Jul Gada

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Notas sobre a coisa julgada no processo individual e no processo coletivo Nelson Rodrigues Netto Doutor, Mestre e Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Pós-Doutor pela Harvard Law School. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Associação dos Advogados de São Paulo. Professor Doutor de Direito Processual Civil do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – UniFMU. Advogado e Consultor Jurídico. Sumário : 1 - Natureza jurídica. 2 - Coisa julgada formal. 3 - Coisa julgada material. 3.1- Requisitos da coisa julgada material. 3.2 - Objeto da coisa julgada material. 3.3 - Decisões que não estão sujeitas a coisa julgada material. 3.4 - Coisa julgada rebus sic stantibus. 4. Funções positiva e negativa da coisa julgada. 5. Limites objetivos da coisa julgada. 6 - Limites subjetivos da coisa julgada. 7. Eficácia preclusiva da coisa julgada. 8. Coisa julgada nas ações coletivas. 8.1 – Coisa julgada erga omnes. 8.2 – Coisa julgada secundum eventum litis e in utilibus. 8.3 – Coisa julgada secundum eventum probationis. 8.4 – Aplicação do regime jurídico da coisa julgada do Código de Defesa do Consumidor à Lei de Ação Civil Pública. 1. Natureza jurídica Antes de adentrarmos no plano do direito positivo brasileiro, é salutar indicar qual a razão da existência da coisa julgada. De tal sorte, indaga Eduardo Couture se a

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  • Notas sobre a coisa julgada no processo individual

    e no processo coletivo

    Nelson Rodrigues Netto

    Doutor, Mestre e Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Ps-Doutor

    pela Harvard Law School. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da

    Associao dos Advogados de So Paulo. Professor Doutor de Direito Processual Civil

    do Centro Universitrio das Faculdades Metropolitanas Unidas UniFMU. Advogado

    e Consultor Jurdico.

    Sumrio: 1 - Natureza jurdica. 2 - Coisa julgada formal. 3 - Coisa julgada material.

    3.1- Requisitos da coisa julgada material. 3.2 - Objeto da coisa julgada material. 3.3 -

    Decises que no esto sujeitas a coisa julgada material. 3.4 - Coisa julgada rebus sic

    stantibus. 4. Funes positiva e negativa da coisa julgada. 5. Limites objetivos da coisa

    julgada. 6 - Limites subjetivos da coisa julgada. 7. Eficcia preclusiva da coisa julgada.

    8. Coisa julgada nas aes coletivas. 8.1 Coisa julgada erga omnes. 8.2 Coisa

    julgada secundum eventum litis e in utilibus. 8.3 Coisa julgada secundum eventum

    probationis. 8.4 Aplicao do regime jurdico da coisa julgada do Cdigo de Defesa

    do Consumidor Lei de Ao Civil Pblica.

    1. Natureza jurdica

    Antes de adentrarmos no plano do direito positivo brasileiro, salutar indicar

    qual a razo da existncia da coisa julgada. De tal sorte, indaga Eduardo Couture se a

  • coisa julgada seria instituto de razo natural ou de direito natural, imposto pela

    essncia mesma do direito?1

    O ilustre mestre uruguaio responde afirmando que no. Em sua opinio, a coisa

    julgada uma exigncia poltica e no propriamente jurdica, no de razo natural,

    mas sim de exigncia prtica.2

    Em finais do sculo XVIII e incio do sculo XIX, muito se debateu sobre a

    natureza jurdica da coisa julgada, canalizando-se as controvrsias em duas teorias:

    teoria substantiva ou materialista (materiellrechtliche Rechtskraftheorie), fundada

    por Kolher e Pagenstecher; e, teoria processualista (prozessuale Rechtskraftheorie),

    fundada por Stein e Hellwig.3

    Os defensores da teoria substantiva, em apertada sntese, admitem que a coisa

    julgada o prprio direito material que existia antes do processo e que, por fora do

    processo, tornado indiscutvel e suscetvel de ser executado, participando da prpria

    natureza do direito substancial.4

    Para a teoria processualista, a coisa julgada deixa inalterada a situao jurdica

    substantiva, consistindo num vnculo a que ficam adstritos o juiz ou o Tribunal em

    futuros processos.5

    Na esteira da polmica germnica, os autores italianos distanciaram-se dos

    extremismos daquelas correntes. Suscitou-se, entretanto, intenso debate entre Carnelutti

    e Liebman.6

    Carnelutti afirmava que a imperatividade da sentena era o cerne de sua eficcia

    e equivalia coisa julgada material. Por outro lado, a imutabilidade da sentena

    1 Fundamentos do direito processual civil. 3 Ed. Buenos Aires: Depalma, 1981, p. 329. 2 Ob. cit., p. 332.Comunga da mesma opinio, Celso Neves, Coisa julgada civil, So Paulo: RT, 1971, p. 431. 3 Cf. Stefan Leible, Proceso civil alemn. Medelin: Biblioteca Jurdica Dik, 1999, p. 342 e ss. 4 Cf. Othmar Jauernig, Zivilprozessrecht, traduo portuguesa, Coimbra: Almedina, 2002, p. 316/8; e, Celso Neves, Coisa julgada civil. So Paulo: RT, 1971, pp. 433/442. 5 Cf. Jauernig, ob. cit., p. 318; Leible, ob. cit., p. 343. 6 Cf. Jos Igncio Botelho de Mesquita, Autoridade da coisa julgada e imutabilidade da motivao da sentena, Tese, So Paulo, 1963, p. 24 e ss.

  • corresponderia coisa julgada formal. De tal sorte, segundo o autor, na sentena, a coisa

    julgada material precedia coisa julgada formal.7

    Refutando a doutrina de Carnelutti, Liebman aponta como elemento

    identificador da coisa julgada, a imutabilidade do comando emergente da sentena.

    oportuno conferir a lio do autor:

    Nisso consiste, pois, a autoridade da coisa julgada, que se pode definir, com

    preciso, como a imutabilidade do comando emergente de uma sentena. No se

    identifica simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que

    pronuncia o comando; pelo contrrio, uma qualidade, mais intensa e mais

    profunda, que reveste o ato tambm em seu contedo e torna assim imutveis,

    alm do ato em sua existncia formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do prprio

    ato. (destaques no original)8

    A definio de coisa julgada do Cdigo de Processo Civil brasileiro de 1973, se

    no reflete integralmente a doutrina de Liebman, inegavelmente nela se abeberou para

    firmar o conceito de coisa julgada.9

    2 - Coisa julgada formal

    A Lei de Introduo ao Cdigo Civil (Decreto-lei n 4.657, de 04.09.1942)

    estabelece em seu art. 6, 3, que: Chama-se coisa julgada ou caso julgado a deciso

    judicial de que no caiba recurso.

    A LICC denominada de norma de sobredireito, significando conter

    princpios aplicveis a todo ordenamento jurdico, os quais disciplinam a vigncia,

    7 Cf. Instituciones del nuevo derecho procesal civil italiano, Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1942, p. 97; Sistema di diritto processuale, Padova: Cedam, 1936, v. 1, pp. 270/313, principalmente, 278 e 305. 8 Cf. Eficcia e autoridade da sentena, 2 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 54. 9 Ver item 3 Coisa julgada material.

  • temporal e espacial, das leis, o modo de integrao de suas lacunas, e, as normas de

    direito internacional privado.

    A LICC, a despeito da vigncia do novo Cdigo Civil em 2002, encontra-se em

    plena vigncia e tem em seu art. 6, 3, conceituado a chamada coisa julgada formal.

    axiomtico que nenhuma ao possa durar ad aeternum, resultando que, interpostos ou

    escoados sem interposio, os prazos para todos os recursos cabveis, o processo se

    finda, gerando a coisa julgada formal.

    Verifica-se que, em todo e qualquer processo, inexoravelmente, surgir a coisa

    julgada formal. Alguns a designam de precluso mxima, pois, rigorosamente, consiste

    na cristalizao da deciso pela impossibilidade de sua reviso por meio de recursos.10

    A coisa julgada formal produz efeitos endoprocessuais, ou seja, dentro de um

    dado processo, nenhum ato processual poder mais ser praticado. Sua eficcia

    concernente ao processo no qual surge, no influenciando as relaes jurdicas em

    outros processos.

    Nesse sentido, o art. 471, caput, do CPC, probe que o juiz decida novamente as

    questes j decididas, relativamente mesma lide.

    A deciso sobre uma questo, importa em precluso, vedando-se que a mesma

    seja reapreciada. Excetuam-se as questes de ordem pblica, sobre as quais no h

    precluso, tampouco precluso pro iudicato, como excepcionado expressamente pelo

    inciso II, do art. 471, do CPC. Outra exceo regra aludida prevista na lei diz respeito

    s relaes jurdicas continuativas (art. 471, I, do CPC).11

    Consoante a doutrina dominante, que rechaa a teoria propalada por Carnelutti, a

    coisa julgada formal considerada como um pressuposto da coisa julgada material.12

    A precluso mxima (coisa julgada formal) ocorre, independentemente, do modo

    com que se extinguir o processo: (i) mediante sentena definitiva, com o julgamento do 10 Cf. Jos Frederico Marques, Instituies de direito processual, Rio de Janeiro: Forense, 1958, vol. V, p. 37; Ovdio Baptista da Silva, Curso de processo civil, 5 Ed. So Paulo: RT, 2000, v. 1, pp. 484/5. Nelson e Rosa Nery so incisivos em afirmar ser equivocado o uso da locuo coisa julgada formal, amplamente utilizada por fora da praxe, haja vista que o fenmeno retrata a precluso no processo, Cdigo de Processo Civil comentado, 7 Ed. So Paulo: RT, 2003, p. 789. 11 V. item: 3.3 - Decises que no esto sujeitas a coisa julgada material. 12 Ver por todos, Eduardo Couture, ob. cit., p. 346.

  • mrito (art. 269, do CPC), ou, (ii) por intermdio de sentena terminativa, sem que haja

    julgamento do mrito, por ausncia dos requisitos necessrios a seu julgamento (art.

