxista, formado pela articula~ao de forfas produtivas em determina-das relafoes de produfao da vida material, permite identificar os ol?jetivos reais do Direito, em geral- cuja existencia e encoberta pelos oijetivos declarados do discurso juridico oficial-, nos quais aparece 0 significado politico do Direito Penal como institui~ao de garantia e de reprodu~ao da estrutura de classes da sociedade, da desigualdade entre as classes sociais, da explora~ao e da opressao das classes sociais subalternas pelas classes sociais hegemonicas nas sociedades contemporaneas - esclarecendo, complementarmente, a forma~ao economica das classes sociais nas rela~oes de produ~ao e a luta politica dessas classes sociais no terreno das ideologias - por exemplo, nos sistemas juri-dico-politicos de controle social-, rompendo, assim, a "opacidade" do real produzida pelo discurso juridico oficial dos ol?jetivos declarados do Direito Penal.

    6. 0 metodo de analise social fundado no modo de produfao da vida material permite explicar 0 Direito - ou seja, as formas juridicas de disciplina da vida social- e 0 Estado - ou seja, a organiza~ao juridica do poder politico das classes hegemonicas da forma~ao social- pelas

    7 Ver SABADELL, Manual de sociologia juridica (zntrodufao a uma- leitura externa do Direi-to), 2005, 3a edi

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 1

    legais. lO Os pressupostos nao questionados desses oijetivos declarado.f sao as no

  • Teona da Lei Penal Capitulo 1

    tempo de trabalho excedente; c) titulares desses bens juridicos per-tencentes aos contingentes marginalizados do mercado de trabalho, sem funfao na reprodus:ao do capital (a fors:a de trabalho excedente das necessidades do mercado), nao sao protegidos nem como st!}ei-tos, nem como o~dos: sao destruidos ou eliminados pela violencia estrutural das relas:oes de produs:ao, ou pela violencia institucional do sistema de controle social, sem consequencias penais. Assim, se a criminalizas:ao primaria (ou abstrata) parece neutra, a criminalizas:ao secundaria (ou concreta) e diferenciada pela posifao social dos sujeitos respectivos. 15

    5. Por outro lado, condutas criminosas proprias dos segmentos sociais hegemonicos, que vitimizamo conjunto da sociedade ou amplos seto-res da populas:ao, sao diferenciadas ao mvel da criminalizas:ao primaria (tipos legais) ou da criminalizas:ao secundaria (repressao penal):160u nao sao dejinidas pelo legislador como crimes, ou sao definidas de modo impreciso e vago pelo legislador - e, portanto, frustram a repressao penal-, ou a natureza irrisoria das penas cominadas pelo legislador transforma essas praticas criminosas em investimentos lucrativos.17 Esse e 0 resultado moderno do chamado Direito Penal simb6lico, representado pelos crimes contra a ordem tributaria, as relas:oes de consumo, 0 mercado de capitais, 0 meio ambiente e outras formas da criminalidade das elites economic as e politicas da formas:ao social - na verdade, produzido para satisfas:ao retorica da opiniao publica, como discurso encobridor das responsabilidades do capital financeiro internacional e das elites conservadoras dos paises do Terceiro Mundo, na crias:ao das condis:oes criminogenicas estruturais do capitalismo

    15 CIRINO DOS SANTOS, Direito penal (a nova partegeral), 1985, p. 26-27. 16 SUTHERLAND, White collar crime: the uncut versions, 1983, p: 240-257. 17 BARATTA, Criminologia critica e critica do Direito Penal, 1999, 2a edi

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 1

    a um projeto tecnico-corretivo de transforma

  • Teona da Lei Penal Capitulo 1

    e dependem de prote~ao penal, ainda uma resposta legitima para certos problemas sociais.30 Assim, evitar a criminaliza

  • Teona da Lei Penal Capitulo 1

    concep~6es autoritarias do funcionalismo de ]AK.OBS, por exemplo.37 Desse ponto de vista, consideradas todas as limita~6es e criticas, 0 conceito de bem jurfdico, como cn/erio de Crilninaliza~ao e como oi?jeto de prote~ao, parece constituir garantia politica irrenunciavel do Direito Penal do Estado Democratico de Direito, nas forma~6es sociais estru-turadas sobre a rela~ao capital/ trabalho assalariado, em que se articulam as classes sociais fundamentais do neoliberalismo contempora.neo.

    37 AssUn, ALBRECHT, Knminologie, 1999, p. 2-4.

    18

    CAPITULO 2 PRINCiPIOS DO DlREITO PENAL

    o Direito Penal das sociedades contemporaneas e regido por principios constitucionais sobre crimes, penas e medidas de seguran~a, nos niveis de criminalizafao primana e de criminalizafao secundaria, indispen-saveis para garantir 0 individuo em face do poder punitivo do Estado. A distin~ao entre regras e principios juridicos, como especies da categoria geral normas jurfdicas, e a base da teo ria dos direitos fundamentais e a chave para resolver problemas centrais da dogmatica penal constitu-cionaLl Normas juridicas compreendem regras e principios juridicos, componentes elementares do ordenamento juridico, que determinam 0 que e devido no mundo real: as regras sao normas de conduta realizadas ou nao realizadas pelos seres humanos; os principios sao normas juridicas de otimizafao (optimierungsgebote) das possibilidades de realiza~ao juridica dos mandados, das proibi~6es e das permiss6es na vida reaL2

    Os principios constitucionais mais relevantes para 0 Direito Penal sao 0 principio dalegalidade, 0 principio da culpabilidade, 0 principio da lesividade, 0 principio da proporcionalidade, 0 principio da huma-nidade e 0 principio da responsabilidade penal pessoaL

    1 ALEXY, Theone der Grundrechte, 1994, 2a edic;ao, p. 71, I e 72, I, 1. 2 Ver ALEXY, Theone der Grundrechte, 1994, 2a edic;ao, p. 75, I, 2.

    19

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 2

    I. Principio da legalidade

    As Constitui~oes dos Estados americanos de Virginia e de Maryland (1776) instituiram pela primeira vez 0 principio da legalzdade, depois repetido na Constitui

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 2

    do idiossincd.tico que um Juiz atribuiria e outro Juiz nao atribuiria ao mesmo fato concreto. A atribuic;ao de significados fundados no espirito da lei encobre a criac;ao judicial de dire ito novo, mediante juizos de probabilidade da psicologia individual,9 assim resolvidos no Direito Penal: se 0 significado concreto representar prquizo para 0 reu, cons-titui analogia proibida; se 0 significado concreto representar benificio para 0 reu, constitui analogia permitida.

    Hoje, a analogia po de ser equacionada deste modo: 10 a) a analogi a in malam partem - analogia praepter legem e analogia contra legem -, como ana-logia prejudicial ao reu, e absolutamente proibida pelo Direito Penal; b) a analogia in bonam partem - analogia intra legem -, como analogia favodvel ao reu, e permitida pelo prindpio da legalidade, sem nenhuma restric;ao: nas justificac;oes, nas exculpac;oes e em qualquer hipotese de extinc;ao ou de reduc;ao da punibilidade do comportamento humanoY

    3. Proibi~ao do costume como fonte da lei penal

    o principio da legalidade profbe 0 costume como fundamento de criminalizac;ao e de punic;ao de condutas, porque exige lex scnpta para os tipos legais e as sanc;oes penais.

    Mas, assim como a analogia e a retroatividade da lei penal mais

    9 CARNAP, On inductive logic. In Philosophy of Science. 1945, vol. XII, p. 72, apud KEL-SEN, Allgemeine TheOJie der Normen, 1990, p. 218.

    10 MAYER, Ver allgermeine Teil des deutschen 5 trafrechts, 1915, p. 27. 11 JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strajrechts, 1996, 15, III, n. 2 d, p. 136;

    MAURACH/ZIPF, Strafrecht, 1 v., p. 127-128, ns. 21-22; ROXIN, Strajrecht, 1997, p. 112-114, ns. 40-44; ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Vireito penal brasileiro, 2003, 10, III, 4-6.

