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Julio Cesar de Sá da Rocha

Salvador Bahia 2007

Direito, Democracia e Meio Ambiente:Mediação de interesses pela ação estatal

Série Textos Água e Ambiente, 1

Julio Cesar de Sá da Rocha

Doutor em Direito Ambiental pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo. Mestre em Direito Ambiental pela PontifíciaUniversidade Católi ca de São Paulo. Especialista em DireitoAdministrativo pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel emDireito pela UFBA. Professor Visitante do Mestrado em MeioAmbiente e Desenvolvimento Regional da Universidade Estadualde Santa Cruz (UESC), do Mestrado em Engenharia Ambiental eem Modelagem das Ciências da Terra pela Universidade Estadualde Feira de Santana (UEFS). Professor do Curso de Direito da UEFS.Pesquisador Visitante da Tulane University (EUA) e Universidadede Coimbra (Portugal). Professor da Escola Superior de Advocacia(ESAD) e da Escola de Magistrados da Bahia (EMAB). Diretor-Geralda Superintendência de Recursos Hídricos do Estado da Bahia(SRH). Membro do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, doConselho Estadual de Recursos Hídricos e do Fórum Bai ano deMudanças Climáticas e Biodiversidade. Foi Superintendente doIBAMA/BA 2003/2007.

GovernadorJaques Wagner

Secretária da Casa CivilEva Maria Chiavon

Assessor Geral de Comunicação SocialRobinson Almeida

Secretário de Meio Ambiente e Recursos HídricosJuliano Matos

Diretor-Geral da Superintendência de Recursos HídricosJulio Cesar de Sá da Rocha

Diretor-AdjuntoVitor Luis Curvelo Sarno

Diretora de EngenhariaElizabeth Barbalho

Diretor de RegulaçãoLuiz Henrique Pinheiro

Diretor de Ação RegionalLeib Carteado Crescêncio dos Santos

Diretor de Administr ação e FinançasSóstenes Florentino da Silva

Assessoria de ComunicaçãoLetícia Belém e Cláudia Oliveira

Projeto editorial e capaMárcia Menês es

D597. Direito, democracia e meio ambiente: mediação de interes ses

pela ação estatal/ Julio Cesar de Sá da Rocha. Salvador:

Superintendência de Recursos Hídricos ; 2007.

40p. (Série Textos Água e Ambiente, 1)

1. Direito Ambiental. 2. Gestão Ambiental. I. Rocha,

Julio Cesar de Sá da. II. T.

CDU 349.6

À luta dos ambientalistas, dos povos da floresta, dos caatin-gueiros, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos povos indígenas,das mulheres marisqueiras às quebradeiras de coco babaçu.

Ao IBAMA, o maior órgão ambiental brasileiro.Aos demais órgãos de meio ambiente e de gestão das águas.

Apresentação

Direito, democracia e meio ambiente analisa a

temática ambiental tomando como referência reflexões sobre o

papel das normas, a atuação estatal e os processos decisórios na

resolução de conflitos sócio-ambientai s. Esta publicação,

originariamente esc rita como requisito para apr ovação em

concurso público de professor titular de direito ambiental pelaUniversidade Estadual de Feira de Santana, trata dos princípiosdo direito apli cados ao meio ambiente e das experiênciasparticipativas de atuação em instâncias distintas da democracianos seus moldes clássicos, como a audiência pública.

De fato, a crise ambiental e a perda da qualidade de vida têmdeterminado ponderações sobre a função do poder público, quercomo limitador de direitos, ou, por outro lado, como garantidordo acesso aos bens ambientais. No meio dos extremos, a media-ção de interes ses plurais pode ser configurada como opção pre-ferencial da ação estatal. Não há dúvida de que o reconhecimen-to da diversidade da sociedade implica na formação de agentespúblicos para a tarefa de diálogo com distintos segmentos, procu-rando encontrar soluções possíveis em face de posiçõesconflituosas. Enfim, Direito, democracia e meio ambiente pre-tende provocar os atores ambientais na bus ca de consensos pos-síveis na construção de pautas verdadeiramente sustentáveis parao cotidiano.

Salvador, junho de 2007.

Julio Cesar de Sá da Rocha

Estamos vivendo um momento ímpar na história dahumanidade. Os avanços do conhecimento e da tecnologiapossibilitaram um crescimento explosivo e insustentável, atingindohoje uma coexistência de mais de 6 bilhões de pessoas na Terra,apesar das gigantescas diferenças sociais e de demanda energética.O planeta é limitado e evidentemente os recursos naturais tambémo são. A humanidade terá que encontrar a solução para "verdadesinconvenientes". Por um lado, não se pode negar a condição deigualdade entre os seres humanos e, portanto o direito de acessoaos benefícios do progresso, inclusive aos serviços de energia,energia elétrica e transporte. Por outro lado, o planeta já demonstraprofundas marcas do esgotamento que comprometem asobrevivência de milhões de pessoas. Desta forma, é imperativa eurgente a racionalização energética, tanto na geração quanto no seuuso. Cada um e todos os seres humanos, bem como s uasorganizações e empresas, têm o compromisso de pensar e fazer asua parte. O Compromisso da Termobahia/Petrobras é disponibilizareficientemente energia para o desenvolvimento da Bahia comracionalidade e responsabilidade social. Por isso, a Termobahiaapóia a iniciativa da Superintendência de Recursos Hídricos emeditar a Série Textos Água e Ambiente.

Jair GomesPresidente da Termobahia

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Índice

13_1. Introdução: ecologização do direito

15_2. Cenários de impacto e proteção ambiental15_2.1 Impactos ambientais, intervenção estatal e

surgimento do direito ambiental20_2.2 Dos modelos estatais e da democracia ambiental21_ 2.3 Dos princípios do direito aplicados ao meio ambiente

2.3.1. Da noção dos princípios2.3.2 Dos princípios jurídicos aplicados ao meio ambiente2.3.3 Princípio da prevenção2.3.4 Princípio da precaução2.3.5 Princípio do desenvolvimento sustentável2.3.6 Princípio do poluidor-pagador

2.3.7 Princípio da participação

30_3. Princípio da participação: eficácia e dilemas30_3.1 Formas de participação e proteção ambiental31_ 3.2 Dilemas da participação e gestão administrativa:

conselho se audiência públi ca33_3.3 Gestão administrativa, participação e

licenciamento ambiental

35_Considerações finais

36_Referência

39_Anexo - Abreviaturas utilizadas

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1. Introdução:ecologização do direitoNos últimos trinta anos tem-se verifi cado um

aumento gradual das preocupações ambientais no campo do

direito. Observa-se um pr ocesso de esver dear da legislação,

ecologização do direito, s endo editadas normas nos mais

diferentes níveis que tratam da proteção ao meio ambiente como

um todo, das águas, das flores tas, das unidades de c onservação,

da educação ambiental, do gerenciamento costeiro, da engenhariagenética, dos agrotóxicos, dos crimes ambientai s e infraçõesadministr ativas, dos instr umentos proc essuais de defesaambiental, da cidade etc.

Por sua vez, toma corpo a consagração de princípios jurídicosque orientam a formulação de políticas e as sumem uma naturezanormogenética1. Por terem grau de abstração relativamente ele-vado, diferentemente das regras, a utilidade dos princípios resi-de em serem padrão que permite aferir a validade das leis, auxili-ar da interpretação de outras normas e na sua capacidade deintegração das lacunas2. Mais do que isso, os princípios são nor-mas com papel fundamental no ordenamento jurídico devido àsua posição hierárquica no sistema das fontes ou à sua importân-cia estruturante no sistema jurídico3.