    267, do CPC).13

    De tal sorte, vlido afirmar-se que em todo o processo h coisa julgada formal.

    Contudo, invlido asseverar-se que em todo processo h coisa julgada material.

    Deste raciocnio, correto dizer que havendo coisa julgada material, haver

    coisa julgada formal, uma vez que esta pressuposto daquela. Entretanto, alm da

    existncia de um processo, requisito para a formao da coisa julgada material que o

    mesmo seja extinto com julgamento de mrito.

    Normalmente, a coisa julgada formal e material surgem no mesmo momento

    processual. Isto ocorre quando, tendo o juiz resolvido o mrito da demanda, torna-se

    incabvel a interposio de recursos, ou pelo seu efetivo exerccio ou pelo decurso do

    prazo dos recursos cabveis sem que tenham sido interpostos ou admitidos, e ainda, pela

    inexistncia de mecanismos de impedimento de sua eficcia, como por exemplo, o

    reexame necessrio em duplo grau de jurisdio.14

    A proteo jurdica que recobre a sentena oriunda somente da coisa julgada

    material, haja vista que esta somente surge quando do julgamento do mrito da

    demanda. Esta proteo indiferente coisa julgada formal, em virtude desta mais se

    aproximar uma precluso mxima, com eficcia apenas para dentro do processo.

    A importncia do tema revelada pela sua disciplina tanto no plano legal,

    quanto no plano constitucional.

    Com efeito, o art. 6, caput, da LICC, estipula que: A lei em vigor ter efeito

    imediato e geral, respeitados o ato jurdico perfeito, o direito adquirido e a coisa

    julgada.

    E, por sua vez, o art. 5, XXXVI, da Constituio Federal, dispe que: A lei no

    prejudicar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada.

    13 Sobre o tema, Nelson Rodrigues Netto, Breves Apontamentos sobre os Requisitos de Admissibilidade para o Julgamento de Mrito. Prisma Jurdico, So Paulo: Uninove, v. 1, set/2002, p. 147-162. 14 Sobre a distino entre juzo de admissibilidade e juzo de mrito dos recursos, Nelson Rodrigues Netto, Recursos no processo civil, So Paulo: Dialtica, 2004, pp. 53/78.

  • 3 - Coisa julgada material

    Dado o escopo maior do processo de pacificao dos conflitos sociais e,

    tambm, da necessidade de que todo processo deva ter um fim, por fora da coisa

    julgada material, impede-se o revolvimento daquilo que foi decidido.

    Coisa julgada material (auctoritas rei iudicatae) a qualidade que torna

    imutvel e indiscutvel o comando que emerge da parte dispositiva da sentena de

    mrito, quando no mais cabvel recurso ordinrio ou extraordinrio, tampouco sujeita

    ao reexame obrigatrio em duplo grau de jurisdio.15 16

    O art. 467, do CPC, conceitua explicitamente a coisa julgada material, dispondo:

    Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficcia, que torna imutvel e

    indiscutvel a sentena, no mais sujeita a recurso ordinrio ou extraordinrio.

    A doutrina brasileira, majoritariamente, segue o conceito de Liebman sobre a

    coisa julgada, considerando que a imutabilidade da sentena corresponde coisa

    julgada formal, derivada da precluso de todos os recursos, enquanto que a coisa

    julgada material consiste na imutabilidade dos efeitos da sentena.17

    A coisa julgada material uma qualidade dos efeitos da sentena e no um efeito

    da prpria sentena. essa qualidade que torna imutvel e indiscutvel a parte

    dispositiva da sentena de mrito.18

    15 Reputamos sem validade cientfica a classificao dos recursos em ordinrios e extraordinrios, cf. Interposio conjunta de recurso extraordinrio e recurso especial, So Paulo: Dialtica, 2005, 2 Enquadramento sistemtico do recurso extraordinrio e do recurso especial, pp. 15 e 16. Todavia, no texto seguimos a letra da lei. 16 Cf. o art. 475, do CPC, ou disposies anlogas de leis extravagantes. Por exemplo, esto sujeitas remessa necessria, a sentena que extinguir o processo da ao popular, sem julgamento de mrito ou por improcedncia do pedido (art. 19, da Lei n 4.717, de 29.06.1965), e, a sentena concessiva da segurana na ao de mandado de segurana, que, todavia, poder ser sujeita execuo provisria (art. 12, pargrafo nico, da Lei n 1.533, de 31.12.1951). 17 Ver por todos, Moacyr Amaral Santos, 21 Ed. So Paulo: Saraiva, 2003, 3 v., pp. 55/6. 18 Cf. Liebman, ob. cit., passim.

  • Antnio Carlos de Arajo Cintra assevera que, apesar do Anteprojeto do CPC de

    1973 ter sido elaborado pelo Ministro Alfredo Buzaid, seguidor da teoria de Liebman, a

    redao do texto primitivo (art. 507), e, a que veio a tornar-se lei (art. 467), no primam

    pela clareza, soando aparentemente como sinnimos eficcia e efeito e no

    indicando a fonte da eficcia.19

    Para o ilustre professor, o teor do dispositivo acabou por encampar a tese de

    Celso Neves, fundada na doutrina alem de Konrad Hellwig, ao considerar a coisa

    julgada como efeito da sentena, distanciando-se da de Liebman.20

    Segundo a doutrina dominante, no h o que se confundir entre a eficcia da

    sentena, vale dizer, a potncia para produzir seus efeitos prprios: declaratrio,

    constitutivo, condenatrio, mandamental ou executivo lato sensu, com a

    imutabilidade e a indiscutibilidade que os mesmos ficam recobertos pela coisa julgada

    material.21

    A coisa julgada material uma opo poltica, calcada no postulado de

    segurana jurdica que, segundo o constitucionalista portugus Canotilho, est baseada

    em dois pilares. O primeiro o da estabilidade das decises judiciais, as quais devem se

    cristalizar e se tornar imutveis, somente podendo ser revistas luz de fundamentos

    relevantes, mediante procedimento prvio e legalmente estabelecido. O segundo bastio

    o da previsibilidade das decises que se reconduz exigncia de certeza e

    calculabilidade, por parte dos cidados.22

    A segurana jurdica que decorre da coisa julgada manifestao do estado

    democrtico de Direito, fundamento da Repblica Federativa do Brasil, conforme o art.

    1, da C.F. Sobre o tema, com peculiar acuidade, Nelson Nery Junior e Rosa Maria

    Andrade Nery afirmam que:

    19 Cf. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, vol. IV, pp. 309 e 310. 20 Coisa julgada civil, p. 443 e pp. 502/3. 21 Sobre a classificao quntupla das aes, Nelson Rodrigues Netto, Tutela jurisdicional especfica: mandamental e executiva lato sensu, Rio de Janeiro: Forense, 2002, passim. 22 Cf. Direito Constitucional, pp. 259 e 260, apud, Teresa Arruda Alvim Wambier e Jos Miguel Garcia Medina, O dogma da coisa julgada, So Paulo: RT, 2003, p. 22.

  • Entre o justo absoluto, utpico, e o justo possvel, realizvel, o sistema

    constitucional brasileiro, a exemplo do que ocorre na maioria dos sistemas

    democrticos ocidentais, optou pelo segundo (justo possvel), que

    consubstanciado na segurana jurdica da coisa julgada material. Descumprir-se a

    coisa julgada negar o prprio estado democrtico de direito, fundamento da

    repblica brasileira. A lei no pode modificar a coisa julgada material (CF 5

    XXXVI); a CF no pode ser modificada para alterar-se a coisa julgada material

    (CF 1 caput, 60, 4); o juiz no pode alterar a coisa julgada (CPC 467 e 471).

    (destaques no original)23

    O objetivo maior da jurisdio, que a pacificao social, somente alcanvel

    por meio da previsibilidade das decises judiciais. Deste modo os membros da

    sociedade podem se comportar conforme as normas estabelecidas no ordenamento

    jurdico, segundo o sentido e o alcance (interpretao do Direito objetivo) fixados pelo

    Judicirio. Ademais, atinge-se a estabilidade jurdica, ao no se prolongar

    indefinidamente a possibilidade de reviso da deciso judicial (imutabilidade da

    deciso). Da deriva a eleio do justo possvel com o afastamento do justo utpico.

    No processo civil, h a previso de reviso da coisa julgada material, por meio

    da ao rescisria, observadas as hipteses taxativamente estipuladas na lei (art. 485, do

    CPC) e dentro do prazo decadencial de 2 anos (art. 495, do CPC).

    Nesta linha de raciocnio que se reitera que a violao da segurana jurdica,

    gerada pela coisa julgada, atenta contra o prprio estado democrtico de Direito,

    fundamento da federao brasileira, clusula ptrea da Constituio Federal. Por esta

    razo no pode ser objeto de alterao pelo legislador constitucional revisor (art. 1 c.c.

    art. 60, 4, I, da C.F.).24

    23 Ob. cit., p. 787. 24 Cf. Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, 6 Ed. So Paulo: Saraiva, 1983, p. 160; Luiz Alberto David Arajo e Vidal Serrano Nunes Jnior, Curso de direito constitucional, 7 Ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 326; Manoel Gonalves Ferreira Filho, Curso de direito constitucional, 18 Ed. So Paulo: Saraiva, 1990 p. 162; Paulo Napoleo Nogueira da Silva, Curso de direito constitucional, 3 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 482.

  • No plano processual, a coisa julgada importa na imutabilidade e

    indiscutibilidade do decisum, devendo ser respeitada pelo juiz do processo onde se

    formou, ou, por qualquer outro rgo judicirio, conforme art. 301, VI, e 4, c.c. art.

    467, do CPC.

    3.1 - Requisitos da coisa julgada material

    Existem dois requisitos essenciais para que se forme a coisa julgada material: a)

    a existncia de um processo; e, b) que no processo seja proferida sentena de mrito

    (art. 269, do CPC).

