Julgamento Conforme o Estado Do Processo

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JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO Revista de Processo | vol. 5/1977 | p. 197 - 212 | Jan - Mar / 1977 Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 6 | p. 119 - 139 | Out / 2011 DTR\1977\54 Egas Dirceu Moniz de Aragão Área do Direito: Civil; Processual Sumário: SUMÁRIO: I - Origem do instituto. II - Evolução do instituto no Direito brasileiro. III - O julgamento conforme o estado do processo (arts. 329 e 330 do CPC (LGL\1973\5)) e seus antecedentes. IV - Das providências preliminares. V - Da revelia. VI - A declaratória incidental. VII - A audiência do autor acerca das argüições do réu. VIII - O conteúdo do julgamento conforme o estado do processo. I - Origem do instituto * Creio que a primeira observação a ser feita é de que esse instituto, que o Código de Processo Civil (LGL\1973\5) de 1973 adotou, em si, nada tem de novo; corresponde a um velho anseio do Direito Processual de separar, no julgamento da causa, aquilo que é mérito daquilo que é processo. Sendo este um instrumento através do qual se realiza o Direito, há nele duas realidades distintas, às vezes até antagônicas: o direito que a parte tem, de um lado, e o direito a um juízo sobre a sua pretensão, de vê-la solucionada. Se se misturam as duas coisas, pode haver o sacrifício de uma pela outra, e, eventualmente, chegar-se ao triste resultado de não ser solucionada a pretensão trazida pelo autor, deixando, então, a lide sem solução, porque haja vício no que diz respeito ao Direito Processual. Esse anseio remonta ao próprio Direito Romano. Se encararmos, no período formulário, a preocupação com que o Pretor examinava a concessão da ação, para depois, então, ser julgado o mérito da causa, ver-se-á que presidia a esse cuidado o desejo de impedir que o direito de ação e o direito declinado pelo autor, a pretensão (a lide, portanto) pudessem ser objeto de confusão e isso prejudicasse a solução final do processo. Alguns querem enraizar neste ponto os institutos que hoje o Direito Processual conhece. Talvez não haja perfeita similitude; evidentemente, não poderia haver. Mas há um ponto de partida comum, e creio não poder recusar que, no princípio de dar ou negar a ação, que o Pretor romano exercia perante os litigantes, encontra-se o germe de que se originam todas as construções modernas. Chiovenda aponta no Direito intermédio um instituto ( preparatoria iudicii) através do qual se procurava, de certa forma, solucionar o mesmo problema. Foi no século XIX, no entanto, que ele amadureceu e chegou a produzir um fruto realmente útil, com a "primeira audiência", instituída por um Regulamento Papal, de Gregório XVI, em 1834, e, em seguida, em 1895, com a "primeira audiência" do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) austríaco, em geral a mais referida e a mais comentada de todas. Nessa primeira audiência do processo civil austríaco procurava-se - ou procura-se até hoje - separar os assuntos inerentes ao processo em si, como as exceções ou objeções processuais, dos inerentes ao mérito da causa. Essa seria, em linhas rapidíssimas, a evolução desse problema da separação de processo e mérito, no Direito europeu continental, excluída a nossa legislação lusitana. No Direito português, essa mesma preocupação levou os compiladores das Ordenações do Reino a nelas incluírem uma regra de caráter semelhante à do próprio Direito Romano. É a que figura no Liv. 3, Tít. XX, § 16, pela qual se consentia ao réu, uma vez citado, já na primeira audiência que fosse acusada a citação, suscitar a inexistência do direito de ação, da parte do autor. Alegaria ele a carência da ação, se usasse a terminologia hoje em vigor. Alguns autores aproximavam essa solução da tradicional exceção de libelo inepto. Mas quero crer JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO Página 1

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JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO

Revista de Processo | vol. 5/1977 | p. 197 - 212 | Jan - Mar / 1977Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 6 | p. 119 - 139 | Out / 2011

DTR\1977\54

Egas Dirceu Moniz de Aragão

Área do Direito: Civil; ProcessualSumário:

SUMÁRIO: I - Origem do instituto. II - Evolução do instituto no Direito brasileiro. III - O julgamentoconforme o estado do processo (arts. 329 e 330 do CPC (LGL\1973\5)) e seus antecedentes. IV -Das providências preliminares. V - Da revelia. VI - A declaratória incidental. VII - A audiência do autoracerca das argüições do réu. VIII - O conteúdo do julgamento conforme o estado do processo.

I - Origem do instituto *

Creio que a primeira observação a ser feita é de que esse instituto, que o Código de Processo Civil(LGL\1973\5) de 1973 adotou, em si, nada tem de novo; corresponde a um velho anseio do DireitoProcessual de separar, no julgamento da causa, aquilo que é mérito daquilo que é processo.

Sendo este um instrumento através do qual se realiza o Direito, há nele duas realidades distintas, àsvezes até antagônicas: o direito que a parte tem, de um lado, e o direito a um juízo sobre a suapretensão, de vê-la solucionada. Se se misturam as duas coisas, pode haver o sacrifício de uma pelaoutra, e, eventualmente, chegar-se ao triste resultado de não ser solucionada a pretensão trazidapelo autor, deixando, então, a lide sem solução, porque haja vício no que diz respeito ao DireitoProcessual.

Esse anseio remonta ao próprio Direito Romano. Se encararmos, no período formulário, apreocupação com que o Pretor examinava a concessão da ação, para depois, então, ser julgado omérito da causa, ver-se-á que presidia a esse cuidado o desejo de impedir que o direito de ação e odireito declinado pelo autor, a pretensão (a lide, portanto) pudessem ser objeto de confusão e issoprejudicasse a solução final do processo.

Alguns querem enraizar neste ponto os institutos que hoje o Direito Processual conhece. Talvez nãohaja perfeita similitude; evidentemente, não poderia haver. Mas há um ponto de partida comum, ecreio não poder recusar que, no princípio de dar ou negar a ação, que o Pretor romano exerciaperante os litigantes, encontra-se o germe de que se originam todas as construções modernas.Chiovenda aponta no Direito intermédio um instituto ( preparatoria iudicii) através do qual seprocurava, de certa forma, solucionar o mesmo problema. Foi no século XIX, no entanto, que eleamadureceu e chegou a produzir um fruto realmente útil, com a "primeira audiência", instituída porum Regulamento Papal, de Gregório XVI, em 1834, e, em seguida, em 1895, com a "primeiraaudiência" do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) austríaco, em geral a mais referida e a maiscomentada de todas. Nessa primeira audiência do processo civil austríaco procurava-se - ouprocura-se até hoje - separar os assuntos inerentes ao processo em si, como as exceções ouobjeções processuais, dos inerentes ao mérito da causa.

Essa seria, em linhas rapidíssimas, a evolução desse problema da separação de processo e mérito,no Direito europeu continental, excluída a nossa legislação lusitana.

No Direito português, essa mesma preocupação levou os compiladores das Ordenações do Reino anelas incluírem uma regra de caráter semelhante à do próprio Direito Romano. É a que figura no Liv.3, Tít. XX, § 16, pela qual se consentia ao réu, uma vez citado, já na primeira audiência que fosseacusada a citação, suscitar a inexistência do direito de ação, da parte do autor. Alegaria ele acarência da ação, se usasse a terminologia hoje em vigor.