De outra forma, por conta da consolidação das normasambientais, da doutrina e das decisões judiciais, determinadosprincípios aplicados à política de meio ambiente encontram in-discutível consenso global, com reconhecimento na maior partedas nações, como o princípio da prevenção, o princípio da pre-caução, o princípio do desenvolvimento sustentável, o princípiodo poluidor-pagador e o princípio da participação.

Oferecendo maior relevo aos processos participativos, impor-tante registrar que a questão democrática se insere como um dostemas centrais na implementação de políticas públicas do meioambiente. Evidentemente que a participação pode dar-se de ma-neira individual (e.g., direito se solicitar informação, representar,exercer o direito de petição) e de maneira coletiva (grupos de in-teresse, organizações ambientais, centros de pesquisa).

1 Característica normogenética, ou seja, podem dar origem às leis2 CANOTILHO, J. J. Gomes. Introdução ao direito do ambiente, p. 4 33 Idem, Direito constitucional e teoria da constituição, p.1034 12

_13

Nesse sentido, o acesso à informação constitui instrumento in-dispensável para a comunidade intervir nas demandas ambientais,exigindo a configuração de uma gestão transparente, fomentando aparticipação informada em matérias de qualidade de vida. Porexemplo, se tem entendido que o fornecimento contínuo de dados(os meios podem ser impressos, cd, internet, rádio, televisão, cen-tros de informação etc.) pode facilitar a fiscalização, o controle e aexecução das ações que afetam as comunidades.

Além disso, apesar de não se poder negar que inexistem garan-tias de uniformidade de aplicação, nem esclarecimentos formais eexpressos do sentido que se atribui aos princípios, procurar-se-áobservar a eficácia do princípio democrático, compreendendo comoos diversos grupos sociais existentes na comunidade intervêm nãosomente delegando poderes, mas também com um papel ativo nastomadas de decisão relevantes para o ambiente4.

Evidentemente que a sociedade não pode querer assumir res-ponsabilidades que são próprias do poder público, mas exerceruma função política de controle sobre o aparato estatal5. De outraforma, não se pode também deixar de se reconhecer que existeum déficit democrático na formulação das políticas ambientai sem contraposição a um superávit técnico no processo decisórioambiental, salientado pela atuação técnica (dos peritos) na com-plexidade das demandas ambientais6. Nesses termos, a partici-pação parece ser cada vez mais simbólica talvez ritual.

Necessário registrar que autores nacionais e estrangeiros têmse dedicado à temáti ca, como Boaventura de Sousa Santos,Elenaldo Teixeira, Friedrich Muller, Roberto Alexy, apontando mar-cos teóricos que oferecem caminhos para a reflexão sobre a apli-cação do princípio diante da realidade. À medida que as concep-ções foram delineadas percebe-se que a democracia assume umlugar central no campo político da atualidade, contudo não existesomente o modelo hegemônico da democracia representativa clás-sica 7, apontando-se a perspectiva de construção de experiênciasde democracia participativa que recolocam na pauta as questõesda pluralidade cultural e da inclusão social8, com reconhecimen-to de reivindicações de identidade e de acesso a direitos.

4 Idem, op. cit., p. 555 Sobre o tema: TEIXEIRA, Elenaldo. O local e o global: limites e desafios daparticipação cidadã6 Sobre o tema: FISCHER, Frank. Citizens, experts, and the environment7 GENRO, Tarso. Crise da democracia. O autor toma a noção de democracia derepresentação, ou democracia clássica como “os regimes nos quais os governossão produto da soberania popular, aferida em eleições periódicas com liberdadepolítica“, pp.138 SANTOS, Boaventura de Sousa & AVRITZER, Leonardo. Introdução: para ampliar ocânone democrático, passim.

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2. Cenários de impacto eproteção ambiental2.1 Impactos ambientais,intervenção estatal e surgimentodo direito ambientalA história humana tem sido marcada pela utilização

dos recursos naturais e intervenção do ser humano no mundo

natural. Contudo, durante milhares de anos a ação antrópica causou,

essencialmente, efeitos em escala local, mantendo a capacidade

auto-regeneração dos recursos naturais renováveis. Pode-se afirmar

que os principais problemas ambientais (e.g. catástrofes naturais)

com que as comunidades se defrontavam, revelavam um temorrever encial profundo pelas manifestações da natur eza.

Nesse sentido, o ser humano somente gradualmente foi conse-guindo aplacar e dominar o ambiente. Contudo, após a emergênciada industrialização, da produção em massa, e das modificaçõestecnológicas, foram produzidos impactos ambientais com capaci-dade para interferir seriamente na vida planetária, verificando-seum crescimento vertiginoso da intensidade e ex ploração da natu-reza. Em verdade, a formação da sociedade de consumo intensifi-cou a degradação ambiental, principalmente com a utilização emlarga escala dos bens ambientais e produção de resíduos.

Inicialmente, prevaleceu a liberdade econômica, contendoseletivas restrições ao empreendedor, estimulando-se a apropri-ação da natureza. Contudo, foi no século dezenove, com a intro-dução do vapor e da utilização do carvão em larga es cala que aindustrialização começou a produzir impactos de forma assusta-dora. Após essa fase, os efeitos começaram a ser sentidos com ta-manha intensidade que se fez necessária intervenção contra adegradação ambiental.

Alexandre Kiss obs erva, por exemplo, que o DecretoNapoleônico de 15 de Outubro de 1810, atendeu a esses pressu-postos, s endo aplicável na França, Bélgica e Holanda, no queconcerne a indústrias e locais de trabalho insalubres e perigosos,constituindo instrumento de combate ao perigo, dano e incômo -dos causados pelas instalações industriais, na medida em que seexige a autorização municipal par a criar, operar ou mudar fábri-cas9. A necessidade de licenciamento e de autorização também

9 Idem. Ibidem, p. 10. 14_1

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foi exigida em Luxemburgo (1872) e Alemanha (1869). Outras me-didas associadas à saúde e segurança foram adotadas na Ingla-terra (1863) e Itália (1865 e 1888).

Diante desse cenário sur ge uma normatividade que tratasetorialmente de determ inados recursos ambientais. Sua forma-ção processa-se em fases diferenciadas. O primeiro períodoconsubstancia-se com os primeiros tratados bilaterais de prote-ção de determinados recursos naturais (1867)10 até a criação dasNações Unidas (1945), evidenciando a c ompreensão inicial derelação entre o processo de industrialização e desenvolvimento,bem como, entre a necessidade de lim itação da exploração dosrecursos naturais e a adoção de instrumentos legais apropriadospara a proteção da natureza.

O segundo período surge com a criação das Nações Unidas evai até a realização da Conferência de Estocolmo (1972), onde ins-trumentos legais são adotados11, criando-se organismos interna-cionais com vinculação à matéria ambiental (FAO – Organizaçãodas Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, 1945; OMS –Organização Mundial de Saúde, 1946; AIEA – Agência Internacio-nal de Energia Atômica, 1957; OMM – Organização MeteorológicaMundial, 1951; OMI – Organização Marítima Internacional, 1958;Comissão Internacional sobre a Pes ca da Baleia, 1946).