    Da anlise de ambos os requisitos, possvel constatar que somente quando

    houver a constituio e o desenvolvimento vlido e regular do processo (art. 267, IV, do

    CPC) e o adequado exerccio do direito de ao (art. 267, VI, do CPC), que o juiz

    poder se manifestar sobre a pretenso deduzida e proferir sentena, cujo comando ir

    se tornar imutvel e indiscutvel por fora da coisa julgada material.

    Conquanto haja certa divergncia doutrinria no tocante ao reconhecimento do

    ato processual inexistente, parece-nos vlido considerar tal categoria de vcio dos atos

    processuais.

    A ausncia de pressuposto processual de existncia da relao jurdica provoca a

    inexistncia do processo, e, via de conseqncia, da sentena nele proferida.25

    Neste ponto, pedimos licena para reproduzir os requisitos que reputamos como

    essenciais para a existncia da relao processual:

    a) jurisdio - haver um magistrado devidamente investido do poder

    jurisdicional;

    b) representao do Autor (capacidade postulatria) - deve o autor estar

    representado por advogado, devidamente habilitado, possuindo este profissional

    capacidade postulatria, ressalvados os casos de autorizao legal conferida

    parte para atuar em juzo sem advogado (v.g. nos Juizados Especiais Cveis e 25 Cf. Nelson e Rosa Nery, ob. cit., p. 788; Teresa Arruda Alvim Wambier et alli, Dogma da coisa julgada, p. 26 e ss.

  • Criminais); importante ressaltar que a falta de procurao outorgada a advogado,

    devidamente habilitado perante a Ordem dos Advogados do Brasil, a nica

    hiptese de previso expressa, no sistema positivo brasileiro (art. 37, pargrafo

    nico, do CPC) de ato processual inexistente;

    c) petio inicial - uma vez que a Jurisdio inerte, devendo haver um pedido

    formulado em juzo; e,

    d) citao - posto que a omisso da citao impede a possibilidade de ingresso do

    Ru no processo, deixando-se de se formar a relao jurdica processual, e,

    maculando os princpios do contraditrio e ampla defesa.26

    Em sentido semelhante, a ausncia das condies da ao: possibilidade jurdica

    do pedido, interesse processual ou de agir e legitimidade das partes (legitimatio ad

    causam), importa na inexistncia da ao, de sorte que no possvel se obter uma

    sentena de mrito.27

    A existncia da ao depende de requisitos de direito processual, enquanto que o

    acolhimento ou a rejeio do pedido so fundados no direito material.28

    A carncia de ao significa no ter havido o exerccio da ao, mas, to-

    somente o direito de petio ou o direito de demandar, de natureza constitucional (art.

    5, XXXV, da C.F.). Esse direito de natureza constitucional que a origem

    (fundamento) do direito de ao, no plano infraconstitucional, o qual est sujeito a

    requisitos estabelecidos na lei.29

    26 Cf. Nelson Rodrigues Netto, Breves apontamentos sobre os requisitos de admissibilidade para o julgamento de mrito, pp. 154/5. 27 Liebman afirma que as condies da ao so i requisiti di esistenza dellazione, Manuale di Diritto Processuale Civile, Milano: Dott. A. Giuffr Editore, 1957, v. I, p. 40. 28 Idem, ibidem, p. 46. 29 O direito de petio ou direito de demandar, no sentido do texto, tem matiz constitucional e requisitos insertos no direito infraconstitucional; trata-se do direito constitucional de ao ou de demandar. Nelson Nery Jnior faz distino, no plano constitucional, do direito de petio (art. 5, XXXIV, a, da CF) de cunho poltico e impessoal, do direito de ao (art. 5, XXXV, da CF), que exige a apresentao de um direito subjetivo (individual ou coletivo), cf. Princpios do processo civil, 4 Ed. So Paulo: RT, 1997, pp. 91/4.

  • Faltante condio de ao, a sentena inexistente, no podendo chegar a passar

    em julgado. No h a formao da coisa julgada material, de sorte que no h o que se

    desconstituir por meio de ao rescisria.

    Nesta linha de raciocnio, o remdio jurdico que se apresenta como adequado

    para atacar vcio de tal monta a ao declaratria de inexistncia de relao jurdica.30

    Em decorrncia da ausncia dos pressupostos processuais de validade (juzo

    competente, juiz no impedido, petio e citao vlidas, capacidade para estar em juzo

    e legitimidade para o processo legitimatio ad processum), o processo no ser vlido.

    Contudo, nessas hipteses, possvel haver sentena de mrito, vindo a ser

    acobertada pela coisa julgada material, a qual poder ser objeto de ao rescisria, com

    fundamento no art. 485, V, do CPC (e no tocante ao rgo jurisdicional, com

    fundamento especfico do inciso II do mesmo preceito legal).31

    Escoado o prazo para propositura da ao rescisria, ou julgada essa

    improcedente, surgir a coisa soberanamente julgada.32

    Havendo processo e ao, a sentena que puser fim lide encerra deciso de

    mrito (art. 269, I a V, do CPC), que no mais sujeita a recurso, ter seus efeitos

    imutveis por fora da coisa julgada material.

    3.2 - Objeto da coisa julgada material

    O objeto da coisa julgada material a sentena de mrito, vale dizer, a sentena

    que tiver resolvido a lide, em qualquer das hipteses do art. 269, do CPC, razo pela

    qual so designadas de sentenas definitivas.

    30 Cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentena, 5 Ed. So Paulo: RT, 2004, p. 498 e ss., especialmente, pp. 504/7. A ilustre autora passou a reconhecer, assentando o raciocnio em reiteradas decises do STJ, a possibilidade de se adotar o princpio da fungibilidade e se utilizar nas situaes referidas, tanto da ao declaratria quanto da ao rescisria, cf. O dogma da coisa julgada, pp. 238/9. 31 Cf. Nelson e Rosa Nery, ob. cit., p. 788. 32 Cf. Jos Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 2 Ed. So Paulo: Saraiva, 1976, 3 v., 2 parte, p. 249.

  • Desse modo, sentena de mrito, por excelncia, aquela que aprecia o pedido,

    a lide, o litgio, o objeto litigioso (Streitgegenstand dos alemes), acolhendo-o ou

    rejeitando-o, para conceder ou negar o bem jurdico (bem da vida) pretendido.

    Por expressa disposio legal, apesar de no apreciar o pedido, mediante

    atividade nitidamente substitutiva s das partes, concedendo, ou no, o bem jurdico em

    lide, igualmente, so de mrito as sentenas em que: a) houver o reconhecimento

    jurdico do pedido (art. 269, II, do CPC); trata-se de ato dispositivo unilateral praticado

    pelo ru, reconhecendo, em juzo, a existncia em favor do autor do direito material

    lamentado, no qual se fundamento o seu pedido (pretenso); b) o autor renunciar ao

    direito sobre que se funda a ao (art. 269, V, do CPC); trata-se de ato dispositivo

    unilateral praticado pelo autor e que atinge apenas direitos disponveis; c) as partes

    transigirem (art. 269, III, do CPC); trata-se de ato dispositivo bilateral, exercido no

    processo, onde as partes fazem concesses mtuas sobre a res in iudicium deducta (art.

    840, do CC); e, d) quando o juiz pronunciar a decadncia ou a prescrio (art. 269, IV,

    do CPC), sendo que esta ltima fulmina o direito do demandante pretenso de se

    exigir a prestao do ru, e, a decadncia provoca a caducidade do direito material.33

    importante destacar, conquanto refuja ao estudo da coisa julgada, que o

    Cdigo Civil, em vigor desde 10 de janeiro de 2003, alterou a disciplina da prescrio.

    O juiz est autorizado a reconhec-la de oficio somente quando favorecer absolutamente

    incapaz (art. 194), tendo sido revogado tacitamente o disposto no art. 219, 5, do CPC.

    A alegao da prescrio, pela parte a quem aproveita, pode ser feita em qualquer grau

    de jurisdio (art. 193).34

    33 Os direitos subjetivos dividem-se em: direito uma prestao e direito modificao de um estado jurdico (direito potestativo). Somente os primeiros so passveis de ser violados, razo pela qual provocam a pretenso (material) de seu titular de exig-los, sujeitando o seu exerccio em juzo (pretenso processual), a prazo prescricional. No havendo possibilidade de violao dos direitos potestativos, no h o que se falar em exigncia, e, portanto, pretenso (material), de sorte que somente o direito material subjacente que poder caducar (Cf. Antnio Lus Cmara Leal, Da prescrio e da decadncia, 3 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p101, apud, Slvio de Salvo Venosa, Direito Civil, 3 Ed. So Paulo: Atlas, vol. 1, p. 619. Esta a mesma lio de Barbosa Moreira, O novo Cdigo Civil e o direito processual, Revista Forense n 364, p. 185/6.). 34 Sobre a impossibilidade de alegao da prescrio em Recurso Especial sem ter havido prequestionamento do tema, ver Nelson Rodrigues Netto, Recursos no processo civil, 9.5.4.2 O prequestionamento e as questes de ordem publica, pp. 173/4.

  • A decadncia deve ser decretada de ofcio pelo juiz, a qualquer tempo e grau de

    jurisdio (art. 208). A novidade do Cdigo Civil est em que os sujeitos, em negcios

    jurdicos, podero criar prazo decadencial, o qual dever ser argido pela parte a quem

    aproveita, no estando o juiz autorizado a dele conhecer de ofcio (art. 211).35

    Peculiar hiptese de deciso acobertada pela coisa julgada material, ao lado

    daquelas previstas no art. 269, do CPC, a homologatria de sentena estrangeira, a

    qual configura deciso de mrito e de natureza constitutiva, consoante doutrina

    majoritria.36 Diferentemente, o acrdo que rejeita a homologao tem natureza

    declaratria negativa.

