Kant 47-48

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Estética III - 18/11/2012 André Luiz Nardim - RA 268402 Bruno Pinheiro Ivan - RA Seminário sobre os parágrafos 47 e 48 da Crítica do Juizo de Kant Este seminário tratará dos parágrafos 47 e 48 da Crítica do Juízo de Kant. Por estarem estes parágrafos inseridos em uma secção do texto kantiano, §§46-50, dedicado a explanação da natureza do gênio 1 , convém iniciar observando o papel destes parágrafos no interior desta discussão. O parágrafo 47, denominado “Elucidação e Confirmação da Explicação acima sobre o gênio” faz explicita referência ao parágrado anterior (§46) denominado “Bela-arte é a arte do gênio”. Neste parágrafo Kant fornece uma primeira definição do gênio, retirada da sabedoria convencional” 2 e extraiu algumas consequências desta definição frente às considerações anteriormente realizadas sobre a bela-arte. Cumpre notar que Kant não adota imediatamente esta definição como adequada e indica que este assunto, isto é, a adequação desta definição ao conceito costumeiramente vinculado à palavra gênio, será discutido “no próximo parágrafo”, isto é, no §47. Esta definição, como dito anteriormente é extraída da “sabedoria convencional”m nais especificamente, como enfatiza Zammito (p. ) sda concepção de gênio que vinha sendo tornada popular pela Sturm und Drang, e toda a discussão do gênio aqui realizada teria uma função polêmica e teria como alvo esta escola e, mais precisamente, um de seus proponente, Johann Herder. Isto é importante na medida em que define qual é o “conceito que se costuma vincular à palavra gênio” e delimita o campo de discussão da adequação da definição fornecida. Assim, esperamos encontrar neste parágrafo a discussão anteriormente mencionada, assim como uma elucidação e confirmação da explicação fornecida. Todavia, conforme a leitura de Allison, não encontraremos aqui esta confirmação, mas somente no §49, ao fim do qual será fornecida uma nova definição do gênio, e encontraremos uma continuação da discussão anterior. 1 GUYER, p. 354. 2 A expressão é de Zammito, p.

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Paragrafos 48 e 48

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Estética III - 18/11/2012André Luiz Nardim - RA 268402Bruno Pinheiro Ivan - RA

Seminário sobre os parágrafos 47 e 48 da Crítica do Juizo de Kant

Este seminário tratará dos parágrafos 47 e 48 da Crítica do Juízo de Kant. Por estarem estes parágrafos inseridos em uma secção do texto kantiano, §§46-50, dedicado a explanação da natureza do gênio1, convém iniciar observando o papel destes parágrafos no interior desta discussão.

O parágrafo 47, denominado “Elucidação e Confirmação da Explicação acima sobre o gênio” faz explicita referência ao parágrado anterior (§46) denominado “Bela-arte é a arte do gênio”. Neste parágrafo Kant fornece uma primeira definição do gênio, retirada da “sabedoria convencional”2 e extraiu algumas consequências desta definição frente às considerações anteriormente realizadas sobre a bela-arte. Cumpre notar que Kant não adota imediatamente esta definição como adequada e indica que este assunto, isto é, a adequação desta definição ao conceito costumeiramente vinculado à palavra gênio, será discutido “no próximo parágrafo”, isto é, no §47.

Esta definição, como dito anteriormente é extraída da “sabedoria convencional”m nais especificamente, como enfatiza Zammito (p. ) sda concepção de gênio que vinha sendo tornada popular pela Sturm und Drang, e toda a discussão do gênio aqui realizada teria uma função polêmica e teria como alvo esta escola e, mais precisamente, um de seus proponente, Johann Herder. Isto é importante na medida em que define qual é o “conceito que se costuma vincular à palavra gênio” e delimita o campo de discussão da adequação da definição fornecida.

Assim, esperamos encontrar neste parágrafo a discussão anteriormente mencionada, assim como uma elucidação e confirmação da explicação fornecida. Todavia, conforme a leitura de Allison, não encontraremos aqui esta confirmação, mas somente no §49, ao fim do qual será fornecida uma nova definição do gênio, e encontraremos uma continuação da discussão anterior.

Ainda, quanto ao §48, denominado “Da relação do Gênio com o Gosto”, este apenas prepara a discussão sobre esta relação, que será concluida no §50 e da qual já encontraremos sinais no §47.

Paragrafo 47 - Elucidação e Confirmação da explicação acima sobre o gênio

O §47 inicia com a afirmação de Kant de que: "Nisto todos concordam: que gênio deve ser inteiramente oposto ao espírito de imitação."