Alguns autores aproximavam essa solução da tradicional exceção de libelo inepto. Mas quero crer

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que não se tratava, pelo teor da legislação, apenas do que nós compreendemos por libelo inepto, nosentido formal, mas, sim, também, da análise do próprio direito de ação, e se poderia separar, comohoje se faz, o julgamento do mérito da causa do julgamento do direito de ação e proferir logo aoinício do processo decisão capaz de impedir que progredisse a causa em que o mérito não tinhacondições de ser apreciado a final.

Ainda em Portugal, esse tema ganhou grande destaque no começo deste século, com dois decretosde aspecto secundário, até porque regulavam problema específico de despejo (um de 1906), atravésdos quais se introduziu, com um nome inicialmente diferente - chamava-se "despacho expurgador" e,finalmente, "despacho saneador" - uma providência de certa forma semelhante à que já se continhanas Ordenações do Reino, através da qual seria lícito ao juiz liqüidar os vícios do processo,corrigindo-os, a fim de que não pudessem de modo algum comprometer o êxito final da demanda, nosentido de ser apreciada a pretensão do autor, ou eventualmente encerrar o processo, se os víciosnele contidos fossem tais que tornassem impossível apreciar, no futuro, o mérito da causa.

Evoluiu esse texto pelo Código de 1939 e pela revisão de 1961, chegando ao Código revisto de1967, que dá ao instituto conformação pouco mais complicada do que a nossa, mas muito precisa.

Em um capítulo denominado "Da audiência preparatória e do despacho saneador", o Códigoportuguês, nos arts. 508 a 512, contém uma fase através da qual o juiz prepara o julgamento dacausa, em caráter imediato, ou, se isso não for possível, prepara a instrução do processo, a fim deque seja produzida a prova, de perícia ou de testemunha, e leva, então, o caso à audiência final.

Entretanto - e é o que mais nos interessa - segundo dispõe o art. 510, n. I, c, é consentido ao juizconhecer do pedido diretamente, se a questão de mérito for unicamente de direito e puder serdecidida com a necessária segurança, ou se, sendo a questão de direito e de fato, ou só de fato, oprocesso contiver todos os elementos para uma decisão conscienciosa. Aí, então, se conjuga com asolução dos problemas do processo em si a eventual possibilidade de julgar desde logo eantecipadamente a lide, no momento que corresponderia ao despacho saneador do nosso Código de1939. Daí provém, como veremos mais tarde, efetivamente, a idéia que inspirou o autor doAnteprojeto e hoje Código de Processo Civil (LGL\1973\5), a introduzir entre nós o chamado"julgamento conforme o estado do processo".

II - Evolução do instituto no Direito brasileiro

Na evolução do mesmo assunto no Direito brasileiro, até 1850, quando entrou em vigor oRegulamento n. 737, que era o Código de Processo Comercial do Império, as soluções eram asmesmas do Direito português. A Lei de 1823, que manteve em vigor toda a legislação anterior,assegurou a perenidade das Ordenações, até que o Código de 1850 a alterou. Este Código manteveas mesmas características das Ordenações neste particular e, no que tange à separação entreprocesso e mérito, adotou, no art. 97, regra pela qual seria possível ao juiz expurgar desde logo asnulidades acusadas pela parte, dando, assim, possibilidade a que o processo evoluísseindependentemente de vícios capazes de comprometer-lhe o resultado final. Esse texto passou atodos os Códigos estaduais. Alguns o repetiram ipsis litteris, outros com alguma alteração. O Códigode Processo Civil (LGL\1973\5) do Estado de São Paulo não o adotou tal qual era concebido noRegulamento n. 737; deu, até, um pouco mais de amplitude à regra, dizendo que, a todo o momentoem que lhe fosse denunciada alguma nulidade processual, deveria o juiz, desde logo, enfrentá-la esolucioná-la. A preocupação, portanto, de separar forma e fundo perdurava.

Foi o Código de 1939 que pela primeira vez adotou em termos de Código de Processo Civil(LGL\1973\5), a solução do legislador português. Dizia o art. 294 que o juiz, no despacho saneador,decidiria sobre a legitimidade das partes e de sua representação, determinando a citação delitisconsortes necessários e o órgão do Ministério Público; mandaria ouvir o autor em três dias,quando fosse alegada alguma exceção material; examinaria a concorrência do legitimo interesse;determinaria ex officio vistoria, exames etc., e outras quaisquer diligências que fossem necessárias.Vê-se, aí, que o juiz apreciaria, nesse momento, problemas que dizem respeito ao processo em si,aos pressupostos processuais, que dizem respeito ao direito de ação, à legitimidade das partes e aointeresse; inerentes à regulamentação do processo, ou seja, o deferimento ou indeferimento daprova, preparando, enfim, a solução que na audiência daria. Mas não continha ele, e nisso divergiado modelo português, a possibilidade de, em alguns casos, o juiz poder, desde logo, solucionar omérito da causa, ou seja, julgar antecipadamente a lide. E porque não podia fazê-lo, criou-se sério

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entrave na prática, trazendo grave embaraço ao andamento das causas: a necessidade inarredávelda realização da audiência de instrução e julgamento, mesmo que nela não houvesse instruçãoprobatória a ser produzida.

É estranho que se tenha chegado a esse resultado, porque o próprio Direito brasileiro continha, noDecreto-lei n. 960, que regulava a cobrança executiva da divida ativa da Fazenda Pública, apossibilidade de se chegar ao mesmo resultado que o processo português consentia, ou seja, ojulgamento da própria causa. Pelo art. 19, n. IV, no momento que corresponderia ao despachosaneador, ficava o juiz autorizado a conhecer do mérito da causa, se o réu fosse revelou se a defesahouvesse sido apresentada fora do prazo legal. Mesmo nessas hipóteses, o legislador de 1939, noCódigo de Processo Civil (LGL\1973\5), não admitia, no entanto, a possibilidade de se julgarantecipadamente a causa. Até essa época, portanto, a nossa grande e única preocupação, com oCódigo de 1939, era unicamente a de separar processo e mérito.

Continuávamos, em 1939, mais ou menos na mesma situação em que estava o Direito Romano doismil anos antes: dava-se ação, ou seja, reconhecia-se pelo despacho saneador que existiamcondições da ação, e o autor teria direito a obter sentença sobre a lide, ou se dizia, reconhecendo-seque pão havia condições da ação, que o autor não tinha direito a obter uma solução final sobre alide. Vejam os senhores que muito pouco havíamos progredido.

Mas outra matéria evoluiu paralelamente a esta e deságua, de certa forma, no instituto que estamosexaminando. Com a reforma do Código alemão, em 1924 (que é um dos Códigos modelares),criou-se a possibilidade de se proceder a um julgamento conforme o estado do processo emdeterminadas situações ligadas à revelia. Aí se autorizava a parte, pelo que dispõem os §§ 251-A e331-A, a pedir ao juiz que passasse ao imediato julgamento da causa, em determinadas situações,presas, como disse, à revelia. Notem distinção entre aquilo que nós fazemos ou autorizava oDecreto-lei n. 960 e o que diz o Código alemão.

