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Justificado para Ser Justo Por Silvio Dutra Ago/2019

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Justificado para Ser Justo

Por

Silvio Dutra

Ago/2019

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A474 Alves, Silvio Dutra Justificado para ser justo Silvio Dutra Alves – Rio de Janeiro, 2019. 51p.; 14,8 x21cm 1. Teologia. 2. Vida Cristã. 3. Justiça I. Título. CDD 252

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“7 O Senhor perguntou a Satanás: Donde vens?

E Satanás respondeu ao Senhor, dizendo: De

rodear a terra, e de passear por ela.

8 Disse o Senhor a Satanás: Notaste porventura

o meu servo Jó, que ninguém há na terra

semelhante a ele, homem íntegro e reto, que

teme a Deus e se desvia do mal?

9 Então respondeu Satanás ao Senhor, e disse:

Porventura Jó teme a Deus debalde?

10 Não o tens protegido de todo lado a ele, a sua

casa e a tudo quanto tem? Tens abençoado a

obra de suas mãos, e os seus bens se

multiplicam na terra.

11 Mas estende agora a tua mão, e toca-lhe em

tudo quanto tem, e ele blasfemará de ti na tua

face!

12 Ao que disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo

o que ele tem está no teu poder; somente contra

ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da

presença do Senhor.” (Jó 1.7-12)

O testemunho que o próprio Deus deu de Jó,

mesmo antes da grande provação a que ele foi

submetido, foi o de que “ninguém há na terra

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semelhante a ele, homem íntegro e reto, que

teme a Deus e se desvia do mal”.

Evidentemente, Jó havia sido justificado pela fé,

tal como havia sido Abraão, para que pudesse

sustentar tal testemunho de um procedimento

grandemente justo.

Pela fé, ele havia recebido graça da parte de

Deus, e um coração terno e sensível para temer

a Deus, se desviar do mal,, e caminhar em justiça

perante Ele.

O quanto Jó estava consciente de que a fé que ele

tinha no Senhor fora recebida como um dom do

próprio Deus, e que era movido pelo Espírito

Santo para fazer somente aquilo que era

aprovado diante dEle, é bem possível que não

fosse algo que estivesse plenamente

confirmado inicialmente nele, pois é o que se

depreende de todo o desenrolar dos discursos

que encontramos em seu livro, e especialmente

pela confissão que ele próprio veio a fazer no

fim, dizendo que antes conhecia o Senhor

somente de ouvir, mas que a partir de então ele

o via com os seus olhos, ou seja, ele havia

avançado no conhecimento da graça divina, e da

pessoa do próprio Deus, que é afinal, Ele mesmo,

na pessoa de Jesus Cristo, a justiça e a vida do

pecador.

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As grandes tribulações que Jó experimentou

contribuíram para que ele não somente

entendesse que todo o seu procedimento justo

não vinha de si mesmo, mas da graça de Deus,

como também que todo o nosso viver se

encontra plenamente nas mãos do Senhor,

cujos planos jamais podem ser frustrados.

É Deus, quem por seu poder, misericórdia e

graça, nos livra de nossas aflições e de nossos

pecados. Não podemos fazer isto, nem mesmo

pela prática de um procedimento inteiramente

justo. Jó aprendeu esta lição quando Deus virou

o seu cativeiro,

Quando o alvo em vista é o de alcançar a vida

eterna e a reconciliação com Deus, as boas obras

dos homens são boas para nada. Jó havia

alcançado a vida eterna e reconciliação com

Deus por meio da sua fé no Senhor, e pela

exclusiva graça e misericórdia de Deus, e a

forma justa como ele viveu foi uma mera

consequência disto.

Noé, Abraão e Jó alcançaram o céu por meio da

fé, e não por causa das obras que eles

praticaram.

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Todavia, suas vidas se tornaram exemplos para

nós, quanto ao modo como devem viver aqueles

que foram justificados por meio da fé em Jesus.

Disto temos o testemunho dos apóstolos:

“1 Que diremos, pois? Permaneceremos no

pecado, para que seja a graça mais abundante?

2 De modo nenhum! Como viveremos ainda no

pecado, nós os que para ele morremos?

3 Ou, porventura, ignorais que todos nós que

fomos batizados em Cristo Jesus fomos

batizados na sua morte?

4 Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo

batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado

dentre os mortos pela glória do Pai, assim

também andemos nós em novidade de vida.

5 Porque, se fomos unidos com ele na

semelhança da sua morte, certamente, o

seremos também na semelhança da sua

ressurreição,

6 sabendo isto: que foi crucificado com ele o

nosso velho homem, para que o corpo do pecado

seja destruído, e não sirvamos o pecado como

escravos;

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7 porquanto quem morreu está justificado do

pecado.

8 Ora, se já morremos com Cristo, cremos que

também com ele viveremos,

9 sabedores de que, havendo Cristo

ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a

morte já não tem domínio sobre ele.

10 Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para

sempre morreu para o pecado; mas, quanto a

viver, vive para Deus.

11 Assim também vós considerai-vos mortos

para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo

Jesus.

12 Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo

mortal, de maneira que obedeçais às suas

paixões;

13 nem ofereçais cada um os membros do seu

corpo ao pecado, como instrumentos de

iniquidade; mas oferecei-vos a Deus, como

ressurretos dentre os mortos, e os vossos

membros, a Deus, como instrumentos de

justiça.

14 Porque o pecado não terá domínio sobre vós;

pois não estais debaixo da lei, e sim da graça.

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15 E daí? Havemos de pecar porque não estamos

debaixo da lei, e sim da graça? De modo

nenhum!

16 Não sabeis que daquele a quem vos ofereceis

como servos para obediência, desse mesmo a

quem obedeceis sois servos, seja do pecado para

a morte ou da obediência para a justiça?

17 Mas graças a Deus porque, outrora, escravos

do pecado, contudo, viestes a obedecer de

coração à forma de doutrina a que fostes

entregues;

18 e, uma vez libertados do pecado, fostes feitos

servos da justiça.

19 Falo como homem, por causa da fraqueza da

vossa carne. Assim como oferecestes os vossos

membros para a escravidão da impureza e da

maldade para a maldade, assim oferecei, agora,

os vossos membros para servirem à justiça para

a santificação.

20 Porque, quando éreis escravos do pecado,

estáveis isentos em relação à justiça.

21 Naquele tempo, que resultados colhestes?

Somente as coisas de que, agora, vos

envergonhais; porque o fim delas é morte.

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22 Agora, porém, libertados do pecado,

transformados em servos de Deus, tendes o

vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida

eterna;

23 porque o salário do pecado é a morte, mas o

dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo

Jesus, nosso Senhor.” (Romanos 6.1-23)

Veja que o apóstolo revela qual é a chave para

entendermos a exigência de um viver segundo a

justiça. Ele diz que é para a santificação, ou seja,

isto faz parte da santificação sem a qual

ninguém verá o Senhor. E sabemos que a

santificação é mais do que simplesmente um

viver justo, pois também demanda amor,

misericórdia, longanimidade, e muitas outras

virtudes que procedem do próprio Cristo para

nós.