Podemos notar que Kant faz uma clara remissão à concepção convencional do gênio e da sua originalidade. Neste sentido, podemos compreender em que sentido participa da função polêmica que Zammito encontra neste conjunto de paragrafos.

Que o gênio se oponha ao espírito de imitação não parece afirmar nada diferente de

1 GUYER, p. 354.

2 A expressão é de Zammito, p.

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que ele tenha a originalidade por sua primeira propriedade. Entretanto, devemos atentar ao sentido específico que possuem as palavras originalidade e imitação no contexto desta obra de Kant.No parágrafo anterior, Kant apresenta a originalidade do gênio como consequência da concepção inatista deste. Não se trata simplesmente da gênio não ter produzido sua obra mediante imitação e tê-la inventado por si mesmo, mas sim desta não poder ser produzida por imitação ou segundo algo aprendido, o que é o mesmo, na medida em que Kant concebe o aprendizado como imitação.

No parágrafo 46, Kant afirma que "o conceito da bela-arte, porém, não permite que o juízo sobre a beleza de seu produto seja derivado de qualquer regra, que tenha um conceito por fundamento-de-determinação, portanto tome por fundamento um conceito do modo como ele é possível" e disso se seguia a impossibilidade de que a bela-arte inventasse para si mesma a regra segundo a qual deveria instituir seu produto. Esta passagem, entre a impossibilidade de fundamentação por um conceito no juizo e a impossibilidade de criação de uma regra para produção pode ser compreendida na medida em que a própria possibilidade da beleza artística deve ser levada em conta no julgamento da bela-arte (cf. §47).

Desta impossibilidade resulta também que o gênio não pude “descrever ou indicar cientificamente como institui seu produto” e nem formular prescrições para a criação de obras de bela-arte. Isso pois Kant compreende a possibilidade de ser contido em uma fórmula que sirva de prescrição como dependente da possibilidade de determinação segundo conceitos (o que é explicitado na segunda alínea do §47). Temos assim a impossibilidade em determinar a regra da qual deríva o produto da bela-arte, a qual não apenas impede artista de ensiná-la, como impede qualquer um de aprendê-la. Neste sentido, o gênio se opõe ao espírito de imitação não por que não imita, mas por que não pode imitar.

Conforme Kant: "não se pode aprender a fazer poêmas com espírito, por mais exaustívas que sejam todas as prescrições da arte poética e por mais excelentes que sejam seus modelos". O tema do espírito será retomado por Kant no §49. De resto, Kant intenta demonstrar que tanto a imitação quanto as prescrições da arte poética falham em determinar a regra pela qual um produto se constitui como bela-arte. Isto não equivale, como veremos, a afirmar que não tenham nenhuma utilidade.

Entretanto, enquanto as belas-artes não podem ser aprendidas, toda a ciência e as demais artes (mecânicas) o podem, uma vez que nestes deve haver determinação segundo um conceito. Mas existem aqueles que, sem recorrer a imitação, inventam por si mesmos e até descobrem algo para a ciência os as artes. Não seria isto uma espécie de originalidade e, talvés, de genialidade?

Novamente, conforme já afirmado anteriormente, não se trata de ter sido ou não resultado da imitação, mas da possibilidade de ser imitado ou aprendido, resultante da possibilidade de determinação segundo um conceito. Conforme afirma Kant: "todos os passos que Newton teve de dar, desde os primeiros elementos da geometria até suas grandes e profundas descobertas, ele poderia tornar inteiramente claros , não somente a si mesmo, mas a todos os outros, e demonstrá-lo determinadamente para seus sucessores". Isto é, mesmo que contenha uma certa originalidade, em sentido outro que àquele segundo o qual o gênio é original, os progressos das artes e da ciência podêm ser ensinados e aprendidos. Já vimos que o gênio não está em condições, como Newton estaria, de tornar claros nem mesmo a si os

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fundamentos de sua arte, muito menos de determinar tais fundamentos, uma vez que seus produtos não possuem um conceito como fundamento.

Resulta assim que, nas artes e na ciência, o 'grande descobridor' se distingue do mero discípulo ou imitador apenas segundo grau, mas o gênio se distingue de ambos especificamente.

Embora pareça que Kant está a furtar o título de gênio aos grandes cientistas e, assim, à depreciá-los, se apressa em corrigir o equívoco e indicar os privilégios que estes detês em relação aos gênios, na medida em que aperfeiçoam a ciência e podem ensinar aos outros suas descobertas. Em oposição à isso, Kant indica que as próprias belas-artes não possuem esta abertura para um progresso 'ilimitado', sendo à elas impostas um limite, e, além disso, não podem ser ensinadas.