    22

    Capitulo 2 Principios do Direito Penal

    favoravel sao admitidas, tambem 0 costume pode ser admitido in bonam partem, para excluir ou reduzir a pena, ou para descriminalizar 0 fato, nas hipoteses indicadas pela sociologia juridica de perda de eficacia da lei penal - e, com a perda de eficacia, a perda de validade da lei penal: 12 por exemplo, a existencia generalizada dos moths indica a perda de eficacia - e portanto, a invalidade como lei penal - do tipo legal do crime de casa de prostituzjao. 13

    4. Proibi~ao de indeterminas;ao da lei penal

    A protec;ao do cidadao contra 0 arbitrio exclui leis penais indeji-nidas ou obscuras - 0 maior perigo para 0 pn'ndpio da legalidade, segundo WELZEL14 -, porque leis penais indejinidas ou obscuras favorecem interpretac;oes judiciais idiossincraticas e impedem ou dificultam 0 conhecimento da proihic;ao, favorecendo a aplicac;ao de penas com lesao do principio da culpabilidade15 - outro aspecto da relac;ao entre os principios formadores do conceito de crime.

    o problema de toda lei penal parece ser a inevitabilidade de certo nivel de indefinic;ao: as palavras da lei sao objeto de interpreta-c;oes diferentes, porque os juizos de valor enunciados nao admitem descric;6es neutras - e qualquer tentativa semelhante seria monotona ou ridicula: como descrever 0 conceito de if!Jun'a, por exemplo? Seja como for, 0 principio da legalidade pressup6e um minimo de determinafao

    12 Ver KELSEN, Allgemeine TheOJie der Normen, 1990, p. 87. \3 ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 115-117, ns. 45-50. 14 WELZEL, Vas deutsche Strafrecht, 1969, 5, II, n. 2, p. 23. 15 'Ver ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 125, n. 67-68. No Brasil, no sentido do texto,

    FRAGOSO, Liraes de direito penal (parte geraO, 16a edi

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 2

    das proibi

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 2

    versoes coloniais da actio lib era in causa,18 sao incompativeis com o principio da culpabilidade e, por isso, devem ser banidos da legisla

  • Teona da Lei Penal Capitulo 2

    avaliafao) tem por objeto a otimiza

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 2

    de classes e categorias sociais inferiores - a clientela preferencial do sistema de justi~a criminal, selecionada por estereotipos, preconcei-tos, idiossincrasias e outros mecarusmos ideologicos dos agentes de controle social, ativados por indicadores sociais negativos de pobreza, marginaliza~ao do mercado de trabalho, moradia em favelas etc. 25

    Em face disso, 0 principio da proporcionalidade concreta pode fun-damentar criterios compensatorios das desigualdades sociais da

    criminaliza~ao secundaria, com 0 oijetivo de neutralizar ou de reduzir a seletividade fundada em indicadores sociais negativos de pobreza, desemprego, faveliza~ao etc., aplicaveis pelo Juiz no momenta de

    estrutura~a

  • Teona da Lei Penal Capitulo 2

    VI. Principio da responsabilidade penal pessoal

    1. A defini

  • CAPITULO 3 V ALIDADE DA LEI PENAL

    o comportamento humano se realiza em determinado espa

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 3

    A) Validade da lei penal no espa~o

    A validade da lei penal no espa

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 3

    de 1944 e pela Conven

  • Teona da Lei Penal Capitulo 3

    ciais ou particulares.13

    Os navios publicos de guerra e civis estao sob a jurisdi

  • Teona da Lei Penal

    produzir-se 0 resultado.17

    Art. 6, CP. Conszdera-se praticado 0 crime no lugarem que ocorreu a afdo ou omissdo, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se 0 resultado.

    Capitulo 3

    Logo as condutas definidas como crimes em leis penais brasilei-ras, realizadas no todo ou em parte no territ6rio do Estado brasileiro, ou que produzam - ou devam produzir - 0 resultado nesse territ6rio, sao submetidas a jurisdi~ao penal brasileira.

    A necessidade de definir lugar do mme se fundamenta na hip6tese de a~6es criminosas se realizarem no espa~o territorial de dois ou mais Estados, por exemplo: a afdo se realiza no Brasil, mas 0 resultado ocorre na Argentina ou no Uruguai, ou vice-versa. 18 Nessas hip6teses, a duplici-dade de puni~ao e evitada por norma expressa da lei penal brasileira:

    Art. 8, CP. A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo cnme, quando diversas, ou nela i computada, quando identicas.

    II. Cn/irio da extratern'ton'alidade

    o criterio da extraterritorialidade compreende um conjunto de exce~6es a regra da territonalidade, definidas pelos principios da protefdo (ou da defesa), da personalidade (ou da nacionalidade) e da competencia penal universal (ou da cooperafdo penal internaciona~,

    17 MESTIERI, Manual de direito penal, 1999, p. 84. 18 Ver FRAGOSO. Lifoes de direito penal (parte geraO, 2003, p. 138-140, n. 106.

    42

    Capitulo 3 Validade da Lei Penal

    1. Principio da prote~ao

    o principio da protefdo (ou da defesa) permite submeter a jurisdi-~ao penal brasileira fatos puniveis cometidos. no estrangeiro, lesivos de bens juridicos pertencentes ao Estado brasileiro (art. 7, I a, b, c, CP), compreendendo os crimes (a) contra a vida ou liberdade do Presidente da Republica, (b) contra 0 patrimonio ou a fe publica da Uniao, Distrito Federal, Estados e Municipios, de empresa publica, sociedade de economia mista, autarquia ou funda~ao do Poder Publico, (c) contra a administra~ao publica, por autor a servi~o publico. 19

    Art. 7, CP. Ficam stijeitos d lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

    I - os cnmes:

    a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da Republica; b) contra 0 patrimonio ou a fl publica da U nido, do Dism'to Federal, de Estado, de Territ6rio, de Municipio) de empresa publica, sociedade de economia mista) autarquia ou fundafdo instituida pelo Poder Publico;

    c) contra a administrafdo publica, por quem estd a seu servifo; Nesses casos, a puni~ao do agente pela lei brasileira independe

    de absolvi~ao ou de condena~ao no estrangeiro, Art. 7 1, CP. Nos casos do inciso I, 0 agente i punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.

    19 ALBUQUERQUE :MELLO, Curso de direito intemacional publico, 2001, 13a edi~o, p. 951.

    43

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 3

    2. Principio da personalidade

    1. 0 principio da personalidade (ou da nacionalzdade) permite submeter a lei penal brasileira os fatos puniveis praticados no estrangeiro (a) por autor brasileiro (forma ativa) ou (b) contra vitima brasileira (forma passiva).20 A personalidade ou a nacionalidade brasileira pode ser ad-quirida pelo nascimento no territorio brasileiro, ou pela naturaliza~ao de estrangeiro, garantida a igualdade de direitos entre brasileiros natos e naturalizados, exceto para 0 exercicio de determinados cargos e fun-

    ~oes publicas, a propriedade de meios de comunica~ao e a extradi~ao, reservados a brasileiros natos:

    a) sao brasileiros natos (a 1) os nascidos no territorio brasileiro (ainda que de pais estrangeiros, se nao estiverem a servi~o de seu Pais), bern como (a2) os nascidos no estrangeiro, de pai ou mae brasileiros a servi~o do Brasil ou, na hipotese contraria, se vierem a residir no territorio nacional e optarem pela nacionalidade brasileira;

    b) sao brasileiros naturalizados os que adquirem a nacionali-dade brasileira mediante requerimento, preenchidas certas condi~oes: bl) imigrantes residentes no Pais por 15 anos consecutivos e sem condena~ao penal; b2) suditos de paises de lingua portuguesa, com idoneidade moral e residencia ininterrupta de 1 ana no Brasil; b3) demais casos, exigencia de 4 anos de residencia no Pais, idoneidade moral, boa saude e dominio do idioma.21

    2. 0 principio da personalidade (ou da nacionalidade) conhece uma forma ativa e uma forma passiva, assim disciplinadas pela lei penal brasileira:

    20 ALBUQUERQUE MELLO, Curso de direito internacional puplico, 2001, 13a edi

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 3

    segundo tratados ou conven~oes internacionais (art. 7, I, de II a e c, CP) - por exemplo, 0 genocidio, 0 tdJico de drogas, 0 comercio de seres humanos etc.22

    Art. 7, CP. Ficam sZ!jeitos d lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

    I - os crimes:

    d) de genoddio, quando 0 agente Jor (...) domicziiado no Brasil. II - os crimes:

    a) que, por tratado ou cOJZvenfdo, 0 Brasil se obrigou a re-primir.

    e) praticados em aero naves ou embarcafoes brasileiras, mercan-tes ou de propriedade pn'vada, quando em tern/drio estrangeiro e ai ndo sf!jam julgados.

    Nessas hipoteses, a aplica~ao da lei penal brasileira depende de determinadas condifoes oi?jetivas de punibilidade, expressamente indicadas na lei: a) ingresso do autor no territorio brasileiro; b) punibilidade do fato no Brasil e no pais estrangeiro respectivo; c) fato punivel perten-cente a categoria dos crimes extradidveis, segundo a lei brasileira; d) ausencia de absolvi~ao ou de cumprimento de pena no estrangeiro; e) ausencia de perdao no estrangeiro, ou de extin~ao da punibilidade, segundo a lei mais favoravel.

    Art. 7 2, CPO Nos casos do inciso II, a aplicafdo da lei brasileira depende do concurso das seguintes condifoes: a) entrar 0 agente no territdn'o nacional,' b) ser 0 Jato punivel tambim no pais em que Joi praticado;

    22 ALBUQUERQUE MEllO, Curso de direito internacional publico, 2001, 13a edi

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 3

    sil, por causa da extradi

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 3

    Assim posta a questao, a resposta e simples: 0 criterio geral de validade da lei penal no tempo e definido pelo principio da legalzaade, como fonte exclusiva e limite intransponivel do poder de punir; 0 criterio especifico de validade da lei penal no tempo e definido pela retroativi-dade da lei penal mais favoravel, aplicavel sem exce~ao em crimes, penas e medidas de seguran

  • Teona da Lei Penal Capitulo 3

    o Codigo Penal contem disposi~ao mais detalhada sobre a retroatividade de lei penal mais favordvel, nestes termos:

    Art. 2, panigrafo uruco. A lei posterior que, de qualquer modo favorecer 0 agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentenfa condenatOna transitada em julgado.