Pelo Decreto-lei p. 960, era possível ao juiz, quando não oferecida a defesa, julgar desde logo omérito; portanto, a revelia levava diretamente ao julgamento. O Código atual também, veremos,permite que o juiz julgue imediatamente a causa, no caso de revelia. No Direito alemão, o que sepermite é que a parte pleiteie o julgamento imediato nos termos em que o processo se encontra, enão que o juiz o faça de ofício, como sucede conosco. Essa solução, de certa forma, já havia nonosso Direito. No velho texto das Ordenações do Reino, encontra-se regra muito interessante apropósito da confissão: quando a parte viesse a confessar, como dispunha o Liv. 3. Tít. LXVI, § 9.º, ojuiz poderia, de imediato, emitir sentença. Logo, se o réu confessasse a veracidade dos fatosaduzidos pelo autor, poderia o juiz imediatamente julgar procedente o pedido. É evidente que asOrdenações do Reino sustentavam a tese de que, sendo a matéria da prova disponível, o que eraperfeitamente compreensível a esse tempo, se o réu confessava os fatos, confessava o pedido, nadamais havia a ser decidido. Não sendo a confissão um meio de prova e havendo nesse conceito deconfissão a intromissão do reconhecimento do pedido, o juiz imediatamente solucionaria a causa.

Essa regra foi consolidada por Ribas (figura no art. 363 da Consolidação) e passou a alguns Códigosestaduais, mas não a todos. Em um deles adquiriu contornos muito semelhantes aos que há noDireito alemão com relação ao instituto. Até mesmo quanto à denominação. O Código de ProcessoCivil (LGL\1973\5) de Pernambuco, quando disciplinava a confissão, estabelecia a possibilidade,para o juiz, uma vez ocorrida a confissão, de proferir a sentença no estado em que se achava oprocesso. Inclusive as expressões "no estado em que se achar o processo" aproximam esse institutonão só do Direito alemão, como da denominação que o nosso Código contém, a qual não constituinovidade sequer do ponto de vista vocabular. O Código de Processo Civil (LGL\1973\5) do RioGrande do Sul também autorizava o julgamento imediato da causa, tão logo houvesse a confissão;porém, sem empregar a denominação, ponto em que o Código de Pernambuco se torna original.

Portanto, há duas modalidades distintas de julgamento conforme o estado do processo. A de origemalemã, em que se julga conforme o estado do processo, de um modo diferente do que correspondeao nosso instituto, e a de origem portuguesa, em que se antecipa a solução da causa, pelo princípioda economia processual, nas hipóteses em que não haja necessidade de se produzir prova pessoal;não haja necessidade de perícia ou de testemunhas; causas em que a prova seja exclusivamentedocumental. Dessas duas modalidades de julgamento o nosso legislador, ao que parece, adotouprioritariamente a última: o juiz somente julga antecipadamente a causa quando, por circunstânciasque a lei define, lhe seja permitido solucionar o próprio mérito da causa. Mas conservou, ao que me

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parece, a outra modalidade, também, e esse é assunto pouco explorado neste Código, e parece darmargem a muito estudo interessante.

No art. 265, que cuida da suspensão do processo, precisamente no capítulo em que o Códigoalemão também cuida dessa matéria, o § 2.º diz o seguinte:

"No caso de morte do procurador de qualquer das partes, ainda que iniciada a audiência de instruçãoe julgamento, o juiz marcará, a fim de que a parte constitua novo mandatário, o prazo de 20 dias,findo o qual extinguirá o processo sem julgamento do mérito, se o autor não nomear novomandatário, ou - e aqui vem a parte que nos interessa - mandará prosseguir no processo à revelia doréu, tendo falecido o advogado deste".

Esse prosseguimento à revelia do réu pode ser interpretado, se se levar ao pé da letra, como sendoa continuação normal, para chegar à solução final, mas também pode autorizar, parece-me, estainterpretação: nos casos em que se admitiria o julgamento em virtude de revelia, o juiz, nestemomento, julga conforme o estado do processo, tão logo caracterizada a revelia do réu. No que sedistinguiria esse, julgamento conforme o estado do processo", possível, a meu ver, por força dessedispositivo, do outro "julgamento conforme o estado do processo", a que se refere o Código, nos arts.329 e segs.? É que, no primeiro caso, o juiz efetivamente julga conforme o estado do processo; nosegundo, que o Código define como tal, ele não faz isso. Vou tentar mostrar-lhes a diferença: asolução que aqui se contém, ou a solução que se continha nas Ordenações do Reino, adotada emPernambuco, no Rio Grande do Sul, existente no Direito alemão, é que, num determinado momento,no qual não se consideraria a causa madura para uma solução, o juiz, no entanto, no estado em queela se encontra, a despeito de se encontrar ainda naquele estado, profere o julgamento em virtudede um acontecimento original: houve a contumácia do réu, e é exatamente no capítulo da suspensãodo processo que o Código alemão trata disso. Por sobrevir a revelia, ou por sobrevir, como era ocaso das Ordenações do Reino, do Código de Pernambuco, a confissão, o juiz, no estado em que oprocesso se encontra, sem colher mais provas, sem dar mais oportunidades às partes, julga a causacom o material até então colhido, mais ou menos como o aluno que entrega a prova porque acabouo tempo de escrevê-la; não importa se chegou ou não ao fim do que tinha a dizer.

O julgamento conforme o estado do processo, no sistema alemão, e neste parágrafo em que meapóio, embora seja essa uma opinião pessoal, permite ao juiz que ponha de imediato paradeiro àcausa e profira uma sentença com o material até aí colhido. Não importa se esse material é tudo ouse ainda seria possível colher mais. Essa é a regra que as Ordenações do Reino adotavam comrelação à confissão. E a regra mostra tão nitidamente a diferença desses dois julgamentos que asOrdenações do Reino diziam que o juiz julgava a causa emitindo uma sentença com preceito desolvendo; seus anotadores escreviam que, nesse caso, o juiz não proferia sentença condenatória, ouseja, reconheciam que as qualidades das sentenças proferidas nessas condições não eram iguais àsdas sentenças vindas normalmente, ao término da instrução. Por isso mesmo, dizia-se que asentença tinha o sabor de um preceito de solvendo, ou seja, similar, na sua aparência externa, aoque seria o próprio preceito das ações cominatórias. O juiz emitia sentença especial, abandonandodali por diante a instrução da causa, que, em princípio, se tornava desnecessária, porque o réu haviaconfessado. Mas já intuía o legislador português a diferença que mais tarde tornou-se patente noDireito Processual entre a confissão como meio de disposição do direito, que hoje corresponde aoreconhecimento, e a confissão como simples meio de prova, que, hoje, o Código permite seja postoaté de lado, se o juiz não estiver convencido dela. Este, sim, é um julgamento propriamenteconforme o estado do processo: assim como ele se encontra, o juiz o soluciona, em virtude desobrevir um acontecimento especial.

