Junho de 2010 • Ano V • Nº 16 • Trimestral Med · 4 Medicina Interna Hoje Ao rever o meu...

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Medicina Interna Hoje 1 SPMI EDITA OBRA DE JOãO XXI ANTóNIO MARTINS BAPTISTA As reformas têm sido feitas contra os interesses do doente Congresso de Internistas em Vilamoura UMA REUNIãO MUITO PARTICIPADA Junho de 2010 • Ano V • Nº 16 • Trimestral Hoje

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SPMI edIta obra de João XXI

antónIo MartInS baPtIStaas reformas têm sido feitas contra os interesses do doente

Congresso de Internistas em Vilamoura UMa reUnIão MUIto PartICIPada

Junho de 2010 • Ano V • Nº 16 • Trimestral

Hoje

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de portas abertas

Os desafios dos InternistasOs médicos de Medicina Interna querem ser ouvidos na reforma dos hospitais, anunciada no final de 2009, cujos progressos são, passados seis meses, uma incógnita. Ainda va-mos a tempo, portanto.Os Internistas vivem hoje perante dois tipos de desafio: de ordem cien-tífica, sobre a necessidade de estar ao lado dos doentes num contexto de explosão do conhecimento cien-tífico e de expansão da tecnologia; e socioprofissional, respondendo às exigências dos sistemas de Saúde, num quadro de racionalidade eco-nómica em que se exige efectivida-de na prestação de cuidados.O que se quer são médicos que pen-sem e desempenhem uma Medici-na que responde às exigências de doentes cada vez mais idosos, com múltiplas patologias e fragilizados pela doença e condição social. Es-sas são também as respostas que os sistemas de Saúde exigem, para fazer face a um padrão de consumo de recursos que atinge o patamar da insustentabilidade e põe em causa o princípio da equidade no acesso e na prestação de cuidados, um dos pila-res das sociedades contemporâneas.Por tudo isto, é indispensável que os

ponto por ponto

Faustino Ferreira

4 raio xMedicina Interna indispensável

ao funcionamento dos hospitaisMarina Bastos

5 olho clínicoCongresso regista número recorde

de resumos para comunicaçãoO 16.º Congresso Nacional de Medicina

Interna regista um número recorde de resumos recebidos - 1431 - mais 400 do

que na reunião do ano passado.

6 alta vozQuestionar certezas quando a clareza não é tão evidente

A. Rodrigues Dias

8 vox vopDoenças auto-imunes

e Medicina InternaCarlos Ferreira

10 uma palavra a dizerO Internista é mais necessário quando a incerteza aumenta

Entrevista com António Martins Baptista

14 do lado de cáOs médicos e a interioridade

Teresa Silveira

16 primeiros passosEnfrentar desafios

José Barroca

17 revelaçõesSPMI lança edição em português

18 depois da hora

Internistas sejam parte no processo de reforma dos hospitais, o que não está a acontecer. Passados seis me-ses sobre o anunciado início deste processo, nem a Sociedade Portu-guesa de Medicina Interna, nem o Colégio da especialidade foram ou-vidos. A situação é preocupante.A participação dos Internistas nos processos de reforma da Saúde é fundamental porque vivemos numa época em que ninguém sabe o que vai acontecer no dia a seguir. E, como lembra, nesta edição da MIH, Antó-nio Martins Baptista, o próximo pre-sidente da SPMI, “quando a incerteza aumenta, o Internista é mais neces-sário”.Por tudo isto, o 16.º Congresso Na-cional de Medicina Interna precisa de todos os Internistas, mobilizados para as discussões sobre o futuro das instituições e do papel do médico como cuidador do doente.Os Internistas querem responder a estes desafios, para o que é vital o re-conhecimento do público. Este é um objectivo que o próximo presidente da SPMI define para o mandato: que os doentes e famílias saibam o que é e o que faz o Internista no hospital, para que conte com ele.

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Ao rever o meu percurso dedicado à Medicina, vêm-me à memória os anos do ensino médico nos Hospitais Civis de Lisboa (HCL), futura Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Nesses hospitais, conheci In-ternistas que constituíram as minhas re-ferências no desempenho da Medicina Hospitalar e na dignificação da Medicina Interna. Por sorte, ao escolher o Hospital Distrital de Portalegre para o Internato de Policlínica, tive o privilégio de apren-der Medicina com um Internista da es-cola dos HCL. O percurso foi longo até iniciar a espe-cialidade, como era comum na época, mas tanto o Serviço Médico à Periferia, como os anos que passei no Serviço 2 de Medicina do Hospital Curry Cabral

a aguardar o início da especialidade, foram muito valiosos na sedimentação de conhecimentos e na opção convicta pela Medicina Interna (MI). Terminada a especialidade, resolvi dei-xar mais uma vez a capital e voltar à província, desta vez a Viseu. É onde me encontro desde há 21 anos. Levava na bagagem os conhecimentos que tinha adquirido ao longo da carreira e o exem-plo de muitos Internistas com quem tive o privilégio de conviver e que me trans-mitiram sabedoria, senso clínico, humil-dade, respeito pela hierarquia, trabalho em equipa, espírito de entreajuda e ac-tualização permanente.Não será demais repetir que a Medicina Interna agrega os conhecimentos que nos permitem evoluir no diagnóstico di-ferencial, muitas vezes só possível com o pedido metódico e faseado dos exames complementares. É este puzzle que me fascina e constitui o desafio no dia-a- -dia. O gosto pelas doenças auto-imu-nes levou a diferenciar-me naquela área e sou membro do Núcleo de Estudo das Doenças Auto-imunes desde a sua cria-ção. A existência destes núcleos no seio da Medicina Interna tem sido muito in-teressante pela partilha de experiências, tanto no campo assistencial como orga-nizacional.

