JULIANO GUERRA ROCHA...coragem para lutar e vencer obstáculos! À Professora Sônia Maria dos...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLAcircNDIA
FACULDADE DE EDUCACcedilAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM EDUCACcedilAtildeO
TESE DE DOUTORADO
JULIANO GUERRA ROCHA
HISTOacuteRIA DA ALFABETIZACcedilAtildeO DE CRIANCcedilAS EM GOIAacuteS
1835-1886
UBERLAcircNDIA MG
2019
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JULIANO GUERRA ROCHA
HISTOacuteRIA DA ALFABETIZACcedilAtildeO DE CRIANCcedilAS EM GOIAacuteS
1835-1886
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Educaccedilatildeo da Faculdade de Educaccedilatildeo da
Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito
parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor de
Educaccedilatildeo
AacuteREA DE CONCENTRACcedilAtildeO Histoacuteria e Historiografia da
Educaccedilatildeo
ORIENTADORA Profordf Drordf Socircnia Maria dos Santos
UBERLAcircNDIA MG
2019
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JULIANO GUERRA ROCHA
HISTOacuteRIA DA ALFABETIZACcedilAtildeO DE CRIANCcedilAS EM GOIAacuteS 1835-1886
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Faculdade de
Educaccedilatildeo da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial para
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor de Educaccedilatildeo
Uberlacircndia 16 de agosto de 2019
BANCA EXAMINADORA
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Agrave mulher que me ensinou saborear um livro acompanhado
de maccedilas picadas minha avoacute
Neide Teixeira de Morais (em memoacuteria)
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AGRADECIMENTOS ____________________________________
Essa etapa da minha vida acadecircmica sem duacutevidas foi menos tensa ou ateacute
mesmo poderia dizer mais tranquila por ter pessoas que compartilharam comigo
essencialmente palavras e gestos de muito afeto Tocaram a minha alma e se
embrenharam pelas minhas memoacuterias Por isso o meu agradecimento e
reconhecimento
Obrigado Deus pelo dom da vida e pela sauacutede Pelos tropeccedilos e pelas
alegrias obrigado por ter colocado pessoas em minha vida que me deram forccedilas e
coragem para lutar e vencer obstaacuteculos
Agrave Professora Socircnia Maria dos Santos que honra por ter sido seu orientando
Muito obrigado pela amizade pelo carinho e pela confianccedila Com a senhora aprendi
que a vida na Universidade eacute muito melhor quando temos verdadeiras amizades
Aos meus pais Adriana Guerra de Morais Rocha e Antocircnio Soares da Rocha
meu irmatildeo Rafael Guerra Rocha obrigado por serem minha fortaleza e me apoiarem
A eles e a toda a minha famiacutelia obrigado pelo silecircncio e pelas palavras por sempre
entenderem a minha ausecircncia e me incentivarem aos estudos
Agraves minhas tias Luzimar Guerra de Morais e Fernanda Guerra de Morais meu
avocirc Manoel Guerra de Morais minha gratidatildeo pela confianccedila e forccedila em cada passo
da minha vida pessoal e profissional
Agrave Professora Francisca Izabel Pereira Maciel a quem eu sou muito grato
Obrigado professora pelo carinho e pelos conselhos pela amizade e pela confianccedila
E claro pelas valorosas contribuiccedilotildees a esta pesquisa tanto na qualificaccedilatildeo quanto
na defesa final
Agrave Professora Betacircnia de Oliveira Laterza Ribeiro pela sua generosidade e
carinho muito obrigado Obrigado pelas contribuiccedilotildees a essa pesquisa pelo
entusiasmo e gentileza de ler meu texto nas suas diferentes etapas de produccedilatildeo
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Agrave Professora Cecilia Maria Aldigueri Goulart pessoa que me inspirou e me
apresentou a dimensatildeo discursiva da alfabetizaccedilatildeo com sua postura freireana e
bakhtiniana meus agradecimentos
Agrave Professora Mariacutelia Villela de Oliveira muito obrigado por compartilhar comigo
o momento da defesa da tese Pela amizade e carinho meus agradecimentos
Agrave Professora Sandra Cristina Fagundes de Lima uma grande mestra que com
delicadeza e muita poesia ensinou-me a apaixonar pelos caminhos labiriacutenticos da
memoacuteria e da histoacuteria Obrigado pelas suas contribuiccedilotildees
Agrave Professora Diane Valdez pela generosidade em compartilhar informaccedilotildees e
me indicar caminhos na pesquisa sobre a histoacuteria da educaccedilatildeo goiana aleacutem de ceder
os livros do Baratildeo de Macauacutebas Muito obrigado
Agrave minha amiga Gabriela Marques de Sousa que o Doutorado me deu e como
ela diz nem mesmo a tese pode nos separar Obrigado pela amizade pelas palavras
de carinho e conforto nos diferentes momentos da escrita deste trabalho Tenho muito
orgulho de ser seu amigo
Ao Maacutercio Fernandes de Oliveira grande amigo que acompanhou todo o
processo de escrita da tese e me deu forccedilas para caminhar Minha gratidatildeo pela
paciecircncia e pela escuta nos momentos de afliccedilatildeo
Agrave Luana Cavalcanti Arauacutejo Borges pela amizade de sempre e pelas palavras
durante todo o percurso meus agradecimentos
Agrave Nuacutebia Gomes por me acolher em sua casa durante minha estada em
Uberlacircndia Obrigado por compartilhar seu lar comigo e pelas palavras sempre
amigas
Outros amigos que tambeacutem dividiram comigo esse momento e aos quais sou
muito grato Geracilda Maria Tacircnia Regina Rosimeire Pereira Rosaine Aparecida
Silvana Fernandes Maria Auxiliadora N Amorim Arlete de Falco Anair Freitas e
tantos outros os quais natildeo nominei mas que estatildeo anotados na memoacuteria
Aos meus amigos da Secretaria Municipal da Educaccedilatildeo e do Coleacutegio Estadual
Sebastiatildeo Xavier em ItumbiaraGO pessoas apaixonadas pela educaccedilatildeo e que
fazem a diferenccedila em minha vida
Agrave Maria Beatriz Villela de Oliveira obrigado pela leitura atenta na revisatildeo textual
deste trabalho e pelo zelo com as minhas palavras
ldquoA todos esses que em mim atingiram zonas assustadoramente inesperadas
todos esses profetas do presente e que a mim me vaticinaram a mim mesmo a ponto
de eu neste instante explodir em eu Esse eu que eacute voacutes pois natildeo aguento ser apenas
mimrdquo1 muito obrigado
1 Dedicatoacuteria feita pela escritora Clarice Lispector (1977) nas paacuteginas iniciais do livro A hora da estrela
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RESUMO ____________________________________
Esta tese de doutorado vinculada agrave linha de pesquisa de Histoacuteria e Historiografia da Educaccedilatildeo do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal de Uberlacircndia tem como objeto de estudo a alfabetizaccedilatildeo na proviacutencia de Goiaacutes no seacuteculo XIX O objetivo da investigaccedilatildeo foi analisar a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas goianas compreendendo os ideaacuterios sobre o ensino inicial de leitura e escrita difundidos nas escolas em Goiaacutes entre 1835 a 1886 O recorte temporal abarcou o periacuteodo em que se iniciou o processo de organizaccedilatildeo da instruccedilatildeo primaacuteria em Goiaacutes por meio da promulgaccedilatildeo da primeira lei goiana de instruccedilatildeo puacuteblica Lei nordm 13 de 23 de junho de 1835 indo ateacute 1886 quando foi publicado o uacuteltimo Regulamento sobre a Instruccedilatildeo Puacuteblica de Goiaacutes Ato de 2 de abril de 1886 levado a efetivo cumprimento durante o Impeacuterio Tendo isso em vista o trabalho se desenvolveu a partir das seguintes problematizaccedilotildees como a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes se constituiu durante o periacuteodo imperial Quais os materiais usados para se alfabetizar as crianccedilas goianas no decorrer dessa histoacuteria Quais ideaacuterios sobre o ensino inicial de leitura e escrita circularam na proviacutencia de Goiaacutes Essas questotildees orientaram a pesquisa que se baseou nos estudos sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo da leitura e dos livros no Brasil Como fonte histoacuterica foram usados os jornais os documentos oficiais as legislaccedilotildees as correspondecircncias de expediente escolar e os mapas de turmas inventariados no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes bem como os Relatoacuterios dos Presidentes de Proviacutencia dentre outras documentaccedilotildees depositadas em Arquivos Digitais brasileiros e europeus A partir desses documentos foi realizado um levantamento das cartilhas e livros de leitura utilizados nas escolas de instruccedilatildeo primaacuteria da proviacutencia o que possibilitou depreender pela anaacutelise desses impressos os meacutetodos que circularam em Goiaacutes no oitocentos Os resultados da pesquisa apontaram que ao contraacuterio dos discursos que vecircm sendo mantidos sobre a instruccedilatildeo puacuteblica goiana do seacuteculo XIX no campo da alfabetizaccedilatildeo houve diferentes tentativas do governo provincial de alinhar a proposta da instruccedilatildeo primaacuteria aos ideaacuterios de modernidade educacional que circulavam pelo contexto nacional em especial no Rio de Janeiro A histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes se constituiu em diaacutelogo com o projeto educacional de uma Naccedilatildeo inspirado no modelo europeu Essa proviacutencia natildeo esteve isolada tampouco perifeacuterica ou interiorana em relaccedilatildeo a todo o Impeacuterio Goiaacutes no que concerne ao ensino de leitura e escrita aos livros e meacutetodos que subsidiavam esse processo esteve em sintonia com o contexto nacional no regime imperial Palavras-chave Cartilhas em Goiaacutes Histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes Histoacuteria da Educaccedilatildeo em Goiaacutes Instruccedilatildeo primaacuteria em Goiaacutes Livros de leitura em Goiaacutes Meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes Meacutetodos de leitura em Goiaacutes Proviacutencia de Goiaacutes
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ABSTRACT ____________________________________
This doctoral thesis linked to the research line of History and Historiography of Education of the Graduate Program in Education of the Federal University of Uberlacircndia has as object of study the literacy in the province of Goiaacutes in the nineteenth century The objective of the research was to analyze the history of the literacy of children in Goiaacutes comprehending the ideas about the initial teaching of reading and writing spread in schools in Goiaacutes between 1835 and 1886 The temporal cut included the period in which the process of organizing primary education in Goiaacutes began through the promulgation of the first Goiaacutesrsquo public education law Law no 13 of June 23rd 1835 going until 1886 when it was published the last Regulation on the Public Instruction of Goiaacutes Act of April 2nd 1886 led to effective compliance during the Empire In view of this the work developed from the following problematizations how did the history of literacy in Goias constitute itself during the imperial period What materials were used to literate the children of Goias throughout this history What ideas about the initial teaching of reading and writing circulated in the province of Goiaacutes These questions guided the research which was based on studies on the history of literacy reading and books in Brazil As a historical source newspapers official documents legislations correspondence of school files and maps of classes that were inventoried in the State Historic Archive of Goiaacutes as well as the Reports of the Presidents of the Province among other documents deposited in Brazilian and European Digital Archives were used From these documents a survey of the booklets and reading books used in the primary schools of the province was carried out which made it possible to understand through the analysis of these forms the methods that circulated in Goiaacutes in the nineteenth century The research results pointed out that contrary to the discourses that have been maintained on the public education in Goiaacutes in the nineteenth-century in the field of literacy there have been different attempts by the provincial government to align the proposal of primary education with the ideals of educational modernity that circulated through the national context level especially in Rio de Janeiro The history of literacy in Goiaacutes was constituted by a dialogue with the educational project of a Nation inspired by the European model This province was not isolated nor peripheral or interiorized in relation to all the Empire Goiaacutes in what concerns to the teaching of reading and writing to the books and methods that subsidized this process was in tune with the national context in the imperial regime Keywords Booklets in Goiaacutes History of literacy in Goiaacutes History of Education in Goiaacutes Primary education in Goiaacutes Reading Books in Goiaacutes Literacy methods in Goiaacutes Reading methods in Goiaacutes Province of Goiaacutes
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LISTA DE FIGURAS ____________________________________
Figura 1 Mapa do Brasil exposto no I SIHELE quantidade por estado
de participantes inscritos no evento
25
Figura 2 Folha de rosto do livro Novo Alfabeto Portuguez dividido por
Syllabas com os primeiros elementos da Doutrina Christatilde e o
Methodo de ouvir e ajudar agrave missa (1785)
146
Figura 3 Folha de rosto da 16ordf ediccedilatildeo do livro Methodo Facillimo para
aprender a ler tanto a letra redonda como a manuscripta no mais
curto espaccedilo de tempo (18--)
149
Figura 4 Paacuteginas 86 87 e 88 do Methodo Facillimo para aprender a ler
tanto a letra redonda como a manuscripta no mais curto espaccedilo
de tempo (18--)
153
Figura 5 Folha de rosto da 2ordf ediccedilatildeo do Pequeno Cathecismo Historico
contendo em compendio a Historia Sagrada e Doutrina Christatilde
(1846)
154
Figura 6 Folha de rosto da 4ordf ediccedilatildeo do Methodo facil para aprender a
ler em 15 liccedilotildees (1875)
159
Figura 7 Paacutegina vii do Methodo facil para aprender a ler em 15 liccedilotildees
(1875)
161
Figura 8 Folha de rosto da 2ordf ediccedilatildeo do livro Metodo Castilho para o
ensino rapido e aprasivel do ler impresso manuscrito e
numeraccedilatildeo e do escrever (1853)
192
Figura 9 Paacuteginas 29 e 31 do livro Metodo Castilho para o ensino rapido
e aprasivel do ler impresso manuscrito e numeraccedilatildeo e do
escrever (1853)
200
Figura 10 Paacuteginas 7 e 10 do livro O expositor portuguez ou rudimentos
de ensino da lingua materna (1831)
209
Figura 11 Folha de rosto da 9ordf ediccedilatildeo do livro Historia de Simatildeo de Nantua
ou O mercador de feiras (1867)
212
Figura 12 Modelos de penas de accedilo 221
Figura 13 Capas das ediccedilotildees do meacutetodo Bacadafaacute (1871 e 1877) 238
Figura 14 Primeira carta do meacutetodo Bacadafaacute (1871) 241
Figura 15 Quadro synoptico do methodo de leitura abreviada (1871) 245
11
Figura 16 Carta de nomes do Meacutetodo Bacadafaacute 246
Figura 17 Folha de rosto da 1ordf ediccedilatildeo do Primeiro livro de leitura para
uso da infancia brasileira (1867)
261
Figura 18 Paacutegina 20 da 1ordf ediccedilatildeo do Primeiro livro de leitura para uso da infancia brasileira (1867)
266
12
LISTA DE QUADROS ____________________________________
Quadro 1 Grupos de Pesquisa sobre Histoacuteria da Alfabetizaccedilatildeo localizados
no Diretoacuterio dos Grupos de Pesquisa do Brasil
70
Quadro 2 Mapa da turma da Escola do 2ordm grau da instruccedilatildeo primaacuteria em
Vila de Meiaponte (1837)
141
Quadro 3 Mapa mensal da turma da Freguesia de Santa Rita do
Paranaiacuteba (1867)
141
Quadro 4 Catecismos e ou Livros de Doutrina Cristatilde usados nas escolas
goianas 1835-1886
174
Quadro 5 Livros ou Manuais usados nas escolas goianas 1835-1886 177
13
LISTA DE TABELAS ____________________________________
Tabela 1 Populaccedilatildeo do Estado de Goiaacutes 29
Tabela 2 Quantidade de teses e dissertaccedilotildees identificadas no Banco de dados da Capes a partir da busca com a palavra ldquoalfabetizaccedilatildeordquo
55
Tabela 3 Quantidade de teses e dissertaccedilotildees selecionadas no Banco de
dados da Capes
59
Tabela 4 Quantidade de dissertaccedilotildees identificadas com o tema alfabetizaccedilatildeo nas bibliotecas digitais de dissertaccedilotildees e teses da UFG e da PUC-GO
62
Tabela 5 Quantidade de dissertaccedilotildees e teses identificadas no Banco de dados da Capes com os termos relacionados na tabela
65
Tabela 6 Quantidade de teses e dissertaccedilotildees por ano sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil
67
Tabela 7 Quantidade de teses e dissertaccedilotildees por universidade sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil
74
Tabela 8 Quantidades de dissertaccedilotildees e teses sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo dos estados brasileiros
78
Tabela 9 Quantidades de dissertaccedilotildees e teses sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo por periacuteodo da histoacuteria do Brasil
83
14
SUMAacuteRIO ____________________________________
APRESENTACcedilAtildeO 16
INTRODUCcedilAtildeO 32
PARTE I ndash ldquoPASSEANDO PELOS ARREDORESrdquo DO CAMPO DA ALFABETIZACcedilAtildeO OS
DISCURSOS PRODUZIDOS SOBRE O OBJETO DE PESQUISA
50
1 Goiaacutes na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo do Brasil 51
11 Alfabetizaccedilatildeo um tema em diferentes discursos 52
12 As teses e dissertaccedilotildees do campo temaacutetico da histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo lugares periacuteodos e fontes
64
13 Consideraccedilotildees parciais 84
PARTE II ndash ALFABETIZANDO CRIANCcedilAS NA PROVIacuteNCIA DE GOIAacuteS 86
2 A instruccedilatildeo primaacuteria em Goiaacutes no periacuteodo imperial 87
21 1835 a 1869 90
22 1869 a 1886 119
23 Consideraccedilotildees parciais 134
3 Meacutetodos e livros para alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas em Goiaacutes 136
31 Impressos para ensinar a ler e escrever 139
32 Impressos para o ensino da leitura corrente 172
33 Consideraccedilotildees parciais 182
4 O meacutetodo Castilho na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes 188
41 Um professor goiano no Rio de Janeiro impressotildees sobre os
meacutetodos Castilho e Simultacircneo
196
42 Repercussotildees da viagem de Primo Jardim na proviacutencia goiana 214
43 Consideraccedilotildees parciais 227
5 A produccedilatildeo didaacutetica brasileira na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes 231
51 O Meacutetodo Bacadafaacute de Antonio Pinheiro de Aguiar 235
52 Os livros de Abiacutelio Ceacutesar Borges 251
53 Consideraccedilotildees parciais 270
15
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 273
REFEREcircNCIAS 280
FONTES 312
Fontes citadas na Apresentaccedilatildeo 313
Fontes citadas na Introduccedilatildeo 313
Fontes citadas na Seccedilatildeo 1 Goiaacutes na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo do Brasil 314
Fontes citadas na Seccedilatildeo 2 A instruccedilatildeo primaacuteria em Goiaacutes no periacuteodo
imperial
314
Fontes citadas na Seccedilatildeo 3 Meacutetodos e livros para alfabetizaccedilatildeo de
crianccedilas em Goiaacutes
320
Fontes citadas na Seccedilatildeo 4 O meacutetodo Castilho na histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes
324
Fontes citadas na Seccedilatildeo 5 A produccedilatildeo didaacutetica brasileira na histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes
329
Fonte citada nas Consideraccedilotildees Finais 334
Listas de Expediente Escolar e Mapas de Turmas 334
16
APRESENTACcedilAtildeO ____________________________________
ldquoSomos o que lemosrdquo2
A literatura eacute sempre um convite para um mergulho3 em terras inabitaacuteveis em
horizontes desconhecidos em caminhos abstratos As histoacuterias impressas em
paacuteginas marcam e selam seus leitores de uma forma ou outra a literatura provoca e
transforma Como algueacutem apaixonado por literatura natildeo poderia iniciar este trabalho
sem evocaacute-la procurando inspiraccedilatildeo entre os escritos de autores da literatura
brasileira para abrir estas reflexotildees
Iniciemos com O Ateneu de Raul Pompeacuteia Quando o pai de Seacutergio
personagem principal do enredo o deixa na porta do Ateneu e diz ldquoVais encontrar o
mundordquo uma sucessatildeo de fatos se desenrola desnudando o cotidiano de um
internato do Rio de Janeiro A escola na voz do pai seria o ambiente que
transformaria a vida do filho tirando-o do seio materno e inserindo-o numa instituiccedilatildeo
social diferente da famiacutelia A escola narrada por Pompeacuteia numa perspectiva histoacuterica
eacute o retrato dos modos de educar no regime imperial Sobre o processo de aprendizado
da leitura Seacutergio nos conta
Eu aprendera a ler pelos livros elementares de Aristarco e o supunha velho como o primeiro4 poreacutem rapado de cara chupada pedagoacutegica oacuteculos apocaliacutepticos carapuccedila negra de borla fanhoso onipotente e
2 Trecho de Alberto Manguel (1997 p 201) no livro Uma histoacuteria da leitura 3 Sim mergulho Paradoxalmente um mergulho em terras 4 ldquoO primeirordquo refere agrave imagem de Cristo descrita anteriormente pelo personagem
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mau com uma das matildeos para traacutes escondendo a palmatoacuteria e doutrinando agrave humanidade o becirc-aacute-baacute (POMPEacuteIA 1996 p 8)
No Conto de Escola de Machado de Assis um garoto em 1840 relutante em ir
agrave escola relata sobre seus sentimentos em relaccedilatildeo ao coleacutegio e suas impressotildees com
as liccedilotildees de gramaacutetica
Para cuacutemulo de desespero vi atraveacutes das vidraccedilas da escola no claro azul do ceacuteu por cima do morro do Livramento um papagaio de papel alto e largo preso de uma corda imensa que bojava no ar uma coisa soberba E eu na escola sentado pernas unidas com o livro de leitura e a gramaacutetica nos joelhos (ASSIS 2002 p 207)
Os livros de leitura e as aulas da professora de Ernesto e Eugecircnio personagens
da obra Olhai os liacuterios do campo de Eacuterico Veriacutessimo marcaram suas vidas Algumas
leituras e livros ficam eternizados em nossas memoacuterias quem natildeo se lembra das
histoacuterias que povoaram a infacircncia Haacute textos que nos remetem a lugares cheiros
sabores pessoas
Eugecircnio tinha uma grande pena do pai mas natildeo conseguia amaacute-lo Sabia que os filhos devem amar os pais A professora falava na aula em amor filial contava histoacuterias dava exemplos Mas por mais que se esforccedilasse Eugecircnio natildeo lograva ir aleacutem da piedade Tinha pena do pai Porque ele tossia porque ele suspirava porque ele se lamentava porque ele se chamava Acircngelo Acircngelo eacute nome de gente infeliz nome de assassinado Ernesto natildeo podia olhar para o pai sem se lembrar da seacutetima liccedilatildeo do Segundo Livro de Leitura Sentira ao lecirc-la pela primeira vez uma comoccedilatildeo tatildeo grande que ficara um dia inteiro sob a impressatildeo da trageacutedia (VERIacuteSSIMO 1995 p 9-10)
As cenas transcritas acima registraram em estilo literaacuterio o fazer da escola e
o ensino da leitura e da escrita em eacutepocas e espaccedilos diferentes No entanto satildeo
registros de personagens que talvez natildeo tenham existido mas que se lidos numa
perspectiva sincrocircnica ao tempo que retratam instigam-nos a pensar mais sobre uma
histoacuteria que todos noacutes vivemos a nossa alfabetizaccedilatildeo Desse modo pesquisar a
histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo muito aleacutem de historiografar praacuteticas meacutetodos livros eacute falar
de pessoas que ensinaram e aprenderam a leitura e a escrita da liacutengua materna
E por que um estudo histoacuterico sobre alfabetizaccedilatildeo
Vidal (2014) refletindo sobre a questatildeo ldquoEm que os estudos de natureza
histoacuterica sobre o ensino da leitura escrita podem contribuir com as praacuteticas de
alfabetizaccedilatildeo na atualidaderdquo nos auxilia na proposiccedilatildeo de uma resposta agrave pergunta
[] o passado natildeo lega ao presente uma foacutermula de sucesso a ser recuperada nem necessariamente uma liccedilatildeo As vaacuterias abordagens
18
que fazemos do ontem nos alertam para a multiplicidade dos possiacuteveis de cada momento histoacuterico inscritos nas relaccedilotildees sociais de poder Oferecem exemplos sobre o que foi feito ampliando nosso repertoacuterio de praacuteticas [] Suscitam reconhecer que a nossa relaccedilatildeo com o ontem eacute simultaneamente de continuidade e ruptura atribuindo vaacuterias camadas de temporalidade ao passado Instigam-nos por fim a perscrutar os modos como atribuiacutemos sentido ao mundo e significamos nossa experiecircncia preteacuterita e atual levando em consideraccedilatildeo a materialidade da vida (VIDAL 2014 p 12-13)
Em consonacircncia Mortatti (2008) advoga a necessidade de conhecer o passado
da alfabetizaccedilatildeo natildeo para ressuscitaacute-lo agrave procura de soluccedilotildees para os problemas de
hoje tampouco para conceber o presente como uma repeticcedilatildeo simplista do que
ocorreu em tempos anteriores e sim para provocar pesquisas que suscitem novos
olhares novas questotildees e proposiccedilotildees
Eacute evidente que a alfabetizaccedilatildeo eacute um ldquocampo discursivordquo5 de frequentes
disputas tanto nas esferas poliacutetica e midiaacutetica como tambeacutem na acadecircmica
Apoiando-nos na pesquisa de Mortatti (2000) eacute possiacutevel dizer que os sentidos
atribuiacutedos agrave alfabetizaccedilatildeo pelos sujeitos nas diferentes instituiccedilotildees (partidos
poliacuteticos governos universidades grupos de pesquisa meios de comunicaccedilatildeo)
evidenciam a homeacuterica luta entre Fracasso versus Sucesso no processo de
alfabetizaccedilatildeo Nas palavras da autora
[] visando agrave ruptura com seu passado determinados sujeitos
produziram em cada momento histoacuterico determinados sentidos
que consideravam modernos e fundadores do novo em relaccedilatildeo
ao ensino da leitura e escrita Entretanto no momento seguinte
esses sentidos acabaram por ser paradoxalmente configurados
pelos poacutesteros imediatos como um conjunto de semelhanccedilas
indicadoras da continuidade do antigo devendo ser combatido
como tradicional e substituiacutedo por um novo sentido para o
moderno (MORTATTI 2000 p 23 grifos nossos)
Ou seja haacute sempre um discurso em contraposiccedilatildeo a outro que
intencionalmente refuta ideias para marcar um territoacuterio autoral
No acircmbito poliacutetico-partidaacuterio uma situaccedilatildeo recente foi a mudanccedila preconizada
pela Base Nacional Comum Curricular (BRASIL 2017) que modificou a proposta do
ciclo de alfabetizaccedilatildeo considerando que a crianccedila deve estar plenamente
alfabetizada ateacute o fim do segundo ano do Ensino Fundamental O projeto revela
5 Expressatildeo utilizada em conformidade com a definiccedilatildeo feita por Maingueneau (2005)
19
claramente um embate entre posiccedilotildees partidaacuterias (Partido dos Trabalhadores versus
Partido do Movimento Democraacutetico Brasileiro) jaacute que os documentos publicados
durante o governo petista dos presidentes Luiz Inaacutecio Lula da Silva e Dilma Rousseff
ndash que antecederam o governo do presidente peemedebista Michel Temer ndash garantiam
a alfabetizaccedilatildeo ateacute o final do terceiro ano do Ensino Fundamental Haacute que se registrar
tambeacutem que no atual governo presidencial de Jair Bolsonaro o tema alfabetizaccedilatildeo
ocupou alguns discursos dos integrantes do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo que fizeram
apologia ao meacutetodo focircnico Aleacutem disso foi instituiacuteda a Poliacutetica Nacional de
Alfabetizaccedilatildeo por meio do Decreto nordm 9765 de 11 de abril de 2019 (BRASIL 2019)
tomando como base uma noccedilatildeo restrita de alfabetizaccedilatildeo enfatizando os aspectos
fonecircmicos do aprendizado da liacutengua portuguesa Outrossim o termo letramento natildeo
foi mencionado
Na imprensa os comentaacuterios dos jornalistas sobre determinados fazeres
pedagoacutegicos sobre as taxas de avaliaccedilotildees externas e os iacutendices de analfabetismo
(funcional e absoluto) tentam demonstrar ndash de forma banal ndash o que eacute ldquocorreto ou natildeordquo
para ensinar a ler e escrever Os comentaacuterios nas colunas do economista Claudio de
Moura Castro e do jornalista Alexandre Garcia por exemplo veiculados pela miacutedia
impressa ou televisiva hora ou outra causam polecircmicas sobre a escola brasileira e
seu desafio de alfabetizar Outro exemplo eacute uma revista de circulaccedilatildeo nacional dirigida
aos professores Nova Escola atualmente mantida pela Fundaccedilatildeo Lemann A
alfabetizaccedilatildeo eacute um tema recorrente e quase sempre ocupa uma ou mais mateacuterias de
suas ediccedilotildees formando a opiniatildeo do puacuteblico leitor
No meio acadecircmico como assevera Goulart (2014)
Ao enfrentarmos temas polecircmicos constituiacutemos e confrontamos argumentos de postos de observaccedilatildeo diferentes dos apresentados por aqueles com que dialogamos A criacutetica pela criacutetica natildeo constroacutei Quando falamos entretanto em nome de concepccedilotildees de sociedade de ser humano e de ensino-aprendizagem instauramos o debate que ganha corpo e se adensa [] O ponto de partida envolve respeito pelas posiccedilotildees alheias ndash natildeo um respeito obsequioso e passivo mas um respeito ativo e vivo que inclui considerar a importacircncia do diaacutelogo do pensamento divergente da possiacutevel revisatildeo de caminhos que pode ser desencadeada de ambos os lados capaz de gerar avanccedilos renovaccedilotildees de posturas teoacuterico-metodoloacutegicas e novos pontos de ancoragem (GOULART 2014 p 327)
De fato eacute necessaacuterio instaurar o diaacutelogo aleacutem dos muros das universidades
dos grupos de pesquisas dos projetos institucionais afinal o conhecimento eacute movido
20
pelas incertezas pois ldquonatildeo haacute homogeneidade nos lsquosentidosrsquo atribuiacutedos agrave
alfabetizaccedilatildeo no que se refere ao SABER na verdade haacute uma multiplicidade de
SABERES no plural natildeo um SABER sobre a alfabetizaccedilatildeordquo (SOARES 2014 p 29
grifo da autora)
Logo eacute premente estudar a alfabetizaccedilatildeo em suas ldquomuacuteltiplas facetasrdquo tal como
nos ensinou e propocircs a mestra Magda Soares (1985) No caso desta tese
contemplamos a ldquofaceta histoacuterica da alfabetizaccedilatildeordquo6 tendo como loacutecus de pesquisa
o estado de Goiaacutes
Fonseca (2003) ao refletir sobre o lugar da histoacuteria da educaccedilatildeo e suas
relaccedilotildees com diferentes abordagens historiograacuteficas verifica que comparativamente
agrave produccedilatildeo cientiacutefica nacional as publicaccedilotildees internacionais tecircm demonstrado maior
preocupaccedilatildeo com investigaccedilotildees histoacuterias na aacuterea da educaccedilatildeo Retomando
importantes pesquisas7 evidencia que a educaccedilatildeo foi tratada ora como um campo de
investigaccedilatildeo autocircnomo ora como um tema possiacutevel numa dada corrente
historiograacutefica
Saviani (2005) explica que no Brasil pelo fato de a histoacuteria da educaccedilatildeo
compor-se mais como um campo de pesquisadores formados em Pedagogia8 ldquoos
historiadores de modo geral acabam por natildeo incluir a educaccedilatildeo entre os domiacutenios
da investigaccedilatildeo histoacutericardquo (SAVIANI 2005 p 20-21) Tal questatildeo pode ser ilustrada
com as obras de Cardoso e Vainfas (1997 2012) Os autores ao organizarem os dois
tomos sobre os Domiacutenios da Histoacuteria natildeo incluiacuteram a educaccedilatildeo entre os territoacuterios do
historiador No entanto embora a disciplina histoacuteria da educaccedilatildeo tenha nascido no
bojo das Escolas Normais na preparaccedilatildeo dos professores para atuar no ensino
primaacuterio e posteriormente sido integrada nos curriacuteculos do curso de Pedagogia as
pesquisas da historiografia educacional procuram aparato conceitual-metodoloacutegico
mais na Histoacuteria do que propriamente na Pedagogia
Em torno da pesquisa e dos estudos pedagoacutegicos configuram-se diferentes
mateacuterias e aacutereas do conhecimento que estatildeo relacionadas essencialmente agrave praacutetica
6 Tomamos essa expressatildeo de empreacutestimo de Frade (2011) 7 Fonseca (2003) cita as pesquisas de Keith Thomas Daniel Roche Jean-Pierre Rioux Serge Gruzinski Franccedilois Furet Jacques Ozouf Pierre Nora Jean Heacutebrard Dominique Julia Roger Chartier Jacques Le Goff Philippe Ariegraves e outros pesquisadores ligados agrave Nova Histoacuteria 8 A Pedagogia que antes era uma disciplina ministrada na escola normal tornou-se a partir de 1939 (Cf SAVIANI 2005) um curso superior (graduaccedilatildeo) com curriacuteculo vasto em mateacuterias pedagoacutegicas habilitando o professor para atuar nas primeiras etapas da educaccedilatildeo baacutesica
21
educativa tais como metodologias de ensino planejamento praacuteticas de ensino
leitura escrita gestatildeo escolar etc A histoacuteria da educaccedilatildeo pode se ocupar de
investigar os aspectos histoacutericos de todas essas aacutereas mas ao contraacuterio delas natildeo
estaacute a serviccedilo diretamente das habilitaccedilotildees pedagoacutegicas A histoacuteria da educaccedilatildeo
pertence aos fundamentos da educaccedilatildeo
No universo da pesquisa na perspectiva historiograacutefica proposta por Pesavento
(2003) a educaccedilatildeo eacute uma temaacutetica pertencente ao campo metodoloacutegico da histoacuteria
cultural9 Destarte a histoacuteria da educaccedilatildeo natildeo estaacute inscrita em uma uacutenica corrente
historiograacutefica e aleacutem disso vaacuterios outros campos temaacuteticos encontram-se abrigados
em sua macroestrutura A histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo ou a ldquohistoacuteria do ensino inicial de
leitura e escritardquo 10 eacute um exemplo disso
Sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil Soares (2006 p 7) aponta que ldquoa
pesquisa histoacuterica eacute uma tendecircncia que vem se acentuando nos estudos sobre
educaccedilatildeo e o ensino no Brasil nas uacuteltimas deacutecadas Na aacuterea da alfabetizaccedilatildeo e da
leitura essa tendecircncia tem sido talvez mais intensa que em outras aacutereasrdquo Como a
alfabetizaccedilatildeo eacute um processo que envolve a aprendizagem de dois aspectos
essenciais em uma sociedade letrada a leitura e escrita fazer a sua historiografia
demanda enormes dificuldades ldquoEacute que as praacuteticas de ensino se perdem na
transitoriedade de sua ocorrecircncia na natureza oral e portanto fugidia de seu
exerciacutecio na ausecircncia de registro de sua realizaccedilatildeo Ficam algumas poucas e raras
fontes []rdquo (SOARES 2006 p 7) Ainda nessa linha de raciociacutenio Magalhatildees afirma
No momento atual a investigaccedilatildeo [sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo] eacute de fato ainda muito reduzida em face da imensidatildeo do tema e das problemaacuteticas que sugere Eacute uma investigaccedilatildeo que depara com uma total ausecircncia de informaccedilatildeo histoacuterica em sentido direto Tambeacutem no niacutevel de fontes indiretas escasseiam quer os sinais autograacuteficos quer indicaccedilotildees sobre niacuteveis de analfabetismo [] As informaccedilotildees sobre a circulaccedilatildeo do livro e as praacuteticas de leitura satildeo igualmente escassas
9 Pesavento (2003) na trajetoacuteria da historiografia apresenta trecircs grandes campos metodoloacutegicos a histoacuteria-narrativa (historicista e positivista) a histoacuteria cultural e o marxismo Para maiores informaccedilotildees cf Bourdeacute e Martin (sd) na obra As Escolas Histoacutericas Esses trecircs campos metodoloacutegicos datildeo origem agraves correntes historiograacuteficas que por sua vez abrigam os campos temaacuteticos 10 Encontramos a menccedilatildeo a essa terminologia em Mortatti (2008 2009) Em Boto (2011) as denominaccedilotildees ldquohistoacuteria da alfabetizaccedilatildeordquo e ldquohistoacuteria do ensino inicial da leitura e da escritardquo satildeo utilizadas como sinocircnimas Consideramos de igual maneira ambas as terminologias como sinocircnimas cientes conforme Mortatti (2004 p 59-60) aponta de que o termo recorrente utilizado na imprensa pedagoacutegica nos manuais e na legislaccedilatildeo para se referir ao aprendizado da liacutengua maternapaacutetria ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX era ldquoensino de leitura (e escrita)rdquo Para compreender o surgimento do vocaacutebulo alfabetizaccedilatildeo cf Mortatti (2004)
22
no entanto nas cozinhas tradicionais natildeo raro se encontrava um moacutevel com alguns livros ndash catecismo livros de cuidados de sauacutede escrituraccedilotildees diversas Nesse sentido o historiador da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo depara com grande dificuldade de informaccedilatildeo []
(MAGALHAtildeES 2002 p 132)
Ao mesmo tempo em que existem essas dificuldades o campo temaacutetico da
histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo11 foi-se instituindo substancialmente com uma natureza
hiacutebrida (MORTATTI 2011 2011a) Nos termos de Mortatti
[] nesta primeira deacutecada do seacuteculo XXI constata-se a tendecircncia agrave histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo se constituir como campo de conhecimento especiacutefico e autocircnomo por meio da crescente definiccedilatildeo de objetos de estudo fontes documentais vertentes teoacutericas e abordagens metodoloacutegicas Tal tendecircncia por sua vez vem-se explicitando sem prejuiacutezo das possibilidades de estudos e pesquisas necessariamente interdisciplinares a fim de se explorarem os diferentes aspectos envolvidos na complexidade e na multifacetaccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo (MORTATTI 2011a p 2)
Nessa linha interdisciplinar a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo faz um diaacutelogo
incessante com outros campos temaacuteticos12 natildeo restritos agrave educaccedilatildeo podendo-se
citar histoacuteria do livro (incluindo aspectos que vatildeo da materialidade a uma cultura
imaterial etc) histoacuteria da mulher (sua escolarizaccedilatildeo e o empoderamento feminino
mediante a aprendizagem da leitura e escrita etc) histoacuteria do corpo (dos
gestosposiccedilotildees e culturas para aprendizagem da leitura e escrita dos meacutetodos de
repressatildeo corporal etc) histoacuteria da tecnologia e da comunicaccedilatildeo (suas influecircncias
para a transformaccedilatildeo dos modos de alfabetizar durante a histoacuteria etc) histoacuteria da
literatura etc (MORTATTI 2011) Frade (2018) ainda indica que
a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo como o estudo de formas preteacuteritas de ensinoaprendizagem da tecnologia da escrita de sua manifestaccedilatildeo no contexto das instituiccedilotildees as mais diversas dos meacutetodos para sua transmissatildeo dos materiais que estatildeo em jogo na sua apropriaccedilatildeo das praacuteticas empreendidas pelos sujeitos e grupos sociais em torno do processo de aquisiccedilatildeo inicial da escrita e de seus efeitos sociais e culturais na sociedade (FRADE 2018 p 39-40)
11 Eacute importante ressaltar que a expressatildeo ldquocampo da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeordquo foi amplamente difundida por Maria do Rosaacuterio Longo Mortatti e por ela sistematizada na coletacircnea Alfabetizaccedilatildeo no Brasil uma histoacuteria de sua histoacuteria (MORTATTI 2011) A obra eacute fruto do I Seminaacuterio Internacional sobre Histoacuteria do Ensino de Leitura e Escrita (SIHELE) realizado em Mariacutelia na Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita Filhordquo (UNESP) em 2010 com o tema ldquoA constituiccedilatildeo do campo da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasilrdquo Reconhecemos que os estudos de Mortatti contribuiacuteram para a delimitaccedilatildeo desse campo (MORTATTI 2011b) 12 Tal questatildeo foi apontada e refletida por Frade (2011) ficando em evidecircncia na coletacircnea organizada por Mortatti (2011)
23
No meio acadecircmico brasileiro a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo foi ganhando
reconhecimento e espaccedilo sobretudo entre os fins do seacuteculo XX e a primeira deacutecada
do seacuteculo XXI quando pesquisas em teses e dissertaccedilotildees foram divulgadas13 Nesse
ponto eacute importante referenciar que o trabalho de Mortatti (2000) Os sentidos da
Alfabetizaccedilatildeo Satildeo Paulo 1876 ndash 1994 destaca-se no universo cientiacutefico como aquele
que no seacuteculo XX marcou os estudos temaacuteticos acadecircmicos sobre a histoacuteria do
ensino de leitura e escrita no Brasil
Nesse mesmo percurso eventos cientiacuteficos passaram a inserir a historiografia
da leitura da cultura escrita e da alfabetizaccedilatildeo como eixo temaacutetico eou mote de
congressos e seminaacuterios Um dos marcos foi o Seminaacuterio Internacional sobre Histoacuteria
do Ensino de Leitura e Escrita (SIHELE) coordenado pela Professora Maria do
Rosaacuterio Longo Mortatti cuja primeira ediccedilatildeo foi realizada em Mariacutelia na Universidade
Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita Filhordquo (UNESP) em setembro de 201014 e a
segunda em Belo Horizonte na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em
julho de 2013 Mais recente outro marco foi a incorporaccedilatildeo em 2015 do Simpoacutesio
Temaacutetico sobre a Histoacuteria da Cultura Escrita no 8ordm Congresso de Pesquisa e Ensino
de Histoacuteria da Educaccedilatildeo em Minas Gerais (COPEHE) Na 9ordf ediccedilatildeo desse congresso
ocorrida em 2017 a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo foi inserida como eixo especiacutefico para
submissatildeo de trabalhos em comunicaccedilatildeo oral15
A pesquisa Alfabetizaccedilatildeo no Brasil o estado do conhecimento realizada por
Soares (1989) e posteriormente por Soares e Maciel (2000)16 fez um panorama das
13 Tal questatildeo ficou evidenciada na obra de Mortatti (2011) Na Parte 1 dessa tese trataremos com maiores detalhes do estado do conhecimento das pesquisas de histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil 14 Mortatti (2011a) aponta que embora jaacute existissem no ano da realizaccedilatildeo do I SIHELE eventos cientiacuteficos que abordavam temaacuteticas semelhantes agrave histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo natildeo havia ateacute aquele momento um evento que tratasse especificamente sobre o assunto Como exemplo desses outros eventos a autora cita o Congresso Brasileiro de Histoacuteria da Educaccedilatildeo e o Congresso Luso-Brasileiro de Histoacuteria da Educaccedilatildeo Na mesma linha haacute tambeacutem os grupos de trabalho ldquoHistoacuteria da Educaccedilatildeordquo e ldquoAlfabetizaccedilatildeo leitura e escritardquo da Associaccedilatildeo Nacional de Poacutes-graduaccedilatildeo e Pesquisa em Educaccedilatildeo (ANPEd) Para maiores informaccedilotildees acerca do I SIHELE cf Mortatti (2011a) 15 Vale referenciar que no 9ordm COPEHE dos 219 trabalhos inscritos para as comunicaccedilotildees orais apenas 9 pertenciam ao eixo temaacutetico 12 ndash Histoacuteria da Alfabetizaccedilatildeo e Escolarizaccedilatildeo 16 Na pesquisa de Soares (1989) foram analisados artigos publicados em 21 perioacutedicos especializados dissertaccedilotildees e teses excluindo-se capiacutetulos de livros e relatoacuterios de pesquisa natildeo publicados Jaacute em Soares e Maciel (2000) devido ao aumento substancial da produccedilatildeo acadecircmica e cientiacutefica sobre a alfabetizaccedilatildeo as pesquisadoras delinearam como corpus de anaacutelise as dissertaccedilotildees e teses
24
investigaccedilotildees sobre a alfabetizaccedilatildeo no Brasil Ambas as publicaccedilotildees evidenciaram
apenas uma pesquisa classificada do tipo histoacuterico entre os anos de 1954 a 1989
(DIETZSCH 1979) Por pesquisa histoacuterica Soares e Maciel (2000) entendem que
satildeo pesquisas que descrevem e analisam fatos ou fenocircmenos do passado o que foi como foi por que foi assim ndash ou seja como nas pesquisas descritivo-explicativas a pesquisa histoacuterica identifica eou descreve eou explica com a diferenccedila de que aquelas se referem a fatos ou fenocircmenos contemporacircneos ao pesquisador e esta a fatos passados (SOARES MACIEL 2000 p 58-59)
Na tese de doutorado de Silva (1998)17 a autora acrescenta ao levantamento
de Soares (1989) duas outras produccedilotildees acadecircmicas sobre a historiografia da
alfabetizaccedilatildeo brasileira
A primeira eacute um relatoacuterio de pesquisa intitulado ldquoNiacuteveis de alfabetizaccedilatildeograus
de instruccedilatildeo do processo modernizador brasileiro 1872-1920rdquo apresentado por Arno
Wehling ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aniacutesio Teixeira
(INEP) e ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo (MEC)18
O segundo trabalho eacute a dissertaccedilatildeo de mestrado de Ana Maria Arauacutejo Freire
defendida no acircmbito do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo Histoacuteria Poliacutetica
Sociedade da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo (PUCSP) em 1988
Essa pesquisa traz importantes dados estatiacutesticos sobre a histoacuteria do analfabetismo
no Brasil desde o periacuteodo colonial ateacute a primeira repuacuteblica Freire (1988) aponta o
analfabetismo como fenocircmeno historicamente estabelecido pelos contextos poliacuteticos
e econocircmicos
Do final da deacutecada de 1980 ao quase fim da segunda deacutecada do seacuteculo XXI
muitos outros trabalhos foram realizados Ao tratar sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
sempre haacute referecircncia a um lugar um estado ou municiacutepio ou escola Alguns estados
brasileiros se destacam nessas pesquisas outros foram pouco evidenciados19 Nesse
sentido esta tese tem como cenaacuterio o estado de Goiaacutes (GO) E por que esse estado
Apesar de eu ser goiano de nascenccedila e ainda residindo no estado nunca havia
me interessado pelas questotildees histoacutericas de Goiaacutes No entanto desde 2006 na minha
primeira graduaccedilatildeo a alfabetizaccedilatildeo eacute um tema que aprecio muito No mestrado na
17 Essa tese encontra-se publicada em livro pela Editora UNICAMP (SILVA 2015) 18 Na tese de Silva (1998) natildeo haacute referecircncia ao ano de publicaccedilatildeo desse relatoacuterio natildeo o haacute tambeacutem no curriacuteculo lattes de Wehling consultado em julho de 2019 19 Na seccedilatildeo 1 apresentamos um panorama geral das pesquisas da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo por estado
25
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) pesquisei sobre o processo de
escrita argumentativa tomando como foco a crianccedila do ciclo de alfabetizaccedilatildeo 1ordm ao
3ordm ano do Ensino Fundamental (ROCHA 2012) Durante o percurso na UNICAMP em
2010 participei do I SIHELE juntamente com um grupo de colegas e pesquisadores
do ALLE (Grupo de Pesquisa Alfabetizaccedilatildeo Leitura e Escrita ndash UNICAMPCNPq)
Para esse seminaacuterio preparei um texto para comunicaccedilatildeo oral sobre a historiografia
das praacuteticas de alfabetizaccedilatildeo no sul goiano Muito timidamente eu iniciava a minha
incursatildeo na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no estado de Goiaacutes sinalizando ao final do artigo
apresentado no seminaacuterio algo que viria a se tornar o meu objeto de estudo no
doutorado ldquovale destacar que nossa intenccedilatildeo futura para esta pesquisa eacute de se
engajar no estudo para quem sabe documentar as praacuteticas de leitura e escrita em
Goiaacutesrdquo (ROCHA 2010 p 6)
Durante o I SIHELE alguns fatos curiosos me chamaram a atenccedilatildeo As mesas
redondas propostas natildeo contemplavam nenhuma pesquisa sobre a histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes outro fato foi uma imagem exposta no hall de entrada do
auditoacuterio do evento na Faculdade de Filosofia e Ciecircncias da UNESP um mapa do
Brasil com indicaccedilatildeo dos estados de origem dos pesquisadores inscritos no
Seminaacuterio
Figura 1 Mapa do Brasil exposto no I SIHELE quantidade por estado de participantes
inscritos no evento
Fonte Acervo pessoal do autor setembro de 2010
26
Essa imagem ficou renitente em minha memoacuteria durante muito tempo e me fez
constatar numa anaacutelise dos Anais do Seminaacuterio que somente duas pessoas de Goiaacutes
estavam inscritas e apenas a minha pesquisa tratava sobre a historiografia do ensino
de leitura e escrita no territoacuterio goiano A partir de entatildeo venho me dedicando a
compreender a trajetoacuteria histoacuterica da alfabetizaccedilatildeo no estado de Goiaacutes visitando
arquivos puacuteblicos e privados conversando com pessoas procurando parcerias
participando de eventos sobre a temaacutetica inventariando fontes que auxiliem na escrita
destas paacuteginas da histoacuteria da educaccedilatildeo goiana
ldquoAMO E CANTO COM TERNURA
TODO O ERRADO DA MINHA TERRArdquo20
A histoacuteria do estado de Goiaacutes21 eacute narrada geralmente a partir da chegada dos
bandeirantes paulistas nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XVIII agrave procura de ouro na
regiatildeo (PALACIacuteN MORAES 1994) No entanto o territoacuterio goiano jaacute era povoado por
iacutendios pertencentes ao grupo macro-jecirc ldquoum grupo genuinamente brasileiro pois natildeo
se estendeu a outros paiacuteses como ocorreu com os tupis guaranisrdquo (PALACIacuteN
GARCIA AMADO 2001 p 12)
O sertatildeo goiano como ficou retratado nos relatos de viagens de cronistas do
periacuteodo colonial era uma terra de ldquoselvagensrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo de aacutervores retorcidas e
frutos nativos de chatildeo feacutertil e muita seca Silva e Souza (1872)22 baseado na tradiccedilatildeo
oral conseguiu enumerar dezoito naccedilotildees indiacutegenas em Goiaacutes quase um seacuteculo apoacutes
a instalaccedilatildeo dos bandeirantes na regiatildeo agraves margens do Rio Vermelho (hoje Cidade
de Goiaacutes) No texto Memoria sobre o descobrimento governo populaccedilatildeo e cousas
mais notaacuteveis da Capitania de Goyaz Silva e Souza (1872) ainda relata os costumes
20 Trecho do poema ldquoBecos de Goiaacutesrdquo de Cora Coralina (1980 p 93) extraiacutedo do livro Poemas dos becos de Goiaacutes e estoacuterias mais 21 Natildeo temos o objetivo de copilar nas pouquiacutessimas paacuteginas deste item a histoacuteria do estado de Goiaacutes Eacute importante destacar que a intenccedilatildeo eacute apresentar ao leitor um pouco do percurso poliacutetico e histoacuterico do estado bem como suas particularidades na diversidade e extensatildeo territorial da cultura brasileira 22 O texto de Souza e Silva tem data de 30 de setembro de 1812 no entanto foi publicado na Revista Trimensal de Historia e Geographia ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brasileiro no 4ordm trimestre de 1849 O exemplar a que tivemos acesso eacute de 1872 correspondente agrave 2ordf ediccedilatildeo
27
dessas tribos que ocupavam a extensatildeo da Capitania de Goiaacutes com tradiccedilotildees e um
legado proacuteprios das suas culturas
Cayaporsquos Naccedilatildeo bravissima e muito numerosa que com os seus ataques obstou em principio ao augmento da capital e hoje residentes nas aldecircas Maria e S Joseacute ainda que existem muitos ao sul de Villa-Boa tendo diferentes aldecircas [] satildeo valentes e guerreiros usam aleacutem do arco e frecha em que satildeo destrissimos de certos paacuteos cortados e rijos com que pelejam de perto tecircm alguns ritos judaicos admitem a polygamia e o divorcio contam os mezes por luas fazem festas e ajuntamentos nocturnos em que em confuso procuram a propagaccedilatildeo fazem as exequias dos seus mortos com danccedilas e se tingem de negro em as ocasiotildees do seu sentimento nas vizinhanccedilas da Paschoa pintam em si com tinta de jenipapo botinas peitos de armas e fazem entatildeo com grande vozeria as suas festas e jogos sendo o mais celebre o que chamam de touro em que disputam uns com os outros as forccedilas na carreira tomando uns do hombro de outros um grande tronco que empregam nrsquoeste ministerio (SILVA SOUZA 1872 p 494-495)
Segundo Silva e Souza (1872) e Pedroso (1992) a regiatildeo sul de Goiaacutes era
habitada pelos iacutendios Caiapoacutes Com a entrada das bandeiras23 paulistas no territoacuterio
goiano muitos desses iacutendios tornaram-se escravos na exploraccedilatildeo do ouro No
referido relato de Silva e Souza (1872) o autor ainda enumera alguns dos argumentos
utilizados pelos bandeirantes na escravizaccedilatildeo dos indiacutegenas que circulam em torno
do discurso do selvagem que precisa ser contido devido a sua natureza feroz
expressa nas lutas travadas entre os iacutendios e bandeirantes no processo de
colonizaccedilatildeo Outro argumento eacute o da guerra santa ou guerra justa justificativa aceita
pela legislaccedilatildeo da eacutepoca que era condescendente com a escravidatildeo dos povos
nativos quando esses lutavam e perdiam ou ateacute mesmo quando alguma tribo era
hostil com os colonizadores fato bem provaacutevel de acontecer no sistema de conquistas
de terras empregado pelos portugueses
Aleacutem do fato da existecircncia de indiacutegenas no territoacuterio goiano vaacuterias foram as
bandeiras que passaram pelo estado desde o final do seacuteculo XVI o que contraria a
versatildeo oficial apresentada por muitos anos nos livros didaacuteticos de histoacuteria regional de
Goiaacutes que confere agrave renomada bandeira chefiada por Bartolomeu Bueno da Silva o
Anhanguera24 a responsabilidade pelo descobrimento de Goiaacutes
23 ldquoA bandeira era uma expediccedilatildeo organizada militarmente e tambeacutem uma espeacutecie de sociedade comercial Cada um dos participantes entrava com uma parcela da capital que consistia ordinariamente em certo nuacutemero de escravosrdquo (PALACIacuteN MORAES 1994 p 21) 24 Nome dado pelos indiacutegenas que significa ldquodiabo velhordquo
28
Em vias de explorar o ouro descoberto no Rio Vermelho a regiatildeo comeccedilou a
ser povoada pelos colonizadores no iniacutecio do seacuteculo XVIII surgindo numerosos
arraiais a partir da conglomeraccedilatildeo de garimpos e construccedilatildeo de capelas para
disseminaccedilatildeo da feacute catoacutelica nos rincotildees de todo o territoacuterio goiano Com o crescimento
da populaccedilatildeo instituiu-se em 1749 a Capitania de Goiaacutes governada pelo Conde dos
Arcos Jaacute com a Independecircncia em 1822 passou a denominar-se Proviacutencia de Goiaacutes
Nesse periacuteodo a sociedade organizada em torno da exploraccedilatildeo mineradora entrava
em decadecircncia regredindo agrave economia de subsistecircncia nos moldes de uma
sociedade pastoril (PALACIacuteN MORAES 1994)
Desde a instalaccedilatildeo das capitanias ateacute sua transformaccedilatildeo em proviacutencia Goiaacutes
ocupou uma grande extensatildeo territorial como se pode constatar nos mapas poliacuteticos
da eacutepoca sobretudo os do periacuteodo imperial Suas fronteiras tais como conhecemos
hoje satildeo consequecircncia de movimentos partidaacuterios e defesas em prol do
desenvolvimento econocircmico e cultural do norte ao sul do estado Esses movimentos
especialmente o Separatista do Norte liderado inicialmente em 1821 pelo capitatildeo
Felipe Antocircnio Cardoso e pelo Padre Luiz Bartolomeu Marques perduraram durante
mais de um seacuteculo ocasionando a emancipaccedilatildeo do estado do Tocantins em 1988
(PALACIacuteN MORAES 1994)
Para que houvesse essa separaccedilatildeo alguns fatos jaacute no seacuteculo XX foram
decisivos todavia a fala sobre o esquecimento das cidades ao norte de Goiaacutes pelo
governo estadual era recorrente desde o seacuteculo XIX25 Nessa perspectiva podemos
dizer que o primeiro fato que impulsionou a separaccedilatildeo entre Tocantins e Goiaacutes foi a
permanecircncia da capital goiana na regiatildeo centro-sul do estado Mesmo com a
transferecircncia da sede dos poderes puacuteblicos estaduais da Cidade de Goiaacutes para
Goiacircnia26 e com o aumento da populaccedilatildeo a regiatildeo norte do estado ainda permanecia
25 Sobre isso cf Silva e Souza (1872) 26 A respeito das dataccedilotildees desse periacuteodo podemos destacar duas datas importantes A primeira eacute a da publicaccedilatildeo do Decreto nordm 560 de 13 de dezembro de 1935 no Correio Oficial do Estado de Goiaacutes em 21121935 que determina que para Goiacircnia ldquoa Nova Capital do Estado se transportem com o pessoal que os respectivos titulares julgarem necessaacuterio ao exerciacutecio de suas funccedilotildees as Secretaria Geral e de Govecircrno e a Casa Militarrdquo (Assinado por Dr Pedro Ludovico Teixeira e Benjamim da Luz Vieira) A segunda data eacute o dia 05 de julho de 1942 quando ocorreu o ldquobatismo culturalrdquo de Goiacircnia expressatildeo utilizada para designar a inauguraccedilatildeo oficial da cidade Tal evento tambeacutem selou uma nova alianccedila entre a Igreja e o Poder Puacuteblico em Goiaacutes marcando a transferecircncia definitiva de todas as instacircncias governamentais para a nova capital Para maiores detalhes sobre a questatildeo do ldquobatismo culturalrdquo cf Arauacutejo Juacutenior e Silva (2006)
29
esquecida aos olhos dos administradores Outro fato que contribuiu foi a construccedilatildeo
da nova capital brasileira Brasiacutelia em solo goiano na regiatildeo central do estado o que
ocasionou na deacutecada de 50 do seacuteculo XX a migraccedilatildeo da populaccedilatildeo do norte para o
entorno do Distrito Federal e para o sul do estado onde havia melhores condiccedilotildees de
empregabilidade diante das obras e da abertura de rodovias para a edificaccedilatildeo de
Brasiacutelia (CHAUL 1999)
A presenccedila da capital do paiacutes na regiatildeo sul de Goiaacutes e sua proximidade com
outros estados ao sudeste do Brasil fizeram com que as cidades ao centro-sul goiano
se desenvolvessem progressivamente diferente daquelas situadas ao norte que
acumulavam iacutendices expressivos de uma populaccedilatildeo de baixa renda Com uma
economia predominantemente agroindustrial os municiacutepios ao sul detinham as
maiores taxas de urbanizaccedilatildeo produccedilatildeo e exportaccedilatildeo de mateacuteria prima conforme
revelam os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica) e o estudo
empreendido por Arrais (2016)
Paulatinamente com um percurso particular mas acompanhando o movimento
poliacutetico brasileiro o estado de Goiaacutes foi-se constituindo transformando-se segundo
as estimativas do IBGE de julho de 2016 no 12ordm estado brasileiro mais populoso No
censo de 2010 jaacute compreendia uma populaccedilatildeo declarada em 6003788 habitantes
como se pode verificar na tabela abaixo que copila o crescimento populacional de
Goiaacutes entre o primeiro e o uacuteltimo censo
Tabela 1
Populaccedilatildeo do Estado de Goiaacutes
Ano Nuacutemero de habitantes
1872 160395 1890 227572 1900 255284 1920 511919 1940 661226 1950 1010880 1960 1626376 1970 2460007 1980 3229219 1991 4012562 2000 4996439 2010 6003788
Fonte Elaborado pelo autor a partir de dados do Annuario Estatistico do Brazil (1916) e do site do IBGE
30
Um estado de meacutedio porte27 que natildeo diferente de outros eacute formado por uma
miscigenaccedilatildeo de etnias pela diversidade de culturas pelas tradiccedilotildees e festejos pelos
mitos e folclore
Goiaacutes eacute terra de Cora Coralina de Joseacute J Veiga Bernardo Eacutelis e tantos outros
escritores Eacute a terra do sertanejo do pequi da pamonha e do falar com o eacuterre (r)
puxado Eacute terra de histoacuterias da roccedila contadas agraves crianccedilas ao redor da fogueira dos
diferentes personagens que sobreviveram na tradiccedilatildeo oral e que fazem parte do
imaginaacuterio social dos goianos terra de Tereza Bicuda e do Cavaleiro da Rua das
Flores de Jaraguaacute (cidade na regiatildeo central de GO) da Serpente do Rabo amarrada
na Igreja de Santo Estevatildeo em Formosa (cidade do entorno do Distrito Federal) da
moccedila da varanda de Catalatildeo (cidade do sul de GO) que apoacutes ser impedida de casar-
se com seu amor arranca a proacutepria cabeccedila com um cutelo terra dos escravos de
Pirenoacutepolis (cidade do lestre de GO) e das lendas de suas garrafas de Maria
Grampinho que leva as crianccedilas ldquocustosasrdquo28 em sua trouxa na Cidade de Goiaacutes
(noroeste de GO) do casal indiacutegena Angatuacute e Poratilde personagens de uma lenda que
deram nome ao municiacutepio de Porangatuacute (cidade na regiatildeo norte de GO) do tuacutemulo
de Joaquim Modesto que nomeia uma rua em Itumbiara (cidade ao sul de GO) de
onde cresciam cabelos e unhas de lobisomem do Necircgo Drsquoaacutegua dos Rios do Cerrado
do monstro que come liacutenguas e que habita o Rio Araguaia terra de outras tantas
historietas que datildeo vida ao sincretismo de costumes e agrave permanecircncia de um legado
ora esquecido nas paacuteginas dos livros antigos ou perdido nas memoacuterias dos sujeitos
ora reavivado pela tradiccedilatildeo regional e pelos recontos
ldquoSantuaacuterio da Serra Dourada[] Terra Querida Fruto da vida Recanto da
Paz [] O cerrado os campos e as matas A induacutestria gado cereais Nossos jovens
tecendo o futuro Poesia maior de Goiaacutesrdquo (Trecho do hino de Goiaacutes)
ldquoGoiaz querida peacuterola mimosa Destes sertotildees soberbos do Brasil Terra que
amo que minhrsquoalma adora Ao ver-te longe tatildeo distante agora Quero-te mais ainda
Minha terra gentilrdquo (JESUacuteS 1946 p 58)
27 De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) de 2016 o estado de Goiaacutes possui hoje 246 municiacutepios divididos em 5 mesorregiotildees (Norte Sul Centro Leste e Noroeste) 28 Expressatildeo informal muito utilizada em Goiaacutes para se referir agraves crianccedilas malcriadas indisciplinadas
31
Eacute esse estado pouco investigado cheio de misteacuterios e encantos apresentado
nessas antecedentes paacuteginas que seraacute desvelado nas proacuteximas Tomando os livros
e outros documentos como objeto de estudo nosso desejo eacute acrescentar algumas
contribuiccedilotildees para a historiografia da alfabetizaccedilatildeo no Brasil O convite pois eacute
entrarmos pelos ldquobecos de Goiaacutesrdquo para revisitar ldquopassadas erasrdquo do ldquobequinho da
escolardquo goiana29
29 Fizemos uma brincadeira com trechos da poesia ldquoBecos de Goiaacutesrdquo de Cora Coralina (1980 p 93) encontrada no livro Poemas dos becos de Goiaacutes e estoacuterias mais
32
INTRODUCcedilAtildeO ____________________________________
ldquoPalavras juntam-se grudam-se atropelam-se umas por cima das outras Natildeo importa quais sejam Empurram-se e
trepam uma nos ombros das outras As isoladas as solitaacuterias acasalam-se cambaleiam multiplicam-serdquo30
Letras Siacutelabas Palavras A cadecircncia e a mistura entremeada desses signos
compotildeem diferentes textos (ou discursos) e esses ao mesmo tempo constituem o
ser humano ldquoSomos feitos de textosrdquo31
Os textos nos atravessam e nos definem ldquoA palavra eacute o proacuteprio homemrdquo32
Os textos nos aprisionam e nos libertam ldquoAi palavras ai palavras que
estranha potecircncia a vossardquo33
Bakhtin (2010) explica que o texto eacute o objeto central de estudos das Ciecircncias
Humanas tornando-se ponto de partida das pesquisas Nessa perspectiva o autor
advoga que o texto soacute ganha vida comunicando-se com outros ldquocada palavra (cada
signo) do texto leva para aleacutem dos seus limitesrdquo (BAKHTIN 2010 p 400)
Apoiados em Mortatti (1999 2000) consideramos que a interpretaccedilatildeo de um
texto para uma produccedilatildeo cientiacutefica se estabelece pelas relaccedilotildees que o leitor (nesse
caso o pesquisador) faz com o contexto de produccedilatildeo (localizando o texto no seu tempo
30 Trecho de Virginia Woolf (2011 p 78) no seu livro As ondas 31 Trecho de Manuel Gusmatildeo (2011 p 165) no seu livro Uma Razatildeo Dialoacutegica Ensaios sobre literatura a sua experiecircncia do humano e a sua teoria 32 Comentaacuterio de Octavio Paz (1982) na orelha do seu livro O Arco e a Lira 33 Verso do poema ldquoRomance LIII ou das palavras aeacutereasrdquo de Ceciacutelia Meireles (1977 p 148) publicado no seu livro Romanceiro da Inconfidecircncia
33
de escrita evitando anacronismos) e de leitura (fazendo uma relaccedilatildeo com os seus
objetivos da pesquisa focalizando aquilo que lhe interessa para responder a
determinada problematizaccedilatildeo) Logo conforme a autora alude este trabalho
compreende ldquoos documentos como textosrdquo34 analisados numa dimensatildeo discursiva
Essa dimensatildeo eacute entendida aqui no sentido macroestrutural sem desconsiderar
os fatores propriamente linguiacutesticos Cada palavra tem uma funccedilatildeo sintagmaacutetica que
orienta o discurso para uma intriacutenseca compreensatildeo isto eacute embora a leitura seja uma
ato dialoacutegico e sempre aberto (GERALDI 1992) ela tambeacutem tem uma certa
estabilidade mesmo que provisoacuteria condicionada pelos modos e pelas escolhas do
autor na escrita do texto
Mortatti (1999 2000) tratou os ldquodocumentos-fontesrdquo como ldquoconfiguraccedilotildees
textuaisrdquo
Por meio da expressatildeo ldquoconfiguraccedilatildeo textualrdquo busco nomear o conjunto de aspectos constitutivos de determinado texto os quais se referem agraves opccedilotildees temaacutetico-conteudiacutesticas (o quecirc) e estruturas-formais (como) projetadas por um determinado sujeito (quem) que se apresenta como autor de um discurso produzido de determinado ponto de vista e lugar social (de onde) e momento histoacuterico (quando) movido por certas necessidades (por quecirc) e propoacutesitos (para quecirc) visando a dterminado efeito em determinado tipo de leitor (para quem) e logrando determinado tipo de circulaccedilatildeo utilizaccedilatildeo e repercussatildeo (MORTATTI 2000 p 31)
Por isso torna-se importante localizar qualquer produccedilatildeo textual nas suas
relaccedilotildees interdiscursivas dentro do contexto histoacuterico em que se originou resgatando
as vozes sociais que a constituiacuteram Da mesma maneira todo texto tem um autor
ainda que apagado ou silenciado e recuperaacute-lo eacute essencial para o entendimento do
que foi escrito Tal como Foucault (1992 p 45) alertou haacute uma relaccedilatildeo entre o sujeito
e sua escrita o nome do autor ldquoserve para caracterizar um certo modo de ser do
discursordquo
34 Expressatildeo tomada de empreacutestimo de Bertoletti (2011 p 102) ao referenciar a proposta de leituraanaacutelise de um texto por meio da ldquoconfiguraccedilatildeo textualrdquo Essa expressatildeo foi pioneiramente teorizada e empregada por Mortatti (1999 2000)
34
ldquoCADA PALAVRA DESCORTINA UM HORIZONTE CADA FRASE ANUNCIA OUTRA ESTACcedilAtildeOrdquo35
Na tentativa de contribuir para a historiografia da educaccedilatildeo tomando como
referecircncia principalmente os diversos textos (documentos) produzidos emsobre Goias
este trabalho assume por objetivo analisar a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas
goianas compreendendo os ideaacuterios36 sobre o ensino inicial de leitura e escrita
difundidos nas escolas em Goiaacutes do seacuteculo XIX entre 1835 a 1886
O marco inicial 1835 natildeo foi escolhido aleatoriamente trata-se do ano em que
ocorreu a promulgaccedilatildeo da primeira lei goiana de instruccedilatildeo puacuteblica Lei nordm 13 de 23 de
junho de 1835 (GOIAacuteS 1835) institucionalizando as praacuteticas educativas de ensinar a
ler escrever somar e rezar no contexto poliacutetico de uma escola pensada em Goiaacutes e
para atender as demandas da populaccedilatildeo goiana
Jaacute o marco final em 1886 eacute quando foi publicado o uacuteltimo Regulamento sobre
a Instruccedilatildeo Puacuteblica de Goiaacutes ato de 2 de abril de 1886 (GOIAacuteS 1886a) levado a
efetivo cumprimento durante o Impeacuterio na proviacutencia goiana (ABREU GONCcedilALVES
NETO CARVALHO 2015) Esse ato normativo conforme apontam Abreu Gonccedilalves
Neto e Carvalho (2015) ultrapassou o periacuteodo imperial vigorando ateacute 1893 ao ser
sancionada a Lei nordm 38 de 31 de julho de 1893 que reformava a instruccedilatildeo puacuteblica em
Goiaacutes (1893a) e o Decreto nordm 26 de 23 de dezembro de 1893 que instituiacutea o novo
Regulamento da Instruccedilatildeo Primaacuteria do Estado de Goiaacutes (1893b)
Boschi (2007) afirma que a periodizaccedilatildeo eacute um instrumento praacutetico do
historiador que ao fazecirc-la fornece ferramentas de uma anaacutelise sobre as
permanecircncias e rupturas nas tradiccedilotildees de uma eacutepoca O autor enfatiza o caraacuteter
subjetivo e autoral da periodizaccedilatildeo explicitando que cada um a realiza a partir de seu
estilo de ler (interpretar) as fontes histoacutericas Por essa razatildeo para situarmos este
35 Trecho do texto ldquoO livro eacute passaporte eacute bilhete de partidardquo de Bartolomeu Campos de Queiroacutes (1999) publicado no livro A formaccedilatildeo do leitor pontos de vista organizado por Jason Prado e Paulo Condini (1996) 36 Neste trabalho o termo ldquoideaacuteriordquo pode ser explicado a partir da definiccedilatildeo de ldquosaberesrdquo de modo que compreendemos que ldquoum saber eacute aquilo de que podemos falar em uma praacutetica discursiva que se encontra assim especificada o domiacutenio constituiacutedo pelos diferentes objetos que iratildeo adquirir ou natildeo um status cientiacutefico () um saber eacute tambeacutem o espaccedilo em que o sujeito pode tomar posiccedilatildeo para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso () um saber eacute tambeacutem o campo de coordenaccedilatildeo e de subordinaccedilatildeo dos enunciados em que os conceitos aparecem se definem se aplicam e se transformam () finalmente um saber se define por possibilidades de utilizaccedilatildeo e de apropriaccedilatildeo oferecidas pelo discursordquo (FOUCAULT 2013 p 220 grifos nossos) Dessa maneira entendemos que um ideaacuterio se origina a partir de um coletivo de discursos
35
trabalho no acircmbito do seacuteculo XIX no contexto do Impeacuterio o recorte temporal ficou
compreendido entre 1835 a 1886
ldquoISSO Eacute O QUE PERGUNTAS NAtildeO ESPERES
RESPOSTA A NAtildeO SER DE TI MESMOrdquo37
Tomando como paracircmetro esses marcos nos questionamos como a histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes se constituiu durante o Impeacuterio Quais os materiais usados no
decorrer dessa histoacuteria para alfabetizar as crianccedilas goianas Quais ideaacuterios sobre o
ensino inicial de leitura e escrita circularam na proviacutencia de Goiaacutes
Ao propor essas problematizaccedilotildees assumimos como hipoacutetese de pesquisa que
as regulamentaccedilotildees de ensino em Goiaacutes e os livros que circularam pela proviacutencia
determinaram os modos de alfabetizar as crianccedilas goianas uma vez que a formaccedilatildeo
da proviacutencia se deu numa poliacutetica latifundiaacuteria e coronelista marcada por um sistema
de inspeccedilatildeo e cerceamento da praacutetica docente
Diante disso defendemos a tese de que a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas
em Goiaacutes do seacuteculo XIX ndash mesmo sob a influecircncia da Igreja e marcada por uma
tradiccedilatildeo ruralista que determinou a formaccedilatildeo cultural e social da populaccedilatildeo ndash esteve
em diaacutelogo com as transformaccedilotildees almejadas pelos ideaacuterios de modernidade da
educaccedilatildeo nacional oitocentista especialmente com os que circulavam no Rio de
Janeiro
Eacute necessaacuterio mencionar de antematildeo trecircs notas explicativas que auxiliam a
clarificar e justificar a formulaccedilatildeo da tese tal como foi apresentada Outrossim
esclarecemos que elas seratildeo melhor discutidas no decorrer do trabalho A primeira
refere-se ao uso da terminologia alfabetizaccedilatildeo no periacuteodo que a pesquisa compreende
A segunda agrave histoacuteria da constituiccedilatildeo e organizaccedilatildeo da sociedade goiana E
resumidamente a terceira nota dedica-se aos aspectos da tradiccedilatildeo da historiografia
educacional sobre Goiaacutes no oitocentos que evidencia seu atraso em relaccedilatildeo a outras
localidades do Brasil
Com relaccedilatildeo ao primeiro ponto acerca do uso do termo alfabetizaccedilatildeo para
denominar o processo de ensino e aprendizagem iniciais de leitura e escrita no seacuteculo
37 Versos do poema ldquoAos Vacilantesrdquo de Bertold Brecht (1976 p 678) no seu livro Gesammelte Gedicht Neste trabalho utilizamos a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Leandro Konder (1996)
36
XIX alguns esclarecimentos satildeo fundamentais A opccedilatildeo por esse vocaacutebulo a princiacutepio
denotaria um anacronismo jaacute que essa terminologia ao que tudo indica soacute se tornou
usual no Brasil na Primeira Repuacuteblica nos primeiros anos do seacuteculo XX (MORTATTI
2004) ldquoNo decorrer de todo o seacuteculo XIX e nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XX o
termo mais comum para designar o ensino das primeiras letras como tambeacutem todo o
processo de escolarizaccedilatildeo era instruccedilatildeordquo (MACIEL 2003 p 243) Trindade (2001)
elucida que no seacuteculo XIX natildeo era comum a associaccedilatildeo da leitura e da escrita para
nomear um mesmo meacutetodo Falava-se notadamente no contexto escolar e na
imprensa pedagoacutegica em meacutetodos de leitura ou de iniciaccedilatildeo agrave leitura
Portanto em consonacircncia com o proacuteprio recorte temporal desta pesquisa (1835-
1886) seria mais usual nominar o processo de ensino de ler e escrever como primeiras
letras e instruccedilatildeo primaacuteria expressotildees essas empregadas nas legislaccedilotildees goianas e
nos discursos produzidos em Goiaacutes no periacuteodo imperial38 Entretanto refletindo sobre
os textos da coletacircnea Estudos de histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo e da leitura na escola
organizada por Schwartz Peres e Frade (2010) e as consideraccedilotildees feitas por Mortatti
(2011a) utilizamos a palavra alfabetizaccedilatildeo por ela ser habitual nos estudos brasileiros
que compreendem o ensino e tambeacutem a aprendizagem de leitura e escrita
independente do momento histoacuterico Ao nos debruccedilarmos nas pesquisas sobre a
histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil e em Portugal39 observamos que recorrer agrave palavra
ldquoalfabetizaccedilatildeordquo tradicionalmente ficou para se referir natildeo a um tempo especiacutefico
delimitado pela etimologia desse termo e sim para aludir aos ldquocontextosrdquo ldquopraacuteticasrdquo
ldquooportunidadesrdquo e ldquoformas de apropriaccedilatildeo e de uso da cultura escritardquo (MAGALHAtildeES
1996 p 444)
A segunda nota explicativa acerca da tese reporta-se aos sentidos histoacutericos da
formaccedilatildeo social e cultural do povo goiano Campos (1987 p 37) assevera que em
Goiaacutes ainda nos anos de 1920 havia uma grande maioria da populaccedilatildeo ldquohabitando
no campo e com uma pequena parcela residindo em pequenas cidades ou em vilasrdquo
Dessa maneira o meio urbano no periacuteodo em questatildeo conforme Campos (1987)
aponta era praticamente nulo Entre 1940 e 1970 segundo Paacutedua (2008) houve um
aumento significativo da produccedilatildeo agriacutecola no Estado levando ao crescimento de
38 Evidenciaremos essa questatildeo melhor no decorrer da tese especialmente na Parte II 39 Principalmente as produccedilotildees de Magalhatildees (1996 2001 2002 2005) Candeias (1996 2004 2008) Candeias e Simotildees (1999)
37
moradores no campo Esses nuacutemeros soacute iratildeo reduzir-se a partir da deacutecada de 1980
(CASARI RIBEIRO DAMASCENO 2014)
Tais dados que remontam ao periacuteodo republicano satildeo para demonstrar a
longevidade do ruralismo40 em Goiaacutes que se constituiu marcado como um territoacuterio
de uma populaccedilatildeo maiormente rural A gecircnese desse quadro deve-se segundo
Palaciacuten (1994) agrave decadecircncia do ouro no iniacutecio do seacuteculo XIX quando ocorreu uma
ldquoruralizaccedilatildeo da vidardquo formando uma nova configuraccedilatildeo da sociedade ldquoDe uma
populaccedilatildeo radicada quase exclusivamente em centros urbanos ndash por pequenas que
estas povoaccedilotildees fossem ndash passa-se a uma dispersatildeo atomizada da populaccedilatildeo dos
camposrdquo O autor acrescenta que ldquoa ruralizaccedilatildeo natildeo raro era acompanhada de uma
regressatildeo cultural que em muitos casos se traduzia numa verdadeira indianizaccedilatildeo de
grupos isoladosrdquo (PALACIacuteN 1994 p 150) ldquoDo Goiaacutes Colocircnia a ruralizaccedilatildeo
passaria como heranccedila ao Goiaacutes Impeacuteriordquo (ARAUacuteJO E SILVA 1975 p 24)
Essa dinacircmica populacional no decurso da histoacuteria de Goiaacutes refletindo numa
sociedade majoritariamente rural particulariza esse territoacuterio sua cultura e seus
costumes Essa realidade tornou-se desde o seacuteculo XVIII terreno feacutertil para a Igreja
Catoacutelica implantar suas ideias e influenciar com elas e a partir delas a formaccedilatildeo do
povo instalando as primeiras escolas e definindo os modos de viver se comportar e
ser um cidadatildeo goiano Consideramos que a presenccedila da Igreja na historiografia de
Goiaacutes eacute uma questatildeo decisiva para compreender tanto a fundaccedilatildeo de uma cidade e os
grupos que detinham o poder quanto a ldquocultura escolarrdquo41
Os viajantes e cronistas que passaram por Goiaacutes retrataram o estado da regiatildeo
no Seacuteculo XIX demonstrando aspectos de sua decadecircncia e de seu abandono
Sandes e Arrais (2013) fazem uma siacutentese desses escritos acoplando tambeacutem os
registros constantes nos relatoacuterios dos Presidentes de Proviacutencia
Saint Hilaire (1819) fala em ldquogrande decadecircnciardquo e ldquoprofunda apatia em que estatildeo imersosrdquo os habitantes de Goiaacutes Rodrigues Jardim (1835) julga as estradas da proviacutencia como ldquosofriacuteveisrdquo assim como descreveu Camargo Fleury (1837) ldquoem peacutessimo estadordquo Pohl (1817) refere-se aos ldquocaminhos esburacadosrdquo e Castelnau (1843) ao ldquomau
40 Empregamos o termo ruralismo natildeo apenas para descrever a questatildeo do predomiacutenio da populaccedilatildeo no meio rural mas para associar agrave ideia de que haacute a partir dessa caracteriacutestica um desdobramento que pode ser compreendido como ldquoum movimentoideologia poliacuteticos produzido por agentes sociais concretos econocircmica e socialmente situados numa dada estrutura de classes e portadores de interesses nem sempre divergentesrdquo (MENDONCcedilA 1997 p 26) 41 Neste trabalho tomamos esse termo de empreacutestimo no sentido atribuiacutedo por Faria Filho (2003) Sobre isso cf Faria Filho Gonccedilalves Vidal e Paulilo (2004)
38
estado dos caminhosrdquo Foi tambeacutem Rodrigues Jardim quem caracterizou a dinacircmica social regional ldquoo ocio e a falta de poliacutetica em hum Paiz onde se pode viver sem trabaliar tem tambeacutem concorrido para a diminuiccedilatildeo da abundacircncia que nelle se disfructavardquo no que eacute acompanhado por Pohl ldquoenquanto tem uns vinteacutens no bolso natildeo mexem com as matildeosrdquo DacuteAlincourt (1818) descreve os habitantes de Goiaacutes como ldquodominados pela preguiccedila e demasiadamente entregues aos prazeres sexuais e bem diferentes satildeo as causas que os tecircm conduzido a tatildeo deploraacutevel estadordquo e para Taunay (1876) ldquoa populaccedilatildeo () vive vida lacircnguida e desanimadardquo Mesmo os escritos de Couto Magalhatildees (1863) que procuram fugir agraves lamentaccedilotildees e aos pedidos de auxiacutelio comuns agrave maioria dos relatoacuterios provinciais natildeo deixam de atestar o contraste entre o potencial econocircmico natildeo explorado e a degeneraccedilatildeo moral dos habitantes de Goiaacutes ldquoaqui a vida se escoa gemendo constantementerdquo sentencia o jovem presidente da proviacutencia (SANDES ARRAIS 2013 p 852-853)
Por esse panorama conjecturamos que a histoacuteria da educaccedilatildeo em e sobre
Goiaacutes se fundou com um discurso que demonstra em relaccedilatildeo a outras localidades do
paiacutes o recorrente atraso da sociedade goiana no oitocentos Observamos que
geralmente as pesquisas no campo da histoacuteria da educaccedilatildeo em Goiaacutes recorrem ao
livro Histoacuteria da Instruccedilatildeo Puacuteblica em Goiaacutes de Bretas (1991) como um Manual para
compreensatildeo do percurso histoacuterico da instruccedilatildeo puacuteblica em Goiaacutes desde o periacuteodo
colonial agrave primeira repuacuteblica Outro claacutessico recorrentemente citado eacute o livro de Palaciacuten
e Moraes (1994) Histoacuteria de Goiaacutes (1722-1972) Os autores apresentam uma narrativa
que associa a modernidade em Goiaacutes ao processo de urbanizaccedilatildeo Como o livro copila
mais de dois seacuteculos de histoacuteria ao tratar da educaccedilatildeo no periacuteodo oitocentista declara
sua inexistecircncia devido ao baixo nuacutemero de professores A impressatildeo que fica da obra
eacute da formaccedilatildeo histoacuterica de um povo goiano como um sempre-colono afastando Goiaacutes
dos ideaacuterios que circulavam no cenaacuterio nacional um ldquoterritoacuterio de analfabetos e
iletradosrdquo42 dentro de uma naccedilatildeo em desenvolvimento
Dessa maneira notamos que se conserva um discurso que quase sempre