III - O julgamento conforme o estado do processo (arts. 329 e 330 do CPC (LGL\1973\5)) e seusantecedentes

De outro tipo, entretanto, é o julgamento conforme o estado do processo a que se refere o Códigonos arts. 329 e 330, e dele passarei a me ocupar agora, tentando mostrar-lhes não só aspeculiaridades que contém, como sua evidente diferença com esse julgamento imediato que poderiasurgir no sistema das Ordenações e de alguns Códigos estaduais e se pode proferir no sistemaalemão, mas não coincide com o do nosso Código.

Neste capítulo, do julgamento conforme o estado do processo, contém o Código três seções: umasobre a extinção do processo, outra sobre o julgamento antecipado da lide, outra sobre o

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saneamento do processo. Não me parece, entretanto, que seja possível tratar dessas três hipótesessem examinar as providências chamadas preliminares pelo Código, mas que se incluem, a meu ver,inevitavelmente no julgamento conforme o estado do processo. É impossível chegar a ele sem terpassado por elas, porque preparam a causa para esse tipo de pronunciamento. Veremos, atémesmo, que uma das modalidades inscritas no capítulo do julgamento conforme o estado doprocesso é apenas o epílogo de algo que começa necessariamente antes, entre as chamadasprovidências preliminares.

IV - Das providências preliminares

Das tais providências preliminares cuida o Código em um capítulo imediatamente anterior, em trêsseções, embora divida em quatro. A primeira delas denomina-se "Do efeito da revelia"; a segunda,"Da declaração incidente"; a terceira, "Dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do pedido"; ea quarta, "Das alegações do réu". A qualquer das duas, seja a terceira, seja a quarta, poder-se-iausar a denominação de "audiência do autor", porque ambas se referem a dois problemas que sãoiguais; no fundo, há um só.

V - Da revelia

Quanto à revelia, que tem um dispositivo expresso nas providências preliminares e outro nojulgamento conforme o estado do processo, é forçoso acentuar que o Código de 1973 adotou arespeito posição completamente diversa da que caracterizava o Código de 1939. Se perante o últimoa revelia produzia efeitos múltiplos, desde um resultado igual a zero, porque não isentaria o juiz decolher a prova, tampouco ao autor de produzi-la, e menos ao juiz de levar o

caso à audiência, outras hipóteses havia em que se poderia proferir imediatamente um julgamento,ou até como se dava, por exemplo, no despejo por falta de pagamento, acolher a procedência dopedido do autor. O Código de 1973, abandonando essas distinções, adota posição muito severa: "seo réu não contestar a ação, o juiz, verificando que não ocorreu o efeito da revelia, mandará que oautor especifique as provas que pretende produzir na audiência". Ao contrário, se verificar queocorreu o efeito da revelia, diz o art. 330, n. II, o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindosentença; porém, só o poderá fazer em conjugação com o disposto no art. 320, segundo o qual nãoterá lugar o julgamento conforme o estado do processo se ocorrer uma dessas situações: "havendopluralidade de réus, algum deles contestar a ação"; o "litígio versar sobre direitos indisponíveis"; "apetição inicial não estiver acompanhada de instrumento público que a lei considere indispensável àprova do ato". Portanto, afastadas estas hipóteses, e verificada a ocorrência da revelia, o juizconhecerá diretamente do pedido. Evidente que essas três soluções se entrosam e constituem umaúnica, embora localizadas em títulos distintos do Código de Processo Civil (LGL\1973\5); não meparece possível cuidar do julgamento conforme o estado do processo sem enfrentar os três aspectosde uma só vez.

O tratamento dado à revelia tem provocado reação entre os comentadores, algumas até veementes,como as do Prof. Calmon de Passos, que me parece atirar o disco além da meta. Fala S. Exa. nasgrandes dificuldades que haveria para o pobre litigante do interior em enfrentar situação desse tipo,ignorante que está, às vozes, das conseqüências que acarreta; em certos casos incapaz, atémesmo, de entendê-las, ainda que explicadas pelo oficial de Justiça. Não me parece que S. Exa.tenha razão, e não dou tanta importância ao detalhe, porque o litigante pobre e humilde normalmentetem como bem único jurídico a defender o seu trabalho, o produto do seu trabalho. Não costuma tercapitais, ser proprietário de bens, nem ter demandas, mas, sim, uma ocupação remunerada: seubem mais valioso é o trabalho. Na Justiça do Trabalho adotam-se soluções, como a citação porcarta, que provocou tanta queixa, muito próximas disso que o Código de 1973 introduziu, e todasvêm funcionando razoavelmente bem, mesmo nos sertões, de modo a me parecer que há certoexagero de sua parte na defesa tão veemente que faz de solução contrária à que o Código adotou. Obem da vida mais útil, para quem não tem outro, é o produto do trabalho, e esse é tratado na CLT(LGL\1943\5), de maneira às vezes menos cuidadosa, até, do que no Código de Processo Civil(LGL\1973\5), de modo que não me parece tão grave esta situação.

Por outro lado, o Código ressalva algumas hipóteses, como a de litisconsortes, ou de necessidadeda demonstração através de documento substancial, ou, ainda, de se tratar de direito indisponível(criando a necessidade de se estudar mais aprimoradamente essa categoria). Por isso, creio que oproblema está bem posto e dará boas soluções. Porém, o que o Código não diz, e isto, sim, é

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importante (creio que, embora não seja dito, deve ser praticado, porque afrontaria o bom sensoraciocinar de modo inverso), é que nenhum juiz deve considerar produzido o efeito da revelia, capazde autorizá-lo a julgar a causa sem produção de provas, fiado apenas no que diz o autor, e confiadona suposta e presumida anuência do réu, pelo ato de não contestar a ação, sem primeiro se certificarse o oficial de Justiça efetivamente fez a citação, se realmente orientou a pessoa a propósito dosefeitos que a falta de defesa acarretaria. Esse exame da validade interna e externa da citação, quealgumas leis estrangeiras exigem como condição para declarar a revelia, existe também em nossoDireito, embora o Código não o diga. Ninguém de bom senso sustentará que o juiz possa considerarproduzidos esses efeitos da revelia e julgar imediatamente a causa, mesmo se desconfiar de que acitação foi mal feita, e que o oficial não se conduziu adequadamente. Este é um problema grave,porque, infelizmente, entre nós, os oficiais de Justiça, a não ser nos grandes centros, são pessoasde muito baixa condição intelectual, por culpa, mesmo, do tipo de recrutamento adotado no país paraos auxiliares de Justiça; por culpa da falta de preparo dessas pessoas e da falta de preparação parae durante o exercício do cargo, uma vez que ninguém se preocupou em aprimorar intelectual efuncionalmente esses servidores (oficiais de Justiça, avaliadores, porteiros, serventuários, etc.).Parece importante, para o fim a que o Código se destina, que a revelia só seja admitida quando ojuiz estiver capacitado, para consigo mesmo, de que, na verdade, a citação foi bem feita e o réu teveoportunidade de saber que, se não contestasse a ação, correria o risco de ver admitidos comoverdadeiros os fatos alegados pelo autor.