Retomando o caráter polêmico da passágem, podemos indicar, conforme escreve Zammito, que o objetivo de Kant alem de não ser o de depreciar os cientistas, era o de proteger as ciências do gênio, isto é, de garantir que o gênio não tivesse lugar na ciência e na filosofia, opondo-se ao que defendia Herder. É neste mesmo sentido que devemos compreendemos o fim do parágrafo, onde Kant fala sobre o risível de quem “fala e decide como um gênio” (p.343) na ciência e na filosofia, isto é, os “assuntos da mais cuidadosa investigação racional”.

Também não podemos deixar de notar que Kant afirma que 'presumivelmente' o limite das belas-artes já havia sido alcançado há muito tempo e não mais poderia ser ampliado.

Tendo aprofundado, em termos da possibilidade de aprendizado, a distinção entre as belas-artes, de um lado, e a ciência e as demais artes do outro, Kant passa à tratar do caráter modelar da obra de um genio para a produção de outros gênios. Notamos que este tema é ainda relacionado à possibilidade de ensino das belas-artes.

Kant inicia colocando a questão de que espécie de regra poderia ser a da bela-arte, uma vez que não pode ser contida em fórmulas (isto é, ser determinável segundo um conceito) e tem de ser abstraída do produto.

Em Kant lemos: "(...) a regra tem de ser abstraída do fato, isto é, do produto, no qual outros podem provar seu próprio talento, para fazê-la servir de modelo, não da contrafação, mas da imitação" (p. 342). Esta afirmação parece contradizer de certo modo o que foi afirmado anteriormente, uma vez que prevê que a obra de bela-arte sirva de modelo para imitação por parte de outros indivíduos dotados de talento, isto é, de gênio.

Quanto a isso, Rubens3 informa que o manuscrito de Kant desta obra continha a palavra Nachahmung (imitação) tanto onde lemos contrafação quanto onde lemos imitação. A correção, aqui traduzida, teria sido proposta por Vorlander. No mesmo trecho, na tradução de Valério Rohden4, lemos cópia e imitação, respectivamente, e este informa que estão seguindo à revisão de Kiesewetter e indica que, para Vorlander, Kant teria querido escrever Nachahmung e Nachfolge (imitação e sucessão). A a informação contida nas duas notas parece conflitante. Entrementes, no §49 (p. 348-349), em passagem bastante similar a esta, lemos: "o produto de um gênio (...) é um exemplo, não para a imitação (...), mas para a sucessão, para um outro gênio, que através dele é despertado para o sentimento de sua própria originalidade, para exercitar de tal modo a liberdade de coação de regras, na arte, que esta, com isso, adquire ela

3 KANT, 1980, p. 342, nota 13 4 KANT, 1995, p. 155, nota 171

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mesma uma nova regra, e nisso o talento se mostra modelar"5

Todavia, já era evidente pela continuação do texto, que Kant está aqui preocupado com o papel das obras de bela-arte como modelos para a produção de novas obras por outros indivíduos dotados de gênio. Sem oferecer uma explicação de precisamente como é possível que isto ocorra, Kant se limita a indicar que "as idéias do artista suscitam idéias semelhantes de seus discípulos, se a natureza o tiver provido com uma proporção semelhante dos poderes-da-mente". Disso, e do fato de que as belas artes não podem ser ensinadas, segue que somente os modelos da bela arte servem como meios para transmití-la a posteridade. É interessante notar que temos aqui, pela primeira vez, o gênio identificado com uma 'proporção' de 'poderes-da-mente', o que remete, imediatamente, ao §49, denominado "Das faculdades da mente que constituem o gênio" e à pesquisa iniciada em §48 sobre “as faculdades que têm de reunir-se para constituir” o gênio.

Sem abandonar po completo o tema do aprendizado das belas-artes, Kant parte no última alínea do §47 para a consideração da parcela 'mecânica' das belas-artes, isto é, passa a defender que as todas as belas-artes possuem "algo de mecânico, que pode ser captado e seguido segundo regras, e assim algo de acadêmico" como sua condição essêncial.