O terceiro período inicia-se com a Conferência sobre MeioAmbiente Humano, em Estocolmo (1972), estendendo-se até aConferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desen-volvimento, no Rio de Janeiro (1992). Durante esse período, as

10 SANDS, Philippe. Principles of international envi ronmental law, pp. 25-30. Nessesentido, c onstituem os primeiros tratados bilaterais sobre a temática ambiental:Convenção entre França e Grã-Bretanha, proibindo a pesca de ostras emdeterminados períodos (11.11.1867); a C onvenção destinada à conservação dasespécies de animais na África que são úteis ao homem ou inofensivos (19.05.1900);a Convenção concernente à exploração e conservação de pescados na fronteirado Rio Danúbio (15.01.1902); Convenção para proteção de aves (19.03.1902).11 Existem importantes tratados internacionais em matéria ambiental que surgiramnesse estágio: Convenção sobre a Pesca no Atlântico Norte (1959), Tratado Antártico(1959), Convênio sobre a Proteção dos Trabalhadores contra Radiações Ionizantes(1960), Convenção sobre Responsabilidade de Terceiros no Uso da Energia Nuclear(1960), Convenção sobre Novas Qualidades de Plantas (1961), Ac ordo deCooperação em Pesca Marítima (1 962), Convenção de Viena sobreResponsabilidade Civil por Danos Nucleares (1963), Acordo sobre Poluição do RioReno (1963), Tratado P roibindo ensaios nucleares na atmosfera, es paçoultraterrestre (1963), Convenção sobre Conselho Internacional para Exploração doMar (1964), Convenção sobre Conservação do A tum do Atlântico (1966), ConvençãoFitossanitária Africana (1967), Convenção Internacional sobre Res ponsabilidadeCivil por Danos Causados por Poluição por Óleo (196 9), Convênio Relativo àintervenção em Alto Mar em caso de acidentes com Óleo (1969), Convenção Relativaàs Áreas Úmidas de Importância Internacional – RAMSAR (1971), Convênio sobre Proteção contra Riscos deContaminação por Benzeno (1971), Convênio sobre Responsabilidade Civil naEsfera de Transporte Marítimo de Materiais Nucleares (1971).

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Nações Unidas procuram estabelecer sistema de coordenação datemática ambiental de forma global e articulada. Como res ultado,estrutura-se o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambien-te – PNUMA e são aprovados documentos internacionais.

A Conferência de Estocolmo contou com a presença de dele-gados provenientes de 113 Estados e 19 agências intergover-namentais. Com o PNUMA se organiza em Nairóbi (Quênia) o cen-tro do sistema da ONU para o meio ambiente. O órgão tem comoresponsabilidade estimular, coordenar e ainda, facilitar as ativi-dades diretamente relacionadas com o meio ambiente das outrasagências especializadas, como, por exemplo, na atuação da Orga-nização Mundial de Saúde (OMS) em relação aos problemas dapoluição na saúde humana. Nessa oportunidade, importantes dis-cussões foram travadas, incluindo-se a negociação internacionalsobre comércio de espécies em extinção e as convenções regio -nais sobre o mar. A partir de Estocolmo crescem rapidamente osinstrumentos legais inter nacionais concernentes ao meio ambi-ente, sendo preponderante para a consolidação do direito inter-nacional ambiental.

O último período está em proces samento – a partir da C onfe-rência do Rio 92, podendo ser caracterizado por uma fase deintegração mundial, onde se reconhece que a temática ambientalnão tem limitações de fronteiras geográficas, devendo requerersoluções regionais e globais e encaminhamentos, muito por con-ta da concepção de que a biosfera é composta de complexos einterdependentes elementos, não separados por limites político-territoriais. A Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimen-to da ONU, contou com representantes de 179 Estados, incluindo-se 118 Chefes de Estado que participaram da sessão final. Com aConferência do Rio alargaram-se significativamente os temas tra-tados na conferência anterior: ampliaram-se os acordos de polui-ção transfronteiriça para acordos de poluição global, a preserva-ção de determinadas espécies para a conservação de ecossistemase biodiversidade.

Como resultado, delegados concentraram seus esforços nabusca de consensos em torno de temas centrais. Constituem im-portantes marcos a Declaração do Rio sobe o Meio Ambiente eDesenvolvimento, 27 princípios guias para atuação governamen-tal; a Agenda 21 (plano de ação para implementação das metasassumidas). Também foram adotados dois Tratados fundamentais:a Convenção da Biodiversidade e a Convenção do Clima. Final-mente, do ponto de vista estrutural, a Rio 92 aprovou a criação daComissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentá-vel (CDS), com a finalidade de tornar-se fórum permanente para

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encontros e trabalhos nos temas desenvolvidos na Conferência.Mais recentemente aconteceu a Cúpula Rio+10 (Johanesbur-

go), objetivando o acompanhamento das ações previstas na Agen-da 21 e um balanço das questões ambientais globais, com resulta-dos bastante tímidos: clima – Canadá, Rússia e China anunci araminteresse na ratificação do protocolo de Quioto, garantindo a pos-sibilidade de entrada em vigor do acordo; energia – nenhuma metade energias renováveis foi aceita, somente anunciadas parceriascom países pobres da ordem de Us$769 milhões; subsídios agrí-colas – não houve qualquer compromisso para eliminação de sub-sídios dos países ricos; pesca – meta de restaurar estoques pes-queiros a níveis sustentáveis até 2015, onde for possível, e estabe-lecer áreas de proteção marinha até 2012; combate à miséria – re-afirmado compromisso de destinar 0,7% do PIB dos países ricospar ajuda ao desenvolvimento, atualmente o nível está em 0,22%desde 1992; água – meta de cortar pela metade o número de pes-soas sem ac esso a água potável e esgoto até 2015, anunciados pro-jetos e parcerias de US$1,5 bilhão par alcançar esses objetivos;biodiversidade – reduzir perdas de espécies até 2004, sem metaespecífica, e reconhecimento de países pobres precisarão de aju-da financeira e reconhecimento do princípio da repartição debenefícios obtidos com espécies de países pobres, tendo sidocelebrado acordo entre quinze países com mega-diversidade paraassegurar tais benefícios, inclusive pelo Brasil.

Por outro lado, há quem entenda que, apesar da existência denormas de proteção a determinados recursos naturais isolada-mente, desde há muito tempo, como legislações milenares, comoa recomendação imperial de conservação de florestas da dinastiaChow (1122 AC-255AC)12, o direito ambiental somente surge comoconseqüência da ética e do paradigma ambientali sta emergenteno final dos anos 60 e início dos anos 70.

Com meridiana clareza José Luis-Serrano13 pontua que a normapropriamente ambiental somente surge com a consciência da criseecológica, protegendo a relação sistema/entor no. Com efeito, justa-mente nesse período surge uma quantidade considerável de legis-lações de proteção ao meio ambiente, como a Lei de Conservaçãoda Natureza (1964) e a Lei de Proteção do Meio Ambiente da Suécia(1976), a Lei para Controle da Contaminação Ambiental do Japão(1967), a Lei Federal para Prevenção e Controle da ContaminaçãoAmbiental do México (1971), a Lei de Política Ambiental dos Esta-dos Unidos, The United States National Environmental Policy Act(1970), a Lei de Controle da Poluição do Reino Unido, The ControlPollution Act (1974), a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente doBrasil (1981).

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Da mesma forma, nesse contexto, publicam-se livros e artigossobre o temário ecológico, como Primavera Silenciosa (Silent Spring)de Rachel Carson, que aborda a conexão entre o uso indiscriminadodo DDT e outros agrotóxicos e seus efeitos para a natureza e sobre asaúde humana. Destaca-se também a Tragédia dos Comuns (Tragedyof the commons) de Garrett Hardin, que explica, de forma ilustrativa,a problemática da poluição do meio ambiente como resultado dosinteresses imediatos, e.g., a busca do lucro.

Por um lado, organizar am-se órgãos de proteção ambiental,cres cendo significativamente os acordos inter nacionais multila-terais e convenções. Com efeito, estabelec e-se, após essa fase, umparadigma de proteção do meio ambiente de forma mais global,amparado por pr eocupações introduzidas pelos movimentosambientais.