    A aplica

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 3

    Atualmente, a controversia e decidida pela retroatividade da lei penal mazs benigna, porque 0 complemento da lei penal em branco e elemento do tipo objetivo e, portanto, integra a lei penal, segundo a seguinte logica: se 0 tipo legal nao existe sem 0 complemento legal ou administrativo - e 0 Poder Legislativo, independente da inconstitucionalidade da delega

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 3

    principio fundamental. 37

    4. Lei de execus:ao penal. A lei de execu[ao penal (Lei 7.210/84) tambem esta submetida ao principio constitucional da lei penal maiJ fovoravel- ou da proibzjao de retroatividade em prejuizo do reu, apesar de controversia insustentavel:

    a) 0 argumento de que a ressocializa[ao do condenado prevalece sobre 0 principio constitucional da lei penal mais favoravel e morali-zador, repressivo e anti-cientifico: ninguem pode ser ressocializado segundo criterios morais alheios, a preven

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 3

    a conftanfa na Iei'D - por essa razao, a alternativa da exculpa~ao por erro de proibifao inevitavel- admitida pela teo ria majoritaria - deve perma-necer como ratio subsidiaria, somente aplicavel na ausencia de lesao da proibi

  • Teona da Lei Penal Capitulo 4

    men tar do Direito: em latim, a palavra norma significa esquadro - assim como a palavra regra (em latim, regula) significa medida -, significados que exprimem a natureza do conceito de norma (ou de regra) juridica no Direito moderno. 3

    Aqui, e indispensavel uma distin

  • Teona da Lei Penal Capitulo 4

    de motivos que caracterizam 0 processo legislativo; a interpretafao teleo16gjca tern por objetivo esclarecer a ftnalidade social da lei, como realiza~ao de

    proibi~oes, mandados e permissoes prescritas pelo legislador.7

    2. Sujeitos da interpreta~ao

    A interpreta~ao da norma juridica pode ser realizada pelo Po-der Legislativo, pelo Poder Judiciario e por especialistas do Direito (ou Juristas), originando tres segmentos principais de interpreta~ao segundo 0 sujeito respectivo: interpreta~ao autentica, interpreta~ao judicial e interpreta~ao cientiJica do Direito.8

    A interpreta~ao autentica e produzida pelo legislador em do is momentos principais: a) a interpreta~ao autentica contextual, como

    defini~oes de conceitos empregados na lei, aparece no proprio texto da lei - por exemplo, 0 conceito de causa definido no art. 13, CP; b) a interpreta~ao autentica paralela, como esclarecimento dos motivos e indica~ao dos prop6sitos do legislador, aparece nas Exposi~oes de Motivos que acompanham as leis penais mais importantes - por exemplo, a Exposi~ao de Motivos do Codigo Penal.

    A interpreta~ao judicial e produzida pelo Poder J udiciario nos processos criminais, ciVis e outros submetidos a sua competencia ju-risdicional, em que aparecem os sentidos ou tendencias das decisoes dos Tribunais em casos concretos, sob a forma de Jurisprudencia crimi-nal, civil etc., definiveis como decisoes isoladas, como jurisprudencia

    7 DIMOULIS, Manual de introdufao ao estudo do direito, 2003, p. 159-170. Comparar MA YRINK DA COSTA, Vireito Penal (parte geral), 2005, p. 425-428.

    8 Comparar MA YRINK DA COSTA, Vireito Penal (parte geral), 2005, p. 424.

    62

    Capitulo 4 Interpretarao da Lei Penal

    dominante, como sumulas da jurisprudencia dominante e, atualmente, tambem como sumulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal.

    A interpreta~ao cientiftca e produzida pelos especialistas da ciencia juridica penal, civil etc., representados por autores de livros, artigos, conferencias e aulas de Direito Penal, de Direito Civil etc., que definem ou desenvolvem categorias cientificas necessarias ou uteis para conhe-cer e aplicar as normas e institutos juridicos em casos concretos.

    3. Resultados da interpreta~ao

    A aplica~ao das ticnicas de interpretafao para esclarecer 0 sentido da lei produz resultados (a) declarativos, (b) extensivos ou (c) restriti-voj do significado da lei, assim explicados: a) resultados declarativos definem hipoteses de significado normal da linguagem da lei, no sentido de que lex dixit quam voluit (a lei disse 0 que queriaO dizer); b) resultados extensivos definem hipoteses de amplia~ao do significado da linguagem da lei, no sentido de que lex dixit minus quam voluit (a lei disse menos do que queria dizer) - interpreta~ao proibida pelo principio da legalidade em materia de crimes e de penas; c) resultados restritivos definem hipoteses de redu~ao do significado da linguagem da lei, no sentido de que lex dixit plus quam voluit (a lei disse mais do que queria dizer).9

    9 DIMOUUS, Manual de introduftio ao estudo do direito, 2003, p. 168-170; FRAGOSO, Lifoes de direito penal (partegeral), 2003, 16a edis;ao, p. 104.

    63

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 4

    4. Analogia e interpreta~ao

    1. 0 conceito de analogia deve ser definido em compara

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 4

    4. A analogia como argumento a simile significa a aplica~ao da lei penal a fatos diferentes dos previstos, mas semelhantes aos previstos. 16 N esse sentido, a analogia constitui urn juizo de probabilidade proprio da psicologia individual, que nao pertence nem a logica cIa.ssica/ dedu-tiva, nem a logica moderna/indutiva.17 Ao contra.rio, a analogia como argumento a maiori ad minus significa que a norma juridica valida para uma classe geral de fatos e igualmente valida para fatos especiais da mesma categoria. Aqui, a teo ria da igualdade logica entre interpretafao e analogia da lei penal mostra que 0 problema da analogia (assim como da interpretafao) reside no significado da analogia (ou da interpreta~ao) para 0 caso concreto: se 0 significado concreto representar prtjuizo para 0 reu, constitui analogia (ou interpreta~ao) proibida; se osigni-ficado concreto representar benificio para 0 reu, constitui analogia (ou interpreta~ao) permitida.

    Essa teoria remonta a distin~ao de MAYER,18 hoje generali-zada na literatura penal, que definiu as bases da analogia proibida e da analogia permitida em Direito Penal: a) a analogia in malam par/em - compreensiva da analogia praepter legem e da analogia contra legem -, e absolutamente proibida peIo Direito Penal: a subsun~ao de a~oes ou de omissao de a~oes nos tipos legais e a aplica~ao ou agrava~ao de san~oes penais em casos concretos excluem a analogia em todas as hipoteses; b) a analogia in bonam par/em - a chamada analogia intra legem - e permitida peIo prindpio da legalidade; sem nenhuma restri~ao: nas justifica~oes de a~oes tipicas, nas exculpa~oes de a~oes tipicas e antijuridicas e em qualquer outta hipotese de extin~ao ou de redu~ao

    16 KELSEN,AIlgemeine Theorie der Normen, 1990, p. 217. 17 CARNAP, On inductive logic, in Philosophy of Science, 1945, vol. XII, p. 72, apud KEL-

    SEN, Allgemeine Theorie der Normen, 1990, p. 218. 18 MAYER, Der allgemeine Teil des deutschen Strqfrechts, 1915, p. 27.

    66

    Capitulo 4 Interpretarao da Lei Penal

    da punibilidade do comportamento humano.19

    5. Nao obstante - e como se sabe ._, a analogia e necessaria para o funcionamento do ordenamento juridico de determinados Estados nacionais- assim como para a aplica~ao de alguns ramos do proprio ordenamento juridico brasileiro: a) nos paises anglo-sax6nicos, as decisoes dos Tribunais em processos criminais sao fundadas em analogias construidas com base nos precedentes legais: 0 sistema do case law, vigente na Inglaterra enos Estados U nidos, por exemplo;20 b) no ordenamento juridico brasileiro, a analogia e expressamente admitida no Direito Civil, para solu~ao de casos nao disciplinados em lei.

    III. 0 silogismo como 16gica de subsunfao Jurfdica

    1. A subsun~ao juridica e regida peIo silogismo, procedimento logico peIo qual a conclusao e verdadeira se a premissa mazar (norma) e a premissa menor (conduta) sao demonstraveis.21 Ou, dito de outto modo: se as premissas sao verdadeiras e se a conclusao esta implicita nas premissas, entao a conclusao e verdadeira.22 Ou, ainda de outro modo: 0 silogismo e uma sequencia de declara~oes em que a verdade do conteudo da conclusao e extraida da verdade do conteudo das premissas.23

    19 ]ESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, 15, III, fi. 2 d, p. 136; MAURACH/ZIPF, Stra.frecht, 1992, p. 127-128, ns. 21-22; ROXIN, Strafrecht, 1997, p. 112-114, ns . .40-44; ZAFFARONI, BATISTA, ALAGIA e SLOKAR, Direito penal brasileiro, 2003, 1 0, III, 4-6.

    20 STRATENWERTH, Strafrecht, 2000, p. 58-59, fi. 31. 21 Ver HALDER, Philosophisches Wiirterbuch, 2000, p. 280. 22 Assm, SUSAN STEBBING,A modern elementary logic, 1957, p. 159. 23 KELSEN,Allgemeine Theorie der Normen, 1990, p. 181-182.