“Assim como oferecestes os vossos membros

para a escravidão da impureza e da maldade

para a maldade, assim oferecei, agora, os vossos

membros para servirem à justiça para a

santificação.”

E a esta santificação referida, segue-se o seu

efeito, que é a vida eterna. A vida de

coparticipação da natureza divina. A vida de

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comunhão amorosa com Ele para todo o

sempre.

“Agora, porém, libertados do pecado,

transformados em servos de Deus, tendes o

vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida

eterna; porque o salário do pecado é a morte,

mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em

Cristo Jesus, nosso Senhor.”

“9 Não retarda o Senhor a sua promessa, como

alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é

longânimo para convosco, não querendo que

nenhum pereça, senão que todos cheguem ao

arrependimento.

10 Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do

Senhor, no qual os céus passarão com

estrepitoso estrondo, e os elementos se

desfarão abrasados; também a terra e as obras

que nela existem serão atingidas.

11 Visto que todas essas coisas hão de ser assim

desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em

santo procedimento e piedade,

12 esperando e apressando a vinda do Dia de

Deus, por causa do qual os céus, incendiados,

serão desfeitos, e os elementos abrasados se

derreterão.

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13 Nós, porém, segundo a sua promessa,

esperamos novos céus e nova terra, nos quais

habita justiça.

14 Por essa razão, pois, amados, esperando estas

coisas, empenhai-vos por serdes achados por

ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis,” (II

Pedro 3.9-14)

Um viver na prática da justiça neste mundo é o

início daquela vida que será perfeitamente justa

quando Jesus se manifestar em Sua segunda

vinda, pois fomos criados para sermos à imagem

e semelhança de Deus, não quanto à Sua

onipotência, onisciência e onipresença, mas

quanto à Sua santidade e caráter.

É por conta desta perfeição absoluta que

teremos na vida do porvir, que alcançamos pela

fé, segundo a esperança que nos é proposta e

oferecida pelo evangelho, que muitas falhas e

imperfeições que nos acompanhem em nossa

jornada terrena, enquanto buscamos viver de

maneira piedosa e santa, em obediência à

vontade de Deus, são suportadas por Ele, em

razão da misericórdia e longanimidade que

temos na Nova Aliança, pelos méritos de Jesus,

e da promessa que Deus nos fez de perdoar todos

os nossos pecados, uma vez que Jesus pagou

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inteiramente o preço exigido por Sua justiça

para que fôssemos redimidos.

Deus é espírito e importa ser adorado e servido

em espírito e em verdade.

Depois da entrada do pecado no mundo, todos se

tornaram carnais, deixaram de ser espirituais, e

somente por meio da fé em Jesus para o

recebimento de uma nova natureza celestial e

divina, que o homem pode voltar a ser vivificado

em espírito, tornando-se espiritual, e assim

habilitado à comunhão com Deus.

Não se pense portanto, em Enoque, Noé,

Abraão, Jó, Moisés, Davi, Elias, Eliseu, e todos os

grandes homens de Deus como justos diante de

Deus, sem o concurso da fé, pois sem fé é

impossível agradar a Deus, conforme podemos

ver na galeria dos justos relacionados no 11º

capítulo de Hebreus.

A justiça de Deus é muito mais do que

simplesmente cumprimento de deveres

morais, pois exige conformação absoluta à Sua

santidade, aí incluídos os deveres de culto e

adoração, pelo exercício de fé, louvor, oração,

reverência, obediência, serviço etc.

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A justiça divina demanda mortificação do

pecado, por estarmos crucificados quanto ao

ego e o mundo. Para isto, tentações devem ser

vencidas e nos despojarmos da velha natureza,

para que possamos ser revestidos pela nova, que

é celestial, espiritual e divina. Tudo isto pode ser

alcançado somente por meio da nossa união

com Jesus Cristo e um andar diário no Espírito

Santo. Vemos assim, que ser justo segundo Deus

é muito mais do que ser meramente honesto no

uso de coisas materiais.

Importa pois ser justificados pela fé, e pela

mesma fé, sermos santificados e habilitados

para um procedimento justo diante de Deus e

dos homens.

Todos os que foram grandes pela fé que tiveram,

também foram grandes em sua santificação.

Estamos destacando o exemplo de Jó,

notadamente pelo testemunho dado pelo

próprio no 31º capítulo do seu livro.

“1 Fiz pacto com os meus olhos; como, pois, os

fixaria numa virgem?

2 Pois que porção teria eu de Deus lá de cima, e

que herança do Todo-Poderoso lá do alto?

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3 Não é a destruição para o perverso, e o desastre

para os obradores da iniquidade?

4 Não vê ele os meus caminhos, e não conta

todos os meus passos?

5 Se eu tenho andado com falsidade, e se o meu

pé se tem apressado após o engano

6 (pese-me Deus em balanças fiéis, e conheça a

minha integridade);

7 se os meus passos se têm desviado do

caminho, e se o meu coração tem seguido os

meus olhos, e se qualquer mancha se tem

pegado às minhas mãos;

8 então semeie eu e outro coma, e seja

arrancado o produto do meu campo.

9 Se o meu coração se deixou seduzir por causa

duma mulher, ou se eu tenho armado traição à

porta do meu próximo,

10 então moa minha mulher para outro, e outros

se encurvem sobre ela.

11 Pois isso seria um crime infame; sim, isso

seria uma iniquidade para ser punida pelos

juízes;

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12 porque seria fogo que consome até o abismo,

e desarraigaria toda a minha renda.

13 Se desprezei o direito do meu servo ou da

minha serva, quando eles pleitearam comigo,

14 então que faria eu quando Deus se

levantasse? E quando ele me viesse inquirir, que

lhe responderia?

15 Aquele que me formou no ventre não o fez

também a meu servo? E não foi um que nos

plasmou na madre?

16 Se tenho negado aos pobres o que desejavam,

ou feito desfalecer os olhos da viúva,

17 ou se tenho comido sozinho o meu bocado, e

não tem comido dele o órfão também

18 (pois desde a minha mocidade o órfão

cresceu comigo como com seu pai, e a viúva,

tenho-a guiado desde o ventre de minha mãe);

19 se tenho visto alguém perecer por falta de

roupa, ou o necessitado não ter com que se

cobrir;

20 se os seus lombos não me abençoaram, se ele

não se aquentava com os velos dos meus

cordeiros;

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21 se levantei a minha mão contra o órfão,

porque na porta via a minha ajuda;

22 então caia do ombro a minha espádua, e

separe-se o meu braço da sua juntura.

23 Pois a calamidade vinda de Deus seria para

mim um horror, e eu não poderia suportar a sua

majestade.

24 Se do ouro fiz a minha esperança, ou disse ao

ouro fino: Tu és a minha confiança;

25 se me regozijei por ser grande a minha

riqueza, e por ter a minha mão alcança o muito;

26 se olhei para o sol, quando resplandecia, ou

para a lua, quando ela caminhava em esplendor,

27 e o meu coração se deixou enganar em

oculto, e a minha boca beijou a minha mão;

28 isso também seria uma iniquidade para ser

punida pelos juízes; pois assim teria negado a

Deus que está lá em cima.