Por sua vez, ocorrem nas décadas de 1970/80, catástrofesambientais de grande porte, como o vazamento de dioxina emusina de Seveso, Itália (1976); der ramamento de óleo no Mar doNorte (1977); vazamento de óleo do A moco-Cadiz na costa daBretanha, França (1978); acidente nuclear de Three Mile Island,Pensilvânia (1978); o choque de petroleiros em Trinidad e Tobago,com derrame de óleo (1979); a contaminação química do Love Ca-nal, Niagara Falls, New York (1980).Posteriormente, somaram-seoutros desastres, como o incidente químico com isoci anato demetil em Bhopal, Índia (1984); o acidente nuclear de Tchernobyl,Ucrânia; a contaminação do Reno com pesticida, no acidente deSandoz, Suíça (1986); e a contaminação do Exxon – Valdez, noAlaska (1989).

Em suma, são robustos os argumentos de configuração danormatividade ambiental na contemporaneidade (período eco-lógico), revelando mudança de paradigma no reconhecimento deum direito motivado pela tutela do equilíbrio ambiental – nãosomente para a biota, mas para o próprio ser humano.

12 MAGALHÃES, Juracy Perez. A evolução do direito ambiental no Brasil, pp. 1-11.13 SERRANO, José-Luis. Concepto, formación y autonomia del derecho ambiental, p. 39

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2.2 Dos modelos estatais e dademocracia ambientalO surgimento de legislação ambiental acompanha

preocupações estatais com a temática do me io ambiente, pois doponto de vista funcional o estado inscreve entre seus fins a tarefade proteção do equilíbrio ecológico e promoção da qualidade devida. Nesse sentido, a questão ecológica vai implicar a assunçãode novas tarefas do poder público.

Assim, existe um pr ocesso de incorporação crescente datemática ambiental no âmbito estatal. Nesse sentido, sustenta-sea constituição de um Estado do ambiente (Umwelstaat). Como re-sultado, J. J. Gomes Canotilho aponta suas diferentes categorias:Estado de di reito do ambiente, Estado de justiça do ambiente eEstado democ rático do ambiente14.

O direito deve conformar juridicamente o Estado ambiental,construindo -se com a tarefa de tutela do meio ambiente e comfundamento nos princípios e r egras ambientais. Por sua vez, o Es-tado ambientalmente dirigido deve bas ear-se na jus tiça ouequidade ambiental, garantido o acesso igualitário (equânime) aambientes ecologicamente equilibrados. Mais ainda argumenta-se a favor de um Estado Constitucional Ecológico15. De outra for-ma, há quem proponha a configuração de um Estado-Parceiro ouInterlocutor, realizando os novos fins através do governo por dis-cussão, negociação e compromisso (government by discussion) 16.

De outra forma, o Estado ambiental deve pr ocurar assegurar ademocracia do ambiente, um aparato estatal aberto ao processode participação e cooperação dos cidadãos. Importante registrarque a democracia não pode ser entendida simplesmente comoforma de governo em que se garante a representação em torno deum procedimento eleitoral17. Porém, o abandono do papel damobilização social e da ação coletiva tem determinado a v alori-zação exces siva dos mecanismos de representação.

Aliás, o modelo hegemônico clássico tem determinado a du-pla patologia da democracia liberal: a patologia de participação –diante do abstencionismo, e a patologia da representação – dian-te do fato dos cidadãos se considerarem cada vez menos repre-sentados, com cada vez menor presença no espaço estatal.

14 Canotilho, J. J. Gomes Juridicização da ecologia ou ecologização do direito, pp.73-7515 Idem, Estado constitucional ecológico e democracia sustentada, p. 9 -1616 RANGEL, Paulo Castro Concertação, programação e direito do ambiente, p. 917 Observa-se claramente esta concepção defendida por SCHUMPETER, J. A., queadota o argumento da manipulação dos indivíduos na sociedade de massa.

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A democracia não assume uma forma somente, implicando oreconhecimento de uma “demodiversidade” pautada nomulticulturalismo e nas experiências participativas. Com o efeito,o elemento substancial da democracia deve assumir a noção dodireito à participação ativa no espaço público18 tendo em vista umagramática social e estatal de inclusão.

A participação democrática como uma atividade pública e deinteração com o poder estatal caracteriza-se como processo com-plexo e contraditório em que papéis se redefinem pelo fortaleci-mento da sociedade civil mediante a atuação organizada dos indi-víduos, grupos e associações 19. Claro que, não se pode limitar a de-mocracia à mera representação, que é “terrivelmente insuficientepara falar de democracia”20, mas articular de forma mais profundao procedimento participativo e processos de deliberação pública.

Enfim, a efetivação de um processo participativo pressupõeum Estado radicalmente democrático que faz opção de um movi-mento de integração social, que supõe elevações substanciais decondições de vida e da qualidade ambiental. Como resultado,existe a necessidade de construção de ampliação crescente daparticipação de atores socais de diversos tipos em processos detomada de decisão ecológicos.

2.3 Dos princípios do direitoaplicados ao meio ambiente2.3.1. Da noção dos princípiosAs normas podem ser divididas em r egras e

princípios. Assim, tanto as regras quanto os princípios possuemcaráter normativo por quanto ambas dizem o que deve ser21. Comoresultado, existe relativo consenso que enquanto as regras sãoessencialmente práticas e obrigatórias, os princípios guiam açõese servem como base teórica para a formulação de políticas egênese normativa.

Nesse sentido, os princípios podem ser entendidos como pos-tulados que orientam a atuação estatal e do particular. Em verda-de, constituem normas de grande generalidade, fundamentais,que orientam a aplicação das regras que compõem o sistema jurí-dico. Necessário registrar que a estrutura maleável e aberta não

18 PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria democrática do estado, p.22.19 TEIXEIRA, Elenaldo. O local e o global: limites e desafios da participação cidadã,p. 30.20 CASANOVA, Pablo Gonzále z. Exploração, coloniali smo e luta pela democracia, p.167.21 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, passim. 2

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significa imprecisão, mas a possibilidade de incidirem em diver-sos casos concretos, das mais diferentes matizes. Assim, podematuar desde logo, pois em função de sua abrangência, orientam asolução de controvérsias.

Enquanto as regras determ inam o que deve ser feito, o quenão deve ser feito ou o que pode ser feito em situações previs-tas; os princípios propiciam critérios para tomada de posição.Por sua vez, Robert Alexy aponta que os princípios ordenam algoque deve ser realizado de maneira mais ampla possível compa-tível com as possibilidades jurídicas e de fato, carecendo de con-teúdo de determinação preci so; diferentemente das regras, queexigem exatamente o que ordena, desencadeando conseqüên-cias jurídicas definitivas 22.

Há quem afirme que os princípios assumem o papel de pro-mover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a inter-pretação das existentes e resolver os casos não previstos, deven-do ser interpretados além do exame da linguagem, em função dosvalores que conformam23. Como r esultado, os princípios ins piramas regras, ocasionando um processo de aderência e conformida-de, de acordo com certo significado contido nos princípios.

Pinho Pedreira aponta diferenças básicas entre as normas: a)asregras estão sempre explicitamente ins eridas no sistema jurídico,o que não acontece com os princípios, que estão implícitos, infe-ridos de uma norma ou de um plexo normati vo; b) as regras sãoaplicadas integralmente, os princípios não se aplicam automati-camente e necessariamente quando ocorrem as condições pre-vistas como suficientes para sua aplicação; c) por último, os prin-cípios não regem sem exceção e podem entrar em oposição oucontradição entre si, quando vários princípios se chocam deveser levado em conta o peso relati vo de cada um deles; não é queas normas tenham peso distinto, mas podem ter diferente grauhierárquico, critério completamente distinto24.