    67

  • Teoria da Lei Penal Capitulo 4

    1.1. Exemplo de silogismo classico: a) todos os homens sao mortais (pre-missa maior); b) Socrates e um homem (premissa menor); c) Socrates e mortal (conclusao ). 1.2. Exemplo de silogismo juridico: a) homiddios sao punidos com pena de reclusdo de 6 a 20 anos (premissa maior); b) Y praticou homiddio contra X (premissa menor); c) a pena de reclusao de 6 a 20 anos e aplicavel contra Y (conclusao). A16gica do silo gismo, como 16gica da subsun~ao juridica, esta presente em toda decisao judicial. 2. Porem, nao e dificil perceber que a 16gica de subsun~ao juridica do silogismo pode apresentar problemas re!acionados com a suijetividade do julgador, produzidos por duas especies de erros, incidentes sobre objetos diferentes: a) 0 erro de interpreta~ao das normas juridicas; b) 0 erro de analise da prova processuaL 0 erro de interpretafao da norma juridica pode ser explicado por falhas ou defeitos de co-nhecimento cientifico do Direito; mas 0 erro de analise da prova - tambem definido como silogismo regressiv024 - e conhecido em criminologia como meta-regras (ou basic rules, segundo a fenomenolo-gia), produzido por mecanismos psiquicos inconscientes que determinam 0 significado concreto da decisao judicial: preconceitos, estere6tipos, traumas e outras idiossincrasias originarias da experiencia pessoal do julgador, desencadeados por indicadores sociais negativos de pobreza, desemprego, marginaliza

  • SEGUNDA PARTE

    TEORIA DO FATO PUNivEL

  • CAPITULO 5 F ATO PUNiVEL

    .~

    I. Deftnifoes de crime

    A teoria do Jato punivel e 0 segmento principal da dogmdtica penal, o sistema de conceitos construido para descrever 0 ser do Direito Penal, esse setor do ordenamento juridico que institui a politica cn"-minal- rectius, politica penal - do Estado, como programa oficial de retribui

  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 5

    cariam a genese do fato punivel, importantes para delimitar 0 objeto de estudo da critpinologia; @efinis:oes materiais indicariam a gravidade do dano social produzido pelo fato punivel, como lesoes de bens juridicos capazes de orientar a formulas:ao de politicas criminais; de-finis:oes jormais revelariam a essencia do fato punivel, como violas:ao da norma legal amea

  • Teoria do Fato Punivei Capitulo 5

    injusto:~um homicielio em legitima defesa seria uma afao atipica - e nao uma afao tipica justiftcada. Assim[a teotia dos elementos negativos do tipo fundamenta urn sistema de fato punivel com duas categorias principais: o tipo de injusto (constituido de tipo legal, como fundamento positivo, e de ausencia de justificafiio, como fundamento negativo do conceito) e a culpabilidade]

    o sistema bipartido de fato punivel tem partidarios de prestigio na dogmatica moderna,10 e parece logico, porque, freqiientemente, 0 tipo legal exige elementos da antijurielicidade, cuja ausencia exclui 0 proprio tipo (por exemplo, 0 carater irgusto do mal, na amea

  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 5

    acontecimento contnirio as proibiyoes e permissoes do ordenamento juridico; a culpabiiidade e urn conceito psicol6gico, sob as formas de dolo e imprudencia, que concentra todos os elementos subjetivos do fato punivel. 16

    2.2. 0 modele neo-cldssico de fato punivel, fundado no metodo neo-kantiano de observa~ao/ descri~ao e de compreensao/valora~ao e o produto da desintegra~ao do modele cldssico de fato punivel17 e, simultaneamente, de sua reorganiza~ao teleol6gica, conforme fins e valores do Direito Penal: 18 a arao deixa de ser naturaiista para assumir significado vaiorativo, redefinida como comportamento humano voiuntdrio;19 a tipicidade perde a natureza descritiva e livre-de-valor para admitir ele-mentos normativos (documento, motivo torpe etc.) e suijetivos (a inten~ao de apropria~ao, no fur to, por exemplo );20 a antjjuridicidade troca 0 signifi-cado formal de infra~ao da norma juridica pelo significado material de danosidade social, admitindo gradua~ao do injusto conforme a gravidade do interesse lesionado; a culpabilidade psicol6gica assume, tambem, signi-ficado normativo, com a reprova~ao do autor pela forma~ao de vontade contraria ao dever: se 0 comportamento proibido pode ser reprovado, entao pode ser atribuido a culpabilidade do autor.21

    2.3. 0 modele finahsta de fato punivel, desenvolvido por WELZEL na pri~eira metade do seculo XX, revolucionou todas as areas do conceito de crime, com base no seguinte principio metodol6gico: a afao e 0 conceito central do fato punivel, a psicologia demonstra a

    16 LISZT, Lehrbuch des Deutschen Strafrechts, 1881, p. 105 s. 17 ROXIN,Strafrecht, 1997, 7, III, 14-5, p. 151-152. 18 VerjESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, 22, III, p. 204-208. 19 Assim, MEZGER, Moderne Wege der Strafrechtsdogmatik, 1950, p. 12. 2Q FISCHER, Die Rechtswidrigkeit mit besonderer Beriicksichtigung des Privatrechts, 1911, p.

    138; HEGLER, Die Merkmale des Verbrechens, ZStW 36 (1915) p. 27; MEZGER, Die suqektiven U nrechtselemente, G:S 89 (1924), p. 207.

    21 Nesse sentido, FRANK, 0 ber den Aufbau des 5 chuldbegriJfs, 1907, p. 11.

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    Capitulo 5 Fato Punivel

    estrutura final da a~ao humana e a lei penal nao pode desconhecer a existencia de estruturas ontologicas independentes do direito.22

    A a~ao humana e exerdcio de atividade final ou, como objetiva~ao da subjetividade, realiiflfao do proposito: 0 homem pode, em certos limites, por causa de seu saber causal, controlar os acontecimentos e dirigir a a~ao, planificadamente, para 0 fim proposto.23 A arao final consiste na proposifao do fim, na escolha dos meios de arao necessarios e na realizarao da a~ao no mundo real. 24 0 conceito de arao final introduziu 0 dolo (e outros elementos subjetivos) no tipo subjetivo dos delitos dolosos, com as seguintes conseqiiencias sistematicas: a) separa~ao entre dolo, como vontade de realiza~ao do fato, e consciencia da antjjuridicidade, como elemento central da culpabilidade, que fundamenta a reprova~ao do autor pela forma~ao defeituosa da vontade;25 b) disciplina do erro em correspondencia com essas mudan~as sistematicas: na area do tipo, o erro de tipo excludente do dolo e, por extensao, excludente do tipo; na area da culpabilidade, 0 erro de proibirao, que exclui a reprova~ao de culpabilidade (se inevitavel), ou reduz a reprova~ao de culpabilidade (se evitavel);26 c) subjetivayao da antijuridicidade, constituida pelo desvalor de afao, como injusto pessoal representado pelo dolo e outros elementos subjetivos, e pelo desvaior de resuitado, como lesao do obje-to da a~ao expressivo do dano social produzido; d) normativiza~ao integral da culpabilidade, como reprova~ao de um sujeito capaz de culpabilidade, pela realiza~ao nao justificada de Urn tipo de crime, com consciencia da antijuridicidade (real ou possivel) e em situa~ao de exigi-

    22 Ver ARTHUR KAUFMANN, Dze Ontohgische Begriindung des Rechts, 1965;jESCHECK/ WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, 22, V 1, p. 210. No Brasil, MESTIER!, Manual de Direito PenafI, 1999, p. 112-114; comparar, tambem, ZAFFARONI/PIE-RANGED, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 198-199, p. 416-419.

    23 WELZEL, Das Deutsche 5 trafrecht, 1969, 8, p. 33. 24 WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, 8, p. 34. 25 jESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, 22, V 3, p. 211-212. 26 jESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, 22, V 3b, p. 212.

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  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 5

    bilidade de comportamento diverso.27 Complementarmente, a frustra~ao da expectativa de uma a~ao determinada constitui a omissao de afao, uma constru~ao sistematica inversa aos tipos de a~ao;28 a imprudencia e redefinida como evitavel lesao do bern juridico pela realiza~ao de-feituosa de uma a~ao, com lesao do dever de cuidado ou do risco permitido no ambito do tipo de injusto, e reprovafao pessoal pela falta de cuidado, no ambito da culpabilidade.29

    o modelo finalista de fato punivel se generalizou na literatura e na jurisprudencia contemporaneas, com diferen~as de detalhe que nao afetam a estrutura do paradigma, alem de influenciar diretamente algumas legisla~oes modernas, como a reforma penal alema (1975) e a nova parte geral do C6digo Penal brasileiro (1984). Por isso, 0 texto trabalha com urn modelo de fato punivel construido pelo ftnalismo - como, alias, fazem todas as teorias p6s-finalistas -, mas incorporando importantes contribui~oes cientificas produzidas pela teoria posterior, como, por exemplo, a categoria da imputafao oijetiva do resultado e a teo-ria correlacionada da elevafao do risco) desenvolvidas, basicamente, por ROXIN,30 que simplificam 0 metodo de compreensao e aprofundam o nivel de conhecimento dogmatico do conceito de crime.