29 Se me regozijei com a ruína do que me tem

ódio, e se exultei quando o mal lhe sobreveio

30 (mas eu não deixei pecar a minha boca,

pedindo com imprecação a sua morte);

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31 se as pessoas da minha tenda não disseram:

Quem há que não se tenha saciado com carne

provida por ele?

32 O estrangeiro não passava a noite na rua; mas

eu abria as minhas portas ao viandante;

33 se, como Adão, encobri as minhas

transgressões, ocultando a minha iniquidade no

meu seio,

34 porque tinha medo da grande multidão, e o

desprezo das famílias me aterrorizava, de modo

que me calei, e não saí da porta...

35 Ah! quem me dera um que me ouvisse! Eis a

minha defesa, que me responda o Todo-

Poderoso! Quem dera tivesse eu a acusação

escrita pelo meu adversário!

36 Por certo eu a levaria sobre o ombro, sobre

mim a ataria como coroa.

37 Eu lhe daria conta dos meus passos; como

príncipe me chegaria a ele

38 Se a minha terra clamar contra mim, e se os

seus sulcos juntamente chorarem;

39 se comi os seus frutos sem dinheiro, ou se fiz

que morressem os seus donos;

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40 por trigo me produza cardos, e por cevada

joio. Acabaram-se as palavras de Jó.” (Jó 31)

Que gigante espiritual era Jó!

E quão anões somos nós, na grande maioria,

comparados com ele!

Sua justiça não era apenas de palavra.

Os cristãos dizem que são justos, mas em sua

grande maioria aprenderam apenas a dizer isto,

sem atinar com o verdadeiro significado de um

viver justo.

Muitos falam com a boca e saem a praticar toda

sorte de coisas abomináveis, e não procuram

guardar seus corações em verdadeira pureza.

Então que justiça está sendo implantada neles

pelo Espírito Santo?

Quando lemos o testemunho que Jó nos dá neste

capítulo 31º, pasmamos de quão longe estamos

deste grau de santificação que ele havia

alcançado.

Logo no primeiro versículo ele afirma que havia

feito um pacto com os seus olhos para não fixá-

los numa virgem.

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E que o fizera pelo temor de Deus, para que não

perdesse qualquer galardão da parte dEle (v. 2).

Ele caminhava sabendo que Deus é onisciente e

onipresente e que tudo sabe e vê, e que avalia

todos os nossos atos (v. 4).

Jó ponderava portanto, todo o seu caminhar

neste mundo, tudo passando sob o crivo dos

olhos do Senhor, de modo que ao ser pesado por

Deus em Sua balança, nunca fosse achado em

falta.

Ele não somente se guardava da soberba dos

olhos, como também de contaminar suas mãos

com qualquer má ação.

E o fizera sob a pena de anátema que outro

comesse o que ele viesse a semear, caso se

desviasse do seu propósito de viver na prática da

justiça.

Ele também se impôs o anátema de que sua

esposa o traísse com outro, caso deixasse o seu

coração ser seduzido por outra mulher, ou caso

armasse qualquer tipo de traição ao seu

próximo.

Ele sabia que tinha um Senhor no céu, e por isso

procurava ser um patrão justo na terra em

relação a seus servos.

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Sabia que tanto ele quanto seus servos eram

iguais perante Deus.

Ele também se impôs o anátema de que caísse o

seu ombro e que o seu braço fosse

desconjuntado, caso fosse omisso em atender

ao pobre, ao órfão, à viúva e qualquer outro tipo

de necessitado, que dependesse da sua ajuda.

Jó declarou expressamente que a sua confiança

e esperança não se encontravam no ouro (v. 24),

e que não era a sua grande riqueza a razão do seu

regozijo (v.25), e nem era um adorador de ídolos,

citando por exemplo a adoração que muitos

faziam do sol e da lua, porque com isso teria

negado a Deus que se encontra no céu.

Ele não se alegrava na ruína dos seus inimigos, e

não exultava quando o mal lhes sobrevinha, e

nunca pediu com sua boca a morte de nenhum

deles.

Ele hospedava em sua casa os estrangeiros e

peregrinos.

Ele bem conhecia o pecado de Adão, que

procurou se esconder de Deus, para que não

descobrisse as suas transgressões, e por isso

nunca havia fugido do seu dever de ser justo

mesmo quando era pressionado pela multidão.

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Jó estava tão em paz com a sua consciência

quanto ao modo da sua vida justa, que caso os

seus inimigos escrevessem contra ele

acusações mentirosas, ele as tomaria sobre si

sem qualquer rancor, e as carregaria consigo à

presença de Deus, porque aquilo somente

serviria para aumentar a sua honra, porque

certamente daria ocasião para que o Senhor

fizesse a sua defesa.

De onde este homem aprendera tudo isto, senão

da sabedoria divina?

Muitos séculos antes de Paulo ter declarado que

não devemos nos importar com os juízos

enganosos que fazem contra nós, porque é o

Senhor quem nos julga, Jó tivera conhecimento

deste princípio de sabedoria, por causa da sua

comunhão com Deus, e o temor verdadeiro que

tinha dEle, desviando-se do mal.

A vontade de Deus é imutável e o modo de servi-

lo é caminhando em fé e justiça.

Muitos outros através dos séculos têm andado

nas mesmas pegadas de Jó, e no assunto da

comunhão com Deus foram até mesmo mais

longe do que ele, porque isto não foi um

privilégio concedido apenas ao patriarca, mas a

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todos os que se esforçam para agradar ao

Senhor.

Nós temos o exemplo dos apóstolos, e depois

deles de muitos servos fiéis do Senhor,

sobretudo nas pessoas dos puritanos ingleses,

que por um período aproximado de dois séculos

seguidos (XVI e XVII) suplantaram a muitos

nesta questão de viver em verdadeira santidade

de vida.

O especialista em puritanismo, J. I. Parker, cuja

leitura de seus livros acerca dos puritanos,

recomendamos a todos na íntegra, escreveu

sobre a consciência dos mesmos, e registramos

partes deste testemunho a seguir.

Observe que o grande segredo destes gigantes

na prática da justiça divina, encontrava-se na

completa consagração de suas vidas a Deus,

com base na justiça de Cristo, que mediante a fé,

e pela operação da graça, não somente os

justificou como também foi neles implantada

pela determinação deles de viverem todas as

doutrinas do evangelho, assim como elas se

encontram registradas na Bíblia.

“O fato importante nas mentes e nos corações

dos Puritanos era a preocupação acerca de Deus

- em conhecê-Lo verdadeiramente, em servi-Lo

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corretamente, em glorificá-Lo e em usufruir

dEle. Por terem esses interesses, eles muito se

preocupavam pelas questões da consciência,

pois afirmavam que a consciência é o órgão

mental do homem através do qual Deus os

impressiona com a sua Palavra. Segundo

pensavam, nada era mais importante, para

qualquer pessoa, do que ter a sua consciência

iluminada, instruída e purificada. Para eles, não

podia haver real entendimento espiritual, nem

qualquer piedade genuína, a não ser que os

homens expusessem e escravizassem suas

consciências à Palavra de Deus.