Contudo, em que pesem as palavras esclarecedoras do autor,se tem observado que os princípios têm sido encontrados em di-versos diplomas legais; da mesma forma, existe concordância deque a violação de um princípio pode ser considerada muito mai sgrave de que uma regra, pois os princípios são compreendidoscom base numa concepção sistêmica de ordenamento, oferecen-do-lhe solidez e coerência; por último, os princípios devem serentendidos como interdependentes, coesos e harmônicos por-

22 Idem. Teoria de los derechos fundamentales, p. 99.23 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho, passim.24 PEDREIRA, Pinho. P rincipiologia do direto do trabalho, p. 13.

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quanto perfilam a fisionomia sistemática da tutela contida noordenamento jurídico.

Da mesma forma, com toda razão, resta diferença entre o modode resolução de colisão de princípios e de conflito de regras. Asolução de choque entre princípios pode s er resolvida medianteuma relação de precedência e diante da metáfora de peso de cadaprincípio. De outra forma, a controvérsia entre regras pode ser re-solvida pelos critérios de h ierar quia, especialidade etemporalidade.

Por fim, há que se registrar que a determinação do sentido dosprincípios depende sempre de um contexto, correspondendo adeterminado significado histórico. Como conseqüência, os princí-pios são produtos historicamente determinados.

2.3.2 Dos princípios jurídicosaplicados ao meio ambiente

A noção dos princípios garante a autonomia da sistemáticaambiental dentro do universo jurídico, constituindo idéi asinformadoras da política de meio ambiente. Com efeito, os prin-cípios basilares do direito aplicados ao meio ambiente vêm sen-do reconhecidos gradualmente; conforme o aumento da consci-ência ambiental; pela conseqüente exigência de cooperação; pelaobservância dos tribunais.

Por sua vez, observa-se a incorporação dos princípios em nor-mas internacionais, como a Convenção do Clima (1992, art. 3º),Convenção da Biodiversidade (1992, art. 3º), Ato Único Europeu(1987) e Tratado de Maastricht (1992).

O reconhecimento dos princípios surge por conta, principal-mente, das graves mudanças e impactos ambientais que se têm acu-mulado no orbe, notadamente no século vinte. Como resultado, pro-gressivamente percebe-se uma “ecologização do direito ”, um“esverdear da legislação ”, enfim um processo de incorporação dasdemandas ambientais nos ordenamentos jurídicos hodiernos.

São destacados no pres ente trabalho os seguintes princípiosdo direito ambiental que se consagr am no nível do direito domés-tico e do direito internacional: o princípio da prevenção, o princí-pio da precaução, o princípio do desenvolvimento sustentável, oprincípio do poluidor-pa gador e o princípio da participação.

Como foi observado anteriormente, necessário salientar quea adoção de determinado princípio possui uma dimensão his-tórico-cultur al, isto quer dizer que exi ste um processo desurgimento e substituição de princípios atendendo a determi-nados contextos e atendendo a valores que prevalecem em de-terminado espaço-tempo.

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Nesse sentido, por algum tempo prevaleceu o princípio daconservação, significando a manutenção substancial dos níveisdos recur sos ambientais. Como resultado, requer-se ogerenciamento dos recursos renováve is e controle intenso dosrecursos não-renováveis (limitados). A conservação centra-se namanutenção do status quo e demanda a manutenção das condi-ções neces sárias para os recursos existentes. Com esse espírito,surgiram os primeiros parques conservacionistas (Yellowstone eKruger) no final do século dezenove e início do século vinte, esta-belecendo a manutenção de determinados ecossistemas e cená-rios considerados de importância para uma dada comunidade.

Todavia, tal como outros princípios que foram superados, a con-servação foi substituída por um cenário ecológico-ambientalista, quereivindica uma postura diferenciada da sociedade, do poder pú-blico e do empreendedor. Como conseqüência, surgem princípioscom diferente carga v alorativa, como o da prevenção, ressaltando adimensão do dramático ponto de crise planetária.

2.3.3 Princípio da prevençãoNestes termos, a prevenção consubstancia-se na

obrigação de prevenir a produção da poluição e evitar a ocorrênciado dano ambiental, antes de terem acontecido. Em outras palavras,prevenir significa reduzir, limitar ou controlar atividades quepossam ser potencialmente degradantes ao meio ambiente.Decerto que a prevenção consiste na mais importante estratégia aser utilizada, por que, em muitos casos, por exemplo, depois daextinção de uma espécie ou ecossistema, nada pode ser feito.

Por seu turno, em casos onde a reconstituição in natura dodano ambiental constitui prática cientificamente possível, mai sdas vezes, o esforço atinge cifras tão onerosas que, efetivamente,a intervenção regeneradora fica inviabi lizada, ocasionando omesmo impacto da alternativa anterior, e.g., despoluição de umabaía costeira.

Enfim, sob uma análise econômica, torna-se mais dispendiosoremedi ar do que prevenir. Como resultado, os custos das medidaspara evitar o dano, constituem quantia muito inferior ao processode regeneração, despoluição, reflorestamento, dentre outras opçõesconhecidas posteriores à ocorrência do evento danoso.

Nesse sentido, baseando-se em uma dimensão custo -benefí-cio, a prevenção é financeiramente compensadora para o empre-endedor, constituindo, efetivamente uma regra de bom senso.

Por sua vez, o poder público tem a obrigação de prevenir oimpacto na sua própria jurisdição, inclusive por meios adminis-trativos e legais. A prevenção requer uma atuação es tatal anterior

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ao dano e caracteriza-se pelo suporte de sistemas jurídicos queestabelecem processos de autorização e licenciamentos de ativi-dades, o acesso de informações ambientais, a exigência de ins-trumentos prévios de estudo de avaliação de riscos e impactosambientais, a utilização de penalidades administrativas e atua-ção da sociedade civil.

Como resultado, o princípio da prevenção é endossado por umadiversidade de ordenamentos jurídicos domésticos e alguns docu-mentos internacionais, como a Declaração de Estocolmo (1972), prin-cípios da UNEP/PNUMA (1978), Carta Mundial da Natureza (1982) ea Convenção sobre Radiação Ionizante – que estabelece medidasde limitação do crescimento de doenças ocupacionais, inclusivecontaminação radioativa de trabalhadores (1960).

2.3.4 Princípio da precauçãoPor outro lado, o princípio da pr ecaução foi

reconhecido, cons tituindo um dos mais recentes princípiosambientais. O princípio da precaução deriva do princípio alemãovorsorgeprinzip, estabelecendo a política da prudência diante dorisco ambiental de determinadas atividades e da incerteza científica(uncertainty) sobre seus impactos. Assim, em caso de dúvida sobreo caráter e a dimensão do dano ambiental deve-se decidir embenefício da proteção ambiental – in dubio pro ambiente.

Embora não exista a certeza científica sobre os possíveis im-pactos de determinada obra ou atividade, deve-se, por precau-ção, obstar a sua efetivação pelos possíveis riscos. Enfim, existin-do dúvida, in dubio pro securitate. Em outras palavras, diante dorisco decide-se a favor do meio ambiente.

O princípio da precaução assume força com a Declaração doRio de Janeiro, princípio 15 (1992), embora sua primeira adoçãointernacional expressa tenha sido adotada na 2a. Conferência In-ternacional sobre a Proteção do Mar do Norte (1987), ao ser pon-tuado que “emissões de poluição potencialmente poluentes de-veriam ser reduzidas, mesmo quando não haja prova científicaevidente do nexo causal entre as em issões e os efeitos”.

