Karen hawkins - a dama de vermelho

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AA DDaammaa ddee VVeerrmmeellhhoo (Lady in Red)

KKaarreenn HHaawwkkiinnss

As pequenas armadilhas do amor...

Para recuperar uma valiosa relíquia de sua família, Marcus St. John precisa

convencer Honória Baker-Sneed a lhe entregar a jóia em troca de uma considerável quantia

de dinheiro. O que será mais difícil do que ele imaginara a princípio. Indignada ao vê-lo

aparecer em sua casa e ter a petulância de negociar um anel que pertence a ela por direito,

Honória recusa a ultrajante proposta. Uma acalorada discussão termina com um beijo

arrebatador que envolve ambos num escândalo. O senso de honra obriga Marcus a casar-se

com aquela jovem temperamental e adorável que conseguiu derrubar a muralha que lhe

protegia o coração. Agora, Marcus precisa descobrir um meio de mostrar a Honória que ele

é digno de seu amor...

DDiissppoonniibbiilliizzaaççããoo:: RRoossaannggeellaa

DDiiggiittaalliizzaaççããoo:: JJooyyccee

RReevviissããoo:: VVaanneesskkaa

FFoorrmmaattaaççããoo:: RRaaqquueell

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Copyright © 2005 by Karen Hawkins

Originalmente publicado em 2005 pela HarperCollins Publishers

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARPERCOLLINS PUBLISHERS

NY, NY - USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou

mortas terá sido mera coincidência.

TITULO ORIGINAL: Lady in Red

EDITORA: Leonice Pomponio

ASSISTENTE EDITORIAL: Patrícia Chaves

EDIÇAO/TEXTO

Tradução: Sulamita Pen

Copidesque: Roberto Pellegrino

Revisão: Giacomo Leone

ARTE: Mônica Maldonado

ILUSTRAÇÃO: Thomas Schluck

COMERCIAL/MARKETING: Silvia Campos

PRODUÇÃO GRÁFICA: Sônia Sassi

PAGINAÇÃO: Dany Editora Ltda.

© 2007 Editora Nova Cultural Ltda.

Rua Paes Leme, 524 - 10g andar - CEP 05424-010 - São Paulo - SP

www.novacultural.com.br

Premedia, impressão e acabamento: RR Donnelley Moore

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Capítulo I

Carrancudo, Devon St. John andava de um lado para outro diante da lareira onde a

lenha estalava. O barulho dos passos era abafado pelo tapete espesso que se estendia pelo

enorme aposento. De repente, parou diante de uma cadeira de balanço virada para as

chamas.

— Já sei! Brandon dirá a ele!

— Eu? — Brandon, o irmão, sacudiu a cabeça de cabelos negros. — A última vez

que levei más notícias para Marcus, ele me mandou supervisionar as propriedades ao

norte da Escócia por um mês. Quase morri congelado.

— Por motivo semelhante, fui mandado para as florestas de Yorkshire no meio da

temporada — Chase declarou, sentado no sofá em frente. — E isso foi no tempo que nosso

irmão ainda era tolerável.

— O que não vem acontecendo ultimamente — Brandon alegou.

— Ele aparenta ser um poço de mau humor — Chase concordou. — Deus sabe para

onde nos mandará agora que tem um bom motivo para estar preocupado.

— Tenho de desculpar-me. — Devon suspirou. — A culpa é minha.

O último membro da família resolveu falar. Anthony Elliot, conde de Greyley, meio-

irmão deles, sentado numa poltrona de veludo grená diante do fogo, esticou as pernas

para a frente com ar sonolento.

— Bobagem, Devon. A perda do anel não passou de um acidente.

— Eu deveria ter-me empenhado mais para encontrá-lo. Não sei por que a ideia

ridícula de mandar Marcus à procura do objeto.

— Foi engraçado até Marcus descobrir que de fato o anel tinha sumido. Não foi

absurdo enviar a lista de convidados para Marcus verificar. Nós tínhamos certeza de que a

peça poderia estar com um deles.

— Erramos em não considerar que os convidados haviam trazido outras pessoas

por conta própria. Com o passar dos dias e sem encontrar o anel, Marcus está cada vez

mais irritado. Parece um fera faminta.

— Deixe-o rugir. — Anthony deu de ombros. — Ele não passa de um homem.

— Nosso irmão é uma tormenta — Devon filosofou.

— Marcus tem ideias diferentes a respeito de casamento. — Brandon recostou-se na

cadeira de balanço. — Está inconformado comigo porque o pai de Verena tem problemas

com as autoridades italianas e eu me propus a solucionar o caso.

— Ora, não há outra coisa a fazer. É o pai de Verena.

— Marcus não entende que, pelo matrimônio, temos de assumir a família da

esposa.

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— Marcus nem mesmo aceita a ideia de casar-se. — Anthony tomou mais um gole

de vinho do Porto. — Ele prefere as amantes.

— Eu sei. Elas são muito diferentes das esposas. — Chase ficou em pé, espreguiçou-

se e foi até o aparador para servir-se de um drinque. — Marcus anda irascível. Hartiet

havia pensado em convidá-lo para passar os feriados em nossa nova casa e...

— Excelente! — Brandon animou-se. — Verena teve a mesma ideia, mas eu a

dissuadi desse propósito. Concordamos que só o convidaríamos se ele não tivesse para

onde ir.

— Eu não terminei a frase — Chase protestou. — Fui contrário ao plano de Harriet.

Ela não está passando bem e não tenho vontade de aguentar o mau humor de Marcus.

Estou muito contente com a gravidez de Harriet.

— Eu gostaria que Verena também estivesse grávida, se isso pudesse manter

Marcus longe de nós durante as festas. Ainda ontem ele disse que o Natal é uma perda de

tempo e que odeia essa confusão.

— Ele não diz uma palavra cortês há meses, desde que perdi o anel — Devon

declarou. — Pensei que fosse mais fácil recuperá-lo. — Estreitou os olhos azuis. — É como

se o anel não quisesse ser encontrado.

— Será que a lenda é mesmo verdadeira? — Chase perguntou depois de alguns

segundos.

Anthony notou que os irmãos ficaram tensos. Não os culpava. Afinal, o amuleto

contribuíra de alguma forma para o casamento deles.

— Creio que sim.

— Também acho — Brandon concordou.

— Sou da mesma opinião — Chase disse.

— Eu não acreditava, mas agora... — Devon deu de ombros.

— Se não fosse pelo anel-talismã, eu não teria dado o valor devido a Kat. O que

seria uma tragédia.

— Para nós todos — Anthony anuiu e recostou a cabeça no assento vermelho

estofado. — Devon, não há alternativa. Terá de admitir o fracasso perante Marcus. Ele

voltará para casa em uma hora.

— Eu sei, eu sei. Mas como dizer isso para ele?

— O mais rapidamente possível e acabar com essa agonia.

— Do que estão falando? — uma voz profunda soou atrás deles.

Devon virou-se para a porta aberta. Chase engasgou com o vinho. Brandon

endireitou-se na cadeira de balanço e alisou o paletó.

Anthony, o semblante neutro, observou o meio-irmão com interesse.

— Nem precisam responder — Marcus resmungou e foi até a escrivaninha.

Ele possuía a mesma constituição física da maioria dos St. John. Alto, ombros

largos, quadris estreitos, elegante. Os cabelos negros combinavam com o terno igualmente

negro. Seus penetrantes olhos azuis fitaram os irmãos.

Embora a moda fosse usar cores claras durante o dia, Marcus, no último ano,

preferia as mais sombrias, de acordo com seu humor. A única exceção era para a gravata

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alva como a neve. Anthony refletiu que a ausência de cor tornava os olhos azuis ainda

mais duros e penetrantes.

O que havia acontecido com o Marcus que brincava e ria com eles? Aparentava ter-

se apagado. Anthony sentiu uma ponta de culpa. Teriam eles permitido que os deveres de

Marcus para com os bens e a fortuna da família se tornassem uma carga excessiva?

Certo que Marcus raramente permitia que o ajudassem. Anthony entendia que

muitas vezes era preferível fazer a delegar poderes. Ainda assim, a mudança de Marcus

não fora para melhor.

— Boa tarde, Marcus. — Devon pigarreou. — Eu... Nós... pensávamos que voltaria

um pouco mais tarde.

— Pois se enganaram. — Marcus arqueou as sobrancelhas e fitou os irmãos com

olhar gélido.

— Ficamos surpresos — Brandon alegou. — Apenas isso.

Marcus sentou-se junto à escrivaninha e examinou a correspondência do dia.

Começou a abrir as cartas e olhou Devon de revés.

— Suponho que tenha boas notícias a respeito do anel-talismã.

Anthony acenou para Devon, encorajando-o a falar.

— Era sobre isso que estávamos conversando. — Devon mudou de posição e

apertou as mãos às costas. — Tentei falar com lady Talbot, a única da lista que ainda não

tinha sido entrevistada. Ela levou uma convidada ao baile. Por azar, lady Talbot morreu há

um mês e ninguém sabe o nome da mulher que a acompanhou. Suas duas criadas também

não souberam identificá-la e disseram tratar-se de uma amizade recente de milady.

Marcus resmungou uma imprecação.

— Também fiquei furioso — Devon assegurou. — A governanta lembrou-se de que

a jovem havia mencionado que pegaria o trem em Southampton. Também fiz indagações

por lá.

— E... — Marcus não escondeu o desagrado.

— Nada pude encontrar. Fiquei dois dias lá... — Devon engoliu em seco — ...e

depois voltei para a Escócia. Eu tinha prometido a Kat que estaria lá para o batizado de

seu sobrinho. É o primeiro filho do irmão dela, e a família toda...

— Droga! — Marcus atirou a pena na mesa. — O anel pertencia a nossa mãe. Ela o

deixou aos nossos cuidados e o senhor o perdeu!

— Foi um acidente — Anthony murmurou.

— Seja como for, ele sumiu! — Marcus esbravejou.

— O anel caiu da mão de Kat — Devon desculpou-se. — Eu jamais perderia

propositalmente o anel de mamãe. Fiz o possível para encontrá-lo. Como não podia ficar

mais em Southampton, pedi a Chase que fosse para lá.

— É, sim. — Chase tomou um gole de vinho do Porto. — E apesar da descrição feita

pela governanta de lady Talbot, não consegui nem ao menos saber o nome da misteriosa

mulher.

— Descrição? — Marcus fitou Devon.

— A governanta lembrou-se do tipo físico da jovem, mas não do nome. Alta, bem-

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feita de corpo, olhos e cabelos castanho-acobreados. Mas há um detalhe que talvez nos

ajude a encontrá-la. A moça tem uma madeixa de fios brancos na têmpora.

— Ora, isso é incomum. — Marcus recostou-se na cadeira. — E ninguém em

Southampton a conhece?

— O estalajadeiro de Southampton disse que falou com ela rapidamente — Chase

respondeu. — A jovem não deu o nome. Disse apenas que retornaria para a sua casa em

Londres.

Anthony notou que Marcus não parecia surpreso. Era possível que a conhecesse?

— Então, o anel voltou para Londres. E o que mais, Chase?

— Nada, exceto o homem afirmar que a moça demonstrou apreciar as espadas

medievais que estão à mostra na sala da frente. Ela discursou sobre a fabricação de

empunhaduras de armas italianas de outrora e mostrou-se encantada com uma antiga...

— Caixa de rapé — Marcus concluiu.

De todas as mulheres de Londres, tinha de ser logo ela? Não havia engano possível!

E logo naquele momento! Ele estava em processo de aquisição da propriedade de Melton,

depois de o irresponsável perdê-la no jogo na última semana. Cobiçava as terras que se

limitavam com outras que ele adquirira havia anos em leilão. Nada mais justo que

acabassem sendo suas, depois de lorde Melton dissipar os bens como o estróina que era.

Por duas vezes Marcus tentara adquirir as terras, e nas duas, Melton havia recusado

vendê-las. No momento, Melton estava desesperado para conversar. E certamente se

arrependeria de não tê-lo feito antes.

Marcus julgava que aumentar o património da família era mais importante do que

encontrar o anel de sua mãe. Mas a perda desse talismã não lhe permitia concentrar-se em

seu propósito.

— Ela não lhe é estranha — Anthony falou.

Marcus anuiu. De todos os irmãos, Anthony era o que entendia a responsabilidade

de um nome e de uma fortuna, pois ele mesmo fora encarregado da sua, a dos incapazes

Elliot.

— Existe apenas uma mulher que se encaixa nessa descrição e que conhece os

trabalhos de ourivesaria italiana feitos nas empunhaduras das espadas. A srta. Honória

Baker-Sneed. — Só em pensar nisso, experimentou um desagradável aperto no coração.

— Nunca ouvi falar nela — Anthony declarou.

— Sorte sua. A srta. Baker-Sneed é o veneno da minha existência. O pai dela

coleciona antiguidades. Para melhorar a limitada renda deles, Honória o acompanha com

frequência, nas segundas-feiras de manhã, nas vendas, na loja Antiguidades Neilson.

— Onde você comprou a tapeçaria do saguão? — Brandon perguntou.

— Uma peça horrível — Chase comentou.

— Ela representa uma das maiores batalhas das Cruzadas — Marcus explicou.

— Tem figuras de soldados decapitados — Chase insistiu. — Nem mesmo parece

real.

— Parecerá se lembrarmos que foi tecida no século XII.

— Como pode ter certeza, Marcus? — Brandon não se convenceu.

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— Ele não tem — Chase comentou. — Está repetindo o que disseram quando lhe

venderam a peça.

— Essas lojas de antiguidades insistem em afirmar que qualquer pedaço de metal

enferrujado é um elmo viking ou outro absurdo semelhante — Devon argumentou.

Marcus começava a sentir dor de cabeça. Tinha muitos compromissos naquele dia.

Entre eles, discutir negócios com o administrador de Melton.

— A tapeçaria é de um valor incalculável.

— E é pavorosa — Chase acrescentou.

— Eu também não decoraria minha casa com coisas velhas e emboloradas —

Brandon concordou.

— Pois eu já invejei aquela peça — Anthony contradisse os outros. — Só lamento

não tê-la visto primeiro. Então, Marcus, a srta. Baker-Sneed é bonita?

— Bem pior. É inteligente e entendida em antiguidades. Por isso sempre acabamos

em lados opostos da mesa de leilão, brigando por lances.

— Chase — Anthony falou dirigindo-lhe um olhar malicioso —, o estalajadeiro não

disse se a srta. Baker-Sneed é atraente?

— Disse e repetiu. Quis até saber se ela voltaria.

— Era o que eu estava imaginando — Anthony divertiu-se.

— Começo a ver a mão do destino no caso, ou, pelo menos, em relação ao anel.

Cuidado, Marcus. A srta. Baker-Sneed poderá tornar-se sua noiva.

— Não enquanto eu estiver vivo! E nem depois de morto! — Marcus levantou-se e

fitou os irmãos com desgosto. — Temos mais alguma informação sobre o caso?

— Não que eu saiba. — Brandon também levantou-se. — Vamos embora. Marcus

precisa trabalhar.

— Espere. — Devon fitou Chase. — O que desejava perguntar a Marcus?

— Eu? Eu não tenho nada a perguntar. Nada.

— Não? — Marcus arqueou as sobrancelhas.

Chase corou e fitou Devon com raiva, antes de falar com o irmão mais velho:

— Bem, é que Harriet e eu pensávamos em convidá-lo para passar o Natal conosco.

Mas como ela está com a família, não sei se lhe agradaria...

— Eu agradeço a bondade, mas como podem notar, tenho muito trabalho a fazer.

— No Natal? — Devon parou à porta. — Certamente interromperá os afazeres por

alguns dias e...

— Não tenho desejo de perder tempo com frivolidades. Chase, eu lhe agradeço,

porém não poderei ir.

— Verena também pensou em convidá-lo — Brandon mostrou-se animado —, mas

como lhe faltará tempo... — Fitou os irmãos. — Alguém quer vir comigo ao White's?

— Eu o acompanho — Devon respondeu e olhou para o irmão mais velho. —

Marcus, não pretende passar o Natal sozinho, não é?

Marcus mergulhou a pena no tinteiro, achando graça na preocupação dos irmãos.

— Estou negociando a compra de uma propriedade e preciso recuperar o talismã.

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Estarei bem ocupado.

— Isso não me parece muito agradável — Brandon disse franzindo o cenho. —

Avise-nos se precisar de ajuda.

— Se o amuleto estiver com a srta. Baker-Sneed, fique certo de que o recuperarei até

o final da semana. — Marcus continuou a examinar a correspondência. — Obrigado por

atenderem ao meu chamado. Divirtam-se no White's.

Os irmãos despediram-se e saíram. Exceto Anthony.

— Marcus, está se tornando um camarada rabugento. Uma mulher poderia amaciar

a casca pétrea com a qual você se envolveu.

— Não preciso amaciar nada, obrigado. E eu tenho uma mulher.

— Uma amante não conta. Elas arrulham toda vez que espirramos.

— Lady Percival não arrulha. Ela é discreta, agradável e não é dada a risinhos ou

tagarelices.

— E só está dando tempo ao tempo para ser levada a sério.

— Onde foi que ouviu isso? — indagou Marcus.

— Hoje, no café da manhã no Four Horse Club. Ela trocou confidências com lorde

Chudrowe. Eles já foram bem íntimos.

— Nunca dei esperança ou motivos para lady Percival pensar em outro tipo de

envolvimento que não fosse... o atual. — Marcus não disfarçou a irritação.

— Para ela, pode parecer normal uma relação prolongada se transformar em algo

mais sério — Anthony contemporizou.

— Um ano, se tanto. — Marcus pensara que uma viúva sofisticada não lhe causaria

problemas. — Há dezenas iguais a lady Percival. Posso encontrar outra a qualquer

momento.

— Eu gostaria que você escutasse o conselho de um irmão que lhe quer bem. Não

subestime o talismã. O destino não poupa quem dele caçoa.

Marcus abriu uma carta do advogado de Yorkshire.

— Não acredito em destino.

— Talvez a misteriosa Honória Baker-Sneed se encarregue de provar-lhe o

contrário.

— Tolice.

— Espere e verá, Marcus. — Anthony deu uma risada e saiu.

Marcus jogou a carta na mesa. Se Anthony conhecesse Honória e sua língua afiada,

não se mostraria tão animado. Pobre Anthony. Sofria da mesma doença dos irmãos. Sendo

casados, achavam-se no direito de criticá-lo. Atormentavam-no como certamente faziam

com outros solteiros.

O casamento modificara todos eles. Chase mostrava maior energia e ria com

vontade o tempo inteiro. Devon, que sempre havia sido bem-humorado, parecia envolto

em serenidade. Brandon aparentava maior ambição. A mudança mais acentuada

acontecera com Anthony, que havia se tornado mais gentil e risonho com todos.

Marcus imaginou se ele próprio melhoraria de humor se encontrasse uma jovem

que...

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— Mas no que estou pensando? — murmurou para si mesmo.

Abriu as cartas que haviam chegado e garantiu a si mesmo que tarefas urgentes

impediam-no de cismar a respeito de impossibilidades. Depois da reunião com o

advogado para resolver o caso da propriedade Melton, marcaria um encontro com a srta.

Honória Baker-Sneed e, de uma vez por todas, recuperaria o objeto perdido. Todos sabiam

que os Baker-Sneed necessitavam de dinheiro. Seria preciso apenas um pouco de cortesia e

uma boa dose de paciência.

E Marcus não passaria disso, apesar da ousada predição de Anthony. O dinheiro

resolvia a maioria dos problemas. Uma vez recuperado o anel, ele o guardaria a sete-

chaves e continuaria a tratar de assuntos bem mais importantes, como, por exemplo,

aumentar a fortuna da família.

Sentia pesar pelo caos que envolvera a vida dos irmãos. Haviam esquecido a paz

que cercava uma existência organizada. Na certa era o custo do casamento. Desistia-se da

paz e da vontade de raciocinar.

A pior parte, segundo seu ponto de vista, era ter de aceitar o modo de vida de outra

pessoa e o dos parentes, por mais tolos ou loucos que fossem. Como no caso de Brandon

que, por causa de Verena, assumira uma família de trapaceiros. As últimas notícias davam

conta de que o pai de Verena se passava por um conde russo e criava muitos problemas na

Itália.

Devon, por sua vez, mal se casara com Katherine Macdonald e tinha sido obrigado

a construir uma oficina nos fundos de sua propriedade, nas cercanias de Londres. Ali, sete

escoceses grandalhões a ajudavam no trabalho com cristais. Embora Marcus reconhecesse

que o talento de Kat era extraordinário, não se conformava com a loucura em que se

transformara a vida de Devon.

Pobre Chase! A esposa dele tinha uma penca de irmãs e irmãos. E quanto a

Anthony, este abrira as portas para um enxame de crianças barulhentas assim como para o

avô intrometido de Anna.

Marcus disse a si mesmo que jamais se casaria! Exceto se encontrasse uma jovem

bonita, tranquila, que não falasse e não tivesse família. Nesse caso, poderia até considerar

um relaxamento do seu princípio.

Ou talvez nem assim. Para que mudanças tão radicais? Gostava de sua vida pacata.

Isto é, até o anel sumir e antes de descobrir que sua ligação com lady Percival já não era

mais tao discreta.

Ele suspirou. Pegou algumas folhas em branco e atirou-se ao trabalho. Enquanto

escrevia, esqueceu as mulheres e suas desagradáveis tendências a querer mudar a vida dos

homens.

— Por isso resolvi convocar o encontro da Sociedade para a Melhoria da Situação

dos Baker-Sneed.

Cessaram os murmúrios e risos. As atenções do pequeno recinto se voltaram para a

jovem alta parada ao lado do piano. Honória sorriu para as irmãs e o irmão mais novo.

— Por favor, sentem-se. Temos muito trabalho pela frente.

Num ruge-ruge de musselinas e sedas, as irmãs de Honória procuraram acomodar-

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se. Ouviram-se queixas contra os que se apropriaram dos melhores lugares próximos à

lareira.

— Silêncio! — Honória pediu para Olivia. — O relatório da tesoureira, por favor.

Olivia corou de prazer por ter sido, finalmente, encarregada de um trabalho

meritório. Ela cuidava do orçamento desde que Ned, o irmão mais velho, fora ao encontro

do pai. Antes disso, o mais emocionante se resumira em ajudar nos preparativos das festas

de Natal e dos aniversários. Afinal, com quase quinze anos, sentia-se pronta para algo

mais substancial.

Sorridente, aproximou-se de Honória. Não era tão alta como ela nem tão bonita

como Cassandra ou Juliet. No entanto procurava compensar as deficiências com uma

determinação que lembrava a de Ned.

Olivia levantou um papel manchado de tinta, abaixou a cabeça e assumiu ares de

importância diante dos números.

— Venho relacionando nossas despesas semanais e nossos rendimentos

provenientes da doação recebida por papai e do dinheiro que ele e Ned têm mandado. Fiz

uma lista de nossas despesas e...

— Por Deus! — Carol mexeu-se na cadeira, aborrecida. — Não queremos escutar

como foi feita a contabilidade. Queremos apenas saber os resultados.

Olivia não gostou da interrupção.

— É o que pretendo relatar, depois de explicar como cheguei às conclusões.

— Carol, por favor, permita que Olivia prossiga no relatório — Honória interveio e

fez sinal para a irmã continuar. — Ela levou horas para organizar tudo.

Honória lembrou-se de que Olivia lia a relia as palavras das cartas enviadas por

Ned, procurando decifrar detalhes nas entrelinhas. Depois passava duas semanas

lamentando por sua vida não ser tão excitante quanto a do irmão. Ned estava na índia com

o pai, em busca da recuperação pelas perdas recentes.

Olivia teria dado a vida para viajar pelo mundo e usufruir as aventuras contadas

pelo irmão.

Honória suspeitava que Ned e o pai não revelavam pormenores desfavoráveis a

respeito das viagens. Por exemplo, aspectos sanitários de alguns lugares e os alimentos

indigestos que eram obrigados a comer. Nada daquilo atraía Honória. Ela gostava de

asseio, limpeza e carne bem assada. Não ansiava pelo desconhecido. Preferia o conforto de

uma casa bem organizada e estar rodeada de pessoas amadas.

— Ah, eu gostava mais dos relatórios de Ned — Carol reclamou. — Ele sempre ia

direto ao assunto.

Juliet ergueu os olhos do bordado. Aos dezesseis anos, loira e linda, tornava-se rival

da beleza de Cassandra, embora não possuísse o caráter plácido da irmã.

— Ele não ia direto ao assunto — Juliet retorquiu. — Usava frases confusas que eu

não entendia.

Ned, com idade próxima à de Honória, tinha dezesseis anos quando havia ido

trabalhar em um navio, durante dois anos, sob os auspícios do tio, capitão Porterfield

Baker-Sneed. Tio Porlerfield servia na Marinha Real, era um marinheiro rude e odorava o

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mar. Entusiasmado por batalhas, tinha horror de passar uma semana em terra usando

gravata e conversando sobre banalidades com as sobrinhas.

— Sei que é melhor tesoureira que Ned — Juliet encorajou Olivia. — Ele errava nos

números. Por duas vezes gastamos demais por Ned ter dito que tínhamos dinheiro extra, o

que não era verdade.

— Não cometi erros. — Olivia encantou-se. — Verifiquei as contas várias vezes e

cruzei dados...

— Tenho certeza disso — Honória interrompeu-a. — E como faremos este mês?

— Bem... Como diria Ned, estamos em condições de navegabilidade, embora

fazendo água.

— Pelo amor de Deus, fale logo! — Carol sacudiu a cabeça, e os cabelos castanho-

escuros esvoaçaram para os lados.

— Carol, por favor! — Cassandra interveio em prol da harmonia entre as irmãs. —

Olivia, sabemos que as coisas estão ruins. Mas até que ponto?

Olivia deu um suspiro profundo.

— Se o vento não mudar, acabaremos no fundo do oceano.

George, de oito anos, desistiu de tentar prender o sapo na terrina de porcelana de

Dresden.

— Mas que maldição, Olivia! Será que não pode falar inglês?

— George! — Cassandra arregalou os olhos violeta. — Onde foi que ouviu essa

palavra?

O menino fitou Honória, que corou.

— Eu nunca falei isso! — ela se defendeu.

— Honória... — Cassandra desapontou-se.

— E dizer que criticou Ned por ele haver dito "porcaria". — Olivia fez uma careta.

— George, quando me ouviu dizer palavra tão horrível? — indagou Honória.

— A semana passada, quando estava pregando o quadro na sala da frente e bateu

com o martelo no polegar. Disse isso e mais uma coisa.

— Eu me lembro. — Honória evitou a censura do olhar de Cassandra. — George,

nunca mais repita isso. — Voltou-se para Olivia: — É verdade que estamos sem dinheiro?

— Isso mesmo. Nossas despesas dessa semana superaram o orçamento em sete

libras.

Honória nunca sentira tanta falta de Ned.

— Sete? Mas como foi que isso aconteceu? Nós controlamos as despesas.

— Não é verdade. — Olivia meneou a cabeça. — Por exemplo, o preço do carvão

subiu e custou-nos duas libras e seis xelins a mais do que no mês passado. George teve um

resfriado e tivemos de conservar a sala mais quente por causa dele.

George, apesar da aparência robusta, tivera crises de febre, com fortes dores de

ouvido. No entanto o menino de nada se queixava. Ned, antes de partir, o havia chamado

para uma conversa e o avisara de que dali por diante ele seria o homem da casa. E George,

uma criança, tinha levado a extremos seu senso de responsabilidade.

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— Eu havia me esquecido das febres de George — Honória alegou.

— Agora não estou mais doente — o garoto declarou, carrancudo.

— Claro. Está saudável como um potro.

— E Honória não gosta de cavalos — Carol lembrou.

Honória esfregou a cicatriz no braço, lembrança da mordida da velha égua ranzinza

do pai.

— Quais as outras despesas extraordinárias? — Honória quis saber.

— A roda da carroça quebrou. Foi um custo adicional de uma libra e quatro xelins.

E Juliet pediu nove xelins emprestados.

Honória reparou no bordado de Juliet. Era o desenho de um garanhão negro em

uma colina, a crina desfraldada ao vento. Embaixo, a frase:

Correr com liberdade e rapidez.

— O dinheiro foi para Hércules — Juliet defendeu-se.

Hércules era o velho cavalo dos Baker-Sneed, o único que não fazia Honória tremer

de medo. O capão só conhecia duas velocidades: lenta e muito lenta. Para Juliet, Hércules

fazia parte da família. Antes da crise, os Baker-Sneed possuíam vinte e dois cavalos, a

paixão de Juliet e do pai. Restara-lhes o pobre Hércules.

— O que houve com Hércules? — Honória começou a sentir uma leve dor de

cabeça.

— Teve um estiramento na pata dianteira direita. O sr. Becket recomendou um

cataplasma, que eu comprei no boticário.

Becket havia sido o cocheiro da família quando tinham carruagem. No momento,

fazia de tudo.

— O remédio custou tão caro?

— Não. Também comprei para ele uma nova manta. Devolverei o dinheiro quando

a sra. Bothton retornar de Yorkshire. Prometi ensinar a sobrinha dela a cavalgar. A menina

também morre de medo de cavalos.

Honória corou. Todos a olharam.

— Eu não morro de medo. Apenas não gosto deles. Nem de longe. Juliet, sei que

nos pagará, mas...

— Na próxima semana. — Juliet cortou a ponta de uma linha. — Sou uma ótima

professora e sei que poderei ensinar a srta. Lydia.

— Não duvido, minha querida. Mas nossa situação está muito precária no

momento e...

— Por culpa de papai — Carol falou com amargura. — Não estaríamos nessa

embrulhada se ele não...

— Bobagem — Honória defendeu-o. — Não se pode controlar os ventos que

fizeram o navio perder-se no mar, assim como alguém não pode evitar a loucura por doces

recheados.

Carol deu um sorriso amarelo.

— Está certo. Eu apenas gostaria que papai não tivesse investido todo o nosso

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dinheiro em um único navio.

— Dizem que não se deve colocar todos os ovos em um só cesto — Olivia alegou.

— Papai está trabalhando duro para recuperar a perda — Honória garantiu. — Não

tem distrações, come pouco...

— Eu sei. — Carol suspirou. — Ele conseguirá. Mas eu... sinto falta do que nós

tínhamos antes.

Cassandra segurou na mão da irmã.

— Todas nós sentimos.

Honória admitiu que, para ela, a mais velha, a sensação de perda era maior.

Lembrava-se dos numerosos criados, dos trajes requintados, das jóias e das comidas finas.

Das risadas, da música e das diversões. Tudo havia desaparecido com a morte súbita da

mãe, dois dias após o nascimento de George. O pai nunca se recuperara do golpe. Tinha

perdido a energia. Os investimentos sofreram reveses, e apenas nos últimos dois anos ele

fizera tentativas de recuperar as perdas.

Fitou os sapatos gastos e pensou em como gostaria de ter um chapéu novo igual ao

que havia visto nas revistas de moda que Cassandra ganhara de tia Caroline. De palha,

abas largas, enfeitado com rosetas em tons pastel e fitas combinando.

Mas aquele era um momento impróprio para desejar frivolidades. O irmão e as

irmãs a olhavam, na expectativa de uma solução mágica. Talvez tirar dinheiro do fundo do

poço.

— O que mais, Olivia?

Olivia consultou as anotações.

— Ah, sim! Carol comprou seda branca para fazer um vestido novo.

Todos os olhares se voltaram para a infratora. Carol começou a enrolar no dedo

uma mecha de cabelos castanhos.

— É verdade, Carol? — Honória tocou na detestável madeixa branca da têmpora

direita que a mãe chamava de "listra da sorte".

— Bem, tratou-se de um pequeno investimento.

— Na sua vaidade? — Olivia zombou.

— Nada disso! Eu planejo usar a seda para ganhar dinheiro.

— Não estou entendendo. — Honória franziu o cenho.

— Nem eu — Olivia apoiou.

— Estou me preparando para começar meu próprio negócio. Dentro de um ano,

espero estar muito rica.

Honória abriu e fechou a boca.

— Carol, para ganhar dinheiro é preciso fazer algo proveitoso — Olivia afirmou,

com ares de entendida. — Ou então, angariar fundos à maneira antiga.

— Do que está falando? — Honória indagou.

— De herança, é claro. O que não é o nosso caso. Nossos parentes nem mesmo estão

doentes. — Olivia fitou Carol de cima a baixo. — E também não deixariam um xelim para

uma preguiçosa do seu naipe.

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Carol dardejou chispas com seus olhos castanhos.

— Tia Caroline prometeu deixar para mim o piano quando morresse! E ele vale

uma fortuna!

— Ela só tem quarenta anos e é mais saudável do que todas nós. — Olivia fez pouco

caso. — Tia Caroline jamais lhe deixará alguma coisa.

— Sua idiota!

— Palerma! — Olivia não perdeu tempo.

— Tonta!

— Retardada!

— Chega! — Honória conteve a vontade de rir.

— Foi Olivia quem começou! — Carol defendeu-se.

— Está certo. Olivia, deixe-a explicar. Fale, Carol.

— Comprei a seda por estar em promoção. Além do mais, é linda. Já a viu? É

adamascada e tem um brilho extraordinário. Dará um vestido belíssimo.

— Mas nós não temos dinheiro para comprar tecidos.

— A meta não é poupar?

— Sim, mas...

— Eu poupei quase uma libra.

— Como pôde poupar se está gastando dinheiro?

— Por que vou fazer um vestido com a seda e depois vendê-lo. — Carol ergueu a

cabeça, orgulhosa. — A sra. Vemeer disse que o compraria por quinze libras se ficasse

bonito. Eu ainda terei seda suficiente para reformar o vestido cinzento de Cassandra. Vai

parecer novo.

— Ah, Carol, quanta bondade! — Cassandra entusiasmou porém a alegria acabou

logo em seguida. — Mas eu não estou precisando de roupas novas.

— Carol, não sei o que papai diria sobre a sua ideia de se tornar modista — Honória

considerou. — Muitas acabaram cegas de tanto costurar à luz de velas.

— Ah, eu só utilizarei velas de boa qualidade — Carol falou com a confiança dos

jovens.

Honória desistiu de discutir com ela no momento.

— Olivia, isso é tudo?

Olivia consultou as anotações de novo.

— Sim. Poderemos afundar se não encontrarmos vento forte que nos leve até a

costa.

— Quem foi o responsável por uma situação tão difícil? — Cassandra sacudiu a

cabeça.

— Todas nós — Honória respondeu. — A seda de Carol, a manta de Juliet, o

aumento do preço do carvão e as minhas compras para a loja. Olivia, quanto temos ainda?

— Menos de sessenta libras.

Honória engoliu em seco. Olivia estava enganada. Deveriam ter duzentas libras, o

suficiente para mantê-los no inverno, até o pai lhes mandar parte do lucro do novo

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investimento. Não seria muito, apenas o bastante para alguns meses. Talvez sobrasse para

renovar o guarda-roupa de Cassandra. Ela estava com dezessete anos e Honória gostaria

de fazer o début da irmã.

Cassandra fazia a bainha em um delicado lenço de renda. Alta, loira, esguia, sorriso

radiante e olhos cor de violeta. Herdará a beleza da mãe. Honória era parecida com o pai e

com os Baker-Sneed.

Cassandra era bonita, doce e gentil. Uma jovem de coração puro. Honória estava

disposta a fazer a irmã brilhar. Se fosse possível encontrar um padrinho que a

encaminhasse, Cassandra deixaria a nobreza de queixo caído. Em Hampstead, onde

viviam antes de se mudar para Londres, ela encantara os homens em um raio de oitenta

quilômetros. Mas de todos os pretendentes, nenhum era refinado e cortês o suficiente para

atraí-la. Todos eram fazendeiros rústicos. Por isso tinham se mudado para Londres.

Mas não haviam contado com a recusa da tia em apresentar Cassandra à sociedade

londrina. Precisariam encontrar uma maneira de conseguir um marido para ela. Ele teria

de ser bem-nascido e possuir um espírito requintado como o dela. E se fosse rico, o

problema de todos estaria resolvido. O marido de Cassandra poderia concordar em ser

padrinho de Carol, depois de Juliet e Olivia, e talvez...

Honória recriminou-se. Não adiantava pensar no futuro. Teriam de solucionar o

presente. Economizar mais ainda. Também se sentia culpada por haver gasto em lições de

música para Carol. Esquecera de incluir no orçamento o donativo que haviam feito ao

vigário, sempre às terças, para as lições de grego e latim de George. O pior de tudo eram

as compras para a loja de antiguidades. E o lucro às vezes demorava para chegar.

Suspirou e olhou para o anel em seu dedo. Esse pelo menos nada lhe custara. De

prata, gravado com caracteres rúnicos, o anel havia atraído Honória assim que o vira num

bolo gelado em um baile, como uma das lembranças de uma festa. Tivera sorte de haver

sido contemplada com a mais valiosa. Quanto valeria?

Ao ganhá-lo, a primeira intenção fora vendê-lo. Mas, por algum motivo, não havia

conseguido desfazer-se do anel.

— Olivia, tem certeza quanto ao déficit? — perguntou Honória.

Olivia anuiu, consternada.

— Bem, pelo menos agora estamos a par da nossa verdadeira situação. Obrigada

pelo empenho. Fez um belo trabalho. — Esperou a irmã voltar a seu lugar e fitou a

pequena audiência.

— Precisamos economizar.

Todos concordaram com silenciosos acenos de cabeça.

— Lady Melrose quer que eu leia para ela todas as manhãs — Cassandra contou. —

Pretende pagar apenas um xelim por mês, mas ajudará em alguma coisa.

— Cassandra, sei o ódio que tem por lady Melrose! — Carol exclamou e emendou-

se diante do olhar de reprovação da irmã.

— Bem, eu a odeio. Ela é uma velha detestável que se queixa de tudo.

— Pobrezinha, deve ter sofrido algum desapontamento — Cassandra procurou

apaziguar os ânimos. — De qualquer forma, ler para ela não será o fim do mundo.

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— Acho uma ideia excelente — Honória aprovou. — Vou ver se consigo vender

uma de minhas caixas de rapé.

— Oh, não! — Cassandra a contradisse. — É uma coleção que você faz desde

menina!

Honória pensou na prateleira de vidro onde estavam as quarenta e duas

tabaqueiras. Imaginar que teria de vendê-las a deixava arrasada.

Ganhara a primeira do pai aos oito anos. E ali havia começado a paixão. Tornara-se

admiradora ardorosa das delicadas peças francesas esmaltadas tão em voga. O pai se

encantava com sua habilidade em descobrir uma peça de qualidade e pagar um preço

baixo por ela.

— Honória não deveria vender as caixinhas — George entrou na conversa. — Se

estamos precisando de dinheiro, eu poderia criar rãs.

— Que ridículo, George — Olivia comentou.

O menino ignorou-a.

— Papai sempre dizia que se não temos mercado para nossos produtos, precisamos

criar um. — George olhou a rã que estava com duas patas para fora da sopeira. — Talvez

eu possa ensinar alguns truques para Samantha. Ela é muito inteligente. As pessoas

gostariam de comprar seus descendentes.

— Nem precisa ensinar nada a ela — Carol comentou, sapiente. — Faça as rãs

ficarem gordas como Samantha e todos farão fila para comprá-las. Sopa de rã é excelente.

Os franceses adoram rãs gordas, e existem poucas obesas como essa.

— Franceses comem rãs? — George fitou Carol, incrédulo.

— E adoram.

— Não venderei Samantha para nenhum francês! Apenas para ingleses que se

comprometam a tratá-las bem. Além disso, Samantha não é uma rã comum. Ela é muito

esperta e tem um gosto horrível.

— Tem razão e agradecemos sua vontade de cooperar — Honória apoiou o irmão.

— Agora, por favor, George, guarde Samantha em local seguro, enquanto terminamos a

reunião.

— Mas eu quero ajudar.

— Está bem. Pensaremos em alguma coisa que não envolva Samantha.

— Eu posso ajudar agora — Carol insistiu. — Farei um vestido com a seda branca.

O Natal está próximo e muitas damas vão querer um vestido novo para os bailes. E posso

fazer isso num piscar de olhos.

Era verdade. Carol possuía mãos ágeis para a costura. Honória tinha intuição de

que as coisas iriam mudar.

— Bem, creio que fazer um vestido não matará ninguém — Honória concedeu. —

Mas só um.

— Desistirei da minha temporada — Cassandra disse em voz baixa, porém resoluta.

— Cassandra! — Carol horrorizou-se. — Não diga uma coisa dessas!

— Ah, está dizendo isso por interesse — Olivia esnobou. — Quer que Cassandra

encontre um marido rico que possa financiar a sua temporada quando chegar o momento.

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— Nada disso — Carol negou, com semblante de culpa.

— Mesmo que Cassandra faça o début, nada garante que encontrará um marido

rico — Honória argumentou. — Cassandra gostaria de conhecer homens gentis e bem-

educados. Só isso.

— Ah, Honória, nem sei para que discutirmos o assunto. — Cassandra deu um

sorriso triste. — Tia Caroline não vai me apadrinhar. Pelas suas cartas, achei que ela se

interessaria. Mas desde a última visita na primavera passada, tem sido pouco receptiva à

ideia.

— Isso porque a filha de tia Caroline é cheia de espinhas.

— Carol! — Honória recriminou-a. — A prima Jane não tem culpa de ser feia.

— E a risada de Jane parece o relinchar de um cavalo.

George fez uma careta e imitou a risada da prima. As Baker-Sneed caíram na

gargalhada. Todas, menos Honória, que bateu na mesa com o nó dos dedos, pedindo

atenção.

— Chega de caçoar do outros, seus malvados. Jane é uma boa moça e não deve ser

desrespeitada. — As gargalhadas diminuíram de intensidade, mas os risinhos

prosseguiram. — Ainda temos de resolver vários assuntos. Carol, não gostaria de fazer um

relato sobre os melhoramentos levados a efeito na sala de estar?

Carol levantou-se e fez um discurso a respeito dos esforços das mulheres Baker-

Sneed em executar reformas sem dinheiro. Revelou ainda a brilhante ideia de George.

Havia mergulhado as patas de Samantha em tinta vermelha e deixara a rã pular no papel,

conseguindo desenhos impressionantes. Honória mal escutava, preocupada com as

finanças da família.

Fitou outra vez o anel. O calor do metal em seu dedo a fez sorrir. Não poderia

desfazer-se dele.

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Capítulo II

— Já procurei por toda parte...

Sentada à escrivaninha, Honória refazia as contas do orçamento fracassado. Ergueu

a cabeça.

— Perdão, George, não escutei. O que está procurando?

O menino, com o casaco torto e o rosto manchado de poeira, fitou-a com desalento.

— Não estou procurando o quê, mas a quem.

Sua irmã deixou a pena no tinteiro e suspirou.

— Suponho que estávamos falando sobre Samantha.

George anuiu, severo.

— Deixei-a na cama para um cochilo e, quando fui acordá-la, ela havia

desaparecido.

Honória franziu a testa.

— Não é a primeira vez que Samantha some. Talvez não lhe agrade morar em um

porta-chapéus debaixo da sua cama.

— Ela adora a caixa!

— Como sabe disso?

O olhos cor de violeta de George refletiram o mais puro desdém.

— Samantha só coaxa quando está dentro da chapeleira.

— Talvez esteja pedindo ajuda. — Honória levantou as mãos para cima e procurou

imitar a voz de uma rã. — Socorro! Sou prisioneira de uma caixa horrível! Salvem-me!

George fitou-a com piedade.

— Não foi engraçado? — Ela abaixou as mãos.

— Não. Já ouvi Samantha gritar. Na caixa, ela só canta.

— Quando a ouviu gritar?

— Quando tentei ensiná-la a escorregar no corrimão da escada.

— Graças aos Céus que não sou uma rã. Eu também gritaria.

— Eu gostaria de saber por que ela continua fugindo — George murmurou,

arrasado.

— Talvez esteja com saudades da lagoa.

— Acha mesmo? — O garoto fez um beicinho. — Bem, nesse caso, vai sentir muito

mais falta de mim do que daquela velha lagoa suja.

— Se Samantha continuar fugindo, será melhor pôr uma tampa na caixa e um livro

por cima.

— Assim ficaria escuro! Ela odeia lugares escuros.

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Na certa George odiava mais ainda.

— Samantha estava acostumada a viver na lagoa da floresta, onde à noite é um

breu. Não creio que ela se incomodará com uma tampa.

— Não farei isso. Seria o mesmo que deixá-la em uma prisão.

— Ou estaria protegendo sua vida. Em uma casa, há muitos perigos para uma rã.

— Como assim?

— Alguém distraído pode pisar nela. Carol, carregando seu material de costura,

pode derrubá-la da escada. Se Samantha resolver ir para a cozinha, poderá pular dentro de

um caldeirão de sopa ou prender uma pata nas frestas do assoalho. Uma pobre rã indefesa

está sujeita a inúmeros acidentes.

— Se algo tivesse acontecido com Samantha, eu saberia.

Honória abraçou George e apoiou o rosto nos cabelos escuros do irmão.

— Pois eu acho que uma tampa na caixa poderá salvar a vida de Samantha. No

mínimo, evitará uma fuga.

— Ela não fugiu. Samantha gosta de fazer explorações igual a papai.

Honória refletiu que seu irmão caçula era tão teimoso como o restante da família.

Os filhos também haviam herdado um traço da mãe. Não admitiam uma derrota. Tinham

sido abençoados com a famosa tenacidade dos Winchefield.

Honória beijou a testa do menino.

— Creio que está precisando de ajuda para encontrar sua rã aventureira.

— Você faria isso por mim? Carol estava ocupada cortando moldes. Cassandra a

ajudava e as duas não paravam de conversar. Ned diria que rangiam como malditos

barcos ancorados.

— George!

— O que foi?

— Sabe muito bem do que se trata. Nunca mais quero ouvi-lo dizer essa palavra!

— Eu só falei o que Ned diria... — Lágrimas começaram a deslizar pelo rosto

infantil. — Estou com saudades de Ned!

Honória tornou a abraçar George até acalmá-lo. Ele se afastou e limpou os olhos

com a manga.

— Desculpe-me — o garoto murmurou.

Honória teve de engolir o nó na garganta para falar.

— George, Ned voltará logo. Papai precisava de ajuda no novo negócio. Além disso,

ele está aproveitando para descobrir novas coisas. Não haveria de querer separar os dois,

não é?

— Não quero que Ned volte. Quero encontrar Samantha. — George fungou e

limpou o nariz com a manga.

Honória tirou um lenço do bolso e lhe entregou. O menino aceitou e assoou o nariz

com força.

— Mulheres. Sempre preocupadas com bobagens.

Honória guardou o lenço no bolso de George.

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— Sem as mulheres, os homens não comeriam pudim de ameixas no Natal nem

teriam lençóis limpos para dormir.

— Mas eu estou feliz por não ser uma garota, ou teria de me preocupar com fitas e

vestidos.

— Há ocasiões em que isso é muito agradável. Vamos, George. Encontraremos

Samantha e ela voltará para a caixa embaixo da sua cama.

George deu a mão para a irmã e os dois saíram da sala de estar. Honória fez da

busca uma grande aventura. Tudo para fazer George esquecer um pouco de Ned.

Procuraram no pavimento superior da casa, nos esconderijos preferidos de Samantha.

Muitos eram cantos com teias de aranhas sob peças grandes de mobília. Desceram e

espiaram debaixo de sofás e guarda-louças. George hesitava diante de locais escuros.

Honória fingia não perceber e se ajoelhava para procurar embaixo dos móveis e atrás das

cortinas.

George cutucava as almofadas do sofá sob o qual Honória enfiara a cabeça para

apalpar os cantos, quando a porta foi aberta.

— O que está fazendo aí, srta. Baker-Sneed? — Uma voz feminina pareceu

horrorizada.

— Procurando alguma coisa. — Honória sorriu para a sra. Kemble, a governanta.

Ficou em pé e tirou teias de aranha dos ombros. — O que houve?

A mulher estava de olhos arregalados e torcia as pontas do avental.

— A senhorita não vai acreditar! Um marquês quer vê-la! Um marquês vivo, em

carne e osso!

Os irmãos se entreolharam.

— Melhor um vivo de que um morto — Honória considerou, acompanhada pelos

risinhos de George.

A sra. Kemble levou as mãos à cintura.

— A senhorita não entendeu. Não é qualquer marquês, mas um abastado.

— Como é que a senhora sabe?

— Ele veio numa carruagem de três parelhas. A vizinhança deve estar ansiosa para

saber de quem se trata e por que ele veio.

— Seis cavalos? — George correu até a janela e afastou a cortina. Na ponta dos pés,

amassou a cara na vidraça.

— Maldição! Que cavalos!

— George!

O menino corou.

— Desculpe. Venha ver, Honória. Dirá a mesma coisa quando os vir!

— Eu os verei depois. Não podemos deixar a visita esperando. — Fitou a

governanta. — Onde está o marquês?

— Na sala de estar! — A mulher abanou-se. — Um marquês de verdade! Quem

haveria de pensar?

Honória conhecia cinco marqueses, todos colecionadores. Talvez fosse o de

Sheraton que retornara havia pouco da Itália. Na certa viera indagar sobre a mesa indiana

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de madrepérolas que a esposa tinha admirado na loja fazia dois meses.

— Descerei em seguida. Ofereceu-lhe uma bebida?

— Não. Fiquei tão assombrada que o levei até a sala de estar sem dizer nada. Aí,

quando percebi a lareira quase apagada... A senhorita acha que ele gostará das tortas de

maçã da sra. Hibbert?

— Sem dúvida. E com chá. — Fitou o irmão grudado na vidraça. — George, terei de

atender o nosso visitante. Não vou demorar.

— Está bem — o garoto respondeu, distraído. — Se eu tivesse uma carruagem com

seis cavalos, os meus seriam brancos, e não cinzentos.

Honória sorriu e foi para a sala de estar. Passou pela porta que a governanta

esquecera aberta, e seus primeiros passos foram abafados pelo tapete grosso.

O marquês estava em pé ao lado da lareira, talvez procurando se aquecer nas

poucas chamas que ainda crepitavam. Honória se deteve. Não se tratava de Sheraton, mas

sim do marquês de Treymount. Importuno. Irascível. Irritante.

Desejou estar errada, mas não havia como duvidar por causa do traje negro que

cobria os ombros largos e do jeito arrogante. O homem insuportável sempre se portava

com uma combinação de soberba masculina e uma enervante postura de comando. Por

que teria vindo até ali?