reproduz o ldquoestado de periferiardquo de Goiaacutes em relaccedilatildeo ao paiacutes colocando-o como
ldquoalijado do centro do poder e por conseguinte gozando de uma autonomia forccedilada
quase que absolutardquo (CAMPOS 1987 p 16)
Por isso como terceira nota explicativa em relaccedilatildeo agrave tese formulada
acrescentariacuteamos que sem descartar ou menosprezar os creacuteditos das eminentes
pesquisas de Bretas (1991) e Palaciacuten e Moraes (1994) ndash inclusive as referenciando
42 Tomamos essa expressatildeo emprestada de Haswani (2013 p 31)
39
para compreendermos o contexto poliacutetico e educacional da proviacutencia ndash este trabalho
vai na contramareacute dos discursos que vecircm sendo mantidos sobre a instruccedilatildeo puacuteblica
goiana no seacuteculo XIX Evidenciamos que no campo da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes houve
diferentes tentativas do governo provincial de alinhar a proposta da instruccedilatildeo primaacuteria
goiana com os ideaacuterios de modernidade educacional que circulavam pelo contexto
nacional em especial no Municiacutepio da Corte43 no Rio de Janeiro
ldquoELA PERMANECERAacute ALI COSTURANDO SUA IMENSA COLCHA COM SEUS DIFERENTES
RETALHOS COLORIDOS SENTADA NA VELHA E EMPOEIRADA POLTRONA DA HISTOacuteRIArdquo44
A histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes pode ser compreendida a partir da
ldquometaacutefora da colcha de retalhosrdquo Cada pedaccedilo de tecido costurado a outro pedaccedilo
forma um todo multiforme ao mesmo tempo simeacutetrico Os tecidos se cruzam um no
outro numa fusatildeo em que muitas vezes natildeo se percebe o iniacutecio ou fim do retalho o
que aparentemente estaacute isolado simultaneamente estaacute alinhavado pelos fios da
histoacuteria Logo compreendemos a histoacuteria como processo natildeo linear dialoacutegica e por
isso mesmo polifocircnica pensada a partir das contribuiccedilotildees de Certeau (2002) e Bloch
(2001) Consideramos dessa maneira que a ldquomateacuteria fundamental da histoacuteria eacute o
tempordquo (LE GOFF 1996 p 14)
Delgado (2010 p 33) afirma que o tempo eacute um movimento de muacuteltiplas faces
caracteriacutesticas e ritmos que ldquoinserido agrave vida humana implica duraccedilotildees rupturas
convenccedilotildees representaccedilotildees coletivas simultaneidades continuidades
descontinuidades e sensaccedilotildees (a demora a lentidatildeo a rapidez)rdquo
O olhar do historiador sobre o tempo traz consigo as nuances de suas
concepccedilotildees teoacutericas e de suas experiecircncias definidoras dos diversos modos de
43 Nesse trabalho a denominaccedilatildeo Municiacutepio da Corte eacute correspondente agrave Municiacutepio Neutro Trata-se de uma unidade administrativa instalada por meio do Ato Adicional de 1834 Lei nordm 16 de 12 de agosto de 1834 (BRASIL 1834) o qual criou na proviacutencia do Rio de Janeiro a sede da Corte ou seja do governo imperial No regime republicano essa localidade ficou conhecida de Distrito Federal Hoje cidade do Rio de Janeiro 44 Trecho de uma narrativa oral ouvida e registrada em frente ao Museu de Arte de Satildeo Paulo (MASP) em junho de 2017 O autor um senhor que se nomeava como sendo o Zeacute do Poema Competindo com o alto som de muacutesicos e das vozes que passavam pela Avenida Paulista Zeacute do Poema declamava sua vida e suas histoacuterias rodeado por um pequeno grupo que o ouvia Ao final de cada uma de suas narrativas ele tirava a mochila das costas e dizia ldquoOacute meus amigos ouvintes ajudem esse velho escritor a sustentar suas palavras e seu corpo com uma moedardquo A cena ao mesmo tempo tiacutepica e singular permanece intacta em minha memoacuteria
40
analisar um episoacutedio Na teoria histoacuterica por exemplo a noccedilatildeo de tempo estrutural do
Movimento dos Annales colidiu com a visatildeo de tempo vivido do historicismo e
positivismo Essas noccedilotildees pareciam inconciliaacuteveis poreacutem Ricoeur (1994) as integrou
ponderando que a histoacuteria eacute simultaneamente loacutegica e temporal
Entendemos que a especificidade da ciecircncia histoacuterica estaacute em estudar eventos
de um determinado tempo localizados num espaccedilo a partir de discursos guardados
nos arquivos lembranccedilas livros aacutelbuns fotografias dentre tantos outros ldquolugares de
memoacuteriardquo (NORA 1993)
Natildeo obstante a aproximaccedilatildeo entre tempo espaccedilo e memoacuteria eacute uma ldquoarenardquo
de luta45 no campo da histoacuteria (DASSUNCcedilAtildeO BARROS 2006) Logo consideramos
que ao escrevermos sobre o passado por meio dos diferentes discursos os fatos o
tempo e os espaccedilos satildeo reconstruccedilotildees agrave mercecirc das recordaccedilotildees e das possibilidades
de acesso aos documentos A partir desses (des)encontros a histoacuteria amplia suas
versotildees
Com base nessas consideraccedilotildees a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes foi
pensada nesse trabalho em torno dos materiais e meacutetodos utilizados para ensinar as
crianccedilas a ler e escrever46
No que concerne aos materiais damos maior visibilidade aos impressos em
especial agraves cartilhas ou os livros voltados para o ensino de leitura sem negligenciar
outros objetos culturais que contribuiacuteram para a instalaccedilatildeo de modos distintos para
alfabetizar no contexto escolar A escolha pelos livros deu-se por serem eles segundo
Voloacutechinov (2017) elementos de uma interaccedilatildeo discursiva de um diaacutelogo que natildeo
estaacute restrito ao caraacuteter face a face Os livros tal como acrescenta Larrosa (2009) satildeo
maacutequinas do tempo capazes fornecer pistas sobre espaccedilos praacuteticas e sujeitos Nesse
sentido
Um livro ou seja um discurso verbal impresso tambeacutem eacute um elemento da comunicaccedilatildeo discursiva Esse discurso eacute debatido em um diaacutelogo direto e vivo e aleacutem disso eacute orientado para uma percepccedilatildeo ativa uma anaacutelise minuciosa e uma reacuteplica interior bem como uma reaccedilatildeo
45 ldquoArenardquo em alusatildeo ao princiacutepio da enunciaccedilatildeo de Voloacutechinov Mesmo considerando e tendo acesso agrave atual traduccedilatildeo de Marxismo e filosofia da linguagem (VOLOacuteCHINOV 2017) feita por Sheila Grillo e Ekaterina Voacutelkova Ameacuterico que substituiu o termo ldquoarenardquo por ldquopalcordquo conservamos para este trabalho a traduccedilatildeo anterior pois acreditamos ser mais propiacutecia para o efeito de sentido que gostariacuteamos de inserir na afirmativa Doravante ao utilizarmos a expressatildeo ldquoarenardquo ou ldquoarena de lutardquo seraacute a partir dos princiacutepios volochinovianosbakhtinianos 46 Vale referenciar que tal questatildeo natildeo se difere das pesquisas sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo produzidas no Brasil (MORTATTI 2000 2019 2011 SCHWARTZ PERES FRADE 2010 etc)
41
organizada tambeacutem impressa sob formas diversas elaboradas em dada esfera da comunicaccedilatildeo discursiva (resenhas trabalhos criacuteticos textos que exercem influecircncia determinante sobre trabalhos posteriores etc) Aleacutem disso esse discurso verbal eacute inevitavelmente orientado para discursos anteriores tanto do proacuteprio autor quanto de outros realizados na mesma esfera e esse discurso verbal parte de determinada situaccedilatildeo de um problema cientiacutefico ou de um estilo literaacuterio Desse modo o discurso verbal impresso participa de uma espeacutecie de discussatildeo ideoloacutegica em grande escala responde refuta ou confirma algo antecipa as respostas e criacuteticas possiacuteveis busca apoio e assim por diante (VOLOacuteCHINOV 2017 p 219)
Jaacute com relaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo sobre os meacutetodos para alfabetizar as crianccedilas
goianas no oitocentos consideramos aleacutem dos livros que circularam na proviacutencia
diferentes documentos oficiais expedidos em e sobre Goiaacutes a imprensa e
correspondecircncias entre professores e os oacutergatildeos de Inspeccedilatildeo da Instruccedilatildeo Puacuteblica
ldquoCHEGAREI ASSIM AO CAMPO E AOS VASTOS PALAacuteCIOS DA MEMOacuteRIArdquo47
Desse modo para feitura do trabalho alguns arquivos (materiais e digitais)
foram consultados com o objetivo de inventariar as fontes da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
em Goiaacutes Esses diferentes ldquolugares de memoacuteriasrdquo (NORA 1993) constituiacuteram nosso
objeto de estudo ao mesmo tempo possibilitando a leitura e a escrita que fizemos
acerca da temaacutetica da tese Nesse ponto tomando como referecircncia a teoria
enunciativa de Bakhtin (2010) e seus colaboradores em especial Voloacutechinov (2017)
e da Anaacutelise do Discurso sobretudo ancorada em Orlandi (1995) entendemos que
dada a polifonia dos discursos e a instabilidade da linguagem pela sua proacutepria
essecircncia hiacutebrida um texto (aqui todos os documentos consultados lidos e
analisados) mesmo pelos indiacutecios apresentados na sua materialidade natildeo possui
especificamente uma uacutenica interpretaccedilatildeo Qualquer texto de acordo com seu contexto
de uso e com o confronto que dele se faz com outros textos tem sentidos muacuteltiplos
(MORTATTI 1999) Por essa razatildeo as leituras de um documento provocam
diferentes formas de se pensar sobre um determinado fato jaacute que ldquoum texto eacute uma
peccedila de linguagem de um processo discursivo muito mais abrangenterdquo (ORLANDI
1995 p 117) Orlandi (1995) tambeacutem acrescenta que a proacutepria bagagem cultural e os
47 Trecho extraiacutedo da obra Confissotildees de Santo Agostinho (2010 p 274)
42
objetivos de um analista determinam fortemente as unidades de anaacutelise de um texto
por isso o sentido de algo eacute socialmente construiacutedo
No que tange agrave experiecircncia de investigaccedilatildeo dos documentos sobre a histoacuteria
da educaccedilatildeo goiana compartilhando da opiniatildeo de outros pesquisadores quanto agrave
dificuldade de acesso a essas fontes em Goiaacutes em todas as etapas desta pesquisa
enfrentamos variados empecilhos
O principal deles eacute a dispersatildeo dos documentos e as lacunas evidenciadas
durante o percurso Os documentos oficiais do estado estatildeo depositados no Arquivo
Histoacuterico Estadual de Goiaacutes (AHEG) localizado em Goiacircnia Nesse local haacute muitas
fontes do seacuteculo XVIII e XIX48 estando organizadas em seccedilotildees e por ano (essa
organizaccedilatildeo seraacute melhor detalhada adiante) Dessa maneira o primeiro grande
desafio foi olhar caixa por caixa livro a livro ano a ano catalogando aquilo que era
imprescindiacutevel para o tema Ao mesmo tempo essa oportunidade de contato
prolongado com as fontes no Arquivo fez com que descobriacutessemos documentos
importantes que dariam outras tantas pesquisas como esta de doutorado Como
Valdez e Barra (2012) apontaram sobre a histoacuteria da educaccedilatildeo goiana haacute ldquoum silecircncio
que paira em Goiaacutes a respeito das produccedilotildees na aacutereardquo (VALDEZ BARRA 2012 p
109) Nessa perspectiva muito ainda precisa ser desvelado e escrito sobre a
educaccedilatildeo no estado
Outra dificuldade refere-se agrave legislaccedilatildeo goiana Nem todas as leis expedidas
pelos Presidentes de Goiaacutes estatildeo disponibilizadas online nos repositoacuterios digitais do
Site da Secretaria de Estado da Casa Civil49 ou da Assembleia Legislativa de Goiaacutes50
As leis nesses sites estatildeo organizadas de acordo com o ano de sua sanccedilatildeo
apresentando diversas lacunas seja na ausecircncia de alguns anos que simplesmente
natildeo apresentam nenhuma lei seja na omissatildeo de algumas leis que foram aprovadas
mas natildeo estatildeo digitalizadas nos sites Isso nos obrigou a fazer uma minuciosa busca
nos Diaacuterios Oficiais do Estado nos Relatoacuterios de Presidentes de Proviacutencia e tambeacutem
nos livros com correspondecircncias oficiais da presidecircncia garimpando as legislaccedilotildees
do periacuteodo compreendido nesta tese
48 No Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes as fontes datadas do seacuteculo XX em sua grande maioria vatildeo ateacute o fim da Era Vargas 1945 A partir da deacutecada de 50 os documentos satildeo esparsos 49 Disponiacutevel em lthttpwwwcasacivilgogovbrgt Acesso em 17 de junho de 2018 50 Disponiacutevel em lthttpsportalalgolegbrgt Acesso em 17 de junho de 2018
43
Sobre essa pesquisa nos Diaacuterios Oficiais do Estado outro detalhe tambeacutem
dificultou o acesso Na Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional Digital do
Brasil encontramos digitalizados apenas os Diaacuterios Oficiais de Goiaacutes51 de 1837 a
1839 1852 1853 1866 a 188552 Por esse motivo a consulta agrave legislaccedilatildeo em grande
parte se deu no contato direto com os Diaacuterios Oficiais impressos conservados no
AHEG
As dificuldades poreacutem soacute impulsionaram o desejo por esta pesquisa
Parafraseando Carlos Drummond de Andrade e Cora Coralina diriacuteamos que se
houve ldquopedras no meio do caminhordquo53 ldquoajuntei todas e levantei a pedra ruderdquo54 deste
estudo Adiante com a finalidade de tambeacutem facilitar a pesquisa de muitos
pesquisadores vindouros relacionamos os arquivos e as fontes neles consultadas
O Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes foi de fato o local onde encontramos
grande parte dos documentos analisados que se localizavam nas seccedilotildees de
1) Documentaccedilatildeo Avulsa organizada em caixas essa seccedilatildeo eacute composta por
documentos que podem ser lidos independentes uns dos outros jaacute que natildeo
tecircm relaccedilatildeo clara entre si Estatildeo dispostos por ano geralmente separados
pelo oacutergatildeo do governo a que se referem Nessa seccedilatildeo de Documentos
Avulsos encontramos grande parte das listas de expediente escolar dos
mapas de turmas correspondecircncias expedidas sobre a instruccedilatildeo puacuteblica
provas da Escola Normal etc
2) Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa satildeo livros ou
documentos encadernados ou costurados nas laterais organizados pela
coerecircncia que mantecircm com as informaccedilotildees constantes na fonte Nessa
seccedilatildeo encontramos diferentes livros com relatoacuterios de Inspetores
Escolares livros de registro de ofiacutecios expedidos pelas Secretarias de
Instruccedilatildeo Puacuteblica etc
51 O primeiro tiacutetulo do Diaacuterio Oficial de Goiaacutes eacute Correio Official de Goyaz que tem a sua primeira publicaccedilatildeo no dia 3 de junho de 1837 Para maiores informaccedilotildees acerca da histoacuteria da imprensa goiana cf Borges e Lima (2008) 52 Acrescenta-se que na Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional Digital do Brasil no periacuteodo de escrita desta tese havia tambeacutem digitalizados os Diaacuterios Oficiais de Goiaacutes de 1887 1911 a 1913 1915 a 1921 No site do Diaacuterio Oficial do Estado de Goiaacutes as publicaccedilotildees digitalizadas satildeo de 2007 em diante 53 Verso do poema ldquoNo meio do caminhordquo de Carlos Drummond de Andrade (ANDRADE 1978) 54 Versos do poema ldquoDas pedrasrdquo de Cora Coralina (CORALINA 2013)
44
3) Caixas dos Municiacutepios Goianos no AHEG haacute caixas com documentos
especiacuteficos referentes aos municiacutepios de Goiaacutes Como eacute um acervo muito
grande consultamos para este trabalho apenas as Caixas dos municiacutepios
de Cidade de Goiaacutes (antiga capital de Goiaacutes) Pirenoacutepolis (um dos
municiacutepios mais antigos do estado) e Itumbiara (municiacutepio na fronteira com
Minas Gerais)
4) Caixas de Atos Decretos Regimentos Regulamentos Leis Mensagens
Constituiccedilotildees e Relatoacuterios satildeo caixas que conteacutem algumas leis aleacutem de
Relatoacuterios e Mensagens de Presidentes de Goiaacutes Nessa seccedilatildeo
conseguimos parte dos Regulamentos de Ensino de Goiaacutes jaacute que nela natildeo
haacute organicidade nem mesmo sequencialidade entre os documentos ali
guardados
5) Jornais nessa seccedilatildeo consultamos especificamente o Correio Oficial de
Goiaacutes impresso mantido pelo governo onde se publicavam as leis
aprovadas no Brasil e em Goiaacutes aleacutem de textos sobre temas diversos
Fora do estado de Goiaacutes identificamos algumas cartilhas e livros de leitura
utilizados nas escolas goianas mencionados nas fontes inventariadas em acervos de
outros estados Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e Biblioteca do Arquivo Puacuteblico
do Estado de Satildeo Paulo
No que tange agraves fontes encontradas em meio digital os repositoacuterios
consultados foram
1) Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional Digital do Brasil55 na
qual coletamos sobretudo jornais e parte dos Relatoacuterios de Presidentes de
Goiaacutes
2) Center For Research Libraries56 vinculado agrave Universidade de Chicago
Como na Hemeroteca natildeo encontramos todos os Relatoacuterios de Presidentes
desde a instalaccedilatildeo das Assembleias Legislativas na proviacutencia goiana esse
acervo digital tambeacutem foi consultado Nele pesquisamos particularmente
55 Na Hemeroteca Digital Brasileira vinculada agrave Biblioteca Nacional Digital do Brasil encontramos o acervo digitalizado da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro A partir de buscas com palavras-chaves eacute possiacutevel consultar perioacutedicos de todo o paiacutes As consultas satildeo organizadas por local perioacutedico ou periacuteodo O link de acesso agrave paacutegina da Hemeroteca eacute lthttpbndigitalbngovbrhemeroteca-digitalgt Acesso em 17 de junho de 2018 56 Disponiacutevel em lthttpwwwcrledugt Acesso em 17 de junho de 2018
45
os Relatoacuterios de Goiaacutes embora haja Relatoacuterios de vaacuterios estados
brasileiros
3) Biblioteca Nacional de Portugal57
4) Biblioteca Brasiliana Guita e Joseacute Mindlin da Universidade de Satildeo Paulo58
5) Biblioteca Digital da Cacircmara dos Deputados do Brasil59
6) Biblioteca Puacuteblica Arthur Viana do Governo do Estado do Paraacute60
7) Biblioteca Digital do Senado Federal do Brasil61
8) Repositoacuterio Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina62
Dos repositoacuterios 3 a 8 numerados acima identificamos coacutepias digitalizadas de
livros que circularam na proviacutencia de Goiaacutes
Aleacutem desses repositoacuterios digitais tambeacutem utilizamos um DVD com documentos
digitalizados sobre Goiaacutes intitulado de Coleccedilatildeo de Documentos de Histoacuteria da
Educaccedilatildeo de Goiaacutes (vol 1) sob a organizaccedilatildeo da professora Valdeniza Maria de
Lopes da Barra da Universidade Federal de Goiaacutes63 O DVD foi vinculado agrave Rede de
Estudos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes reuacutene cerca de 3200 paacuteginas de
documentos organizados em quatro seacuteries oriundas de diferentes arquivos de Goiaacutes
contemplando legislaccedilatildeo de Goiaacutes (1830-1930) imprensa com foco em temas da
educaccedilatildeo gabinete literaacuterio goiano expediente escolar Desse DVD utilizamos as
listas de expediente escolar os mapas de turmas a legislaccedilatildeo educacional goiana
Destacamos tambeacutem o acesso que tivemos a livros de leitura e cartilhas que
circularam pelo Brasil no periacuteodo imperial64 graccedilas agrave cessatildeo de trecircs pesquisadoras da
aacuterea da histoacuteria da leitura do livro e da alfabetizaccedilatildeo no Brasil professora Diane
Valdez da Universidade Federal de Goiaacutes professora Francisca Izabel Pereira
Maciel da Universidade Federal de Minas Gerais e professora Giselle Baptista
Teixeira da Prefeitura Municipal de Duque de Caxias
57 Disponiacutevel em lthttpwwwbnportugalgovptgt Acesso em 22 de junho de 2019 58 Disponiacutevel em lthttpswwwbbmuspbrnodepage=5gt Acesso em 22 de junho de 2019 59 Disponiacutevel em lthttpbdcamaragovbrbdgt Acesso em 22 de junho de 2019 60 Disponiacutevel em lthttpwwwfcppagovbrespacos-culturaissedebiblioteca-arthur-viannagt Acesso em 22 de junho de 2019 61 Disponiacutevel em lthttpswww2senadolegbrbdsfpagesobregt Acesso em 22 de junho de 2019 62 Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufscbrgt Acesso em 22 de junho de 2019 63 Agradecemos agrave Diane Valdez professora da Universidade Federal de Goiaacutes que nos disponibilizou esse DVD 64 Especificaremos os livros cedidos oportunamente no decorrer do trabalho
46
Ao final deste trabalho listamos todas as referecircncias completas das fontes
mencionadas identificando a localizaccedilatildeo de cada uma Acreditamos que tal cuidado
atesta em alguns aspectos a veracidade das fontes ao mesmo tempo em que
facilitaraacute o trabalho dos pesquisadores que desejarem investigar a histoacuteria da
educaccedilatildeo em Goiaacutes
A consulta a todas essas fontes permitiu ao longo do trabalho levantar outras
problematizaccedilotildees novos objetos aguccedilando desdobramentos e continuidades desta
pesquisa aprofundando-a para aleacutem destas paacuteginas Concomitantemente essa
anaacutelise tambeacutem colaborou para delimitarmos e ampliarmos os argumentos que
sustentam nossa tese
Esses satildeo os principais ldquolocais de memoacuteriasrdquo65 em que pesquisamos outros
seratildeo durante o texto destacados com a especificaccedilatildeo das fontes laacute catalogadas Eacute
importante frisar que conservamos a grafia dos documentos consultados e citados
ldquoUM TAL DE CORTAR MEXER REESCREVER AMPUTAR
TRANSFORMAR A MATEacuteRIA-PRIMA EM PRODUTO FINAL A MOacute DE
QUE OS VACILOS A SANGRIA DESATADA NAtildeO TRANSPARECcedilAM
NINGUEacuteM TEM NADA A VER COM ESSAS PLAacuteSTICAS EM SEacuteRIE
O LEITOR QUER UM ROSTINHO BONITO NADA MAISrdquo66
Em vista do exposto organizamos este trabalho em duas partes com cinco
seccedilotildees dispostas da seguinte forma
A primeira parte ldquolsquoPasseando pelos arredoresrsquo do campo da alfabetizaccedilatildeo os
discursos produzidos sobre o objeto de pesquisardquo67 contempla a seccedilatildeo um ldquoGoiaacutes
na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo do Brasilrdquo em que compomos o estado da arte sobre as
pesquisas no campo da alfabetizaccedilatildeo no Brasil localizando as que tratam de seus
aspectos histoacutericos A tentativa tambeacutem foi de localizar o estado de Goiaacutes nessas
produccedilotildees
Jaacute a segunda parte da tese ldquoAlfabetizando crianccedilas na proviacutencia de Goiaacutesrdquo
conteacutem as seccedilotildees de dois a cinco
65 Expressatildeo de Nora (1993) 66 Verso do poema ldquoPoema eacute uma carnificinardquo de Chacal (2016) publicado na sua obra Tudo (e mais um pouco) 67 O tiacutetulo dessa parte da tese toma emprestada a expressatildeo ldquoPasseando pelos arredoresrdquo do livro de leitura Goiaz coraccedilatildeo do Brasil de Monteiro (1934)
47
Na seccedilatildeo dois analisamos como se organizou a instruccedilatildeo primaacuteria em Goiaacutes
no periacuteodo imperial apoacutes o Ato Adicional de 1834 (BRASIL 1834) pelo qual as
Assembleias Provinciais ficaram responsaacuteveis por legislar sobre a instruccedilatildeo nas
proviacutencias do paiacutes A partir de um panorama educacional e social de Goiaacutes em diaacutelogo
com as poliacuteticas nacionais do Impeacuterio esse capiacutetulo evidenciou as principais bases
de um projeto de sociedade goiana que se arquitetava sob influecircncia da Igreja e ao
mesmo tempo se abria agraves propostas de modernidade do seacuteculo XIX
Inventariar os meacutetodos e livros para alfabetizaccedilatildeo das crianccedilas goianas no
oitocentos foi o objetivo da seccedilatildeo trecircs A partir dos documentos do Arquivo Histoacuterio
Estadual de Goiaacutes caracterizamos os tipos de impressos que circularam pelas
escolas da proviacutencia apreendendo seus ideaacuterios tanto para ensinar ler e escrever
quanto para o ensino da leitura corrente68
As seccedilotildees quatro e cinco tratam de iniciativas do governo goiano para
instaurar mudanccedilas na instruccedilatildeo primaacuteria especialmente para ensinar a ler e escrever
em menos tempo e de maneira agradaacutevel a partir de livros estrangeiros e brasileiros
Na seccedilatildeo quatro o destaque eacute para os livros estrangeiros tomando como referecircncia
as principais impressotildees e repercussotildees da viagem de Feliciano Primo Jardim na
histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes Primo Jardim foi um professor goiano enviado pelo
Presidente da Proviacutencia ao Rio de Janeiro para fazer um curso sobre o meacutetodo
Castilho Por fim na seccedilatildeo cinco apresentamos a produccedilatildeo didaacutetica brasileira que
circulou em Goiaacutes no periacuteodo imperial investigando sobre os impressos escritos por
educadores brasileiros que influenciaram a alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas goianas
ldquoSOB A PELE DAS PALAVRAS HAacute CIFRAS E COacuteDIGOSrdquo69
Antes de terminar uma ressalva linguiacutestica
Maiormente neste trabalho usamos a primeira pessoa do plural Parecia-nos
incoerente adotar algo ao contraacuterio jaacute que nossas anaacutelises se ancoram na teoria
discursiva de Bakhtin e de pensadores do seu ciacuterculo Para Bakhtin ldquoeu natildeo posso
me arranjar sem um outro eu natildeo posso me tornar eu mesmo sem um outro eu tenho
de me encontrar num outro para encontrar um outro em mimrdquo (BAKHTIN 2013 p
68 Especificaremos na seccedilatildeo 3 a distinccedilatildeo entre essas categorizaccedilotildees dos impressos 69 Versos do poema ldquoA Flor e a Naacuteuseardquo de Carlos Drummond de Andrade (1978) publicado no livro Antologia Poeacutetica
48
287) Portanto os tempos obscuros de individualismo cientiacutefico e intoleracircncia agrave
diversidade que assolam a Universidade e o mundo fazem mais que urgente a defesa
pelo rompimento de certos padrotildees que a pesquisa e a liacutengua nos impotildeem como por
exemplo o uso impessoal da 3ordm pessoa do singular
Por isso esta tese eacute um diaacutelogo entre a minha voz (de autor) e as diferentes
vozes impressas nos livros e nos documentos bem como com as vozes dos possiacuteveis
leitores Agrave vista disso falamos acreditamos pensamos analisamos descrevemos
fazemos sentimos definimos tratamos demarcamos e tantos outros verbos com
terminaccedilatildeo idecircntica ou de mesma natureza morfossintaacutetica que estabeleceram os
modos de escrever a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes
VAMOS PASSEAR
O primeiro livro de leitura escrito em Goiaacutes e dirigido agraves crianccedilas com intuito de
ensinar a histoacuteria do estado foi Goiaz coraccedilatildeo do Brasil publicado em 1934 por Ofeacutelia
Soacutecrates do Nascimento Monteiro professora goiana (MONTEIRO 1934)70 A obra
conteacutem duas partes a primeira com setenta e quatro capiacutetulos e a segunda com vinte
e oito em que a autora trata de questotildees como ldquohigienizaccedilatildeo romantizaccedilatildeo da
infacircncia grupos escolares gecircnero ensino primaacuterio ambiente de estudo
(domeacutesticoescolar) precircmios ensino de histoacuteria leitura livro avaliaccedilatildeo []rdquo
(VALDEZ 2016 p 82)
As personagens principais meninas em idade escolar71 em alguns momentos
da narrativa ldquopasseiam pelos arredoresrdquo do estado de Goiaacutes sempre acompanhadas
por algueacutem da famiacutelia Durante os passeios elas satildeo instruiacutedas sobre algum aspecto
da cultura ou geografia ou histoacuteria goianas Inspirando-nos nesse enredo fazemos
70 Importante mencionar que esse livro foi adotado em todas os Grupos Escolares e Escolas Isoladas do estado por meio do Decreto nordm 4349 de 26 de fevereiro de 1934 (GOIAacuteS 1934) tendo duas ediccedilotildees (1934 e 1983) dada a sua linguagem acessiacutevel agrave crianccedila A narrativa que tem um tom moralista e muito patrioacutetico retrata o cotidiano escolar de crianccedilas que por meio de cartas contam os principais fatos da histoacuteria de Goiaacutes exaltando suas riquezas naturais e culturais A obra de Ofeacutelia surgia no contexto das transformaccedilotildees do estado de disputas poliacuteticas com a ascensatildeo de Pedro Ludovico Teixeira ao governo estadual que apresentou ao Presidente Vargas a ideia de fundar a nova capital goiana transferindo os poderes puacuteblicos a uma nova sede (MONTEIRO 1934 DIAS 2018) Sobre essa obra cf Oliveira e Peres (2016) Valdez (2016) e Dias (2018) 71 Monteiro (1934) daacute nome a essas meninas colocando-as como personagens principais do enredo Satildeo elas Aldacira Eunice Inaacute Iraniacute Jurema Lelia Luciacute Maria Siacutelvia e Tereza
49
um convite ao leitor vamos passear conosco por Goiaacutes do seacuteculo XIX e conhecer um
pouco da trajetoacuteria do ensino de leitura e escrita no ldquocoraccedilatildeo do Brasilrdquo
50
PARTE I
ldquoPASSEANDO PELOS ARREDORESrdquo DO CAMPO DA
ALFABETIZACcedilAtildeO OS DISCURSOS PRODUZIDOS SOBRE
O OBJETO DE PESQUISA
ldquondash Papai disse ela ofegante e ocultando o volume nas
costas adivinhe como se chama o livro que trago nas
costas
ndash Vejamos filhinha se sou bom feiticeiro Garanto que
vocecirc traz aiacute o ldquoGoiazrdquo de Taunay [] hontem agrave noite vocecirc
natildeo me disse que sua coleguinha Alci estava concluindo a
leitura do ldquoGoiazrdquo do Visconde de Taunay para lhe
emprestar
ndash Disse sim senhor
ndash Pois lembrando disso foi que conclui ser esse o livro que
trazias tatildeo triunfalmente
ndash Triunfalmente mesmo meu pai gosto imenso dos livros
que falam em minha terra queridardquo
(MONTEIRO 1934 p 204-205)
51
1 GOIAacuteS NA HISTOacuteRIA DA
ALFABETIZACcedilAtildeO DO BRASIL ____________________________________
Certeau (2002) assevera que o historiador nas uacuteltimas geraccedilotildees adentrou
zonas silenciosas deixando de constituir impeacuterios em busca de uma histoacuteria global
ldquoFez um desviordquo para outras margens a citar os estudos culturais E sob esse ponto
de vista investiga(ou) temascampos antes natildeo privilegiados a feiticcedilaria a loucura a
festa a literatura a cidade a leitura o livro escolar a alfabetizaccedilatildeoanalfabetismo
dentre outros
Ocupando-se de temaacuteticas distintas a histoacuteria mostrou-se tal como Manoel de
Barros descreve a poesia ldquolivre como um rumo nem desconfiadordquo (BARROS 2010
p 110) Entretanto essa liberdade estaacute cerceada pelos limites da operaccedilatildeo
historiograacutefica aqui entendida no modelo certeauniano
Encarar a histoacuteria como uma operaccedilatildeo seraacute tentar de maneira necessariamente limitada compreendecirc-la como a relaccedilatildeo entre um lugar (um recrutamento um meio uma profissatildeo etc) procedimentos de anaacutelise (uma disciplina) e a construccedilatildeo de um texto (uma literatura) (CERTEAU 2002 p 66 grifos do autor)
Desse modo na concepccedilatildeo de Ginzburg (1989) o historiador a estilo de
Sherlock Holmes Freud e do criacutetico de arte Morelli se ateacutem aos detalhes aos signos
mais esparsos aos indiacutecios deixados pelos rastros da histoacuteria Com uma lupa nas
matildeos examina os pormenores negligenciaacuteveis num ldquogesto talvez mais antigo da
histoacuteria intelectual do gecircnero humano o do caccedilador agachado na lama que escruta
52
as pistas da presardquo (GINZBURG 1989 p 154) Logo acompanhando a orientaccedilatildeo do
meacutetodo historiograacutefico de Hilsdorf assumida por Vidal e Faria Filho (2005)
movimentamos as lenteslupas da histoacuteria com objetivo nesta seccedilatildeo e parte da tese
de inventariar e refletir sobre a produccedilatildeo acadecircmica72 relativa agrave histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo no Brasil evidenciando o lugar ocupado pelo estado de Goiaacutes nesse
campo temaacutetico
Esta seccedilatildeo portanto estaacute organizada em dois itens Inicialmente fizemos um
balanccedilo do conhecimento produzido ao longo do tempo sobre alfabetizaccedilatildeo e das
pesquisas que consideram sua ldquofacetardquo histoacuterica (SOARES 1985) sobretudo no
contexto da Academia
Porteriormente no segundo toacutepico deslocamos as lentes da histoacuteria em duas
direccedilotildees A primeira lente refere-se aos lugares Circunscrevendo as pesquisas em
seus territoacuterios 1) de elaboraccedilatildeo (universidades grupos de pesquisa) e 2) de foco
investigativo (os espaccedilos a que as pesquisas se referem) demonstramos os estados
que mais produziram conhecimento acerca da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo e tambeacutem
aqueles que foram objetostemas de investigaccedilotildees A segunda lente volta-se para os
periacuteodos histoacutericos e fontes mais pesquisados tendo como temaacutetica a histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo
Num diaacutelogo polifocircnico com os objetos de estudos e problematizaccedilotildees de
diferentes investigaccedilotildees colaboramos para a construccedilatildeo de novas perguntas e
algumas (in)certezas em relaccedilatildeo ao ensino inicial de leitura e escrita Afinal em
ldquotempo de morangosrdquo73 ldquocreio ser sempre necessaacuterio natildeo ter certeza isto eacute natildeo estar
excessivamente certo de lsquocertezasrsquordquo (FREIRE 2011 p 210)
11 ALFABETIZACcedilAtildeO UM TEMA EM DIFERENTES DISCURSOS
A origem de um gecircnero discursivo para Bakhtin (2010) estaacute intimamente
ligada agraves esferas de comunicaccedilatildeo social No que se refere agrave esfera acadecircmica a
exigecircncia eacute a incorporaccedilatildeo de um discurso cientiacutefico altamente dialoacutegico A fala dos
72 Vale ressaltar que neste trabalho compreendemos como produccedilatildeo acadecircmica as pesquisas em formato de teses e dissertaccedilotildees Como sabemos essa produccedilatildeo evolui a cada dia o que nos leva a definir o marco temporal desse levantamento entre a deacutecada de 1990 ateacute junho de 2019 73 Expressatildeo cunhada por Clarice Lispector no livro A hora da estrela (1977 p 108) ao se referir ao tempo passageiro
53
outros eacute integrada atraveacutes de citaccedilotildees de obras ou referecircncias (in)diretas aos sujeitos
da pesquisa tudo isso auxiliando na cientificidade de uma produccedilatildeo acadecircmica No
entanto natildeo se mede essa cientificidade ndash se eacute que ela seja mesmo mensuraacutevel ndash
calculando apenas a presenccedila de citaccedilotildees e sim pela articulaccedilatildeodiaacutelogo entre elas
e as ideias do autor Seraacute esse diaacutelogo que determinaraacute a promoccedilatildeo de novos
conhecimentos
Por esse motivo urge que cada campo levante uma espeacutecie de ldquoestado da arterdquo
sobre as temaacuteticasconhecimentos que circulam em torno de sua constituiccedilatildeo Afinal
com a expansatildeo das poliacuteticas de fomento agrave poacutes-graduaccedilatildeo e a criaccedilatildeo de novos
cursos de mestrado e doutorado diariamente defendem-se mais teses e dissertaccedilotildees
a respeito de variados assuntos No caso da alfabetizaccedilatildeo Maciel (2014) ressalta que
o crescente interesse pelo tema reverberou em iniciativas governamentais e em
mudanccedilas na legislaccedilatildeo contudo ldquoos problemas baacutesicos dana alfabetizaccedilatildeo
persistemrdquo (MACIEL 2014 p 127)
A leitura dos diversos resumos e do conteuacutedo de dissertaccedilotildees e teses sobre
alfabetizaccedilatildeo fez-nos verificar que haacute uma histoacuterica preservaccedilatildeo do discurso que
procura os culpados para as mazelas da educaccedilatildeo ldquoPrevalecem as criacuteticas agrave
insuficiecircncia e agrave precariedade da formaccedilatildeo do professor alfabetizador [] ou ainda e
sobretudo apontando a falta de sintonia entre os discursos teoacutericos e as reflexotildees
sobre as praacuteticas dos alfabetizadoresrdquo (MACIEL 2014 p 126)
E embora constatemos que muitos dos problemas citados persistem no
universo da pesquisa acadecircmica natildeo podemos desconsiderar todos os avanccedilos que
obtivemos na aacuterea educacional devido agraves diferentes contribuiccedilotildees dos grupos de
pesquisa instalados nas universidades Exemplo notaacutevel disso eacute o acesso cada vez
maior da crianccedila com deficiecircncia agrave rede regular de ensino dentre outros aspectos
resguardados pela legislaccedilatildeo da educaccedilatildeo especial numa perspectiva inclusiva
Muitas dessas conquistas se devem aos trabalhos de vaacuterios pesquisadores que se
engajaram numa luta social e disseminaram teorias de inclusatildeo que valorizam o ser
humano e suas individualidades74
74 Nesse ponto destacam-se as pesquisas desenvolvidas pelo Laboratoacuterio de estudos e pesquisas em ensino e diferenccedila (LEPED) da Faculdade de Educaccedilatildeo da Universidade Estadual de Campinas que desde 1996 coordenado pela Profordf Drordf Maria Teresa Egleacuter Mantoan disseminou vaacuterias propostas sobre uma educaccedilatildeo na diversidade auxiliando na construccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de educaccedilatildeo especial Parte dos avanccedilos dessas poliacuteticas pode ser conferida em Mantoan (2014)
54
Destarte haacute que se questionar sobre alguns discursos que rondam a escola
brasileira e que de certa forma legitimam e naturalizam o fracasso do processo de
ensino e aprendizagem na fase inicial do ensino de leitura e escrita Quais foram as
repercussotildees e as consequecircncias desses discursos sobre as praacuteticas pedagoacutegicas e
sobre as poliacuteticas puacuteblicas de leitura e escrita A favor de quem foram difundidos
Sobre quais bases filosoacuteficas epistemoloacutegicas e ideoloacutegicas foram essas praacuteticas e
poliacuteticas construiacutedas Parafraseando Klemperer (2009 p 55) acrescentariacuteamos que
discursos como esses podem ser como minuacutesculas doses de arsecircnico satildeo engolidos
de maneira despercebida e parecem ser inofensivos ldquopassado um tempo o efeito do
veneno se faz notarrdquo
Em direccedilatildeo contraacuteria aderimos agraves proposiccedilotildees de Charlot (2002) ao afirmar
que eacute preciso fazer uma leitura positiva da escola desvencilhada de preconceitos e
achismos No que concerne agrave temaacutetica desta tese um estudo histoacuterico da
alfabetizaccedilatildeo tal questatildeo alerta-nos para natildeo corrermos os riscos de uma anacrocircnica
ilusatildeo que nos leva a transformar a Histoacuteria em juiacuteza dos fatos Longe de julgar se o
passado ou o presente das praacuteticas alfabetizadoras deram conta das dimensotildees da
leitura e da escrita pretendemos compreender a alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes a partir de
uma dimensatildeo historiograacutefica
Concebendo que estamos imersos numa rede discursiva e que ldquonovas palavras
satildeo criadas ou a velhas palavras daacute-se um novo sentindo quando emergem novos
fatos novas ideias novas maneiras de compreender os fenocircmenosrdquo (SOARES 1998
p 19) chama-nos a atenccedilatildeo como a palavra alfabetizaccedilatildeo ganhou ao longo do tempo
uma seacuterie de significados e natildeo estaacute mais restrita ao campo da liacutengua portuguesa
outrossim enxergamo-la aqui como um tema permeado e perpassado por diferentes
discursosvozes sociais (MORTATTI 2011a)
Numa busca no Banco de teses e dissertaccedilotildees da Capes em junho de 2019
foram encontrados 6094 resultados com a palavra ldquoalfabetizaccedilatildeordquo conforme
apresentamos na tabela a seguir
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Tabela 2 Quantidade de teses e dissertaccedilotildees identificadas no Banco de dados da Capes a
partir da busca com a palavra ldquoalfabetizaccedilatildeordquo
Ano TesesDissertaccedilotildees
1987-1989 57
1990-1999 533
2000-2009 1656
2010-2019 3848
Total 6094
Fonte Elaborada pelo autor a partir da consulta no Banco de Teses e Dissertaccedilotildees da Capes
Os 6094 resultados natildeo expressam exatamente a quantidade de produccedilotildees
acadecircmicas sobre a alfabetizaccedilatildeo Tal como Mortatti (2011a) aponta haacute uma
pluralidade e complexidade de conceitos atribuiacutedos agrave alfabetizaccedilatildeo o que justifica o
nuacutemero expressivo de trabalhos localizados em aacutereas externas agraves ciecircncias humanas
Encontramos vocaacutebulos que adjetivavam o termo alfabetizaccedilatildeo destacando esse
processo no seu ldquosentido amplordquo75 (MORTATTI 2011a) e tambeacutem ao modo como se
aprende76
Poreacutem ao delimitar a definiccedilatildeo de alfabetizaccedilatildeo no seu ldquosentido mais restrito
e especiacuteficordquo (MORTATTI 2011a) entendendo-a como processo de ensino e
aprendizagem iniciais da leitura e escrita o nuacutemero se reduz mas ainda eacute significativo
confirmando o interesse dos pesquisadores pela temaacutetica A tiacutetulo de ilustraccedilatildeo a
pesquisa ldquoAlfabetizaccedilatildeo no Brasil o estado do conhecimentordquo (ABEC)77 realizada
75 Mortatti (2011a) elucida a ampliaccedilatildeo dos sentidos atribuiacutedos agrave alfabetizaccedilatildeo utilizando a expressatildeo ldquosentido amplordquo e ldquosentido mais restrito e especiacuteficordquo do ldquotermoconceito alfabetizaccedilatildeordquo Na voz da autora ldquoa utilizaccedilatildeo do termo ldquoalfabetizaccedilatildeordquo consolidou-se no Brasil a partir do iniacutecio do seacuteculo XX sempre relacionado predominantemente com processos de escolarizaccedilatildeo e a partir das deacutecadas finais desse seacuteculo passou a ser utilizado tanto em sentido amplo (ldquoalfabetizaccedilatildeo matemaacuteticardquo ldquoalfabetizaccedilatildeo digitalrdquo dentre outros) quanto em sentido mais restrito e especiacutefico ldquoensino-aprendizagem inicial de leitura e escritardquo (MORTATTI 2011a p 8) Em consulta aos tiacutetulos dos 6094 trabalhos algumas expressotildees encontradas para se referir a esse aspecto do ldquosentido amplordquo foram alfabetizaccedilatildeo ambiental artiacutestica cartograacutefica cientiacutefica cientiacutefica-tecnoloacutegica-digital computacional digital ecoloacutegica econocircmica estatiacutestica esteacutetica financeira geograacutefica histoacuterica informacional linguiacutestica matemaacutetica musical nutricional poliacutetica tecnoloacutegica visual etc 76 Foram identificadas algumas expressotildees que denotavam caracteriacutesticas aos modos de se alfabetizar alfabetizaccedilatildeo afetiva digital integral interacional online solidaacuteria etc 77 A pesquisa ldquoAlfabetizaccedilatildeo no Brasil o estado do conhecimentordquo (ABEC) teve iniacutecio em meados de 1980 e manteacutem desde entatildeo caraacuteter permanente no Centro de Alfabetizaccedilatildeo Leitura e Escrita (CEALE FaEUFMG) ldquoSeus objetivos satildeo 1) levantamento e avaliaccedilatildeo da produccedilatildeo acadecircmica (teses e dissertaccedilotildees sobre alfabetizaccedilatildeo) produzida nos programas de poacutes-graduaccedilatildeo das Instituiccedilotildees brasileiras 2) avaliaccedilatildeo qualitativa e quantitativa das
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inicialmente por Soares (1989) e posteriormente atualizada por Soares e Maciel
(2000) e Maciel (2014) catalogou no periacuteodo compreendido entre 1961 e 2012 1618
trabalhos acadecircmicos sobre alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas
Ao cotejarmos esses dados com os apresentados por Mortatti Oliveira e
Pasquim (2014) que inventariaram cerca de 1440 teses e dissertaccedilotildees entre os anos
de 1965 e 201178 percebemos que a partir de deacutecada de 1980 aumenta o nuacutemero de
trabalhos acadecircmicos sobre alfabetizaccedilatildeo o que expressa uma questatildeo
macroestrutural no campo Nesse momento ocorreram as primeiras divulgaccedilotildees da
teoria da psicogecircnese da liacutengua escrita desenvolvida por Ferreiro e Teberosky (1985)
e o termo letramento79 comeccedilava a ser utilizado para denotar os aspectos sociais da
aprendizagem da liacutengua escrita
Esses fatos igualmente explicam as conclusotildees de pesquisas sobre a
alfabetizaccedilatildeo no Brasil feitas por Esposito (1992) Mortatti (2014) Guimaratildees e Quillici
Neto (2018)
Esposito (1992) demonstrou como nos fins da deacutecada de 1980 o enfoque dos
artigos publicados na Revista Cadernos de Pesquisa foi plural e voltado para o
questionamento dos materiais didaacuteticos utilizados na escola para alfabetizar as
crianccedilas Dentre esses materiais a cartilha foi tratada de forma mais atenuada devido
produccedilotildees cientiacuteficas 3) socializaccedilatildeo da produccedilatildeo aos pesquisadores brasileiros por meio da inclusatildeo no banco de dados 4) integraccedilatildeo de diversos pesquisadores do paiacutes Quatro categorias e seus cruzamentos orientam a anaacutelise assuntos privilegiados pela produccedilatildeo pressupostos teoacutericos ideaacuterios pedagoacutegicos e natureza de texto (ensaio relato de experiecircncia estudo de caso etc) A partir de 2006 a pesquisa tornou-se interinstitucional e conta com a colaboraccedilatildeo de pesquisadores de UEMG UFES UFMT UFPA UFRGS UFU e UNESPrdquo Informaccedilotildees disponiacuteveis em lthttpwwwcealefaeufmgbralfabetizacao-no-brasil-o-estado-do-conhecimentoabechtmlgt Acesso em 10 de junho de 2019 78 Eacute importante destacar que os criteacuterios para coleta de dados no acircmbito da ABEC (SOARES 1989 SOARES MACIEL 2000 MACIEL 2014) e na pesquisa feita por Mortatti Oliveira e Pasquim (2014) satildeo diferentes Ambas as investigaccedilotildees inventariaram os trabalhos acadecircmicos sobre alfabetizaccedilatildeo no entanto em Soares (1989) foram inventariadas e analisadas dissertaccedilotildees de mestrado teses de caacutetedra de livre-docecircncia de doutorado e artigos publicados em 21 perioacutedicos especializados Em Soares e Maciel (2000) e Maciel (2014) permaneceram as dissertaccedilotildees e teses (doutorado e de concurso da carreira docente superior caacutetedraprofessor titular livre-docecircncia) excluindo os artigos cientiacuteficos Jaacute na pesquisa de Mortatti Oliveira e Pasquim (2014) satildeo consideradas apenas teses de doutorado e dissertaccedilotildees de mestrado 79 Segundo Mortatti (2004) a entrada do termo e conceito ldquoletramentordquo no Brasil inicia-se na deacutecada de 1980 quando eacute utilizado pela primeira vez por Mary Kato em 1986 na apresentaccedilatildeo do livro No mundo da escrita uma perspectiva psicolinguiacutestica Posteriormente a palavra tambeacutem aparece em publicaccedilotildees de Tfouni (1988) Kleiman (1995) e Soares (1995 1998 2003) Eacute importante destacar que na definiccedilatildeo do termo haacute divergecircncias e convergecircncias entre as autoras Para aprofundar nessas questotildees cf Mortatti (2004)
57
agrave criacutetica do construtivismo aos seus textos e aos meacutetodos de ensinar a ler e escrever
Na revista em questatildeo Esposito (1992) identifica e analisa cerca de 47 ensaios
publicados ao longo de 20 anos O primeiro trabalho identificado foi o de Poppovic em
1971 e o uacuteltimo o de Rosemberg em 199180
Mortatti (2014) consultando a Base Scientific Electronic Library Online
(SciELO) aponta 237 artigos sobre alfabetizaccedilatildeo em 78 perioacutedicos indexados e
divulgados entre 1972 e 2012 Desse total 207 foram publicados no periacuteodo
compreendido de 1992 a 2012 concluindo entatildeo a autora ldquopode-se constatar que
nas deacutecadas de 1990 e 2000 houve aumento significativo da divulgaccedilatildeo em
perioacutedicos ldquoqualificadosrdquo de artigos sobre alfabetizaccedilatildeordquo (MORTATTI 2014 p 145)
Comparando-se a quantidade de publicaccedilotildees de artigos de um lado e de teses
e dissertaccedilotildees de outro constata-se que haacute pouca visibilidade dessas pesquisas nos
perioacutedicos cientiacuteficos Mortatti (2014) assevera que muitos pesquisadores
principalmente mestrandos e doutorandos optam por publicar seus trabalhos em
livros capiacutetulos de livro anais de evento dentre outros meios e suportes de
divulgaccedilatildeo devido agraves exigecircncias da avaliaccedilatildeo para publicaccedilatildeo de artigos em revistas
cientiacuteficas e agrave grande demora para o seu aceite ou recusa Por isso consultando
outra base de dados o ldquoGoogle Acadecircmicordquo a autora localizou com a palavra
ldquoalfabetizaccedilatildeordquo 990 resultados entre 1987 a 2014 Diante disso ressalta a
necessidade de uma avaliaccedilatildeo do impacto cientiacutefico e social da produccedilatildeo acadecircmica
brasileira sobre o tema jaacute que as pesquisas sobre alfabetizaccedilatildeo natildeo tecircm chegado aos
ldquodestinataacuterios supostamente almejados professores alfabetizadores e gestores das
poliacuteticas puacuteblicas e da educaccedilatildeo baacutesicardquo (MORTATTI 2014 p 147)
Guimaratildees e Quillici Neto (2018) pesquisaram sobre a multiplicidade de
enfoques do tema alfabetizaccedilatildeo a partir da anaacutelise dos resumos de 5 perioacutedicos81
publicados entre 1944 e 2009 Nesse periacuteodo foram identificados 84 artigos Os
autores notaram que a partir da deacutecada de 1980 houve um aumento quantitativo no
nuacutemero de artigos publicados sobre alfabetizaccedilatildeo pois cerca de 8214 dos textos
80 Trata-se dos textos intitulados ldquoAlfabetizaccedilatildeo um problema interdisciplinarrdquo (POPPOVIC 1971) e ldquoRaccedila e educaccedilatildeo inicialrdquo (ROSEMBERG 1991) 81 Os perioacutedicos consultados por Guimaratildees e Quillici Neto (2018) foram Revista Brasileira de Estudos Pedagoacutegicos (RBEP) Cadernos de Pesquisa da Fundaccedilatildeo Carlos Chagas Revista da Faculdade de Educaccedilatildeo ndash Universidade de Satildeo Paulo (Cessou em 1998 continuou como Educaccedilatildeo e Pesquisa USP) Revista Educaccedilatildeo amp Sociedade (CEDES) e Revista Brasileira de Educaccedilatildeo (ANPEd)
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localizados estatildeo em ediccedilotildees de 1980 a 2009 Observaram tambeacutem a recorrecircncia
frequente agrave teoria cognitivista como ressaltou Soares (1997)
nos anos 80 [] a Psicologia Geneacutetica piagetiana traz uma nova compreensatildeo do processo de aprendizagem da liacutengua escrita atraveacutes particularmente das pesquisas e publicaccedilotildees de Emilia Ferreiro e seus colaboradores obrigando a uma revisatildeo radical das concepccedilotildees do sujeito aprendiz da escrita e de suas relaccedilotildees com esse objeto de aprendizagem a liacutengua escrita (SOARES 1997 p 60)
As informaccedilotildees apresentadas por todos esses autores contrapondo-se ao
levantamento das teses e dissertaccedilotildees sobre a alfabetizaccedilatildeo incitam agrave reflexatildeo sobre
dois pontos essenciais acerca das tendecircncias do discurso produzido sobre a
alfabetizaccedilatildeo no Brasil
A primeira tendecircncia estaacute na ecircnfase dada agrave leitura como objeto privilegiado da
alfabetizaccedilatildeo Os discursos empreendidos sobre o processo de alfabetizaccedilatildeo
retinham-se historicamente aos estudos dos domiacutenios da habilidade de leitura ficando
a escrita agrave margem do processo Baseados em Mortatti (2000) sabemos que a
mudanccedila desse discurso se propagou sobretudo a partir de 1985 com a teoria da
psicogecircnese da liacutengua escrita e teve uma ruptura paradigmaacutetica com as ideias
difundidas por Geraldi (1984 1992 1996)82 e Smolka (1988) lanccediladas tambeacutem na
deacutecada de 80 mas que ganharam maior visibilidade a partir dos anos 90
Considerando a escrita como um processo de produccedilatildeo desvinculada da coacutepia e do
traccedilado de letras Geraldi (1984 1992 1996) e Smolka (1988)83 evocam uma
dimensatildeo discursiva do ensino de liacutengua portuguesa e o texto passa a ser o objeto
central da aula de modo que alfabetizar estaacute associado ao ensino da leitura e da
produccedilatildeo de textos
Ainda sobre essa primeira tendecircncia Soares (2016) nos lembra que os
meacutetodos e livros de alfabetizaccedilatildeo ateacute meados de 1980 destacavam a leitura como
elemento central do processo ldquomeacutetodos de leiturardquo e os ldquolivros de leiturardquo A
82 Embora muitos dos textos de Geraldi natildeo tratem precisamente da aprendizagem inicial da leitura e escrita as reflexotildees empreendidas pelo autor contribuiacuteram para inauguraccedilatildeo de um novo momento da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil como explica Mortatti (2000) 83 Sobre as contribuiccedilotildees de Geraldi para o ensino de liacutengua portuguesa no Brasil cf Silva Ferreira e Mortatti (2014) e Paula (2014) Acerca da dimensatildeo discursiva da alfabetizaccedilatildeo e das contribuiccedilotildees da publicaccedilatildeo da obra A crianccedila na fase inicial da escrita a alfabetizaccedilatildeo como processo discursivo de Smolka (1988) cf Goulart Gontijo e Ferreira (2017)
59
produccedilatildeo de texto era conteuacutedo das seacuteries seguintes quando a crianccedila jaacute dominava
o ldquocoacutedigo escritordquo84 e as ldquoconvenccedilotildees da liacutenguardquo
A segunda tendecircncia evidencia-se nos referenciais teoacuterico-conceituais que
embasam as teses e dissertaccedilotildees Notamos que a teorizaccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo na
perspectiva do letramento difundida especialmente por Magda Soares tem sido
recorrentemente utilizada pelos pesquisadores Numa anaacutelise por amostragem
selecionamos aleatoriamente 400 dissertaccedilotildees e teses do campo da alfabetizaccedilatildeo
produzidas a partir da deacutecada de 1980 conforme descrevemos na tabela
Tabela 3 Quantidade de teses e dissertaccedilotildees selecionadas no Banco de dados da Capes
Ano Dissertaccedilotildees Teses
1980-1989 85 1585
1990-1999 80 2086
2000-2009 50 50
2010-2019 50 50
Total 265 135
Fonte Elaborada pelo autor a partir da consulta no Banco de Teses e Dissertaccedilotildees da Capes
Dos 400 trabalhos analisados 203 declararam em seus resumos utilizar no
referencial teoacuterico da pesquisa a compreensatildeo de alfabetizaccedilatildeo atrelada agrave noccedilatildeo de
letramento 97 trabalhos natildeo declararam filiaccedilatildeo agraves noccedilotildees de letramento embora em
38 deles o termo surja no decorrer do texto
Nas 241 pesquisas que utilizaram o termo letramento a base teoacuterica eacute
sintetizada nas terminologias ldquoalfabetizar letrandordquo ldquoalfabetizaccedilatildeo e letramentordquo
ldquoalfabetizaccedilatildeo na perspectiva do letramentordquo No geral essas noccedilotildees foram
fundamentadas pelas contribuiccedilotildees de Magda Soares e Angela Kleiman De forma
mais especiacutefica Soares eacute referenciada nos 241 trabalhos enquanto Kleiman aparece
em apenas 106 o que nos leva a concluir que as ideias de Soares influenciaram na
84 Usamos aqui o termo ldquocoacutedigo escritordquo pois na base do pensamento dos meacutetodos tradicionais de alfabetizaccedilatildeo aprender a ler eacute um processo de aquisiccedilatildeo de um coacutedigo 85 Entre 1980 e 1989 foram selecionadas apenas 15 teses embora tenhamos identificado 23 trabalhos de doutoramento produzidos na deacutecada O criteacuterio de seleccedilatildeo foi a disponibilizaccedilatildeo desses trabalhos para download nas bibliotecas das universidades 86 Entre 1900 e 1999 foram selecionadas apenas 20 teses das 36 produzidas na deacutecada O criteacuterio de seleccedilatildeo foi a disponibilizaccedilatildeo desses trabalhos para download nas bibliotecas das universidades
60
na composiccedilatildeo de muitas pesquisas no campo da alfabetizaccedilatildeo no Brasil Tal fato
pode ser explicado devido ao engajamento dessa autora na aacuterea da alfabetizaccedilatildeo
infantil ao passo que Kleiman tem trabalhos diversos que abrangem o letramento natildeo
soacute na primeira infacircncia mas tambeacutem entre jovens adultos professores etc
A tendecircncia desse discurso que compreende a alfabetizaccedilatildeo aliada ao
letramento tambeacutem dialoga com os referenciais teoacutericos que sustentaram as poliacuteticas
empreendidas pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo na formaccedilatildeo continuada destinada aos
alfabetizadores no Brasil ateacute 201887 que ressaltaram a necessidade de o professor
conhecer a diferenccedila e indissociabilidade entre alfabetizaccedilatildeo e letramento
Desde a implantaccedilatildeo do PROFA (Programa de Formaccedilatildeo de Professores
Alfabetizadores) em 2001 os Guias do Formador88 traziam como foco nos seus
objetivos e conteuacutedos de definiccedilatildeo a relaccedilatildeo entre alfabetizaccedilatildeo e letramento
recomendando aos professores a leitura dos capiacutetulos ldquoLetramento em verbeterdquo ldquoO
que eacute letramentordquo ldquoLetramento em texto didaacuteticordquo ldquoO que eacute letramento e
alfabetizaccedilatildeordquo do livro Letramento um tema em trecircs gecircneros de Magda Soares89
Os programas posteriores ao PROFA o PROacute-LETRAMENTO ndash Mobilizaccedilatildeo
pela Qualidade da Educaccedilatildeo (Programa de Formaccedilatildeo Continuada de Professores dos
AnosSeacuteries Iniciais do Ensino Fundamental) e o PNAIC (Pacto Nacional pela
87 Delimita-se esse recorte temporal com a ressalva de que o fim do programa federal Pacto Nacional pela Alfabetizaccedilatildeo na Idade Certa jaacute prenunciado em 2017 e efetivado em 2018 associado agrave implementaccedilatildeo do programa Mais Alfabetizaccedilatildeo instituiacutedo durante a gestatildeo de Michel Temer pocircs fim agrave discussatildeo da questatildeo do letramento na alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas instaurando o discurso voltado para os resultados e responsabilizaccedilatildeo do corpo docente pelo desempenho acadecircmico dos alunos Em junho de 2019 o programa Mais Alfabetizaccedilatildeo continua em funcionamento com mudanccedilas definidas jaacute no governo de Jair Bolsonaro 88 O PROFA foi um programa organizado em trecircs moacutedulos (Cf BRASIL 2001a 2001b) Cada moacutedulo era direcionado por duas publicaccedilotildees o guia do formador e a coletacircnea de textos O guia do formador apresentava ldquoas sequecircncias de atividades de formaccedilatildeo com orientaccedilotildees detalhadas sobre como o formador pode encaminhar cada proposta de trabalho e como realizar suas intervenccedilotildees para favorecer a discussatildeo a reflexatildeo e a aprendizagem do grupo de professores Cada uma dessas sequecircncias eacute chamada de Unidaderdquo (BRASIL 2001a p 17) Na coletacircnea de textos encontravam-se reproduzidos alguns dos textos citados nas unidades de cada moacutedulo As orientaccedilotildees para o uso do Guia do Formador (BRASIL 2001a p 22) reforccedilavam que o formador ao planejar o seu trabalho ldquodeve providenciar com antecedecircncia as coacutepias dos textos indicados para fornececirc-las aos professores que por sua vez deveratildeo colocaacute-las na parte do Fichaacuterio destinada agrave Coletacircnea de Textosrdquo 89 Outro texto recomendado para estudo no acircmbito do PROFA (BRASIL 2001a) eacute o emblemaacutetico artigo de Magda Soares ldquoAs muitas facetas da alfabetizaccedilatildeordquo publicado no Cadernos de Pesquisa em 1985 (SOARES 1985)
61
Alfabetizaccedilatildeo na Idade Certa)90 trabalharam com as noccedilotildees de letramento baseadas
principalmente em Soares91
Enfim diante da complexidade dos discursos acadecircmicos ateacute aqui expostos
que auxiliaram na organizaccedilatildeo dos domiacutenios da alfabetizaccedilatildeo no Brasil faz-se
necessaacuterio no contexto desta tese questionar qual foi a contribuiccedilatildeo do estado de
Goiaacutes na constituiccedilatildeo desses discursos
Iniciemos nossas reflexotildees a partir de alguns dados
Os quatro programas de poacutes-graduaccedilatildeo em educaccedilatildeo que se destacam no
estado de Goiaacutes estatildeo ligados agrave Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) e agrave Pontifiacutecia
Universidade Catoacutelica de Goiaacutes (PUC-GO) Dos quatro trecircs se vinculam agrave UFG o
primeiro e mais antigo com sede na Faculdade de Educaccedilatildeo em Goiacircnia o segundo
na Unidade Acadecircmica Especial Educaccedilatildeo na Regional de Catalatildeo e o terceiro na
Unidade Acadecircmica Especial Ciecircncias Humanas e Letras na Regional de Jataiacute92 Os
trecircs oferecem mestrado e apenas o primeiro oferece doutorado Na PUC-GO haacute oferta
de vagas para o curso de mestrado e doutorado
Considerando essa realidade e numa busca nos sites institucionais desses
programas constatamos que a temaacutetica alfabetizaccedilatildeo aparece apenas no programa
de poacutes-graduaccedilatildeo da UFG Regional de Catalatildeo na caracterizaccedilatildeo da linha de
pesquisa intitulada ldquoLeitura educaccedilatildeo e ensino de liacutengua materna e ciecircncias da
naturezardquo93 A esta linha vincula-se o grupo de pesquisa ldquoEDULE ndash Educaccedilatildeo Leitura
e Escritardquo que natildeo traz em sua descriccedilatildeo explicitamente o termo alfabetizaccedilatildeo94 mas
90 O PROFA esteve em funcionamento de 2001 a 2003 O PROacute-LETRAMENTO de 2005 a 2012 Jaacute o PNAIC de 2012 a 2018 Para uma leitura criacutetica desses programas cf Rocha Santos e Oliveira (2018) 91 Para aprofundar o conhecimento da vida e da obra de Magda Soares e suas contribuiccedilotildees para a alfabetizaccedilatildeo no Brasil cf Maciel (2018) Mortatti e Oliveira (2011) e a ediccedilatildeo especial do Jornal Letra A (novembrodezembro de 2012) que fez uma homenagem e reflexatildeo sobre os 80 anos de Magda Soares 92 Essa Unidade Acadecircmica em 2018 foi desmembrada da UFG passando a denominar Universidade Federal de Jataiacute (UFJ) Utilizamos aqui o nome anterior pois as pesquisas catalogadas nesse item foram defendidas quando a atual UFJ ainda era Unidade Acadecircmica da Universidade Federal de Goiaacutes 93 Estatildeo vinculados agrave linha de pesquisa ldquoLeitura educaccedilatildeo e ensino de liacutengua materna e ciecircncias da naturezardquo quatro professores orientadores dos quais dois natildeo trabalham com a temaacutetica leitura e escrita 94 Segundo dados do Diretoacuterio dos Grupos de Pesquisa no Brasil Lattes CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientiacutefico e Tecnoloacutegico) o EDULE foi criado em 2010 e tem como liacutederes Selma Martines Peres e Maria Aparecida Lopes Rossi As temaacuteticas dos trabalhos do grupo estatildeo inscritas na seguinte descriccedilatildeo ldquodesenvolvimento de pesquisas que contribuam para a compreensatildeo da educaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a leitura e escrita leitor livro
62
as pesquisas conduzidas por Selma Martines Peres e Maria Aparecida Lopes Rossi
estatildeo direcionadas para essa aacuterea Esse grupo a partir de 2010 inaugurou algumas
iniciativas que colaboraram para a efervescecircncia de investigaccedilotildees acadecircmicas sobre
as praacuteticas de ensino de leitura e escrita no estado de Goiaacutes como o I Congresso
Nacional de Educaccedilatildeo e Leitura realizado em 2017 Esse evento contou com duas
ediccedilotildees antecedentes em niacutevel regional abrangendo as temaacuteticas Histoacuteria da Leitura
e do Livro e Praacuteticas de Leitura e Escrita
Outro dado importante para refletir sobre a questatildeo anteriormente formulada
diz respeito agraves produccedilotildees acadecircmicas sobre a alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas goianas
produzidas em Universidades de Goiaacutes Na busca nas bibliotecas digitais de
dissertaccedilotildees e teses da UFG e da PUC-GO em junho de 2019 identificamos 28
dissertaccedilotildees e nenhuma tese com o tema alfabetizaccedilatildeo conforme apresentamos na
tabela a seguir
Tabela 4 Quantidade de dissertaccedilotildees identificadas com o tema alfabetizaccedilatildeo nas bibliotecas
digitais de dissertaccedilotildees e teses da UFG e da PUC-GO
Ano UFG PUC-GO
1990-1999 7 -
2000-2009 1 6
2010-2019 13 1
Total 21 7
Fonte Elaborada pelo autor a partir da consulta nas bibliotecas digitais de dissertaccedilotildees e teses da UFG e da PUC-GO
As 28 dissertaccedilotildees identificadas demonstram uma tiacutemida produccedilatildeo sobre o
tema alfabetizaccedilatildeo nos programas de poacutes-graduaccedilatildeo em Goiaacutes Reconhecemos que
possivelmente numa procura mais ampla encontrariacuteamos outras pesquisas sobre a
alfabetizaccedilatildeo goiana produzidas em outras universidades de outros estados Dentre
as encontradas apenas uma vinculada agrave PUC-GO se ocupa com aspectos do
passado a de Guimaratildees (2011) A autora faz uma pesquisa sobre o estado do
analisando a histoacuteria da leitura cultura escolar ensino da liacutengua materna praacuteticas de leitura condiccedilotildees de produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de livros poliacuteticas de incentivo agrave leitura e livro adotadas por diferentes governos formaccedilatildeo do leitor em ambientes escolares e natildeo-escolaresrdquo O grupo conta com duas linhas de pesquisa 1) Ensino de Liacutengua Materna praacuteticas perspectivas e formaccedilatildeo do professor e 2) Leitura Histoacuteria Poliacuteticas e Praacuteticas Conta com 7 pesquisadores e 11 estudantes Informaccedilotildees disponiacuteveis em lthttpdgpcnpqbrdgpespelho grupo8175307049379548gt Acesso em 07 de junho de 2019
63
conhecimento da alfabetizaccedilatildeo no Brasil ressaltando a preponderacircncia do
pensamento de Emilia Ferreiro Ana Teberosky e Magda Soares na educaccedilatildeo
brasileira As demais dissertaccedilotildees se inscrevem em anaacutelises de questotildees de sua
atualidade Vinte e trecircs pesquisas tecircm como objeto a alfabetizaccedilatildeo em municiacutepios
distintos do estado treze pesquisas foram realizadas sobre Goiacircnia duas sobre Santa
Cruz trecircs sobre Catalatildeo trecircs sobre Jataiacute e duas sobre Rio Verde95 Aleacutem disso duas
pesquisas96 se referiram agrave alfabetizaccedilatildeo no contexto estadual e uma dissertaccedilatildeo97
pesquisou acerca de documentos oficiais de um programa federal destinados aos
alfabetizadores A pesquisa de Amacircncio (1994) eacute a uacutenica que natildeo foi desenvolvida
sobre Goiaacutes tratando do espaccedilo ocupado pela cartilha em salas da 1ordf seacuterie no
municiacutepio de Rondonoacutepolis regiatildeo sul de Mato Grosso
Enfim esses dados ainda incitam a alguns questionamentos como a temaacutetica
alfabetizaccedilatildeo tem sido trabalhada no territoacuterio goiano no contexto da graduaccedilatildeo em
Pedagogia (jaacute que essa habilita o alfabetizador para exercer o seu ofiacutecio) Como o
estado de Goiaacutes e seus municiacutepios pensam suas poliacuteticas puacuteblicas de alfabetizaccedilatildeo
Como fomentar o interesse dos pesquisadores goianos pelo tema alfabetizaccedilatildeo Haacute
iniciativas externas agrave poacutes-graduaccedilatildeo em Goiaacutes que visem a conhecer o que se tem
feito e o que eacute premente fazer para garantia da alfabetizaccedilatildeo E ademais o que os
professores goianos tecircm praticado e em que se tecircm embasado para alfabetizar as
crianccedilas
As respostas a algumas dessas perguntas demandariam outras pesquisas98 e
novas problematizaccedilotildees Natildeo obstante a uacuteltima questatildeo vem ao encontro deste
trabalho de natureza histoacuterica Logo pesquisar a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes
impotildee olhar para o contexto macro como temos pensado e o que jaacute temos produzido
sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil
95 As dissertaccedilotildees que trazem Goiacircnia como loacutecus de pesquisa satildeo Sousa (1993) Rosa (1993) Souza (1995) Silva (1998) Vieira (2004) Santos (2005) Martin (2005) Campos (2006) Braga (2009) Souza (2009) Moreira (2017) Alves Oliveira (2018) Martins (2018) O municiacutepio de Santa Cruz Ferreira (1991) Barros (1992) O municiacutepio de Catalatildeo Silva (2015) Oliveira (2018) Nascimento (2019) O municiacutepio de Jataiacute Assis (2016) Souza (2019) Lima (2019) O municiacutepio de Rio Verde Barros (2008) Rodrigues (2019) 96 Xavier (2017) e Santos (2019) 97 Jesus (2019) 98 Eis o convite aos possiacuteveis leitores-pesquisadores desta tese
64
12 AS TESES E DISSERTACcedilOtildeES DO CAMPO TEMAacuteTICO DA HISTOacuteRIA DA ALFABETIZACcedilAtildeO
LUGARES PERIacuteODOS E FONTES
A alfabetizaccedilatildeo eacute ldquoum processo muito complexordquo conforme adverte Soares
(2015) Essa complexidade ldquojaacute determina a configuraccedilatildeo do campo de pesquisa como
uma aacuterea que necessariamente precisa fazer interfaces com outros campos de
conhecimentos cientiacuteficos e acadecircmicosrdquo (MACIEL 2003 p 230)
Por ser a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo um campo temaacutetico recente concordamos
com a afirmaccedilatildeo de Maciel (2003) de que as pesquisas historiograacuteficas sobre a
alfabetizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem abrigadas sob terminologias de outros campos ldquoA
histoacuteria da instruccedilatildeo primaacuteria da leitura e da escrita eacute a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeordquo
(MACIEL 2003 p 248) Todavia embora haja essas evidentes aproximaccedilotildees com
outros campos a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo se constitui em torno dos usos e praacuteticas
da leitura e escrita como aponta Magalhatildees (2001)
Satildeo ldquovaacuterias portas de entrada para estudar a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo as
instacircnciasinstituiccedilotildees os objetos os sujeitos os suportes e os meios de produccedilatildeo e
a transmissatildeo da escritardquo (FRADE 2011 p 184) A partir disso haacute uma variedade de
fontes que dialogam com esses objetos e que auxiliam na compreensatildeo do fenocircmeno
da alfabetizaccedilatildeo num espaccedilo e tempo particulares Essas fontes satildeo geralmente
selecionadas a partir do periacuteodo recortado que determina o tipo e o lugar onde
podemos encontraacute-las Frade (2018) nos provoca com algumas questotildees para pensar
sobre os estudos acerca da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com as fontes
ldquoque aspectos da alfabetizaccedilatildeo estamos analisando sujeitos instacircncias objetos
meios de produccedilatildeo e transmissatildeo da escrita habilidades como isolaacute-los ou
relacionaacute-los aos fenocircmenos mais amplos que envolvem a cultura escritardquo (FRADE
2018 p 52)
Essas perguntas impulsionam a reflexatildeo que empreendemos doravante sobre
a produccedilatildeo acadecircmica relativa agrave histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil
Como jaacute mencionamos os trabalhos de Soares (1989) Soares e Maciel (2000)
e Silva (1998) alertaram para a escassez de pesquisas histoacutericas da alfabetizaccedilatildeo
pois no periacuteodo de 1961 a 1989 inventariaram somente 3 pesquisas sobre esse
assunto
Dando continuidade ao trabalho dessas autoras para o levantamento das
pesquisas produzidas a partir dos anos de 1990 no Brasil sobre a histoacuteria da
65
alfabetizaccedilatildeo realizamos uma busca no Banco de Teses e Dissertaccedilotildees da Capes
em junho de 2019 com os termos ldquohistoacuteria da alfabetizaccedilatildeordquo ldquohistoacuteria do ensino inicial
de leiturardquo ldquohistoacuteria do ensino de leiturardquo ldquohistoacuteria do ensino de liacutenguardquo99 ldquohistoacuteria do
ensino primaacuteriordquo ldquohistoacuteria da educaccedilatildeo primaacuteriardquo ldquohistoacuteria da escola primaacuteriardquo ldquoensino
de primeiras letrasrdquo ldquoprimeiras letrasrdquo ldquohistoacuteria da instruccedilatildeo primaacuteriardquo e ldquoinstruccedilatildeo
primaacuteriardquo Esses termos foram escolhidos por entendermos que satildeo nomenclaturas
referentes ao ensino inicial de leitura e escrita em diferentes momentos da histoacuteria da
educaccedilatildeo brasileira Os nuacutemeros de trabalhos identificados estatildeo sintetizados na
tabela 5
Tabela 5
Quantidade de dissertaccedilotildees e teses identificadas no Banco de dados da Capes com os termos relacionados na tabela
Termo Dissertaccedilotildees Teses
Histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo 80 21
Histoacuteria do ensino inicial de leitura - 1
Histoacuteria do ensino de leitura 7 2
Histoacuteria do ensino de liacutengua 28 13
Histoacuteria do ensino primaacuterio 3 4
Histoacuteria da educaccedilatildeo primaacuteria 6 4
Histoacuteria da escola primaacuteria 22 12
Ensino de primeiras letras 9 1
Primeiras letras 87 33
Histoacuteria da Instruccedilatildeo primaacuteria - 2
Instruccedilatildeo primaacuteria 85 50
Total 327 143
Fonte Elaborada pelo autor a partir da consulta no Banco de Teses e Dissertaccedilotildees da Capes
Ao identificar os trabalhos o primeiro passo foi o de realizar o cruzamento entre
os resultados da pesquisa pois constatamos que algumas teses e ou dissertaccedilotildees se
repetiam nas buscas com determinados termos Por exemplo o trabalho de Pasquim
(2013) era mencionado tanto na busca ao termo ldquohistoacuteria do ensino de leiturardquo quanto
em ldquohistoacuteria do ensino de liacutenguardquo
Na sequecircncia fizemos a leitura de todos os resumos dos trabalhos e para
alguns casos quando no resumo natildeo estava expliacutecita a natureza do estudo tambeacutem
99 Deixamos apenas o termo ldquohistoacuteria do ensino de liacutenguardquo pois dessa forma na busca notamos que ele remete a todas as pesquisas inscritas pelas terminologias ldquohistoacuteria do ensino de liacutengua e literaturardquo ldquohistoacuteria do ensino de liacutengua portuguesardquo e ldquohistoacuteria do ensino de liacutengua maternardquo
66
realizamos uma anaacutelise de conteuacutedo para de fato distinguirmos as pesquisas
inscritas na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo Nesse ponto consideramos somente os
trabalhos que tinham o objeto e a metodologia calcados na historiografia Algumas
pesquisas apresentavam capiacutetulos que remetiam agrave histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo mas
tratavam de questotildees contemporacircneas por isso tais pesquisas foram
desconsideradas
Ao fazermos as anaacutelises das dissertaccedilotildees e teses tambeacutem notamos que a
busca com alguns termos detectou trabalhos vinculados a projetos de pesquisa eou
grupo de pesquisa que carregavam em seu nometiacutetulo os termos pesquisados Por
exemplo a tese de Morais (2014) eacute uma pesquisa cujo objetivo foi identificar os modos
de ler o livro impresso por meio das escritas de textos eletrocircnicos e aparece na busca
com o termo ldquohistoacuteria da alfabetizaccedilatildeordquo visto que estaacute vinculada a um projeto do grupo
de pesquisa ldquoHISALES ndash Histoacuteria da Alfabetizaccedilatildeo leitura escrita e dos livros
escolaresrdquo da Universidade Federal de Pelotas
Quando concluiacutemos essas etapas ao olhar para o rol de trabalhos
selecionados ainda percebiacuteamos algumas lacunas sobretudo a partir dos anos 2000
uma vez que havia ausecircncia de pesquisas muito significativas na histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo brasileira Foi daiacute que optamos por voltar ao Banco de Teses e
Dissertaccedilotildees da Capes e buscar entre as 5504 pesquisas100 localizadas com a
palavra-chave ldquoalfabetizaccedilatildeordquo as que tinham um caraacuteter histoacuterico
Eacute importante destacar desde jaacute que catalogar pesquisas eacute algo a ser pensado
de acordo com os criteacuterios e limites da catalogaccedilatildeo As conclusotildees a que chegamos
natildeo fazem convergecircncia com outras jaacute enunciadas por exemplo por Oriani (2012)
que apresenta alguns estudos a nosso ver natildeo categorizados em temas
concernentes agrave histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo Desse modo tal alerta evidencia o diaacutelogo
profiacutecuo estabelecido nas diversas formas de se analisar um objeto de estudo e
portanto de conceber um campo temaacutetico de pesquisa
Por conseguinte no entrecruzamento dos dados apoacutes as vaacuterias seleccedilotildees e
anaacutelises listamos 125 trabalhos identificados no Banco de Dados da Capes
pertencentes ao campo temaacutetico da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo101
100 O nuacutemero 5504 corresponde ao total de pesquisas com o termo ldquoalfabetizaccedilatildeordquo produzidas de 2000 ateacute junho de 2019 conforme evidenciamos na tabela 2 101 Reconhecemos os limites dessa busca considerando os filtros que fizemos A intenccedilatildeo natildeo foi catalogar todos os trabalhos em formato de dissertaccedilatildeo e tese com o tema da histoacuteria
67
Tabela 6 Quantidade de teses e dissertaccedilotildees por ano sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no
Brasil
Ano Dissertaccedilotildees Teses
1997 1 1
1998 - 1
1999 - -
2000 - 1
2001 3 3
2002 2 -
2003 3 -
2004 2 -
2005 2 3
2006 9 4
2007 5 1
2008 11 -
2009 5 -
2010 8 1
2011 6 2
2012 4 3
2013 14 5
2014 5 5
2015 3 1
2016 6 3
2017 2 -
2018 - -
2019 - -
Total 91 34
Fonte Elaborada pelo autor a partir da consulta no Banco de teses e dissertaccedilotildees da Capes
Conforme evidenciado na tabela 73 dos trabalhos produzidos satildeo
dissertaccedilotildees de mestrado e apenas 27 teses de doutorado Esses dados vatildeo ao
encontro das conclusotildees de Maciel (2014) no levantamento sobre o estado do
conhecimento da alfabetizaccedilatildeo no Brasil que indica uma disparidade entre o nuacutemero
de dissertaccedilotildees e teses numa proporccedilatildeo de 47 dissertaccedilotildees para uma tese
defendida102
da alfabetizaccedilatildeo mas fazer um panorama parcial do que se tem produzido dentro dos limites da pesquisa que realizamos 102 Segundo dados do Banco de Teses e Dissertaccedilotildees da Capes em junho de 2019 estavam registradas 22640 dissertaccedilotildees e 7330 teses defendidas no Brasil em programas de poacutes-graduaccedilatildeo em educaccedilatildeo Proporcionalmente a cada 3 dissertaccedilotildees temos aproximadamente 1 tese defendida
68
Como podemos constatar os primeiros trabalhos localizados no Banco de
dados da Capes datam de 1997 Satildeo a pesquisa de Mestrado intitulada de Cartilha
do Povo e Upa Cavalinho O Projeto de Alfabetizaccedilatildeo de Lourenccedilo Filho de Bertoletti
(1997) e a tese de Doutorado A Histoacuteria da Alfabetizaccedilatildeo Poliacutetica na PARAIBRASIL
nos anos Sessenta de Scocuglia (1997)103
Ainda na deacutecada de 90 haacute o trabalho de Silva (1998) Ele transformou-se em
livro em 2015 publicado na Editora da Unicamp sob o tiacutetulo Histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
no Brasil sentidos e sujeito da escolarizaccedilatildeo (SILVA 2015)
A pesquisa de Magnani (1997)104 por se tratar de uma tese de livre-
docecircncia105 natildeo eacute identificada na busca no Banco de dados da Capes A tese eacute uma
pesquisa na longa duraccedilatildeo da histoacuteria compreendendo o periacuteodo entre 1876 a 1994
transformou-se no marco inaugural de um meacutetodo e de uma proposta de compreensatildeo
sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil106 O trabalho foi publicado posteriormente
em 2000 no formato de livro pela Editora da UNESP Os sentidos da Alfabetizaccedilatildeo
Satildeo Paulo 1876 ndash1994 Na apresentaccedilatildeo da obra Soares considera o trabalho de
Mortatti um ldquocacircnone das obras fundamentais de indispensaacutevel leitura sobre a
alfabetizaccedilatildeo no Brasil [] uma lsquofonte das fontesrsquo manancial de inuacutemeros estudos e
pesquisas sugeridos possibilitados facilitadosrdquo (SOARES 2000 p 13-15)
103 Gontijo (2011) tambeacutem destaca esse trabalho como um estudo sobre a alfabetizaccedilatildeo numa perspectiva histoacuterica 104 Magnani era o sobrenome da professora Maria do Rosaacuterio Longo Mortatti que passou a assim assinar apoacutes 1998 Ateacute entatildeo assinava Maria do Rosaacuterio Mortatti Magnani Tais dados podem ser conferidos no Curriacuteculo Lattes da autora no item ldquooutras observaccedilotildees relevantesrdquo 105 Trata-se da tese de concurso de livre-docecircncia na disciplina de Docecircncia em Metodologia do Ensino de 1ordm Grau Alfabetizaccedilatildeo Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita Filhordquo Presidente Prudente A tese intitulou-se Os sentidos da alfabetizaccedilatildeo a ldquoquestatildeo dos meacutetodosrdquo e a constituiccedilatildeo de um objeto de estudo (Satildeo Paulo 18761994) Participaram na comissatildeo julgadora do concurso de livre-docecircncia de Maria do Rosaacuterio os professores Luiz Carlos Cagliari Joatildeo Wanderley Geraldi Maria Alice Faria Clarice Nunes e Magda Soares 106 Mortatti (2000) propotildee quatro momentos da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo tomando como referecircncia marcos formulados a partir das fontes documentais por ela consultadas o primeiro momento entre 1876 a 1890 em que haacute uma disputa entre o uso dos meacutetodos sinteacuteticos ndash de soletraccedilatildeo e silabaccedilatildeo ndash com o meacutetodo de palavraccedilatildeo proposto pelo poeta portuguecircs Joatildeo de Deus o segundo momento de 1890 a 1920 quando prevalece a disputa entre o meacutetodo analiacutetico e o sinteacutetico ndash especialmente o de silabaccedilatildeo ndash o terceiro momento a partir de meados de 1920 com a ecircnfase no meacutetodo misto (analiacutetico-sinteacutetico ou sinteacutetico-analiacutetico) e o quarto momento ainda em curso com iniacutecio no final da deacutecada de 1970 quando houve a entrada das teorias construtivistas no Brasil ndash sobretudo a de Emilia Ferreiro ndash e a perspectiva do ldquointeracionismo linguiacutesticordquo baseada em L S Vygotsky e Bakhtin jaacute na deacutecada de 80 quando comeccedilou a ser disseminada por meio das teorizaccedilotildees propostas por Joao Wanderley Geraldi e Ana Luiza Bustamante Smolka
69
Na busca a pesquisa de Carvalho (1998) tambeacutem natildeo foi referenciada com as
palavras-chave por noacutes selecionadas Esse trabalho analisou como foi organizado e