VI - A declaratória incidental

Outra das providências que o Código determina diz respeito à declaração incidente. Diz o art. 325:

"Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o autor poderá requerer, no prazode 10 dias, que sobre ele o juiz proferirá sentença incidente, se da declaração da existência ou dainexistência do direito depender no todo ou em parte o julgamento da lide".

Essa ação declaratória incidental, a meu ver, não é novidade do Código de 1973, pois entendo queseria admissível mesmo sob o Código de 1939; por duas vezes dela fiz uso em Juízo a essa épocacomo advogado. Abro parêntesis para explicar o porquê. Concebo a possibilidade jurídica do pedidonão como efeito da existência de texto de lei que permita a solução pretendida, mas olhando-a poroutro ângulo: entendo que toda pretensão é viável em Juízo se não houver texto de lei que o proíba.Vejam os senhores que, quando se fala da impossibilidade jurídica do pedido, invoca-se o divórcioou a dívida de jogo. Por quê? Porque tanto o divórcio como a cobrança de dívida de jogo sãoproibidos pela legislação brasileira. E consta (não tenho informação, porque o livro não contém) queLiebman, recentemente, teria abandonado a tese de ser a possibilidade jurídica do pedido uma dascondições da ação, porque a Itália consentiu no divórcio. Toda a sua tese se baseava na inexistênciade divórcio na Itália. Ora, há outras situações em que não é possível exercer a ação. Nessas outrassituações há, também, textos proibidores, que podem não ser tão claros, tão declarados, quanto o dodivórcio, o da dívida, de jogo, mas há impossibilidade de exercer o pedido. Tomem como exemplo oscasos em que se exige depósito preparatório, conseqüência da bilateralidade prevista no art. 1.092do CC. Se o depósito prévio é indispensável para que se acolha a pretensão, eis aí um obstáculo aoseu exercício; o pedido não é juridicamente possível enquanto não tiver sido feito o depósitopreparatório. Suponhamos que alguém ingresse em Juízo sem ter feito o depósito preparatório;ver-se-ia o juiz ante um dilema: ou o autor tem a ação e a causa será julgada improcedente, decididoo mérito, apenas porque não houve depósito preparatório, ou será proferida sentença de declaraçãode carência da ação, caso em que, após cumprida pelo contratante a parte que lhe toca, terá ele odireito de exercer a pretensão de exigir a prestação da outra parte.

Essas considerações me levam a pensar que o ângulo pelo qual Liebman encarou o problema nãoera o melhor. Não se pode conjugar a possibilidade jurídica do pedido à existência de um textopermissivo. Tem-se de enxergá-lo por outro ângulo, ou seja, o da inexistência de texto proibitivo. Vouum pouco mais longe: Liebman é discípulo de Chiovenda, que assentava sua construção de apossibilidade jurídica do pedido resultar da existência de texto permissivo no sistema jurídico italiano.Ora, observava ele, nos Principii, que diferente seria a situação se na Itália vigesse sistema jurídicocomo o suíço, que consente ao juiz construir a regra que, se legislador, editaria, na ausência de textolegislado.

Pois bem, nosso sistema mais se aproxima do suíço do que do italiano. Desde as Ordenações doReino (Liv. 3, Tit. LXIV), temos célebre disposição, emendada pela Lei da Boa Razão em 1769,

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segundo a qual a lacuna da lei não exime o juiz de proferir sentença. Neste caso, recorrerá aosprincípios gerais do Direito, à analogia, aos costumes, e, eventualmente, como diz o texto atual, seautorizado a decidir por eqüidade, poderá construir a norma. A regra das Ordenações passou aonosso Direito, chegou a ser garantia constitucional na Carta de 1934, figura na Lei de Introdução doCódigo Civil (LGL\2002\400), no Código de 1939 e no atual, dizendo sempre que o juiz não se eximede proferir sentença ou despacho em virtude de lacuna da lei. Que significa isso? Significa que o juiznão está, como sucederia no sistema italiano analisado por Chiovenda, amarrado à necessidade deuma lei que diga, porque, mesmo que a lei nada diga, ou que seja omissa, terá de solucionar opedido, terá de construir a solução, eventualmente através da analogia, dos princípios gerais deDireito, dos usos e costumes, ou, mesmo, fazendo o papel de legislador, nos casos em queautorizado a decidir por eqüidade. Logo, nosso juiz está adstrito a uma lei que diga "não". Quando alei veta o exercício da pretensão, então, sim, não será possível ingressar em Juízo. Mas ainexistência de texto permissivo não constitui obstáculo que autorize o juiz a indeferir a pretensão;terá de examiná-la e, se possível, adotar uma dessas soluções preconizadas pela Lei de Introduçãoao Código Civil (LGL\2002\400), ou pelo próprio Código de Processo Civil (LGL\1973\5). Por isso,fechando, agora, esse parêntesis, me parece que o conceito de possibilidade jurídica do pedido, aquitão largamente repetido à base do que dizia Liebman, não tem, a meu ver, maior relevância. O queimporta é que exista na lei um veto, como é o caso do divórcio, da divida de jogo, e outros que sevão encontrando pelo caminho, inclusive um que deu margem a enorme questão, aqui em SãoPaulo: a necessidade de exaurir previamente a via administrativa, exigida pela legislação peculiar aoInstituto do Açúcar a do Álcool, antes de se ingressar em Juízo. Quem não exaurir a viaadministrativa encontra, por definição expressa da lei, um veto ao exercício da sua pretensão emJuízo. Há impossibilidade jurídica do pedido até que se tenha exaurido a via administrativa.

Esta minha opinião não tem encontrado apoio, ao que me parece; porém, foi criticada comargumentos que não me convenceram. Se me tivessem convencido, seria o primeiro a recuar, e ofarei no dia em que alguém me apresentar algo de mais palpável.

Portanto, voltando ao princípio da possibilidade de se ajuizar a ação declaratória incidental, creio quenão é uma novidade no nosso Direito. Porém, está-se-lhe dando importância que, na realidade,parece-me não ter. Discutiu-se, recentemente, em Curitiba, e com muito afinco, se haverianecessidade de a petição em que se ajuiza a ação declaratória incidental conter os requisitos de umapetição inicial, se não todos, pelo menos alguns, o que me parece exagero; complica algo que, em si,é simples. Em que consiste a declaração incidental? Diz o art. 5.º: "se no curso do processo, setornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide,qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença".

Tem a parte, portanto, Uma opção, que se vê muito claramente se conjugados os art. 5.º, 469 e 470.Se, por qualquer circunstância, determinada questão prejudicial dever ser solucionada pejo juiz, doiscaminhos se lhe abrem: ou a soluciona incidenter tantum e o assunto, está solucionado pelo art. 469("não fazem coisa julgada:... III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente noprocesso"), ou essa mesma questão, pelo mesmo juiz, pela mesma sentença, com as mesmascaracterísticas processuais, será apreciada com força de coisa julgada, como diz o art. 470 ("faz,todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte requerer, o juiz for competenteem razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide").