    Por fora da chamada Emenda Constitucional da Reforma do Poder Judicirio,

    houve um rompimento com a tradio brasileira de que o Supremo Tribunal Federal,

    como mais alta corte de justia do pas, tinha competncia para a homologao de

    sentena estrangeira. Referida competncia originria passou ao Superior Tribunal de

    Justia, consoante art. 105, I, i, da C.F. na redao da E.C. n 45, de 08.12.2004,

    publicada em 31.12.2004. Se o intuito foi poupar o excesso de atividade dos ministros

    do STF, isto pode vir a no ocorrer, haja vista que da deciso do STJ que, supostamente,

    contrariar a Constituio Federal, caber recurso extraordinrio (art. 102, III, a, da

    C.F.).

    3.3 - Decises que no esto sujeitas coisa julgada material

    Em contraposio, as sentenas terminativas, que extinguem o processo sem

    julgamento de mrito, jamais sero acobertadas da coisa julgada material.

    Haver a precluso mxima, ou seja, a coisa julgada formal, pelo exaurimento

    das vias recursais, seja pela interposio de todos recursos cabveis, seja pelo decurso de

    prazo sem que tenha sido exercido o direito de recorrer.

    35 Cf. Caio Mrio da Silva Pereira, Instituies de direito civil, 20 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 1, p. 691. 36 Cf. Nelson e Rosa Nery, ob. cit., p. 787; Barbosa Moreira, Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, 11 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, vol. V, pp. 92/3.

  • No produzem coisa julgada material as sentenas proferidas nos processos de

    jurisdio voluntria, pela ausncia de lide (conflito intersubjetivo, caracterizado por

    uma pretenso resistida ou insatisfeita, na linguagem de Carnelutti).

    Nesse sentido, o art. 1.111, do CPC, claro em dispor: Art. 1.111. A sentena

    poder ser modificada, sem prejuzo dos efeitos j produzidos, se ocorrerem

    circunstncias supervenientes.

    Igualmente, no faz coisa julgada material a sentena que julga o pedido

    cautelar. Isto em virtude de se tratar de demanda acessria, a qual propicia uma tutela de

    urgncia visando afastar o perigo de dano irreparvel ou de difcil reparao pelo

    transcurso do tempo em outros processos - de conhecimento ou execuo - antes que

    nestes possa ser satisfeita a pretenso do demandante.

    com este sentido que os arts. 807 e 808, do CPC, dispem que as medidas

    cautelares tm eficcia na pendncia do processo principal, podendo ser revogadas ou

    modificadas a qualquer tempo, e, notadamente, quando o juiz declarar extinto o

    processo principal, com ou sem julgamento de mrito.

    Outra situao que se costuma enquadrar nestas hipteses que comentamos a

    prevista no art. 468, do CPC, que dispe: Art. 468. A sentena que julgar total ou

    parcialmente a lide, tem fora de lei nos limites da lide e das questes decididas.

    O conceito de lide total ou de lide parcial tem origem na doutrina de Carnelutti,

    que se refere lide como um fenmeno sociolgico, que pode ser integralmente trazido

    ao processo, ou, por opo do demandante, apenas parcela daquele conflito poder ser

    deduzida em juzo. Da, falar-se em lide total e lide parcial.37

    A doutrina procura justificar a lide parcial, com a possibilidade de julgamentos

    sucessivos, como ocorre no procedimento especial de jurisdio contenciosa relativo

    ao de prestao de contas.38

    Nada obstante, a referida norma provoca dvida ao ser cotejada com o contedo

    do art. 469, do CPC. A soluo exige uma interpretao sistemtica da lei. De tal sorte,

    37 Cf. Arajo Cintra, ob. cit., pp. 311/3. Sobre a crtica de Liebman sobre o conceito de lide de Carnelutti, Nelson Rodrigues Netto, Tutela jurisdicional especfica: mandamental e executiva lato sensu, pp. 11/2. 38 Cf. Jos Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 3 v. 2 parte, p. 239.

  • preciso entender que as questes decididas, a que alude o art. 468, do CPC, no so as

    questes principais, mas aquelas que servem para a soluo do pedido, ou seja,

    exatamente as matrias que, embora fazendo parte da sentena, no so acobertadas pela

    coisa julgada material.39

    Em acrscimo, via de regra, temos que sobre as decises interlocutrias no

    recai a coisa julgada material, mormente, porque seu contedo normalmente no se

    encaixa nas hipteses do art. 269, do CPC.

    A partir da 2 Fase da Reforma Processual, outra questo tormentosa veio a

    compor o tema das decises que no propiciam o surgimento da coisa julgada material.

    Com efeito, a Lei n 10.444, de 08.05.2002, acrescentou o 6 ao art. 273,

    disciplinando novo caso de antecipao dos efeitos da tutela: 6. A tutela antecipada

    tambm poder ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela

    deles, mostrar-se incontroverso.

    Da interpretao da norma, formaram-se trs correntes doutrinrias mais ou

    menos bem definidas.

    A primeira pode ser designada de restritiva. Seus defensores entendem que o

    ordenamento processual brasileiro no admite a ciso do julgamento de mrito em

    etapas, de modo que o art. 273, 6, refere-se, exclusivamente, a mais um caso de

    antecipao de tutela, que deve estar caracterizado pela sua provisoriedade, derivada da

    cognio sumria exercida pelo juzo (273, 2). Assim, esta deciso no pode ser

    acobertada pela coisa julgada material.40

    Em segundo lugar, colocando-se em posio diametralmente oposta corrente

    restritiva, surge a denominada tese extensiva.

    A doutrina propugnadora pela corrente extensiva admite haver uma ciso do

    julgamento de mrito no processo civil brasileiro, provocando julgamentos por em

    etapas.

    39 Cf. Barbosa Moreira, Questes prejudiciais e coisa julgada, Rio de Janeiro: Borsoi, 1967, p. 109. 40 Cf. Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier, Breves comentrios nova sistemtica processual civil, 3 Ed.,So Paulo: RT, 2005, p. 171/2; Athos Gusmo Carneiro, Da antecipao da tutela, 4 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 60.

  • Logo, segundo esses autores, cabvel o julgamento antecipado parcial da lide

    ou de um dos pedidos, mediante cognio exauriente. Tal deciso comporta trnsito em

    julgado imediato e execuo definitiva. O ajuizamento da execuo legalmente

    autorizado a despeito da inexistncia de ttulo executivo judicial (ou extrajudicial).41

    Procurando apontar para uma soluo de consenso entre as duas teorias

    descritas, surge a corrente intermediria.

    Por esta teoria, a existncia de deciso definitiva, ou no, depender do

    requerimento formulado pelo demandante.

    Assim, caso o demandante pretenda obter a antecipao parcial da tutela, o

    acolhimento ou rejeio de seu requerimento importar em uma deciso interlocutria,

    para a qual deve ser aplicado o regime jurdico da tutela antecipada.

    De outro modo, considerando-se que a hiptese do art. 273, 6, do CPC,

    assemelha-se ontologicamente ao reconhecimento jurdico do pedido (art. 269, II, do

    CPC), o demandante poder requerer ao juzo que declare ter havido o reconhecimento

    jurdico parcial do pedido por parte do demandando, pronunciamento judicial este que

    ter natureza de uma deciso interlocutria definitiva de mrito.42

    3.4 - Coisa julgada rebus sic stantibus

    O CPC dispe que, em se tratando de relao jurdica que se protrai no tempo, as

    alteraes do estado de fato ou do estado de direito, autorizam a propositura de uma

    nova ao, a qual no se confunde com a anterior e, portanto, no incide em violao da

    imutabilidade da coisa julgada material (art. 471, I).

    Em verdade, a propositura de nova ao no incide na violao da coisa julgada,

    uma vez que no se encontram presentes o requisito de repropositura de ao idntica.

    No h, sob o enfoque da teoria de Chiovenda da tripla identidade dos elementos da

    ao: partes, pedido e causa de pedir, uma nova ao, repetindo outra anterior e cujo

    41 Cf., Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatria, julgamento antecipado e execuo de sentena, 2 Ed. So Paulo: RT, 1998, pp. 67/105 e 146 e ss.. Parece-nos ser da mesma opinio, o Professor Arruda Alvim, Manual de Direito Processual, 8 Ed., So Paulo: RT, 2003, 2 v., pp. 429/430. 42 Cf. Nelson e Rosa Nery, ob. cit., p. 652.

  • pedido j transitou em julgado. Sobre este ponto, Arajo Cintra, com propriedade,

    leciona:

    Sobrevindo modificao no estado de fato ou de direito, a regra ditada pela

    sentena pode ser revista, mediante ao da parte interessada, para se adaptar

    situao superveniente. Isto, claro, no atinge a coisa julgada que permanecer

    intocvel nos seus limites objetivos, vinculada relao jurdica tal como se

    apresentou no momento da deciso. Por isso mesmo, Pontes de Miranda observa

    que a disposio em exame nada tem com o problema da coisa julgada

    (destaque no original).43

    Tais situaes retratam relaes jurdicas continuativas, nas quais, segundo

    Liebman, a sentena contm implcita a clusula rebus sic stantibus. Deste modo, a

    alterao dos fatos ou fundamentos jurdicos que ensejaram a deciso passada em

    julgado, propiciar a promoo de uma nova ao (nova causa de pedir prxima e/ou

    remota), que nenhuma restrio sofre em decorrncia da coisa julgada material.44

    A coisa julgada material imunizou a deciso proferida, consoante uma dada

    situao de fato e de direito, a qual remanesce intocada para aquela conjectura em vista

    da qual foi proferida.

    Da redao do art. 471, I, do CPC, possvel confirmar o quanto discorrido,

    posto que a lei afirma que nenhum juiz decidir novamente as questes decididas,

    relativas a mesma lide, salvo se, em se tratando de relao jurdica continuativa,

    sobrevier modificao do estado de fato ou de direito.