Os Internistas não desenvolvem só acti-vidade assistencial. Estão presentes nos órgãos de gestão, comissões clínicas, chefia de equipas de urgência, direcção de internato médico, são orientadores de formação e membros de júris. Parti-cipei um pouco em tudo e nem tudo me traz boas recordações, como foi a experi-ência na direcção clínica.No momento actual, gostaria de trans-mitir optimismo aos colegas mais novos, mas as condições de trabalho são adver-sas e cativar os internos para a especiali-dade já não se reveste do lirismo do meu tempo.A Medicina Interna é indispensável ao funcionamento dos hospitais e nem sempre o nosso trabalho é valorizado pelos órgãos de gestão e outras espe-cialidades. O descontentamento é gran-de em muitos hospitais. Mas as nossas razões só serão ouvidas, se congregar-mos esforços e participarmos mais acti-vamente na reorganização dos nossos serviços, de modo a garantir uma assis-tência médica de qualidade e dar aos nossos internos as melhores condições para a sua formação. Não basta dizer que tudo vai mal! Por absurdo que pareça, continuamos a sentir muita resistência à mudança e vem a propósito citar o escri-tor Ruben A.: “o óbvio é que é difícil”.

Por Marina Bastos, Chefe de Serviço de Medicina Interna no Hospital de S. Teotónio EPE Viseu

raio x

NOTA BIOGRÁFICA

Marina Bastos nasceu em Sever do Vouga, em 13 de Janeiro de 1952. Licenciou-se em Medicina, pela Fa-culdade de Medicina da Universida-de de Lisboa, em 1976. Chefe de serviço desde 2001, man-tém a actividade assistencial no Ser-viço de Medicina 2 e exerce, actual-mente, as funções de directora do Internato Médico.

Medicina Interna indispensável ao funcionamento dos hospitais

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Congresso regista número recorde de resumos para comunicação

forma do Sistema de Saúde Americano Visto pelos Médicos”, tema da conferên-cia de encerramento.Os oito cursos pré-congresso, que nas últimas edições se revelaram um suces-so de participação, decorrem de 24 e 25 de Maio e vão incidir sobre questões tão diversas como o suporte avançado de vida (SAV), as urgências no idoso, gestão, bioestatística, investigação clí-nica, ventilação invasiva e não invasiva e Eco FAST. Estarão presentes uma série de espe-cialistas internacionais, com destaque para os presidentes da European School of Internal Medicine (ESIM) e da Sociedad Española de Medicina Interna (SEMI) e de um alto quadro do American College of Physicians (ACP), que darão a sua contri-buição em várias discussões.Segundo António Martins Baptista, presidente do congresso, o principal objectivo deste evento é a “definição da Medicina Interna como interlocutor

Nesta edição do congresso, os Internis-tas portugueses terão oportunidade de debater temas de âmbito científico como a diabetes, hipertensão, doenças raras, esteato-hepatite e doença vascu-lar cerebral, mas também assuntos de ordem político-socio-profissional, como os “Novos modelos de organização hos-pitalar”, “A Medicina Interna no século XXI. Que formas de exercício?”, “O futuro da Medicina Interna na Europa” e “A Re-

olho clínico

De 26 a 29 de Maio em Vilamoura

principal da reorganização da assistên-cia clínica hospitalar que urge realizar.” António Martins Baptista acrescenta com satisfação que “os nossos congres-sos são muito participados, e sabemos que os internistas portugueses se orgu-lham dos mesmos. O número recorde de resumos para comunicação que re-cebemos este ano, que ultrapassa mes-mo o número total dos que tivemos no Congresso Europeu de 2007, só aumen-ta a nossa responsabilidade.”Além dos cursos, conferências e mesas redondas, haverá este ano “Encontros com Especialistas” e, como habitual, onze simpósios-satélite, da responsabi-lidade da Indústria Farmacêutica.O programa social prevê um jantar com o presidente da SPMI, durante o qual actuará o grupo de cordas “Corvos”, um jantar de encerramento que contará com a actuação da conhecida intérpre-te Dulce Pontes e uma sessão de fogo de artifício.

O 16.º Congresso Nacional de Medicina Interna, que

se realiza em Vilamoura, de 26 a 29 de Maio, regista

um número recorde de resumos recebidos - 1431

- mais 400 do que na reunião do ano passado.

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alta voz

Questionar certezas quando a clareza não é tão evidente

Por A. Rodrigues Dias, Chefe de Serviço de Medicina Interna do Hospital de Braga

Em qualquer das circunstâncias, descri-tas acima, ressalta sempre a importân-cia da Medicina Interna como disciplina integradora de conhecimentos com que nos habilita para o alcance dos ob-jectivos da prática clínica. Desde muito cedo, na aprendizagem da Medicina, fascinou-me a arte do diagnóstico clíni-co, evidenciada na literatura ou na vida real com exemplos de médicos famosos e dos que, por felicidade minha, foram os meus mestres. Não é possível reter na memória todos os casos clínicos que vivenciei e em que participei na sua re-solução. Seleccionei três por, de alguma maneira, serem exemplificativos dos motivos que acima citei como os que nos marcam profissionalmente. Omitem-se pormenores de alguns passos nos estu-dos complementares por limitações que esta apresentação implica.

CASO I Manuel era um jovem de cerca de 35 anos, com síndroma de Down, de que, a certa altura, passei a ser médico assis-

tente em cuidados primários. Era por-tador de “úlceras tróficas” de longa data (era essa a informação constante da sua ficha clínica) e que, como tal, eram tra-tadas havia alguns anos, atribuídas às limitações próprias da sua condição con-génita, constituindo o seu tratamento um suplício para ele próprio, para a sua família e para a enfermeira encarregada dos curativos. Com aquela informação não considerei pertinente pôr em causa a etiologia das lesões. Alguns meses de-pois de o conhecer fui consultado pelo pai, um senhor de cerca de 70 anos, sem problemas de saúde aparentes, a quem apareceram dois nódulos de dimensões diferentes no antebraço esquerdo, com características semelhantes a eritema nodoso. A biópsia dos nódulos revelou “lepra lepromatosa”. Não é difícil imagi-nar o “clarão” de luminosidade que levou à revisão do diagnóstico de “úlceras trófi-cas” de que Manuel padecia. A confirma-ção da mesma etiologia pela biópsia dos bordos das úlceras permitiu a sua cura ao fim de alguns meses de tratamento

Ao longo da vida profissional de cada um haverá sempre alguns casos que nos marcam, seja pela dificuldade de atingir o diagnóstico, seja pela invulgaridade do mesmo, seja pela sua evolução dramática.