    3. 0 modelo de fato punivel desenhado no texto e formado pelos COfi-ceitos de tipo de injusto e de culpabilidade, cujos elementos constitutivos sao assim distribuidos:

    3.1. 0 tipo de i'!iusto compreende os seguintes elementos: a) a afao como realidade psicossomatica do conceito de crime; b) a tzpicidade como

    27 Comparar ROXIN, Strafre~ht, 1997, 7, III, 17-20, p. 152-153. 28 Ver ARMIN KAUFMANN, Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte, 1959, p. 92 s. 29 Ver ]ESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strtifrechts, 1996, 22, V 4, p. 212; J:v1AU-

    RACH/ZIPF, Strafrecht 1, 1992, 16, n. 48, p. 205. 30 Ver ROXIN, Strafrecht, 1997, 11, ns. 39-136, p. 310 s.; do mesmo, Gedanken zur

    Problematik der Zurechnung im 5 trafrecht, Honig-FS, 1970; Pflichtwidrigkeit und Eifolg bei fahrlassigen Delikten, ZStW 74, 1962.

    80

    Capitulo 5 Falo Punivel

    a~ao humana adequada ao tipo legal, nas dimensoes de (1) tipo oijetivo, constituido de causafao do resultado e de imputafao do resultado, e de (2) tipo suijetivo, formado pelas categorias do dolo - e outros elementos subjetivos especiais - e da imprudencia; c) a antzjuridicidade, afirmada nas proibifoes e excluida nas permissoes, como categoria dogmatica compre-ensiva das justifica~6es, estudadas nas dimensoes correspondentes de situafao justificante e de afao justificada (subjetiva e objetiva). 3.2. A culpabilidade como juizo de reprova~ao pela realiza~ao nao justificada do tipo de i'!iusto, compreende (1) a imputabilidade (excluida ou reduzida por menoridade ou doenfas mentais), (2) a consczlncia da antiju-ridicidade (excluida ou reduzida em hip6teses de erro de proibifao) e (3) a exigibilidade de comportamento diverso (excluida ou reduzida em situafoes de exculpafao legais e supralegais). 3.3. Finalmente, a autoria e participafao, a tentativa e consumafao e a unidade e pluralidade de fatos puniveis, como desenvolvimentos da teoria do tipo, sao apresentadas em capitulos independentes.

    81

  • CAPITULO 6 TEORIA DA A~AO

    I. Introdufao

    Meio seculo de controversia dos modelos causal e final sobre 0 conceito de a~ao nao conseguiu reduzir a discussao da materia. Ao contnirio, com 0 surgimento de outras defini~oes de a~ao, qualquer consenso sobre 0 tema parece mais distante do que nunca: 0 modelo social de a~ao, uma especie de tentativa de concilia~ao dos modelos-causal e final, define a~ao como comportamento humano social mente relevante; 0 modelo negativo de a~ao define a~ao como nao evitafao do comportamento proibido; 0 modelo pessoal de a~ao define a~ao como manifestafao da personalidade humana. E existem, tambem, 0 modelo logieo-analftieo, que define a~ao como emprego.de regras da experien-cia, da 16gica, da linguagem etc., l e 0 modelo de a~ao intencional, que a define como atua~ao decisiva para 0 acontecimento2 - cujo interesse cientifico, ainda restrito aos respectivos autores, parece nao exigir imediata tomada de posi~ao. Considerando que aqueles modelos estao vivos na doutrina e na jurisprudencia contemporaneas, estru-turando diferentes sistemas de fato punivel, com solu~oes, as vezes, divergentes, e necessario descrever a controversia entre as diferentes defini~6es do conceito de a~ao, bern como mostrar a imporcincia te6rica e pratica do conceito de a~ao para compreensao e aplica~ao do Direito Penal. 3

    1 Ver HRUSCHKA, Strukturen der Zurechnung, 1976, p. 13; do mesmo, Strafrecht nach logisch-anafytischer Methode, 1988.

    2 KIND HAUSER, Intentionak Handfung, 1980, p. 202 s. 3 Para uma exposi~ao critica de alguns desses modelos, ver TAVARES, As controvirsias

    em torno dos crimes omissivos, 1996, p. 13-30.

    83

  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 6

    II. DeftntfOes do conceito de afao

    1. Modelo causal de a~ao

    A teoria causal da a

  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 6

    etc., e elementos sui?jetivos, como a inten

  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 6

    teoria de WELZEL a vontade consciente do lm e a espinha dorsal da acao 23 enquanto 0 acontecimento causal e a resultante casual de com-

    J ,

    ponentes causais preexistentes. A Jinalidade e, por isso - Jigurativamente falando - vidente, a causalidade, cega.24

    A unidade subjetiva e objetiva da a

  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 6

    representa

  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 6

    Nesse sentido, HAFT destaca a multipla diversidade de defini

  • Teona do Fato Punivel Capitulo 6

    nao ter e, ausente essa propriedade, nao desaparece a a

  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 6

    independente de ser norma de proibifao ou norma de comando . .51 a

  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 6

    mas parece excluir 0 tra~o humane espedfico que distingue a a~ao de qualquer outro fenomeno natural ou social: a realiza~ao do proposito. Em outras palavras, a manifestafao da personalidade como mera rela~ao entre pensamentosl emo~oes e acontecimentos exteriores, parece negligenciar a natureza constitutiva dos atos psiquicos para a estrutura da a~ao humana, conhecimento ja incorporado a teoria cientifica da a~ao. Alt~m disso, os limites incertos ou difusos do conceito de personalida-de57 nao permitem atribuir todos os fenomenos definiveis como suas manifesta~oes ao controle do ego- a instancia perceptiva-consciente que controla 0 movimento conforme exigencias do superego -, porque pulsoes instintuais reprimidas do id podem assaltar 0 ego sob a forma de obsessoes,. fobias e, mesmo, atos falhos ou sintomaticos, que sao manifesta~oes da personalidade independentes de controle do ego e indiferentes as conveniencias do superego,58 na dinamica das rela~oes entre os segmentos do aparelho psiquico que constituem a persona-lidade humana.59 Em suma, nem a personalidade, cujas manifesta-

    ~oes constituem a~ao, se reduzao ego, nem todas as manifesta~oes atribuiveis a personalidade ((estao sob controle do ego) a instancia de governo psiquico-espiritual do homem",60 como afirma ROXIN.

    Nao obstante, e necessario reconhecer a simplicidade da defini~ao de a~ao como manifestafao da personalidade, bern como a capacidade dessa defini~ao para executar as fun~oes atribuidas ao conceito de a~ao em face do conceito de fato punivel.

    57 Ver EYSENCK, Crime and Personality, 1977, p. 19. 58 Nesse sentido, FREUD, Inibifoes, sintomas e ansiedade, 1976 IMAGO vol. vv p.

    95-200. ' , ~ 59 Ver FREUD, 0 Ego e old, 1976, IMAGO, vol. XIX, p. 23-83. 60 ROXIN, Strtifrecht, 1997, 8, III 1, n. 44, p. 202.

    98

    Capitulo 6 Teoria da Apio

    III. Funfoes do conceito de afao

    o conceito de a~ao realiza, no sistema de fato punivel, fun~oes teoricas, metodologicas e praticas de unifica~ao, de fundamenta~ao e de delimita~ao das a~oes humanas, que nao podem ser cumpridas no ambito das categorias constitutivas do conceito de crime.61

    1. A fun~ao teorica de unifica~ao do conceito de a~ao refere-se a sua capacidade de compreender a a~ao e a omissao de a~ao, sob as formas dolosa e imprudente, como especies de comportamentos humanos. Em geral, 0 conceito de conduta e empregado como genero de afao e de omissao de afao, dolosa e imprudente, mas esse conceito superior - cuja busca engendrou 0 conceito social de a~ao, por exemplo - parece desnecessario: a afao realizada ou omitida e 0 nucleo positivo ou negativo de todos os tipos de crimes dolosos e imprudentes e, portanto, cons-titui 0 objeto material exclusivo da pesquisa juridico-penaL De fato, a pesquisa no processo penal nao tern por objeto verificar a existencia do genero conduta, mas a realiza~ao de uma afao proibida ou a omissao de uma afao mandada, dolosa ou imprudente. 2. A fun~ao metodologica de fundamenta~ao do conceito de a~ao refere-se ao poder de constituir a base psicossomatica real do con-ceito de crime, como unidade subjetiva e objetiva qualificavel pelos atributos de tipicidade, de antijuridicidade e de culpabilidade. A a~ao representa a substancia capaz de portar os predicados valorativos do conceito analitico de crime, fundamentando 0 fato punivel como adequafao ao tipo legal, como contradifao com 0 conjunto de proibi~oes e de permissoes do. ordenamento juridico e como oi?jeto de reprovafao de culpabilidade sobre urn sujeito que realiza, sem justifica~ao, urn

    61 Assim,]ESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strtifrechts, 1996, 23, I 2, p. 219.

    99

  • Te01ia do Pato Punivel Capitulo 6

    tipo de crime, com consciencia real ou possivel da antijuridicidade, em condi~oes de exigibilidade de conduta diversa (ou de normalidade das circunstancias da a~ao). Desse ponto de vista, a teoria da a~ao e a chave para compreender a teo ria do fato punivel, como afao dolosa ou imprudente, proibida ou mandada, descrita sob as formas positiva ou negativa do tipo legal.