    A despeito da letra da lei e do uso correntio da locuo ao revisional,

    incorreto falar-se em reviso da deciso, pois que esta se encontra sob o manto da coisa

    julgada. Em verdade, h uma nova ao derivada de uma nova causa de pedir.45

    43 Ob. cit., p. 317. 44 Cf. Eficcia e autoridade da sentena, p. 25. 45 Cf. Nelson e Rosa Nery, ob. cit., p. 805.

  • Logo, verifica-se ser equivocada a redao do art. 15, da Lei n 5.478, de

    25.07.1968 (Lei de Alimentos), que preceitua: Art. 15. A deciso judicial sobre

    alimentos no transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista em face da

    modificao financeira dos interessados.

    Toda sentena de mrito, esgotados os meios recursais, transita em julgado. O

    que ocorre que alterada da situao que ensejou a deciso, possvel a propositura de

    outra demanda com base em nova causae petendi.

    O artigo em apreo, em seu inciso II, ainda contm norma de encerramento para

    contemplar todas as situaes que se revelem de trato sucessivo. Nesta linha, o egrgio

    Superior Tribunal de Justia sumulou o seguinte entendimento predominante,

    concernente a prestaes devidas pela Fazenda Pblica:

    Smula n 85 Nas relaes de trato sucessivo em que a Fazenda Pblica figure

    como devedora, quando no tiver sido negado o prprio direito reclamado, a

    prescrio atinge apenas as prestaes vencidas antes o qinqnio anterior

    propositura da ao.

    De forma semelhante, dispe a Smula n 239, do STF, considerando a

    possibilidade de alterao do fato gerador de um tributo, o que propiciar uma nova

    exao, apesar de previa deciso judicial declarando indevido o tributo:

    Smula n 239 Deciso que declara indevida a cobrana do imposto em

    determinado exerccio no faz coisa julgada em relao aos posteriores.

    4 - Funes positiva e negativa da coisa julgada

    A doutrina costuma apontar duas funes para a coisa julgada: uma, positiva,

    outra, negativa. Nesse sentido, esclarece Celso Neves:

    A funo da coisa julgada , pois, dplice: de um lado, define, vinculativamente,

    a situao jurdica das partes; de outro lado, impede que se restabelea, em outro

  • processo, a mesma controvrsia. Em virtude da primeira funo, no podem as

    partes, unilateralmente, escapar aos efeitos da declarao jurisdicional; por

    decorrncia da segunda, cabe a qualquer dos litigantes a exceptio rei iudicatae,

    para excluir novo debate sobre a relao jurdica decidida.46

    A deciso transitada em julgado exige respeito pelas partes e terceiros, revelando

    a sua funo positiva derivada da incidncia do princpio da inevitabilidade da

    jurisdio, impondo-se imperativamente a todos, por ser uma manifestao do rgo

    estatal (Judicirio).47

    A funo negativa visa defender a imutabilidade e indiscutibilidade da deciso,

    impedindo a repropositura de ao idntica quela que j foi julgada definitivamente

    pelo Poder Judicirio.

    Ao juiz incumbe, de ofcio, extinguir o processo sem julgamento de mrito

    quando tiver havido a reproduo de ao j transitada em julgada, liminarmente ou a

    qualquer tempo e grau de jurisdio, conforme o preceituado no art. 267, V, e 3, e,

    art. 301, VI, e 4, do CPC.

    A coisa julgada se apresenta, sob tal funo, como um pressuposto processual

    negativo, impedindo a formao vlida e regular do processo.48 Nesse sentido assevera,

    com propriedade, Othmar Jauernig:

    Uma nova sentena, embora coincidente, no pode ser proferida sem nova

    audincia de julgamento. Contudo, no tem sentido, se o efeito j foi estabelecido

    antes. Por isso inadmissvel, por conseguinte, mesmo uma deciso repetida (ne

    bis in idem). Isto significa: sendo idntico o objecto do litgio, o caso julgado

    46 Ob. cit., p. 489. 47 Cf. Nelson e Rosa Nery, ob. cit., p. 788; Cintra-Dinamarco-Grinover, Teoria Geral do Processo, 19 Ed. So Paulo: Malheiros, 2003, p. 139. 48 Cf. Nelson Rodrigues Netto, Breves Apontamentos sobre os Requisitos de Admissibilidade para o Julgamento de Mrito, p. 156.

  • material pressuposto processual negativo, que conduz absolvio da

    instncia.49

    O eventual conflito entre duas coisas julgadas deve ser solucionado

    privilegiando-se a primeira, pois, somente esta que efetivamente se formou. A

    segunda deciso inconstitucional (art. 5, XXXVI, da C.F.) e ilegal (art. 267, V, c.c.

    art. 301, VI, c.c. art. 471, c.c. art. 485, IV, do CPC).50

    Esta soluo positivada no sistema processual portugus e aplaudida pela

    doutrina51, estando disciplinada no art. 675, 1, do CPC de Portugal, in verbis:

    Art. 675. (Casos julgados contraditrios)

    1. Havendo duas decises contraditrias sobre a mesma pretenso, cumprir-se- a

    que passou em julgado em primeiro lugar. (omissis)

    5 - Limites objetivos da coisa julgada

    No tocante aos limites objetivos da coisa julgada, digno de nota dentro da

    doutrina clssica, a teoria dos elementos ou fundamentos objetivos atribuda a Savigny.

    Pela referida teoria, os elementos objetivos da relao jurdica integrariam o

    campo de abrangncia da coisa julgada material, distinguindo-se dos elementos ou

    fundamentos subjetivos que conduziram o magistrado formar sua convico. Todavia,

    o direito positivo alemo e austraco contemporneo essa doutrina no a acolheram,

    reputando que a coisa julgada abrangeria apenas a parte dispositiva da sentena.52

    49 Ob. cit., p. 320. 50 Cf. Nery-Nery, ob. cit., p. 789. Em sentido contrrio, defendo a validade da segunda coisa julgada at que seja rescindida, Cndido Rangel Dinamarco, Instituies de direito processual civil, 4 Ed. So Paulo: Malheiros, 2004, vol. III, p. 329. 51 Cf. Jorge Augusto Pais do Amaral, 2 Ed. Direito processual civil, Coimbra: Almedina, 2001, pp. 327/8. 52 Cf. Moacyr Amaral Santos, ob. cit., 3 v., p. 67.

  • poca da vigncia do Cdigo de Processo Civil de 1939 no existia no Brasil

    qualquer dispositivo semelhante aos dos cdigos processuais da Alemanha e ustria. A

    despeito de tal fato, estas mesmas regras eram adotadas pela doutrina brasileira, sob a

    influncia das lies de Liebman.53

    Atualmente, o art. 469, do CPC, no deixa qualquer dvida de que somente a

    parte dispositiva (decisum) faz coisa julgada, como se verifica de sua redao:

    Art. 469. No fazem coisa julgada:

    I os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte

    dispositiva da sentena;

    II a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentena;

    III a apreciao de questo prejudicial, decidida incidentemente no processo.

    Efetuando um corte metodolgico na sentena, vamos divisar uma estrutura

    formada por trs partes, consoante previso do art. 458, do CPC: (i) o relatrio, que

    conter os nomes das partes, um resumo do pedido e da resposta e o registro das

    principais ocorrncias do processo; (ii) a motivao ou fundamentos, em que o juiz

    analisar as questes de fato e de direito; (iii) o dispositivo ou preceito, em que o juiz

    resolver as questes, que as partes lhe submeteram.

    Combinando o art. 469 com o art. 458, ambos do CPC, chegamos a concluso de

    que os motivos determinativos do alcance do dispositivo, a verdade dos fatos e as

    questes prejudiciais esto todos alojados nos fundamentos ou motivao da sentena,

    de sorte que somente a parte dispositiva fica recoberta pela coisa julgada material. Isto

    no significa serem irrelevantes o relatrio e a motivao da sentena na composio da

    deciso. Ao contrrio, j tivemos oportunidade de salientar que:

    Como sabido, h uma correlao entre o pedido inicial e o dispositivo da

    deciso, assim como entre a fundamento do julgamento e a causa de pedir,

    decorrendo uma relao de causa e efeito entre a fundamentao e a parte

    53 Cf. Estudos sobre o processo civil brasileiro, Bestbook Editora: Araraquara, 2004, pp. 109/112.

  • dispositiva da deciso. Seguindo este raciocnio, entendemos que o pedido

    qualificado pela causa de pedir e, simetricamente, o decisum qualificado pela

    motivao do provimento judicial.54

    Nada obstante, por mais relevantes que sejam, a autoridade da coisa julgada

    material no recai sobre os fundamentos da sentena.

    O mesmo se passa com os fatos, na forma em que o juiz os tiver reconhecido. A

    verdade adotada no processo, com relao aos fatos, poder ser infirmada em outro

    processo.

    Igualmente, a soluo da questo prejudicial que condiciona o teor da deciso do

    objeto da lide, resolvida incidenter tantum, no faz coisa julgada.

    No tocante questo prejudicial, esta poder tornar-se objeto de demanda, desde

    que qualquer das partes requeria sua resoluo como questo principal, exigindo-se,

    ainda, a competncia do juzo. A questo prejudicial, para ser objeto de ao

    declaratria incidental, deve conter controvrsia sobre a existncia ou inexistncia de

    uma relao jurdica que se tornou controvertida no curso do processo, questo essa que

    pressuposto necessrio para o julgamento da lide original (art. 5, c.c. art. 325, c.c. art.

    470, do CPC).

    6 - Limites subjetivos da coisa julgada

    O art. 472, 1 parte, do CPC, dispe que a sentena faz coisa julgada s partes

    entre as quais dada, no beneficiando, nem prejudicando terceiros.

    Esse o denominado limite subjetivo da coisa julgada; indica o preceptivo

    legal quais os sujeitos que sero atingidos pela imutabilidade do comando emergente e

    os efeitos da sentena.

    Conquanto a norma exclua expressamente terceiros do campo de abrangncia da

    coisa julgada, a deciso judicial por se revestir de ato de imprio do Estado, de alguma

    maneira pode vir a influenciar terceiros.