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com dapsona. Além da enorme satis-fação que é possível imaginar num re-cém-interno de Medicina Interna, ficou a aprendizagem do sentido crítico que deve estar subjacente no raciocínio clí-nico do Internista, que deve questionar certezas quando a sua clareza não é tão evidente e uma das muitas ocasiões do humilde reconhecimento do erro que a vida profissional nos proporcionou.

CASO IIAnastácio, agricultor de 65 anos, foi internado no Serviço de Medicina por uma situação de diarreia, vómi-tos, anorexia e emagrecimento que se arrastava desde há cinco meses, com dores abdominais que aliviavam com os vómitos ou com as dejecções (de fezes cinzento-esverdeadas). Nos seus antecedentes referia uma histó-ria de “doença renal” mal esclarecida, com quatro anos de evolução, com edemas generalizados e diminuição da diurese, que era tratada com fu-rosemida de forma irregular, sempre que notava diminuição da diurese ou reaparecimento dos edemas. O exame clínico na admissão revelou um doente desnutrido, com atrofias musculares e algumas adenopatias inguinais e axilares e discretos ede-mas dos membros inferiores. Alguns exames complementares efectuados (incluindo endoscopia digestiva alta, clister opaco, rectosigmoidoscopia e exames bacteriológico e parasitológi-co de fezes, sem elementos positivos

para diagnóstico; apenas o estudo do trânsito do intestino delgado suge-ria”... edema da mucosa... trânsito ace-lerado, fragmentação e vinculação da coluna barrigada.”) não permitiam esclarecer a etiologia da síndroma de má-absorção que se nos deparava. É decidida a execução duma biópsia jejunal. O agravamento do estado clí-nico, apesar da tentativa de reposição nutricional, incluindo alimentação

parentérica, com a inevitável demora no resultado da biópsia, levam a ins-tituir tratamento com antibacilares e dieta sem glúten. Assiste-se a me-lhoria rápida do doente com desapa-recimento da diarreia, aumento do apetite e redução das dores abdomi-nais. O resultado da biópsia revelou ”Doença de Whipple: lâmina própria literalmente saturada de macrófagos com material PAS-positivo, diástase-resistente”. O doente completou o tratamento com penicilina, entretan-to introduzida em substituição dos antibacilares, com regressão comple-ta do quadro clínico de má-absorção.

Valeu a persistência e a preciosa cola-boração da Gastroenterologia.

CASO IIILuís, de 70 anos, sofria de bronquite crónica decorrente de hábitos tabá-gicos pesados de longa data. Recor-re ao médico por notar uma dispneia para pequenos esforços, progressi-vamente crescente em poucas se-manas, suportando o decúbito dor-sal sem agravamento da dispneia. No exame físico ressaltam a ausên-cia de sinais de estase pulmonar e a evidência de insuficiência venosa periférica marcada com varicosidade generalizada em ambos os membros inferiores, com moderados edemas dos pés e tíbio-társicas. Não havia qualquer referência a episódio de toracalgia súbita com concomitante agravamento de dispneia. Embora sem queixas nem sinais de trombo-flebite em qualquer dos membros inferiores, coloca-se a hipótese de tromboembolismo pulmonar cróni-co. Na ausência de condições para efectuar angiografia pulmonar (*) é prescrito cintilograma pulmonar de ventilação-perfusão que sugere probabilidade intermédia de trom-boembolismo pulmonar. O doente foi encaminhado para consulta de Cirurgia Vascular em hospital de re-ferência para estudo e tratamento de presumível fonte emboligénica.

(*) Caso ocorrido no início da década de 1990.

A aprendizagem do sentido crítico deve estar subjacente no raciocínio clínico do Internista, que deve questionar certezas quando a sua clareza não é tão evidente.

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8 Medicina Interna Hoje

Por Carlos Ferreira, Clínica Universitária de Medicina II, Faculdade de Medicina de Lisboa

Por terem sido consideradas doenças relativamente raras, individualmente, não têm tido grande impacto público, mas consideradas no seu conjunto terão uma prevalência estimada em cerca de 5 a 10 por cento da nossa população, ou seja, ocuparão um quarto ou quinto lu-gar das doenças mais prevalentes.A definição de doença auto-imune co-loca vários problemas e, de uma forma simplificada, podemos afirmar que estas doenças evidenciam uma perturbação no sistema imune, que o leva a reagir (patologicamente) com os próprios an-tigénios. Clinicamente, estão definidas como doenças sistémicas ou de órgão, mas esta divisão nada nos diz acerca da sua etiologia e esclarece-nos pouco sobre a sua patogenia. Com esta clas-sificação, compreende-se que a sua expressão clínica depende do orgão ou

voxpop

sistema afectado e assim se percebe que possam interessar várias especialidades. Ainda hoje grande parte da Medicina continua organizada na base da ana-tomia, ou seja, o local, o orgão, onde a doença ocorre. No entanto, a evolução do conhecimento fez olhar para além da fisiologia do orgão e compreender também os mecanismos genéticos, ce-lulares e moleculares, que estão na base destas patologias, percebendo-se que muitos destes mecanismos são comuns a muito dos orgãos.Aos novos conhecimentos científicos e tecnológicos tem correspondido uma evolução no exercício da Medicina que, por sua vez, gerou um aumento consi-derável da despesa pública com a Saú-de, como sabemos. Este é um problema actual. Ultrapassá-lo, terá que ser através da própria evolução social observada e, haverá que encontrar uma nova orga-nização no campo médico e da saúde. Teremos que nos organizar melhor.Ao ser-lhe colocada a questão “Internis-tas e doenças auto-imunes”, o Dr. Luís Campos (coordenador nacional do NE-DAI) afirmou, na 8.ª reunião da Medin-terna, em Janeiro último: “Fomentar a criação de consultas diferenciadas, asse-guradas por equipas multidisciplinares... coordenadas por Internistas; apostar na formação pós-graduada, promover a informatização das consultas, criar re-

gistos nacionais, facultar a investigação”. De facto, isto é uma forma de nos organi-zarmos melhor. Por isso, ter presente algumas das reali-dades, velhas e novas, neste campo das doenças auto-imunes, talvez nos possa ajudar a reflectir.