concebido o ensino de leitura e escrita em Satildeo Paulo no periacuteodo poacutes-proclamaccedilatildeo
da Repuacuteblica no Brasil (1890-1920) O discurso empreendido pela autora tomou como
base especialmente os artigos publicados na Revista de Ensino - Orgam da
Associaccedilatildeo Beneficente do Professorado Publico de Satildeo Paulo e nos Annuaacuterios do
Ensino do Estado de Satildeo Paulo
Da primeira deacutecada dos anos 2000 (2000-2009) catalogamos 54 trabalhos 42
dissertaccedilotildees de mestrado e 12 teses de doutorado Esses dados demonstram um
aumento das pesquisas acadecircmicas sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo coincidindo
com a maior divulgaccedilatildeo sobre a alfabetizaccedilatildeo nos perioacutedicos cientiacuteficos107 a
realizaccedilatildeo de eventos cientiacuteficos da aacuterea e tambeacutem a expansatildeo da publicaccedilatildeo de
livros e capiacutetulos sobre a historiografia da alfabetizaccedilatildeo Insta esclarecer que em
2003 foi lanccedilada a ldquoDeacutecada das Naccedilotildees Unidas para a Alfabetizaccedilatildeordquo (2003-2012)
que notoriamente influenciou no Brasil segundo Mortatti (2013) algumas iniciativas
no acircmbito das poliacuteticas puacuteblicas de educaccedilatildeo fazendo com que a alfabetizaccedilatildeo
ganhasse destaque entre as iniciativas governamentais e consequentemente as
acadecircmicas108
A partir dos anos 2000 o governo federal passou a investir em programas de
formaccedilatildeo continuada destinados aos alfabetizadores o PROFA o PROacute-
LETRAMENTO e o PNAIC Esses programas trouxeram agrave tona em todo o paiacutes o
tema alfabetizaccedilatildeo No PROFA e no PNAIC havia a discussatildeo sobre os aspectos
histoacutericos do ensino de leitura e escrita sendo retomada a perspectiva de
contextualizar as praacuteticas de alfabetizaccedilatildeo no seacuteculo XX sobretudo no Ocidente A
histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo eacute tratada como conteuacutedo na formaccedilatildeo do professor
alfabetizador dando visibilidade aos estudos desse campo
Retomando a tabela 6 pontuamos que entre os anos 2010-2019 jaacute satildeo 68
trabalhos defendidos sendo 48 dissertaccedilotildees de mestrado e 20 teses de doutorado
nuacutemeros esses superiores aos da deacutecada anterior Nesses anos aumenta a produccedilatildeo
107 Conforme jaacute referenciado neste capiacutetulo os levantamentos de Mortatti (2014) Guimaratildees e Quillici Neto (2018) evidenciam tal fato 108 Sobre a ldquoDeacutecada das Naccedilotildees Unidas para a Alfabetizaccedilatildeordquo (2003-2012) cf Mortatti (2013) A autora faz um balanccedilo criacutetico dessa deacutecada no Brasil retomando aspectos da iniciativa e de outras que provocam avanccedilos mas que tambeacutem indicam a permanecircncia de muitos problemas histoacutericos na educaccedilatildeo particularmente na alfabetizaccedilatildeo infantil
70
de teses de doutorado Esse crescimento tambeacutem se relaciona agrave difusatildeo dos
programas de poacutes-graduaccedilatildeo em educaccedilatildeo nas diversas regiotildees do paiacutes Aleacutem disso
grande parte dos orientadores dessas teses e dissertaccedilotildees se doutoraram entre os
anos 1999-2004 o que tambeacutem justifica a ampliaccedilatildeo vertiginosa de pesquisas de
histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo nos uacuteltimos 10 anos
Enfim do que trataram essas pesquisas O que elas revelaram sobre a histoacuteria
da alfabetizaccedilatildeo do Brasil Onde foram produzidas E como foram difundidas
Quando tratamos sobre o lugar numa pesquisa natildeo estamos apenas
delimitando o espaccedilo onde ela foi produzida eou ao qual se refere A reflexatildeo vai
aleacutem O lugar tambeacutem eacute sinocircnimo de reconhecimentoposiccedilatildeo Eacute importante portanto
pensar esse lugar ocupado e conquistado pela histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no universo
da pesquisa
Na busca feita no Diretoacuterio dos Grupos de Pesquisa no Brasil com a palavra-
chave ldquohistoacuteria da alfabetizaccedilatildeordquo109 localizamos 10 registros de grupos todos
vinculados agrave aacuterea de educaccedilatildeo Desse total natildeo identificamos pesquisas e relaccedilotildees
diretas com histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no ldquoGrupo de Estudo e Pesquisa em Narrativas
Formativas (Gepenaf)rdquo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Os demais
grupos arrolados abaixo satildeo mencionados e haacute pesquisas relacionadas agrave
historiografia da alfabetizaccedilatildeo
Quadro 1 Grupos de Pesquisa sobre Histoacuteria da Alfabetizaccedilatildeo localizados no Diretoacuterio dos
Grupos de Pesquisa do Brasil
Grupo de Pesquisa Universidade Ano de Formaccedilatildeo
Centro de Alfabetizaccedilatildeo Leitura e Escrita (CEALE)
Universidade Federal de Minas Gerais ndash UFMG
1990
Grupo de Pesquisa Histoacuteria do Ensino de Liacutengua e Literatura no
Brasil (GPHELLB)
Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita
Filho ndash UNESP
1994
Nuacutecleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Histoacuteria
da Educaccedilatildeo ndash NIEPHE
Universidade de Satildeo Paulo ndash USP
1996
Histoacuteria da Educaccedilatildeo Literatura e Gecircnero
Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN
1998
109 Tal pesquisa foi realizada no site lthttplattescnpqbrwebdgphomegt Acesso em 28 de junho de 2019 A consulta foi parametrizada pelo termo ldquohistoacuteria da alfabetizaccedilatildeordquo de modo que ele estivesse vinculado ao nome do grupo eou nome da linha de pesquisa eou palavra-chave da linha de pesquisa
71
Histoacuteria da Alfabetizaccedilatildeo Lugares de Formaccedilatildeo Cartilhas
e Modos de Fazer
Universidade Federal de Uberlacircndia ndash UFU
2004
Histoacuteria da Alfabetizaccedilatildeo Leitura Escrita e dos Livros Escolares
(HISALES)
Universidade Federal de Pelotas ndash UFPel
2006
NEPALES ndash Nuacutecleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetizaccedilatildeo
Leitura e Escrita
Universidade Federal do Espiacuterito Santo ndash UFES
2006
Nuacutecleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Ensino de
Liacutengua e Literatura (NIPELL)
Universidade Federal de Satildeo Paulo ndash UNIFESP
2017
Grupo de Estudo e Pesquisa Linguagem Oral Leitura e Escrita
(GEPLOLEI)
Universidade Federal de Mato Grosso ndash UFMT
2017
Fonte Elaborado pelo autor a partir da consulta no Diretoacuterio dos Grupos de Pesquisa do Brasil
Numa outra busca no Diretoacuterio dos Grupos de Pesquisa no Brasil110 com o
termo ldquoalfabetizaccedilatildeordquo constata-se o registro de 260 grupos voltados agrave pesquisa nessa
aacuterea enquanto com o termo ldquohistoacuteria da educaccedilatildeordquo haacute 497 registros Esses dados
contrapostos aos apresentados no Quadro 1 demonstram que haacute um crescimento
mesmo que tiacutemido de grupos de pesquisa voltados aos estudos histoacutericos da
alfabetizaccedilatildeo Entretanto haacute um longo caminho a percorrer para dar maior visibilidade
a essa temaacutetica
Dos grupos de pesquisa inventariados no Quadro 1 o CEALE eacute o mais antigo
Criado por Magda Soares em 1990 ele eacute um oacutergatildeo complementar da Faculdade de
Educaccedilatildeo da UFMG destacando-se por diferentes pesquisas na aacuterea de
alfabetizaccedilatildeo ensino de liacutengua portuguesa e literatura A primeira pesquisa entre as
teses e dissertaccedilotildees sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo vinculadas ao CEALE foi
defendida por Maciel (2001) Lucia Casasanta e o meacutetodo global de contos uma
contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Minas Gerais
Ainda na deacutecada de 1990 foram criados outros trecircs grupos de pesquisa
Em 1994 o GPHELLB na UNESP coordenado por Maria do Rosaacuterio Longo
Mortatti Nesse grupo a dissertaccedilatildeo de mestrado Cartilha do povo e cartilha Upa
cavalinho o projeto de alfabetizaccedilatildeo de Lourenccedilo Filho de Bertoletti (1997) e a tese
110 Tal pesquisa foi realizada no site lthttplattescnpqbrwebdgphomegt Acesso em 28 de junho de 2019 A consulta foi parametrizada de modo que os termos pesquisados estivessem vinculados ao nome do grupo eou nome da linha de pesquisa eou palavra-chave da linha de pesquisa
72
de doutorado Ensino de leitura na escola primaacuteria no Mato Grosso contribuiccedilatildeo para
o estudo de aspectos de um discurso institucional no iniacutecio do seacuteculo XX de Amacircncio
(2000) foram pioneiras por pesquisarem a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo a partir de
impressos destinados ao ensino de leitura e escrita bem como o discurso oficial
empreendido para difusatildeo dos meacutetodos para se ensinar a ler
Em 1996 na USP criou-se o NIEPHE tendo com uma das coordenadoras
Diana Gonccedilalves Vidal No acircmbito desse grupo a dissertaccedilatildeo de mestrado de Esteves
(2002) As prescriccedilotildees para o ensino da caligrafia e da escrita na escola puacuteblica
primaacuteria paulista (1910-1947) eacute o primeiro trabalho localizado que trata sobre a
temaacutetica alfabetizaccedilatildeo dedicando-se a discutir os modelos caligraacuteficos prescritos no
ensino primaacuterio em Satildeo Paulo entre os anos de 1910-1947
Em 1998 formou-se na UFRN o grupo ldquoGecircnero Educaccedilatildeo e Praacuteticas de
Leiturardquo que hoje recebe o nome de ldquoHistoacuteria da Educaccedilatildeo Literatura e Gecircnerordquo e
tem como uma das liacutederes Maria Arisnete Cacircmara de Morais Dentro dos limites da
pesquisa realizada acerca da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil como expusemos no
item anterior nenhum trabalho vinculado a esse grupo eacute mencionado Poreacutem ao
explorarmos o repositoacuterio de teses e dissertaccedilotildees da UFRN detectamos a dissertaccedilatildeo
sob o tiacutetulo Do mestre aos disciacutepulos o legado de Nestor dos Santos Lima (1910-
1930) de Amorim (2012) que analisou os escritos de Nestor dos Santos Lima sobre
os princiacutepios e meacutetodos do ensino de leitura e escrita aplicados nos Grupos Escolares
do Rio Grande do Norte
Jaacute no seacuteculo XXI em 2004 foi criado na UFU o grupo de pesquisa ldquoHistoacuteria da
Alfabetizaccedilatildeo Lugares de Formaccedilatildeo Cartilhas e Modos de Fazerrdquo111 coordenado por
Socircnia Maria dos Santos e Mariacutelia Villela de Oliveira No contexto do grupo a primeira
pesquisa sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo eacute de Guimaratildees (2006) intitulada Histoacuterias
de Alfabetizadores Vida Memoacuteria e Profissatildeo Utilizando-se da histoacuteria oral temaacutetica
a autora busca compreender como algumas alfabetizadoras aposentadas de Patos de
MinasMG aprenderam a ler e como alfabetizaram seus alunos
111 Esse grupo funcionava desde 1992 com outro nome Nuacutecleo de Alfabetizaccedilatildeo do Triacircngulo Mineiro e Alto Paranaiacuteba Vinculado agrave Faculdade de Educaccedilatildeo da UFU era composto inicialmente por professores da universidade da Escola de Educaccedilatildeo Baacutesica da UFU e das Redes Estadual e Municipal de Uberlacircndia O Nuacutecleo manteve a publicaccedilatildeo de uma Revista intitulada Revista do Alfabetizador com o objetivo de registrar as experiecircncias dos professores alfabetizadores bem como as pesquisas realizadas no contexto do Nuacutecleo A Revista era distribuiacuteda gratuitamente aos professores da educaccedilatildeo baacutesica
73
Em 2006 foi criado o HISALES na UFPel sob a coordenaccedilatildeo de Eliane
Teresinha Peres e Vania Grim Thies Nesse grupo de pesquisa o trabalho de Porto
(2005) Divulgaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo do meacutetodo global de contos no Instituto de Educaccedilatildeo
Assis Brasil foi o primeiro a problematizar a questatildeo dos meacutetodos de ensino de leitura
em PelotasRS
Na Universidade Federal do Espiacuterito Santo ndash UFES o NEPALES formou-se em
2006 coordenado por Claacuteudia Maria Mendes Gontijo e Cleonara Maria Schwartz O
primeiro trabalho acadecircmico catalogado acerca da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo do
Espiacuterito Santo no NEPALES foi a dissertaccedilatildeo de mestrado A alfabetizaccedilatildeo no
Espiacuterito Santo na deacutecada 1950 de Campos (2008)
Mais recentemente em 2017 formaram-se na UNIFESP o Nuacutecleo
Interdisciplinar de Pesquisas sobre Ensino de Liacutengua e Literatura (NIPELL) e na
UFMT o Grupo de Estudo e Pesquisa Linguagem Oral Leitura e Escrita (GEPLOLEI)
Embora a criaccedilatildeo desses grupos seja mais recente a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo e da
literatura infantil faz parte da trajetoacuteria acadecircmica dos coordenadores O primeiro
grupo tem com coordenador Fernando Rodrigues de Oliveira e o segundo Baacuterbara
Cortella Pereira de Oliveira
Ao cotejarmos os dados da Tabela 6 que apresentou a quantidade de teses e
dissertaccedilotildees sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil e os do Quadro 1 que
nominou os Grupos de Pesquisa sobre histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo localizados no
Diretoacuterio dos Grupos de Pesquisa do Brasil percebemos que alguns grupos natildeo foram
mencionados o ldquoALFALE ndash Alfabetizaccedilatildeo e Letramento Escolarrdquo e o ldquoALLE ndash
Alfabetizaccedilatildeo Leitura e Escritardquo112 Esses dois grupos tambeacutem apresentam uma
produccedilatildeo acadecircmica substancial sobre histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo destacando-se com
pesquisas que auxiliam tanto na compreensatildeo do passado como tambeacutem do presente
cenaacuterio do ensino inicial de leitura e escrita Entretanto a pesquisa que fizemos natildeo
registra esses grupos uma vez que o termo histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo natildeo eacute
mencionado explicitamente na descriccedilatildeo dos nomes dos grupos e ou nomespalavras-
chaves das suas linhas de pesquisa
112 O ALLE em 2016 recebeu outro nome ndash ALLEAULA pois fundiu-se com outro grupo de pesquisa da Universidade Estadual de Campinas ndash UNICAMP o AULA (Trabalho Docente na Formaccedilatildeo Inicial) Conserva-se aqui o nome ALLE pois as pesquisas que trataram sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo referenciadas neste trabalho no contexto desse grupo de pesquisa foram realizadas quando o grupo ainda estava sob esse tiacutetulo
74
O ALFALE criado em 2001 na Universidade Federal de Mato Grosso tem
como liacutederes Cancionila Janzkovski Cardoso e Siacutelvia de Faacutetima Pilegi Rodrigues A
principal linha de pesquisa do grupo eacute ldquoAlfabetizaccedilatildeo questotildees histoacutericas e
contemporacircneasrdquo A primeira pesquisa acadecircmica sobre histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
defendida no acircmbito do ALFALE foi a dissertaccedilatildeo de mestrado Alfabetizaccedilatildeo na
escola primaacuteria em Diamantino - Mato Grosso (1930 a 1970) de Souza (2006)
Formado em 1998 na Universidade Estadual de Campinas ndash UNICAMP o ALLE
estaacute atualmente sob a coordenaccedilatildeo de Norma Sandra de Almeida Ferreira e Ana Luacutecia
Guedes-Pinto Ainda que natildeo se constitua o foco central de pesquisa desse grupo ele
apresenta trabalhos que se distinguem no campo da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo a citar
a tese de doutorado Lendo com Hilda Joatildeo Koumlpke ndash 1902 de Santos (2013) A autora
apresenta a anaacutelise de uma cartilha ndash O livro de Hilda ndash escrita por Koumlpke em 1902
e que provavelmente natildeo foi publicada Desconhecida pelo meio acadecircmico eacute
composta de histoacuterias e exerciacutecios para processuaccedilatildeo do meacutetodo analiacutetico de ensino
da leitura e da escrita
Esses grupos de pesquisa aqui relacionados auxiliaram na produccedilatildeo de uma
histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo brasileira seja por pesquisas em teses e dissertaccedilotildees de
seus estudantes seja pelos projetos de pesquisa dos professores orientadores
divulgados em livros capiacutetulos de livros artigos em perioacutedicos etc
Tabela 7
Quantidade de teses e dissertaccedilotildees por universidade sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil
Instituiccedilatildeo de Ensino Superior Dissertaccedilatildeo Tese Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Minas Gerais (PUC Minas)
1 -
Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo (PUC-SP)
3 5
Universidade Catoacutelica de Santos (UNISANTOS) 1 - Universidade Catoacutelica Dom Bosco (UCDB) 1 - Universidade de Satildeo Paulo (USP) 3 2 Universidade de Uberaba (UNIUBE) 2 - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) 1 4 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) 2 - Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) 1 - Universidade Estadual do Maranhatildeo (UEMA) 1 - Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita Filhordquo (UNESP)
8 6
Universidade Federal da Bahia (UFBA) 1 1 Universidade Federal da Paraiacuteba (UFPB) 3 - Universidade Federal de Alagoas (UFAL) 1 -
75
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) 14 - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) - 1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) 3 2 Universidade Federal de Pelotas (UFPel) 8 - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 2 1 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) 1 1 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) 1 1 Universidade Federal de Satildeo Carlos (UFSCar) 2 - Universidade Federal de Sergipe (UFS) 3 2 Universidade Federal de Uberlacircndia (UFU) 10 3 Universidade Federal de Viccedilosa (UFV) 1 - Universidade Federal do Espiacuterito Santo (UFES) 9 4 Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) 2 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 2 1 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) 1 - Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) 1 - Universidade Satildeo Francisco (USF) 2 -
Total 91 34
Fonte Elaborada pelo autor a partir da consulta no Banco de Teses e Dissertaccedilotildees da Capes
As 125 produccedilotildees acadecircmicas identificadas satildeo advindas de 31 universidades
sendo que 60 delas satildeo da regiatildeo Sudeste 14 da regiatildeo Centro-Oeste 13 da
regiatildeo Nordeste e 12 da regiatildeo Sul Ateacute o momento natildeo encontramos nenhuma
dissertaccedilatildeo ou tese referente agrave histoacuteria da Alfabetizaccedilatildeo produzida em universidade
da regiatildeo Norte O Sudeste destaca-se tambeacutem no nuacutemero de programas de poacutes-
graduaccedilatildeo em educaccedilatildeo e consequentemente deteacutem segundo os dados do Banco
de Teses e Dissertaccedilotildees da Capes cerca de 4423 das produccedilotildees acadecircmicas
defendidas ateacute junho de 2019 nas universidades brasileiras
Nota-se pela Tabela 7 que UFES UFMT UFU e UNESP com seus respectivos
grupos de pesquisas NEPALES ALFALE ldquoHistoacuteria da Alfabetizaccedilatildeo Lugares de
Formaccedilatildeo Cartilhas e Modos de Fazerrdquo e GPHELLB satildeo os que detecircm os nuacutemeros
mais expressivos de pesquisas acadecircmicas
As 15 universidades do Sudeste nominadas nesta tabela totalizam 74 trabalhos
defendidos (48 dissertaccedilotildees e 26 teses) sendo que apenas 5 natildeo satildeo de programas
de poacutes-graduaccedilatildeo em educaccedilatildeo 3 trabalhos estatildeo ligados a programas na aacuterea de
Letras da Universidade Estadual de Campinas e da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica
de Satildeo Paulo 1 na aacuterea de Histoacuteria na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
e 1 na de Ciecircncias da Religiatildeo na Universidade Presbiteriana Mackenzie As
pesquisas vinculadas ao curso de Letras e Histoacuteria eram de se esperar uma vez que
76
a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo faz diferentes intersecccedilotildees com essas aacutereas do
conhecimento Todavia a dissertaccedilatildeo intitulada Benedicta Stahl Sodreacute mulher
protestante na educaccedilatildeo brasileira de Mendes (2008) identificada na Ciecircncias da
Religiatildeo chamou-nos bastante atenccedilatildeo
Mendes (2008) aborda a trajetoacuteria de vida e profissatildeo de Benedicta Stahl
Sodreacute analisando tambeacutem o material da coleccedilatildeo Sodreacute Cartilha Sodreacute Primeiro Livro
Sodreacute Segundo Livro Sodreacute Terceiro Livro Sodreacute e Quarto Livro Sodreacute Carimbos e
Cartazes A anaacutelise empreendida desvela os conteuacutedos religiosos sobretudo cristatildeos
de valores morais e eacuteticos presentes na proposta de alfabetizaccedilatildeo pensada por
Sodreacute Embora no discurso de Mendes (2008) haja marcas das crenccedilas e valores
religiosos da proacutepria autora a dissertaccedilatildeo apresenta aspectos sobre o conteuacutedo de
uma cartilha que estaacute no imaginaacuterio social de muitos brasileiros alfabetizados com a
ldquoA pata nadardquo (1ordf liccedilatildeo da Cartilha Sodreacute)
Na regiatildeo Centro-Oeste satildeo 4 universidades que totalizam 18 trabalhos
defendidos (17 dissertaccedilotildees e 1 tese) com representatividade de programas de poacutes-
graduaccedilatildeo em educaccedilatildeo de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul As universidades e
seus grupos de pesquisa do estado de Goiaacutes natildeo aparecem com investigaccedilotildees em
relaccedilatildeo agrave histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
Sete universidades no Nordeste produziram 13 dissertaccedilotildees e 4 teses
seguidas de 5 universidades da Regiatildeo Sul com total de 13 dissertaccedilotildees e 3 teses
Na regiatildeo Nordeste 5 pesquisas satildeo de programas de poacutes-graduaccedilatildeo externos
agrave educaccedilatildeo duas na aacuterea de Histoacuteria duas na aacuterea de Letras e uma no Mestrado em
Direitos Humanos Cidadania e Poliacuteticas Puacuteblicas da Universidade Federal da
Paraiacuteba Essa uacuteltima de autoria de Santos (2015) intitulada Direito humano agrave
memoacuteria da educaccedilatildeo de adultos no Brasil autoritaacuterio documentos legais e narrativas
de ex participantes do MOBRAL (1967-1985) aborda a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo de
adultos reconstituindo a memoacuteria educacional do Movimento Brasileiro de
Alfabetizaccedilatildeo (MOBRAL)
Jaacute no Sul apenas uma pesquisa natildeo estaacute vinculada aos programas de poacutes-
graduaccedilatildeo em educaccedilatildeo a tese de doutorado de Vojniak (2012) O Impeacuterio das
primeiras letras uma histoacuteria da institucionalizaccedilatildeo da cartilha de alfabetizaccedilatildeo no
77
seacuteculo XIX113 defendida no programa de poacutes-graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade
Federal de Santa Catarina Nessa regiatildeo destaca-se o jaacute citado grupo de Pesquisa
HISALES da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que conta com um dos
maiores acervos de fontes histoacutericas sobre o ensino de leitura e escrita do Sul do
paiacutes114
Saindo do espaccedilo onde as teses e dissertaccedilotildees foram produzidas passando
aos seus conteuacutedos foi possiacutevel mapear os lugares aos quais as pesquisas se
referiam organizando um panorama dos estados que tecircm investigaccedilotildees sobre as
suas histoacuterias da alfabetizaccedilatildeo conforme registrado na Tabela 8
113 Essa pesquisa foi publicada em formato de livro sob o mesmo tiacutetulo da tese pela Editora Prismas em 2014 (VOJNIAK 2014) 114 Segundo dados do site do HISALES lthttpwpufpeledubrhisalesgt com acesso em 30 de junho de 2019 o grupo conta com um acervo de 2001 cadernos de alunos (ciclo de alfabetizaccedilatildeo e outras seacuteries) 281 cadernos de planejamento (diaacuterios de classe) de professoras 1255 livros para ensino da leitura e da escrita nacionais e estrangeiros 49 livros para ensino da leitura e da escrita em liacutengua nacional ldquoartesanaisrdquo 126 livros para ensino da leitura e da escrita em liacutengua estrangeira 359 livros didaacuteticos produzidos no Rio Grande do Sul entre 1940 e 1980 691 escritos pessoais e familiares tais como agendas cadernetas diaacuterios etc aleacutem de materiais didaacutetico-pedagoacutegicos
78
Tabela 8 Quantidades de dissertaccedilotildees e teses sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo dos estados
brasileiros
Estado Quantidades de
Dissertaccedilotildeesteses
Alagoas 1
Bahia 2
Espiacuterito Santo 13
Goiaacutes 1
Maranhatildeo 2
Mato Grosso 15
Mato Grosso do Sul 2
Minas Gerais 25
Paraiacuteba 3
Paranaacute 1
Pernambuco 3
Rio de Janeiro 1
Rio Grande do Norte 2
Rio Grande do Sul 12
Santa Catarina 1
Satildeo Paulo 22
Sergipe 4
Brasil 15
Total 125
Fonte Elaborada pelo autor a partir da consulta no Banco de teses e dissertaccedilotildees da Capes
Em cerca de 85 das dissertaccedilotildees e teses haacute uma convergecircncia entre o lugar
(universidade) onde as pesquisas foram defendidas e o lugar (estado) a que se
referem Portanto a tendecircncia eacute de os programas de poacutes-graduaccedilatildeo investirem em
investigaccedilotildees alusivas ao seu estado
Quinze pesquisas natildeo tratavam especificamente de um estado mas do Brasil
de modo geral Como exemplo citamos a pesquisa de Silva (1998) que se apoiou na
Anaacutelise do Discurso especialmente nos trabalhos de Michel Pecirccheux buscando
compreender o processo de constituiccedilatildeo dos sentidos e dos sujeitos da
escolarizaccedilatildeoalfabetizaccedilatildeo no Brasil a partir dos discursos religiosos (seacuteculo XVI e
XVII) e cientiacuteficos (seacuteculo XIX e XX) que retratavam as poliacuteticas linguiacutesticas e
pedagoacutegicas de leitura e escrita
No total foram 17 estados pesquisados As dissertaccedilotildees eou teses geralmente
tinham como loacutecus uma cidade de um estado Poreacutem haacute aquelas que estudam o
79
discurso empreendido em niacutevel estadual natildeo se limitando agraves experiecircncias de um
municiacutepio eou grupo de professores
A regiatildeo Sudeste permanece como destaque com os maiores nuacutemeros de
pesquisas sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo Minas Gerais e Satildeo Paulo satildeo os dois
estados mais investigados seguidos do Espiacuterito Santo Aleacutem dos argumentos jaacute
relacionados anteriormente que justificam a quantidade de investigaccedilotildees sobre
alfabetizaccedilatildeo nessas localidades tambeacutem consideramos a organizaccedilatildeo e acesso115
aos arquivos puacuteblicos e agraves fontes documentais na capital mineira e paulista um
facilitador para a realizaccedilatildeo de investigaccedilotildees historiograacuteficas
Ainda no Sudeste temos apenas uma dissertaccedilatildeo sobre a histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo no Rio de Janeiro Nesse estado a Universidade Federal Fluminense ndash
UFF abrigou dois projetos de pesquisa sob a coordenaccedilatildeo da Professora Cecilia
Maria Aldigueri Goulart acerca desta temaacutetica O primeiro entre os anos 2004-2007
sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no municiacutepio de Niteroacutei ao longo do seacuteculo XX o
segundo de 2011-2014 que foi uma expansatildeo do primeiro analisou as propostas de
ensino-aprendizagem da escrita formuladas pela Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo
do RJ nas deacutecadas de 1970 e 1980 Esses projetos deram origem ao relatoacuterio de
pesquisa apresentado agrave Fundaccedilatildeo de Amparo agrave Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ)116 posteriormente divulgado em publicaccedilotildees de artigos em livros textos
em anais de evento117 e um cataacutelogo intitulado O ensino inicial da leitura e da escrita
na rede escolar municipal de NiteroacuteiRJ (1959-2000)118
115 Esse acesso eacute facilitado muitas vezes pelos mecanismos de digitalizaccedilatildeo das fontes como ocorre atualmente no Arquivo Puacuteblico Mineiro (Belo Horizonte) Aleacutem disso os cataacutelogos e diferentes fontes histoacutericas estatildeo disponiacuteveis nos sites dos Arquivos o que tambeacutem auxilia o trabalho do historiador 116 O relatoacuterio apresentado agrave FAPERJ intitulado O ensino inicial da leitura e da escrita na rede escolar municipal de NiteroacuteiRJ (1959-2000) uma visatildeo histoacuterica no contexto da educaccedilatildeo fluminense e da cidade de Niteroacutei no seacuteculo XX foi coordenado por Cecilia Goulart e contou com a participaccedilatildeo de 10 pesquisadores vinculados ao PROALE ndash Programa de Alfabetizaccedilatildeo e Leitura da UFF O relatoacuterio eacute composto por trecircs partes A primeira detalha o cenaacuterio da educaccedilatildeo fluminense e aspectos do ensino de leitura e escrita ateacute meados do seacuteculo XX a segunda apresenta uma visatildeo histoacuterica dos aspectos poliacutetico-pedagoacutegicos do ensino da leitura e da escrita da rede municipal de Niteroacutei a terceira faz consideraccedilotildees acerca da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Niteroacutei no periacuteodo estudado Agradecemos agrave Professora Cecilia Goulart que nos enviou uma coacutepia do relatoacuterio para anaacutelise 117 Cf Goulart e Abiacutelio (2007 2010) Goulart (2008 2011) 118 O cataacutelogo O ensino inicial da leitura e da escrita na rede escolar municipal de NiteroacuteiRJ (1959-2000) foi organizado por Goulart Abiacutelio e Mattos (2007) Editado pelo PROALEUFF e com apoio da FAPERJ tem 48 paacuteginas e formato de 145 x 21 cm A tiragem da publicaccedilatildeo
80
No Sul haacute pesquisas de todos os estados entretanto destaca-se o Rio Grande
do Sul com 12 trabalhos jaacute defendidos que trataram sobre a sua histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo
No Nordeste natildeo foram identificadas pesquisas sobre a histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo do Piauiacute e Cearaacute Sergipe se sobressaiu em relaccedilatildeo aos outros estados
da regiatildeo nordestina com 4 pesquisas
Na regiatildeo Norte embora as palavras-chave por noacutes selecionadas na busca no
Banco de Dissertaccedilotildees e Teses da Capes natildeo tenham dado em retorno duas
pesquisas jaacute divulgadas em artigos de perioacutedicos e capiacutetulos de livros Correcirca
(2006)119 e Coelho (2008)120 consideramos que ambas nos possibilitam entender
aspectos importantes para a historiografia do ensino de leitura e escrita no Amazonas
e no Paraacute Na tese de Correcirca (2006) embora mais direcionada agrave histoacuteria da leitura e
do livro no contexto educacional amazonense os capiacutetulos que versam sobre as
cartilhas e livros de leitura esclarecem questotildees particulares dos meacutetodos e praacuteticas
de ensino de leitura no estado Jaacute na tese de Coelho (2008) a proposta eacute voltada para
a compreensatildeo de uma cultura escolar no Paraacute nas deacutecadas de 1920 a 1940 todavia
haacute itens referentes agrave alfabetizaccedilatildeo e aos livros para o ensino de leitura nesse estado
No Centro-Oeste o estado do Mato Grosso se evidencia com 15 pesquisas
Entre estas como jaacute referenciado apenas o trabalho de doutoramento de Amacircncio
(2000) foi defendido na UNESP no acircmbito do GPHELLB As demais quatorze
pesquisas satildeo advindas do grupo ALFALE na UFMT
Sobre o Mato Grosso do Sul satildeo duas pesquisas produzidas em programas de
poacutes-graduaccedilatildeo em educaccedilatildeo do proacuteprio estado
Por fim na regiatildeo Centro-Oeste estaacute o estado de Goiaacutes loacutecus desta tese
Identificamos um estudo que auxilia na compreensatildeo da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
desse estado a tese de Abreu (2006) A instruccedilatildeo primaacuteria na proviacutencia de Goiaacutes no
foi de 1000 exemplares que segundo uma das organizadoras Cecilia Goulart foram distribuiacutedos gratuitamente aos pesquisadores interessados e professores da educaccedilatildeo baacutesica aleacutem de ser utilizados como material didaacutetico nas turmas da disciplina Alfabetizaccedilatildeo no curso de Pedagogia da UFF Agradecemos agrave Professora Cecilia Goulart que generosamente nos enviou uma coacutepia do cataacutelogo para anaacutelise 119 Cf Correcirca e Silva (2008 2010) 120 Parte da pesquisa de Coelho (2008) foi difundida apoacutes a realizaccedilatildeo do seu poacutes-doutoramento (2013-2014) na Universidade Federal de Minas Gerais sob orientaccedilatildeo da Professora Francisca Izabel Pereira Maciel Cf Coelho e Maciel (2014a 2014b 2018)
81
seacuteculo XIX vinculada ao Doutorado em Educaccedilatildeo Histoacuteria Poliacutetica Sociedade da
Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo
Abreu (2006) tinha por objetivo analisar o processo de criaccedilatildeo e expansatildeo das
escolas de primeiras letras a constituiccedilatildeo da carreira docente e o exerciacutecio do
magisteacuterio na proviacutencia de Goiaacutes no periacuteodo de 1835 e 1893 As duas datas natildeo
escolhidas arbitrariamente se correlacionam com os propoacutesitos do estudo A primeira
marcou o ano em que foi promulgada a primeira lei goiana de instruccedilatildeo puacuteblica ndash Lei
nordm 13 de 23 de julho de 1835 a segunda de acordo com a autora eacute a de quando
ocorreu uma cisatildeo entre o modelo escolar imperial e a repuacuteblica em Goiaacutes por meio
da sanccedilatildeo do primeiro regulamento da instruccedilatildeo primaacuteria poacutes-proclamaccedilatildeo da
repuacuteblica ndash Decreto nordm 26 de 23 de dezembro de 1893 A tese em questatildeo embora
natildeo tenha objeto central o ensino inicial de leitura e escrita cita-o para compreender
o processo de institucionalizaccedilatildeo da instruccedilatildeo primaacuteria no territoacuterio goiano Embora
natildeo haja um aprofundamento analiacutetico sobre os meacutetodos e materiais para ensinar a
crianccedila a ler e escrever concebemos o trabalho de Abreu (2006) como marco e
referencial nas pesquisas acadecircmicas sobre a histoacuteria da educaccedilatildeo primaacuteria de Goiaacutes
e portanto para a sua histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
Nesse ponto eacute necessaacuterio destacar que as pesquisas desenvolvidas por
Valdez (2003 2010121 2011 2016) embora natildeo sejam produccedilotildees acadecircmicas em
formato de dissertaccedilatildeo eou tese como estamos aqui destacando tecircm auxiliado na
histoacuteria da leitura e do livro em Goiaacutes logo notadamente trazem elementos para
discutirmos aspectos da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no territoacuterio goiano no oitocentos
sendo referenciais recorrentemente utilizados neste trabalho
Haja vista a escassez de pesquisas que tratem especificadamente do campo
temaacutetico da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes nosso trabalho justifica-se pela sua
originalidade em mapear os principais meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo cartilhas e livros
adotados no periacuteodo imperial
Para a escrita dessa histoacuteria e de tantas outras Certeau (2002) nos lembra que
a operaccedilatildeo historiograacutefica passa necessariamente pelas praacuteticas pelas quais o
historiador lida diretamente com o tempo e as fontes histoacutericas
Nas teses e dissertaccedilotildees inventariadas no decorrer deste capiacutetulo natildeo
diferente das pesquisas de outros campos da histoacuteria percebemos a delimitaccedilatildeo de
121 Texto publicado em coautoria cf Valdez Rodrigues e Oliveira (2010)
82
um recorte temporal justificada a partir das fontes que o pesquisador utiliza Ideia que
Saviani corrobora ao afirmar que ldquoas fontes estatildeo na origem constituem o ponto de
partida a base o ponto de apoio da construccedilatildeo historiograacutefica [] eacute delas que brota
e nelas que se apoia o conhecimento que produzimos a respeito da histoacuteriardquo (SAVIANI
2005 p 5-6)
Em consonacircncia com o estudo de Frade (2018) notamos que as principais
fontes usadas nas pesquisas acadecircmicas sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no Brasil
satildeo de natureza escrita documentos escolares (diaacuterios de classe mapas cadernos
escolares incluindo o do aluno e o de planejamento do professor etc) documentos
oficiais livros (cartilhas livros e manuais para ensinar a ler e escrever etc) imprensa
perioacutedica (jornais e revistas para o puacuteblico em geral e tambeacutem outros especificamente
direcionados para professores como por exemplo os jornais pedagoacutegicos e
escolares as revistas de ensino etc) Essas fontes satildeo comumente advindas de
arquivos puacuteblicos pessoais e escolares
As iconografias nas pesquisas acadecircmicas sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
como jaacute apontamos em trabalho anterior122 natildeo foram objeto privilegiado de estudo
As fontes iconograacuteficas quando utilizadas tornaram-se frequentemente adorno agraves
outras fontes geralmente para comprovar algo sobretudo de natureza oral ou escrita
As fontes orais na uacuteltima deacutecada tiveram uma crescente adesatildeo dos
pesquisadores Sobre o seu emprego percebemos algumas tendecircncias A primeira eacute
do imperativo domiacutenio do documento escrito jaacute que assim como as iconografias as
narrativas orais muitas vezes foram empregadas para ratificar o conteuacutedo de outras
fontes A segunda tendecircncia eacute de que as pessoas entrevistadas satildeo mulheres e
professoras O trabalho de doutorado de Santos (2001) intitulado Histoacuterias de
Alfabetizadoras Brasileiras entre saberes e praacuteticas eacute pioneiro no uso das fontes
orais na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo reunindo 12 histoacuterias orais temaacuteticas de professoras
que narram o que eacute ser alfabetizadora no Brasil
Embora haja uma diversidade de fontes na composiccedilatildeo das 125 teses e
dissertaccedilotildees arroladas anteriormente observamos que haacute um expressivo conjunto de
produccedilotildees acadecircmicas que privilegiaram os documentos escolares e os livros
escolares com destaque para as cartilhas como as principais fontes para analisar os
materiais os meacutetodos e as praacuteticas de alfabetizaccedilatildeo Tal constataccedilatildeo vem ao
122 Sobre o uso das iconografias na historiografia da alfabetizaccedilatildeo cf Rocha Carvalho (2018)
83
encontro do que Mortatti (2011a) Frade (2018) e Cardoso e Amacircncio (2018) jaacute
assinalaram em seus estudos
O mapeamento tambeacutem fez-nos constatar que os trabalhos analisados estatildeo
atentos agraves precauccedilotildees apontadas por historiadores como Lombardi (2004) a
pesquisa natildeo deve recorrer apenas a uma uacutenica fonte e sim ao diaacutelogo entre as
diferentes fontes e os seus problemas de investigaccedilatildeo Afinal ldquoos textos ou os
documentos arqueoloacutegicos mesmo os aparentemente claros e mais complacentes
natildeo falam senatildeo quando sabemos interrogaacute-losrdquo (BLOCH 2001 p 79)
No que concerne aos tempos aos quais as teses e dissertaccedilotildees sobre a histoacuteria
da alfabetizaccedilatildeo arroladas anteriormente fazem menccedilatildeo seguindo as interpretaccedilotildees
mais recorrentemente utilizadas na periodizaccedilatildeo da histoacuteria do Brasil copilamos na
tabela a seguir os periacuteodos sobre os quais incidem as pesquisas
Tabela 9
Quantidades de dissertaccedilotildees e teses sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo por periacuteodo da histoacuteria do Brasil
Periacuteodo Quantidade de teses e dissertaccedilotildees
Colocircnia (1500-1822) 5 Impeacuterio (1822-1889) 22
Primeira Repuacuteblica (1889-1930) 32 Era Vargas (1930-1945) 29
Desenvolvimentismo (1945-1964) 41 Ditadura Civil-Militar (1964-1985) 51
1985-atual 32 Total 212123
Fonte Elaborada pelo autor a partir da consulta no Banco de Teses e Dissertaccedilotildees da Capes
Esse conjunto de dados evidencia que os estudos da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
seguem a tendecircncia da histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira (ALVES 1998 XAVIER 2001
CATANI FARIA FILHO 2002) havendo um nuacutemero reduzido de pesquisas nos
seacuteculos que abrangem o periacuteodo colonial talvez devido agrave dificuldade de acesso agraves
fontes bem como agrave conservaccedilatildeo delas para pesquisa
Em contrapartida o seacuteculo XX tem a maior quantidade de investigaccedilotildees com
destaque para o nuacutemero significativo de trabalhos que abordaram o momento da
123 Eacute importante explicar que a somatoacuteria dos periacuteodos nessa tabela ultrapassa o nuacutemero de teses e dissertaccedilotildees jaacute que haacute trabalhos cujo recorte temporal estaacute inscrito em mais de um periacuteodo da histoacuteria motivo pelo qual os alocamos nos diferentes momentos a que eles fazem menccedilatildeo
84
histoacuteria do Brasil conhecido como ditadura civil-militar Na tabela ainda podemos notar
que os trecircs uacuteltimos periacuteodos satildeo os mais pesquisados tanto pela facilidade de acesso
aos documentos como pela possibilidade de diaacutelogo com os sujeitos por meio da
histoacuteria oral
Cada recorte temporal exige uma praacutetica historiograacutefica diferente Quanto mais
tempo recuarmos na histoacuteria certamente maior cuidado devemos ter na coleta e
seleccedilatildeo das fontes bem como no tratamento delas pois afinal fazer a leitura de um
documento do seacuteculo XVII natildeo eacute o mesmo que ler outro do seacuteculo XX Haacute que se
considerar que os modelos suportes e materiais de escrita nesses seacuteculos satildeo
diferentes demandando meacutetodos especiacuteficos para anaacutelise dos dados
13 CONCLUSOtildeES PARCIAIS
No decorrer desta seccedilatildeo fizemos um inventaacuterio das pesquisas sobre a histoacuteria
da alfabetizaccedilatildeo no Brasil destacando a produccedilatildeo acadecircmica em Goiaacutes e sobre
Goiaacutes ndash estado que eacute o objeto central de estudo neste trabalho Nota-se portanto que
natildeo haacute uma produccedilatildeo consolidada sobre o estado fato justificado pelos diferentes
dados e apontamentos realizados nesta parte da tese
Para aleacutem dos dados apresentados numa consulta integrada agrave Base SciELO
com o termo ldquohistoacuteria da alfabetizaccedilatildeordquo foram identificados 10 registros de artigos
publicados em 5 perioacutedicos cientiacuteficos brasileiros entre 2000 e 2019 Com a mesma
palavra-chave no Portal de Perioacutedicos da CapesMEC com o filtro para identificaccedilatildeo
apenas de artigos na busca por assunto essa expressatildeo gera 26 resultados em 15
perioacutedicos cientiacuteficos brasileiros Importante destacar que analisando todas essas
produccedilotildees nenhuma delas trata sobre a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo no estado de Goiaacutes
o que impotildee desafios para construccedilatildeo desta tese e ao mesmo tempo confere-lhe um
caraacuteter ineacutedito
Olhando todos esses dados constatamos que os que fazem pesquisa sobre
histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em sua grande maioria satildeo pesquisadores que tecircm
inicialmente uma experiecircncia acadecircmica eou profissional na linha de saberes e
praacuteticas contemporacircneas do ensino de leitura e escrita Esses pesquisadores hoje
embora se dediquem mais agrave perspectiva histoacuterica ainda fazem pesquisas sobre
questotildees da alfabetizaccedilatildeo na atualidade
85
Por fim eacute preciso destacar que estabelecer um estado da arte dos trabalhos
que estatildeo inseridos numa determinada temaacutetica de pesquisa embora seja um
exerciacutecio laborioso eacute ao mesmo tempo fundamental natildeo soacute para verificar o que se
tem produzido quanto se tem produzido e por que se tem produzido sobre aquele
tema de pesquisa como tambeacutem para entrar em contato com um modo de fazer num
determinado campo O levantamento e leitura dos trabalhos da histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo provocou uma ruptura com certezas hermeacuteticas e a formulaccedilatildeo de
novas problematizaccedilotildees (e outras que ainda seratildeo feitas) desdobradas em trabalhos
que extrapolam esta tese extrapolam nosso objeto e objetivos aqui definidos Afinal
como Graff (1994) nos lembra a ldquohistoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em outras palavras nunca
pode ser uma histoacuteria isolada abstraiacuteda ela eacute uma histoacuteria com outras histoacuterias
maiores complexas da sociedade da cultura do sistema poliacutetico e da economiardquo
(GRAFF 1994 p 174)
Portanto propomo-nos neste trabalho e doravante a constituir a nossa
interpretaccedilatildeo ndash nos termos da polifonia bakhtiniana ndash da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
goiana Nas diferentes dimensotildees do tempo acompanhando seus (des)compassos e
(des)estabilizando alguns sentidos histoacutericos construiacutedos sobre a educaccedilatildeo no estado
de Goiaacutes eacute um convite para uma viagem na proviacutencia de Goiaacutes
Chega mais perto e contempla as palavras Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta sem interesse pela resposta pobre ou terriacutevel que lhe deres Trouxeste a chave []rdquo (ANDRADE 2002 p 106)
86
PARTE II
ALFABETIZANDO CRIANCcedilAS NA PROVIacuteNCIA DE GOIAacuteS
ldquoQuerida Luci
Finalmente cheguei a Goiaacutez Natildeo podes nem de leve
imaginar a emoccedilatildeo que senti quando avistei as primeiras
casas da cidade dessa querida cidade em que nasci
Apoderou-se de mim uma vertigem e como no cinema
desenrolaram-se os fatos histoacutericos ou os enredos de um
dramardquo
(MONTEIRO 1934 p 26)
87
2 A INSTRUCcedilAtildeO PRIMAacuteRIA EM
GOIAacuteS NO PERIacuteODO IMPERIAL ____________________________________
O Ato Adicional de 1834 desencadeou uma discussatildeo em todo Brasil sobre a
responsabilidade de garantir a oferta da instruccedilatildeo puacuteblica nas proviacutencias (SAVIANI
2006 CASTANHA 2007) Ele estabelecia medidas poliacutetico-administrativas
descentralizadoras concedendo agraves Assembleias Legislativas Provinciais a funccedilatildeo de
legislar sobre o ensino primaacuterio e secundaacuterio enquanto o Governo Central se
responsabilizava pelo ensino superior Com isso a Lei de 15 de outubro de 1827
(BRASIL 1827)124 deixava de ter efeito ldquopassando a existir diversas formas de
ordenamento da instruccedilatildeo primaacuteriardquo (ABREU GONCcedilALVES NETO CARVALHO
2015 p 258)
Diferentes estudos da histoacuteria da educaccedilatildeo no Brasil apontam que durante
muitos anos em virtude da falta de recursos nas proviacutencias a instruccedilatildeo primaacuteria ficou
relegada a segundo plano em peacutessima situaccedilatildeo devido agrave falta de escolas e de
professores qualificados o que evidenciava conforme Saviani (2006) alude a
124 Essa lei dispunha da criaccedilatildeo das escolas de primeiras letras e unificava por meio da adoccedilatildeo do meacutetodo muacutetuo a organizaccedilatildeo escolar no paiacutes Entre algumas de suas prerrogativas legais ficou tambeacutem estabelecido o que os professores iriam ensinar nessas escolas leitura escrita as quatro operaccedilotildees aritmeacuteticas praacuteticas de quebrados decimais e proporccedilotildees as noccedilotildees mais gerais da geometria praacutetica a gramaacutetica da liacutengua nacional os princiacutepios da moral cristatilde e da doutrina do catolicismo A lei tambeacutem indicava a Constituiccedilatildeo do Impeacuterio e a Histoacuteria do Brasil como as principais leituras escolares
88
omissatildeo do Governo Central quanto agrave educaccedilatildeo Entretanto analisando tal periacuteodo
haacute entre os historiadores uma controversa opiniatildeo
Castanha (2007) define que haacute um primeiro grupo de pesquisadores125 que
defende que o Ato Adicional fez com que a instruccedilatildeo nas proviacutencias fracassasse jaacute
que elas natildeo tinham condiccedilotildees para mantecirc-la Ao colocar a instruccedilatildeo primaacuteria e
secundaacuteria sob responsabilidade das proviacutencias renunciava-se assim ldquoa um projeto
de escola puacuteblica nacionalrdquo (SAVIANI 2006 p 17) Portanto a educaccedilatildeo em cada
uma delas segundo Marcilio (2005) foi concebida sem um projeto de uniformidade
fragmentando-se ldquoao sabor volitivo de cada presidente [de proviacutencia] que se sucedia
a maioria dos quais se acreditava na obrigaccedilatildeo de efetuar a sua reforma de ensino
regional Estabeleceu-se assim o caos nesse setorrdquo (MARCILIO 2005 p 49)
Outro grupo de pesquisadores126 conforme Castanha (2007) aponta relativiza
o processo projetando a visatildeo de que a descentralizaccedilatildeo poliacutetico-administrativa
provocada pelo Ato de 1834 natildeo foi a responsaacutevel pelo fracasso da instruccedilatildeo puacuteblica
no paiacutes jaacute que ldquoatribuir a uma lei como o Ato Adicional de 1834 todas as mazelas que
dificultam e postergam o desenvolvimento de um sistema nacional de ensino significa
secundarizar o impacto das determinaccedilotildees externas sobre o processo educacionalrdquo
(VIEIRA FREITAS 2003 p 62)
Castanha (2007) sustenta a tese de que os discursos na historiografia
brasileira sobretudo do primeiro grupo se deram sob forte influecircncia do estudo A
Cultura Brasileira de Fernando de Azevedo que apontou que a educaccedilatildeo apoacutes o Ato
Adicional de 1834 arrastou-se ldquoatraveacutes de todo o seacuteculo XIX inorganizada anaacuterquica
incessantemente desagregadardquo (AZEVEDO 1976 p 76) Considerando que o autor
escreveu esse livro em meio ao regime de Estado Novo apoiando-se especialmente
em Joseacute Liberato Barroso Castanha (2007) assinala que as pesquisas sobre o Ato
Adicional na historiografia brasileira vecircm repetidas vezes tomando como referecircncia
e sem contestaccedilatildeo as proposiccedilotildees de Azevedo a partir de uma anaacutelise documental
que desconsidera o contexto do qual os documentos foram resultantes e defende que
o Ato de 1834 ldquofacilitou a criaccedilatildeo administraccedilatildeo e inspeccedilatildeo das escolas nas diversas
125 Representado principalmente pelos pesquisadores Romanelli (2000) Ribeiro (2001) Saviani (2006) dentre outros 126 Representado principalmente pelos pesquisadores Cunha (1980) Sucupira (1996) Hilsdorf (2003) Vieira e Freitas (2003) dentre outros
89
vilas e freguesias espalhadas no Brasilrdquo (CASTANHA 2007 p 498) contribuindo para
a expansatildeo da instruccedilatildeo elementar pelos rincotildees do Impeacuterio brasileiro
Aderindo agraves proposiccedilotildees de Castanha (2007) sem adentrar o limbo das
controveacutersias entre os estudos da historiografia educacional a respeito do Ato
Adicional mostraremos ao longo deste capiacutetulo que em Goiaacutes essa lei fez com que
a proviacutencia administrasse as escolas de primeiras letras com a forccedila motriz dos ideais
catoacutelicos
Logo o objetivo desta seccedilatildeo eacute traccedilar um panorama geral da escola goiana
entre 1835 a 1886 observando as bases de um projeto de sociedade que se
arquitetava sob a influecircncia da Igreja mas que vinha se abrindo para as propostas de
modernidade do seacuteculo XIX num diaacutelogo constante com as poliacuteticas governamentais
da Corte Ao mesmo tempo pretendemos que essas discussotildees contextualizem a
histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes sendo o cenaacuterio onde se ensinava as crianccedilas a
ler e escrever
Outrossim insta esclarecer que organizamos as discussotildees em dois itens
definidos cronologicamente e em sintonia com nosso objeto de estudos a
alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas em Goiaacutes
Por isso o primeiro item abriga as legislaccedilotildees e o panorama poliacutetico entre 1835
e 1869 Na primeira data como veremos foi sancionada a primeira lei do ensino
goiano em consequecircncia do Ato Adicional de 1834 (BRASIL 1834) E em 1869 foi
aprovado novo Regulamento da Instruccedilatildeo Puacuteblica e Particular da Proviacutencia de Goiaacutes
pela Lei nordm 414 de 9 de novembro de 1868 sancionado pelo Presidente Ernesto
Augusto Pereira (GOIAacuteS 1869) que dava visibilidade ao uso dos livros escolares para
conduccedilatildeo das praacuteticas em sala de aula o que se refletiu significativamente nos
materiais e modos de ensinar leitura e escrita nas escolas goianas
No segundo item a discussatildeo comporta as iniciativas e regulamentaccedilotildees entre
1869 a 1886 quando haacute a entrada dos livros e materiais escolares nas leis A anaacutelise
dos documentos identificou neles a explicitaccedilatildeo da dificuldade de a escola ensinar a
ler e escrever se natildeo houvesse a disponibilizaccedilatildeo dos objetos necessaacuterios sobretudo
os livros e outros instrumentos tais como tinta papel caneta pena laacutepis lousa giz
esponjas etc
90
21 1835 A 1869
Natildeo podemos desconsiderar que o Ato Adicional de 1834 provocou significativo
aumento na publicaccedilatildeo de legislaccedilotildees nas proviacutencias que visavam normatizar
sobretudo a instruccedilatildeo primaacuteria Em Goiaacutes em 1835 a Assembleia Legislativa
Provincial aprovou e o Presidente da proviacutencia de Goiaacutes Joseacute Rodrigues Jardim
sancionou a primeira lei goiana da instruccedilatildeo puacuteblica Lei nordm 13 de 23 de junho de 1835
(GOIAacuteS 1835) Essa lei criou as escolas graduadas jaacute no primeiro artigo
diferenciando-as pelas mateacuterias que seriam lecionadas Na escola de 1ordm grau se
ensinava a ldquoler escrever a pratica das quatro operaccedilotildees Arithmeticas e a Doutrina
Christatilderdquo jaacute na de 2ordm grau ldquoler escrever Arithmetica ateacute as proporccedilotildees Grammatica
da Lingoa Nacional e as noccedilotildees geraes dos deveres moraes e religiososrdquo (GOIAacuteS
1835 art 1ordm)
A lei foi composta por 26 artigos que arquitetavam o funcionamento das escolas
a partir da obrigatoriedade de os ldquopais de famiacuteliardquo ofertarem instruccedilatildeo primaacuteria aos
filhos de 5 a 8 anos de idade estendendo-se tambeacutem aos que tinham 14 anos
(GOIAacuteS 1835 art 9ordm e 10) Previa inclusive multa agrave famiacutelia que descumprisse tal
medida
A regecircncia das aulas estava a cargo de um professor brasileiro ou estrangeiro
que professasse a religiatildeo catoacutelica com mais de 21 anos de idade e de bom
comportamento que ensinaria os conhecimentos das mateacuterias exigidas na lei
(GOIAacuteS 1835 art 11)
Embora natildeo explicite o meacutetodo de ensino recomendado ao professor a lei traz
posteriormente nos Regulamentos de Ensino algumas marcas da proposta
metodoloacutegica a ser empregada A primeira marca eacute relativa a um nuacutemero miacutenimo de
alunos que deveratildeo frequentar habitualmente a escola (GOIAacuteS 1835 art 2ordm) a
segunda se relaciona ao fato de que ao afirmar sobre a obrigatoriedade escolar
tambeacutem abre a possibilidade de a famiacutelia ofertar a educaccedilatildeo na escola puacuteblica ou
particular ou na proacutepria casa (GOIAacuteS 1835 art 9ordm)
Nesse periacuteodo circulavam no Impeacuterio as praacuteticas com o meacutetodo muacutetuo ndash
tambeacutem conhecido como monitorial ou lancasteriano ndash que se tornou oficial nas
proviacutencias por meio da mencionada da Lei de 15 de outubro de 1827 (BRASIL
91
1827)127 No entanto Arauacutejo e Silva (1975) argumenta que na proviacutencia de Goiaacutes
adotava-se com maior ecircnfase o meacutetodo individualordinaacuterio uma vez que as escolas
nesse periacuteodo funcionavam em casas residenciais geralmente dos professores ou
em espaccedilos domeacutesticos cedidos por famiacutelias abastadas que tinham interesse em
instruir os filhos com os conhecimentos rudimentares da leitura escrita doutrina cristatilde
e caacutelculo Outrossim a falta dos materiais para execuccedilatildeo do meacutetodo muacutetuo tambeacutem
era um fator que prejudicava sua efetivaccedilatildeo jaacute que demandava entre outros o
quadro-negro e a ardoacutesialousa individual instrumentos didaacuteticos importados e de alto
custo128
Na instalaccedilatildeo da Assembleia Legislativa Provincial de Goiaacutes em 1ordm de junho de
1835 o Presidente Joseacute Rodrigues Jardim se pronunciou descrevendo o cenaacuterio do
ensino de primeiras letras na proviacutencia formado por ldquooito Cadeiras de Primeiras Letras
pelo methodo de Lancaster deseseis pelo methodo Individualrdquo (JARDIM Relatoacuterio de
Presidente de Goiaacutes 1835 p 6) Na sequecircncia tambeacutem reitera que o ensino muacutetuo
natildeo havia apresentado o resultado esperado o que a nosso ver corroborou para sua
natildeo recomendaccedilatildeo na primeira lei de ensino promulgada em Goiaacutes Apesar de natildeo
justificar o fracasso desse meacutetodo no territoacuterio goiano a imprensa destacou a
dificuldade de implantaacute-lo
O Matutina Meyapontense129 primeiro jornal perioacutedico publicado em Goiaacutes
desde as suas primeiras ediccedilotildees relatava a dificuldade de se difundir o ensino pelo
meacutetodo muacutetuo nas escolas jaacute que faltavam professores habilitados O jornal tambeacutem
informava que mesmo havendo diferenccedila de salaacuterios entre os mestres da cadeira de
127 O meacutetodo muacutetuo no Brasil jaacute circulava e era propagandeado muito antes de a Lei de 15 de outubro de 1827 oficializaacute-lo Bastos (1999) aponta que a primeira referecircncia no paiacutes sobre esse meacutetodo aparece no Correio Brasiliense em 1816 em uma seacuterie de publicaccedilotildees de artigos sobre o meacutetodo Lancaster aconselhando-o sobretudo pelas suas vantagens econocircmicas a economia no salaacuterio do professor pois era apenas um mestre encarregado de vaacuterios alunos e na compra de livros elementares e papel A partir do iniacutecio da deacutecada de 20 do seacuteculo XIX algumas salas de aulas de ensino muacutetuo foram abertas no Rio de Janeiro 128 Os trabalhos de Barra (2013 2016) discutem o papel dos utensiacutelios escolares em especial da lousa na propagaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo dos meacutetodos de ensino A partir da relaccedilatildeo entre material e meacutetodo Barra (2013 2016) tambeacutem descreve como o custo influencia na prescriccedilatildeo de certas praacuteticas de ensino na escola 129 Esse jornal circulou entre 1830 a 1834 e encontra-se totalmente digitalizado e disponibilizado em CD-ROM A digitalizaccedilatildeo fez parte de um projeto de preservaccedilatildeo do patrimocircnio cultural da Agecircncia Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira AGEPEL Agradecemos agrave Beatriz Otto de Santana que ocupava em julho de 2017 o cargo de Superintendente Substituta do Iphan em Goiaacutes pelo auxiacutelio ao enviar o CD-ROM com todas as ediccedilotildees do Matutina Meyapontense
92
ensino individual (150$ reis) e da cadeira de ensino muacutetuo (240$ reis)130 natildeo havia
profissionais formados para atender a demanda da educaccedilatildeo na proviacutencia o que
ocasionava a abertura de escolas de ensino individual
O Secretario disse que tendo considerado as muitas difficuldades se devem encontrar para acquisiccedilaotilde de Professores habeis de Ensino Mutuo como he o desta Cidade e desejando do modo possiacutevel que se propaguem as luzes quanto antes por todos esses Arraiaes onde naotilde ha Escolas de 1 letras a excepccedilaotilde de Trahiras e Natividade que as tem era a sua opiniaotilde que por ora se estabeleccedilaotilde nelles as del ensino individual ou ordinario e que no futuro se estabeleceraotilde as de ensino mutuo onde melhor conviereuml (MATUTINA MEYAPONTENSE 12 de agosto de 1830 p 2)
Haveraacute Escolas de 1 letras pelo methodo ordinario na Villa da Palma e nos Arrayaes Cavalcante S Felis Flores S Domingos Conceiccedilaotilde Carmo Porto Imperial e Carolina conservando-se as que haacute em Trahiras e Natividade em quanto as circunstancias nao permittirem o estabelecimento de Escolas de Ensino Mutuo em todos ou em alguns dos mencionados lugares (MATUTINA MEYAPONTENSE 14 de agosto de 1830 p 1)
Em ediccedilotildees do Matutina Meyapontense de 1830 a 1834 evidencia-se o debate
na implantaccedilatildeo e dificuldade em manter as cadeiras de ensino muacutetuo na proviacutencia
algumas classes eram abertas mas pela falta de preparaccedilatildeo do professor com o
meacutetodo muacutetuo acabavam sendo fechadas ou transformadas em classes do meacutetodo
individual que ldquoembora natildeo indicado oficialmente apoacutes 1835 gozou de ampla
disseminaccedilatildeo em todo o territoacuterio goianordquo (ARAUacuteJO E SILVA 1975 p 109)
Em ofiacutecio datado de 1837 o entatildeo Presidente da Proviacutencia Joseacute Rodrigues
Jardim autor da Lei Provincial nordm 13 de 23 de junho de 1835 (GOIAacuteS 1835) remeteu
ao Delegado de Instruccedilatildeo Primaacuteria da Vila de Natividade uma ordem a respeito do
uso do meacutetodo lancasteriano
23 de janeiro A Zacarias Antonio dos Santos Persuadido pelo contexto do oficio que V S me dirigio em data de 5 de Novembro convencido pela nota que V S lanccedilou no Mappa de que na Aula da Instrucccedilatildeo Primaria dessa Villa se continua a ensinar pelo Methodo Lancaster tenho a dizer-lhe que pela Lei Provincial Nordm 13 de 23 de julho de 1835 ficou abolido na Provincia o dito Methodo sendo a diferenccedila do 1ordm e 2ordm gratildeo unicamte quanto a materias que nelles se ensinatildeo e nunca quanto ao methodo do que a expperiencia fez adoptar o individual devendo V S assim o fazer observar na Aula estabelecida nessa Villa Ds Gde a V S Palacio do Gov da Prova de
130 O valor pago ao professor de ensino muacutetuo era semelhante ao da Mestra das meninas cf Matutina Meyapontense 29 de julho de 1830 p 1
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Gs 23 de janeiro de 1837 = Joseacute Rod Jardim = Snro Zacarias Antonio dos Santos Delegado quanto a Instrucccedilatildeo primaria da Villa de Natividade (JARDIM 23 de janeiro de 1837 p 82 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 191)
Eacute importante lembrar que a Vila de Natividade131 eacute o local onde os excertos do
jornal Matutina Meyapontense transcritos anteriormente mencionam que haacute escola
do meacutetodo muacutetuo ou lancasteriano Dessa maneira o Presidente Jardim (23 de janeiro
de 1837) faz uma espeacutecie de campanha para natildeo adoccedilatildeo desse meacutetodo ordenando
que fosse seguido o individual jaacute que a lei de 1835 (GOIAacuteS 1835) distinguia as
escolas de 1ordm ou 2ordm graus de acordo com as mateacuterias lecionadas e natildeo em relaccedilatildeo
aos meacutetodos Outrossim indica o meacutetodo individual conforme a experiecircncia da
proviacutencia mostra como mais bem-sucedido Com isso Jardim (23 de janeiro de 1837)
faz um discurso que se estenderaacute pelos discursos presidenciais na Assembleia
Legislativa ao longo do periacuteodo imperial que buscavam a ldquopadronizaccedilatildeordquo dos meacutetodos
e materiais de ensino nas escolas goianas algo tambeacutem pretendido pelas legislaccedilotildees
do Municiacutepio da Corte e em bastante evidecircncia nas regulamentaccedilotildees educacionais de
proviacutencias como Satildeo Paulo e Minas Gerais que despontavam nesse setor
(MARCILIO 2005)
Joseacute Rodrigues Jardim ficou na presidecircncia da proviacutencia ateacute 1837 Com um
governo de mais de 5 anos criou escolas a partir de uma estrateacutegia poliacutetico-
administrativa que reduzia custos na oferta de materiais escolares para arcar com os
ordenados dos professores (BRETAS 1991) Exemplo disso eacute quando relata sobre o
ensino muacutetuo mencionando que ldquoeconomisadas algumas quantias que com este
methodo inutilmente se despendem se poderatildeo estabelecer mais algumas Aulas na
Provinciardquo (JARDIM Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1835 p 8)
No livro de Registros de Ofiacutecios enviados agrave Presidecircncia da Proviacutencia pela
Secretaria da Inspetoria Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica (CRUS 18 de abril de 1858
AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 397) em 1858 o
Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica da Proviacutencia de Goiaacutes Felipe Antocircnio Cardoso de
Santa Crus ao listar os objetos necessaacuterios para instruccedilatildeo primaacuteria argumentou
quanto agrave importacircncia de serem enviados Tratados sobre os Meacutetodos de Ensino
revelando que a natildeo circulaccedilatildeo do ensino muacutetuo em Goiaacutes deu-se sobretudo pela
131 Localizado ao norte da proviacutencia de Goiaacutes Hoje ainda com o mesmo nome Natividade eacute um municiacutepio do estado do Tocantins
94
falta de livros que ensinassem os professores a aplicarem esse meacutetodo e tambeacutem
porque natildeo se propagaram nessa proviacutencia as liccedilotildees dos princiacutepios de educaccedilatildeo de
Joseph-Marie de Geacuterando conhecido como Baratildeo Degerando
As ideias de Degerando foram difundidas no Brasil por meio da traduccedilatildeo e
impressatildeo em 1839 de sua obra intitulada Curso Normal para Professores de
Primeiras Letras ou Direcccedilotildees Relativas a Educaccedilatildeo Physica Moral e intelectual nas
Escolas Primarias (BARAtildeO DEGERANDO 1839)132 Segundo Bastos (1999) esse eacute
o primeiro manual didaacutetico-pedagoacutegico publicado no Brasil tratando-se de uma obra
estudada na Escola Normal de Niteroacutei133 Em Goiaacutes mesmo apoacutes a instalaccedilatildeo do
Curso Normal anexo ao Liceu de Goiaacutes em 1884 pelos estudos de Canezin e
Loureiro (1994) e Brzezinski (2008) natildeo se tem notiacutecia de que esse manual tenha
circulado na formaccedilatildeo dos professores goianos
A Lei de 1835 deu origem ao curriacuteculo das escolas primaacuterias goianas alterado
por vaacuterios Regulamentos de Ensino e Resoluccedilotildees subsequentes O meacutetodo de ensino
muacutetuo natildeo foi mencionado em nenhum deles Para Bretas (1991) houve uma tentativa
na proviacutencia de estabelececirc-lo por meio da Resoluccedilatildeo nordm 3 de 10 de julho de 1844
sancionada pelo entatildeo Presidente Joseacute de Assis Mascarenhas Em junho de 1847
com Joaquim Ignaacutecio de Ramalho na presidecircncia a Assembleia Provincial questiona-
o sobre o natildeo cumprimento da referida resoluccedilatildeo O Cocircnego Feliciano Joseacute Leal
Secretaacuterio do Governo em 4 de junho de 1847 transmite a resposta por ofiacutecio
De ordem do mesmo Exmordm Snr (o presidente) sou authorizado a responder a duvida antes sinceramente almeja promover a instrucccedilatildeo a moral e os bons costumes por estar na firme persuassatildeo de serem as bases mais soacutelidas sobre as quais se apoia o edificio social porem que dependendo a Aula de Ensino Mutuo natildeo soacute drsquouma casa com a capacidade indispensavel infelizmente acontece que nem a provincia a possue nem suas rendas podem fazer face aos ordenados dos empregados puacuteblicos muito menos para a aquisiccedilatildeo drsquoum edificio e dos mais utensis natildeo pouco despendiosos indispensaveis ao ensino mutuo Alem drsquoisto acresce que achando-se
132 O Baratildeo Degerando publicou na Franccedila em 1832 uma coletacircnea de conferecircncias ministradas na Escola Normal de Paris Trata-se de 16 conferecircncias proferidas por ele direcionadas aos professores de primeiras letras A traduccedilatildeo foi realizada por forccedila do Decreto Imperial brasileiro nordm 28 de 11 de maio de 1839 O tradutor foi o Dr Joatildeo Candido de Deos e Silva na eacutepoca Deputado da Assembleia Legislativa da proviacutencia do Rio de Janeiro No Brasil as conferecircncias deram origem a um livro impresso pela Typographia Nictheroy de M G de S Rego Praccedila Municipal ndash 1839 com 421 paacuteginas Um exemplar encontra-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Sobre isso cf Bastos 1999 133 A Escola Normal de Niteroacutei foi a primeira criada no Brasil em 1835 na capital da proviacutencia do Rio de Janeiro aberta com intuito de preparar os professores para aplicaccedilatildeo do meacutetodo muacutetuo Para aprofundar nessa questatildeo cf Arauacutejo Freitas Lopes 2008
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o systema de Lancaster consideravelmente modificado e alterado convem que primeiramente se examine se elle deve ser ainda admitido na Provincia com as modificaccedilotildees e alteraccedilotildees radicaes por que tem passado (GOIAacuteS 1847 ofiacutecio nordm 26 livro nordm 38 de Correspondecircncias da Secretaria de Governo p 95 apud BRETAS 1991 p 233)
Com esse ofiacutecio Bretas (1991 p 233) advoga que ldquotransformou-se em letra
morta a resoluccedilatildeo nordm 3 e natildeo mais se falou oficialmente em ensino muacutetuo na
Proviacutenciardquo
Apoacutes a criaccedilatildeo da Lei de 1835 em Goiaacutes no mesmo ano foi aprovado o
Regulamento de Instruccedilatildeo nordm 5 de 25 de agosto que ldquoinstruiacutea sobre concursos de
professores escrituraccedilatildeo de matriacuteculas horaacuterio escolar licenccedila e substituiccedilatildeo de
professores feacuterias e feriados escolares adiantamento dos alunos e aplicaccedilatildeo de
castigosrdquo (ABREU GONCcedilALVES NETO CARVALHO 2015 p 266) Sobre a
aplicaccedilatildeo de castigos o Regulamento previa o uso de palmatoacuteria ao contraacuterio do que
a Lei Imperial de 15 de outubro de 1827 estabelecia ao mencionar que os castigos
seriam praticados pelo meacutetodo Lancaster Na leitura de Lesage (1999) Lancaster era
contra o uso de castigos corporais propondo um sistema disciplinatoacuterio da mente e
do corpo pelo qual a escola desenvolve crenccedilas civilizatoacuterias promovendo precircmios
ao despertar entre os alunos a emulaccedilatildeo Como se percebe e na concepccedilatildeo de Bretas
(1991) o meacutetodo lancasteriano natildeo foi incorporado e bem interpretado em Goiaacutes
assim como em outras proviacutencias brasileiras poreacutem ldquohouve uma mudanccedila no espiacuterito
nos fatos e nas praacuteticas cotidianas todos estavam de acordo que o mais importante
era a recompensa ao inveacutes das puniccedilotildeesrdquo (LESAGE 1999 p 22)
Nesse periacuteodo a fiscalizaccedilatildeo do ensino ficou a cargo dos Delegados
Paroquiais que enviavam relatoacuterios descrevendo como estavam sendo conduzidas
as aulas observando o cumprimentos das leis dos regulamentos e das ordens do
Governo ldquoesmerando se em que seja a mocidade doutrinada nas mais puras ideias
religiosas e moraes e a importancia da uniaotilde e integridade do Imperio ainda a custa
dos maiores sacrificiosrdquo (GOIAacuteS 1835 art 22 inciso 4ordm) Em 1836 o Presidente
Jardim nomeou duas pessoas de sua confianccedila para percorrer a proviacutencia e verificar
in loco a quantidade de alunos ao mesmo tempo que pretendia fiscalizar o trabalho
dos Delegados (JARDIM 19 de julho de 1836 p 56 AHEG Documentaccedilatildeo
Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 191)
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No entanto com as dificuldades proacuteprias de comunicaccedilatildeo uma populaccedilatildeo mais
concentrada no meio rural e um nuacutemero expressivo de escravos134 devido ao contexto
agraacuterio-pastoril da proviacutencia os Delegados Paroquiais relatavam a dificuldade em
manter o nuacutemero de alunos Segundo pesquisa de Abreu (2006) estima-se que em
1835 o nuacutemero de escolas puacuteblicas de primeiras letras na proviacutencia era de 26
enquanto em 1837 28 com 522 alunos matriculados (FLEURY Relatoacuterio de
Presidente de Goiaacutes 1837 p 11)
Em 1837 assumiu a presidecircncia em Goiaacutes o padre Luiz Gonzaga de Camargo
Fleury135 Liberal atuou como redator no Matutina Meyapontense difundindo em
vaacuterios de seus textos a instruccedilatildeo puacuteblica como caminho para a constituiccedilatildeo de uma
naccedilatildeo Sua formaccedilatildeo em Filosofia e Teologia se deu em Satildeo Paulo Esteve por dois
anos e meio no cargo conseguindo manter ateacute o final de seu mandato 30 escolas
por toda a proviacutencia (ABREU 2006) Entre seus feitos na instruccedilatildeo restaurou as aulas
de Latim solicitando das Cacircmaras e da Assembleia que se houvesse um nuacutemero de
alunos que se interessassem criassem as cadeiras de Latim nos municiacutepios jaacute que
em 1837 elas existiam apenas na Vila de Natividade ndash ao norte da proviacutencia Por isso
um dos seus primeiros atos foi restabelececirc-las na Vila de Meiaponte136 de onde era
natural
Em setembro de 1837 Fleury regulamentou o artigo 20 da primeira lei goiana
de instruccedilatildeo puacuteblica o qual regia o ordenado dos professores revogando os
dispositivos do Regulamento de 1835 que tratavam dos pagamentos Pela lei a
fixaccedilatildeo dos salaacuterios se definiria pelo nuacutemero de alunos o que fez com que
promulgasse a Resoluccedilatildeo nordm 17 de 4 de Setembro de 1837 especificando por
localizaccedilatildeo grau da escola e quantidade de alunos o valor a ser pago (GOIAacuteS 1837
p 3-4 FLEURY Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1838 p 6-7)
134 Eacute importante mencionar que a Lei nordm 13 de 23 de junho de 1835 em seu artigo 8ordm estabeleceu que somente as pessoas livres poderiam frequentar as escolas puacuteblicas 135 Luiz Gonzaga de Camargo Fleury eacute o avocirc do autor da seacuterie graduada de livros de leitura Meninice (1948-1949) ambos batizados com o mesmo nome O autor assinava as capas dos seus livros como Luiacutes Gonzaga Fleury embora seu nome de batismo segundo Melo (1954) fosse com ldquozrdquo Goulart (2013 2015) estudou a vida e obra do autor da seacuterie Meninice destacando que em seu discurso haacute flexibilidade ideoloacutegica na defesa dos meacutetodos de ensino ora se posicionando a favor do analiacutetico ora do meacutetodo sinteacutetico 136 Segundo dados do Relatoacuterio de Presidente de Proviacutencia assinado por Fleury em 1837 (FLEURY Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1837 p 12-13) as Aulas de Latim na Vila de Meiaponte foram criadas em 1787 fechadas em 1807 e totalmente suprimidas em 1811 Vale elucidar que Vila de Meiaponte hoje recebe o nome de Pirenoacutepolis cidade localizada no leste goiano
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Mesmo declarando-se filiado aos ideais liberais Fleury manteve boas relaccedilotildees
com a ala conservadora jaacute que os padres de diferentes localidades mantinham
influecircncia sobre as escolas Um caso exemplar que confirma isso ocorreu em
Curralinho137 quando advertiu um professor por comportamento inapropriado ao
incomodar a vizinhanccedila com batuques em sua casa ateacute altas horas da noite O
Presidente ao advertir o professor Thomas Antonio da Fonseca tambeacutem deixou claro
que as regulamentaccedilotildees em vigecircncia no periacuteodo recomendavam que algueacutem que
ocupasse o ldquohonroso cargo de professorrdquo natildeo poderia ter conduta que infringisse a
moral puacuteblica os bons costumes e os preceitos religiosos (FLEURY 14 de fevereiro
de 1838 p 116-117 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm
191)
Entre 1839 e 1845 Joseacute de Assis Mascarenhas esteve como presidente em
Goiaacutes Exercia tambeacutem o cargo de deputado na Assembleia Geral do Impeacuterio por isso
afastava-se por cerca seis meses ao ano quando era substituiacutedo interinamente pelos
vice-presidentes Joseacute Rodrigues Jardim e Francisco Ferreira dos Santos Azevedo O
segundo assumiu a vice-presidecircncia por forccedila da Carta Imperial de 12 de janeiro de
1842 em funccedilatildeo da morte de Joseacute Rodrigues Jardim (AZEVEDO Relatoacuterio de
Presidente de Goiaacutes 1842 p 2)
Mascarenhas diplomou-se em Direito na Universidade de Coimbra onde
possivelmente teve contato com o pensamento dos iluministas e de educadores
europeus Tal influecircncia fez com que entre seus primeiros atos sobre a instruccedilatildeo
puacuteblica eliminasse os estudos de Retoacuterica substituindo-os pelos de Teologia Moral
pelos quais se ensinaria a Histoacuteria Eclesiaacutestica Teologia Dogmaacutetica entre outras
temaacuteticas espelhando-se na sua experiecircncia no Seminaacuterio Episcopal de Coimbra
onde observou que
[] os Sacerdores tinhaotilde instrucccedilaotilde e que natildeo podiaotilde tomar as Ordens Sacras sem se mostrarem approvados nas mateacuterias do Plano cujos estudos comprehendiaotilde tres anos no 1ordm se ensinava o Cathecismo Romano no 2ordm Theologia Dogmatica no 3ordm Theologia Moral e em todos tres Historia Ecclesiastica (MASCARENHAS Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1839 p 12)
Mascarenhas percebia que os Sacerdotes ordenados tinham uma grande
influecircncia sobre o povo e que por isso deveriam ser bem instruiacutedos natildeo bastando o
137 Hoje municiacutepio de Itaberaiacute na regiatildeo do centro goiano
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aprendizado das noccedilotildees elementares Em trechos do relatoacuterio citado acima ele
denuncia que alguns padres em Goiaacutes eram ordenados sem instruccedilatildeo alguma
Acreditando que religiatildeo e moral ldquosatildeo duas acircncoras que sustentavam a nau do
Estadordquo promoveu as mudanccedilas apontadas sugerindo que os professores de
Retoacuterica assumissem as cadeiras de Teologia (MASCARENHAS Relatoacuterio de
Presidente de Goiaacutes 1839 p 12)
No Relatoacuterio destinado agrave Assembleia Legislativa de Goiaacutes em 1ordm de outubro de
1840 no item sobre a educaccedilatildeo Mascarenhas relatava algumas de suas passagens
pelas escolas da proviacutencia ao visitaacute-las pessoalmente para conferir as suas
condiccedilotildees O Correio Official tambeacutem expotildee essa experiecircncia de Mascarenhas
O Excellentissimo Snr Presidente da Provincia sollicita em promover o progresso da instrucccedilatildeo depois de vesitar pessoalmente as Aulas estabelecidas nesta Cidade dando as mais sabias e acertadas providencias para o adiantamento do Alumnos [] No dia 6 do corrente Sua Excellencia animado do mesmo zelo seguio para a Villa de Meiaponte empreendendo huma jornada assaz incommoda em razaacuteotilde do pessimo estado a que se achaacuteotilde reduzidas as estradas com os muitas chuvas deste anno vesitou as Aulas de Latim e de Primeiras Letras da dita Villa as do Corrumbaacute e Jaraguaacute regressando chegou a esta Cidade no dia 17 do corrente [] Consta-nos que S Exc athe meado de Marccedilo se dirige com o mesmo fim para a Villa de Pilar e que logo que o tempo decirc lugar partiraacute para o Norte da Provincia onde a sua presenccedila he muito desejada como nos consta He necessario pois que os Snrs Delegados sobre a Instrucccedilaotilde Primaria activem os Professores para que empreguem todo o cuidado no adiantamento dos Alumnos afim de que perante S Exc mostrem a instrucccedilaotilde que tem adquirido pelos desvelos de seos Mestres (CORREIO OFFICIAL 29 de fevereiro de 1840 p 4)
As passagens de Mascarenhas pelas escolas da proviacutencia tambeacutem fizeram
circular ideias de pensadores da educaccedilatildeo Na Caixa de Documentos do Municiacutepio
de Pirenoacutepolis (AHEG Caixa dos Municiacutepios Goianos Pirenoacutepolis Caixa 4) haacute um
rascunho138 de uma correspondecircncia assinada por Padre Veiga139 datada de 20 de
marccedilo de 1840 agradecendo o Presidente Mascarenhas por apresentar ideias de
138 Acreditamos ser um rascunho pois o texto estava escrito a laacutepis e natildeo a tinta no canto superior de um papel almaccedilo Nesse mesmo papel havia outras anotaccedilotildees de nomes de pessoas como se fosse a composiccedilatildeo de um Mapa de Turma sendo possivelmente portanto nomes de alunos 139 Padre Joseacute Joaquim Pereira da Veiga conhecido como Padre Veiga eacute natural de Vila de Meiaponte hoje Pirenoacutepolis Morreu em 11 dezembro de 1840 aos 68 anos O Relatoacuterio apresentado na Assembleia Legislativa de Goiaacutes em 1841 assinado pelo entatildeo vice-presidente Joseacute Rodrigues Jardim (JARDIM Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1841 p 5) informa da morte de Veiga mencionando que ele era professor de Gramaacutetica Latina
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Pestalozzi que ali tentariam colocar em praacutetica ao mesmo tempo que solicita
indicaccedilotildees de compecircndios do referido educador Ao que tudo indica esse bilhete natildeo
chegou agraves matildeos do Presidente poreacutem notamos que suas viagens pelas escolas
influenciaram o pensamento e as praacuteticas dos professores com quem teve contato
Entretanto como eram escassos os meios de se ter acesso aos livros natildeo eacute possiacutevel
concluir que as ideias de Pestalozzi tenham sido aprofundadas pelos preletores
goianos
De acordo com Bretas (1991 p 204) Mascarenhas ldquofoi o presidente que pela
primeira vez em mensagens agrave Assembleia legislativa citou nomes de educadores de
fama internacional lembrando as conquistas cientiacuteficas no campo da educaccedilatildeordquo
[] a instruccedilaotilde he o ponto de partida e a base em que deve assentar o edifiacutecio social naotilde fallo soacute da instrucccedilaotilde que se costuma aacute dar nas escoacutelas ler escrever contar doutrina Christatilde demais alguma cousa se precisa he necessario inspirar nos meninos os principios de Moral o amor ao trabaacutelho o horror aacute preguiccedila para a qual tanto nos atrahe a espantosa fecundidade deste sogravelo abenccediloado Quem naotilde ha de pronuciar com respeito e gratidaotilde os nomes illustres e inmortaes de Pestalozzi Fellemberg Bell e Lancaster Hum povo illustrado facilmente se governa e he bem difficil senaotilde impossivel opprimil-o [] (MASCARENHAS Relatoacuterio de Presidente de Proviacutencia de Goiaacutes 1845 p 6-7 grifos nossos)
No uacuteltimo trecho desse fragmento ao dizer que o povo ilustrado eacute faacutecil de
governar e impossiacutevel de oprimir haacute uma aproximaccedilatildeo com as ideias liberais como
tambeacutem dos preceitos pestalozzianos que engajados politicamente ldquoenvidavam
esforccedilos para a laicizaccedilatildeo do ensino e a educaccedilatildeo do seacuteculo XIX da sociedade