Olhou para os lados e não encontrou indicação plausível para uma visita. Desejou

que as chamas estivessem altas. Mas, para quê, se pouco usavam a sala? Ainda assim, era

degradante deixar um homem como Treymount perceber que os Baker-Sneed tinham de

economizar até no carvão.

Ergueu a cabeça, inspirou fundo e procurou acalmar-se.

— Lorde Treymount. — Honória fechou a porta e adiantou-se, forçando um sorriso

cortês. — Que surpresa!

— Srta. Baker-Sneed. Bondade sua de receber-me com presteza. — A voz profunda

deixou Honória ainda mais agitada.

Era uma injustiça da natureza permitir que um homem tão atraente tivesse

qualidades tão inaceitáveis. Honória engoliu em seco. Os raios de sol que penetravam pela

janela acentuavam os traços marcantes do rosto de rara beleza masculina.

Na verdade, conhecia Treymount o suficiente para não ficar mais abalada com sua

aparência. Haviam se encontrado várias vezes em leilões e sempre em situações adversas.

Ficava irritada toda vez em que via o coche dele parado na rua diante do leiloeiro.

Considerava-se imune aos olhos azuis e à maneira como ele erguia uma sobrancelha

quando algo lhe desagradava. Também não a encantavam os cabelos negros nem a boca

sensual.

Honória havia muito encarava o atraente marquês apenas como uma ameaça à sua

paz de espírito e à sua bolsa. Soltou as mãos que, de maneira inconsciente, fechara em

punhos.

— A que devo o prazer de sua visita, milorde? Certamente não é de caráter social.

A exasperação dele foi perceptível pelo ligeiro levantar do queixo.

— Sim, eu preciso perguntar-lhe algo, mas pensei que antes deveríamos empenhar-

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nos em um mínimo de civilidade. — O marquês não escondeu a desaprovação.

— Muita bondade sua.

Apesar de presunçoso, o marquês de Treymount estava muito longe de ser o

homem frio e impessoal que muitas pessoas imaginavam que fosse. Era possuidor de

desejos imperiosos e de uma determinação a toda prova. Poucos haviam comprovado sua

perseguição aos objetos de seu interesse, como no caso da tapeçaria antiga e do vaso

chinês de inestimável valor.

Nesses casos, a máscara de frieza cedia lugar às chamas de um homem resoluto e de

extrema acuidade que eram ainda mais intrigantes.

Naquele momento, Honória nada notou na fisionomia do marquês que lhe desse

algum indício. Agastada, fez uma mesura.

— Seja bem-vindo à minha casa, milorde. Se veio a negócios... — Ela ergueu as

sobrancelhas e aguardou.

O marquês analisou-a e se deteve nos cabelos. Honória conteve a vontade de fazer

uma careta. Ele tinha por costume observar atentamente as pessoas antes de falar. Honória

já testemunhara o marquês desalentar o ânimo de muitos bajuladores e de aumentar a

ansiedade dos mais tímidos com essa atitude. Felicitou-se pelo orgulho que lhe permitiu

manter a cabeça erguida diante de um gesto tão impertinente.

Mesmo assim, desejou estar vestida com seu melhor traje, embora duvidasse que

faria alguma diferença.

Sentiu-se insegura. Ele a estaria provocando? Ou teria outras intenções? Endireitou

as costas. Não gostava de ficar em desvantagem. O silêncio de Treymount era opressivo.

— Por favor, chega! — Honória cruzou os braços na altura do peito e teve vontade

de mandá-lo embora de sua casa. — O que deseja, milorde?

O marquês fez uma mesura e exibiu uma sorriso irónico, sem deixar de fitá-la.

— Queira perdoar-me se fui um tanto rude. Será que interrompi alguma coisa... —

Olhou de relance para os cabelos dela — ...importante?

Honória corou. Estava acostumada que as pessoas, à primeira vista, se espantassem

com a faixa de cabelos brancos na têmpora direita. Alguns a olhavam como se ela tivesse

duas cabeças. Treymount, no entanto, já a vira várias vezes. Não havia por que reparar na

mecha como se fosse uma novidade. Honória tocou nos cabelos... e arregalou os olhos.

— Teias de aranha! — Ela foi até o espelho que ficava sobre a lareira e riu ao ver o

próprio reflexo.

Duas faixas espumosas de teias estavam penduradas em seus cabelos e caíam sobre

o ombro. O rosto estava coberto de poeira.

— Parece que andei visitando alguma cripta! Milorde tinha mesmo de ficar

espantado. Estou com aspecto assustador.

O marquês fitou-a através do espelho e Honória notou que a frieza habitual fora

substituída por um certo ar de diversão.

— Cheguei a pensar que estivesse arrumando roupa de cama em um closet escuro,

mas uma cripta é um local bem mais romântico para juntar teias de aranha.

— Não vejo nada de romântico nisso. — Ela passou a mão na cabeça para limpar a

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névoa branca. — Perdoe-me recebê-lo neste estado. Eu estava ajudando meu irmãozinho a

encontrar algo que ele perdeu. — Criticou a si mesma por dar pouca importância à própria

aparência.

A porta foi aberta e a sra. Kemble entrou. Carregava uma bandeja pesada que

deixou na mesa lateral, ao lado do sofá.

— Não havia mais tortas de maçã. A srta. Carol comeu a última. A cozinheira,

porém, tinha pãezinhos no forno, e eu esperei ficarem prontos.

— Obrigada, sra. Kemble.

A governanta fez uma mesura, sem perder o marquês de vista.

— A senhorita precisa de mais alguma coisa?

— Não, obrigada.

A governanta fez nova mesura e saiu depois de apreciar mais uma vez o ilustre

visitante.

Honória sentou-se na poltrona próxima à mesa e indicou o sofá para o marquês. Ele

hesitou.

— Espero que esteja com fome. Eu estou.

Honória começou a servir o chá e os pãezinhos, enquanto sua mente vagava. O

marquês poderia ter vindo comprar algum objeto. Não era comum, mas ela já recebera

visitas com esse propósito. Pensou nas últimas aquisições. Nenhuma se parecia com as que

normalmente o interessavam. Gostaria de pedir a ele que apreciasse as peças mais finas e

adquirisse a melhor.

O marquês pareceu tomar uma decisão súbita.

— E por que não? — Ele tirou uma almofada solta do sofá e sentou-se.

Em frente ao marquês, Honória não podia deixar de ver as coxas musculosas

delineadas sob o tecido da calça justa. Envergonhou-se por haver olhado. Na certa, ele

cavalgava bastante ou praticava outro tipo de exercício físico.

— Então? — O marquês percebeu o olhar de Honória. Ela corou. Talvez ele

desconfiasse do que ela estava pensando.

— Eu... — O que poderia dizer-lhe? Jamais admitiria... O marquês fitou a bandeja.

— Srta. Baker-Sneed. Creio que a xícara já está cheia. Honória endireitou o bule. O

chá caíra no pires e na bandeja.

— Oh, Céus! No que eu estava pensando? — Ela pegou um dos guardanapos de

linho ainda não ensopados e sentiu a mão do marquês sobre a sua.

Honória se deteve, paralisada. A mão dele era grande e quente. Máscula. Os dedos

longos tinham unhas bem-feitas. Sentiu o coração disparado e um estranho calor invadiu-

a. Com certeza, ficara maluca. Havia encontrado o marqnês várias vezes e nunca sentira

atração por ele. A onda poderosa, pura e primitiva, cobriu-a, arrebentou seus pensamentos

lógicos e deixou-a confusa e desorientada.

De olhar arregalado, permitiu que o marquês lhe puxasse a mão. Teve de se inclinar

para a frente quando ele a segurou pelo braço e apertou-lhe o pulso.

— Milorde! — Ela sufocou um grito. — O quê...

— Este anel é meu. — Os olhos do marquês lançavam faíscas de acusação e raiva. —

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Eu vim para recuperá-lo.

— Seu anel? — Honória fitou o marquês e depois a peça de prata que enfeitava o

próprio dedo médio de sua mão esquerda.

— É meu. — A voz profunda de Marcus St. John, marquês de Treymount, não

deixava dúvida quanto ao significado da palavra, enquanto ele continuava a apertar-lhe o

pulso.

Honória mexeu os dedos.

— Milorde, por favor! Meus dedos estão dormentes.

Ele relaxou o aperto, mas não a soltou.

— Quero meu anel.

— Eu quero um vestido novo, um conjunto de esmeraldas e sapatilhas bordadas

com pedras preciosas. Mas isso também nunca irá acontecer. — Honória fungou sem

querer. — A vida não é tão simples. Na maioria das vezes não conseguimos aquilo que

desejamos.

— Srta. Baker-Sneed, creio que não está compreendendo. O anel me pertence. É da

minha família.

— Ele pertencia à sua família. Agora é meu. Eu o ganhei em uma festa...

— Na Escócia, onde esteve como convidada de lady Talbot.

— Isso mesmo. Como é que sabe disso?

— Procuro pelo anel desde que a esposa de meu irmão o perdeu naquela festa.

Honória fitou o adorno de prata em seu dedo.

— Então, este é... — Ela se lembrou de um boato. Os St. John possuíam um anel

responsável por alguma desgraça. Ou seria uma bênção? — ...o anel-talismã dos St. John?

— Isso mesmo. Agora a senhorita entende por que deve devolvê-lo.

Dever era uma palavra forte, ainda mais dita por ele. Honória fechou a mão em

punho. Recordou-se das vezes em que Marcus Treymount havia coberto seu lance em

leilões, ignorando-a de tal maneira que motivara comentários. Ele sempre se portara com

egoísmo extremo.

A sensação no pulso onde Treymount a segurava era exótica e ousada. Lembrava

uma pena aquecida na pele nua.

— Eu ouvi falar do tal amuleto. Pensei que fosse cravejado de pedras preciosas. Este

anel é bastante simples.

— É muito antigo.

— Foi o que pensei assim que o vi. — Honória observou a peça com atenção. —

Muito bem! Se o anel é seu e milorde vem procurando por ele há tanto tempo, digo-lhe

que pagará caro por ele. — Ela sentia a possibilidade de uma boa transação comercial. E

saber que o dinheiro viria dos cofres do marquês tornava a ideia ainda mais doce.

Marcus endireitou-se e soltou-a.

— Não tenho de pagar nada pelo que me pertence.

— A propriedade é um conceito interessante. Milorde diz que é seu, e eu digo que

não. A quem um tribunal daria razão?

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A fisionomia do marquês tornou-se sombria.

— Eu jamais levaria esse caso a um tribunal. Meu nome apareceria em todos os

jornais da Inglaterra.

— O meu também. No entanto é a posse que determina a propriedade.

— Está bem. Pagarei o que o anel vale. Não mais do que isso.

O estranho era que o pulso de Honória palpitava pela falta da mão do marquês. Ela

esfregou a pele, distraída, sem entender o absurdo da situação. O brilho da prata pareceu-

lhe mais intenso.

— Há um boato acerca do anel. Uma lenda... — Honória não conseguia precisar o

assunto, mas... — Ah, sim! O St. John que estivesse na posse do talismã encontraria seu

único e verdadeiro amor.

Marcus não escondeu a irritação.

— Isso não passa de uma fantasia. A importância do anel é o valor histórico para a

nossa família. Faz parte da nossa herança.

— O que o torna ainda mais valioso. — Ela deu um leve sorriso. — Tenho de avaliar

a soma que será necessária para milorde ter o anel de volta. Uma herança tem seu preço.

O marquês estreitou os olhos.

— Não me tente com a ideia de apelar para a força física e recuperar o que é meu.

A ameaça, dita de maneira suave, era palpável, e Honória ergueu as sobrancelhas.

— Milorde esqueceu que sou perita em antiguidades? Quanto mais um cliente

deseja o bem, mais caro terá de pagar por ele.

— O anel só interessa a um St. John. Esse mercado é muito limitado.

Ela sorriu. Os dentes brancos se destacaram entre os lábios perfeitos.

— Então é uma sorte para nós todos que meu único cliente seja tao rico.

Marcus não acreditava em seus ouvidos. Era inconcebível! Ter de pagar, e muito,

pelo jeito, pelo que era dele!

Honória pegou o guardanapo que deixara cair e limpou o chá espalhado na

bandeja.

— Imagino qual seria o valor de uma peça de tamanha importância pessoal. — Ela

largou o guardanapo, serviu o chá em outra chávena e estendeu-a sobre o pires. — Seu

chá, milorde.

Marcus pensou em conhaque. Ou vinho do Porto. Ou um uisque bem forte que

apagasse as chamas que lhe queimavam o estômago. E teria de tomar chá ao lado de uma

mulher que só sabia discutir.

Tinha sido um dia horrível. Logo pela manhã rompera o relacionamento com lady

Percival. Para seu desgosto, ela havia se mostrado sentimental demais. Como

consequência, entregara-lhe rapidamente a pulseira de diamantes e safiras, e tinha se

retirado em seguida. Sempre a considerara um modelo de beleza feminina, fria e

imperturbável, ardente quando necessário. Entendeu que Violet havia fingido o tempo

todo no esforço de levá-lo a assumir um compromisso.

As mulheres eram trapaceiras. E nenhuma tanto quanto a sita. Baker-Sneed. Ela era

uma jovem atrevida e determinada. Possuía um raro talento para fazer avaliações e

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inteligência para explorar essa habilidade. Fora um erro ter evidenciado a importância do

anel. Porém o caso não era desesperador, e ele também não aceitaria uma derrota.

Marcus ergueu o queixo e tomou o chá com ar de enfado.

— Eu lhe darei cem libras. É mais do que o preço justo.

Honória serviu-se, tomou um gole e apertou os lábios.

— Não. — Ela levantou a bandeja com os pequenos pãezinhos — Milorde aceita

um?

Ele queria apenas o anel e ir embora. Escondeu a raiva para não deixar o inimigo

feliz. Lembrou-se das vezes em que ela o superara nos leilões. Claro, isso nem sempre

ocorria. Mas a visão da velha carruagem enlameada e do cavalo magro em frente ao

estabelecimento de um leiloeiro era suficiente para fazê-lo ranger os dentes.

Honória Baker-Sneed não se deixava vencer por ameaças. A aparência educada e

feminina escondia um coração de granito e uma vontade férrea para negociar. Não devia

esquecer-se disso.

Marcus deixou a xícara no pires com um leve tilintar.

— Minha oferta final é de duzentas libras.

Honória estalou a língua, aborrecida.

— Os números são muito baixos. Teremos de repensá-los.

Ela virou a cabeça para o lado. O sol acentuou os reflexos avermelhados dos cabelos

castanhos e deu brilho à listra branca.

Marcus estreitou os olhos. Sempre admitira que ela era uma mulher bonita, mas

procurara não pensar nisso para evitar qualquer interesse que porventura lhe surgisse. Ela

era um opositora para ser vencida. Não se tratava de uma jovem sensual da qual se

poderia usufruir até cansar. Mesmo assim, a mecha de cabelos brancos na têmpora era

muito atraente. Dava um toque exótico às suas feições e fazia-o pensar no caráter de

Honória. Era uma mulher passional, sem sombra de dúvida. Bastava vê-la dar lances para

conseguir os objetos de arte desejados. O que o fazia imaginar como ela seria na cama.

Uma ideia interessante. Seria selvagem como a madeixa alva que saltava aos olhos?

Deixar-se-ia levar pelo ímpeto, da mesma forma que acontecia nos leilões? Imaginou-a em

sua cama, com os cabelos soltos sobre seu travesseiro...

Por Deus, no que estava pensando? Ela era sua inimiga, a que detinha o precioso

anel de sua mãe.

— Srta. Baker-Sneed, não tenho tempo para perder. O que considera um preço

justo?

Ela tomou mais um gole de chá. Os lábios ficaram úmidos.

Marcus experimentou uma imediata ansiedade nos locais previsíveis. Mas aquilo

era uma incongruência! Santo Deus, ele reagia como um rapazinho!

Honória deixou a xícara no pires com movimentos seguros e graciosos. Estendeu a

mão para a frente e fitou o anel com olhar especulativo.

— Trata-se de uma herança, e é única. Meu Deus, que dilema. Se eu tivesse mais

tempo, poderia pensar em...

— Diga seu preço e acabe logo com isso!

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Ela o fitou sob os cílios escuros e espessos, batendo um dedo no queixo.

— Bem, se sou obrigada a fixar um valor... O que acha de sete...

— Setecentas libras!? A senhorita deve estar brincando!

— Oh, não! — Honória piscou, surpresa. — Sete mil libras.

— Maldição! — As palavras ecoaram no recinto.

Em pé, Marcus não se lembrou de haver se levantado. Fitou-a com ódio e punhos

cerrados.

— Isso é ultrajante!

— Permita-me discordar, milorde. Sete mil libras ou o anel continuará sendo meu.

— A senhorita ficou maluca se acha que pagarei uma fortuna por essa porcaria de

anel!

— Então, nada mais temos para conversar. — Ela levantou-se, quase feliz. Sorriu e

estendeu a mão. — Obrigada pela visita. Espero que venha novamente quando tiver mais

tempo.

Marcus ignorou a mão estendida. Honória esperava que ele pagasse uma fortuna

pelo que lhe pertencia? Aquilo não podia estar acontecendo. Tratava-se de um fantástico

engano. Procurou acalmar-se e sentou-se de novo.

— Não sairei daqui sem o anel.

— Não lhe darei nada por menos de sete mil libras. — Honória também voltou a

seu lugar e arrumou a saia em dobras perfeitas. — Por que não experimenta um pãozinho,

visto que resolveu ficar mais um pouco? Eles são ótimos.

Marcus não queria nada disso. Precisava pensar sem desvarios. Não poderia se

entregar a rompantes emocionais. Aceitou um petisco, duvidando se poderia engolir um

pedaço sem engasgar.

Ali estava ele, buscando estratégias a respeito de uma ninharia. Comprara

propriedades com muito menor esforço do que o atual. Por que a esposa de Devon tivera

de ser tão descuidada com o anel da mãe deles?

— O pãozinho doce é bonito, não é?

Marcus deu-se conta de que olhara a iguaria por um tempo exagerado.

— É. — Notou que ela o fitava com um brilho de humor nos olhos castanhos. —

Bonito demais para comer.

— Experimente, milorde. É muito saboroso. — Ela mordeu um pedaço, e uma lasca

da crosta parou no lábio inferior. Tocou a boca com o guardanapo. — A cozinheira é

especialista em massas doces.

— Gosto é muito pessoal.

— O valor também. Por isso se estabelecem critérios a partir do interesse. É o

motivo por seu anel ter um preço tão alto. Milorde mesmo o avaliou.

— Eu jamais deveria ter admitido do que se trata — Marcus confessou com

amargura.

— Na verdade, foi um erro.

— Não imaginei que a senhorita fosse tão inescrupulosa.

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Honória acenou, divertida.

— Prezado marquês, estamos tratando de um negócio. Não se deve permitir o

envolvimento de emoções. — Ela estendeu a mão. O sol iluminou as runas e refletiu-as em

seu rosto. — É uma peça linda. Tenho certeza de que sete mil libras não é um preço

exagerado.

Marcus deixou o prato na mesa com o pãozinho doce intacto. Fitou a anfitriã com

olhar malévolo. Por que o anel tivera de ficar justamente com ela? Qualquer outra pessoa

se sentiria honrada em poder ajudar, e ele se alegraria em recompensar o interessado. Mas

uma fortuna?

— Se pensar bem, a quantia não é exagerada para milorde. Eu já o vi pagar mais do

que isso por uma tapeçaria.

— Minha mãe comprou esse anel de uma cigana em uma feira. Pagou dois xelins.

— Então, sua mãe era melhor negociante do que milorde. Eu não o entregaria por

tão pouco.

— E eu não pagarei tanto por ele.

— Milorde está falando sério?

O sorriso de Marcus não atingiu os olhos.

— Estou. Sinto-me disposto a pagar alguma coisa. Bem mais do que a senhorita

conseguiria por ele em outro lugar.

— Entendo. — Honória fitou o anel e suspirou. — É uma pena. E se em lugar de

dinheiro... pensássemos em uma alternativa?

— Como assim?

— Bem... — Ela refletiu nas opções.

Marcus imaginou se Honória pediria uma das tapeçarias que cobiçara tanto. Na

verdade, não lhe agradaria desfazer-se de nenhuma de suas preciosas antiguidades. Mas o

anel de sua mãe...

— Os St. John são bem respeitados entre a nobreza, não são? Sei que milorde é

convidado para todos os eventos importantes.

Marcus franziu o cenho, sem atinar com o propósito de Honória.

— É verdade. Todos fazem questão da nossa presença.

— Milorde costuma encabeçar a lista dos convidados. Talvez receba mais convites

do que possa aceitar. — Ela tornou a bater com o dedo no queixo.

— Correto. Mas a que vem tudo isso?

— Bem, como milorde não está disposto a gastar seu dinheiro...

— Não é verdade. Só não quero dar sete mil libras por um anel.

— Certo. Desde que não quer gastá-las, talvez não se importasse em gastar um

pouco de seu tempo. — Fitou-o com olhar misterioso.

— Srta. Baker-Sneed, o que tem em mente?

— Simples. Um casamento.

Marcus mais uma vez não acreditou no que escutara. Honória aguardava, com um

sorriso nos lábios e um brilho no olhar.

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— Casamento? Está sugerindo que para ter o anel de volta eu deveria casar-me com

a senhorita.

Ela rompeu numa gargalhada.

— Oh, Céus, não! Não foi isso o que eu quis dizer. Não estou maluca, milorde.

— Explique-se, senhorita. — O marquês mal continha a fúria.

Honória arqueou as delicadas sobrancelhas. Ele reparou que os olhos tinham laivos

verdes e dourados. Por isso brilhavam tanto.

— Milorde, eu jamais poderia sugerir tal coisa. Se nos casássemos, nós nos

mataríamos em uma quinzena.

— Ou talvez antes.

— Pelo menos nesse assunto estamos de acordo. — Não se incomodou com a

concordância dele. — Essa seria a última coisa no mundo que eu desejaria. A menos...

Bem, vamos ao que interessa.

Marcus admitiu a sabedoria de Honória, porém incomodava-o ser desprezado com

tanta rapidez.

— Srta. Baker-Sneed...

— Mais chá? — Honória levantou o bule ainda fumegante.

— Não, obrigado. Senhorita, o que pretende ao sugerir casamento em troca do anel?

A quem está se referindo?

— À minha irmã, Cassandra. Mas não para milorde. Desejo que minha irmã tenha

todas as vantagens de um bom casamento. Porém tenho poucos conhecidos em Londres

dispostos a investir nisso.

Marcus recostou-se no sofá.

— Ah, é?

— Sim.

— No início, minha tia Caroline parecia aceitar a tarefa de Cassandra e apresentá-la

à sociedade. Mas algo aconteceu...

O marquês aguardou.

— Bem, a filha de tia Caroline não é... e Cassandra é... bem, digamos que é mais alta

que a prima.

— Sua irmã é bonita e sua prima, não. É isso?

— Sim! Ah, fico feliz em ver que milorde é inteligente. Eu não saberia dizer isso sem

parecer indelicada. Minha prima é uma criatura doce, mas... Existem poucas mulheres tão

bonitas como Cassandra.

O orgulho de Honória não o surpreendeu. Era natural um irmão envaidecer-se com

as qualidades de outro. E apesar das palavras elogiosas, Marcus duvidou que fossem

verdadeiras.

— Entendo. — Nada mais falso. — Não tenho tempo nem interesse de apresentar

sua irmã à sociedade, mesmo que seja para economizar sete mil libras.

— Claro, milorde deve decidir o que lhe for mais conveniente. Não o forçarei a

nada. — Nem sequer corou. — Entretanto deveria considerar a proposta antes de rejeitá-

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la. Milorde não terá de se ocupar em demasia com Cassandra.

— Não?

— Milorde despendeu muito esforço para o début de Sara, sua irmã? O trabalho

todo foi feito por sua tia.

— A senhorita conhece minha família?

— Fui apresentada à sociedade no mesmo ano que sua irmã. Nós nos encontramos

com frequência durante um certo tempo.

— Não me recordo de tê-la visto em nenhum daqueles eventos.

— Minha mãe faleceu um mês após o início da temporada e eu me retirei. De

qualquer forma, não senti falta das frivolidades sociais. Cassandra, no entanto, as adora.

— Honória animou-se. — Milorde gostaria de conhecer minha irmã? Ela é linda e muito

bem-educada. Não o fará passar vergonha.

— Não quero conhecer ninguém e também não pretendo concordar com essa ideia

absurda.

— Por que não? Milorde não teria muito trabalho. No começo, eu nem lhe pediria

para levá-la aos bailes.

O sorriso largo de Honória foi acompanhado de um brilho de alegria no olhar. Um

riso sincero e não usual nas mulheres contidas da sociedade.

— Milorde, eu certamente não exigiria grande trabalho e estou disposta a ressarcir

os custos...

— Eu não serei padrinho de sua irmã por vários motivos. O principal deles seria

que o fato despertaria boatos a respeito da respeitabilidade dela.

Honória corou.

— Oh! Não pensei nisso.

— Como vê, sua proposta não foi muito bem refletida.

Ela suspirou. O marquês estava certo.

— Uma pena. Vejo que voltamos ao ponto de partida. Estou com seu anel, e milorde

não concorda com o meu preço.

Marcus se inclinou para a frente, sombrio.

— Senhorita, não cometa o erro de subestimar-me. Eu sempre alcanço o que desejo.

Honória pôs a xícara no pires.

— Como milorde não concordou com o meu preço, terei de vender o anel. Conheço

um francês que possui uma coleção dessas peças de arte, e também uma condessa que tem

paixão por jóias exóticas. Em qualquer um dos casos, milorde não encontrará mais o anel.

— Seus ardis são insuportáveis!

Ela sabia que brincava com fogo. Mas o fato de o marquês ter batido na porta deles

em um momento crucial de ruína financeira só poderia ser obra do destino. Honória só

contava com duas alternativas. Uma seria encontrar um padrinho para Cassandra. Outra,

conseguir uma boa quantia de dinheiro. Casar a irmã com um velho odioso e rico era uma

possibilidade horrível demais para ser considerada.

Ela encarou o olhar furioso do marquês e deu de ombros.

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— Nós já dissemos tudo um ao outro. — Honória levantou-se. — Perdoe-me, tenho

assuntos importantes à minha espera. — Fez uma mesura e rumou para a porta.

Por um instante, Marcus ficou imóvel. Depois de desprezá-lo, ela pretendia sair dali

como se nada mais a incomodasse. O ódio invadiu-o, queimando. Ficou em pé e impediu-

lhe a passagem.

— Eu ainda não terminei nossa conversa!

Honória virou-se e alcançou o encosto de uma poltrona mais afastada.

— Pois eu não tenho mais nada a dizer, milorde.

Marcus jamais saberia dizer o que o levara a segurá-la pelo braço e girá-la para a

encarar. Mas lembraria cada detalhe do que aconteceu depois, quando a abraçou. A

intenção primeira havia sido impedi-la de sair. Uma imperiosa emoção tomou conta de

sua mente ao sentir o calor daquele corpo maleável de encontro ao seu. Marcus beijou-a.

A raiva impediu-o de ser gentil. O beijo foi como uma punição para um

comportamento tão inaceitável. No entanto a raiva cedeu tão rapidamente como surgira e

transformou-se em uma investida de desejo.

Marcus nunca tivera consciência de como desejo e raiva se relacionavam. As duas

eram emoções intensas e primitivas que impediam pensamentos coerentes e, em geral,

levavam a atitudes extremas. Por exemplo, a beijos apaixonados.

O beijo provocou uma resposta que o atingiu da ponta dos dedos até os locais mais

inesperados para o caso, Marcus não teve certeza se era ânsia pura ou euforia por haver

finalmente conseguido silenciar a srta. Baker-Sneed, divina e irritante. Para sua surpresa, o

beijo pareceu ter o mesmo efeito em Honória. Após os instantes de rigidez inicial, ela

gemeu de encontro a seus lábios e encostou-se nele, suave e complacente.

Marcus não foi capaz de impedir aquela loucura. A iniciativa partiu de Honória.

Com um suspiro profundo, ela agarrou-lhe os braços e desvencilhou-se.

Ele não tentou segurá-la. Sua mente girava e seu corpo certamente romperia as

barreiras da decência se a situação se prolongasse. E divertiu-o comprovar que a arrogante

srta. Baker-Sneed cambaleou para trás com as faces coradas e os lábios intumescidos. Ela

teve de segurar-se em uma pequena mesa para não cair. O globo da lamparina chocalhou

com o oscilar da mesinha.

Marcus sentiu as pernas bambas e o coração pulsar em seus ouvidos. Arfante, tinha

o corpo tenso e o olhar escurecido.

— Isso... não era necessário. — Honória esfregou a boca com as costas da mão.

O gesto infantil fez Marcus sorrir. Admitiu que havia muito não experimentava

reação tão intensa diante de uma mulher.

— Pois eu creio que era. E foi muito agradável.

— Eu não queria que milorde me beijasse.

— Eu não esperava que a senhorita deixasse. — Cruzou os braços, satisfeito consigo

mesmo. Mostrara a ela seu poder. Porém a reação instantânea o intrigara. Era algo que

exigia uma investigação mais acurada. — Eu diria que estamos quites.

— E eu, que milorde é um asno.

— O que foi que disse?

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— Que milorde é um asno, daqueles que intimidam e zurrim. — Honória fitou-o de

alto a baixo. — É pela força que consegue a atenção das mulheres?

— Nunca tive de forçar nenhuma...

— Não? Milorde obrigou-me a beijá-lo.

— Eu? A senhorita não apresentou o menor protesto. Se o tivesse feito, eu a teria

soltado imediatamente. Além disso, no final, a senhorita correspondeu plenamente.

Honória corou ainda mais.

— Milorde surpreendeu-me. Não tive como me afastar.

— Por ter gostado da iniciativa, é óbvio.

— Absurdo! — Ela empinou o nariz. — Digo-lhe mais. Não gostei do beijo que me

roubou e espero que não se repita.

Marcus arqueou as sobrancelhas.

— Verdade?

— Nunca mais!

— Isso me parece um desafio. Delicioso, aliás. — Ele deu um passo à frente e

Honória recuou. — Eu não roubei nenhum beijo. Emprestar seria o termo mais correto.

— Eu chamo isso de roubo!

— Bem, se for verdade, terei de fazer uma restituição.

Perplexa, Honória não entendia o repentino bom humor do marquês.

— Se cometi um saque, devolverei o que não me pertence. — Marcus fitou-lhe a

boca. — Diga, minha querida e obstinada srta. Baker-Sneed, gostaria que eu lhe devolvesse

o beijo agora? Ou prefere esperar uma ocasião mais... íntima?

Honória, cada vez mais vermelha, fulminou-o com o olhar.

— Não se atreva!

Ele deu um passo à frente.

— Tem certeza?

Honória apressou-se para trás da cadeira.

— Milorde diz e faz coisas sem propósito.

— Somente quando me negam o que eu desejo.

— Não concedo beijos a ninguém.

— Eu me referia ao anel.

— Ah.

Marcus decidiu não averiguar se Honória ficara desapontada. Não de imediato,

pelo menos. Ele viera falar com ela por causa do anel. Por mais tentadora que Honória

fosse, não poderia esquecer de seus objetivos por um simples beijo. Teria de agir com

cautela.

— Tomei uma decisão.

— Ah, é?

— Levarei em consideração seu pedido de sete mil libras.

Os olhos de Honória brilharam.

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— É mesmo?

— Nesse meio tempo, quero sua palavra que não venderá a peça para ninguém.

Ela estreitou o olhar.

— Milorde pensará seriamente no assunto?

— Sim. — Aceitar era outra coisa.

— Está bem. Mas não esperarei eternamente. Digamos, uma semana.

Marcus anuiu com um gesto de cabeça.

— Um bom dia. Obrigado pelo delicioso — fitou-lhe outra vez os lábios —

pãozinho doce.

Após fazer uma mesura, ele saiu fazendo planos. Afinal, o dia não fora perdido.

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Capítulo III

O White's era um dos mais sólidos redutos londrinos da sociedade masculina.

Decoração sóbria, poltronas largas de couro, vinho do Porto excelente e demais confortos

necessários para homens exigentes. Nenhuma mulher tinha acesso àqueles salões

abençoados.

Anthony mal provou o prato preferido, pato assado com geléia de menta. Sentia

falta da família. O vazio interior o angustiava. Anna e as crianças tinham ido para o Norte

com o avô dela, para um passeio aos lagos.

Tomou um cálice de Porto. Se terminasse logo os negócios na cidade, poderia

reunir-se com a família. Anna ficaria radiante. A imagem dos cabelos vermelhos e dos

olhos cinzentos veio-lhe à mente. Nos dois anos de casamento, o amor entre eles

aumentara. Suspirou.

Um ruído junto à entrada fez Anthony erguer a cabeça. Marcus chegava. À sua

aproximação, homens acenavam ou faziam mesuras. A deferência parecia natural diante

da postura de comando quase inconsciente do marquês. Havia algo mais. Marcus

transpirava uma integridade inequívoca. Quem o olhava sabia tratar-se de um homem

capaz, enérgico, honesto sincero.

— Meu irmão é uma pessoa excepcional — Anthony murmurou para si mesmo. —

Pena que tenha um temperamento sombrio.

— Esperava encontrá-lo aqui — Marcus aproximou-se da mesa.

— Já comeu? — Anthony apontou a poltrona vazia.

— Não, nem estou com fome. Mas tomarei um gole do vinho.

Anthony serviu um cálice para o irmão mais velho e Marcus tomou um gole.

— Excelente.

— Eu também achei. Já pedi outra garrafa. — Anthony refletiu como estaria o

humor de Marcus naquele dia. — Então, recuperou o anel de mamãe?

Marcus deu um leve sorriso.

— Conseguiu! — Anthony alegrou-se. — Finalmente poderemos...

— Encontrei o anel. Mas não estou com ele. — Marcus girou o cálice entre as mãos.

— Ainda.

Anthony não entendeu. Depois de ter infernizado a vida dos irmãos por causa do

anel, Marcus não parecia irritado pela falta de sucesso.

— Onde foi que o encontrou?

Um novo sorriso deixou Anthony ainda mais espantado.

— Como eu previa, a srta. Baker-Sneed está com o anel de mamãe.

— Ela não quer devolvê-lo.

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— Droga! Ofereceu dinheiro para comprá-lo?

— Duzentas libras.

— Um preço alto. — Anthony franziu a testa.

— Não de acordo com a srta. Baker-Sneed. Cometi o erro de dizer que o anel era

uma herança de grande valor estimativo. EIa pediu sete mil libras.

Anthony deixou o cálice na mesa.

— Acho que não entendi. Ela pediu sete mil libras?

— Audaciosa, não?

— Maldição! E o que você lhe disse?

— Recusei. E ela fez nova oferta.

— O que ela pretende? Uma carruagem com três parelhas? Um castelo no Tamisa?

Uma frota de navios?

— Não. Queria que eu apadrinhasse sua irmã por uma temporada.

Anthony fez a poltrona ranger ao inclinar-se para a frente.

— Está brincando!

— Não estou. — Marcus aparentava divertir-se. — Ela afirmou que eu não teria de

participar de grandes eventos, como bailes, por exemplo. Pelo menos, não a princípio.

— Que audácia! O que respondeu a isso?

— Recusei, é evidente. Imaginou o que as pessoas diriam se eu aceitasse?

— Que estava interessado na irmã dela e que, provavelmente, havia experimentado

a mercadoria.

— Foi, em outras palavras, o que expliquei à srta. Baker-Sneed. Ela concordou com

a inadequação do pedido. O que nos fez voltar ao ponto de partida. Sete mil libras.

— Um impasse.

— Exatamente.

Anthony deu uma risada.

— Imagino Marcus St. John tendo de enfrentar bailes, soirées musicais e mais uma

infinidade de eventos que lhe desagradam.

— Tenho ido a alguns.

— Quando é estritamente necessário, o que é raro. Anna afirmou que o viu apenas

duas vezes na quinzena em que ela esteve em Londres. Creio que você se tornou um

recluso.

— Nada disso. Apenas não acho graça em futilidades.

— Eu sei. A sita. Baker-Sneed não deve conhecê-lo ou não lhe faria um pedido tão

tormentoso. Seria mais simples pedir-lhe que se tornasse um pastor de ovelhas.

— Anthony, eu frequentaria os eventos sociais se eles fossem mais interessantes. Os

dez últimos bailes a que compareci eram tristemente similares. Os mesmos tipos de

comida, músicas repetitivas e conversas monótonas. A diversão consistia em falar com

mulheres insípidas que só diziam "sim, milorde", e "não, milorde". Qualquer um ficaria

enjoado.

— Foi assediado por donzelas interessadas em casamento?

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— Sem dúvida. E sempre achando que sorrisos afetados e concordância constante

poderiam me atrair. Minha vontade era de sair correndo.

— Pobre Marcus. Imagino sua agonia. Ainda me lembro de como foi horrível antes

de Anna me salvar de todas aquelas mães desesperadas e de suas filhas que riam por tudo.

— O pior é imaginar como fugir para ficar a sós por uns instantes. O que não deixa

de ser um tormento.

— Só existe um meio de evitar esse desconforto. Casar-se.

Marcus nem se dignou a responder.

— Foi apenas uma sugestão. — Anthony recostou-se na poltrona e fitou o irmão por

cima da beira do cálice. — Se você tivesse concordado em apadrinhar a jovem Baker-

Sneed, poderia ir aos bailes e sentar-se com as mães.

— Já esgotou seu estoque de gracejos? O assunto é sério. Ela poderá muito bem

vender o anel de mamãe para outra pessoa.

Anthony endireitou-se.

— Ela não faria isso!

— Não duvide. A moça possui muitos contatos, até no estrangeiro. Poderíamos

nunca mais achar a peça.

— Ela fez ameaças?

— Sim. Eu lhe pedi uma semana para pensar.

— E de que adiantará isso?

— Não sei. Terei de encontrar uma solução.

Os dois conservaram-se alguns minutos em silêncio.

— Bem, não tem nada para me dizer, Anthony?

— Eu? O que poderia acrescentar?

— Mas que droga, Anthony! Sempre lhe ocorrem ideias brilhantes.

— Pois me parece que o destino está se encarregando disso.

— Lá vem o assunto de novo. Não é destino. Trata-se de má sorte.

— Interprete como quiser.

— Asno!

— Venho de uma longa linhagem deles, meu irmão.

— Meio-irmão.

— Isso faz de mim meio asno. — Anthony deu de ombros. — Nada posso fazer a

respeito.

Marcus suspirou.

— Isso não tem graça.

— Concordo. Eu estava rindo da senhorita... como é mesmo o nome dela?

— Honória Baker-Sneed.

—Ela mesma. Pobre jovem. Seria terrível imaginá-la casada com um homem cheio

de ambições, mal-humorado e pomposo. A pior desgraça do mundo.

— Se é isso o que pensa a meu respeito, por que está sempre no meu escritório,

afundado na minha poltrona favorita?

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Anthony ergueu o cálice de vinho.

— Por melhor que seja este Porto, não é nada comparado aos da sua adega.

— Muito obrigado — Marcus foi irônico.

— Não há de quê. Quais outros projetos excitantes vêm ocupando a sua mente?

— Bem, preciso conseguir uma entrevista com lorde Melton e acertar a extensão da

divisa leste das terras dele.

— Está comprando as propriedades de Melton? — Anthony surpreendeu-se.

— As dívidas de jogo de Melton ultrapassaram os limites. — Marcus estirou as

pernas para a frente. — Há uma semana fiz uma proposta para a compra das terras, e ele

aceitou.

— Não sei por que sentir prazer com o infortúnio dos outros.

— Ora, Anthony. Sabe muito bem que não se trata disso. Não me regozijo com a

desgraça alheia. Porém não posso deixar de ficar satisfeito com a oportunidade de juntar

aquela jóia aos nossos domínios. Não vejo mal algum nisso. Ele foi um tolo em esbanjar

sua fortuna. Por que eu não poderia beneficiar-me disso?

— Perdoe-me, mas sempre gostei muito de Melton.

— Eu também. Mas isso não é desculpa para seus atos irresponsáveis.

— Não. Apenas pensei... — Anthony refletiu por alguns momentos. — Suponho

que esteja certo. Espero que Melton não caia em desespero.

— Claro que ele não gostaria de vender, mas não tem outra opção. Eu lhe oferecei

uma quantia razoável para liquidar suas dívidas mais prementes. Será um bom negócio

para nós dois.

— Melton está agradecido?

— Que nada. Evita-me como uma praga, o que se tornou um inconveniente.

— E como conseguirá as informações de que necessita?

— Terei de caçá-lo na toca.

— Na casa dele?

— Não. Em alguma mesa de jogo. Irei ao baile dos Oxbridge na quinta-feira. Eles

têm uma sala de jogos e as apostas são altas, graças a lorde Oxbridge. Melton não será

capaz de resistir à tentação. Como eu não costumo frequentar festas, ele se julgará seguro.

— Marcus, seu tom de voz não é agradável. Soa como se...

— O quê?

— Como se estivesse satisfeito de... aproveitar-se de homens como Melton.

— Talvez seja verdade em termos genéricos. Não fui eu quem os transformou em

idiotas.

— Houve um tempo em que eu o via com maior compaixão.

— Jamais imaginei que você pensasse tão mal de mim.

— Não o acuso de nada. Pelo contrário. Mas ultimamente... — Anthony hesitou e

fitou Marcus com cautela.

O marquês estranhou a precaução no olhar sempre amistoso tio irmão. Será que

vinha se comportando de maneira tão odiosa nos últimos tempos?

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— Fale logo. Pode dizer, mesmo que não seja agradável.

— Não. Não é preciso...

— Fale logo! — Marcus repetiu, com raiva.

Anthony deixou o cálice na mesa e cerrou os dentes com expressão sombria.

— Muito bem. Receio que o sucesso nos negócios tenha deixado marcas profundas

no seu coração. O orgulho tomou conta da sua mente. E não sem motivo, diga-se de

passagem. Construiu uma fortuna que poucos podem ter pretensões de acumular. E isso

teve um preço. Marcus St. John tornou-se um homem duro e frio. E não fui apenas eu

quem notou isso.

Marcus apertou o cálice com força. Por milagre, não o quebrou. Ao perceber o

estrago que causaria, largou-o sobre a mesa.

— Quer me parecer que todos andam discutindo a meu respeito.

Anthony corou.

— Estamos preocupados.

Marcus sentiu um frio intenso apertar-lhe o coração.

— Já terminou?

— Não. Há mais alguma coisa.

— Estou ansioso para escutar.

— A prepotência é uma forma de tirania e não deve ser praticada. Creio que está na

hora de recuar e entender que ninguém é perfeito. Nem mesmo o honorável marquês de

Treymount.

Marcus levantou-se bruscamente.

— Não tenho de escutar isso.

— Não. — Anthony concordou e recostou-se na poltrona, desanimado. — Não tem.

— Até logo, Anthony. — Marcus virou-se para sair, mas Anthony segurou-lhe o

pulso.

Marcus fitou o irmão.

— Desculpe-me. — O olhar de Anthony estava escurecido — Alguém tinha de falar.

Estamos todos preocupados.

Marcus desvencilhou-se.

— Faça-me um grande favor. Não se preocupe comigo. Não gosto e não preciso

disso.

Saiu do White's sem responder aos acenos de cabeça nem aos cumprimentos.

Perturbado, subiu na carruagem refletindo que o mundo estava contra ele.

Dois dias mais tarde, Honória estava reunida com as irmãs na sala de estar.

Ensimesmada, com o bordado no colo, nem notou o belo cenário que formavam.

Cassandra, sentada a seu lado, desistiu de falar depois de fazer três perguntas que não

foram respondidas.

Carol, menos paciente, andava de um lado para outro com um livro na cabeça. Era

um exercício para endireitar as costas e parecer mais alta. Parou diante de Honória.

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— Está dormindo?

Honória assustou-se e o bordado caiu no tapete a seus pés.

— Céus, Carol! Está querendo me matar de susto?

— Cassandra e eu tentamos chamar sua atenção, mas nada a tirava do transe. —

Carol fitou a irmã por baixo do nariz para não deixar cair o livro. — Imaginei se poderia

ter morrido sentada.

— Carol! — Cassandra repreendeu-a. — Não diga uma coisa dessas!

Olivia, sentada à escrivaninha com os dedos sujos de tinta, rascunhava o poema

Uma Poderosa Fragata ao Mar.

— Cassandra, não sei por que a surpresa. Carol está sempre procurando o lado

sombrio da vida. — Honória sorriu com aprovação. — O que, na verdade, é uma das

melhores facetas do seu caráter.

— Obrigada. — Carol tentou uma ligeira mesura, e o livro quase caiu.

Honória não parava de pensar no beijo impetuoso e totalmente inadequado. Na

verdade, esquecera do assunto durante vinte minutos na véspera, enquanto ajudava a sra.

Kemble a fazer o inventário das roupas de cama e mesa. E também nessa manhã, quando

procurava uma caixa maior para a pobre Samantha. Dessa vez tinha esquecido o marquês

e o beijo durante quinze minutos.

Os momentos de trégua em nada ajudaram a refrescar os pensamentos escaldantes

que a atormentavam ao longo daqueles dois dias... e duas noites.

Se o beijo houvesse acontecido quando era mais jovem e sem controle das emoções,

teria imaginado estar apaixonada pelo marquês. Pensaria em amor e até em casamento.

Imagens que ela havia muito descartara.

Virou no dedo o anel com as runas brilhantes. O próprio destino certamente não

envolvia um matrimónio. Ele tinha sido apropriado para sua mãe e era o sonho de

Cassandra. Honória desejava mais do que tomar conta de uma família. Queria dedicar-se

ao estudo das antiguidades. Para ela, objetos antigos eram testemunhos da História, de um

tempo remoto, de pessoas que haviam morrido e deixado recordações de sua passagem

pelo mundo.

Colecionar peças do passado era preservar uma lembrança viva das pessoas, dos

povos e de seus talentos. O que era muito mais importante do que se casar e verificar a

goma das camisas do marido.

Com o marquês não seriam apenas camisas, como o beijo tinha deixado evidente.

Que pensamento absurdo!

Lembrar-se do beijo a fez umedecer os lábios e sorrir. Marcus St. John podia ter mil

defeitos, mas possuía um grande talento.

— Honória? — Juliet, sentada sobre as pernas na poltrona mais próxima da lareira,

parou de ler um compêndio que versava sobre cuidados com cavalos. — Está se sentindo

bem? Nunca a vi tão quieta.

Carol virou a cabeça de lado e o livro veio parar em suas mãos.

— Por que está olhando esse anel com tanta atenção?

Honória percebeu que as irmãs a encaravam, em variados estágios de preocupação.

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— Eu estava cochilando de olhos abertos.

Os quatro semblantes demonstravam não acreditar na mentira.

Honória suspirou, irritada.

— Muito bem! Se querem mesmo saber, eu estava pensando na visita do marquês.

Carol jogou o livro sobre uma das mesas, puxou uma poltrona, sentou-se e fitou

Honória.

— Estou ansiosa para saber o que ele pretendia!

— Honória já disse — Cassandra afirmou. — Ele veio indagar a respeito do anel.

— Sei que não foi apenas isso. — Carol encarou Honória de perto. — Ou ela não

estaria tão distraída.

Honória suspirou.

— Eu lhes contarei tudo. Este anel é do marquês de Treymount. Eu pedi uma

fortuna por ele, e o marquês não concordou. Enquanto negociávamos, ocorreu-me que

milorde possuía algo mais importante do que dinheiro.

— Mais importante do que dinheiro? — Olivia usou o mata-borrão e piscou. — O

que é?

— A posição dele na sociedade. Se o marquês concordasse em apadrinhar

Cassandra, nossos problemas seriam resolvidos. Afinal, depois que papai e Ned

regressarem com o carregamento, venderemos as peças na loja e tudo voltará ao que era

antes. Mas Cassandra precisa ser apresentada à sociedade este ano.

Cassandra corou e sacudiu os cachos loiros.

— Não, Honória! Você não lhe pediu isso, não é?

Honória ficou tão vermelha como Cassandra.

— Pedi, mas não se preocupe. O marquês recusou. Admito que os motivos dele

foram plausíveis. — Honória suspirou. — Uma pena. O plano pareceu-me perfeito.

— O marquês deve receber duas vezes mais convites do que tia Caroline — Carol

comentou.

— Concordo que é um plano excelente, mas vejo percalços no caminho. — Olivia

terminou de secar as letras com o mata-borrão de prata gravada.

— Assim voltamos à quantia que o marquês achou exorbitante. — Honória apoiou

o cotovelo no joelho e descansou o queixo na mão. — E não ouço falar dele há dois dias.

— Acha que ele perdeu o interesse em reaver o anel?

— Não. — Ela girou o adorno largo de prata que esquentava seu dedo. — Ele deve

estar fazendo um jogo comigo. Na certa, aguarda que o nosso desespero por dinheiro

aumente e eu diminua meu pedido.

— É porque não a conhece — Cassandra comentou.

— Não mesmo. Talvez esteja na hora de mudar a estratégia. Terei de demonstrar a

esse marquês arrogante que não se brinca com uma Baker-Sneed. — Franziu a testa. —

Preciso encontrar um interessado para o anel, e Marcus St. John será obrigado a aceitar

minha proposta.

A porta foi aberta e a sra. Kemble irrompeu na sala, seguida por um homenzinho de

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cara vermelha e enrugada.

— Srta. Honória, o sr. Becket, da estrebaria, deseja falar-lhe.

— Excelente! — Honória animou-se pela primeira vez em dois dias. Esperou a

governanta sair. — Pois não, sr. Becket.

O antigo cocheiro tirou o chapéu e torceu-o entre as mãos. Olhou para os lados,

indeciso.

— Srta. Baker-Sneed, poderíamos conversar a sós? É rápido. Não a incomodarei

muito.

— Pode falar o que quiser, sr. Becket. Minhas irmãs também se interessam pelo seu

esforço.

— Muito bem. Eu vigiei milorde conforme a senhorita pediu e...

— Honória! — Carol gritou, excitada. — Mas que inteligência! Mandar Becket

vigiar o marquês! Parabéns!

— O barco de Honória nunca faz água — Olivia comentou e sorriu para o antigo

cocheiro. — Por favor, continue, sr. Becket.

Radiante pela atenção das jovens, Becket enfiou os polegares no bolso e começou a

história.

— Eu fiquei o tempo todo escondido nos arredores da casa do marquês. Durante

dois dias ele apenas saiu de casa para ir ao depósito no cais, ao gabinete de seu advogado,

ao White's e depois ao...