REALIDADES VELHAS

É verdade que em muitos doentes auto- -imunes, os primeiros sintomas que es-tão presentes são febre, fadiga, artralgias, rash, sintomatologia cardíaca ou renal, sintomatologia que pode ser o começo de uma doença infecciosa, neoplasica ou outra qualquer e não propriamente uma doença auto-imune. Por isso, muitas ve-zes, no início, o diagnóstico da maior par-te das doenças auto-imunes é complica-do, pela ausência de sintomas e sinais específicos para uma dada doença e não é só pela falta de critérios validados mas também pela falta de biomarcadores es-pecíficos para cada doença. Mas isto é o papel diário do Internista nas consultas, nas urgências, nas enfermarias.: orientar este tipo de doentes.

REALIDADES NOVAS

Começou a ser evidente que, nas doen-ças auto-imunes, as alterações no siste-ma imune aparecem muitos anos antes

Doenças auto-imunes e Medicina Interna

As doenças auto-imunes foram no princípio do século passado

consideradas as doenças raras e denominadas

doenças do colagéneo, mas hoje estão

reconhecidas mais de cem entidades como doenças

auto-imunes.

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dos sintomas se tornarem patentes e, por isso, há que saber enquadrar estes dados com a história clínica.Devemos ter presente, também, que as doenças auto-imunes são inflamatórias e que as doenças inflamatórias (não in-fecciosas), auto-inflamatórias, têm como factores que determinam as manifesta-ções clínicas, no primeiro caso, o sistema imune adaptativo e, no segundo, o siste-ma imune inato. As doenças auto-imu-nes e auto-inflamatórias enquadram-se assim, na classificação de doenças imu-nológicas e permitem perceber melhor a patogénese e a terapêutica da infla-mação quando têm por alvo o próprio organismo.A nova era de fármacos biológicos tem trazido grandes melhorias no tratamen-to destas doenças e, simultaneamente, tem revelado também, que diferentes doenças auto-imunes ou até especifica-mente doenças crónicas inflamatórias partilham mecanismos patogénicos comuns.O envolvimento de múltiplos espe-cialistas no tratamento de um doente auto-imune pode resultar na falta de coordenação, na descontinuidade dos cuidados prestados, no aumento das acções secundárias dos fármacos e da sua toxicidade, porventura, no aumento dos custos prestados e também em des-conforto para o doente, que gosta de ter um médico a quem se dirigir. Estes pro-blemas aumentam quando o doente se apresenta com mais de uma doença auto-imune, situação que não é rara, visto que uma doença aumenta o risco

de poderem ocorrer outras. Percebe-se, também, que se aparecerem complica-ções, que estejam fora do âmbito da es-pecialidade presente, obriga a recorrer a outros recursos. Daí ser importante, que na qualidade dos cuidados médicos prestados haja médicos competentes nestas áreas e que trabalhem conjun-tamente numa equipa multidisciplinar para benefício do doente e da comuni-dade.Organizar, como dizia Fernando Pessoa, é tornar-se semelhante a um organis-mo e, neste, as diferentes funções são desempenhadas por orgãos distintos, incapazes de se substituirem entre si e concorrendo todos na sua interacção de conjunto. Tem-se, depois, que deter-minar as relações entre esses elementos e coordená-las. Este paradigma parece- -me eloquente. Se a evolução da ciência fez surgir as múltiplas especialidades, necessárias e fundamentais, é verdade, também, que fez perder à Medicina Interna a precisão das suas fronteiras. Outros aspectos subsistem, no entanto, para os quais colegas e sociedade recla-mam os nossos serviços; falo de doentes com queixas de grande complexidade, com problemas médicos múltiplos e de múltiplas medicações, para os quais a Medicina especializada e fragmentada não encontra a melhor resposta.Por isso, como dizia o presidente da SPMI, em 2004, Dr. Faustino Ferreira, aquando da abertura do 10.º Congresso Nacional de Medicina Interna: “somos a especialidade básica do hospital. Sem Internistas não há hospital(...) Repensar

a organização e a gestão dos cuidados de saúde esquecendo o papel que os Internistas nela devem desempenhar será um terrível erro estratégico que terá como consequência o esbanjamento de meios e fundos”. As doenças auto-imunes (sistémicas) são uma área de conhecimento e ex-periência (competência) dentro da Medicina Interna. Ao terem surgido novos aspectos clínicos, novos conhe-cimentos, novas terapêuticas, maior sobrevivência, mas também maior morbilidade, tudo isto conduziu a maior complexidade e à necessidade de uma abordagem multidisciplinar. Mas todo este processo vai requerer uma orientação e um responsável. Esta necessidade já há muito tempo que foi sentida e a existência de um campo muito específico e definido destas patologias com particularidades assistenciais, docentes e de investiga-ção há muito que criaram em alguns hospitais de reconhecido prestígio no mundo unidades ou serviços multidis-ciplinares dedicados a estas doenças, onde a Medicina Interna é o “pivot”. É o caso da unidade de doenças auto-imunes do Hospital Clínic de Barcelona e da unidade de doenças auto-imunes do Hospital Sheba, em Tel Aviv. Os cuidados de qualidade que se exigem face aos novos desafios e ne-cessidades requerem coordenação, renovação e efectiva comunicação entre médicos e isto implica novos caminhos para os médicos e para as instituições.