urbana e industrial com os projetos para a implantaccedilatildeo da escola universal laica e
gratuitardquo (BRETTAS 2018 p 417) Logo mesmo Mascarenhas (1839) reconhecendo
a religiatildeo como sustentadora da organizaccedilatildeo social de um Estado consideramos a
partir da passagem do relatoacuterio transcrito acima que ele dissemina uma perspectiva
iluminista ao afirmar que a educaccedilatildeo tambeacutem guia ao trabalho por meio de um
pensamento racionalista calcado natildeo apenas em valores religiosos mas numa base
cientificista
Nas viagens que Mascarenhas empreendeu a realidade encontrada era de
escolas funcionando em espaccedilos pouco confortaacuteveis geralmente nas casas dos
professores A escassez de materiais didaacuteticos e de mobiacutelias escolares era outro fator
que prejudicava o andamento das aulas Bretas (1991) afirma que o periacuteodo de 1835
a 1845 foram anos de estagnaccedilatildeo da instruccedilatildeo na proviacutencia Logo se Mascarenhas
100
natildeo realizou grandes feitos para a educaccedilatildeo de Goiaacutes durante seus anos no poder
sua experiecircncia auxiliou no diagnoacutestico da realidade educacional no territoacuterio goiano
Constatou-se que a obrigatoriedade de matriacutecula das crianccedilas natildeo era cumprida jaacute
que predominava na sociedade goiana uma cultura muito arraigada no ruralismo
Desse diagnoacutestico resultaram algumas accedilotildees que o vice-presidente Francisco Ferreira
dos Santos Azevedo ao assumir interinamente articulou
[] presentemente nossos Mestres de Primeiras Letras nada mais fazem do que ensinar a ler e escrever de sorte que quando hum menino sahe da Escolla ignora os conhecimentos os mais treviaes e seos proprios deveres Para remediar este inconveniente estou mandando imprimir na Typographia Provincial Compendios escolhidos para serem destribuidos pelas diversas Aulas e se esta medida naotilde produzir o desejado effeito entaotilde o Governo tomaraacute outras propondo-vos as que exercederem aacute orbita de suas attribuiccedilotildees A impressaotilde deste Compendio naotilde augmenta a despesa com a Instrucccedilatildeo Publica porque a importancia do papel he tirada da quantia dos utencilios e Ordenados dos Professores das Aulas que estaotilde vagas (AZEVEDO Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1843 p 8 grifos nossos)
Natildeo identificamos menccedilotildees de que essa impressatildeo tenha ocorrido de fato na
Tipografia Provincial de Goiaacutes nem se ocorreu como os compecircndios foram
distribuiacutedos No entanto fica evidente que a tipografia da proviacutencia nesse periacuteodo
adquiriu tambeacutem essa funccedilatildeo Borges e Lima (2008) explicam que a Tipografia Oficial
de Goiaacutes foi comprada do jornal Matutina Meyapontense pelo Presidente Joseacute
Rodrigues Jardim em 1836 A compra da Tipografia fez com que fosse criada a
imprensa oficial em Goiaacutes em 1837 atraveacutes das publicaccedilotildees do Correio Official140 As
tipografias das proviacutencias eram geralmente utilizadas para impressatildeo de veiacuteculos de
informaccedilotildees oficiais do Governo tais como leis regulamentos atos e natildeo para
impressatildeo de livros didaacuteticos ou literaacuterios Isso eacute reiterado no Ato nordm 3905 de 16 de
marccedilo de 1886 que fixa o Regulamento da Typografia Provincial de Goyaz de 1886
(GOIAacuteS 1886c)141 no capiacutetulo 1 estabelecendo como finalidade da tipografia do
governo a publicaccedilatildeo de leis e editais aleacutem da impressatildeo do Correio Official
Outro fato interessante foi a descoberta de uma correspondecircncia datada de
1843 portanto contemporacircnea ao relatoacuterio de Azevedo na Caixa de Documentos dos
140 O Correio Official de Goyaz teve a sua primeira publicaccedilatildeo no dia 3 de junho de 1837 Para maiores informaccedilotildees acerca da histoacuteria da imprensa goiana cf Borges e Lima (2008) 141 AHEG Caixa de Regulamentos ndash Goiaacutes Esse documento encontra-se digitalizado e disponiacutevel no CD-ROM e no site da Rede de Estudos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes volume 1
101
Municiacutepios Goianos (SILVEIRA 1856 AHEG Caixa dos Municiacutepios Goianos
Itumbiara Caixa 01) que mencionou a existecircncia de uma Recebedoria no Porto de
Santa Ritta do Paranahyba142 e informou ao Presidente da Proviacutencia que havia
chegado ao Porto143 um grande carregamento da Typographia Nacional vindo do Rio
de Janeiro dirigido a Francisco Azevedo Seria essa carga os livros que serviriam de
modelo para a referida impressatildeo na Tipografia Provincial de Goiaacutes Ou eram outros
materiais vindos da Tipografia Nacional Embora pela correspondecircncia identificada
natildeo seja possiacutevel descobrir o conteuacutedo da carga destinada ao vice-presidente
Azevedo fica claro que a proviacutencia mantinha relaccedilotildees comerciais com a Tipografia da
sede do Impeacuterio algo importante a se considerar jaacute que segundo Lima (2008 p 20-
21) ldquoa Imprensa Nacional era [] simultaneamente uma graacutefica oficial e tambeacutem
editora que iria publicar textos literaacuterios e didaacuteticos Recebeu diversos nomes ao longo
de sua existecircncia Impressatildeo Reacutegia Impressatildeo Nacional Tipografia Nacional
Imprensa Nacionalrdquo
Em 1845 assumiu a presidecircncia de Goiaacutes Joaquim Ignaacutecio Ramalho que ficou
no governo ateacute 1848 No primeiro relatoacuterio de Ramalho apresentado agrave Assembleia
Legislativa de Goiaacutes em 1ordm de maio de 1846 ele enumera que eram 33 escolas de
instruccedilatildeo primaacuteria no territoacuterio goiano descrevendo as condiccedilotildees da instruccedilatildeo puacuteblica
na proviacutencia
O estado actual da Instrucccedilaotilde Publica com magoa vos digo naotilde he satisfactorio nem tenho esperanccedilas de que neste interessante objecto se possa em pouco tempo obter algum melhoramento Os professores salvas algumas poucas excepccedilotildees naotilde tem os conhecimenttos necessarios para desempenharem seos deveres e impossivel seria preencher todas as Cadeiras creadas na Provincia
142 Hoje cidade de Itumbiara ao sul do estado 143 Em Santa Ritta do Paranahyba havia um Porto primeiro por ser uma regiatildeo de fronteira e tambeacutem pela presenccedila do Rio Paranaiacuteba por onde chegavam embarcaccedilotildees com encomendas para municiacutepios da Proviacutencia de Goiaacutes e para outras Proviacutencias ao Norte Centro-Oeste do paiacutes Nesse Porto havia uma Recebedoria com um Administrador que recolhia os impostos das cargas e informava ao Presidente de Proviacutencia o que por ali passava O Administrador tambeacutem prestava contas agrave Tesouraria da Proviacutencia detalhando os rendimentos da Recebedoria por meio de um balancete mensal da receita e das despesas do Porto Nas Caixas de Documentos do Municiacutepio de Itumbiara no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes haacute diversos balancetes e ofiacutecios expedidos pela Recebedoria Na caixa 1 haacute uma carta assinada pelo entatildeo Administrador da eacutepoca Jozeacute Manuel da Silveira destinada ao Inspetor das Rendas Provinciais datada de 14 de janeiro de 1856 relatando as dificuldades de se administrar uma regiatildeo de fronteira ao mesmo tempo que entrega o cargo pois haacute cidadatildeos que por ali passam e natildeo querem pagar as taxas cobradas no Porto Por fim tambeacutem argumenta ldquonatildeo quero continuar a soffrer os dissabores causados por administraccedilotildees de barreirasrdquo (SILVEIRA 1856 p 2 AHEG Caixa dos Municiacutepios Goianos Itumbiara Caixa 01)
102
com homens professionaes revestidos de todas as habelitaccediloes exigidas pelas Leis em vigor A falta de homens que exerccedilaotilde dignamente o Magisterio he hum mal que affecta poderosamente o progresso da instrucccedilatildeo (RAMALHO Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1846 p 12)
Em virtude da falta de pessoas para exercer o magisteacuterio e de formaccedilatildeo de
intelectuais na proviacutencia Ramalho criou o Liceu um estabelecimento de ensino
secundaacuterio sancionando a Lei nordm 9 de 17 de junho de 1846 (GOIAacuteS 1846) A
instalaccedilatildeo do Liceu aconteceu somente em 23 de fevereiro de 1847 sem sede proacutepria
com as aulas ocorrendo no preacutedio anexo da Casa da Fazenda da Cidade de Goiaacutes
(BARROS 2006) Em 1839 o Presidente Mascarenhas jaacute havia discutido na
Assembleia Legislativa a necessidade de construccedilatildeo de um Liceu na proviacutencia ldquo[]
eu quizera apresentar-vos hum Plano de Estudos e lembrar-vos a vantagem de hum
Licecirco em que estivessem reunidas as diferentes aulas e donde sahissem os Mestres
para as Escolas da Provincia hum tal Estabelecimento seria de grande utilidaderdquo
(MASCARENHAS Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1839 p 9) Poreacutem Mascarenhas
justifica que devido agrave falta de recursos financeiros na proviacutencia natildeo se conseguiria
instalar naquele ano o Liceu algo que ocorreu somente 7 anos depois no governo de
Ramalho (BARROS 2006)
No relatoacuterio que Ramalho apresentou agrave Assembleia Legislativa em 1847 haacute
um item sobre o ensino secundaacuterio intitulado de ldquoLicecircordquo Barros (2006 p 25) elucida
que o Liceu acabou se tornando uma escola cujo objetivo era formar ldquoprofissionais
liberais e tambeacutem os poliacuteticos que iriam representar Goiaacutes no cenaacuterio poliacutetico
nacionalrdquo Ateacute 1929 o Liceu foi a uacutenica instituiccedilatildeo de ensino secundaacuterio do estado
somente a partir de 1930 eacute que se iniciou a proliferaccedilatildeo dessas escolas pelo interior
goiano (BARROS 2017)144
Ramalho afastou-se da presidecircncia em 1848 para exercer o mandato de
Deputado Geral pela proviacutencia de Goiaacutes e o vice-presidente Antocircnio de Paacutedua Fleury
assumiu o cargo
Num curto espaccedilo de tempo entre fevereiro 1848 a junho de 1849 Antocircnio de
Paacutedua Fleury145 esteve no poder Em seus discursos aponta a necessidade de
construir uma Escola Normal jaacute que a instruccedilatildeo primaacuteria carecia de mestres
144 Para maiores informaccedilotildees sobre a histoacuteria do Liceu em Goiaacutes cf Barros (2006 2017) 145 Antocircnio de Paacutedua Fleury era irmatildeo de Luiz Gonzaga de Camargo Fleury que exerceu tambeacutem a presidecircncia da proviacutencia de Goiaacutes entre 1837 a 1839
103
habilitados com conhecimentos especiacuteficos sobre o exerciacutecio do magisteacuterio Fleury
(1848 1849) tambeacutem defende ordenados melhores aos professores no intuito de
atraiacute-los agrave docecircncia No entanto natildeo houve uma accedilatildeo efetiva para que isso fosse
operacionalizado Bretas (1991) ressalta que daiacute em diante os Relatoacuterios de
Presidente de Proviacutencia satildeo registros de um pessimismo motivado pelas condiccedilotildees
econocircmicas em Goiaacutes impactando no ensino que necessitava de investimentos
Aleacutem disso houve uma sucessatildeo de presidentes que ficaram pouco tempo no cargo
posto que alguns assumiam outros cargos poliacuteticos ocasionando a natildeo continuidade
das accedilotildees no acircmbito da educaccedilatildeo
Eduardo Olimpio Machado presidente da proviacutencia entre 1849 e 1850 relatou
que ldquoo estado da instrucccedilatildeo primaria excepccedilaotilde feita da Capital eacute desanimador e naotilde
corresponde seguramente aos sacrifiacutecios que com ella faz o Cofre Provincialrdquo
(MACHADO Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1850 p 18) Para resolver tal
situaccedilatildeo Machado reitera a necessidade de uma Escola Normal mas como natildeo havia
meios financeiros para criaacute-la propotildee adicionar ao Liceu um professor de instruccedilatildeo
primaacuteria encarregado de preparar os docentes para o exerciacutecio do magisteacuterio das
primeiras letras Ao mesmo tempo percebe que falta na proviacutencia uma fiscalizaccedilatildeo
mais efetiva apresentando a ideia de criaccedilatildeo do cargo de Inspetor Geral das Escolas
que por recomendaccedilatildeo do Governo visitaria todas as escolas da proviacutencia No citado
relatoacuterio de 1850 Machado tambeacutem afirma que para ser professor eacute necessaacuterio ter
grau de instruccedilatildeo compatiacutevel com as exigecircncias da docecircncia propondo que os
professores que atuavam nas aulas de instruccedilatildeo primaacuteria caso natildeo fossem formados
passassem por uma ldquoprova de capacidaderdquo Os professores interinos e os vitaliacutecios
julgados natildeo aptos nessa prova seriam convocados para o ensino preparatoacuterio ndash uma
espeacutecie de escola de formaccedilatildeo destinada aos docentes Todavia como Machado
(1850) admite essas accedilotildees exigiam despesas dos cofres puacuteblicos e naquele momento
natildeo foram implementadas
Todas essas sugestotildees de Machado foram retomadas pelo presidente
seguinte Antonio Joaquim da Silva Gomes que governou entre julho de 1850 e
dezembro de 1852 entretanto Gomes justificou que a situaccedilatildeo econocircmica da
proviacutencia natildeo permitia os gastos previstos nas ideias de Machado e que embora os
concursos para cadeiras de instruccedilatildeo primaacuteria estivessem abertos em alguns
municiacutepios ningueacutem havia se habilitado para o magisteacuterio De acordo com o
Presidente Gomes tambeacutem se corria o risco de ao aplicar a ldquoprova de capacidaderdquo
104
faltarem professores por natildeo haver pessoas interessadas pela docecircncia e de fato
habilitadas com os conhecimentos exigidos para lecionar
Foucault (2004) discute que exercer um poder eacute formar organizar e pocircr em
circulaccedilatildeo um saber O discurso de Gomes proclama uma concepccedilatildeo de educaccedilatildeo
que marginaliza a profissatildeo docente e o ensino puacuteblico Um discurso que conforme
Abreu (2006) aponta ressoou na desvalorizaccedilatildeo da carreira e da formaccedilatildeo docente
em Goiaacutes por muitos anos
Em quanto for tao escasso o numero de indiviacuteduos que procuraotilde empregar-se no Magisterio naotilde deveis inovar couza alguma a respeito do ensino publico parecendo-me por ora bastante que o Governo proceda com escruacutepulo no provimento vitaliacutecio ou interino das Cadeiras conferindo tiacutetulos somente aacute aquelles em que se der maior graacuteu de meacuterito e capacidade e preferindo antes deixar algumas vagas do que confial-as a homens que vao perverter a mocidade pela sua supina ignoracircncia ou pelo escacircndalo de seos costumes (GOMES Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1851 p 30)
A defesa de Gomes (1851) faz parte de um saber sobre a formaccedilatildeo de
professores que circulou natildeo soacute em Goiaacutes como em outras proviacutencias poacutes Ato
Adicional de 1834 repercutindo nas falas presidenciais uma recorrente ldquoperspectiva
de que a formaccedilatildeo para o ofiacutecio docente era condiccedilatildeo primordial para lsquomelhorar a
instrucccedilatildeo da mocidaderdquo (REIS 2011 p 182)
Em 1852 estavam instaladas 44 escolas puacuteblicas de primeiras letras na
proviacutencia muitas das quais estavam sendo fechadas por falta de alunos (GOMES
Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1852a) Canezin e Loureiro (1994) explicam que
nesse periacuteodo a populaccedilatildeo goiana era predominantemente rural e por isso havia
muitos escravos que assim como os filhos de famiacutelias mais pobres estavam
excluiacutedos da escola Jaacute em 1853 35 escolas estavam funcionando frequentadas por
947 meninos e 127 meninas
Quando Gomes apresentou o relatoacuterio ao seu sucessor Francisco Mariani
descrevendo brevemente a situaccedilatildeo da proviacutencia no que tange agrave educaccedilatildeo ele tratou
apenas do Liceu natildeo mencionando nada mais a respeito da instruccedilatildeo puacuteblica
(GOMES Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1852b) Destacou alguns investimentos
que fez no ensino secundaacuterio comprando materiais para as aulas no Liceu Fica
evidente desse modo como a educaccedilatildeo em Goiaacutes foi-se configurando empregando-
se mais recursos destinados agrave formaccedilatildeo de uma elite poliacutetica do que agrave instruccedilatildeo
primaacuteria (BARROS 2006 2017)
105
Mariani governou entre dezembro de 1852 a abril de 1854 Na Assembleia
Legislativa tambeacutem reclamou da falta de recursos para manter as escolas goianas
definindo como criteacuterio para manutenccedilatildeo da educaccedilatildeo na proviacutencia o custeamento de
no miacutenimo uma escola em efetivo exerciacutecio por municiacutepio transferindo professores de
localidade a fim de preencher algumas cadeiras que estavam vagas Em 1853 Mariani
apresentou na Assembleia o pedido de eliminaccedilatildeo da quota destinada para o
expediente das aulas justificando que
[] Natildeo eacute com meia duzia de folhas de papel distribuidas anualmente por cada menino que se lhes ha de ensinar a arte calligraphica entretanto que essas pequenas addiccedilotildees reunidas formaotilde uma somma que muito avulta no estado de penuria a que estaotilde reduzidos os Cofres Provinciais (MARIANI Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1853 p 28)
A escassez dos materiais de expediente escolar jaacute era evidenciada em
relatoacuterios anteriores como um agravante para a ineficaacutecia do ensino agora de forma
legitimada notamos os rumos que a educaccedilatildeo em Goiaacutes na metade do seacuteculo XIX
foram tomando ao mesmo tempo que comprovamos que os governos provinciais
com a responsabilidade de ofertar a educaccedilatildeo popular natildeo conseguiam se manter
sem a colaboraccedilatildeo do Poder Central (SAVIANI 2006)
Durante o governo de Mariani foi sancionada a Reforma Couto Ferraz pelo
Decreto nordm 1331A ndash de 17 de fevereiro de 1854 (BRASIL 1854) Essa reforma
regulamentou o ensino primaacuterio e secundaacuterio no Municiacutepio da Corte e influenciou em
Goiaacutes a expediccedilatildeo do novo Regulamento sobre a Instruccedilatildeo Primaacuteria em 1856
(GOIAacuteS 1856) assinado no governo do Presidente Antonio Augusto Pereira da
Cunha Abreu Gonccedilalves Neto e Carvalho (2015) explicam que com exceccedilatildeo da
primeira lei de instruccedilatildeo puacuteblica em Goiaacutes homologada em 1835 todas as demais no
periacuteodo imperial possuem um dispositivo legal da Assembleia Legislativa autorizando
uma reforma no ensino na proviacutencia146
Quando o Regulamento de 1856 foi aprovado a educaccedilatildeo goiana estava
praticamente entregue aos Paacuterocos das Igrejas Em 1854 o entatildeo Presidente de
Goiaacutes Antonio Candido da Cruz Machado recomendou que por questotildees
financeiras nos municiacutepios em que natildeo houvesse aulas puacuteblicas e ou particulares os
146 Para expedir o Regulamento de 1856 o Presidente Antonio Augusto Pereira da Cunha recebeu autorizaccedilatildeo da Assembleia Legislativa por meio da Resoluccedilatildeo nordm 7 de 22 de novembro de 1855 (ABREU GONCcedilALVES NETO CARVALHO 2015)
106
Paacuterocos assumissem essa missatildeo de ldquoensinar os rudimentos das letras aacute mocidade
a qual pelo duplo dever de pastor e mestre daraotilde a educaccedilaotilde religiosardquo (MACHADO
Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1854 p 55) Em troca os Paacuterocos eram ressarcidos
com uma gratificaccedilatildeo anual Com a frequente dificuldade do governo da proviacutencia em
manter as escolas a Igreja Catoacutelica comeccedilou a compartilhar com o Estado a
responsabilidade pela instruccedilatildeo elementar das crianccedilas goianas uma entrada que se
fixou por muitos anos seja na presenccedila fiacutesica de Padres lecionando ou inspecionando
o ensino seja na influecircncia na manutenccedilatildeo de uma cultura escolar arraigada nas
tradiccedilotildees do catolicismo
Em 1856 quando foi lanccedilado o Regulamento sobre a Instruccedilatildeo Primaacuteria
tambeacutem se publicou na mesma data o segundo Regulamento para o Liceu de
Goiaacutes147
Para a elaboraccedilatildeo dos referidos Regulamentos o Presidente da Proviacutencia
Antonio Candido da Cruz Machado enviou para o Rio de Janeiro em 1855 o Professor
Feliciano Primo Jardim no intuito de conhecer o meacutetodo portuguecircs de leitura
repentina denominado de Castilho Ao assumir o governo em setembro de 1855
Antonio Augusto Pereira da Cunha considerou o relatoacuterio de Primo Jardim e natildeo viu
motivos para implementar na proviacutencia uma Reforma com esse meacutetodo Como
constatamos pelos estudos de Arauacutejo e Silva (1975) na histoacuteria da educaccedilatildeo goiana
em 1825 o entatildeo Presidente Caetano Maria Lopes Gama enviou para a Corte um
militar para habilitaccedilatildeo no meacutetodo do ensino muacutetuo O envio de um militar pode ser
justificado pelo fato de que em 1823 houve uma ordem ministerial que exigia de cada
proviacutencia a disponibilizaccedilatildeo de um soldado das forccedilas militares para aprender o
meacutetodo muacutetuo em uma escola da Corte que o praticava para entatildeo propagaacute-lo nas
escolas de sua localidade de origem (ALMEIDA 2000148) Entretanto a partir das
fontes analisadas consideramos que Primo Jardim eacute o primeiro professor goiano que
147 O primeiro Regulamento do Liceu foi organizado em 1850 (Resoluccedilatildeo nordm 21 de 7 de julho de 1850) no governo de Eduardo Olimpio Machado O segundo Regulamento assinado e publicado em 1ordm de dezembro de 1856 tem 80 artigos que diferentemente do primeiro que tinha 34 artigos detalham minuciosamente elementos antes natildeo especificados Bretas (1991 p 224-225) entretanto alerta que nesse uacuteltimo Regulamento ldquonatildeo houve [] alteraccedilotildees de monta mas [ele] especifica com maior minuciosidaderdquo alguns pontos como ldquocondiccedilotildees de matriacutecula o regime das aulas e das feacuterias os exames as funccedilotildees de cada um dos funcionaacuterios a admissatildeo de professores seus direitos e deveresrdquo etc O segundo Regulamento do Liceu encontra-se digitalizado e disponiacutevel no DVD Coleccedilatildeo de Documentos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes (vol 1) 148 A primeira ediccedilatildeo desse livro de Pires de Almeida foi publicada em 1889
107
viajou sob encomenda do governo para colher informaccedilotildees acerca dos meacutetodos de
ensino de leitura e escrita para aplicaccedilatildeo nas escolas goianas149
Nessa perspectiva o Presidente Cunha recomenda no Regulamento sobre a
Instruccedilatildeo Primaacuteria de 1856 o meacutetodo de ensino simultacircneo tal como previsto na
Reforma Couto Ferraz enunciando que estabeleceu ldquohum methodo aproximado ao
seguido na corte visto natildeo poder adopta-lo por causa da insuficiencia das rendas
provinciaes e de pessoal habilitadordquo (CUNHA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes
1857 p 23) O meacutetodo de ensino simultacircneo no contexto do Regulamento que
apresenta 102 artigos eacute mencionado em duas passagens no 3ordm e no 99ordm artigos
Art 3ordm ndash O Presidente da Provincia ouvindo o Inspector da instrucccedilatildeo publica determinaraacute o methodo que deve ser seguido nas escolas preferindo sempre que for possiacutevel o simultacircneo [] Art 99ordm ndash As escolas regidas pelo methodo simultacircneo tendo um Professor adjunto se o numero dos alunnos que a frequumlentarem o exigirem o qual venceraacute o ordenado que focircr marcado pelo Presidente da Provincia e seraacute subordinado ao Professor da escola (GOIAacuteS 1856 art 3ordm e 99ordm)
Como se lecirc a adoccedilatildeo do meacutetodo de ensino ficava a criteacuterio do Presidente de
Proviacutencia e do Inspetor de Instruccedilatildeo Puacuteblica entretanto recomendava-se ldquosempre
que possiacutevelrdquo a aplicaccedilatildeo do meacutetodo simultacircneo O que se enuncia no Regulamento
sob uma oacutetica linguiacutestica no uso da expressatildeo ldquopreferindo sempre que for possiacutevelrdquo
no artigo 3ordm eacute uma condicionalidade impliacutecita Ou seja para escolher um determinado
meacutetodo considera-se que a sua adoccedilatildeo estaacute condicionada agraves possibilidades de seu
uso as quais o Regulamento deixa evidente serem a disponibilizaccedilatildeo dos materiais
escolares e a proacutepria formaccedilatildeo do professor Como na proviacutencia goiana ainda natildeo
havia um centro de formaccedilatildeo de professores nem a iniciativa para circulaccedilatildeo de livros
sobre os meacutetodos de ensino nas escolas houve dificuldade de os docentes
compreenderem o que era o meacutetodo simultacircneo tendo continuado a aplicar por muitos
anos o usual meacutetodo individual como eacute declarado no Relatoacuterio de Presidente de
Proviacutencia de 1859 assinado por Francisco Januario de Gama Cerqueira
(CERQUEIRA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1859a p 33-37)
O Regulamento de 1856 no artigo primeiro define que a instruccedilatildeo primaacuteria
compreenderaacute o ensino da leitura escrita as regras elementares da aritmeacutetica a
teoria e praacuteticas das quatro operaccedilotildees sobre os nuacutemeros inteiros fraccedilotildees ordinaacuterias
149 Os detalhes sobre essa experiecircncia seratildeo melhor discutidos na seccedilatildeo 4 desta tese
108
e decimais e as proporccedilotildees os sistemas mais essenciais dos pesos e medidas a
gramaacutetica da liacutengua nacional o Catecismo as explicaccedilotildees sobre dogmas
fundamentais das religiatildeo doutrina cristatilde e principais oraccedilotildees Diferentemente o
ensino para meninas jaacute no artigo segundo diz que que consta das mesmas mateacuterias
mas limitando-se nos toacutepicos de aritmeacutetica agrave teoria e praacutetica das quatro operaccedilotildees
sobre os nuacutemeros inteiros aleacutem disso as professoras eram ldquoobrigadasrdquo ndash tal como
estaacute escrito no artigo 2ordm do Regulamento ndash a lecionar sobre prendas que auxiliariam
a economia domeacutestica bordado costura culinaacuteria etc Havia portanto uma
diferenciaccedilatildeo de ensino por gecircnero tanto que no artigo 79 se proiacutebe a admissatildeo de
alunos de ambos os sexos na mesma escola reproduzindo a organizaccedilatildeo social em
moldes patriarcais ao projetar na figura feminina tal como Elias (1994) explica um
modelo de agente do projeto civilizador SantrsquoAnna (2011) em pesquisa sobre a
experiecircncia de escolarizaccedilatildeo de meninos e meninas na proviacutencia de Goiaacutes no seacuteculo
XIX expotildee que a legislaccedilatildeo goiana de instruccedilatildeo normatizava orientava controlava o
funcionamento da conduta escolar docente e discente acionando ldquorepresentaccedilotildees
sociais de gecircnero reiteradoras da partilha hierarquizada entre o puacuteblico e o privado
da divisatildeo sexuada dos papeacuteis sociaisrdquo (SANTrsquoANNA 2011 p 138)
Uma forte presenccedila dos preceitos cristatildeos e do catolicismo marca o
Regulamento tornando-se um requisito para o candidato ao magisteacuterio goiano ser
catoacutelico apostoacutelico romano (GOIAacuteS 1856 art 7ordm paraacutegrafo 3ordm) e obrigado a
acompanhar os alunos agrave igreja nos domingos e dias santos velando para guardarem
o devido respeito e prudecircncia nas missas (GOIAacuteS 1856 art 41)
No que diz respeito aos conhecimentos dos professores para ingresso na
carreira docente o Regulamento prevecirc a aplicaccedilatildeo de um exame em que os
candidatos eram avaliados seguindo os criteacuterios especificados nos artigos 10 11 e
12
Art 10 ndash No exame cada examinador deve sect1ordm Mandar o candidato fazer um exerciacutecio de leitura de diversos caracteres impressos e manuscriptos examinar lhe a pronuncia e conhecimento da pontuaccedilatildeo sect2ordm Propor lhe cacographicamente algumas palavras e frazes alternadas para sondar lo na orthographia sect3ordm Ditar lhe uma fraze para ele analisar indicando as partes do discurso e da oraccedilatildeo argumentando sua conjugaccedilatildeo de verbos e nas principais regras da grammatica sect4ordm Manda lo escrever algumas linhas em bastardo bastardinho e cursivo e faze-lo aparar a pena carregar la de escrever
109
sect5ordm Propor lhe questotildees de arithimethica que sejam proprias para mostrar o grau de experiencia do candidato no calculo e perguntar-lhe os principios elementares da arithimethica e os systemas mais usados dos pesos e medidas sect6ordm Propor-lhe diversas situaccedilotildees da vida examinar soluccedilotildees que a moral lhe aconselharia fazer-lhe perguntas sobre os dogmas da Religiatildeo e Doctrina Christam fazendo repetir as principais oraccedilotildees Art 11 ndash No exame para professoras ouvindo os examinadores o juiz de uma professora publica ou drsquouma senhora designada pelo Presidente da Provincia sobre os seus trabalhos drsquoagulhas e bordados Art 12 ndash Terminados os exames sobre os conhecimentos do candidato se procederaacute a de sua aptidatildeo para o ensino questionando os examinadores sobre o modo porque instruiraacute os alunos a conhecerem as letras e os princcipais elementos e depois a leitura a escriptura e o calculo sobre a applicaccedilatildeo dos principios que seguiraacute nas puniccedilotildees e recompensas em summa sobre os meios mais convenientes natildeo soacute para desenvolver a cultura das faculdades intellectuaes dos alunnos como principalmente para os instruir no exerciacutecio das virtudes cristans (GOIAacuteS 1856 art 10 11 e 12)
Os aspectos tratados nesses artigos tambeacutem demonstram concepccedilotildees que
circularam sobre a praacutetica de ensino na instruccedilatildeo primaacuteria goiana em especiacutefico no
ensino inicial de leitura escrita aritmeacutetica e doutrina cristatilde principais conteuacutedos nas
escolas masculinas e femininas Afinal se haacute uma exigecircncia de que se conheccedilam
algumas noccedilotildees da praacutetica escolar para pleitear o magisteacuterio espera-se que os
professores apliquem tais saberes para a accedilatildeo em saberes em accedilatildeo (A
CHARTIER150 2007)
O primeiro saber depreendido volta-se ao domiacutenio da leitura com fluecircncia Com
relaccedilatildeo agrave escrita se exige um conhecimento da grafia correta das palavras e a
distinccedilatildeo de modos diferentes de grafar as letras sendo cobrados trecircs tipos bastardo
bastardinho e cursivo151 Do mesmo modo aleacutem da grafia estabeleceu-se como
avaliaccedilatildeo o modo de o candidato aparar a pena e carregaacute-la para a escrita Arriada e
Tambara (2012) explicam que no seacuteculo XIX o artefato utilizado recorrentemente
150 Para diferenciar as citaccedilotildees de Anne-Marie Chartier e Roger Chartier para a primeira usaremos a referecircncia A CHARTIER 151 Magalhatildees (2005) explica que a escrita bastarda eacute de origem itaacutelica aproximando-se das caracteriacutesticas dos caracteres impressos ldquoPela proximidade do impresso e pela singeleza de traccedilo revelou-se mais acessiacutevel na aprendizagem e menos selectiva na instrumentalizaccedilatildeo do quotidiano por parte dos puacuteblicos pouco escolarizados ou menos habituados agrave escritardquo (MAGALHAtildeES 2005 p 5) Enquanto a escrita cursiva de origem inglesa permitiu a personificaccedilatildeo da escrita adaptando-a aos modelos pessoais de cada escritor e dos diferentes manuais que surgem para ensinaacute-la tendo sido difundida pelo mundo devido a ldquosua facilidade de execuccedilatildeo e comportando adaptaccedilotildees e esteticamente proacutexima do impressordquo (MAGALHAtildeES 2005 p 5)
110
para a escrita era a pena Os autores enumeram diferentes manuais e normativas que
surgiram no Brasil nesse periacuteodo com objetivo de ritualizar a escrita caligraacutefica que
dependia quase exclusivamente da eficaacutecia do escritor no manejo da pena para
desenhar as letras
O saber da gramaacutetica tambeacutem era cobrado mediante a referenciaccedilatildeo das
regras gramaticais Na aritmeacutetica o candidato agrave docecircncia teria que conhecer
princiacutepios elementares e por fim examinavam-se situaccedilotildees da vida apontando
conselhos ou seja esperava-se que o professor formasse o aluno dentro de uma
moral predominantemente cristatilde para civilizaacute-lo nas exigecircncias de uma vida religiosa
Igualmente ele teria que reproduzir as principais oraccedilotildees o que nos leva a conjecturar
que recitar as oraccedilotildees juntamente com os alunos constituiacutea uma praacutetica dos
professores em sala de aula
Interessante notar que esses saberes tambeacutem eram os mesmos exigidos nas
provas de admissotildees das Escolas Normais do Brasil e de Portugal em meados do
seacuteculo XIX e iniacutecio do XX (MAGALHAtildeES 2007 FERREIRA 2010) Mesmo natildeo
havendo nesse periacuteodo na proviacutencia goiana uma Escola Normal o Regulamento de
1856 dialoga com os saberes e praacuteticas de formaccedilatildeo docente difundidos pelo Impeacuterio
o que tambeacutem remonta a nossa tese de estudo de que a proviacutencia goiana se abria
para as tendecircncias de modernidade educacional do seacuteculo XIX o que influenciou a
constituiccedilatildeo da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes
Aleacutem disso as professoras eram avaliadas quanto ao seu conhecimento em
trabalhos de agulhas e bordados atividades tiacutepicas do caraacuteter domeacutestico da educaccedilatildeo
feminina Conforme Louro (1997 p 478) avalia ldquonatildeo parece ser possiacutevel
compreender a histoacuteria de como as mulheres ocuparam as salas de aula sem notar
que essa foi uma histoacuteria que se deu tambeacutem no terreno das relaccedilotildees de gecircnerordquo de
modo que muito do que foi reproduzido na escola e na legislaccedilatildeo foi reflexo dos
lugares que ocupava e das relaccedilotildees que a mulher estabelecia na sociedade goiana
no oitocentos
O Regulamento tambeacutem cobrava do candidato ao magisteacuterio o conhecimento
dos modos de ensinar ao contraacuterio do Regulamento anterior aqui vemos uma
perspectiva de normatizar a accedilatildeo docente para inculcar nas crianccedilas preceitos
intelectuais elementares baseados em comportamentos e virtudes cristatildes de modo
que se mantivesse nas escolas a exatidatildeo o silecircncio a regularidade e a dececircncia
necessaacuteria (GOIAacuteS 1856 art 34) A normatizaccedilatildeo das praacuteticas sob uma oacutetica
111
foucaultiana pode ser considerada uma forma de controle social e de poder do Estado
na instruccedilatildeo puacuteblica jaacute que conhecendo e controlando os modos de ensinar agraves
crianccedilas de certa forma controla-se tambeacutem o que eacute ensinado Ao mesmo tempo fica
impliacutecito que para se ensinar eacute necessaacuterio ter meacutetodo algo jaacute difundido no Brasil
desde a vinda dos jesuiacutetas e da educaccedilatildeo sob as bases do manual Ratio Studiorum
Outro aspecto que o Regulamento de 1856 tem como diferencial eacute a criaccedilatildeo da
figura do Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica e do Inspetor Paroquial (ABREU
GONCcedilALVES NETO CARVALHO 2015) em substituiccedilatildeo aos Delegados Literaacuterios
(GOIAacuteS 1856 art 66) O Inspetor Paroquial era responsaacutevel por inspecionar as
escolas puacuteblicas e privadas de sua localidade vigiar as praacuteticas dos professores
repreendendo-os quando faltavam com as suas obrigaccedilotildees Tinha como funccedilatildeo ao
final de cada trimestre enviar comunicaccedilatildeo ao Inspetor Geral com o mapa geral das
escolas que ele acompanhava indicando o nuacutemero de matriculados e especificando
observaccedilotildees acerca do grau de aproveitamento dos alunos (GOIAacuteS 1856 art 68)
O Inspetor Geral era o Diretor do Liceu funccedilatildeo intermediaacuteria entre as escolas
e o Presidente de Proviacutencia Competia a ele apresentar para o governo da proviacutencia
o estado da instruccedilatildeo primaacuteria sugerindo medidas e reformas (GOIAacuteS 1856 art 69)
Tal norma dialoga com o que fora preconizado na Reforma Couto Ferraz que embora
fosse dirigida ao Municiacutepio da Corte trouxe aspectos que se aplicavam agrave jurisdiccedilatildeo
dos governos nas proviacutencias como vemos em seu artigo 3ordm paraacutegrafo 5ordm que expotildee
a competecircncia do Inspetor Geral do Municiacutepio da Corte
sect5ordm Coordenar os mappas e informaccedilotildees que os Presidentes das provincias remetterem annualmente ao Governo sobre a instrucccedilatildeo primaria e secundaria e apresentar hum relatorio circumstanciado do progresso comparativo neste ramo entre as diversas provincias e o municipio da Cocircrte com todos os esclarecimentos que a tal respeito puder ministrar (BRASIL 1854 art 3ordm paraacutegrafo 5ordm)
Como estaacute descrito as proviacutencias enviariam os mapas apresentando a situaccedilatildeo
da instruccedilatildeo primaacuteria e secundaacuteria das localidades O cargo de Inspetor Escolar e
outros de fiscalizaccedilatildeo aparecem nos primeiros artigos da lei denotando que uma de
suas ecircnfases foi a criaccedilatildeo de mecanismos de regulaccedilatildeo e controle sobre os
estabelecimentos os professores e os materiais por eles usados Em consonacircncia
Barra (2017) em estudo comparativo sobre o Regulamento goiano de 1856 e o
Regulamento de Instruccedilatildeo da Proviacutencia de Satildeo Paulo de 1851 analisa vaacuterias
similaridades entre eles notando uma difusatildeo no Brasil oitocentista do serviccedilo de
112
inspeccedilatildeo escolar como um dispositivo essencial para a organizaccedilatildeo da instruccedilatildeo
puacuteblica
O Regulamento de 1856 natildeo considerou a abertura de uma Escola Normal
algo que viria a ser retomado pelos Presidentes de Proviacutencia posteriores como accedilatildeo
necessaacuteria para mudanccedila da situaccedilatildeo da instruccedilatildeo primaacuteria em Goiaacutes Poreacutem como
o proacuteprio Francisco Januaacuterio da Gama Cerqueira discursa ndash Presidente entre outubro
de 1857 a maio de 1860 ndash era imprescindiacutevel a melhoria do salaacuterio dos professores
antes mesmo da criaccedilatildeo de um centro de formaccedilatildeo ldquosem melhorar a sorte drsquoestes
empregados inuteis seratildeo quaesquer escolas de habilitaccedilatildeo para elles porque
ninguem quereraacute se habilitar para uma carreira que traz em perspectiva a miseriardquo
(CERQUEIRA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1858 p 13)
A situaccedilatildeo da instruccedilatildeo puacuteblica na proviacutencia natildeo eacute modificada com o novo
regulamento pois o orccedilamento destinado agrave educaccedilatildeo permanecia o mesmo de modo
que os presidentes analisavam a situaccedilatildeo com uma tocircnica muito pessimista
descrevendo a dificuldade em manter as escolas funcionando e reiterando que a falta
de pessoal habilitado influenciava tal realidade (BRETAS 1991)
Nada pude fazer pela realisaccedilatildeo destas ideas por que entendi sempre que seria meramente nominal toda a reforma que natildeo fosse procedida pela creaccedilatildeo de uma escola de habilitaccedilatildeo para os professores drsquoonde se pudesse tirar o pessoal para as cadeiras do segundo grao quando houvessem de ser instituiacutedos (CERQUEIRA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1859a p 28)
A mesma falta de pessoal devidamente habilitado e ate a de um edifiacutecio que offereccedila as necessaacuterias acommodaccedilotildees me tem impedido ateacute hoje de levar a effeito a creaccedilatildeo de uma classe normal na escola da capital onde possatildeo habilitar-se os individuos que se destinarem ao magisterio (CERQUEIRA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1859b p 34)
Lembro-me que jaacute uma vez compenetrados da necessidade de elevar-se o professorado publico aacute sua verdadeira altura decretastes a fundaccedilatildeo de uma escolla normal Esse estabelecimento como eu o comprehendo estaacute superior aacutes forccedilas da provincia entendo que natildeo poacutede ser circumscripto aacutes funcccedilotildees de uma escola pratica desde que se tratar de estender a instrucccedilatildeo aleacutem da methodica escolastica (ALENCASTRE Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1861 p 14)
Tanto se tem reconhecido que a reforma da instrucccedilatildeo deve comeccedilar pelo noviciado do mestre que ateacute jaacute se decretou nrsquoesta provincia a fundaccedilatildeo de uma escola normal mas V Exordf comprehenderaacute as difficuldades dacuteessa medida desde que observar que se acha em uma provincia onde a administraccedilatildeo luta com embaraccedilos insuperaveis
113
por falta de homens habilitados para os diversos ramos do serviccedilo publico E depois uma escola normal natildeo eacute como muitos entendem uma escola meramente pratica onde o professor vai aprender empiricamente para de igual modo ensinar uma escola normal comprehende um curso regular de humanidades e importaria sua organisaccedilatildeo despesas que natildeo pode supportar o cofre da provincia Entendo que essa ideacutea eacute por todas as razotildees inexequivel e direi ateacute que superfua porquanto do lycecirco se poacutede colher os mesmos resultados que ella nos daria se fosse fundada (ALENCASTRE Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1862 p 53-54)
A lei de 28 de Junho de 1858 creando nesta capital uma escola normal determinou no artigo 2deg que daquella data em diante natildeo fosse provida vitaliciamente escola alguma sem que o pretendente se mostrasse habilitado nas materias ensinadas na escola normal Esta disposiccedilatildeo seria por certo muito util e vantajosa se houvesse desde logo realisado a creaccedilatildeo da escola normal mas natildeo tendo assim acontecido o resultado foi summamente prejudicial a instrucccedilatildeo publica porque vedada ateacute hoje a nomeaccedilatildeo de professores vitalicios na conformidade da referida lei tornou-se inevitavel a dos professores interinos na qual ordinariamente ha menos escrupulo aleacutem dos inconvenientes das interinidades (SIQUEIRA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1867 p 4)
Esses excertos satildeo ilustraccedilotildees de um discurso muito difundido pelos
Presidentes da proviacutencia goiana que justificam o fracasso da instruccedilatildeo primaacuteria
devido agrave falta de professores habilitados Haacute tal como disposto por Bakhtin (2010)
um entrecruzamento dos enunciados numa perspectiva dialoacutegica de um discurso
sempre repleto de discursos de outrem que orientado ideologicamente retoma
palavras alheias para criar um enunciado autoral Ou seja verificamos a ressonacircncia
dos discursos de Presidentes antecedentes na fala do Presidente que discursa
sobretudo pelo que notamos nas descriccedilotildees iniciais nos Relatoacuterios de Presidentes de
proviacutencia que sucessivamente caracterizam o estado da instruccedilatildeo puacuteblica como
ldquonatildeo satisfatoacuteriordquo As desculpas arroladas geralmente satildeo as mesmas e repetidas
vezes os Presidentes justificam que devido agrave transitoriedade dos governos pouco se
conseguia fazer na Proviacutencia Natildeo podemos desconsiderar que essas falas surgem
em meio a contextos poliacuteticos e que de certa maneira na Assembleia Legislativa os
Presidentes pretendem abonar o fazer ou natildeo fazer nas aacutereas da administraccedilatildeo da
proviacutencia
Como se lecirc nos fragmentos haacute uma tentativa de abertura da Escola Normal em
Goiaacutes em 1858 com a publicaccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 15 de 28 de julho de 1858 durante
o governo do Presidente Cerqueira entretanto a iniciativa natildeo se tornou real e a
114
Escola Normal natildeo foi instalada por falta de recursos (CANEZIN LOUREIRO 1994)
Em 1859 haacute o iniacutecio de uma negociaccedilatildeo de compra de um preacutedio na capital conforme
o Relatoacuterio apresentado agrave Assembleia Legislativa explica (CERQUEIRA Relatoacuterio de
Presidente de Proviacutencia GOIAacuteS 1859a p 26) poreacutem no local se instalou uma escola
para o sexo masculino
Na capital da Proviacutencia as escolas eram preacutedios do governo antigas casas
precariamente adaptadas para funcionarem as aulas (ARAUacuteJO E SILVA 1975) Nos
municiacutepios no interior ainda permanecia a praacutetica de as aulas ocorrerem em casas
alugadas porquanto natildeo havia uma construccedilatildeo proacutepria e adaptada para o
funcionamento de uma escola
Natildeo haacute na provincia casas proprias para as escolas e nem se dava aos professores ateacute aqui quantia alguma para aluga-las pelo que muitas drsquoellas funccionatildeo em salas inteiramente improprias para esse fim por acanhadas e por natildeo terem as necessarias condiccedilotildees de aceio e salubridade (CERQUEIRA Relatoacuterio de Presidente de Proviacutencia GOIAacuteS 1858 p 13)
Aleacutem da falta de condiccedilotildees de espaccedilo fiacutesico eacute relatada a escassez de materiais
de expediente escolar e mobiacutelias o que dificultava a aplicaccedilatildeo do meacutetodo simultacircneo
recomendado no Regulamento de 1856 O Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica da
Proviacutencia de Goiaacutes Fellipe Antocircnio Cardoso de Santa Crus em 1858 solicita do
Presidente Cerqueira por meio de ofiacutecio vaacuterias mobiacutelias para as aulas puacuteblicas da
proviacutencia justificando que os alunos se sentiam desmotivados com essa ausecircncia jaacute
que para organizaccedilatildeo pelo ensino simultacircneo era necessaacuterio ter mais cadeiras e
mesas em sala de aula e na falta dessas conforme ele descreve ldquoos alunos
escrevem nos bancos de joelhos no chaotilde ou ainda em posiccedilaotilde mais incommodardquo
(CRUS 10 de abril de 1858 p 15 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada
e Impressa nordm 397)
O Presidente Cerqueira no citado Relatoacuterio de 1858 tambeacutem explicita os
atrasos nos salaacuterios dos professores que ficavam meses sem receber embora
fossem responsaacuteveis por pagar os alugueacuteis das casas onde ocorriam as aulas de
instruccedilatildeo primaacuteria152 Essa situaccedilatildeo na Proviacutencia parece se repetir em vaacuterios
152 Nas Caixas dos Municiacutepios Goianos no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes identificamos vaacuterios recibos avulsos de aluguel de casa para instruccedilatildeo primaacuteria assinados pelos professores e enviados pelos Inspetores Paroquiais ao Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica da Proviacutencia Interessante notar que esses recibos seguiam o mesmo padratildeo ndash como se houvesse uma orientaccedilatildeo expressa na Proviacutencia do modelo a ser seguido identificava-se
115
momentos da histoacuteria da educaccedilatildeo de Goiaacutes levando alguns docentes a desistir do
magisteacuterio153 e ateacute mesmo passar por situaccedilotildees constrangedoras em seus
municiacutepios como eacute relatado no ofiacutecio do Inspetor Paroquial Luis Antonio da Fonseca
da Vila de Curralinho
Inspectoria Parochial de Curralinho 12 de Setembro de 1869 Ilmordm Senrordm Tenho a honra de levar ao conhecimento de VS que desde do anno findo a aula drsquoesta Villa naotilde e suprida com os objectos ainda os mais indispensaacuteveis para o seo expediente como papel pena e tinta O professor naotilde recebeu tambem o seu ordenado e recebeu cobranccedilas publicas do proprietario da caza alugada para as aulas de instrucccedilatildeo O professor tem como sabe VS um ordenado que muito mal chega para sua subsistencia enfim naotilde pode fornecer a sua conta estes objetos mesmo por que a escola tem um numero crescido de alumnos que em geral saotilde naotilde soacute pobres como pauperrimos cujos pais jaacute fazem grande sacrificio em tel-os na escola [] E de novo levo ao conhecimento de VS que o referido preacutedio tem sido reclamado por seu proprietario a fim de seja quanto antes desocupado e certamente teraacute aacute aula de ser interrompida por algum tempo em seos trabalhos ateacute que se alugue uacutema outra caza e nrsquoella se faccedila os necessarios commodos Ilmo Senrordm Conego Joaquim Vicente de Azevedo Digno Inspector Geral da Instrucccedilatildeo Publica desta Provincia O Inspor Parochial Luis Antonio da Fonseca (FONSECA 12 de setembro de 1869 p 1-2 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 188)
O Inspetor Fonseca relata a situaccedilatildeo particular da Vila de Curralinho no
entanto ela ilustra como um todo a realidade educacional no interior da proviacutencia
quem era o pagador (geralmente o administrador da Coletoria ou Recebedoria do Municiacutepio ou Vila) o beneficiado a quantia o periacuteodo correspondente e a que se destinava (geralmente para pagar o ordenado o aluguel e expediente escolar) Numa anaacutelise desses recibos notamos os repetitivos atrasos e o costume de o pagamento ser efetivado trimestralmente Quando o atraso era superior a 12 meses comumente no recibo apresentava-se uma justificativa pela demora no pagamento As justificativas mais recorrentes entre outras eram a falta de orccedilamento devido ao natildeo pagamento de impostos pelos contribuintes ou um gasto inesperado com algum setor da administraccedilatildeo local que alterava a previsatildeo orccedilamentaacuteria Jaacute na seccedilatildeo de Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa do AHEG encontramos livros de brochura da Tesouraria da Fazenda intitulados de ldquoFolha de pagamento dos alugueacuteis de casas e expedientes das aulas de instruccedilatildeo puacuteblica primaacuteria da Proviacutenciardquo datados das deacutecadas de 70 a 80 do seacuteculo XIX que apresentavam as folhas de pagamento dos professores Cada folha era encabeccedilada pela identificaccedilatildeo do professor e de qual localidade ele era a indicaccedilatildeo de que se tratava do vencimento mensal com referecircncia ao mecircs e ano correspondente Abaixo havia uma tabela com trecircs colunas na primeira discriminaccedilatildeo a segunda intitulada de expediente e a terceira aluguel 153 A tese de Abreu (2006) descreve essa situaccedilatildeo como habitual em Goiaacutes entre 1835 e 1893 gerando baixa procura pela profissatildeo docente e a consequente situaccedilatildeo de vaacuterias escolas nos municiacutepios goianos ficarem desprovidas de professor
116
goiana no periacuteodo imperial os professores eram mal remunerados e deveriam arcar
muitas vezes com as despesas relacionadas ao expediente e alugueacuteis das casas O
argumento que Fonseca utiliza no ofiacutecio ao Inspetor Geral estaacute muito atrelado a um
apelo sentimental ao afirmar que o professor tem vencimentos que natildeo datildeo para sua
subsistecircncia justificando a necessidade de ele receber pois foi cobrado publicamente
pelo proprietaacuterio da casa que tambeacutem a solicitou por falta de pagamento
Galvatildeo (2001 p 83) afirma que a partir de meados do seacuteculo XIX os discursos
sobre a profissatildeo docente enalteciam a figura do mestre ao mesmo tempo que o
percebiam ldquocomo algueacutem sem condiccedilotildees de desenvolver um trabalho profissional
competente em consequecircncia dos baixiacutessimos salaacuterios que recebiardquo No caso da Vila
de Curralinho como eacute notificado no ofiacutecio as aulas foram suspensas o que
colaborava para a precarizaccedilatildeo das praacuteticas docentes que natildeo tinham continuidade
devido a fatores externos nesse caso a falta de local para que as aulas
acontecessem em outros casos relatados a falta de materiais ou mobiacutelias escolares
Eacute importante frisar que conforme esclarece Abreu (2006) para o professor
receber seus ordenados nesse periacuteodo havia uma burocratizaccedilatildeo do processo ele
solicitava ao Inspetor Paroquial154 o atestado de seu trabalho que por sua vez o
expedia ao Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica155 Nesse sentido o Regulamento de
1856 no artigo 68 paraacutegrafo 2ordm estabelecia que ficava a cargo do professor em
posse do atestado de frequecircncia emitido pelo Inspetor Paroquial cobrar o seu
ordenado O Inspetor Geral quando tomava ciecircncia da frequecircncia do professor
enviava o atestado agrave Tesouraria das Rendas Provinciais156 que ordenava o
pagamento ao Coletor de Rendas Provinciais ou ao Administrador da Recebedoria da
localidade a que o professor pertencia O professor emitia um recibo a quem o
pagasse Em alguns casos como pode ser observado em diferentes documentos
manuscritos encontrados no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes o professor
solicitava diretamente agrave Tesouraria da proviacutencia o pagamento das quantias para
compra de utensiacutelios para suas aulas bem como o seu ordenado (Cf GOIAacuteS 1835-
1839 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 191)
154 No Regulamento de 1835 chamado de Delegado Paroquial e a partir de 1856 de Inspetor Paroquial 155 Ateacute 1856 os Delegados enviavam diretamente para o Presidente da Proviacutencia pois natildeo existia a figura do Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica 156 Ateacute 1855 chamada de Provedoria de Fazenda Provincial a mudanccedila ocorreu em virtude do Regulamento de 30 de julho de 1855 (GOIAacuteS 1855)
117
Por si esse processo jaacute demandava um tempo que aliado agraves dificuldades de
comunicaccedilatildeo entre a sede do governo da proviacutencia e os municiacutepios provocava
atrasos consideraacuteveis para liberaccedilatildeo dos pagamentos isso quando natildeo ocorria
extravio de correspondecircncia como eacute relatado em ofiacutecio identificado no Arquivo
Histoacuterico Estadual de Goiaacutes
Pe Joatildeo Ignacio de Almeida Presbitero [ilegiacutevel] desta Freguesia e Inspector Parochial da Instrucccedilaotilde primaria de Santa Rita
Ilmordm Senrordm Enviei a VS no ultimo mes o atestado do Senhor Pedro Joseacute Rodrigues professor da Aula de instrucccedilaotilde primaria deste Arrayal Temo tel-o extraviado pois natildeo recebi retorno de VS Inspectoria Parochial do Arrayal de Santa Rita 5 de janeiro de 1860 Ilmo Senrordm Inspector Geral da Instrucccedilatildeo Publica desta Provincia (ALMEIDA 1860 AHEG Caixa dos Municiacutepios Goianos Itumbiara Caixa 01)
Similar situaccedilatildeo era enfrentada constantemente na entrega de
correspondecircncias considerando as condiccedilotildees das estradas que ligavam o interior agrave
capital da proviacutencia e dos meios de transporte comumente os de montaria157 Haacute que
se destacar que no anexo do Regulamento de 1856 havia uma tabela especificando
o ordenado dos professores e professoras de primeiras letras da proviacutencia
diferenciando o vencimento entre vitaliacutecios158 e interinos159 entre homens e mulheres
entre as aulas na Capital de vilas mais povoadas e de outros lugares Evidentemente
os homens os professores vitaliacutecios e os que davam aula na Capital ganhavam
maiores ordenados o que justifica tambeacutem a ausecircncia constante de professores no
interior jaacute que na Capital os salaacuterios eram maiores similarmente aos recursos para
compra de materiais escolares que eram mais expressivos
Em 1859 o Presidente Francisco Januaacuterio da Gama Cerqueira com anuecircncia
da Assembleia Legislativa alterou a referida tabela do Regulamento de 1856
157 No ato de instalaccedilatildeo da Assembleia Legislativa na proviacutencia em 1835 o entatildeo Presidente Joseacute Rodrigues Jardim descreveu os serviccedilos postais que aconteciam em Goiaacutes naquele momento havia dois correios mensais apenas entre a Corte e a Capital da Proviacutencia Em 1835 o Governo Central aprovou a instalaccedilatildeo de serviccedilos postais trimensais e mensais entre a sede do governo de Goiaacutes e algumas localidades mais populosas da proviacutencia (Cf JARDIM Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1835 p 22) A partir de 1857 comeccedilou uma expansatildeo de linhas do correio da proviacutencia abrindo agecircncias em vaacuterias localidades melhorando os serviccedilos postais entre os oacutergatildeos do governo e os municiacutepios e vilas (Cf CUNHA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1857 p 24-26) 158 Professores aprovados em exame de admissatildeo e nomeados pelo Presidente da Proviacutencia como professor vitaliacutecio 159 Na ausecircncia de um professor vitaliacutecio por quaisquer motivos era nomeado um professor interino
118
aumentando os vencimentos dos professores vitaliacutecios apenas nas vilas e municiacutepios
(CERQUEIRA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1859a p 28-29) Em contrapartida
devido a esse aumento e ao estado financeiro da proviacutencia natildeo foi possiacutevel que se
preenchessem todas as cadeiras vagas de instruccedilatildeo primaacuteria num total de 65
escolas 25 estavam vagas das 43 escolas do sexo masculino 11 estavam vagas e
das 22 de sexo feminino 14 estavam vagas (CERQUEIRA Relatoacuterio de Presidente
de Goiaacutes 1859b p 33 1867 p 4)
Apoacutes a promulgaccedilatildeo do Regulamento de 1856 nos anos 60 segundo Abreu
Gonccedilalves Neto e Carvalho (2015) a Assembleia Legislativa voltou a autorizar e exigir
novas reformas e regulamentaccedilotildees na instruccedilatildeo puacuteblica da proviacutencia e ao mesmo
tempo alguns presidentes ldquopediam autorizaccedilatildeo da Assembleia Legislativa para
reformar a instruccedilatildeo no que geralmente eram atendidos No ano seguinte ao
discursar para a Assembleia agradeciam a autorizaccedilatildeo que havia sido concedida e
justificavam sua inaccedilatildeordquo (ABREU GONCcedilALVES NETO CARVALHO 2015 p 264)
Essas justificativas se referiam agrave carecircncia de recursos financeiros e de pessoal
habilitado Em 1867 o vice-presidente Joatildeo Bonifacio Gomes de Siqueira inseriu a
falta de vocaccedilatildeo de alguns professores para o magisteacuterio ausente dos discursos ateacute
entatildeo como explicaccedilatildeo do precaacuterio estado do ensino em Goiaacutes acrescentando que
tal questatildeo fazia com que o professor natildeo tivesse zelo e assiduidade no cumprimento
de seus deveres (SIQUEIRA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1867 p 4)
Pressionado pela Assembleia Legislativa o Presidente Ernesto Augusto
Pereira ndash sucessor de Siqueira ndash sancionou o terceiro Regulamento de Ensino em
Goiaacutes aprovado em 1868 e passando a vigorar a partir de 1869 Embora com
diferenccedilas pouco substanciais em relaccedilatildeo ao Regulamento anterior essa nova lei deu
uma ecircnfase maior aos livros e ao meacutetodo de ensino simultacircneo o que consideramos
decisivo para que tambeacutem houvesse maior circulaccedilatildeo de obras didaacuteticas na proviacutencia
fato notoriamente comprovado pelas listas de expediente escolar e pelos dados que
seratildeo apresentados na seccedilatildeo 3 desta tese
Em siacutentese entre 1860 e 1870 foram 9 diferentes governos marcados pela
transitoriedade jaacute que alguns vice-presidentes assumiam interinamente a
presidecircncia enquanto os presidentes exerciam mandato na Assembleia Legislativa
ou cumpriam outra ordem imperial O efeito foi a natildeo continuidade das propostas
governamentais e os feitos na aacuterea educacional se reduzirem agrave supressatildeo e abertura
de novas escolas o que natildeo impactava diretamente na quantidade de alunos
119
matriculados De acordo com os Relatoacuterios dos Presidentes da Proviacutencia de Goiaacutes em
1861 eram 64 escolas primaacuterias com 978 meninos e 193 meninas matriculadas em
1869 existiam 63 escolas primaacuterias em funcionamento estando matriculados apenas
877 meninos e 222 meninas
22 1869 A 1886
Na segunda metade do seacuteculo XIX o Brasil passou por diferentes
transformaccedilotildees econocircmicas que impactaram os modos de organizaccedilatildeo poliacutetica
cultural e educacional do povo brasileiro (NAGLE 2001) O advento do capitalismo
comeccedilou a exigir a modernizaccedilatildeo do trabalho atribuindo agrave educaccedilatildeo uma
responsabilidade fundamental frente aos desafios que se impunham numa sociedade
caracterizada pelo baixo niacutevel de instruccedilatildeo e pela manutenccedilatildeo da matildeo de obra
escrava Machado (2005) explica que nesse periacuteodo diferentes projetos de reforma
da instruccedilatildeo puacuteblica tramitaram na Cacircmara de Deputados evidenciando a atribuiccedilatildeo
de importacircncia agrave educaccedilatildeo na construccedilatildeo de uma sociedade que atendesse agraves
exigecircncias do modelo econocircmico capitalista nos moldes europeus Apesar de muitos
projetos natildeo terem sido aprovados os debates ocorridos entre os Deputados
demonstravam que havia preocupaccedilatildeo do legislativo em relaccedilatildeo ao investimento feito
pelo governo brasileiro no setor educacional (MACHADO 2005)
A obra de Barroso (2005) A instruccedilatildeo puacuteblica no Brasil publicada em 1867 jaacute
analisava a necessidade de o ensino puacuteblico ser livre e a inspeccedilatildeo do Estado ser
reforccedilada para garantia dos interesses da moral e da ordem social De certa maneira
jaacute antecipava algo que seria abordado na Reforma Leocircncio de Carvalho em 1879
(BRASIL 1879) Anteriormente a essa Reforma vigoravam no paiacutes as
regulamentaccedilotildees da Reforma Couto Ferraz (BRASIL 1854) que determinava entre
outras coisas a obrigatoriedade escolar o serviccedilo de inspeccedilatildeo escolar o dever do
estado de assistir os alunos pobres e um curriacuteculo escolar pautado na moralidade e
religiosidade compreendendo na instruccedilatildeo primaacuteria principalmente o ensino de
instruccedilatildeo moral e religiosa a leitura e a escrita as noccedilotildees essenciais de gramaacutetica
os princiacutepios elementares de aritmeacutetica o sistema de pesos e medidas dos
municiacutepios
Como visto no campo dos meacutetodos de ensino em Goiaacutes no seacuteculo XIX apesar
das iniciativas para implementaccedilatildeo do meacutetodo muacutetuo ndash tambeacutem conhecido como
120
lancasteriano ou monitorial ndash do meacutetodo Castilho e do meacutetodo simultacircneo as escolas
na proviacutencia mantinham a organizaccedilatildeo didaacutetica pelo meacutetodo individual (ARAUacuteJO E
SILVA 1975) Essa constataccedilatildeo fez parte dos discursos dos Presidentes que a partir
dos relatoacuterios dos Inspetores Gerais de Instruccedilatildeo Puacuteblica afirmavam que os
professores natildeo experimentavam outras possibilidades para ensinar devido a
diferentes fatores dentre eles como destacamos a carecircncia de Tratados de Ensino
para divulgaccedilatildeo de outros conhecimentos diferentes dos que jaacute circulavam na
proviacutencia Por esse motivo em 1858 o Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica Felippe
Antonio Cardoso de Santa Crus e em 1862 o Presidente Joseacute Martins Pereira de
Alencastre solicitaram a compra de livros para serem distribuiacutedos aos professores
conforme os documentos atestam
[] Inclui no pedido 20 exemplares do melhor tratado sobre os diversos methodos de ensino com especialidade sobre o simultaneo para serem fornecidos aos professores que pela maior parte naotilde tem meios de adrsquoquiri[] 20 Exemplares do melhor tratado de ensino sobre o methodo simultaneo 2 exemplares dos compendios de Arithmetica adoptados para uso das escolas primarias do Rio de Janeiro 2 ditos de todos os outros compendios e livros adoptados nas mesmas escolas Secretaria da Inspectoria Geral da Instrucccedilaotilde Publica da Provincia de Goyaz 5 de abril de 1858 ndash A sua Excia a Ilmordm e Exmo Serntilde D Francisco Jannuario da Gama Cerqueira muito digno Presidente drsquoesta provincia O Inspector Geral da Instrucccedilaotilde publica Felippe Antonio Cardoso Crus (CRUS 18 de abril de 1858 p 5-6 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 397 grifos nossos)
Tendo visitado varias escolas observei que o melhorado individual era o unico nrsquoellas conhecido methodo este que os professores exercem como poacutedem e o tempo lhes permitte Sendo a applicaccedilatildeo deste methodo uma das causas maiores do atraso da instrucccedilatildeo procurei remedia-la mandando publicar o manual do ensino simultaneo adoptado na escola normal da Bahia e o fiz espalhar pelos professores recommendando muito expressamente e ateacute onde fosse possivel sua execussatildeo V Exordf sabe que toda a sciencia da escola tem por baze a methodica e a pedagogia (ALENCASTRE Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1862 p 63 grifos nossos)
A accedilatildeo do Presidente Alencastre desse modo natildeo eacute a primeira que fez com
que se difundisse na proviacutencia um manual que distinguia os modos de organizaccedilatildeo
dos alunos para o ensino Apesar de ele ser considerado o Presidente que se
destacou com accedilotildees desse niacutevel (BARRA 2011) existiram accedilotildees antecedentes da
mesma natureza que tentaram disseminar formas diferentes das dispostas na
121
perspectiva do ensino individual para se pensar e fazer a instruccedilatildeo puacuteblica goiana
Entre os impressos mencionados nos excertos acima transcritos os que tratam do
meacutetodo simultacircneo estiveram entre os indicados comprovando a tentativa de se
difundir esse meacutetodo entre os professores goianos em sintonia com as tendecircncias de
modernidade educacional que alastravam pelo Brasil (MARCILIO 2005) Apesar de
ele ter sido oficializado no Regulamento da Instruccedilatildeo Puacuteblica de 1856 isso natildeo foi o
bastante para se garantir sua aplicaccedilatildeo nas salas de aula Outro aspecto demonstrado
nos fragmentos foi a adoccedilatildeo de impressos utilizados nas escolas da Bahia e Rio de
Janeiro na instruccedilatildeo puacuteblica da proviacutencia de Goiaacutes
O Rio de Janeiro por ser a sede do Impeacuterio portuguecircs influenciou natildeo soacute a
educaccedilatildeo goiana como a de outras proviacutencias brasileiras tornando-se modelo para
as iniciativas locais
Quanto agrave Bahia sua Escola Normal foi uma das primeiras a ser instalada no
paiacutes (aberta em 1836 e com iniacutecio das atividades em 1842) e diferente de outras
trajetoacuterias a sua natildeo sofreu supressotildees e interrupccedilotildees das aulas (ROCHA 2008) Foi
uma Escola que se manteve sendo que a formaccedilatildeo do professor do sexo masculino
foi simultacircnea agrave do sexo feminino algo incomum nas histoacuterias de muitas Escolas
Normais brasileiras Os impressos ali adotados circularam em vaacuterios locais do paiacutes
com destaque para dois Manuais franceses sobre os meacutetodos de ensino muacutetuo e
simultacircneo traduzidos por dois professores da Escola Normal da Bahia160 (ROCHA
2008 ARAUacuteJO SILVA 2013) Outro fator que provocou sua influecircncia em Goiaacutes pode
ser explicado ateacute mesmo por uma questatildeo geograacutefica de proximidade e de
mobilidade devido agraves estradas que existiam entre essas proviacutencias161 Haacute que se
destacar tambeacutem que na Bahia ateacute 1763 estava localizada a primeira capital do paiacutes
que nesse ano foi transferida para o Rio de Janeiro fato que tambeacutem pode explicar
sua influecircncia em alguns setores da administraccedilatildeo puacuteblica goiana
160 Trata-se do Manual das Escolas Elementares DrsquoEnsino Mutuo escrito por M Sarazin e o Manual Completo do Ensino Simultacircneo assinado pelos professores da Escola Normal de Paris Ambas as obras foram traduzidas nos anos de 1850 pelo professor da Escola Normal da Bahia Joatildeo Alves Portella (Cf ARAUacuteJO SILVA 2013 ARRIADA TAMBARA 2012) Eacute bem provaacutevel que o Manual de Ensino Simultacircneo solicitado pelo Presidente Alencastre (1862) seja este citado anteriormente 161 Sobre isso cf o estudo de Lemes (2012) que destaca as relaccedilotildees comerciais entre Bahia e Goiaacutes desde o periacuteodo colonial e dada a extensatildeo territorial de Goiaacutes havia diferentes acessos geograacuteficos entre essas localidades
122
As legislaccedilotildees aprovadas no acircmbito do Municiacutepio da Corte como jaacute afirmamos
interferiam diretamente na organizaccedilatildeo das leis na proviacutencia goiana A Reforma Couto
Ferraz (BRASIL 1854) organizava o ensino em escolas de primeiro e segundo graus
disseminando no paiacutes o ensino simultacircneo Ainda sob sua forte influecircncia em Goiaacutes
foi aprovada a Lei nordm 414 de 9 de novembro de 1868 sancionada pelo Presidente
Ernesto Augusto Pereira em 1869 conhecida como Regulamento da Instruccedilatildeo Puacuteblica
e Particular da Proviacutencia de Goiaacutes de 1869 (GOIAacuteS 1869) Esse Regulamento eacute
menos minucioso que o anterior promulgado em 1856 (GOIAacuteS 1856) Bretas (1991)
aponta que natildeo havia diferenccedilas substancias entre ambos todavia ao compararmos
a forma como tratam o uso do livro nas praacuteticas escolares notamos que a lei de 1869
destacou com maior ecircnfase o emprego dos compecircndios em sala de aula conforme
detalharemos adiante
O Regulamento de 1869 conteacutem 65 artigos distribuiacutedos em capiacutetulos que tratam
de estrutura da educaccedilatildeo na proviacutencia competecircncias do Inspetor Geral Inspetores
Paroquiais condiccedilotildees para o magisteacuterio puacuteblico e particular regime de funcionamento
das escolas puacuteblicas e posteriormente das escolas particulares exames para se
candidatar ao magisteacuterio jubilaccedilatildeo (ou aposentadoria) dos professores penas a eles
aplicadas em funccedilatildeo de maacute conduta por fim disposiccedilotildees gerais acerca do
regulamento
A estrutura assemelha-se em alguns aspectos ao Regulamento anterior o de
1856 visto que haacute em todos os capiacutetulos uma centralidade na figura do docente
arquitetando sua carreira por meio de criteacuterios e uma constante inspeccedilatildeo dos seus
atos dos seus deveres dentro e fora das escolas Os princiacutepios de moralidade e de
religiosidade definiam o perfil de um professor na proviacutencia de modo que o Paacuteroco da
localidade onde os mestres pleiteassem o magisteacuterio deveria atestar que eles
professavam a religiatildeo do Estado tendo ldquocostumes morigeradosrdquo (GOIAacuteS 1869 art
10ordm) A Igreja portanto desempenhava um papel primordial na escolha dos
professores que se candidatavam agraves escolas da localidade Tal como Gondra e
Schueler (2008) apontam praticamente em todo o territoacuterio brasileiro no periacuteodo
imperial ela natildeo apenas influenciava na formaccedilatildeo de professores ldquocomo tambeacutem
detinha o monopoacutelio da concessatildeo da licenccedila para ensinar mantendo o controle sobre
os professores religiosos e leigosrdquo (GONDRA SCHUELER 2008 p 157)
As relaccedilotildees entre Igreja e Educaccedilatildeo eram tatildeo estreitas nesse periacuteodo que
temos exemplos notaacuteveis demonstrando a influecircncia da primeira instituiccedilatildeo na
123
segunda legitimando ritos e costumes religiosos dentro do modelo organizacional da
instruccedilatildeo primaacuteria goiana Um dos casos que podemos citar eacute a autorizaccedilatildeo de
afastamento de professores para cumprirem votos aos Santos algo comum no
periacuteodo conforme constatamos nas fontes encontradas (GOIAacuteS 1858-1868 AHEG
Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 397) Neste mesmo livro haacute
registros que revelam outra situaccedilatildeo comum o costume de os professores levarem
as crianccedilas agrave Igreja durante o periacuteodo de aula para assistirem a ritos catoacutelicos
Haacute tambeacutem diferentes livros na seccedilatildeo de Documentos Manuscritos
Datilografados e Impressos do Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes que demonstram
a presenccedila dos Padres nas salas de aula assumindo a docecircncia eou o papel de
Inspetor Paroquial assim como outros documentos em que constam notificaccedilotildees que
eles faziam ao Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica goiana sobre as trocas que
promoviam dos professores de seus vilarejos162 Ou seja a Igreja tinha poder sobre a
escola de primeiras letras nos rincotildees da proviacutencia elegendo os docentes indicados
ao magisteacuterio e ao mesmo tempo mantendo aqueles que seguiam as normativas
religiosas catoacutelicas capazes de transitar entre a Doutrina Cristatilde e os conteuacutedos
previstos na regulamentaccedilatildeo educacional vigente
Sobre isso haacute que se acrescentar que especialmente para as mulheres havia
algumas exigecircncias que demonstravam como a sociedade goiana estava organizada
aos moldes patriarcais
Art 11 ndash As senhoras que pretenderem exercer o magisterio publico apresentaratildeo se forem casadas certidatildeo de seo casamento e authorisaccedilatildeo do marido pordf leccionarem se forem viuvas certidatildeo de obito de seo marido se separada judicialmente a certidatildeo de sentenccedila de divorcio que prove natildeo terem dado causa a elle digo ao divorcio sect 1ordm As senhoras solteiras que residirem soacutes natildeo poderatildeo ser nomeadas professoras publicas sem que tenhatildeo 25 annos se porem morarem com seos paes ou tutores seraacute bastante a idade de 21 sect 2ordm Quando alguma senhora viver separada de seo marido sem q~ tenha havido sentenccedila de divorcio deveraacute justificar natildeo ter dado causa a separaccedilatildeo sect 3ordm As senhoras devem instruir os seos requerimentos com os mesmos documentos de que trata o art 10 exceptuando-se quanto a maioridade das senhoras casadas as quaes poderatildeo ser nomeadas desde que completem 18 annos (GOIAacuteS 1869 art 11)
162 Cf GOIAacuteS 1858-1868 nordm 397 GOIAacuteS 1858-1873 nordm 402 GOIAacuteS 1862-1871 nordm 436 GOIAacuteS 1871-1879 nordm 529 GOIAacuteS 1873-1877 nordm 575 Todas essas fontes satildeo advindas do Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes na seccedilatildeo de Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa
124
Diferente das legislaccedilotildees jaacute tratadas nesta seccedilatildeo nesse excerto haacute menccedilatildeo
expliacutecita sobre os criteacuterios para a mulher assumir a docecircncia Afinal se esse
Regulamento de 1869 admitiu a educaccedilatildeo de ambos os sexos em escolas mistas
estabelecendo de forma tiacutemida a coeducaccedilatildeo ateacute os 8 anos de idade (GOIAacuteS 1869
art 27) era necessaacuterio inaugurar uma discussatildeo sobre o espaccedilo das mulheres na
carreira docente Vale lembrar que na proviacutencia ldquoabriu-se um campo de trabalho
remunerado e oficial para as mulheres a partir de 1827 pelo fato de que a instruccedilatildeo
puacuteblica das meninas deveria ser ministrada por mulheresrdquo (PRUDENTE 2011 p 63)
Como quesito para aceitaccedilatildeo das mulheres no magisteacuterio o Regulamento de
1856 (GOIAacuteS 1856) jaacute previa uma avaliaccedilatildeo dos trabalhos com agulha no momento
da admissatildeo Nas escolas femininas a partir de 1869 tornou-se uma exigecircncia que
nos exames finais as alunas fossem avaliadas por uma senhora que daria o seu juiacutezo
sobre o desempenho delas com a agulha (GOIAacuteS 1869 art 30)
Tal exigecircncia estava interligada agrave proposta de que os Trabalhos Manuais eram
uma disciplina do curriacuteculo escolar nas aulas para as meninas A todos meninos e
meninas ensinava-se Leitura e Escrita Gramaacutetica Portuguesa Doutrina Cristatilde
Aritmeacutetica
Em linhas gerais os conteuacutedos continuavam os mesmos nos dois
Regulamentos Poreacutem se olharmos para o modo como a disciplina Gramaacutetica foi
intitulada na Lei de 1856 veremos que em relaccedilatildeo agrave de 1869 houve uma
transformaccedilatildeo Na primeira ela era nomeada de Gramaacutetica da Liacutengua Nacional
enquanto na segunda Gramaacutetica Portuguesa Natildeo se trata pois somente de uma
troca lexical houve uma concepccedilatildeo estruturante subjacente marcada pela influecircncia
do modelo do ensino lusitano e de seu mercado livresco no Brasil
Naquele momento havia uma tendecircncia que se alastrava na educaccedilatildeo do paiacutes
e supervalorizava as liacutenguas estrangeiras como o Latim o Grego o Francecircs e o
Inglecircs Aleacutem disso cresciam no Impeacuterio os estudos indigenistas com a valorizaccedilatildeo
do iacutendio na literatura e de sua liacutengua como genuinamente brasileira (ORLANDI
GUIMARAtildeES 2002) Como exemplificaccedilatildeo disso podemos mencionar a publicaccedilatildeo
do Diccionario da Lingua Tupy chamada Lingua Geral dos Indigenas do Brazil por
Gonccedilalves Dias em 1858 (DIAS 1858) Esse autor tambeacutem foi representante da fase
do Indianismo uma tendecircncia literaacuteria no Romantismo no Brasil marcada pela
mitificaccedilatildeo do iacutendio como heroacutei nacional Nesse periacuteodo destacam-se Joseacute de
Alencar que publicou O Guarani (1857) Iracema (1865) e Ubirajara (1874) e
125
Gonccedilalves de Magalhatildees que lanccedilou A Confederaccedilatildeo de Tamoios (1857) e Os
Indiacutegenas do Brasil perante a Histoacuteria (1860) Todas essas obras evocam um espiacuterito
nacionalista e ufanista legitimando a liacutengua e os costumes indiacutegenas como a essecircncia
do ser brasileiro
Esse panorama leva-nos a conjecturar que a proviacutencia goiana acompanhava
outra tendecircncia nacional do periacuteodo ndash na contramareacute do que foi exposto anteriormente
ndash que privilegiava o ensino da Liacutengua Portuguesa e de sua gramaacutetica em relaccedilatildeo a
qualquer outra liacutengua por conseguinte a mudanccedila ocorrida na nomeaccedilatildeo do tipo de
Gramaacutetica a ser ensinada nas escolas de primeiras letras entre um regulamento e
outro em Goiaacutes natildeo foi ocasional mas ideoloacutegica e em sintonia com os preceitos da
coroa portuguesa que tambeacutem tentava manter sua hegemonia devido agraves
instabilidades no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico do paiacutes na segunda metade do seacuteculo
XIX (GONDRA SCHUELER 2008 ROCHA 2004)
Ainda sobre o curriacuteculo no Regulamento da Instruccedilatildeo Puacuteblica e Particular da
Proviacutencia de Goiaacutes de 1869 a organizaccedilatildeo das aulas se daria conforme os preceitos
do meacutetodo de ensino simultacircneo sendo que o professor candidato ao magisteacuterio
deveria demonstrar ldquoconhecimentos completosrdquo sobre os meacutetodos de ensino como um
todo (GOIAacuteS 1869 art 43) Diferente do Regulamento anterior o meacutetodo simultacircneo
eacute declaradamente recomendado e oficializado em Goiaacutes natildeo ficando mais a cargo do
Inspetor da Instruccedilatildeo Puacuteblica a indicaccedilatildeo daquele a ser trabalhado nas escolas
Poreacutem a oficializaccedilatildeo do meacutetodo natildeo garantia efetivamente a sua praacutetica no
cotidiano da sala de aula O Cocircnego Joaquim Vicente de Azevedo Inspetor Geral da
Instruccedilatildeo Puacuteblica menciona no Relatoacuterio dirigido ao Presidente Ernesto Augusto
Pereira em 30 de abril de 1869 que nas observaccedilotildees feitas durante as visitas agraves
escolas da proviacutencia ele natildeo via melhorias no ensino pelo meacutetodo simultacircneo jaacute que
[] natildeo eacute possivel que o professor com o adjunto possa conseguir o progresso dos discipulos ainda adoptando-se o methodo do ensino simultano parece-me pois conveniente para o progresso do ensino e commodidade dos alunnos a creaccedilatildeo de uma segunda aula que funcione em lugar mais proacuteximo aos habitantes dos bairros [] (AZEVEDO 30 de abril de 1869 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 491)
No fragmento tambeacutem haacute menccedilatildeo agrave figura do professor adjunto Esse cargo
estava previsto desde o Regulamento anterior (GOIAacuteS 1856) para as escolas em que
devido ao grande nuacutemero de alunos o professor natildeo conseguisse cumprir com os
126
seus deveres Seria entatildeo contratado um Adjunto para auxiliaacute-lo ou para lecionar em
outra escola Azevedo (30 de abril de 1869) aponta que era preferiacutevel a abertura de
uma segunda aula em lugar proacuteximo aos habitantes demandando novo espaccedilo e
objetos o que provocava muitas vezes a precarizaccedilatildeo das turmas mantidas pelos
professores adjuntos Nos livros de registros de correspondecircncias da Inspetoria Geral
da Instruccedilatildeo Puacuteblica encontrados no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes163 haacute vaacuterias
notificaccedilotildees informando que as classes mantidas pelos Adjuntos na proviacutencia natildeo
contavam com condiccedilotildees estruturais baacutesicas natildeo havia material para uso dos alunos
faltando-lhes ateacute mesmo mesas e bancos para se acomodarem o que levava os
professores a improvisarem espaccedilos e objetos alternativos
O Presidente Ernesto Augusto Pereira no Relatoacuterio de 1869 cita que a
situaccedilatildeo da instruccedilatildeo puacuteblica em Goiaacutes era ldquopeacutessimardquo alegando para isso diferentes
motivos
A falta de professores habilitados o nenhum zelo da maior parte daqueles que regem as escolas os mesquinhos ordenados pagos pela provincia o pouco interesse da parte dos pais que em grande numero quase analphabetos contentatildeo-se tenhatildeo os filhos a educaccedilatildeo que elles receberatildeo a dificuldade em fazer vir livros e objectos necessarios para as escolas satildeo a meu ver as causas do atraso completo da instrucccedilatildeo (PEREIRA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1869 p 24)
Dentre as causas apontadas por Pereira (1869) para o lastimaacutevel estado da
educaccedilatildeo na proviacutencia evidencia-se a falta de livros e objetos necessaacuterios para a
conduccedilatildeo das aulas No Regulamento goiano de Ensino de 1856 o artigo 100
dispunha que o Presidente da Proviacutencia abonaria anualmente a cada professor uma
quantia para compra de materiais como papel penas tintas laacutepis e compecircndios para
os meninos pobres Jaacute no Regulamento de 1869 esse artigo foi suprimido constando
apenas no artigo 61 a obrigaccedilatildeo dos cofres provinciais de adquirir livros para os
alunos de pais indigentes No que concerne ao auxiacutelio enviado aos professores para