    54 Cf. Interposio conjunta de recurso extraordinrio e recurso especial, pp. 88/9.

  • O renomado jurista Ihering analisando os atos jurdicos e seus efeitos, criou uma

    teoria onde distinguiu efeitos diretos, os quais so queridos e previstos pelo agente, dos

    efeitos indiretos, no queridos, nem previstos pelo agente, mas, inevitveis, produzindo

    uma influncia varivel nas relaes de terceiros.55

    Os processualistas, a partir da doutrina de Ihering, cunharam a teoria dos efeitos

    reflexos da coisa julgada, procurando explicar a influncia que a sentena proferida

    inter partes poderia provocar em relao a terceiros. Segundo esta teoria, a coisa

    julgada produz efeitos diretos entre as partes, queridos e previstos, e, efeitos indiretos,

    no queridos ou previstos, mas, inevitveis em relao a terceiros.56

    A partir de estudos sobre a teoria dos efeitos reflexos da coisa julgada,

    Chiovenda elaborou uma nova tese, afirmando que os terceiros no podem desconhecer

    a coisa julgada, conquanto no possam por ela ser prejudicados. Ao utilizar o conceito

    prejuzo, o referido autor esclarece que este deve ser um prejuzo jurdico, entendido

    este como sendo o prejuzo que o terceiro sofreria se fosse obrigado a suport-lo,

    quando o direito declarado na sentena fosse incompatvel com o seu direito.57

    Em concluso, Chiovenda entende que o terceiro, por fora da coisa julgada

    surgida em processo inter alios, no pode sofrer um prejuzo jurdico.

    O doutrinador, contudo, admite que o terceiro sofra um prejuzo de fato, e d

    como exemplo de prejuzo de fato aquele que o terceiro sofre em decorrncia da

    diminuio patrimonial que seu devedor venha a sofrer em virtude da derrota deste

    numa ao reivindicatria. O devedor, em razo da sentena proferida na ao

    reivindicatria, deixa de possuir um bem que constituiria dentro do patrimnio daquele,

    garantia do crdito do terceiro. H, para o terceiro, portanto, um prejuzo de fato, pois a

    garantia desapareceu, apesar de no haver um prejuzo jurdico, posto que o direito de

    crdito remanesce ntegro.58

    55 Cf. Moacyr Amaral Santos, ob. cit., 3 v., pp. 74/5. 56 Idem, ibidem. 57 Cf. Instituies de direito processual civil, So Paulo: Saraiva, 1942, v. I, pp. 571/4. 58 Idem, ibidem.

  • No mesmo exemplo, o terceiro que, igualmente, alega ser proprietrio da coisa

    reivindicanda, no sofre prejuzo jurdico, pois, a deciso proferida naquela lide no

    pode impedir o exerccio de sua pretenso coisa.

    Em virtude de sua definio de coisa julgada, Liebman tem para este fenmeno,

    uma resposta diferente. Partindo da idia de que a coisa julgada a qualidade, e no o

    efeito, da sentena que torna seu comando imutvel e indiscutvel, Liebman distingue a

    autoridade da coisa julgada da eficcia natural da deciso, asseverando que:

    Independentemente da coisa julgada, a sentena tem eficcia natural da deciso,

    obrigatria e imperativa, que deriva simplesmente da sua natureza de ato de

    autoridade, de ato do Estado, mas que est destinada a desaparecer, quando se

    demonstra que a sentena injusta: a coisa julgada refora essa eficcia porque

    torna impossvel ou inoperante a demonstrao da injustia da sentena. A

    eficcia natural da sentena atua com relao a todos; por outro lado, a coisa

    julgada s vale entre as partes, pelo que estas suportam a sentena sem remdio,

    ao passo que os terceiros podem destru-la, demonstrando sua injustia. Porm,

    nem todos os terceiros esto habilitados a faz-lo e sim somente aqueles que tm

    interesse jurdico legtimo em tal sentido: no, por exemplo, os credores do

    condenado, que tm simples interesse de fato.59

    Logo, a eficcia natural que vale para todos e no a autoridade da coisa

    julgada, que est limitada inter omnes.

    Em decorrncia da teoria de Liebman, trs categorias de terceiros podem ser

    identificadas: a) terceiros indiferentes so aqueles que nenhum prejuzo sofrem em

    virtude da eficcia natural da sentena; b) terceiros interessados praticamente so

    aqueles que podem sofrer um prejuzo prtico ou econmico, mas no jurdico, de modo

    que no possuem qualquer interesse ou direito que possam fazer valer para infirmar o

    comando judicial da sentena (ex.: credores do vencido em ao reivindicatria, que

    59 Cf. Eficcia e autoridade da sentena, 3 Ed., p. 133 e ss, apud, Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual civil, 3 Ed. So Paulo: RT, v. 1, p. 351.

  • com a perda do bem vem reduzida a garantia de satisfao do crdito; e c) terceiros

    juridicamente interessados.60

    Os terceiros juridicamente interessados, por sua vez, dividem-se em:

    a) terceiros que tm interesse igual ao das partes, ou seja, tem um direito ou

    interesse que idntico aquele que objeto do conflito entre as partes,

    direito ou interesse esse que no afetado pelo comando da sentena (ex.:

    aquele que se julga proprietrio em relao a imvel objeto de reivindicatria

    entre outros sujeitos, poder aguardar o trnsito em julgado, para demandar

    em face do vencedor);

    b) terceiros que tem interesse jurdico subordinado ou de categoria inferior ao

    das partes so aqueles titulares de relao jurdica subordinada ou

    dependente da relao jurdica objeto da deciso, e que podero discutir a

    justia da deciso (o sentido de justia da deciso, como descrita no art. 55,

    do CPC, diz respeito aos fatos e as provas sobre eles produzidas) em outro

    processo. Como por exemplo, numa ao regressiva do Estado contra

    funcionrio, em que este vem discutir a ausncia de sua culpa; ou, quando

    sublocatrio, como parte, vem discutir em outro processo a justia da deciso

    proferida em ao de despejo movida pelo locador em face do locatrio-

    sublocador; em ambas as hipteses, no houve participao do funcionrio

    ou sublocatrio, no primeiro processo.

    Por ltimo, cabe reala que a alterao das posies na relao processual no

    afeta os efeitos da coisa julgada.61

    7 - Eficcia preclusiva da coisa julgada

    60 Cf. Eficcia e autoridade da sentena, 2 Ed., pp. 145/151. No Brasil, a doutrina de Liebman amplamente adotada, ver por todos, Moacyr Amaral Santos, ob. cit., 3 v., pp. 77. 61 Cf. Eduardo Couture, ob. cit., p. 351.

  • O art. 474, do CPC, dispe sobre o princpio do deduzido e do dedutvel, o

    qual corresponde eficcia preclusiva da coisa julgada.

    Os limites objetivos da coisa julgada esto delimitados pelo art. 468 e art. 469,

    do CPC, estando esclarecido que a sua autoridade somente recai sobre as questes

    decididas, vale dizer, daquilo que o objeto da demanda e que consta do decisum, do

    dispositivo, do comando emergente da sentena.

    Os motivos determinantes da parte dispositiva, a verdade dos fatos ou a questo

    prejudicial, decidida incidentalmente, no so acobertados pela coisa julgada.

    Compondo com as normas referidas, o art. 474, do CPC, preceitua que apesar de

    no estarem imunizados pela coisa julgada, todas as alegaes e defesas que as partes

    poderiam ter oposto para acolhimento ou rejeio do pedido so consideradas como

    deduzidas e rejeitadas, aps o trnsito em julgado da deciso. Seno vejamos:

    Art. 474. Passada em julgado a sentena de mrito, reputar-se-o deduzidas e

    repelidas todas as alegaes e defesas, que a parte poderia opor assim ao

    acolhimento como rejeio do pedido.

    O instituto da precluso atua, normalmente, com eficcia endoprocessual,

    impedindo que as partes rediscutam questes j resolvidas e que o juiz decida

    novamente questo j solucionada, exceo feita s matrias de ordem pblica, as quais

    no precluem (art. 267, 3 c.c. art. 301, 4, do CPC), como resulta do preceituado no

    art. 471, c.c. o art. 473, do CPC.

    Embora no se confunda com a imutabilidade e a indiscutibilidade provenientes

    da qualidade que a coisa julgada agrega ao preceito da sentena, por fora do art. 474, a

    eficcia preclusiva da coisa julgada produz efeitos panprocessual. Isto significa que fica

    proibido que se rediscuta, em outro processo, argumentos que poderiam ter sido

    utilizados pelo demandante ou pelo demandado, para corroborar o pedido ou a defesa.

    A eficcia preclusiva da coisa julgada tem uma funo instrumental, meio de

    preservar a imutabilidade do julgado.

    A palavra argumento utilizada no texto legal tem o significado de fato simples,

    consoante a doutrina de Chiovenda. Fato simples aquele fato que serve para

  • corroborar um fato jurdico, o qual, por sua vez, d supedneo ao pedido do autor ou

    defesa do ru.62

    Aqui reside o ponto crucial do tema: a cada fato jurdico corresponde uma causa

    de pedir, logo, todos os argumentos ou fatos simples que servem para corroborar uma

    causa de pedir sero considerados deduzidos e repelidos, aps o trnsito em julgado.

    Mesmo que a parte disponha de novos argumentos, vedado a repropositura da

    demanda, uma vez que se trata de mesma causa de pedir e mesmo pedido. Os novos

    argumentos (fatos simples) no alteram a causa de pedir, de modo que h a incidncia

    da teoria de tripla identidade da ao, que probe o demandante de ajuizar ao idntica

    outra j passada em julgada (art. 267, V, c.c. art. 268, do CPC).

    Entretanto, se incabvel a rediscusso da lide, mesmo que com base em novas

    alegaes referentes idntica causa de pedir, isto no impede que, havendo nova causa

    de pedir, ingresse-se com outra ao, que no ser mais a anterior, pois o pedido

    qualificado pela causa de pedir, fazendo surgir uma nova ao.