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uma palavra a dizer

António Martins Baptista será o próximo presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), onde

ocupa, actualmente, o cargo de vice-presidente. Em entrevista à Medina Interna Hoje, António Martins Baptista fala da importância do 16.º congresso - que se realiza, em Maio, em Vilamoura - para o futuro da classe e aponta os

principais desafios que os Internistas enfrentam.

na apresentação do congresso da SPMI, refere dois tipos de desafio que os Internistas enfrentam: de ordem científica e de ordem socioprofissio-nal. Concretamente, a que desafios se refere?Os médicos têm de estar sempre pron-tos para responder aos desafios que a ciência lhes coloca, especialmente pe-rante o crescimento do conhecimento que existe hoje em dia. E não é só a ciên-cia que nos desafia. Os próprios doentes são sempre diferentes e nem sempre se adequam ao que vem nos livros. Assim, temos de estar actualizados do ponto de vista científico.Os desafios de ordem socioprofissional (que no congresso representarão um terço dos temas em discussão) colocam--se porque o sistema está em mudança.

do actual contexto de sobreespeciali-zação da Medicina e de expansão da doença crónica e multiorgânica? e o sistema de Saúde está em condições de responder a essa exigência? Que contributo podem dar os Internistas nesta área? Não é possível, hoje em dia, que um mé-dico saiba sobre tudo. É completamente impossível. Desta forma, a especializa-ção continuará a ter um papel funda-mental no desenvolvimento da organi-zação do sistema de Saúde. Já quanto à gestão do doente crónico, penso que será cada vez mais o Internis-ta que terá de assumir esse papel, por-que estamos a falar de doentes cada vez mais idosos, cada vez mais pluripatogé-nicos e que necessitam de um conheci-mento variado.Nenhum dos superespecialistas é capaz de tomar conta de uma série de proble-mas patológicos diferentes, portanto terá de ser o Internista a estar cada vez mais actualizado nas áreas de fronteira entre as várias especialidades, recorren-do, obviamente, ao aconselhamento do especialista quando a área o ultrapassa por superespecialização, ou por ques-tões técnicas, ou por necessidade de diagnóstico. É urgente que organizemos os hospitais

O Internista é mais necessário quando a incerteza aumentaAntónio Martins Baptista, vice-presidente da SPMI

Os sistemas de Saúde em Portugal e no mundo estão a mudar e colocam desa-fios constantes e sempre diferentes. Se os médicos querem ter um papel de liderança no sistema, precisam de estar actualizados. Os Internistas são, de certo modo, o cerne de funcionamento dos hospitais em Portugal e noutros países, pelo que precisam de estar preparados para quando as discussões decorrerem naturalmente nas suas instituições. Pre-cisam de saber o que está em jogo para poderem tomar posições que defen-dam o papel do médico como cuidador do doente, sempre na defesa da melhor qualidade de cuidados prestados.

em relação aos desafios de ordem científica: os Internistas estão prepa-rados para responder às exigências

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de modo a criarmos um lugar específico para o tratamento da doença crónica. Um espaço para tratamento da doença crónica tiraria imensa gente das urgên-cias, porque é preciso não esquecer que à urgência vão muitos doentes crónicos, com recorrência, e sempre por compli-cação da sua doença. Esses doentes se-riam provavelmente mais bem tratados num espaço de hospital de dia ou de gestão da doença crónica, gerido por Internistas, que evitariam seguramente uma grande parte da afluência que há hoje aos serviços de urgência. Tem de haver um espaço de gestão da doença crónica. Um espaço como este evitaria muitos internamentos, uma vez que o doente estaria sempre controlado. Os doentes crónicos, ainda que não sejam a maioria dos casos que acorrem à urgên-cia, são certamente aqueles que nos dão mais trabalho, pois chegam recorrente-mente em mau estado. Portanto consi-dero que a Medicina Interna vai ter um papel de organização de um espaço de tratamento da doença crónica dentro dos hospitais. Os hospitais privados, por exemplo, perceberam rapidamente que a aposta na Medicina Interna era a me-lhor forma de ter um serviço mais bem organizado e mais barato, de ter alguém que faça a gestão do doente e que o organize dentro do sistema do hospital privado. Os hospitais públicos ainda não estão organizados deste modo, mas vão ter de seguir esse modelo, até porque o dinheiro é cada vez menos e teremos de adoptar um modelo economicista que funcione e que seja eficaz e que terá que passar, necessariamente, pela Medici-

pagamento”, as especialidades médicas que tinham actos que fossem quantifi-cáveis, como uma ecografia ou uma en-doscopia, foram mais bem financiadas. Isto levou a que os hospitais preferis-sem ter médicos que fizessem técnicas do que médicos que vissem doentes, o que conduziu a uma perversão do sistema em todo o mundo. Uma vez que os hospitais preferiam ter médicos especialistas, os médicos optavam pela especialização pois eram mais bem pa-gos. Resultado: nalguns países, como nos EUA e no Norte da Europa, deixou de haver Internistas, porque todos os médicos se especializavam. Era melhor para eles e os hospitais preferiam. Ou seja, toda a gente preferia mas ninguém perguntou aos doentes o que preferiam, se preferiam ter um médico a fazer-lhe uma técnica ou um médico que fizes-se um diagnóstico. Este conjunto de acontecimentos levou a uma perver-são do sistema e fez com que houvesse uma deriva superespecialista em todo o mundo. Os países do Sul da Europa, que tiveram sempre e continuam a ter uma Medicina altamente socializada, não fizeram essa deriva porque ela não era obrigatória, ou seja, o financiamen-to do sistema não passava por aí, o que fez com que, felizmente, ficássemos um bocadinho para trás. Neste momento, nos EUA chegaram à conclusão de que os doentes ficavam abandonados o dia todo. Então criaram uma especialida-de chamada “hospitalistas” para tomar conta dos doentes e para ver os doentes no dia-a-dia. No fundo, continua por ar-ranjar uma maneira de quantificar o tra-

na Interna. Está em causa um binómio custo-benefício de grande rendimento.