a compra de materiais escolares conforme os documentos apontam sua manutenccedilatildeo
foi irregular e em muitas ocasiotildees foi suprimido pelos Presidentes para garantia de
abertura de escolas e pagamento do salaacuterio dos professores dentre outras accedilotildees
justificadas nos discursos proferidos nas Assembleias Legislativas Ao ser mantida no
163 Cf GOIAacuteS 1868-1871 nordm 491 1873-1877 nordm 575 1874-1876 nordm 602 Todas essas fontes satildeo advindas do Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes na seccedilatildeo de Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa
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Regulamento de 1869 a obrigaccedilatildeo do governo provincial de enviar os livros apenas
aos alunos pobres esse objeto da cultura escrita ganhou destaque nas praacuteticas
escolares da proviacutencia sendo artefato essencial na organizaccedilatildeo da escola pelo
meacutetodo simultacircneo Nesse sentido segundo Munakata (2009) o livro escolar foi um
dos dispositivos essenciais de propagaccedilatildeo da cultura impressa no Impeacuterio e um dos
recursos para o desenvolvimento do ensino simultacircneo no Brasil pois por meio dele
diferentes saberes pedagoacutegicos projetaram e organizaram as praacuteticas curriculares na
escola
Os livros escolares tambeacutem satildeo mencionados no Regulamento de Ensino
goiano de 1869 em mais trecircs passagens O artigo 6ordm menciona a obrigaccedilatildeo dos
Inspetores Paroquiais de verificar nas visitas agraves escolas de quais livros estatildeo
munidas e qual o seu estado de conservaccedilatildeo nesse mesmo artigo ainda haacute o inciso
7ordm que faz referecircncia ao livro como parte do patrimocircnio a ser inventariado sempre que
ocorresse troca de professores Os artigos 27 e 51 tratam do regime de funcionamento
das escolas puacuteblicas e particulares proibindo o uso de livros de conteuacutedo imoral
antirreligioso ou contraacuterio ao regime governamental estabelecendo inclusive a pena
de fechar as escolas particulares que consentissem com tal praacutetica
Tudo isso demonstra a influecircncia sobre a instruccedilatildeo primaacuteria das correntes
poliacuteticas e ideoloacutegicas vigentes no periacuteodo A escola por conseguinte estava
condicionada ao modo como a Igreja e o Governo concebiam o cidadatildeo goiano
projetando nela funccedilatildeo de educaacute-lo e civilizaacute-lo dentro da doutrina religiosa catoacutelica e
dos princiacutepios poliacuteticos da Monarquia
A partir de 1870 com toda a ecircnfase dada ao livro no Regulamento de Ensino
goiano de 1869 as listas de expediente escolar identificadas no Arquivo Histoacuterico
Estadual de Goiaacutes em comparaccedilatildeo agraves das deacutecadas anteriores predominantemente
comeccedilaram a solicitar nuacutemeros expressivos de compecircndios que passavam a ser
considerados materiais indispensaacuteveis para a manutenccedilatildeo das escolas164 Por esse
motivo esse Regulamento foi um divisor de aacuteguas na histoacuteria da educaccedilatildeo e da
alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes jaacute que ao evidenciar o livro como objeto patrimonial da escola
e indispensaacutevel para a conduccedilatildeo das praacuteticas em sala de aula tambeacutem cerceou seu
uso e definiu que os modos de ensinar estariam intimamente ligados aos ideaacuterios
contidos nesses impressos Segundo Lajolo (1996) os livros especialmente do
164 Esses aspectos satildeo abordados na seccedilatildeo 3 desta Tese
128
periacuteodo imperial brasileiro em diante adquiriram tamanha importacircncia que acabam
ldquodeterminando conteuacutedos e condicionando estrateacutegias de ensino marcando pois de
forma decisiva o que se ensina e como se ensina o que se ensinardquo (LAJOLO 1996
p 4)
Em 1864 o governo da proviacutencia criou o Gabinete Literaacuterio Goiano de acordo
com Barra (2008) a primeira biblioteca puacuteblica em Goiaacutes cujos usuaacuterios
exclusivamente homens eram ligados agrave elite goiana dentre eles meacutedicos
magistrados poliacuteticos O Gabinete desde a metade da deacutecada de 60 do seacuteculo XIX
auxiliou na propagaccedilatildeo da ideia de que o livro era depositaacuterio de uma mentalidade
ilustrada e que ao difundi-lo tambeacutem se contribuiria para a formaccedilatildeo de uma
identidade regional ldquoletradardquo dentro dos padrotildees da cultura europeia (BARRA 2011)
Em diferentes estudos realizados por Barra (BARRA 2008 SOUZA BARRA
2008 BARRA FABIANO 2010) a respeito do Gabinete Goiano descobrimos que a
partir de 1871 ocorreram mudanccedilas substanciais nessa instituiccedilatildeo que implicavam
entre outras coisas a admissatildeo de mulheres como soacutecias e leitoras do acervo da
biblioteca incluindo professoras Os Gabinetes de Leitura como aponta Veiga (2001)
foram espaccedilos culturais vistos no Brasil pela primeira vez no Rio de Janeiro em
meados do seacuteculo XIX tendo sido importantes para o desenvolvimento de uma
sociedade que elitizava a leitura e o livro tratando-os respectivamente como
atividade e objeto que diferenciavam socialmente um grupo de outro
Barra e Fabiano (2010) destacam que a imprensa local goiana na segunda
metade do seacuteculo XIX divulgou a instruccedilatildeo como elemento para a construccedilatildeo de uma
naccedilatildeo evidenciando desse modo o livro e a leitura como ldquoremeacutediosrdquo contra a
barbaacuterie
Natildeo se pode negar que todo esse ideaacuterio adentrou o ambiente educacional
influenciando as praacuteticas escolares que destacaram a funccedilatildeo do livro para a
organizaccedilatildeo didaacutetica das aulas Conforme Choppin (2004) advoga o livro eacute um
referencial instrumental ideoloacutegico ou cultural sendo depositaacuterio de conhecimento
vetor da liacutengua da cultura e dos valores de uma eacutepoca O livro escolar ldquoeacute produto de
uma eacutepoca e como tal revela o que essa eacutepoca delegou agrave escola em seu projeto de
naccedilatildeo A escola por sua vez cria mecanismos proacuteprios para usar o livro didaacuteticordquo
(BERTOLETTI SILVA 2016 p 379)
Ainda no regime de Impeacuterio outras leis educacionais que neste trabalho
consideramos para compreender o cenaacuterio da instruccedilatildeo primaacuteria na proviacutencia foram
129
aprovadas o Regulamento de Instruccedilatildeo Puacuteblica de 1884 lei nordm 3397 ato de 9 de
abril de 1884 (GOIAacuteS 1884) o Regulamento da Instruccedilatildeo Puacuteblica de 1886 ato de 2
de abril de 1886 (GOIAacuteS 1886a) o Regulamento para serviccedilo da catequese na
proviacutencia de Goiaacutes de 1886 ato nordm 3856 de 18 de janeiro de 1886 (GOIAacuteS 1886b)
o Regulamento para Instruccedilatildeo Primaacuteria da proviacutencia de Goiaacutes de 1887 lei nordm 4148
ato de 11 de fevereiro de 1887 (GOIAacuteS 1887)
O Regulamento de 1884 criou o fundo escolar para aquisiccedilatildeo de objetos de
escrita responsaacutevel a partir de entatildeo por fornecer os livros e utensiacutelios para que os
alunos pobres frequentassem as aulas Tira portanto da esfera do governo provincial
a responsabilidade por tal questatildeo diferentemente do Regulamento de 1869 que o
antecedeu Sob forte influecircncia da Reforma Leocircncio de Carvalho (BRASIL 1879) que
reformou o ensino primaacuterio e secundaacuterio no Municiacutepio da Corte e o ensino superior
em todo Impeacuterio no Regulamento goiano de 1884 natildeo eacute especificado um meacutetodo
oficial de ensino deixando a cargo do professor a escolha de sua adoccedilatildeo Uma vez
ao ano como trata o paraacutegrafo 14 do artigo 2ordm do Regulamento os professores
primaacuterios e secundaacuterios exporiam ao Inspetor Geral de Ensino os meacutetodos de ensino
por eles adotados apresentando a frequecircncia e aproveitamento dos alunos Tal como
na Reforma Leocircncio de Carvalho em Goiaacutes foram implantados os conselhos oacutergatildeos
de direccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo da instruccedilatildeo puacuteblica que atuavam ao lado das figuras do
Inspetor Geral e do Inspetor Paroquial de Ensino Na capital da proviacutencia foi instalado
o conselho diretor formado por professores da Escola Normal e nas paroacutequias os
conselhos paroquiais cujos membros eram cidadatildeos daquela localidade nomeados
pelo Presidente da Proviacutencia
Em 1886 Guilherme Francisco Cruz estava na presidecircncia da proviacutencia e
mesmo apresentando na Assembleia Legislativa um discurso que denunciava a falta
de uniformidade do ensino em Goiaacutes como fator que atrapalhava o desenvolvimento
educacional na proviacutencia (CRUZ 1886) sancionou o Regulamento da instruccedilatildeo
puacuteblica de 1886 sem especificar o meacutetodo de ensino que deveria ser adotado nas
escolas Essa lei mudou a organizaccedilatildeo da instruccedilatildeo puacuteblica primaacuteria nomeando as
escolas de acordo com o nuacutemero de alunos e localidade165 De acordo com esse
165 De acordo com o Regulamento de 1886 (GOIAacuteS 1886a) as escolas eram classificadas como efetivas se frequentadas por mais de 20 alunos e as elementares frequentadas por mais de 10 alunos e menos de 20 (art 1ordm) As efetivas eram divididas em trecircs entracircncias as de primeira entracircncia eram as escolas criadas nas vilas paroacutequias e arraiais as de segunda entracircncia as criadas na cidade as de terceira entracircncia as criadas na capital
130
Regulamento os livros e demais materiais de expediente escolar deveriam ser
fornecidos pelo governo provincial sob a responsabilidade da Inspeccedilatildeo Geral de
Ensino mediante os pedidos dos professores que se reportavam aos Delegados
Literaacuterios Logo se depreende que os livros e meacutetodos de ensino eram escolhidos
pelos professores Diferente do Regulamento anterior o de 1886 esse estabeleceu
que a fiscalizaccedilatildeo do ensino estava sob a direccedilatildeo de um Inspetor Geral de um
Conselho Diretor e de Delegados Literaacuterios em cada localidade
Esse mesmo presidente legislou na proviacutencia sobre o serviccedilo de educaccedilatildeo dos
indiacutegenas por meio do Regulamento para catequese na proviacutencia de Goiaacutes de 1886
sancionado pelo ato nordm 3856 de 18 de janeiro de 1886 (GOIAacuteS 1886b) Sob a
justificativa da uniformizaccedilatildeo desse ofiacutecio o Presidente Cruz estabeleceu que em
cada aldeamento indiacutegena houvesse um missionaacuterio que ensinaria leitura escrita as
quatro operaccedilotildees aritmeacuteticas e catecismo da religiatildeo catoacutelica aleacutem do trabalho de
agulha para ldquoas iacutendiasrdquo
Dessa maneira a uniformizaccedilatildeo do ensino como entendida nesse momento
da histoacuteria da educaccedilatildeo em Goiaacutes se projetou mais na macroestrutura da escola
pensada em seus aspectos da organizaccedilatildeo e administraccedilatildeo do que propriamente na
esfera das praacuteticas dos conteuacutedos e dos modos como esses eram ensinados
(ABREU 2006 BARRA 2011)
Ainda no regime imperial a uacuteltima lei goiana sobre a instruccedilatildeo primaacuteria foi
sancionada pelo Regulamento para Instruccedilatildeo Primaacuteria da proviacutencia de Goiaacutes de 1887
lei nordm 4148 ato de 11 de fevereiro de 1887 (GOIAacuteS 1887)
Na pesquisa realizada por Abreu Gonccedilalves Neto e Carvalho (2015) mediante
a anaacutelise documental dos jornais da deacutecada de 1880 eacute revelado que esses dois
uacuteltimos regulamentos (GOIAacuteS 1886a 1887) foram motivo de disputa no campo
poliacutetico entre os Presidentes do periacuteodo Os autores explicam que o Presidente Luiz
Silveacuterio Alves da Cruz que governou a proviacutencia entre 1886-1887 ao tomar posse
revogou o Regulamento que estava em vigor (GOIAacuteS 1886a) restabelecendo o
regulamento de 1884 Por pressatildeo da Assembleia Legislativa aprovou novo
Regulamento em 1887 (GOIAacuteS 1887) Entretanto quando o 2ordm Vice-presidente
Brigadeiro Feliciacutessimo do Espiacuterito Santo ldquoassumiu a presidecircncia provisoriamenterdquo em
1887 ldquodeclarou sem efeito o Regulamento de 1887 e recolocou em vigor o
Regulamento de 1886 E Fulgecircncio Firmino Simotildees (1887-1888) ao assumir a
131
presidecircncia da proviacutencia em 20 de outubro de 1887 manteve o ato de 9 de setembro
[Regulamento de 1887]rdquo (ABREU GONCcedilALVES NETO CARVALHO 2015 p 274)
Abreu Gonccedilalves Neto e Carvalho (2015) elucidam que durante seu governo
o Presidente Fulgecircncio restaurou o Regulamento de 1886 justificando perante a
Assembleia Legislativa (SIMOtildeES 1888) que a proviacutencia natildeo tinha condiccedilotildees
financeiras de adotar os dispositivos do Regulamento de 1887 pois traziam impacto
aos cofres devido agrave melhoria dos vencimentos dos professores e tambeacutem ao
dispositivo que previa o pagamento mesmo que pela metade aos mestres das
escolas extintas Esse Regulamento em seu capiacutetulo 6ordm classificava as escolas em
primeira segunda e terceira classes categorizando como de primeira classe todas as
escolas da capital e de todas as cidades da proviacutencia aumentando em consequecircncia
os gastos para manutenccedilatildeo da instruccedilatildeo puacuteblica que estava condicionada agrave
classificaccedilatildeo das escolas (BRETAS 1991) Em face de todas essas dificuldades
Fulgecircncio Simotildees publicou o Ato de 7 de janeiro de 1888 (GOIAacuteS 1888) modificando
substancialmente alguns aspectos do expediente escolar e de funcionamento da
escola goiana minimizando as despesas relativas agrave instruccedilatildeo (ABREU GONCcedilALVES
NETO CARVALHO 2015)
Como vimos a uacuteltima lei educacional que teve efeito em Goiaacutes166 no periacuteodo
imperial foi o Regulamento da Instruccedilatildeo Puacuteblica de 1886 ato de 2 de abril de 1886
(GOIAacuteS 1886a) que marca inclusive a dataccedilatildeo do fechamento do recorte temporal
dessa pesquisa
Com relaccedilatildeo ao curriacuteculo escolar os uacuteltimos regulamentos promulgados em
Goiaacutes legislaram acerca dessa questatildeo estabelecendo
Art 22deg Nas do 1deg graacuteo seratildeo ensinadas as seguintes materias Instrucccedilatildeo moral e religiosa leitura e escripta Arithmetica operaccedilotildees sobre numeros inteiros fraccionarios decimaes e o systema legal de pezos e medidas Noccedilotildees de grammatica Nas escolas do 2deg graacuteo se ensinaraacute mais Arithmetica ateacute a regra de tres simples Noccedilotildees de geographia e historia do Brazil (GOIAacuteS 1884 art 22)
Art 9 ndash Nas escolas publicas primarias se ensinaraacute
166 Reiteramos que tal conclusatildeo foi a partir das contribuiccedilotildees da pesquisa de Abreu Gonccedilalves Neto e Carvalho (2015)
132
sect 1deg ndash Nas elementares a ler e escrever a lingua portugueza taboada pratica das 4 operaccedilotildees sobre numeros inteiros catechismo e pezos e medidas metricas sect 2deg ndash Nas de 1deg entrancia a ler e escrever a lingua portugueza taboada as 4 operaccedilotildees sobre numeros inteiros decimais fraccionarios e complexos regra de trez e juros simples catechismo e systema metrico sect 3deg ndash Nas de 2ordf entrancia a grammatica leitura e escripta da lingua portugueza taboada as 4 operaccedilotildees sobre numeros inteiros decimais fraccionarios catechismo e o systema metrico sect 4deg ndash Nas de 3ordf entrancia grammatica leitura escripta e composiccedilatildeo da lingua portugueza catechismo e Historia Biblica arithmetica e metrologia chorographia e historia do Brazil sect 5deg ndash Nas escolas do sexo femenino regularaacute o art antecedente e mais os trabalhos de agulha (GOIAacuteS 1886a art 9ordm)
Analisando ambas as legislaccedilotildees basicamente notamos que a segunda em
relaccedilatildeo agrave primeira detalha melhor os conteuacutedos de Aritmeacutetica mantendo leitura
escrita gramaacutetica e a instruccedilatildeo moral e religiosa O Regulamento de 1886 especifica
o que seraacute ensinado de acordo com a classificaccedilatildeo das escolas Essa classificaccedilatildeo
como vimos estava subordinada agrave localidade das escolas de modo que nas de 3ordf
entracircncia localizadas na capital os estudantes tinham acesso a mais conteuacutedo do
que os das escolas dos vilarejos
Interessante atentar para a presenccedila do Catecismo retomado como conteuacutedo
curricular ele havia sido mencionado pela uacuteltima vez no Regulamento de ensino
goiano de 1856 (GOIAacuteS 1856) A Igreja firmava mais uma vez sua presenccedila e
permanecircncia na escola goiana jaacute que se mantinha no territoacuterio brasileiro como uma
das principais aliadas ao Trono defendendo o regime imperial (AZZI 1992)
O Regulamento de Ensino goiano de 1886 ficou em vigor ateacute 1893 (ABREU
GONCcedilALVES NETO CARVALHO 2015) quando foram aprovados a Reforma da
Instruccedilatildeo Puacuteblica de 1893 (GOIAacuteS 1893a) e o Regulamento da Instruccedilatildeo Primaacuteria do
estado de Goiaacutes de 1893 instituiacutedo sob o Decreto nordm 26 de 23 de dezembro de 1893
(GOIAacuteS 1893b) nos quais a laicidade da instruccedilatildeo puacuteblica eacute mencionada com a
declaraccedilatildeo de um ensino gratuito leigo e uniforme Por esse motivo mesmo apoacutes a
proclamaccedilatildeo da repuacuteblica houve em Goiaacutes nos primeiros anos do regime
republicano a permanecircncia do ensino das Cartilhas de Doutrina Cristatilde e Catecismos
nas escolas do estado conforme a legislaccedilatildeo previa167 Isso se deve principalmente
167 Na pesquisa realizada no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes observamos por meio das listas de expediente escolar identificadas apoacutes a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica que houve a
133
ao fato de a Constituiccedilatildeo Goiana de 1891 natildeo ter feito alusatildeo ao caraacuteter laico do
estado e natildeo ratificar a deslegitimaccedilatildeo do catolicismo como religiatildeo oficial do estado
aos moldes da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1891 que estabeleceu que nenhum culto ou
igreja gozaria de subvenccedilatildeo oficial nem manteria relaccedilotildees de dependecircncia ou alianccedila
com a Uniatildeo ou com os estados (BRASIL 1891 art 72 sect 7ordm)
A realidade educacional em Goiaacutes no fim do Impeacuterio era desastrosa conforme
Bretas (1991) relata jaacute que dos cerca de 158000 habitantes 80 eram analfabetos
Desse total de habitantes 15 a 18 estavam em idade escolar mas somente 10
deles recebiam instruccedilatildeo Os outros 90 natildeo tinham acesso agrave escola por residirem
na zona rural nos vilarejos afastados ou nas periferias das cidades (BRETAS 1991)
Toda essa situaccedilatildeo foi de certa forma um entrave para que as ideias
proclamadas com a Repuacuteblica se instaurassem na poliacutetica goiana Com a mudanccedila
no cenaacuterio brasileiro no fim do seacuteculo XIX como Nagle (2001) analisa na coexistecircncia
de dois brasis ndash um do interior e outro dos centros urbanos ndash o estado de Goiaacutes com
uma populaccedilatildeo maiormente rural e uma poliacutetica centralizadora dava passos muito
tiacutemidos para a implantaccedilatildeo do ideaacuterio republicano
A efervescecircncia durante a deacutecada de 1880 dos movimentos abolicionistas por
todo o paiacutes168 e o advento desde os anos de 1870 de partidos poliacuteticos e clubes
republicanos propagandeavam a Repuacuteblica projetando nela a utopia de um novo
Brasil (NAGLE 2001)
Palaciacuten e Moraes (1994) explicam que devido agrave estrutura socioeconocircmica e
cultural goiana as ideias dos republicanos foram disseminadas tardiamente no
estado Havia mudado o regime mas as praacuteticas governamentais continuavam as
mesmas Na educaccedilatildeo o impacto inicial foi ainda mais negativo jaacute que os diferentes
governos transitoacuterios e as crises poliacuteticas instaladas pela disputa agrave presidecircncia do
permanecircncia dos pedidos dos Catecismos No levantamento de documentos feitos pela Rede de Estudos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes na Coleccedilatildeo de Documentos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes volume 1 tambeacutem haacute vaacuterios documentos do iniacutecio da Repuacuteblica que mencionam ou o pedido ou a compra de Catecismos e livros de Doutrina Cristatilde para serem utilizados nas escolas goianas 168 Assim como em outras proviacutencias brasileiras em Goiaacutes o movimento abolicionista realizou campanhas na imprensa em defesa da libertaccedilatildeo dos escravos sobretudo na deacutecada de 1880 SantrsquoAnna (2013) analisando o abolicionismo na cidade de Goiaacutes explica que os principais jornais que disseminaram essas ideias poliacuteticas e sociais na proviacutencia foram A Tribuna Livre O Publicador Goyano e Goyaz Dentre os principais abolicionistas goianos destacam-se os Bulhotildees uma famiacutelia da oligarquia goiana Nesses jornais vaacuterios membros da famiacutelia Bulhotildees eram redatores aleacutem de fundadores ou cofundadores
134
estado fizeram com que os investimentos na instruccedilatildeo puacuteblica se tornassem cada vez
mais reduzidos
23 CONCLUSOtildeES PARCIAIS
O Ato Adicional de 1834 foi um dos marcos da histoacuteria do Brasil pois
descentralizou a tomada de decisotildees sobre diferentes setores da administraccedilatildeo
provincial No que tange agrave instruccedilatildeo primaacuteria e secundaacuteria seja no acircmbito puacuteblico ou
privado as Assembleias Legislativas Provinciais instaladas a partir de entatildeo
passaram a organizaacute-las legislando sobre elas
Em Goiaacutes o Ato Adicional provocou no campo da educaccedilatildeo a promulgaccedilatildeo da
primeira lei goiana sobre instruccedilatildeo puacuteblica a Lei nordm 13 de 23 de junho de 1835
(GOIAacuteS 1835) A instruccedilatildeo assim como outros setores da administraccedilatildeo estava na
governanccedila dos Presidentes de Proviacutencia sob a legislatura das Assembleias
Provinciais havendo daiacute em diante algumas iniciativas para abertura das escolas de
primeiras letras pelos vilarejos goianos A lei de 1835 marca a histoacuteria da educaccedilatildeo
de Goiaacutes inaugurando um discurso poliacutetico local mesmo que intermitente sobre a
instruccedilatildeo das crianccedilas na eacutegide de um projeto de sociedade goiana (ABREU 2006
BARRA 2011) Embora os Relatoacuterios de Presidentes da Proviacutencia de Goiaacutes apontem
a dificuldade de matricular e manter as crianccedilas na escola como visto no decorrer da
seccedilatildeo mas natildeo somente devido agrave resistecircncia dos pais que as colocavam para
trabalhar desde muito pequenas os discursos tambeacutem incidiam sobre a falta de
recursos para investimento e manutenccedilatildeo da instruccedilatildeo puacuteblica Ao mesmo tempo as
praacuteticas escolares mantidas nas escolas da proviacutencia eram apontadas pelos
Presidentes como fatores que prejudicavam o avanccedilo da instruccedilatildeo puacuteblica
especificamente no que concerne aos meacutetodos de ensino que se baseavam em
concepccedilotildees antigas
Como analisado a Lei de 1835 inaugurou em Goiaacutes uma discussatildeo mais
veemente sobre a instruccedilatildeo puacuteblica tornando-se nesta tese um marco inicial acerca
da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas no periacuteodo imperial jaacute que anteriormente a
1835 natildeo havia uma legislaccedilatildeo educacional especiacutefica para as escolas em Goiaacutes
Apesar de diferentes regulamentaccedilotildees de ensino aprovadas em Goiaacutes desde entatildeo
serem consideradas coacutepias de leis de outras localidades (BRETAS 1991) natildeo se
pode negar que isso foi uma decisatildeo poliacutetica e estabelece de toda maneira o modo
135
como se pensava concretizar a educaccedilatildeo constituindo possiacuteveis ideaacuterios e praacuteticas
sobre a escola goiana em diferentes periacuteodos
Durante todo o Impeacuterio a proviacutencia goiana aprovou leis que se tornaram em
alguns momentos motivo de disputas no campo poliacutetico impactando diretamente na
organizaccedilatildeo da escola e nos investimentos nela tanto no capital humano como nos
materiais para manutenccedilatildeo das aulas
A Igreja Catoacutelica por seu turno esteve presente nas raiacutezes da
institucionalizaccedilatildeo da escola goiana desde a primeira lei de 1835 mantendo-se de
diferentes maneiras em todas as leis educacionais analisadas no decurso do regime
imperial seja no curriacuteculo nos materiais aprovados para uso nas aulas na escolha
dos professores no trabalho de inspeccedilatildeo escolar dentre outras accedilotildees que ficaram
impregnadas pelos seus dogmas
Entretanto o projeto conservador da Igreja natildeo impediu que a proviacutencia abrisse
suas portas para as transformaccedilotildees que ocorriam em acircmbito nacional implantando
novas regulamentaccedilotildees que dialogavam com as reformas feitas no Municiacutepio da
Corte Ainda que algumas leis natildeo chegassem ao seu efetivo cumprimento
compreendemos que o ato de legislar denota uma abertura da proviacutencia para a
modernidade ndash mesmo que tiacutemida ndash da sociedade goiana em consonacircncia com as
mudanccedilas que ocorriam no contexto educacional do paiacutes
O Seacuteculo XIX em Goiaacutes protagonizou conforme analisamos a abertura da
proviacutencia para o que vinha ocorrendo no Brasil Embora houvesse dificuldade de
comunicaccedilatildeo entre a capital e os vilarejos foram sancionadas regulamentaccedilotildees que
pensavam a escola goiana como um todo sistematizando saberes que deveriam ser
ensinados na proviacutencia Esses saberes conforme discutimos em vaacuterios momentos
estavam em consonacircncia com o pensamento racional e liberal difundido pelo paiacutes e
tambeacutem presente nos discursos dos Presidentes goianos o que ratifica nossa tese de
estudo que adveacutem desse contexto poliacutetico e social da proviacutencia a escola goiana do
seacuteculo XIX se estabeleceu sob a influecircncia da Igreja o que natildeo a impediu de se inserir
nas transformaccedilotildees do Brasil do seacuteculo XIX especialmente no que tange agrave
alfabetizaccedilatildeo da crianccedila Afinal natildeo haacute como compreender os processos de ensino
de leitura e escrita sem pensar no contexto maior que os abriga que eacute a escola e de
igual maneira no modo como o governo e a sociedade a concebiam
136
3 MEacuteTODOS E LIVROS PARA
ALFABETIZACcedilAtildeO DE CRIANCcedilAS EM GOIAacuteS
___________________________________
Em 1835 aleacutem de ter sido publicada a primeira lei de instruccedilatildeo puacuteblica
deliberada pela Assembleia Legislativa Provincial em Goiaacutes iniciou-se um processo
de institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas escolares uma vez que a partir de entatildeo 1)
legislava-se sobre a quantidade de alunos para abertura e manutenccedilatildeo de uma
escola 2) obrigava-se os pais a oferecer instruccedilatildeo primaacuteria aos filhos seja em casa
ou nas escolas puacuteblicas ou particulares 3) definiam-se criteacuterios para ser professor 4)
estabelecia-se a inspeccedilatildeo de ensino por meio da figura dos Delegados Paroquiais e
das Cacircmaras Municipais e por fim 5) publicavam-se os Regulamentos de Ensino
que circunscreviam a escola numa rotina determinando as mateacuterias meacutetodos e
objetos a serem aplicados na instruccedilatildeo das crianccedilas (GOIAacuteS 1835 ABREU 2006)
Jaacute a uacuteltima lei de ensino goiano do periacuteodo imperial que foi levada a
cumprimento pelos presidentes data de 1886 Nessa a escola primaacuteria se organizou
pela sua classificaccedilatildeo condicionada agrave localizaccedilatildeo geograacutefica e agrave quantidade de
alunos matriculados (GOIAacuteS 1886a)
Entre o marco inicial e final do recorte histoacuterico desta pesquisa 1835 a 1886
uma das situaccedilotildees recorrentemente descritas sobre a instruccedilatildeo puacuteblica na proviacutencia
goiana foi a falta de materiais escolares (PRIMITIVO MOACYR 1940) Nesse
intervalo em alguns momentos os professores ficaram responsaacuteveis por adquiri-los
137
com auxiacutelio de uma gratificaccedilatildeo em seus vencimentos bem como o governo que
tambeacutem se responsabilizou pela compra deles geralmente solicitados nas listas de
expediente escolar
Na consulta ao Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes nas seccedilotildees de
Documentaccedilotildees Avulsas e Documentaccedilotildees Manuscritas Datilografadas e Impressos
pudemos inventariar entre 1835 e 1886 889 listas de expediente escolar169 dessas
528 vindas de diferentes localidades de Goiaacutes com pedidos remetidos ao governo da
proviacutencia para as aulas de primeiras letras e 361 listas em correspondecircncias do
governo notificando o envio de materiais dentre eles os de uso escolar Dada a
extensatildeo do periacuteodo histoacuterico a princiacutepio presumimos que eram poucas as listagens
e que haveria uma lacuna entre os pedidos Contudo ao contrastarmo-las com a
quantidade de escolas e as dificuldades relatadas pelos presidentes na manutenccedilatildeo
do ensino goiano no periacuteodo concluiacutemos que essas listas demonstram
significativamente o que circulava nas escolas e como se ensinava a ler e escrever
Com fundamento na anaacutelise dessas listagens nos propomos a inventariar
nesta seccedilatildeo os livros para o ensino inicial da leitura e escrita buscando compreender
a partir deles os meacutetodos que circularam na proviacutencia no periacuteodo imperial Aleacutem
dessas listas os mapas de turmas encontrados nesse Arquivo revelam alguns
aspectos dos fazeres dos professores na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas em
Goiaacutes
Como analisamos a questatildeo dos meacutetodos de ensino foi debatida pelos
presidentes em seus relatoacuterios que estabeleceram diferentes tentativas de
implantaccedilatildeo de outros meacutetodos de ensino em Goiaacutes que natildeo o individual ou ordinaacuterio
jaacute amplamente difundido na proviacutencia Poreacutem conforme esses relatoacuterios demonstram
a tradiccedilatildeo de uso do meacutetodo individual a falta de material e de formaccedilatildeo fizeram com
que os professores se mostrassem resistentes a aplicar os meacutetodos muacutetuo eou
simultacircneo
No acircmbito do material a falta era tanto de objetos para os alunos tais como
livros ardoacutesias lousas laacutepis papel tinta bancos mesas etc necessaacuterios para a
conduccedilatildeo por exemplo do meacutetodo simultacircneo como tambeacutem de materiais para
169 Ao final desta tese haacute uma seccedilatildeo intitulada ldquoFontesrdquo Nela haacute o item ldquoListas de Expediente Escolar e Mapas de Turmasrdquo em que destacamos todos os livros ou caixas do Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes em que encontramos algum documento que mencione materiais de expediente escolar solicitados ou enviados agraves escolas goianas aleacutem de Mapas de Turmas
138
formaccedilatildeo do professor como os Tratados sobre os Meacutetodos de Ensino e outros
compecircndios que fizessem circular diferentes ideias apresentando esclarecendo e
ilustrando o manejo didaacutetico em novas possibilidades de ensinar e aprender
No campo da formaccedilatildeo a ausecircncia de uma Escola Normal e de cursos de
aperfeiccediloamento para professores em praticamente todo o periacuteodo que esta tese
investiga tambeacutem comprometeu a propagaccedilatildeo de ideiasteoriascorrentes de
pensamento genuinamente goianas impossibilitando do mesmo modo uma
discussatildeo local sobre a questatildeo do ensino de leitura e escrita como ocorreu em outras
proviacutencias do paiacutes
Vale ressaltar que a Escola Normal Oficial de Goiaacutes de acordo com Canezin e
Loureiro (1994) tem sua gecircnese efetivamente com a publicaccedilatildeo da Resoluccedilatildeo
Provincial nordm 676 de 03 de agosto de 1882 (GOIAacuteS 1882) A Resoluccedilatildeo criava anexa
ao Liceu uma Escola Normal para a preparaccedilatildeo de professores de instruccedilatildeo primaacuteria
No entanto a instalaccedilatildeo do curso soacute ocorreu em 1884 ano em que tambeacutem se
publicou o Ato Provincial nordm 3374 que instaurou o ldquoPrimeiro Regulamento da Escola
Normal anexa ao Lyceordquo (GOIAacuteS 1884) No Correio Official de 26 de abril de 1884 haacute
uma notiacutecia (ldquoInstallaccedilatildeo da Escola Normalrdquo p 2-3) relatando o ato religioso e poliacutetico
ocorrido durante a abertura do curso no dia 21 de abril de 1884 (CORREIO OFFICIAL
26 de abril de 1884) Houve como jaacute enunciamos na seccedilatildeo 2 algumas tentativas
anteriores de se instalar a Escola Normal que entretanto foram frustradas170
Logo tomando como referecircncia os estudos de Galvatildeo (2009) ao olharmos para
o conjunto de materiais presentes nas listagens de expediente escolar os
classificamos em 1) impressos para ensinar a ler e escrever e 2) impressos para o
ensino da leitura corrente Essa classificaccedilatildeo organiza os itens nesta seccedilatildeo ao
mesmo tempo que orienta nosso discurso para a anaacutelise sobre os meacutetodos de
alfabetizaccedilatildeo que circularam em Goiaacutes no seacuteculo XIX
Por fim eacute importante frisar que tal classificaccedilatildeo eacute uma das muitas possiacuteveis
leituras para compreendermos a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes e portanto natildeo
engessa as possibilidades dialoacutegicas que se estabelecem para novas leituras e novas
problematizaccedilotildees Natildeo satildeo classificaccedilotildees fixadas e emolduradas como se houvesse
apenas uma compreensatildeo dos usos dos impressos inventariados trata-se de uma
170 Para aprofundar na histoacuteria da Escola Normal em Goiaacutes cf Canezin Loureiro (1994) Brzezinski (2008)
139
perspectiva de leitura transformada em uma escrita historiograacutefica ambas
justificadas pelas escolhas que fizemos
31 IMPRESSOS PARA ENSINAR A LER E ESCREVER
Quanto aos impressos destinados ao ensino da leitura na histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes do seacuteculo XIX houve hegemonia do uso das Cartas ndash folhetos
para ensinar e aprender a ler ndash nas listagens nomeadas de ldquoCartas de ABCrdquo ldquoCartas
de nomesrdquo ldquoCartas de abc e syllabasrdquo ldquoCartas de abc com seus syllabariosrdquo ldquoCartas
de abc com seus syllabarios e nomesrdquo ldquoCartas de syllabasrdquo ldquoCartas de syllabas para
principiantesrdquo ldquoCartas de alfabeto sillabas nomes e conselhos moraisrdquo e ldquoCartas com
lettras do alfabeto e sillabasrdquo
A solicitaccedilatildeo dessas Cartas ocorreu durante todo o periacuteodo pesquisado e o
ultrapassa Do total das 889 correspondecircncias de expediente escolar inventariadas
no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goias 709 listas ou seja aproximadamente 80
trazem alguma solicitaccedilatildeo ou notificaccedilatildeo de envio desses impressos As quantidades
solicitadas ou remetidas demonstram que o uso das Cartas em sala de aula era
individual ou seja para cada aluno se adquiria uma jaacute que o montante de compra
delas era muito grande em comparaccedilatildeo aos outros objetos ou impressos Haacute registros
na deacutecada de 1850 de compras que chegaram a 2000 exemplares de Cartas de ABC
para serem distribuiacutedos aos alunos nas escolas de primeiras letras goianas (GOIAacuteS
1858-1868 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 397)
Nos arquivos e acervos consultados natildeo encontramos nenhum desses
impressos o que nos impediu de uma anaacutelise mais direta e descritiva pois conforme
Batista e Galvatildeo (2009) discutem no Brasil eles adquiriram valor social cultural e
histoacuterico haacute pouco tempo
De acordo com as pesquisas do campo da histoacuteria do livro (BATISTAGALVAtildeO
2009 FRADE 2010 VOJNIAK 2014 dentre outros) comumente sem instruccedilotildees de
uso ao professor as Cartas apresentavam as letras do alfabeto em vaacuterias fontes e
tamanhos (algumas versotildees das Cartas variavam na fonte da letra e no tamanho de
acordo com a publicaccedilatildeo) o silabaacuterio (das siacutelabas canocircnicas agraves natildeo canocircnicas) e
palavras e frases curtas (algumas coacutepias das maacuteximas da Doutrina Cristatilde ou da
Biacuteblia) Por meio de uma anaacutelise de dados indiciais Frade (2010) explica que essas
Cartas inicialmente pareciam ser materiais avulsos dispostas em paacuteginas natildeo
140
grampeadas Cada Carta representava uma liccedilatildeo com uma etapa para o aprendizado
da leitura Tomando como referecircncia o estudo dessa autora e o de Vieira (2017)
sabemos que esses impressos foram posteriormente publicados em formato de
folheto e tambeacutem copilados em livros Alguns deles conservaram no tiacutetulo a expressatildeo
ABC e Cartas de ABC171
A partir dos mencionados tiacutetulos das Cartas identificadas nas listas de
solicitaccedilatildeo de material escolar e de uma anaacutelise dos 129172 Mapas de Turmas
encontrados na seccedilatildeo de Documentos Avulsos e nas Caixas dos Municiacutepios Goianos
do AHEG no periacuteodo compreendido entre 1835 a 1886 podemos conjecturar que as
Cartas de ABC Cartas de Siacutelabas ou Silabaacuterios Cartas de Nomes e Cartas de
Conselhos Morais natildeo eram o mesmo tipo de impresso Eram impressos diferentes
que cumpriam a finalidade de ensinar a leitura mas com conteuacutedos diferentes e de
certa maneira complementares
A composiccedilatildeo claacutessica das Cartas de ABC conforme jaacute informado por Correcirca
e Silva (2008) era com o ldquoabecedaacuterio maiuacutesculo e minuacutesculo os silabaacuterios compostos
por segmentos de uma duas ou de trecircs letras e por fim as palavras soltas cujos
segmentos silaacutebicos apareciam separados por hiacutefenrdquo (CORREcircA SILVA 2008 p 2)
Entretanto podemos considerar que haacute Cartas que apresentavam apenas o alfabeto
outras somente as siacutelabas ou as palavras e as maacuteximas religiosas O que justificaria
nas solicitaccedilotildees dos professores especificar Cartas de ABC Cartas de Siacutelabas
Cartas de Nomes se natildeo para distinguir materiais de natureza diferente
A anaacutelise aos Mapas de Turmas auxilia a responder tal questatildeo A tiacutetulo de
exemplificaccedilatildeo transcrevemos parte de dois Mapas
171 Frade (2010) analisou duas obras identificadas na Biblioteca Nacional a primeira sob denominaccedilatildeo Cartas de ABC para principiantes (com 16 paacuteginas sem autor publicado na Bahia natildeo consta o ano de publicaccedilatildeo e a editora) a segunda ABC da infacircncia ndash introduccedilatildeo ao livro de infacircncia Primeira Colleccedilatildeo de Cartas para aprender a ler (com 32 paacuteginas sem autor publicado pela Livraria Francisco Alves a 56ordf ediccedilatildeo data de 1908 o que indicia que o livro circulou no seacuteculo XIX) Jaacute Vieira (2017) investigou o livro intitulado Meacutetodo ABC ensino praacutetico para aprender a ler (com 16 paacuteginas sem autor sem local de publicaccedilatildeo foi editado pela Caderbraacutes Induacutestria Brasileira ndash hoje com sede em Satildeo Paulo na versatildeo que consultamos tambeacutem natildeo consta o ano de publicaccedilatildeo) 172 Cf item ldquoListas de Expediente Escolar e Mapas de Turmasrdquo na seccedilatildeo ldquoFontesrdquo
141
Quadro 2 Mapa da turma da Escola do 2ordm grau da instruccedilatildeo primaacuteria em Vila de Meiaponte
(1837)173
Nomes dos Alumnos Estado de Instrucccedilatildeo Observaccediloens Manoel Moreira Lendo Escrita Agil e pouco aplicado
Luis Manoel Cartas de Nomes Pouco agil e pouco aplicado
Francisco dos Santos Cartas de Sillabas Pouco agil e pouco aplicado
Manoel Pera Guimes Cartas de A b c Pouco agil Aplicado Florencio Gonsalves Cartas de Sillabas Pouco agil e pouco
aplicado Jose da Cunha Soletrando Escrita Agil e pouco aplicado
Fulgencio Gomes Cartas de A b c Agil e pouco aplicado
Fonte Elaborado pelo autor a partir da consulta ao Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes na seccedilatildeo da Caixa dos Municiacutepios Goianos Pirenoacutepolis Caixa 01
Quadro 3
Mapa mensal da turma da Freguesia de Santa Rita do Paranaiacuteba (1867)174
Nomes Grau de insrucccedilatildeo na ocasiatildeo da matricula
Moralidade
Joseacute Fleury Alves de Siqueira
Carta e cursivo Bocirca
Florentino Gomes Pereira Carta e bastardo Bocirca Belarmino Borges de
Guimes Carta de Nomes Bocirca
Moyzes Borges de Guimes Syllabas Bocirca Sabino Jeronimo de
Almeida Nomes e bastardo Maacute
Galdino Joseacute da Silveira Nomes Bocirca
Joaquim Glz dos Santos Carta Bocirca
Fonte Elaborado pelo autor a partir da consulta ao Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes na seccedilatildeo da Caixa dos Municiacutepios Goianos Itumbiara Caixa 02
173 Na transcriccedilatildeo desse Mapa de Turma foram suprimidas algumas colunas devido ao espaccedilo e agrave finalidade O documento na iacutentegra estaacute organizado na seguinte sequecircncia de colunas nordm de matriacutecula (natildeo estaacute sequencial eacute provaacutevel que seja o nuacutemero da matriacutecula do aluno na escola e natildeo na turma) nordm efetivo (nuacutemero da chamada em ordem crescente) nome dos alunos (natildeo estaacute em ordem alfabeacutetica mas na ordem da data da matriacutecula) nome dos pais ou educadores moradia dos pais ou educadores dias uacuteteis de frequecircncia e de faltas estado de instruccedilatildeo observaccedilotildees (informou apenas se o aluno eacute aacutegil ou natildeo se eacute aplicado ou natildeo) e notas (informou se o aluno faltou por consequecircncia de seus pais e para alguns receacutem-matriculados tambeacutem haacute informaccedilatildeo da data de matriacutecula) 174 Na transcriccedilatildeo desse Mapa de Turma foram suprimidas algumas colunas devido ao espaccedilo e finalidade O documento na iacutentegra estaacute organizado na seguinte sequecircncia de colunas nuacutemero da chamada nome idade nome dos pais ou tutores naturalidade grau de instruccedilatildeo na ocasiatildeo da matriacutecula frequecircncia aproveitamento moralidade observaccedilatildeo
142
Pelos dados constantes nos Mapas o grau de instruccedilatildeo dos alunos era
mensurado por meio das Cartas Provavelmente nos testes usava-se o recurso das
Cartas e aquela que o aluno conseguisse ler com fluecircncia era indicada como sendo o
niacutevel de leitura em que ele se encontrava Enquanto no primeiro Mapa foi informado
apenas o estado de instruccedilatildeo em leitura no segundo o professor tambeacutem acrescentou
sobre a escrita Outra diferenccedila substancial entre os dois Mapas eacute a presenccedila do
campo ldquoMoralidaderdquo no segundo que estaacute em acordo com o Regulamento de Ensino
Goiano de 1856 que previa no artigo 43 que o professor conhecesse e tomasse nota
sobre a inteligecircncia aproveitamento e moralidade de cada aluno (GOIAacuteS 1856)
Da forma como estatildeo descritas podemos inferir que as Cartas de ABC
continham o alfabeto nas Cartas de siacutelabas apresentavam combinaccedilotildees silaacutebicas
diversificadas nas Cartas de Nomes palavras e frases Poreacutem frequentemente
como se vecirc nas pesquisas histoacutericas da alfabetizaccedilatildeo no Impeacuterio as Cartas de ABC
intitulam todos esses impressos reunidos Nesse ponto Galvatildeo (2009) explica que a
princiacutepio essas Cartas eram conhecidas como Cartas para aprender a ler e mais
tarde como Cartas de ABC
Nas listas de expediente escolar tambeacutem era comum o pedido de materiais
intitulados de ldquoSilabaacuteriosrdquo ou ldquoSilabaacuterios para principiantesrdquo ou ldquoCartas de ABC com
seus Silabaacuteriosrdquo ou ldquoCartas de ABC e siacutelabasrdquo A partir dos estudos de Mortatti (2000)
Frade (2010 2011) Gontijo (2011) e Vojniak (2014) eacute possiacutevel concluir que os
Silabaacuterios eram impressos diferentes das Cartas de ABC Os quadros de siacutelabas
tambeacutem comumente chamados de Silabaacuterios poderiam estar presentes nessas
Cartas entretanto eles denominam outro impresso Sendo assim o Silabaacuterio pode ter
mais de um significado variando como ldquo(i) um tipo de livro (ii) uma tabela ou um
conjunto de tabelas com seacuteries silaacutebicas variadas apresentadas no interior das
paacuteginas de um livro (iii) um meacutetodo para alfabetizarrdquo (FRADE 2010 p 276)
Eacute importante esclarecer que os pedidos por Silabaacuterios nos documentos
catalogadas satildeo muito esparsos jaacute que encontramos apenas 14 listas das 889
inventariadas que mencionam essa denominaccedilatildeo com caracteriacutesticas muito
similares Satildeo listas advindas de materiais fornecidos agraves escolas pela Tesouraria
Provincial de Goiaacutes no intervalo de 1873-1877 assinadas pelo mesmo responsaacutevel
Pedro Luiz Xavier Brandatildeo chefe dessa reparticcedilatildeo puacuteblica (GOIAacuteS 1873-1877
AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 575)
143
Nos documentos identificados notamos que a partir da deacutecada de 1870 essas
Cartas receberam novas denominaccedilotildees que ateacute entatildeo natildeo haviam sido utilizadas
ldquoCartas para leiturardquo ldquoCartas para ecerciacutecio de leitura raacutepidardquo ldquoCartas alphabeticasrdquo e
ldquoCartas de soletraccedilatildeordquo Mesmo natildeo encontrando nos referenciais teoacutericos
esclarecimentos para esses nomes inferimos algumas interpretaccedilotildees a partir das
fontes consultadas
A primeira eacute que esses tiacutetulos natildeo necessariamente correspondem aos tiacutetulos
dos impressos que circularam no mercado editorial brasileiro Podem ter sido assim
nomeados ou descritos em virtude das concepccedilotildees de ensino de leitura que estavam
sendo difundidas na proviacutencia especialmente da perspectiva de uma alfabetizaccedilatildeo
raacutepida e apraziacutevel para atender sobretudo os filhos de pais oriundos da zona rural
que precisavam da matildeo de obra da crianccedila para o trabalho no dia a dia das fazendas
Outrossim podemos supor a partir dos dois primeiros tiacutetulos (ldquoCartas para leiturardquo e
ldquoCartas para ecerciacutecio de leitura raacutepidardquo) que essas Cartas eram essencialmente
aplicadas para o ensino inicial da leitura mas tambeacutem da leitura corrente para seu
treino e aplicaccedilatildeo de exerciacutecios
Uma questatildeo bem interessante eacute com relaccedilatildeo agrave denominaccedilatildeo ldquoCartas
alphabeticasrdquo que encontramos pela primeira vez em correspondecircncia em 1874
remetendo um pedido de materiais escolares feito pelo Professor do municiacutepio de
Cavalcante175 (GOIAacuteS 1874 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 236) Sobre
esse documento de 1874 que intitula as Cartas de alfabeacuteticas salientamos que ele
enuncia uma designaccedilatildeo que se tornou comum no periacuteodo republicano em Goiaacutes O
nome ldquoCartas Alfabeacuteticasrdquo e tambeacutem ldquoCartas de soletraccedilatildeordquo pode indicar a utilizaccedilatildeo
do meacutetodo alfabeacutetico e de soletraccedilatildeo ou apenas intitular uma obra cujo formato eacute o
mesmo das tradicionais Cartas de ABC nomeando esse antigo e usual impresso por
seu meacutetodo
Tradicionalmente por sua organizaccedilatildeo e disposiccedilatildeo graacutefica as Cartas de ABC
eram aplicadas para o ensino da leitura pelo meacutetodo de soletraccedilatildeo No primeiro Mapa
(Quadro 2) haacute resquiacutecios da aplicaccedilatildeo desse meacutetodo quando o professor classifica
o estado de instruccedilatildeo do aluno como ldquoSoletrando escritardquo Essa descriccedilatildeo foi comum
nos Mapas das Turmas da proviacutencia durante o periacuteodo imperial o que permite
175 Atualmente esse municiacutepio recebe o mesmo nome localiza-se na regiatildeo Norte do estado de Goiaacutes
144
considerar que o meacutetodo de soletraccedilatildeo tambeacutem marcou fortemente as praacuteticas de
ensino nas escolas de primeiras letras goianas do seacuteculo XIX
Ao olhar como um todo as listas de expediente escolar notamos que
especialmente as compras de Cartas de ABC em Goiaacutes foram ampliadas durante a
gestatildeo do Presidente Francisco Januaacuterio da Gama Cerqueira entre 1857 e 1860 No
discurso dirigido agrave Assembleia Legislativa Provincial Cerqueira (1858) expressa sua
percepccedilatildeo de que os docentes ensinavam tal como aprenderam por isso notifica que
fez uma accedilatildeo de compra de diferentes materiais de expediente escolar para serem
distribuiacutedos nas escolas goianas a fim de que fossem difundidas novas formas de
ensino
Contrapondo o referido relatoacuterio de Cerqueira (1858) com o ofiacutecio a ele enviado
pelo Inspector Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica de Goiaacutes Felippe Antonio Cardoso de Santa
Crus em 20 de marccedilo de 1858 observamos que o presidente literalmente copiou e
suprimiu alguns trechos da correspondecircncia Um dos apagamentos feitos por
Cerqueira revela a situaccedilatildeo do ensino de leitura naquele momento
Eacute limitadissimo o ensino que se daacute nas estas escolas a excepccedilatildeo de 4 em 6 drsquoelas ensina-se apenas ndash a ler ndash escrever e faser as quatro principais operaccedilotildees de arithmetica e o que faria e tudo isso muito mal Toda a educaccedilatildeo religiosa consiste em faser eacute decorar materialmente um compendio minha S Doutrina Christatilde Ensinaotilde leitura com adaptaccedilaotilde das Cartas do Novo Alphabeto Portuguez dividido por syllabas com os primeiros elementares da doutrina christatilde drsquoo Methodo Facillimo para aprender a ler e drsquoo Cathecismo Historico de Fleury (CRUS 20 de marccedilo de 1858 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 123)
Aleacutem da dificuldade relatada nesse pequeno registro em ensinar leitura
escrita e aritmeacutetica na escola podemos inferir algumas praacuteticas dos professores A
primeira eacute a ecircnfase na memorizaccedilatildeo proacutepria dos saberes sobre o processo de ensino
e aprendizagem que circulavam naquele momento que consideravam memoacuteria e
treino como condiccedilotildees essenciais ao aprendizado
A presenccedila da educaccedilatildeo religiosa tambeacutem eacute algo que fica muito evidente no
relatoacuterio de Cerqueira (1858) e no ofiacutecio do Inspetor jaacute que as leis e regulamentos de
ensino determinavam ser o ensino da doutrina cristatilde obrigatoacuterio nas salas de aula
Tanto o Regulamento sobre a Instruccedilatildeo Puacuteblica goiana de 1835 quanto o de 1856
que antecederam esse relatoacuterio de Crus (20 de marccedilo de 1858) determinavam o
ensino do Catecismo nas aulas tornando-o leitura obrigatoacuteria para todos os alunos e
seu conteuacutedo exigecircncia nas provas de admissatildeo ao magisteacuterio Essas praacuteticas
145
dialogavam com as recomendaccedilotildees destacadas na legislaccedilatildeo educacional da Corte ndash
a jaacute citada Reforma Couto Ferraz (BRASIL 1854) ndash que enfatizava a leitura escolar
baseada em textos religiosos
O processo de ensino da leitura na escola goiana como Crus (20 de marccedilo de
1858) destacou se baseava na adaptaccedilatildeo de trecircs livros O primeiro Novo Alphabeto
Portuguez dividido por syllabas com os primeiros elementares da doutrina christatilde176
eacute uma publicaccedilatildeo cujo tiacutetulo completo eacute Novo Alfabeto Portuguez dividido por Syllabas
com os primeiros elementos da Doutrina Christatilde e o Methodo de ouvir e ajudar agrave
missa lanccedilado possivelmente em 1785177
Na obra haacute menccedilatildeo apenas ao local de publicaccedilatildeo Lisboa e de impressatildeo a
Officina de Simatildeo Thaddeo Ferreira natildeo nominando o autor Na Biblioteca Nacional
de Portugal haacute livros impressos nessa Oficina publicados no mesmo periacuteodo do Novo
Alfabeto Portuguez Numa anaacutelise comparativa notamos que a disposiccedilatildeo graacutefica das
folhas de rosto segue o padratildeo de o tiacutetulo vir em letras de imprensa maiuacutesculas dando
destaque a algumas palavras escritas em tamanho maior Na sequecircncia era registrado
o nome do autor o que natildeo eacute mencionado no livro em questatildeo Como ele reuacutene textos
que jaacute circulavam em outros diferentes livros como os Catecismos e Manuais de
Doutrina Cristatilde eacute provaacutevel que tenha sido pensado e copilado na Oficina de Simatildeo
Thaddeo o que era comum acontecer em tipografias e no mercado livresco portuguecircs
(VITERBO 1924 PEIXOTO 1967 ANSELMO 1981)
176 Interessante notar a similaridade entre os tiacutetulos de algumas obras didaacuteticas portuguesas destinadas ao aprendizado da leitura e escrita no seacuteculo XIX Podemos citar a tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo Alphabeto portuguez ou novo methodo para aprender a ler com muita facilidade e em mui pouco tempo tanto a letra redonda como a manuscripta de J I Roquete (1841) Novo methodo para aprender a ler de Joseacute Ramos Paz (1852) Nova Arte drsquoEscrita de Manuel Joseacute Satirio Salazar (publicado provavelmente em 1807 cf Marques 2014) Methodo facillimo para aprender a ler tanto a letra redonda como a manuscripta no mais curto espaccedilo e tempo possivel de Emilio Achilles Monteverde (1836) Aleacutem do tiacutetulo muitas delas apresentam certa semelhanccedila no conteuacutedo e na organizaccedilatildeo do meacutetodo proposto Sobre isso cf Boto 2012 177 A uacutenica ediccedilatildeo identificada desse livro foi encontrada digitalizada no site Google Livros Natildeo encontramos menccedilatildeo ao ano da sua primeira ediccedilatildeo Poreacutem por meio de anaacutelise comparativa agrave ediccedilatildeo analisada por Arriada e Tambara (2012) datada de 1830 acreditamos que o exemplar de 1785 seja a primeira ediccedilatildeo
146
Figura 2 Folha de rosto do livro Novo Alfabeto Portuguez dividido por Syllabas com os
primeiros elementos da Doutrina Christatilde e o Methodo de ouvir e ajudar agrave missa (1785)
Fonte Site Google Livros
Segundo Arriada e Tambara (2012) esse livro teve ampla circulaccedilatildeo no Brasil
Seu conteuacutedo associava o ensino da leitura aos preceitos da doutrina cristatilde catoacutelica
Organizado em 168 paacuteginas consideramos que pode ser dividido em trecircs seccedilotildees
A primeira seccedilatildeo (da paacutegina 3 agrave 9) apresenta o alfabeto completo e as vogais
separadamente Na sequecircncia haacute vaacuterias combinaccedilotildees silaacutebicas iniciando pelos
encontros vocaacutelicos (ai ei oi au eu ou) e seguindo a ordem alfabeacutetica apresenta
as siacutelabas na combinaccedilatildeo vogal + consoante (ar er ir or ur etc) consoante + vogal
(ba be bi bo bu ca ce ci co cu etc) consoante + vogal + vogal (bai bei 178
178 Em vaacuterios livros do periacuteodo que apresentam as combinaccedilotildees silaacutebicas o uso das reticecircncias na exposiccedilatildeo de uma famiacutelia silaacutebica substitui uma siacutelaba que natildeo eacute usual na sequecircncia que se apresenta Nesse caso seguindo a loacutegica a siacutelaba seria ldquobiirdquo natildeo pertencente aos padrotildees silaacutebicos da liacutengua portuguesa
147
boi bui etc) consoante + vogal + consoante (bal bel bil bol bul etc) consoante +
consoante + vogal (bla ble bli blo blu etc) e por fim as siacutelabas finalizadas em atildeo
(batildeo catildeo datildeo fatildeo gatildeo etc)
Na segunda seccedilatildeo (paacuteginas 10 e 11) eacute exposta a escrita dos nuacutemeros sua
representaccedilatildeo em algarismos araacutebicos e a seguir em numeral romano (Hum 1 I
Dous 2 II etc)
A terceira seccedilatildeo (da paacutegina 11 agrave 168) voltada agrave educaccedilatildeo religiosa estaacute
dividida em sete subseccedilotildees Do final da paacutegina 11 ateacute a 38 satildeo apresentadas oraccedilotildees
os mandamentos da lei de Deus os mandamentos da Igreja explicaccedilotildees da oraccedilatildeo
dominical e de crenccedilas da Igreja como a ressurreiccedilatildeo de Cristo etc Da paacutegina 39 agrave
67 satildeo publicados textos que objetivam inculcar os comportamentos adequados de
um cristatildeo no dia a dia e na missa Na paacutegina 68 se inicia uma chamada recopilaccedilatildeo
da doutrina cristatilde em que satildeo transcritos ateacute a paacutegina 98 trechos no formato de
perguntas e respostas retomando ensinamentos sobre a criaccedilatildeo Deus Jesus e as
crenccedilas e rituais catoacutelicos recorrentes nos Manuais de Doutrina Cristatilde Da paacutegina 98
agrave 115 sob o tiacutetulo de ldquoMaximas Tiradas da Sagrada Escriturardquo haacute citaccedilotildees de
passagens da Biacuteblia voltadas para ensinamentos de boas condutas na famiacutelia e na
sociedade A cada citaccedilatildeo identifica-se de qual livro capiacutetulo e versiacuteculo da Biacuteblia o
trecho foi retirado O ritual de reza do rosaacuterio com os misteacuterios gozosos dolorosos
gloriosos179 eacute publicado a partir da paacutegina 116 ateacute a 141 Essa parte finaliza-se com a
transcriccedilatildeo da Ladainha de Nossa Senhora Entre as paacuteginas 142 e 156 haacute uma
subseccedilatildeo intitulada ldquoModo de ajudar agrave missa no uso da Igreja Romanardquo em que
encontramos trechos em latim com a fala do Sacerdote e as respostas dos cristatildeos
durante alguns momentos da missa Por fim iniciando na paacutegina 157 e findando na
168 satildeo copiados salmos e cacircnticos para acompanhar a comunhatildeo aos enfermos ao
findar a missa
Interessante notar que no livro Novo Alphabeto Portuguez natildeo eacute mencionado
o meacutetodo para ensino da leitura que entretanto fica subjacente ao modo como foram
179 Na tradiccedilatildeo catoacutelica o rosaacuterio eacute rezado de acordo com o dia da semana Segue-se a tradiccedilatildeo de meditaccedilatildeo de misteacuterios (tradicionalmente divididos em gozosos dolorosos gloriosos) que satildeo episoacutedios da vida de Jesus No livro Novo Alfabeto Portuguez dividido por Syllabas com os primeiros elementos da Doutrina Christatilde e o Methodo de ouvir e ajudar agrave missa (1785) as oraccedilotildees e reflexotildees que compotildeem os misteacuterios gozosos satildeo rezadas nas segundas quintas-feiras domingos do advento ateacute a quaresma os misteacuterios dolorosos satildeo nas terccedilas sextas-feiras e domingos de quaresma jaacute os gloriosos nas quartas-feiras saacutebados e domingos de Paacutescoa ateacute o advento
148
apresentados as combinaccedilotildees silaacutebicas e os textos Ateacute a paacutegina 19 todas as
palavras satildeo divididas em siacutelabas e separadas por uma viacutergula
A ve Ma ri a che a de gra ccedila o Se nhor he com vos co ben ta so is [] (NOVO ALPHABETO 1785 p 13)
Da paacutegina 20 em diante os textos estatildeo sem a divisatildeo silaacutebica e sem as
viacutergulas Notamos por essas caracteriacutesticas que a obra segue uma concepccedilatildeo
sinteacutetica do ensino de leitura a partir da aprendizagem das unidades menores para as
maiores (letras siacutelabas palavras e por uacuteltimo os textos) Haacute uma influecircncia marcante
do meacutetodo de soletraccedilatildeo sobretudo pela separaccedilatildeo entre as palavras pela viacutergula ndash
lembrando que no meacutetodo de soletraccedilatildeo geralmente as siacutelabas e palavras vinham
separadas com hiacutefens Como o meacutetodo de ensino natildeo estava explicitado as teacutecnicas
para o uso do impresso ficavam a cargo do professor Todavia o que se supotildee pela
disposiccedilatildeo graacutefica e organizaccedilatildeo das sequecircncias silaacutebicas eacute o processo de silabaccedilatildeo
ou silaacutebico ou pelo menos um procedimento que fuja agrave loacutegica da soletraccedilatildeo
convencional
O segundo livro citado por Crus (20 de marccedilo de 1858) no ensino de leitura na
escola goiana eacute o Methodo Facillimo para aprender a ler cujo tiacutetulo completo eacute
Methodo Facillimo para aprender a ler tanto a letra redonda como a manuscripta no
mais curto espaccedilo de tempo180 de autoria do escritor portuguecircs Emilio Achilles
Monteverde
Nas proviacutencias brasileiras principalmente duas de suas obras destinadas ao
ensino da leitura foram difundidas o Methodo Facillimo para aprender a ler tanto a
letra redonda como a manuscripta no mais curto espaccedilo de tempo e o Manual
encyclopedico para uso das escolas de instrucccedilatildeo primaria (BOTO 1997 CORREcircA
2006) Ficou conhecido no Brasil e em Portugal sobretudo pela primeira publicaccedilatildeo
No Brasil ela foi adotada oficialmente em vaacuterias proviacutencias e na instruccedilatildeo primaacuteria
portuguesa ldquofoi a cartilha que maior alcance teve em Portugal no periacuteodo
compreendido entre 1850 e 1880rdquo (BOTO 1997 p 554)
180 A versatildeo digitalizada dessa obra estaacute disponiacutevel na Biblioteca Brasiliana Guita e Joseacute Mindlin na Universidade de Satildeo Paulo pelo link lthttpsdigitalbbmuspbrhandlebbm2 66gt Acesso em 06 de maio de 2018 O livro tem dimensatildeo de 17 x 125 cm e 159 paacuteginas Publicado em Lisboa com Ediccedilatildeo da Livraria Central de Gomes de Carvalho
149
Figura 3 Folha de rosto da 16ordf ediccedilatildeo do livro Methodo Facillimo para aprender a ler tanto a
letra redonda como a manuscripta no mais curto espaccedilo de tempo (18--)
Fonte Biblioteca Brasiliana Guita e Joseacute Mindlin Satildeo Paulo
Nessa obra o autor descreve nas primeiras paacuteginas os meacutetodos de organizaccedilatildeo
de ensino (meacutetodos individual simultacircneo e muacutetuo) e os meacutetodos para o ensino da
leitura (meacutetodo antigo novo meacutetodo de soletraccedilatildeo e meacutetodo sem soletraccedilatildeo181) Sem
declarar filiaccedilatildeo a um meacutetodo especiacutefico afirma que o mais conveniente e proveitoso
181 Segundo Monteverde o meacutetodo antigo ldquoconsiste em conservar aacutes letras os seus nomes usuaes de aacute becirc cecirc decirc eacute eacutefe gecirc [] e nomeal-as todas sucessivamente antes de pronunciar a syllaba a qual por conseguinte nrsquoeste caso tem tantos elementos quantas satildeo as letras de que ella se compotildeerdquo no novo meacutetodo de soletraccedilatildeo ldquoas consoantes ou articulaccedilotildees pronunciatildeo-se como se fossem seguidas de e mudo B be C ce ou Ke D de F fe [] Assim a palavra fato ha de soletrar-se Fe a fa te o tordquo jaacute o novo meacutetodo sem soletraccedilatildeo consiste ldquo1ordm em dar como se viu aacutes consoantes um nome similhante ao valor que ellas tecircem na leitura be ce ou ke fe etc 2ordm em considerar as syllabas e natildeo as letras como verdadeiros elementos da palavra Partindo drsquoeste principio deve-se ler por exemplo a palavra a mi go sem decompor as syllabas esto eacute sem nomear cada uma das letras per si como succede pelo methodo antigordquo (MONTEVERDE 18-- p 6-7)
150
eacute ldquoum Professor haacutebil e zelozo dos seus deveres o melhor methodo eacute aquelle que
conduz mais longe com maior brevidade finalmente o melhor methodo eacute aquelle que
foacuterma os melhores discipulosrdquo (MONTEVERDE 18-- p 7)
Correcirca e Silva (2010) explicam que no decorrer de sucessivas ediccedilotildees da
cartilha Monteverde fez revisotildees no livro uma delas no tiacutetulo Em 1859 ano de sua
7ordf ediccedilatildeo o tiacutetulo era Methodo Facillimo para aprender a ler no mais curto espaccedilo de
tempo possiacutevel tanto a letra redonda quanto a letra manuscripta jaacute na 8ordf ediccedilatildeo
Monteverde passou a nomeaacute-lo de Methodo Facillimo para aprender a ler e escrever
no mais curto espaccedilo de tempo possiacutevel tanto a letra redonda quanto a letra
manuscripta A inclusatildeo do verbo escrever no tiacutetulo fazia parte de um projeto
pedagoacutegico e editorial do autor que abarcava a aprendizagem da escrita e da leitura
num mesmo manual de ensino jaacute que naquele momento da histoacuteria da educaccedilatildeo
portuguesa havia geralmente manuais distintos para ensinar a ler e escrever (BOTO
1997) O que tambeacutem se depreende eacute que para o autor se ensinava ao mesmo tempo
leitura e escrita (BOTO 1997 CORREcircA SILVA 2010)
Nesta tese foi consultada a 16ordf ediccedilatildeo em que o tiacutetulo estava diferente dos
citados anteriormente Methodo Facillimo para aprender a ler tanto a letra redonda
como a manuscripta no mais curto espaccedilo de tempo Como se lecirc houve a supressatildeo
do verbo escrever e uma alteraccedilatildeo na posiccedilatildeo da expressatildeo ldquono mais curto espaccedilo
de tempordquo Eacute bem provaacutevel em consonacircncia com os pesquisadores que estudaram
esse livro que tal adequaccedilatildeo tenha acontecido em funccedilatildeo do mercado editorial que
impunha campanhas e disputas acirradas entre os materiais que conseguissem
ensinar a leitura e a escrita das letras de forma raacutepida Boto (1997) advoga que pairava
uma certa crenccedila de que havia uma alquimia ou segredo para ensinar a ler
rapidamente Muitos autores incluindo aiacute Monteverde aproveitavam-se desse
imaginaacuterio para vender seus trabalhos Dizia-se frequentemente ldquoque esta ou aquela
cartilha em particular ndash que a cada momento se anunciava ndash ensinava com mais
brevidade de maneira mais faacutecil sem cansar o aprendiz por procurar ser atraenterdquo
(BOTO 1997 p 553)
No que refere agrave organizaccedilatildeo do livro ele segue o padratildeo usual dos manuais de
ensino de leitura e escrita com a apresentaccedilatildeo do conteuacutedo e dos exerciacutecios de treino
A tendecircncia dos meacutetodos de marcha sinteacutetica eacute mantida pelo autor iniciando pelo
alfabeto em diferentes formatos (letra de imprensa maiuacutescula e minuacutescula letra
151
itaacutelica182 maiuacutescula e minuacutescula) dando ecircnfase agrave classificaccedilatildeo das letras em vogais
ou consoantes O primeiro exerciacutecio eacute intitulado de ldquoSons e articulaccedilotildees ou vogaes e
consoantesrdquo (paacutegina 12) opondo-se agraves atividades dos meacutetodos antigos ou novo de
soletraccedilatildeo classificados por Monteverde no iniacutecio da obra Na sequecircncia (paacutegina 13)
eacute apresentado um quadro com o alfabeto grafado em letra de imprensa e manuscrita
nos formatos maiuacutesculo e minuacutesculo As famiacutelias silaacutebicas vecircm posteriormente nas
paacuteginas 14 e 15 seguindo a ordem alfabeacutetica (ba ca ccedila da fa ga gua ha ja ka
la ma na pa qua ra sa ta va xa za) Essa liccedilatildeo eacute acompanhada de exerciacutecios
com uma coletacircnea de palavras contendo as siacutelabas aprendidas nas paacuteginas
anteriores O autor explica que o objetivo eacute que ldquoos principiantes possatildeo logo aacute
primeira liccedilatildeo conhecer o uso ou a aplicaccedilatildeo das mesmas syllabasrdquo (MONTEVERDE
18-- p 16) Nessa mesma paacutegina na primeira nota de rodapeacute ficam subjacentes as
teacutecnicas que seratildeo empregadas pelo professor para ensinar os alunos a lerem
Tendo algumas syllabas diversos sons como se vecirc por exemplo nas palavras Beca Beco Arabe etc em que be se pronuncia de tres differentes maneiras conviraacute recomendar aos principiantes que quando soletrarem decircem logo a cada um drsquoellas o som que lhe eacute proprio por isso que toda a syllaba de qualquer palavra pronunciada isoladamente deve ter o mesmo valor a mesma pronunciaccedilatildeo que tem na palavra pronunciada por inteiro (MONTEVERDE 18-- p 16)
O que vemos nesse trecho satildeo as caracteriacutesticas do que Monteverde intitulou
de meacutetodo sem soletraccedilatildeo ou seja no ensino da leitura natildeo se aplicaria a soletraccedilatildeo
convencional de letras e sim a decomposiccedilatildeo da palavra em siacutelabas evidenciando o
valor sonoro da siacutelaba no contexto da palavra em questatildeo Em vista disso o cerne do
processo seria o aprendizado das siacutelabas das siacutelabas para a palavra da palavra para
as siacutelabas Nesse sentido segue-se ateacute a paacutegina 37 primeiro apresentando as siacutelabas
canocircnicas e depois as natildeo canocircnicas Cada siacutelaba vem acompanhada de uma palavra
(separada em siacutelabas) que conteacutem na sua composiccedilatildeo a siacutelaba em estudo Ao
apresentar algumas palavras que o autor julga serem desconhecidas ele lanccedila matildeo
de notas de rodapeacute indicando o seu significado por meio de frases curtas
Na paacutegina 38 satildeo identificados os sinais de pontuaccedilatildeo e outros sinais de que
nos servirmos ao escrever Em sequecircncia da paacutegina 39 agrave 49 haacute um bloco de
exerciacutecios de leitura contendo regras de leitura e pequenos textos com uma conotaccedilatildeo
marcadamente moralista e religiosa
182 Monteverde (18-- p 11) nomeia a letra de imprensa com formataccedilatildeo inclinada de itaacutelica
152
O resumo da Doutrina Cristatilde estaacute publicado entre as paacuteginas 49 e 75 numa
extensatildeo bastante consideraacutevel se comparada com as demais seccedilotildees da obra Entre
os conteuacutedos dessa seccedilatildeo encontramos as oraccedilotildees da tradiccedilatildeo catoacutelica os artigos
da feacute os mandamentos da igreja os pecados capitais e as virtudes contraacuterias a esses
pecados as obras da misericoacuterdia os sacramentos da igreja as virtudes teologais
aleacutem de textos que tratam de orientaccedilotildees de moral e bons costumes com regras
quanto agraves paixotildees prazeres gula pudor ociosidade instruccedilatildeo egoiacutesmo docilidade
orgulho civilidade felicidade moral consciecircncia virtude e viacutecio
Na sequecircncia Monteverde (18--) expotildee as Regras de Escrita Entendida como
ldquoa arte de representar os sons da voz por meio de signaes chamados letrasrdquo
(MONTEVERDE 18-- p 76) a escrita eacute pensada como uma teacutecnica padronizada por
meio de recomendaccedilotildees que vatildeo desde a posiccedilatildeo do corpo ao traccedilado da letra No
ensino inicial da escrita natildeo se falava na composiccedilatildeo autoral do aprendente e sim no
domiacutenio da coacutepia e da arte de bem traccedilar as letras a caligrafia Segundo Monteverde
(18--) esse ensino principiava pelo desenho de riscos e ligaccedilotildees entre eles passando
para o traccedilado de letras mais simples e depois as mais difiacuteceis
Na obra foram enfatizados trecircs tipos de letras manuscritas ldquoo bastardo que eacute
letra mais cheia bastardinho ou letra media entre o bastardo e o cursivo sendo esta
ultima a mais pequena de todasrdquo (MONTEVERDE 18-- p 76)
153
Figura 4 Paacuteginas 86 87 e 88 do Methodo Facillimo para aprender a ler tanto a letra redonda
como a manuscripta no mais curto espaccedilo de tempo (18--)
Fonte Biblioteca Brasiliana Guita e Joseacute Mindlin Satildeo Paulo
Como notamos a diferenciaccedilatildeo entre os tipos de letras ensinadas dava-se
sobretudo pelo seus formatos e tamanhos o que dialoga com as recomendaccedilotildees do
ensino em Portugal no periacuteodo em que a obra de Monteverde foi pensada e escrita
(BOTO 1997) O ensino da escrita no Methodo Facillimo tem a sua extensatildeo entre a
paacutegina 72 e 91 com 33 liccedilotildees que tambeacutem veiculam textos de cunho religioso
Daiacute por diante entre as paacuteginas 92 e 158 conforme Correcirca e Silva (2010)
analisam agrupam-se liccedilotildees com textos diversificados quanto ao gecircnero extensatildeo e
temas que cumprem a finalidade de natildeo apenas aperfeiccediloar as praacuteticas de leitura e
escrita ldquomas tambeacutem transmitir um conjunto de conhecimentos (histoacutericos
matemaacuteticos geograacuteficos) e preceitos (morais religiosos) que naquele momento eram
percebidos como indispensaacuteveis para a formaccedilatildeo das crianccedilasrdquo (CORREcircA SILVA
2010 p 23)
Retomando o citado relatoacuterio do Inspector Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica de Goiaacutes
Felippe Antonio Cardoso de Santa Crus em 1858 aleacutem dos livros Methodo Facillimo
para aprender a ler tanto a letra redonda como a manuscripta no mais curto espaccedilo
de tempo (MONTEVERDE 18--) e do Novo Alfabeto Portuguez dividido por Syllabas
154
com os primeiros elementos da Doutrina Christa e o Methodo de ouvir e ajudar agrave
missa (1785) tambeacutem se ensinava leitura nas escolas goianas utilizando o
Cathecismo Historico de Fleury
Figura 5
Folha de rosto da 2ordf ediccedilatildeo do Pequeno Cathecismo Historico contendo em
compendio a Historia Sagrada e Doutrina Christatilde (1846)
Fonte Biblioteca Digital da Cacircmara dos Deputados
Esse livro tem como tiacutetulo completo Pequeno Cathecismo Historico contendo
em compendio a Historia Sagrada e Doutrina Christatilde sendo amplamente conhecido
e citado apenas como Catecismo Histoacuterico de Fleury183 Escrito em francecircs em 1619
pelo Abade Claude Fleury e traduzido para o portuguecircs brasileiro pelo Diretor das
Escolas Puacuteblicas do Municiacutepio da Corte Joaquim Joseacute da Silveira para uso nas
183 A versatildeo digitalizada dessa obra estaacute disponiacutevel na Biblioteca Digital da Cacircmara dos Deputados Disponiacutevel em lthttpbdcamaragovbrbdhandlebdcamara22562gt Acesso em 12 de maio de 2018
155
mesmas escolas esse livro de acordo com Tambara (2005) e Galvatildeo (2009) foi
difundido em todo o paiacutes como texto de leitura nas salas de aula Em 1854 o Conselho
Diretor do Municiacutepio da Corte oficializou o Catecismo de Fleury como manual escolar
adotado nas escolas puacuteblicas da Corte (TAMBARA 2002)
ldquoAs primeiras ediccedilotildees traduzidas para o portuguecircs satildeo de 1820rdquo sendo que o
Catecismo de Fleury estava entre ldquoos livros escolares mais vendidos no final do seacuteculo
XIX em plena fase republicanardquo (BITTENCOURT 1993 p 201) A 2ordf ediccedilatildeo
publicada no Rio de Janeiro em 1846 foi identificada na Biblioteca Digital da Cacircmara
dos Deputados e segundo informaccedilotildees constantes na folha de rosto foi traduzida em
portuguecircs por ordem do governo imperial
O livro estaacute organizado em duas partes Na primeira com 29 liccedilotildees eacute tratada
a histoacuteria sagrada retomando algumas narrativas da Biacuteblia iniciando pelo Velho
Testamento com a criaccedilatildeo do universo e posteriormente tratando do Novo
Testamento passando pelo nascimento morte de Jesus e a fundaccedilatildeo da Igreja A
segunda parte tambeacutem com 29 liccedilotildees conteacutem a doutrina cristatilde
Na primeira parte as liccedilotildees incluem um pequeno resumo das narrativas biacuteblicas
e na sequecircncia em forma de perguntas e respostas curtas satildeo apresentadas
questotildees relativas aos valores e normas da igreja bem como condutas tiacutepicas do bom
homem civilizado e cristatildeo A segunda parte segue essa mesma organizaccedilatildeo tratando
os textos iniciais de aspectos da doutrina cristatilde tais como os mandamentos da igreja
os sacramentos as oraccedilotildees catoacutelicas etc
A apresentaccedilatildeo tiacutepica de perguntas e respostas remete ao meacutetodo de
catequizaccedilatildeo que ao ser transposto para o ensino de primeiras letras induz o aluno
a decorar com maior facilidade os ensinamentos da tradiccedilatildeo cristatilde e catoacutelica Nessa
perspectiva Orlando (2013) explica que o Catecismo Histoacuterico de Fleury segue o
padratildeo de forma e discurso dos Catecismos publicados no seacuteculo XVII principalmente
os difundidos poacutes-reforma protestante
Os Catecismos e os chamados Compecircndios de Doutrina Cristatilde na histoacuteria da
educaccedilatildeo brasileira foram utilizados segundo Tambara (2003 2005) como material
para o ensino da leitura em vaacuterias proviacutencias Em contrapartida Frade (2010)
argumenta que numa anaacutelise dos mapas de turma do seacuteculo XVIII em Minas Gerais
eacute possiacutevel notar que esses impressos natildeo foram empregados para ensinar a ler e
escrever e sim como um dos conteuacutedos das aulas possivelmente transmitidos pelo
professor de forma oral
156
No caso de Goiaacutes em relatoacuterio Crus (20 de marccedilo de 1858) afirma que o
Catecismo Histoacuterico de Fleury era adaptado para o ensino de leitura Essa adaptaccedilatildeo
pode conotar diferentes usos entretanto o que fica evidente eacute que o livro em questatildeo
era empregado para o ensino inicial da leitura vinculando o processo de
aprendizagem a uma introjeccedilatildeo doutrinaacuteria catoacutelica Isso ratifica os dispositivos legais
aprovados na proviacutencia entre 1835 e 1886 jaacute discutidos na seccedilatildeo 2 desta tese que
indicavam a educaccedilatildeo religiosa nas praacuteticas escolares
Ao verificarmos conforme abordado por Crus (20 de marccedilo de 1858) que se
ensinava leitura por adaptaccedilatildeo dos trecircs livros analisados anteriormente
compreendemos que um dos meacutetodos predominantes no periacuteodo foi o sinteacutetico de
silabaccedilatildeo com forte influecircncia ainda das teacutecnicas do meacutetodo de soletraccedilatildeo A
organizaccedilatildeo de ensino como jaacute anunciado na anaacutelise dos Relatoacuterios de Presidente
de Proviacutencia mantinha-se no meacutetodo individual Caracteriacutesticas desse meacutetodo satildeo
tambeacutem identificadas nas obras anteriormente analisadas que ao trazerem o tiacutepico
exerciacutecio de perguntas e respostas ldquoparecem sugerir a utilizaccedilatildeo nas escolas do
meacutetodo individual de ensino em uma sociedade ainda predominantemente oralrdquo
(GALVAtildeO 2009 p 114)
Ainda sobre o processo de ensino de leitura outro impresso referenciado no
periacuteodo solicitado a partir dos anos de 1870 foi o Expositor Portuguez cujo tiacutetulo
completo eacute O expositor portuguez ou rudimentos de ensino da lingua materna
(MIDOSI 1831) sendo destinado agrave instruccedilatildeo primaacuteria de Portugal e escrito por Luiz
Francisco Midosi (1796-1877) Como veremos com maiores detalhes na proacutexima
seccedilatildeo essa obra foi mencionada em Goiaacutes pela primeira vez na listagem do
Relatoacuterio do Professor goiano Feliciano Primo Jardim (1855) a respeito da sua
experiecircncia na Corte com os meacutetodos Castilho e simultacircneo De antematildeo faz-
necessaacuterio aludir ao fato de que a expressatildeo ldquoExpositor Portuguezrdquo tambeacutem compotildee
o tiacutetulo da obra de Joaquim Maria de Lacerda Novo expositor portuguez ou methodo
facil para aprender a ler184 Considerando que a adjetivaccedilatildeo ldquonovordquo empregada antes
184 Tivemos acesso agrave nona ediccedilatildeo dessa obra (melhorada e aumentada) No livro natildeo consta o ano da ediccedilatildeo Na capa havia o tiacutetulo da obra Novo Expositor Portuguez ou Methodo Facil para aprender a ler o Portuguez tanto a letra impressa como a manuscripta composto para uso das escolas brazileiras por J M Lacerda informando tambeacutem que a publicaccedilatildeo era advinda da Livraria Garnier A obra apresenta dimensatildeo de 175 x 11 cm com 180 paacuteginas Antes de apresentar as liccedilotildees Lacerda faz uma advertecircncia ao leitor ldquoo NOVO EXPOSITOR PORTUGUEZ eacute uma obra inteiramente nova e differente do Expositor Portuguez de Midosi Divide-se em tres partes principaes o Syllabario o Primeiro livro de leitura e Pequenos
157
da expressatildeo ldquoExpositor Portuguezrdquo diferenciaria esses dois livros e que isso de certa
forma poderia se refletir nos pedidos feitos e tambeacutem em consonacircncia aos estudos
da histoacuteria do livro e da leitura no Brasil oitocentista (VOJNIAK 2014 GONTIJO
GOMES 2013) consideramos que o livro que circulou em Goiaacutes foi a publicaccedilatildeo de
Midosi (1831)
O Expositor Portuguez se destinava agrave alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas com teacutecnicas
de soletraccedilatildeo ldquopois os exerciacutecios partem do elemento letra avanccedilam para a silabaccedilatildeo
sem sentido depois introduzem palavras com sentido e finalmente pequenos textosrdquo
(VOJNIAK 2014 p 230) Midosi (1831) apresenta as palavras separadas por siacutelabas
tendo inclusive uma parte de sua obra destinada aos ensinamentos de Moral e
Doutrina Cristatilde o que remonta a uma das caracteriacutesticas dos impressos que
circularam em Goiaacutes os quais continham um vieacutes altamente religioso
As menccedilotildees encontradas ao Expositor Portuguez no periacuteodo entre 1835 e 1886
ocorreram na deacutecada de 50 como explicitaremos na proacutexima seccedilatildeo e depois apenas
em 1875 em trecircs documentos todos localizados no mesmo livro (GOIAacuteS 1873-1877
AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 575) Uma dessas
fontes destaca-se uma vez que faz referecircncia ao fornecimento dessa obra
juntamente com outros materiais agrave Professora da classe de primeiras letras do sexo
feminino da cidade de Palmas185 D Theodora Serra O mesmo pedido seria remetido
a outros professores da proviacutencia o que nos leva a crer que este livro circulou pelas
classes da instruccedilatildeo primaacuteria goiana Insta esclarecer que o documento natildeo especifica
quais outros professores receberiam a obra deixando tambeacutem duacutevidas quanto ao
envio Durante o Impeacuterio nos relatoacuterios analisados por Vojniak (2014) o autor elucida
que a obra de Midosi (1831) tambeacutem conhecida como a Cartilha de Midosi foi uma
das mais citadas como sendo utilizada por vaacuterias escolas de primeiras letras do
Municiacutepio da Corte
Outros impressos citados nas listagens de expediente escolar e que satildeo
destinados ao ensino de leitura foram Bacadafaacute ou Methodo de Leitura Abreviada de
Antonio Pinheiro de Aguiar (ASSIS 17 de janeiro de 1872 AHEG Documentaccedilatildeo
Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 529) e o Methodo facil para aprender a ler
tratadosrdquo (LACERDA sd p III grifos do autor) Consideramos que a questatildeo apresentada por Lacerda demonstra que para se referir ao seu livro era comum o uso da adjetivaccedilatildeo ldquonovordquo o que tambeacutem demarca a diferenccedila entre sua obra e a de Midosi 185 Palmas era um municiacutepio naquele momento localizado ao Norte da proviacutencia de Goiaacutes Apoacutes a emancipaccedilatildeo do Estado do Tocantins em 1988 Palmas tornou-se a sua capital