Importante registrar que tecnologias de risco, como o plantiode grãos geneticamente modificados, têm gerado controvérsias emque se discute a aplicação do princípio da precaução. Nesse sen-tido, defensores da prudência têm apontado a necessidade deavaliação com maior profundidade dos efeitos para a saúde hu-mana e meio ambiente dessas culturas25.

Em suma, a aplicação do princípio determina que “a ação paraeliminar impactos ambientais seja tomada antes de um nexo cau-sal ter sido estabelecido com uma evidência científica absoluta”26.

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2.3.5 Princípio do desenvolvimentosustentávelPor sua ve z, o princípio do desenvolvimento

sustentável parece constituir um crescente consenso porquantoconstitui um conceito para superação da problemática ecológica,caracterizando -se pela noção de que o progresso do presente nãopode ameaçar o futuro.

Por conseguinte, o princípio como elementos: as necessida-des essenciais das comunidades, as limitações impostas ao setorprodutivo e a equidade inter-geracional e intra-geracional.

De acordo com a Comissão Mundial de Meio Ambiente e De-senvolvimento (Brundtland Rep ort, 1987) constitui “o desenvol-vimento que alcança as necessidades do presente sem compro-meter a possibilidade das futuras gerações atingirem suas própri-as necessidades”27.

Nesse sentido, o conceito integra qualidade ecológica comcres cimento, salientando que a humanidade deve garantir a pos-sibilidade de vida no planeta para as futuras gerações. Isso signi-fica que existe a necessidade do uso eqüitativo dos recursos na-turais e a integração harmônica entre meio ambiente e des envol-vimento econômico.

Com efeito, há que se ter idéia de que o desenvolvimento sus-tentável não é um estado permanente de harmonia, mas um pr o-cesso em que são avaliadas as presentes e futuras necessidadesda humanidade e a proteção ambiental.

Por conseguinte, emerge uma ética ambiental que consideraque o progresso deve adequar-se às condições da natureza. Omeio ambiente preexiste ao homem e pode existir sem a humani-dade, contudo, a lógica inversa não é verdadeira, depende-se fun-damentalmente da natureza e dos meios de vida.

Todavia, críticos têm entendido que o consenso em torno dodesenvolvimento sustentável somente é possível porque, em ver-dade, constitui um conceito vago que permite muitas interpretações,baseando -se mais em opiniões do que em bases científicas28.

25 Assim, entende-se que substâncias tóxicas que estão naturalmente presentesnas plantas possam ter seus efeitos potenci alizados num alimento reengenheirado;outro risco é o das alergias, na medida em que existe possibilidade de transferênciade componentes; mais um risco, a possibi lidade desses alimentos causaremresistência bacteriana, porque muitas vezes são utilizados genes marcador es naconstrução de organismo geneticamente modificado que conferem resistência aantibióticos. In: Transgênicos: iniciativas em defesa dos consumidores e o direitoda precaução no Brasil. Anais do Seminário Internacional sobre biodi versidade etransgênicos, passim.26 ARAGÃO, Maria A lexadra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedraangular da política comunitár ia do ambiente, p. 68.27 World Commission on Environment and Development. Our Common Future, p. 43.

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2.3.6 Princípio do poluidor-pagadorO princípio do poluidor-pagador impõe sejam os

custos da poluição assu midos pelos responsáveis peladegradação, pelo causador do dano ambiental. Esse princípiotende a efetivar a precaução, prevenção e redistribuição doscustos da ação potencialmente lesiva. Os danos devem sersuportados pelos poluidores e não pelos contribuintes. O poluidordeve tomar todas as medidas indispensáveis a evitar a ocorrênciado evento danoso.

Não se trata, portanto, de um direito de poluir, ao contrário,constitui princípio que tem por base a adoção de comportamentoecologicamente correto do empreendedor, na medida em que pro-cura prevenir a poluição. O princípio foi agasalhado na Dec lara-ção do Rio, princípio 16, todavi a o primeiro documentointeracional a expressamente conter o princípio foi a Recomen-dação da OECD (Organização de Cooperação e DesenvolvimentoEconômico) sobre aspectos econômicos da política ambiental “opoluidor deve suportar as expensas das medidas decididas pe-las autoridades públicas para proteger o meio ambiente” (1972).

O princípio do poluidor-pagador (p olluter pays principle) de-sempenha função de alerta ao empreendedor-poluidor,explicitando que, em nenhuma hipótese, a atividade econômicaque impacta o ambiente ou gera poluição poderá,indiscriminadamente, continuar o curso da degradação. Da mes-ma forma, deve assumir os custos das medidas de prevenção econtrole da operação em conformidade com a disciplina legal.

A ação empresarial deve procurar ser c onsciente de que a es-colha e a opção menos impactante deve ser a escolhida, e.g. naconstrução de uma obra nas proximidades de uma área florestal,deve-se procur ar afetar, no menor nível possível, o dadoecossistema, reduzindo, de forma aceitável, os danos à biota.

Há quem afirme que o princípio do poluidor-pagador tem porfinalidade a precaução, prevenção e redistribuição dos custos dapoluição. Assim, não deve ser lim itado à responsabilidade para areparação dos danos causados às vítimas29 .

Contudo, existem mecanismos de compensação econômica emvirtude dos efeitos danosos e mortíferos provocados pela degra-dação ambiental. A implicação do princípio pode ser observada

28 SPAARGAREN, G. & MOL, Arthur P. J. Sociologia, meio ambiente e modernidade:modernização ecológica uma teoria de mudança social, p. 31. Os autores propõema teori a da modern ização ecológi ca, que pode ser interpretada c omo areestrutur ação do proc esso de produção e cons umo pelo uso de novas esofisticadas tecnologias limpas.29 CANOTILHO, J. J. Gomes. Introdução ao direito do ambiente, p. 51. 26

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na determinação de obrigações econômicas em relação aos da-nos ambientais, o uso de instrumentos econômicos e a aplicaçãode regras associadas à competição e subsídios.

Assim, havendo impacto e/ou poluição ambiental deve opoluidor compensar, recuperar e/ou indenizar os impactos oca-sionados ao meio ambiente. Importante pontuar que a res titui-ção in integrum de ec ossistemas pode ser considerada imprová-vel (pense-se na extinção de uma espécie). Além disso, custos c omdescontaminação (reconstituição) são considerados vultosos.

Por sua vez, o sistema de responsabilidade por risco “trata-sede um campo, extremamente novo e dinâmico do Direito Interna-cional, em que o dever de reparar um dano independe da licitudeou ilicitude do ato que lhe deu causa”30. Cumpre salientar queexistem legislações no nível doméstico e internacional que têmadotado a teoria objetiva, caracterizada pela ocorrência do nexode causalidade entre o dano e a conduta do poluidor, pouco im-portando a existência de culpa. C omo resultado, existe obrigaçãode reparação, independentemente da natureza da natureza doato ou omissão do agente.

De outra forma, derivado do princípio surge a noção de usuá-rio -pagador, aplicado, por exemplo, na gestão das águas, conside-ra que aquele que utiliza os recursos naturais deve estar sujeito àaplicação do instrumento econômico da cobrança. A cobrançasomente poderá ser exigida com a consolidação do sistema degerenciamento de recursos hídricos, instituição de comitê de ba-cia, efetivação do plano de recurso hídrico da bacia hidrográfica,cadastramento de usuários e decisão colegiada e participada pe-los membros do comitê.