Com esta declaração, os Puritanos não estavam

fazendo mais do que manter a ênfase que

remontava aos primeiros dias da Reforma.

Poderíamos evocar, por exemplo, as

momentosas palavras de Lutero, em Worms:

"Minha consciência está cativa à Palavra de

Deus. Não posso e não quero me retratar de

coisa alguma, pois ir contra a consciência não é

correto nem seguro. Aqui estou; nada mais

posso fazer. Deus me ajude. Amém".

Também podemos pensar sobre a famosa

sentença acerca da doutrina da justificação, no

vigésimo capítulo da Confissão de Augusburgo,

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de 1530: "Essa doutrina inteira deve ser ligada

àquele conflito de uma consciência aterrorizada

(illud certamen perterrefactae conscientiae), e

sem esse conflito a doutrina não pode ser

entendida". Afirmações dessa ordem deixam

claro a posição cêntrica da consciência, no

entendimento dos reformadores, sobre o que

significa ser um crente. Para eles, a consciência

significava o conhecimento que um homem

tem de si mesmo, como quem está na presença

de Deus (coram Deo, nas palavras de Lutero),

sujeito à Palavra de Deus e ao juízo da lei do

Senhor, e, no entanto – se ele é crente -

justificado e aceito, apesar de tudo, por meio da

graça divina. A consciência era o tribunal

(forum) onde era proferida a sentença

justificadora de Deus. A consciência era o único

solo onde podiam crescer a verdadeira fé,

esperança, paz e alegria. A consciência era uma

faceta da imagem de Deus, ainda que

desfigurada, na qual o homem fora criado; e o

cristianismo vital (a "religião cristã" sobre a qual

Calvino escreveu as Institutos) estaria

diretamente arraigado nas apreensões e nos

exercícios da consciência sob a influência

sondadora da Palavra de Deus, que é viva e

poderosa, bem como da iluminação de seu

Santo Espírito. Assim asseguravam os

reformadores; e os Puritanos também. Mas

onde achamos esta ênfase hoje em dia? O fato

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assustador é que, no presente, essa nota

dificilmente soa. Na sociedade ocidental como

um todo, a consciência está decadente; a

apostasia tomou conta dos homens, e daí, como

acontece sempre que a fé falha, os padrões

morais decaem...

Portanto, um estudo sobre a consciência dos

Puritanos bem pode nos desafiar e ser saudável

para nós, nos dias atuais.

Todos os teólogos Puritanos, desde Perkins,

concordavam em conceber a consciência como

uma faculdade racional, um poder de

autoconhecimento e juízo moral, que trata com

questões de certo e errado, de dever e privilégio,

lidando com essas coisas autoritativamente,

como a voz de Deus. Por muitas vezes os

Puritanos apelavam para a forma da palavra

(cons-ciência, do latim, con-scientia), como um

termo que aponta para o fato que o

conhecimento possuído pela consciência é um

conhecimento compartilhado, conjunto; um

conhecimento (scientia) mantido em comum

com (con-) outrem, a saber, Deus. Assim, os

juízos da consciência expressam o mais

profundo e autêntico autoconhecimento que

um homem tem — isto é, o conhecimento que a

pessoa tem de si mesma de acordo com a

maneira que Deus a conhece.

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William Ames iniciou seu manual sobre a

consciência e o casuísmo, reproduzindo a

definição de Tomás de Aquino sobre a

consciência: "É o julgamento que um homem faz

de si mesmo, de acordo com o julgamento que

Deus faz a respeito dele"; variantes dessa

definição com frequência figuram nos escritos

dos Puritanos. Ames apelou para Isaías 5.3 e 1

Coríntios 11.31 como as bases bíblicas para a

ideia.

David Dickson, o professor de Edimburgo,

fornece uma análise mais completa, de acordo

com essas mesmas linhas:

A consciência, no que concerne a nós mesmos,

é... o poder de compreensão das nossas almas, o

qual examina como estão as coisas entre Deus e

nós, comparando a vontade de Deus revelada

com o nosso estado, condição e

comportamento, mediante pensamentos,

palavras ou atos, feitos ou omitidos, e então

fazendo juízo sobre o resultado, conforme o caso

requerer.

A consciência, diz Thomas Goodwin, é "uma

parte da razão prática", e todos os teólogos

Puritanos, seguindo Tomás de Aquino - pois

nunca hesitaram em acompanhar os escritores

medievais, quando pensavam que seus escritos

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eram bíblicos — retrataram os raciocínios da

consciência como tendo a forma de um

silogismo prático, ou seja, uma inferência

baseada em duas premissas, a maior e a menor,

acerca de nosso dever (o que deveríamos fazer

ou não fazer) ou de nosso estado perante Deus

(obediente ou desobediente, aprovado ou

desaprovado, justificado ou condenado).

Dickson fornece-nos o seguinte exemplo de um

silogismo sobre o dever: O que Deus determinou

como a única regra de fé e de comportamento,

eu devo estar atento para seguir como minha

regra. E Deus designou as Sagradas Escrituras

para ser a única regra de fé e de

comportamento. Portanto, devo estar atento

para seguir as Escrituras como minha única

regra.

Uma outra ilustração seria esta: Deus me proíbe

roubar (premissa maior); pegar este dinheiro

seria roubar (premissa menor); portanto, não

devo pegar este dinheiro (conclusão).

Em um silogismo prático sobre o estado de

alguém, a premissa maior é alguma verdade

revelada, que funciona como regra de

autojulgamento; e a premissa menor é algum

fato que observamos acerca de nós mesmos.

Ames deu uma ilustração de dois silogismos: no

primeiro, a consciência condena; no segundo,

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ela nos consola. O primeiro é: "Aquele que vive

no pecado morrerá. Eu vivo no pecado. Portanto,

eu morrerei".

E o segundo: "Quem crer em Cristo não morrerá,

mas viverá. Eu creio em Cristo. Portanto, não

morrerei, mas viverei"...