Por isso, parece-me que, nessas providências preliminares, o juiz terá de verificar não se a parteproduziu um requerimento com as características formais de petição inicial, mas se na contestação oréu pediu que determinada questão prejudicial seja por ele solucionada com força de coisa julgada;nada mais. Verá, então, se é competente, se a questão constitui pressuposto necessário da solução,e na sentença final dirá, por esse motivo, que a soluciona com força de coisa julgada. E, ainda quenão diga, se o fizer, a lei atribuirá à solução força de coisa julgada.

Da mesma sorte, se na contestação surgir algum problema que constitui questão prejudicial, e oautor quiser a esse respeito obter solução com força de coisa julgada, requererá ao juiz que sobreesse assunto a sentença assim disponha. Ir além disto parece complicar o que na sua essência éalgo simples. Não há exigências maiores do que esta, de pedir ao juiz que sobre o tema, desde queconstitua realmente questão prejudicial, a sentença decida com força de coisa julgada, para nãocolher de surpresa a outra parte.

VII - A audiência do autor acerca das argüições do réu

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Nos arts. 326 e 327 cuida o Código da necessidade de ouvir o autor. No primeiro (art. 326), se o réuhouver alegado fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do pedido, que me parecemcorresponder às exceções materiais, no segundo, se houver alegado qualquer das matériasenumeradas no art. 301. Em ambas as hipóteses, o juiz ouve o autor. Essa audiência tem,evidentemente, efeitos distintos: se se trata de exceção material, em que, por força da posição queassume, o réu fica como se estivesse na situação de autor, a resposta do autor corresponde ao queseria a defesa do réu. Quanto ao art. 327, no entanto, o problema muda de figura, porque o autorsimplesmente replicará às alegações que, baseadas no art. 301, o réu haja feito. Mas em ambos oscasos procede-se à audiência do autor.

Deixo de fora a segunda parte do art. 327, porque me parece que se integra com o art. 331.

VIII - O conteúdo do julgamento conforme o estado do processo

"Cumpridas as providências preliminares", diz o art. 328, "o juiz proferirá julgamento conforme oestado do processo." Mas vejam os senhores que jamais poderia chegar a esse julgamento sempassar pelas providências preliminares, razão pela qual me parece que elas, efetivamente, integramo capítulo denominado "Julgamento conforme o estado do processo".

Nele, diz o Código que o juiz ou extinguirá o processo, ou julgará antecipadamente a lide, ouprocederá ao saneamento da causa. Quem se detiver apenas nas palavras do texto, mas não na suaessência, suporá que o juiz chega ao saneamento do processo em terceiro lugar. Mas, na verdade,não é assim; o saneamento do processo continua sendo o número um deste capítulo. Ou se trate dejulgar antecipadamente a lide, ou se trate de remeter o processo à audiência, em qualquer dos doiscasos há a necessidade de sanear o processo. Vejam os senhores que o saneamento não secontém apenas no art. 331; começa no art. 327, segunda parte: "verificando a existência deirregularidades ou de nulidades sanáveis, o juiz mandará supri-las, fixando à parte prazo nuncasuperior a 30 dias". Isto é que é saneamento. É verificar se ocorre vício, falta de pressupostoprocessual, e determinar que esse vício seja corrigido. Isto é saneamento. Designar audiência, comodiz o art. 321, ou decidir sobre a realização do exame pericial, já não é mais saneamento, écomplementação, regulamentação para o futuro da marcha do processo, no que tange à prova. Adisposição do art. 327, através da qual o juiz efetivamente procede ao saneamento do processo,aplica-se tanto ao caso de julgamento antecipado da lide quanto ao caso de julgamento da lide porsentença final em audiência ou não. O que importa é que seria impossível ao juiz julgarantecipadamente a lide se se verificasse alguma das situações previstas no art. 327, em quedevesse decretar a nulidade do processo. O juiz não pode julgar antecipadamente a lide emprocesso nulo, de sorte que, tanto para um quanto para outro dos dois casos, o saneamento começaantes; é a primeira etapa do julgamento conforme o estado do processo. Através dele, tanto seprepara o processo para a audiência quanto se o prepara para receber sentença antecipada.

Vencida essa etapa, saneado, portanto, o processo, apenas com a dispensabilidade de se designara audiência, ou deferir a produção de prova, nos casos em que haja possibilidade de julgar a causapor antecipação, o juiz passará ao julgamento conforme o estado do processo, no que diz respeitoao julgamento antecipado da lide. Se, ao contrário, não lhe for possível sanear o processo, porquehaja vícios insuperáveis, passará a outra das seções contidas nesse capítulo, que é a extinção doprocesso. Decretá-la-á sempre que não for possível sanear o feito, pela existência de vícios quetornem inviável o aproveitamento da causa.

Na extinção do processo, há duas regras absolutamente distintas. Uma se prende à extinção,propriamente dita, e outra à modalidade que o Código criou, da extinção do processo com acomposição da lide. Se, por acaso, os motivos que levam o juiz a extinguir o processo se incluementre as regras do art. 267 e outras, além dessas, espalhadas pelo Código, então o processo seextinguirá sem julgamento do mérito. Isso corresponde à antiga absolvição da instância, seja emsentido restrito, seja, como diziam as Ordenações do Reino, a absolvição da instância elo Juízo, quecorresponde à absolvição da instância em sentido lato. A primeira, de sentido mais estreito,corresponde à ausência de pressupostos processuais, a segunda, de sentido mais amplo,corresponde à falta de condições da ação.

Ou porque faltem pressupostos processuais, ou porque faltem as condições da ação, o juiz extingueo processo. Se o extingue porque faltam pressupostos processuais, isto é o sintoma mais declaradode que não foi possível corrigir tais vícios na ocasião em que os apreciou, por força do disposto no

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art. 327. Se faltam as condições da ação, o juiz proferirá sentença que, pondo fim ao processo, nãolhe aprecia o mérito. As condições da ação, hoje inscritas no art. 267, n. VI, remontam à construçãode Liebman, que o Código adotou (faço questão de acentuar que a atual mudança de posição dopróprio Liebman, enjeitando ou repudiando a possibilidade jurídica, em nada afeta o Código deProcesso Civil (LGL\1973\5), o qual não diz serem condições da ação as que Liebman determinar;diz serem condições da ação as três que Liebman havia referido. Ou Liebman mude de opinião, ounão, a lei não mudou e, se não mudar, a tese perdura a mesma). Porém, pode acontecer outro tipode extinção de processo, previsto no art. 329, extinção original, que acarreta a composição da lide. OCódigo separa assuntos que antes tratara conjugadamente; diz que, se ocorrer alguma dashipóteses previstas no art. 269, ns. II a V, o juiz declarará extinto o processo.

No art. 269, cuida o legislador da extinção do processo com julgamento do mérito, agrupando coisasheterogêneas; encontra-se em primeiro lugar um caso típico de julgamento da causa: sentença queacolhe ou rejeita o pedido. Encontra-se um outro caso, também típico de julgamento pelo juiz: o do n.IV, segundo o qual compete ao juiz decretar a decadência ou a prescrição. Mas se encontram,também, três outros, em que a composição da lide resulta de ato estranho ao juiz, provém da própriamanifestação de vontade das partes, o que se dá ou quando o réu reconhece a procedência dopedido ou quando o autor renuncia ao direito, ou quando as partes se compõem, através detransação. Em nenhuma dessas hipóteses me parece que haja sentença. Haverá, do ponto de vistaformal, um ato judiciário, com características externas de sentença, pelo qual o juiz analisa avalidade extrínseca do ato de reconhecer, do ato de renunciar, ou do ato de transigir; mas semapreciar a substância de tais atos.