Todavia, Kant já havia indicado ao fim do §43 (p. 338), que todas as artes livres requeriam algo de coativo, um mecanismo. Lá este mecanismo estava, na obra de bela-arte, associado ao corpo, em oposição ao espírito. Notemos ainda que, nesta mesma passagem, Kant exemplifica estes mecanismos, na arte poética, com “a correção da linguagem e a riqueza da linguagem, asim como a prosódia e a métrica”, isto é, ao que chamariamos de aspecto formais da poesia. Este exemplo, em concordância com esta o trecho do §47 em discussão, circunscreve a natureza destes mecânismos ao aspecto acadêmico da arte, isto é, a sua correção dentro dos canones de cada forma e gênero artístico.

Também, desde §45, era necessário, em um produto da bela-arte, “tomar consciência de que é arte, e não natureza”. É em atenção a esta exigência, isto é, para que a se possa atribuir o produto a uma arte e não ao acaso, que Kant afirma que algo deva ser pensado como fim no produto da bela-arte e, para isso, "são requeridas regras determinadas, das quais não é possível desvencilhar-se" (p.342). Podemos denominar este 'algo de mecânico' como a parcela meramente ‘artesanal’ da bela-arte. Esta também parece ser uma condição para que a originalidade não apareça como 'insensatez original'.

Neste ponto, conforme Zammito (p. ), Kant novamente cumpre um de seus objetivos na polêmica contra a Sturm und Drang, uma vez que adotáva como uma de suas praticas se desvencilhar das técnicas.

Se podemos distinguir nas belas-artes algo que requer arte (isto é, algo de mecânico) e algo que requer gênio, é necessário estabelecer, na produção das obras de bela-arte, o que cumpre a cada uma destas parcelas. Kant denomina como material para produtos da bela-arte aquilo que é fornecido pelo gênio e como forma à parcela mecânica. Essa formulação é bastante surpreendente, considerado o peso que estes termos possuem na tradição filosófica e na filosofia kantiana. Mais ainda, Kant explicita que é somente mediante a forma que se pode fazer um uso deste material que subsista diante do Juizo (isto é, da faculdade de julgar). Neste sentido, Kant parece indicar que a parcela mecânica exerce o papel fundamental na

5 A tradução de Valério Rohden (p. 163) é basicamente a mesma. Na tradução de Guyer () lê-se "emulation" no lugar de sucessão.

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constituição das obras de bela-arte como passíveis de serem julgadas como belas. Encontraremos algo similar na conclusão apresentada no §50. Por ora nos basta notar que esta parcela mecânica das belas-artes estará associada, como veremos, ao gosto.

Paragrafo 48 - Da relação do gênio com o gosto

No parágrafo 48, Kant prossegue em uma busca que seguirá até o §50, no intuito de responder a duas questões: a primeira, enunciada no título do parágrafo, sobre qual a relação entre gênio e gosto, a segunda sobre quais as faculdades da mente que constituem o gênio.

Cumpre antes de se perguntar sobre quais as faculdades da mente que constituem gênio, sendo este o talento pelo qual é possível produzir a beleza artística, perguntar-se sobre o que é a beleza artística que este permite produzir. Kant, apresenta esta questão ao indicar a necessidade de “determinar com precisão a diferença entre beleza natural (...) e beleza artística”. Esta determinação é de maior importância na medida em que, devendo a obra de bela-arte parecer natureza, poder-se-ia compreender que a obra de bela-arte só é bela na medida em que imita a beleza natural, isto é, retrata coisas naturalmente belas. Esta é uma compreensão que é claramente negada por Kant quando este indica a possibilidade da arte de retratar belamente coisas que seriam naturalmente feias ou desagradaveis. Neste sentido podemos realizar uma primeira interpretação da distinção oferecida por Kant neste parágrado entre a beleza natural como bela coisa e beleza artística como bela representação de uma coisa: enquanto a coisa natural bela é ela mesmo bela, a beleza artística é uma representação bela de algo não necessáriamente belo. Em outras palavra, numa bela pintura, é a pintura que é bela e não aquilo que ela retrata.

Todavia, devemos notar aqui que é bastante estranha a caracterização da bela-arte como bela representação. Não podemos negar que, já no §44, Kant caracterizava a bela-arte como um “modo-de-representação” (p. 339). Deixemos esta questão de lado por um momento.

Após apresentar a distinção acima mencionada, Kant prossegue distinguindo a beleza artística e a beleza natural segundo os requisitos para julgá-las. Enquanto para julgar a beleza natural, como tal não é necessário ter previamente “um conceito de que coisa o objeto deve ser” isto é “conhecer a finalidade material (o fim)” deste objeto, para o objeto artístico ser julgado belo “é preciso primeiramente ser tomado por fundamento um conceito daquilo que a cosa deve ser” (p. 343).