A experiência universal diz que a consciência é

quase totalmente autônoma em sua atuação;

embora algumas vezes possamos suprimi-la ou

abafá-la, normalmente ela fala de forma

independente de nossa vontade, ou mesmo de

modo contrário à nossa vontade. E quando ela

fala, manifesta-se de modo estranhamente

distinto de nós; eleva-se acima de nós, dirigindo-

se a nós com uma autoridade absoluta, que não

lhe tínhamos dado, e que não podemos tirar

dela. Portanto, personificar a consciência e

tratá-la como vigia e porta-voz de Deus na alma

não é mera imaginação, é uma necessidade da

experiência humana. Assim, quando os

Puritanos chamavam a consciência de

"representante e vice-regente de Deus em nós",

"espiã de Deus em nosso peito", e "policial que

Deus usa para prender o pecador", não podemos

rejeitar essas ideias como esquisitices da

imaginação; elas representam uma tentativa

séria de fazer justiça ao conceito bíblico de

consciência, o que se reflete na experiência de

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todos - a saber, o conceito de consciência como

uma testemunha que declara fatos (Rm 2.15; 9.1;

2 Co 1.12), um mentor que proíbe o mal (At 24.16;

Rm 13.5), e um juiz que aquilata o merecimento

(Rm 2.15; Jo 3.20,21). Esses textos confirmam

amplamente o conceito Puritano de consciência

como aquela faculdade que Deus pôs no homem

para ser uma caixa de ressonância de sua

Palavra, em sua aplicação às nossas vidas, ou

(mudando a metáfora) um espelho que capta a

luz da verdade moral e espiritual, que brilha de

Deus, e a reflete em um foco concentrado sobre

os nossos atos, desejos, alvos e preferências. Os

Puritanos meramente seguiam a Bíblia, quando

retratavam a consciência nesses termos, como

o monitor de Deus em nossas almas.

Ampliando esse pensamento final, agora

citaremos três típicas e detalhadas exposições

Puritanas sobre a consciência e suas atividades.

Primeiro, damos o quadro de Richard Sibbes

acerca da consciência como o tribunal de Deus

dentro de nós, onde o julgamento final está

sendo antecipado (um pensamento Puritano

bastante comum): Para esclarecer melhor ainda

a natureza da consciência [Sibbes estava

expondo 2 Co 1.12], vemos que Deus pôs um

tribunal no homem, havendo nele tudo quanto

há em um tribunal:

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1. Há um registro onde é anotado o que temos

feito... A consciência tem seu diário. Tudo fica

anotado. Nada é esquecido, embora pensemos

que é... há um registro onde fica tudo gravado. A

consciência é esse registro.

2. Há também as testemunhas. "O testemunho

da consciência." A consciência presta

testemunho: isto eu fiz, isto eu não fiz.

3. Há um acusador ao lado da testemunha. A

consciência acusa ou desculpa.

4. Há também um juiz. A consciência julga: isso

foi feito direito, aquilo foi feito errado.

5. Há um executor, papel também

desempenhado pela consciência.

Sob acusação e juízo, vem a punição. A primeira

punição ocorre dentro do homem, sempre

antes dele chegar ao inferno. A punição da

consciência é um julgamento anterior ao

julgamento futuro. No presente, há um lampejo

do inferno, depois de algum ato mau... Se o

entendimento apreende coisas dolorosas, então

o coração bate, como Davi sentiu "bater-lhe o

coração" (1 Sm 24.5)... O coração bate forte de

tristeza pelo momento presente e de temor pelo

futuro.

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Deus pôs e implantou no homem esse tribunal

da consciência, sendo esse, por assim dizer,

onde Deus efetua seu primeiro julgamento... os

seus vereditos. A consciência desempenha

todos esses papéis. Ela registra, testifica, acusa,

julga, executa; ela faz tudo.'...

A fim de salientar o significado da consciência

dentro do esquema teológico dos Puritanos,

agora nós a apresentaremos em relação com

alguns outros dos principais tópicos preferidos

pelos Puritanos, mostrando como algumas de

suas ênfases mais características estavam

ligadas à sua visão sobre a consciência, e

refletidas em seu ensino sobre ela.

Em primeiro lugar, esse ensino reflete o ponto

de vista Puritano sobre as Sagradas Escrituras.

Os Puritanos diziam que Deus deve controlar

nossas consciências de modo absoluto. "A

consciência... deve ser sujeitada a Ele, a Ele

somente; pois só Ele é Senhor da consciência... A

consciência é representante de Deus, e, ao

exercer seu ofício, deve limitar-se às ordens e

instruções do Senhor soberano". Segue-se daí

uma imperativa necessidade de mantermos

nossas consciências bem sintonizadas com a

mente e a vontade de Deus. Doutra maneira, não

poderemos evitar de cair no erro, seja ele qual

for; pois desconsiderar a consciência e seguir

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uma consciência errante são, ambas as coisas,

pecados. Explicava Baxter:

"Se você segui-la, estará quebrando a lei de Deus

ao fazer aquilo que Deus proíbe. Se você

esquecê-la ou agir contra ela, estará rejeitando

a autoridade de Deus, ao fazer aquilo que você

pensa que Deus proíbe" .

Em suas vinte e sete normas acerca de "como

servir fielmente a Cristo e fazer o bem", Baxter

adverte contra a ideia que a consciência, como

tal, é o padrão definitivo:

Não faças de teus próprios juízos, ou de tua

consciência, a tua lei, como diretriz de teus

deveres, pois a consciência meramente

discerne a lei de Deus e o dever que Ele te impôs,

bem como a tua obediência ou desobediência a

Ele. Há um perigoso erro que é muito comum no

mundo [mais comum ainda em nossos dias]:

que um homem está obrigado a fazer tudo que a

sua consciência lhe declara ser a vontade de

Deus; e que todo homem deve obedecer à sua

consciência, como se fosse ela a legisladora do

mundo. A verdade, porém, é que Deus, e não

nós, é o nosso legislador. E a consciência tem...

como papel... tão-somente discernir a lei de

Deus, exigindo que nós a observemos. Uma

consciência errada não deve ser obedecida, e,

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sim, ser melhor informada... Todavia, como

pode ser conhecida a vontade de Deus?

Podemos falar sobre os requisitos dEle com

certeza e exatidão? Haverá como evitar a

neblina da suposição piedosa sobre esse

assunto, entrando na clara luz da certeza? Sim,

respondiam os Puritanos; a maneira é atrelar a

consciência às Santas Escrituras, onde a mente

de Deus é plenamente revelada a nós. Para eles,

a Bíblia era mais do que o falível e, algumas

vezes, até falaz testemunho humano sobre a

revelação, que é o máximo que alguns

estudiosos modernos admitem. As Escrituras

são a própria revelação, a Palavra viva do Deus

vivo, o testemunho divino sobre os próprios

planos e atos redentores de Deus, escrito pelo

Espírito Santo através de agentes humanos, para

dar à igreja de todos os séculos orientações

claras sobre todas as questões que poderiam

surgir quanto à fé e à vida.

Poder-se-ia objetar, contudo, que essa fórmula é

irreal e sem substância. Afinal, a Bíblia é uma

obra antiquíssima, produto de uma cultura que

há muito se desvaneceu. A maior parte de seu

material foi escrita para um povo que vivia em

uma situação muito diversa da nossa.

Como poderia projetar uma luz clara e direta

sobre os problemas da vida atual? Os Puritanos

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replicavam que isso é possível porque Deus, o

autor da Bíblia, permanece o mesmo, e seus

pensamentos sobre a vida humana não mudam.