Isso divide, no momento, a doutrina. Há autores que sustentam que, mesmo quando o réu reconhecea procedência do pedido - vejam bem a importância dessa posição - o juiz, ainda, assim, proferesentença que poderia levar à rejeição do reconhecimento que o réu declarou. Creio que isso éimpossível. Se se entender que, por força do seu magistério, o juiz pode julgar a causa a seu gosto,ou seja, de acordo com a sua consciência, mesmo nos casos de reconhecimento da procedência dopedido, teremos de chegar à conclusão de que o juiz pode fazer a mesma coisa quando as partestransigirem. Não há a mínima diferença entre transação e reconhecimento da procedência do pedido,em ambos há ato de disposição. Se o direito é disponível, cabe ao réu reconhecer a procedência dopedido, cabe ao réu transar com o autor; cabe ao autor renunciar à pretensão. Se o direito éindisponível, não cabe ao réu reconhecer a procedência do pedido; não cabe, em princípio, atransação; pode até não caber a renúncia à ação. Conseqüentemente, não há diferença entre essestrês institutos.

Se se admitir que o réu não pode livremente reconhecer a procedência do pedido, mas depende,para isso, da chancela do juiz, então, ter-se-á de reconhecer (uma questão de coerência) quetambém quando as partes quiserem chegar a uma transação terão de pedir licença ao juiz e obterdele um alvará, quanto à substância da transação, para que seja válida, o que até hoje não vininguém sustentar.

Por isso entendo que o Código separa três situações em que o juiz apenas chancela, pelahomologação, o que as partes construíram no ato de disposição, e duas situações em que o juiz,efetivamente, julga. Uma, a mais tradicional de todas, acolhendo ou rejeitando o pedido; outraacolhendo ou rejeitando a alegação de prescrição ou decadência.

Creio que o texto do art. 329, conjugado com o do art. 330, confirma esta tese, porque a própria leisepara, de um lado, no art. 329, casos em que o juiz efetivamente não chega a proferir de fatosentença acolhendo ou rejeitando o pedido; de outro, aqueles em que o juiz chancela o que aspartes haviam composto através do reconhecimento, da renúncia ou da transação. Parece até que adecretação da prescrição e da decadência deveria estar no art. 330, porque o Código adotou posiçãosegundo a qual o julgamento da prescrição ou da decadência corresponde ao mérito, com istoafastando a disputa doutrinária e jurisprudencial existente no Brasil, a propósito de constituir ou nãoa prescrição um assunto de mérito. Enquanto alguns entendiam que a prescrição afetava apenas odireito de ação, e por isso seria uma de suas condições, outros entendiam que a prescrição afetava opróprio mérito da causa, e, portanto, haveria julgamento da lide através da decretação da prescrição.

O Código adotou a segunda opinião, tanto assim que a prescrição está incluída entre os casos dejulgamento de mérito, do art. 269, correspondendo efetivamente a um pronunciamento do juiz, e, porisso, creio que melhor se harmonizaria com o art. 330 do que com o 329. Mas, de qualquer forma, o

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Código mostra muito nitidamente que uma coisa é proferir sentença, acolhendo ou rejeitando opedido, outra é reconhecer sua procedência, renunciar à ação, transar, assunto em que ainterferência do juiz se limita a verificar se o direito era disponível; a forma do ato jurídico exigida pelalei foi respeitada; se efetivamente a transação, o reconhecimento ou a renúncia preenchem osrequisitos para valer como tal. Mas não irá examinar se as partes queriam transar, se a transação éjusta ou injusta, se quem está renunciando, no fundo, ganharia a questão, ou se quem estáreconhecendo poderia, talvez, obter sentença favorável. A posição paternalista acima referidaliquida, em princípio, com a possibilidade de disposição que a lei reconhece às partes.

Portanto, no art. 329, conjugam-se providências de naturezas distintas: ou se extingue o processosem julgamento de mérito, ou se julga a causa, extinguindo o processo através de uma solução quedeixa a lide composta, ao contrário do que se dá com base no art. 267, em que o julgamento dacausa deixa a lide sem solução. A diferença fundamental que há entre ambas está inscrita no art.268. As regras do art. 267 levam a uma extinção que não compõe a lide, por isso se pode propor denovo o mesmo pedido. As regras do art. 269 levam a uma extinção que compõe a lide e, por isso,não se pode propor mais o pedido, que fica coberto pela coisa julgada.

Diriam os senhores - e tenho de abrir novo parêntesis - que, no art. 268, há uma exceção a contrariaro que afirmo. Quero mostrar-lhes que não contraria. Diz o art. 268 que, salvo o disposto no n. V. doart. 267, a extinção do processo não impede que o autor intente de novo a ação. Ora, que diz o art.267 em seu n. V? Diz que o processo se extingue quando o juiz acolher a alegação de perempção,de litispendência ou de coisa julgada, e, nesse caso, não é permitido propor a ação uma segundavez. Por que não é? Porque, neste caso, ocorre uma solução original, que difere das demaisinerentes ao art. 267. Se o juiz decreta a perempção, extingue o direito do autor. A perempção estámal colocada no art. 267, porque a perempção, que resultava da terceira absolvição da instância,pelo Código de 1939, ou da terceira decretação de extinção por abandono da causa, no Código de1973, é modo de extinguir o direito, e, conseqüentemente, de compor a lide: forma indireta, oblíqua,heterogênea, porém modo de composição da lide.

Admitamos que não coubesse propriamente no art. 269, porque é possível dizer-se, como se dá coma prescrição em alguns casos, que, mesmo não tendo possibilidade de agir como autor, a pessoaconserva a de excepcionar como réu.

Há velha regra que diz "quod temporalia sunt ad agendum perpetua sunt ad excipiendum". Então, asolução mais exata para o caso seria incluir a perempção num artigo à parte. Nem no art. 267,porque ela implica na extinção do processo em definitivo, tampouco no art. 269, se não se quiserconsiderá-la questão de mérito.

As outras hipóteses seriam a de se acolher a litispendência ou a coisa julgada. Quando se acolhe acoisa julgada ou a litispendência, está-se a dizer que não é possível a ação ter curso. Se o caso é delitispendência, a ação já está ajuizada e não é possível ajuizá-la segunda vez; por isso, diz o Códigoque, neste caso, acolhida a argüição de litispendência, não é possível propor de novo a ação: já estáproposta.