Todavia, Kant extraí esta necessidade como consequência do objeto ter sido dado como um produto da arte e ser considerado belo enquanto produto da arte. É a arte que pressupõe um fim na causa. Vemos assim que esta necessidade se refere à primeira condição do §45 para denominar bela à arte, isto é, a tomada de consciência de que se trata de arte. E, como foi enunciado no §47, esta tomada de consciência está associada ao caráter mecânico e acadêmico das belas-artes. Assim sendo, se compreendermos o “conceito daquilo que a coisa deve ser” neste registro, podemos supor que se trata da finalidade mecânica da bela-arte em questão, isto é, a produção de uma obra dentro de uma forma específica de expressão artística. Isto é, se tomarmos a arte poética como exemplo, podemos supor que sua finalidade mecânica é produzir poemas e que o conceito daquilo que seus produtos devam ser é, neste mesmo sentido, o de poema.

Porém, embora Kant afirme que a perfeição da coisa deva ser “trazida à pauta” no

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julgamentos dos belos produtos da arte, está não é apresentada como condicionando o juizo, mas como devendo ser trazida à consideração “ao mesmo tempo”.

Podemos crer que a observação apresentada por Kant sobre o julgamento “dos objetos vivos da natureza” não parece afirmar que no caso das belas-artes trata-se de um juízo estético logicamente-condicionado. Afinal, nesta passágem, Kant está considerando a diferença entre juízos sobre belezas naturais e artísticas e é de se esperar que apresente esclarecimentos sobre um tipo particular de juízo sobre a beleza de objetos naturais no qual, ao contrário do que havia mencionado nas sentenças imediatamente anteriores, a finalidade objetiva é tomada em consideração. Trata-se de esclarecer que, nos casos de juizos sobre a beleza de objetos naturais nos quais é tomada em consideração a finalidade objetiva, estes juizos deixam de ser puramente-estéticos e passam a ser juízos estéticos lógicamente-condicionados. É de se notar que Kant não extrai uma consequência semelhante para os juizos sobre belezas artísticas ou, ao menos, não o enuncia.

Também devemos observar que Kant menciona a finalidade material quando da beleza natural e da finalidade objetiva quando dos objetos vivos.

Na passágem seguinte, Kant indica que a bela-arte, como já mencionado, que a bela-arte é capaz de descrever ou representar com beleza coisas naturalmente feias ou desagradáveis e ilustra dizendo:

“As fúrias, doenças, devastações da guerra, e assim por diante, e assim por diante, podem, como calamidades, ser descritas com muita beleza e até mesmo representadas na pintura”.

Embora Kant exclua da possibilidade da bela representação artística a feíura que desperta nojo, pois neste caso a representação artística não se distingue da natureza do objeto nojento em nossa sensação, e apresente restrições quanto à representação imediata de objetos feios na escultura, o que Kant está afirmando é uma certa independência da beleza artística em relação à beleza natural. Convém notar que as restrições apresentadas para a escultura decorrem do fato de desta produzir obras nas quais a arte é quase confundida com a natureza e, todavia, se esta confusão ocorre particularmente na escultura, só pode ser porque seus produtos e os objetos naturais que eles venham a representar compartilhem algo que as demais artes não compartilham ou, pelo menos, não no mesmo grau. Aquilo que é partilhado entre as esculturas e os objetos por elas representados é sua figura, entendida em sentido tridimensional. De modo inverso, aquilo que desperta nojo não pode ser belamente representado por que esta sensação “repousa sobre pura imaginação” e, devido a isso, pouco importa que o objeto naturalmente nojento e sua representação difiram quanto a forma.

Tendo apresentado

Porém, esta forma aprazível que é resposabilidade do gosto é uma forma de apresentação, mero veículo - aquilo que corporifica o espírito, sua materialidade, a forma de expressão artística

Liberdade quanto a forma de apresentação (o exemplo é das artes mecanicas, vc pode fazer um sermão de gosto ou não, conquanto ele comunique o que tem de comunicar)

______ Da arte e do gênio. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho. Col. Pensadores, São Paulo, Abril, 1980.

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_____ Crítica da faculdade do Juízo. Tradução de A. Marques e V. Rohden. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995.______Critique of the power of judgment. Tradução de P. Guyer. Cambridge, Cambridge Press, 2000.ALLISON, H. Kant´s theory of taste. Cambridge University Press. Cambridge, 2001.ZAMMITO, J.H. The Genesis of Kant´s Critique of Judgement. Chicago, The University of Chicago Press, 1992