O PROBLEMA DA QUANTIFICAçãO

a medição da produção nos hospitais e as definições de qualidade e efici-ência associadas são tópicos do pro-grama do congresso. Que desafios se colocam aos Internistas nesta área? a introdução de incentivos aos médicos nos hospitais pode ser aplicada com sucesso numa especialidade como a Medicina Interna? não pode resultar numa perversão?Um dos problemas da Medicina Interna a nível mundial foi o financiamento da patologia. Até uma certa altura, os mé-dicos recebiam os ordenados, faziam o seu trabalho e não se preocupavam com mais nada. A partir de um determi-nado momento decidiu-se quantificar o trabalho. Essa quantificação nasceu nos EUA e foi predominantemente marca-da pelas especialidades cirúrgicas, ou seja, uma operação ao estômago vale X, uma operação à vesícula vale Y. Como é fácil quantificar actos, foi rapidamente aceite esse método de quantificação do trabalho dentro dos hospitais, o que foi dramático para uma especiali-dade como a Medicina Interna. Porque consultas todos dão, mas há consultas que se fazem em cinco minutos e as da Medicina Interna demoram meia hora. Deste modo, a rentabilidade da Medici-na Interna foi considerada muito baixa. Como o financiamento dos hospitais foi baseado no princípio de “um acto - um

uma palavra a dizer

Há uma marca que gostaria de deixar do meu mandato: gostava que houvesse uma maior divulgação junto do

público em geral do que é o Internista.

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balho do médico que vê o doente, que faz o diagnóstico e acompanha o doente e que evita pedir uma série de exames porque, observando o doente, chega à conclusão de que não é preciso pedi- -los. Ainda não sabemos como fazer esta quantificação, daí que o tema de uma das mesas-redondas do congresso seja “Medicina Interna: Quantificação Impos-sível”. O que sabemos é que o Internista é essencial, sabemos que a Medicina tem melhor qualidade quando há um generalista dentro do hospital que fala com o doente antes de o encaminhar para o especialista, mas não sabemos exactamente como se quantifica isto. Fizemos um estudo com o professor Pita Barros que provava que o aumento de Internistas nos hospitais poupava uma quantidade significativa de dinheiro. São estudos baseados em dados estatísticos e não há maneira de quantificar uma coi-sa destas. Como é que se dão incentivos aos médicos no meio disto tudo? Temos de inventar. Se calhar partirá de nós, In-ternistas, em conjunto com os gestores. Temos de inventar uma nova maneira de perceber como é que dando atenção ao doente se poupa dinheiro (o que aos In-ternistas parece óbvio), mas com méto-dos de quantificação, para que o dinhei-ro que pouparmos possa reverter a favor da remuneração dos Internistas.

em comparação com outros médicos, os Internistas estão mais preparados para serem gestores de unidades e ser-viços de saúde?Se estamos a falar de uma unidade de saúde à qual o doente chega sem diag-nóstico e com uma doença pluridiscipli-nar, como um serviço de urgência, onde não sabemos o que nos vai aparecer, não tenho dúvida de que a Medicina In-terna é a especialidade mais qualificada. Quando a incerteza aumenta, o Internis-ta é mais necessário.

a conferência “os médicos da repúbli-ca”, de Mário Soares, vai lembrar o tem-po do médico generalista, orientado por valores e pelo interesse do doente e activo em termos políticos e cívicos. esse médico perdeu-se, ou estes valo-res continuam presentes?O facto de se ser politicamente activo é da esfera pessoal de cada um. Quanto ao médico generalista, orientado por valores e pelo interesse do doente, não tenho dúvida de que a grande maioria dos Internistas se enquadra nessa de-finição. Tenho um enorme orgulho de ter trabalhado nestes últimos 10 anos em organizações de Medicina Interna em Portugal e na Europa, mas princi-palmente em Portugal, onde senti que

há enorme abnegação pelo doente por parte do Internista. Os Internistas portu-gueses têm o maior interesse em que as mudanças que estão a ocorrer no siste-ma de Saúde não deixem o doente pior do que está.

MAIOR DIVULGAçãO

É o próximo presidente da SPMI, quais são as suas prioridades?As minhas prioridades passam pela criação de canais dentro dos serviços públicos, de maneira a que as reformas que estão a ocorrer não sejam contra os doentes nem contra quem trata deles. Há uma marca que gostaria de deixar do meu mandato: gostava que houvesse uma maior divulgação junto do público em geral do que é o Internista. Gostava que, no final do meu mandato, pelo me-nos uma maior percentagem da popula-ção soubesse o que são os Internistas e o que eles fazem pela saúde dos doentes nos hospitais.

a reforma dos hospitais está em curso, que papel vai ter a Sociedade neste processo? tem estado em contacto com a tutela e com outros parceiros, no âmbito deste processo? O papel que a SPMI gostaria de ter está longe do papel que tem tido. Em reformas recentes, em que não fo-mos ouvidos contra a nossa vontade, como a da rede de urgências, foram tomadas decisões que se têm voltado contra os interesses do doente. Estamos muito preocupados com a nova reforma dos hospitais porque ninguém nos quis ouvir, nem enquanto Sociedade, nem ao Colégio de Medicina Interna da Or-dem dos Médicos, os únicos órgãos de médicos Internistas eleitos em Portugal. Estamos e continuaremos a estar inte-ressados e disponíveis para contribuir, mas até agora tal não aconteceu.

Tenho um enorme orgulho de ter trabalhado nestes últimos 10 anos em organizações de Medicina Interna em Portugal e na Europa, mas principalmente em Portugal, onde senti que há enorme abnegação pelo doente por parte do Internista.