— Sr. Becket, por acaso descobriu o que lhe pedi?

O homenzinho pareceu um tomate de tão vermelho, e um sorriso curvou os lábios

finos.

— Descobri, senhorita! Hoje, quando chegou em casa depois de ter ido ao White's,

ele disse ao cocheiro que sairia à noite. E dessa vez para ir a um baile. Na casa dos Ox...

Agora não me lembro do nome. Ox... — Ele mordeu o lábio.

— Oxford? — Carol fitou Honória. — O duque de Oxford?

Becket meneou a cabeça.

— Não era esse nome. Era Ox... e qualquer coisa começada por "B".

— Ah! — Cassandra interveio. — Os Oxbridge! Tia Caroline vai ao baile dos

Oxbridge esta noite. A prima Jane me contou pela manhã, quando nos encontramos na

biblioteca de empréstimos.

Honória levantou-se, esquecida do bordado. Era a oportunidade pela qual

aguardava ansiosamente. Estava na hora de lembrar a seu cliente em potencial que,

embora lhe houvesse concedido uma semana para refletir, havia outro pretendente. E

muito interessado no objeto tão valioso aos corações dos St. John.

— Obrigada, Becket. O senhor nos prestou grande ajuda.

— Ah, senhorita, foi um prazer. — Ele saiu e fechou a porta.

— Cassandra, preciso que trance meus cabelos. — Honória agitou-se. — Juliet, eu a

encarregarei de passar o vestido. Carol, posso pegar emprestado seu colar de pérolas?

— E eu? — Olivia perguntou.

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— Escreva para tia Caroline e pergunte se posso ir ao baile como sua convidada.

— O que pretende fazer? — Juliet indagou.

— Quando encontrar o marquês no baile, eu o lembrarei de que as Baker-Sneed

estão na posse de algo que ele deseja muito e que poderá perder em poucos dias.

Triunfante, Honória foi até a porta.

— Vamos! — Convocou as irmãs.

O vestido de seda azul-clara abria-se sobre um forro de tafetá branco bordado com

minúsculas flores rosa e azuis. As mangas, bem curtas e franzidas, revelavam os braços

esguios de Honória. O decote, redondo, destacava o pescoço gracioso.

— Então, como estou? — Ela deu uma volta sobre si mesma e olhou para a

audiência.

George, sentado no chão com Samantha no bolso do casaco, olhou para cima.

— Tem mesmo de usar esse vestido ridículo com todas essas flores? Gosto mais

daqueles de todos os dias.

— Cale-se, George! — Juliet admoestou-o. — Honória está maravilhosa.

Carol franziu a testa.

— A tiara ficou linda. No meio de tantos cachos, ninguém suspeitará que é feita de

massa.

— Na minha cabeça, todos saberão do que é feita — Honória comentou. — Os

Baker-Sneed podem ser parentes da metade da nobreza londrina, mas da metade menos

afortunada, é lógico.

— É verdade. — Cassandra suspirou. — Nossa riqueza é o nosso berço.

— Riqueza não é tudo — Honória declarou —, mas admito que um pouco de

dinheiro não faz mal a ninguém.

— Nós voltaremos a ter uma vida confortável quando Honória conseguir a

concordância do marquês — Carol considerou. — Cassandra encontrará um marido rico e

bem relacionado que apadrinhará a nós todas. Assim, também poderemos encontrar

maridos abastados.

— Carol, eu não me casarei apenas por dinheiro — Cassandra censurou-a com

suavidade.

— Claro que não — Honória apoiou-a. — No entanto é mais fácil apaixonar-se por

um rico.

— É uma maneira interessante de ver as coisas — Olivia cismou, pensativa. —

Todos precisam de uma oportunidade.

— Isso mesmo. — Honória ajeitou a saia. — Tia Caroline disse que mandaria a

carruagem às oito, e ainda faltam quinze minutos. Estou bem mesmo?

— Está maravilhosa — Cassandra repetiu as palavras da irmã. — Porém acredito

que cores vibrantes lhe seriam mais apropriadas. Vermelho, talvez.

— Um dia vestirei vermelho.

— Ah, como eu gostaria de usar um vestido de festa e ir a um baile de verdade! —

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Olivia suspirou.

— Que coisa mais idiota! — George sacudiu a cabeça. — Nada mais ridículo do que

ficar em volta de uma sala, enfiada em montes de panos e quinquilharias.

— Meu querido, em alguns anos seus pontos de vista se modificarão.

— De maneira nenhuma. — George tirou a rã do bolso e a colocou no joelho. —

Samantha e eu não temos necessidade dessas tolices.

— Fico feliz por tia Caroline ter sido tão compreensiva — Cassandra afirmou.

Honória preferiu não pensar na dificuldade que tivera de arrancar um convite de tia

Caroline. Foram necessárias várias trocas de mensagens até a velha megera permitir o

comparecimento da sobrinha ao baile. Desconfiada, havia estranhado o súbito interesse de

Honória na sociedade. Na certa receava que Cassandra aparecesse de repente e roubasse o

sucesso de sua filha.

Nesse caso, Jane seria prejudicada. A beleza incomum de Cassandra atrairia a

atenção de condes, duques e marqueses. Nenhum deles prestaria atenção a lady Jane.

Honória tivera de jurar que o convite era exclusivo para ela. Para aumentar a confiança da

tia, tinha modificado a história a respeito de Marcus St. John. O marquês se interessara por

uma obra de arte, e o baile seria uma oportunidade para lembrá-lo do assunto. O que não

estava longe da realidade.

— E eu me admiro por ela ter concordado. — Carol não escondeu o desprezo pela

tia.

— Ainda mais depois de ter frustrado as esperanças de Cassandra — Olivia disse

com semblante de enfado.

— Bobagem — Cassandra condescendeu. — Honória, tem certeza de que essa

estratégia é necessária?

— É importante avisar o ilustre marquês de que há alguém mais interessado no

anel. Se eu puder aguçar seu apetite, ele resolverá o assunto de uma vez por todas. Depois,

não precisaremos mais de um ou dois convites para despertar o interesse pela beleza de

Cassandra.

— Honória... — Cassandra corou. — Estou me referindo à sensatez de provocar o

marquês. Acenar com o anel poderá despertar sua ira. A sra. Kemble disse que ele é um

homem muito sisudo.

— Ele que fique com quanta raiva quiser. — Honória mirou-se no espelho e ajustou

a tiara no penteado de cachos. — O marquês precisa enfrentar um adversário valoroso. É o

que eu pretendo ser, pelo menos até ele concordar com o pedido.

— Se o marquês pensa em levar a melhor, é porque não a conhece. — Olivia deu

uma risada. — Honória Baker-Sneed não recua diante de um desafio.

— Nem sempre com bons resultados. — Juliet, sentada na cama de Honória, fechou

o livro. — Lembram-se quando eu lhe disse para não nadar no lago, e ela...

— Ninguém está interessado em ouvir de novo essa história cansativa — Honória

interrompeu-a.

— Eu estou — Olivia garantiu.

— Eu não a impedirei. — Honória demonstrou pouco caso.

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— Felizmente para nós todos, Honória amadureceu e aprendeu a contornar

desafios — Cassandra disse, convicta.

Os olhos de Juliet brilharam.

— E aquele do outro mês quando...

— Chega! — Honória ergueu as mãos. — Não é preciso lembrar-se de quantas

vezes perdi a paciência e concordei com uma tarefa tola. Admito ser uma falha minha.

Mas eu já melhorei bastante. E é isso o que importa.

— Espero que desta vez também não vá longe demais — Cassandra expôs seu

receio. — Não seria suficiente escrever-lhe uma carta e pedir uma entrevista?

— E fazê-lo pensar que estive sentada esperando por uma resposta? Não farei isso.

Não quero dar a impressão de estar desesperada, porque não estou. — Honória pegou o

xale prateado que combinava com a ponta das sapatilhas. Deu-se conta de que não tinha

pensado no beijo de Marcus St. John enquanto se vestia. Um sinal de que agira

corretamente. Calçou as luvas longas. — Estou pronta. Embora aprecie a preocupação de

todas, estejam certas de que negociar é uma das poucas coisas que sei fazer.

— É verdade — Olivia anuiu. — Ned sempre disse que Honória supera qualquer

negociante da cidade. Afirmou, inclusive, que preferia ser picado por uma serpente

africana a enfrentar Honória em um leilão.

— A vida tem sido muito bondosa para o marquês de Treymount e isso o deixou

seguro demais de si mesmo. — Honória fechou o botão de pérola da luva. — O homem

imagina que basta um olhar seu e todos se curvarão diante dele.

— Isso deve ser horrível. — Cassandra ajeitou uma fita no ombro de Honória.

— Bem, assim que chegar ao baile, darei um jeito para Treymount ver o anel brilhar.

Então... — Honória esfregou a prata por cima da luva fina. O calor irradiou-se pelo braço.

— Então? — Cassandra insistiu.

— Então, dançarei com lorde Radmere.

— Quem é ele? — Carol indagou.

— Apenas o maior colecionador de jóias antigas de toda a Inglaterra. O marquês

ficará louco ao testemunhar a herança de família ser admirada por um Radmere. —

Honória consultou o relógio. — Céus, estou atrasada! — Deu um beijo no rosto das irmãs e

abraçou George. — Desejem-me sorte. Vou para a guerra!

— Levantar âncora e içar as velas! — Olivia caçoou.

— Por Deus e pela Pátria! — Carol usou o atiçador à guisa de espada.

— Ao ataque! — George levantou Samantha sobre a cabeça.

— Honória será vencedora — Olivia assegurou. — Será que daria para embrulhar

um pedaço de bolo e trazer na bolsa?

— Verei o que posso fazer. Boa noite, queridas. Não me esperem.

Marcus desceu até o hall de Treymount House e alisou a manga do paletó.

— Jeffries, a carruagem está pronta?

— Não, milorde.

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— O que aconteceu? — Marcus ergueu as sobrancelhas.

— Não castigue Jeffries com um de seus olhares ferozes — Brandon entrou rindo.

— Ora, a que devo a visita de um de meus estimados irmãos?

— Por que está tão irritado? — Brandon parou de rir.

— Por nada. Falou com Anthony?

— Não o vejo desde quinta-feira. O que houve?

— Nada. — Marcus caminhou em direção à biblioteca. — Estou apenas nervoso.

Diga-me, Brandon, a carruagem não ficou pronta por sua culpa?

— Foi. Na verdade, vim pedir-lhe ajuda. Vejo que está de saída. E com traje formal.

Alguém morreu?

— Não. Vou a um baile.

— Pensei que tivesse desistido de eventos sociais há anos.

Marcus irritou-se. Nada havia de errado com ele.

— Nunca tive pretensão a ser eremita.

— Mas raramente aceitava as centenas de convites que recebia. Faz tempo que não

o vejo vestido dessa maneira.

— O que deseja, Brandon? — Marcus ajeitou a gravata diante do espelho

pendurado sobre a lareira da biblioteca. Primeiro havia sido Anthony, e agora, Brandon.

Talvez devesse escutar os irmãos. — Sente-se.

— Odeio dizer-lhe, Marcus, mas preciso de um favor. O pai de Verena está com

problemas.

— Uma pena. O sr. Landsdowne tem minhas simpatias, mas não vejo como isso

pode nos afetar.

— Marcus, não é tão simples. Terei de dar um jeito na situação. Pelo visto, ele se

meteu em apuros com as autoridades italianas e ficou doente. Preciso providenciar

documentos e trazê-lo de volta à Inglaterra.

— Por que tem de fazer isso? — Marcus serviu dois cálices de vinho do Porto e

entregou um deles a Brandon. — Ele não é seu pai, tem um filho e várias filhas.

— Trata-se do pai de Verena, o que me torna tão responsável quanto ela. Se você

fosse casado, entenderia...

Marcus lembrou-se das acusações de Anthony.

— O pai de Verena é idoso?

— Não.

— Tem algum tipo de incapacidade?

— Está doente, embora não se trate de doença fatal.

— Então, está em condições de falar e de raciocinar.

— Sim.

— Nesse caso, ele pode tomar conta da própria situação.

— Mas que droga, Marcus! Se você tivesse alguém na sua vida, entenderia a que

estou me referindo.

Será que todos o imaginavam um monstro?

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— Brandon, tenho várias pessoas na minha vida. Meus irmãos, as cunhadas e os

sobrinhos. Isso chega para mim. Faça o que achar necessário, e eu ajudarei no que puder.

Sabe muito bem disso.

— Obrigado, Marcus. Eu não pretendia...

— Esqueça. Do que precisa? .

— De início, eu lhe pediria emprestados a caleche e o coche. Encomendei um há

semanas, mas ainda não ficou pronto. O que temos não será suficiente. As molas estão

fracas e ele balança muito para carregar um homem doente.

— E para que dois veículos?

— A mãe e a irmã de Verena irão junto. Elas e mais a bagagem.

— Levará todo o mundo?

— Sim. Espero que a viagem seja apenas por duas semanas. Não poderei demorar-

me mais do que isso.

Marcus hesitou antes de responder.

— Não se preocupe. Eu lhe emprestarei a caleche e o coche. Usarei o seu até que um

dos meus outros possa ser trazido até Londres.

Na capital, Marcus tinha quatro veículos. Um faetonte alto, uma carruagem leve

puxada por dois cavalos, para os dias quentes, a caleche e o imenso coche, com o brasão da

família pintado nos lados.

— Obrigado. Marcus! Muito obrigado! Bem, agora tenho mais uma coisa para lhe

pedir. — Brandon pareceu perdido em seus pensamentos.

Marcus estreitou os olhos.

— Más notícias?

— Por que esse pressentimento, Marcus? Precisarei dos serviços de dois dos seus

melhores cocheiros.

— O quê?!

— Não terei tempo de conseguir indivíduos capazes. Preciso levar os veículos e os

cavalos a Dover o mais depressa possível. Não conseguirei mandar buscar meus criados

nas herdades.

— Isso está ficando cada vez melhor — Marcus ironizou.

— Mais uma coisa...

Marcus aguardou.

— Herberts. — Brandon tomou um gole de vinho. — Ele ficará sob o seu comando.

— Seu cocheiro? Aquele que rouba?

— Ele rouba dos outros, não de nós.

— Ótimo, isso me tornará benquisto com o príncipe.

— O príncipe nunca foi do seu agrado. E como já não frequenta mesmo a

sociedade...

— Não sou um eremita nem quero que as pessoas pensem que eu seja!

— Esqueça tudo isso, Marcus.

Teria ele se afastado da família e dos demais amigos?

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— Está bem, Brandon. Durante sua viagem à Itália, ficarei com seu coche de molas

quebradas e seu cocheiro de dedos leves. Quanto tempo pretende ficar fora?

— Obrigado! Duas semanas, talvez mais um pouco, dependendo do desenrolar dos

acontecimentos.

— Terei de trancar a prataria da casa até o seu retorno.

— Ora, Herberts não é tão mau como dizem. Ele só costuma roubar dos que o

desdenham.

— Há duas semanas, quando eu estava fora de Londres, ele roubou dois presuntos,

e o meu cozinheiro quase teve um ataque apoplético. Ele ameaçou demitir-se, e fui

obrigado a lhe oferecer um aumento para fazê-lo mudar de ideia.

— Antoine é um pouco exagerado. Sei que estou pedindo muito, mas receio deixar

Herberts sozinho em casa. Ele é capaz de sublevar os criados. Também não posso levá-lo

comigo. O pai de Verena já causou transtorno com as autoridades locais. Imagine se

pegarem Herberts roubando uma pessoa importante.

— Ele não rouba somente os que o desdenham?

— E os franceses.

— Ah, ele não é apenas leal, mas também patriótico. Uma sorte para a Inglaterra.

Está bem, Brandon. Pode deixá-lo aqui. Eu lhe prometo que o encontrará quando retornar.

— Obrigado, Marcus! Herberts não se comportará mal a seu lado. Verena e eu

garantimos.

Brandon exagerara ao pedir as carruagens e os cocheiros. Mas, francamente! Adotar

o criado malcomportado em Treymount House ultrapassava os limites. Marcus admitiu

que seus irmãos estavam ficando muito inconvenientes com essa tendência de julgar seu

comportamento de vida metódico. Se conseguisse transformar Herberts em um modelo de

decoro, talvez seus irmãos entendessem o valor de uma existência devotada à ordem.

Era boa uma ideia. Pensando melhor, excelente. E ainda por cima responderia à

queixa de Anthony de que ele se tornara um homem de coração empedernido que nada

fazia em benefício dos outros. Fazer esse favor para Brandon contradiria a dura análise de

Anthony.

Marcus terminou de tomar o vinho e deixou o cálice na mesa lateral.

— Duas semanas?

— Não mais do que isso, eu lhe prometo.

Ora, o que não se fazia pelos parentes. E se isso servisse para apaziguar as críticas,

nada mais adequado.

— Muito bem. Porém peço-lhe um favor. Retorne o mais rápido possível. Com

minhas carruagens e meus cocheiros.

O sorriso de Brandon foi de orelha a orelha.

— Nem sei como lhe agradecer. Não imagina o significado de eu ter condições de

resolver o problema para Verena.

— Para o pai de Verena. Além do grande sofrimento que será para mim.

— Bobagem, Marcus. — Brandon levantou-se e foi até a porta. — Eu lhe garanto.

Herberts pode ser atrapalhado, mas tem um coração de ouro.

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— E dedos leves — Marcus retrucou, mas seu irmão não ouviu.

Marcus suspirou. O relógio no consolo da lareira tocou. Teria de apressar-se.

Precisava falar com lorde Melton antes de que o outro se embebedasse. Melton bebia sem

controle desde que suas condições financeiras começaram a degringolar. Era sempre visto

com um copo na mão e a gravata fora do lugar. Era muito triste comprovar como as

pessoas permitiam que as emoções os dominassem.

Felizmente, ele não pertencia a esse grupo de fracos.

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Capítulo IV

O coche de molas quebradas sacolejou na entrada de Oxbridge House, jogando

lama nos outros já estacionados. Os cavalos suavam e o cocheiro mal continha a satisfação.

O criado designado para abrir as portinholas das carruagens foi afastado com uma

cotovelada pelo cocheiro cadavérico.

— Se me der licença, o marquês está sob os meus cuidados! — Herberts encarou o

outro com olhar fuzilante. — Afaste suas patas dele!

— Mas eu só ia abrir a porta — o coitado defendeu-se, assustado.

— Guarde as desculpas para quem se interessar por elas. Sou responsável pelo

marquês e por tudo que ele necessitar. Procure não se esquecer disso, palerma!

O criado ergueu as sobrancelhas para o encarregado de orientar os convidados. O

indivíduo robusto, passado o impacto inicial, deu de ombros. O criado ficou vermelho e

fechou as mãos em punhos.

— Ah, então é isso o que deseja? — Herberts limpou o nariz com o polegar e ergueu

os punhos fechados. — Por que não vem, seu bovino retardado?

O jovem criado preparou-se para enfrentar Herberts, mas a tossidela do superior

acabou com suas pretensões. Fitou Herberts com raiva, fez uma mesura e afastou-se.

— Ainda bem. — Herberts ajustou a gravata nova e abriu a portinhola. — Pode sair,

patrão!

Nenhum movimento veio do interior da carruagem. Herberts espiou a escuridão no

interior do veículo.

— Tem alguém aí?

Nenhum ruído ou som audível.

Herberts pôs as mãos em concha sobre a boca.

— Patrão! — gritou. — Está dormindo?

Ouviu-se apenas um gemido.

— Pelo amor de Deus! — Herberts enfiou a cabeça para dentro. — Chegamos,

patrão! Quer que o sacuda para acordá-lo?

Marcus esforçou-se para abrir os olhos e apertou o estômago com as mãos. Teve de

engolir duas vezes para poder falar.

— Já paramos?

Herberts deu risada.

— Com certeza, patrão. — Ele escancarou a portinhola. — Pode sair!

Marcus procurou sair sem tropeçar. Os movimentos só aumentaram-lhe o mal-estar

e ele teve certeza de que seu rosto estava esverdeado quando chegou ao último degrau.

— Misericórdia! — murmurou e agarrou-se na porta com as duas mãos. O mundo

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parecia girar à sua volta.

Herberts agarrou o braço de Marcus e apoiou-o.

— Um beberrão, hein? Quem haveria de supor? Nem percebeu que chegamos.

— Não estou bêbado — Marcus conseguiu dizer sem vomitar. — Não há garrafas

de bebida na carruagem. Se houvesse, eu teria tomado todas. O senhor dirige como um...

— Profissional? — Herberts animou-se.

— Não. — Marcus desvencilhou-se. — Como um maluco.

Herberts estufou o peito.

— O patrão não disse que queria chegar ao baile antes da meia-noite? Pois aqui

estamos! Claro, tivemos de apressar os cavalos depois da última curva. Admito que só

havia uma florista no caminho, mas ela não ia mesmo vender para ninguém as violetas

que caíram de suas mãos. Achei uma pena aquele tílburi desequilibrar-se na valeta, mas

também o cocheiro não precisava gritar daquele jeito, não acha? O patrão desejava chegar

em tempo. E nós conseguimos. E com uns dez minutos de adiantamento.

Marcus deu um suspiro profundo e inalou o ar refrescante da noite.

— Tenho certeza de que o senhor não costuma levar meu irmão e a esposa pela

cidade de maneira tão imprudente.

— A esposa, não, patrão. Ela tem nervos fracos. — Herberts sacudiu a cabeça. —

Mulheres são supersensíveis, se é que o patrão me entende.

Marcus apertou o estômago.

— Não posso culpá-la.

— O irmão dela é muito boa pessoa. Uma vez ele me ofereceu vinte libras para levá-

lo da ponte velha até Grosvenor Square em sete minutos. — Herberts deu um sorriso

largo. — E eu ganhei o dinheiro.

Marcus não respondeu, com raiva de Brandon. O esperto sabia que Herberts era um

cocheiro perigosamente incompetente. Por isso tinha se apressado em sair de Londres.

Tivera receio de que Marcus desistisse de ajudá-lo.

— Onde foi que aprendeu a dirigir uma carruagem? — indagou Marcus.

Herberts enfiou os polegares por baixo da lapela e deu um passo atrás.

— Isso é um talento natural, como respirar.

— Uma incompetência nativa, seria melhor dizer.

— Mas funciona, patrão. E é isso o que interessa.

— Meu irmão deveria tê-lo deixado como mordomo.

— Ah, fui um excelente mordomo. Mas surgiram alguns problemas. Na verdade,

tomei emprestado algumas coisas dos nobres e...

— Herberts, não me interessa saber o que fez antes! Não admitirei roubos enquanto

estiver trabalhando comigo. Se não se comportar, eu o mandarei para a prisão!

— É simples, patrão. Basta empenhar-se para manter meus bolsos cheios.

— Veja lá o que vai fazer.

Toda vez que Herberts sorria, o nariz adunco ficava mais pronunciado e aparecia

uma gama variada de dentes quebrados e falhas entre eles.

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— Sei que o patrão gosta de agradar. Por falar em moedas nos lugares certos... —

Herberts estendeu a mão suja em concha como se esperasse uma boa quantia.

Marcus endireitou os ombros. A náusea ainda não cedera.

— Por uma corrida tão maluca, não haverá recompensa.

A fisionomia de Herberts traduziu a incompreensão da humanidade. Piscou, talvez

para afastar as lágrimas, e fechou os dedos sobre a palma vazia.

— Perdoe-me, patrão, mas escutei bem? Não haverá recompensa? Nenhuma?

— Quando formos a algum lugar, espero chegar inteiro, e não ser jogado como um

saleiro dentro de uma caixa.

Herberts largou as mãos para baixo e encolheu os ombros.

— Mas eu o trouxe aqui com tempo de sobra.

Marcus teve vontade de gritar. Mas se pretendia transformar Herberts em um

cocheiro competente, teria de conversar com ele no mesmo nível e na base das moedas.

— Sua tarefa não é apenas fazer com que eu chegue a tempo para os meus

compromissos, mas também que eu atinja o objetivo são e salvo. Quando aprender a fazer

as duas coisas ao mesmo tempo, haverá muitas gorjetas. — Marcus inclinou-se para a

frente e procurou um tom confidencial. — Muito mais do que pode imaginar.

Herberts arregalou os olhos, subitamente animado.

— O patrão nem precisava me dizer. Verá do que sou capaz.

— Estou contando com isso. — Marcus ajeitou a gravata. — Uma outra carruagem

está se aproximando. Tire esta do caminho. Volte em uma hora. Não precisarei mais do

que isso para encontrar lorde Melton e concluir o meu negócio.

Herberts endireitou-se, orgulhoso pela incumbência.

— Pois não, patrão! Voltarei em uma hora, contada no relógio.

— Ótimo. — Marcus virou-se em direção à residência e parou com um pé no

primeiro degrau.

— Herberts?

O cocheiro ergueu uma sobrancelha.

— Não é patrão. É milorde.

— Está certo, pa... quero dizer, milorde. — Herberts tocou no chapéu e subiu na

carruagem.

Aquele homem era um trapalhão, Marcus pensou e subiu os degraus, já refeito da

náusea.

A mansão estava iluminada e havia sido decorada segundo a última moda, embora

com exagero. Cores brilhantes, mobília em demasia, enfeites dourados em profusão.

Marcus imaginou que o excesso de enfeites chamativos seria suficiente para deixar uma

pessoa com dor de cabeça.

Os Oxbridge eram novos-ricos, tinham adquirido o título depois de fazer fortuna no

ramo de tecelagem havia apenas trinta anos. E como os demais cuja riqueza era recente,

faziam questão de morar em Mayfair. Apesar da vulgaridade, os Oxbridge eram recebidos

em qualquer lugar. Alguns nobres tradicionais não os convidavam para as festas.

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Afinal, era necessário injetar dinheiro novo nas famílias a cada cem anos. Por isso a

chegada deles a Regent Street fora muito bem recebida. Ainda mais que tinham duas filhas

e nenhum herdeiro do sexo masculino. Assim sobravam candidatos para as moças: os

filhos mais velhos, que pretendiam corrigir as finanças da família, e os mais novos, que

procuravam noivas ricas.

Em virtude disso os salões dos Oxbridge estavam lotados. Marcus aguardou para

ser apresentado e notou que a anfitriã se alvoroçara ao vê-lo. Gorda, estava ridícula num

vestido vermelho de seda enfeitado com penas brancas.

— Marquês de Treymount! — Lady Oxbridge falou alto para que todos a ouvissem.

— Que prazer contar com a sua presença em nossa humilde festa!

Lorde Oxbridge, também envaidecido, gritou um "olá" e fez uma mesura grotesca.

— Uma maravilha vê-lo, Treymount! Sei que em geral milorde não comparece a

eventos tumultuados.

Lady Oxbridge sorriu com afetação.

— Oxbridge, como pôde dizer isso? Lorde Treymount é conhecido como uma

pessoa muito seletiva nos convites que aceita. A perspectiva de nossa pequena reunião

certamente lhe agradou.

— É verdade, milady — Marcus mentiu e olhou ao redor para localizar a sala de

jogos. Era onde lorde Melton devia estar escondido, jogando fora o pouco que lhe restara

de sua fortuna.

— Está procurando June? — A dama interpretou de maneira errónea o olhar de

Marcus.

Ele piscou, aturdido.

— Eu... June... Não creio que...

Lady Oxbridge bateu com o leque no braço de Marcus.

— Não banque o tímido comigo! Percebi que estava interessado em ir para a pista

de dança! Oxbridge, cumprimente-o e deixe que ele vá procurar seus interesses. — A dama

chegou mais perto de Marcus e cochichou: — June, minha filha mais velha, está de branco

e rosa ao lado da mesa de aperitivos. Peça a ela que lhe conceda a última dança antes do

jantar. Eu disse a June para guardar uma vaga. Nunca se sabe quando o príncipe poderá

chegar. — Lady Oxbridge deu de ombros. — Como ele não veio, milorde poderá tomar

seu lugar.

Era mais horrendo do que Marcus havia imaginado. Até lorde Oxbridge se mostrou

chocado diante de insinuação tão grosseira.

— Judith! Vamos permitir que milorde fique à vontade.

Lady Oxbridge não gostou da censura pública. Muito vermelha, respondeu com

irritação.

Marcus aproveitou o entrevero, fez uma mesura sem interromper os beligerantes e

foi em direção ao salão de baile. Dali, seguiu a fileira de homens que passavam por uma

porta dupla mantida aberta por dois criados.

Lorde Melton estava sentado a uma mesa coberta com feltro verde. Rosto corado,

uma garrafa de conhaque pela metade a seu lado, era a imagem do desespero. Jovem,

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atraente, sempre bem vestido, perdera uma propriedade ao sul do Tamisa num jogo de

cartas.

Não tinha aprendido. Tornava a beber e a jogar. Marcus aproximou-se e

cumprimentou-o.

Melton empalideceu e tomou um gole com a mão trémula.

— Treymount.

— Boa noite, Charles. Espero que tudo esteja bem.

Lorde Pultney, que embaralhava as cartas e sacudia a papada com o esforço, olhou

para cima.

— Ainda bem que não está jogando, Treymount. A noite não está propícia. Charles e

eu não conseguimos ganhar nenhuma rodada.

Marcus não se conformou. Nem com as propriedades hipotecadas e as finanças em

ruína, Melton desistia de jogar. Não podia aceitar um comportamento tão irresponsável.

— Melton, precisamos conversar com urgência.

O jovem ficou vermelho. Levou o cálice aos lábios, sem notar que estava vazio.

Largou-o e forçou um sorriso.

— Eis-me em toda a minha glória! — Fez sinal a um criado que passava, para mais

uma dose de bebida. — Aceita um cálice, Treymount?

— Não, obrigado.

— Claro, milorde não poderia aceitar beber comigo, não é?

— Calma, Melton — Pultney tentou amenizar a provocação. — Treymount acabou

de chegar e ainda está perambulando por aí. Mais tarde aceitará seu convite.

— Pode ser. — Marcus sabia que o fato era improvável. — Lorde Melton, poderia

fazer a fineza de vir falar comigo pela manhã? Temos negócios para resolver. Eu gostaria

de concluí-los o mais depressa possível.

Melton atirou as cartas na mesa.

— Estarei ocupado pela manhã.

— Então, será melhor discutirmos o problema agora.

Melton relanceou um olhar para os companheiros de mesa e ficou ainda mais

vermelho.

— Impossível.

— Então, às dez?

— Muito cedo. Ao meio-dia.

— Está bem. Procure não se atrasar. — Marcus encarou-o. — Estamos entendidos?

Melton fitou Marcus com raiva.

— Meio-dia.

— Ótimo. Boa noite, cavalheiros.

Marcus afastou-se, refletindo sobre o temperamento irritadiço de Melton. Não

importava. Ao meio-dia ele traria as informações necessárias e assinaria os papéis. Caso

contrário, Marcus estaria disposto a fazer com que todos soubessem a extensão do estrago

que Melton cometera.

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Olhou o relógio dourado que enfeitava um dos cantos do consolo de mármore da

lareira. Herberts ainda demoraria quinze minutos. Tempo suficiente para que o vissem e

provar que Anthony estava errado a respeito de seu caráter.

Olhou para as pessoas que andavam pelo salão. Talvez o duque de Exeter estivesse

presente. Esperava despertar a curiosidade dele a respeito de um promissor negócio de

mineração e proveitoso para ambos.

Com as mãos às costas, tornou a circular pelo salão, olhando as pessoas sem

interesse. E não acreditou ao ver o casal que conversava ao lado da escadaria. Não

conseguiu identificar o homem, mas a jovem era a srta. Honória Baker-Sneed.

O que a trouxera a uma festa como essa? Admitiu até que estava atraente e bonita.

O vestido azul-claro ressaltava os cabelos castanhos. A intrigante faixa de cabelos brancos

brilhava e dava um toque especial ao penteado. Sem a menor sombra de dúvida, ela se

destacaria entre as moças de sorriso afetado presentes em todas as ocasiões.

Enquanto ele a observava, Honória ergueu a cabeça e riu. A descontração a deixou

com aparência mais jovem e encantadora.

O olhar era brilhante e expressivo. A linha do pescoço e dos ombros, graciosa e

elegante. Se não fosse pelo nariz um pouco aquilino e o queixo firme, poderia ser

considerada uma beldade. Mesmo assim, era uma mulher arrebatadora e exótica. Seu

acompanhante comentou alguma coisa, e ela parou de sorrir, a preocupação tomando

conta de seu semblante.

Com quem ela estaria conversando? O que ocorrera? Marcus recuou para a

esquerda, de onde poderia observá-la melhor. Foi então que reconheceu o homem que a

acompanhava.

Lorde Radmere!

Marcus enfrentara o velho patife em diversas ocasiões. Radmere era um

colecionador abastado. Encarava cada leilão e cada compra como uma batalha. Sempre se

deliciava quando conseguia arrebatar peças que interessavam ao oponente. Seria possível

que a srta. Baker-Sneed estivesse...

Honória tirou a luva e estendeu a mão para lorde Radmere. Marcus pôde ver o

brilho das runas do anel-talismã.

— Será que eu poderia saudar um meio-irmão? — Anthony se aproximara sem que

Marcus percebesse.

— O que está fazendo aqui?

— Eu ia lhe perguntar a mesma coisa. Há mais de um ano não o vejo em festas.

Marcus deu de ombros.

— Nós conversamos sobre isso esta tarde.

— Marcus, eu não quis ofendê-lo. Apenas...

— Nem eu me ofendi. Talvez suas palavras tivessem encontrado eco em minha

mente. Não tenho certeza se poderei concordar com a sua avaliação do meu caráter, mas

algumas partes mereceram alguma consideração.

Anthony corou.

— Marcus, não pretendi sugerir que lhe faltassem qualidades como bom irmão e

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como boa pessoa.

— Talvez possamos passar uma noite juntos sem discutir meu comportamento.

— Falaremos apenas a respeito das belas mulheres que estão enfeitando o salão. —

Anthony percebeu Honória. — Veja, uma jovem adorável. Quem será ela?

— É a srta. Baker-Sneed. — Marcus observou Honória sorrir para Radmere, que se

mostrava lisonjeado. Se bem a conhecia, apostava tratar-se de um jogo e nada mais. Ela

pretendia alguma coisa de Radmere. — Alguém precisava estrangular essa jovem.

— Ou beijá-la — disse Anthony. — A misteriosa srta. Baker-Sneed é adorável. Seria

um pecado fazer-lhe algum mal.

— Não se deixe enganar pelas aparências. Ela é cansativa, irritante, maquinadora e

teimosa.

— Melhor ainda. Mulheres reservadas são aborrecidas.

— Anthony, a srta. Baker-Sneed está mostrando o anel de mamãe para Radmere. Se

ele souber que estou interessado na peça, não teremos bons resultados.

— Por que a inimizade?

— Nós sempre nos enfrentamos em leilões. No mês passado, consegui arrebatar um

vaso chinês antigo que o interessava. Radmere ainda não me perdoou. Por isso não me

agrada ver a srta. Baker-Sneed na companhia dele.

— Receia que ela ceda aos encantos de Radmere?

— Isso não me preocupa. — Marcus não entendeu a própria inquietação. — Tenho

de impedir que ela possa vender o anel de mamãe para o idiota. Radmere pediria uma

fortuna pelo talismã caso consentisse em se desfazer dele.

— Ela não faria isso.

— Logo se vê que você não conhece Honória Baker-Sneed nem Radmere. Ele faria

qualquer coisa para me prejudicar.

— Ele não se cansa de examinar o anel — Anthony comentou. — E ainda não largou

a mão da srta. Baker-Sneed. Acho que tem outra coisa em mente...

Marcus franziu o cenho. Radmere era um patife de péssima fama. Não tinha moral.

Apesar de não considerar Honória uma jovem inocente, suas experiências certamente não

incluíam enfrentar homens como Radmere.

Embora ela houvesse se mostrado uma excelente negociadora, ficara evidente que

seu conhecimento prático sobre os homens era limitado. A inocência quase juvenil ficava

oculta atrás da expressão de confiança e da postura altiva.

— Acho que é melhor investigar o que está acontecendo entre a srta. Baker-Sneed e

aquele imbecil. Radmere é um dissoluto. Não tem o menor escrúpulo quanto a

comportamentos inadequados.

Anthony ergueu as sobrancelhas.

— Pretende bancar o cavaleiro andante de espírito quixotesco? É uma faceta

desconhecida da sua personalidade.

— Cale a boca. Espere aqui. Verei o que se pode fazer.

— Vá lá e se faça de bobo.

— Não se preocupe.

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Era estranha a presença de Honória naquele baile. Havia apenas um motivo para

isso. No entanto era impossível ela ter descoberto que Marcus viria. Na certa, não passava

de uma coincidência. Todos em Londres sabiam que ele não costumava comparecer a

eventos daquele naipe. Contudo ali estava ela exibindo o anel justo para quem? Radmere!

Não havia dúvida. A sita. Baker-Sneed viera à festa com o propósito de atormentá-

lo. Furioso, Marcus foi até a escadaria e no caminho teve de enfrentar uma corrente de

saudações de matronas interessadas em casar as filhas. Mais um motivo para odiar

eventos sociais.

Tentava libertar-se de um grupo particularmente pegajoso de senhoras, quando

sentiu que lhe seguravam o cotovelo. Virou-se, esperando que fosse Honória. Não era.

— Lady Percival.

Loira, elegante e sóbria como sempre. O ligeiro rubor na face fazia a diferença.

— Marcus — ela o fitou. — Tenho pensando muito em milorde.

— Verdade? — A recíproca não era verdadeira. — Fico satisfeito em vê-la. Por onde

tem andado? — Marcus tentou ver Honória e Radmere por cima do ombro de Violet. Não

os viu.

Para onde teria ido?

— Tenho sentido sua falta. — Violet não o largava.

— Sei... — Ele inclinou a cabeça, mas não conseguiu encontrar Honória.

Radmere a teria convencido a sair com ele? O coração de Marcus disparou.

— Marcus! — Lady Percival impacientava-se com a indiferença.

— Sim? — Ele procurou esconder a irritação.

Violet virou a cabeça e estreitou o olhar na direção onde ele se esforçava para

enxergar.

— A quem está procurando?

— Ninguém. — Ele desvencilhoa-se ao ver o perfil adorável de Honória em meio a

uma aglomeração.

— Lady Percival, foi ótimo havê-la encontrado. Talvez em uma outra hora...

Marcus não lhe deu tempo de protestar. Fez uma mesura e afastou-se. Abriu

caminho entre os convidados, indo em direção à sua presa.

No meio do trajeto perdeu novamente de vista Honória e Radmere. Uma mulher

com três penas de avestruz no penteado obstruiu-lhe a visão. A dama grotesca

movimentava a cabeça para os lados, arriscando-se a causar dano aos olhos dos vizinhos.

Concluiu que um dos motivos que o levavam a detestar aquelas festas era o absurdo

comportamento das pessoas.

Ele chegou ao local onde vira Honória. Pôs o pé na escadaria.

Tarde demais. Honória Baker-Sneed e lorde Radmere haviam desaparecido.

— Aqui é muito melhor! — Honória disse na extremidade oposta do salão de baile.

Radmere piscou. Atônito, não entendera por que Honória o havia agarrado pelo

braço e puxado pelo recinto apinhado de gente.

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— Claro. Só não sei por que a senhorita quis...

— A fumaça proveniente do salão de jogos me deixa enjoada.

Em parte era verdade. Mas o motivo principal do afastamento apressado fora ela ter

percebido que Marcus St. John vinha ao encontro deles. Não lhe importava que o marquês

a visse com Radmere. Aquilo fazia parte do plano. Mas Radmere ainda não tinha se

pronunciado sobre o anel.

— O que acha? — Honória estendeu a mão.

Radmere tornou a segurar-lhe os dedos e estreitou os olhos.

— É bem antigo. O desenho é provavelmente romano. Não é muito valioso. Creio

que algumas pessoas pagariam um bom preço por ele. Mil libras, talvez.

— Pensei que pudesse ter um valor intrínseco, e não apenas pela peça em si.

— Do que está falando, srta. Baker-Sneed?

— Trata-se do anel-talismã dos St. John.

Radmere ergueu as sobrancelhas. Agarrou novamente a mão de Honória e analisou

o anel sob nova perspectiva.

— Venda-me este anel. Pagarei o que me pedir por ele.

Honória sorriu e fechou a mão.

— Isso se aproxima do que eu precisava ouvir.

— Pretende vender o anel?

— Oh, não. Tenho outros planos.

Radmere soltou-lhe a mão.

— Esses planos incluem Treymount?

— Ah, sim.

— A ideia agradará ao marquês?

— Muito pelo contrário.

— Então, espero que a senhorita tenha sucesso. Treymount levou a melhor várias

vezes. Não posso desejar sorte a ele.

— Esteja certo de que ao término das negociações, terei conseguido o que desejo.

Treymount perderá tudo, exceto o anel, é claro.

— Pelo visto, sua opinião sobre o marquês coincide com a minha. Creio que o tem

em péssimo conceito.

A afirmativa não agradou a Honória. Apesar de frustrada por Marcus não

concordar com sua proposta, não poderia acusá-lo de empregar métodos de baixo nível.

Ele apenas não aceitara as duas sugestões.

— Creio que entendeu mal, lorde Radmere. Treymount nunca se comportou de

maneira desabonadora comigo. Ele é um negociador duro, mas não é medíocre.

— Ah, é?

Lorde Radmere fazia Honória sentir-se intranquila, como se estivesse traindo a

confiança de alguém. O que não deixava de ser ridículo. Trair apenas por conversar?

Radmere sorriu, segurou-lhe novamente a mão e beijou-lhe os dedos.

— A senhorita aparenta divertir-se, o que lhe confere um encanto especial. Permita-

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me afirmar que é uma mulher muito intrigante.

Ele não lhe soltou a mão.

— Milorde está me machucando.

— Ah, minha querida, perdoe-me. — Radmere passou a mão de Honória por seu

braço e inclinou o rosto para o lado. — Vamos até o terraço. Lá, poderemos falar mais um

pouco a respeito do anel. Um pouco de ar puro lhe fará bem.

Ela sentiu o cheiro de conhaque. Embora ele não demonstrasse estar embriagado, o

olhar brilhante o denunciava.

Aquilo não poderia estar acontecendo. Se pretendia que a irmã fosse recebida na

sociedade, nenhum escândalo deveria envolvê-la. Muito menos com aquele bufão obeso.

Diziam que Radmere era o melhor amigo do príncipe. Devia ser verdade, pelo estilo

exagerado com que ele se vestia. Honória tentou puxar o braço, mas não conseguiu.

— Milorde, por favor...

— Um momento. — Ele inclinou a cabeça, e o hálito desagradável fez com que

Honória se voltasse: — Eu já a vi em ação nos leilões, mas nunca havia reparado em como

é atraente.

Ela procurou soltar-se sem dar a impressão de uma luta pela supremacia.

Radmere sorriu e apontou as cortinas.

— Ao atravessar aquela porta, ficaremos livres dessa confusão aborrecida. — Ele

disfarçou e acariciou-lhe o braço. — Ficaríamos a sós.

— Pare com isso, lorde Radmere. Quero apenas ficar afastada do salão de jogos,

nada mais.

Ele pôs a mão nas costas de Honória, abaixo da cintura.

— Misericórdia! — Ela arregalou os olhos.

Radmere prosseguiu na descida insidiosa.

— Lorde Radmere! Chega, já lhe disse!

Ele ignorou o protesto de Honória e empurrou-a para trás. Ela sentiu a cortina nas

costas e apalpou. Nada encontrou. Era uma alcova escondida!

Honória olhou em volta. Não conhecia ninguém. Mesmo se conhecesse, não queria

arriscar-se a um tumulto que depois correria de boca em boca. Teria de defender-se.

Radmere empurrou-a mais um pouco.

— Não faça isso, milorde. Sinto muitas cócegas.

— Ora, mas que divertido.

— Lorde Radmere, creio que não entendeu. — Honória abanou-se com a mão. —

Meu médico me avisou que as convulsões somente se repetiriam caso fossem provocadas

pelas cócegas.

— Convulsões? — Ele parou de sorrir. — A senhorita não pretende dizer que...

— Ah, sim. Infelizmente, é verdade. Eu não gostaria que milorde fosse a causa do

meu falecimento sem saber o motivo. — Honória procurou esboçar um sorriso

envergonhado. — Se isso ocorrer, por favor, diga a quem me atender para colocar uma

colher de madeira entre os meus dentes. Eu odiaria quebrar...

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— A colher?

— Não, meus dentes.

Radmere sacudiu a cabeça, descrente.

— A senhorita deve estar brincando comigo. Ou então é um exagero.

— Não é. Tenho cócegas em todos os lugares.

Ele ergueu a mão por cima do ombro de Honória.

— Mesmo aqui?

Ela forçou uma risadinha histérica e recuou.

— Ah, sim.

— E... aqui?

Para espanto de Honória, ele pôs a mão em seu quadril. O que provocou uma

reação imediata. Como uma atriz, ela rompeu em gargalhadas cada vez mais altas. A

intensidade das risadas fez Radmere olhar para aos lados à procura de socorro.

— Srta. Baker-Sneed! Por favor!

Honória riu ainda mais alto, o suficiente para as pessoas olharem, espantadas.

Depois resfolegou, como um toque final de comicidade: uma admirável atuação!

Radmere recuou e deu um encontrão em uma dama vestida de verde. Murmurou

desculpas, fitou Honória com uma mescla de horror e constrangimento. Ela teve vontade

de rir, dessa vez de verdade, ao ver a expressão do lorde balofo.

Aproveitou-se da perturbação de Radmere, afastou-se da cortina pesada e voltou à

segurança do salão. Assim que chegasse em casa, escreveria para Ned para agradecer-lhe.

Ele lhe ensinara o pequeno truque.

— Srta Baker-Sneed, sinto muito. — Radmere passou a mão nos cabelos. — Eu não

imaginei que o agravo tivesse tal intensidade. Está tudo bem com a senhorita?

Honória levou a mão ao peito.

— Ah, estou. — Deu uma risadinha. — Contanto que não encoste em mim de novo.

— Não o farei, esteja certa. Esse excesso de sensibilidade deve ser horrível.

— Nunca poderei casar-me. De resto, não me incomoda...

Os músicos pararam de tocar e os casais se separaram.

Marcus apareceu de súbito, sem esconder a raiva.

— Srta. Baker-Sneed, que surpresa.

Honória ficou séria.

— Ah, é milorde.

Mais uma vez, usou o talento de atriz para convencer com o tom de voz

desinteressado. Ocultou com perfeição o efeito poderoso que o marquês exercia nela. Seu

coração disparava e um calor anormal a invadia. Disse a si mesma que a raiva era um

sentimento desconfortável.

— Olá, Radisson — Marcus cumprimentou o lorde. — Como tem passado?

— Meu nome é Radmere e estou bem. — Fez menção de abraçar Honória pelos

ombros. Mas parou com a mão no alto e fitou-a. — Eu não deveria, não é?

— Se eu fosse milorde, não tentaria.

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Marcus não escondeu a curiosidade, mas Honória antecipou-se:

— O que o trouxe aqui, marquês? Achei que não gostasse de eventos sociais.

— É verdade, Treymount? — Radmere admirou-se.

— Nunca fiz tal afirmativa, senhorita.

— Radmere — Honória sorriu. — Não acredite em uma só palavra do que ele diz.

Na certa o marquês de Treymount tinha algum negócio em vista, ou não teria vindo até

aqui. Ele não é muito sociável, mas esquece as restrições quando se trata de ganhar

dinheiro.

— Srta. Baker-Sneed, embora tenha se enfeitado como uma dama moderna, a

suavidade das sedas não afastou a agudeza da sua ironia.

Honória fez uma mesura.

— Agradecida, milorde. É um cumprimento considerável vindo de tão augusta

pessoa.

Radmere olhou de um para outro e aparentou começar a compreender.

— Não me parece que o relacionamento entre ambos seja dos mais satisfatórios.

Discutiram a respeito de alguma coisa?

— Eu? Discutir com a srta. Baker-Sneed? Jamais. Vim porque a senhorita prometeu

dançar comigo.

Honória fitou os casais que haviam começado a dançar uma quadrilha. Havia

muitos anos tivera péssimo resultados quando tentara dançar.

— Milorde, não lhe prometi coisa alguma.

— Pois a senhorita está enganada. — O sorriso de Marcus foi arrasador. — Vamos?

Honória não teve tempo de reagir. O marquês segurou-a pelo cotovelo e escoltou-a

até a pista de dança.

— Cuidado! — Atônito, Radmere preveniu-o. — Ela é co-ceguenta!

Todos se viraram para olhar e Honória costurou um sorriso nos lábios. O que o

marquês pensaria dela?

— É verdade? — Marcus admirou-se.

Honória corou.

— Apenas quando certas pessoas tentam enclirralar-me em cantos ocultos.

— Radmere a importunou? — ele perguntou com rispidez.

— Não. Eu tive um ataque de riso que chamou a atenção de todos. Milorde

precisava ver a fisionomia de lorde Radmere.

Marcus não achou a menor graça e olhou para trás. Radmere já voltara as atenções

para uma dama uns vinte centímetros mais alta que ele.

— Seu eu soubesse, teria... — Desistiu de explicar o que faria. — Não deve falar

mais com ele.

— Lorde Treymount, está me proibindo de fazer alguma coisa?

— Não. Apenas acho que deveria usar o bom-senso.

Honória esforçou-se para prestar atenção aos passos e fitou o marquês de esguelha.

Por que ele a deixava tão nervosa? Não estava acostumada a tratar com pessoas tão

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arrogantes. Além disso, era exasperador descobrir que não tinha sucesso na disputa com o

marquês, ao contrário do que acontecia com outros homens.

Marcus St. John era um desafio que teria de ser enfrentado com muita astúcia. Qual

seria seu ponto fraco? Apertou os lábios e considerou o que sabia a respeito dele.

— A senhorita deveria parar com isso.

— Parar com quê?

— De olhar para mim como se quisesse me dissecar. Assim fazem os estudantes de

medicina que estão sempre vasculhando cadáveres.

— Tenho certeza de que milorde seria um péssimo exemplar para tais estudos.

Enquanto conversavam, eles também dançavam. Honória não errou a coreografia.

— E com que autoridade afirma isso, srta. Baker-Sneed?

— Por saber que milorde não tem coração. Sua mente está voltada para os negócios.

No lugar do coração, encontra-se uma caverna vazia e talvez um ou dois livros de

contabilidade.