    3. A fun~ao pnitica de delimita~ao do conceito de a~ao refere-se as tarefas complementares de incluir objetiva~oes da subjetividade hu-mana que apresentam os requisitos do conceito de a~ao, e de excluir fenomenos, movimentos ou comportamentos que nao apresentam esses requisitos, como situa~oes de ausencia de afao.

    A a~ao e fenomeno exclusivo de pessoas naturais, independente da idade ou da saude mental, porque capacidade de a~ao e atributo natural de seres humanos, inconfundivel com capacidade de culpa-: bilidade, condi~ao de responsabilidade penal. 62 Consequentemente, e importante identificar hipoteses que nao atingem 0 status de a~ao e, por isso, nao podem ser a~oes tipicas. 3.1. Assim, nao constituem a~ao:

    a) acontecimentos da natureza, como terremotos, inunda~oes, tempestades, desabamentos, raios etc.;

    b) ataques de animais ferozes - que podem, contudo, ser usados como instrumentos de agressao;

    c) atos de pessoas juridicas: somente as pessoas naturais, como 6rgaos representativos das pessoas juridicas, podem realizar a~oes;

    d) pensamentos,. atitudes e emo~oes como atos psiquicos sem objetiva~ao;

    e) movimentos do corpo como massa mecanica: estados de inconsci-

    62 Ver WESSELS/BEULKE, Strtgrecht, 1998, n. 94, p. 26-27.

    100

    Capitulo 6 Teona da Afao

    encia, como desmaios, delirios ou convulsoes epilepticas (a mae sufoca ou lesiona 0 filho na amamenta~ao, ao sofrer desmaio ou convulsao epileptica); movimentos sob flrfa fisica absoluta (A empurra B sobre uma vitrine, quebrando-a) - mas nao sob flrfa compulsiva, que nao exclui a a~ao, mas permite exculpa~ao (B quebra a vitrine sob amea~a seria de agressao de A). 3.2. A natureza de movimentos reflexos, a~oes automatizadas, rea~oes instintivas de afeto e a~oes sob hipnose pode ser controvertida. a) Hipotese de movimento reflexo: motorista realiza movimento manual para proteger olho atingido por inseto em curva de rodovia, perde 0 controle do veiculo e produz acidente. A~ao, segundo a teoria pessoal de a~ao: movimento de prote~ao dirigido a finalidade psiquicamente intermediada constitui manifestafao da personalidade,153 nao-a~ao, con-forme a teo ria final da a~ao: movimentos reflexos desencadeados por estimulos sensoriais ou fisiologicos a partir do sistema nervoso periferico, em geral incorporados filogeneticamente como rea~6es motoras de defesa ou auto-prote~ao, sem 0 concurso da vontade consciente do autor, nao constituem a~ao.

    b) Hipotese de afoes automatizadas, ou de curto-circuito: motorista de automovel, em velocidade aproximada de 90km/h, ve animal do ta-manho de cachorro lOa 15 metros a frente do veiculo, gira 0 volante, bate na prote~ao lateral de cimento e passageiro morre. Disposi~oes automatizadas aprendidas constituem a~ao, independente de sua utilidade ou dano.64

    c) Hipotese de reafoes instintivas de aftto: em movimento compulsivo, vendedor beija e morde seios de mulher, subita e involuntariamente expostos proximos a sua boca, durante ajuste de medidas de vestido,

    63 ROXIN, Strafrecht, 1997, 8, n. 66, p. 211-212. 64 ROXIN, Strafrecht, 1997, 8, n. 67, p. 212.

    101

  • Teoria do Falo Punivel Capitulo 6

    na loja. A satisfa~ao de impulsos instintivos de afeto constitui a~ao segundo qualquer dos modelos.

    d) Hipotese de aroes sob hip nose: cumprindo sugestao hipnotica, hipno-tizado realiza fato definido como crime. A teoria dominante admite a~ao, porque 0 hipnotizado nao pode realizar a

  • CAPITULO 7 TEORIA DO TIPO

    1. Conceito e funfoes do tipo

    o conceito de tipo, introduzido por BELING na dogmatica pe-nal, l pode ser definido de tres diferentes pontos de vista: a) como tipo legal constitui a descris;ao do comportamento proibido, com todas suas caracteristicas subjetivas, objetivas, descritivas e normativas, realizada na parte especial do CP (e leis complementares); b) como tipo de injusto representa a descris;ao da lesao do bern juridico, compreendendo os fundamentos positivos da tipicidade (descris;ao do comportamento proibido) e os fundamentos negativos da antijuridicidade (ausencia de causas de justificas;ao); c) como tipo degarantia (tipo em sentido amplo) realiza a funs;ao politico-criminal atribuida ao principio da legalidade (art. 5, XXXIX, CR), expressa na formula nul1um crimen, ,!ulla poena sine lege, e compreende todos os pressupostos da punibilidade: alem dos caracteres do tipo de ir!Justo (tipicidade e antijuridicidade), tambem os caracteres da culpabilidade como fundamentos de reprovas;ao do autor pela realizas;ao do tipo de injusto, assim como as condis;6es objetivas de punibilidade e os pressupostos processuais.2

    1 BEUNG, Die Lehre von Verbrechen, 1906. 2 orro, Grundkurs Strcifrecht, 1996, 5, n. 20, p. 45; ROXIN, Strajrecht, 1997, 10 I,

    n. 1 s., p. 225; WESSELSjBEULKE, Strafrecht, 1998, n. 117, p. 35. No Brasil, ver ZAFFARONIjPIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, n. 210-220, p. 445-447; TAVARES, Teona do i'!iusto penal, 2002, p. 172 s. -

    105

  • Teoria do Fato Punivel Capitulo 7

    II. Desenvolvimento do conceito de tipo

    o conceito de tipo definido por BELING como Tatbestand (situ-a~ao de fato), fundado no modelo causal da filosofia naturalista do se-culo XIX, e objetivo e livre-de-valor: objetivo, porque todos os elementos subjetivos integram a culpabilidade; livre-de-valor, porque a tipicidade e neutra, e toda valora~ao legal pertence a antijuridicidade.3

    o descobrimento de elementos subjetivos por FISCHER,4 MAYERs e MEZGER,6 mostra que 0 tipo de injusto podedepender da dire~ao de vontade do autor, como se comprovou, primeiro, em rela~ao aos elementos subjetivos das causas de justifica~ao, e depois, em rela~ao ao proprio tipo legal, como a inten~ao de apropria~ao nos crimes pattimoniais, ou a tendencia lasciva nos crimes sexuais.7 De-pois, com 0 advento da teoria final da a~ao, preparada por WEBER8 e GRAF ZU DOHNA9 e desenvolvida plenamente por WELZEL,10 completa-se a subjetiva~ao do conceito de tipo: a vontade consciente de realizar os elementos objetivos do fato e retirada da culpabilidade para integrar a dimensao subjetiva do tipo legal, como dolo de tipo. Assim, embora a a~ao descrita no tipo constitua uma unidade inter-na e extern a incindivel, generaliza-se 0 modelo de compreensao dos

    3 BEUNG, Die Lehre von Verbrechen, 1906, p. 112 e 147. No Brasil, ver MESTIERI, Manual de Direito PenalI, 1999, p. 118-119; tambem, ZAFF ARONIjPIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, 1997, fi. 227-229, p. 452-456.

    4 FISCHER, Die Rechtswidrigkeit mit besonderer Beriicksichtigung des Privatrechts, 1911. 5 M. E. MAYER, Strafrecht, 1915, p. 185-188. 6 MEZGER Die subjektiven Unrechtselemente, GerS 89, 1924, p. 109 s. 7 Assim, ROXIN, Strafrecht, 1997, 10, fi. 8, p. 228. 8 WEBER, Zum AuJbau des Strafrechts.rystems, 1935. 9 GRAF ZU DOHNA, Der AuJbau de Verbrechenslehre, 1936. 10 WELZEL, Das neue Bi/d des Strafrechts.rystems, 1961, 4a -ed.No Brasil, ver MESTIERI,

    Manual de Direito PenalI, 1999, p. 119.

    106

    Capitulo 7 Teoria do Tipo

    tipos de a~ao proibida ou mandada nas correspondentes dimensoes subjetiva e objetiva, sob as designa~oes simplificadas de tipo subjetivo e tipo objetivo.