Se pudermos aprender quais princípios Ele

estava inculcando e aplicando em seu

relacionamento com Israel e com a igreja

primitiva e, então, reaplicá-los às nossas

próprias situações, isso constituirá a orientação

que carecemos. Foi a fim de ajudar-nos a fazer

isso que o Espírito Santo nos foi outorgado. Por

certo, ver os princípios relevantes e aplicá-los

corretamente em cada caso é, na prática, uma

tarefa árdua. Somos constantemente levados a

errar por ignorarmos as Escrituras e julgarmos

equivocadamente as situações; ser paciente e

humilde ao ponto de receber a ajuda do Espírito

também não é fácil. Permanece de pé, contudo,

que, em princípio, a Bíblia nos provê uma clara e

exata orientação para cada detalhe e área da

vida; e, se nos aproximarmos das Escrituras

dispostos e com expectativas de aprender, Deus

mesmo selará sobre as nossas mentes e

corações a clara certeza de como devemos nos

comportar em cada situação que enfrentarmos.

"Deus tem apontado meios para a cura da

cegueira e do erro", escreveu Baxter. "Vem à luz,

com a devida autossuspeita e imparcialidade,

usa com diligência todos os meios de Deus, evita

as causas do engano e do erro, e a luz da verdade

imediatamente te mostrará a verdade."

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Os Puritanos buscavam uma clara certeza

quanto à verdade divina em seu aspecto prático,

crendo que essa certeza lhes havia sido dada.

Sua própria inquirição aguçava suas

sensibilidades morais e seu discernimento

quanto à Bíblia. Não estavam interessados em

algum vago enlevo moral; o que queriam era

apreender a aplicação da verdade divina, com a

mesma precisão com que tinha sido revelada.

Por causa de seu interesse pela precisão em

seguirem a vontade revelada de Deus, em

questões morais e eclesiásticas, os primeiros

Puritanos foram apelidados de "rigoristas".

Embora fosse ofensivo, este foi um bom apelido

para eles. Naquela época, tal como hoje, as

pessoas explicavam as atitudes deles como

irritabilidade ou morbidez de temperamento;

mas não era por esse prisma que eles viam as

coisas. Richard Rogers, o pastor Puritano de

Wethersfield, Essex, na virada do século XVI,

certo dia estava cavalgando com o senhor do

feudo local. Este, depois de espicaçá-lo por

algum tempo acerca de sua "precisão" em tudo,

perguntou-lhe por que ele se mostrava tão

preciso. Replicou Rogers: "Ó, senhor, eu sirvo a

um Deus preciso". Se existisse um lema

Puritano, esse seria apropriado. Um Deus

preciso - um Deus que desvendou nas

Escrituras, de modo exato, a sua mente e a sua

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vontade, e que espera de nós, seus servos, uma

correspondente precisão nas crenças e na

conduta - essa era a visão do Deus que criou e

que controlava a atitude histórica dos Puritanos.

A Bíblia levou-os a isso. E nós, que

compartilhamos da estimativa Puritana sobre as

Santas Escrituras, não poderemos nos

desculpar, se deixarmos de mostrar diligência e

conscientização iguais às deles, ordenando

nossas vidas em consonância com a Palavra de

Deus escrita.

Segundo, o ensino Puritano sobre a consciência

refletia a posição deles acerca da religião

pessoal. Para os Puritanos, a piedade era,

essencialmente, uma questão de consciência,

visto que consistia em uma reação favorável à

verdade evangélica conhecida. Essa reação era

sensível, disciplinada, refletida, centrada na

obtenção e preservação de uma boa

consciência. Enquanto um homem ainda não foi

regenerado, a sua consciência oscila entre

atitudes boas e más. A primeira obra da graça

consiste em despertar a sua consciência,

fazendo-a ver seu estado de completa maldade,

forçando o homem a enfrentar as demandas

impostas a ele por Deus, tornando-o assim

cônscio de sua culpa, incapacidade, rebelião,

contaminação e alienação aos olhos de Deus.

Mas o conhecimento sobre o perdão e a paz

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através de Cristo, faz aquela consciência má

tornar-se boa. Uma boa consciência é um dom

de Deus para aqueles que, à semelhança do

peregrino de Bunyan, Ele capacita a olhar com

entendimento para a cruz. Essa boa consciência

pode ser mantida durante toda a vida, por

buscarmos cumprir a vontade de Deus em todas

as coisas, e por olharmos permanentemente

para a cruz...

Uma boa consciência, diziam os Puritanos, é a

maior bênção que existe. Afirmou Sibbes: "A

consciência é ou a maior amiga ou a pior

inimiga neste mundo". Não há melhor amiga do

que a consciência que experimenta paz com

Deus. Disse ainda Fenner:

Primeiro... ela é a origem de todos os consolos.

Um digno teólogo

chamou-a de o seio de Abraão para a alma...

Segundo, uma consciência tranquila faz um

homem degustar a doçura das coisas celestes e

espirituais. Faz a Palavra ser para ele, assim

como foi para Davi, mais doce do que o mel. "Não

me aparto dos teus juízos", dizia Davi (assim dizia

a consciência dele). E o que vem em seguida?

"Quão doces são as tuas palavras ao meu

paladar! Mais que o mel à minha boca" (S1

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119.103). Uma boa consciência faz um homem

provar dulçor em suas orações... em um

domingo... nas ordenanças... Qual é a razão pela

qual tão poucos provam doçura nessas coisas? A

razão é esta: Por não terem a paz de uma boa

consciência...

Terceiro, uma boa e tranquila consciência faz

um homem provar a doçura em todas as coisas

exteriores - na comida, na bebida, no sono, na

companhia de seus amigos... O homem sadio,

mesmo solitário, tem prazer nas recreações, nos

passeios, nos alimentos, nos esportes e em

coisas semelhantes; mas, essas coisas não

consolam os enfermos recolhidos ao leito ou aos

moribundos. Mas quando a consciência está em

paz, a alma goza de boa saúde; assim todas as

coisas são desfrutadas com doçura e consolo.

Quarto, ao homem ela adoça os males, as

tribulações, as cruzes, as tristezas e as aflições.

Se um homem tem a verdadeira paz em sua

consciência, ele recebe consolo em meio a todas

essas coisas. Quando as coisas externas nos

inquietam, quão consolador é termos em casa

alguma coisa que nos anime! Assim, quando as

tribulações e aflições externas nos perturbam,

adicionando tristeza à tristeza, então, que

felicidade seria ter a paz interior, a paz na

consciência para suavizar e aquietar tudo isso!

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Quando chegam a doença e a morte, qual o valor

de uma boa consciência? Sem dúvida, mais do

que todo o mundo ao redor...

A consciência é o reflexo da paz de Deus na alma:

na vida, na morte, no julgamento, a consciência

é um consolo indizível.

Um homem dotado de boa consciência pode

enfrentar a morte com serenidade...