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14 Medicina Interna Hoje

O tema parecia consensual, quer entre a classe médica, a classe política, quer, mesmo, entre a opinião pública mais ou menos atenta e esclarecida.Certo é que o relativo consenso com que se tinha assimilado esta matéria tem vindo progressivamente a dissipar-se. A decisão do governo de fazer convergir a idade das aposentações na função públi-ca com a idade da reforma no sector pri-vado tem acelerado uma corrida à apo-sentação antecipada à razão de vários milhares de funcionários públicos por mês. E entre eles está, também, a classe médica, internistas incluídos, mesmo ao nível das chefias.Em declarações aos jornalistas não há muitos dias, o secretário de Estado do Orçamento, Emanuel dos Santos, assu-miu poder haver “problemas” decorren-tes deste desvio de profissionais para a reforma antecipada e revelou estarem a ser preparadas “medidas especiais” para suprir a progressiva carência, nomeada-mente de médicos, em vários pontos do país.E se, como se disse, a ideia da falta de mé-dicos nos parecia problema de somenos há meia dúzia de anos, notícias como

esta, a par de outras, surpreendem nega-tivamente as unidades de saúde, os pro-fissionais e o país. E podem trazer conse-quências graves para o Serviço Nacional de Saúde e, no terreno, efeitos nefastos para as populações e ao nível do acesso, que se quer garantido, à prestação, com qualidade e em tempo útil, de cuidados de saúde. E isto com particular acuidade nas zonas mais desertificadas, onde, por maioria de razão, a aposentação de um único médico pode colocar temporaria-mente sem cuidados centenas ou milha-res de cidadãos.As soluções não são, contudo, milagro-sas. Ainda assim, a sensibilidade e o bom senso fazem-nos perceber que, quanto mais morosas e tardias se apresentarem essas soluções, mais lentamente entra-rão em vigor e mais drásticas e onerosas serão.Ora, a par da necessidade de reforço na formação de novos médicos que o poder político demora em perceber, é preciso a criação de verdadeiros incentivos, finan-ceiros e ao nível da progressão na carrei-ra e até de apoio à família e ao alojamen-to, para que os médicos, nomeadamente Internistas, em final de curso ou já no ac-

* Jornalista desde 1995, escreve no semanário “Vida Económica” há 10 anos, acompanhando matérias relacionadas com Saúde, Justiça, Trabalho e Segurança Social, Formação

Profissional e Agro-alimentar.

Os médicos e a interioridade

tivo, se sintam efectivamente motivados a trabalhar no interior de Portugal.A verdade é que a decisão que a ministra da Saúde, Ana Jorge, encetou em finais da legislatura anterior para resolver o problema da falta de médicos nas zonas mais desertificadas, entre eles Internistas em final de formação, parece não dar os esperados resultados. A experiência tem mostrado que não são suficientes os apoios concedidos à mobilidade geográfica dos médicos (750 euros/mês durante um ano), por serem de curta duração e apenas direcciona-dos para o internato e não para todos os profissionais que queiram, porventura, experimentar exercer a profissão no in-terior.É, pois, preciso agir rapidamente. E inves-tir recursos, para obter resultados consis-tentes. Adiar os problemas compromete a eficaz prestação de cuidados de saúde, desmotiva a classe médica e desprestigia o sistema de Saúde em Portugal.

Que não havia uma notória falta de médicos em Portugal e que carecíamos era de uma

mais equitativa distribuição desses profissionais pelas

diferentes regiões do país, sobretudo as mais

desertificadas, parecia algo relativamente consensualizado

ainda há poucos anos.

Por Teresa Silveira*

do lado de cá

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primeiros passos

Enfrentar desafiosPor José Barroca, Interno 1.º ano no Serviço de Medicina Interna do Hospital de São Bernardo, Centro Hospitalar de Setúbal

O meu primeiro estágio clínico foi de Medici-na Interna, ainda no Hospital do Desterro. Tive a sorte de ter excelentes orientadores, que me ensinaram a ver os doentes como um todo. Sempre que tinha estágios em áreas mais específicas, acabava por querer regressar à abrangência que tinha vivido na Medicina In-terna. Para além de gostar de especialidades generalistas, penso que a Medicina Interna terá um importante papel no futuro, já que, com o envelhecimento da população e a ne-cessidade crescente de abordar doentes poli-medicados com patologias multissistémicas, esta especialidade, como integradora de co-nhecimento das várias áreas médicas, terá um papel central no tratamento hospitalar destes doentes.Entrar nesta especialidade não é nenhum sal-to no desconhecido, já que ao longo da facul-dade e do ano comum passei por estágios lon-gos de Medicina Interna. Enquanto me adapto às rotinas de um novo serviço, os desafios que enfrento são os típicos da entrada na especia-

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lidade: estar à altura de uma responsabilidade muito superior àquela que me era exigida até agora, gerir o tempo disponível para organizar e recolher dados para estudos e estatística e para estudar as necessidades de aprendiza-gem que sinto diariamente, habituar-me aos bancos de urgência como elemento integran-te da equipa, etc. Felizmente, tenho tido apoio dos meus colegas, que não hesitam em res-ponder às dúvidas que tenho, e isso é essencial para poder ser mais proactivo no meu dia-a-dia. Sempre quis fazer a especialidade num local que estimulasse os internos a investigar, a par-ticipar em jornadas e sessões clínicas e a fazer estágios de qualidade, e também nesse aspecto estou satisfeito com o serviço onde estou.Há a ideia de que escolher Medicina Interna é abdicar de tudo excepto trabalho, mas penso que se nesta fase da carreira já tivermos medo de trabalhar longas horas é porque algo está mal no que toca à motivação e, neste momen-to, sinto-me motivado para enfrentar os desa-fios que a especialidade coloca.

16 Medicina Interna Hoje

“Sinto-me motivado para enfrentar os desafios que a especialidade coloca”.

