Júlio Bressane [=] Não me enterrem vivo
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No me enterrem vivoNo me enterrem vivoNo me enterrem vivoNo me enterrem vivo
JJLLIIOO
BBRREESSSSAANNEE
Entrevista a Arnaldo BlochEntrevista a Arnaldo BlochEntrevista a Arnaldo BlochEntrevista a Arnaldo Bloch
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Em Lisboa para mais uma retrospectiva europeia de sua obra, o
cineasta Julio Bressane diz que no Brasil ignorado pelos editais de
financiamento de filmes, as esquerdas e a imprensa o boicotam h 40
anos e a opinio pblica de hoje herdeira do fascismo.
Como ser um dito cineasta marginal no sculo XXI?
Hoje a expresso marginal goza at de certo prestgio. Mas foi
uma inveno espria no mbito de um certo esquerdismo que no
perdoava qualquer esprito de vanguarda que no rezasse pela
cartilha, como o meu. No era um bloco monoltico. Afinal, Cinema
Novo, em termos de filmes, no queria dizer nada. sempre assim: no
fim, colocam um rtulo para facilitar a insero no mercado.
Como a bossa nova...
Ou como a Nouvelle Vague. Truffaut, quando indagado sobre o
movimento, disse que eram uns contra os outros. Mas o fato que a
coisa do marginal, para esse grupo, significava a abjeo suprema,
o antissocial. E essas pessoas criaram a Embrafilme, tomaram conta
das fontes de financiamento e continuam no poder at hoje. Assim o
guich da Embrafilme ficou vedado a uma meia dzia de desajustados,
entre os quais gente como eu e o Sganzerla. Por isso precisei inventar
uma maneira de se fazer filmes sem dinheiro, para sobreviver.
Mas como seus filmes so financiados?
Em geral, como qualquer filme: atravs do dinheiro pblico.
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Mas com oramentos pfios, que variam de R$ 200 mil a R$ 500 mil.
Porm, um dos meus projetos recentes no qual eu mais apostava, O
beduno, vem sendo barrado h dois anos. Nos trs editais de que
participei, solicitando R$ 600 mil para produzir todo o filme, as
comisses julgadoras concederam seu aval para 65 longas-metragens
e eu fiquei de fora!
O que aconteceu?
Alm das razes que citei antes, h esta mentalidade de que
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filme de pblico ou filme de mercado tm preferncia. Ora, isso
no existe. Com raras excees, no h filme que d lucro. A cada 50
filmes americanos, um se paga. Se considerar o custo do filme, o
pblico no paga nem a cpia. O dinheiro vem nica e exclusivamente
das fontes, privadas ou oficiais, de financiamento. So elas que pagam
as equipes, os diretores, os atores. Os filmes brasileiros, ento... Com
exceo de um ou dois, tudo deficitrio.
Dos seus filmes, qual deu mais pblico at hoje?
Nenhum deu mais pblico, j que nenhum deu pblico
algum... Mas mesmo que nem eu v, eles nunca do prejuzo em
comparao com esses colossos de custos astronmicos. Filmes que
custam R$ 200 mil j esto no lucro s de irem tela. O mais recente,
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A erva do rato, ficou nove semanas em cartaz numa sala. H
grandes produes que ficam o mesmo tempo e produzem grandes
rombos. Outra limitao a imprensa. Venho sendo vtima de um
trabalho prolongado de censura a mim e a meus filmes. Quando fiz
Clepatra, a maneira com que o filme foi tratado foi de uma
brutalidade e vulgaridade sem par. uma mentalidade genocidria. O
que no quero que me enterrem vivo, isso que no pode. Essas
coisas representam uma espcie de veto sua vida. Feito por gente
com sensibilidade de barata. Esquecem que h gente sensvel. s vezes
o que para uma pessoa uma coisa natural pode levar outra morte.
Conheo em cinema pelo menos trs casos.
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Bom, mas voc no h de ser um desses, certo?