— Eu sabia que a resposta não me agradaria. Diga-me, srta. Baker-Sneed, é sempre

tão sarcástica em suas análises? Ou age assim apenas comigo?

— Somente com milorde. Eu não queria dançar nem conversar. Milorde forçou-me

a fazer isso.

— Eu também não queria dançar — Marcus declarou, sorrindo e com um brilho

perturbador nos olhos azuis. — Mas como Radmere aparentava disposição para

importuná-la, resolvi vir em seu socorro.

Como se ela precisasse de auxílio! Que homem mais arrogante, excêntrico e tolo! A

dança a fez voltar para o lado dele. De relance, Honória percebeu a inveja da mulher que

dançava à sua direita.

Para ela, foi um choque. Não se lembrava ter suscitado cobiça em alguma mulher.

Apertou os lábios e admitiu que de todos os homens que conhecia, ninguém tinha a

postura de Marcus St. John. Ombros largos, cintura estreita, pernas musculosas. Este

último item era sua fraqueza. Olhos azuis penetrantes e cabelos negros um tanto rebeldes.

Era uma injustiça ele ser tão atraente.

Honória suspirou. Radmere agira como um verme. E o marquês de Treymount, com

boas intenções ao tentar resgatá-la das mãos de Radmere.

— Por mais que eu aprecie sua atitude, não precisava da sua ajuda em relação a

lorde Radmere.

— Não? Por que o canalha segurou sua mão por tanto tempo?

— Porque ele estava avaliando o anel-talismã. — Honória fitou a jóia que brilhava

em seu dedo, na mão que segurava a manga escura do paletó do marquês. — É uma peça

magnífica.

De repente, Marcus afastou-a da fileira de casais dançarinos. A brisa fria que vinha

das portas dos terraços balouçava as saias em volta dos tornozelos de Honória.

— A senhorita disse para Radmere que o anel era meu? — Marcus não conteve a

zanga.

Ela fitou-o.

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— Eu não deveria ter dito?

— É óbvio que não! Se ele souber, vai querer a jóia.

Honória não sabia explicar o que a levava a continuar provocando Marcus St. John.

Ele era conhecido pelo temperamento forte. E prezava muito o anel. O marquês não

gostava de perder. Admitiu que seu propósito em vir ao baile dos Oxbridge não tinha sido

enfurecê-lo. Pretendia convencê-lo de ser ela a proprietária do anel e que as opções eram

limitadas. Ou o marquês pagava, ou perdia a peça. Nada mais.

Apesar de reconhecer a loucura de sua atitude, sorriu para ele com malícia.

— Eu disse a Radmere que se tratava do famoso anel-talismã dos St. John. O que lhe

acendeu a cobiça. Se milorde e eu não chegarmos a um acordo... — Honória agitou os

dedos diante do nariz de Marcus — ...talvez eu acabe por vender a jóia para Radmere. O

que seria um desastre para milorde.

Nos instantes que se seguiram, a expressão do marquês transformou-se em uma

máscara de fúria. Lábios estreitados e olhos que lançavam chispas. Honória recuou. Ele

agarrou-a pelo cotovelo e conduziu-a de volta onde a encontrara com Radmere. Um local

que permitia certa privacidade.

A orquestra iniciava uma valsa alegre e os casais começaram a rodopiar.

— Não creio que haja necessidade de conversarmos mais sobre o assunto. —

Honória arfava ligeiramente. — Muito obrigada pela dança. Se me permite, preciso retirar-

me.

— Ainda não. — Era evidente o esforço que Marcus fazia para conter-se.— Embora

esteja na posse do anel, a senhorita sabe que ele me pertence.

Ela estava com as mãos suadas.

— A situação não agrada a milorde e muito menos a mim. Mas se não concordar

com as minhas condições, terei de vender a jóia para outra pessoa. Não há outra opção.

— A senhorita prometeu-me uma semana para decidir.

Honória deu de ombros.

— Não adianta fingir, milorde. Sei que não tem pretensão de aceitar minha

solicitação. Estamos perdendo tempo. A temporada vai começar logo. Quero que minha

irmã compareça a todos os eventos e com toda a pompa. Para isso será imprescindível ter

roupas, jóias, sapatos e outras frivolidades. Uma pena que milorde não tenha aceitado ser

padrinho dela. Seria mais fácil para nós dois.

Marcus cerrou os punhos. A música e os murmúrios de conversa pareciam

longínquos. Estava com a atenção centrada da mulher mais teimosa do mundo. De queixo

erguido, ela o fitava, desafiadora.

— A senhorita poderia não vender o anel.

— Eu poderia fazer qualquer coisa com ele, mesmo atirá-lo no Tamisa e milorde não

poderia impedir-me.

Marcus teve de fazer um grande esforço para não a agarrar e sacudi-la até ela

recobrar o juízo.

Honória alisou as saias, sem se dar conta do que escapara.

— Agora, se me der licença, preciso ir.

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Marcus não se conteve. Segurou-a pelo braço e virou-a de frente para ele. Ela

engasgou, enrubesceu e olhou ao redor. Marcus percebeu que o entrevero poderia chamar

a atenção e soltou-a.

— Antes de ir embora, quero que me faça uma promessa. Não venderá o anel até eu

tomar uma decisão.

— Eu lhe prometi uma semana. Nem mais um minuto além disso. — Honória

olhou-o com olhos cintilantes.

Marcus fitou os cabelos castanhos brilhantes, a faixa branca que enfeitava a tiara de

pedras grandes e obviamente falsas.

— Um pouco exagerado isso. — Ele apontou o ornamento.

Honória tocou no adorno.

— Eu também achei, mas Carol...

— Carol?

— Uma de minhas irmãs. Ela tem quinze anos e gosta de inteirar-se da moda.

Garantiu-me que era o mais moderno.

— Eu sempre vejo as mulheres usando algo semelhante, mas nunca a imaginei na

senhorita.

A imaginação de Marcus levou a srta. Baker-Sneed para a cama, sem tiara, com os

cabelos soltos no travesseiro e... Sentiu uma reação imediata do próprio corpo. Como não

percebera que Honória Baker-Sneed era uma mulher extremamente sensual?

— Tem razão. Eu nem pensaria em usar tal enfeite. Mas encorajei-me ao refletir que

seria apenas por esta noite.

Marcus entendeu que ela viera ao baile dos Oxbridge com o propósito de encontrá-

lo. O que não deixava de ser intrigante. Se pretendia recuperar o talismã, precisava saber

mais a respeito de sua adversária, a intrépida Honória. Além de ser uma excelente

negociadora, tinha uma fraqueza pelas pequenas caixas de fumo. Ela era cativante até

mesmo com um adorno ridículo na cabeça.

— Diga-me, senhorita, se tiaras não lhe agradam, do que mais gosta?

— Está pretendendo enfraquecer-me com perguntas a meu respeito?

— Não acredito que isso seria possível.

— Então, por que esse interesse repentino?

— Nada em especial. Foi apenas uma pergunta.

— Não acho que milorde precisa de informações pessoais.

Marcus deu de ombros e fingiu desinteresse. Conhecia as mulheres. A indiferença

era o melhor caminho para acender uma fogueira.

A artimanha funcionou. Depois de alguns segundos de silêncio, Honória resolveu

falar:

— Eu adoro chapéus. Tenho um número excessivo deles. Toda vez que vejo um

novo, suspiro por ele.

— Viu só? Não saiu machucada ao contar-me isso.

— Não. Mas ainda não consegui alcançar seu propósito em saber desses detalhes.

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— Talvez um pouco de curiosidade a respeito da minha adversária. — Marcus

achou irresistível a maneira como Honória franzia os lábios enquanto refletia.

— Bem, isso faz sentido. Diga-me, marquês, que espécie de homem é milorde?

Quais os itens sem valor que fazem parte da sua coleção, além das antiguidades que eu já

o vi arrematar nos leilões?

Marcus divertiu-se com a franqueza de Honória. Era uma flecha em direção ao alvo.

— Eu também tenho meu ponto fraco. Sapatos e botas. Sempre acho que preciso de

mais botas de montaria.

— Mas essa é uma falha muito leve — Honória surpreendeu-se.

— Não de acordo com o meu criado. Ele tem de manter todas engraxadas. —

Marcus considerou que seria agradável mostrar sua coleção de botas para ela.

Principalmente as que ficavam nos fundos de seu quarto de vestir.

A fantasia voltou a atormentá-lo. Honória andando pelo quarto envolta apenas em

um lençol. E a tensão novamente o incomodou.

Marcus cruzou os braços na altura do peito. Era surpreendente como as fagulhas

dançavam entre ambos.

— Foi muito bom eu ter vindo a este baile.

— Por quê, milorde?

— Se eu não estivesse aqui, ninguém a teria salvado das garras de Radmere. A

senhorita é muito inocente para lidar com patifes como ele.

— Não sou inocente e também não tive problemas em resolver o caso.

— Homens não são confiáveis quando estão a sós com uma dama.

— Milorde não está incluindo a si mesmo no grupo, está?

— Claro que estou. — Ele se inclinou para a frente. Sua respiração levantou alguns

fios de cabelos de Honória. — Srta. Baker-Sneed... Honória, não deveria confiar em mim.

Ela não estremeceu nem recuou, o que foi do agrado de Marcus.

— Tenho um irmão mais velho e fui instruída quanto às maneiras de me defender.

— A voz cálida de Honória acompanhou o hálito perfumado de canela.

— Pode saber como enfrentar Radmere, mas seus estratagemas não funcionarão

comigo.

— Acha mesmo? — O sorriso não poderia ser mais desafiador.

Marcus teve necessidade de beijar a severa e teimosa srta. Baker-Sneed. Não ali, em

público. Não pretendia ficar com a canela machucada. Mas era impossível ignorar a

provocação. Honória era uma irresistível combinação de intrepidez com traços de

fanfarrice, orgulho e auto-suficiência. Nada seria mais fascinante do que lhe ensinar

algumas coisas que ela certamente ignorava.

— A senhorita é muito belicosa. Talvez eu devesse chamá-la de Diana, a caçadora. A

senhorita se parece com a representação da deusa que eu vi no Museu Britânico. Uma das

estátuas de mármore de Elgin.

— Só tenho ânimo aguerrido quando é necessário. — Honória fez a declaração

como se uma escultura voltasse à vida.

Marcus aproximou-se. Suas pernas tocaram nas saias dela.

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— Srta. Baker-Sneed, permita-me fazer uma sugestão. Se suas exigências atingirem

um nível mais razoável, eu irei embora e não a importunarei mais. No entanto, enquanto

teimar em absurdos, não sairei de perto. Observando. Esperando. E talvez não seja sempre

tão educado.

Honória endireitou-se e fitou-o com intensidade. Marcus estava convencido de que

ela era mulher de grandes paixões. Sua energia e a vivacidade o atraíam. Não estava

acostumado a mulheres possuidoras de opiniões fortes. As que conhecia eram afetadas e

sorriam a tudo o que ele dizia.

Honória Baker-Sneed não era obsequiosa e estava muito longe de impressionar-se

com seus títulos e propriedades. O que o deixava ainda mais ansioso para conhecê-la

intimamente. Queria provar-lhe quem dominava. E certamente não era ela.

— Milorde, tenho apenas uma coisa para lhe dizer. Nunca subestime uma mulher

que está determinada em alcançar seus objetivos. Conseguirei a quantia que estipulei por

este anel. Não o entregarei a milorde, a menos que concorde com o que pedi. Eu lhe

concederei o restante da semana para pensar, e então... — Honória deu um sorriso

indefinível — ...milorde o perderá para sempre.

Ela virou-se, atravessou o salão por entre os convidados e saiu. Marcus ficou

parado do outro lado do amplo recinto. Estranhou não estar furioso. Pelo contrário. Ficou

satisfeito. Dançou duas vezes. Uma delas para cumprir sua obrigação com a filha da

anfitriã. E mesmo essa experiência desagradável não o deixou de mau humor.

Desafios eram o que Marcus mais apreciava. E esse era ainda mais excitante em se

tratando de Honória Baker-Sneed.

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Capítulo V

Honória desceu cedo demais para tomar o desjejum. O sol mal havia despontado no

horizonte. A sra. Kemble apressou-se em acordar a cozinheira. Trouxe o chá e avisou que a

primeira refeição do dia viria em seguida.

Sentada à cabeceira da mesa, Honória parecia ignorar o que se passava. Olhava para

o anel, que cintilava aos primeiros raios solares. Estranho. Durante o baile, o brilho tinha

sido muito mais intenso. Como se as runas fossem diamantes encravados. No momento, a

luz refletida era suave, sonolenta como ela mesma se sentia. Rememorou a quadrilha que

havia dançado com Marcus St. John. Admitiu que ele era um excelente dançarino e

imaginou o que teria pensado dela. Uma desajeitada, sem dúvida.

Ora, mas o que lhe importava a opinião do marquês de Treymount? Distraída,

esfregou o anel, que retomou um pouco mais de brilho.

A sra. Kemble entrou com uma enorme bandeja. Em instantes, o bufe estava coberto

com travessas de prata.

— Quer que chame os outros, senhorita?

O barulho na escada evitou a resposta de Honória.

— Ah, parece que todos acordaram. — A governanta riu e saiu para trazer o pote de

geléia que faltava.

A porta foi aberta com estardalhaço.

— Então, Honória, como transcorreu o baile? — Carol perguntou, amarrando a

faixa da cintura. As tranças malfeitas denunciavam a pressa com que haviam sido

arrumadas. Arfante por descer os degraus correndo, parou diante da irmã. — Conte-nos

tudo!

— Cassandra não permitiu que ficássemos acordadas esperando a sua volta, ontem

à noite. — Olivia sentou-se, ansiosa. — Precisamos saber o que aconteceu.

Juliet e Cassandra entraram em seguida.

— Olivia — Juliet franziu a testa —, não nos prometeu esperar até chegarmos para

falar com Honória?

— Eu disse isso?

— Sim, senhora. Há dois minutos, no alto da escada.

— É verdade. — Constrangida, Olivia fitou Honória.

— Achei que estaria muito cansada ontem à noite para conversarmos. — Cassandra

sentou-se ao lado de Honória. — Por isso mandei todas para a cama.

— Fez bem. — Honória tomou um gole de chá. — Eu estava exausta.

E apesar do adiantado da hora, havia permanecido acordada durante boa parte da

noite, pensando na conversa que tivera com o marquês.

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George entrou bocejando e esfregando os olhos. Aspirou o aroma do ar e sorriu.

— Carne de peito de frango! — Ele voou até o aparador e destampou uma grande

travessa de prata.

Honória não podia afastar a ideia de ter cometido um erro a noite passada. Não

deveria ter-se deixado levar pela irritação. Provocara tanto o marquês que ele jamais

pensaria em comprar o anel por um preço que não lhe fosse conveniente.

— Por acaso deixou carne para nós? — Olivia comentou depois de espiar o prato do

irmão.

— Um pouco. — George deu um sorriso amarelo.

— Malcriado! — Olivia deu-lhe um tapinha no ombro.

— Honória? — Cassandra mostrou-se apreensiva. — Parece cansada. Enfrentou

dificuldades?

— Cansada, por quê? — Olivia acariciou os cabelos de George como desculpa. —

Ela chegou à uma hora.

— À uma? — Carol derramou uma colher de creme no chá. — Tão cedo?

— Honória só queria falar com o marquês sobre o anel. O que, certamente, não

levou muito tempo. — Juliet pegou uma fatia de pão torrado.

— Se eu estivesse no baile — Carol assumiu ares de superioridade —, teria ficado

até a orquestra encerrar a noite. — Olhou o prato de Juliet. — Só uma torrada?

Juliet espetou a torrada com o garfo e franziu o nariz.

— Li no Morning Post uma reportagem sobre a nova dieta para emagrecer.

— Só se deve comer torradas? — Cassandra espantou-se.

— Oh, não. Também é permitido comer uma batata cozida com vinagre no almoço e

um pedaço pequeno de cordeiro no jantar. Nada mais.

— Eu não vou fazer regime nenhum. — Carol levantou-se da cadeira. — O homem

que eu escolher terá de gostar de mim do jeito que sou. Gorda ou magra.

— Nós só precisamos de um homem rico, com título e que não se importe em

aceitar como esposa uma jovem gordinha e pobre. — Olivia cortou um pedaço de bacon.

— Ah, essa é uma ideia adorável. — Juliet deu uma risada.

— Pena que não esteja destinada a dar ceito.

— Coisas estranhas podem acontecer — Carol retrucou.

— Não na vida real. — Juliet cortou a torrada em pedaços pequenos e espalhou-os

na superfície do prato.

— Ora, eu não disse que um homem rico tem de ser atraente. — Carol começou a

servir-se. — Se eu não sou, por que ele teria de ser? É uma questão de justiça.

— Ora, não vejo justiça em ele ser rico e a senhorita, minha irmã, pobre — Olivia

rebateu.

— Sim, mas eu posso ter filhos e tenho meu valor pessoal. O mínimo que se exige

dele é ter uma renda que permita à nossa família viver com conforto.

— Pretende vender a si mesma como uma fêmea reprodutora? — Olivia franziu o

nariz.

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— Somente se a soma for considerável — Carol respondeu com calma. — Além

disso, adoro crianças. Espero ter umas dez ou onze, independentemente da fortuna do

marido.

— Chega! — Cassandra ergueu a mão. — Estávamos falando sobre a noite de

Honória. — Voltou-se para a irmã mais velha. — E então?

— Não há muito para contar. — Honória deu de ombros. — Eu me encontrei com o

marquês. Tenho certeza de que ele me viu com Radmere.

Sentiu-se culpada ao ver o olhar esperançoso de Cassandra. Esperava que sua

teimosia não levasse Marcus St. John a algum tipo de ação intempestiva de péssimas

consequências para todas. Afinal, ela provocara o orgulho do marquês.

— Honória? — Cassandra franziu o cenho. — O que disse o marquês?

Os olhares convergiram para Honória.

— Ele disse... Oh, não disse nada.

— Ora, alguma coisa ele falou. — Carol piscou, admirada.

— Creio ter feito progressos, mas só o tempo haverá de confirmar tal coisa.

— Ah, que bom. — Cassandra pareceu aliviada. — Conte-nos exatamente o que

aconteceu.

— Bem, nós conversamos. Expliquei a ele como seriam as negociações a respeito do

anel. Dançamos...

— Dançaram? — Cassandra trocou um olhar entendido com Carol. — Ótimo!

— Não foi nada de especial. Todos dançaram. Depois conversamos um pouco e eu

vim embora. Talvez possamos descobrir hoje se as minhas palavras o impressionaram. Ele

virá buscar o talismã, ou — ela mordeu o lábio — não virá e teremos de vender a peça

para outra pessoa.

— Para quem? — Juliet olhou com cobiça o prato cheio de Carol. — A quem

interessaria o anel-talismã dos St. John?

— Qualquer pessoa se interessará por ele — Carol afirmou. — É mágico.

— É mesmo? — George ergueu os olhos do prato.

— Não fale com a boca cheia — Honória repreendeu o garotinho e contestou Carol.

— Contei a lorde Radmere sobre a jóia. Acredito que ele não negará um bom dinheiro por

ela.

— Como assim? — Cassandra não entendeu.

— Radmere não morre de amores por Treymount. Por isso o anel é importante para

ele. Mas não chegará perto do que o marquês poderia pagar.

— Então, precisamos esperar que o marquês resolva favoravelmente — Cassandra

comentou. — Caso contrário, teremos de usar lorde Radmere como nosso plano

emergencial.

Honória anuiu, embora odiasse a ideia de entregar a peça para outras pessoas. O

anel tinha sido da mãe de Marcus St. John. Mas se ele se recusasse a ajudá-las, o que

poderia fazer?

— Então, hoje ficaremos em casa, esperando pelo marquês. — Carol suspirou. — Eu

esperava visitar a loja de tecidos para ver as sedas novas que a sra. Tremble e a filha

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mencionaram. — Olhou para Honória de relance. — Eu não pretendia comprar nada!

— Não vejo motivos para ficarmos todas esperando que o marquês se decida a

conceder-nos a honra de sua visita. Além do mais, estou pensando em visitar o Museu

Britânico. Gostaria de ver os mármores de Elgin.

— De novo? — Juliet espetou mais um fragmento de torrada. — Já as viu uma

dezena de vezes.

Mas Honória nunca prestara muita atenção à estátua de Diana. Lembrava-se da

escultura como uma mulher roliça de coxas grossas e quadris acentuados. Talvez fosse

uma maneira de os gregos representarem as mulheres.

— Faz uma semana que estive lá. E não vejo os mármores há um mês. Fiquei mais

interessada na nova mostra sobre a China. Carol, tenho certeza de que gostaria de ver a

exuberância das sedas expostas. Os bordados são maravilhosos.

George não se entusiasmou com a ideia de ir ao Museu Britânico.

Declarou preferir ser comido vivo por tubarões a visitar um lugar cheirando a mofo

e ficar olhando pedras e tecidos. A família continuou a falar e uns provocavam os outros.

Ensimesmada, Honória pensava no que faria se Marcus St. John não viesse para

uma nova contra-oferta.

Lorde Elgin, que havia sido embaixador na Grécia, arrematara um grande número

de peças de mármore do Partenon, que vinha sendo desmantelado e vendido aos pedaços

pelo lance mais alto. Quando se encontrara à beira da ruína, tinha oferecido os mármores

ao governo inglês.

— São lindas — Honória comentou com Cassandra.

— Esta deve ser Hera. — Os olhos de Cassandra brilhavam de admiração. — Se eu

fosse uma deusa grega, gostaria de ser como ela.

Honória adiantou-se para ver a próxima estátua. Era a de uma mulher atlética com

um traje no mínimo escandaloso e deitada em um sofá.

— Se eu tivesse de usar tão pouca roupa, na certa ficaria com febre. — Ela

estremeceu.

— Eu gostaria que as peças fossem mais bem marcadas. — Cassandra fechou

melhor a gola do casaco. — Temos de adivinhar o nome das deusas. As peças de papai

expostas na loja estão muito melhor identificadas.

— É o que sempre digo a mim mesma. — Honória recuou para uma melhor

avaliação. — Seja quem for esta, eu gostaria de ser como ela. É muito bonita, apesar da

pouca roupa e das sandálias.

— As sandálias combinariam com Honória Baker-Sneed, mas, e o pedaço de lençol?

Não combina nem um pouco com a tiara.

— Ah, quanta bobagem! — Honória finalmente deu risada.

— Ainda bem que a fiz rir.

— Sinto muito. Sei que estou azeda.

Cassandra apertou a mão da irmã.

— Estamos com muitos problemas ultimamente.

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— E eu passo os dias refletindo em como resolvê-los. — Honória estava preocupada

com os erros cometidos na conversa com Marcus St. John. Não entendia como o marquês

conseguia irritá-la tanto.

— Honória, tudo dará certo. Eu não ficaria surpresa se...

— Cassandra! Honória! — Carol e Olivia entraram no recinto, batendo as solas de

couro no piso duro. — Venham ver! Encontramos uma coisa muito divertida!

— Ah, não me diga que é outra estátua nua. Eles não podem colar folhas de figo em

todas elas.

Carol escondeu a risada atrás da mão enluvada.

— Não, não. É algo muito melhor.

— É um homem de verdade. A camisa dele vai até as orelhas, por isso ele tem de

ficar assim — Olivia ergueu o queixo — o tempo inteiro. É muito divertido!

— Os botões da roupa dele são grandes? — Cassandra sorriu.

— De latão — Carol fez um círculo grande com os dedos — e do tamanho de um

pires!

— Deve ser lorde Frothersby — Cassandra conjeturou. — Li em algum lugar que ele

é o rei dos dândis.

— Ah, então deve ser. Nunca vi nada mais horrível! — Carol voltou em direção à

porta, seguida por Olivia.

— Vamos ver, Honória? — Cassandra chamou-a.

— Não, eu tenho visto sir Frothersby. Ele chama a atenção, mesmo sem as folhas de

figo. Prefiro ficar aqui mais um pouco. Preciso identificar esta estátua ou não poderei

dormir esta noite.

— Eu também perco o sono quando não consigo lembrar-me de algo. Voltarei logo.

Assim que elas se cansarem de olhar para sir Frothersby. — Cassandra deixou a irmã

sozinha.

Honória encolheu-se, com frio. Somente a mão onde estava o talismã conservava o

calor. De acordo com a placa, aquela estátua viera da parte superior do Partenon. As

poucas indicações não davam pistas de quem poderia ser a misteriosa mulher. O

conhecimento superficial de Honória sobre mitologia grega pouco ajudava. Conhecia

Afrodite, Hera e...

— Ela se parece com a senhorita, não é mesmo?

A voz era inconfundível. Profunda, quente. Honória fechou os olhos. O que ele

estaria fazendo ali? Talvez... ela abriu os olhos, esperançosa. Talvez não houvesse

estragado tudo! Talvez...

Mas nada ficaria sabendo se continuasse de costas para ele. Reuniu coragem e

virou-se.

— Lorde Treymount, que surpresa! — Honória admitiu não conhecer outro homem

tão atraente. O sorriso, os olhos azuis, os cabelos negros na testa. Tudo...

— Srta. Baker-Sneed, como passou de ontem? Sua governanta me disse onde eu

poderia encontrá-la.

Então, o marquês tinha ido procurá-la. Honória apertou a bolsa na mão para

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disfarçar a ansiedade.

— Milorde queria falar comigo?

Marcus cruzou os braços, sem afastar o sorriso perturbador. Vestia-se de maneira

extremamente sóbria para o horário matutino. Honória perguntou-se qual o motivo por

Treymount trajar-se quase sempre de preto.

— Precisamos conversar, srta. Baker-Sneed. Mas desta vez não permitirei que vá

embora. Como tenho um compromisso ao meio-dia, sugiro que sejamos rápidos.

Honória observou-o de maneira sub-reptícia. O marquês não aparentava raiva. Na

verdade, sua fisionomia lembrava um certo nível de diversão. Ela passou a mão na manga

do casaco para disfarçar o tremor.

— Lorde Treymount, não temos nada para conversar. A menos, é evidente, que

milorde tenha decidido reconsiderar...

— Sete mil libras é muito dinheiro por um anel.

— Então, por que veio até aqui? — Honória desapontou-se.

— Passei boa parte da noite avaliando nossa conversa. — Marcus fitou-lhe a boca e

os cabelos. — Se desejarmos resolver esse assunto, nós dois teremos de fazer concessões.

O anel parecia queimar o dedo de Honória. Ela endireitou os ombros e ergueu o

queixo.

— Não tenho de fazer nenhuma concessão. Posso vender a jóia em qualquer lugar.

Marcus chegou mais perto. O perfume de sândalo e de algo mais intenso e rústico

era inebriante.

Ele percebeu que Honória procurava identificar o aroma e deu um sorriso torto.

Fitou-lhe as faces e o busto.

Ela sentiu-se despida, embora estivesse muito bem agasalhada e coberta com a

pelica de lã vermelha. Enrubescida, afastou-se, segurando a pequena bolsa diante de si

como um escudo. Como Marcus St. John conseguia perturbá-la tanto com apenas um

olhar?

O marquês fitou a estátua de mármore.

— Diana, a caçadora.

— Ah, eu deveria ter imaginado. — Honória agradeceu a mudança de assunto e

respirou, aliviada.

Marcus adiantou-se e encostou o peito em seu ombro.

— Vê o arco e flecha aos pés dela?

Honória estremeceu ao sentir a respiração do marquês em seu rosto.

— Sim... sim... Como pude não reparar?

— Estão parcialmente quebrados. A senhorita me lembra muito a caçadora.

Ela afastou-se.

— Milorde, estamos perdendo tempo. O que tem para propor?

— Primeiro, reiterar o prazo até o final da semana.

— Sou uma mulher de palavra, milorde. Posso lhe fazer uma pergunta?

— Quantas quiser.

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Honória poderia indagar qual era sua cor favorita. Se ele gostava mais de loiras ou

de morenas. O que achava de uma mulher de cabelos castanhos com uma mecha branca.

— Bem, eu estava pensando...

Marcus observou-a morder o lábio. Os lábios de Honória lembravam morangos

maduros. Ele sentiu água na boca pela vontade de tornar a beijá-los.

— Sim?

— Sete mil dólares não representam uma quantia muito elevada para milorde.

— Não. Mas nunca paguei nada além do justo valor. Eu conspurcaria meu senso de

valores se pagasse um preço exorbitante pelo anel.

— Se milorde já tomou essa decisão, por que tenho de esperar uma semana?

— Porque pretendo encontrar uma maneira de fazê-la mudar de ideia.

— Não conseguirá. — Honória endireitou os ombros, fuzilou Marcus com o olhar e

voltou-se para Diana, como se sua vida dependesse dela.

Marcus admitiu que Honória o encantava cada vez mais. Admirou-lhe o perfil, a

curva do busto amplo, a linha graciosa da nuca e dos ombros. Sua beleza não era

convencional, porém fascinante. O olhar era seu traço proeminente: cálido, expressivo,

sincero. O exotismo era dado pela nesga de cabelos brancos. Àquela hora da manhã, o

museu estava praticamente vazio. Os frequentadores habituais deviam estar dormindo ou

acabando de acordar.

— Fiquei espantado em saber que a senhorita tinha vindo para cá.

— Não sei por quê. Milorde conhece minha inclinação por antiguidades... que deve

ser semelhante à sua. Não costuma visitar o Museu Britânico?

Marcus imaginou o que a srta. Baker-Sneed diria se soubesse que ele se empenhara

para a Câmara dos Lordes aprovar a aquisição dos mármores. Provavelmente, não

acreditaria.

— Sim. Muitas vezes.

Honória pensava o pior a respeito dele e, de maneira abstraia, Marcus não a

culpava. Não fizera outra coisa a não ser tentar convencê-la a vender-lhe o anel. Embora

com boas intenções, tinha sido severo demais em seus atos. E com essa ideia em mente,

resolvera visitá-la o quanto antes.

Não pensava em desculpas, mas sim em explicar a importância do anel para a

família. Através da luva era possível distinguir a jóia.

— Por que o está usando?

Honória fitou a própria mão.

— Não sei. Serviu muito bem no meu dedo, embora de início parecesse grande

demais. E quando passei a usá-lo... — Ela corou.

— Sim?

— Nada de mais. — Honória deu um breve sorriso. — Talvez os boatos sobre ele

tenham me afetado.

— Mas não sabia tratar-se do talismã dos St. John até eu lhe contar.

— É verdade. Eu não sabia. Imagino que...

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Marcus aproximou-se e sussurrou com intimidade:

— Pode ser que a mágica a tenha atingido, segurado entre suas garras, acenando

com a possibilidade de que talvez... a senhorita e eu...

— Por favor, lorde Treymount! — O olhar de Honória faiscava. — Não sou

nenhuma jovenzinha ingênua que se deixa levar por lendas românticas, principalmente

em relação a milorde!

Marcus entendeu que a havia provocado e recebido uma resposta à altura. E as

palavras de Honória o atravessaram como agulhas em chamas. Nunca fora visto com tanto

desprezo por uma mulher.

A reação dele foi instantânea. E ditada pela loucura. Se a beijasse outra vez e como

deveria ser, talvez se convencesse que Honória era uma mulher como tantas outras e a

obsessão o abandonaria. Abraçou-a pela cintura.

— Lorde Treymount! — ela protestou, mas não se afastou.

— A senhorita está usando o anel. Não poderei conter-me.

A respiração de Honória tornou-se arfante.

— Solte-me ou terei de proteger-me.

— Pois tente. — Marcus beijou-lhe a testa.

Ela estremeceu.

— Pare com isso, milorde!

— Tente me impedir.

Marcus beijou-lhe a face, o queixo, os cantos da boca. Honória pôs uma das mãos

no peito dele, mas não o empurrou. Marcus mordiscou-lhe o lábio inferior antes de beijá-la

com leve sensualidade. Sentiu o poder que emanava de Honória como uma devastação.

— Pare...

— Por que não faz isso, Honória?

Era o que ela menos desejava no momento. Sua vontade era abraçá-lo, beijar-lhe os

lábios e perder-se no calor de seu corpo. De repente, sem perceber, foi o que fez. A loucura

e a magia não permitiram que raciocinasse. Puxou-o, permitiu que ele a beijasse e

derreteu-se em seus braços.

Em algum lugar de sua mente, sabia que planejara provocá-lo. Mas nem se

recordava do motivo. Afinal, um beijo não haveria de tirar o anel de seu dedo. Apenas a

fazia consciente de um homem que a atraía como um imã e a torturava com

extraordinários laivos de paixão.

Honória pensou que fosse explodir em chamas, porém Marcus afastou a cabeça,

embora com relutância. O ar frio teve um efeito benéfico sobre seus sentimentos confusos.

Ela tremia, agarrada nas lapelas do paletó do marquês. Seus pés balançavam no ar, pois ele

a erguera.

— Po... pode largar-me no... no chão.

Marcus fitou-lhe os lábios.

— E seu eu não quiser?

Honória respirou fundo para acalmar o coração disparado. O marquês sorria com

superioridade.

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— Por favor. — Ela não seria capaz de formular uma sentença completa, enquanto

não ficasse afastada dele.

Marcus resistiu por alguns instantes, deslizou-a devagar até o piso, mas não a

soltou.

— Tive a impressão de ouvi-la dizer que sabia defender-se de patifes. — Ele

acariciou-lhe a face com leveza. — Qualquer homem com inteligência mediana pode

perceber que, apesar de sua ferocidade exterior, a senhorita é inocente. Foi a isso que me

referi a noite passada em relação a Radmere.

— Milorde, posso ter sofrido um lapso momentâneo. Eu lhe asseguro que tais

reações são totalmente incomuns para mim.

— Considere essa uma lição quando estiver tratando com um homem de verdade.

— Não preciso dos seus ensinamentos, milorde. Sei tomar conta de mim mesma.

— A senhorita acha que os perigos se resumem a avanços inadequados. Admita,

pelo menos, que não está preparada contra aqueles que conhecem os meandros da

sedução.

— Como milorde?

— Como qualquer homem que resolvesse conquistá-la.

Marcus reconheceu que não deveria tê-la beijado. Mas ele não pudera resistir ao

pensamento daquele corpo sedutor sob o vestido recatado. O pior havia sido ter

descoberto que a presunçosa Honória Baker-Sneed tinha a natureza ardente de uma

cortesã.

— Pare de olhar-me com censura, senhorita. Sei que não deveria tê-la beijado. Mas

admita que o fato não lhe desagradou.

— Não admito coisa nenhuma!

Marcus tornou a abraçá-la com força de encontro ao peito. Os pés de Honória foram

novamente erguidos do chão.

— Negue que o nosso beijo não foi do seu agrado.

Ela fitou-o com raiva e o rosto corado. Todavia nada disse.

— Esta batalha é minha. — Marcus soltou-a. — Eu a venci.

— Nós apenas conversávamos.

— Bobagem. Era uma disputa, sabe muito bem disso.

Honória levou as mãos à cintura e inclinou-se para a frente.

— Nem... mais... uma... palavra.

Marcus estava acostumado com mulheres, que flertavam e pestanejavam. Fingiam

nada querer e permitiam tudo. Um pouco de perseguição e o objetivo era alcançado.

Aceitavam os menores desejos como ordens. Nunca se rebelavam. Não o contestavam.

Muito menos o enfrentavam.

— Milorde não deveria ter feito isso. Nem eu.

— Não pude evitar. A senhorita... — Por pouco Marcus confessou a atração que

Honória exercia sobre ele.

— Milorde não... — Ela fitou-o com olhos espantados.

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— Não pude evitar a vontade de beijá-la.

— Ah. — Honória hesitou por alguns instantes. — Bem, foi um beijo razoável.

— Esse foi um dos melhores beijos que já experimentei.

— Um dos melhores? — Visivelmente ofendida, ela voltou a examinar a estátua.

Marcus sorriu. Honória era diferente. Em sua mente, mesclavam-se determinação e

orgulho. A inocência convivia com a sensualidade. Admirou a maneira como o vestido se

curvava sobre o busto amplo e os quadris. O brilho dos cabelos castanhos e a fascinante

madeixa branca.

Desejava beijá-la novamente. Encostou-se na parede e observou-lhe o perfil.

— Sim. Por melhor que tenha sido, não foi um beijo de verdade.

Honória não respondeu de imediato. Alguns segundos depois, fitou-o com

reprovação.

— O que é um beijo de verdade?

— Não sei se a senhorita estaria preparada para descobrir.

— Hã?

— Interrompi nosso abraço antes de o beijo tornar-se verdadeiro. Eu não estava

completamente... envolvido. Preocupado em avaliar sua reação, não pude concentrar-me.

— Entendi. — Enrubescida, Honória acenou um gesto vago. — Bem... deveríamos

estar discutindo o seu anel, e não um beijo tolo.

Marcus enrolou no dedo uma madeixa de cabelos castanhos.

— Se está tão empenhada em discutir negócios, façamos a sua vontade. Srta. Baker-

Sneed, quais as soluções conciliatórias que pretende oferecer?

— Nenhuma.

Ele soltou-lhe os cabelos.

— Ora, vamos. Não estaria pensando em abaixar o preço?

Honória suspirou e arqueou as sobrancelhas.

— Está bem. Seis mil. Nem um centavo a menos.

— Ainda está muito alto.

— Muito bem. Serei obrigada a considerar a oferta de Radmere.

Maldito Radmere!

— O anel era de minha mãe.

Honória apertou as pontas dos dedos nas têmporas.

— Milorde não conhece a minha situação. Meu pai investiu tudo o que possuía em

um navio que se perdeu no mar.

— Mas que temeridade...

— Meu pai é um excelente investidor. Talvez devesse ser mais comedido e não ter

arriscado tanto. Mas pretendia melhorar nossa vida. Ninguém melhor do que ele para

descobrir antiguidades. De qualquer forma, contávamos com aquele dinheiro para o début

de Cassandra.

— Por isso a senhorita está se empenhando tanto em conseguir o dinheiro.

— Vai demorar pelo menos um ano até papai voltar a ser auto-suficiente. E mais um

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ano até ele poder se permitir fazer a apresentação social das filhas.

— E sua irmã terá de ser apresentada agora.

— Ela fará dezenove anos em pouco tempo. Em dois anos estará fadada a ficar na

prateleira.

— Como a senhorita.

Para surpresa de Marcus, Honória não se ofendeu e anuiu com naturalidade.

— Por que está tão determinada a apresentar sua irmã à sociedade?

— Esse sempre foi o maior desejo dela. Onde morávamos antes, Cassandra acabaria

se casando com um fazendeiro rude ou coisa pior. Ela é muito delicada para isso.

— E a senhorita?

— Em minha vida, não reservei lugar para casamento. Tenho meus pontos de vista

muito arraigados e não me adaptaria a uma união.

Marcus pensava da mesma maneira. Ele se acostumara a decidir tudo por conta

própria e não lhe agradaria que fosse diferente.

— Tive direito à minha apresentação. Logo depois, em plena temporada, minha

mãe faleceu. Não me incomodei de deixar Londres. Eu me sentia fora do meu ambiente e

também não tinha sido bem recebida. Cassandra adora esse tipo de coisas. Além disso, é

muito bonita e fará sucesso.

— A senhorita trocou um salão abafado pelos leilões de antiguidades.

— Para mim, não há melhor forma de passar um dia — Honória declarou, animada.

O mesmo acontecia com ele.

— Começo a perceber por que está tão obstinada em querer um padrinho para sua

irmã.

— E eu entendo por que o anel é tão importante para milorde. Permita-me ser

sincera. Estou acostumada com leilões e compreendo o significado dos valores emocionais.

Por isso creio que sete mil libras não é um preço alto.

— A senhorita disse seis mil.

— Isso foi antes de perceber que apenas eu teria de fazer concessões.

— A senhorita fala como vencedora.

— E sou. — Honória sorriu, satisfeita. — Apesar de milorde não querer admitir.

Marcus a desejava cada vez mais.

— Srta. Baker-Sneed, não me obrigue a forçar o desfecho.

— E como milorde faria isso? Com outro beijo?

Era o que ele tinha vontade de fazer.

— Treymount?

Eles ouviram a voz de um homem um tanto ébrio.

— Creio que alguém está querendo falar com milorde — Honória disse o óbvio.

— Treymount? — o homem chamou do lado de fora e o tom nasalado ecoou de

maneira desagradável no corredor de pé-direito elevado.

— Salva por um ébrio, minha querida. O destino está do seu lado.

— Treymount! — o outro berrou. — Sei que está aí dentro! Vi a sua carruagem e

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falei com aquele idiota a quem milorde chama de cocheiro!

— É Melton. Marcamos um encontro na minha casa ao meio-dia. Que falta de

cortesia ficar gritando aqui dentro como se estivesse em uma taverna!

— Deve estar irritado — comentou Honória.

— Ele me odeia e faria qualquer coisa para me arruinar.

Se Honória tivesse falado um pouco antes, poderia ter despertado a atenção de

lorde Melton. Se Melton, ou qualquer outra pessoa, os encontrasse abraçados, ela cairia em

desgraça, e por culpa do ilustre marquês de Treymount.

Honória pareceu ler-lhe o pensamento.

— Escândalos também não me agradam. — Ela se afastou e foi até a porta. —

Precisamos sair. Lorde Melton chegará aqui em instantes. Não tenho a menor vontade de

explicar a ele por que estamos sozinhos no recinto.

Marcus acompanhou-a até a sala contígua. Embora vazia, tinha uma passagem em

arco para o outro salão, o que a tornava mais apropriada. Pequenos grupos de pessoas

podiam ser vistos diante das peças expostas.

— Aquelas são minhas irmãs. — Honória apontou-as.

Marcus viu as jovens que aparentavam idade escolar. Uma delas, a mais velha,

muito bonita. As três conversavam, animadas.

A voz de lorde Melton soou de mais longe.

— Acho que ele tomou a direção errada — Honória comentou, depois de olhar para

os lados.

— Com Melton, não poderia ser diferente — Marcus murmurou.

— Bem, vou ao encontro de minhas irmãs. Sinto muito que ainda não chegamos a

um acordo. Milorde ainda tem alguns dias para pensar sobre o caso.

Marcus suspirou, admirado pelo espírito conciliador de Honória.

— Tentarei encontrar uma solução.

— Espero que sim. Tenha um bom dia, lorde Treymount. — Ela fez um pomposo

aceno de cabeça, virou-se e caminhou até onde estavam as jovens.

Marcus gostaria de saber se Honória havia sido de alguma maneira afetada pelo

abraço e pelo beijo. Mas de que isso adiantaria? Recriminou-se. E por que a observava

como um tolo apaixonado enquanto ela se afastava? Bom Deus, o que havia de errado com

ele?

Marcus franziu a testa, desencostou-se da coluna, foi para o corredor oposto e saiu

do museu em direção à carruagem. Lorde Melton que fosse procurá-lo, conforme o

combinado.

— Precisa fazer isso? — Marcus falou com Anthony.

— Fazer o quê? — Anthony indagou, sentado na poltrona diante do fogo, na

biblioteca.

— Cantarolar. Estou ficando irritado.

— Não estou cantarolando, Marcus. — Anthony ergueu as sobrancelhas.

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O sr. Donaldson, administrador dos negócios de Marcus, pigarreou.

— Perdão, milorde, era eu quem estava.

— Verdade? E qual era a melodia?

— Acho que de um dos concertos de Hayden — Donaldson responde.

— Bem, assim é impossível precisar qual era a música. — Marcus assinou os

documentos que estavam sobre a mesa.

Anthony fitou o sr. Donaldson, que fingiu ocupar-se em abrir a maleta de couro.

— Nunca me dão o devido valor — Anthony lamentou-se e suspirou.

— É dever de Anna, e não meu, incrementar sua auto-estima — Marcus afirmou.

— Graças a Deus! Ela é muito mais eficiente em ignorar minhas falhas. — Anthony

esticou as pernas.

Como sempre, ele excedia em tamanho as cadeiras que ocupava. Marcus anotou um

lembrete. Teria de mandar fazer uma poltrona maior para seu irmão. Era cômico ver

Anthony mexer-se sem parar, tentando acomodar-se no espaço exíguo para ele. Marcus

escreveu um recado e estendeu a folha para Donaldson. O homem leu, anuiu e guardou a

anotação.

A poltrona seria providenciada naquele mesmo dia. Donaldson valia seu peso em

ouro. Ainda bem, pois Marcus lhe pagava uma fortuna pelo trabalho.

— Estou esfomeado. — Anthony bocejou. — Já terminaram os negócios?

O sr. Donaldson ajustou os óculos redondos e deixou mais um documento na frente

de Marcus.

— Só falta este. O de lorde Melton.

Marcus leu o que estava escrito, consultou o relógio que havia em cima da lareira e

franziu o cenho.

— Teremos de esperar mais meia hora, no mínimo. Isso se o presunçoso aparecer.

Ele tem de assinar hoje a escritura de venda das propriedades.

— Todas? — Anthony perguntou.

— Eu lhe deixei uma casa e uma faixa de terra. Melton deve mais de trinta mil

libras.

Anthony assobiou.

— Como foi que isso aconteceu?

— Perdeu tudo jogando.

— Qual a idade dele?

— Vinte e três ou vinte e quatro. O suficiente para saber que não se deve dilapidar a

fortuna da família.

— Acha que...

— Anthony, qual era a sua idade quando recebeu a herança dos Elliot?

— Dezessete.

— Então, é fácil perceber que um homem de vinte e três anos deve refrear os vícios.

Anthony ficou em pé e estirou os músculos.

— Tem razão. Melton foi um idiota por endividar-se dessa maneira. Meu padrasto

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nos ensinou a valorizar o que era nosso. Mas nem todos têm essa vantagem.

— É verdade. — Marcus flexionou os ombros. — Não me agrada um negócio desse

tipo. Não tenho por costume agir como um desalmado.

— Sei disso. Quis ter certeza de que não estava apenas julgando Melton, mas que

também pensava nele como pessoa.

Marcus não chegou a perguntar o que Anthony pretendera dizer com isso.

— Irei embora antes de Melton chegar — Anthony desculpou-se. — Não pretendo

testemunhar esse encontro.

— Como queira. — Marcus fitou o sr. Donaldson. — Está tudo pronto?

— Sim, milorde. Eu trouxe todos os documentos. Só falta a presença de lorde

Melton para legalizarmos a transação.

Ouviram uma leve batida na porta.

— Sim? — Marcus indagou.

Jeffries, impecável como sempre, pôs a cabeça para dentro da biblioteca.

— Lorde Melton, milorde.

— Vou embora. — Anthony piscou para o irmão. — Não se exalte, Marcus. — Fez

um aceno e saiu.

Ao contrário da sensação de vitória que acompanhava esse tipo de negócio, Marcus

sentiu um vazio interior depois do apelo de Anthony.

O sr. Donaldson afastou o pesado volume contábil e pegou a valise.

— Finalmente poderemos resolver esse pequeno assunto.

— Mande-o entrar — Marcus pediu para Jeffries.

— Sim, milorde. — O mordomo anuiu e afastou-se.

— Uma pena. — Donaldson arrumou uma pilha de documentos. — Não sei como

lorde Melton pôde ser tão irresponsável. Impossível não ter percebido que estava

afundando em dívidas e que era um absurdo maior continuar jogando.

— A juventude tem dificuldades em visualizar o futuro. Ou, pelo menos, era o que

meu pai afirmava. Como Anthony disse, Melton não teve a sorte de contar com a

sabedoria de um pai como o nosso.

Jeffries deu passagem para lorde Melton. Pálido e vacilante, este ainda conservava

na mente um resto de embriaguez.

Apesar disso, estava corretamente vestido. Marcus refletiu que, exceto pelo colete

azul com listras douradas, o traje era severo demais para um jovem.

— Esteve no Four Horse Club? — Marcus perguntou por causa do vistoso colete. O

clube admitia apenas os mais nobres.

— Um dos meus poucos privilégios.

Marcus apontou uma cadeira próxima da mesa.

— Agradeço por ter comparecido ao nosso encontro, lorde Melton.

— Eu o procurei mais cedo, no museu. — A afirmativa veio acompanhada por uma

leve acusação.

— É mesmo? — Marcus esperou o jovem sentar-se. — Aceita uma xícara de chá?

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Melton sentou-se na beira da poltrona.

— Não, obrigado. Quero assinar os papéis e acabar logo com isso.

— Muito bem. — Marcus fez sinal para seu administrador. — Este é o sr.

Donaldson, encarregado dos meus negócios.

Donaldson entregou a lorde Melton a pilha de documentos.

— Por favor, milorde, assine no alto de cada folha, nos locais indicados.

Melton segurou os papéis com mãos trémulas.

— Tantos assim?

— Trata-se de um processo complicado — Donaldson explicou.

Melton fitou o pacote com descrença, e Marcus duvidou que o visconde fosse capaz

de ler alguma coisa em tal estado de espírito. Melton virou uma página, depois outra e

mais outra. Com velocidade cada vez maior, chegou à última e deu um riso amargo.

— Meu Deus, quantas coisas escritas. Eu... Eu... — Melton levantou-se. — Levarei

isso comigo para ler com mais atenção.

— Eu lhe asseguro que tudo está em ordem — Donaldson garantiu.

Melton corou.

— Tenho certeza disso. Mas preciso de algum tempo para ler e ter certeza de que

tudo foi feito de acordo e que...

— Conforme foi acertado — interveio Marcus —, eu deixei para milorde Melton

House, em Knightsbridge, e as terras circunvizinhas. Milorde perderá o direito às fazendas

em Kent. Estou sendo generoso, pelo número de notas promissórias assinadas por milorde

que tenho em meu poder.

— Como pode falar em generosidade?

— Não fui eu quem perdeu no jogo as propriedades da família!

— Sei disso! — Melton demonstrava desespero. — Admito que fui um tolo. Mas eu

era jovem e não percebi as armadilhas que me preparavam.

Marcus lembrou-se da reação de Honória quando ele havia sugerido que o pai dela

não soubera investir. O olhar de Honória tinha faiscado como o de lorde Melton nesse

momento.

Seria possível que o visconde houvesse sido enganado? Na verdade, muitas das

notas promissórias assinadas por Melton datavam de vários anos. Marcus não se

empenhara em verificar datas ou quantias da época.

Pensativo, Marcus esfregou o queixo.

— Se perdeu tanto, por que continuou a jogar? Muitas notas que recebi são recentes.

— Porque eu não conhecia nenhum outro recurso para recuperar as perdas! —

Melton riu com amargura. — Não tenho a sua habilidade de fazer dinheiro do nada.