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Medicina Interna Hoje 17

SPMI lança edição em português

Aquele que foi o único papa portu-guês e único papa médico deixou para a posteridade uma série de escritos, de que é exemplo o “Li-ber de Conservanda Sanitate”, que constitui, provavelmente, uma das primeiras contribuições sistémicas para a Medicina Preventiva. O “Liber de Conservanda Sanitate” é um dos muitos trabalhos médi-cos que Pedro Hispano escreveu antes de ascender ao trono papal e trata-se de um brilhante resumo das doenças comuns à época e das medidas para as prevenir.Na sua introdução, o autor escreve “utilius est enim infirmitatem preu-venire quam ipsa concepta forte ir-recuperabile auxiliam postulare”, ou seja: “é mais conveniente prevenir as enfermidades do que procurar posteriormente uma cura que po-derá não ser adequada”. Por outras palavras, é melhor preservar a saú-de do que curar as doenças. Devido ao seu curto pontificado de 8 meses, João XXI tem um lugar

revelações

mais importante na história da fi-losofia, da ciência e da teologia do que na história papal. Muito antes da sua ascensão ao trono papal, João XXI era já uma das mais ilus-tres e famosas personagens da sua época. Agraciado com uma perso-nalidade tenaz e uma mente agu-çada e enciclopédica, era excelente em filosofia, teologia, lei canónica e medicina.Na introdução da edição portu-guesa do “Liber de Conservanda Sanitate”, António Martins Baptista, vice-presidente da SPMI, escreve que a “a Medicina Interna, herdeira cultural que se sente do legado dos Físicos do passado, não podia deixar de aproveitar esta oportunidade de divulgação de uma obra que segura-mente vos vai fazer sorrir, devido ao desgaste de sete séculos de evolução científica, mas que também vos vai encher de orgulho, pelas verdades absolutas que ele contém e que são atestado da grandiosidade do ho-mem que a escreveu”.

“Liber conservanda sanitate” do Papa João xxI

A História da Medicina portuguesa é rica em nomes

sonantes, como Garcia de Orta, Amato Lusitano ou o prémio Nobel Egas Moniz.

No entanto, nenhum destes grandes vultos conseguiu

atingir a dimensão científica e cultural do médico Pedro Hispano ou Papa João xxI.

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CUrSo “o InternISta e a UrgênCIa”11 e 12 de Junho de 2010 Funchal, MadeiraContactos: Secretaria da Direcção do Serviço de Medicina Interna do HCFTelefone 291705730 Ext: 4242 Email: [email protected]

5.º enContro de InternoS de MedICIna Interna (nIMI)18 e 19 de Junho de 2010BragaInformações: Telefone 217 520 570Fax 217 520 579 Email: [email protected] 11.as JornadaS do núCleo de eStUdoS Sobre a InfeCção VIH25 e 26 de Junho de 2010 Hotel Solverde, ChavesInformações: Telefone 217 520 570 Fax 217 520 579Email: [email protected]

EFAS School on Autonomic nErvouS SyStEm13 a 17 de Julho de 2010LisboaInscrições: home.spsna.pt

Eventos Médicos

Se é um eterno apaixonado pela cida-de de Londres, esta sugestão de leitu-ra interessa-lhe. London Book reúne as melhores fotografias registadas pelo médico Paulo Martins, em 160 instan-tâneos que revelam a grandiosidade e riqueza que definem a cosmopolita ca-pital da Inglaterra. A obra encerra o projecto pessoal do autor dedicado à cidade de Londres, iniciado com a exposição “London”, que esteve patente em Lisboa em Outubro de 2007. O resultado final do trabalho, apresentado em livro, mostra, de forma original, a beleza natural e arquitectó-nica e, sobretudo, a diversidade de cul-turas que coexistem na cidade.Licenciado em Medicina pela Faculda-de de Medicina de Lisboa, Paulo Mar-tins é Assistente Hospitalar Graduado de Otorrinolaringologia, no Hospital de Santa Maria (HSM), e Assistente Con-vidado da Faculdade de Medicina de Lisboa (FML/HSM). Estudou pintura du-rante a infância e adolescência com o pintor aguarelista inglês Leslie Harmar,

Um médico anónimo escolheu um blo-gue para esclarecer a classe intelectual, em particular os jornalistas, sobre as temáticas relacionadas com a medicina porque, segundo o autor,”tanto dislate se ouve e lê, por vezes publicado incons-cientemente, que decidi esclarecer quem me procurar, para que os jornalistas (e ou-tros intelectuais!) sejam um meio para os ‘media’ fomentarem a literacia científica.”

Londres captada pela objectiva de um médico

agenda depois da hora

tendo participado em diversas exposi-ções colectivas de artes plásticas. Dedi-ca-se, desde há vários anos, à fotografia como forma de expressão artística. Nos dois últimos anos, apresentou as exposições individuais: London (Outu-bro de 2007), D’ Amour de Fer et de Pierre (Julho 2008), Palavras e Silêncios d’um Corpo (Outubro de 2008), Portas de Du-blin (Dezembro de 2008) e Princesas e Outras Histórias (Dezembro de 2008). Participou recentemente na Bienal In-ternacional Magic Eye, em Roma, com um conjunto de trabalhos individuais intitulados Carne di Pietro. Com o Lon-don Book, o autor dá início a uma nova vertente criativa, através da conjuga-ção de palavras e imagens, conferindo-lhes uma outra leitura mais profunda e abrangente.

O principal objectivo do blogue é que os jornalistas não enviem “para a comu-nicação social afirmações erradas sobre o mundo da Medicina (acredito que muitas são de boa fé!)”. E deixa o apelo: “antes de terminar as vossas peças, se dúvidas tive-rem, comuniquem. Publicitarei, de forma anónima, para outros se esclarecerem”.http://medicoexplicamedicinaaintelec-tuais.blogspot.com

Médico explica Medicina a intelectuais

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