2.3.7 Princípio da participaçãoPor fim, o princípio da participação consubstancia-

se na necessidade de intervenção dos di versos setores dacomunidade na tomada de decisão sobre as questões ambientais.Como resultado, permite-se que os cidadãos possam ter voz naformulação e execução da política do meio ambiente. Dec erto queo princípio da participação relaciona-se com o direito de todosao meio ambiente equilibrado e, como resultado, na igualpossibilidade de serem atingidos pelos impactos ambientais.

Nesse sentido, o direito de participação decorre do direito aomeio ambiente, mas somente efetiva-se com a possibilidade deacesso à informação ambiental. Não se admite a noção de umaatuação participativa dos cidadãos sem a existência do di reito àinformação; a obtenção de informação é pré-requisito para inter-venção nas decisões ambientais. O princípio da participação co-

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munitária foi contemplado na Declaração do Rio (princípio 10) emdiversos capítulos da Agenda 21.

A tutela ambiental não se limita aos entes estatais, a socieda-de possui responsabilidade na proteção e defesa ambiental, ten-do em mente às presentes e futuras gerações. Com efeito, o poderpúblico deve encorajar a atuação dos cidadãos, na medida emque a temática ambiental a todos afeta.

Como resultado, se pode observar o princípio da parti cipa-ção na possibilidade dos cidadãos interporem instrumentos ju-diciais, comentarem e intervirem administrativamente em proje-tos com potencial impacto ambiental; denunciarem atividades;serem ouvidos em atividades de interesse da respectiva comuni-dade etc, detonando o exercício de uma cidadan ia ativa31.

Em suma, no próximo capítulo observar-se-á, de forma maisdetida, a participação cidadã na proteção do meio ambiente, bus-cando perceber a eficácia e os di lemas da intervenção coletivaem demandas ecológicas.

30 SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente, p.134.31 Sobre o tema: AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito do meio ambiente eparticipação popular. 28

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3. Princípio da participação:eficácia e dilemas3.1 Formas de participação eproteção ambientalA participação da sociedade, em suas distintas

dimensões, pode ser c ompreendida como instrumento que

contribui para a melhoria da qualidade de vida, favorecendo a

cooperação e o estabelecimento de metas comunitárias. Rodrigo

Araya Dujisin salienta que com relação aos tipos de participação

a literatura especializada identifica a participação reivindicatória,

de contr ole e de gestão32. A prime ira está associada aos

movimentos de reivindicação; a s egunda, ao acompanhamentodas associações, usuários, consumidores, que exigem um maiorcontrole e destinação dos gastos públicos; por último, aparticipação na administração, que representa as iniciativasorganizadas na gestão complementar, substituta ou alternativa.

De outra forma, após caracterizar inicialmente a participaçãopopular como a ação desenvolvida pelos movimentos, em gran-de parte, reivindicativos, visando ao atendimento de carências,Teixeira propõe a noção de uma participação cidadã que interfe-re, interage e influencia na construção de um senso de ordempública regida pelo critério da equidade e justiça33.

Assim, de forma enfática a Agenda 21 indica que os gover-nos no nível apropriado, em c olaboração com as organizações na-cionais e com o apoio das organizações r egionais e internacio-nais, devem estabelecer procedimentos, programas, projetos eserviços inovadores, que facilitem e estimulem a participação ati-va, nos processos de tomada de decisões e de implementação, detodas as pessoas afetadas, especialmente de grupos que até hojetêm sido freqüentemente excluídos, como as mulheres, os jovens,as populações indígenas e suas comunidades e outras comuni-dades locais34. Por sua vez, destaca-se que o compromisso e a par-ticipação genuína de todos os grupos sociais terão uma impor-tância decisiva na implementação eficaz dos objetivos, das polí-ticas e dos mecanismos ajustados pelos Governos em todas asáreas de programas da Agenda 21.

32 DUJISIN, Rodrigo Araya. Ecología de la información, p. 13.33 TEIXEIRA, Elenaldo. Op. cit, p. 32.34 Agenda 21, capítulo 10.

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Nesse sentido, um dos pré-requisitos fundamentais paraalcançar o desenvolvimento sustentável é a ampla participaçãoda opinião pública na tomada de decisões. Ademais, no contextomais específico do meio ambiente e do desenvolvimento, surge anecessidade de nov as formas de participação.

Como resultado, isso inclui a necessidade de indivíduos, gru-pos e organizações de participar em procedimentos de avaliaçãodo impacto ambiental e de conhecer e participar das deci sões,particularmente daquelas que possam vir a afetar as comunida-des nas quais vivem e trabalham. Indivíduos, grupos e organiza-ções devem ter acesso à informação detida pelas autoridadesnacionais pertinente ao meio ambiente e des envolvimento, in-clusive dados sobre pr odutos e atividades que têm ou possam terum impacto significativo sobre o meio ambiente, assim como in-formações sobre medidas de proteção ambiental35.

3.2 Dilemas da participação egestão administrativa: conselhose audiência públicaNo último decên io ocorreu aumento significativo

dos mecanismos de participação da sociedade na ár e aambiental. Com efeito, multipli caram-se os conselhosparticipativos nacionais, r egionais e locais relacionados ao meioambiente, saúde, educação, orçamento36. Avalia-se que osespaços democ ráticos de participação são fundamentais, namedida em que a legitimidade das políti cas públicas não podeficar restrita ao modelo r epresentativo clássico, mas gui ada peloenvolvimento das coletividades.

Na área ambiental cabe o registro do papel do Conselho Na-cional do Meio Ambiente (CONAMA), do Conselho Nacional deRecursos Hídricos (CNRH) etc. Todavia, restam críticas quanto aocaráter de determinados conselhos locais e estaduais. Em di ver-sas experiências as deliberações somente têm caráter consulti-vo, sem impacto significativo direto na formulação de políticaspúblicas, vez que não existe orçamento ou compromisso dasautoridades na efetivação das decisões do colegiado. Contudo,assevera Carlos Eduardo Sell, que, surgidos no final da décadade 80 para permitir que atores da sociedade civil participassemda discussão e definição das políticas estatais, os c onselhos “sãoum dos principais mecanismos de alargamento da esfera públi-

35 Agenda 21, capítulo 23.36 CAMARGO, Aspásia ET ALLI. Meio ambiente Brasil: avanços e obstáculos pós-Rio92, p. 34. 3

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ca não-estatal e um dos principais veículos de uma práticaparticipativa de democracia”37.

De outra maneira, importante iniciativa, a constituição de co-missões tripartites estaduais, instituídas pela portaria MMA, n. 473de 09 de dezembro de 2003, com a finalidade de promover a articu-lação dos órgãos federais, estaduais e municipais para a promoçãoda gestão compartilhada e descentralizada do meio ambiente en-tre os entes federados. Cabe registrar que a comissão tripartite na-cional foi criada pela portaria MMA, de 25 de maio de 2001, com-posta por representantes do Ministério do Meio Ambiente, da As-sociação Brasileira de Entidades E staduais de Meio Ambiente(ABEMA) e da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente(ANAMMA). Na trilha de incentivo à participação, convém destacara realização da I Conferência Nacional do Meio Ambiente, em 2003e a II Conferência em 2005, significando a inserção desse instrumen-to de consulta, proposição e avaliação na política ambiental brasi-leira. Assim como, sua incorporação nas políticas estaduais de meioambiente, inclusive na legislação em vigor38.