158
em 15 liccedilotildees de Victor Renault (THESOURARIA DA FASENDA DA PROVINCIA DE
GOYAS 3 de setembro de 1874 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e
Impressa nordm 575)
Ambos os livros tinham como mote a alfabetizaccedilatildeo em um curto espaccedilo de
tempo O primeiro impresso intitulado com o nome de seu meacutetodo Bacadafaacute sobre
o qual trataremos com maiores detalhes na seccedilatildeo 5 deste trabalho foi uma produccedilatildeo
brasileira do seacuteculo XIX destinada tanto agrave alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas quanto de jovens
e adultos (PINHEIRO DE AGUIAR 1871) Escrito por um professor natural da
Proviacutencia de Minas Gerais e que atuou na Corte Imperial Antonio Pinheiro de Aguiar
o meacutetodo consistia em 20 liccedilotildees para o ensino da leitura e da escrita A partir dos
nomes de quatro iacutendios que formavam uma famiacutelia brasileira (Bacadafaacute Gajalamaacute
Naparasaacute Tavaxazaacute) e com auxiacutelio de historietas o aprendizado da leitura e da escrita
vai se consolidando em praacuteticas que variam entre os meacutetodos sinteacuteticos e analiacuteticos
de alfabetizaccedilatildeo (SCHUELER 2005) Embora o autor se opusesse ao tradicional
meacutetodo de soletraccedilatildeo o que por si jaacute denotaria uma inovaccedilatildeo em sua proposta
metodoloacutegica Schueler (2005) demonstra que a originalidade da proposta de Aguiar
consistia no ldquosuposto caraacuteter nacionalrdquo que o livro continha Utilizando siacutembolos e
representaccedilotildees nacionais conforme a autora alude o meacutetodo Bacadafaacute formava uma
ideia de nacionalidade no alunado de modo que haacute ldquoreferecircncia ao uso do meacutetodo para
o ensino de uma histoacuteria e de uma geografia nacionaisrdquo (SCHUELER 2005 p 183
grifos da autora)
O segundo impresso sob a denominaccedilatildeo de Methodo facil para aprender a ler
em 15 liccedilotildees foi escrito por Pierre Victor Renault e mencionado apenas uma vez em
1874 sendo fornecidas duas duacutezias dele para o expediente da escola do sexo
masculino da cidade de Porto Imperial186 No documento fica evidenciado que o
professor da escola fez o pedido desse livro juntamente com a solicitaccedilatildeo de Cartilhas
e Traslados sem especificaccedilatildeo dos tiacutetulos (THESOURARIA DA FASENDA DA
PROVINCIA DE GOYAS 3 de setembro de 1874 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita
Datilografada e Impressa nordm 575)
Mauraux (2000) informa que Renault nasceu na Franccedila chegando ao Brasil em
1832 Com formaccedilatildeo em Engenharia Civil publicou livros especialmente ligados agrave
186 Porto Imperial era um municiacutepio naquele momento localizado ao Norte da proviacutencia de Goiaacutes Apoacutes a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica recebeu o nome de Porto Nacional hoje localizado no estado do Tocantins
159
aacuterea da Aritmeacutetica Atuou na mineraccedilatildeo e como professor abrindo um Coleacutegio em
Barbacena Minas Gerais e ldquojulgando insuficientes certos manuais disponiacuteveis no
mercadordquo iniciou a trajetoacuteria de escritor de manuais escolares para ensinar seus
alunos (MAURAUX 2000 p 42) Costa (2010) em sua pesquisa no Cataacutelogo Geral
da Biblioteca Nacional de Franccedila explicita que encontrou cinco publicaccedilotildees de autoria
de Renault sendo uma delas o Methodo facil para aprender a ler em 15 liccedilotildees
atribuindo-lhe a primeira ediccedilatildeo em 1867
No Repositoacuterio Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina
conseguimos ter acesso a uma coacutepia incompleta da 4ordf ediccedilatildeo desse livro datada de
1875187
Figura 6 Folha de rosto da 4ordf ediccedilatildeo do Methodo facil para aprender a ler em 15 liccedilotildees (1875)
Fonte Repositoacuterio Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina
187 A versatildeo digitalizada de fragmentos dessa obra estaacute disponiacutevel no Repositoacuterio Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina Disponiacutevel em lthttpsrepositorioufscbrhandle 123456789100353gt Acesso em 18 de maio de 2019
160
Na capa logo abaixo do tiacutetulo informa-se que a obra conteacutem as rezas cristatildes
a histoacuteria natural dos animais do Brasil faacutebulas moralidades maacuteximas e
pensamentos de autores os algarismos aacuterabes e romanos uma taacutebua de Pitaacutegoras
aleacutem das unidades de peso comprimento capacidade e tempo Portanto o livro de
Renault (1875) aleacutem do objetivo de ensinar a ler copilava outros conhecimentos de
disciplinas escolares presentes no curriacuteculo das escolas brasileiras do seacuteculo XIX
(BITTENCOURT 2008) Dentre esses conhecimentos um destaque que gostariacuteamos
de fazer eacute para as rezas cristatildes para os ensinamentos de moralidade e os conteuacutedos
de matemaacutetica saberes que constituiacuteam as mateacuterias ensinadas nas classes goianas
de ensino primaacuterio nos anos de 1870-80 conforme exaravam os Regulamentos da
Instruccedilatildeo Puacuteblica e Particular da Proviacutencia de Goiaacutes em vigecircncia no periacuteodo (GOIAacuteS
1869 1884 1886a) Logo o envio do livro Methodo facil para aprender a ler em 15
liccedilotildees para a escola de Porto Imperial obviamente se justificou devido agrave amplitude da
obra que estava em sintonia com a legislaccedilatildeo do periacuteodo e com os ideaacuterios que
circulavam sobre os meacutetodos utilizados para a crianccedila aprender a ler
O livro de Renault (1875) tem uma introduccedilatildeo na qual o autor aponta algumas
concepccedilotildees do meacutetodo
Para a utilidade da mocidade brasileira e para facilitar o conhecimento da leitura apresenta-se aos pais de familia o seguinte systema adoptado em Franccedila ha jaacute muitos annos e cujos resultados tecircm sido imensos por ter dispensado as inuteis e enfadonhas cartas do b a ba fazendo passar os meninos a soletrar immediatamente que conhecerem as lettras em 15 liccedilotildees poacutede um menino saber ler (RENAULT 1875 p v)
Por esse excerto e pelo desenrolar do discurso construiacutedo pelo autor notamos
que o meacutetodo utilizado eacute o de soletraccedilatildeo com o diferencial da supressatildeo das Cartas
de ABC o que indica que Renault utiliza um meacutetodo tradicional creditando-lhe um
tom de modernidade O escritor ainda demonstra a utilizaccedilatildeo de figuras que ilustram
a letra estudada conferindo a essa questatildeo um aspecto autoral
161
Figura 7 Paacutegina vii do Methodo facil para aprender a ler em 15 liccedilotildees (1875)
Fonte Repositoacuterio Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina
As imagens ndash animais ou plantas ou objetos ndash como o autor salienta satildeo
tiacutepicas do Brasil utilizadas para ldquoexcitar a imaginaccedilatildeo viva das crianccedilasrdquo (RENAULT
1875 p v) A utilizaccedilatildeo de imagens acompanhando as letras do alfabeto jaacute era algo
bem comum nos impressos que circulavam no Brasil no seacuteculo XIX conforme Vojniak
(2014) esclarece Poreacutem em Victor Renault observamos que a diferenccedila estaacute na
associaccedilatildeo entre a letra e uma imagem tiacutepica do contexto brasileiro diferenciando seu
impresso de outros que circulavam no paiacutes
Como a obra a que tivemos acesso estava incompleta natildeo conseguimos fazer
um detalhamento das suas 15 liccedilotildees todavia sobre algumas natildeo acessiacuteveis haacute
informaccedilatildeo do autor na introduccedilatildeo de que ldquoentre os assumptos que os meninos
devem logo soletrar [] escolheu-se as rezas que satildeo indispensaveis ao chistatildeo
conhecer proporcionando assim dous imensos resultados nrsquoum soacute estudordquo
(RENAULT 1875 p v)
162
A circulaccedilatildeo das obras de Antonio Pinheiro de Aguiar e de Victor Renault pode
ser considerada uma das propostas da proviacutencia goiana em responder aos anseios
das famiacutelias e da demanda da sociedade Primitivo Moacyr (1940) explicita por meio
da coletacircnea de documentos da proviacutencia de Goiaacutes no periacuteodo imperial que entre os
motivos de os pais natildeo cumprirem com a obrigatoriedade escolar estava o fato de os
professores usarem meacutetodos enfadonhos que natildeo garantiam o aprendizado eficaz agrave
mocidade goiana Aleacutem disso os relatoacuterios de Presidente de Proviacutencia da Goiaacutes
referentes o periacuteodo histoacuterico desta tese enfatizaram essa questatildeo demonstrando
que ao longo do seacuteculo XIX houve vaacuterias tentativas do governo em difundir novas
propostas que atendessem aos anseios da populaccedilatildeo aliando um aprendizado
eficiente e um curto espaccedilo de tempo
Essa fusatildeo entre qualidade e tempo de aplicaccedilatildeo de um meacutetodo para o ensino
de leitura e escrita permitia que a crianccedila concluiacutesse os estudos elementares mais
rapidamente de forma a estar disponiacutevel para ajudar os pais nas lidas da casa e do
trabalho Canezin e Loureiro (1994) ratificam que as famiacutelias nesse periacuteodo natildeo
valorizavam a escola devido ao longo tempo demandado para a aprendizagem o que
se podia atribuir especialmente agrave falta de professores qualificados para aplicaccedilatildeo de
meacutetodos de ensino eficazes
Haacute que se destacar que durante o Impeacuterio as legislaccedilotildees educacionais em
Goiaacutes enfatizaram a necessidade de a escola responder agraves aspiraccedilotildees de uma
educaccedilatildeo praacutetica que aliasse o ensino das noccedilotildees rudimentares da leitura da escrita
e da educaccedilatildeo religiosa com a instruccedilatildeo de teacutecnicas que auxiliassem os alunos no
seu cotidiano civilizando-os pelas normas cristatildes e educando-os para o trabalho Agraves
meninas ensinavam-se trabalhos de agulhas e outras prendas domeacutesticas para os
meninos houve iniciativas de abertura nos anos de 1860 de oficinas para ensino de
uma profissatildeo como por exemplo ferreiro sapateiro carapina marceneiro alfaiate
seleiro etc (PRIMITIVO MOACYR 1940) Essas oficinas geralmente foram pensadas
para atender os oacuterfatildeos indigentes abandonados ou as crianccedilas cujas famiacutelias pela
extrema pobreza natildeo conseguiam alimentaacute-las e educaacute-las188 Ademais se cultivava
188 ldquoEm Goiaacutes Fonseca (1986) registra que durante o Impeacuterio a uacutenica tentativa para se instalar uma instituiccedilatildeo de ensino profissional refere-se a uma autorizaccedilatildeo para que o Presidente da Proviacutencia criasse na capital um estabelecimento desta natureza Caso viesse a funcionar a instituiccedilatildeo receberia o nome de Instituto Imperial de Educandos Artiacutefices Essa tentativa poreacutem natildeo chegou a se concretizar devido agrave falta de condiccedilotildees da proviacutencia para mantecirc-la Ademais a inexistecircncia de uma induacutestria manufatureira na regiatildeo dispensava este
163
a tradiccedilatildeo de o menino ter a mesma profissatildeo do pai e por isso o aprendizado para o
trabalho ocorria em casa Valdez (2003) em sua pesquisa sobre a histoacuteria da infacircncia
entre os seacuteculos XVIII e XIX explica que Goiaacutes natildeo se diferenciava das outras
proviacutencias brasileiras e as crianccedilas goianas eram ldquovistas como pequenos adultos
Delas era exigido comportamento de gente grande eram vestidas como adultos
casavam-se cedo trabalhavam precocemente etcrdquo (VALDEZ 2003 p 12)
Retomando a linha de exposiccedilatildeo deste capiacutetulo sobre os livros de primeiras
letras utilizados em Goiaacutes nas documentaccedilotildees inventariadas encontramos entre
1835 e 1886 apenas a menccedilatildeo a um livro designado de ldquolivro de leitura manuscritardquo
nomeado nas listagens de expediente escolar como Curso graduado de letra
manuscripta cujo tiacutetulo completo eacute Curso graduado de letra manuscripta em 21 liccedilotildees
composto para o uso da mocidade brasileira189 Segundo Batista (2002) ele foi
publicado em 1872 e na sua capa natildeo consta autoria apenas a indicaccedilatildeo da
publicaccedilatildeo que ocorreu pelo ldquoB Garnier livreiro-editorrdquo Na proviacutencia de Goiaacutes essa
obra foi indicada apenas duas vezes (SERRA 1873 DVD Coleccedilatildeo de Documentos
de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes vol 1 BRANDAtildeO 6 de abril de 1875 AHEG
Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 575) Apesar disso ela
circulou com maior vigorosidade nas escolas primaacuterias goianas durante a Repuacuteblica
conforme constatamos na consulta agraves documentaccedilotildees do Arquivo Histoacuterico Estadual
de Goiaacutes
Os livros de leitura manuscrita ou paleoacutegrafos de acordo com Bertoletti (2017)
ldquodestinavam-se ao ensino da leitura e natildeo da escrita e cumpriram uma espeacutecie de
transiccedilatildeo entre os escassos materiais para ensino da leitura elaborados pelos
proacuteprios professores e os livros de leitura mais sofisticados []rdquo (BERTOLETTI 2017
p 79) Sobre a organizaccedilatildeo do livro Curso graduado de letra manuscripta sabemos a
partir dos estudos de Batista (2002) que ele estaacute dividido em duas partes a primeira
com tabelas do alfabeto em diferentes formatos de letras a segunda com textos do
proacuteprio autor abordando ldquouma seleccedilatildeo de temas cuja ecircnfase recai sobre a histoacuteria
poliacutetica e literaacuteria brasileira seus personagens e acontecimentosrdquo (BATISTA 2002
sp)
tipo de empreendimentordquo (SAacute et al 2015 p 9663) Para maiores informaccedilotildees cf Fonseca 1986 189 Natildeo conseguimos ter acesso a essa obra durante o periacuteodo de escrita desta tese As informaccedilotildees aqui apresentadas sobre esse livro foram extraiacutedas dos estudos de Batista (2002) e Batista e Galvatildeo (2009)
164
Batista (2009) ao analisar essa obra aponta que ela parece ser a primeira ldquoque
se baseia numa retoacuterica pedagoacutegica que simula uma exposiccedilatildeo oral a grupo de
crianccedilas e natildeo nos procedimentos retoacutericos tradicionaisrdquo (BATISTA 2009 p 162)
Essa nova retoacuterica segundo o autor se concretiza por uma interlocuccedilatildeo direta entre
o escritor e as crianccedilas que utiliza expressotildees que chamam a atenccedilatildeo do leitor
entusiasmando-o pela leitura e aprendizagem
Nas listas de expediente escolar ainda encontramos menccedilatildeo a materiais de
leitura destinados aos professores cuja funccedilatildeo foi disseminar aspectos do ensino de
leitura e dos meacutetodos de ensino subsidiando as praacuteticas nas escolas goianas Esses
impressos foram comprados a partir dos anos de 1870 momento em que houve na
proviacutencia uma difusatildeo de novas propostas metodoloacutegicas para alfabetizar crianccedilas
Mortatti (2000) evidencia que as ldquotematizaccedilotildees sobre alfabetizaccedilatildeordquo190 estatildeo
presentes em livros teoacutericos prefaacutecios e nas instruccedilotildees de cartilhas eou livros de
leitura etc de modo que nesses impressos os professores tiveram acesso a
conteuacutedos que teorizavam e orientavam os modos de ensinar e de aprender leitura
Goiaacutes natildeo foi um produtor das tematizaccedilotildees mas consumidor desses impressos
advindos de proviacutencias vizinhas ou de experiecircncias bem-sucedidas no Brasil Arauacutejo
e Silva (1975) complementa que durante o Impeacuterio Goiaacutes buscou notadamente em
Satildeo Paulo Minas Gerais e Rio de Janeiro algumas orientaccedilotildees legislaccedilotildees e praacuteticas
educacionais que pudessem contribuir para a melhoria da educaccedilatildeo goiana
Na seccedilatildeo anterior destacamos alguns feitos de presidentes que destinaram
recursos para a compra desses impressos dirigidos agrave formaccedilatildeo dos professores e
que tratavam sobre os meacutetodos de ensino Como vimos circulou no seacuteculo XIX a ideia
de que o atraso educacional em Goiaacutes se devia agrave falta de uma Escola Normal e
tambeacutem de livros e tratados que orientassem os professores a como manejar os novos
meacutetodos ou tendecircncias pedagoacutegicas
190 Termo utilizado em referecircncia ao trabalho de Mortatti (2000) Essa autora propotildee uma histoacuteria dos meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo em Satildeo Paulo a partir de uma anaacutelise dos documentos enfatizando seu conteuacutedo finalidade e forma de veiculaccedilatildeo no que denomina de tematizaccedilotildees normatizaccedilotildees e concretizaccedilotildees ldquoa) tematizaccedilotildees ndash contidas especialmente em artigos conferecircncias relatos de experiecircncia memoacuterias livros teoacutericos e de divulgaccedilatildeo teses acadecircmicas prefaacutecios e instruccedilotildees de cartilhas e livros de leitura b) normatizaccedilotildees ndash contidas em legislaccedilatildeo de ensino (leis decretos regulamentos portarias programas e similares) e c) concretizaccedilotildees ndash contidas em cartilhas e livros de leitura ldquoguias do professorrdquo memoacuterias relatos de experiecircncias e material produzido por professores e alunos no decorrer das atividades didaacutetico-pedagoacutegicasrdquo (MORTATTI 2000 p 29)
165
Nas listas de expediente escolar foram mencionados dois livros cuja finalidade
era orientar o professor sobre os meacutetodos de ensino assim intitulados ldquoMethodos de
Leiturardquo e ldquoManual do Professor Primariordquo
Um dos documentos que encontramos faz menccedilatildeo a uma obra com o tiacutetulo
ldquoMethodos de Leiturardquo e manda distribuir 499 coacutepias dele nas escolas de instruccedilatildeo
primaacuteria da proviacutencia (ASSIS 17 de janeiro de 1872 AHEG Documentaccedilatildeo
Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 529) Entretanto por ter um tiacutetulo tatildeo
abrangente e comum aleacutem de principalmente no documento natildeo constar nome do
autor natildeo conseguimos identificaacute-lo e assim natildeo o localizamos
O segundo impresso no ofiacutecio expedido pela Tesouraria Provincial de Goiaacutes
consta que foi enviado apenas um volume da obra para uma escola de Vila das Flores
(BRANDAtildeO 26 de marccedilo de 1877 p 98 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita
Datilografada e Impressa nordm 575) Acerca do referido Manual do Professor Primaacuterio
Bastos (1999) faz citaccedilatildeo em seu texto
VILLELA quando analisa a ldquoPraacutetica cotidiana na Escola Normal o projeto e sua realizaccedilatildeordquo assinala que o Presidente da Proviacutencia ndash Paulino Soares de Souza ldquomanda distribuir para os alunos da Escola Normal e para todos os professores da Proviacutencia o Manual do Professor Primaacuterio escrito por um francecircs Pretendia assim difundir o meacutetodo lancasteriano e tambeacutem os ensinamentos morais que continha esta obrardquo A autora natildeo cita o autor e nem aprofunda a temaacutetica relativa aos conteuacutedos da formaccedilatildeo de professores na primeira Escola Normal do Brasil [] (BASTOS 1999 p 242 grifos nossos)
O texto a que Bastos (1999) faz referecircncia eacute parte do Capiacutetulo 3 da Dissertaccedilatildeo
de Mestrado de Villela (1990) Percorrendo a possiacutevel rota realizada por esta autora
ao assinalar a menccedilatildeo sobre a distribuiccedilatildeo do Manual do Professor Primaacuterio feita pelo
Presidente da Proviacutencia do Rio de Janeiro Paulino Soares de Souza natildeo
identificamos nos Relatoacuterios expedidos por esse Presidente publicados entre 1836 a
1840191 nenhuma alusatildeo ao tiacutetulo desse livro Com esse mesmo tiacutetulo Theobaldo
Miranda Santos publicou uma obra de sua autoria em 1948 (ALMEIDA FILHO 2008)
Consultando duas ediccedilotildees desse livro (SANTOS 1954 1958) natildeo haacute nota ou
referecircncia a algum impresso sob a mesma denominaccedilatildeo Portanto tal como Bastos
(1999) apontou ainda permanece para noacutes desconhecido o autor e a temaacutetica
191 Disponiacutevel em lthttpddsnextcrledutitles184c=4ampm=0amps=0ampcv=0ampr=0ampxywh=532 2C1112C31432C2217gt Acesso em 19 de maio de 2019
166
completa do Manual do Professor Primaacuterio que circulou no periacuteodo imperial O que
fica assinalado pela citaccedilatildeo acima eacute que esse Manual foi baseado no meacutetodo
Lancaster e continha ensinamentos morais Tal como explicitamos na seccedilatildeo anterior
tal meacutetodo natildeo foi propagado em Goiaacutes devido aos altos custos dos materiais que sua
praacutetica impunha
No que concerne aos impressos destinados especificamente ao ensino da
escrita nas listas encontradas no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes era comum os
professores solicitarem os Traslados ou Exemplares para a escrita Tomando como
referecircncia essas listagens e os dados das pesquisas de Batista e Galvatildeo (2009) e
Frade (2010) podemos dizer que os Traslados satildeo impressos publicados em folhas
soltas ou folhetos grampeados com modelos para a escrita cujo objetivo era ensinar
o traccedilado das letras para as crianccedilas Trindade (2001) a partir das obras portuguesas
Diretorio para os senhores professores das escoacutelas primarias pelo Metodo Portuguez
de Antoacutenio Feliciano de Castilho192 (1854) e Metodologia Especial a liacutengua e a
literatura portuguesa na educaccedilatildeo primaacuteria de Bernardino da Fonseca Lage193 (1924)
explicita que os Traslados ldquoeram modelos que continham as liccedilotildees de escrita a serem
copiados pelosas alunosas em papel transparente A coacutepia se dava calcando e
cobrindo com o laacutepis o modelo que aparecia no papel transparenterdquo (TRINDADE
2001 p 314)
Frade (2010) discutindo sobre esses materiais alerta que haacute duacutevidas se eles
eram ou natildeo trabalhados no ensino inicial da escrita ldquouma vez que o ensino
simultacircneo dos princiacutepios da leitura e da escrita comeccedila a aparecer como discurso
pedagoacutegico e em manuais e livros produzidos no final do seacuteculo XIX principalmente
nos de Felisberto de Carvalhordquo (FRADE 2010 p 271) Importante ainda ressaltar
sobre a terminologia ldquotrasladordquo que ela pode designar tanto um impresso com as
caracteriacutesticas apresentadas anteriormente quanto uma praacutetica de ensino de escrita
192 Autor do meacutetodo portuguecircs de leitura repentina tambeacutem nominado de meacutetodo Castilho Antoacutenio Feliciano de Castilho foi educador e poeta portuguecircs Sobre ele trataremos com maiores detalhes na seccedilatildeo 4 desta tese Acerca do livro Diretorio para os senhores professores das escoacutelas primarias pelo Metodo Portuguez citado por Trindade (2001) encontramos uma versatildeo digitalizada no repositoacuterio Google Livros (CASTILHO 1854) O referido livro tem 60 paacuteginas e foi publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra em 1854 Trata-se de uma espeacutecie de Manual para aplicaccedilatildeo do meacutetodo portuguecircs criado por Castilho 193 ldquoBernardino Lage diplomou-se na Escola Normal de Lisboa na viragem do seacuteculo XIX para o seacuteculo XX Em 1911 era professor na Escola Normal de Coimbra Exerceu igualmente atividade docente em Angolardquo (SILVA 2013 p 244-245)
167
que se distinguia como um exerciacutecio de coacutepia em que o aluno cobria as letras
desenhadas pelo professor (FRADE GALVAtildeO 2016) Em Goiaacutes nos seacuteculos XIX e
XX Arauacutejo e Silva (1975) elucida que os Traslados foram usados para os alunos que
jaacute liam com fluecircncia com objetivo de que lessem todos os tipos de letras ao mesmo
tempo que aprendiam a reproduzir os variados modelos de escrita
Na maioria das solicitaccedilotildees feitas pelos professores goianos natildeo havia menccedilatildeo
ao tiacutetulo dos Traslados os pedidos faziam alusatildeo geneacuterica a ldquoColleccedilatildeo de trasladosrdquo
ldquoExemplares para a escritardquo ldquoColleccedilatildeo de exemplares para escritasrdquo ldquoTraslados
sortidosrdquo e ldquoTraslados Manuscriptosrdquo Os dois Traslados com nomeaccedilatildeo proacutepria foram
solicitados a partir dos anos de 1870 intitulados de Coleccedilatildeo de tralados de Cirillo e a
Collecccedilatildeo de traslado de Carstaires (THESOURARIA DAS RENDAS PRONVICIAES
DE GOYAZ 14 de fevereiro de 1859 DVD Coleccedilatildeo de Documentos de Histoacuteria da
Educaccedilatildeo de Goiaacutes vol 1)
Os Traslados de Cirilo Dilermando da Silveira194 conforme pesquisa de
Tambara (2002) foram adotados em 1854 nas escolas puacuteblicas da Corte por meio
da autorizaccedilatildeo do Inspetor Geral auxiliado pelo Conselho Diretor do Municiacutepio da
Corte Vidal e Gvirtz (1998) expotildee que para o ensino da escrita na escola elementar
brasileira na segunda metade do seacuteculo XIX usavam-se os Manuais de Caligrafia
eou as Coleccedilotildees de Traslados com detaque para a obra de Cirilo
Sobre a Collecccedilatildeo de traslado de Carstaires natildeo identificamos ateacute esse
momento nenhuma referecircncia
Ainda sobre o ensino inicial de escrita nas escolas goianas notamos que
embora as Cartas de ABC fossem pensadas para se ensinar leitura haacute indiacutecios de
praacuteticas que delas se apropriavam para o ensino da escrita Numa das listagens
localizadas o professor interino Ravolindo [ilegiacutevel] Rosa do povoado de Satildeo Joseacute
do Araguaya notifica o recebimento de vaacuterios objetos relatando a ausecircncia das
Cartas
194 Cirilo eacute autor brasileiro natural de Icoacute Cearaacute Atuou tanto como funcionaacuterio puacuteblico na Proviacutencia do Espiacuterito Santo quanto no Municiacutepio da Corte como professor Conhecido pela publicaccedilatildeo da Colleccedilatildeo de traslados oferecidos para uso da mocidade brasileira (sd) tambeacutem foi autor de Compendio de Grammatica da liacutengua portuguesa (1855) e Exerciacutecios de analyse lexicograacutefica ou gramatical e de anaacutelise sintaacutexica ou loacutegica (1870) Cf Portal da Histoacuteria do Cearaacute Disponiacutevel em lthttpportalcearaprobrindexphpoption=com_conten tampview=articleampid=1864ampcatid=293ampItemid=101gt Acesso em 18 de marccedilo de 2019
168
Naotilde tendo recebido todos os utensilios constantes na listagem na falta das 12 Cartas peccedilo a resma de papel almasso e uma Carta para os alunnos copiarem e soletrarem o abc e o livrinho do Cathecismo (ROSA 06 de marccedilo de 1869 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 188)
O exerciacutecio da coacutepia no trecho eacute anunciado juntamente com o de soletraccedilatildeo
das Cartas de ABC e do Catecismo Embora se registre a praacutetica de um professor em
especiacutefico na mensagem haacute sinais de que nas escolas goianas se aproveitavam os
impressos existentes tanto para o ensino inicial da leitura e da escrita quanto para o
treino da leitura corrente de natureza memorizada No fragmento da correspondecircncia
do professor Ravolindo o Catecismo eacute mencionado como sendo utilizado nos
exerciacutecios de soletraccedilatildeo algo incomum nas apropriaccedilotildees desse livro na histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo no Brasil (FRADE 2010) Nesse ponto se retomarmos o relatoacuterio de
Crus (20 de marccedilo de 1858) citado neste item que diz que o Catecismo Histoacuterico de
Fleury era adaptado para o ensino da leitura temos aqui um exemplo de como essa
adaptaccedilatildeo acontecia nas escolas de primeiras letras goianas Logo podemos afirmar
que os Catecismos em Goiaacutes do seacuteculo XIX foram instrumentos para que os alunos
conhecessem aleacutem da doutrina catoacutelica tambeacutem a palavra impressa de modo que
esse livro foi fortemente incorporado na alfabetizaccedilatildeo das crianccedilas
Por fim cabe destacar que as atividades de escrita das crianccedilas foram
utilizadas para atestar o niacutevel de adiantamento das escolas certificando sobre o
desenvolvimento do trabalho dos professores e a quantidade de alunos matriculados
e frequentes nas aulas Por Ordem Presidencial de 18 de julho de 1866 ficou
determinado em Goiaacutes
1ordf secccedilatildeo ndash Palacio do governo de Goyaz 18 de julho de 1866 ndash Sendo de summa necessidade que esta presidencia seja sem cessar informada do modo porque os professores das cadeiras do ensino primario cumprem seus deveres se as escolas de um e outro sexo satildeo frequentadas e se os alumno tem ou natildeo adiantamento cumpre eu Vme determine aos inspetores parochiaes que os professores e professoras faratildeo constar que no principio de cada vez deveratildeo apresentar uma relaccedilatildeo dos alumnos ou alumnas matriculadas mencionando o numero de faltas que commeteratildeo no mez anterior e igualmente uma colecccedilatildeo das escriptas dos mesmo feitas nelas as devidas correcccedilotildees (FRANCcedilA 1867 Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes p 62-63)
Esta Ordem estaacute presente no Relatoacuterio do Presidente Augusto Ferreira Franccedila
de 1867 e tambeacutem foi enviada por ofiacutecio a todos os Inspetores Paroquiais da proviacutencia
169
(FRANCcedilA 7 de junho de 1866 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e
Impressa nordm 436) Os resultados do ensino de escrita se estabeleceram como uma
forma de controle sobre as praacuteticas dos professores e nesse aspecto revela-se uma
visatildeo da escrita como decorrecircncia apenas do processo de alfabetizaccedilatildeo
considerando-a como atestado de boas praacuteticas Pela escrita dos alunos a intenccedilatildeo
era perceber se o meacutetodo de ensino funcionava e se os professores estavam
habilitados para o magisteacuterio jaacute que as coleccedilotildees de escrita a serem enviadas ao
Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica deveriam ser remetidas com as devidas
correccedilotildees Franccedila (7 de junho de 1866 1867) explicou que uma das penalidades
aplicada aos Mestres que natildeo enviassem o que foi solicitado era a demissatildeo por justa
causa
A Ordem de Franccedila (1867) ainda dispunha que todos os documentos
constantes no excerto deveriam ser enviados pelos professores por intermeacutedio dos
Inspetores Paroquiais constando em ofiacutecio dirigido ao Inspetor Geral as seguintes
informaccedilotildees o estado das escolas e os progressos que os alunos estavam
manifestando Os Inspetores Paroquiais por sua vez deveriam informar o nuacutemero de
vezes que visitaram as escolas o estado em que elas se encontravam e o modo como
os professores desempenharam o magisteacuterio Finalmente apoacutes a anaacutelise das
coleccedilotildees de escritas e das informaccedilotildees encaminhadas pelos professores e Inspetores
Paroquiais o Inspetor Geral informaria ao Presidente a situaccedilatildeo da instruccedilatildeo puacuteblica
na proviacutencia
Agrave vista disso cabe retomar o que Foucault (2003) ao pensar as questotildees
relacionadas ao discurso afirmava O autor o entendia como um coletivo de
pensamentos reunidos por um indiviacuteduo ou um grupo que manifesta suas ideologias
constituindo subjetividades e relaccedilotildees de poder Um discurso tem uma histoacuteria proacutepria
sendo fruto das condiccedilotildees de uma eacutepoca e do grupo que o faz eou legitima Dessa
maneira o discurso empreendido por Franccedila (7 de junho de 1866 1867) demonstra
que haacute uma relaccedilatildeo de poder expliacutecita revelando um jeito de fazer poliacutetica que
considera a inspeccedilatildeo e a coerccedilatildeo como modos preconizantes da atuaccedilatildeo do Governo
para melhoria do cenaacuterio de analfabetismo da proviacutencia goiana
No Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes identificamos documentos que
mostram a atuaccedilatildeo do Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica em relaccedilatildeo as coleccedilotildees de
escrita Haacute dois livros de correspondecircncias entre 1866 e 1867 com ofiacutecios entre o
Presidente e o Inspetor Geral em que fica niacutetida a ideia que se tinha sobre o ensino
170
de escrita naquele momento (GOIAacuteS 1858-1868 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita
Datilografada e Impressa nordm 397 GOIAacuteS 1862-1871 AHEG Documentaccedilatildeo
Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 436)
Agrave guisa de exemplo de uma dessas correspondecircncias apresentamos o
fragmento abaixo
Ilmo e Exmo Senr Dr Augusto Ferreira Franccedila ndash Presidente da provincia = Joatildeo Augusto de Paacutedua Fleury Secretaria drsquoinstruccedilatildeo publica em Goyaz 21 drsquoOutubro de 1866 ndash Ilmo e Exmo Senr o = Tenho a honra de passar as matildeos de V Exordf as collecccedilotildees drsquoescriptas e officios concernentes as escolas de Meiaponte S Cruz Morrinhos e Rio Claro [ilegiacutevel] por copia o officio que nesta data [ilegiacutevel] o Inspector Parochial de Meiaponte = Aos Inspectores Parochiais notei tambem os erros que encontrei nas escriptas recomendei que nas visitas que fizessem as respectivas escolas chamassem a atenccedilatildeo aos Professores para os mencionados erros que denotatildeo vicio e atraso no ensino Se as minhas observaccedilotildees natildeo produzerem efeito opportunamente requisitarei de V Excia as providencias que julgar acertadas ao bem do ensino Deos guarde a V Excia Ilmo e Exmo Sr Drordm Augusto Ferreira Franccedila ndash Presidente desta provincia Joatildeo Augusto de Paacutedua Fleury (FLEURY 21 de outubro de 1866 p 129 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 397)
Como visto o Inspetor Geral repreende os professores pelos erros encontrados
nas coleccedilotildees de escrita Nesse periacuteodo estava em vigor o Regulamento de Ensino
Goiano de 1856 que estabelecia os conhecimentos necessaacuterios para o professor se
candidatar ao magisteacuterio com destaque para os conteuacutedos que envolviam as
convenccedilotildees da liacutengua portuguesa o docente deveria dominar a leitura com fluecircncia
a pronuacutencia correta das palavras a leitura com pontuaccedilatildeo a ortografia as regras de
gramaacutetica e os tipos de letra (GOIAacuteS 1856 art 10) Portanto a Ordem Imperial
(FRANCcedilA 1867) estava em sintonia com os saberes exarados na legislaccedilatildeo goiana
que traccedilava o perfil de um professor com formaccedilatildeo erudita e com capacidade
profissional atestada por um exame realizado perante o Presidente da Proviacutencia o
Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica e duas pessoas nomeadas pela presidecircncia
Afinal tal como Gondra e Schueler (2008) explicam na maior parte do Impeacuterio os
regulamentos e normas sobre a instruccedilatildeo primaacuteria e secundaacuteria estabeleceram
ldquoregras e princiacutepios de seleccedilatildeo formaccedilatildeo recrutamento licenciamento e controle dos
professores puacuteblicos e particulares tentando uniformizar conformar homogeneizar e
disciplinar os diversos modos de ser professor no seacuteculo XIXrdquo (GONDRA
SCHUELER 2008 p 172 grifo dos autores)
171
Acreditamos que a praacutetica normatizada por Franccedila (1867) natildeo perdurou por
muito tempo na proviacutencia pois soacute encontramos documentaccedilotildees que atestassem o
envio de coleccedilotildees de escrita remetidas ao Inspetor Geral de Instruccedilatildeo Puacuteblica de
Goiaacutes durante os anos de 1866 e 1867 Natildeo podemos negligenciar o fato de que Abreu
(2006) faz referecircncia a uma coleccedilatildeo de escrita datada de 1868 encontrada tambeacutem
no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes como sendo fruto da referida Ordem
Presidencial
Outro documento que tambeacutem nos chamou a atenccedilatildeo foi uma correspondecircncia
enviada pelo Inspetor Joaquim Vicente de Azevedo em 4 de setembro de 1865
(AZEVEDO 4 de setembro de 1865 p 114 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita
Datilografada e Impressa nordm 397) em que se notificava o envio de escritas de alunos
da escola de instruccedilatildeo primaacuteria do sexo masculino da Capital para o Presidente
Augusto Ferreira Franccedila autor da Ordem Presidencial analisada anteriormente
Embora os Relatoacuterios dos Presidentes de Proviacutencia e as legislaccedilotildees anteriores agrave
referida Ordem natildeo mencionem a existecircncia de alguma recomendaccedilatildeo acerca do
envio de escritas dos alunos para a Inspetoria Geral de Instruccedilatildeo Puacuteblica tudo indica
que essa praacutetica jaacute ocorria nas escolas da Capital de Goiaacutes Pelo visto a
recomendaccedilatildeo de Franccedila (1867) apenas ampliou e regulamentou esse modo de
controle da praacutetica docente em todo o territoacuterio goiano
Como analisado no decorrer deste item na proviacutencia goiana durante o periacuteodo
de 1835 a 1886 houve uma forte presenccedila de livros escritos por portugueses e
franceses o que natildeo difere da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo de outras localidades
brasileiras Ateacute a deacutecada de 60 do seacuteculo XIX circulavam nas escolas brasileiras
principalmente as cartilhas portuguesas e somente no fim dessa deacutecada eacute que Abiacutelio
Ceacutesar Borges o Baratildeo de Macauacutebas iniciou um movimento de nacionalizaccedilatildeo de
livros escolares publicando suas primeiras obras (LAJOLO ZILBERMAN 1996
MORTATTI 2000 VALDEZ 2006 FRADE 2010a) Os livros desse autor estiveram
entre as solicitaccedilotildees das listas de expediente escolar para o ensino inicial de leitura e
escrita e tambeacutem para o ensino de leitura corrente Sobre ele destacaremos sua
influecircncia na alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas em Goiaacutes principalmente a partir de 1870 na
seccedilatildeo 5 desta tese
Por conseguinte ainda que essa proviacutencia tivesse conforme a historiografia
da educaccedilatildeo goiana aponta um desenvolvimento educacional atrasado
especialmente pela quantidade de analfabetos que ateacute meados da Repuacuteblica a
172
colocava entre as piores dos paiacutes haacute que se considerar que sua histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo faz intersecccedilatildeo com os movimentos que vinham ocorrendo no acircmbito
da educaccedilatildeo nacional
32 IMPRESSOS PARA O ENSINO DA LEITURA CORRENTE
Neste toacutepico destacaremos as obras identificadas nas listas de expediente
escolar cuja anaacutelise a partir dos indiacutecios de seus tiacutetulos eou conteuacutedos permitiram-
nos classificaacute-las como impressos destinados natildeo para alfabetizar a crianccedila mas para
o treino da leitura A escola primaacuteria brasileira no que tange ao ensino de leitura foi
constituindo uma tradiccedilatildeo pela qual depois de a crianccedila ter o domiacutenio da leitura os
professores utilizavam materiais impressos para os alunos aperfeiccediloarem a chamada
leitura corrente Batista Galvatildeo e Klinke (2002) notam que esse tipo de material
voltava-se para a ldquopassagem da leitura hesitante para a leitura corrente e possui
dentre outros objetivos a compreensatildeo total de periacuteodos e pequenas narrativas e
o domiacutenio geral do mecanismo e sentido da leiturardquo (BATISTA GALVAtildeO KLINKE
2002 p 42 grifos dos autores)
Inicialmente eacute importante esclarecer dois pontos O primeiro eacute que listariacuteamos
aqui tambeacutem os livros destinados ao ensino de outras disciplinas escolares que natildeo
apenas leitura e escrita Durante o periacuteodo imperial as regulamentaccedilotildees em Goiaacutes
previam no curriacuteculo Aritmeacutetica Gramaacutetica Doutrina Cristatilde entre outras mateacuterias
Logo na ausecircncia de materiais especiacuteficos para a alfabetizaccedilatildeo os professores
lanccedilavam matildeo dos que tinham disponiacuteveis para ensinar leitura e escrita agraves crianccedilas
(ARAUacuteJO E SILVA 1975 PRIMITIVO MOACYR 1940) O segundo destaque que
gostariacuteamos de registrar eacute que natildeo faremos um estudo aprofundado de cada uma das
obras mencionadas visto natildeo ser esse o foco da pesquisa Cada impresso listado
incita a novas pesquisas e novas problemaacuteticas principalmente relacionadas aos usos
que os professores fizeram desses materiais
Entre os pedidos de livros para as escolas de instruccedilatildeo primaacuteria da proviacutencia
goiana destacaram-se os Catecismos Em muitas listas de expediente escolar eles
receberam a denominaccedilatildeo de cartilha com a indicaccedilatildeo do autor por exemplo Cartilha
de Fleury para se referir ao Pequeno Cathecismo Historico contendo em compendio
a Historia Sagrada e Doutrina Christatilde escrito pelo Abade Claude Fleury Cartilha de
173
Montpelier ao tratar sobre o Catecismo da Diocese de Montpellier impresso por ordem
do Bispo Carlos Joaquim Colbert
Analisando as fontes documentais em especial as listas de expediente escolar
observamos que na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes a denominaccedilatildeo de cartilha natildeo
era usual para indicar os materiais impressos especificamente para alfabetizaccedilatildeo ateacute
os anos de 1870195 A partir de entatildeo com a circulaccedilatildeo dos Livros de Leitura de Abiacutelio
Ceacutesar Borges pela proviacutencia os pedidos feitos pelos professores goianos
mencionavam juntamente com eles a compra de Cartilhas e de Catecismos
denotando nesses casos que as Cartilhas comeccedilavam a nominar materiais para o
ensino de leitura Poreacutem embora esse processo tenha-se iniciado na segunda metade
do seacuteculo XIX conservou-se em Goiaacutes durante todo o regime imperial a praacutetica de
designar como Cartilhas os livros de Doutrina Cristatilde Vale lembrar que Mortatti (2000
p 72) demonstra que nesse periacuteodo se iniciavam os discursos em torno da
ldquoconstituiccedilatildeo da alfabetizaccedilatildeo como objeto de estudo no Brasilrdquo principalmente com
a atuaccedilatildeo de Antonio da Silva Jardim na propaganda do ldquomeacutetodo Joatildeo de Deusrdquo e da
Cartilha Maternal do poeta portuguecircs Joatildeo de Deus
De acordo com Boto (2004) o termo cartilha vem de cartinhas manuscritos
utilizados em Portugal para ensinar a ler escrever e contar desde o iniacutecio da Idade
Moderna remontando agrave tradiccedilatildeo de uma educaccedilatildeo no lar baseada na religiosidade e
na moralidade As primeiras cartilhas brasileiras segundo Mortatti (2000a 2019)
foram publicadas na segunda metade do seacuteculo XIX o que corrobora a hipoacutetese de
que em Goiaacutes essa designaccedilatildeo para os livros escolares utilizados para o ensino inicial
de leitura tenha circulado pelas escolas no findar do Impeacuterio e sido adotada
oficialmente nas legislaccedilotildees goianas jaacute na Repuacuteblica196
Os Catecismos apesar de natildeo serem publicaccedilotildees pensadas para se ensinar
leitura foram incorporados nas escolas goianas principalmente como impressos para
195 Interessante notar que alguns livros de Doutrina Cristatilde que circularam na proviacutencia goiana eram nomeados de Cartilha como foi o livro Cartilha de Doutrina Christatilde de Antoacutenio Joseacute de Mesquita Pimentel mencionado nas listas de expediente escolar como ldquoCartilha de Pimentelrdquo ou ldquoCartilha de Mesquita Pimentelrdquo 196 A partir de uma anaacutelise das legislaccedilotildees educacionais goianas do periacuteodo imperial e republicano notamos que a recomendaccedilatildeo do uso de cartilhas nas classes de ensino primaacuterio esteve presente pela primeira vez nos Programas de ensino para as escolas primaacuterias do estado de 1930 (GOIAacuteS 1930) Anterior a isso em 1884 no Programa de ensino para a aula de instruccedilatildeo primaacuteria do sexo feminino anexo agrave Escola Normal identificamos referecircncia ao uso da cartilha para o ensino de leitura entretanto esse programa natildeo foi adotado em toda proviacutencia goiana
174
o ensino da leitura corrente (CRUS 20 de marccedilo de 1858) Seu uso no ensino de
leitura estaacute associado agrave praacutetica da oralizaccedilatildeo do escrito portanto remonta aos proacuteprios
aspectos de como os Manuais de Doutrina Cristatilde e os Catecismos eram organizados
e como foram concebidos impondo a necessidade de ler oralmente e repetidas
vezes as oraccedilotildees e dogmas catoacutelicos
Nas listas de expediente escolar os livros de conteuacutedo religioso quando natildeo
intitulados apenas de Catecismo tambeacutem foram nomeados como ldquoCatechismos
Historicosrdquo ldquoCompendios de Doutrina ou Cartilhardquo ldquoCatecissimos de Doutrinardquo
ldquoCompendios de Doutrinardquo ldquoCompendios de Doutrina Christatilderdquo ldquoDoutrina Chistatilderdquo
ldquoLivros da Doutrina Christatilderdquo ldquoLivrinhos ndash Cathecismosrdquo ldquoHistoria Sagradardquo ldquoHistoria
Sagrada contendo antigo e novo testamentordquo e ldquoHistoria Sagrada ilustradardquo
Geralmente nas listagens natildeo vinha solicitado um tiacutetulo especiacutefico nem mesmo a
menccedilatildeo ao autor Naquelas em que isso ocorria identificamos os seguintes tiacutetulos
Quadro 4197 Catecismos e ou Livros de Doutrina Cristatilde usados nas escolas goianas 1835-1886
Catechismo Historico resumindo contendo a Doutrina Christatilde traduzida e annotada por Henrique Vellozo de Oliveira Cathecismo do Paraacute Cartilha da Doutrina Christatilde por Antoacutenio J de Mesquita Pimentel Catecissimos de Doutrina por Pinheiro Cathecismo de Henry Cathecismo MontPelier Cathecismos de Fleury Compecircndio da missatildeo de Christo por Joaquim Pinti de Compo
Doutrina pr Barler
Fonte Elaborado pelo autor a partir da consulta ao Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes na seccedilatildeo de Documentaccedilotildees Avulsas e Documentaccedilatildeo Manuscritas Datilografadas e Impressas
Interessante notar que os Catecismos ou Compecircndios de Doutrina Cristatilde eram
pedidos em quantidade bem numerosa geralmente igual a ou maior que o nuacutemero de
outros livros solicitados nas listagens Desse modo podemos considerar que em
Goiaacutes eles foram adquiridos para cada aluno e trabalhados individualmente como
197 Este quadro e o subsequente foram construiacutedos a partir das consultas aos documentos do Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes os quais estatildeo denominados de listas de expediente escolar cuja referecircncia completa pode ser verificada na seccedilatildeo ldquoFontesrdquo ao final desta tese
175
suporte para o ensino da leitura com fluecircncia e para a propagaccedilatildeo dos dogmas
catoacutelicos198
Esses materiais permaneceram presentes nas escolas goianas ateacute o final do
seacuteculo XIX e iniacutecio do XX Dentre os listados no Quadro 4 um dos Catecismos muito
solicitado pelos professores goianos nas deacutecadas de 1870 a 1890 foi o Catecismo
do Paraacute do Bispo D Antocircnio de Macedo Costa199 da Diocese da Proviacutencia do Gratildeo-
Paraacute ou Paraacute Ele manteve a hegemonia entre as solicitaccedilotildees jaacute que em relaccedilatildeo aos
outros livros esteve em destaque com pedidos volumosos realizados tanto pelos
professores quanto pelos Paacuterocos ou Inspetores Paroquiais O proacuteprio Bispo de
Goiaacutes em 1871 Dom Joaquim Gonccedilalves de Azevedo escreveu ao Presidente da
Proviacutencia solicitando a compra de 500 exemplares do Catecismo do Paraacute para serem
distribuiacutedos pelas escolas de primeiras letras da proviacutencia (SIQUEIRA 27 de fevereiro
de 1871 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 436)
Sobre essa obra encontramos poucas referecircncias e ainda natildeo conseguimos ter
acesso a ela Cotejando dados da imprensa paraense especialmente dois nuacutemeros
do Jornal A Regeneraccedilatildeo oacutergatildeo destinado aacute defesa do partido catholico (A
REGENERACcedilAtildeO 14 de marccedilo de 1875 29 de outubro de 1876) e do Cataacutelogo de
Obras Raras da Biblioteca Puacuteblica Arthur Vianna200 tudo indica que esse Catecismo
tinha uma extensatildeo que variava de uma ediccedilatildeo a outra ultrapassando geralmente 200
paacuteginas sendo publicado no exterior mais exatamente na Beacutelgica na Typographia
Zech
198 Eacute importante mencionar que a obra Cathecismo de Agricultura de Antonio de Castro Lopes foi divulgada em Goiaacutes em 1862 conforme atesta os documentos encontrados no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes Entretanto dentro dos limites de nossa pesquisa natildeo encontramos referecircncia de que esse impresso foi adotado nas escolas goianas (LOPES 1862 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 144) 199 Sobre a vida de Dom Antocircnio de Macedo Costa Azzi (1980) explicita ldquoNascido em Maragogipe proviacutencia da Bahia a 7 de agosto de 1830 D Macedo Costa completou seus estudos eclesiaacutesticos na Franccedila no seminaacuterio de Satildeo Sulpiacutecio seguindo posteriormente para Roma onde se doutorou em direito eclesiaacutestico Ao voltar ao Brasil com trinta anos de idade recebeu a nomeaccedilatildeo para bispo do Paraacute tomando posse da diocese a 10 de agosto de 1861 Durante as trecircs deacutecadas em que esteve agrave frente da diocese D Macedo Costa interessou-se por todas as questotildees mais destacadas referentes agrave aacuterea esclesiaacutestica [] Reafirmou continuamente a vinculaccedilatildeo da Igreja do Brasil com a Santa Seacuterdquo [] Nomeado arcebispo da Bahia em 1890 [] Faleceu em Barbacena para onde se retirara por motivos de sauacutede em princiacutepios do ano seguinte [1891]rdquo (AZZI 1980 p 98-99) 200 A Biblioteca Puacuteblica Arthur Vianna eacute um oacutergatildeo do governo do Paraacute da Fundaccedilatildeo Cultural do Estado do Paraacute O Cataacutelogo de Obras Raras estaacute disponiacutevel na internet pelo link lthttpwwwfcppagovbr2016-11-24-18-22-47catalogo-de-obras-raras-da-biblioteca-arthur -vianna-seculos-xviii-xx-belem-secult-1998-120-pgt Acesso em 01 de junho de 2019
176
Na publicaccedilatildeo da imprensa catoacutelica do Maranhatildeo Civilisaccedilatildeo perioacutedico
Hebomadario Oacutergatildeo dos Interesse Catholicos na ediccedilatildeo de 24 de maio de 1890 haacute
um cataacutelogo de obras do Bispo do Paraacute destacando entre 35 obras de autoria de
Dom Macedo Costa o Catecismo do Paraacute com a seguinte descriccedilatildeo
Ornado de gravuras e exercicios de piedade e com um resumo das obrigaccedilotildees dos diversos estados ndash vesperas do Domingo ndash etc ndash mandado publicar pelo Exm Sr D Antono de Macedo Costa e adotaptado em varias dioceses Jaacute conta 6 ediccedilotildees (CIVILISACcedilAtildeO 24 de maio de 1890 p 3)
Em consonacircncia Tambara (2003) e Orlando (2008) esclarecem que esse
impresso se destacou entre os Catecismos que circularam nas escolas primaacuterias
brasileiras contando com vaacuterias reediccedilotildees e reimpressotildees
Ao procurarmos os motivos que levaram agrave alta circulaccedilatildeo apontada do
Catecismo do Paraacute nas escolas brasileiras e principalmente na proviacutencia goiana
algumas hipoacuteteses podem ser arquitetadas considerando quem foi o seu autor e sua
participaccedilatildeo nos cenaacuterios poliacutetico e religioso brasileiro
Azzi (1999) informa que Dom Antocircnio de Macedo Costa destacou-se como uma
das figuras importantes da Igreja no Brasil sendo uma das lideranccedilas esclesiaacutesticas
mais influentes quando a Repuacuteblica foi proclamada O autor demonstra tambeacutem a
influecircncia desse Bispo durante o Impeacuterio de modo que ele conseguiu transitar entre
um regime e outro alcanccedilando apoio poliacutetico para participar junto ao governo
republicano de iniciativas do projeto de separaccedilatildeo entre o Clero e o Estado de modo
que a ldquoaceitaccedilatildeo paciacutefica do advento da Repuacuteblica em 1889 por parte da Igreja do
Brasil deve-se ao esforccedilo ingente do Bispo do Paraacuterdquo (AZZI 1976 p 52)
A Diocese de Goiaacutes estabeleceu com a Diocese do Paraacute vaacuterias relaccedilotildees
eclesiaacutesticas O Bispo de Goiaacutes Dom Joaquim Gonccedilalves de Azevedo que ficou agrave
frente da Diocese entre 1865 a 1877 nasceu na Proviacutencia do Gratildeo-Paraacute e
[] admitido como pobre no seminaacuterio em Beleacutem entre outros cargos civis ocupou o de Diretor Geral de Iacutendios Ademais o sacerdote exerceu importantes funccedilotildees na Igreja da regiatildeo e de Goiaacutes Azevedo foi vigaacuterio geral e reitor do seminaacuterio do Amazonas posiccedilotildees tambeacutem ocupadas no Paraacute Segundo D Alberto Gaudecircncio Ramos (1952)201 no Paraacute Azevedo foi nomeado Vigaacuterio Geral de Beleacutem sendo em 1866 sagrado Bispo de Goiaacutes por D Macedo Costa Foi a primeira sagraccedilatildeo episcopal na Amazocircnia (p 42-43) Envolvido diretamente com a formaccedilatildeo religiosa de seu rebanho visitou grande parte da
201 A obra de Ramos (1952) citada por Rizzini (2004) eacute a Cronologia eclesiaacutestica da Amazocircnia publicada em Manaus em 1952 por Dom Alberto Gaudecircncio Ramos
177
Diocese fundou o Seminaacuterio diocesano onde era professor e ensinava o catecismo nas escolas (RIZZINI 2004 p 53)
Fonseca e Silva (1948) destaca que durante o patroado de Dom Macedo
Costa em 1868 o Bispo de Goiaacutes Dom Joaquim Gonccedilalves de Azevedo foi ateacute o
Paraacute com intuito de tratar ldquoacerca da ida de meninos para os seminaacuterios na Europa
que por concessatildeo de Pio IX foram postos agrave disposiccedilatildeo do mencionado Sr Bispo do
Paraacuterdquo (FONSECA E SILVA 1948 p 218) Nessa viagem tambeacutem pretendeu obter
meios para erigir o Seminaacuterio Episcopal goiano (FONSECA E SILVA 1948) Pelo
exposto notamos que Dom Macedo Costa tinha relaccedilotildees muito proacuteximas com a Santa
Seacute o que lhe possibilitava ter recursos financeiros para projetos eclesiaacutesticos
incluindo neles empreendimentos editoriais colocando-o entre as figuras notaacuteveis de
Bispos brasileiros que publicaram livros de doutrina cristatilde dirigidos para a mocidade
no seacuteculo XIX
Isso posto consideramos que a apropriaccedilatildeo e uso dos Catecismos eou Livros
de Doutrina Cristatilde na educaccedilatildeo brasileira colaborou para a conformaccedilatildeo de um
modelo escolar para civilizaccedilatildeo dos costumes e dos espiacuteritos com indiviacuteduos
obedientes agraves regras da Igreja e do Estado (OLIVEIRA CORREcircA 2006 ANJOS
2016)
Aleacutem dos Catecismos satildeo citadas em nuacutemero menor geralmente um ou dois
exemplares obras que devido agrave quantidade acreditamos que foram de uso do
professor para serem aplicadas oralmente em sala de aula no ensino da leitura ao
mesmo tempo que transmitiam conhecimentos escolares de uma disciplina curricular
Jaacute que nas listas natildeo haacute a menccedilatildeo de que elas satildeo para a escola primaacuteria ou a
secundaacuteria e sabendo que no periacuteodo em questatildeo como relatamos natildeo havia muitas
salas abertas de ensino secundaacuterio enumeramos todas as obras encontradas uma
vez que se natildeo foram usadas propriamente para o ensino inicial da leitura e escrita
circularam nas escolas difundindo saberes e praacuteticas entre os professores
Quadro 5202 Livros ou Manuais usados nas escolas goianas 1835-1886
Arithmetica Ascanio Ferraz
Arithmetica de Anila
Arithmetica de Lobato
Arithmetica de Ottoni
202 Natildeo foram inseridos nesse Quadro os Atlas Mapas e os livros de liacutengua estrangeira
178
Arithmeticas de Saacute
Bibliotheca Juvenil de Barler
Cartas Sellectas de Pe Vieira
Chorographia histoacuterica do imperio do Brasil pelo Doutor
Alexandre Joseacute de Mello Moraes
Compecircndio de gramaacutetica nacional
Compendios de Arithimetica
Compendios de Arithmetica Ascanio Ferraz
Compendios de Historia Universal
Compendios de systhema Metrico
Compendios para leitura
Desenho linear ou elementar de Geometria Pratica
Diccionario de Moraes
Geographia de Pompeu
Geographias da Mocidade
Geometrias de Euclides
Geometrias de Ottoni
Gramaticas portuguesas por Conego Ferns
Grammaticas
Grammaticas latinas de A Pereira
Grammatica portuguesa pr J Alexandre e Silva Paz
Historia do Brasil pr Belligarde
Historia do Brasil por Caruja
Historia do Brazil
Historia moderna por Tantephens
Iris Classico
Litteratura de Basmalem
Litteraturas de Noel
Livros de Coruja
Livros de J Alexandre
Livros de leitura
Manual dos Estudantes
Manual encyclopedico de Monte-Verde
Noccedilotildees de Geographia
Os Lusiacuteadas de Camotildees
Philosophia de Germes
Resumo da Grammatica latina pr Figueiredo
Retoricas de Meneses
Retoricas por Freire de Carvalho
Sciencia do Bom Homem Ricardo
Poesias escolhidas
Fonte Elaborado pelo autor a partir da consulta ao Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes na seccedilatildeo de Documentaccedilotildees Avulsas e Documentaccedilotildees Manuscritas Datilografadas e Impressas
179
Como observado relacionamos alguns livros que provavelmente natildeo eram
usados para as crianccedilas aprenderem a ler e escrever pois seus conteuacutedos remetem
a ensinamentos da instruccedilatildeo secundaacuteria poreacutem a apropriaccedilatildeo desses nos fazeres
pedagoacutegicos carece de pesquisas para adentrar o campo dos usos e das praacuteticas
com os impressos em sala de aula Valdez (2004) sinaliza algumas pistas acerca
dessa questatildeo elucidando que no Brasil oitocentista poucos eram os livros escritos
para as crianccedilas especialmente livros para uso escolar O que se utilizava ldquoeram os
claacutessicos da literatura internacional e as crianccedilas aprendiam a leitura nos abecedaacuterios
em toscas cartilhas papeacuteis de cartoacuterios e cartas manuscritas que professores e pais
de alunos forneciamrdquo (VALDEZ 2004 p 2)
Dentre os livros inventariados no Quadro 5 destaca-se a obra Sciencia do bom
homem Ricardo sempre solicitada em quantidade avolumada inclusive
desproporcional aos demais livros Agrave guisa de exemplo temos o caso de ela fazer
parte da relaccedilatildeo de objetos remetida pela Tesouraria de Rendas Provinciais de Goiaacutes
entregue ao Inspetor Geral interino da Instruccedilatildeo Puacuteblica da eacutepoca em 14 de fevereiro
de 1859 Segundo consta no documento em virtude de portaria do Governo da
Proviacutencia o Inspetor seria o responsaacutevel por distribuir os materiais nas escolas
Sciencia do bom homem Ricardo foi remetido em quantia de 100 exemplares que se
comparada com as quantidades enviadas dos outros livros de leitura203 representa
uma desproporcionalidade (THESOURARIA DAS RENDAS PRONVICIAES DE
GOYAZ 14 de fevereiro de 1859 DVD Coleccedilatildeo de Documentos de Histoacuteria da
Educaccedilatildeo de Goiaacutes vol 1)
O texto Sciencia do bom homem Ricardo tambeacutem eacute citado na lista de materiais
para aplicaccedilatildeo do Meacutetodo Castilho nas escolas goianas pelo professor Feliciano
Primo Jardim o que seraacute tratado na proacutexima seccedilatildeo Esses elementos por si datildeo
pistas de que o impresso circulou nas aulas de leitura das escolas de instruccedilatildeo
primaacuteria de Goiaacutes por dois motivos primeiro pelo fato de que o Meacutetodo Castilho era
sobretudo voltado para o aprendizado inicial da leitura e segundo porque a
quantidade de exemplares remetida pelo governo em 1859 foi expressiva o que natildeo
justificaria ser destinada ao Liceu uacutenica escola de ensino secundaacuterio naquele periacuteodo
que mantinha 77 alunos matriculados conforme eacute apontado no Relatoacuterio do
203 A maioria dos livros enviados com exceccedilatildeo das Cartas e dos Catecismos eram 1 2 ou 3 exemplares chegando no maacuteximo a 10
180
Presidente Cerqueira (1859a) Aleacutem do mais o mesmo presidente em 1858 registra
essa accedilatildeo de compra de livros para serem distribuiacutedos nas escolas da Proviacutencia
(CERQUEIRA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1858)
Arriada Tambara e Duarte (2015) explicam que essa obra foi difundida em todo
o Impeacuterio ldquoElaborada a partir do Almanaque do Pobre Ricardo ndash Poor Richardrsquos
almanacks ndash publicado anualmente por Benjamin Franklin com a idade de 26 anos a
partir de 1732 a 1758 o autor usava o pseudocircnimo de Ricardo Saundersrdquo (ARRIADA
TAMBARA DUARTE 2015 p 244) Arriada (2002) expotildee que esse Almanaque era
uma espeacutecie de perioacutedico que circulou nos Estados Unidos da Ameacuterica atingindo um
grupo de leitores pelo mundo todo Escrito em 1757 e publicado pela primeira vez no
Almanaque em 1758 Sciencia do bom homem Ricardo recebeu diversas traduccedilotildees
sobretudo nos paiacuteses da Europa e na Ameacuterica (ARRIADA TAMBARA DUARTE
2015)
Em Portugal o texto foi publicado por Monteverde (18--) no Methodo Facillimo
para aprender a ler tanto a letra redonda como a manuscripta no mais curto espaccedilo
de tempo na seccedilatildeo de liccedilotildees para treino da leitura204 com o tiacutetulo ldquoA sciencia do bom
homem Ricardo ou meio de adquirir fortunardquo Nesse mesmo paiacutes houve outra versatildeo
datada de 1825 e lanccedilada pela Tipografia da Sociedade Propagadora dos
Conhecimento Uacuteteis em Lisboa205 Com o tiacutetulo A sciencia do bom homem Ricardo
ou meio de fazer fortuna o livro tem 16 paacuteginas traz na iacutentegra o texto de Franklin e
na uacuteltima folha uma taacutebua de multiplicaccedilatildeo de Pitaacutegoras
A partir da publicaccedilatildeo de Arriada Tambara e Duarte (2015) que expocircs uma
capa da ediccedilatildeo brasileira de 1884 sabemos que essa obra tambeacutem foi impressa no
Rio de Janeiro pela Livraria de Nicolau Alves intitulada A sciencia do bom homem
Ricardo ou o Caminho da fortuna
Como se nota Sciencia do bom homem Ricardo natildeo foi um texto escrito para
o uso escolar mas os preceitos ali publicados foram acolhidos pela escola jaacute que o
204 Na ediccedilatildeo de Monteverde (18--) que utilizamos nesta tese o texto de Benjamin Franklin estaacute publicado entre as paacuteginas 139 a 146 assinado com o pseudocircnimo de Franklin Ricardo Saudners Na obra consultada provavelmente por questatildeo de traduccedilatildeo estaacute grafado diferente do pseudocircnimo Ricardo Saunders conforme informado por Arriada Tambara e Duarte (2015) Apoacutes o tiacutetulo do texto Monteverde lanccedila uma nota de rodapeacute indicando que o texto foi extraiacutedo da obra ldquodo sabio BENJAMIM FRANKLIN intitulada La Science du Bon Homme Richardrdquo (MONTEVERDE 18-- p 139) 205 A versatildeo digitalizada dessa obra estaacute disponiacutevel na Biblioteca Nacional de Portugal pelo link lthttppurlpt14349gt Acesso em 22 de maio de 2019 A obra tem dimensatildeo fiacutesica de 15 x 125 cm
181
discurso empreendido colaborava para a introjeccedilatildeo de uma mentalidade capitalista
proacutepria do Ocidente Esse fato justifica sua circulaccedilatildeo entre tantos paiacuteses (ARRIADA
2002 ARRIADA TAMBARA DUARTE 2015 NASCIMENTO SALES 2014)
A narrativa eacute quase um sermatildeo feito pelo Anciatildeo Abrahatildeo a respeito das
caracteriacutesticas de um cidadatildeo que por meio do seu trabalho consegue obter sucesso
financeiro Contra a preguiccedila defendendo uma postura de trabalhador persistente e
econocircmico o Anciatildeo retoma as maacuteximas do ldquoBom Homem Ricardordquo discursando
sobre as caracteriacutesticas de um cidadatildeo prudente
Conservemos pois a nossa liberdade e a nossa independencia Sejacircmos laboriosos e livres sejamos economicos e independentes Talvez julguem algumas pessoas que me estatildeo ouvindo acharem-se nrsquoum estado tal de opulencia que lhes permitte satisfazer aacutes suas fantasias mas eacute preciso poupar a fim de estar previnido natildeo soacute para o tempo da velhice mas tambem para qualquer adversidade que possa sobreviver ldquoO Sol da manhatilde natildeo dura todo diardquo ldquoO ganho eacute incerto e eventual mas a despeza eacute certa durante toda a vidardquo ldquoEacute mais facil derrubar duas chamineacutes do que conservar uma soacute com lume como diz o BOM HOMEM RICARDOrdquo (FRANKLIN apud MONTEVERDE 18-- p 145-146 grifos do autor)
O texto traz alguns juiacutezos de valor subjacentes e o principal eacute que o bom
cidadatildeo paga os seus impostos e auxilia na manutenccedilatildeo do serviccedilo puacuteblico Tambeacutem
que os mais velhos tecircm muito o que ensinar portanto deve haver disposiccedilatildeo em ouvir
seus ensinamentos atentamente Pelo conteuacutedo exposto fica evidente que esse texto
escolar foi suporte ldquopara a aquisiccedilatildeo da leitura e para a constituiccedilatildeo da mentalidade
moral e ciacutevica do novo homem necessaacuterio ao estaacutegio de desenvolvimento econocircmico-
social do Impeacuterio brasileirordquo (ARRIADA TAMBARA DUARTE 2015 p 250)
Voltando ao Quadro 5 os Compecircndios para Leitura e os Livros de Leitura
destacaram-se pela quantidade de solicitaccedilotildees e ou envios em relaccedilatildeo agraves outras
obras especialmente a partir dos anos de 1870 quando os livros de Abiacutelio Ceacutesar
Borges o Baratildeo de Macauacutebas foram difundidos na proviacutencia goiana Nas listas
inventariadas no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes quando essas duas
denominaccedilotildees apareciam natildeo se estava referindo ao autor e ou tiacutetulo da obra o que
denota que se dava mais importacircncia ao impresso em si do que agrave figura do autor de
um livro e seu meacutetodo
Ao demarcamos portanto o periacuteodo abrangido pela pesquisa sobre os
materiais impressos que circularam nas aulas de instruccedilatildeo primaacuteria em Goiaacutes ao
regime imperial natildeo estamos condicionando que tudo de que tratamos se encerrou
182
nesse periacuteodo Pelo contraacuterio muito do que circulou entre 1835 e 1886 esteve
revigorado nas salas de aula goianas na Repuacuteblica dialogando efetivamente com os
acontecimentos e praacuteticas de ensino de leitura e escrita em acircmbito nacional Delimitar
a temporalidade dessa histoacuteria natildeo significa colocar rupturas totais e sim demonstrar
que em determinados momentos os fazeres pedagoacutegicos estiveram influenciados
por mentalidades que constituiacuteram modos diferentes de pensar e atuar sobre o ato de
ler e escrever em sala de aula e por que natildeo tambeacutem fora dela
33 CONSIDERACcedilOtildeES PARCIAIS
Como enfatizado no decorrer desta seccedilatildeo alguns dos livros aprovados e que
circularam pelo Municiacutepio da Corte influenciaram a organizaccedilatildeo dos meacutetodos de
ensino e de alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes o que corrobora nossa tese de estudo em que
defendemos que a proviacutencia goiana esteve inserida no contexto dos ideaacuterios de
modernidade que circulavam no paiacutes especialmente no campo do ensino inicial de
leitura e escrita Dessa maneira a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo de Goiaacutes no periacuteodo
imperial esteve em sintonia com as transformaccedilotildees e com as iniciativas educacionais
do paiacutes e sob forte influecircncia europeia
Nas consideraccedilotildees parciais desta seccedilatildeo retomaremos os aspectos tratados
nos itens anteriores a partir de trecircs apontamentos os quais consideramos pertinentes
para a compreensatildeo do nosso objeto de estudos ao mesmo tempo que fundamentam
nossa tese
1) Os impressos que circularam em Goiaacutes no periacuteodo imperial em sua grande
maioria satildeo produccedilotildees estrangeiras
Pensar os meacutetodos de ensino de leitura e escrita a partir dos impressos eacute algo
muito comum na historiografia da alfabetizaccedilatildeo (MORTATTI 2000 2011 2019) De
antematildeo eacute importante ressaltar que natildeo fugimos dessa loacutegica como o leitor pode
constatar por um motivo fatiacutedico nossa paixatildeo pela investigaccedilatildeo historiograacutefica dos
livros escolares Os misteacuterios que rondam essas publicaccedilotildees antigas e a busca por
desvelaacute-los nos motivaram para trazer o impresso como principal fonte na constituiccedilatildeo
desta tese Ateacute tentamos escapar dessa previsibilidade todavia na disputa entre a
relevacircncia cientiacutefica e o teor acadecircmico versus a subjetividade do ser pesquisador
183
trazer os livros como mote para essa investigaccedilatildeo foi inelutaacutevel na ldquoarenardquo206 da
construccedilatildeo de um trabalho de doutoramento que decirc prazer de escrever
Dito isso retomando os livros listados nessa seccedilatildeo notamos que os impressos
que circularam no intervalo entre 1835 e 1886 nas escolas goianas foram publicaccedilotildees
principalmente advindas da Europa e da Ameacuterica do Norte sendo obras que tambeacutem
circularam no Municiacutepio da Corte e em outras proviacutencias brasileiras
Nesse periacuteodo houve um discurso oficial mantido pelos Presidentes de
Proviacutencia marcado pela escassez de recursos para a manutenccedilatildeo das despesas da
instruccedilatildeo puacuteblica e consequentemente um pessimismo que enfatizava as
dificuldades da proviacutencia em avanccedilar nas questotildees do ensino Vaacuterios argumentos
foram arrolados nos Relatoacuterios dirigidos agrave Assembleia Legislativa Provincia
ressaltando que a falta de uma escola de formaccedilatildeo de professores ndash a Escola Normal
ndash e de livros para disseminaccedilatildeo dos novos modos de ensinar eram fatores
preponderantes para o atraso da instruccedilatildeo puacuteblica goiana O que se constata todavia
nas listas de expediente escolar analisadas eacute que muitos materiais para apoiar o
ensino de leitura e escrita que circularam durante o Impeacuterio brasileiro e foram enviados
agraves escolas de primeiras letras goianas aplicavam o antigo meacutetodo individual e o uso
das Cartas de ABC Tal meacutetodo era influenciado pelas praacuteticas de catequizaccedilatildeo
especialmente utilizadas nos Catecismos ou nos Manuais de Doutrina Cristatilde
organizados no formato de perguntas e respostas curtas
Natildeo podemos esquecer que o sertatildeo goiano era habitado por indiacutegenas antes
da chegada dos Bandeirantes paulistas que utilizando estrateacutegias de dominaccedilatildeo
infiltraram-se na vida dos iacutendios miscigenando natildeo somente a raccedila como tambeacutem as
suas caracteriacutesticas culturais e sociais (PALACIacuteN 1994) Portanto podemos
conjecturar que o meacutetodo de catequizaccedilatildeo dos iacutendios e de ensino em liacutengua
portuguesa utilizado pelos Padres ldquofundou uma tradiccedilatildeordquo207 no ensino de leitura e
escrita nas terras goianas que se arrastou desde o seacuteculo XVIII Por esse motivo era
tatildeo difiacutecil se desvincular das praacuteticas escolares com o denominado meacutetodo individual
O Presidente Francisco Januario de Gama Cerqueira (1858) em um dos seus
discursos analisados nesta seccedilatildeo chegou a constatar que os docentes na proviacutencia
206 Esta palavraconceito estaacute sendo utilizada aqui nos termos de Valentin Voloacutechinov conforme jaacute enunciamos na Introduccedilatildeo da tese 207 Tomamos essa expressatildeo de empreacutestimo de Mortatti (2000)
184
goiana ensinavam tal como aprenderam e em funccedilatildeo disso natildeo abriam matildeo de
alguns meacutetodos seculares
No que compete ao ensino de leitura e escrita em nenhuma das leis ou
recomendaccedilotildees entre 1835 e 1886 eacute indicado especificamente um meacutetodo A partir
de uma consulta aos mapas de turmas enviados pelos professores pelas listagens
dos objetos enviados por solicitaccedilatildeo das escolas de primeiras letras dos relatoacuterios de
Inspetores e correspondecircncias entre Inspetores e os Presidentes de Proviacutencia todos
documentos inventariados no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes foi possiacutevel
analisar que na proviacutencia no periacuteodo imperial ensinava-se leitura e escrita pelos
meacutetodos de marcha sinteacutetica especialmente o de soletraccedilatildeo ou de silabaccedilatildeo
Nesta seccedilatildeo analisamos alguns livros portugueses que circularam no ensino
de leitura em Goiaacutes com destaque para os tiacutetulos Methodo Facillimo para aprender
a ler tanto a letra redonda como a manuscripta no mais curto espaccedilo de tempo
(MONTERVERDE 18--) o Novo Alfabeto Portuguez dividido por Syllabas com os
primeiros elementos da Doutrina Christatilde e o Methodo de ouvir e ajudar agrave missa
(1785) e O expositor portuguez ou rudimentos de ensino da lingua materna escrito
por Luiz Francisco Midosi (MIDOSI 1831)
Entre os livros analisados houve tambeacutem um produzido primeiramente na
Franccedila e depois traduzido para o portuguecircs Pequeno Cathecismo Historico contendo
em compendio a Historia Sagrada e Doutrina Christatilde escrito pelo francecircs Abade
Claude Fleury (FLEURY 1846)
Aleacutem desses impressos de origem portuguesa e francesa notadamente
influenciou a instruccedilatildeo puacuteblica em Goiaacutes o texto norte-americano de leitura Sciencia
do Bom Homem Ricardo (FRANKLIN 18--)
Destacamos obras direcionadas especificamente ao mercado escolar
brasileiro Antonio Pinheiro de Aguiar Victor Renault e Abiacutelio Ceacutesar Borges o Baratildeo
de Macauacutebas
Para o ensino de escrita evidenciamos as coleccedilotildees de Traslados modelos
tambeacutem importados das escolas da Europa
Essas obras nos datildeo indiacutecios de possiacuteveis praacuteticas de ensino inicial de leitura
e escrita na proviacutencia goiana Embora houvesse tentativas de alguns desses autores
de fugir da fundamentaccedilatildeo de um meacutetodo de ensino de leitura tradicional cansativo
para os alunos e com um processo demorado para a aprendizagem o que vemos satildeo
os convencionais meacutetodos de soletraccedilatildeo eou silabaccedilatildeo reconfigurados por tentativas
185
de uma pseudomudanccedila por meio de figuras ou adornos que datildeo ao impresso um
tom de modernidade
As Cartas foram empregadas como material de apoio para essas praacuteticas pelo
meacutetodo de soletraccedilatildeo ou silabaccedilatildeo sendo o impresso mais solicitado pelos
professores eou enviado pelo governo agraves escolas na proviacutencia goiana O estudo que
fizemos tanto das listas de expediente escolar quanto dos mapas de turmas
encontrados no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes nos permite afirmar que existiam
diferentes tipos de Cartas que indicavam uma sequencialidade no uso pela gradaccedilatildeo
do aprendizado das letras para as siacutelabas das siacutelabas para as palavras das palavras
para as frasestextos
Os textos que compunham essas Cartas e os outros impressos tinham um
caraacuteter religioso e eram fortemente caracterizados pelo meacutetodo de perguntas e
respostas curtas tiacutepico dos Catecismos e das aulas de Doutrina Cristatilde que tambeacutem
remontam agraves praacuteticas de ensino individual Esses textos eram utilizados para
divulgaccedilatildeo de conformismo do cidadatildeo agraves regras sociais impostas pelo Impeacuterio e
introjeccedilatildeo das condutas tiacutepicas da Doutrina da Igreja Catoacutelica
2) Os impressos que circularam em Goiaacutes tinham a intenccedilatildeo de inculcar um
comportamento social da cultura civilizada para formaccedilatildeo de uma sociedade que
aspirava agrave modernidade
Os esforccedilos para reversatildeo do panorama da instruccedilatildeo puacuteblica goiana se
mantiveram durante o periacuteodo analisado sobretudo em iniciativas no acircmbito da
legislaccedilatildeo e do envio de materiais escolares para as escolas Apoiados no estudo de
Abreu (2006) constatamos que a primeira lei goiana sobre a instruccedilatildeo puacuteblica
promulgada em 1835 marcou a institucionalizaccedilatildeo das praacuteticas escolares em Goiaacutes
inaugurando ao mesmo tempo a profissionalizaccedilatildeo docente e a tentativa de
cristalizaccedilatildeo de meacutetodos e comportamentos na escola Do mesmo modo os
Regulamentos de Ensino aprovados durante todo o periacuteodo imperial enfatizaram a
influecircncia da Igreja Catoacutelica nos modos de pensar e fazer o ensino Essa influecircncia
estava comprovadamente legislada nas normativas condutoras da educaccedilatildeo goiana
que exigiam os conhecimentos religiosos nas aulas e nos concursos para professores
bem como nos impressos que circularam nas escolas durante o periacuteodo em questatildeo
e se baseavam especialmente na Doutrina Cristatilde eou nas narrativas biacuteblicas Aqui
eacute importante lembrar que na deacutecada de 1850 houve a recomendaccedilatildeo de que os
186
padres ficassem responsaacuteveis por ensinar as noccedilotildees elementares de leitura e de
educaccedilatildeo religiosa agrave mocidade principalmente nos municiacutepios com maior dificuldade
financeira
Ressaltamos nesta seccedilatildeo o uso dos Catecismos e dos livros de Doutrina
Cristatilde durante o Impeacuterio nas escolas da proviacutencia goiana entre os quais se destaca o
Catecismo do Paraacute publicado pelo Bispo Dom Antocircnio de Macedo Costa Os livros
com enfoque religioso tinham conteuacutedos para formaccedilatildeo de um cidadatildeo ainda aos
moldes coloniais que submissos agrave tradiccedilatildeo religiosa aos pais e ao Estado se
conformavam com uma vida simples e agrave civilizaccedilatildeo dos costumes dos haacutebitos e
valores
A populaccedilatildeo em Goiaacutes nesse periacuteodo era maiormente rural o que contribuiu
para que circulasse o ideaacuterio da necessidade da instruccedilatildeo para livrar a crianccedila da
aculturaccedilatildeo aproximando-a da leitura escrita religiatildeo e da aritmeacutetica como forma de
transformaccedilatildeo social e cultural da proviacutencia Enfim esse ideaacuterio de modernidade fez
com que Goiaacutes no advento dos anos 70 do seacuteculo XIX comeccedilasse a dar ecircnfase maior
ao uso do livro nas praacuteticas escolares ateacute mesmo legislando sobre quais compecircndios
deveriam ser usados nas escolas puacuteblicas ou particulares na proviacutencia Essa ecircnfase
associada agrave expansatildeo do mercado livresco brasileiro marcou enfaticamente a histoacuteria
da alfabetizaccedilatildeo goiana pelo uso de livros de leitura e de outros impressos como
condiccedilatildeo para a efetividade do ensino de leitura e escrita
3) A histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes a partir de 1870 passou por diferentes
transformaccedilotildees devido ao contexto nacional do mercado editorial e das legislaccedilotildees
que vigoravam na proviacutencia
Um dos marcos na histoacuteria da educaccedilatildeo em Goiaacutes conforme evidenciamos na
seccedilatildeo anterior foi a publicaccedilatildeo da Lei nordm 414 de 9 de novembro de 1868 o
Regulamento da Instruccedilatildeo Puacuteblica e Particular da Proviacutencia de Goiaacutes de 1869
(GOIAacuteS 1869) Diferente do que se estabelecia ateacute entatildeo foi evidenciado o uso dos
livros nas praacuteticas escolares repercutindo em maior divulgaccedilatildeo e circulaccedilatildeo de livros
de leitura cartilhas e manuais de ensino no territoacuterio goiano o que
consequentemente ocasionou uma visatildeo diferente sobre as praacuteticas do ensino inicial
de leitura e escrita A partir dos anos 70 do seacuteculo XIX ocorreu a entrada de
diferentes impressos para alfabetizaccedilatildeo das crianccedilas que permitiram a circulaccedilatildeo de
ideaacuterios de um ensino moderno que almejava romper com a tradiccedilatildeo dos meacutetodos de
187
soletraccedilatildeo Apontamos nesta seccedilatildeo da tese vaacuterias publicaccedilotildees e iniciativas que
colocaram a proviacutencia em diaacutelogo com o que estava ocorrendo e sendo difundido na
Corte e no paiacutes como um todo
A histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes oitocentista natildeo estava isolada do
contexto nacional nem tampouco descolada do anelo de implementar o que havia de
mais moderno no Brasil Doravante os dois capiacutetulos que seguem na organizaccedilatildeo
desta tese focalizam as iniciativas que colaboram para ratificar e fundamentar a
afirmaccedilatildeo anterior destacando tanto a questatildeo da circulaccedilatildeo de saberes escolares
advindos de uma publicaccedilatildeo portuguesa quanto da adoccedilatildeo de livros eminentemente
brasileiros para alfabetizaccedilatildeo
188
4 O MEacuteTODO CASTILHO NA
HISTOacuteRIA DA ALFABETIZACcedilAtildeO EM GOIAacuteS
___________________________________
Em 1855 destaca-se uma iniciativa financiada pelo governo da proviacutencia de
Goiaacutes de enviar ao Rio de Janeiro um professor para conhecer o meacutetodo Castilho a
fim de propagaacute-lo nas escolas goianas O entatildeo Presidente da Proviacutencia Antonio
Candido da Cruz Machado tendo notiacutecias do sucesso do meacutetodo Castilho para o
ensino raacutepido da leitura e escrita e diante da situaccedilatildeo da instruccedilatildeo puacuteblica na
proviacutencia enviou ao Municiacutepio da Corte o professor Feliciano Primo Jardim
Tendo-se reconhecido a vantagem do methodo de ensinar a ler e escrever que o conselheiro Antonio Feliciano de Castilho estaacute propagando na capital do imperio e considerando que o professor da 1ordf aula de instrucccedilatildeo primaria desta cidade Feliciano Primo Jardim por sua intelligencia applicaccedilatildeo zecirclo e bocirca conducta estava nas circunstancias de bem comprehende-lo e pocirc-lo em pratica nacuteesta provincia e convindo que fosse estuda-lo com o proprio autor resolvi por acto de 21 de julho incumbi-lo dessa commissatildeo com a gratificaccedilatildeo mensal de 100$000 reacuteis e marquei-lhe o prazo de oito mezes para ida estada e volta ficando o mesmo obrigado a natildeo pedir demissatildeo do emprego trez annos depois e a ensinar pelo referido methodo como fosse determinado pelo governo incumbi-o tambem de examinar os compendios admittidos no ensino primario da cocircrte quer pelo methodo Castilho quer pelo actual e de enviar um relatorio circunstanciado em que mencione o preccedilo e quantidade dos compendios e mais objectos que forem precisos Tinha de submetter este acto aacute aprovaccedilatildeo da assemblea legislativa provincial (MACHADO Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1855 p 23-24)
189
Em Goiaacutes no periacuteodo em questatildeo o meacutetodo individual estava em voga sendo