Desesperado, pensei... — Fechou os olhos e estreitou os lábios durante alguns segundos.

Inspirou fundo antes de continuar: — Agora entendo o quanto eu estava errado. Pareceu-

me que não haveria outra maneira... Se tivesse sorte, poderia ganhar e tudo voltaria a ser

como antes.

Não havia como duvidar da sinceridade de Melton. Todavia Marcus comprara

todos os títulos com extremo cuidado.

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— Ainda bem que milorde se convenceu dos erros cometidos.

— Lorde Treymount, não poderíamos encontrar outra maneira de resolver o caso

entre nós? Se me concedesse mais dois meses, eu tentaria conseguir fundos para saldar

pelo menos uma parte das dívidas.

— Jogando?

Melton tornou a corar.

— Não estou jogando mais.

— Então, o que estava fazendo no salão de jogos de Oxbridge?

— Estávamos jogando uíste.

— E apostavam, não é? Como posso ter certeza de que se eu lhe desse uma chance,

milorde não voltaria às mesas de jogo e perderia o restante do dinheiro e das terras?

— Sinto muito ter-lhe pedido um pouco de deferência. Agora acredito que o

marquês de Treymount não tem coração.

— Tenho coração, mas também cabeça para negócios. Se eu lhe conceder um

adiamento, que garantias me oferecerá de que não pretende desperdiçar a oportunidade?

Marcus ignorou a piscadela do sr. Donaldson. O homem não ocultou estar chocado

diante da ideia de prorrogação de prazo.

— Milorde tem minha palavra de que jamais apostarei mais de que uma moeda de

quatro pence — Melton afirmou de queixo erguido e olhar brilhante.

Marcus fitou os documentos em cima da mesa. Sua propriedade em Kent dobraria

de valor com essa aquisição. E novamente lembrou-se de Honória e do pai incapaz. Às

vezes esforço e perícia não podiam evitar a má sorte.

— Aceito sua palavra. Por enquanto. Leve os documentos e pense sobre a sua

situação. Se conseguir encontrar um meio melhor para reaver sua fortuna, pensarei a

respeito da sua proposta.

— Milorde... eu... — Melton agarrou os papéis. — Milorde não se arrependerá.

— Nós ainda não fizemos nenhum acordo. Eu lhe concedo duas semanas para

encontrar uma solução. Depois disso, voltaremos ao ponto de partida. Sem nada em vista,

terá de assinar esses papéis. Certo?

— Certo, milorde. Em duas semanas. Milorde verá...

— Muito bem. — Marcus pegou a pena e pôs diante de si a correspondência do dia.

— Obrigado pela visita, lorde Melton.

Melton debruçou-se sobre a mesa, amassando documentos, e apertou a mão de

Marcus.

— Milorde não se arrependerá! — ele repetiu e saiu de cabeça erguida.

Os passos se distanciaram. A porta da frente foi aberta e fechada.

— Espero não ter motivos para arrependimentos. — Marcus deixou a pena no

tinteiro.

Donaldson limpou os óculos e assoou o nariz.

— Acredito que não terá, pelo olhar de lorde Melton. Foi muita bondade sua, lorde

Treymount.

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— Bobagem. — Marcus admitiu que sentia seu coração mais leve. — Tratava-se

apenas de um bom negócio. O rapaz terá de se esforçar muito, o que será vantajoso para

ele.

— Com certeza, milorde. Estou curioso para ver qual será o comportamento de

lorde Melton daqui para a frente. Temos algum outro compromisso para hoje?

— Não. Amanhã examinaremos os aluguéis anuais e...

Outra batida suave na porta. Era Jeffries.

— Perdão, milorde. O sr. McTabish deseja falar-lhe.

— Mande-o entrar.

O mordomo anuiu e retirou-se.

— É um antigo membro dos Bow Street a quem encomendei um serviço — Marcus

explicou.

A porta foi aberta. Jeffries apresentou McTabish, retirou-se e fechou a porta.

— Quais as novidades? — Marcus perguntou ao indivíduo de aparência rude,

topete, olhos negros e sagazes.

McTabish endireitou os ombros. Gordo e de pele avermelhada, suava bastante.

Parecia ter corrido uma grande distância.

— Perdão, milorde, por eu ter vindo de maneira intempestiva. Mas milorde disse

que teria de ser notificado imediatamente se alguém daquela casa fosse a um joalheiro.

— E de qual estamos falando no momento?

— De Rundell's, sir. A dama entrou na loja há não mais de dois minutos.

— Qual delas?

— A mais alta, milorde. A que deveria ser vigiada com mais atenção.

Marcus levantou-se de repente e uma pilha de papéis espalhou-se no chão.

— Conte-me o que sabe.

— A dama levou o anel ao joalheiro. Esperei até ela entrar e espiei lá dentro. Eu a vi

entregando a peça para o homem. A moça ainda está lá, tentando vender o anel.

— Dez libras.

— Ora, isso nem justifica o trabalho que tive em vir até aqui.

O sr. Rundell endireitou os ombros curvos.

— Sinto muito, srta. Baker-Sneed, mas não posso oferecer um preço mais alto.

Tenho um bom estoque desses itens e...

— Não como esta! É uma caixinha de tabaco muito bem trabalhada. Veja a pintura

interna. E a gravação em prata é uma perfeição.

O homem levantou o monóculo e observou novamente a peça. Em seguida, fitou

Honória. Ela sabia que ele pagaria pouco para uma pessoa pobre. Por isso pusera o melhor

vestido, aquele que usara no baile, e o chapéu bordado com ponto russo.

Não duvidava de sua boa aparência e chegara a lamentar que Marcus St. John não a

visse com aquele chapéu.

O que, na verdade, pouco lhe importava. O marquês era muito presunçoso. Tivera

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coragem de beijá-la nas dependências do Museu Britânico! E se fossem surpreendidos?

— O máximo que posso oferecer é quinze libras. — O joalheiro largou o monóculo

sobre a mesa.

— Quinze? — Honória apertou os lábios. Pela expressão do sr. Rundell, era esse o

preço final.

Sem alternativa, Honória anuiu. Quinze libras ajudariam muito, embora a quantia

nem chegasse perto do valor da caixinha. Com o dinheiro na mão, deixou a loja. Para vir,

alugara uma carruagem. Voltaria a pé para economizar alguns xelins.

Não chegou a dar dois passos. Foi agarrada por uma certa mão de aço. Honória

olhou a mão, o punho branco e imaculado, o braço forte, o ombro largo e o rosto do

marquês.

Pálido, com os lábios estreitados, Marcus levantou-lhe o pulso. Honória soltou as

notas e elas flutuaram até cair no chão. Ela sufocou um grito de raiva e de dor.

O marquês fitou o dinheiro com o rosto crispado. Honória aproveitou o instante de

distração e soltou-se. Abaixou-se e recuperou as cédulas. Endireitou as costas e fitou seu

captor com ódio.

— O que significa isso?

— Quinze libras? — Marcus olhou-a com fúria. — É isso que pensou que valesse?

Honória piscou.

— Pouco, não é mesmo? Insisti, mas o infeliz não quis dar mais nenhum xelim. —

Ela fitou a loja com rancor. — Se eu tivesse tempo, teria vendido no leilão que se realizará

em duas semanas e... — Ela se deu conta que falara em demasia. — Não importa. Isso não

é da sua conta.

— Claro que é! — Marcus berrou.

— Será que escutei direito?

— Só porque não aceitei a sua proposta ridícula, a senhorita resolveu vender o anel

pela primeira oferta para castigar-me!

— Eu? Castigar? Espere um pouco. Está pensando que vendi o seu anel?

Seguiu-se um silêncio tão pesado que foi quase palpável.

— E não vendeu?

— Não. — Honória guardou as notas na bolsa e tirou a luva esquerda. Ergueu a

mão. Brilhando, ali estava o anel-talismã dos St. John.

— Graças a Deus! — exclamou Marcus. — Pensei que estivesse aborrecida comigo e

por isso resolveu vender o anel.

— Ainda não. — A resposta obteve a reação esperada. A irritação do marquês de

Treymount aumentou.

— Então, o que foi que vendeu?

Honória calçou a luva, pronta para ir embora.

— Não é da sua conta.

Ela não chegou a dar o terceiro passo. Marcus agarrou-a pelo cotovelo e puxou-a

em direção à carruagem dele.

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— O que pensa fazer? — Honória parou de repente.

— Vou levá-la para casa. — Ele tentou prosseguir, mas ela não saiu do lugar.

— Milorde não costuma pedir permissão para nada?

— Não creio que andar vinte quarteirões seja preferível a fazer o trajeto na minha

carruagem.

Honória não estava com vontade de caminhar, ainda mais com aquele vento que

erguia as saias e ameaçava arrancar-lhe o chapéu.

— Eu não afirmei que não queria ir na sua carruagem. Apenas sugeri que seria mais

cortês perguntar em vez de ordenar.

— Mas é no seu próprio interesse...

— Eu devo decidir o que é melhor para mim, e não milorde!

— Droga! — Marcus fez uma flexão nos ombros, talvez para se acalmar. — Está

bem. Seja como a senhorita quiser! — Fez uma mesura exagerada e empregou um tom de

voz afetado: — Srta. Baker-Sneed, poderia conceder-me a honra de vir comigo para onde

quiser?

— Assim está muito melhor — Honória aprovou. — Agora, repita sem rancor.

— Eu não estava...

— Estava, sim! Além disso, fez um pedido forçado. Uma dramatização sem

propósito. É assim que faz sempre?

— Não.

— Nem quando era jovem?

— Não.

— Acho difícil de acreditar. Quero dizer, com tantos irmãos. Como costumavam

divertir-se?

— Quando não estávamos pregando peças uns nos outros, lutávamos. Alguns socos

eram nossa diversão predileta.

— Uma pena que não brincavam de teatro. Assim saberia fingir, sem exageros, um

pouco de civilidade. Minhas irmãs e eu fazemos muitas encenações. Representamos até

Romeu e Julieta para nossos tios durante as férias. Isso nos ensinou a atuar com maior

credibilidade. Se quiser, milorde poderá participar.

— Não, obrigado.

— Que pena. Minha irmã Carol é muito entendida em dramaturgia. Ela poderia

dar-lhe alguma sugestão de como se livrar de maneiras tão rígidas.

Marcus não teve resposta diante de oferecimento tão generoso.

— Milorde, queira perdoar-me. — Honória sorriu. — Tenho alguns compromissos

antes de voltar para casa. — A mentira tinha como propósito simular importância ao seu

cotidiano. Virou-se para ir embora e novamente foi impedida.

Ela suspirou e olhou para a mão em seu pulso.

— Por que está fazendo isso?

— Srta. Baker-Sneed, precisamos ter uma conversa em particular.

Honória olhou a carruagem. Seria muito mais confortável ir para casa sem passar

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frio, em um assento estofado. Mesmo assim, prometera a si mesma nunca mais ficar

sozinha com o marquês.

— Bem... creio que poderei deixar meus compromissos para mais tarde.

— Excelente.

— Milorde tem de prometer que não vai parar em nenhum lugar no caminho.

Marcus anuiu, e um homem com aspecto cadavérico adiantou-se. Vestido como

cocheiro e sorriso cínico que deixava à mostra a falta de vários dentes.

— Bom dia, senhorita! Permita-me abrir-lhe a porta!

Honória agradeceu e preparou-se para subir. Deteve-se diante da mão estendida

que esperava por uma gorjeta. Ela nem mesmo sabia se tinha alguns xelins na bolsa.

— Herberts, tire essa mão daí. Se eu vir isso de novo, farei com que ande com ela

amarrada para trás.

— Milorde não faria isso! — Herberts horrorizou-se.

— Não duvide! — Marcus segurou Honória pelo cotovelo e levantou-a até o

assento.

Ele perguntou-lhe o endereço e passou a informação ao cocheiro.

— Herberts, por favor, vá pelo parque. — Marcus fechou a porta e cerrou as

cortinas.

— Milorde prometeu...

— Não parar. Mas não prometi não usar o trajeto mais longo.

— E por que fechou as cortinas?

— Para não comprometer sua reputação.

A carruagem saiu com um arranco e Honória foi jogada para trás. Marcus estava

satisfeito. Afinal, ela não tentara vender o anel. O talismã voltaria para os St. John.

Admitiu que estava sendo arrogante com sua adorável Diana, mas ela não parava

de desafiá-lo. Até pela maneira de sentar-se. Ereta, queixo erguido, olhar faiscante e

semblante de desaprovação.

Marcus esticou as pernas para a frente e acomodou-se em seu canto. Aquele não era

um coche tão luxuoso como o seu, porém serviria para evitar que Honória caminhasse

pelas ruas sujas para atender aos compromissos. Isso o fazia sentir-se um cavalheiro. Quer

ela gostasse ou não, seria melhor ir na carruagem. E muito mais seguro do que se expor

aos olhares dos frívolos e libertinos que infestavam a Bond Street.

Pensando bem, Marcus considerou que não apenas a salvara da sujeira e do vento

forte, mas também dos importunos. Mesmo assim, a srta. Baker-Sneed nem ao menos

murmurava uma palavra de agradecimento. Sentada de costas eretas, mal-humorada,

olhava em frente como se estivesse sozinha.

— A senhorita fica muito mais bonita quando sorri.

Honória fitou-o, irritada.

— Tenho poucos motivos para sorrir quando estou ao lado de milorde.

— É isso mesmo o que a senhorita pensa?

Marcus inclinou-se para o lado de Honória e beijou-a. Não foi um beijo impetuoso

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ou apaixonado. Parecia ter o propósito de fazê-la sentir que lhe pertencia. O marquês,

contudo, horrorizou-se com a própria ideia. Não tinha a menor intenção de provar nada

para ninguém e muito menos para ela.

Honória fitou-o com raiva.

— Perdoe-me, não pretendia aborrecê-la — Marcus se desculpou.

— Pois foi exatamente o que conseguiu fazer. Milorde é grosseiro, enfadonho,

prepotente, arrogante, intolerável...

— Mas talentoso para beijar.

Honória ficou boquiaberta.

— Vamos lá, srta. Baker-Sneed. Tenho a impressão de que a senhorita valoriza a

honestidade acima de tudo. Ouse dizer que já experimentou beijo melhor de que o meu.

Honória fechou a boca e fingiu procurar um lenço na bolsa. Precisava de alguns

segundos para raciocinar. O marquês estava certo. Para ela, a honestidade era primordial.

Admitir, porém, que não apenas tinha sido o melhor beijo, mas o único, deixaria

Marcus St. John triunfante.

Limpou a boca com o lenço e devolveu-o à bolsa.

— Se o senhor tem ou não esse talento, não me cabe decidir. Só posso afirmar que

insiste em comportar-se de maneira inadequada.

— Esse é o problema com o beijo. Existem poucos momentos adequados para ele.

Por causa disso, precisamos ser criativos. Mesmo assim, eu lhe agradeço pelo fato de

acreditar que beijo melhor do que seus conhecidos.

— Eu nunca disse isso.

— Mas também não negou, o que é um fato significativo.

— Não há por que se vangloriar, pois minha experiência é limi...

Honória não queria admitir que era inexperiente naquela área. Lembrou-se de um

professor em Kensington, um primo de um dos investidores que comerciavam com seu

pai. Mas realmente nãó tinha sido nada que se comparasse ao beijo de Marcus St. John.

A diferença fundamental não era a constatação da firmeza e da sensualidade dos

lábios do marquês, mas sim a maneira como ela correspondera aos beijos dele. Os

anteriores tinham sido desajeitados e mornos. Os beijos de Marcus St. John haviam

despertado nela emoções desconhecidas e quentes no corpo inteiro.

— Bem, e por que não me conta algo a respeito?

Honória mordeu o lábio inferior, sem saber o que dizer. O orgulho a impediria de

revelar a realidade, e também não tinha intenção de mentir. Agarrou a bolsa com as duas

mãos e fitou o marquês com irritação não fingida.

— Recuso-me a responder à pergunta. É muito grosseira.

— Eu apenas...

— Se milorde pretende usar de sedução para conseguir o anel, aviso-lhe para

desistir. De nada lhe adiantará.

— Espere um pouco. Não é o que está pensando. Eu não...

— Além do mais, não é cortês pressionar uma pessoa que não deseja suas atenções.

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— Creio que isso já é o bastante — Marcus afirmou, mal-humorado.

Honória não tivera opção. Ou admitia sua prática ridícula ou atacava o caráter do

marquês até o ponto de ele nem mais se interessar por seu passado. Nem pelo presente.

— Milorde, creio que será preferível parar a carruagem para eu descer.

— Pois eu não creio.

— Seria preferível para nós dois.

De repente e sem a menor cerimónia, o marquês de Treymount sentou-a no colo

dele.

— Desde que eu não tenha a menor intenção de me redimir, atirarei todas as

pretensões do decoro ao vento. — O olhar de Marcus tinha um brilho feroz.

Honória fitou-o, aturdida e com o coração disparado. A intuição do perigo iminente

trouxe-lhe um nó na garganta.

— O que milorde vai fazer?

— Pelo visto, não podemos conversar sem discutir. Contudo nossa comunicação em

outras áreas é extraordinária. Portanto vou beijá-la novamente.

— E quem lhe deu essa autorização? — A voz de Honória não era nem de longe

recriminatória.

— Eu não pretendia pedir nenhuma. Eu a beijarei até que a senhorita não possa

mais falar, nem mesmo uma palavra coerente. Faça o que quiser com o anel e com os seus

escrúpulos.

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Capítulo VI

Marcus nunca sentira necessidade de quebrar as barreiras do decoro. Mas o corpo

exuberante de Honória contra o seu fazia-o realmente esquecer os ditames da sociedade e

do comportamento adequado.

Sempre agira como cavalheiro e, portanto, deveria soltá-la imediatamente. Mas o

que acontecia no momento afastava-o dos padrões da boa conduta e das lições sempre

corretas de seu tutor e de sua mãe. Só lhe importava o que acontecia no interior da

carruagem. O mais estranho era que ele não sentia o menor remorso. Muito pelo contrário.

Nada poderia ser mais agradável.

Marcus admirou-se daquela confusão de sentimentos. Presa de encontro ao peito

dele, o chapéu torto, as saias amassadas, Honória o fitava, deveras insultada. O que de

forma alguma o aborrecia. Era inebriante a sensação de segurar nos braços formas tão

curvilíneas.

— Solte-me! — Honória tentou libertar-se, e o chapéu caiu, ficando preso pelas fitas

em seu pescoço.

Marcus divertiu-se. Furiosa, ela aparentava debater-se entre o desejo de conseguir

soltar-se e o de preservar a dignidade.

— Não poderei impedir uma infâmia dessas — Honória anunciou, gélida.

A carruagem por pouco não tombou em uma curva. Marcus, sorridente, segurou-a

com mais energia.

— As tiras do meu chapéu estão me sufocando.

Marcus duvidou que as rendas engomadas e a palha pesassem muito. O que

também não lhe interessava. Precisava fazer com que Honória Baker-Sneed pensasse

apenas nele.

Sem soltá-la, libertou uma das mãos para desamarrar as fitas. Em segundos

conseguiu o intento, e os cabelos castanhos brilharam sob alguns raios de sol que se

insinuavam através das frestas deixadas pela cortina. Atirou o chapéu no assento vazio e

tirou-lhe uma mecha fina e sedosa da testa.

— Agora está bem melhor — Marcus comentou.

Honória sacudiu a cabeça com impaciência.

— Pare com isso. Esse é o meu chapéu novo.

— E continua sendo. Eu apenas o deixei sobre o banco.

— Milorde jogou-o para o outro lado!

— Eu lhe comprarei outro. — De fato, ele o deixara amassado.

Marcus pensou em como seria prazeroso entrar numa chapelaria com Honória

Baker-Sneed. Imaginou-a experimentando vários modelos que esconderiam a intrigante

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listra branca.

Soltou os fios espessos, esparramando os grampos no piso da carruagem. O efeito

exercido por Honória era estranho. Vigoroso e lascivo ao mesmo tempo. Gostaria de

seduzi-la, mas sem rapidez. Preferia tirar-lhe a roupa de maneira compassada e fazê-la

despertar aos poucos para a paixão que os devoraria.

— Lorde Treymount, eu não quero... Como ousa... Não deveríamos... chega! —

Honória falou com o rosto corado e o olhar faiscante.

— Por quê, meu amor?

— Isso é totalmente inadequado. Milorde me surpreende.

O tom rouco da voz de Honória deixou Marcus ainda mais ansioso para beijar

aqueles lábios vermelhos.

— Até eu estou surpreso. — Ele acariciou-lhe o rosto. — Esta faixa branca...

— É de nascença — Honória respondeu, aborrecida. — Treymount, se está tentando

fazer com que eu lhe entregue o anel... Pode acreditar, não adiantará nada.

— Eu a estou incomodando?

— Sim... não... bem, eu...

— Então, não vejo motivos para soltá-la. — Marcus ergueu-lhe o queixo com um

dedo. — Quer mesmo que eu a solte?

— Por favor — Honória sussurrou e fechou os olhos.

Ele sentiu-se derrotado. Infeliz. Raivoso. Suspirou e sentou Honória à sua frente, ao

lado do chapéu.

— Está bem, mas a senhorita está me devendo.

— Eu? Creio que milorde está invertendo os papéis. — Ela alisou as saias e pôs o

chapéu na cabeça com força.

Marcus notou a perturbação de Honória. O que o satisfez sobremaneira. Como ela

não permitiria outro beijo, talvez fosse conveniente aproveitar o embaraço e falar a

respeito do anel.

— Srta. Baker-Sneed, vamos discutir sobre o talismã que pertenceu à minha mãe?

Honória recostou-se no canto afastado, o que deixou Marcus ainda mais ansioso

para retomá-la nos braços. E se isso acontecesse, não a soltaria com tanta facilidade.

Não seria dessa vez. Depois de resolverem o outro assunto... o tempo se

encarregaria de solucionar esse.

— Vamos acabar de uma vez com o jogo de gato e rato em que nos envolvemos? —

Ele cruzou os braços.

— Não estou jogando nada. Milorde deseja uma coisa que está em meu poder, e eu

lhe dei o meu preço. Só isso.

— Não pagarei o que me pediu.

— Meu Deus, como pode ser tão teimoso? — Honória inspirou fundo. — Entendo o

seu ponto de vista, mas a minha palavra é final.

Marcus estreitou os olhos.

— Sete mil libras é uma quantia absurda. A senhorita sabe disso. Não é uma

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avaliação crível. Srta. Baker-Sneed, não haveria outra coisa que pudesse aceitar em troca?

Tenho casas que não ocupo e que apenas me servem como aluguel. Eu...

Honória suspirou, cansada, o que animou Marcus.

— Treymount, já lhe disse que eu... Nós só precisamos do dinheiro para fazer a

apresentação de Cassandra. Mas como milorde declarou que não se interessava em

apadrinhá-la...

— Então?

— Existe outra coisa — ela declarou.

— Pode falar. — Ainda de braços cruzados, Marcus procurou manter-se no lugar,

mesmo com os sacolejos da carruagem.

Honória agarrou-se na beira do assento.

— É um pedido considerável e exigiria algum tempo. — O veículo parou de oscilar

com violência e Honória ajeitou a aba do chapéu.

— Srta. Baker-Sneed, diga o que pretende em troca do anel.

— Mil libras e...

— Convenhamos que isso não é tão ruim. E o que mais?

— Bem, eu...

A carruagem tornou a sacudir. Pareceu dar um vôo surpreendente e cair, felizmente

com as rodas para baixo. Marcus conseguiu manter-se no canto, porém Honória foi

lançada para cima antes de ser jogada de volta no assento. E rapidamente agarrou-se na

maçaneta da porta.

— Esse seu cocheiro é muito esquisito. Tem certeza de que ele sabe o que está

fazendo?

— É o que dizem. Tenho de admitir que nunca houve estragos maiores do que

raspar a pintura da carruagem.

Isso sem contar que o homem podia ir de um lado para outro de Londres em menos

tempo do que os altos faetontes, veículos conhecidos pela leveza e velocidade.

Honória deu uma tossidela.

— Antes de eu revelar o outro pedido, o que milorde acha de mil libras?

— Sem problemas.

— Ótimo. Então seriam mil libras e contaríamos com a sua ajuda para apresentar

minha irmã.

— O quê?! Já não havíamos concordado que não seria interessante eu...

Honória abanou a mão.

— Não pretendo que milorde a apadrinhe oficialmente. Concordo que isso seria

bastante inadequado. Mas o que vou lhe pedir não está fora dos padrões. Cassandra é

muito bonita e será preciso pouca coisa para apresentá-la com sucesso. Tenho tudo

planejado. Milorde terá apenas de estar presente a alguns compromissos aos quais ela

comparecerá.

— Mais isso causará muita confusão.

— Eu sei. O que poderá resolver o assunto.

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— Como é? — Marcus engasgou.

— Vi como os Oxbridge ficaram alvoroçados com a sua presença no baile deles. O

que me deu a ideia. — O coche balançou e Honória agarrou-se com as duas mãos na beira

do assento. — Antes de rejeitar a sugestão, peço que me escute. Só lhe pedirei para fingir

que está cortejando Cassandra.

— Não!

— Escute, milorde, por favor. Se comparecer a algum dos eventos, conversar e até

mesmo dançar uma ou duas vezes com minha irmã, fará com que ela seja notada. — A

covinha na face esquerda de Honória era irresistível. — Não acho que seja um pedido tão

fora de propósito.

Honória na certa pensava que ele nada tinha para fazer além de dançar com uma

criança recém-saída do berçário!, Marcus refletiu, irritado. Os St. John eram um dos alvos

prediletos dos rumores em Londres. Era de se imaginar o que diriam dele, sempre às

voltas com negócios, se o vissem frequentar repentinamente vários acontecimentos sociais

e demonstrar interesse por uma determinada jovem. Marcus estremeceu.

— Não, eu não poderia expor-me a um acontecimento tão ridículo.

— Então, estamos de volta às sete mil libras. — Honória sacudiu a cabeça. — Pense

um pouco, Treymount. Sete mil libras desperdiçadas para quê? Algumas danças? Uma

conversa aqui e ali? Uma hora ou duas no seu camarote do teatro? Milorde tem de admitir

que a oferta é razoável.

Marcus franziu o cenho. Honória na certa pensava que ele era um homem

desocupado. Como poderia dispor de tempo para tantas frivolidades? O olhar brilhante de

excitação e a fisionomia esperançosa de Honória fizeram-no engolir a negativa pronta para

explodir.

— Treymount, permita-me explicar-lhe algumas coisas. Eu já lhe revelei a situação

delicada que estamos atravessando. Meu pai investiu em um navio quase tudo o que

possuía. O barco era o Pérola Negra.

— Aquele que desapareceu com a carga que valia uma fortuna?

— Ele mesmo. Achamos que foi obra de piratas. A embarcação não chegou à

Espanha, onde receberia o carregamento final.

— E tudo foi perdido.

Honória anuiu.

— Raspamos o fundo do tacho, por assim dizer, e entregamos tudo para papai

reinvestir. Ele e meu irmão Ned estão trabalhando duro para recuperar nossas perdas. Mas

é um processo lento que levará um ano ou dois. Nesse meio tempo...

— Cassandra já terá passado da idade de debutar — concluiu Marcus.

Honória enrubesceu.

— É uma ideia idiota essa de considerar velha uma jovem de vinte anos.

— Segundo minha opinião, muito jovem para manter uma conversação — Marcus

declarou. — Eu procuro não dialogar com ninguém mais novo do que o meu relógio de

bolso favorito. Essa regra tem tornado minha vida mais agradável.

Honória não pôde evitar um sorriso.

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— Quantos anos tem o seu relógio?

— Vinte e cinco. — Marcus olhou-a de cima a baixo. — Creio que eu não deveria

estar falando com a senhorita.

— Está seguro comigo, milorde. Tenho vinte e sete.

— Graças a Deus. Eu odiaria ter de atirá-la para fora do coche. — Marcus admitiu

que o sorriso de Honória valia uma nova tentativa de diverti-la.

— Quem me dera poder adotar seu critério. Infelizmente, minhas irmãs são mais

jovens e tenho um irmão que é ainda um menino. Sou obrigada a falar com eles.

— Devo considerar uma lamentação?

— De maneira nenhuma. Estou brincando. Eu acho todos um encanto. — Honória

tornou a sorrir. — Então, Treymount, o que achou da minha proposta? Mil libras e

algumas danças com minha irmã. Não é um pedido muito exagerado.

Marcus fitou as botas que mantinha apoiadas no assento da frente para suportar o

balanço do coche. A proposta da Diana fria e comportada tinha uma vantagem. Não

exigiria muito esforço. Ele vira Cassandra no museu e havia comprovado que de fato

tratava-se de uma beldade. Mas um pensamento estranho ocorreu-lhe. Por mais bonita

que a jovem fosse, não aparentava ter um décimo da vivacidade da irmã mais velha. Muito

menos da sua coragem e determinação. Pela suavidade da expressão de Cassandra, era de

se supor que fosse inofensiva.

Entretanto não lhe agradava perder tempo com uma criatura inócua. Já cortejar

Honória seria uma tarefa muito mais animadora.

Honória interpretou o silêncio de Marcus como encorajamento.

— Milorde não teria de comparecer a muitos acontecimentos de destaque para

despertar o interesse por Cassandra. Levá-la ao parque talvez fosse até melhor.

Os boateiros oficiais haveriam de adorar! E seus irmãos também. Eles jamais o

deixariam esquecer que se interessara por uma menina.

— Por melhor que seja a sua ideia, despertaria rumores muito desagradáveis. Se

pensarem que o meu interesse é honesto e eu de repente sumir? Dirão que sou um

namorador inescrupuloso.

— Ninguém pensará isso, ainda mais se milorde afirmar que ambos decidiram que

não combinavam. Com outro pretendente em vista para Cassandra, o que certamente

acontecerá, ninguém pensará mal de milorde.

— Ah, que maravilha! Eu me tornarei objeto de piedade — Marcus ironizou.

— Pelo amor de Deus, por que tem sempre de ser tão negativo?

— Apenas em relação às suas propostas absurdas. — Os dois tiveram de segurar-se

em mais uma curva imprevisível.

— Treymount, estou lhe pedindo somente para...

A carruagem bateu em uma pedra e Honória literalmente voou. Atirada para cima,

conseguiu agarrar-se na maçaneta para não cair.

— Misericórdia! — Naquela altura, ela estava com os cabelos soltos e o olhar

arregalado. — Por onde o cocheiro está passando?

Marcus levantou a cortina.

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— Pelo Hyde Park. — Deixou a cortina cair. — Depressa demais.

A carruagem retomou uma velocidade normal. Honória soltou a maçaneta e alisou

a saia.

— Meu penteado foi desmanchado! — Ela tentou trançar os cabelos.

— Pode deixar. A senhorita nem tem mais grampos.

— Mas não por minha culpa!

— Assumo a responsabilidade. — Marcus sorriu, deliciado.

— Pare com isso! — Honória estreitou o olhar. — Estávamos falando a respeito de

minha irmã. Temos a solução ideal. Milorde ficará com o anel, e Cassandra conseguirá o

début tão sonhado. Isso não lhe custaria mais de mil libras, a menos que... O que acha de

oferecer um baile para apresentá-la?

— Só falta sugerir que eu tente conseguir uma estreia na corte. Com direito a

ingressos no Almack's.

— Seria maravilhoso! — Honória bateu palmas.

— Não farei isso. Não perderei tempo pedindo favores para uma mulher que nem

ao mgnos cumprimentei. Não, não e não!

— É só isso que milorde sabe dizer? "Não"? Mesmo depois de eu ter conseguido

uma maneira de tentar resolver nossas diferenças de opiniões?

Marcus desejava que a centelha daquele olhar brilhasse por outro motivo. E

também ansiava para trazê-la de volta ao seu colo.

— Milorde é um avarento.

— O que foi que disse?

— Milorde escutou muito bem. Além disso, é um exemplo de grande crueldade.

— Não sou nada disso.

— Não? Eu, por mim, fico consternada ao entender que prefere gastar uma fortuna

num cavalo de corrida a investir uma miséria no futuro de minha irmã.

— A senhorita não sabe do que está falando.

— Milorde apostou duas mil libras em um cavalo há três semanas. Sei disso porque

minha tia estava lá e me contou.

— Não sei a que está se referindo.

— Admita, Treymount. Prefere apostar mais em um cavalo desconhecido a pagar

para recuperar o anel de sua mãe e ajudar uma jovem que já conhece. Milorde é destituído

de calor humano.

Marcus lembrou-se das reprimendas de Anthony e perdeu a vontade de sorrir.

Honória sempre conseguia subverter-lhe f as palavras.

— Eu me preocupo com a minha família. Nada tenho a ver com a vida dos outros.

— E isso o satisfaz?

— Claro que sim. O que há de errado em cuidar do que é nosso?

— Nada, se existissem apenas milorde e seus familiares. Ninguém está sozinho no

mundo. Há pessoas que precisam de ajuda por não ter condições de cuidar de si mesmas.

— Srta. Baker-Sneed, não me oponho a cortejar sua irmã por causa das despesas.

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Tenho objeções quanto a agir como um sujeito ridículo. Eu seria alvo de risos.

— Bobagem. Milorde faria a corte a ela e se afastaria quando houvesse pretendentes

em número suficiente. Ninguém o ridicularizará por isso. Cassandra ficará segura e

milorde não terá mais nada para fazer.

— Não gosto disso. Além do mais, o plano exigirá muito tempo. E não o tenho

disponível para fatos que não me dizem respeito.

Honória arqueou as delicadas sobrancelhas.

— Não acredito que não lhe sobrem uma ou duas noites para comparecer a um

baile.

— Seria mais do que isso.

— Não necessariamente. Se concordar em apadrinhar apenas um baile em nome de

Cassandra, tenho certeza de que poderíamos dispensá-lo da maioria dos outros

compromissos. Exceto, é claro, de uma ida ao teatro ou algo parecido. Não poderíamos

usar seu camarote sem a sua presença ao menos uma vez.

Marcus passou a mão nos cabelos. Estaria falando grego? Por que ela não entendia

uma negativa? Não conhecia nenhuma mulher tão determinada e não podia deixar de

admirá-la.

Honória cruzou as mãos no colo.

— Treymount, considera uma frivolidade falar com os pares, seus amigos?

— Não tenho... — Marcus quase deixou escapar que não tinha amigos. O que era

ridículo.

Quando estivera em Eton, havia contado com numerosos amigos e conhecidos, e

fora considerado um companheiro alegre. Atualmente, era raro que visse um de seus

conterrâneos. Todos haviam crescido e constituído famílias, como seus irmãos.

Não sentia falta de nenhum. Tinha muitos compromissos de negócios. Não podia

permitir-se prosseguir com relacionamentos triviais.

— Tenho inúmeros amigos.

— Diga o nome de alguns deles.

— A senhorita é bastante atrevida.

Honória deu um sorriso largo.

— Já me disseram isso. Agora, diga quem são seus melhores amigos.

Marcus tornou a passar a mão nos cabelos. Não sabia o motivo de encontrar tão

poucos que merecessem sua amizade.

— O duque de Rutland e eu nos encontramos há um mês no White's, onde

conversamos sobre comércio exterior, as condições da nossa marinha mercante e...

— Milorde e Rutland não têm outro assunto a tratar?

Marcus deu de ombros.

— E sobre o que mais falaríamos?

— Nesse caso, ele não é um amigo, mas um conhecido. Com os amigos, trocamos

confidências. Relatamos esperanças e sonhos.

— Misericórdia! A discussão de negócios é um componente da amizade.

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— Não tocam em assuntos de natureza pessoal? Não falam da família, da amante

atual, por exemplo?

— Minha amante atual não é da sua conta.

— Claro que não. Não sou seu amigo, se é que milorde tem algum.

— Eu não falaria da minha amante com um amigo.

— Diz isso porque não conta com nenhum. — Ela se compadeceu.

Honória fazia supor que ele tivesse uma existência árida e seca. Nada mais erróneo.

Possuía irmãos, cunhadas e sobrinhos. Sua vida era atribulada. Investia dinheiro para

aumentar a fortuna da família. E ainda tinha a crescente coleção de preciosas antiguidades.

— Não quero ter amigos e não me agrada a senhorita desvalorizar minha vida.

— Não foi essa minha intenção. Eu estava tentando salientar que,

independentemente do que somos, sempre podemos melhorar e enriquecer nossa vida.

Nenhum de nós tem uma existência perfeita. Por exemplo, nós nos sentimos melhor

quando prestamos atenção aos que estão à nossa volta e deixamos de nos preocupar tanto

conosco.

— Se eu não me preocupar com os St. John, quem o fará?

— São seis irmãos, contando com sua irmã. Com certeza eles ficarão satisfeitos em

aceitar algumas incumbências.

— Poderão fazer isso quando eu os considerar em condições.

— Por acaso são bebés? Ora, a maioria deve ter trinta anos e milorde, quarenta.

— Trinta e nove.

Marcus considerou que, se tivesse de escutar um sermão, seria melhor olhar para

aqueles lábios vermelhos e sensuais. Assim, pelo menos pensaria em provar-lhes o sabor.

A visão era deliciosa.

Honória era uma bela mulher. Mais alta do que a maioria, tinha porte altivo e

curvas acentuadas. Ombros magníficos e seios fartos. Cintura fina e quadris arredondados.

Ao lembrar-se de como a segurara no colo, a resposta de seu corpo foi imediata. Honória

Baker-Sneed tinha uma silhueta adorável, apesar da mente em desacordo.

— Pare com isso! — Enrubescida, ela cruzou os braços sobre o peito.

— Do que está falando?

— Pare de me olhar dessa maneira.

— A senhorita tem de se decidir. Primeiro me acusa de não notar o que me rodeia,

depois me critica quando presto atenção.

— Prestar atenção é uma coisa, olhar com malícia é outra.

— Eu não estava...

— Não?

Marcus fitou-lhe os contornos sinuosos.

— Ainda não. Mas devo admitir que vale a pena admirá-la.

— Milorde é o homem mais irritante que já conheci. Frio, impessoal, me fez pensar

que não tivesse coração. De repente, transforma-se em um libertino.

— Que rótulo a senhorita escolheu! E só porque eu a estava observando.

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Honória não respondeu e fitou-o com o cenho franzido.

— A senhorita está pensando em algo que não vai me agradar.

— Por que diz isso?

— Porque tenho a impressão de que está me avaliando. A senhorita sempre faz isso

antes de enunciar uma de suas conclusões devastadoras.

— Pois eu estava pensando num fato simples. Já que está acostumado a apostar em

cavalos, não gostaria de fazer outra aposta?

— Valendo o anel por mil libras e fingir cortejar sua irmã?

Honória admitiu que Treymount tinha mente rápida.

— Isso mesmo. Estamos em um impasse. Dessa maneira, poderemos resolver isso

de uma vez por todas. — Ela tirou a luva e ergueu a mão. O anel brilhou na luz.

— O que me diz, Treymount? Enfrentaremos um desafio?

Honória leu a tentação no olhar de Marcus. Seu coração animou-se. Talvez houvesse

uma maneira de solucionar o problema. Se o fizesse concordar, ele estaria comprometido.

Ela recostou-se, segurando a mão sob os raios solares que penetravam entre a

cortina de couro e a vidraça. A luz prateada do talismã se refletiu no rosto do marquês e

realçou o azul de seus olhos. O brilho foi tão intenso que fez o coração de Honória

disparar. A carruagem tornou a fazer uma curva em velocidade. Honória foi desalojada do

assento e acabou no colo de Marcus. Ele a abraçou... por medida de segurança e não a

soltou mais.

Atônita, ela refletiu sobre a impressão de ter sido levantada e atirada no colo do

marquês.

Ele também aparentou estar confuso, apesar do toque de diversão no olhar.

— Ora, vejam só. Nada poderia ser mais excitante.

O termo exprimia a situação. Honória experimentou formigamentos no corpo,

respiração arfante e um forte calor. Ela empurrou-lhe o peito, porém Marcus não a soltou.

Se Honória pedisse, ele a soltaria. Não pediu.

— Essa é a única maneira de solucionar as diferenças — ela afirmou.

— Acha mesmo? — O marquês estava com as mãos nos quadris de Honória e não

parecia avesso à ideia.

— Tenho certeza. Então?

Treymount fitou-lhe a boca, e ela teve consciência do calor das mãos sobre a

musselina.

— Acho que... minhas pernas estão adormecendo.

— Bobagem. A pressão nelas de estar sentada no banco ou no meu colo é a mesma.

Quer ver? — Marcus passou a acariciar-lhe a coxa com o polegar. — Está sentindo?

E como poderia não sentir? Admitiu que devia estar louca em permitir-lhe tantos

abusos. Logo ele estaria lhe acariciando a parte interna das coxas e depois...

Tremores e calor a inundaram. Marcus conhecia a arte da sedução. O que não devia

ser incomum para um homem tão atraente e acostumado a ter uma infinidade de

mulheres a seus pés. Honória não podia deixar de pensar nas coxas musculosas que lhe

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serviam de assento.

— Creio que milorde deveria soltar-me.

— Como? — Ele continuou a acariciá-la.

Honória refletiu se Treymount poderia avaliar o quanto as carícias a afetavam. Ela

precisava conter a vontade de mover as pernas e de encostar-se no peito másculo.

Enfrentava uma verdadeira tortura. O perfume de sândalo era tentador. Imaginou-se

envolvida naqueles braços, sem restrições. A lembrança dos beijos anteriores deixavam-na

ainda mais ansiosa.

— O que pretende usar para a competição? Um cavalo? Um jogo de perícia? —

Marcus aumentou levemente a pressão dos polegares. — Talvez uma disputa a cavalo

fosse interessante. Poderíamos planejar vários obstáculos. Aquele que os vencer mais

depressa e com maior graça será o vencedor.

— Qualquer coisa, menos cavalos.

— Não gosta deles?

— Não. — Honória sentiu-se ridícula. Até mesmo o bom e velho Hércules a deixava

nervosa. — O que me diz de uma disputa de arco-e-flecha? — Aos quinze anos eu era uma

boa arqueira. Um pouco de prática e recuperaria a perícia.

— Essa é uma das minhas especialidades — Treymount avisou-a.

— Minha também — Honória afirmou com a frieza máxima que as circunstâncias

lhe permitiam.

Marcus estreitou os olhos, pensou um pouco e segurou-a com mais força.

— Muito bem, minha doce guerreira. Será uma competição curta com o arco. Duas

tentativas?

— O mais próximo do alvo central.

— Feito. — Marcus puxou-a de encontro a si. — Vamos selar o acordo com um

beijo?

Para alívio, ou desapontamento, de Honória, a carruagem parou. Pela janela, ela viu

sua casa. O veículo inclinou-se quando o cocheiro desceu.

— Droga! — o marquês murmurou, sentou-a no banco da frente e entregou-lhe o

chapéu amassado. — Quanto aos detalhes...

A portinhola foi aberta. A luz do sol iluminou a penumbra e clareou a razão.

Honória não usou os degraus. Pôs o chapéu na cabeça e pulou até o chão com

presteza. Ignorou a exclamação de espanto do cocheiro, que também devia ser um maluco.

— Milorde, escreva dizendo qual a época que mais lhe convém — ela falou por

sobre o ombro, segurou a barra das saias, e correu para dentro da segurança de seu lar.

Honória concentrou-se no alvo que estava colocado nos fundos do jardim. Jardim

era uma palavra generosa para a estreita faixa de terra que ficava atrás da casa. Gramado,

poucas árvores e alguns caixotes enfileirados. Nada mais.

Ela supôs que Marcus St. John tivesse um jardim de verdade em sua mansão que se

assemelhava a um palácio. Imaginou como seria o interior de Treymount House. A

primeira vez em que vira a residência, parecera-lhe a mais suntuosa de Mayfair. Depois de

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conhecer o poderoso marquês, a mansão tornara-se ainda maior e mais inóspita.

Distraída, alisou as penas das setas e lembrou-se da fachada em estilo romano, do

pórtico abrangente de mármore e das janelas pomposas. Naquela altura, após o que havia

acontecido entre ela e Marcus, sua opinião a respeito da casa também se modificara.

Treymount House não lhe parecia tão inacessível. O marquês também não.

Honória suspirou. Se Marcus ganhasse a disputa, não seria bom para ela. Levantou

o arco, encaixou a seta na chanfradura. Mirou o alvo, puxou a corda do arco para trás...

— Ora, vejam! — Olivia exclamou, sem conter a exasperação. Sentada em uma

cadeira lateral, observava Honória praticar. — Está puxando demais. Solte logo a flecha.

— Isso mesmo — Carol concordou ao lado da irmã, sentada sobre as pernas

cruzadas. — Se pretende ganhar, terá de ser mais enérgica. Mais contundente.

Honória abaixou o arco e soltou a corda.

— Essa é a coisa mais idiota que já ouvi!

— Espere aí. — Carol levantou-se. — Vou lhe mostrar o que eu quis dizer. — Fingiu

segurar o arco e a flecha, ergueu o queixo e preparou a voz teatral. — Marquês, eu o

desafio! A verdade será minha armadura, e a integridade, minha alma. — Com um grande

volteio de braço, Carol fechou os olhos e soltou a arma imaginária.

— No alvo! — Olivia completou a cena.

Carol inspirou fundo e abriu os olhos com semblante esperançoso.

— Eu consegui? Ah, sim! — Ela atirou a cabeça para trás e gargalhou, longa e

melodiosamente. — A bondade e a beleza triunfaram! Nunca mais terei dúvida sobre as

mãos do destino!

— Ah, Carol! — Olivia bateu palmas. — Foi uma interpretação divina!

— Bravo! — Juliet gritou da varanda. — Essa não é uma cena de O Conde

Desaparecido? Aquela em que a inocente Cleo vence o horrível vilão usando a poção

secreta de sua mãe?

Carol largou-se na cadeira, arfando como se houvesse percorrido um grande trajeto.

— Essa mesma. Honória deveria...

— Não. — Honória apertou o arco. — Não direi nada disso. Carol, onde já se viu

atirar com os olhos fechados?

— Por acaso já experimentou fazer isso?

— Não.

— Faça essa tentativa. Verá que é muito melhor.

— Acho que Carol está certa — Olivia declarou, pensativa. Se mirar o alvo e fechar

os olhos antes de soltar a flecha, não a erguerá.

— Eu não...

— Ergueu, sim. A última seta voou por cima do alvo e atingiu o teixo.

— Eu vejo a flecha daqui — Olivia confirmou. — Uns trinta centímetros acima do

alvo.

— Vamos, Honória — Juliet incentivou-a. — Tente mirar e depois atirar com os

olhos fechados. Veja se adianta.

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Honória teve de conter a irritação. Não poderia culpar as irmãs, que tentavam

ajudar. E auxílio era do que ela mais precisava. Flexionou os ombros e sorriu para a

ansiosa plateia.

— Na certa desejam que eu me exercite com uma venda nos olhos.

— Honória! — Carol recriminou-a.

— Vou experimentar desta vez e depois não se fala mais nessa tolice! — Honória

encaixou a flecha e levantou o arco. Puxou a corda e mirou o alvo. Inspirou fundo, fechou

os olhos e soltou a seta.

Depois de alguns instantes de silêncio, Honória abriu os olhos... A flecha tremulava

a dois centímetros do centro do alvo.

— Deus seja louvado! — ela murmurou.

Ninguém a ouviu. Olivia e Carol soltaram gritos idênticos e simultâneos. Juliet batia

palmas e ria.

Honória fitou o arco, sem acreditar que o truque havia funcionado. Mas nada

daquilo fazia sentido. O mais lógico seria trocar o arco-e-flecha por outro desafio. Ela

mesma decidira o tipo de disputa sem contar com a própria imperícia.

Tudo por culpa de Marcus St. John. Se ele não a tivesse perturbado tanto com beijos

e carícias, ela teria sido capaz de pensar melhor e com mais clareza. Não estaria parada

com um arco nas mãos, pensando onde teria se perdido seu bom-senso.

— O que tem a nos dizer agora? — Carol não escondia a satisfação.

Nada que não ferisse a sensibilidade das irmãs.

— Ora, isso pode ter ajudado uma vez, mas não há garantias de que dará certo

quando chegar o momento de concretizar a disputa.

— A seta atingiu o alvo, Honória — Olivia afirmou.

— Foi pura sorte.

— Eu juro, Honória! — Carol sacudiu a cabeça. — Se fechar os olhos quando soltar

a seta...

— O marquês ficará bem impressionado com a vitória junto com a bela frase de

Carol sobre a bondade e a beleza — Juliet garantiu.

Carol corou.

— O Conde Desaparecido é uma peça maravilhosa. Mudei algumas palavras, mas

ninguém reparou.

— Eu não me lembro de nada. Agora, se fizerem o favor de ficarem quietas,

mostrarei que atingir o alvo sem vê-lo nada mais é do que pura sorte. — Honória

preparou-se e apontou.

— Espere — Juliet chamou-a. — Alguma coisa está errada.

— O que houve? — Honória impacientou-se.

— A cena não é de O Conde Desaparecido, mas de Duas Irmãs.

— Não é? — Carol franziu o cenho.

— Juliet está certa! — Olivia pareceu lembrar-se. — E as frases são comoventes.

Honória, será melhor decorá-las.

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— Isso faria o empenho da contenda muito mais... — Carol procurou as palavras

certas, tateando às cegas no ar.

— Dramática? — Olivia falou.

— Idiota? — Honória não conteve a exasperação.

— Dramática é o termo correto — Juliet aprovou. Honória largou o arco e as setas.

— O que vai fazer? — Carol estranhou.

— Entrar.

— Não pretende praticar mais? De doze tentativas, acertou apenas uma.

— Por enquanto é o suficiente.

— Honória, por que não está levando a disputa a sério? — Olivia desaprovou a

atitude da irmã mais velha. — Deveria praticar por mais um hora no mínimo.

— Ou mais — Juliet acrescentou. — A única coisa que aprendeu foi fechar os olhos.

— Mais tarde. — Frustrada, Honória caminhou em direção à casa.

— Se não praticar, não poderá vencer amanhã! — Olivia gritou.

— Depois irá se arrepender — Juliet comentou. — Cassandra não será...

Honória entrou em casa, bateu a porta e se dirigiu à sala.

— Como foi... — Cassandra ergueu o olhar do cerzido que fazia e viu a expressão

de Honória. — Não muito bem, não é?

— Não posso avaliar o sucesso ou não do treino se não tiver um momento de paz

para fazer a tentativa. — Honória deitou-se no sofá com as pernas esticadas. A postura não

era digna de uma dama, mas serviu para descontrair ao ombros tensos.