De outra forma, a experiência no IBAMA apontou a possibili-dade de utilização de instrumentos institucionais para realizaçãoda democracia39. Um dos fatos mais marcantes ocorreu em 06 deoutubro de 2005, com a r ealização de audiência pública, em PortoSeguro, Bahia, para di scus são dos efeitos da monocultura doeucalipto no sul e extremo sul do Estado. A proposta de audiênciafoi sugerida pela Superintendência Estadual e aprovada pela Câ-mara Técnica do IBAMA, composta por universidades, setor indus-trial, setor da agricultura, trabalhadores, sociedade civil organiza-da etc. Pela primeira vez, após trinta anos de expansão da silvicul-tura na região, com existência de cerca de 400 mil hectares deeucalipto plantado, ocorreu audiência convocada por um órgãoambiental (diverso do órgão estadual licenciador40) para discutira situação dos efeitos da monocultura.

D iver sos seg mentos afirmar am suas posições (índios,quilombolas, sem-terra, sindicatos, agr icultores empresários, uni-versidades etc) e salientaram que conflitos sócio-ambientais per-duram apesar do significado econômico das empresas de papel ecelulose. Como res ultado da audiência, foi encaminhado docu-

37 SELL, Carlos Eduardo. Introdução à sociologia política, pp. 95.38 Por sugestão do IBAMA e entidades ambientalistas, foi ins erido dispositivo sobreconferência estadual de meio ambiente na Lei Estadual 10.431, de de zembro de2006 (Bahia).39 Participação do autor no IBAMA, ocupando a Superintendência da Bahia noperíodo de abril de 2003 a janeiro de 2007.40 A competência para licenciamento para plantio de eucalipto é do órgão estadualde meio ambiente, o Centro de Recursos Ambientais (CRA).

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mento com denúncias ao Ministér io Público Federal e Estadual,criada “câmara técnica setorial da Mata Atlântica” por delegaçãoda Presidência do IBAMA, aprimorado monitoramento da MataAtlântica pelo IBAMA.

A utilização do modelo de audiência pode significar amplia-ção dos canais de atuação e ouvida da sociedade. Interessanteque o poder público tem utilizado em oportunidades reduzidas oinstrumento para decisão administrativa, limitando-se aos proces-sos de licenciamento ambiental, apesar de expressa previsão le-gal contida na Lei Federal 9.784, de 29 de janeiro de 199941.

A gestão ambiental precisa incorporar a participação comorequisito de validade, principalmente na instância local, possibi-litando a ampliação das ações e a multiplicação de efeitos a se-rem protegidos, inclusive no próprio licenci amento ambiental.Enfim, por um lado precisa-se superar a integração passiva, en-tendida como a submissão a vínculos e obrigações administrati-vas para com o poder público sem o exercício de direitos, numaperspectiva litúrgica ou simplesmente simbólica; por outro lado,a sociedade não pode assumir responsabilidades mer amente es-tatais, mas exercer função política sobre o poder público42. Porém,como a “democracia chama democracia”, necessário avaliar per-manentemente a representatividade na ocupação dos espaçospúblicos e a efetividade no encaminhamento das decisões.

3.3 Gestão administrativa,participação e licenciamentoambientalA gestão pública pos sui responsabilidade de

monitorar e fiscalizar ati vidades potencialmente poluidoras e dese submeter ao regramento do licenciamento ambiental nas suaspróprias atividades. Com efeito, não basta procurar implantar umaação integrada entre órgãos federais, estaduais e municipai scomponentes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).

Claro que regras claras de competência entre as instânciasambientais podem favorecer a superação da zona cinzenta de atu-ação de poder público, principalmente no licenciamento ambiental(e.g., como tem discutido o governo federal na regulamentação doart. 23 da Constituição). Contudo, necessário perceber que o

41 Lei 9.784/99, art. 32. “Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, dianteda relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debatessobre a matéria do processo”.42TEIXEIRA, Elenaldo. Op. cit, passim. 32

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licenciamento não pode ser entendido como mera peça cartorial.Aliás, convém esclarecer que o licenciamento ambiental é um

procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental compe-tente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação deempreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais,consideradas poluidoras (Resolução 237/97, CONAMA).

O próprio poder público deve atender ao regramento dolicenciamento ambiental, o que significa realizar estudo prévio deimpacto ambiental apontando os possíveis impactos da obra,medidas de mitigação, dentre outros requisitos.

O desafio para as administrações públicas é de tratar o meioambiente de forma transversal envolvendo os demais setores,construindo consensos prévios que ofereçam sustentabilidadepara as atividades econômicas. Todavia, deve ser dito que o setorempresarial precisa também contratar melhor suas consultoriasambientais, não existe mais es paço para estudos superficiais e quenão seguem c riteriosamente os termos de referência traçados peloórgão licenciador. Da mesma forma, não dá para licença ambientalser expedida sem rigor algum, ofendendo a legislação.

Nesse sentido aumenta o grau de tensão com o Ministério Pú-blico e a judicialização das demandas ambientais. Mais uma vez,podem existir excessos de todos os lados, mas s e precisa dimi-nuir o conflito e criar uma “concertação” mínima entre os atores.A experiência do governo federal possibilitou o fortalecimento daestrutura do IBAMA com a entrada de c erca de dois mil novos ana-listas ambientais, inclusive parte no licenciamento; a definição deregras e estrutura da compensação ambiental; e o melhor acom-panhamento dos condi cionantes ambientais no procedimento dolicenciamento.

Claro que é preciso fazer mais, principalmente aprofundar aconcepção sistêmica das licenças em determinados setores, for-talecer a capacidade dos municípios em licenciar e ampliar a par-ticipação social nos procedimentos de licenciamento. Em suma, olicenciamento ambiental nada mais é do que a verificação pre-ventiva da uti lização dos recursos ambientais, inserindo na ges-tão pública, nas iniciativas corporativas e na participação social anecessidade de medi ação de conflitos de interesse em benefícioda coletividade.

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Considerações finaisAs questões ambientais c ontinuam na ordem do

dia, contudo existe um pr ocesso crescente e necessário de

incorporação de participação das comunidades na formulação e

efetivação de políticas ambientais. Neste sentido, a democracia

ocupa espaço central no momento contemporâneo.Claro que existe o reconhecimento de que não há nenhuma

forma singular de democracia, mas diversas experiências apesardo caráter hegemônico do modelo representativo clássico.

A atuação ampliada de atores sociais de diversos tipos emprocessos de tomada de decisão incorpora-se gradualmente nosistema normativo através da participação em instâncias adminis-trativas, revelando a ampliação do es paço de representação atra-vés de conselhos, comitês de bacia, audiências públicas, no pro-cedimento do licenciamento ambiental etc.

Todavia, resta a reflexão de que a democracia é um processoem formação, mais do que isso, democracia pede aprofundamentoda democracia. De outra forma, cumpre avali ar permanentemen-te a representatividade na ocupação dos espaços públi cos e aefetividade no encaminhamento das decisões.

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AnexoAbreviaturas utilizadas

ABEM AAssociação Brasileira de EntidadesEstaduais de Meio Ambiente

AIEAAgência Internacional de Energia Atômica

ANAMMAAssociação Nacional deMunicípios e Meio Ambiente

CNRHConselho Nacional de Recursos Hídricos

CONAMAConselho Nacional do Meio Ambiente

FAOOrganização das Nações Unidaspara a Alimentação e Agricultura

IBAMAInstituto Brasileiro do Meio Ambientee dos Recursos Naturais Renováveis

MMAMinistério do Meio Ambiente

OMIOrganização Marítima Internacional

OMMOrganização Meteorológica Mundial

OMSOrganização Mundial de Saúde

PNUMAPrograma das Nações Unidaspara o Meio Ambiente

SISNAMASistema Nacional do Meio Ambiente

tipografia digital Bailey Sans, corpo do texto principal 10,entrelinha 12, no título 18, entrelinha 19,2.

impresso em papel r eciclato 120gm2.

fotolito, impressão e acabamento Venture Gráfica.