    Em face da eficcia preclusiva da coisa julgada, que o art. 485, VII, do CPC,

    autoriza propositura de ao rescisria, e no a repropositura da mesma ao

    rediscutindo a lide com novos argumentos, quando a parte obtiver documentos novos,

    cuja existncia ignorava, ou de que no pde fazer uso, capaz, por si s, de lhe assegurar

    pronunciamento favorvel.63

    Nessa mesma linha, o art. 610, do CPC, ao tratar da liquidao de sentena

    refora essa idia ao vedar que as partes discutam novamente a lide ou que haja

    modificao da sentena que a julgou.64

    8 - Coisa julgada nas aes coletivas

    62 Cf. Instituies de direito processual civil, v. I, pp. 141 e 149. 63 Neste sentido, Cndido Rangel Dinamarco, ob. cit., v. III, n. 966, pp. 323/5. 64 Idem, ibidem.

  • Ao tratar dos limites subjetivos da coisa julgada, o art. 472, do CPC, foi

    moldado tendo em vista, exclusivamente, o processo civil individual. A situao

    diferente em se considerando o processo coletivo.

    Como vimos, no processo individual a imutabilidade da coisa julgada, qualidade

    que se agrega a sentena inter partes; a eficcia natural da sentena que,

    eventualmente, poder atingir terceiros.

    No processo coletivo, o regime jurdico da coisa julgada segue os preceitos

    contidos na Lei n 8.078, de 11.09.1990 (Cdigo de Defesa do Consumidor CDC),

    os quais tambm so aplicados s aes civis pblicas movidas com fundamento na Lei

    n 7.347, de 24.07.1985 (Lei da Ao Civil Pblica LACP), por fora do disposto no

    art. 21, da LACP, que lhe determina a aplicao do Titulo III, do CDC, onde est

    disciplinado o tema da coisa julgada.65

    8.1 - Coisa julgada erga omnes

    Em regra, nas aes coletivas, a coisa julgada erga omnes, ou seja, beneficiar

    todos os titulares de direito subjetivo por ela abrangida. Todavia, faz-se necessrio

    analisar e distinguir as diversas hipteses elencadas no art. 103, do CDC.

    O art. 103, I e 1, regula a coisa julgada nas aes coletivas em defesa de

    interesses difusos, estes definidos no art. 81, pargrafo nico, inciso I, do CDC.66

    So considerados exemplos de interesses ou direitos difusos: a publicidade

    enganosa veiculada atravs de imprensa, falada, escrita ou televisionada, em diversos

    momentos, atingindo um nmero incalculvel de pessoas; a colocao no mercado de

    produto perigoso, com potencialidade de atingir nmero incalculvel de consumidores,

    sem qualquer vnculo entre si.67

    65 Na doutrina, Nelson Nery Jnior, Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 4 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1996, p. 661 e ss. 66 Art. 81. (omissis) I interesses ou direitos difusos, assim entendidos para fins deste Cdigo, os transindividuais, de natureza indivisvel, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato. 67 Os exemplos so colhidos a lio de Kazuo Watanabe, Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 4 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1996, p. 502.

  • Acolhido ou rejeitado o pedido formulado numa ao coletiva em defesa de

    direitos difusos, forma-se a coisa julgada erga omnes (art. 103, I, do CDC).

    Situao idntica ocorre quando se tratar de ao coletiva fundada em interesses

    coletivos, definidos no art. 81, pargrafo nico, inciso II, do CDC.68

    O legislador atribuiu diferentes nomen iuris para a coisa julgada, consoante ela

    possua origem em aes fundadas em direitos difusos ou em direitos coletivos.

    Enquanto considera-se erga omnes a coisa julgada formada na ao em defesa de

    direitos difusos, ela referida como ultra partes nas aes em defesa de direitos

    coletivos, como se nota da redao do art. 103, I e II, do CDC.

    A distino tem o ntido interesse em destacar que a coisa julgada ultra partes

    alcana o grupo, categoria ou classe de pessoas (art. 81, p.u., II, do CDC), enquanto que

    a erga omnes atinge pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato (art. 81,

    p.u., I, do CDC).69

    Entretanto, h uma ressalva com relao ao surgimento da coisa julgada erga

    omnes e ultra partes.

    Se o pedido for rejeitado por insuficincia de provas, a lei expressamente

    autoriza a repropositura da ao coletiva com novas provas (art. 103, I, 2 parte e II, 2

    parte, do CDC). Este fenmeno denominado de coisa julgada secundum eventum

    probationis, que analisaremos abaixo.

    8.2 - Coisa julgada secundum eventum litis e in utilibus

    De modo bastante simplificado, temos que a coisa julgada secundum eventum

    litis aquela que surge no processo dependendo do resultado do julgamento da lide.

    68 Art. 81. (omissis) II interesses ou direitos coletivos, assim entendidos para fins deste Cdigo, os transindividuais, de natureza indivisvel, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrria por uma relao jurdica base. 69 Cf. Grinover, ob. cit., p. 590/1.

  • No processo coletivo brasileiro, costuma-se apontar a norma do art. 103, III, do

    CDC, como tendo previsto a coisa julgada secundum eventum litis.70

    Com efeito, o dispositivo estipula que se formar coisa julgada erga omnes,

    somente no caso de procedncia do pedido, para beneficiar todas as vtimas e

    sucessores, na hiptese do inciso III, do pargrafo nico do art. 81.

    consagrada a distino de Barbosa Moreira entre direitos essencialmente

    coletivos (art. 81, p.u., I e II, do CDC) e direitos acidentalmente coletivos. Estes ltimos

    referem-se aos interesses ou direitos individuais homogneos, que tem origem comum

    (art. 81, p.u., III, do CDC), os quais so reunidos visando a aplicao de tcnica melhor

    e mais eficiente para sua tutela, por meio de processo coletivo.71

    A coisa julgada que se forma secundum eventum litis, uma vez que somente

    beneficiar o titular do direito individual homogneo, em sendo o pedido julgado

    procedente.

    Recentemente, a Professora Ada Pellegrini Grinover retornou ao tema, ao

    analisar dispositivo semelhante constante do Cdigo-Modelo de Processos Coletivos

    para a Ibero-Amrica.72

    A doutrinadora indaga se a norma se refere coisa julgada secudum eventum

    litis, ou, se o fenmeno retrata uma forma de extenso subjetiva da coisa julgada

    secundum eventum litis. A resposta a tal pergunta, conclui a autora, depender da

    posio dogmtica adotada.

    Para a primeira hiptese, deve-se reconhecer que os titulares dos direitos

    individuais so partes, agindo por meio dos legitimados ope legis.

    Para escolha da segunda soluo, preciso admitir que eles so terceiros, de

    forma que a eficcia natural da coisa julgada que os atinge, como preleciona Liebman.

    70 Cf. Rodolfo de Camargo Mancuso, Ao civil pblica, 9 Ed. So Paulo: RT, 2004, p. 423 e ss.; ainda, Nery-Nery, ob. cit., p. 1348. 71 Art. 81. (omissis) III interesses ou direitos individuais homogneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. 72 Cf. Coisa julgada erga omnes, secundum eventum litis e secudum probationem, Repro n 126, So Paulo: RT, p. 18.

  • Por se tratarem de terceiros juridicamente interessados, podem se insurgir contra a coisa

    julgada formada, mediante os instrumentos jurdicos prprios.73

    Em verdade, o legislador brasileiro ainda acentua uma diferena entre o

    resultado do processo coletivo e os direitos subjetivos dos indivduos.

    No direito comparado, notadamente, nos Estados Unidos, a lei disciplina o

    controle judicial da representao adequada do representante da classe na ao

    coletiva.

    As Federal Rules of Civil Procedure (Cdigo Federal de Processo Civil)

    estabelecem trs classes ou espcies de aes coletivas, bastante delineadas em seu art.

    23(b), respectivamente, nos n 1, 2 e 3.

    A despeito dos requisitos genricos para todas as espcies, definidos no art.

    23(a), das FRCP, as aes coletivas previstas no art. 23(b), n 1 e 2 so consideradas

    compulsrias (mandatory class actions), de modo que a deciso proferida atingir

    integralmente a respectiva classe de indivduos. Diferentemente, a ao coletiva fundada

    no art. 23(b), n 3, dispe de mecanismo de opo, permitindo a manifestao individual

    para excluso do processo coletivo (opt-out class actions). Neste caso, todos os

    indivduos que no exerceram o direito de excluso do processo coletivo, no tempo e

    forma legais, sero alcanados pela coisa julgada formada na ao coletiva.74

    O sistema norteado pelo controle judicial da representao adequada do

    representante da classe na ao coletiva, cujo corolrio o princpio constitucional do

    devido processo legal.75

    Como conseqncia, a insurgncia contra a coisa julgada formada no processo

    coletivo, tanto nas mandatory class actions, como nas opt-out class action, onde o

    indivduo manteve-se integrado relao processual, somente ser reconhecida se restar 73 Idem, ibidem. Conferir a doutrina de Liebman no item 6 - Limites subjetivos da coisa julgada. 74 Na doutrina, conferir, Robert H. Klonoff, Class Actions and other Multi-Party Litigation. 2nd Ed. St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 2004, pp. 61/100; Craig E. Jones, Theory of Class Actions. Toronto: Irwin Law Book, 2003, passim, Stephen C. Yeazell, Civil procedure. 4th Ed. New York: Little, Brown and Co., 1996, pp. 982/1000; Jack H. Friedenthal et alli, Civil procedure. 3rd Ed. St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1999, pp. 747/758. 75 Sobre o tema, consultar, Nelson Rodrigues Netto, O uso de Aes Coletivas Passivas e Bilaterais para proteo de direitos na Internet, passim, Revista do Curso de Direito do Centro Universitrio das Faculdades Metropolitanas Unidas. Ano XIX, n 28, 2005.