Por força de um vezo muito antigo, de se identificar o direito de ação com o próprio direito subjetivoque a parte exercida em Juízo, tem-se dito e repetido, ao longo dos séculos, que ocorrelitispendência quando são propostas duas ações iguais. Mas, atentem para este detalhe: não háduas ações; a ação não pode ser exercida duas, três, quatro vezes. A conhecida teoria daidentidade, de Pescatore, que levaria a se poder chegar a identificar se duas ações são iguais, nadamais demonstra do que estar sendo exercida duas vezes a mesma ação. Ou, indo mais longe (numcurso como este, temas deste tipo têm cabimento), haverá ações ou haverá pretensões? Se o direitode ação é o de pretender do Estado a composição da lide, não há "ações". O direito que se exerce éum só, seja qual for a pretensão nele contida. Ele é veículo através do qual a pretensão,possessória, de domínio, pessoal ou real, é levada a Juízo. Quando se fala, hoje, em "açãopossessória", em "ação real", é o subconsciente que está traindo a pessoa, e ela está voltando àconcepção já superada de que a cada direito corresponde uma ação, o que é uma falsa afirmativa: acada pretensão cor responde o direito de vê-la exercida em Juízo, mas esse direito é um só.

Cheguei a compará-lo, não sei se com acerto ou desacerto, ao que se dá com o direito público devotar. O voto é um só. Não importa se a eleição é municipal, estadual ou federal. A ação é a mesma.É o direito de exigir do Estado a sentença que compõe a lide. Não importa que a pretensão exercida

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seja material, pessoal, de despejo, posse, e assim por diante. Quando se propõe a ação, o que seestá dizendo é que a pretensão foi exercida, e quem exerce a pretensão uma vez não pode exercê-lasegunda vez, ou terceira. Conseqüentemente, há esse obstáculo, representado pela litispendência,quando, estando a pretensão em Juízo, apresentada através do exercício do direito de ação, a partequer fazer outra vez a mesma coisa, seja o autor, seja o réu. Logo, não é possível admitir-se queduas vezes se proponha em Juízo o pedido de resolver a mesma pretensão. Em conseqüência,acolhida a litispendência, o que foi que se acolheu? Acolheu-se como exata a afirmativa de que apretensão já está sendo exercida em Juízo e não é possível exercê-la de novo em outro ou nomesmo Juízo. Logo, a que foi exercida pela segunda vez será obstada e o processo extinto. Mas,evidentemente, não se aprecia o mérito, porque apenas se diz que, estando a pretensão ajuizada,não é permitido ajuizá-la de novo. Não seria possível, portanto, incluir essa regra no art. 269. Mastambém não seria possível dizer-se que, reconhecida a existência da pendência da lide, se pudessereabrir o mesmo processo, e por quê? Porque a pretensão está em curso perante o mesmo ou outroJuízo, através de outro processo, e nele será julgada pelo juiz. Conseqüentemente, no momento emque for solucionada, o assunto se encerrará. Nem mesmo a hipótese suscitada pelo Prof. Calmon dePassos - de a extinção do primeiro processo sem julgamento de mérito permitir a restauração dosegundo - é verdadeira, porque o segundo já está extinto; o que se pode, quando o primeiroprocesso se extinguir sem julgamento de mérito, é manifestar de novo a mesma pretensão, reiterar opedido de solução para a pretensão, mas aí será um terceiro processo, não o segundo.

O mesmo se dá, pelas mesmas razões, apenas com mais ênfase, até, quando ocorre a coisajulgada. Se a pretensão já foi solucionada, a lide já está composta, é óbvio que não se pode ajuizarde novo um pedido de solução para lide solucionada. Por estas razões é que, neste caso, nem aargüição de litispendência, nem a de coisa julgada, conduzem à possibilidade de propor de novo aação.

Por isso me parece, nos casos em que o processo se extingue sem julgamento do mérito, que adiferença fundamental encontrada no art. 329 é a de que, nos outros, correspondendo aos ns. II a Vdo art. 269, o mérito fica solucionado, a lide fica composta, mesmo que o juiz não profira sentençanesse sentido. Logo, o art. 329, como lhes disse, a princípio, contém duas providências distintas,como se fossem frutos de posições antagônicas. Já o art. 330, único participante da seçãodenominada "Do julgamento antecipado da lide", contém providência diversa. Nele, o legisladorcogitou exclusivamente do que corresponderia ao n. I do art. 269, ou seja, o julgamento daprocedência ou improcedência do pedido manifestado pelo autor. E poderá fazê-la em uma de duassituações; ou porque a causa está em condições de receber a sentença - mas, vejam bem, nãoreceber a sentença no estado em que o processo se encontra, ou seja, abortando o seu andamento,não; o processo já chegou ao seu final. Se a prova a ser nele produzida é apenas documental, se aquestão a ser dirimida é exclusivamente de direito, o processo, neste momento, encerrada a fasepostulatória, atingiu o ápice; independe de instrução, e, por esta razão, o juiz o julga. Não "conformeo estado do processo", não porque sobreveio inesperada revelia, ou porque a parte confessou, e, porisso, tornou o caso passível de uma solução naquele estado, não. O próprio legislador reconheceu aprofunda diferença que há entre o instituto, tal como conceituado no Código de Processo alemão, talcomo poderia haver no regime das Ordenações e nos Códigos estaduais, quando isolou, no Capítulo"Do julgamento conforme o estado do processo", uma seção que trata do julgamento antecipado dalide; eu diria, mesmo, que nem antecipado esse julgamento é, é um julgamento no momento próprio,no momento adequado, antecipado apenas do ponto de vista externo, porque o processo, queconcebemos caminhando em direção à audiência, neste caso, dela independe.

Tem-se, pois, um processo de vida mais curta, outro de vida mais longa. Se se trata de caso em quea questão de mérito pode ser solucionada independente da produção de prova em audiência, oprocesso é mais breve, a sentença vem mais rápido. Se se trata de processo em que é necessárioproduzir prova pericial, ou ouvir testemunhas em audiência, sua vida é mais longa, a solução demoraum pouco mais. Em qualquer dos dois casos, a lide é julgada. Não há uma antecipação dejulgamento. Há, na lei, dois momentos distintos para proceder-se ao julgamento. No n. II do art. 330,poderá a lide ser solucionada desde logo se tiver ocorrido a revelia. A revelia, sim, poderia, talvez,dar margem a se supor que há antecipação de julgamento, porque não houve colheita de provas.Mas não há colheita de provas por quê? Porque a lei dá como presumida a veracidade dos fatosnarrados pelo autor nos casos em que o legislador entende que desta presunção não advémprejuízo; nos em que entende que dela resultaria prejuízo, tornou proibido o julgamento antecipado,através da regra inscrita no art. 320.

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Portanto, nas questões meramente patrimoniais, onde não esteja em jogo direito indisponível, nasquestões em que não haja litisconsortes, ou em que nenhum deles haja apresentado defesa, ou,ainda, nos casos em que não seja exigido sequer documento substancial a instruir o pedido, a lei sesatisfaz com o silêncio do réu, e o juiz profere sentença compondo a lide. Com isto, o processo seencerra. E eu, também, creio que aqui encerro estas minhas demoradas considerações,agradecendo a todos a gentileza da paciência com que me ouviram (Palmas).

* Conferência proferida em 8.11.1975, no V Curso de Especialização em Direito Processual Civil,promovido pelo Setor de Especialização da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ecoordenado pelo Prof. Dr. Arruda Alvim.

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