— Carol?

— E Olivia e Juliet. — Honória pôs uma almofada no colo, cruzou os braços sobre

ela e descansou o queixo na beira. — Onde está George?

— Na cozinha. Samantha resolveu morar sob uma grande caçarola de pedra e

George está arrumando a nova habitação.

— Bom para os dois. Assim Samantha ficará livre da caixa. — Honória suspirou. —

Juro que não esperava o pronto aceite do marquês logo depois de eu ter feito aquele

desafio sem nexo.

— O que isso significa? — Cassandra não entendeu.

— Que ele é muito confiante em suas habilidades de arqueiro.

— E como estão as suas?

— Atirei melhor com os olhos fechados. — Honória deu risada. — Se me contassem

isso, eu não acreditaria.

— Ainda bem que pode rir a respeito.

Honória sentou-se e largou o travesseiro.

— Cassandra, eu ganhando ou perdendo a disputa, poderemos tentar o apoio do

marquês.

— Para simular que é meu pretendente. Ora, Honória, ainda não posso acreditar

que tenha pedido isso para Treymount. Nem mesmo sei como eu poderia encará-lo.

— Eu já me perguntei como tive coragem — Honória confessou. — Mesmo assim, é

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uma boa ideia. Se eu conseguir convencê-lo, todos os olhos se voltarão para Cassandra

Baker-Sneed. E com a sua beleza, arrasará a sociedade.

— Isso não me importa. Eu queria apenas... — Cassandra abaixou a cabeça para o

cerzido. — Não importa.

Honória estranhou. Sua irmã não costumava lamentar-se, mesmo quando estava

certa.

— O que houve, Cassandra? Não deseja frequentar a temporada?

— Claro que sim. — Cassandra ergueu a cabeça e arregalou os olhos. — Sei como

isso é importante para a família.

— Esqueça a família. Nós sobreviveremos sem nenhum sacrifício de sua parte. Eu

venho perseguindo com determinação a ideia do seu début por pensar que essa é a sua

vontade.

— E é. — Cassandra suspirou. — Desde pequena, eu pensava que seria maravilhoso

participar de bailes e festas em geral. Sempre sonhei com isso. Mas agora... começo a

imaginar se realmente valerá a pena. Receio estar abusando da frivolidade.

— Nem pense nisso. As últimas semanas têm sido muito penosas. Estamos nervosas

ao extremo. — Honória largou-se novamente no sofá e tornou a abraçar a almofada. —

Gostaria que você tivesse visto o rosto do marquês quando sugeri o desafio em troca do

anel. — Ergueu a mão e examinou o objeto da disputa que lhe aquecia o dedo. —

Treymount parecia atónito.

— Honória, acredito na sua vitória. Lembro-me de que, no colégio, ninguém a

vencia nesse jogo.

— Seminário Elpeth Dandridge para moças. — Honória sorriu. — Manejar arco-e-

flecha foi a melhor coisa que aprendi durante aqueles três anos.

— Tenho certeza de que se sairá bem amanhã, Honória.

— Gostaria de ter mais um dia para treinar.

Honória não duvidava que Marcus se apressara com intuito de não lhe dar tempo

de praticar. Sem muito esforço, ele era mestre em causar-lhe transtornos.

Repreendeu-se por ter esquecido o decoro dentro da carruagem durante aquela

corrida maluca. Havia se sentado no colo de Treymount e permitido que ele a beijasse. E,

para piorar tudo, ela o desafiara em uma disputa que nem mesmo tinha certeza de vencer.

Devia estar ficando louca.

Esfregou as têmporas. Talvez se tratasse de algum tipo de sandice temporária que a

fizera perder a calma usual e o raciocínio lógico. Aquilo não deveria continuar. Largou a

almofada e levantou-se.

— Será melhor praticar mais um pouco. Quero estar preparada para amanhã cedo,

quando Treymount chegar.

— Claro. — Cassandra sorriu. —Honória, quero lhe agradecer por tudo o que tem

feito por nós.

— Não fiz nada. — Honória alongou os braços para cima e ficou na ponta dos pés.

A tensão cedeu mais um pouco.

— Vejo que está nervosa — Cassandra comentou.

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— Não muito. — Honória apoiou-se de volta nos calcanhares. — O que é

recomendável até certo ponto. Serei capaz de focalizar melhor o alvo.

— Sei que se sairá bem. Se ganhar, estaremos garantidas. Se perder, continuaremos

como estamos.

Honória foi até a porta do terraço.

— A segunda alternativa é intolerável. — Hesitou com a mão no trinco. —

Cassandra, eu não posso falhar.

— Tenho certeza de que terá sucesso.

Honória gostaria de estar tão confiante. Com um sorriso triste saiu e fechou a porta.

Marcus desceu os degraus de mármore de Treymount House. A brisa fresca da

manhã dava-lhe novo vigor.

— Tão cedo, milorde? — Herberts estava em pé ao lado da carruagem e, como de

hábito, expulsara dali o criado.

— Seu paletó não está corretamente abotoado.

— É que eu tinha pressa. Milorde avisou que pretendia sair cedo. Como um homem

da sua posição não costuma levantar-se a essa hora, fiquei preocupado.

— E quem lhe disse que nobres não podem acordar cedo?

— Sei mais do que imagina. — Herberts abriu a portinhola e afastou-se. — Deixei

um tijolo quente aí dentro, se milorde estiver com os pés frios.

— Obrigado, Herberts. Sei que não vou precisar, mas a sua intenção foi...

— Não fiz isso por milorde, mas por mim mesmo. Está muito frio na boleia.

Enquanto milorde estiver ocupado com os seus compromissos, poderei tirar uma soneca aí

dentro.

Marcus parou no degrau.

— O senhor fica dentro da carruagem quando está sozinho?

Herberts piscou, surpreso.

— Claro. E onde mais eu poderia ficar?

— Não tenho ideia.

Marcus evitou fazer comentários. Resolveria o caso mais tarde. Estava com pressa.

Não queria deixar Honória por muito tempo à sua espera.

— Vamos lá, patrão. — Herberts espiou para dentro do coche.

— Não sou patrão, Herberts.

— Sim, melorde.

— Milorde — Marcus corrigiu-o.

Herberts acenou com as mãos, rindo.

— Essa é boa! Não precisa chamar-me de milorde. Não que eu não goste. Mas não é

necessário.

Marcus estreitou o olhar. O camarada estaria caçoando ou era mesmo um tolo?

Começava a suspeitar que a dificuldade em treinar o cocheiro era motivada por uma

mistura de esperteza e fanfarronice do outro.

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— Se estivesse a meu serviço, eu o demitiria.

— Se eu fosse seu criado, com certeza milorde teria mais passeios pelo parque como

o de ontem. — Herberts piscou e estendeu a mão.

Marcus arqueou as sobrancelhas.

— Está esperando uma recompensa por haver cumprido uma ordem?

— Pelo amor de Deus, claro que não! — Herberts pareceu ofendido. — Quem falou

em gorjeta?

Marcus olhou a mão estendida e as unhas encardidas do cocheiro.

Herberts também olhou como se estivesse surpreso e afastou a mão.

— Não pretendi insinuar nada disso. Acho melhor seguirmos nosso caminho.

Aonde vamos, pa... milorde?

— Ao mesmo endereço de ontem.

— Ah! Milorde vai visitar a dama? Uma ótima ideia.

— Eu preferia que guardasse para si mesmo suas opiniões a respeito dos meus atos.

Herberts bateu a porta. Instantes depois o veículo balançou. O cocheiro subia na

boleia.

Marcus sorriu quando o coche se pôs a caminho e fitou o cenário londrino que via

pela janela. Ele admitiu que, ressalvadas as vezes em que quase haviam tombado,

Herberts fazia o percursos em um bom tempo.

Recostou-se no espaldar estofado. Desde a véspera, quando tivera Honória Baker-

Sneed em seu colo, havia sentido um certo entusiasmo e recuperado um pouco de seu

antigo bom humor.

Devia ser a excitação do desafio. Admitiu que não conhecia nenhuma mulher que o

enfrentasse à altura, ponto por ponto. Fitou a caixa de madeira que fora deixada no banco

por um dos criados, antes de ele subir. Dentro estavam o arco e as setas, relíquias de seus

tempos de colégio. Um esporte para o qual sempre demonstrara talento.

Para recordar suas habilidades, havia montado um alvo na estrebaria e atirado seis

setas. Todas atingiram o ponto central.

Se Honória Baker-Sneed pretendia ganhar a disputa, teria de superá-lo nessa

aptidão.

Por isso não perdera tempo. Tinha lhe enviado uma mensagem sugerindo o

encontro para esta manhã. Não faria sentido perder horas preciosas e dar a ela espaço

suficiente para praticar. Na certa, Honória não dormira a noite inteira, exercitando-se.

Marcus sorriu ao lembrar-se da srta. Baker-Sneed entrar correndo em casa, como se

estivesse sendo perseguida por uma matilha de cães ferozes. E tudo por conta de uma

carícia inocente.

Por isso a certeza do próprio triunfo. Descobrira a fraqueza de Honória: ele mesmo.

Olhou pela janela. Estavam quase chegando. Logo, estaria na posse do anel-talismã

e teria triunfado sobre sua deliciosa Diana, um prêmio ainda mais valioso.

Assobiando, admitiu que às vezes valia a pena acordar cedo.

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— O marquês chegou! O marquês chegou!

— Carol, por favor, não pule tanto — Honória repreendeu a irmã.

— Ele chegou. — Carol moderou o entusiasmo. — A sra. Kemble irá atender a

porta. Quer que eu o traga até aqui?

Honória sentiu um vazio no estômago e o coração disparado.

— Claro. Quanto antes resolvermos isso, melhor.

Carol voou para dentro e informou à governanta que deveria trazer o marquês até o

jardim.

Honória fitou o céu. O dia estava frio. Nuvens cinzentas acumulavam-se e o vento

leste soprava com energia. Ela franziu o cenho. O vento poderia revelar-se um problema.

Havia pouco não estava tão forte.

Sentiu George pegar em sua mão. O menino fitou-a com seriedade.

— Honória, lembre-se de apontar um pouco à esquerda. E mantenha os olhos

fechados.

Honória anuiu e apertou-lhe os dedos, agradecida pelo conforto oferecido. Sem que

as irmãs soubessem, havia praticado por quase quatro horas naquela manhã, no pequeno

estábulo que ficava atrás do jardim. Como alvo, usara uma bola de feno pregado em uma

folha de papel. E com George no papel de instrutor, havia recuperado um pouco da antiga

perícia.

— À esquerda. Pode deixar, não esquecerei.

— Ótimo. Não fique nervosa. — George apertou os lábios. — Se não vencer, não

ficaremos pior do que estamos.

— Eu sei. — Honória inspirou fundo. — Cassandra disse a mesma coisa. Sei que

estão certos, mas isso não tornará o fracasso mais suave.

George anuiu.

— Também não gosto de perder. — O menino olhou o local onde Carol estivera. —

Ainda mais para os que se acham sempre certos.

George estava com razão, pensou Honória. Ela teria de ganhar a aposta. Não

suportaria aparentar incapacidade diante do marquês. Além de ele ser muito atraente,

precisaria ser cega para não notar, não poderia alimentar ainda mais aquela soberba. Se

Marcus St. John vencesse, seria capaz de estourar de orgulho.

A porta foi aberta e a sra. Kemble apareceu, arfante como da outra vez em que

Treymount ali viera.

— Senhorita! É o marquês de Treymount... novamente! — A governanta afastou-se e

apontou a entrada.

Marcus estava vestido de negro como de costume e carregava uma caixa entalhada.

O sol da manhã conferiu aos cabelos negros reflexos azulados que combinavam com o

azul penetrante de seus olhos. Honória, invadida por um calor anormal, teve de conter-se

para não sair correndo.

A sensação desconfortável não a abandonava. Ela apertou mais uma vez a mão de

George e forçou um sorriso que não atingiu os olhos.

— Milorde.

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Treymount fez uma mesura, deixou a caixa de lado e fitou-a com expressão

divertida.

— Como está se sentindo esta manhã?

— Pronta para resolvermos a disputa. E milorde?

— Com a disposição habitual. — O sorriso dele foi mais sincero do que o

costumeiro. — Vamos?

Honória sentiu a boca seca.

— Claro, eu... — Ela percebeu um movimento. George virara a cabeça e encarava o

marquês com olhar faiscante.

Treymount também percebeu o gesto e ergueu as sobrancelhas.

— Olá. Eu não sabia que a senhorita tinha um homem em casa.

George corou.

— Se meu irmão Ned estivesse aqui, ele mesmo o desafiaria! — declarou o garoto.

— Srta. Honória — Marcus continuava a diveitir-se —, pelo visto, a família inteira é

de jogadores, não é?

— Nada mais longe da realidade. — Honória conduziu George até um banco lateral

e ali o sentou. O vento levantou-lhe a saia até os tornozelos. — George, fique observando e

avalie o meu desempenho.

O menino anuiu.

— Lembre-se de como praticamos.

— Claro. — Ela beijou-o no rosto e voltou até onde o marquês ficara parado.

— Ah, praticaram? — Treymount sorriu, caçoísta.

— Foi uma exibição para meu irmão e minhas irmãs. — Honória enrubesceu diante

da mentira. — Não preciso exercitar-me. Milorde praticou?

— Durante horas. — Treymount abriu a caixa e tirou o próprio arco.

Honória piscou. Era um arco trabalhado, feito do mais fino freixo e duas vezes

maior que o seu. Por um instante considerou a hipótese de mudar o teor da aposta.

— Está preparada para começar, srta. Baker-Sneed?

A voz suave de Marcus trouxe-a de volta à realidade, e ele chegou perto... demais.

Honória fitou-o e não pôde abaixar o olhar. O marquês a atraía como um

verdadeiro imã.

— Honória?

A voz suave de Cassandra a fez perceber que estava fitando Treymount de maneira

inconveniente.

— Ah... eu... Sim? — Honória sentiu braços e pernas formigarem.

— Desejo-lhe boa sorte. — Cassandra pôs a mão no braço da irmã.

— Onde estão Carol e Olivia? — Honória olhou ao redor.

— Não sei — Cassandra respondeu. — Estavam aqui há pouco e...

— Elas entraram — Juliet respondeu. — Disseram que não podiam conter a

excitação.

Honória estranhou a fuga.

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— Podemos começar? — o marquês indagou.

— Ah, sim.

Treymount fez uma mesura e recuou.

— A senhorita tem a primazia. O melhor de dois arremessos.

Honória encaixou a flecha no arco, recuou e estreitou o olhar. Receava que Marcus

escutasse as batidas desordenadas de seu coração. Mirou o alvo, fechou os olhos... e soltou

a seta.

Pum!

George deu um grito. Honória abriu os olhos e piscou duas vezes. A flecha atingira

o centro do alvo. Virou-se para o marquês, que a encarava. Com ar mais circunspeto, ele

mirou o alvo por alguns instantes.

— A senhorita parece surpresa.

O termo não expressava corretamente o que ela sentia. Atônita seria mais correto.

Assombrada. Incrédula. Estupefata. Completamente tonta. Durante os treinos, em

nenhuma das vezes aceitara exatamente o meio.

— Muito bem! — Cassandra aplaudiu-a.

— Sensacional! — George gritou. — Fez como eu lhe disse. Mirar à esquerda e

fechar os olhos!

Honória não acreditava em sua boa sorte. Devia ser obra do destino. A alegria

começou a invadir-lhe o coração,

— Estou um pouco surpreendida.

— Um pouco?

— Bem, eu pratiquei e me saí bem. Mas não tanto. — Ela tornou a observar o feito

extraordinário.

Poderia tratar-se da sorte de principiante. Ou também da determinação em vencer o

opositor. Em qualquer um dos casos, teria de estar agradecida.

— Agora farei o segundo lançamento.

— Perfeitamente.

Honória ignorou o leve sarcasmo e pôs a outra seta no arco. O coração ressoava em

seus ouvidos. Respirou devagar para acalmar o tremor das mãos.

Fechar os olhos e mirar um pouco à esquerda do centro do alvo, ela se recordou.

Inspirou, mirou o alvo, fechou os olhos.

Pum!

Honória descerrou as pálpebras devagar e deu um pulo. Conseguira! A flecha havia

sido encravada à esquerda e a milímetros da outra.

— A senhorita... — Marcus esfregou a têmpora.

— O que houve?

— Nada. Pareceu-me que o vento agitava um pouco o alvo.

— O vento está muito favorável hoje.

Honória teve de conter-se para não dar outro pulo de alegria. Seu desempenho

tinha sido excelente. Uma pena Carol e Olivia não estarem presentes. Elas não parariam de

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dar saltos.

Mais calma, sorriu para o marquês.

— Agora é a sua vez.

Treymount começou a desabotoar o casaco.

— A senhorita não se importa?

— Fique à vontade. — Ela enrubesceu.

Treymount divertiu-se com a timidez, tirou o casaco e dobrou-o sobre a cerca. O

vento encarregou-se de fazer o tecido dançar como se fosse um ser animado.

Honória não podia tirar os olhos do corpo atlético de Marcus St. John. O sol se

refletia nos cabelos e nos belos contornos do rosto. Era injusto que um homem tivesse

cílios tão espessos.

O mais perturbador era o braço musculoso que estava delineado sob o tecido fino

da camisa. Honória sempre imaginara que os nobres nem tivessem formas definidas. A

maioria deles, pelo menos. Treymount fazia parte da minoria.

O marquês puxou a flecha para trás e soltou-a. A ponta ficou a uns cinco

centímetros do centro.

— Ainda bem! — Honória animou-se.

— Mas que... — Treymount sacudiu a cabeça, inconformado. — Droga de vento! —

Estreitou os lábios.

— Uma pena, não é mesmo? — Ela sorriu com graça e fez um aceno. — Está

preparado para o próximo lance?

Marcus fuzilou-a com o olhar.

— Claro que sim! — Ele levantou o arco, apoiou-o no ombro e soltou a flecha.

Mais uma vez ouviu-se um baque surdo. Honória, que estivera fitando o alvo,

poderia jurar que o ponto de convergência havia mudado ligeiramente de posição.

O vento piorara. Um redemoinho de folhas e detritos voou em direçao ao terraço e

caiu junto ao muro de pedras.

A segunda seta do marquês também tinha sido fincada bem à direita.

Honória vencera! Ela deu um grito e pulos de felicidade. Marcus St. John, marquês

de Treymount, teria de ajudar Cassandra! As preocupações deles haviam terminado!

Honória mal podia acreditar em sua boa sorte.

Ela bateu palmas e fitou seu macambúzio oponente.

— Perdoe-me. Eu não... queria ser tão...

— A senhorita está colhendo os frutos da sua vitória. — Treymount sorriu com

relutância.

— Pequena vitória. — Honória segurou o polegar e o indicador pouco afastados. —

Assim.

Marcus deu uma risada.

— Não posso culpá-la. Eu teria feito a mesma coisa. A diferença seria na

comemoração menos visível.

Honória considerou o perigo do irresistível sorriso do marquês. Chegou a desejar

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que ele não o empregasse com tanta frequência, ou ela acabaria por curvar-se diante do

charme de Treymount. O que, no entanto, a deixava intrigada. Aliás, pensamentos

conflituosos eram uma constante quando se tratava de Marcus St. John.

Por um instante, Honória se compadeceu do perplexo marquês. Então se lembrou

de que ele perderia somente um pouco de seu tão precioso tempo e apenas mil libras. E

recuperaria o anel de sua mãe.

Honória fez um balanço da situação e sorriu sem o menor traço de remorso.

— Eu havia esquecido de como o jogo de arco-e-flecha podia ser divertido. Gostaria

de tentar outra rodada?

— Oh, não! — Juliet adiantou-se, com um riso forçado. — Tenho certeza de que é o

suficiente para um dia. Por que não vamos tomar um chá ou um cálice de Porto ou...

— É muito cedo para tomar vinho — Cassandra interrompeu a irmã. — O marquês

aceitaria tomar o desjejum conosco?

— Milorde não se sente tentado? — Honória lançou o desafio.

— Claro que sim, mas não posso. — Treymount pegou a caixa, guardou o arco e

dirigiu-se ao alvo para pegar as setas.

Juliet foi mais rápida. Correu na frente do marquês, sem se importar com as saias

que esvoaçavam ao vento.

— Eu as pegarei para milorde! Aguarde ao lado de Cassandra e Honória.

— Acho que Juliet pediu uma dose extra de chocolate esta manhã — Honória

comentou.

— Eu estava pensando exatamente nisso — Cassandra concordou enquanto Juliet

corria para arrancar as setas do alvo como se disso dependesse a própria vida.

Ela empenhou-se na tarefa, falando consigo mesma, como se estivesse discutindo.

Treymount nada comentou. Arrumou o arco na caixa e vestiu o casaco. Juliet

aproximou-se dele e entregou-lhe as flechas. Marcus agradeceu com cortesia e ajeitou as

peças nas chanfraduras da embalagem.

— Milorde não quer mesmo ficar para o desjejum? — Honória sentiu um desânimo

repentino.

— Não, obrigado. — Treymount fechou a tampa da caixa com um estalo. —

Tomarei providências para que o meu administrador entre em contato com a senhorita

para decidir a melhor forma de resolver a nossa disputa.

Honória fez uma reverência.

— Agradecida, milorde. Aguardarei ansiosa por isso.

Marcus observou as maneiras contidas com olhar escurecido.

— A senhorita sabe como usar a insolência.

Cassandra apavorou-se, mas Honória apenas sorriu.

— Apenas quando sou vencedora, milorde.

Treymount inclinou-se para a frente com expressão gélida.

— Então, terei de dar um jeito para que a senhorita não vença com frequência.

— Milorde — Cassandra impediu Honória de responder —, eu lhe agradeço

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antecipadamente pela ajuda. Espero não lhe causar muitos transtornos por acompanhar-

me.

Honória percebeu que Treymount olhou para Cassandra com certa ternura.

— Será um prazer, senhorita.

Cassandra enrubesceu. E Honória, em vez de ficar satisfeita, sentiu uma súbita

onda de inveja.

O marquês, sem saber que despertada emoções indecorosas, tornou a sorrir para

Cassandra antes de lançar para Honória um último olhar fulminante. Virou-se e deixou-as.

Assim que ele desapareceu, Juliet atirou os braços para cima e deu um pulo.

— Nós ganhamos! Nós ganhamos! — Ela agarrou George e rodopiou com ele,

indiferente ao olhar mortificado do garoto.

— Esta realmente é uma bela manhã — Cassandra comentou com Honória.

— Uma das melhores — Honória concordou e passou o braço no da irmã. — Mas

ficará ainda melhor depois de eu tomar o desjejum. Não sei por que, mas estou faminta.

— Deve ser por causa da vitória — Cassandra deduziu. — Vamos todos para

dentro!

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Capítulo VII

— Você fez o quê!?

Marcus tomou um gole de vinho e procurou conter a irritação. Admoestou-se por

ter contado a Anthony o episódio da aposta.

— Recuso-me a repetir o que já foi dito.

— Ainda bem. De qualquer forma, é difícil de acreditar. — Anthony sacudiu a

cabeça, desolado. — Como foi que Honória Baker-Sneed o persuadiu a concordar com

isso?

Como? Sentada na carruagem, com os cabelos castanhos soltos nos ombros, a

intrigante faixa branca na têmpora, os olhos grandes da cor das avelãs e que revelavam

desprezo.

Felizmente ela apenas lhe pedira para aceitar um pequeno desafio. Honória Baker-

Sneed o atraía tanto que teria sido difícil recusar-lhe qualquer coisa no calor daquela

ansiedade. Lembrar-se dela amolecera seu coração diante de lorde Melton. Um fato

lamentável segundo a opinião do sr. Donaldson.

Marcus sorriu ao lembrar-se de Honória naquela manhã. Pálida e tensa,

paramentada para a batalha. O vento brincava com a barra das saias e por vezes deixava

seus tornozelos à mostra. Ele havia pensado apenas em tomá-la nos braços e beijá-la.

Procurara uma maneira de fazer com que a preocupação desaparecesse de seu belo

rosto. Era estranho que tivesse se tornado tão quixotesco naquela altura da vida. Seria a

maneira como Honória lançava os desafios? Ou se tratava apenas de cavalheirismo?

Marcus engasgou e teve de tossir várias vezes para conseguir respirar.

— Honória Baker-Sneed propôs uma disputa e eu aceitei. — Fitou o olhar

indagador de Anthony. — Foi isso.

— E ela o derrotou no arco-e-flecha?

— Exatamente.

Marcus ainda não havia compreendido como ocorrera o fato. Admitiu que o vento

forte provavelmente havia desviado o curso das setas. Mas seria capaz de jurar que vira o

alvo mover-se. O que também poderia ter sido obra do vento.

Na realidade, não dera muita atenção às condições atmosféricas. Não havia tirado

os olhos de Honória. Ela nunca lhe parecera tão adorável. O sol acariciava-lhe os cabelos, e

os olhos refletiam o verde do gramado. O corpo voluptuoso e ao mesmo tempo flexível

que se movimentava para atirar as setas...

— Talvez ela tenha trapaceado.

— Honória jamais faria isso. É franca e honesta demais.

Anthony fitou-o com um sorriso nos lábios.

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— Creio que você ficou maluco, na melhor das hipóteses.

— Não concordo. Se eu ganhasse, teria o anel de mamãe de volta. Um desafio como

outro qualquer.

— Ficou maluco, sim. Numa visão mais ampla, sete mil libras não representam

tanto assim para o marquês de Treymount. Por outro lado, se houvesse sido menos

obstinado, já estaria em poder do talismã. Marcus, existe outra razão para a sua teimosia.

E tem a ver com a srta. Baker-Sneed. Ela despertou o seu interesse.

Marcus disse a si mesmo que não deveria ter permitido a conversa prosseguir por

aquela trilha. Mas Anthony estava certo. Não se lembrava de ter ficado fascinado por uma

mulher. E muito menos a ponto de concordar com algo tão infantil como uma disputa de

setas.

— Talvez eu tenha bebido em excesso — ele mentiu.

Anthony resmungou qualquer coisa, recostou-se na poltrona e fitou Marcus com os

olhos semicerrados. Sempre parecia sonolento quando analisava algum assunto.

Marcus completou novamente as taças com vinho.

— Beba, Anthony. E pare de me olhar como se eu tivesse duas cabeças.

— Pelo contrário, Marcus. Eu estava pensando que, depois de muito tempo, sua

mente talvez esteja na direção certa.

— E qual seria?

— Na rota do coração.

— É a segunda vez em menos de duas semanas que você me acusa de insensível.

— Essa é uma palavra muito severa. Eu diria que se trata de uma faceta de orgulho

motivado pelo sucesso nos negócios e pela responsabilidade com que sempre se

comportou em relação à família. Esse empenho tornou-se uma segunda natureza e o fez

esquecer que outras pessoas também podem ter aptidões e interesses diversos.

Marcus cerrou os dentes. Não era agradável escutar críticas, ainda mais de um

irmão.

— Não sou desprovido de sensibilidade. Nem o meu orgulho impede que eu me

importe com os outros.

— É mais provável que não tenha notado como isso acontece. Sua tendência é

enxergar as coisas através de um filtro que retém as emoções.

Marcus fitou o líquido na taça e admitiu que havia um fundo de verdade nas

palavras de Anthony. Pensou no lar dos Baker-Sneed. Era evidente que a família

enfrentava dificuldades financeiras. Apesar disso, a família interagia com calor humano.

Ao cruzar a soleira daquela casa, sentira o amor e o apoio de uns pelos outros.

Pensou em sua residência e olhou ao redor da enorme biblioteca. Dois pavimentos

com prateleiras do piso ao teto forradas de livros. Uma galeria estreita circundava a parte

interna e superior do recinto. Pagara uma fortuna pelo mural pintado no teto. O pintor

italiano que o havia feito tinha preferência por anjos barrocos e deusas parcamente

vestidas. Uma escada estreita se movimentava num trilho de metal para permitir o acesso

ao balcão e ao segundo piso de prateleiras. Era um recinto pomposo e digno de admiração.

Porém lembrava mais um museu do que um lar.

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Uma pergunta se impunha. Por que sua casa era tão desprovida de sentimentos?

Ou seria ele, em virtude da alegada falta de calor e compaixão, quem conferia tal

qualidade à residência? Teria esquecido o lado humano da vida pela obsessão de

assegurar a fortuna da família?

Naquela manhã, Honória estivera determinada e tensa para vencer. E para ajudar a

irmã. Com esse propósito, havia empregado a honra e o orgulho. Ele nada utilizara no

jogo, além de alguns momentos de seu precioso tempo. E ainda se queixara por isso.

— Marcus? O que houve?

Marcus suspirou.

— Eu estava pensando no que me disse há pouco.

— E?

— Nada. Foi apenas um momento de vacilação. Já passou.

— Não pretendia aborrecê-lo.

— Não se preocupe. Não me aborreceu, apenas fez com que eu refletisse sobre o

assunto. Podemos falar de coisas mais interessantes?

— Claro. Podemos discutir como fará para cortejar a adorável Cassandra. —

Anthony deu uma risada.

Marcus fitou o irmão com o cenho franzido.

— Não vou cortejar ninguém. Darei à moça apenas um pouco de atenção. Todos

começarão a reparar e a menina fincará os pés no caminho do sucesso social. Ou, pelo

menos, foi o que Honória Baker-Sneed me fez acreditar.

— Eu gostaria de passar algum tempo com a srta. Honória. Ela me parece uma

raridade. Ou talvez uma deusa, se é que me entende.

— Engraçado... — Marcus sacudiu a cabeça.

— O quê? — Anthony arqueou as sobrancelhas.

— Nada de especial. É que eu a chamei de Diana por causa da sua semelhança com

a estátua da coleção dos mármores de Elgin do Museu Britânico. Ela não gostou e não

toquei mais no assunto.

— Diana, a caçadora? A que leva o arco-e-flecha? Bastante apropriado.

Foi o que ele mesmo havia pensado. E embora odiasse admitir, não era Honória

quem caçava. Desde o começo, sentira-se atraído por ela. O desejo de possuí-la aumentava

a cada dia. E não apenas de maneira física, que pressupunha ser deleitável. Desejava

entendê-la e conhecer sua vida. Queria desvendar os motivos de sua maneira de agir e

pensar.

Sobretudo desejava descobrir por que a própria vida parecia mais brilhante quando

via Honória Baker-Sneed. Era possível que ao escoltar Cassandra, encontrasse as respostas.

O mais estranho era imaginar que, havia dois meses, sua vida era perfeita. Naquela

altura, já não tinha tanta certeza. Não duvidava que fosse possuidor de coisas

maravilhosas e que o satisfaziam em grande escala. Sua família, as propriedades,

Treymount House. Por que lhe parecia importante o lampejo de calor humano que parecia

envolver os Baker-Sneed? Seria Honória a responsável por essa inquietação? Talvez ela...

Marcus endireitou-se, entendendo a seriedade de seus pensamentos. Se continuasse

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com tais delírios, acabaria casando-se com Honória, o que seria a causa de um grande

desastre. O que havia acontecido? Por que estava perdendo a noção do que realmente

importava?

— Por que essa carranca toda, Marcus?

Por que Anthony tinha de ser tão observador?

— Eu estava pensando que seria melhor evitar encontrar-me com a srta. Baker-

Sneed.

— É evidente que não! Estaria cometendo um grande erro.

— Não acho. De fato, seria o mais prudente.

Anthony fitou o irmão durante algum tempo.

— Marcus, permita-me supor que está com receio dela. A srta. Honória o forçou a

quebrar a muralha que vem sendo levantada...

— Ah, perdoe-me, Anthony, mas compromissos me aguardam. — Marcus levantou-

se. — Foi uma hora deliciosa. Todavia tenho outros assuntos com que me preocupar. E

nenhum deles lhe interessa.

Anthony deixou a taça sobre a mesa e também ficou em pé.

— Está bem. Faça como quiser, mas ouça o meu conselho. Está lutando contra o

destino se pensa em evitar a mulher a que foi levado pelo anel-talismã.

— Pelo amor de Deus, não acredito nessa tolice de anel que tem poderes!

— Pois eu acredito! Asseguro-lhe que me dará razão muito antes do que imagina.

— Anthony cumprimentou o irmão com um gesto de cabeça e saiu.

Marcus tornou a encher a taça, resmungando. Por que tivera de ser contemplado

com um irmão que se deliciava em atormentá-lo com coisas ridículas? O anel tinha

poderes... Quanta bobagem!

No entanto... o mesmo anel estivera com cada um de seus irmãos quando

encontraram as eleitas do coração. Talvez...

Não. Aquilo era ridículo. Para sua segurança, deveria evitar a srta. Baker-Sneed.

Pelo menos por enquanto.

Voltou à pilha de correspondência e tratou de esquecer o rosto adorável de Honória.

— Fizeram o quê!? — Honória piscou.

Olivia mordeu o lábio e corou.

— Nós queríamos ter certeza de que Honória Baker-Sneed ganharia a disputa. Por

isso amarramos um fio no alvo. Assim que a vimos fechar os olhos, puxamos o alvo na

direção certa.

— E quando o marquês lançou as setas, movemos para outro lado — Carol

terminou a explicação —, mas só depois de ver para onde ele mirava.

— Foi enervante vê-lo fitar o alvo e franzir a testa — Olivia admitiu. — Pensei que

seríamos desmascaradas.

Honória levantou-se e deu dois passos para a frente.

— As duas cometeram uma trapaça? Ou melhor, fizeram-me trapacear? Como

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puderam fazer uma coisa dessas comigo?

Cassandra sacudiu a cabeça, com leve reprovação.

— As duas não deveriam ter interferido. Honória teria vencido sem a ajuda de

vocês.

— Não acredito. — Carol franziu a testa e fitou Honória. — O marquês é conhecido

por sua pontaria certeira!

Honória cruzou os braços, agitada.

— Eu não teria me importado, mesmo se soubesse. Não sou novata no assunto.

— E se tivesse perdido? — Olivia perguntou. — O que seria da pobre Cassandra?

Seus sonhos seriam despedaçados como um navio de encontro às rochas!

— Isso não valeria o orgulho de Honória — Cassandra sentiu-se culpada pela

discussão entre as irmãs.

— Não fizemos nada contra o orgulho dela! — Olivia defendeu-se.

— Além disso, o movimento foi mínimo. Não demos a milorde setas em mau estado

nem coisas graves do gênero.

— Foi só isso? — Honória ironizou com grande amargura.

Ela ficara orgulhosa de si mesma por vencer Treymount. E para quê? Para descobrir

a humilhação de ter sido ludibriada. Corou ao lembrar-se de como havia se entusiasmado

com a vitória. Sentou-se.

— O que farei agora?

— Era no que eu estava pensando. — Cassandra cruzou as mãos no colo. — Não

posso aceitar a colaboração do marquês se ela for baseada em uma fraude.

— Nem eu. — Honória fitou o brilho do anel no dedo. — Terei de dar um jeito

nisso.

— Como? — Olivia arregalou os olhos.

— Direi a Treymount o que ocorreu e lhe oferecerei minhas desculpas. — O que

seria tão agradável como engolir um copo de absinto. — Ele, provavelmente, ficará

envaidecido, e eu me sentirei uma idiota. — Fitou Olivia e Carol com seriedade. — Na

certa estão felizes com os resultados dessa tolice.

— Honória, não está pensando em contar tudo ao marquês, está? — Carol

estremeceu.

— Mas é claro que sim! Acham que eu teria coragem de cobrar um débito que não

me é devido? Além disso, e se alguém descobrir o que aconteceu? Terei de permitir que o

marquês fique sabendo da verdade por intermédio de outros? Oh, não!

— Não imagino para que tanto puritanismo — Olivia suspirou e abaixou os ombros

—, porém não tiro a sua razão. Achamos que seria divertido o marquês perder a disputa.

Não calculamos a desonestidade.

— Por outro lado, queríamos ajudar Cassandra — Carol acrescentou.

Honória controlou a irritação que ameaçava explodir. Além das irmãs terem

interferido em seus negócios, ainda a consideravam incapaz de vencer um desafio. Tornou

a levantar-se.

— Se houver mais alguma intervenção nos meus negócios, eu... Acreditem, haverão

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de se arrepender.

Carol e Olivia anuíram, vermelhas como duas beterrabas.

— Está bem, senhora — Carol murmurou.

— Como queira — Olivia acrescentou. — Eu e Carol poderíamos visitar o marquês

e contar-lhe o que fizemos. Não há sentido em você esclarecer um problema do qual não é

culpada.

— É uma oferta muito nobre — Cassandra pôs a mão no braço de Olivia —, mas

tenho certeza de que Honória vai preferir resolver o caso por conta própria.

Honória gostaria de ignorar o ocorrido, o que também de nada adiantaria. De fato,

pioraria a situação.

Ela foi até a lareira e olhou-se no espelho que estava acima do consolo. Pálida,

notou que a listra branca de cabelos parecia mais brilhante.

— Deverei explicar tudo a lorde Marcus St. John. Talvez ele concorde com outra

disputa.

— Ah, seria maravilhoso! — Olivia animou-se. — O marquês perderia e teria de

pagar pelo anel!

— Quando pretende falar com ele, Honória? — Cassandra indagou.

— O mais rapidamente possível. Mandarei uma mensagem e pedirei que venha até

aqui.

— Talvez devêssemos convidá-lo para jantar — Cassandra sugeriu. — Seria cortês.

A cozinheira poderia preparar uma perna de cabrito.

Honória não concordou.

— Não. Contarei ao marquês o que houve e, se ele permitir, faremos outro desafio.

Não quero estragar um jantar com alguma recusa ou olhares ferozes.

— Tem razão — Cassandra apoiou-a. — E se esperar até depois do jantar, alguém

poderá cometer uma indiscrição, e ele jamais acreditará que pretendíamos contar-lhe a

verdade.

Carol contestou Cassandra. Era de opinião que as Baker-Sneed sabiam como manter

a boca fechada quando o assunto era importante. Foi favorável a uma refeição requintada

que deixasse o marquês de bom humor. Sugeriu guardar a revelação para a sobremesa.

Olivia, amante da dramaturgia, logo imaginou as possíveis reações de Treymount.

Honória não deu atenção a elas. Não convidaria Marcus St. John para jantar.

Quanto mais breve o encontro, melhor. Não desejava prolongar a agonia.

Pensando nisso, esgueirou-se para a sala de estar. Foi até a porta.

— Pronto. Quer que eu vá pegar sua pelica? Está esfriando.

— Quero, sim, obrigada. — Honória apertou o estômago, que sempre a incomodava

quando ficava nervosa, e procurou exibir um sorriso confiante. — Enquanto isso, irei

procurar a sra. Kemble.

Cassandra apertou a mão de Honória.

— Não se preocupe com o marquês. Ele poderá ficar furioso, mas apenas com

Olivia e Carol. Não poderá culpá-la. É um homem sensato e acreditará que não pedimos

nada a elas. Tenho certeza disso. — Cassandra soltou a mão da irmã e saiu.

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— Eu gostaria de estar tão confiante — Honória murmurou enquanto o ruído dos

passos de Cassandra perdia-se escada acima. — Em que confusão nos metemos, graças a

Carol e a Olivia! Eu deveria castigá-las.

Bem, esperava resolver tudo em breve. E também que pudesse convencer Marcus

St. John a aceitar outro desafio. Mas qual? Tiro ao alvo? Não entendia muito de pistolas.

Seria difícil aprender? Tentaria encontrar algo mais... adequado a ela.

De qualquer maneira, a próxima meia hora seria difícil. Ouviu Cassandra descer a

escada; então, Honória foi à procura da sra. Kemble.

Honória e a sra. Kemble desceram do coche alugado. Abaixaram a cabeça para

proteger o rosto do vento frio. Assim mesmo não deixaram de ver a carruagem de

Treymount que chegava a uma boa velocidade. O veículo parou diante da porta de

entrada.

— Ele chegou, senhorita! — A sra. Kemble disse, arfante. Apertou a bolsa e

arregalou os olhos. — Veja que cavalos!

— Estou vendo.

Honória fitou a carruagem e a residência. Uma mansão e tanto. Assim como seu

dono. Uma pena que a visita se devesse a circunstâncias tão desfavoráveis.

O cocheiro pulou até o chão, empurrou para o lado um criado robusto e correu para

abrir a porta. Afastou-se e deu um grande sorriso.

Marcus apareceu. Trocou algumas palavras com o cocheiro e subiu as escadas da

frente. O vento lhe desmanchava os cabelos e fazia esvoaçar a barra do sobretudo. A vê-lo

entrar, Honória deu um passo à frente.

— Espere um pouco, senhora! — O cocheiro do cabriole chamou-a. — Onde está

meu pagamento?

— Quer que eu... — a sra. Kemble ofereceu-se.

— Claro que não. — Honória tirou do pulso a pequena bolsa de renda e pagou o

que era devido. — Por favor, volte em meia hora. Não estaremos prontas antes disso. — Se

tivesse dinheiro, pediria ao homem que as aguardasse.

— Meia hora? — O cocheiro observou a mansão e a moeda que Honória lhe

entregara. — Assim perderei dinheiro. Será melhor eu ir até o outro lado da cidade.

— E ficar esperando que alguém lhe peça para fazer uma corrida. — Honória

puxou as luvas para ajustá-las. — Ou poderá voltar em meia hora e contar com serviço

certo.

A lógica de Honória não pareceu atingi-lo.

— Não me espere. Não posso prometer nada por alguns xelins.

— Tentarei manter minhas expectativas ao mínimo. Apesar disso, espero vê-lo em

trinta minutos.

Ela virou-se e caminhou na direção de Treymount House. Seu coração ameaçava

pular do peito e Honória teve de inspirar fundo para acalmar-se. Ouviu a respiração

arfante da sra. Kemble, que se esforçava para segui-la e, ao mesmo tempo, espiava, com a

cabeça de lado, a enorme residência que assomava diante delas.

Majestosa em tamanho e em estrutura. Estilo grego em granito branco, uma obra-

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prima de arquitetura. Um exemplo do que bom-gosto e dinheiro podiam conseguir.

Honória sentiu-se diminuta diante das enormes portas de mogno. Disse a si mesma

que não havia motivo para ficar nervosa. Afinal, conhecia Marcus St. John havia bastante

tempo, desde que duelavam nas salas de leilão. Nem deveria causar-lhe espanto o poder

de um homem daquela posição. Apesar disso, teria de revelar a ele que fora enganado. O

que mais teria de acontecer para ficar mais à vontade na presença do marquês de

Treymount?

Admitiu que seria difícil encará-lo dentro daquela imensa residência e não se sentir

diminuída. O que também considerou um absurdo. Nunca havia experimentado nenhuma

intimidação provocada por Treymount. E recusava-se a imaginar que o processo estava

para começar. Aquela era uma casa. Nada mais do que isso. Enorme, mas não deixava de

ser uma casa.

Munida de grande dose de coragem, bateu com a aldrava de bronze. Em menos de

um minuto, a porta foi aberta. Um mordomo impecavelmente vestido de negro apareceu.

— Pois não? — A expressão do homem era cortês e neutra. Ou piedosa? Honória

imaginou se poderia estar com alguma mancha no queixo.

— Desejo falar com milorde.

— Ele a está esperando?

Honória detectou um certo tom de desdém. Ergueu o queixo e decidiu expressar-se

com frieza.

— Por favor, informe ao marquês que a srta. Baker-Sneed deseja falar com ele.

O mordomo olhou para a sra. Kemble, que virava a cabeça para trás, observando a

cornija no alto do pórtico.

— Minha acompanhante — Honória explicou.

Depois de um momento de hesitação, o mordomo afastou-se e permitiu a entrada

delas.

— Por favor, entrem. Não sei se milorde está em casa. Mandarei verificar.

Honória vira Treymount subir as escadas. O mordomo teria de encontrá-lo.

— Obrigada. — Ela entrou, seguida pela sra. Kemble.

A porta foi fechada e Honória deparou com uma fileira de criados uniformizados e

de expressões pétreas. O grande número de empregados deixou-a pasma.

— Santa Maria! — a sra. Kemble espantou-se.

Honória seguiu o olhar da governanta. Pendendo do teto, numa corrente da

grossura de seu pulso, estava o maior lustre que ela já vira. Rivalizava com o do Grand

Pavilion, a residência de verão do príncipe.

— Meu Deus, deve ser horrível ter de limpá-lo — Honória condoeu-se dos criados.

A fisionomia do mordomo suavizou-se.

— De fato, senhorita. Não é uma das tarefas que mais apreciamos.

— Posso imaginar. — Ela evitou sorrir e olhou para os lados.

Tratava-se de um verdadeiro palácio de mármore. O hall de entrada era tão amplo

como o primeiro pavimento da casa dos Baker-Sneed. O trabalho em gesso se confundia

com o mármore branco do piso, dando ao recinto um aspecto de estonteante pureza. O

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contraste era formado pelo vermelho do tapete que forrava a escadaria central e pelas

cores das tapeçarias da parede.

Honória esqueceu o nervosismo ao ver as peças penduradas. Magníficas.

Reconheceu algumas como tapeçarias de Flandres. Muito antigas e bem conservadas.

— Quer que eu guarde as pelicas e os chapéus? — O mordomo demonstrou o

máximo de cortesia.

— Não, agradecida. Não nos demoraremos muito.

Ele fez uma reverência e precedeu-as até outra porta.

— Queiram aguardar aqui. O fogo da lareira está aceso. Vou procurar milorde.

Honória teve certeza de que se tratava de um dos menores cómodos do palácio,

embora fosse enorme para qualquer padrão convencional.

A sra. Kemble mais uma vez extasiou-se com outro lustre de cristal.

Honória sentiu o rosto em fogo.

— Por favor, diga para milorde...

Dizer o quê? Que viera para confessar um mal-entendido? Que pretendia

renegociar uma disputa? Que Carol e Olivia o haviam trapaceado?

— Por favor, diga para milorde que vim tratar de um assunto da maior importância

e que preciso vê-lo. — Honória satisfez-se com o tom de urgência que imprimira à frase.

O mordomo anuiu e saiu. A porta foi fechada sem ruído.

— Misericórdia, senhorita! — A sra. Kemble continuava extasiada. — Por acaso já

viu uma coisa dessas em toda a sua vida?

Honória, encantada, olhou ao redor. Seda cobria as paredes. As poltronas eram

estofadas em damasco azul e vermelho. Cortinas de veludo azul nas janelas. Um grande

buque de lírios enfeitava uma mesa de mogno. Tapete grosso Aubusson sobre o piso frio

de mármore.

Honória tirou o chapéu, as luvas e ajeitou as madeixas. Admitiu que era a sala mais

linda que já vira. Magnífica. Quem havia decorado tivera um objetivo em mente: lembrar

aos visitantes que o dono da casa era a pessoa mais importante do mundo.

A ideia não lhe agradou. Recusava-se a ser acuada. Apesar da beleza do recinto,

havia uma nota dissonante. Foi até a enorme lareira e passou o dedo sobre o consolo atrás

do relógio de ouropel. Olhou a ponta do dedo. Nem uma partícula de poeira.

A investigação teria de prosseguir. A sra. Kemble estava entretida na observação de

um grande quadro com a pintura de um cavalo. Honória viu um vaso com uma folhagem

frondosa. Precisava encontrar alguma poeira, algum traço de vida. Algo para provar que

tudo aquilo era uma casa e nada mais.

— Srta. Baker-Sneed? — O mordomo voltara.

Honória escondeu a mão e virou-se, corada.

— Sim?

— Sinto informá-la que milorde não se encontra em casa. A senhorita gostaria de

deixar uma mensagem?

— Não. E para que fique sabendo, eu o vi entrar antes de mim.

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O mordomo empalideceu.

Honória espiou a escadaria larga que se perdia no recesso branco do segundo

pavimento. O patife a evitava. E tudo por que ela o havia vencido em seu próprio

território. Ou, pelo menos, era o que ele pensava.

— Então o marquês saiu, não é?

— Sim, senhorita. — O mordomo concordou, empertigado.

— Ele não se encontra em casa?

— Não, senhorita.

O mordomo fitou algo por sobre o ombro esquerdo de Honória.

— Bem, então talvez eu tenha visto o irmão gêmeo do marquês entrando nesta

residência.

— Milorde não tem nenhum gêmeo, embora tenha vários irmãos. Talvez tenha sido

um deles que a senhorita viu chegar.

— Talvez o senhor devesse informar ao irmão de milorde que eu desejo falar-lhe.

Avise-o de que se eu não puder fazê-lo, ele se arrependerá.

O mordomo ergueu as sobrancelhas e Honória receou que elas se perdessem nos

limites do couro cabeludo.

— Perdão, senhorita, isso é uma ameaça?

— Oh, não. É uma promessa. — Ela sentou-se em uma das poltronas azuis, agarrou

uma almofada e colocou-a no colo. — Esperarei aqui enquanto o senhor vai falar com o

irmão de milorde. Avise-o também de que não irei embora enquanto ele não me receber.

O mordomo hesitou antes de fazer uma mesura e sair.

Um minuto depois ouviu-se o som de passos que se aproximavam pelo piso de

mármore.

A sra. Kemble largou-se em uma poltrona e, muito pálida, começou a abanar-se.

— Está sentindo alguma coisa, sra. Kemble?

— Estou bem — a governanta respondeu com voz sumida.

A porta foi aberta e Marcus St. John, imponente, parou na entrada. De imediato, a

sala tornou-se menor. O marquês fixou o olhar penetrante em Honória e depois na sra.

Kemble. Honória tossiu e levantou-se.

— Milorde, peço que me perdoe a intromissão e...

— Não se preocupe. — Marcus entrou e fez uma mesura elegante para Honória e

depois para sra. Kemble. — Sejam bem-vindas a Treymount House.

A governanta, que cambaleara ao erguer-se, corou ao ponto máximo.

— Eu... eu... eu...

— Obrigada — Honória interrompeu a boa senhora. — Milorde possui uma bela

casa.

O marquês fitou-lhe os lábios, e Honória, ao sentir que formigavam, cobriu-os com

a mão espalmada.

— Em que posso ajudá-la, srta. Baker-Sneed?

— Milorde, como eu disse na mensagem, tenho algo de muita importância para lhe

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dizer.

Marcus relanceou um olhar para a sra. Kemble. Honória sacudiu a cabeça.

— Não tenho segredos para a sra. Kemble.

— Está certo. Então, será melhor irmos até a biblioteca, onde é um pouco mais

quente. — Treymount foi até a porta, segurou-a aberta e afastou-se.