considerado por muitos Presidentes da proviacutencia como um dos motivos pelo atraso
do ensino Como jaacute elucidamos nas seccedilotildees anteriores pouco circulavam nas escolas
goianas de primeiras letras manuais ou outros impressos que subsidiassem o ensino
de leitura e escrita Os livros que os professores tinham para lecionar estavam
geralmente calcados num vieacutes religioso que reproduzia um ensino pelo modelo de
perguntas e respostas remetendo a uma forma individual e catequeacutetica Entretanto
mesmo sob o domiacutenio da Igreja no campo educacional e com uma grande
concentraccedilatildeo de populaccedilatildeo no meio rural o excerto acima do relatoacuterio do Presidente
Antonio Candido da Cruz Machado mostra uma iniciativa que buscava inserir na
proviacutencia uma nova tendecircncia pedagoacutegica de alfabetizaccedilatildeo que circulava na Corte o
que tambeacutem ratifica a tese deste trabalho e abre a discussatildeo dessa seccedilatildeo
Machado submeteu a proposta de enviar Primo Jardim ao Rio de Janeiro para
aprovaccedilatildeo da Assembleia Legislativa Provincial em 01 de setembro de 1855 somente
para cumprir um protocolo legal legitimando a sua iniciativa jaacute que havia determinado
e autorizado a viagem por meio de Resoluccedilatildeo Provincial de 21 de julho de 1855
(MACHADO Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1855)
A presidecircncia conseguiu o aval da Assembleia que colocou a referida
resoluccedilatildeo em votaccedilatildeo aprovando-a em 6 de novembro de 1855 (GOIAacuteS 1855b)
sendo ela sancionada pelo sucessor de Machado o Presidente Antonio Augusto
Pereira da Cunha como foi registrado em trecircs passagens do jornal O Tocantins em
dezembro de 1855 (O TOCANTINS 08 de dezembro de 1855 p 1 15 de dezembro
de 1855 p 4 22 de dezembro 1855 p 2)208
Boto e Albuquerque (2018) explicitam que em 1855 foi ofertado pelo proacuteprio
Castilho no Rio de Janeiro um curso a respeito do seu meacutetodo ao qual foram
enviados representantes de vaacuterias proviacutencias do paiacutes De acordo com Arauacutejo e Silva
(1975) a ideia que circulava naquele momento na proviacutencia goiana era de que os
meacutetodos de ensino natildeo tinham grande efetividade eram muito lentos para as crianccedilas
aprenderem a ler e escrever e consequentemente seus pais natildeo as mantinham na
escola pois elas eram necessaacuterias na execuccedilatildeo de pequenos serviccedilos em casa ou
no trabalho Nesse sentido a propaganda difundida no Brasil e em Portugal sobre o
208 O Jornal O Tocantins ediccedilatildeo de 1855 estaacute transcrito e divulgado no DVD Coleccedilatildeo de Documentos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes (vol 01)
190
meacutetodo Castilho era de que ele conseguia de maneira raacutepida e agradaacutevel ensinar a
ler e escrever e tinha por base a organizaccedilatildeo didaacutetica de ensino simultacircneo sendo
portanto uma alternativa para dirimir os problemas na instruccedilatildeo puacuteblica goiana
O meacutetodo Castilho foi criado pelo portuguecircs Antocircnio Feliciano de Castilho Tem
origem em 1848 sendo publicado em Portugal em 1850 sob o tiacutetulo Leitura Repentina
ndash Methodo para em poucas liccedilotildees se ensinar a ler com recreaccedilatildeo de mestres e
disciacutepulos (FERREIRA 2010) Castilho graduou-se em Direito pela Universidade de
Coimbra dedicando-se agrave advocacia e agrave escrita poeacutetica em 1847 reavivou o perioacutedico
O Agricultor Michaelense que circulava na Ilha de Satildeo Miguel onde deparou com
uma situaccedilatildeo da privaccedilatildeo de leitura dos camponeses ndash alguns tinham acesso apenas
a esse jornal destinado especificamente a esse puacuteblico outros natildeo liam ou escreviam
(DIAS 2000) Sobre isso no Proacutelogo da sua obra Castilho esclarece
Qual eacute a istoria drsquoeste metodo O qe eacute este metodo De qem eacute este metodo [] Achava-me eu na ilha de S Miguel pertencia aacute Sociedade Promotora da Agricultura tratava-se em sessatildeo de Janeiro ou Fevereiro de 48 da sua conveniencia antes necessidade de se crearem escolas ruraes de primeiras letras Ofereci-me eu aacute falta de outrem a tentar para isso alguma facilitaccedilatildeo qe jaacute de muito andava estrevendo aceitou-se e registou-se a promessa por ventura leviana e fiqei por minha palavra obrigado pelo menos a diligenciar ateacute onde as forccedilas mrsquoo consentissem (CASTILHO 1853 p XXVII-XXVIII)
Para Dias (2000) o meacutetodo Castilho surge aiacute a partir de um compromisso
social e uma questatildeo didaacutetica que o autor levantou na eacutepoca qual o melhor e eficaz
meacutetodo para ensinar a ler e escrever
Boto (1997) avalia que Castilho inseriu no debate educacional portuguecircs nos
anos 50 do seacuteculo XIX a temaacutetica dos meacutetodos e teacutecnicas mais adequados para o
ensino polemizando aspectos ateacute entatildeo natildeo discutidos e por isso as reaccedilotildees criacuteticas
contra suas ideias foram amplamente divulgadas o que provocou a natildeo oficializaccedilatildeo
do meacutetodo em Portugal
A autora ainda destaca que Castilho fez uma extensa campanha no territoacuterio
lusitano em defesa do seu meacutetodo oferecendo cursos aos professores primaacuterios
escrevendo para perioacutedicos em resposta aos ataques sofridos jaacute que as criacuteticas iam
desde acusaccedilotildees de plaacutegio agrave contestaccedilatildeo da funcionalidade da proposta pois o
acusavam de uma negaccedilatildeo da tradiccedilatildeo nacional dos padrotildees ortograacuteficos da liacutengua
portuguesa (BOTO 1997)
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Apoacutes a primeira ediccedilatildeo do livro em 1850 o autor produziu uma segunda em
1853 ampliando a obra e modificando seu tiacutetulo para Metodo Castilho para o ensino
rapido e aprasivel do ler impresso manuscrito e numeraccedilatildeo e do escrever O autor
intitulou o meacutetodo com o seu nome para conferir-lhe a autoria jaacute que na primeira
ediccedilatildeo alvo de muitas criacuteticas em Portugal tratava-se de uma versatildeo melhorada do
meacutetodo do pedagogo francecircs Lemare209 (BOTO ALBUQUERQUE 2018) Dias (2000)
avalia ambos os meacutetodos o de Castilho e o de Lemare constatando que embora haja
aproximaccedilotildees ldquonatildeo haacute nem coacutepia nem plaacutegio no verdadeiro sentido dos termos
penso que poderiacuteamos afirmar que um serviu de matildee ao outrordquo (DIAS 2000 p 477)
Nesta seccedilatildeo utilizaremos para anaacutelise a segunda ediccedilatildeo da obra pois acreditamos ter
sido a que circulou em Goiaacutes jaacute que a terceira data de 1857 (BOTO 1997)
Publicado pela Imprensa Nacional em Lisboa com 319 paacuteginas210 o livro
apresenta inicialmente um aviso geral aos leitores e outro aos redatores de toda a
impressa portuguesa ambos com ressalva sobre o seu meacutetodo e a necessidade de
conhececirc-lo primeiro para depois dirigir-lhe criacuteticas Agrave imprensa Castilho eacute mais
enfaacutetico dizendo da obrigaccedilatildeo de conhecerem aceitarem e recomendarem a obra
nesse texto associa tambeacutem a ideia da escrita de um livro agrave tarefa de civilizar ou seja
o livro denota o sentido de transformaccedilatildeo com impactos culturais e sociais
(CASTILHO 1853 p XXV-XXVI)
209 Pierre-Alexandre Lemare pedagogo francecircs nasceu em 1766 e faleceu 1835 ldquopouco conhecido no seu tempo quase esquecido hoje [] autor de vaacuterias obras didaacuteticasrdquo (DIAS 2000 p 469) Dentre essas obras podemos destacar Cours theacuteorique et pratique de langue franccedilaise (1804) Traiteacute complet drsquoorthographe drsquousage et de prononciation (1815) Maniegravere drsquoapprendre les langues suivie de lrsquoanalyse et de lrsquoexamen des meacutethodes ou projets de meacutethodes de Despautegravere Comeacutenius Port-Royal Locke Rollin Dumarsais Pluche Radonvilliers Lhomond Maugard Pestalozzi etc et drsquoun mot sur le proceacutedeacute de Lancastre (1817) Cours pratique et theacuteorique de langue latine ou meacutethode preacutenotionnelle (1817) Cours de lecture ougrave proceacutedant du composeacute au simple on apprend agrave lire des phrases puis des mots sans connaicirctre ni syllabes ni lettres composeacute de 41 figures en taille-douce repreacutesentant chacune selon la maniegravere dont elles sont envisageacutees une lettre une syllabe un mot ou une phrase de phrases preacutepareacutees tireacutees de la Bible et amenant dans les syllabes initiales de chaque ligne tous les genres drsquoassemblage neacutecessaires dont se composent les syllabaires et termineacute par un Dictionnaire de prononciation a lrsquousage des Franccedilais et des eacutetrangers (1818) 210 A versatildeo digitalizada dessa obra estaacute disponiacutevel na Biblioteca Nacional de Portugal pelo link lthttppurlpt185gt Acesso em 07 de abril de 2018 A obra tem dimensatildeo fiacutesica de 16 x 125 cm
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Figura 8 Folha de rosto da 2ordf ediccedilatildeo do livro Metodo Castilho para o ensino rapido e aprasivel
do ler impresso manuscrito e numeraccedilatildeo e do escrever (1853)
Fonte Biblioteca Nacional de Portugal
A obra tem dedicatoacuteria ldquoA sua Alteza o Priacutencipe Real D Pedrordquo e vem seguida
de uma carta a ele com elogios e consideraccedilotildees sobre a responsabilidade da Coroa
na educaccedilatildeo popular Naquele momento Portugal passava pelo periacuteodo regencial
aguardando a maioridade de D Pedro para ser aclamado como Rei ato que veio a
ocorrer em 1855 Castilho (1853) tambeacutem faz um apelo lembrando que sua obra eacute a
primeira dedicada ao Priacutencipe e sugerindo sua oficializaccedilatildeo no ensino portuguecircs
Embora o autor anuncie que essa dedicatoacuteria eacute desinteressada fica evidente sua
estrateacutegia de que ao enaltecer a jovialidade do Priacutencipe tambeacutem expressa a
modernidade instaurada em seu meacutetodo
[] o livro qe ousei pocircr nas suas matildeos eacute a carta da emancipaccedilatildeo da pueriacutecia eacute a boa nova jaacute festejada por matildees e paes e augura porqe no ler e escrever e escrever popular se encerra tudo uma eacutera nova uma revoluccedilatildeo moral drsquoestas em qe reis e principes e pontiacutefices devem arvorar o estandarte tocar o primeiro rebate e postar-se na primeira linha dos combatentes (CASTILHO 1853 p XXII-XXIII)
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Chartier (1998) advoga que era comum a dedicatoacuteria de livros para os
Priacutencipes em razatildeo de que esses proviam os escritores de benefiacutecios cargos postos
estabelecendo uma relaccedilatildeo de clientelismo e patrociacutenio do mercado livresco A
retoacuterica construiacuteda na dedicatoacuteria e no Proacutelogo em Capiacutetulos211 que vem na
sequecircncia incide naquilo para o que Bourdieu (2011) chama a atenccedilatildeo na produccedilatildeo
de um livro ndash objeto cultural Quando o produzimos produzem-se paralelamente
crenccedilas que fazem com que ele ldquoseja reconhecido como um objeto cultural como um
quadro como uma natureza-morta se natildeo produzo isso natildeo produzi nada apenas
uma coisardquo (BOURDIEU 2011 240) Desse modo Castilho (1853) natildeo somente
apresenta ou explicita as ideias da sua obra como para Boto (1997) inaugura em
Portugal um debate sobre a importacircncia de um meacutetodo para o ensino e sobre a loacutegica
para a aprendizagem da leitura difundindo a crenccedila de que sua proposta alcanccedila
resultados porque parte do princiacutepio do ensinar pela seduccedilatildeo pelo prazer razatildeo pela
qual para o autor em relaccedilatildeo a outros meacutetodos tradicionais que circulavam no paiacutes
a crianccedila aprendia a ler e escrever em menos tempo
Tratando ainda da materialidade do livro e de sua organizaccedilatildeo apoacutes o Proacutelogo
em Capiacutetulos antes das liccedilotildees para a aplicaccedilatildeo do meacutetodo haacute quatro textos
intitulados ldquoMobilia e afaia necessarias para uma aula de leitura repentinardquo (p 1)
ldquoDisposiccedilatildeo do pessoal de uma aula de leitura repentinardquo (p 3) ldquoAvisos
eisperimentaes ao professor (p 7) ldquoTempo e modo das liccedilotildeesrdquo (p 9) Todos esses
apresentam a ritualizaccedilatildeo do meacutetodo desde os objetos escolares utilizados nas aulas
ateacute a postura do professor que tem um papel decisivo para o sucesso do processo
Para Castilho (1853) ldquoo professor estaacute sempre em cena quasi sempre em peacute
gritando palmeando acionando atentissimo a tudo e para toda a parte ao qe diz ao
qe deve dizer ao como o deve dizer ao qe eisecuta ao que ouve []rdquo (CASTILHO
1853 p 9) O professor ao aplicar uma liccedilatildeo tatildeo logo percebesse que estava
provocando fadiga nos alunos deveria trocar a atividade
O meacutetodo eacute organizado em 21 liccedilotildees todas antecedidas por um texto intitulado
de ldquoAdvertencia preacutevia aacute liccedilatildeordquo em que o autor apresenta atividades a serem
realizadas eou conhecimentos a serem abordados com os alunos antes da aplicaccedilatildeo
211 Castilho (1853) intitula o Proacutelogo como ldquoProacutelogo em Capiacutetulosrdquo pois divide as suas consideraccedilotildees em trecircs toacutepicoscapiacutetulos intitulados Capiacutetulo I ndash Istoria do presente metodo Capiacutetulo II ndash O qe eacute este metodo Capiacutetulo III ndash A qem pertence o presente metodo
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da liccedilatildeo aleacutem de exarar preceitos teoacutericos que embasam o trabalho pedagoacutegico pelo
meacutetodo Castilho
Em Portugal a campanha de Castilho natildeo obteve sucesso Castelo-Branco
(1977) avalia ser esse o principal motivo de o autor procurar em outros locais a difusatildeo
do seu meacutetodo Em fevereiro de 1855 Castilho chegou ao Brasil212 e teve uma
audiecircncia com o Imperador D Pedro II que lhe concedeu autorizaccedilatildeo para ministrar
o Curso Normal de Leitura Repentina no Municiacutepio da Corte (BA CORREIO
MERCANTIL 11 de fevereiro de 1855 p 2)
A partir de uma consulta na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Brasil
notamos que no Brasil houve divulgaccedilotildees do meacutetodo Castilho em 1853 quando na
imprensa do Rio de Janeiro comeccedilaram a circular notiacutecias sobre a aplicaccedilatildeo desse
meacutetodo em Portugal e suas vantagens para o ensino raacutepido da leitura Localizamos
diversos textos publicados no Correio Mercantil durante o ano de 1853 na proviacutencia
do Rio de Janeiro O primeiro texto se refere a uma carta publicada na seccedilatildeo Exterior
com o tiacutetulo ldquoExtracto de uma carta escripta no dia 2 de agosto de 1853 em Lisboa por
um dos professores da Escola Normal do Methodo de Leitura Repentinardquo (CORREIO
MERCANTIL 01 de setembro de 1853 p 1) A carta natildeo eacute assinada e relata a
experiecircncia de aplicaccedilatildeo do meacutetodo Castilho em Portugal e sua divulgaccedilatildeo na
Espanha Itaacutelia e Brasil No texto haacute alusatildeo a que no Brasil havia-se estudado o
meacutetodo e que algueacutem fizera experiecircncias que o desabonavam Explica tambeacutem que
provavelmente a pessoa que o aplicou utilizou a primeira ediccedilatildeo da obra de Castilho
que natildeo era mais do que o sistema Lemare ldquomelhoradiacutessimordquo e em contraposiccedilatildeo
recomenda o estudo da segunda ediccedilatildeo
[] Esta sim que reuacutene nrsquoum todo harmocircnico conjuntamente com elementos jaacute reconhecidos e agora aperfeiccediloados e pela primeira vez reunidos outros da mais prodigiosa efficacia sem precedente algum nacional ou estrangeiro antigo nem moderno taes como decomposiccedilatildeo e leitura auricular que satildeo a nossa via ferrea [] seja como focircr eacute evidente que mais dia menos dia se introduziraacute nesse imperio um dos mais poderosos meios civilizadores nestes ultimos
212 A chegada de Antonio Feliciano de Castilho ao Brasil eacute registrada pelo jornal Correio Mercantil de 11 de fevereiro de 1855 em notiacutecia intitulada ldquoA nova estrelardquo assinada por B A ldquoacaba de despontar em nosso bello horizonte uma fulgurante estrela do ceacuteo lusitano deixando o soberboso Tejo para vir esparhar-se aacute nossa majestosa Guanabara O digno vate Portuguez cuja lyra ressoou sempre hormoniosa em nossa alma o distincto litteracto o Sr Antonio Feliciano de Castilho acha-se entre noacutes []rdquo (BA CORREIO MERCANTIL 11 de fevereiro de 1855 p 2) Acompanhando a notiacutecia haacute dois poemas saudando Castilho escritos por Bernardino Pinheiro e M Leite Machado
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tempos descobertos (CORREIO MERCANTIL 01 de setembro de 1853 p 1)
Diferente desse primeiro texto os demais estatildeo assinados por Joatildeo Vicente
Martins213 (1810-1854) que descreve sua experiecircncia em Portugal quando assistiu
agraves liccedilotildees e exerciacutecios do meacutetodo Castilho de leitura repentina sugerindo a sua
aplicaccedilatildeo nas escolas brasileiras Ao que tudo indica Martins foi se natildeo o primeiro
um dos principais divulgadores de Castilho no Brasil
Martins foi meacutedico lisbonense e trouxe as primeiras praacuteticas da homeopatia
para o Brasil por volta de 1837 (FERREIRA 1994) Em 1854 publicou o livro Cartilha
de leitura repentina ou plaacutegio do Methodo de Castilho (MARTINS 1854)214 utilizando
segundo Ferreira (1994) a teacutecnica francesa da zincografia215 da qual foi precursor no
paiacutes
O primeiro texto sobre o meacutetodo Castilho que Martins publicou no Correio
Mercantil216 propangadeia o lanccedilamento da segunda ediccedilatildeo da obra Metodo Castilho
para o ensino rapido e aprasivel do ler impresso manuscrito e numeraccedilatildeo e do
escrever justificando que natildeo aplicaria tal meacutetodo porque estava se dedicando com
afinco aos estudos da homeopatia oferece aos habilitados para ensinar por esse
meacutetodo um ordenado ou gratificaccedilatildeo a casa os livros e materiais para abertura de
uma escola de leitura repentina Essa oferta se repete em outras de suas publicaccedilotildees
durante o ano de 1853 quando tambeacutem anuncia o patrociacutenio da reimpressatildeo do livro
de Castilho oferecendo a todas as Cacircmaras Municipais do Impeacuterio um exemplar do
Meacutetodo gratuitamente
O Methodo Castilho vai fazer com que a leitura seja mais facil ao pobrezinho filho de um misero sertanejo do que ateacute agora tem sido aos principes e filhos de grandes senhores Noacutes vamos reimprimir o Methodo Castilho vamos fazer elle as gravuras paniconographicas e vamos dar a musica suavissima de seus cantares escripta conforme o novo methodo ou pauta E porque esperamos gastar pouco nesta
213 Em alguns de seus textos publicados no Correio Mercantil entre 1853-1854 Joatildeo Vicente Martins tambeacutem assinava J V Martins 214 O livro foi publicado no Rio de Janeiro na Tipografia da viuacuteva Vianna Junior Conteacutem 159 paacuteginas e um anexo (de paacuteginas natildeo numeradas) com os desenhos das letras do alfabeto e nuacutemeros cada um associado a um desenho A obra tem dimensatildeo de 205 x 135 cm Martins copia vaacuterios trechos do Meacutetodo Castilho acrescentando explicaccedilotildees para aplicaccedilatildeo dessa proposta de ensino 215 Teacutecnica de impressatildeo que consiste em utilizar como matriz uma placa de zinco para imprimir ou gravar 216 Trata-se do texto ldquoUma escola de leitura repentina pelo Methodo Castilhordquo publicado na seccedilatildeo ldquoPublicaccedilotildees a pedidordquo (CORREIO MERCANTIL 3 de setembro de 1853 p 2)
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reimpressatildeo e porque Deus manifestamente veiu em nosso auxilio daremos pelo menor preccedilo possivel cada exemplar do Methodo Castilho reservando os lucros que houverem para a manutenccedilatildeo de uma ESCOLA NORMAL DE LEITURA REPENTINA Todas as camaras municipaes do Imperio poderatildeo mandar buscar aacute nossa casa (rua de S Joseacute n 59) um exemplar desse Methodo quando reimpresso que lhe seraacute dado gratuitamente com tudo o mais que a este respeito publicarmos (MARTINS J V CORREIO MERCANTIL 8 de setembro de 1853 p 2)
A accedilatildeo de Martins sem duacutevida fez com que o obra e o ideaacuterio de Castilho
fossem conhecidos nas proviacutencias do Impeacuterio E conforme mencionamos em 1855 o
governo goiano enviou ao Municiacutepio da Corte o professor Feliciano Primo Jardim para
conhecer o meacutetodo jaacute que havia notiacutecias de que seu autor estava ministrando curso
no Rio de Janeiro Essa accedilatildeo eacute um marco pois foi a primeira vez pelo menos que se
tem notiacutecia ateacute entatildeo que um professor goiano era enviado ao Municiacutepio da Corte
numa missatildeo pedagoacutegica Logo nesta seccedilatildeo da tese apresentaremos as impressotildees
de Primo Jardim analisando as repercussotildees dessa viagem na histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo de Goiaacutes
41 UM PROFESSOR GOIANO NO RIO DE JANEIRO IMPRESSOtildeES SOBRE OS MEacuteTODOS
CASTILHO E SIMULTAcircNEO
Primo Jardim saiu em sua missatildeo em 3 de setembro de 1855 O Presidente
Machado concedeu ao professor uma ajuda financeira para custear as suas despesas
no Municiacutepio da Corte sob a obrigaccedilatildeo de que ele natildeo podia pedir demissatildeo do
emprego por trecircs anos jaacute que um de seus compromissos era aplicar o meacutetodo
Castilho em Goiaacutes (MACHADO Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1855 p 23-24)
Pelo discurso apresentado por Machado (1855) se evidencia que para concretizaccedilatildeo
do ensino de leitura e escrita deveria haver investimento em objetos e compecircndios
indispensaacuteveis para subsidiar o processo Essa questatildeo denota certo avanccedilo do poder
provincial em conceber a escola de primeiras letras o que aos poucos impacta na
proacutepria legislaccedilatildeo educacional em Goiaacutes demonstrando tambeacutem um diaacutelogo com o
que vinha ocorrendo em acircmbito nacional (MORTATTI 2000 MARCILIO 2016)
Consideramos dessa maneira que a viagem de Primo Jardim agrave Corte eacute um marco
que auxiliou inclusive na definiccedilatildeo dos rumos da legislaccedilatildeo educacional em Goiaacutes
como veremos doravante
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Na seccedilatildeo de Documentaccedilotildees Avulsas do Arquivo Histoacuterico Estadual de
Goiaacutes217 encontramos um relatoacuterio escrito por Primo Jardim narrando suas
experiecircncias do Rio de Janeiro datado de 28 de novembro de 1855 e endereccedilado ao
Presidente da Proviacutencia de Goiaacutes Antonio Augusto Pereira da Cunha Apesar de sua
extensatildeo a seguir transcrevemos alguns de seus trechos na iacutentegra em razatildeo de
trazerem elementos importantes para a compreensatildeo da natildeo oficializaccedilatildeo do meacutetodo
Castilho na proviacutencia goiana
Quando Primo Jardim chegou ao Municiacutepio da Corte natildeo encontrou Castilho e
tambeacutem descobriu que o meacutetodo por ele escrito natildeo havia sido adotado nas escolas
do Rio de Janeiro em virtude do que solicitou permissatildeo para frequentar algumas das
principais aulas da Corte O relatoacuterio portanto eacute fruto das experiecircncias na escola da
freguesia de Sacramento descrevendo inicialmente as observaccedilotildees das aulas com
o meacutetodo Castilho e posteriormente as das aulas com o meacutetodo simultacircneo
oficialmente adotado na Corte
Relatorio Ilmordm e Exmordm Senrordm Tendo sido encarregado pela Resoluccedilaotilde de 21 de Julho do corrente anno de vir a esta capital estudar o methodo de ler e escrever que pretendia plantar o Conselheiro Antonio Feliciano de Castilho entreguei a 24 drsquoAgosto a regencia da cadeira em que sou vitaliciamente provido e parti no dia 3 de Setembro para esta Cocircrte onde cheguei em 22 de Outubro do referido anno como jaacute tive a honra de participar a VExordf em officio datado de 6 do mez que corre ndash Nrsquoesse mesmo officio comuniquei a V Exordf que jaacute naotilde se achando aqui o dito Conselheiro Castilho apresentei o officio do Exmordm Antecessocircr de VExordf ao Exmordm Senrordm Inspector Geral da instrucccedilatildeo publica de que depois de informado de naotilde ter sido adoptado nesta Capital o methodo portuguez Castilho obtive permissatildeo para visitar as principais aulas aqui estabelecidas tendo em vista naotilde soacute colher alguma vantagem dessas visitas como o cumprimento do artigo 4 da jaacute citada Resoluccedilaotilde ndash Servindo-me pois drsquoessa permissatildeo dirigi-me aacute escola da freguesia do Sacramento onde encontrei o respectivo Professocircr leccionando pelo methodo aqui actualmente seguido e em cima das salas do mesmo estabelecimento um outro Professor que como eu comissionado pela sua Provincia ensaiava o methodo de leitura repentina cuja exposiccedilatildeo acabou de ouvir particularmente do proprio author visto que o curso publico tinha-se terminado de huma maneira irregular (PRIMO JARDIM 1855 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 123)
No que se refere ao meacutetodo Castilho suas observaccedilotildees foram feitas numa sala
de aula de um professor que fez o curso com o portuguecircs Castilho durante a sua
217 Seccedilatildeo de Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 123 Documento com 10 paacuteginas costurado nas laterais
198
estada no Rio de Janeiro Primo Jardim reitera que esse curso havia finalizado de
maneira irregular Segundo Castelo-Branco (1977) as cartas de Castilho dirigidas agrave
esposa durante seu periacuteodo no Brasil revelam que em 1855 as sessotildees puacuteblicas sobre
o seu meacutetodo foram encerradas antes do previsto devido a duas razotildees
fundamentais primeiro porque ldquono decorrer do curso foram apresentadas
discordacircncias e foi contestado o seu meacutetodordquo segundo ldquoA F Castilho filia
discordacircncias e contestaccedilotildees ao meacutetodo em pruridos patrioacuteticos visto existir no Brasil
o meacutetodo de Costa e Azevedordquo (CASTELO-BRANCO 1977 p 42)
Depreende-se nesse ponto que o meacutetodo Castilho natildeo foi bem recebido na
Corte sobretudo pela forte oposiccedilatildeo do professor Costa e Azevedo Castilho acusa
inclusive Costa e Azevedo de ser plagiaacuterio de Joseph Jacotot218 (CASTELO-
BRANCO 1977 BOTO ALBUQUERQUE 2018) Albuquerque e Boto (2017)
explicam que Costa e Azevedo atuou como diretor da Escola Normal de Niteroacutei e
professor de todas as cadeiras da instituiccedilatildeo publicando em 1832 as Liccedilotildees da
Instruccedilatildeo Elementar denominadas de Liccedilotildees de Ler compostas por 53 liccedilotildees para o
ensino de leitura pela marcha sinteacutetica (COSTA E AZEVEDO 1832) Em virtude das
rixas entre Castilho e Costa e Azevedo o primeiro acusou o segundo de plaacutegio agraves
obras do francecircs Joseph Jacotot e do portuguecircs Antoacutenio Arauacutejo de Travassos219
ldquoEsse cenaacuterio de embates entre diferentes propostas de meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo no
Brasil Imperial remontou um contexto de disputas poliacuteticas filosoacuteficas sociais dentre
outras que extrapolam as querelas dos meacutetodos pedagoacutegicosrdquo (ALBUQUERQUE
BOTO 2017 p 230 grifo das autoras)
Primo Jardim tambeacutem explicita elementos do meacutetodo Castilho que consistia
basicamente na decomposiccedilatildeo das palavras em siacutelabas e letras atribuindo a essas
os sons originais e por fim retornando agrave palavra inteira
218 Jean Joseph Jacotot (1770-1840) nasceu na Franccedila em Dijon ldquoEacute considerado um pedagogo francecircs Estudou Direito em Dijon Ensinou retoacuterica e depois letras e matemaacutetica Apoacutes a Revoluccedilatildeo foi oficial do exeacutercito francecircs mas apoacutes a queda de Napoleatildeo teve de se exilar na Beacutelgica Em 1818 ainda exilado na Beacutelgica aceitou um cargo na Universidade Seus alunos natildeo falavam francecircs e ele natildeo falava flamengo Apoacutes a Revoluccedilatildeo de 1830 regressa agrave Franccedila na tentativa de propagar seu meacutetodo de ensino que buscava a emancipaccedilatildeo intelectual atraveacutes da educaccedilatildeordquo (BOTO ALBUQUERQUE 2018 p 29) Para mais informaccedilotildees sobre a atuaccedilatildeo de Joseph Jacotot cf Ranciegravere 2015 219 Sobre isso Castelo-Branco (1977) reproduz trechos das cartas de Castilho em que faz a denuacutencia do plaacutegio Numa perspectiva descritivo-analiacutetica Albuquerque e Boto (2017) analisam as obras de Jacotot e Travassos contrapondo-as com o livro Liccedilotildees de Ler de Costa e Azevedo (1832)
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ndash Procurarei dar a VExordf uma ideacuteia ainda que muito imperfeita do que tenho podido observar acerca do ensino primario nesta corte ndash Da pratica de alguns dos differentes processos de que se compotildee o methodo portuguez castilho pude coligir e do mesmo texto se vecirc que elle consiste em dar aos meninos com a possivel clareza o conhecimento da palavra fazer que eles com o socorro do rhythomo marcado com a percussatildeo de palmas a decomponhaotilde em syllabas e estas em elementos que por um processo contrario reunaotilde estes elementos em syllabas e destas formem a palavra alternando com o Professocircr este exercicio que tem o nome de leitura auricular e que tem grande importancia neste systema (PRIMO JARDIM 1855 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 123)
Como o proacuteprio Castilho (1853) aponta a palavra eacute o objeto da leitura e a fala
uma competecircncia anterior agrave habilidade de leitura Assim sendo o autor desenvolveu
a chamada leitura auricular mencionada por Primo Jardim que consistia na repeticcedilatildeo
do processo de decomposiccedilatildeo e composiccedilatildeo das palavras em siacutelabas e letras
acompanhado pela percussatildeo das palmas como ele explica detalhadamente no livro
O mestre aqi dividiraacute clara e pausadamente muitas palavras em silabas acompanhando cada silaba com uma palma ou pancada de vara e metendo de silaba a silaba um intervalo [] Logo qe o mestre presume qe a maioria dos discipulos tem entendido esta divisatildeo das palavras em postas silabas ou tempos propotildee-lhes palavras uma e uma pronunciando cada uma clara e distintamente mas de um jato e fazendo com qe os ouvintes lhrsquoa recambiem logo dividida em silabas acompanhada cada silaba por cada uma drsquoeles com uma palma [] Suponhamos qe eacute navio a primeira palavra que lhes qer apresentar para eisemplo drsquoesta recitaccedilatildeo esparralhada Dir-lhes-aacute primeiro navio correntemente depois o mesmo dividido nos cinco elementos de qe o vocaacutebulo se compotildee tendo cuidado em natildeo falsificar nenhum drsquoeles e em os proferir a um e um com certa demora e desleixo imitativo n-acirc-v-i-u Mulher m-u-lh-eacute-r Terra t-eacute-rr-acirc (CASTILHO 1853 p 18-19 p 21)
Apoacutes essa praacutetica explorando os sons das letras e suas transformaccedilotildees nas
palavras o professor apresenta as letras escritas entrando em cena as imagens
associadas agraves letras
Apresentaotilde-se varias figuras mais ou menos semelhantes aacutes letras fazendo-se sobre cada huma dellas pequenas historias taes que dellas resulte gravar na memoria dos ouvintes naotilde soacute a foacuterma como o valor das mesmas letras ndash Comeccedila este processo pelas vogaes e logo que signaes que as representaotilde saotilde conhecidos dos alunnos daotilde-se-lhes a ler palavras em cuja composiccedilatildeo naotilde entrem senaotilde as mesmas vogaes Passa-se depois co conhecimento das consoantes dos sons nasalados e finalmente das articulaccedilotildees compostas propondo-se a sempre para serem shysthmicamente lidas com a maior exacccedilatildeo aquellas palavras que contenhaotilde em si somente os elementos anteriormente conhecidos sendo intermeiado este processo do canto
200
de varias regras que dizem respeito aacute pronuncia de certas letras (PRIMO JARDIM 1855 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 123)
Aleacutem da leitura auricular temos acima descritos os princiacutepios da leitura ocular
em que se apresenta agrave crianccedila como os sons podem ser representados sentidos
pelos olhos por meio do registro escrito ou impresso Iniciando pelas vogais cada letra
eacute acompanhada de uma historieta que auxilia o aluno a memorizar tanto a sua escrita
por meio da associaccedilatildeo entre a imagem e o formato da letra quanto os seus variados
valores sonoros
Figura 9 Paacuteginas 29 e 31 do livro Metodo Castilho para o ensino rapido e aprasivel do ler
impresso manuscrito e numeraccedilatildeo e do escrever (1853)
Fonte Biblioteca Nacional de Portugal
As historietas faziam relaccedilatildeo direta com a imagem da letra No caso da letra
ldquoArdquo a histoacuteria tratava de um preguiccediloso que vivia a bocejar e escorar-se pelas coisas
Para todas as letras as historietas enfatizavam os diferentes sons delas uma vez que
o meacutetodo consistia nessa primeira exploraccedilatildeo fonecircmica Ainda sobre essa questatildeo da
201
associaccedilatildeo da imagem letras e histoacuterias vale ressaltar que entre as polecircmicas do
plaacutegio de Castilho ao Meacutetodo Lemare o primeiro esclarece que da obra do segundo
ele toma essa ideia de empreacutestimo dando a ela outro caraacuteter e outro direcionamento
(CASTILHO 1853) Nos capiacutetulos introdutoacuterios da segunda ediccedilatildeo de seu livro
Castilho (1853) responde agraves criacuteticas e especulaccedilotildees de o seu meacutetodo ser uma coacutepia
do francecircs Lemare confrontando o livro de Lemare e o seu enfatizando que Lemare
propotildee um ensino pelo meacutetodo individual jaacute o Castilho pode ser aplicado sobre as
bases do meacutetodo simultacircneo visto que em suas proacuteprias palavras ldquoo meu metodo se
acha por tal arte desenvolvido e concertado qe tatildeo bem e eficazmente se poacutede
acomodar a uma classe de seiscentos discipulosrdquo (CASTILHO 1853 p LVI)
A sequecircncia das liccedilotildees como o proacuteprio Primo Jardim (1855) observou nas
aulas a que assistiu o professor apresenta as vogais (satildeo seis a e i y o u) as
consoantes (satildeo dezenove m n l r b p d t f v q k e ccedil s z x j g) os sons
nasalados com duas letras (satildeo sete an atildeo em em im on un) e as articulaccedilotildees
compostas com duas letras (satildeo quatro ch lh nh e ph) Primo Jardim (1855) destaca
que percorridas todas as letras passa-se ao ensino dos sinais de pontuaccedilatildeo Poreacutem
na obra de Castilho acompanhando o progresso das liccedilotildees observamos que haacute
anteriormente o exerciacutecio das ldquocombinaccedilotildees logogriacuteficasrdquo ou seja com as
letrassiacutelabas de uma palavra formam-se outras palavras O professor copia as
palavras no quadro com as siacutelabas separadas por hiacutefen cada siacutelaba enumerada
iniciando pelo nuacutemero 1 Daiacute por diante o exerciacutecio consiste em fazer combinaccedilotildees
entre as siacutelabas formando novas palavras conforme exemplo abaixo
1 2 3 4 5 6 7 Ma-te-ri-a-li-da-de Sete De Sete com acento circumflecso Decirc Seis Da Seis com acento agudo Daacute Cinco Li Quatro A Quatro com acento agudo Aacute [] Seis e seis Dada Um e dois Mate Dois e um Tema (CASTILHO 1853 p 165)
As combinaccedilotildees segundo o autor podem ser feitas sem respeitar as
convenccedilotildees ortograacuteficas pois a intenccedilatildeo eacute aprender a leitura Essa praacutetica faz parte
de um exerciacutecio de leitura ocular definido como a leitura da palavra grafada e
visualmente exposta seja no quadro-negro ou em um impresso
A escrita para Castilho deve ser introduzida posteriormente ao aprendizado
da leitura Entre as 21 liccedilotildees de sua obra eacute somente na liccedilatildeo 17ordf que os exerciacutecios
de escrita aparecem recomendando que ela seja feita nas ardoacutesias individuais a partir
202
da observaccedilatildeo de quadros modelos afixados na sala que contecircm a grafia das letras
Tal direcionamento justifica os materiais solicitados por Primo Jardim para aplicaccedilatildeo
do meacutetodo Castilho entre eles ardoacutesias giz esponja ou papel e laacutepis para os alunos
uma coleccedilatildeo completa de quadros que representam o alfabeto quadros modelos para
a escrita220 (PRIMO JARDIM 1855 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 123)
Outro material solicitado e recorrentemente utilizado na execuccedilatildeo do meacutetodo eacute
o Mississipi caracterizado como ldquouacutema grande teia de panno enrolada em dous
cilindros na qual estaotilde escriptas em grandes caracteres romanos palavras e numeros
para serem lidosrdquo (PRIMO JARDIM 1855 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm
123) Essa descriccedilatildeo eacute muito semelhante agrave que Castilho faz desse objeto em sua obra
ldquouma ou mais teias de papel formadas de folhas pegadas pela eistremidade uma aacutes
outras sendo a largura destas teias proporcionada ao comprimento dos cilindros do
Mississipi em qe tem de ser enroladasrdquo (CASTILHO 1853 p 4) Nele ficavam escritas
palavras nuacutemeros romanos nuacutemeros letras para serem lidas pelos alunos
Primo Jardim tambeacutem socilicita o livro do meacutetodo Castilho para o professor
podendo ser um para cada aluno bem como os exemplares do texto Sciencia do Bom
Homem Ricardo de Benjamin Franklin e o livro Arte de aprender a ler a letra
manuscripta de Duarte Ventura (PRIMO JARDIM 1855 AHEG Documentaccedilatildeo
Avulsa Caixa nordm 123) Os dois uacuteltimos livros seriam utilizados conforme Primo Jardim
(1855) elucida para o ensino da letra manuscrita e letra redonda
Sciencia do Bom Homem Ricardo foi um texto de leitura escolar que circulou
no Brasil imperial e sobre o qual nos debruccedilamos com maiores detalhes na seccedilatildeo
anterior Conforme analisamos era geralmente publicado em letra de imprensa (ou
tambeacutem chamada de redonda) difundindo preceitos morais e valores sociais para
formaccedilatildeo de um cidadatildeo pronto para o trabalho (ARRIADA TAMBARA DUARTE
2015)
Jaacute a obra de Duarte Ventura segundo Batista (2002) foi provavelmente
publicada entre 1830 e 1848 pela firma de J-P Aillaud em Paris Como se enuncia
na capa ela eacute organizada em 10 liccedilotildees da letra mais faacutecil para mais difiacutecil
A ldquoPrimeira liccedilatildeordquo como se daacute geralmente nos livros do gecircnero apresenta o alfabeto em letras manuscritas maiuacutesculas (p 3 a 4) os numerais de 1 a 10 (p 4) e o alfabeto (p 5) novamente agora em letras minuacutesculas assim como nova sequecircncia dos numerais em
220 Esses quadros apresentam as letras do alfabeto maiuacutesculas e minuacutesculas de variadas caligrafias Segundo Castilho (1853) podem ser feitos por qualquer caliacutegrafo
203
tamanho menor Nessas pranchas utiliza-se sempre a letra cursiva inclinada As demais liccedilotildees constroem uma antologia (sempre em cursiva) composta por um uacutenico excerto de texto (no caso a opccedilatildeo recai em geral sobre Camotildees e ldquoOs Lusiacuteadasrdquo) por um texto do autor do livro ou de um texto desse autor entremeado por excertos de outros autores No que diz respeito agrave temaacutetica os textos celebram episoacutedios e particularmente heroacuteis da histoacuteria portuguesa (D Afonso Henriques D Joatildeo de Castro Afonso de Albuquerque) em geral inseridos por meio dos tiacutetulos e da introduccedilatildeo no quadro de valores como o amor agrave independecircncia nacional e agrave paacutetria assim como a lealdade a ela (BATISTA 2002 natildeo paginado)
Pinto (2009) em anaacutelise ao livro de Duarte Ventura explica que a obra aleacutem
de apresentar um meacutetodo de ensino de leitura e escrita tem um caraacuteter vigoroso da
educaccedilatildeo ciacutevica objetivando formar cidadatildeos patriotas com espiacuterito heroico e
militarista Trata-se por isso de um compecircndio ldquode todas as virtudes humanas morais
e cristatildes para a formaccedilatildeo do lsquohomem novorsquo para um lsquomundo novordquo (PINTO 2009 p
60) O livro Arte de aprender a ler a letra manuscripta como o proacuteprio tiacutetulo enuncia
tinha por objetivo ensinar a letra manuscrita ao aluno
No anexo ao relatoacuterio de Primo Jardim (1855) haacute uma relaccedilatildeo dos objetos
necessaacuterios para a praacutetica do meacutetodo de leitura repentina para uma turma com 8
alunos Na listagem ele solicita apenas 1 livro do meacutetodo Castilho (2$000 reacuteis) 8
exemplares da Sciencia do Bom Homem Ricardo (valor unitaacuterio $200) 8 do livro da
Arte de aprender a ler a letra manuscripta por Duarte Ventura (valor unitaacuterio $800)
(PRIMO JARDIM 1855 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 123) Essas
quantidades e valores denotam aspectos do ideaacuterio que circulava sobre as praacuteticas
de ensino de leitura e escrita no impeacuterio
O primeiro que podemos depreender refere-se aos aspectos econocircmicos Dado
o alto valor das obras impressas em geral eram elas destinadas ao professor que
copiava as liccedilotildees na lousa ou solicitava que os alunos fizessem as atividades
utilizando a ardoacutesia individual Os livros que eram adquiridos para os alunos eram os
de menor valor nesse caso tanto a obra de Benjamin Franklin quanto a de Duarte
Ventura que se comparadas agrave de Castilho eram de menor custo
O segundo ideaacuterio estaacute correlacionado ao desenvolvimento na escola de certa
mentalidade que associava o ensino de leitura e escrita agrave formaccedilatildeo moral e ciacutevica
notadamente presente nos livros adotados Por fim ao observar a quantidade de
objetos notamos pressupostos do meacutetodo de ensino que circulava naquele momento
sendo o meacutetodo individual o mais empregado nas escolas
204
No relatoacuterio de Primo Jardim (1855) eacute mencionado o meacutetodo simultacircneo como
aquele que estava sendo adotado oficialmente nas escolas da Corte Embora
descreva e recomende o meacutetodo simulacircneo Primo Jardim argumenta que nos trecircs
meacutetodos haacute evidentes dificuldades
Passarei agora a offecere aacute consideraccedilatildeo de VExordf mui suscintas observaccedilotildees sobre o methodo actualmente adoptado nesta Cocircrte ndash Dos tres methodos de ensino mais geralmente conhecidos o individual em que cada discipulo recebe as liccediloes diretamente do Professor o mutuo em que os alunnos aprendem e ensinaotilde mutuamente uns aos outros e o simultaneo em que uma soacute liccedilao explicada pelo proprio Professor deve ser ouvida e tem de servir para todos os escolares este ultimo eacute o actualmente adoptado nas escolas desta Cocircrte pois que assim o determina o artigo 73 do Regulamento approvado pelo Decreto de 17 de Fevereiro de 1854 Releva porem notar que assim como methodo individual o primeiro dos methodos deixa de ser proficuo desde que a quantidade dos discipulos passa de certo numero assim como o ensino mutuo deixa de offerecer segundo alguns resultados verdadeiramente vantajosos por isso que os escolares naotilde tem a sufficiente capacidade para transmitirem a seos colegas os conhecimento de a que elles haotilde necessidade assim tambem o ensino rigorosamente simultaneo naotilde deixa de apresentar embaraccedilos bem serios ao Professor que o tem de praticar E isto eacute claro Em huma escola de primeiras letras quasi diariamente concorrem alunnos a inscreverem-se na respectiva matricula e a liccedilaotilde drsquoaquelles que jaacute se achaotilde matriculados a quinze ou vinte dias naotilde poacutede servir para aquelle que eacute admittido quinze ou vinte dias depois Eacute verdade que este obstaculo se poderia de alguma sorte remover fixando-se a epoca para a admissatildeo aacute matricula porecircm sendo diversas as materias que se lhes tem de ensinar e diversas as capacidades dos alunnos aparece drsquoaqui a necessidade de se dividir uma mesma aula em vario numero de classes que por suas qualidades especiaes naotilde podem ser ao mesmo tempo regidas unicamente pelo Professocircr o qual por isso mesmo tem de confial-as aos cuidados dos mais adiantados de seos alunnos recorrendo assim ao methodo do ensino mutuo e ficando desta arte prejudicada a rigorosa simultaneidade do ensino ndash Eacute pois o ensino mutuo por diversos modos alterado a base sobre que descanccedila o systema mixto das escolas que aqui tenho visitado ndash Em todas ellas encontraotilde-se os monitores das classes e toda a aula obedecendo ao som da campainha a signaes que lhes faz o monitor qual que tem o seo assento ao lado do Professocircr Como porem todas estas modificaccediloes tem sido operadas segundo a entender dos mui dignos e zelosos Professocircres que com bastante dopteridade dirigirem os primeiros passos da mocidade fluminense estudando cada hum em particular o melhor meio de o conseguir resulta drsquoaqui naotilde haver ainda uma perfeita uniformidade de systhema circunstancia esta que tem necessariamente de desaparecer em vista do que dispotildee o artigo 76 do jaacute citado Regulamento (PRIMO JARDIM 1855 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 123)
O excerto eacute o iniacutecio da segunda parte do relatoacuterio em que o autor relata sobre
os meacutetodos de ensino encontrados na Corte ndash o individual o muacutetuo e o simultacircneo
205
Esse uacuteltimo por ser o adotado oficialmente o descreve com maiores detalhes com a
ressalva de que no territoacuterio fluminense natildeo havia uniformidade sobre os modos de
ensinar Nesse periacuteodo estava em vigor a Reforma Couto Ferraz (BRASIL 1854) que
embora tenha estabelecido o meacutetodo simultacircneo para as escolas em geral tambeacutem
deu brecha para o Inspector Geral determinar quando julgar conveniente a adoccedilatildeo
de outro meacutetodo conforme os recursos e necessidades
Primo Jardim (1855) indica os preceitos do professor Candido Matheos de Faria
Pardal221 conhecido como um dos mais distintos professores da capital
ndash Em quanto porem esta uniformidade se naotilde estabelece procuro iniciar-me no modo de ensinar seguido pelo Senrordm Candido Matheos de Faria Pardal um dos mais distinctos Professocircres desta Capital ndash Elle como quasi todos divide os trabalhos da sua aula que como as outras comeccedila as 9 horas da manhatilde e termina aacutes 2 da tarde em quatro processos a saber o de escripta o de cathecismo o de contabilidade e o de leitura fazendo objeto do 1ordm a calligraphia desde as linhas obliquas ateacute o cursivo do 2ordm as diversas liccedilotildees do cathecismo historico de Fleury do 3ordm a arithmetica desde os numeros diacutegitos ateacute as proporccediloes e do 4ordm o alfabeto ateacute a analyse gramatical sendo todas estas materias convenientemente distribuidas pelas diversas classes em que estaacute dividida toda a aula em que naotilde saotilde occupadas por mais de 7 alunnos inclusive o monitor respectivo (PRIMO JARDIM 1855 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 123)
No relatoacuterio descreve que as aulas de Pardal se organizavam no ensino da
escrita do catecismo da aritmeacutetica e da leitura Todos esses quatro processos se
baseavam no aprendizado dos conteuacutedos mais simples aos mais complexos A escola
era organizada em vaacuterias turmas que natildeo ultrapassavam 7 alunos regidas pelo
professor mais o monitor e um professor adjunto A organizaccedilatildeo em classe marca os
preceitos do meacutetodo simultacircneo que ainda mantinha resquiacutecios das caracteriacutesticas
do meacutetodo monitorial ou muacutetuo este contava com a participaccedilatildeo de monitores que
em pequenos grupos orientavam as liccedilotildees e zelavam pela disciplina dos alunos A
221 ldquoCandido Matheus de Faria Pardal viveu 70 anos (1818-1888) mais da metade dos quais trabalhando na docecircncia Estudou na Academia de Belas Artes foi professor na escola primaacuteria no Coleacutegio de D Pedro II no Instituto Comercial da Corte no Coleacutegio de meninas da Baronesa de Geslin diretor das escolas municipais se apropriou de ideias estrangeiras escreveu livros escolares aprovou outros examinou professores adjuntos e alunos mobilizou a categoria e tambeacutem foi eleitor devoto membro de irmandades diretor de sociedades e associaccedilotildees beneficentes recreativas e poliacuteticas organizou subscriccedilotildees e fez parte de diversas comissotildees para agecircncia na cidaderdquo (BORGES 2014 p 275) Borges (2014) baseando-se na micro-histoacuteria faz uma anaacutelise da vida profissatildeo e pensamento do Professor Pardal projetando-o nas redes de relaccedilotildees estabelecidas no movimento da vida da profissatildeo da escola da cidade e do mundo
206
Reforma Couto Ferraz natildeo menciona a figura do monitor mas a do professor adjunto
cargo exercido por alunos das escolas puacuteblicas maiores de 12 anos que tivessem
bons resultados e propensatildeo ao magisteacuterio Os professores adjuntos eram auxiliares
das praacuteticas de ensino do professor da turma Entretanto na observaccedilatildeo que Primo
Jardim (1855) faz das aulas do professor Pardal haacute a figura do adjunto e se manteacutem
o monitor Isto eacute as novas praacuteticas satildeo imprimidas nas velhas preservando elementos
simboacutelicos mantidos pelas crenccedilas que circulam no acircmbito pedagoacutegico
Os arranjos organizativos das salas de aulas pelo meacutetodo simultacircneo satildeo
destacados ao final do relatoacuterio Bancos dispostos paralelos agrave mesa do professor para
cada aluno uma mesa inclinada com uma lousa tinteiros fixos e cabides para
dependurar os exemplares de escrita ornamentavam a sala juntamente com o retrato
do Cristo crucificado e do Imperador Tal descriccedilatildeo corrobora a perspectiva de que
espaccedilo e tempo escolares eram normatizados por uma ldquogramaacutetica baacutesica da escolardquo
como Vidal (2005) explica retomando o conceito dos americanos David Tyack e Larry
Cuban nos anos de 1990
Primo Jardim (1855) por fim enumera em anexo ao relatoacuterio uma relaccedilatildeo de
objetos para abertura de escola do ensino simultacircneo para 200 alunos
Relaccedilaotilde dos utensilios necessarios para huma escola do ensino simultaneo contendo 200 alunnos 200 louzas 200 canetas de lataotilde 4 massos de lapis de pedra 1 [ilegiacutevel] de esponja 4 ditas de giz branco 4 grosas de pennas de accedilo 4 ditos de cabos para as mesmas 50 exemplares de grammatica de Coruja 50 ditos de arithmetica do mesmo author 50 exemplares de primeira collecccedilaotilde de carta 50 cathecismos historicos de Fleury 20 exemplares do expositor Portuguez 20 ditos da Sciencia do Bom Homem Ricardo 10 ditos de Historia do Brasil Coruja 60 ditos de Duarte Ventura 50 pautas obliquas 6 dusias de lapis finos 1 estampa de Jesus Crucificado 1 retrato de S M O Imperador Total 329$360 (PRIMO JARDIM 1855 AHEG Documentaccedilatildeo Avulsa Caixa nordm 123)
Ao listar o conjunto desses materiais Primo Jardim (1855) daacute forccedila ao
argumento de que o meacutetodo simultacircneo seria o melhor para oficializaccedilatildeo nas escolas
207
goianas jaacute que para uma aplicaccedilatildeo do meacutetodo Castilho o custo eacute de ldquo350$040rdquo
(meacutedia de 4$380 por aluno) ao passo que no meacutetodo simultacircneo o custo totaliza
ldquo329$360rdquo (meacutedia de 1$646 por aluno)
Eacute importante ainda destacar que o meacutetodo simultacircneo e o meacutetodo Castilho satildeo
colocados como tendo a mesma natureza Mas enquanto o primeiro se refere ao
ensino inicial de leitura escrita e da numeraccedilatildeo o segundo tem natureza didaacutetica mais
abrangente podendo ser utilizado em qualquer acircmbito seja na instruccedilatildeo primaacuteria ou
em outro niacutevel da educaccedilatildeo
Como se lecirc na listagem haacute livros comuns entre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo Castilho
e do meacutetodo simultacircneo como a obra Sciencia do Bom Homem Ricardo e a de Duarte
Ventura Ainda para a instruccedilatildeo primaacuteria a partir das fontes consultadas acreditamos
que mais trecircs impressos dos mencionados acima tambeacutem eram utilizados para
ensinar a ler e escrever o Cathecismo historico de Fleury (ABBADE FLEURY 1846)
as primeiras coleccedilotildees de cartas e o Expositor Portuguez (MIDOSI 1831)
Era muito comum nesse momento da histoacuteria da educaccedilatildeo no Brasil a
presenccedila do Catecismo entre os objetos escolares destinados aos alunos (TAMBARA
2003 2005 ORLANDO 2013) Na lista de Primo Jardim (1855) eacute referido o
Cathecismo historico de Fleury Entre os Catecismos usados nas escolas em Goiaacutes
esse foi um dos que obteve maior difusatildeo As coleccedilotildees de Cartas mencionadas satildeo
outro material muito comum no Brasil imperial para o ensino das primeiras letras
Frade (2010) esclarece que esse material era recorrentemente conhecido como
cartas cartas de ABC cartas de siacutelabas cartas de nomes Galvatildeo e Batista (1998) e
Catani e Vicentini (2011) acrescentam que esses materiais eram tambeacutem intitulados
de cartas de ldquoforardquo cartinhas222
O referido Expositor Portuguez tem como tiacutetulo completo O expositor
portuguez ou rudimentos de ensino da lingua materna e trata-se de um livro
destinado agrave instruccedilatildeo primaacuteria portuguesa publicado provavelmente em 1831 em
Londres (BOTO 1997) Escrita pelo portuguecircs Luiz Francisco Midosi (1796-1877)223
222 Para maiores detalhes sobre o Cathecismo Historico de Fleury e das Cartas de ABC cf seccedilatildeo 3 dessa tese 223 Boto (1997) explica que Midosi atuava na poliacutetica liberal em Portugal Ao publicar o jornal O portuguez comeccedilou a sofrer perseguiccedilatildeo poliacutetica foi preso e emigrou para Inglaterra em 1828 Voltou a Portugal em 1834 onde ldquopassou a exercer um acentuado papel poliacutetico junto aos poderes centrais Em 1836 Midosi seria nomeado Governador Geral do distrito de Portalegrerdquo (BOTO 1997 p 353)
208
durante o periacuteodo que passou na Inglaterra fugindo de uma perseguiccedilatildeo poliacutetica em
Portugal a obra foi amplamente divulgada no territoacuterio portuguecircs e tambeacutem circulou
no Brasil como constata Boto (1997)
Carneiro (1844) faz uma descriccedilatildeo do livro datando sua publicaccedilatildeo em 1830
Poreacutem o exemplar que identificamos na Biblioteca Nacional de Portugal224 eacute de 1831
e natildeo apresenta referecircncia de ediccedilatildeo levando-nos a concluir por meio de uma anaacutelise
comparativa com as outras ediccedilotildees do Expositor Portuguez que essa pode ser a
primeira ediccedilatildeo
O livro tem como meacutetodo de ensino o alfabeacutetico225 utilizando tambeacutem
conforme Boto (1997) ratifica a soletraccedilatildeo como teacutecnica para o aprendizado da
leitura Com 132 paacuteginas segundo Carneiro
Este interessante livro de educaccedilatildeo e de que muito careciam as nossas escolas primarias acha-se dividido em cinco secccedilotildees e estas em liccedilotildees progressivas a 1ordf conteacutem tudo quanto eacute relativo aacutes letras e formaccedilatildeo dos vocabulos de differentes sillabas a 2ordf e 3ordf trata de ler soletrando e em periodos a 4ordf conteacutem catecismos geraes de artes e sciencias a 5ordf traz noccedilotildees de mathematica taboada pesos medidas valores das moedas palavras similhantes em som mas diversas em orthografia e sentido oraccedilotildees maximas Moraes e explicaccedilatildeo dos termos latinos e abreviaturas que andam em uso (CARNEIRO 1844 p 221)
Midosi (1831) faz uma breve apresentaccedilatildeo da obra em suas paacuteginas iniciais
enfatizando a natureza gradual da aprendizagem defendendo portanto um ensino
baseado na marcha sinteacutetica explorando das noccedilotildees mais simples agraves mais
complexas Para tanto na sequecircncia discrimina o alfabeto em quadros com a grafia
da letra de imprensa maiuacutescula e minuacutescula acompanhada de uma figura com a
escrita de seu nome separada por siacutelabas (a ndash aacuter-vo-re b ndash bra-ccedilo c ndash cor-ti-ccedilo d ndash
da-do etc)
224 A versatildeo digitalizada dessa obra estaacute disponiacutevel na Biblioteca Nacional de Portugal pelo link lthttppurlpt6487gt Acesso em 18 de maio de 2018 225 Segundo Frade (2014) ldquoempregado desde a antiguidade ateacute meados do seacuteculo XIX em vaacuterios locais cujo sistema de escrita eacute o alfabeacutetico o meacutetodo alfabeacutetico pode ser considerado o mais antigo Segue o princiacutepio geral dos meacutetodos sinteacuteticos de centrar a atenccedilatildeo do aprendiz em unidades menores e abstratas a serem combinadas progressivamente Em sua estrutura mais baacutesica propotildee aprender os nomes das letras do alfabeto reconhecer cada letra fora da ordem soletrar seu nome decorar alguns quadros de siacutelabas e depois tentar redescobri-las em palavras ou textos a partir da soletraccedilatildeo ndash com separaccedilatildeo por hiacutefens ou espaccedilos que vatildeo guiando a oralizaccedilatildeo No Brasil eacute comum o uso das expressotildees ldquoCartas de letrasrdquo ou ldquoCartas do ABCrdquo ldquoCartas de siacutelabasrdquo e ldquoCartas de nomesrdquo o que indica a sequecircncia em que a soletraccedilatildeo eacute exercitadardquo (FRADE 2014 p 214)
209
Figura 10 Paacuteginas 7 e 10 do livro O expositor portuguez ou rudimentos de ensino da lingua
materna (1831)
Fonte Biblioteca Nacional de Portugal
O recurso de apresentar as palavras separadas por siacutelabas se constitui como
parte do meacutetodo proposto por Midosi (1831) iniciado pelo aprendizado do alfabeto
Posteriormente aumentando gradativamente o nuacutemero de letras o autor propotildee na
primeira seccedilatildeo do livro o ensino das siacutelabas de duas letras trecircs e quatro letras
monossiacutelabos de duas trecircs e quatro letras dissiacutelabos de trecircs quatro cinco e seis
letras trissiacutelabos de cinco seis sete e oito letras A proposta nas liccedilotildees da seccedilatildeo dois
eacute de ler soletrando pequenos textos narrativos nos quais todas as palavras satildeo
apresentadas com as siacutelabas separadas por um hiacutefen Somente a partir da paacutegina 55
da seccedilatildeo trecircs em diante os textos deixam de apresentar essa divisatildeo silaacutebica O
proacuteprio autor menciona que o leitor quando alcanccedilar essas liccedilotildees jaacute saberaacute ler e
treinaraacute a partir de entatildeo a leitura global das palavras conhecendo os sons de cada
210
siacutelaba na formaccedilatildeo das palavras Se acaso durante a leitura o aluno encontrar
alguma palavra que natildeo compreendeu e natildeo souber pronunciaacute-la aconselha
ldquoprimeiro pergunta o seu significado e depois dividindo-a em syllabas a pronunciaraacutes
com facilidaderdquo (MIDOSI 1831 p 55)
O Expositor Portuguez na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes eacute aqui
mencionado pela primeira vez todavia natildeo identificamos registros de que ele tenha
sido adotado nas escolas goianas entre os anos 50-60 do seacuteculo XIX Apenas a partir
dos anos de 1870 encontramos sua presenccedila nas listas de solicitaccedilatildeo de expediente
escolar conforme explicitamos na seccedilatildeo anterior
No corpo do relatoacuterio de Primo Jardim (1855) outro compecircndio eacute mencionado
sendo um dos mais difundidos e usados nas escolas da Corte o livro Historia de
Simatildeo de Nantua ou o Mercador de Feiras de Laurent Pierre de Jussieu226 Nas fontes
que consultamos no Arquivo Puacuteblico Histoacuterico do Estado de Goiaacutes especialmente
entre 1835 a 1886 natildeo encontramos referecircncia a que esse livro tenha sido usado em
escolas de primeiras letras em Goiaacutes Entretanto Arauacutejo e Silva (1975 p 152)
demonstra que a obra em questatildeo foi usada numa aula puacuteblica mista de primeiras
letras em Bonfim227 na proviacutencia goiana oitocentista A autora destaca que havia
apenas um exemplar do livro que passava de aluno em aluno em praacuteticas de leitura
coletiva
Simatildeo de Nantua como ficou popularmente conhecido eacute um livro escrito e
publicado na Franccedila em 1818 porteriormente traduzido para o portuguecircs por Philippe
Pereira de Arauacutejo e Castro em 1830 (SENA 2017) Segundo Arriada Tambara e
Duarte (2015) essa obra faz parte de uma seleccedilatildeo de compecircndios publicados no
periacuteodo imperial natildeo com intuito de serem textos escolares mas que ldquoforam utilizados
como suporte no processo de aquisiccedilatildeo da leitura Ademais o uso desses textos
estava vinculado ao processo de introjeccedilatildeo de valores eacuteticos e moraisrdquo (ARRIADA
TAMBARA DUARTE 2015 p 244)
No estudo de Lima e Barbosa (2009) eacute destacada a ampla circulaccedilatildeo dessa
obra no Brasil comprovando por meio de fontes documentais que houve pelo poder
226 A versatildeo digitalizada dessa obra estaacute disponiacutevel na Biblioteca Nacional de Portugal pelo linklthttpsbooksgooglecombrbooksid=Qd3tAAAAMAAJampprintsec=frontcoveramphl=ptBRampsource=gbs_ge_summary_rampcad =0v=onepageampqampf=falsegt Acesso em 24 de fevereiro de 2019 227 Em 1943 a cidade de Bonfim localizada na regiatildeo sul do estado de Goiaacutes passou a se chamar Silvacircnia
211
central da Corte uma tentativa de instaurar certa regularidade para o ensino de leitura
nas proviacutencias brasileiras principalmente por meio da promulgaccedilatildeo de leis e tambeacutem
pela expediccedilatildeo de orientaccedilotildees para as escolas de primeiras letras do impeacuterio Dessa
maneira entre as orientaccedilotildees expedidas pela Corte estava a utilizaccedilatildeo da Historia de
Simatildeo de Nantua para as aulas de leitura Gama e Gondra (1999) tambeacutem indicam
que esse livro foi utilizado na proviacutencia do Rio de Janeiro na deacutecada de 60 do seacuteculo
XIX
No apecircndice do relatoacuterio apresentado agrave Assembleia Geral do Rio de Janeiro
em 1872 assinado pelo Ministro e Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios do Impeacuterio
Joatildeo Alfredo Correcirca de Oliveira haacute um levantamento das escolas puacuteblicas e privadas
existentes no Municiacutepio da Corte especificando o meacutetodo e os compecircndios adotados
em cada instituiccedilatildeo naquele momento (OLIVEIRA Relatoacuterio do Ministeacuterio dos
Negoacutecios do Impeacuterio 1872) Ao analisar esse documento encontramos vaacuterias
referecircncias agrave obra de Jussieu (1867) tanto em escolas primaacuterias quanto em
secundaacuterias o que corrobora a afirmaccedilatildeo de Primo Jardim (1855) em seu relatoacuterio a
obra Simatildeo de Nantua era geralmente seguida para o ensino de leitura em escolas de
primeiras letras da Corte
212
Figura 11 Folha de rosto da 9ordf ediccedilatildeo do livro Historia de Simatildeo de Nantua ou O mercador de
feiras (1867)
Fonte Biblioteca Nacional de Portugal
A ediccedilatildeo portuguesa a que tivemos acesso data de 1867 com 280 paacuteginas
dividida em duas partes A primeira parte (da paacutegina 7 a 187) com 39 capiacutetulos
apresenta Simatildeo de Nantua bem como suas histoacuterias advindas de vaacuterios lugares e
com diferentes personagens A segunda parte (da paacutegina 189 a 276) sob o tiacutetulo
ldquoObras poacutestumas de Simatildeo de Nantuardquo foi organizada pelo companheiro de viagem
de Simatildeo posteriormente agrave publicaccedilatildeo do livro ao que tudo indica em 1829 (SENA
2017) Eacute formada por 8 capiacutetulos No primeiro o companheiro de Simatildeo explica que
o amigo jaacute no leito de morte entrega-lhe uma pasta com manuscritos de seus
pensamentos e ensinamentos ldquopeguei na pasta e guardei-a como se a deixa fosse
uma burra Passados alguns instantes expirou o meu amigo e no outro dia vi assistir
ao seu funeral toda a cidade vestida de luctordquo (JUSSIEU 1867 p 195)
213
Historia de Simatildeo de Nantua ou o Mercador de Feiras narra a histoacuteria de Simatildeo
de Nantua conhecido assim em referecircncia seu local de nascimento Nantua uma
comuna francesa228 O desenrolar das histoacuterias ocorre a partir das vivecircncias de Simatildeo
que andava de feira em feira montado num cavalo vendendo mercadorias Era um
homem descrito com cabelos brancos ldquoo seu rosto risonho e nedio causava prazer
Natildeo obstante a sua grande barriga movia-se com agilidade e andava direito arrimado
ao seu bordatildeo de viagemrdquo (JUSSIEU 1867 p 8) Embora a famiacutelia tenha investido
na educaccedilatildeo de Simatildeo para que ele seguisse a vida sacerdotal ele abandonou os
estudos para seguir a profissatildeo do pai como mercador de feiras
Cada capiacutetulo da histoacuteria se desenrola em uma regiatildeo diferente da Franccedila em
que Simatildeo vendia suas mercadorias nas feiras e transmitia ensinamentos de civilidade
e moralidade Os diaacutelogos apresentados no livro vatildeo induzindo os leitores para
comportamentos e praacuteticas que atendiam aos ldquoideais educacionais que estavam
sendo propalados no Brasil imperial seja por ratificar um meacutetodo que estava em uso
nas escolas francesas229 seja por ter conteuacutedos de moral de virtude e de civilidaderdquo
(SENA 2017 p 212)
Por fim haacute tambeacutem uma obra mencionada no relatoacuterio de Primo Jardim (1855)
como indicada nas escolas de primeiras letras para o ensino de leitura Historia do
Brasil para a leitura da letra redonda Tomando em consideraccedilatildeo a listagem de livros
solicitados no anexo do relatoacuterio de Primo Jardim (1855) eacute provaacutevel que a obra a que
ele se referiu tenha sido escrita por Antonio Aacutelvaro Pereira Coruja popularmente
conhecido como Professor Coruja
Sabemos que as obras do Professor Coruja230 circularam em vaacuterias escolas
brasileiras no periacuteodo imperial como constatam Valdez (2006) e Bastos (2006) O
228 Nantua faz parte da proviacutencia de Ain localizada ao leste da Franccedila 229 O meacutetodo a que Sena (2017) se refere eacute o muacutetuo tambeacutem conhecido como Lancaster citado pelo personagem Simatildeo de Nantua na obra de Laurent Pierre de Jussieu como o ideal para transformar a crianccedila num sujeito doacutecil e civilizado Cf o capiacutetulo V intitulado ldquoSimatildeo de Nantua faz ver as vantagens das escolas em que as crianccedilas se instruem pelo methodo de ensino mutuo e conta a historia do cavalheiro Pauletrdquo (JUSSIEU 1867 p 22-27) 230 Segundo Tambara (2003) as obras didaacuteticas de Coruja satildeo Compecircndio de Gramaacutetica da Liacutengua Nacional (18351849 1862 1863 1867 1872 1879) Manual dos Estudantes de Latim (1838 1849 1866 ndash 5ordf ediccedilatildeo) Compecircndio de Ortografia da Liacutengua Nacional (1848) Manual de Ortografia da Liacutengua Nacional (1850 1852) Exerciacutecios para meninos (1850) Aritmeacutetica para meninos contendo unicamente o que eacute indispensaacutevel e se pode ensinar nas escolas de primeiras letras (1852) Liccedilotildees de Histoacuteria do Brasil adaptada agrave leitura nas escolas contendo a Constituiccedilatildeo Poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1855 1857 1861 1866 1869 1873 e 1877) Compecircndio de Gramaacutetica Latina do Pe A Figueiredo (1852) Catecismo histoacuterico-geograacutefico riograndense (1886) (TAMBARA 2003 p 83)
214
livro referido por Primo Jardim (1855) eacute o Liccedilotildees de Histoacuteria do Brasil adaptada agrave
leitura nas escolas publicado pela primeira vez em 1855 A partir da anaacutelise da 9ordf
ediccedilatildeo desse livro (CORUJA 1873) identificada na Biblioteca Digital do Senado
Federal231 podemos constatar que ele natildeo foi concebido propriamente para o ensino
inicial de leitura e escrita mas para o treino da leitura corrente Primo Jardim (1855)
informa que o referido compecircndio era para o ensino da letra redonda ou de imprensa
o que retoma aspectos das caracteriacutesticas da escola de primeiras letras no periacuteodo
no tocante ao ensino dos diferentes tipos de letras para a crianccedila Ensinava-se a
leitura de variadas letras no intuito de o aluno natildeo ter dificuldade de ler os livros que
circulavam dentro e fora da escola reconhecendo as caligrafias existentes Portanto
o ensino das letras em suas diferentes formas e tamanhos foi um conteuacutedo no
processo de alfabetizaccedilatildeo das crianccedilas na escola brasileira no periacuteodo imperial
ganhando ainda mais ecircnfase no contexto republicano agrave luz dos princiacutepios dos
manuais franceses (FETTER LIMA LIMA 2010 VIDAL GVIRTZ 1998)
Enfim a partir da anaacutelise das fontes evidenciadas a experiecircncia de Primo
Jardim em 1855 analisada no decorrer deste toacutepico contribuiu na formulaccedilatildeo do
Regulamento sobre a Instruccedilatildeo Primaacuteria de Goiaacutes em 1856 jaacute que o meacutetodo Castilho
foi descartado oficializando-se o meacutetodo simultacircneo Sendo assim quais foram as
repercussotildees na proviacutencia goiana da viagem do Professor Primo Jardim
42 REPERCUSSOtildeES DA VIAGEM DE PRIMO JARDIM NA PROVIacuteNCIA GOIANA
Quando Primo Jardim fez a viagem em 1855 estava ainda em voga em Goiaacutes
o Regulamento de Instruccedilatildeo nordm 5 de 25 de agosto de 1835 (GOIAacuteS 1835) que natildeo
especificava a adoccedilatildeo de um meacutetodo de ensino nas escolas goianas Naquele
momento a proviacutencia cogitava o lanccedilamento de um novo regulamento de ensino jaacute
que no Municiacutepio da Corte a Reforma Couto Ferraz tinha sido sancionada em 1854
(BRASIL 1854) O governo goiano ao enviar o Professor Feliciano Primo Jardim para
a Corte acompanhou uma tendecircncia que vinha se consolidando no Brasil imperial a
procura pelos grandes centros urbanos como modelos para a educaccedilatildeo
231 A versatildeo digitalizada dessa obra estaacute disponiacutevel na Biblioteca Digital do Senado Federal pelo linklthttpwww2senadolegbrbdsfhandleid242459gt Acesso em 24 de fevereiro de 2019
215
Tal como estaacute divulgado no Jornal O Tocantins em 1855 (O TOCANTINS 15
de dezembro de 1855 p 4) o Presidente Machado pretendia uniformizar o ensino em
Goiaacutes por isso a necessidade de o professor Primo Jardim viajar ao Rio de Janeiro
para conhecer um meacutetodo que estava em alta naquele momento
Como visto o meacutetodo Castilho natildeo foi recomendado por Primo Jardim jaacute que
na Corte as escolas natildeo o seguiam e sim empregavam os meacutetodos individual ou
simultacircneo ou muacutetuo Seguindo o que estava exarado na Reforma Couto Ferraz
(BRASIL 1854) na proviacutencia goiana foi aprovado um novo Regulamento sobre a
instruccedilatildeo primaacuteria em 1856 (GOIAacuteS 1856)
Consideramos que a viagem de Primo Jardim repercutiu na elaboraccedilatildeo desse
novo regulamento uma vez que no discurso apresentando agrave Assembleia Legislativa
Provincial de Goiaacutes pelo entatildeo Presidente Antonio Augusto Pereira da Cunha fica
evidente que ele teve acesso ao relatoacuterio do Professor Primo Jardim e natildeo viu motivos
para reformar o ensino em Goiaacutes sob as bases do meacutetodo Castilho
A 23 drsquoabril ultimo chegou aacute esta capital o professor da 1ordf aula de 1as
letras da mesma Feliciano Primo Jardim que por ordem de meu antecessor foi a corte estudar o methodo de ler escrever que ali pretendia plantar o conselheiro Antonio Feliciano de Castilho O mesmo professor natildeo alcanccedilando na corte o conselheiro Castilho com permissatildeo do exmordm conselheiro inspector geral da instrucccedilatildeo primaria visitou diversas aulas do municipio neutro e entatildeo assistio as liccedilotildees que dava hum professor que como elle comissionado pela provincia ensinava o methodo de leitura repentina cuja exposiccedilatildeo ouvira particularmente do proprio autor visto que o curso publico tinha-se terminado drsquohuma maneira irregular por cujo motivo natildeo pocircde aprender o dito methodo Em seu minucioso relatorio depois de dar noccedilotildees do methodo Castilho informa que dos tres methodos de ensino mais geralmente conhecidos a saber o individual o mutuo o simultaneo este ultimo eacute o actualmente adoptado nas escolas da corte como dispotildee o artigo 73 do regulamento aprovado pelo decreto de 17 de fevereiro de 1854 Methodo este que como diz o exmordm conselheiro inspector geral da instrucccedilatildeo primaria e secundaria da corte em seu relatorio apresentado ao exmordm sr ministro do imperio a 15 de fevereiro ultimo tem a seu favor a opiniatildeo dos homens mais ilustrados e mais competentes nestas materias e a sancccedilatildeo da pratica dos paizes mais adiantados Nesse imenso relatorio diz mais o exordm que natildeo haacute por ora rasotildees plausiveis para alterar o systema do regulamento e que a experiencia que a pouco se fez do systema Castilho natildeo ofereceu resultado para autorizar huma reforma (CUNHA Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1856 p 21)
Uma fonte importante para cotejarmos com o discurso acima eacute o relatoacuterio
escrito pelo Professor Feliciano Primo Jardim identificado no Arquivo Histoacuterico
Estadual de Goiaacutes e analisado anteriormente Aleacutem da aproximaccedilatildeo de conteuacutedo
216
como por exemplo a menccedilatildeo aos meacutetodos de ensino simultacircneo individual e muacutetuo
como propostas seguidas na Corte o discurso do Presidente tambeacutem referencia que
chegou a suas matildeos um relatoacuterio minucioso enviado pelo Professor Primo Jardim
Notamos ao confrontar ambas as fontes que elas confirmam a tese da nossa
pesquisa no campo educacional mais especificamente no ensino inicial de leitura e
escrita a proviacutencia goiana abria-se agraves reformas instauradas no acircmbito nacional e
procurava estar em sintonia com as ideias de modernidade do Brasil oitocentista
Ainda que os trabalhos sobre a histoacuteria da educaccedilatildeo em Goiaacutes especialmente no
impeacuterio revelem o atraso da educaccedilatildeo dessa proviacutencia em relaccedilatildeo agrave de outras
localidades no paiacutes as fontes realccedilam que a Igreja Catoacutelica estava fortemente
presente na alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas goianas o que entretanto natildeo foi empecilho
para que o governo procurasse alternativas para mudanccedilas na organizaccedilatildeo didaacutetica
das escolas de primeiras letras
Advertimos sobre essa questatildeo que a Igreja natildeo foi entrave para possiacuteveis
mudanccedilas porque nesse periacuteodo suas relaccedilotildees com o governo da proviacutencia eram
amistosas jaacute que ela mantinha um grande apoio popular em toda a extensatildeo do
territoacuterio goiano Embora a Igreja Catoacutelica tenha se consolidado como uma das
maiores apoiadoras da monarquia durante o periacuteodo imperial Azzi (1991 1992 1994)
salienta que o viacutenculo entre a Igreja e os governos provinciais nem sempre foi
conciliador mas marcado por contracensos e disputas de espaccedilo e poder Todavia o
governo central da monarquia brasileira apoacutes a revoluccedilatildeo liberal de 1842 segundo
Wernet (1987) preferiu nomear bispos ou autoridades religiosas que
correspondessem agraves tendecircncias conservadoras e monarquistas na tentativa de
dirimir ideais liberais radicais e ateacute mesmo republicanos
Em alguns momentos da histoacuteria de Goiaacutes como jaacute evidenciado na seccedilatildeo dois
desta tese mesmo o governo assumindo uma posiccedilatildeo anticlerical a Igreja recebeu
durante todo o impeacuterio o apoio dos Presidentes na manutenccedilatildeo de escolas catoacutelicas
goianas e do Seminaacuterio Episcopal inaugurado em 1872 devido ao forte apoio popular
que ela mantinha Fonseca e Silva (1948) demonstra que em muitas vilas da
proviacutencia era comum durante o impeacuterio que a populaccedilatildeo local e tambeacutem a que
estava nos arredores de uma determinada regiatildeo ajudassem na edificaccedilatildeo de uma
igreja Como jaacute aludimos em Goiaacutes os habitantes eram maiormente rurais e viviam
de uma economia tambeacutem ruralista os mais ricos auxiliavam com donativos enquanto
217
a populaccedilatildeo mais simples com a proacutepria matildeo de obra Geralmente era no entorno de
uma igreja que se formava alguma cidade goiana
Dentro das escolas de primeiras letras a Igreja estava presente de diferentes
maneiras No relatoacuterio de Primo Jardim (1855) jaacute destacamos que muitos dos
compecircndios adotados na Corte estavam impregnados de marcas do catolicismo e de
seus princiacutepios catequeacuteticos e de doutrina cristatilde Logo uma das repercussotildees na
proviacutencia dessa indicaccedilatildeo de livros feita por Primo Jardim foi a solicitaccedilatildeo ou a compra
de alguns desses materiais por ele mencionados para as escolas goianas
Na pesquisa feita na seccedilatildeo de Documentaccedilotildees Avulsas e de Documentaccedilotildees
Manuscritas Datilografadas e Impressas do Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes
encontramos ofiacutecios do final da deacutecada de 50 e entre os anos 60 70 e 80 do seacuteculo
XIX que citam a compra e o envio agraves escolas de compecircndios indicados por Primo
Jardim (1855)
Sobre isso notamos por exemplo que houve uma grande repercussatildeo do livro
Sciencia do Bom Homem Ricardo na proviacutencia sobretudo no fim dos anos 50 e
durante toda a deacutecada de 60 posto que a primeira vez que encontramos menccedilatildeo
desse livro nas fontes consultadas foi em documento datado de 1859 quando a
Inspetoria Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica enviou para uso nas aulas do Professor Primo
Jardim alguns materiais por ele solicitados (BRANDAtildeO 30 de abril de 1859 p 36
AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 397) Importante
destacar que dentre todos os pedidos de livros de leitura corrente feitos por Primo
Jardim apenas esse foi enviado A esse respeito diferentes explicaccedilotildees poderiam ser
dadas mas ao analisarmos o custo desse livro em relaccedilatildeo aos outros como o proacuteprio
Primo Jardim (1855) alerta Sciencia do Bom Homem Ricardo tinha um preccedilo mais
acessiacutevel levando-nos a ponderar que a obra foi escolhida devido agraves suas vantagens
financeiras Soacute para termos uma ideia comparativa o governo conseguiria comprar 4
exemplares de Sciencia do Bom Homem Ricardo ao mesmo preccedilo de 1 exemplar do
livro Arte de aprender a ler a letra manuscripta de Duarte Ventura Jaacute em comparaccedilatildeo
ao livro do meacutetodo Castilho a diferenccedila era ainda maior o valor de 1 exemplar desta
obra correspondia a 10 exemplares de Sciencia do Bom Homem Ricardo
218
Daiacute em diante Sciencia do Bom Homem Ricardo esteve durante todo o impeacuterio
e iniacutecio da repuacuteblica nas listagens dos materiais encaminhados agraves escolas goianas232
Outras obras que se destacaram pelos pedidos avolumados de solicitaccedilatildeo ou
compra nas listas de expediente escolar sendo mencionadas pela primeira vez por
Primo Jardim (1855) e posteriormente citadas nas correspondecircncias da Presidecircncia
da Proviacutencia e ou da Inspetoria Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica como materiais
encaminhados aos professores foram o popularmente conhecido Cathecismo
historico de Fleury (ABBADE FLEURY 1846) que circulou entre o final dos anos de
1850 e toda deacutecada de 1880 e O Expositor Portuguez ou rudimentos de ensino da
liacutengua materna (MIDOSI 1831) a partir da deacutecada de 1870
Acreditamos que essas obras foram usadas no processo inicial de ensino de
leitura e escrita de crianccedilas goianas pelos argumentos jaacute apresentados na seccedilatildeo trecircs
desta tese Para aleacutem da questatildeo dos compecircndios fazendo uma anaacutelise comparativa
com os materiais enviados no periacuteodo imperial agraves escolas goianas antes e depois do
marco temporal de 1855233 as fontes revelam que alguns objetos indicados por Primo
Jardim para aplicabilidade do meacutetodo simultacircneo e mencionados como essenciais
para manutenccedilatildeo das escolas foram remetidos com maior frequecircncia lousas
individuais laacutepis de pedra ou laacutepis esponja giz branco penas de accedilo botijas de tinta
aleacutem de folhas pautadas
Na pesquisa realizada no Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes no periacuteodo de
1835 a 1886 identificamos 889 listas de expediente escolar em que constam ou o
pedido ou o envio de materiais mencionando algum dos objetos acima descritos
232 A tiacutetulo de ilustraccedilatildeo encontramos menccedilatildeo agrave solicitaccedilatildeo ou compra da obra Sciencia do Bom Homem Ricardo para as escolas de primeiras letras em Goiaacutes nos livros da seccedilatildeo de Documentaccedilotildees Manuscritas Datilografadas e Impressas do Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes nordm 397 (1858-1868) 436 (1862-1871) 529 (1871-1879) 575 (1873-1877) 584 (1873-1883) 762 (1883-1885) 831 (1885-1888) e 843 (1886) No levantamento de documentos feito na seccedilatildeo de Documentaccedilotildees Avulsas publicada no DVD Coleccedilatildeo de Documentos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes vol 01 pela Rede de Estudos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes (BARRA UFG 2002) o livro Sciencia do Bom Homem Ricardo eacute mencionado nas listas de expediente escolar do fim da deacutecada de 50 ateacute os anos de 1880 Esses pedidos geralmente eram muito esparsos dirigidos a alguma escola ou professor da proviacutencia de modo que a quantidade natildeo ultrapassava 10 exemplares O uacutenico pedido que difere trata da compra de 100 coacutepias do livro Sciencia do Bom Homem Ricardo enviadas agraves escolas de primeiras letras em 1859 sendo o uacutenico livro de leitura corrente comprado em nuacutemero mais expressivo (THESOURARIA DAS RENDAS PRONVICIAES DE GOYAZ 14 de fevereiro de 1859 DVD Coleccedilatildeo de Documentos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes vol 1) 233 Justifica-se esse marco temporal pois em 1855 foi o ano da viagem de Primo Jardim agrave Corte (PRIMO JARDIM 1855)