  • provado que os indivduos pertencentes classe no tiveram uma representao

    adequada na ao coletiva.76

    No direito brasileiro, em caso de procedncia na ao coletiva para defesa de

    direitos individuais homogneos, haver uma ampliao do objeto da demanda ope

    legis, e sua utilizao in utilibus pelo indivduo (art. 103, p.u. III, e 3, c.c. art. 95 c.c.

    art. 97, do CDC).

    O indivduo, mesmo que no tenha intervindo na ao coletiva, fica autorizado a

    promover a liquidao do dano que individualmente sofreu, consoante o art. 97, do

    CDC, haja vista a condenao genrica, prevista no art. 95, do CDC.

    A condenao genrica proferida na ao coletiva legalmente ampliada para

    incluir o dever de indenizao individual, e a coisa julgada formada aproveitada in

    utilibus nas demandas individuais de liquidao e posterior execuo de sentena.

    Como acentuamos, no plano do processo coletivo a coisa julgada erga omnes,

    sendo procedente ou improcedente o pedido, inclusive na ao coletiva para proteo de

    direitos individuais homogneos, conforme o art. 103, 2, do CDC.

    Na esfera jurdica dos indivduos, o resultado do processo coletivo dever, em

    regra, benefici-los (coisa julgada erga omnes).77

    Entretanto, a coisa julgada erga omnes poder incidir negativamente nas esferas

    dos indivduos, quando julgado improcedente o pedido na ao coletiva, desde que

    observados certos aspectos previstos na lei.

    Isto ocorrer, nas aes fundadas em direitos difusos ou coletivos (art. 81, p.u., I

    e II, do CDC), quando a improcedncia for por qualquer outro motivo que no a

    insuficincia de provas, e, o indivduo tiver intervindo na demanda coletiva (art. 103,

    1, do CDC).78

    76 Cf. Phillips Petroleum Co. v. Shutts, 472 U.S. 797 (1985). 77 Ada Pellegrini Grinover acentua que acolhido o pedido na ao coletiva em defesa de interesses difusos, todos os membros da coletividade podem se valer da coisa julgada em benefcio de suas pretenses individuais, Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 4 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1996, p. 590. 78 No mesmo sentido, Hugo Nigro Mazzilli, Notas sobre a mitigao da coisa julgada no processo coletivo, Repro n 125, So Paulo: RT, p. 10.

  • Com relao ao coletiva fundada em direito individual homogneo, basta

    que o pedido tenha sido rejeitado e que o indivduo nela tenha intervindo (art. 103, 2

    c.c. art. 94, do CDC).

    Efetivamente, nestas hipteses em que o indivduo tenha ingressado no processo

    coletivo, este passar a ser considerado como litisconsorte do autor coletivo, formando

    um litisconsrcio unitrio, cujo resultado processual deve ser idntico a todos os

    litisconsortes.

    Logo, a improcedncia para todos os litisconsortes, restando bvio que sero

    normalmente atingidos pela autoridade da coisa julgada. O indivduo que foi

    litisconsorte, julgada improcedente a pretenso da ao coletiva, no poder propor ao

    individual posteriormente exatamente pela funo negativa da coisa julgada.

    8.3 - Coisa julgada secundum eventum probationis

    O sistema processual, em algumas hipteses expressamente previstas na lei,

    mitiga a imutabilidade e a indiscutibilidade que recai sobre o comando emergente da

    sentena de mrito, no mais sujeita a recursos.

    Vimos que o CDC e a LACP prevem a formao de coisa julgada no processo

    coletivo consoante o resultado do litgio coisa julgada secundum eventum litis a qual

    ser erga omnes, para os legitimados coletivos, sempre que for acolhida ou rejeitada a

    pretenso, neste caso, por reconhecer o juzo a sua inexistncia.

    Todavia, somente o resultado favorvel atinge os interesses e direitos

    individuais, aproveitando-se da coisa julgada in utilibus. Logo, em caso de rejeio do

    pedido na ao coletiva, os seus titulares no ficam tolhidos a defender seus interesses

    individuais, por meio de aes individuais, salvo se tiverem intervindo no processo (art.

    103, 1 e 2, do CDC).

    A coisa julgada secundum eventum probationis espcie do gnero coisa

    julgada julgada secundum eventum litis. Ela ocorre quando o pedido rejeitado por

    insuficincia de provas, o que permite a propositura de ao idntica, mas, com novas

    provas.

  • A coisa julgada efetivamente se forma, mas apenas para tornar imutvel a

    sentena, consideradas as provas que foram produzidas naquele processo. Novas provas

    autorizam a repropositura da mesma ao. No h qualquer alterao dos elementos da

    primeira ao: objeto imediato e mediato, causa de pedir prxima e remota e, partes. A

    diferena resume-se existncia de novas provas visando obter o acolhimento do

    pedido que fora rejeitado, luz da mesma causa de pedir.

    So exemplos de coisa julgada secundum eventum probationis, expressamente

    previstos na lei: (i) o art. 18, da Lei n 4.717, de 29.06.1965 (Lei de Ao Popular

    LA)79; (ii) o art. 16, da LACP80; e, (iii) o art. 103, I e II, do CDC.

    Com novas provas, qualquer legitimado coletivo, inclusive aquele que houvera

    exercido o direito de ao anteriormente, poder repropor a ao cujo pedido fora

    rejeitado por insuficincia de provas.81

    No h previso legal para formao de coisa julgada secundum eventum

    probationis nas aes coletivas fundada em interesses individuais homogneos (art. 81,

    III, do CDC), como se constata da redao do art. 103, III, do CDC.

    8.4. A aplicao do regime jurdico da coisa julgada do Cdigo de Defesa do

    Consumidor Lei de Ao Civil Pblica.

    O art. 103, 3, do CDC, estende s aes com base na LACP, a mesma norma,

    alargando legalmente (ope legis) o limite objetivo da coisa julgada da ao civil pblica,

    para permitir que as aes individuais de reparao de dano possam aproveitar in

    79 Art. 18. A sentena ter eficcia de coisa julgada oponvel erga omnes, exceto no caso de haver sido a ao julgada improcedente por deficincia de provas; neste caso, qualquer cidado poder intentar outra ao com idntico fundamento, valendo-se de nova prova. 80 Art. 16. A sentena civil far coisa julgada erga omnes, nos limites da competncia territorial do rgo prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficincia de provas, hiptese em que qualquer legitimado poder intentar outra ao com idntico fundamento, valendo-se de nova prova. 81 Cf. Grinover, Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 589.

  • utilibus da coisa julgada coletiva que julgou procedente o pedido genrico de

    condenao do causador do dano.82

    Cabe ressaltar a no incidncia do disposto no art. 16, da LACP, na redao dada

    pela Lei n 9.494, de 11.09.1997, uma vez que o preceptivo j estava revogado pelo art.

    117, do CDC, que deu nova redao ao art.21, da LACP e determinou que se aplicasse

    LACP todo o Titulo III, do CDC, que dispe sobre o procedimento do processo

    coletivo, inclusive sobre o regime jurdico da coisa julgada.83

    Ademais, o aludido dispositivo deve ser considerado inconstitucional e

    ineficaz.84

    Realmente, a Lei n 9.494/97, por ter origem em medida provisria, revela-se

    inconstitucional, posto que ausentes os requisitos constitucionais de urgncia e

    relevncia (art. 62, da C.F.) para edio daquela espcie legislativa. Trata-se de

    inconstitucionalidade formal, consoante doutrina dos Professores Nelson Nery Jnior e

    Rosa Maria de Andrade Nery.85

    Alm disso, parece-nos haver, igualmente, inconstitucionalidade material, em

    virtude da violao do art. 5, XXXVI, da C.F., por desrespeitar a coisa julgada, em seus

    limites subjetivos.

    Em acrscimo, a norma revela-se ineficaz j que confunde limites subjetivos da

    coisa julgada com competncia do rgo jurisdicional.

    Efetivamente, o legislador pretendeu limitar a coisa julgada erga omnes aos

    limites da competncia territorial do rgo prolator (art. 16, da LACP), o que revela a

    absoluta ausncia de conhecimento dos fundamentos do processo.

    Sucintamente, pode-se dizer que a competncia delimita o exerccio da

    jurisdio por cada rgo jurisdicional. Prolatada sentena de mrito, o comando dela

    emergente, torna-se imutvel e indiscutvel, ao no mais estar sujeita a recursos ou a

    reexame obrigatrio em duplo de jurisdio, atingido as partes no processo.

    82 Cf. Grinover, ob. cit., p. 592 e ss; Nery-Nery, ob. cit., p. 1348. 83 Cf. Nery-Nery, ob. cit., p. 1347 e ss. 84 Idem, ibidem. 85 Idem, ibidem.

  • No processo individual, a parte individual, nada obstante, poder haver

    litisconsrcio, ativo, passivo ou misto; mas, no caso de processo coletivo, trata-se de

    parte coletiva, logo, a coletividade, como parte que est sujeita coisa julgada.

    De tal sorte, a coisa julgada dever atingir, indistintamente, os membros do

    grupo, da classe ou da categoria dos titulares do direito coletivo, ou, os titulares de

    direitos subjetivos protegidos por ao coletiva em defesa de direito difuso ou

    individual homogneo.

    No se afigura possvel pretender disciplinar limite subjetivo da coisa julgada

    por meio de norma relativa competncia jurisdicional, como o quer o preceito do art.

    16, da LACP.

    O exerccio da jurisdio de um dado rgo jurisdicional limitado pelas regras

    de competncia, inclusive, a competncia territorial. E de outro lado, a abrangncia

    subjetiva da coisa julgada disciplinada pelas regras atinentes aos limites subjetivos da

    coisa julgada, consoante se trate de processo individual (art. 472, do CPC) ou processo

    coletivo (art. 103, do CDC).

    Em suma, pouco importa o local em que se encontra, sua residncia ou seu

    domiclio, o titular de direito individual que tenha sido defendido por meio de ao

    coletiva, ser protegido pela coisa julgada formada no processo coletivo.

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