A sra. Kemble aparentava incapacidade para mover-se. Honória ergueu o queixo e,

decidida, dirigiu-se à porta. Olhou para trás. A sra. Kemble continuava em estado de

choque.

— Sra. Kemble — Honória chamou-a com mais aspereza do que pretendia. —

Lorde Treymount está nos convidando pura ir à biblioteca.

— O quê? Ah, sim! — A sra. Kemble ensaiou um sorriso para o marquês. — Estou

um pouco abalada. Esta casa... — Ela fez um gesto vago.

— Eu sei. Ela pode deixar as pessoas acabrunhadas. — Ele sorriu com boa vontade.

— Talvez uma volta...

— Oh! — A sra. Kemble animou-se. — O que eu não daria para conhecer este

palácio! Srta. Baker-Sneed, não seria maravilhoso?

Não seria. Honória pretendia contar ao marquês a travessura de suas irmãs e ir

embora.

— Talvez em outra ocasião.

— Como queira. — Marcus deu de ombros. — Sra. Kemble, vamos até a biblioteca?

— Ah, sim. — A governanta corou pela deferência do marquês falar diretamente

com ela e seguiu Honória.

Marcus atravessou o grande hall e foi até as portas duplas que ficavam em frente à

sala de estar. Um dos criados sombrios apressou-se em abri-las. O marquês afastou-se para

um lado.

— Srta. Baker-Sneed, por favor.

Honória tornou a olhar para trás, para ter certeza de que a sra. Kemble não

desistira, e entrou na biblioteca. Parou, extasiada. As enormes prateleiras com livros, a

delicadeza do trabalho da grade de ferro da galeria, o magnífico mural do teto. Andou

mais alguns metros e parou no centro do recinto para apreciar a pintura. Santo Deus,

aquela casa ultrapassava a imaginação mais criativa!

— Sra. Kemble, antes de entrar...

Honória voltou-se para a porta aberta. O marquês falava com a governanta.

— Se a senhora prefere ver a casa, pedirei à minha governanta, sra. Bates, para

acompanhá-la na visita. Ela poderá responder a qualquer pergunta.

Mas que patife! Honória caminhou para a entrada e parou ao ouvir a resposta.

— A sua governanta? — Não havia como disfarçar a excitação. — Eu adoraria. Fico

muito honrada por milorde ter pensado nisso... Nada poderia ser mais maravilhoso...

Mas...

— Mas... — o marquês inciton-a a prosseguir.

— Não posso. Estou acompanhando a srta. Baker-Sneed e seria impróprio

abandoná-la.

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Honória ficou satisfeita. Aquilo seria uma lição para o marques, se ele pretendia

enganar a pobre sra. Kemble.

— Sra. Kemble, não tenha receio pela srta. Baker-Snçed. Deixarei a porta aberta

enquanto a senhora faz o passeio. Tenho cerleza de que vai se encantar com o fogão novo.

Meu cozinheiro está maravilhado. A sra. Bates diz que é o mais moderno do país.

Marcus St. John era mesmo terrível. Usar uma isca daquelas para atrair a

governanta! Ele tinha uma inteligência diabólica.

— Um fogão novo? Oh, Deus... — A sra. Kemble debateu-se numa luta. — Não, não

posso. Não devo.

— Eu deixarei a porta aberta.

— Isso não é o suficiente, milorde. Se alguém chegar e...

— Pedirei a um dos meus criados para ficar aqui dentro.

Um novo silêncio.

— Bem, se milorde deixar um criado...

— Dois — Marcus prometeu, solene.

— Ah, se forem dois... — Com essas palavras, a sra. Kemble abandonou Honória.

Como ele ousava? Honória chegou à entrada tarde demais. Ouviu as vozes de

Jeffries e da sra. Kemble que se afastavam.

No corredor, vários criados sombrios e enfileirados, além de Treymount, que não

podia esconder a satisfação.

— Para onde foi a sra. Kemble? — Honória perguntou, indignada.

Marcus passou por ela e entrou na biblioteca.

— Como a senhorita escutou, pois a porta não estava fechada a sra. Kemble vai se

encontrar com a sra. Bates, minha governanta. — Marcus foi até a escrivaninha e indicou

uma das poltronas em frente. — Não quer sentar-se?

A intenção era clara. Intimidá-la. Depois de acomodar-se, Honória mal conseguiria

enxergar alguma coisa por cima da mesa enorme. Ela endireitou as costas e negou com um

gesto de cabeça.

— Não, obrigada. Prefiro ficar em pé.

— Como quiser. — Marcus sentou-se e pegou a correspondência que largara ao ser

informado que a casa havia sido invadida.

Fingiu ler a primeira carta, enquanto escutava o ruge-ruge das saias e o leve som

das sapatilhas que se aproximavam. Honória parou e olhou para baixo.

Marcus fez um esforço para não sorrir. Franziu o cenho, como se a missiva fosse da

maior importância, e não apenas um relatório de uma de suas menores propriedades ao

sul da Escócia.

— Milorde, preciso falar-lhe.

Marcus espiou por cima do papel. Honória estava corada. Ele se perguntou como

não notara, nas tantas vezes em que a tinha enfrentado nos leilões, que Honória Baker-

Sneed era tão atraente.

— Pode falar, srta. Baker-Sneed. Estou escutando.

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— Não quero falar enquanto milorde está sentado à sua mesa. Sinto-me como se eu

tivesse sido chamada na sala da diretora da escola para receber uma reprimenda.

— Não me surpreende que a senhorita tenha sido traquinas na escola.

Honória estreitou os olhos, sem responder à provocação.

— O que tenho para lhe dizer não será do seu agrado. Não poderíamos... —

Honória olhou em volta. — Espere um pouco. Milorde garantiu à sra. Kemble que deixaria

dois criados aqui dentro.

— Eu sei. Se quiser, pode chamá-los. A porta está aberta e eles a escutarão ao menor

apelo.

— Está bem. — Honória brincava com a aba do chapéu.

— Não entendo a diferença entre ter ou não um ou dois homens em nossa

companhia. — Marcus fingia ler e não ergueu o olhar. — Não tenho intenção de fazer

amor com a senhorita, ainda mais com a sua governanta ao alcance. Ela já deve ter visto o

fogão novo e estará de volta em pouco tempo.

Honória nem ao menos se mostrou indignada com a insinuação. Apenas suspirou.

— Eu preferia que milorde tivesse aceitado o pedido de ir a minha casa. Teria sido

mais simples. Permita-me perguntar-lhe por que recusou.

Para proteger-se da ânsia desmedida que sentia na presença dela. Marcus admitia o

próprio receio. E por que deveria evitá-la? O poder do anel-talismã não passava de uma

lenda. Na verdade, mesmo Honória estando na posse do anel, não pensava em casar-se

com ela. Só gostaria de levá-la para a cama.

— Srta. Baker-Sneed, pode perguntar qualquer coisa. Só não lhe garanto uma

resposta.

Honória ergueu uma sobrancelha. Marcus admirou-se como ela podia ser tão

expressiva sem dizer nada. Ele ficou em pé, rodeou a mesa e foi até a lareira.

— Sente-se. — Marcus indicou uma das duas poltronas diante do fogo. — Vamos

conversar sobre o tal assunto tão importante.

O descrédito inicial no semblante de Honória foi substituído por uma emoção mais

sombria. Marcus poderia jurar que ofendera os Baker-Sneed.

— O que houve? — ele perguntou.

— Milorde não pode ordenar para que eu me sente! Não sou nenhum cachorro!

Claro que não. Honória era uma mescla torturante de cérebro e graça. Isso sem falar

no busto farto, na cintura fina e nas pernas longas que incendiavam seu desejo.

— Muito bem. Srta. Baker-Sneed, poderia sentar-se, por favor? — Treymount

segurou o encosto da poltrona e virou-a na direção de Honória.

— Assim é bem melhor, obrigada. — Com postura de rainha, ela aceitou o convite e

sentou-se.

Marcus fitou as tranças sedosas e a mecha branca. Teve de resistir à vontade de

tomá-la nos braços.

— Então — ele caminhou devagar até a outra poltrona — o que tem para me dizer?

— Bem — Honória mordeu o lábio e apertou as mãos uma na outra —, milorde não

perdeu o nosso desafio.

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— Como é? — Treymount perguntou depois de um longo silêncio.

— Milorde escutou muito bem. Milorde não perdeu o nosso desafio.

— Mas... nós dois atiramos duas flechas e...

— Minhas irmãs amarraram um fio no alvo e o tiraram do lugar quando foi sua vez

de atirar.

— O que está me dizendo?

Honória inspirou fundo.

— Elas pensaram que...

— Elas, quem?

— Isso não importa. — Honória corou.

— Para mim, importa.

— Carol e Olivia. Elas são um pouco românticas. Não imaginavam que...

— Misericórdia! Se elas fizeram isso de propósito, então... — Marcus recostou-se,

invadido por um profundo sentimento de satisfação. O movimento do alvo não lhe

passara despercebido. Afinal, tinha sido real. Se não estivesse de olhar fixo em Honória,

talvez houvesse notado o truque imediatamente. — Na realidade, eu venci.

— Milorde o quê? — Honória piscou. — Ninguém venceu, milorde. Não houve

vitória.

Ela aparentava estar tão ofendida que Marcus teve de esfregar a boca para não rir.

— Não sei, não. Na minha opinião, se a senhorita trapaceou...

— Não fui eu. Foram minhas irmãs!

— Em seu benefício.

— Sem a minha permissão!

— Imaginei que, nesse caso, as regras de honra me favoreceriam.

— De maneira nenhuma. — Honória empinou o nariz. — Existe apenas uma

solução. Marcar uma nova disputa.

— Não concordo. Honória, creio que deveríamos...

— Como é?

Marcus, contra seus hábitos, tentou aparentar inocência, mas não teve certeza de

haver conseguido o intento.

— O que foi?

— Não lhe dei permissão para chamar-me pelo nome de batismo! — Honória

reclamou, irritada. — Para milorde, é srta. Baker-Sneed.

— E Marcus para a senhorita. Se vamos passar um ano envolvidos em desafios,

podemos prescindir das formalidades.

— Não demorará um ano para resolvermos isso.

— Não tenho tanta certeza. — Marcus notou o contorno das pernas de Honória sob

o tecido simples do vestido. — Muito bem, eu concordo. Marcaremos outra prova. Dessa

vez eu farei a escolha.

— Excelente! — A animação de Honória foi sincera. — E o que milorde sugere?

Marcus coçou o queixo.

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— A senhorita já usou uma pistola?

— Só uma vez.

— Eu diria que a sua familiaridade com uma pistola é a mesma da que possuía com

arco-e-flecha.

— Então, o que milorde sugere?

Marcus cruzou os braços na altura do peito e sorriu. Havia apenas uma alternativa e

seria uma loucura.

— Cavalos.

Honória piscou, incrédula.

— Cavalos?

— Isso mesmo. Qual o problema? Parece que a senhorita empalideceu.

— Não foi nada. — Ela mordeu o lábio. — Eu apenas... Não importa.

— A senhorita não sabe montar?

— Não é isso. É que não tenho nenhum cavalo para montaria. Possuímos apenas

um animal que puxa a carruagem. No outro dia, ele machucou a pata e agora não pode

nem ao menos caminhar.

— Isso não será problema. Tenho muitos cavalos na estrebaria. A senhorita poderá

escolher qualquer um quando vier amanhã...

— Eu... eu não posso!

— Não pode amanhã? Prefere que seja no sábado?

— Não é isso. É que... — Honória apertou o rosto entre as mãos.

— Proponho uma marcha pelo parque. Quem conduzir os animais com maior

intrepidez vencerá.

— Mas... eu não... — Honória começou a suar. — Cavalos. Não imaginei que essa

poderia ser sua sugestão.

Marcus notou que os cílios de Honória eram tão longos que viravam nas pontas.

Olhos castanho-claros e cílios castanho-avermelhados. Uma combinação perfeita. E uma

de suas favoritas.

— Pode ser amanhã, então? Quanto antes terminarmos isso, melhor.

— Amanhã? Não sei se poderei... — Honória fitou-o e corou.

Simplesmente adorável.

Treymount não se conteve. Acariciou-lhe a face onde ocasionalmente aparecia uma

covinha.

— O que houve? Está com medo?

Honória afastou o rosto e enrubesceu ainda mais.

— Medo por quê? Trata-se apenas de um cavalo. — Apesar da coragem, sua voz

tremeu. Era um apelo inconsciente por uma palavra de conforto.

— Isso mesmo. Em geral os cavalos são criaturas amigáveis. Eles raramente

mordem.

Honória não pareceu convencida. Segurou o próprio braço, o que levou Marcus a

desconfiar de que havia uma história atrás disso. Ela engoliu em seco.

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— Eu sei. Mas quando o fazem...

— O ferimento pode ser grave. Converse com lorde Estershum sobre o assunto.

Honória estreitou os olhos.

— O que tem apenas um braço?

— Ele mesmo. — Treymount afirmou com seriedade.

— Milorde, posso ser acusada de várias coisas, mas não de alarmista. Um cavalo

não pode ter arrancado o braço de lorde Estersham.

— Por acaso eu afirmei tal coisa?

— Não. Mas sugeriu.

— Perdão. Lorde Estersham perdeu apenas um dedo com a mordida de um cavalo.

— Um dedo!?

— Da mão que lhe restava. Foi há muitos anos e ele sofreu bastante.

— Meu Deus! — Honória observou as próprias mãos por alguns momentos.

Ela admitiria o medo e pediria outra modalidade de duelo? Treymount apostava

que não. Seria difícil encontrar outra mulher tão orgulhosa.

Honória anuiu com frieza.

— Muito bem. Será uma disputa com cavalos.

— Impressionante.

— O quê?

— A maneira como aceitou o desafio. Como se lhe agradasse.

— Ah, sim. Estou muito agradecida pela oportunidade de retomarmos a disputa.

Mas...

Ela admitiria o medo? Pediria para mudar?

Não Honória. Ela se levantou, segurando o chapéu.

— Creio que já nos dissemos tudo.

— Eu irei buscá-la amanhã e decidiremos isso de uma vez.

Honória tentou calçar as luvas com mãos trémulas. A hesitação era comovente.

Marcus fitou o esforço por alguns instantes. Segurou-lhe o pulso e puxou a luva

virada.

— Permita-me. — Ele sacudiu a peça de seda e tornou a enfiá-la nos elegantes

dedos de Honória.

Hipnotizada, ela olhava as mãos quentes e firmes roçarem sua pele fria. O toque

despertou-lhe tremores e chamas que ameaçavam consumi-la. Voltou rapidamente à

realidade, puxou a mão e recuou, com a respiração difícil.

— Eu posso muito bem calçá-las sozinha, obrigada.

— Eu a assustei, Honória? — Marcus indagou com olhar escurecido.

Ela mesma se amedrontara com as centelhas que fluíam entre eles. Eram

provenientes de chamas que disparavam seu coração, fundiam-lhe as entranhas e

obstruíam seu pensamento com imagens que seria melhor ignorar.

Honória fitou-o e teve certeza de que eram unidos por aquele cordão de fogo.

Desejou que Marcus tornasse a beijá-la tantas vezes quanto o fôlego de ambos permitisse.

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A ideia não a chocou como deveria e suas mãos continuaram a tremer. Afastou-se.

Concentrou-se nos botões das benditas luvas. E, finalmente, passou as duas pérolas nas

respectivas rosas.

— Pronto! — ela sussurrou, aliviada.

— Está com frio?

— Não, não.

Na verdade, sentia muito calor. A pele queimava. A ansiedade era imensa, assim

como a vontade de satisfazer os desejos do corpo. Mas nada disso confessaria a Marcus St.

John. Ele nã0 haveria de rir dela.

— Estou um pouco resfriada.

Honória notou imediatamente a preocupação no olhar de Marcus.

— Talvez fosse melhor ficar perto do fogo.

— Estou saindo...

Ele segurou-a pelo braço e levou-a até a lareira.

— Não está, não.

— Mas eu...

— Fique aqui.

Honória sentiu as mãos quentes de Marcus através do tecido fino das mangas.

— Treymount, eu preciso ir. Tenho de...

— Por Deus, Honória! Fique quieta e aqueça-se.

Ela estava quente demais.

— Agradeço sua bondade, mas...

A voz da sra. Kemble podia ser ouvida do corredor, cada vez mais animada e mais

próxima. Honória sentiu-se aliviada. Estava louca para escapar. Não de Treymount, mas

de si mesma. Dos próprios desejos, pois eles ameaçavam sua compostura cada vez mais.

Marcus beijou-lhe a palma da mão.

— Algum dia, minha adorável Honória, não haverá nenhuma governanta

conversadeira para salvaguardar sua virtude.

— Por acaso minha virtude corria perigo?

Ele inclinou a cabeça e a encarou. Honória sentiu o fogo arder naquele olhar.

— Com certeza.

— Mas a porta estava aberta e os criados...

— Todos bem treinados. Comparecem apenas quando eu os chamo. Não aceitam

ordens de ninguém mais.

— Mas milorde disse...

— Nunca confie num homem. Lembro-me de ter-lhe dito isso. Talvez agora não

esqueça o conselho. — Marcus virou-se para a porta. — Ah, sra. Kemble! O que achou do

fogão?

Honória não se conformava. Marcus praticava o encantamento com poucas

palavras. Sempre adequadas. A sra. Kemble, lisonjeada, nem mesmo reparou que não

havia criados na biblioteca, conforme promessa do marquês de Treymount.

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Furiosa, Honória não entendia por que Marcus a deixava tao abalada. De qualquer

maneira, teria de pôr um fim naquilo. Era muito difícil conversar com ele dentro de seu

palácio sem sucumbir ao redemoinho de emoções.

Honória inspirou fundo. Estava na hora de retirar-se. Teria de encontrar uma

maneira de enfrentar o novo desafio. Em um dia pudera readquirir a antiga habilidade

com arco-e-flecha. Mas como apagar a profunda aversão pelos cavalos? E em apenas uma

noite?

Ela procurou não pensar que a batalha estava de antemão perdida. Nada disso.

Lutaria até o fim e com toda a coragem que Deus lhe concedesse. Interrompeu os

infindáveis agradecimentos da sra. Kemble, que só faltava babar diante do marquês, e

despediu-se rapidamente.

As duas entraram no fiacre que as aguardava. Só então Honória se deu conta de que

Marcus St. John não marcara um horário para o encontro.

Olhou pela janela do veículo. A imponência de Treymount House sumia na

distância. Desejou que o amanhã chegasse logo. Quando antes terminassem com tudo,

melhor.

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Capítulo VIII

— Enquanto o marquês não estivesse olhando, eu me amarraria na sela. Ned disse

que as pessoas se amarram nos navios quando há tempestade. — Olivia procurou uma

solução.

— Mas como desmontar na hora certa? — Carol franziu o cenho. — Seria fácil

descobrir a manobra.

— É verdade. — George tentava prender uma pequena sela improvisada, feita de

retalhos, nas costas de Samantha. — Se o marquês perceber que Honória o está

ludibriando outra vez, nunca mais aceitará desafios.

— Por isso precisamos fazer alguma coisa para ajudá-la — Juliet afirmou.

Cassandra, diante da lareira, parou de bordar.

— Creio que todas já ajudaram bastante.

— Mais do que o suficiente — Honória declarou ao entrar na sala carregada de

livros. Deixou-os sobre a mesa perto da janela, sem derrubar nenhum.

— Que livros são esses? — Carol levantou-se, foi até a mesa e levantou um deles. —

O Cavaleiro. Lembretes para um Joguei.

— Esse é excelente! — Juliet deu um pulo. — Eu já o li duas vezes. — Foi até a mesa

e leu outros títulos. — Ah, este não é bom. — Deixou o volume de lado. — Tem sugestões

terríveis para lidar com cavalos agressivos. Muitas asneiras juntas.

— Honória. — Olivia apenas virou a cabeça. — Onde arranjou tudo isso?

— Na biblioteca de empréstimos. — Honória tirou um livro das mãos de Juliet,

devolveu-o à pilha e sentou-se. Abriu a cortina para permitir maior claridade, segurou um

dos compêndios e folheou-o.

— Honória, não se pode aprender a montar lendo livros! — Olivia sacudiu a cabeça.

— Que ideia boba!

— Eu sei andar a cavalo. Só desejo me aperfeiçoar.

Honória virou a página, procurando... Na verdade, não sabia 0 quê. Talvez algo

como enfrentar cavalos que gostavam de morder.

Sentiu um calafrio na espinha e esfregou a cicatriz no braço. Não imaginava que

tivesse de voltar a montar.

— Honória, há anos que você não cavalga...

— Não faz tanto tempo assim — ela retrucou.

— Faz, sim — Cassandra interveio.

— Está bem. Não monto há anos. Mesmo assim, poderei encontrar alguma coisa

nestes livros que tornem as coisas mais acessíveis.

Carol e Juliet se entreolharam.

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— Altamente improvável. — Juliet sacudiu a cabeça para responder a uma questão

não perguntada. — Para quem tem conhecimentos básicos, é possível tirar proveito dos

livros. Mas Honória nunca foi boa amazona. Lembro-me de quando ela montou a égua

velha do pároco e ao se afastar...

Honória fechou a brochura com um estalo.

— Chega!

Juliet corou e deu de ombros.

— Eu estava apenas...

— Querendo ajudar. Eu sei. Pois desista. — Honória fitou as irmãs. — Por favor, não

quero mais auxílio. De ninguém.

Assim foi feito. Honória passou duas horas lendo a respeito de equinos. O que

comiam, quais as melhores selas e até sugestões de como pular uma cerca baixa. Os

tópicos que mais a interessaram foram os que ensinavam a lidar com cavalos difíceis ou

nervosos. À medida que a leitura prosseguia, mais aumentava a certeza de que perderia a

disputa no dia seguinte. Fez o possível para ocultar das irmãs o desânimo e, de certa

forma, imaginou conseguir o objetivo.

Na hora do jantar, até sorriu. Fez brincadeiras com George quando o menino

anunciou a intenção de amarrar algumas rãs na pequena carruagem de madeira. Pretendia

transformar os bichos em miniaturas de corcéis.

Mais tarde, deitada na cama, não conseguiu dormir. As dúvidas e os receios

voltaram a acossá-la. O pior aspecto da questão não era perder a disputa e fazer-se de tola.

Era tudo isso acontecer perante Marcus St. John, marquês de Treymount.

Afofou os travesseiros e cobriu a cabeça com a manta.

Por que Treymount tivera de escolher justamente cavalos?

— Aonde vai?

Marcus desceu os degraus e parou no meio da escadaria.

— Quando foi que chegou, Anthony? — O marquês arqueou as sobrancelhas.

— Milorde — Jeffries deteve-se no primeiro degrau para desculpar-se —, eu ia

informá-lo da chegada de seu irmão.

— Considero-me informado. — Marcus terminou de descer. Jeffries seguiu-o pelo

hall. — Anthony, o que está fazendo aqui tão cedo?

— Vim convidá-lo para irmos ao leilão de Sommerset. Langhome está vendendo

todos os cavalos.

Marcus entrou na sala de almoço e sentou-se no local de costume.

— Até os de caça?

Anthony acompanhou-o e impediu que o copeiro lhe servisse ovos.

— Principalmente esses.

— Eu não sabia.

— Langhome se casou há um ano e a esposa está grávida. Creio que ele deseja

incrementar a produção de suas propriedades.

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— Uma atitude sensata.

— Para mim será ótimo — Anthony comentou com um soiriso. — Venho

procurando montarias adequadas para as financas.

Jeffries entrou com a bandeja contendo os convites do dia. Distraído, Marcus

folheou-os enquanto comia.

— A venda de Langhome lhe fornecerá o que deseja. Gostaria de acompanhá-lo,

mas tenho um compromisso.

— Ah, é?

— Pelo que fui informado, não perdi a disputa de arco-e-flecha com a srta. Baker-

Sneed.

— O quê!?

— O meu espanto foi semelhante ao seu. As irmãs de Honória movimentaram o

alvo para eu errar. Assim a disputa não teve efeito.

— E como foi que descobriu a tramóia?

— Pela boca da vitoriosa. Pelo visto, Honória não tinha conhecimento da armadilha.

Quando soube, veio me contar.

Anthony deu um assobio.

— Uma grande prova de caráter. Eu não sei se teria contado se estivesse no lugar

dela.

Marcus não podia discordar de Anthony. Honória era uma mulher excepcional sob

inúmeros aspectos.

Anthony recostou-se na cadeira e deu um sorriso largo. Marcus logo entendeu o

olhar do irmão.

— Anthony, não diga mais nenhuma palavra!

— Nem será preciso. — O outro riu.

— Ótimo. Nós redimensionamos a disputa. Dessa vez envolverá cavalos.

— E isso é bom?

— A menos que eu esteja enganado, equitação não deve ser o forte da srta. Baker-

Sneed.

— O que lhe dará uma vantagem. Da última vez em que pensou vencer...

— Já o avisei. Não quero ouvir mais nada. — Marcus deixou de lado os envelopes

fechados. — Não preciso dos seus sábios conselhos. Terei de passar pelo menos uma hora

ou duas na companhia de Honória Baker-Sneed. Ela fará o possível para estraçalhar o meu

caráter, destruir o meu amor-próprio e provocará minha boa educação até o limite.

— Eu gostaria de conhecer essa mulher. Ela me parece fascinante. — Anthony

pegou um envelope rosa com margens brancas e cheirou-o. — Meu Deus! — Ele largou a

peça com a ponta dos dedos e os olhos lacrimejantes.

— Lady Percival — Marcus fez uma careta. — Ela escreve pelo menos duas vezes ao

dia.

— Duas? Está brincando! — Anthony espantou-se.

— Nem um pouco. E ela perde tempo, porque eu ignoro todos os bilhetes.

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— Ela usava esse perfume durante o relacionamento de vocês?

— Não. Eu a teria deixado muito antes. Tenho notado que as notas têm se tornado

mais perfumadas à medida que o tempo passe sem respostas.

— Incomoda-se se eu ler o que está escrito? — Anthony perguntou

Marcus deu de ombros e recostou-se para o criado tirar o prato.

Anthony abriu a missiva com o maior cuidado. Não queria perfumar os dedos. Leu

rapidamente e franziu a testa.

— Ela o quer de volta a qualquer custo.

— Uma pena.

Anthony atirou de novo o papel na pilha e limpou os dedos no guardanapo de

Marcus.

— Eu não imaginava que lady Percival ainda estivesse apaixonada por você.

— Pela minha conta bancária, talvez, mas não por mim.

— Todo cuidado é providencial. Uma mulher desprezada é um perigo!

— Eu sei. A única maneira de acabar com isso é ignorá-la completamente. Com o

tempo, o artifício dará resultado.

Anthony encostou-se no espaldar da cadeira e espreguiçou-se.

— Espero que esteja certo. Ela não é uma mulher que se conforma facilmente com

uma derrota.

— Nenhuma delas aceita um revés com boa-vontade. — Marcus afastou a cadeira

da mesa. — Fiquei satisfeito de vê-lo antes da partida. Quanto tempo pretende demorar?

— Dois dias. Três no máximo.

— Está bem. Eu o acompanharei até a carruagem. Preciso ir à estrebaria selecionar

os cavalos para a disputa.

Os irmãos se levantaram e foram até o grande hall.

— Os animais serão os seus?

— Ah, sim. A srta. Honória não possui cavalos de montaria. E mesmo que os

possuísse, imagino que nunca haveria de subir em nenhum deles.

— Se a srta. Honória tem medo de cavalos, será conveniente escolher para ela um

animal fogoso.

Marcus fitou o irmão com severidade.

— Não pretendo matá-la, Anthony. Só desejo ganhar essa disputa e recuperar o

bendito anel.

— Qual o cavalo que pretende dar a ela?

Marcus sorriu.

— A adorável Honória terá a oportunidade de testar os passos de Lightning.

Anthony se deteve, espantado.

— A antiga montaria de nossa irmã?

— A própria. — Marcus anuiu para o criado que segurava aberta a porta da frente e

precedeu Anthony na saída.

— Não posso acreditar que a velha trouxa de ossos ainda esteja viva.

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— Viva, com saúde e comendo bastante. Sempre que vem a Londres, Sara deixa o

filho travesso montá-la. É um sofrimento para o menino e para a égua.

— Eu daria vinte libras para ver a expressão da srta. Baker-Sneed quando descobrir

o traste que lhe foi destinado.

— Também pensei nisso. Mesmo que não seja do agrado dela, eu não ousaria

entregar-lhe nada melhor sem expô-la ao perigo.

Anthony desceu os degraus de mármore.

— Tem razão. E qual o animal que escolheu para si mesmo?

— Demon. Usarei um pequeno obstáculo do parque. Demon o vencerá com

facilidade. Lightning na certa não levantará uma pata acima do necessário. Ela se revoltará

se tiver de fazer outra coisa que não seja caminhar.

— Dessa vez não há como perder, não é mesmo, Marcus? — Anthony sorriu ao se

aproximar de sua carruagem.

— Tenha certeza disso. Na volta, eu lhe contarei como foi.

— Virei procurá-lo assim que eu retornar de Sommerset. — Anthony subiu e

sentou-se. O criado fechou a portinhola, e Anthony pôs a cabeça para fora da janela. —

Boa sorte, embora seja óbvio que ela estará do seu lado.

Marcus fez um aceno de despedida. O coche arrancou para a frente com um tranco,

desceu a alameda e perdeu-se nas ruas da elegante Mayfair. Pensando na disputa, Marcus

foi para a cavalariça. A égua mais lenta do mundo seria montada pela mulher mais franca

e leal da Inglaterra.

Poderia haver par mais adequado?

— Meu Deus! — Honória tentou sair da carruagem e piscou, sentindo tontura. Teve

a impressão de que o cocheiro do marquês de Treymount oscilava.

— Eu a trouxe aqui em nove minutos e meio, senhorita! — ele se vangloriou e

ajudou-a a descer. — A senhorita nunca andou tão depressa, não é?

— Não. Nunca. — Honória sacudiu devagar a cabeça. Logo pela manhã, Marcus

mandara a carruagem buscá-la.

Na mensagem entregue pelo cocheiro, um aviso que seriam acompanhados por

dois cavaleiros. Portanto não haveria necessidade de dama de companhia. Era uma carta

arrogante, bem ao estilo de Treymount.

Para ser sincera, Honória nem mesmo pensara no decoro, ocupada demais em

combater seus medos. Mãos úmidas e coração aos saltos. Estava assim desde que saíra da

cama, após uma noite insone. Imaginava que o marquês escolheria para ela uma montaria

problemática. Arrependeu-se de não haver admitido o receio por cavalos. Se fosse esperta,

não teria aceitado aquele tipo de disputa.

— Olá, srta. Baker-Sneed — Marcus cumprimentou-a de longe com sua voz

profunda.

Honória virou-se. O marquês desceu a escada frontal de Treymount House e

aproximou-se, puxando as luvas de couro macio. O traje negro de montaria tinha como

único contraste a gravata branca.

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Apesar do nervosismo, Honória não deixou de sentir a atração costumeira por ele.

Alisou o próprio traje de equitação que, na verdade, era um antigo de Cassandra. Carol o

ajustara em seu corpo e ninguém poderia notar que não lhe pertencia. Azul-claro não era

sua cor favorita. Teria preferido um traje vermelho. Enfim...

Treymount parou diante de Honória e ela teve de esforçar-se para respirar

normalmente.

— Está pronta? Demorei bastante para escolher uma égua para a senhorita.

— Ah, é? — Honória fingiu uma indiferença que estava longe de sentir. Tinha

certeza que a escolha recaíra em um animal fogoso e irritadiço. Nem queria pensar nos que

tivessem predileção por morder pessoas. E se...

— Não... — Marcus segurou-a pelo braço.

— Não, o quê? — Honória apertou o estômago nauseado. — Não sei do que

milorde está falando.

— Não se preocupe com ela.

— O quê? — Honória seguiu o olhar de Treymount. Um belo cavalo negro era

conduzido por um criado de libré. — Misericórdia! Milorde não pode estar pensando...

Co... como e o no... nome da égua?

— Lightning.

— Hã?

— Foi minha irmã quem lhe deu esse nome.

O animal assustou-se com uma folha que voou na rua, empinou-se nas patas de trás

e os cascos passaram muito perto da cabeça do cavalariço.

Honória recuou, apavorada.

— Treymount, eu não posso... Milorde não deveria... Não há outra maneira...

Marcus segurou-lhe os ombros e sacudiu-a.

— O que está acontecendo, Honória?

— O ca... cavalo. Eu não po... posso... — As lágrimas começaram a deslizar por suas

faces.

Treymount olhou a rua e entendeu o que se passava.

— Oh, não, Honória. Aquele é o meu cavalo, Demon. A égua vem atrás dele.

Honória virou-se. Olhou, piscou e tornou a olhar. Atrás do fogoso animal, vinha

outro.

— Aquela é Lightning? A mais ligeira do seu plantel?

Marcus soltou-a, com olhar matreiro.

— Quem lhe disse que eu decidiria por um animal que pudesse representar um

risco para a sua segurança? Nem por qualquer disputa do mundo, doçura.

Aquelas palavras acalmaram os receios de Honória. O marquês era um homem

correto e decente. Ela passara boa parte da noite pensando na reação dele diante da

travessura de Carol e Olivia. E Marcus havia reagido bem melhor do que Honória temera.

Naquela altura, em vez de expô-la ao perigo, ele preferia garantir-lhe ao menos a

dignidade.

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Honória tinha certeza de que não o venceria. Observou de novo a égua que lhe era

destinada e sorriu. Ela não ganharia uma corrida de cem metros nem pularia uma cerca de

trinta centímetros. Pelo menos não seria uma experiência assustadora ou humilhante.

— Bem, srta. Baker-Sneed, o que acha de Lightning?

— Ela é gorda.

— Bobagem. É puro músculo.

Honória evitou rir.

— O traseiro é muito inclinado.

— Talvez a senhorita não esteja acostumada com esse tipo de raça.

— Ah! Velha e com o traseiro caído? Já vi carroças de fazenda serem puxadas por

animais em melhor forma do que esta égua. Não estou me queixando, milorde. — Honória

hesitou. — Ela morde?

— Somente mingau. Um dos problemas de Lightning é ter poucos dentes, a maior

parte deles no fundo. Por isso recebe ração especial.

Honória não acreditou na própria sorte.

— Milorde deve estar brincando.

— Não. Era a égua favorita de Sara. — Marcus deu de ombros. — Não tive coragem

de me desfazer dela. Lightning acha que a minha estrebaria é o seu lar. Se eu a tirasse

daqui, creio que a pobre acabaria definhando. Bem, está pronta?

— Sim. Vamos.

Honória deu alguns passos com desenvoltura, seguida por Marcus. Parou ao lado

da égua, reunindo coragem. O animal fitou-a com desinteresse, o que deixou Honória

mais tranquila.

Se ela nem queria olhar, muito menos pensaria em morder. Decidida, preparou-se

para montar.

No mesmo instante, Marcus segurou-a pela cintura para ajuda-la a subir. Mãos

quentes e fortes que fizeram o coração de Honória disparar.

— Está tudo bem? — Ele encarou-a com um brilho intenso no olhar.

Era estranho estar em cima de uma sela depois de tanto tempo. Honória arrumou as

saias e ajeitou-se na sela feminina. Lightning não se mexeu.

— Por enquanto, sim — ela garantiu.

— Não vamos demorar. Imaginei que poderíamos dar uma volta. A carruagem nos

encontrará nos portões dos fundos. Está bem assim?

Deveria estar.

— Quais os termos dessa pequena disputa?

— O que eu fizer, a senhorita terá de imitar. O primeiro a cair ou que perder o

controle do animal perderá a disputa.

— Imediatamente?

— Isso mesmo, senhorita. Quanto antes terminassem, melhor.

— Está bem. Vamos.

Treymount foi até seu cavalo. O garanhão assustou-se, mas em instantes o marquês

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montou e, com pulso firme, assumiu o controle de Demon. Marcus saiu na frente com o

fogoso corcel, seguido pela lesma sem dentes e por um palafreneiro montado num cavalo

cinzento.

— Não é tão ruim, não é mesmo?

Honória fitou o marquês de relance. Ambos encontravam dificuldade em ficar um

ao lado do outro. O parque estava lotado e muitas carruagens paravam para saudar

Marcus St. John.

— Não, não é. — Honória bateu carinhosamente no pescoço da égua. — Exceto

Lightning, que não pára de suspirar.

— Ela odeia o parque. Aliás, odeia qualquer coisa que não seja a sua baia.

— Eu a entendo. Este passeio também não me agrada.

O sorriso de Treymount deixou à mostra seus dentes brancos e brilhantes.

— Eu percebi. Descontraia-se, Honória. Está segurando as rédeas como se fossem

cobras. Mantenha as tiras entre os dedos... assim. — Marcus demonstrou a posição correta.

Honória seguiu o exemplo dele e achou a posição correta.

O passeio começava a tornar-se agradável. Depois de fazer uma curva acentuada,

eles encontraram três cavaleiros e uma amazona loira e belíssima.

O cavalo do marquês assustou-se com o aparecimento de outro garanhão negro,

mas logo a paz foi restaurada. Para imenso alívio de Honória, Lightning nem mesmo

tomou conhecimento da confusão momentânea. Conservou-se de lado, mastigando a

brida.

— Por que não controlou o seu cavalo, Treymount? — O homem montado no outro

garanhão negro irritou-se.

— Eu o segurei. Por que não faz o mesmo, Buckram?

De fato, o cavaleiro não conseguia conter o ímpeto do animal, enquanto Demon já

se aquietara.

— Ora, ora, quem temos por aqui? — A mulher loira fitou Honória depois da paz

restabelecida entre os animais.

Treymount anuiu com frieza.

— Lady Percival.

Honória percebeu de imediato a tensão reinante.

A mulher não deixou de fitá-la e conservou um sorriso maldoso.

— Srta. Baker-Sneed?

Como a mulher sabia seu nome? Honória não entendeu.

Lady Percival adivinhou-lhe o pensamento. Abriu ainda mais o sorriso e fez um

trejeito com a cabeça. A pena de avestruz que adornava o penteado oscilou.

— Eu a vi no baile dos Oxbridge. Todos comentaram a respeito da sua presença ao

lado do marquês de Treymount. Eu estava morrendo de vontade para descobrir de quem

se tratava.

— Ah, milady. Não imaginei que pudessem ter-me notado.

— Isso seria bastante provável em circunstâncias normais. — Lady Percival fitou-a

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com olhar gélido.

— Estávamos curiosos para descobrir o último flerte de Treymount — Buckram

explicou.

Honória retesou-se. As pessoas pensavam que ela e Marcus St. John tinham um

caso?

— Não se preocupe, querida. — Lady Percival fingiu-se bondosa. — Todos sabem

que Honória Baker-Sneed não é uma mulher para namoricos, mas sim para casamento.

Marcus, é preciso tomar cuidado.

— Modere as palavras, minha lady — Marcus falou em voz baixa, porém

ameaçadora.

O leve rubor de lady Percival não tirou a serenidade de sua expressão.

— A curiosidade a respeito da identidade da srta. Baker-Sneed no baile dos

Oxbridge deveu-se ao fato de ela ser a mulher mais admirável presente na festa — Marcus

completou.

— Certíssimo, Treymount — Buckram concordou.

— Francamente, Marc... — Lady Percival cobriu a boca, fingindo consternação. —

Quero dizer, lorde Treymount. Perdoe-me. É difícil lembrar-me do nome cerimonioso,

depois de...

Honória entendeu o que estava acontecendo. Na certa, lady Percival e Treymount

haviam desfrutado um relacionamento que terminara por vontade do marquês. E ela

procurava vingança.

Honória não era nenhuma jovenzinha inexperiente e vinha de uma família lotada

de mulheres. Reconhecia o menor traço de rejeição.

— Lady Percival, tive muito prazer em conhecê-la, porém Marc... lorde Treymount e

eu temos de resolver uma disputa envolvendo nossos cavalos. — Virou-se para Marcus: —

Vamos continuar?

Um sorriso sincero seguiu o espanto na fisionomia de Treymount.

— Vamos, minha querida.

Honória inclinou a cabeça com cortesia e incitou a égua para a frente. Em segundos,

Marcus alcançou-a.

— Foi um desempenho magistral — ele cumprimentou-a.

— Quem ela pensa que é?

— Ela pertence ao passado. Nada mais.

Honória sentiu-se corar. Eles continuaram o passeio. Treymount tinha de conter

Demon para acompanhar a égua relutante. O cavalo se assustava aqui e ali, mas a

indiferença de Lightning deixava Honória mais tranquila. Ela chegou a notar que o sol

brilhava por entre as árvores e iluminava uma bela manhã. Escutou o canto dos pássaros.

Bem diferente do ruído dos cascos de cavalos que puxavam as carroças na rua de sua casa.

O marquês era uma companhia agradável. Não falava demais nem monopolizava

uma eventual conversa. Aparentava satislação apenas em cavalgar e aproveitar o passeio.

Exatamente como ela se sentia.

Honória não podia acreditar que estivesse gostando de Treymount. Aquilo não

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podia acontecer. Ela o conhecia muito bem.

O marquês ia atrás da caça e da excitação. Havia presenciado sua determinação nos

leilões. E percebera que ele não se deixava envolver por nenhuma mulher.

Para Marcus St. John, casamento era uma armadilha que devia ser evitada.

Felizmente ela não era uma donzela à procura de matrimônio. Pelo contrário, o casamento,

para Honória, tinha um valor superestimado. Era uma aliança destinada a outras pessoas,

como, por exemplo, a doce Cassandra. Honória preferia manter a liberdade. O que não era

de todo mau, pois ela parecia atrair homens que pensavam da mesma maneira.

Depois de contornar um trecho ao sul do parque, Treymount deteve o cavalo. O

número de pessoas e de veículos diminuíra.

— Aqui estamos. Creio que agora podemos concluir nossa dispula.

Honória ocultou o desapontamento. Afinal, estavam ali para resolver uma

pendência, e não para dar um passeio. Pela primeira vez andar a cavalo lhe agradava,

assim como estar acompanhada pelo marquês. Uma pena que tudo terminaria depressa.

— Certamente. Por onde começaremos?

Marcus olhou ao redor e apontou uma cerca-viva de pequena em frente.

— Primeiro eu e Demon saltaremos. Depois a senhorita e Lightning farão o mesmo.

Bastante promissor. Nada mais falso. A egua preguiçosa nem sequer olharia para a

sebe. E se não fosse puxada à força, nem chegaria perto. Mesmo assim, Honória não

desejava parecer impertinente diante do marquês. Virou a égua na direção do obstáculo e

instigou-a para a frente.

Os dois cavalos saíram da alameda. Demon, contido o tempo todo, parecia

impaciente por alguma atividade. Apesar disso, Treymount controlava o animal com

facilidade. A égua andava em marcha lenta e relutava em aproximar-se da cerca-viva.

Marcus chegou primeiro e aguardou a oponente.

— Pronta? — Como sempre, seu sorriso era irresistível.

— Ah, sim. — Honória não correspondeu ao sinal de simpatia.

Um pensamento horrível acometeu-a. O que faria se Lightning resolvesse saltar o

obstáculo?

— O que houve, srta. Baker-Sneed?

Honória percebeu que o temor devia estar inscrito em seu semblante. O marquês a

olhava com preocupação. Ela engoliu o receio da melhor maneira que pôde.

— Nada, nada! Eu estava apenas...

Honória fitou a sebe, e uma sucessão rápida de imagens passou diante de seus

olhos. Ela sendo atirada para fora da montaria, caindo no chão com as patas atingindo seu

rosto...

— Honória.

Ela piscou. Marcus se aproximara e estava perto demais. O rosto a poucos

centímetros do seu.

— Não fique inquieta. Se não quiser, não tente. Pensaremos em outra coisa.

Para espanto de Honória, ele se inclinou para a frente e beijou-a.

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Marcus jamais entenderia o que o fizera tomar tal atitude. Por um instante

testemunhara um olhar de pânico. E Honória não era mulher de se apavorar à toa. Era

muito mais sensata do que muitos homens. E ver seu olhar nublado, o lábio inferior entre

os dentes, a veia pulsando no pescoço... Não houvera alternativa a não ser beijá-la.

E tudo aconteceu em uma questão de segundos.

Demon aproveitou-se da distração do dono. Assim que Marcus tocou nos lábios de

Honória com os seus, o cavalo pulou. Marcus foi atirado para fora da sela. Ao cair, tirou

Honória de cima da égua.

No próximo instante, estavam deitados no chão, Marcus por cima de Honória,

pressionando o rosto no ombro delicado, os joelhos entre os dela. Uma nuvem de poeira

envolveu-os quando o cavalariço saiu em perseguição a Demon em alta velocidade.

Marcus não acreditou no ocorrido. Sentia o coração disparado de Honória e o

perfume de seus cabelos. Experimentou também a suavidade do corpo sob o seu e a

própria reação nada suave. Gemeu baixinho. Honória era exuberante. Mas aquele não era

o momento certo nem a hora adequada. Ergueu-se em um dos cotovelos e... escutou o riso

agudo de uma mulher atrás dele.

Lady Percival.

Marcus fechou os olhos e imediatamente entendeu o próprio destino. Aquele anel-

talismã prendera outro St. John em sua rede invisível!

Misericórdia! O que ele poderia fazer?

— Mal posso acreditar! — Carol exclamou e olhou ao redor do quarto repleto de

flores, cartões e caixas de tamanhos variados. Um recinto comum transformado em um

cenário de conto de fadas. Fitou Honória e suspirou. — Quem poderia imaginar? Honória

Baker-Sneed e Treymount!

— Mas era de se esperar. — Juliet abria sistematicamente uma pilha de

congratulações e convites, todos de membros da nobreza. — Afinal Honória estava usando

o anel-talismã dos St. John! Era uma questão de tempo para ser apanhada no

encantamento.

Honória pareceu voltar à vida depois de fitar as chamas com tristeza durante um

bom tempo.

— Juliet, quando foi que descobriu sobre a lenda do anel?

— Ah, eu sempre soube, Honória. Todo o mundo sabe.

— É verdade. — Carol espiou dentro de mais uma caixa com um presente e puxou

o papel. — Vejam! Outro bule de chá. Na época do casamento, já terá uma centena deles.

— Isso sem mencionar — Juliet abriu outro convite com margem dourada — que

agora somos convidadas para todos os lugares! Honória nos salvou! Conseguiremos

maridos bonitos e ricos!

Honória fitou o anel em seu dedo. Seria ele o culpado por toda aquela embrulhada?

Ela não queria bules nem convites. E embora desejasse o melhor para as irmãs, não

desejava ficar presa por isso.

O casamento com Marcus St. John não significava necessariamente o sacrifício da

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liberdade. Não se tratava de um enlace por amor. A questão fora ocasionada pela

incapacidade de Treymount em segurar a língua.

Honória pensou em tudo o que teria de dizer a ele. Depois de anunciar o noivado

aos boateiros que os haviam rodeado no parque, Marcus havia esperado a volta do

cavalariço e levara-a para casa sem dizer mais nenhuma palavra.

Atônita, Honória não tinha conseguido falar. Não desejava nada daquilo, apesar da

alegria que proporcionaria às irmãs. Cassandra encontraria um marido rico, seu maior

sonho. Para Honória, nada poderia ter sido pior. Não queria casar-se, ainda mais com um

homem que deixava evidente a aversão ao matrimónio.

Ali estava o cerne da questão. Honória desistiria do que mais prezava no mundo, e

em favor do quê? Para ser considerada um peso morto? Uma ocorrência infeliz? O

relacionamento entre Marcus St. John e ela começara de maneira explosiva e estava fadado

e tornar-se tenso e distante.

Para confirmar seus piores receios, havia quatro dias não linha notícias do marquês

exceto por algumas notas impessoais e perguntas ridículas sobre o enlace. Para aumentar a

raiva da noiva, Marcus decidira que eles deveriam se casar o quanto antes e tratara de

tomar todas as providências sem consultá-la a respeito de nenhuma.

Embora Honória reiterasse os pedidos para se encontrarem, ele mandava bilhetes

dizendo que estava tudo resolvido e que a veria em seguida. E assim os dias se passavam.

O mais frustrante para ela era saber que Treymount estava certo. O casamento seria

inevitável. Graças a lady Percival, todos ficaram sabendo do abraço acidental ocorrido no

parque. Se Honória não se casasse com o marquês, não apenas sua reputação estaria

comprometida, mas também a das irmãs. A sociedade estendia a culpa de uma pessoa aos

familiares mais próximos. A menos, é claro, que todos tivessem dinheiro ou posição social

definida.

— Honória, acha mesmo que teremos uma grande festa? — Carol perguntou pela

centésima vez.

— Não, se a minha opinião for levada em conta.

Honória gostaria de anunciar que não haveria casamento. Seria trágico unir-se a um

homem que se casava apenas por um estrito senso de dever.

Ela havia ficado afastada de Marcus o mais que pudera, conforme as ordens dele.

Porém, na véspera, não tinha resistido e fora procurá-lo. Mais uma vez acompanhada pela

sra. Kemble. Havia chegado a Treymount House decidida a recuperar um resquício de

controle sobre sua vida. E, mais uma vez, o mordomo a informara que o marquês não se

encontrava na mansão.

Honória não acreditara. Ainda não eram nove horas. Treymount devia estar

dormindo. Sem outro recurso, tinha deixado uma mensagem e voltado para casa. Usara

palavras enérgicas, corrosivas e descorteses para expressar o dissabor de saber-se afastada

de todo o processo.

Treymount nem ao menos havia se dignado lhe responder.

Honória nunca sentira tristeza tão profunda. Por isso, naquela manhã tinha escrito

mais uma missiva para o marquês. Pedira um encontro com a maior urgência possível.

Caso contrário, ela voltaria a Treymount House e nenhum mordomo de cara feia a

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impediria de entrar! Escreveu o bilhete mais para desabafar, com a certeza de que seria

ignorado.

A porta foi aberta e a sra. Kemble entrou, sorrindo de orelha a orelha.

— Srta. Honória! Ele está aqui!

Finalmente! Alívio e irritação se misturaram no peito de Honória. Ela se levantou e

endireitou a saia. E por que resolvera usar aquele vestido velho? Possuía pelo menos meia

dúzia que estavam em melhores condições. Notou que todas a olhavam e enrubesceu.

— Ah, sim. Por favor, leve milorde até a sala de estar.

A sra. Kemble anuiu e disparou como um raio.

— Ah, mas nós também queremos vê-lo! — Carol reclamou.