    Por outto lado, a existencia de elementos normativos no tipo legal, identificada por MAYER 11 (por exemplo, 0 car~iter alheio da coisa, no furto), descaracteriza a neutralidade do tipo livre-de-valor, de BELING. Os elementos normativos do tipo legal sao elementos pr6prios da antijuridicidade, que integram a tipicidade porque de-vern constituir objeto do dolo,12 subordinados, portanto, juntamente com os elementos descritivos, as consequencias do erro de tipo. Os elementos normativos do tipo legal sao muito mais numerosos do que originalrnente sesupunha, como demonstrou WOLF,13 porque mesmo supostos puros conceitos descritivos, como homem ou coisa, sao conceitos normativos, ou seja, exigem uma valora~ao juridica orientada para a antijuridicidade: a extensao do conceito de coisa em rela~ao aos animais ~ a energia, por exemplo, assim como 0 juizo sobre a existencia Ga ou ainda) de urn ser humano, como objetos de prote~ao do Direito Penal, nao podem ser reduzidos a elementos meramente descritivos.14 0 tipo legal e uma complexa estrutura de elementos pertencentes as categorias neokantianas do ser e do valor, conforme demonstrou MEZGER: 15

    ((0 ato de eriafao legislativa do tipo (...) contem imediatamente a declarafao de antijuridicidade, a fundamentafao do i'!iusto como irgusto especial mente tipiftcado. 0 legislador eria, atraves da formafao do tipo, a antjjuridicidade espedfica: a tipicidade

    11 M. E. MAYER, Strafrecht, 1915, p. 182-185. 12 ROXIN,Strtifrecht, 1997, 10, n. 10, p. 229. 13 WOLF, Die 1)pen der Tatbestandsmiissigkeit, 1931, p. 56-61. 14 ROXIN, Strtifrecht, 1997, 10, fi. 11, p. 229. 15 MEZGER, Vom Sinn der strafrechtlichen Tatbestande, 1926, p. 187.

    107

  • Teoria do Pato Punivel

    da afao nao e, de modo algum, a mera ratio cognoscendi, mas a prOpria ratio essendi da (especia~ antijuridicidade. A tipicidade traniforma a afao em afao antijuridica, sem duvida nao por si so, mas em vinculafao com a ausencia de fundamentos especiais excludentes do irgusto. "

    Capitulo 7

    A teoria do tipo como ratio essendi da antijuridicidade - e nao simples ratio cognoscendi, predominante na literatura brasileira- e muito difundida na ciencia moderna do Direito Penal e conduziu a teoria dos elementos negativos do tipo, bem como a discus sao da autonomia da tipicidade em rela~ao a antijuridicidade, como categoria sistematica do conceito de crime, com as resultantes concep~6es bipartida e tripartida do sistema de fato punivel. 16 A teoria dos elementos negativos do tipo unifica 0 tipo legal e a antijuridicidade, como descrifao e valorafao da a~ao humana realizada ou omitida, no conceito de tipo de injusto, porque 0 tipo legal des creve as caracteristicas positivas do tipo de injus-to, enquanto os preceitos permissivos excludentes da antijuridicidade constituem caracteristicas negativas do tipo de injusto, separadas dos tipos legais por motivos tecnicos, porque seria impraticaveller 0 tipo de irgusto deste modo: matar alguem, exceto em legitima defesa, em estado de necessidade etc. - ou seja, homicidio em legitim a defesa seria afao atipica e nao afao tipicajustijicada17 (ver Conceito de Fato Punivel, acima).

    16 Comparar ROXIN, Strafrecht, 1997, 10, n. 12, p. 230; OTTO, Grund~rs Strafrecht, 1996, 5, n. 23, p. 46. No Brasil, apenas para exemplificar, BRANDAO, Introdufdo ao Direito Pena!, 2002, p. 115, entende que ''a tipicidade, por ser portadora de uma valorafdo inicia~ conduz d antijuridicidade, sendo 0 meio atravis do qual ela pode ser conhecida, sua ratio cognoscencli"; tambem MESTIERI, Manual de Direito PenalI, 1999, p. 119, admite apenas a funs;ao de ratio cognoscendi da tipiciclidade em relas;ao a antijuriclicidade. Em posis;ao contriria, MACHADO, Direito criminal: parte gera!, 1987, p. 90-91, considera o tipo ratio essendi da antijuriclicidade, conforme a teoria dos elementos negativos do lipo; igualmente, REALE JR., Inslituifoes de Direito Penal (parte gera!), 2002, v. 1, p. 139-140, considera que 0 tipo Undo e apenas a ratio cognoscencli da antijuridicidade, mas a sua ratio essencli."

    17 ROXIN, Strafrecht, 1997, 10, n. 14, p. 231.

    108

    Capitulo 7 Teoria do Tipo

    III. Adequafao social e exclusao de tipicidade

    A teoria da adequafao social, formulada por WELZEL, exprime 0 pensamento de que a~6es realizadas no contexto da ordem social histtirica da vida18 sao a~6es socialmente adequadas - e, portanto, atipicas, ainda que correspondama descri~ao do tipo legal.

    As les6es corporais ou homicidios compreendidos nos limites do dever de cuidado ou do risco permitido na circula~ao de veiculos, no funcionamento de industrias, ou na pnitica de esportes, por exemplo, nao preenchem nenhum tipo legal de lesao, por for~a de sua adequa-

    ~ao social. 19ualmente, a~6es abrangidas pelo prindpio da insignificancia (Geringfiigigkeitsprinzip) nao sao tipicas: a entrega de pequenos pre-sentes de inal-de-ano a empregados em servi~os publicos de coleta de lixo ou de correios, em face de sua generalizada aprova~ao, nao constituem corrup~ao; jogos de azar com pequenas perdas ou ganhos nao sao puniveis; manifesta~6es injuriosas ou difamat6rias no ambito familiar sao atipicas.19 Se 0 tipo legal descreve injustos penais, en tao, evidentemente, nao pode incluir a~6es socialmente adequadas.

    A opiniao dominante compreende a adequafao social como hip6-tese de exclusao de tipicidade,20 mas existem setores que a consideram como justificante,21 como exculpante,22 ou como principio geral de interpreta~ao da lei penal.23 Sem duvida, a adequafao social e um princi-

    18 WELZEL,Das Deutsches Strafrecht, 1969, 10, p. 56. 19 ROXIN, Strafrecht, 1997, 10, n. 40, p. 243. No Brasil, comparar J\,ffiSTIERI,Manual

    de Direito PenalI, 1999, p. 138-139. 20 JESCHECK/WEINGEND, Strafrecht, 25 IV, p. 251 s.; MAURACH-ZIPF, Stra-

    frecht 1, 1992, 17, n. 23, p. 222; HAFT, Strafrecht, 1994, p. 53. 21 SCHMID HAUSER, Lehrbuch, 1975, p. 9-26. 22 ROEDER, Die Einhaltung des soifaladaquaten Risikos, 1969. 23 HIRSCH, So::dale Adaquanz und Unrechtslehre, ZStW 74, 1962. DOLLING, Die

    Behandlung der Korperoerletzung im Sport im System der S trafrechtlichen S oifalkontrole, STs W 96, 1984, p. 55.

    109

  • Teona do Falo Punivel Capitulo 7

    pio geral que orienta a cria~ao e a interpreta~ao da lei penal, mas sua atribui~ao a antijuridicidade pressupoe a ultrapassada concep~ao do tipo livre-de-valor, e sua compreensao como exculpante pressupoe uma inaceitavel identifica~ao entre a adequa~ao social de determinadas

    a~oes e a natureza proibida do injusto.24

    IV Elementos constitutivos do tipo legal. elementos o!J.je-tivos) subjetivos) descritivos e normativos

    o tip~ de conduta proibida constitui uma unidade subjetiva e objetiva de elementos descritivos e normativos. 0 estudo do tipo legal como tipo objetivo e tipo subjetivo, integrado por componen-tes descritivos e normativos, hoje generalizado na ciencia do Direito Penal, parece uma necessidade metodologica para compreensao de conceitos fundados em rela

  • Teona do Fato Punivel Capitulo 7

    e a liberdade individual, assim como a integridade corporal e a vida, nas modalidades qualificadas pelo resultado (art. 157, 3 e 159, 2 e 3).27 3. Tipos de iesao e de perigo. Conforme 0 tipo descreva uma lesao do objeto de prote~ao, ou urn perigo para a integridade do objeto de prote~ao, distingue-se entre tipos de lesao e tipos de perigo: a) os tipos de lesao - a maioria dos tipos legais - se caracterizam pela lesao real do objeto da a~ao, como 0 homiddio, a lesao corporal etc.; b) os tipos de perigo descrevem somente a produ~ao de urn perigo para 0 objeto de

    prote~ao, distinguindo-se, por sua vez, ern tipos de perigo concreto e tipos de perigo abstrato.