219
Dessas listas cerca de 60 foram datadas a partir de 1860 um dado extremamente
relevante para conjecturarmos que a iniciativa do Estado de enviar um professor agrave
Corte reverberou em mudanccedilas nos modos de organizar as praacuteticas de ensino em
Goiaacutes diretamente relacionadas aos meacutetodos e materiais para o ensino de leitura e
escrita
Reconhecemos que natildeo eacute o fato isolado das experiecircncias do Professor Primo
Jardim na Corte em 1855 que influenciou propriamente na compra dos materiais
mencionados acima e na propagaccedilatildeo do meacutetodo simultacircneo na proviacutencia Somando-
se a isso haacute outras iniciativas que colaboraram para essa difusatildeo Entre elas
sabemos que na histoacuteria da cultura escrita esses objetos passaram a ser mais
divulgados no Brasil na segunda metade do seacuteculo XIX234 aleacutem de que a proacutepria
regulamentaccedilatildeo do meacutetodo simultacircneo por meio do Regulamento sobre a instruccedilatildeo
primaacuteria em 1856 (GOIAacuteS 1856) exigiu a entrada de novos materiais nas escolas
goianas Sobre isso Abreu (2006) aponta que mesmo apoacutes a indicaccedilatildeo do meacutetodo
simultacircneo no regulamento de 1856 os professores natildeo o adotaram e em muitos
casos os proacuteprios Inspetores tambeacutem natildeo o indicaram devido agrave falta de preparo dos
docentes para aplicaacute-lo Poreacutem sem duacutevidas esse foi um primeiro passo para
circulaccedilatildeo dessa proposta no acircmbito educacional da proviacutencia goiana
Para promover a difusatildeo do meacutetodo simultacircneo impulsionando sua aplicaccedilatildeo
nas classes de primeiras letras o Presidente Joseacute Martins Pereira de Alencastre
mandou imprimir em 1862 um Manual sobre esse meacutetodo distribuindo 50 coacutepias entre
as escolas da proviacutencia (ALENCASTRE 16 de marccedilo de 1862 AHEG Documentaccedilatildeo
Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 436) Neste mesmo ano Alencastre enviou
aos Inspetores Paroquiais uma correspondecircncia com ordem para a praacutetica do meacutetodo
simultacircneo no territoacuterio goiano
Nordm 20 16 de Marccedilo de 1862 1ordf Secccedilaotilde = Circular = Haja Vmce de mandar pocircr em execuccedilatildeo nas escolas publicas drsquoessa Parochia o methodo simultanneo e recomendando aos Professores que o ponhatildeo em pratica observaraacute se effectivamente o fazem conforme consignados no incluso manual que acabo de mandar imprimir para uso das escolas da Provincia ndash Nas informaccedilotildees que V tiver de prestar a respeito das escolas cuja inspecccedilatildeo se acha a seu cargo consignaraacute o desenvolvimento ~q por ventura for tendo esse methodo e os resultados que drsquoelle se for cothendo ndash Estava convencido que da inteligencia e zelo dos Professores se pode tudo esperar em favocircr do melhoramento do
234 Cf Frade e Galvatildeo (2016)
220
ensino e se por eles focircr bem compreendido o systema que mando pocircr em pratica ndash as vistas drsquoesta Presidencia em pouco seratildeo satisfeitas = Deos Guarde Vmce = Joseacute Martins Pereira drsquoAlencastre = Srn~ Inspector Parochial da Capital Identico aacutes demais Parochias da Provincia (ALENCASTRE 1862a 16 de marccedilo de 1862 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 436)
A partir dessa correspondecircncia podemos inferir que tanto na escola da Capital
da proviacutencia quanto nas espalhadas pelos rincotildees de Goiaacutes o meacutetodo simultacircneo natildeo
estava sendo aplicado ateacute entatildeo conforme o Regulamento sobre a instruccedilatildeo primaacuteria
de 1856 previa (GOIAacuteS 1856) A ordem aos Inspetores de mandar executar esse
meacutetodo projeta nele as perspectivas de mudanccedilas do cenaacuterio da educaccedilatildeo goiana
Alencastre (1862a) tambeacutem ordena que em seus relatoacuterios os Inspetores Paroquiais
deveriam mencionar como estaacute sendo o desenvolvimento com esse sistema de ensino
e os frutos que os professores estatildeo colhendo com sua aplicaccedilatildeo Portanto natildeo passa
alheia ao Presidente uma forma de monitoramento para garantir a execuccedilatildeo do
meacutetodo simultacircneo jaacute que conforme elucidamos na seccedilatildeo dois desta tese Alencastre
foi um dos governantes que se destacou na frente de oposiccedilatildeo ao meacutetodo individual
investindo na compra de livros para implantaccedilatildeo do meacutetodo simultacircneo em Goiaacutes
(ALENCASTRE Relatoacuterio de Presidente de Goiaacutes 1862 p 63)
Retomando a discussatildeo acerca dos objetos fornecidos agraves escolas goianas a
partir de 1860 todos os de que trataremos adiante foram indicados por Primo Jardim
(1855) endossando a tentativa da saiacuteda da proviacutencia de uma tradiccedilatildeo de ensino
calcada na praacutetica individual para uma escola que buscava os ares da modernidade
principalmente por meio da aplicaccedilatildeo de novos meacutetodos e materiais de ensino
capazes de ensinar mais alunos em menos tempo
As lousas individuais ou ardoacutesias solicitadas por Primo Jardim (1855) confome
Arauacutejo e Silva (1975) descreve jaacute eram comuns na escola goiana devido ao emprego
do meacutetodo ordinaacuterio ou individual e tambeacutem da tentativa de implantaccedilatildeo do meacutetodo
muacutetuo ou Lancaster As lousas portanto eram um suporte de escrita de maior
durabilidade e muito mais econocircmicas do que a folha de papel ou ateacute mesmo o livro
escolar utilizados na praacutetica com o meacutetodo lancasteriano somente apoacutes a
alfabetizaccedilatildeo do aluno (BARRA 2013)
Fernandes (2008) advoga que a difusatildeo das lousas pelo mundo ocidental foi
decorrente das recomendaccedilotildees de seu uso para efetivaccedilatildeo do meacutetodo lancasteriano
221
Esse embora natildeo tenha sido oficializado na proviacutencia goiana deixou suas marcas na
formaccedilatildeo de uma escola que aspirava a se modernizar em face de um ideaacuterio de
racionalizaccedilatildeo do ato pedagoacutegico que vinha se expandindo no Brasil no seacuteculo XIX e
exigia um ensino raacutepido eficiente de baixo custo por meio da ordem da
disciplinarizaccedilatildeo do corpo e da mente (BASTOS 1999)
Para uso da lousa outros materiais geralmente eram enviados para os alunos
como o giz branco ou o laacutepis de pedra destinados segundo Larousse (1869) a
escrever ou desenhar sobre a ardoacutesia sendo que o uacuteltimo era composto
frequentemente de fragmentos de ardoacutesia um pouco mais macia As esponjas
tambeacutem de uso individual ou em grupo eram para apagar os erros ou o que estava
escrito nas lousas (BARRA 2013) ldquoA limpeza das pedras de lousa eacute interessante
dizer constituiacutea cuidado que ficava a criteacuterio do aluno O recomendaacutevel eram os
paninhos trazidos de casa em geral zelosamente conservados pelas meninasrdquo
(ARAUacuteJO E SILVA 1975 p 127)
Ao contrapormos as fontes notamos que tambeacutem a partir dos anos de 1860
houve a solicitaccedilatildeo cada vez maior de folhas pautadas laacutepis penas de accedilo penas de
ave botijas de tinta e canivetes
Figura 12 Modelos de penas de accedilo
Fonte Disponiacutevel em lthttptipografosnetglossariopenahtmlgt Acesso em 03 de marccedilo de 2019
222
As chamadas penas de accedilo eram compostas por uma ponta de accedilo acoplada
a uma estrutura metalizada ou amadeirada nomeada de caneta Os vaacuterios cortes da
ponteira condicionavam o tipo de escrita que o escriba desejava empregar sendo ou
leve ou fina ou regular bem como o tipo de traccedilado ou grosso ou fino235 Essa
ponteira era comprada no formato desejado sendo um suporte de escrita mais
sofisticado do que as penas de ave jaacute que havia uma distinccedilatildeo de custo numa
proporccedilatildeo de a cada oito penas de ave comprava-se em meacutedia uma pena de accedilo
(GOIAacuteS 1873-1877 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm
575) Por isso geralmente nas listas de expediente escolar haacute maior quantidade de
solicitaccedilotildees de penas de ave do que de penas de accedilo Essas comumemente eram
compradas para uso dos professores ou de escritores mais experientes como
revelam algumas correspondecircncias identificadas (GOIAacuteS 1858-1868 AHEG
Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 397)
Para aparar as penas de ave utilizavam-se canivetes tambeacutem presentes nas
listas de expediente escolar Frade (2014a) explicita que a pena de accedilo tambeacutem
conhecida como pena metaacutelica foi inventada em 1803 e divulgada na escola em 1840
A autora acrescenta que ao longo do seacuteculo XIX e iniacutecio do XX houve um
barateamento e difusatildeo desse suporte de escrita uma vez que afiar a pena era uma
accedilatildeo muito perigosa para as crianccedilas embora em muitas fontes analisadas vejamos
a menccedilatildeo ao canivete como um objeto para uso do aluno (CERQUEIRA 19 de marccedilo
de 1859 DVD Coleccedilatildeo de Documentos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes vol 1)
Razzini (2008) acrescenta que a substituiccedilatildeo da pena de ave pela pena de accedilo foi
gradual e lenta pois sua ldquodesvantagem era enferrujar-se pelo efeito corrosivo da
tintardquo236 (RAZZINI 2008 p 96)
Para grafar utilizando ou a pena de ave ou a pena de accedilo molhava-se a
ponteira da pena na tinta Por isso havia a compra de botijas de tintas o que era feito
em grandes quantias remetidas agraves escolas A tinta era mantida para seu uso
conforme consta nas fontes inventariadas em tinteiros ou nos chamados aparelhos
de tinta tambeacutem fornecidos pela presidecircncia da proviacutencia Em 1858 houve a
235 Essa descriccedilatildeo toma como referecircncia o Glossaacuterio do site tipografosnet Disponiacutevel em lthttptipografosnetglossariopenahtmlgt Acesso em 03 de marccedilo de 2019 236 Os grandes opositores da substituiccedilatildeo da pena de ave pela pena de accedilo foram os caliacutegrafos jaacute que essa substituiccedilatildeo colocava em debate a tradiccedilatildeo da arte da escrita questionando inclusive a necessidade da profissatildeo e da caligrafia ornamental Sobre isso cf Buisson 1888
223
solicitaccedilatildeo de 100 tinteiros proacuteprios para uso escolar em que haacute informaccedilotildees sobre o
modo de preparo da tinta
Nordm 12 Secretaria da inspectoria geral da instrucccedilatildeo publica da provordf de Goyas 9 de Abril de 1958 = Ilmordm e Exmordm Senr~ = Na relaccedilatildeo dos objetos q~ deveriaotilde ser encommendados para as escolas publicas drsquoesta provincia enviada a com o meu offordm de 5 do corre deixou-se de mencionar por engano os seguintes objetos - 100 tinteiros proacuteprios para as ditas escolas = Simplices para se prepararem 100 garrafas de tinta de escrever para as ditas escolas = Deos Guarde a VExcia A sua Excia o Ilmordm e Exmo Senr~ Dordm Francisco Jannuario da Gama Cerqueira mto digno presidente desta provincia = O inspector geral Felippe Antonio Cardoso de Santa Crus (CRUS 1858e AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 397)
A partir das informaccedilotildees transcritas destacamos dois pontos O primeiro refere-
se agrave tinta que poderia ser comprada pronta sendo que os ldquotipos de tinta de uso
comum em Goiaacutes eram a de carbono ou nankin a capeche e a ferro gaacutelica aleacutem das
extraiacutedas de vegetaisrdquo (ARAUacuteJO E SILVA 1975 p 162) Aleacutem disso como
constatamos acima podia-se comprar uma espeacutecie de siacutemplice que consistia em
ingredientes para composiccedilatildeo da tinta de escrever Ainda sobre o excerto ao
relacionar essa fonte com os dados das pesquisas de Frade (2008 2009 2014a) e
Razzini (2008) chegamos agrave conclusatildeo de que os tinteiros nomeiam no decorrer do
seacuteculo XIX tanto o recipiente onde se guardava a tinta quanto uma espeacutecie de
caneta Vale lembrar que os tinteiros que Primo Jardim (1855) menciona na
organizaccedilatildeo da classe pelo meacutetodo simultacircneo satildeo os objetos fixados na mesa do
estudante onde a tinta ficava guardada
Sobre os pedidos de papel ou folha pautada eles satildeo mencionados por Primo
Jardim (1855) tanto na listagem dos materiais para o meacutetodo simultacircneo quanto para
o meacutetodo Castilho demonstrando que esse suporte jaacute estava difundido na Corte para
o ensino da escrita apesar de que sua vulgarizaccedilatildeo no Brasil data do periacuteodo da
primeira repuacuteblica jaacute no iniacutecio do seacuteculo XX quando tambeacutem foram difundidos os
cadernos escolares (MIGNOT 2008 RAZZINI 2008)
Em Goiaacutes o papel a partir dos anos de 1850 tornou-se um dos materiais mais
solicitados pelos professores contudo ainda havia os pedidos de lousas individuais
Em algumas listas havia referecircncia ao papel pautado (ou tambeacutem nomeado de folha
com linhas) sendo mais comum apenas a referecircncia a papel de uso escolar (GOIAacuteS
1868-1871 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 491) No
ofiacutecio encaminhado pelo Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica Felippe Antonio Cardoso
224
de Santa Crus ao Presidente da Proviacutencia em 13 de abril de 1858 ele explica que o
papel ao norte da proviacutencia era mais caro do que na capital bem como no sul (CRUS
13 de abril de 1858 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm
397) Por isso a distribuiccedilatildeo desse material nas escolas de primeiras letras goianas
foi desigual pois estava associada aos recursos e despesas provenientes para o
expediente das escolas de instruccedilatildeo primaacuteria Como as fontes indicam e a legislaccedilatildeo
da eacutepoca tambeacutem exarava geralmente a escola da capital de Goiaacutes tinha mais
recursos e materiais o que tambeacutem segundo Gondra e Schueler (2008) natildeo difere
de aspectos da histoacuteria da educaccedilatildeo no Brasil imperial
Um material natildeo solicitado por Primo Jardim (1855) mas jaacute havendo indiacutecios
de seu uso em Goiaacutes na segunda metade do seacuteculo XIX foi o quadro-negro Ele fazia
parte dos mobiliaacuterios necessaacuterios para o desenvolvimento do meacutetodo lancasteriano
adotados especialmente para os exerciacutecios de desenho linear e aritmeacutetica Nas fontes
a que tivemos acesso a primeira referecircncia a esse objeto foi no ano de 1861 quando
solicitado pelo entatildeo Presidente da Proviacutencia Joseacute Martins Pereira de Alencastre
para ser utilizado na escola de primeiras letras da Capital goiana (ALENCASTRE
1861 p 93 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 264)
Arauacutejo e Silva (1975 p 125) explicita que anteriormente houve em 1833 a compra
de um quadro-negro enviado agrave proviacutencia aos cuidados de um professor do ensino
muacutetuo
Logo com a maior divulgaccedilatildeo do meacutetodo simultacircneo o quadro-negro passou
a ser solicitado mas ele ldquonatildeo suplantaria o emprego da lousa individual Ambos os
materiais seriam recomendados nas praacuteticas de ler e escrever especialmente nas
classes iniciantes durante todo o seacuteculo XIXrdquo (BARRA 2013 p 130) Heacutebrard (1995)
explicita o uso do quadro-negro nas escolas do seacuteculo XIX reiterando que sua
aplicaccedilatildeo primeiro se deu em escolas mais elitizadas do mundo e depois se propagou
para a instruccedilatildeo de todas as crianccedilas
Primo Jardim solicitou os objetos para execuccedilatildeo do meacutetodo Castilho ao que
tudo indica pelo relatoacuterio analisado no decorrer desta seccedilatildeo logo apoacutes o seu retorno
agrave proviacutencia goiana Vale destacar que no Diario do Rio de Janeiro na ediccedilatildeo de 25 de
janeiro de 1856 (RIO DE JANEIRO 25 de janeiro de 1856 p 5) consta na seccedilatildeo de
registro da saiacuteda do Porto o passageiro Feliciano Primo Jardim Tambeacutem o Jornal
Correio Mercantil na ediccedilatildeo da mesma data acrescenta que essa viagem foi em
direccedilatildeo a Pernambuco (CORREIO MERCANTIL 25 de janeiro de 1856 p 2) Esses
225
registros mostram o iniacutecio da saga de regresso de Primo Jardim a Goiaacutes que chega
agrave capital da proviacutencia em 23 de abril de 1856 como estaacute aludido no Relatoacuterio do
Presidente da Proviacutencia Antonio Augusto Pereira da Cunha (CUNHA Relatoacuterio de
Presidente de Goiaacutes 1856 p 21)
Em 1858 o Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica menciona que ainda natildeo foram
adquiridos mas jaacute estavam sendo providenciados para Primo Jardim os objetos
necessaacuterios para experimentaccedilatildeo do meacutetodo Castilho de leitura repentina (CRUS 5
de abril de 1858 p 4 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa
nordm 397) Nesse ofiacutecio escrito pelo Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica Felipe Antocircnio
Cardoso de Santa Crus eacute dito que aos professores da proviacutencia natildeo seratildeo enviados
materiais do meacutetodo Castilho e sim tratados de meacutetodos de ensino com ecircnfase no
simultacircneo sendo solicitados ao Presidente da Proviacutencia 20 exemplares destinados
agravequeles mestres que natildeo tinham condiccedilotildees de compraacute-los (CRUS 5 de abril de 1858
p 4 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 397) Desse
modo o que vemos eacute que a viagem de Primo Jardim agrave Corte impulsionou a adoccedilatildeo
do meacutetodo simultacircneo em Goiaacutes bem como a compra de materiais condizentes com
essa proposta de organizaccedilatildeo didaacutetica
Primo Jardim aposentou-se em 29 de marccedilo de 1859 por motivos de sauacutede
como professor de geografia e histoacuteria do Liceu (CRUS 18 de marccedilo de 1859 p 31
29 de marccedilo de 1859 p 32237 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e
Impressa nordm 397) Em 30 abril do mesmo ano o Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica
Joatildeo Luis Henrique Brandatildeo enviou correspondecircncia ao Presidente da Proviacutencia
Francisco Januario da Gama Cerqueira mencionando que Primo Jardim jaacute de posse
do material solicitado para aplicaccedilatildeo do meacutetodo Castilho abriria uma turma para testaacute-
lo e para tanto necessitaria de 16 meninos em estado de absoluta ignoracircncia para o
iniacutecio do trabalho em 1ordm de maio de 1859
Nordm 23 Em 30 de Abril comunicando ter posto a disposiccedilatildeo de Feliciano Primo Jardim tudo quanto depende da Inspectoria ensaio do methodo Castilho Secretaria da Inspectoria Geral da Instrucccedilatildeo Publica de Goyaz 30 de Abril de 1859
237 Em Crus (18 de marccedilo de 1859) encontramos a solicitaccedilatildeo de aposentadoria de Primo Jardim por motivo de sauacutede na sequecircncia em Crus (29 de marccedilo de 1859) eacute concedida a aposentadoria e substituiccedilatildeo do professor Primo Jardim interinamente pelo professor de Filosofia do Liceu Joatildeo Luis Henrique Brandatildeo que posteriormente assumiria o cargo de Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica de Goiaacutes
226
Ilmordm Exmordm Senr~ Em virtude da autorisaccedilatildeo verbal que V Excia conferio-me em uma das conversaccedilotildees particulares com que V Excia se dignou de honrar-me entendi-me com o professor aposentado Feliciano Primo Jardim pondo a sua disposiccedilatildeo tudo quanto difundisse drsquoessa inspectoria para levar a efeito o ensino aque taotilde generosamente se propoe do methodo simultaneo portuguez Castilho Em consquencia drsquoesta minha declaraccedilaotilde e mesmo por se achar officialmente autorisado por V Excia declarou-me aquelle professor que precisava de 16 meninos em estado de absoluta ignorancia 16 lousas e lapis correspondentes numeros igual de folhetos da Sciencia do Bom Homem Ricardo dous bancos e um pouco de giz Todas estas exigencias faratildeo imediatamente satisfeitas e pretende aquelle professor dar principio aos trabalhos do ensino no dia 1ordm do proacuteximo mecircs de Maio Aqui tenho a honra de levar ao conhecimento de V Excia aver de alguma cousa bem V Excia que ordenem contrario Dios Guarde a V Excia Ilmordm Exmordm Senr Doutor Francisco Januario da Gama Cerqueira Presidente drsquoesta Provincia o Inspector Joatildeo Luis Her Brandatildeo (BRANDAtildeO 30 de abril de 1859 p 36 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 397)
Em resposta o Presidente Cerqueira em 3 de maio de 1859 daacute ciecircncia de que
foram disponibilizados a Primo Jardim os materiais solicitados e os 16 meninos
Secccedilatildeo Nordm 27 Palacio do Governo de Goyaz 3 de Maio de 1859 Pelo seo officio de 30 dersquoAbril ultimo sob ndeg 94 fiquei inteirado de que em virtude das ordens desta Presidencia Vmce mandou prestar ao Professor aposentado Feliciano Primo Jardim os objetos por me requisitados e 16 meninos em estado de absoluta ignorancia das mateacuterias que se ensinatildeo nas escolas de primeiras letras pelo methodo ordinario afim de tentar um ensaio do methodo Castilho Deos Guarde a Vmce Francisco Jamario da Gama Cerqueira Senro Inspector Geral da Instrucccedilatildeo Publica (CERQUEIRA 3 de maio de 1859 DVD Coleccedilatildeo de Documentos de Histoacuteria da Educaccedilatildeo de Goiaacutes vol 1)
Sobre esses dois registros um aspecto importante a destacar eacute que ambos
relatam o interesse do governo provincial no experimento com o meacutetodo Castilho
Essa questatildeo deixa transparecer a crenccedila de que os materiais e meacutetodos importados
eram melhores do que os disponiacuteveis no paiacutes demonstrando tal como Lajolo e
Zilberman (1996) apontam a forccedila da presenccedila portuguesa no mercado editorial
brasileiro bem como as tramas poliacuteticas enviesadas no campo educacional Tudo isso
se constituiacutea diante da ldquoprecariedade dependecircncia e insuficiecircncia das instituiccedilotildees
culturais brasileirasrdquo e mantinha-se tambeacutem devido agraves articulaccedilotildees poliacuteticas que
Antonio Feliciano de Castilho autor do meacutetodo Castilho e outros escritores de livros
portugueses estabeleciam com embaixadores e outros poliacuteticos do Brasil (LAJOLO
227
ZILBERMAN 1996) Sobre esse meacutetodo em questatildeo as autoras reiteram que ele foi
por diversas vezes ldquomencionado em discursos parlamentares e relatoacuterios
governamentaisrdquo (LAJOLO ZILBERMAN 1996 p 189)
A escolha por Primo Jardim para essa experiecircncia com o meacutetodo Castilho haacute
que se salientar natildeo foi aleatoacuteria Esse professor atuou como funcionaacuterio puacuteblico em
escola de primeiras letras no Liceu ocupou o cargo de Inspetor Paroquial da Capital
Consideramos que sua viagem como jaacute relatamos no decorrer desta seccedilatildeo eacute um
marco na histoacuteria da educaccedilatildeo goiana uma vez que auxiliou no alastramento de novas
propostas de organizaccedilatildeo didaacutetica Sobre isso Abreu (2006) aponta em sua pesquisa
analisando uma tabela de utensiacutelios para expediente escolar elaborada pelo Inspetor
Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica em 1859 que ela foi montada ldquocom base na lista de
utensiacutelios e compecircndios apresentada pelo professor Feliciano Primo Jardim quando
esteve na capital do Impeacuteriordquo A autora ainda acrescenta que ldquotalvez a ideia fosse ir
aos poucos dotando as escolas com os utensiacutelios necessaacuterios para gradativamente
implantar o meacutetodo simultacircneo nas escolas de primeiras letrasrdquo (ABREU 2006 p 204-
205)
Por fim natildeo encontramos fontes que revelassem se a classe com o meacutetodo
Castilho mencionada nos excertos anteriormente foi de fato aberta Arauacutejo e Silva
(1975) informa que a classe foi aberta mas
[] algum tempo depois apoacutes o iniacutecio das atividades com a classe experimental dava-se por encerrada a experiecircncia atendendo-se ao representado pelo professor (Ato de 7 de julho de 1859) Recolheram-se agraves respectivas escolas os alunos que prestaram ao ensaio natildeo vindo a lume as razotildees para sua brusca interrupccedilatildeo Talvez o motivo estivesse na sauacutede do professor jaacute aposentado (ARAUacuteJO E SILVA 1975 p 145)
Por conseguinte a partir da consulta aos diferentes documentos inventariados
nesta tese e sua anaacutelise notamos que o meacutetodo Castilho natildeo repercutiu positivamente
pelas escolas de primeiras letras espalhadas pela proviacutencia goiana
43 CONSIDERACcedilOtildeES PARCIAIS
As discussotildees em torno dos meacutetodos para alfabetizaccedilatildeo ganharam
efervescecircncia na segunda metade do seacuteculo XIX quando no Brasil circularam
algumas publicaccedilotildees portuguesas dirigidas para o ensino inicial da leitura e da escrita
228
(MORTATTI 2000 2000a) Entretanto os debates existentes naquele momento foram
muito tiacutemidos pois ainda natildeo havia no paiacutes um mercado livresco consolidado voltado
agrave escola Os livros que aqui circulavam eram vendidos por altos preccedilos uma vez que
geralmente eram importados da Europa (LAJOLO ZILBERMAN 1996 HALLEWELL
2012) Por este fato o puacuteblico que a eles tinha acesso era restrito a uma elite
intelectual e quando muito a professores escolhidos pelo governo que desfrutavam
do privileacutegio de ter contato com livros e participar de cursos e em troca tinham o
dever de difundir os ideaacuterios aprendidos entre os seus pares aspirando agrave melhoria da
escola e do ensino popular (LAJOLO ZILBERMAN 1996)
Na histoacuteria da educaccedilatildeo do Brasil oitocentista haacute casos exemplares
historiografados por diferentes pesquisadores brasileiros de professores que
participaram de cursos ou tiveram acesso a livros sobre ideias inovadoras para o
ensino e posteriormente eram encarregados de difundir o que tinham aprendido
(MORTATTI 2000 MARCILIO 2016 dentre outros) Em Goiaacutes ao que tudo indica o
primeiro professor financiado pelo Estado para ter contato com novos materiais e
meacutetodos no Municiacutepio da Corte a fim de propagaacute-los na proviacutencia goiana foi Feliciano
Primo Jardim
No seacuteculo XIX um dos meacutetodos difundidos no territoacuterio brasileiro foi o do
portuguecircs Antocircnio Feliciano de Castilho divulgado popularmente como meacutetodo
Castilho com o slogan de ser direcionado para o ensino raacutepido e agradaacutevel da leitura
e da escrita tanto na escola quanto no ambiente domeacutestico
Como exposto nesta seccedilatildeo Castilho esteve no Brasil em 1855 para divulgar o
seu meacutetodo por meio de um curso Entretanto o seu retorno para Europa se deu antes
do previsto jaacute que o curso terminou irregularmente devido aos confrontos entre as
ideias desse autor e outras de autores brasileiros que imperavam com suas
publicaccedilotildees naquele momento (BOTO ALBUQUERQUE 2018)
Para participar desse curso o governo da proviacutencia de Goiaacutes por iniciativa do
Presidente Antonio Candido da Cruz enviou ao Municiacutepio da Corte Feliciano Primo
Jardim no intuito de conhecer o meacutetodo Castilho Ao chegar agrave Corte o curso havia
finalizado poreacutem Primo Jardim conseguiu acompanhar algumas aulas pelo meacutetodo
Castilho e tambeacutem pelo simultacircneo Na anaacutelise empreendida nesta seccedilatildeo expusemos
que os ideaacuterios da obra Metodo Castilho para o ensino rapido e aprasivel do ler
impresso manuscrito e numeraccedilatildeo e do escrever (CASTILHO 1853) circularam na
proviacutencia goiana poreacutem natildeo haacute documentaccedilatildeo suficiente que comprove a adoccedilatildeo
229
efetiva desse meacutetodo de ensino de leitura e escrita em Goiaacutes Sendo assim a viagem
de Primo Jardim contribuiu muito mais para oficializaccedilatildeo do meacutetodo simultacircneo no
Regulamento de Ensino de 1856 (GOIAacuteS 1856) jaacute que citado por ele como meacutetodo
em destaque nas escolas da Corte
Todas essas questotildees mostram que a proviacutencia de Goiaacutes natildeo se manteve
alheia ao que ocorria no acircmbito nacional mas pelo contraacuterio estava em sintonia com
vaacuterias iniciativas do Municiacutepio da Corte A viagem de Primo Jardim ao Rio de Janeiro
revela que houve tentativas do governo goiano de acompanhar as novidades que ali
circulavam e implementar essas ideias nas escolas de primeiras letras Poreacutem a natildeo
adoccedilatildeo ou oficializaccedilatildeo do meacutetodo Castilho em Goiaacutes natildeo demonstra uma situaccedilatildeo
isolada dessa proviacutencia no territoacuterio brasileiro Pelo contraacuterio como jaacute tratamos esse
meacutetodo natildeo foi amplamente difundido nas escolas do paiacutes principalmente pela
oposiccedilatildeo do professor Costa e Azevedo a Castilho Durante o curso oferecido no
Brasil Costa e Azevedo autor de um livro de ensino de leitura pela marcha sinteacutetica
o denominado Liccedilotildees de Ler fez frente de oposiccedilatildeo ao meacutetodo Castilho (CASTELO-
BRANCO 1977 BOTO ALBUQUERQUE 2018) Uma disputa que ultrapassou a
questatildeo do meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo jaacute que trazia agrave tona questotildees poliacuteticas filosoacuteficas
e sociais (ALBUQUERQUE BOTO 2017)
Dado o exposto e em virtude da anaacutelise empreendida acerca da experiecircncia de
Primo Jardim na Corte as fontes confirmam que mesmo sendo a proviacutencia goiana
majoritariamente rural o que colocava em xeque a necessidade da escola e ainda
diante da influecircncia da onda conservadora da Igreja que pretendia se manter intacta
no poder no que concerne ao campo da alfabetizaccedilatildeo Goiaacutes esteve inserido nas
transformaccedilotildees e na onda das ideias de modernidade do Brasil do seacuteculo XIX
ratificando a nossa tese de estudo Embora as pesquisas sobre a institucionalizaccedilatildeo
da escola em Goiaacutes demonstrem que esta proviacutencia era atrasada em relaccedilatildeo a muitos
quesitos no acircmbito educacional se comparada a outras regiotildees do Brasil os indiacutecios
deixados nas fontes histoacutericas analisadas permitem afirmar que no campo da leitura
e da escrita o Governo mobilizava-se para trazer novidades para o ensino das
crianccedilas
Haacute que se destacar que muitos dos ideaacuterios natildeo se mantinham por diferentes
fatores especialmente por falta de recursos financeiros Tal como analisamos nesta
seccedilatildeo os valores totais dos materiais para implementaccedilatildeo do meacutetodo simultacircneo
eram muito inferiores aos do meacutetodo Castilho apesar das suas funccedilotildees e concepccedilotildees
230
diferentes Acrescentariacuteamos tambeacutem que havia uma cultura escolar em que se
arraigara o costume de ensinar pelo meacutetodo individual e pelo sistema de alfabetizaccedilatildeo
de marcha sinteacutetica o que unido agrave falta de materiais e formaccedilatildeo teacutecnica dos docentes
impossibilitava que as novas ideias resultassem em praacuteticas efetivas para o ensino
inicial de leitura e escrita
231
5 A PRODUCcedilAtildeO DIDAacuteTICA BRASILEIRA
NA HISTOacuteRIA DA ALFABETIZACcedilAtildeO EM GOIAacuteS
___________________________________
Ao longo do trabalho estamos desenvolvendo uma linha argumentativa que
evidencia a inserccedilatildeo da proviacutencia goiana no contexto das propostas que aspiravam a
modernizar a alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas no Brasil do seacuteculo XIX Entretanto conforme
tratamos o governo em Goiaacutes natildeo levou adiante muitas iniciativas devido aos custos
e natildeo conseguiu alastraacute-las pelas diferentes localidades restringindo-as agrave Capital
Essa questatildeo a princiacutepio poderia refutar a tese da pesquisa jaacute que aparentemente
demonstra uma certa ambivalecircncia todavia essa contradiccedilatildeo traz os argumentos
fundantes para pensarmos acerca da difusatildeo da produccedilatildeo didaacutetica brasileira na
histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo em Goiaacutes a partir dos anos de 1870 objeto de nosso estudo
nesta seccedilatildeo
Anunciamos de antematildeo as duas principais ideias que desenvolveremos no
decorrer do capiacutetulo A primeira ligada ao fato de que o governo da proviacutencia goiana
aderiu mais agraves propostas que circularam pelo Impeacuterio concretizadas em cartilhas eou
livros de leitura cujos autores fizeram doaccedilatildeo de seus impressos como uma estrateacutegia
mercadoloacutegica para divulgaccedilatildeo do meacutetodo de alfabetizaccedilatildeo proposto A segunda
vincula-se com o panorama do mercado editorial jaacute que ldquoo abrasileiramento dos livros
didaacuteticos soacute se torna realidade no fim do seacuteculo XIX concomitantemente agrave
nacionalizaccedilatildeo do livro para crianccedilasrdquo (LAJOLO ZILBERMAN 1996 p 183) O
232
surgimento de autores e livrarias que investiram na produccedilatildeo de livros didaacuteticos
brasileiros fez com esse tipo de livro se comparado com os literaacuterios ficasse mais
acessiacutevel aos leitores e mais rentaacutevel aos editores como apontam Lajolo e Zilberman
(1996) e Hallewell (2012) Logo esse cenaacuterio facilitou a entrada de uma produccedilatildeo
editorial nacional nas escolas da proviacutencia goiana a partir de 1870
Nesse ponto eacute importante colocar em evidecircncia o contraponto feito por
Braganccedila (1999) ao demonstrar que os negoacutecios editoriais se arquitetaram no limiar
do seacuteculo XX quando se iniciou a construccedilatildeo do lugar social do escritor profissional
que teve ldquouma remuneraccedilatildeo digna pelo seu trabalho com acesso a contratos justosrdquo
o autor acrescenta que a partir dos anos de 1920 e 1930 eacute que ldquohouve a possibilidade
de um fortalecimento da induacutestria cultural com a expansatildeo do mercado da leiturardquo
(BRAGANCcedilA 1999 p 458)
El Far (2010) destaca que na segunda metade do seacuteculo XIX houve uma
mudanccedila no cenaacuterio editorial brasileiro em funccedilatildeo do surgimento de livreiros que
colocavam no mercado um ldquolivro popular de capa brochada e papel barato e
produzido com baixo custo de ediccedilatildeordquo A autora advoga que esse denominado livro
popular que se expandiu entre as publicaccedilotildees que circularam em especial no Rio de
Janeiro natildeo foi uma invenccedilatildeo do Brasil Portugal e Franccedila jaacute tinham uma experiecircncia
ldquona confecccedilatildeo em larga escala desses pequenos volumesrdquo (EL FAR 2010 p 90)
Dito isto notamos que embora o mercado editorial brasileiro tenha se
fortalecido com mais veemecircncia com as ideias da Repuacuteblica mesmo diante de todas
as dificuldades em adquirir os livros para as escolas em Goiaacutes eles ocuparam um
lugar importante no contexto educacional desde o seacuteculo XIX Em consonacircncia
Valdez Oliveira e Rodrigues (2010) ao tratarem sobre os livros escolares para a
infacircncia nas terras goianas no oitocentos revelaram que
O livro era considerado um objeto redentor que daria saber e traria luzes a uma proviacutencia que se encontrava isolada e distante dos grandes centros litoracircneos Essa crenccedila no poder do livro como depositaacuterio privilegiado do saber escolar e objeto de viabilizaccedilatildeo dos projetos educacionais incluindo a formaccedilatildeo de professores e alunos com poucas diferenccedilas transparecia nos discursos de grupos conservadores catoacutelicos positivistas ou cientificistas republicanos em diferentes lugares do Brasil oitocentista (VALDEZ OLIVEIRA RODRIGUES 2010 p 11)
Elegemos para esta uacuteltima seccedilatildeo a produccedilatildeo didaacutetica produzida por escritores
brasileiros que marcaram a histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo goiana durante o Impeacuterio A
233
escolha natildeo foi aleatoacuteria e se justifica tanto pelo que as fontes inventariadas no
Arquivo Histoacuterico Estadual de Goiaacutes indicaram a partir dos anos de 1870 quanto pela
ideia do que esses livros e autores representaram para a constituiccedilatildeo de um
sentimento de unificaccedilatildeo brasileira parafraseando Pfromm Neto Dib e Rosamilha
(1974)
Dessa forma objetivamos analisar como os impressos didaacuteticos
ldquoeminentemente brasileirosrdquo influenciaram a alfabetizaccedilatildeo de crianccedilas em Goiaacutes entre
1870 e 1886 quando se encerra o recorte temporal da nossa Tese As reflexotildees feitas
aqui podem impulsionar outras tantas jaacute que muitos dos livros que circularam nesse
periacuteodo estiveram presentes no decurso da Repuacuteblica
Munakata (2014) adverte que o vocaacutebulo ldquodidaacuteticordquo para se referir aos livros
escolares de uso pedagoacutegico ficou consagrado no Brasil a partir dos anos de 1930
com a criaccedilatildeo do Instituto Nacional do Livro (1937) e da Comissatildeo Nacional do Livro
Didaacutetico (1938) Optamos por utilizaacute-lo pois os estudos no campo da histoacuteria dos livros
escolares238 em especial os de Munakata (2014 2016) legitimou essa nomeaccedilatildeo
sem cair em anacronismos uma vez que ela eacute usual e estaacute mais para intitular uma
funccedilatildeo do objeto cultural livro do que para se referir a um momento histoacuterico especiacutefico
de seu consumo
Nos anos de 1870 dois autores brasileiros foram mencionados nas listas de
expediente escolar inventariadas segundo anunciamos na seccedilatildeo trecircs Antonio
Pinheiro de Aguiar e Abiacutelio Ceacutesar Borges o Baratildeo de Macauacutebas Outros autores
poderiam ser aludidos poreacutem os pedidos mais avolumados satildeo de obras de autoria
desses motivo pelo qual os escolhemos para alongar o debate sobre seus impressos
e a influecircncia na histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo na proviacutencia goiana O nuacutemero de livros
comprados eou recebidos por meio de doaccedilotildees permite-nos conjecturar que eles
circularam nas escolas primaacuterias de Goiaacutes no periacuteodo pesquisado
Aleacutem disso Pinheiro de Aguiar e Borges se aproximam quanto agrave estrateacutegia
comercial de divulgaccedilatildeo visto que ambos fizeram doaccedilotildees de exemplares de suas
obras agraves escolas O primeiro mais timidamente jaacute o segundo com expressivos
donativos em vaacuterios locais do paiacutes o que o colocou na rota de autores mais difundidos
no Impeacuterio e na Primeira Repuacuteblica
238 Para aprofundar nessa questatildeo cf o Dossiecirc Temaacutetico ldquoLivros didaacuteticos como fonteobjeto de pesquisa para a histoacuteria da educaccedilatildeo no Brasil e na Espanhardquo organizado Kecircnia Hilda Moreira e Kazumi Munakata na Revista Educaccedilatildeo e Fronteira (v 7 ndeg 20 2017)
234
Insta esclarecer que acerca da histoacuteria da obra de Abiacutelio Ceacutesar Borges muito jaacute
se pesquisou mas em contrapartida sobre Antonio Pinheiro de Aguiar haacute poucos
estudos levando-nos a fazer consideraccedilotildees mais detalhadas sobre esse autor A
anaacutelise que empreendemos considera a materialidade das obras cotejada com as
fontes documentais que incita variadas ldquointerpretaccedilotildees compreensotildees e usos de
seus diferentes puacuteblicosrdquo (CHARTIER 1998 p 18 grifos nossos)
Por fim para abrir os itens a seguir trazemos o poeta Maacuterio Quintana (1995)
para uma reflexatildeo
A beleza dos versos impressos em livro ndash serena beleza com algo de eternidade ndash Antes que venha conturbaacute-los a voz das declamadoras Ali repousam eles misteriosos cacircntaros Nas suas fraacutegeis prateleiras de vidro Ali repousam eles imoacuteveis e silenciosos Mas natildeo mudos e iguais como esses mortos em suas tumbas (QUINTANA 1995 p 10)
Eacute necessaacuterio frisar que diferente do que Quintana (1995) escreveu sobre o livro
de poesia os livros com caracteriacutesticas didaacuteticas impressos de uso escolar por mais
imoacuteveis e silenciosos que agrave primeira vista pareccedilam satildeo objetos que ldquo[] natildeo satildeo
meramente ideias sentimentos imagens sensaccedilotildees significaccedilotildees que o texto possa
representarrdquo (MUNAKATA 1997 p 84) Carregam em si ideologias de seus autores
e de seu tempo objetivos definidos politicamente situados e socialmente
estabelecidos por uma rede de comunicaccedilatildeo e uma ldquorede de sociabilidaderdquo239 de seus
escritores Enfim ateacute que algueacutem selecione esses livros para realizar a anaacutelise ldquoali
repousam eles misteriosos cacircntaros nas suas fraacutegeis prateleiras de vidrordquo
Vamos pois ao desafio de retiraacute-los das prateleiras e situaacute-los na histoacuteria da
alfabetizaccedilatildeo de Goiaacutes
239 Expressatildeo utilizada tomando como referecircncia o que eacute proposto por Sirinelli (2003) ao definir redes de sociabilidade de um intelectual O autor explica que ldquotodo grupo de intelectuais organiza-se a partir de uma sensibilidade ideoloacutegica ou cultural comum e de afinidades que alimentam o desejo e o gosto de conviverrdquo (SIRINELLI 2003 p 246)
235
51 O MEacuteTODO BACADAFAacute DE ANTONIO PINHEIRO DE AGUIAR
O nome de Antonio Pinheiro de Aguiar e o de sua obra que conteacutem o meacutetodo
de leitura abreviada denominado de Bacadafaacute ainda satildeo poucos referenciados nos
estudos da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo Esse impresso passa despercebido como uma
das produccedilotildees didaacuteticas brasileiras escritas e publicadas no Brasil imperial talvez
pelas dificuldades de localizar a obra ou ateacute mesmo pela sua baixa circulaccedilatildeo nas
proviacutencias brasileiras Ateacute o momento encontramos apenas trecircs autoras que
analisaram o meacutetodo Bacadafaacute Maciel (2002) Schueler (2004 2005) e Teixeira
(2004 2008) Utilizamos principalmente essas pesquisas para tratar a respeito do
escritor o professor Pinheiro de Aguiar e de sua obra adicionando algumas
informaccedilotildees a partir das fontes consultadas
Embora essas autoras se tenham aprofundado em alguns aspectos sobre o
meacutetodo Bacadafaacute natildeo podemos negligenciar que ele eacute mencionado em outros
trabalhos como por exemplo o de Trindade (2001) Amacircncio (2008) Amacircncio e
Cardoso (2006) Assunccedilatildeo (2009) e Franklin (2017) Trindade o cita em sua tese de
doutorado referindo que natildeo haacute evidecircncias que ele foi usado na Instruccedilatildeo Puacuteblica
gauacutecha Jaacute Amacircncio e Cardoso explicitam que esse meacutetodo foi propagandeado na
proviacutencia de Mato Grosso mas natildeo foi adotado nas escolas mato-grossensses
Assunccedilatildeo em sua pesquisa sobre a alfabetizaccedilatildeo no Espiacuterito Santo na deacutecada de
1870 certifica que os impressos que compunham o meacutetodo Bacadafaacute foram enviados
a essa proviacutencia mas natildeo houve sua adoccedilatildeo oficial nas escolas capixabas Franklin
aponta que o sistema de leitura denominado Bacadafaacute fez parte de um momento poacutes-
implantaccedilatildeo do ensino secundaacuterio no Brasil fruto da tentativa de reformular o ensino
na Corte atraveacutes dos ldquomeacutetodos inovadores de alfabetizaccedilatildeordquo (FRANKLIN 2017 p
92)
Acerca da vida de Pinheiro de Aguiar Schueler (2005) explicita
Sobre o autor do meacutetodo de leitura Bacadafaacute ndash Pinheiro de Aguiar ndash pouco consegui descobrir Soube apenas que ele nascera na proviacutencia de Minas Gerais era professor de desenho e piano e exercia interinamente o cargo de professor puacuteblico na terceira escola primaacuteria de meninos da Freguesia de Santana local onde tambeacutem dirigia uma escola particular (SCHUELER 2005 p 174)
236
Podemos adicionar que o autor nasceu provavelmente em Ouro Preto em 1814
e faleceu em 1894240 foi casado com Maria Argentina de Aguiar que tambeacutem atuou
como professora no Rio de Janeiro Em notas do Jornal Correio Mercantil e do
Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro haacute propagandas da
abertura de uma escola do sexo feminino da professora Maria Argentina em ldquoSatildeo
Cristovatildeo na travessa das Flores nordm 4 ao lado da Academia Militarrdquo nos anos de
1860 em que se ensinava pelo meacutetodo Bacadafaacute esse local era a residecircncia do casal
(CORREIO MERCANTIL 19 de dezembro de 1861 p 4 ALMANAK
ADMINISTRATIVO 1865 p 431)
Satildeo Cristovatildeo nesse periacuteodo era um bairro nobre do Rio de Janeiro habitado
inclusive por famiacutelias da aristrocraria portuguesa O Coleacutegio ora nominado de
ldquoColeacutegio do Bacadafaacuterdquo ora com a referecircncia ao nome dos professores como ldquoColeacutegio
de Antonio de Pinheiro de Aguiarrdquo ou ldquoColeacutegio de D Maria Argentina de Aguiarrdquo
funcionou como um dos locais em que Pinheiro de Aguiar fazia suas exposiccedilotildees
puacuteblicas a respeito do sistema de leitura abreviada que havia criado
Essa escola foi uma das mais citadas na imprensa carioca como um dos locais
em que funcionava a aplicaccedilatildeo do meacutetodo Bacadafaacute entretanto outros lugares em
que o autor abriu uma sala particular para ensinar ou para expor o seu meacutetodo no Rio
de Janeiro podem ser adicionados como o ldquocoleacutegio da Rua da Ajudardquo (PINHEIRO DE
AGUIAR CORREIO MERCANTIL 19 de julho de 1860 p 3) e a ldquocasa da rua da
Alfacircndegardquo (CORREIO MERCANTIL 8 de novembro de 1860 p 3)241 Em 1863 o
Jornal Correio Mercantil noticiou que o Imperador havia concedido a Pinheiro de
Aguiar uma ldquosala no ediacutefico lateral do Theatro S Pedrordquo onde lecionaria muacutesica e
explicaria o ldquosistema nacional de leitura raacutepidardquo oferecendo exposiccedilotildees perioacutedicas
240 No Relatoacuterio da Reparticcedilatildeo dos Negoacutecios do Impeacuterio no Rio de Janeiro haacute o Aviso datado de 14 de novembro de 1861 mencionando que Antonio Pinheiro de Aguiar autor do meacutetodo Bacadafaacute tinha na ocasiatildeo 49 anos levando ao ano de 1812 como sendo o marco de seu nascimento (RIO DE JANEIRO 1862 p 19) Utilizamos entretanto para referenciar o ano de nascimento e morte do autor os dados constantes na Plataforma Heacutelio Gravataacute um repositoacuterio com fontes digitalizadas pertencentes ao acervo do Arquivo Puacuteblico Mineiro Disponiacutevel em lthttpwwwsiaapmculturamggovbrmodulesgravata_brtdocsphotophpli d=55849gt Acesso em 25 de junho de 2019 241 Nas escolas em que Pinheiro de Aguiar lecionava ele utilizava o sistema de monitoria em que os alunos mais adiantados auxiliavam os menos adiantados Geralmente dividia-os em classe por grau de conhecimento (PINHEIRO DE AGUIAR CORREIO MERCANTIL 9 de setembro de 1861 p 2)
237
com as devidas provas que certificariam a eficaacutecia do meacutetodo Bacadafaacute (CORREIO
MERCANTIL 21 de outubro de 1863 p 2)
As exposiccedilotildees puacuteblicas abertas agrave comunidade principalmente direcionadas
aos pais de crianccedilas analfabetas foi uma das estrateacutegias utilizadas por Pinheiro de
Aguiar para divulgar o seu meacutetodo do qual foi o maior entusiasta e defensor
chegando a ser caracterizado pelo Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica da Corte como
fanatista (TEIXEIRA 2008 A INTRUCCcedilAtildeO PUBLICA 14 de julho de 1872 p 109)
Conseguiu em alguns momentos autorizaccedilatildeo desse Conselho para essas exposiccedilotildees
e quando a negavam recorria agrave Assembleia Geral Legislativa e ateacute ao proacuteprio
Imperador (CORREIO MERCANTIL 26 de maio de 1861 p 2 16 de junho de 1861
p 1 21 de outubro de 1863 p 2)
Sabe-se tambeacutem que Pinheiro de Aguiar passou um tempo na Proviacutencia de
Minas Gerais retornando ao Rio de Janeiro em 1886 No Distrito de Madre de Deus
do Anguacute pertencente ao municiacutepio de Leopoldina abriu internato de instruccedilatildeo
primaacuteria e secundaacuteria que funcionava pelo meacutetodo Bacadafaacute (PINHEIRO DE AGUIAR
JORNAL DO COMMERCIO 28 de abril de 1886 p 6)
O meacutetodo Bacadafaacute surgiu no Rio de Janeiro no final dos anos 50 do seacuteculo
XIX periacuteodo em que foi levado a puacuteblico Divulgado com mais veemecircncia entre os
anos 60 e 80 devido agrave publicaccedilatildeo de um impresso que continha a orientaccedilatildeo para
aplicaccedilatildeo do meacutetodo esse fato faz com que Pinheiro de Aguiar esteja entre os autores
nascidos no Brasil que publicaram cartilhas de alfabetizaccedilatildeo ldquogenuinamente
brasileirasrdquo242 no periacuteodo imperial Para anaacutelise do meacutetodo utilizamos duas ediccedilotildees
da cartilha datadas dos anos de 1870 agraves quais tivemos acesso por meio das
pesquisadoras professora Francisca Izabel Pereira Maciel da Universidade Federal
de Minas Gerais e professora Giselle Baptista Teixeira da Prefeitura Municipal de
Duque de Caxias O exemplar cedido por Francisca Maciel eacute uma coacutepia xerografada
de uma ediccedilatildeo de 1877 A professora Giselle Teixeira nos forneceu a digitalizaccedilatildeo de
algumas paacuteginas do impresso datado de 1871
242 Segundo Schueler (2005) Antonio Estevam Costa e Cunha defensor do Meacutetodo Bacadafaacute considerava-o ldquogenuinamente nacionalrdquo pois tratava-se de uma proposta de ensino que utilizava siacutembolos nacionais aleacutem de ter sido idealizada por um brasileiro
238
Figura 13 Capas das ediccedilotildees do meacutetodo Bacadafaacute (1871 e 1877)
Fonte Acervos pessoais das pesquisadoras Francisca Izabel Pereira Maciel e Giselle Baptista Teixeira
Analisando ambas as capas notamos mudanccedilas substanciais entre uma
ediccedilatildeo e outra principalmente no tiacutetulo A ediccedilatildeo de 1871 evidenciava o termo ldquocartardquo
jaacute a de 1877 enfatizava inicialmente o nome do meacutetodo Como Pinheiro de Aguiar
almejava que seu meacutetodo fosse conhecido entre os professores o autor pode tambeacutem
ter intitulado a obra associando-a agrave ideia das Cartas para ganhar espaccedilo e visibilidade
nas escolas de primeiras letras A partir das fontes consultadas acreditamos que a
mudanccedila do nome da obra tal como estaacute na ediccedilatildeo de 1877 foi devido agraves acusaccedilotildees
que Pinheiro de Aguiar sofreu pelos criacuteticos na impressa e pelo Conselho de Instruccedilatildeo
Puacuteblica da Corte de que seu meacutetodo natildeo tinha nada de inovador (ALAMBARY LUZ A
INTRUCCcedilAtildeO PUBLICA 24 de junho de 1872 p 82) Logo a mudanccedila no tiacutetulo pode
ter sido em funccedilatildeo da ideia transmitida pelo uso da expressatildeo ldquoCartardquo que se
associava agraves Cartas de ABC e ao meacutetodo de soletraccedilatildeo difundidos pelo paiacutes e
criticados como antigos e tradicionais no momento em que emergia o mercado
239
editorial do livro didaacutetico brasileiro e ldquotematizaccedilotildees sobre alfabetizaccedilatildeordquo (MORTATTI
2000)
A disposiccedilatildeo das palavras em ambas as capas bem como a variaccedilatildeo do tipo
de letra presente nelas estava em sintonia com os livros que circulavam na corte
imperial naquele momento como por exemplo as capas dos livros de leitura de Abiacutelio
Ceacutesar Borges o Baratildeo de Macauacutebas editados na Franccedila conforme veremos no
proacuteximo item Tal questatildeo suscita a ideia de uma padronizaccedilatildeo das capas dos livros
ou uma referecircncia agraves capas aos moldes das tipografias francesas Essa aproximaccedilatildeo
entre a configuraccedilatildeo graacutefica brasileira e a francesa pode ser explicada ao levarmos
em consideraccedilatildeo a oficina tipograacutefica que editou a cartilha do meacutetodo Bacadafaacute
Nas capas do livro de Pinheiro de Aguiar eacute mencionada a tipografia de Pinheiro
amp C como a responsaacutevel pela ediccedilatildeo Segundo Stickel (2004) essa tipografia
pertencia ao xiloacutegrafo portuguecircs Manuel Joaquim da Costa Pinheiro (1832-1903)
ldquochegado ao Brasil em 1843 e estabelecido como tipoacutegrafo a partir de 1852 no Rio de
Janeirordquo Manuel Pinheiro foi ilustrador de vaacuterios livros ldquoprincipalmente para a Livraria
Garnierrdquo (STICKEL 2004 p 235)
Ferreira (1994) acrescenta maiores informaccedilotildees sobre Manuel Pinheiro que
sob a firma Pinheiro amp Cia entrou para o ramo editorial com uma oficina tipograacutefica
litograacutefica e xilograacutefica O ilustrador e tipoacutegrafo tinha o auxiacutelio de seu filho Alfredo
Pinheiro responsaacutevel tambeacutem pelo trabalho artiacutestico da oficina Em 1874 Ferreira
(1994) menciona que Alfredo Pinheiro foi agrave Franccedila para ldquoaperfeiccediloar-se na arte
xilograacuteficardquo recriando posteriormente nas suas produccedilotildees as teacutecnicas aprendidas
(FERREIRA 1994 p 177-183) Eacute possiacutevel a partir desses fatos pressupor que houve
aproximaccedilatildeo entre a obra do meacutetodo Bacadafaacute e os modelos de editoraccedilatildeo das capas
de livros didaacuteticos franceses
Ocorreu entre a ediccedilatildeo de 1871 e a de 1877 a supressatildeo das informaccedilotildees a
respeito da adoccedilatildeo do meacutetodo na escola puacuteblica da freguesia de SantrsquoAnna Aleacutem
disso a capa de 1877 estaacute ilustrada com um anjo cercado de livros No seacuteculo XIX a
presenccedila do siacutembolo do anjo nos livros destinados ao ensino inicial de leitura natildeo era
algo incomum e o encontramos por exemplo na estampa antes da folha de rosto da
2ordf ediccedilatildeo do livro Metodo Castilho para o ensino rapido e aprasivel do ler impresso
manuscrito e numeraccedilatildeo e do escrever do portuguecircs Antocircnio Feliciano de Castilho
240
(1853)243 assim como na capa do livro francecircs Meacutethode lecture sans eacutepellation de
Abria (1847)244
Passando ao conteuacutedo da obra considerando as fontes consultadas
especialmente as da imprensa carioca notamos que a ediccedilatildeo de 1871 se compocircs do
agrupamento de uma breve explicaccedilatildeo sobre o meacutetodo Bacadafaacute escrita por Antonio
Pinheiro de Aguiar no Rio de Janeiro em 06 de outubro de 1871245 as cartas de leitura
para aplicaccedilatildeo do meacutetodo proposto pelo autor as quais detalharemos adiante aleacutem
dos quadros de tabuada resumida de somar diminuir multiplicar e dividir246 A ediccedilatildeo
de 1877 foi modificada tendo havido a inserccedilatildeo do ldquoproacutelogordquo e o texto intitulado
ldquoMethodo Bacadafaacuterdquo que ocupou a extensatildeo de 7 paacuteginas escrito por Pinheiro de
Aguiar em 1ordm de julho de 1877 elucidando detalhadamente os exerciacutecios para
aplicaccedilatildeo do seu meacutetodo Nessa ediccedilatildeo natildeo constam os quadros matemaacuteticos
apresentados na anterior247
O meacutetodo Bacadafaacute consistia numa proposta que tinha como base historietas
sobre quatro indiacutegenas que formavam a famiacutelia Bacadafaacute o pai da famiacutelia Gajalamaacute
a matildee Naparasaacute a filha e Tavaxazaacute o filho Essa proposta pensada por Pinheiro de
Aguiar podia ser aplicada tanto para crianccedilas quanto para adultos analfabetos Nas
experiecircncias desse professor em seus coleacutegios ele abriu salas no diurno para ensinar
as crianccedilas e no noturno destinadas aos adultos (CORREIO MERCANTIL 8 de
243 A estampa apresenta um anjo na porta de local nomeado de ldquoTemplo do saberrdquo Haacute tambeacutem crianccedilas jogando numa fogueira folhas com letras inscritas essas remontando agraves Cartas de ABC No canto inferior ao lado esquerdo haacute a representaccedilatildeo de um homem com a matildeo na cabeccedila e semblante de preocupaccedilatildeo observando a cena 244 A imagem da capa desse livro apresenta um anjo sentado e ao seu redor quatro crianccedilas em peacute No colo do anjo haacute um livro aberto e duas das crianccedilas o seguram A expressatildeo e olhar do anjo demonstram que ele estaacute lendo o livro para as crianccedilas Aos peacutes do anjo haacute outra crianccedila sentada folheando um livro no colo com olhar direcionado agraves paacuteginas como se estivesse lendo Na imagem tambeacutem aparece uma cruz atraacutes do anjo e trecircs livros no chatildeo Frade (2012) analisa alguns elementos da configuraccedilatildeo graacutefica desse livro de uma ediccedilatildeo de 1852 Uma versatildeo digitalizada dessa obra pode ser consultada no link lthttpsgallicabnf frark12148bpt6k58494696gt Acesso em 21 de junho de 2019 245 Esse texto de Pinheiro de Aguiar tambeacutem estaacute publicado no perioacutedico A Instrucccedilatildeo Publica (PINHEIRO DE AGUIAR A INSTRUCCcedilAtildeO PUBLICA 14 de julho de 1872 p 108-109) 246 Segundo Alambary Luz (A INSTRUCCcedilAtildeO PUBLICA 14 de julho de 1872 p 108) Pinheiro de Aguiar mandou imprimir 10 mil exemplares do meacutetodo Bacadafaacute oferecendo-os ao governo central para que fossem distribuiacutedos pelas escolas da proviacutencia do Impeacuterio 247 Como natildeo conseguimos acessar os originais do Meacutetodo Bacadafaacute essa descriccedilatildeo toma especialmente como referecircncia os exemplares a que tivemos acesso Reconhecemos por conseguinte os limites dessa caracterizaccedilatildeo Consideramos tambeacutem as informaccedilotildees publicadas sobre o meacutetodo Bacadafaacute no perioacutedico A Instrucccedilatildeo Publica em 1872 e 1874 (A INSTRUCCcedilAtildeO PUBLICA 24 de junho de 1872 14 de julho de 1872 18 de agosto de 1872 20 de outubro de 1872 24 de novembro de 1872 6 de setembro de 1874)
241
novembro de 1860 p 3) A sua principal propaganda era a eficiecircncia do meacutetodo que
obteria resultados de forma raacutepida e prazerosa de modo que se aplicado conforme
as orientaccedilotildees do autor com os exerciacutecios previstos qualquer sujeito se alfabetizava
em no maacuteximo 20 liccedilotildees
Os nomes dos personagens que compunham a famiacutelia de indiacutegenas conduziam
a organizaccedilatildeo do meacutetodo disposto em trecircs cartas
Sobre a primeira etapa o autor diz na ediccedilatildeo de 1871
Faccedila-se o menino conhecer os nomes dos quatro indios que se achatildeo escriptos no quatro ou carta por baixo de cada figura em sentido vertical explicando-lhe e mostrando-lhe que cada um destes nomes se compotildee de quatro tempos (syllabas) e obrigando-o a distinguir estes tempos uns dos outros jaacute seguidamente jaacute salteado primeiro em sentido vertical e depois no horizontal (PINHEIRO DE AGUIAR 1871 s p grifo do autor)
As explicaccedilotildees feitas por Pinheiro de Aguiar ficam mais claras ao observarmos
a primeira carta presente na cartilha do meacutetodo Bacadafaacute denominada pelo autor
como Carta dos Iacutendios (PINHEIRO DE AGUIAR 1871)
Figura 14
Primeira carta do meacutetodo Bacadafaacute (1871)
Fonte Acervo pessoal da pesquisadora Giselle Baptista Teixeira
242
Inicialmente eram apresentados os personagens e os seus nomes utilizando
a primeira carta Essa carta tinha por objetivo apresentar as vogais as consoantes do
alfabeto e as principais combinaccedilotildees silaacutebicas com a vogal ldquoardquo Para a memorizaccedilatildeo
das vogais Pinheiro de Aguiar orientava contar a seguinte narrativa
O indio pai achando-se doente gemia constantemente deste modo ai ai ai Um carreiro passando pela porta ouvindo esse gemido fez parar o carro com o signal oacute oacute para o boi parar e perguntou Quem estaacute gemendo Eu eu respondeu o doente Eis aqui os sons das cinco vogaes a i e u o (PINHEIRO DE AGUIAR 1877 p 10 grifos do autor)
Notamos ao contrapor a imagem da primeira carta com as informaccedilotildees do
fragmento que na primeira linha da tabela na coluna do meio satildeo apresentadas as
vogais maiuacutesculas e minuacutesculas Entre essas vogais eacute utilizado um siacutembolo como
uma seta que as ligava remetendo para as siacutelabas compostas na historieta narrada
no excerto Importante destacar que Pinheiro de Aguiar (1871) explica que essa
narraccedilatildeo deve ser feita logo apoacutes o estudo da primeira carta Portanto o meacutetodo tem
o seu princiacutepio pela siacutelaba e na sequecircncia a ecircnfase estaacute na palavra O texto
empregado nessa etapa eacute oralizado pelo professor apenas para facilitar que os
alunos memorizem a liccedilatildeo aprendida
Como podemos verificar na figura 14 os nomes dos indiacutegenas satildeo
apresentados em siacutelabas separadas em quatro colunas distintas sendo a primeira
recomendaccedilatildeo do autor para uso dessa parte da carta um exerciacutecio de leitura das
siacutelabas na vertical e horizontal no qual o aprendente conhece o valor sonoro das
consoantes dispostas antes e depois das vogais tal como destaca
Como o methodo soacute admitte o som das cinco vogaes para que o alumno reconheccedila o semi-som das consoantes e principalmente das consoantes liquidas faccedila-se sentir bem a vibraccedilatildeo com que comeccedilatildeo as articulaccedilotildees la ma na ra as obrigando o menino a dizer vagarosamente para bem sentir a percussatildeo da consoante a-l-ma a-m-para a-n-ta a-r-ma a-s-pa etc em seguida mais depressa para exprimir os vocabulos ndash alma ampara anta arma aspa etc Exercite-se depois o menino a juntar estas mesmas consoantes aacutes syllabas de que satildeo formados os nomes dos indios para compor por exemplo os vocabulos balda campa dante farta fazendo vibrar bem a voz nas consoantes liquidas e ter-se-ha feito os primeiros e principaes exercicios do systema por meio dos quaes o analphabeto tem conhecido o valor de todas as consoantes quer se ache a consoante antes da vogal ex la quer se ache depois ex al (PINHEIRO DE AGUIAR 1871 s p grifos do autor)
243
Na carta tambeacutem eacute apresentada aleacutem da letra de imprensa a letra manuscrita
em congruecircncia com o que se ensinava nas escolas de primeiras letras da Corte
(ARRIADA TAMBARA 2012) O destaque nessa primeira carta eacute a formaccedilatildeo de
siacutelabas com a vogal ldquoardquo Pinheiro de Aguiar (1871 1877) continua esclarecendo que
logo apoacutes o aluno iraacute ligar as letras dos nomes dos quatro indiacutegenas com as demais
vogais
Dessa maneira o que Pinheiro de Aguiar arquiteta eacute um sistema de
alfabetizaccedilatildeo constituiacutedo pelo meacutetodo silaacutebico uma vez que a base do processo de
ensino da leitura eacute a siacutelaba compondo palavras e as decompondo para enfatizar a
sonoridade das letras O autor na sua explicaccedilatildeo sobre o meacutetodo natildeo o classificava
assim mas encontramos tal referecircncia nos escritos do professor Antonio Estevam
Costa e Cunha segundo Schueler (2005 p 174) o ldquoprincipal estusiasta e divulgadorrdquo
do meacutetodo Bacadafaacute no Rio de Janeiro
Agora vejamos quaes os principaes methodos seguidos no ensino de leitura afim de habilitar-nos a estabelecer a comparaccedilatildeo entre elles e o que presentemente nos occupa Os dous methodos mais geraes satildeo o synthetico e o analytico No primeiro comeccedila o menino por ver a palavra (ou algumas palavras formando uma historiazinha) decompotildee a palavra nos sons ou syllabas que a foacutermam e estas nos seus elementos constituintes consoantes e vogaes ou soacute vogaes Parece um tal processo a quem nunca o aplicou ou viu aplicar escabroso anti-natural a algumas afigura-se ateacute como uma monstruosidade mas tanto isso natildeo eacute assim que por elle se ensina e se aprende nos paizes que em mateacuteria de instrucccedilatildeo publica caminham na vanguarda de todos os outros O processo do methodo analytico eacute conhecido de todos aprende-se a conhecer e distinguir as letras depois as syllabas e em seguida as palavras por meio da soletraccedilatildeo Foi por elle que aprendemos eacute o mais conhecido e applicado parece-nos por isso o mais natural e o mais facil Cumpre pois que prescindamos de uma tal parcialidade se quisermos julgar com equidade Ora entre os dous extremos fica o methodo syllabico que poacutede ser considerado o seu meio termo Este comeccedila natildeo jaacute pelas palavras como o synthetico nem pelas letras como o analytico mas pelos sons ou syllabas e que se denomina Bacadafaacute (como bem disse o Sr Dr Alambary) natildeo eacute outra cousa mais do que este mesmo methodo com o aditamento das figuras e historietas (COSTA E CUNHA A INSTRUCCcedilAtildeO PUBLICA 20 de outubro de 1872 p 241-242 grifos do autor)
Acompanhando as explicaccedilotildees sobre os meacutetodos presentes nesse discurso de
Costa e Cunha verificamos que sua distinccedilatildeo entre os meacutetodos analiacutetico e sinteacutetico
foge da compreensatildeo que se tem sobre eles nos estudos da histoacuteria da alfabetizaccedilatildeo
No campo educacional os meacutetodos de alfabetizaccedilatildeo satildeo essencialmente
244
caracterizados como de marcha sinteacutetica ou de macha analiacutetica (MORTATTI 2000
FRADE 2007) Essa questatildeo foi teorizada por Guillaume (1911) sendo que ldquoestas
denominaccedilotildees sugerem que tal classificaccedilatildeo dos meacutetodos se baseava nos processos
psicoloacutegicos subjacentesrdquo (BRASLAVSKY 1988 p 42)
Segundo Guillaume (1911) os meacutetodos sinteacuteticos orientam-se pelo ensino das
partes para o todo (das letras ou fonemas ou siacutelabas para depois introduzir as
palavras frases e os textos) Jaacute os analiacuteticos satildeo aqueles que se orientam pelo inverso
(das palavras ou frases ou textos para compreensatildeo de unidades menores da liacutengua
ndash letras fonemas e siacutelabas)
A inversatildeo feita por Costa e Cunha248 ao explicar a questatildeo dos meacutetodos de
marchas analiacutetica e sinteacutetica eacute um tanto intrigante e carece de estudos apronfundados
ndash que ultrapassam os nossos objetivos desse item ndash para compreender o que teria
levado esse professor a tecer tal discurso classificando os meacutetodos de leitura de
forma diferente da que circulava naquele momento pelo paiacutes e pelo ocidente
(MARCILIO 2016 MACIEL 2002) Indubitavelmente ele enaltece o meacutetodo de
Pinheiro de Aguiar o define como silaacutebico acrescido de figuras e historietas
destacando tambeacutem que era um ldquomeio termordquo entre o analiacutetico e o sinteacutetico
Retomando os procedimentos para aplicaccedilatildeo do meacutetodo Bacadafaacute logo apoacutes
a primeira carta em que o aprendente fez as combinaccedilotildees silaacutebicas formadas pela
estrutura de consoante + vogal Pinheiro de Aguiar (1871 1877) orienta o professor
Para que os meninos conheccedilam as syllabas taes como bla bra cla cra affecta-se que o indio diz ba e a iacutendia la e que subtrahindo a vogal do som expresso pelo indio fica soacute o semi-som do b que cahindo sobre a syllaba pronunciada pela india liga-se formando b-la e depois mais depressa bla e assim por diante se formatildeo as syllabas ndash b-ra mais depressa bra c-ra mais depressa cra pronunciadas pela india e em seguida se faraacute o mesmo com os sons das seguintes vogaes ndash e i o u ex ble cri dro fra etc Conveacutem guardar para as ultimas explicaccedilotildees as semelhanccedilas de certos sons como ccedila e sa xa e cha etc os diversos sons do c x ch as consonancias acessorias do nosso alfabeto lh e nh usando ainda de um artifiacutecio para obrigar o alumno a distinguir os sons gue je e que lembrando-lhe os nomes de certas fructas de que se alimentatildeo aquelles indios e que em sua lingua se chamatildeo ndash quejeque e com a vogal i guigiqui (PINHEIRO DE AGUIAR 1871 sp grifos do autor)
248 Essa mesma inversatildeo consta no parecer sobre a explicaccedilatildeo do meacutetodo Bacadafaacute emitido por Costa e Cunha ao governo imperial em 14 de dezembro de 1871 conforme atesta a documentaccedilatildeo do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro inventariada por Teixeira (2008)
245
O fragmento ilustra o princiacutepio da segunda parte do meacutetodo que se apoiava no
uso de cartas de leituras subsequentes agrave Carta dos Iacutendios (figura 14) sendo
intituladas pelo autor de Quadro Synoptico do Methodo de Leitura Abreviada e Carta
de nomes
Figura 15 Quadro synoptico do methodo de leitura abreviada (1871)
Fonte Acervo pessoal da pesquisadora Giselle Baptista Teixeira
Pinheiro de Aguiar (1871) acrescenta que os exerciacutecios da segunda carta
(figura 15) se bem desenvolvidos juntamente com a terceira carta (figura 16) datildeo
resultados em poucas liccedilotildees O autor explica que
A 2ordf carta ou quadro synoptico consta de cinco columnas no alto de cada qual se acha uma das cinco vogaes As consoantes escriptas em sentido horisontal ligadas agrave vogal de cima formatildeo na 1ordf columna os nomes dos indios e nas outras columnas as outras syllabas com e i o u Mais abaixo no sentido horisontal ainda se encontram as syllabas bla ble etc depois as syllabas bra bre etc Em seguida al el etc am na ar as etc ateacute as mais difiacuteceis emfim todas as que formatildeo os vocabulos da nossa opulenta lingua (PINHEIRO DE AGUIAR 1871 s p grifos do autor)
246
Dessa maneira a terceira carta que apresentava 133 palavras foi pensada
pelo autor para aplicaccedilatildeo dos exerciacutecios da segunda carta
Figura 16 Carta de nomes do Meacutetodo Bacadafaacute
Fonte Acervo pessoal da pesquisadora Giselle Baptista Teixeira
Ao observamos a informaccedilatildeo constante no rodapeacute dessa carta de que a
impressatildeo ocorreu na Tipografia de Paula Brito em 1860 consideramos que as
primeiras ediccedilotildees do meacutetodo Bacadafaacute circularam jaacute nos anos 60 sendo inicialmente
restritas ao coleacutegio mantido por Pinheiro de Aguiar onde se praticava o meacutetodo
Bacadafaacute e depois vendidas aos pais que se interessassem por conhecer a proposta
para ensinar aos filhos (JORNAL DO COMMERCIO 23 de dezembro de 1867 p 2)
No proacutelogo da ediccedilatildeo do Bacadafaacute de 1877 o autor menciona que a proposta
surgiu em 1858 tendo ele em 7 de novembro desse ano numa exposiccedilatildeo puacuteblica em
Satildeo Cristovatildeo apresentado os resultados de vinte liccedilotildees de meacutetodo aplicadas com
crianccedilas analfabetas Nesse texto o autor ainda explicita que fez nove exposiccedilotildees
puacuteblicas nas quais natildeo houve contestaccedilatildeo por isso demonstrava que o impresso
seria profiacutecuo natildeo apenas para uma escola e sim para o paiacutes249 Esse argumento
249 No Jornal Correio Mercantil na ediccedilatildeo de 27 de setembro de 1859 haacute uma nota sob o tiacutetutlo ldquoAttenccedilatildeordquo assinada por Antonio Pinheiro de Aguiar alegando que ele fez uma exposiccedilatildeo puacuteblica no dia 05 de dezembro de 1858 em que demonstrou a possibilidade de alfabetizar um menino em 20 dias Noticia que abriria um curso primaacuterio gratuito oferecendo-
247
pode inclusive justificar a supressatildeo na capa da ediccedilatildeo de 1877 das informaccedilotildees
constantes abaixo do tiacutetulo do impresso de 1871 sobre a adoccedilatildeo do meacutetodo na escola
puacuteblica da freguesia de SantrsquoAnna
Na deacutecada de 1870 ao que tudo indica expandiu-se a comercializaccedilatildeo do
meacutetodo Bacadafaacute em virtude do Parecer do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica da Corte
que destacava que na proposta de Pinheiro de Aguiar havia vantagens sendo digna
de estudos e testagens devido tambeacutem agraves cores e siacutembolos nacionais que eram
usados (A INTRUCCcedilAtildeO PUBLICA 14 de julho de 1872 p 109-110)
O meacutetodo entretanto natildeo foi aprovado em primeira instacircncia pelo Conselho
Nos anos de 1860 Pinheiro de Aguiar percorreu um aacuterduo caminho em defesa da sua
aprovaccedilatildeo e difusatildeo Em 1861 haacute registros que o meacutetodo foi rejeitado pelo Ministeacuterio
do Impeacuterio (CORREIO MERCANTIL 26 de maio de 1861 p 2) Por isso o autor
recorreu no mesmo ano agrave Cacircmara de Instruccedilatildeo Puacuteblica na Assembleia Geral
Legislativa solicitando a permissatildeo para colocar o meacutetodo Bacadafaacute em praacutetica aleacutem
de pedir uma subvenccedilatildeo para auxiliaacute-lo (CORREIO MERCANTIL 16 de junho de
1861 p 1) O Jornal do Commercio menciona que em 1862 Pinheiro de Aguiar fez a
doaccedilatildeo de 1000 coleccedilotildees do meacutetodo Bacadafaacute agrave Inspetoria Geral da Instruccedilatildeo
Puacuteblica para que fossem distribuiacutedas nas aulas puacuteblicas da Corte mas como o
material natildeo havia ainda sido aprovado para ampla divulgaccedilatildeo solicitou o estorno dos
donativos para o aproveitamento dos impressos em suas aulas particulares
(PINHEIRO DE AGUIAR JORNAL DO COMMERCIO 22 de janeiro de 1862 p 2)
Em 1863 com a autorizaccedilatildeo do Ministeacuterio do Impeacuterio o meacutetodo pocircde ser praticado
mas com a ressalva de que era apenas sob a tutela do autor (JORNAL DO
COMMERCIO 29 de agosto de 1863 p 3) Entretanto o que Pinheiro de Aguiar
pretendia era que seu meacutetodo se expandisse pelas escolas primaacuterias do territoacuterio
carioca e pelo paiacutes
Schueler (2005) revela que em 1871 Pinheiro de Aguiar requereu agrave Inspetoria
de Instruccedilatildeo Puacuteblica o reconhecimento do seu meacutetodo apresentando provas que
atestavam a sua eficaacutecia No perioacutedico A Instrucccedilatildeo Publica haacute a transcriccedilatildeo do
parecer emitido em 1871 por uma comissatildeo instalada sob ordem do Imperador para
averiguar a utilidade do meacutetodo Bacadafaacute Na conclusatildeo do parecer ficou expresso
o tambeacutem aos pais e pessoas interessadas (PINHEIRO DE AGUIAR CORREIO MERCANTIL 27 de setembro de 1859 p 2)
248
que embora identificassem nele vaacuterias vantagens em relaccedilatildeo aos meacutetodos antigos
de ensino de leitura que circulavam pelas escolas acreditaram ser prudente natildeo
estendecirc-lo autorizando apenas que Pinheiro de Aguiar regesse uma cadeira
utilizando a sua proposta Reiteraram tambeacutem a necessidade de os professores serem
formados para aplicaccedilatildeo do sistema da aprendizagem de leitura abreviada devendo
o autor abrir espaccedilo para os professores que quisessem conhecer o meacutetodo e a
Inspetoria Geral de Instruccedilatildeo Puacuteblica igualmente designar Adjuntos para aprenderem
(A INSTRUCCcedilAtildeO PUBLICA 14 de julho de 1872 p 109-110)
Nas deacutecadas de 1860 e 1870 os jornais Correio Mercantil e Jornal do
Commercio ndash publicaccedilotildees cariocas ndash que passaram a propagandear a venda dos
impressos de Pinheiro de Aguiar mencionavam que estavam agrave venda ldquoas cartas e as
tabuadas do sistema de leitura abreviadardquo o que pode indicar que a primeira segunda
e terceira cartas propostas pelo autor bem como o quadro de tabuada poderiam ser
comprados avulsos
Esses impressos que compunham o meacutetodo Bacadafaacute circularam nas escolas
de primeiras letras goianas conforme atesta o ofiacutecio remetido pelo Presidente de
Goiaacutes Antero Ciacutecero de Assis ao Inspetor Geral da Instruccedilatildeo Puacuteblica da proviacutencia
em 1872
Nordm 24 17 de janeiro de 1872 1ordf Secccedilatildeo = Ilmo Sentilder = Remetto a v S a fim de mandal-os distribuir pelas escolas de instrucccedilatildeo primaria desta Provincia quinheiros e um exemplares de Cartas para o exercicio da leitura rapida quatrocentros e noventa e nove ditos do methodo de leitura quatrocentos e noventa e sete dos do Quadro synoptico do methodo de leitura abreviada noventa e seis das explicaccedilotildees do methodo Bacadafa e noventa e cinco ditos de taboada do mesmo methodo recommendando aos Professores o estudo do systema e aplicaccedilatildeo com ensaio a alguns dos alunos para [ilegiacutevel] conta dos resultados adquiridos para os fins convenientes convindo que tal distribuiccedilatildeo seja feita de preferencia para aacutequelles lugares em que se poacutede tirar vantagem = Deos Guarde a VS = Antero Cicero de Assis = Sentilder Conego Inspector Geral da Instrucccedilatildeo Publica (ASSIS 17 de janeiro de 1872 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 529)
A questatildeo do meacutetodo Bacadafaacute em Goiaacutes foi referida por Arauacutejo e Silva (1975)
a qual alertou que ele natildeo foi bem aceito na proviacutencia visto que se afastava do ldquoniacutevel
cultural do professorado primaacuteriordquo goiano (ARAUacuteJO E SILVA 1975 p 142) Valdez
(2011) tambeacutem menciona que houve solicitaccedilotildees na deacutecada de 1870 da ldquoCarta do
methodo de leitura abreviada das explicaccediloes do methodo Bacadafaacuterdquo Ademais nas
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fontes consultadas natildeo encontramos outros registros que demonstrassem a
circulaccedilatildeo desse meacutetodo e do impresso de seu autor pela proviacutencia
Retomando o ofiacutecio do Presidente Assis acima transcrito haacute a citaccedilatildeo de cartas
e quadros que compunham o sistema de leitura raacutepida pelo meacutetodo abreviado
denominado Bacadafaacute Todos os impressos mencionados satildeo obras de Antonio
Pinheiro de Aguiar Pela recomendaccedilatildeo do ofiacutecio os materiais seriam distribuiacutedos em
locais que tivessem condiccedilotildees para tirar vantagens do meacutetodo ou seja salas de aula
providas de materiais e de professores o que limitava consideravelmente as escolas
restringindo-as agraves proacuteximas da Capital Cotejando a fonte anterior com os dados
apresentados nas pesquisas de Assunccedilatildeo (2009) Amacircncio (2000) Amacircncio e
Cardoso (2006) eacute possiacutevel supor que as obras de Pinheiro de Aguiar distribuiacutedas pelo
governo goiano foram doadas pelo autor principalmente pela coincidecircncia das datas
e tiacutetulos das obras
Aleacutem disso haacute indiacutecios de que a proposta do meacutetodo Bacadafaacute circulou pelas
escolas goianas especialmente porque na proviacutencia houve iniciativas de divulgaccedilatildeo
da revista A Instrucccedilatildeo Puacuteblica que propagandeou esse meacutetodo publicando suas
vantagens em textos assinados sobretudo por Antonio Estevam Costa e Cunha250
Dois ofiacutecios datados de 1872 colaboram para entendermos essa questatildeo
Nordm 206 16 de 9brordm de 1872 1ordf Secccedilatildeo = Ilmo Sentilder = Remetto a V S por copia inclusa o Avizo Circular do Ministerio do Imperio nordm 4307 de 30 de setembro do corrente anno recommendando que se promova nesta Provincia a assinatura da folha hebdommandaria intitulada ndash A Instrucccedilatildeo Publica que se publica na Cocircrte im a qual satildeo apresentados ideas aacute respeito dos melhores methodos do ensino primario e outros assumptos correlativos cuja propagaccedilatildeo muito convem = Espero que V S empregaraacute seus esforccedilos no sentido de ser satisfeita a recommedanccedilatildeo constante do citado Avizo = Deos Guarde a V S = Antero Cicero Assis = Sentilder Conego Inspector Geral da Instrucccedilatildeo Publica (ASSIS 16 de novembro de 1872 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 529)
Em 21 de 9bro de 1872 Circular aos Inspectores Parochiaes da Prova
I G da I P da P em 21 de Novbro de 1872 Ilmo Sr ndash Tendo V Exordf o Sr Preside da Prova por offordm nordm 206 de 16 do corre remettido aacute esta Inspectoria o Aviso Circular do Ministerio do Impo nordm 4307 de 30 de 7brordm ultimo expondo a convenniencia de propagar as ideias ~q na folha hebdomadaria intitulada ldquoA Instruccedilatildeo Publicardquo e publicada na Cocircrte satildeo apresentadas sobre os melhores methodos do ensino
250 Sobre isso cf Lima (2008) e Schueler (2005)
250
primario e outros assumptos correlativos e recommendando q~ se promova nesta provordf a assinatura da dordf folha especialmente pelos professores publicos e de mais pessocircas ~q se dedicaotilde ao magisteacuterio e se interessaotilde pelo progresso da instrucccedilatildeo popular espera ~q V S empregaraacute seus esforccedilos no sentudo de ser satisfeita a recomendaccedilatildeo constante da citado Aviso Ds ge aacute vS ndash Ilmo Srntilde Inspor Parochl da Frega de SantrsquoAnna desta Cidade o Cocircnego Jm Vice Azevedo Inspetor Geral da Instrucccedilatildeo Publica Identica aos demais Inspectores Parochiais da Prova inclusive a do Rosario da Capital (AZEVEDO 21 de novembro de 1872 AHEG Documentaccedilatildeo Manuscrita Datilografada e Impressa nordm 402)
Como se lecirc no primeiro ofiacutecio o Presidente Assis se dirige ao Inspetor Geral de
Instruccedilatildeo Puacuteblica e recomenda atendendo a uma circular do Ministeacuterio do Imperio a
assinatura do perioacutedico A Instrucccedilatildeo Publica uma publicaccedilatildeo da Corte
Posteriormente o Inspetor Geral Joaquim Vicente de Azevedo encaminha aos
Inspetores Paroquiais a recomendaccedilatildeo de promover a assinatura desse impresso
pedagoacutegico entre os professores e pessoas interessadas pelo magisteacuterio sob a
justificativa de que ele apresentava explicaccedilatildeo dos melhores meacutetodos de ensino
A Instrucccedilatildeo Publica Publicaccedilatildeo Hebdomadaria teve seu primeiro nuacutemero
publicado em 13 de abril de 1872 sendo fundada e dirigida por Joseacute Carlos Alambary
Luz que atuou como Diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro (SCHUELER 2005a
VILLELA 2002) Esse perioacutedico circulou segundo Lima (2008) em duas fases a
primeira entre 1872 e 1875 e a segunda de 1887 a 1888 Consultando as suas
ediccedilotildees disponiacuteveis no Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Brasil
notamos que os meacutetodos de ensino foram um tema frequentemente retomado pelos
redatores
A pesquisa de Lima (2018) ao tratar sobre a primeira fase desse perioacutedico
nota que ele veiculou com mais veemecircncia trecircs meacutetodos de ensino de leitura
indicando-os para as escolas primaacuterias o Meacutetodo Bacadafaacute o Meacutetodo de Leitura de
Michel Charbonneau e o Meacutetodo Portuguez Castilho A autora destaca que o
Bacadafaacute foi o primeiro a ser divulgado com a publicaccedilatildeo de artigos que explicaram
o meacutetodo e seus benefiacutecios na instruccedilatildeo de crianccedilas e adultos analfabetos
Se de fato os professores goianos tiveram acesso agraves publicaccedilotildees das ediccedilotildees
de A Instrucccedilatildeo Publica eles puderam acompanhar um discurso em defesa do meacutetodo
Bacadafaacute e sua brasilidade Nesse ponto Schueler (2004) demonstra que o ldquomeacutetodo
tinha a intenccedilatildeo de tambeacutem ensinar as primeiras noccedilotildees de histoacuteria e geografia
paacutetrias contribuindo dessa maneira para a formaccedilatildeo de sentimentos e ideias de