No sei. A tentativa de me matar tem sido feita
sistematicamente. Veja minha trajetria de filmes e o que tive eu de
acesso e possibilidades de produo e de fazer filmes. Voc vetado,
boicotado, silenciado, por foras poderosas. Um adversrio de
tamanha potncia econmica como eu! (Risos.) So mentalidades muito
antigas que nada mudaram, naquelas mesmas cerebraes do que
havia de pior entre ns, essa praga esquerdista. E esto todos, sem
exceo, em adeso total, indiscutvel, quilo contra o que procuraram
lutar. Ou seja, na realidade, sempre quiseram, mas jamais estiveram
em luta contra nada.
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Por outro lado voc est a, em Lisboa, sendo homenageado...
Sim. Acabo de voltar da abertura do Festival de Lisboa.
Amanh (sexta-feira) comea a minha retrospectiva. So 18 filmes, um
catlogo de primeira. Esta , alis, a dcima-primeira que esto
fazendo dos meus filmes no exterior. E estou filmando Fernando
Pessoa, um filme que d conta do grande xadrez ficcional, cubista,
deste que representou, na lngua portuguesa, o que todos os
movimentos de ruptura representaram no pr e ps-Primeira Guerra.
Vou mostrar tambm em alguns festivais da Europa meu ltimo longa,
Rua Aperana 52, co-produo com o Canal Brasil graas ao Zelito
Vianna. Meus filmes passam no mundo inteiro. Tenho sido visto por
olhos diferentes. A questo essa, no de apenas ficar precisando
desse ou daquele elogio, mas de no ser assassinado em meu pas.
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E do que voc vive?
Normalmente, no de meus filmes. Tenho algum dinheiro
herdado de meus pais, pouca coisa. Uso para comprar livros. Porm,
mais recentemente vendi 25 filmes para a Rai (Radioteleviso Italiana)
por 9 mil cada. E, apesar de extremamente caseiro, vou ficar oito
meses circulando por festivais na Itlia e gravando apresentaes de
meus filmes para a TV. Acho que a primeira vez que h uma compra
desse porte, em termos de nmero de filmes, de um cineasta brasileiro.
Como voc avalia o cinema hoje feito no Brasil e no mundo?
O cinema, esse que foi feito e pelo qual me empenhei, tenho
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impresso de que desapareceu. No h mais o esprito, a formao do
cineasta. O cinema um transe, um organismo intelectual que
atravessa as artes e as cincias. Um transe catico, qumico, que
desenvolve tudo. Um radical instrumento de autotransformao. Mas,
de uma maneira geral, 90% a 95% dos filmes de qualquer
nacionalidade, hoje, so pastiches da vulgaridade, num contexto
desequipado de tudo. Fao o meu de acordo com a minha conscincia.
Mas sei que prevalece o triunfo acrtico do homem medocre. Uma
espcie de desapario do humano no corao da sociedade. A
indiferena feita mercadoria. H um contnuo processo de
mediocrizao da criao e de satisfao do homem medocre.
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Mas o que voc chama de homem medocre no o homem comum, que sempre prevaleceu?
Sim, sim, sei que o homem medocre o destino da
Humanidade. O homem arrastado para a mediocridade. Mas,
normalmente, o que contraria esse destino justamente o esforo e o
contra-apelo da arte. A coisa grotesca voc fazer isso que se faz
como entretenimento, o chamado filme de pblico, e achar que
alguma coisa semelhante arte. No Brasil isso completamente
evidente. O triunfo do homem medocre sem pudor. uma exibio
de currioladas, cegueira de reinos, de poderes, do gesto aclamativo do
tirano substitudo por uma tirania sem rosto. Um facismo de verdade
que se agarra aos valores, s almas, aos gestos, s linguagens, a todo
o corpo. Esse fascismo hoje tem um nome: opinio pblica. So esses
os controladores. o que manda hoje. O garom esteta. O lanterninha
de cinema que vira diretor. Toda uma inveno e falta de propriedade
e preparo que representa esse mundo que est ali. Isso nada tem a ver
com ideologia da poltica. Tem a ver com cada indivduo. cada uma
das pessoas. No uma malta de bandalhos. Cada uma faz a sua
coisa.
http://oglobo.globo.com/blogs/arnaldo/posts/2011/05/07/