Uma boa consciência é terna. A consciência de

um homem ímpio pode ficar tão calejada que

raramente reage; mas a consciência saudável de

um crente (diziam os Puritanos) age

continuamente, ouvindo a voz de Deus em sua

Palavra, procurando discernir a sua vontade em

tudo, sendo ativa na autovigilância e no

autojulgamento. O crente saudável reconhece

sua fragilidade, sempre suspeita e desconfia de

si mesmo, a fim de que o pecado e Satanás não o

apanhem desprevenido. Assim, ele se examina

regularmente diante de Deus, sondando os seus

atos e motivos e condenando-se

impiedosamente quando encontra em si

mesmo alguma deficiência ou desonestidade

moral. Esse era o tipo de autojulgamento que

Paulo recomendou que os coríntios fizessem ao

participarem da Ceia do Senhor (1 Cor 11.31). O

grau de acurada perspicácia que nossa

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consciência exibe, em detectar nossos pecados

reais (em distinção aos pecados imaginários,

sobre os quais Satanás quer que nos

concentremos), serve de índice sobre quão bem

realmente conhecemos a Deus e sobre quão

perto dEle andamos — em outras palavras, um

índice da verdadeira qualidade de nossa vida

espiritual. A consciência preguiçosa de um

crente "sonolento" e "entorpecido" é sinal de

enfermidade espiritual. Um crente saudável não

tem de ser necessariamente uma pessoa

entusiasmada e extrovertida, mas é alguém que

tem o senso da presença de Deus gravado

profundamente em sua alma; tal crente treme

diante da Palavra de Deus, permitindo que ela

habite nele ricamente, por meio de constante

meditação sobre seus princípios, e que

diariamente submete a sua vida a avaliações e

mudanças, em resposta à Palavra de Deus.

Podemos começar a aquilatar nosso verdadeiro

estado diante de Deus, indagando de nós

mesmos quanto exercício de consciência, de

acordo com essas linhas, ocorre em nossa vida

diária.

Terceiro, o ensino dos Puritanos sobre a

consciência refletia-se em sua pregação. O sinal

mais característico do ideal Puritano quanto à

pregação era a ênfase que davam à necessidade

de aplicações perscrutadoras da verdade às

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consciências de seus ouvintes. Um sinal de um

pregador "espiritual" e "poderoso", na opinião

dos Puritanos, era a intimidade e fidelidade de

aplicação, com a qual ele "rasgava" as

consciências dos homens e os fazia verem-se a

si mesmos conforme Deus os via. Os Puritanos

sabiam que os homens pecaminosos são lentos

em aplicar a verdade a si mesmos, e rápidos em

aplicá-la a outros. Assim, declarações gerais

não-aplicadas, acerca da verdade evangélica,

dificilmente produzem um bom efeito. Por isso

(diziam os Puritanos), um pregador deve

perceber que uma parte essencial de sua tarefa

é fazer aplicações detalhadas, guiando as

mentes dos ouvintes, passo a passo, por aquelas

veredas de silogismos práticos que arraigam a

Palavra em seus corações, para que a Palavra

faça seu trabalho julgador, golpeador, curador,

consolador e orientador. Declarou Ames: "Por

causa da lentidão dos homens na... aplicação,

pesa sobre todos os ministros a necessidade não

só de declararem a vontade de Deus de modo

geral, mas também, até onde forem capazes, de

ajudarem a pessoa a fazer a aplicação dessa

vontade, pública e privadamente". A aplicação é

a estrada utilizada pelo pregador para levar a

Palavra desde a cabeça até ao coração dos seus

ouvintes. Segundo o Westminster Directory for

the Publick Worship of God (Manual de

Westminster para a Adoração Pública a Deus),

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esse aspecto aplicativo da pregação é um

trabalho difícil, que requer grande prudência,

zelo e meditação; e, para o homem natural e

corrupto, isto será recebido como algo

desagradável; mas o pastor deve esforçar-se

para realizar tal obra de modo que seus ouvintes

percebam que a Palavra de Deus é viva e

poderosa, capaz de discernir os pensamentos e

intuitos do coração; e que, se estiver presente

alguma pessoa incrédula ou ignorante, ela terá

desvendados os segredos de seu coração, dando

então glória a Deus.

A Palavra precisa golpear a consciência, se tiver

de fazer algum bem aos homens.

Uma aplicação eficaz pressupõe que a verdade

aplicada é uma palavra genuína, vinda de Deus,

e não somente alguma ideia brilhante do

pregador.

Isso também significa que ela foi extraída do

texto escolhido pelo pregador, de tal modo que

"os ouvintes possam discernir como Deus a

ensina a partir daquele texto" (Westminster

Directory), sendo assim forçados a perceber que

ela lhes é apresentada com a autoridade de

Deus...

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De onde se origina a habilidade para aplicar, de

forma apropriada, a verdade de Deus na

pregação? Da experiência de ter Deus aplicado

poderosamente a sua verdade ao coração do

pregador. Geralmente, no dizer dos Puritanos,

aquele cuja consciência foi mais

profundamente atingida pela verdade de Deus

tem maior poder para despertar as consciências

alheias, mediante aplicações prudentes e

traspassadoras. Isso faz parte do que John Owen

entendia, ao dizer que "se a Palavra não reside

poderosamente em nós, então também não será

transmitida poderosamente por nós." E os

Puritanos sem dúvida diriam que isso faz parte

do verdadeiro significado da declaração de

Anselmo - é o coração (pectus) que faz o teólogo.

Poderíamos indagar: Essa ênfase sobre a

sondagem da consciência não produz um tipo

de piedade introspectiva e mórbida? Essa ênfase

sobre um constante autoexame não chega a

debilitar a fé, por desviar a nossa atenção para

longe de Cristo, de sua plenitude para o nosso

vazio, levando-nos assim ao desânimo e à

depressão espirituais? Sem dúvida, esse seria o

resultado, se isso fosse um fim em si mesmo;

mas, de fato, não o é. De seus púlpitos, os

Puritanos "rasgavam" as consciências,

incentivando o autoexame, a fim de conduzirem

os pecadores a Cristo e de ensinar-lhes como se

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vive pela fé nEle. Eles usavam a lei somente para

abrir caminho para o evangelho e para uma vida

de dependência à graça de Deus. A morbidez e a

introspecção, a autoabsorção tristonha de uma

pessoa que nunca desvia os olhos de si mesma,

é um Puritanismo errado; os próprios Puritanos

condenaram essa atitude por repetidas vezes. O

estudo dos sermões dos Puritanos mostra que a

preocupação constante daqueles pregadores,

em todas as suas investigações sobre o pecado,

era levar seus ouvintes à vida de fé e de uma boa

consciência. Conforme diziam, essa é a vida

mais jubilosa que uma pessoa pode conhecer

neste mundo.