    Nos tipos de pengo concreto, a realiza~ao do tipo pressupoe a efetiva produ~ao de perigo para 0 objeto da a~ao, de modo que aau-sencia de lesao do bern juridico pare~a meramente acidental, como 0 perigo de contagio venereo (art. 130), 0 perigo para a vida ou a saude de outrem (art. 132), 0 incendio (art. 250), a explosao (art. 251) etc. Segundo a moderna teoria normativa do resultado de perigo, de SCHU-NEMANN, 0 perigo concreto se caracteriza pela ausencia casual do resultado, e a casualidade representa circunsta.ncia em cuja ocorrencia nao se pode confiar.28

    Nos tipos de perigo abstrato, a presun~ao de perigo da a~ao para o objeto de prote~ao e suficiente para sua penaliza~ao, independente da produ~ao real de perigo para 0 bern juridico protegido, como 0 abandono de incapaz (art. 133), a difusao de doen~a ou praga (art. 259) etc.29 At:lialmente, discute-se a constitucionalidade dos tipos de

    27 ROXlN,Strtifrecht, 1997, 10, n. 125, p. 282. 28 SCHONEMANN, Moderm Tendenzen in der Dogmatik der Fahrliissigkeits- und GeJahr-

    dungsdelikte,JA 1975, p. 793 s. 29 ROXlN,Strafrecht, 1997, 10, n. 122-123, p. 281; WESSELS/BEULKE, Strtifrecht,

    1998, n. 25-30, p. 7-8. ,

    112

    Capitulo 7 Teona do Tipo

    perigo abstrato: jAKOBS30 afirmou a ilegitimidade da incrimina~ao em areas adjacentes a lesao do bem juridico; GRAUL31 rejeita a presun-

    ~ao de perigo dos crimes de perigo abstrato; SCHRODER32 propos admitir a prova da ausencia de perigo; CRAMER]3 pretendeu redefinir o perigo abstrato como probabilidade de perigo concreto. Por outro lado, destacando a finalidade de prote~ao de bens juridicos atribuida aos tipos de perigo abstrato, aparentemente indissociaveis de politicas comprometidas com 0 equilibrio eco16gico, 0 controle das atividades economicas e, de modo geral, a garantia do futuro da humanidade no planeta, HORN e BREHM34 prop"oem fundar a punibilidade do perigo abstrato na contrariedade ao dever, como urn perigo de resultado (e nao como urn resultado de perigo) e FRISCH35 pretende compreender os delitos de perigo abstrato como delitos de aptidao (Eignungsdelikte), fundado na aptidao concreta ex ante da conduta para produzir a con-sequencia lesiva.

    4. Tiposinstantaneos (ou de estado) e permanentes (ou duraveis). Do ponto de vista da conclusao imediata ou da manuten~ao tempo-ral da situa~ao tipica, os tipos podem ser instantaneos (ou de estado) e permanentes (ou duraveis): a) os tipos instantaneos se completam com a produ~ao de determinados estados, como 0 homiddio (art. 121), a lesao corporal (art. 129), 0 dano (art. 163); tipos como os de biga-mia (art. 235) ou contra 0 estado de filia~ao (art. 241,242 e 243), ao contrario do que se poderia pensar, sao instandneos, porque embora o autor aproveite a situa~ao criada, nao existe nenhuma constante

    30 JAKOBS, IViminalisierung im Voifeld einer &chtsgutsverle~ng, ZStW 97, 1985, p. 751 s. 31 GRAUL, Abstrakte GeJiihrdungsdelikte und Prasumtionen im Strtifrecht, 1991. 32 SCHRODER, Die Gefohrdungsdelikte im Strtifrecht, ZStW 81, 1969, p. 14 s. 33 CRA1ffiR, Der Vollrauschtatbestand als abstraktes GeJahrdungsdelikt, 1962, p. 67 s. 34 HORN, Konkrete GeJahrdungsdelzkte, 1973, p. 28 s.; BREHM, Zur Dogmatik des abs-

    triJkten GeJahrdungsdelikts, 1973, p. 126 s. 35 FRISCH, An den Grenzen des Strafrechts, Stree/Wessels-FS, 1993, p. 69.

    113

    -.

  • Teona do Pato Punivel Capitulo 7

    repeti~ao do casamento ou de falsas declara~oes sobre 0 estado das pessoas.36 . b) os tipos permanentes nao se completam na produ~ao de determinados estados, porque a situa

  • Teona do Fato Punivel Capitulo 7

    de veneno (art. 121, 2). 4D Os tipos independentes (tambem chamados delictum sui generis) nao

    se confundem com varia

  • CAPITULO 8 o TIPO DE INJuSTO DOLOSO DE A
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    II. Tipo obJetivo

    Nos tipos dolosos de resultado, a atribui

  • Teona do Pato Punivel Capitulo 8

    sobre leis causais ou probabilisticas da fisica nuclear nao parece pre-judicar 0 poder explicativo do conceito de causalidade como categoria filosofica e ciendfica utilizada pelo jurista para compreender os fatos da vida diaria.7 No Direito Penal, as duas mais importantes teorias sobre rela

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    pressupor 0 que somente atraves dela deveria ser pesquisado. 12

    A critica de ser excessiva - no caso do regressoao injinito - ou de ser insujiciente - no caso das causalidades hipoteticas - foram refutadas por SPENDEL13 e, depois, por WELZEL,14 ao mostrarem que a teoria da equivalencia trabalha somente com condi

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    posterior absolutamente independente, que produz diretamente 0 resul-tado, anulando ou destruindo os efeitos do cursocausal anterior: antes de qualquer a~ao do veneno colocado por A na comida de B, este morre em acidente de tra.nsito ao sair do restaurante, ou varado pelo projetil disparado por C. Essa independencia do novo curso causal deve ser absoluta, nao basta independencia relativa: se 0 acidente ocorre por causa do mal-estar produzido pela a~ao do veneno, entao a a~ao de A e fator constitutivo do resuItado concreto e, desse modo, causa do resultado. Essa conseqiiencia decorre da separa~ao entre causafao e imputafao do resultado, que permite admitir, sem necessidade de dis farces ou razoes artificiosas, rela~oes causais realmente existentes - como e 0 caso das hip6teses da chamada independencia relativa _, deixando a questao da atribui~ao do resultado para ser decidida por outros criterios.21 E importante notar que a lei brasileira considera a independencia relativa do novo curso causal como excludente da impu-tafao do resultado - e nao como excludente da relafao de causalidade, admitindo, portanto, a moderna distin~ao entre causafao e imputafao do resultado (art. 13, 1).

    Art. 13, 1. A superveniencia de causa relativamente in-dependente exclui a imputafao quando) por si so) produziu 0 resultado; os fatos anteriores) entretanto) imputam-se a quem os praticou.

    3. Conseqiientemente, embora 0 resultado ainda nao possa ser imputado ao autor, nao se interrompe a rela~ao de causalidade nas seguintes situa~oes: a) por encadeamentos anormais ou incomuns de condi~oes: 1) A fere B, que morre no hospital por conseqiiencia da anestesia, de erro medico ou intoxicado pela fuma~a de incendio no hospital; 2) A da urn murro

    21 Instrutivo, ROXIN, Strafrecht, 1997, 11, n. 29, p. 305.

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    Capitulo 8 o Tipo de If!iusto Doloso de Afao

    em B, que mOrre ao bater a cabe~a, fortuitamente, contra 0 meio-fio do passeio; 3) A produz pequeno ferimento em B, que morre por efeito de condi~ao preexistente (como a hemofilia) ou posterior (como a gangrena, por negligencia da vitima);22 b) por a~oes dolosas ou imprudentes de terceiros entre a a~ao e o resultado: 1) se 0 marido mata a mulher com veneno entregue pela amante, a a~ao dolosa daquele nao interrompe a rela~ao de causalidade entre a a~ao da amante e a morte da esposa, mesmo que aquela desconhe~a a finalidade do veneno; 2) se 0 h6spede entrega ao camareiro casaco com revolver no bolso, e este mata 0 colega de

    servi~o ao pressionar, por brincadeira, 0 gatilho da arma em dire~ao deste, a a~ao imprudente do camareiro nao interrompe a rela~ao de causalidade entre a a~ao do hospede e a morte da vitima;23 c) por media~ao do psiquismo de outrem entre a~ao e resultado, como indicam as hip6teses de instiga~ao, ou de lesao patrimonial fraudulenta por erro da vitima, independente do ponto de vista so-bre determina~ao ou liberdade dos atos psiquicos: a possibilidade de outra decisao, que poderia ter existido mas que nao existiu, nao exclui a causalidade, porque a decisao concreta e sempre motivada por este ou por aquele fator. 24

    4. A~oes que impedem ou excluem cursos causais de salva~ao da vi-tima sao causa do resultado, se aqueles cursos causais possuem, com probabilidade proxima da certeza, eficlcia (hipotetica) para evitar 0 resultado tipico: B morre porque A retem ou desvia a boia lan~ada para salva-Io, ou porque C destroi 0 frasco do linico medicamento capaz de impedir sua morte.25 Estas sao hipoteses de interrup~ao de

    22 ROXIN,Strafrecht, 1997, 11, n. 26, p. 303-304. 23 Mais exemplos, ROXIN, Strafrecht, 1997, 11, n. 27-28, p. 304. 24 ROXIN,Strafrecht, 1997, 11, n. 30, p. 305. 25 ENGISCH, Die Kausalitiit als Merkmal der strafrechtlichen Tatbestiinde, 1931; ARMIN

    KAUFMANN, Die Dogmatik derUnterlassungsdelikte, 1959; ROXIN, Strafrecht, 1997, 11, n. 32-33, p. 306-307.

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    causalidades dirigidas a prote~ao do bern juridico: impedir a a~ao de processos ativados para prote~ao do bern juridico tern a mesma eficicia causal que acionar processos de destrui~ao do bern juridico, se ocorre o resultado de lesao pela exclusao daqueles ou atua~ao destes. Ao contnirio, inexiste rela~ao de causalidade se a a~ao obstada e ineficaz para excluir 0 resultado: 0 medicamento ja esta estragado, a for~a das aguas nao permite que a b6ia alcance a ,ritima etc.

    Esta reformula~ao da teoria da equivalencia das condi~oes, a luz da distin~ao entre causafao e imputafao do resultado, conduz, na pratica, a solu~oes semelhantes as da teoria seguida em t