A atenção que os Puritanos davam à boa

consciência emprestava grande força ética ao

seu ensino. Dentre todos os grupos evangélicos,

desde a Reforma até o presente, sem dúvida os

Puritanos foram os maiores pregadores da

retidão pessoal. De fato, eles foram o sal da

sociedade de seus dias e, de vários modos,

criaram uma consciência nacional que só

recentemente começou a ser corroída. A

demanda pela santificação do domingo; falar

abertamente contra os divertimentos

desmoralizadores (os folguedos indecentes, a

dança promíscua, a glutonaria e o alcoolismo, as

obras pornográficas); rejeição às profanações;

insistência sobre o fiel cumprimento da

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profissão e da vocação na vida - essas foram

ênfases que até hoje são lembradas (algumas

vezes, aplaudidas; outras vezes, ridicularizadas)

como atitudes "Puritanas". Assim como Laud

tinha uma política de "abrangência" nas

questões eclesiásticas, assim também os

Puritanos tinham a sua política de "abrangência"

no terreno ético; e tudo faziam para ministrar

orientação detalhada sobre os deveres

envolvidos nas diversas relações do crente com

Deus e com os homens. Entre os memoriais de

sua obra, nesse campo, existem muitas

exposições impressas sobre os Dez

Mandamentos; grandes obras como a de

Richard Rogers, Seven Treatises... the Practice

of Christianity (Sete Tratados... A Prática do

Cristianismo), (1603), os volumes de Perkins e

de Ames sobre a consciência e o casuísmo, e o

Christian Directory (Diretrizes Cristãs), de

Baxter (1670); além de inúmeros pequenos

manuais sobre a vida cristã, desde a obra de

Arthur Dent, Plain Man's Pathway to Heaven

(Caminho ao Céu para o Homem Comum),

(1601), até ao livro de Thomas Gouge, Christian

Directions Shewing how to Walk with God All

the Day Long (Orientações Cristãs que Mostram

como Andar com Deus o Dia Inteiro), (1688).

Teria sido todo esse detalhado ensino sobre a

conduta cristã um lapso para um novo

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legalismo, uma privação da liberdade cristã?

Indicaria ele um declínio na direção de

caminhos farisaicos? Não, pois, primeiro, todo

esse ensino ético estava alicerçado sobre o

evangelho, conforme sucede a todo o ensino do

Novo Testamento. Os motivos éticos supremos

do puritanismo eram a gratidão em face da

graça recebida e o senso de responsabilidade

por andar de uma maneira digna da chamada do

crente, não havendo no ensino Puritano o

menor espaço para a noção de justiça própria.

Esse ensino frisava constantemente que as

obras do crente originam-se da vida eterna, ao

invés de visarem à vida eterna; também era

ensinado que nossas melhores obras estão

contaminadas pelo pecado, sempre contendo

algo que precisa do perdão divino.

Segundo, esse ensino ético era dado (de novo,

tal como no Novo Testamento) não como um

código de conceitos rotineiros, para ser

executado com precisão mecânica. Era dado sob

a forma de atitudes a serem mantidas e

princípios a serem aplicados. Assim, por mais

ensino e conselho que um homem viesse a

receber, a ele sempre caberia tomar as decisões

e determinações finais (sobre como seguir os

conselhos de seu pastor, como aplicar um dado

princípio a este ou àquele caso, etc.), por sua

própria iniciativa, de forma espontânea, sendo

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responsável, aos olhos de Deus, pelos atos

ditados por sua própria consciência.

Terceiro, o ensino ético dos Puritanos não era

autoritário; era oferecido como exposição e

aplicação das Escrituras, devendo ser sempre

comparado com a Bíblia, por aquele que o

recebia, de acordo com o princípio do dever do

julgamento particular, advogado pela Reforma.

Os Puritanos não queriam que as consciências

dos homens estivessem atreladas aos seus

ensinamentos, mas somente à Palavra de Deus,

e aos ensinos Puritanos, só até onde pudesse ser

demonstrado que concordavam com a Palavra

de Deus.

Quarto, o ensino ético Puritano assumia a forma

de um ideal positivo de piedade zelosa e sábia, o

que sempre deveria ser a meta do crente,

embora nunca se atinja plenamente esse alvo,

enquanto se vive neste mundo. Também diziam

que um ideal positivo não-alcançado é a morte

do espírito legalista, o qual pode florescer em

uma atmosfera de restrições negativas, onde a

abstinência é reputada a essência da virtude. De

fato, é impossível imaginarmos um ensino ético

menos legalista, em seu espírito e conteúdo, do

que o ensino ético dos Puritanos.”

Até aqui as palavras de J. I. Parker.

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Por tudo o que vimos anteriormente só

podemos concluir que a justificação pela fé é

indispensavelmente necessária para que

alguém possa viver de modo justo, porque a

justiça prática que se exige de nós, não é aquela

que podemos imaginar segundo os nossos

próprios conceitos, ou conforme eles forem

formulados por influência de outras pessoas,

sendo considerados apenas no plano humano. A

justiça que se exige de nós é aquela que é

definida pelo próprio Deus em Sua Pessoa e

Palavra, de modo que necessitamos apreender e

praticar tudo o que nos seja ordenado, conforme

podemos ver por exemplo na seção prática da

epístola do apóstolo Paulo ao Colossenses, que

transcrevemos a seguir:

Colossenses 3

1 Portanto, se fostes ressuscitados juntamente

com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde

Cristo vive, assentado à direita de Deus.

2 Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são

aqui da terra;

3 porque morrestes, e a vossa vida está oculta

juntamente com Cristo, em Deus.

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4 Quando Cristo, que é a nossa vida, se

manifestar, então, vós também sereis

manifestados com ele, em glória.

5 Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena:

prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo

maligno e a avareza, que é idolatria;

6 por estas coisas é que vem a ira de Deus [sobre

os filhos da desobediência].

7 Ora, nessas mesmas coisas andastes vós

também, noutro tempo, quando vivíeis nelas.

8 Agora, porém, despojai-vos, igualmente, de

tudo isto: ira, indignação, maldade,

maledicência, linguagem obscena do vosso

falar.

9 Não mintais uns aos outros, uma vez que vos

despistes do velho homem com os seus feitos

10 e vos revestistes do novo homem que se refaz

para o pleno conhecimento, segundo a imagem

daquele que o criou;

11 no qual não pode haver grego nem judeu,

circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita,

escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos.

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12 Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus,

santos e amados, de ternos afetos de

misericórdia, de bondade, de humildade, de

mansidão, de longanimidade.

13 Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos

mutuamente, caso alguém tenha motivo de

queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos

perdoou, assim também perdoai vós;

14 acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que

é o vínculo da perfeição.

15 Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso

coração, à qual, também, fostes chamados em

um só corpo; e sede agradecidos.

16 Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo;

instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em

toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos,

e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em

vosso coração.

17 E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em

ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando

por ele graças a Deus Pai.

18 Esposas, sede submissas ao próprio marido,

como convém no Senhor.

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19 Maridos, amai vossa esposa e não a trateis

com amargura.

20 Filhos, em tudo obedecei a vossos pais; pois

fazê-lo é grato diante do Senhor.

21 Pais, não irriteis os vossos filhos, para que não

fiquem desanimados.

22 Servos, obedecei em tudo ao vosso Senhor

segundo a carne, não servindo apenas sob

vigilância, visando tão-somente agradar

homens, mas em singeleza de coração, temendo

ao Senhor.

23 Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o

coração, como para o Senhor e não para

homens,

24 cientes de que recebereis do Senhor a

recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é

que estais servindo;

25 pois aquele que faz injustiça receberá em

troco a injustiça feita; e nisto não há acepção de

pessoas.