— Isso mesmo, queremos dar-lhe as boas-vindas por haver ingressado na família —

Olivia endossou a queixa de Carol.

— O marquês e Honória precisam ficar um pouco a sós — Cassandra considerou.

— Eles mal tiveram tempo de conversar desde... — fitou a irmã — ...o noivado.

— Obrigada. — Honória olhou-se no espelho e detestou o aspecto da trança

malfeita. Arrumou-a o melhor que pôde e saiu.

Dali a instantes parou diante da entrada da sala de estar com 0 coração batendo em

descompasso e a boca seca.

Inspirou fundo e abriu a porta.

Marcus virou-se, o chapéu na mão, envergando o sobretudo. Analisou-a de alto a

baixo e fez uma mesura.

— Bom dia.

Honória esmerou-se na reverência e deduziu que o marquês não pretendia

demorar-se.

— Bom dia. Como tem passado, milorde? — As palavras custaram a vir.

— Bem. E a senhorita? Sobre o que deseja falar, srta. Baker-Sneed? Sobre o tempo?

— Por favor, não. — Ela pressionou a têmpora. — Perdoe-me. Sei que isso é

constrangedor para nós dois. Odeio o que está acontecendo. É a última coisa no mundo

que eu poderia desejar.

— Odeia o que está acontecendo? — Marcus repetiu.

— Claro que sim. Tanto como milorde, eu não tinha a menor intenção de casar-me.

— Mas já que fomos impelidos ao inevitável, suponho que deveríamos fazer um

esforço para melhorar a situação. — A fisionomia de Marcus não pôde ser decifrada.

— Eu também acho. — Honória indicou as duas poltronas de frente para a lareira.

— Vamos nos sentar?

— Sim, mas eu prefiro o sofá. Assim poderei ver seu rosto.

Apesar da estranha afirmação, Honória seguiu-o até o sofá. Sentaram-se na beira,

levemente virados um para o outro. O constrangimento de ambos era evidente.

— A senhorita me parece cansada. Aconteceu alguma coisa... além desse transtorno

todo?

Um transtorno horrível, na certa.

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— Passei esses dias tentando decidir o que fazer e como fazer, sem encontrar

solução, a não ser... — Honória sentiu os olhos lacrimejarem e tratou de controlar a

angústia.

— Eu lhe escrevi todos os dias, senhorita.

— Ah, sim! Algumas sentenças secas e ridículas. Quer orquídeas ou lírios para o

casamento? Tem preferência por alguma igreja? Foi muita bondade sua preocupar-se

comigo!

Marcus franziu o cenho e fitou-a por um longo momento.

— Peço-lhe perdão se cometi alguma injustiça. Porém tive de resolver todos os

detalhes, organizar...

— Ah, por isso não veio me ver durante quatro dias? Não teve dez minutos para

dispensar-me um pouco de atenção?

Honória recrimínou-se. Eles ainda não estavam casados e ela mais parecia a mulher

de um peixeiro. Mas não podia evitar os lamentos. Tudo era tão confuso... e tão triste...

De repente, a tensão acumulada nos quatro dias explodiu. As lágrimas começaram

a deslizar. Os lábios tremiam. Honória teve a impressão de um alicate apertando-lhe o

coração.

Santo Deus, não queria chorar! Não naquele momento! Não diante de Marcus!

Não conseguiu impedir os soluços que se encadeavam, incontroláveis. Escondeu o

rosto entre as mãos e entregou-se a um pranto convulsivo.

Marcus abraçou-a com ternura. Esfregou-lhe o ombro e encostou o rosto nos cabelos

sedosos, esperando a crise passar.

Honória, assim como ele, encontrava-se acabrunhada e receosa. Marcus jamais

pensara em casar-se daquela maneira, sob a pressão de um escândalo. E muito menos

tinha imaginado que o próprio comportamento fosse tão esquisito. E fora.

Honória possuía uma estranha capacidade de desnorteá-lo. Por esse motivo ele se

mantivera afastado. Precisava evitar perder mais uma vez o pouco de controle que lhe

restava.

Embora não houvesse se dado conta, tinha sido assim desde o começo. Era uma

atração física forte que o impedira de continuar com seu padrão normal de existência. Fora

uma loucura beijar Honória em público e no meio do parque. Por outro lado, a loucura

fizera sentido. Era perturbador concluir que repetiria o gesto com a maior tranquilidade.

Apesar das sequelas, o sabor dos lábios de Honória compensava qualquer problema

consequente.

A situação era tumultuada e ao mesmo tempo irritante. Não entendia como poderia

ter-se tornado um homem sem raciocínio lógico, desprovido do mais leve senso comum.

Era difícil admitir que na verdade a ideia de casamento só lhe parecia viável com

Honória, embora não desejasse ser forçado pela sociedade e pelo riso irônico de lady

Percival.

Encostar o rosto nos cabelos perfumados de Honória acalmou-o, mas a

proximidade deixou-o ansioso. Um fato que acontecia desde a primeira vez em que viera

em busca do anel de sua mãe.

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O que se revelava uma questão de grande perplexidade. Como poderia resistir a

Honória quando estivessem morando sob o mesmo teto? Seria o anel-talismã responsável

por aquela atração? Tratava-se de algum tipo de encantamento? Qual o desfecho da

enrascada em que ambos se encontravam?

Aos poucos as lágrimas de Honória diminuíram e os soluços cessaram. Pôs as mãos

no peito de Marcus e endireitou-se. Ele, felizmente, usava sobretudo, o que impediu

Honória de perceber a reação que ela lhe provocava.

— Desculpe-me — Honória murmurou, com os longos cílios ainda brilhantes pela

umidade.

— Não se preocupe. — Marcus entregou-lhe o próprio lenço e avisou-a para assoar

o nariz, ou ele mesmo a ajudaria a fazê-lo.

— Milorde não ousaria.

— Não duvide.

— Minha mãe fazia isso comigo. — Honória sorriu e apressou-se em assoar o nariz.

— A minha também.

Ela secou os olhos, endireitou a saia e alisou os cabelos, contrafeita.

Marcus não se admirou por Honória estar nervosa. Ele também estava. Recriminou-

se por não ter vindo vê-la. Mas não pudera evitar o receio de não conter os próprios

impulsos.

Seria uma emoção verdadeira ou apenas o efeito do anel-talismã? Fitou o anel, que

brilhava no dedo de Honória. Disse a si mesmo que não serviria de chacota para um

pedaço de prata. E se tivesse de casar-se, faria o melhor possível.

— Nós dois temos várias coisas em comum.

— Além de mães que ameaçam assoar o nariz dos filhos? — Honória dobrou o

lenço e guardou-o no bolso da saia.

— Muito mais. Pense um pouco, Honória.

Ela franziu a testa.

— Bem, temos interesse por antiguidades. Mas nós sempre brigamos por isso.

— Se estivermos do mesmo lado...

Honória deu um sorriso largo, e os dentes alvos destacaram-se nos lábios rubros.

— Conseguiríamos muitos triunfos.

Marcus só pensava em provar novamente aquela boca carnuda.

— É... claro. Mas apenas o gosto por coisas antigas não é uma base sólida para uma

união. O que mais?

— Bem, ambos gostamos de vencer — Honória fitou a ponta de suas sapatilhas.

— Isso também é verdade. O que poderia gerar enfrentamentos constantes.

— Tem razão. O pior é que nós dois somos orgulhosos e inflexíveis.

— Nós dois, não! — Marcus endireitou-se.

— Arrogantes e obstinados em relação às nossas crenças.

O marquês espantou-se com a audácia de Honória. Ela era capaz de insultar com

um brilho nos olhos e com um sorriso sensual. O que o fazia ter vontade de rir deles

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mesmos.

— Posso jurar sobre a sepultura de minha mãe que não sou orgulhoso nem

inflexível — Marcus afirmou, convicto.

Honória olhou para o teto e revirou os olhos.

— Não o escute, Senhor. Ele está apenas irado porque temos de nos casar. E tudo

por causa do anel.

Jamais alguém o destratara daquela maneira e ainda por cima o fizera ter vontade

de rir. Marcus tentou mostrar-se severo, sem conseguir. Nenhum pensamento sombrio lhe

ocorria diante de criatura tão adorável de nariz vermelho e de olhar brilhante. Perguntou a

si mesmo por que nunca falara diretamente com ela ao se enfrentarem nos leilões. Ele

havia se limitado a mesuras irônicas quando se cruzavam.

Teria sido por orgulho? Ou por outro motivo? Talvez na época já estivesse

consciente da atração entre ambos e a evitara por isso. O que fazia mais sentido de que

atribuir tudo a um anel.

Honória era uma mulher interessante, com quem se podia manter uma conversa.

Diferente de todas as outras que nada tinham a dizer além de frivolidades. Honória era

inteligente, vivaz e trazia alento a situações comuns.

Marcus cruzou os braços e recostou-se no sofá.

— Protesto por ter sido chamado de arrogante e orgulhoso, ainda mais quando a

senhorita se confessa possuidora das mesmas faltas.

— Tivemos uma cozinheira que amaciava a carne dura com um martelo de

madeira.

— A senhorita pretende ser um instrumento semelhante para suavizar meu caráter?

— Com o maior prazer! — Honória respondeu sem hesitar. — É possível que os

aspectos mais rudes dos nossos temperamentos sejam amenizados.

— Por atrito constante?

— Pode ser.

— Essa não é uma ideia agradável.

Ela suspirou com tristeza.

— É exatamente o que eu temo. Não acho que poderemos combinar.

— Bobagem. Nós nos daremos bem. Temos gostos e interesses similares, e

apreciamos discutir. — Marcus deu de ombros. — Isso é mais do que muitos casais

possuem.

— Bem, talvez desse certo se nos esforçássemos no sentido de fazer concessões.

Acha que conseguiria mudar se fosse preciso?

Por que Honória lhe pedia um absurdo desses?

— E quais as mudanças que eu teria de fazer?

— Bem, talvez o modo de agir, não sei...

— Honória, não será necessário modificar nenhum de nós.

— Milorde não deseja melhorar. — Ela não ocultou a desaprovação.

— Isso é uma questão de ponto de vista — Marcus resmungou. Aquele era o

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problema com o casamento. As mulheres se achavam no direito de querer modificar os

maridos.

— O nosso aperfeiçoamento é um dever. Eu sempre procuro melhorar.

— Talvez a senhorita tenha defeitos graves.

Honória ergueu o queixo.

— Aparentemente, não.

Marcus deu um sorriso, apesar da irritação.

— A senhorita é bem corajosa.

— E milorde é impertinente.

— Às vezes. O que me sugere?

— Bem, com alguns interesses em comum e um pouco de boa-vontade de ambas as

partes, creio que essa união poderá servir-nos de alguma forma.

— Como assim?

— Treymount, não esconderei de milorde que o grande atrativo do nosso

casamento é a segurança financeira e os benefícios sociais que ele trará à minha família,

especialmente para minhas irmãs.

Aquelas palavras não feriram o orgulho de Marcus. Ele era um homem festejado e

elogiado por seus pares. O comentário de Honória fazia sentido. Afinal, era o chefe da

família mais rica da Inglaterra. Todavia não era agradável ouvir da futura esposa que sua

qualidade mais tentadora era a abastança.

— É fácil entender os benefícios que poderão ser usufruídos pela sua família. E

quais serão os meus?

Honória lançou-lhe um olhar fulminante.

— Não creio que terei de lembrar-lhe a ascendência dos Baker-Sneed. Nós podemos

traçar nossa árvore genealógica desde os tempos de Guilherme, o Conquistador.

Marcus arqueou as sobrancelhas.

— Isso teria importância se os St. John pretendessem ascender ao trono. O que é

uma ideia ridícula.

— Milorde não dá importância à linhagem.

Não dava. Mas Treymount se importava com a mulher que estava a seu lado. Não

que estivesse apaixonado. Longe disso. Ele a respeitava e passara a gostar dela. Tratava-se

de uma criatura sincera e sem o menor artifício. Sua beleza era natural e serena. Honória

era gentil, inteligente e observadora. Marcus não conhecia nenhuma mulher com espírito

tão atilado.

Ah, como desejava tê-la escolhido, e não ser obrigado a aceitá-la por uma imposição

do destino!

Marcus observou-lhe as linhas suaves do rosto, a silhueta voluptuosa, os lábios

sensuais. O calor fez seu sangue disparar e, por instinto, ele se aproximou... mais um

pouco...

Honória arregalou os olhos, porém não saiu do lugar. Nervosa, agarrou as saias.

Marcus abraçou-a pela cintura, levantou-a e sentou-a em seu colo. Ela assustou-se,

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mas em instantes agarrou-o pela nuca e colou seus lábios nos dele.

Treymount beijou-a com uma paixão que não imaginava possuir. As incertezas e as

preocupações dos últimos dias desapareceram com o desejo que assomava de maneira

intensa. O receio de um casamento fracassado foi esquecido. Tudo o que importava era o

calor daquele corpo sentado sobre o seu, os braços que lhe apertavam o pescoço e os lábios

tentadores...

Seu único pensamento era possuir a adorável srta. Honória Baker-Sneed, a

descendente de Guilherme, o Conquistador.

O beijo foi profundo e prolongado. Marcus acariciou-lhe as costas e os quadris.

Honória tinha contornos cheios e firmes. Sem descolar os lábios, ele alisou-lhe as coxas.

Ah, como a desejava! Mais do que a qualquer outra.

A porta da sala foi aberta.

— Honória, diga a Carol que eu...

Honória e Marcus abriram os olhos. Por um instante ficaram imóveis, sem se soltar,

olhando um para o outro, lábios colados.

— Céus! Eu... nós... eu não sabia... desculpem! A porta foi fechada com uma batida.

Honória gemeu e interrompeu o beijo.

— Era Juliet, uma das minhas irmãs. Ela dirá às outras e... Misericórdia! O que elas

vão pensar?

Honória saiu do colo de Marcus e ficou em pé. Ajeitou as saias e os cabelos. Estava

com o rosto corado e o olhar brilhante. Envergonhada.

Apesar da interrupção, o sangue de Treymount continuava fervente. Era preciso

manter limites para essa ansiedade. Além do mais, em poucos dias Honória lhe

pertenceria pelos ritos sagrados do matrimónio. E uma vez casados, tudo haveria de

melhorar. Tinha certeza disso.

— Milorde... Treymount...

— Marcus — ele a corrigiu e levantou-se do sofá. — Mudar o modo de tratamento

pode ser um bom começo.

— Sim, é claro. — Honória mordeu o lábio inferior. — Não existiria outra maneira

de resolvermos o caso? Não estou dizendo que não desejo casar-me com milorde, mas...

será que devemos?

Com certeza. De uma maneira ou de outra.

— Não temos escolha. Já considerei todas as possibilidades. Não há outra solução.

Lady Percival certamente se encarregou de espalhar o que houve e com bastante exagero.

Distorcer os fatos é uma das suas habilidades. O que não deixaria de nos favorecer. As

pessoas poderão descobrir discrepâncias nas narrativas e imaginar a verdade.

Honória massageou a nuca.

— Bem, eu realmente não me importo com a minha reputação, a não ser o quanto

isso afetará minhas irmãs. Não poderei permitir que os meus erros prejudiquem o bom

nome delas.

— Se não nos casarmos, suas irmãs serão proscritas antes mesmo da temporada

começar. — Marcus achou bom assustá-la para dirimir quaisquer dúvidas que Honória

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ainda tivesse. Ajeitou a aba do chapéu. — Consegui uma licença especial com o arcebispo.

Nós nos casaremos no final da semana.

Honória anuiu e foi até a janela.

— Eu... creio que nada tenho para dizer. — Ela encostou a testa na moldura de

madeira e fitou a rua, onde carroças e tílburis passavam de um lado para outro. — Então

será no sábado.

Marcus não ousou atravessar a sala e tomá-la nos braços. Se o fizesse, talvez não

conseguiria controlar seu ímpeto. Não deveria arriscar-se. Não até que estivessem

legalmente casados. Depois disso, voltaria à sua forma usual de comportamento.

— Tenha um bom dia, Honória. — Ele fez uma mesura. — Eu a manterei informada

sobre os acontecimentos.

Honória não se virou. Continuou a olhar o movimento da rua. Nunca se sentira tão

solitária.

— Está bem.

Marcus comoveu-se. A dor de vê-la tão perdida era insuportável.

— Honória?

Ela se voltou devagar e fitou-o com tristeza.

— Sim?

— Eu... — As palavras de conforto ficaram presas em sua garganta. — Até logo.

Sentindo-se o indivíduo mais desastrado na face da Terra, Marcus fez mais uma

mesura e saiu.

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Capítulo IX

Para Honória, era um dia como outro qualquer. Ou pior. Ela nada sentia. Nenhuma

excitação nem receio. Somente indiferença. Perdera não só o controle de sua vida, mas

também o senso de direção. Sentada junto à penteadeira, diante do espelho, via apenas um

olhar vazio.

Essas coisas só ocorriam com mulheres que não controlavam suas emoções, que

aceitavam privar-se dos laços de respeitabilidade para ganhar um marido a qualquer

preço. Não com ela, Honória Baker-Sneed.

Passara grande parte das últimas noites refletindo sobre o que havia acontecido e

passando do pânico a uma calma assustadora. Como permitira que isso acontecesse? Unir-

se a um homem que não desejava o matrimônio e que admitia não ser aquele o caminho

previamente escolhido!

Porém não havia outra saída. Era a sua liberdade ou a ruína das irmãs. Teria de ser

otimista e pensar que o casamento não poderia ser tão ruim. Marcus até admitira razões

para uma boa união. Isso trazia um pouco de esperança. Talvez, com o passar do tempo,

chegassem a gostar um do outro.

Suspirou, desconsolada. Sendo obrigada a casar-se, preferia que fosse por um

sentimento mais duradouro. Não podia negar a forte atração física existente entre ambos,

mas isso levaria ao amor? Ou à morte de sua vida?

Em trinta minutos não seria mais uma Baker-Sneed. Perderia a inocência, a

liberdade e o poder de decidir sobre a própria vida.

Entraria num mundo que não lhe era familiar. Seria a esposa de um dos homens

mais ricos e poderosos do país. Um homem tão insatisfeito com o matrimônio que não

chegara a ficar vinte minutos a seu lado depois de ter anunciado o casamento.

E o que lhe importava isso? Nada. Olhou no espelho e pressionou as mãos no rosto.

Sentiu os dedos. Não estava insensível. Apenas o coração tinha se retraído.

Cassandra entrou no quarto com um buque de flores. Fitou Honória pelo espelho e

hesitou.

— Ah, que bom vê-la. — Honória forçou um sorriso. — Todos já chegaram?

Por todos, ela referia-se a Marcus St. John, marquês de Treymount.

— Ele chegou há dez minutos.

— Por que você não veio me avisar?

— Por que o marquês teria de chegar às dez. — Cassandra ergueu o queixo. — Eu

não quis fazê-la perder os últimos minutos.

Honória teve de sorrir diante do tom obstinado tão incomum à irmã.

— Não precisa ser tão dura com ele. O marquês não planejou nada do que houve.

Marcus também não era devoto do matrimônio.

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— Não? Tem certeza?

— Foi o que ele me disse.

— Ah, Honória!

— Não se preocupe. Marcus St. John é uma pessoa sensata e não deixará a situação

ficar impraticável.

Com lágrimas nos olhos, Cassandra agarrou as mãos de Honória.

— Às vezes é difícil gostar do marquês. Ele me parece frio, insensível. Veio vê-la

apenas uma vez esta semana e, quando foi embora, deixou você em péssimo estado. A

carruagem do marquês quase subiu na calçada e ele... — Cassandra sacudiu a cabeça. —

Quero que reconsidere a sua decisão, Honória.

— E arruinar a possibilidade de todas conseguirem um bom marido? Eu não faria

isso nem por mil libras!

— Tudo por culpa do marquês! Por que ele tinha de beijá-la de cima de um cavalo

fogoso?

— Cassandra, foi um acidente.

— Nada disso. Ele é homem e experiente. Aproveitou-se da sua inocência e...

— Não seja tão rigorosa, Cassandra. Não culpe apenas Marcus. É verdade que ele

tentou me beijar. Mas devo ser honesta... Era o que eu desejava.

— Também?

Honória fitou as flores rosa e púrpura. Passou a mão na superfície aveludada de

uma pétala.

— Não sou nenhuma menina que pode ser enganada por um patife qualquer. Eu

sabia o que estava fazendo, mas era difícil manter-me afastada de Marcus. Quando ele me

beijava... — Honória corou. — Não creio que eu deva falar sobre isso.

— Honória, será possível que esteja gostando de lorde Treymount?

Era muito provável. Honória friccionou o anel de runas, sentindo o calor do metal.

— Claro que eu gosto. Tenho estima por ele. Marcus é muito teimoso, mas tem um

bom coração.

— Como pode estar tão certa disso?

— Pelo que ele faz pela família e pelos irmãos. Seu semblante quando fala deles... —

Honória sorriu. — Marcus tem orgulho da família. Talvez ele nem mesmo saiba o quanto.

Houve uma batida na porta e Carol entrou correndo.

— O vigário chegou e estamos prontos para... Ah, como está adorável, Honória!

Honória levantou-se. Usava seu melhor vestido. Uma túnica rosa enfeitada com

rosetas e sobreposta por um vestido diáfano cor de pérola.

— Obrigada, Carol. Estou pronta.

— Honória... — Cassandra estendeu a mão. — Tem certeza?

Nenhuma. Mas o que fazer? Não poderia sacrificar o futuro das irmãs. Jamais. Se

cometera um erro ao esquecer o decoro exigido pela sociedade, teria de pagar por isso.

Sozinha. Ou melhor, ela e Marcus teriam de arcar com as consequências.

Não havia retorno.

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De que adiantaria Treymount ter vindo visitá-la durante a semana dos

preparativos? Para repetir que, apesar de não haver amor, teriam de casar-se?

Ela amava Marcus! A verdade atingiu-a como um raio. Honória teve de segurar-se

no espaldar da poltrona para não cair.

— Honória! — Cassandra segurou-a pelo cotovelo. — O que houve?

— Nada... nada...

Tudo. Descobrira amar seu futuro marido, apesar de ele casar-se apenas para

cumprir um dever. Misericórdia, que horror!

Como poderia encará-lo depois de entender que o amava? Não. Não se deixaria

abater. Não romperia o orgulho. Empinou o queixo e virou-se com um sorriso no rosto.

— Vamos? Não quero deixar o marquês esperando.

Cassandra e Carol se entreolharam.

— Honória, se não quiser,.. — Carol murmurou.

— Não seja tola. — Honória controlou o desespero. — Marcus St. John é rico e

possui um título. Por que eu não haveria de querer me casar com ele?

De cabeça erguida e coração congelado, Honória passou na frente das irmãs e foi

para o corredor, onde quase colidiu com Marcus.

Ele a fitou, sério. Escutara as palavras da futura esposa.

Honória sentiu o rubor subir-lhe às faces.

— Ma... Marcus, eu...

— Está pronta? — A voz fria e impessoal soou como uma chicotada.

Honória anuiu.

— Muito bem. Eu a esperarei no vestíbulo. — Ele se virou e afastou-se.

Poucos convidados estavam presentes ao casamento. Dois irmãos de Marcus, suas

esposas e famílias. Anthony e Chase, Anna e Harriet, assim como cinco pupilos de

Anthony e duas irmãs e três irmãos de Harriet. Eles tinham vindo para Londres com o

propósito de visitar um famoso espetáculo com leões que era apresentado no Anfiteatro

Anstley. E acabaram como convidados de um casamento apressado.

Marcus se irritara com a presença dos familiares. Havia planejado uma cerimônia

íntima e com o máximo de privacidade. Mas quando saíra da catedral com a licença

especial no bolso, tinha encontrado Chase. Como resultado, havia tantos St. John quantos

Baker-Sneed.

A solenidade prosseguiu sem empecilhos. Marcus considerou que a adorável noiva

não parecia feliz.

E ele certamente também não estava. Fechou os olhos. As palavras de Honória

ainda ecoavam em seus ouvidos. Por que lhe importava o fato de ela casar-se apenas para

salvaguardar 0 bom nome da família, além, é claro, do interesse por seu título e sua

riqueza? Pessoas se casavam pelos mesmos motivos todos os dias. Ele próprio chegara a

considerar a hipótese.

Admitiu estar profundamente magoado com o que havia ouvido. Olhou para

Honória com o canto dos olhos. Ela fitava um horizonte inexistente sem nada ver, a

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fisionomia impassível. Gelada.

De início, Marcus rotulou o olhar distante como nervosismo, e nada se modificou

durante o almoço servido aos convidados após a cerimónia.

O mais triste era constar que Honória também não desejara casar-se, embora ele

tentasse reconciliar-se com a situação. Havia chegado até a assobiar naquela manhã

enquanto se aprontava.

Avaliara todos os aspectos positivos daquela união, inclusive as óbvias qualidades

de Honória.

Por ela não era capaz de pensar no enlace com um pouco de boa-vontade e deixar

de agir como um animal que vai para 0 sacrifício?

O mais desalentador era o desejo que não o abandonava, dia e noite. Quando

conseguia dormir, tinha sonhos eróticos com Honória que o deixavam ainda mais ansioso.

Somente o consolava refletir que em breve ela compartilharia sua cama.

Impaciente pelo término do almoço festivo, sentia a ansiedade aumentar ao fitar-lhe

os lábios ou ao sentir uma pressão ocasional de seus joelhos quando se curvava para

cochichar alguma coisa no ouvido da esposa.

Um pouco mais cedo do que o correio, Marcus resolveu agir. Mandou chamar a

carruagem e despediu-se rapidamente dos convidados. Ignorou os olhares cínicos dos

irmãos, apressou os abraços da noiva com as irmãs lacrimosas e conduziu Honória para

fora.

A carruagem estava à espera. Herberts segurava a porta escancarada tanto como a

boca sem dentes que ia de orelha a orelha.

— Finalmente, patrão! — Ele puxou a escada quando Honória se aproximou. — Boa

tarde, milady! Está com um vestido muito bonito! Que sapatos brilhantes! Nunca vi pés

tão bem calçados.

Herberts teria continuado a ladainha se Marcus não houvesse deixado uma moeda

em sua mão calosa.

— Não perca tempo, Herberts.

O cocheiro piscou, sem deixar de sorrir.

— Impaciente, não é? Depois de conhecer milady, não posso culpá-lo.

Marcus teve a impressão de que Herberts se conteve para não lhe dar um cutucão

nas costelas. Teria de ensinar algumas coisas ao impertinente, mas aquele não era o

momento adequado.

Marcus subiu na carruagem. Sentada diante dele, Honória estava pálida como uma

mortalha.

— Herberts, sabe para onde vamos?

— Sim, patrão! Ao pavilhão de caça. Lorde Brandon também gostava muito desse

lugar, porque uma vez...

Marcus bateu a portinhola. A carruagem balançou quando Herberts subiu na boleia

e os cavalos arrancaram para a frente.

Finalmente estavam a caminho. Honória era sua esposa. Marcus sabia que, apesar

da coragem e determinação, Honória se preservara. Por isso pretendia fazer da primeira

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vez a melhor para ela.

Marcus cruzou os braços e rezou para que Herberts fizesse o trajeto no menor

tempo possível. O pequeno pavilhão era um local perfeito para um encontro amoroso.

Marcus tinha em mente seduzir a esposa com paciência, carinho e paixão.

Honória não encontrava nada para dizer. Só pensava que perdera a liberdade para

sempre. Acabava de casar-se com um homem que mal conhecia.

O que não era exatamente verdade. Por meio das disputas nos leilões, acabara

desvendando alguma coisa sobre o caráter de Marcus St. John. Sabia, por exemplo, que ele

jamais permitia que as emoções prevalecessem sobre o bom-senso. E se fazia uma oferta,

era por gostar do objeto e conhecer seu valor. Quando o marquês cismava de possuir um

dos itens leiloados, Deus ajudasse quem estivesse em seu caminho. Rude, se necessário,

calculava os lances com grande controle e determinação.

Durante o tempo em que se empenharam na disputa do anel-talismã, Honória

havia aprendido que Marcus possuía um afiado senso de humor e era um homem justo.

Embora aparentasse frieza, tinha um caráter vibrante.

Honória sentiu o anel sob a luva. Haviam usado o talismã como aliança de

casamento, o que a surpreendeu. Imaginou que Marcus não tivera tempo de comprar

outro, ou que nem mesmo havia se importado com isso.

Desanimada, achou que a vida em comum seria um fracasso. Olhou-o de soslaio e

viu que ele a observava com uma intensidade que a fez perder o fôlego.

Honória piscou e tornou a alisar a saia. O que poderia dizer ao marido? Que sentia

muito por terem se casado? Que jamais desejara ser um trambolho para ninguém?

— Está com frio, Honória?

Ela fitou-o. Era mesmo seu marido. Atraente, magnífico, viril. O homem a quem

deveria amar. Sem querer, olhou para as coxas musculosas. Sentiu-se corar ao lembrar o

que experimentara sentada em seu colo.

— Por favor, não me olhe dessa maneira — Marcus pediu.

— Olhar como?

— Sabe muito bem do que estou falando.

— Perdão. Eu apenas... — Honória reparou que ele cruzara as pernas. Sentiu a boca

seca e passou a ponta da língua nos lábios.

Ela teve a impressão de tê-lo ouvido gemer. Ciente da tensão que os rodeava,

pressionou a garganta e sentiu o pulsar forte do sangue.

— Marcus... — foi só o que Honória conseguiu dizer.

Ele inclinou-se para a frente, ergueu a esposa do assento e sentou-a no colo.

Segurou-a pela cintura e encostou o rosto em seu pescoço.

Imóvel, Honória sentiu na pele a respiração quente e arfante do marido. As pernas

dele eram rijas e musculosas. E nada mais delicioso do que se sentar nelas...

Marcus ergueu o rosto, sorriu para Honória e acariciou-lhe a face.

— Há uma semana venho sonhando em abraçá-la.

— Então, por que não foi me ver?

— Porque eu já a havia deixado em uma situação constrangedora e temia perder o

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controle. Estar na sua presença me afeta profundamente.

O mesmo acontecia com Honória, mas ela não se entusiasmou. Atração física não

era amor. Embora não deixasse de ser uma notícia promissora.

— Honória, eu não pretendo fingir que esta é a melhor maneira de começar um

casamento. Mas é o que temos. Considerando as circunstâncias, creio que há possibilidade

de dar certo.

A carruagem balançou bruscamente e Marcus segurou Honória com firmeza de

encontro ao peito. Ela fechou os olhos. A sensação era deliciosa. Mais uma curva em alta

velocidade e Marcus teve de agarrar a esposa para evitar que ela fosse utirada ao chão.

— Droga de Herberts! — O marquês fitou o teto como se estivesse mandando uma

mensagem ofensiva para o cocheiro.

— Ele é um camarada diferente — disse Honória.

— É um horror. Pensei em fazer um treinamento para devolvê-lo em condições a

meu irmão. Estou começando a crer que isso será impossível. Herberts não se lembra de

nada do que lhe ensinamos. Não importa. Estávamos falando do nosso caisamento...

— Certo. Deveríamos discutir o que nos aguarda no futuro — declarou Honória.

Com o polegar, Marcus acariciou-lhe a cintura em movimentos circulares. Ela teve

de inspirar duas vezes para consegir respirar. Um calor intenso invadiu-a.

— Eu disse a minhas irmãs e a meu irmão que iríamos morar em Treymount House.

— Nem poderia ser de outra forma.

Honória deliciava-se com a mão que lhe acariciava os quadris.

— Poderá ser difícil no começo, pois sei que não está acostumado a ter muita gente

em volta.

— Eu cresci em meio a uma família grande.

— Sim, mas isso foi há muito tempo. Agora já se habituou a morar sozinho.

Marcus deu de ombros.

— Treymount House é uma propriedade imensa. Creio que nem me darei conta de

haver mais pessoas morando ali.

— Essa é a minha esperança. — Honória, porém, duvidava, pois conhecia bem sua

família. — Marcus, o que espera de mim como sua esposa?

O marquês hesitou antes de responder.

— Bem, suponho que espero... isso.

Marcus acariciou-lhe o busto, e Honória sufocou um gemido. Sensações inusitadas

espalharam-se por seu corpo, em várias direções.

— Entendo...

— Está gostando? — Marcus prosseguiu com as carícias sensuais.

— Sim... é bom... — Era divino. — Marcus, há mais alguma coisa para discutirmos?

— Além de como isto é... bom? — Ele beijou-lhe o rosto.

— Eu gostaria de saber quais são as suas expectativas.

Marcus ergueu a cabeça e encarou-a.

— Creio que o normal. Decoro, honestidade... esse tipo de coisa.

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— O que mais?

— Não sei. — Ele franziu o cenho. — Que você supervisione a criadagem, o que não

a sobrecarregará. Antoine é um excelente cozinheiro. Jeffries é muito competente. É isso

que desejava saber?

— Não exatamente. Eu não sei qual é a imagem de esposa que mais lhe agrada.

— Entendi. Honória, conto com a sua fidelidade até que me dê um herdeiro.

Até?

Depois seu marido não se importaria com o que ela fizesse?

— Eu lhe concederei uma mesada generosa — Marcus prosseguiu. — Terá dinheiro

suficiente para fazer o que desejar. E serei padrinho de suas irmãs. — Sorriu, irônico. —

Conforme seu maior desejo.

Honória não encontrou satisfação nem palavras adequadas para responder. Apesar

de ele lhe oferecer o que toda mulher sonhava. Deu uma tossidela.

— E quando eu lhe der um herdeiro? O que significa o "até"?

A carruagem bateu em um obstáculo e pareceu voar antes de aterrissar com outro

solavanco. Marcus foi atirado para cima.

— Mas que droga, Herberts!

Honória segurou-se no marido e receou que o veículo acabasse virando.

— Não se preocupe — Marcus acalmou-a. — Não parece, mas Herberts é

competente. Nunca deixou uma carruagem capotar e faz os trajetos em tempo recorde.

Honória encostou-se outra vez em Marcus e ele prosseguiu com os afagos. Nas

costas, na cintura e nos quadris. Ela disse a si mesma que o marido não se importaria com

uma retribuição. Desabotoou-lhe o colete e notou que o olhar do marquês escurecia.

— Ainda não respondeu à minha pergunta — ela declarou.

— Honória, o que deseja ouvir?

Honória não queria deixar-se dominar pelas emoções. Precisava endurecer um

pouco o coração.

— Marcus, o que acontecerá depois de eu lhe dar um herdeiro? Estarei livre para

fazer o que quiser?

— É o que deseja? Tomaremos caminhos diversos depois de contarmos com a

bênção de um filho? — Treymount parou imediatamente de acariciá-la.

Honória fechou os olhos, lutando contra as lágrimas. Ela seria incapaz de ir embora.

Seus sentimentos estavam comprometidos. Sentiu um nó na garganta.

Não podia evitar o amor por Marcus St. John. Um futuro sombrio a aguardava: a

dor pelo coração ferido. Estavam casados. Ela o veria a toda hora, todos os dias. A medida

que o tempo passasse, o amor por Marcus se tornaria mais profundo e a chaga no peito

aumentaria.

No entanto, enquanto estivesse ao lado de Treymount, poderia aproveitar a vida e o

fato de ser sua esposa, embora não contando com seu amor. Pelo menos até não o

presentear com um filho.

Não era muito. Mas era o que lhe restava. Honória abraçou-o pelo pescoço e beijou-

o. A carruagem oscilou perigosamente e voltou ao prumo. Marcus, então, retribuiu o beijo

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com paixão, como fizera havia uma semana.

Ele prosseguiu nas carícias cada vez íntimas. Primeiro por cima e depois sob as

saias.

— Honória, tire as roupas.

— Mas... estamos em uma carruagem.

— Isso faz diferença? Por acaso a incomoda?

Nem um pouco. Honória desejava apenas o amor de Marcus.

Nada mais. Não importava o lugar nem as circunstâncias. Alcançou o laço que

prendia o corpete nas costas...

Em instantes o vestido tão cuidadosamente passado estava no assento da frente,

todo amarrotado. Honória permaneceu apenas com a camisa, que ela começou a

desabotoar.

— Por favor... — Marcus impediu-a de continuar. — Permita-me fazer isso.

Honória sentiu o ar frio na pele quando ele removeu a peça de seda.

— Marcus...

As carícias tornavam-se cada vez mais íntimas e sensuais. Ela pensou que a falta de

ar fosse sufocá-la.

— Marcus, eu queria que tirasse... sua roupa.

— Tem certeza, Honória?

— Por favor...

Marcus completou a tarefa em segundos. O sacolejo intenso da carruagem não os

impediu de continuar. Pelo contrário. Os movimentos favoreceram o intenso amor que se

seguiu.

Eles permaneceram abraçados durante um longo tempo, com a respiração

entrecortada, enquanto o veículo prosseguia trajeto com violentos balanços. Quando a

velocidade diminuiu, Marcus ergueu a cabeça. Deviam estar se aproximando da estrada

estreita que os conduziria ao pavilhão de caça. Tinham pouco tempo pela frente para se

recompor.

Marcus apoiou-se nos cotovelos e fitou Honória. Ela se encontrava de olhos

fechados, os cílios espessos de encontro à face rosada.

Como ele esperara, sua esposa era virgem ao casar-se. O pensamento lhe agradava,

embora não tivesse nenhum direito de pleitear tal coisa. Nunca fora um homem santo.

Mas a ideia de que nenhum homem havia tocado em Honória a não ser ele dava-lhe

grande alegria e vontade de gritar aos quatro ventos sua satisfação.

Marcus acariciou-lhe o rosto, e Honória se voltou imediatamente, como diante de

um apelo irresistível. O gesto inconsciente era o de uma menina plena de confiança.

O marquês imaginara que Honória corresponderia ao relacionamento íntimo com

paixão, depois que ele lhe ensinasse a arte de amar. E a atitude dela surpreendeu suas

melhores expectativas. A feminilidade de Honória era exuberante, instintiva e natural.

Se ela era tão tentadora sem nunca ter-se entregado a ninguém, como ficaria depois

de aprender algumas coisas? Marcus estremeceu de prazer. Aquele tinha sido um

casamento arranjado pelo destino. Abaixou-se e tocou no anel-talismã. Surpreendeu-se

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com o calor do metal, que parecia ter vida.

Honória suspirou e entreabriu os lábios com um sorriso.

Treymount fora o responsável por aquele semblante de serena felicidade. Um

arrepio intenso e quente percorreu o corpo de Marcus. Estava pronto para mais uma

rodada. O efeito de Honória sobre ele era surpreendente.

O marquês sorriu e beijou-lhe a face.

— Está tudo bem, madame?

Honória pestanejou e abriu os olhos, sorrindo.

— Não poderia estar melhor. Isso é normal?

— Claro que é.

Ela surpreendeu-se.

— E será assim toda vez?

— Se depender de mim, com certeza.

— Então, espero que continue dependendo. — Honória começou a suspirar e

terminou com um bocejo.

— Pode contar com isso, minha querida. — Marcus apoiou a cabeça no ombro de

Honória e beijou-lhe o pescoço alvo. — Odeio ter de lembrar-lhe, mas temos de nos vestir.

Estamos quase chegando. Eu gostaria de poder ficar na cabana mais do que uma noite.

Entretanto teremos de voltar a Londres para que sejamos vistos. Essa é uma boa estratégia

para acabar com os boatos dos que passam o tempo cuidando da vida alheia.

— Eu havia esquecido do escândalo. — Honória ficou séria.

— Na certa os rumores não cessarão tão cedo.

— A menos que voltemos logo e fingirmos que nada de inconveniente ocorreu.

Teremos de convencer a todos os que se trata de um casamento por amor, e ninguém terá

mais nada para falar.

Honória franziu a testa.

— O que foi, querida?

— Sinto muito por todo o transtorno que lhe causei.

Marcus não considerava o enlace um transtorno.

A carruagem fez uma curva fechada e Honória mexeu na cortina da janela.

— Eu gostaria de me afastar de Londres — ela confessou. — Odeio ter de voltar e

enfrentar as pessoas. Contudo, sei que não há alternativa.

Treymount selou-lhe os lábios com a ponta dos dedos.

— Uma coisa de cada vez. Primeiro, teremos uma noite juntos. Depois, iremos para

casa e enfrentaremos o que a sorte nos reservou.

Honória hesitou, com vontade de discutir. Em seguida, se acalmou e anuiu.

— Tem razão. Desfrutemos o que esta noite nos reserva. Amanhã, eu me

preocuparei com os fatos.

— Na verdade, terá muito tempo para fazer isso.

Marcus observou Honória pegar as roupas e começar a vestir-se. Pelo menos já não

eram dois estranhos que mal se olharam durante a cerimônia de casamento. Com o tempo,

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Honória se reconciliaria com o destino de ambos e, assim como ele, veria os benefícios

daquela união.

O marquês de Treymount sentiu-se bem mais satisfeito com a ideia e deu início à

tarefa de vestir-se. Terminou no momento exato em que Herberts parou a carruagem na

frente do pavilhão de caça.

Duas semanas mais tarde, a carruagem do marquês de Treymount percorria as ruas

da cidade, sacolejando como sempre. Marcus espreguiçou-se e recostou-se nas almofadas.

Descobrira que se não lutasse contra os solavancos, não se sentiria tão enjoado.

Era estranho pensar no assunto. Mas ali estava ele, um homem casado havia duas

semanas, com noites repletas de paixão e dias de... Marcus esfregou o queixo, pensativo.

Caos não seria o termo correto. Desorganização descreveria melhor o que acontecia.

Ele e Honória haviam aproveitado as poucas horas de privacidade na cabana. E

logo tiveram de voltar para diminuir o escândalo que ameaçava envolver o casamento

deles. Logo caíram num redemoinho de visitas, bailes, soirées musicais e mil outras

atividades. Aquilo funcionara como um passe de mágica. Naquela altura, todos falavam

do encanto da nova marquesa e dos perfeitos dotes físicos de sua irmã. Cassandra, com

certeza, seria a beldade da temporada. Os relatos sobre sua beleza e sua fortuna haviam se

espalhado por toda a Londres.

Marcus sorriu para si mesmo. Ele revelara para apenas uma pessoa que pretendia

garantir o dote de Cassandra com vinte mil libras. Havia sido o suficiente para a notícia

correr. Lady Carlisle era a mais conhecida boateira da sociedade. Ela ficara desesperada

para espalhar o segredo que o marquês lhe pedira para não contar. Com uma desculpa

qualquer para interromper o assunto, havia saído correndo da sala. Marcus tivera de

fechar a boca com a mão para não rir.

Às vezes tudo transcorria com simplicidade. Mas em outras... O marquês pensou

em Honória e perdeu a vontade de sorrir. Aquele era o maior problema, um atrito em sua

vida anteriormente bem planejada. As dificuldades de ter as irmãs e o irmão de Honória

em Treymount House resumiam-se na desordem em que se transformara sua existência.

Por outro lado, admitiu a simpatia pelo constante vaivém de atividades que havia

invadido a mansão. Carol entregava-se a arroubos sobre uma peça de teatro que vira em

Drury Lane. Olivia não se cansava de ler as fantásticas cartas de Ned. Juliet fazia

comentários entusiasmados sobre Demon, que se rendera a seus encantos. Treymount

House não era mais o palácio austero e sombrio. Até mesmo o pequeno George, com seu

calção de nanquim, os bolsos estufados com barbantes, pedaços de pedras e mais uma

infinidade de itens, fora responsável por muitas das risadas de Marcus.

Afinal de contas, a situação poderia ser rotulada como um arranjo bastante

satisfatório. Exceto por uma coisa. Seu casamento. Marcus franziu a testa. Honória

constituía um enigma sem tamanho. Era a mais ardorosa das mulheres sob os lençóis ou

em qualquer outro lugar que eles resolvessem fazer amor. Nas demais ocasiões, contudo,

era impossível não sentir o distanciamento da esposa.

Marcus segurou-se na tira do forro. A carruagem passava por cima de um obstáculo

de razoáveis proporções. O presente comportamento de Honória serviria como modelo

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para o que ele imaginara para uma esposa... antes de casar-se. Ela se apresentava sempre

de maneira agradável, bem-arrumada, serena e sorridente. Mesmo que o sorriso fosse

artificial.

Todavia, com suas irmãs e com George, o riso era espontâneo e as brincadeiras

transcorriam com naturalidade. Honória desmanchava os cabelos de George e abraçava as

irmãs sem motivo. E, a partir de um determinado momento, o fato de ela ser agradável e

serena não mais o satisfizeram. Marcus não queria uma companheira apenas afável.

Queria Honória como ela realmente era. A que discutia e fazia comentários ferinos. A que

dava pulos sempre que o vencia em um leilão.

Aquela ideia passara a incomodá-lo cada vez mais. Não desejava protestos vazios

de carinho. Queria demonstrações genuínas de afeição.

Suspirou e recostou a cabeça no assento estofado. No início, o comportamento

contido de Honória o tinha feito pensar em nervosismo. Mas quinze dias após terem se

casado, ela continuava com a mesma reserva. Exceto quando ambos se entregavam aos

arroubos de paixão.

Por esse motivo, Marcus a possuía com grande frequência. Pelo menos naqueles

momentos, sabia que Honória lhe pertencia de corpo, alma e coração. Mas assim que a

paixão era saciada, ela voltava a fitá-lo com olhar distante.

Marcus olhou pela janela as casas que passavam e, distraído, esfregou o peito. Era

provável que a mudança de circunstâncias afetassem Honória tanto como a ele. Embora

lhe agradasse a alegria trazida pelos Baker-Sneed para Treymount House, a privacidade

com a esposa ficava comprometida. Além disso, a agenda social lotada deixava-os bastante

cansados.

Era possível que o baile que se realizaria na quinta-feira da semana seguinte

facilitaria os entendimentos entre eles. tinha sido uma sugestão de Anthony, e Marcus a

aceitara como uma boa maneira de apresentar formalmente a esposa à sociedade. Havia

muitos anos não se via um baile em Treymount House e seria uma oportunidade de abrir

as portas de sua residência aos nobres londrinos.

A carruagem parou e Herberts abriu a porta.

Marcus desceu, consultou o relógio de bolso e sorriu.

— Um tempo excelente! Melhor de que o anterior.

— Fiz o máximo que pude, milorde. — O sorriso largo do cocheiro mostrou os

dentes falhos, quebrados e escuros.

Marcus tirou uma moeda do bolso.

— Tenho más notícias. Meu irmão escreveu que não poderá sair da Itália tão

depressa como prevíamos. Talvez se demore mais um mês.

— Coisa horrível, milorde! Eu sei que lorde Brandon não gosta do pai da esposa

dele... Mas o que há de se fazer?

— Espere um pouco. Disse que Brandon não gosta do sogro?

— Nem um pouco. E não o culpo por isso. O homem é um pilantra, perdoe-me a

palavra. Ele é capaz de roubar as moedas de um morto.

— Conheço alguém que também faz isso — Marcus fitou-o com olhar expressivo.

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— Ah, mas só se eu estiver precisando de dinheiro. Ele faz isso a toda hora.

— Não entendo por que Brandon foi para a Itália.

Herberts piscou, surpreso.

— Por causa da esposa, é claro! Ela não poderia ir sozinha numa viagem dessas. Por

isso lorde Brandon teve de ir junto e tentar resolver tudo. Assim ela não terá mais com que

se preocupar. Depois, ela poderá dar-lhe toda a atenção sem pensar mais no pai. Se é que

me entende... — Herberts deu mais uma de suas piscadelas.

Treymount considerou que o homem era incorrigível, apesar de divertido.

— Sabia que pretendo transformá-lo em um cocheiro decente antes de devolvê-lo a

Brandon?

— Mas eu já sou um cocheiro decente!

— Está um pouco melhor. Contudo... — Marcus guardou o relógio no bolso do

colete — ...daqui por diante creio que... vou preferir mesmo fazer os trajetos em alta

velocidade.

Herberts estufou o peito magro.

— É mesmo espetacular voar pelas ruas como um morcego, não é, patrão? De fato,

eu diria... — O cocheiro fitou algo por sobre o ombro de Treymount e demonstrou espanto

com uma exclamação: — Misericórdia! Creio que a sua casa se transformou num mausoléu

abandonado!

Marcus virou-se para trás. A porta da frente estava escancarada, mas sem ninguém

à vista. O usual, quando a carruagem parava diante do pórtico, era uma chuva de criados

aparecer pela porta aberta. Pacotes eram recolhidos e um bom vinho do Porto era levado à

biblioteca. Dessa vez, porém, silêncio e a entrada vazia.

— Bom Deus! — O coração de Marcus começou a bater em descompasso. Ansioso,

ele subiu os degraus de dois em dois. — Olá! — gritou.

De imediato, Honória apareceu na entrada da sala de estar branca. Bastante

aliviado, Marcus aproximou-se da esposa, enlaçou-a e beijou-a.

Nada melhor de que ter Honória nos braços. Apertou-a mais e aprofundou o beijo.

O som de risos às suas costas lembrou-o de que, provavelmente, sua esposa não se

encontrava sozinha. Como sempre. Relutante, Marcus soltou-a e notou que ela estava

corada como o rosa de seu vestido.

— Desculpe-me. Não percebi que tínhamos audiência.

Honória apontou o interior do recinto e Marcus olhou. Carol, Olivia, Juliet e

Cassandra, tão coradas como Honória, ocupavam algumas das poltronas. George, no meio

da sala, aparentava estar enfrentando um pelotão de fuzilamento. Diante dele, Jeffries e

Antoine, o chef de cuisine, com olhar totalmente desaprovados.

— O que aconteceu? — Marcus aproximou-se. — A porta da frente está aberta e não

havia nenhum criado à vista.

— Mon Dieu! — Com o olhar desvairado, Antoine lamentou-se. — Esta é uma casa

de loucos! Não posso mais trabalhar aqui!

— Milorde, sou o culpado pela porta ter sido aberta — Jeffries falou, mortificado. —

Pedi ajuda dos criados e não verifiquei se ela havia sido trancada.

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— Onde estão os criados?

— Estão procurando Samantha — Honória respondeu.

— Os criados? — Treymount não conteve o espanto.

— Sim. Os filhos de vários deles têm rãs e na semana passada os criados prestaram

um grande auxílio para George. Mas dessa vez Samantha parece determinada a esconder-

se. Pensamos que ela talvez estivesse do lado de fora. — Honória fitou Jeffries, como se

procurasse socorro.

O mordomo interferiu prontamente:

— Milorde, a verdadeira crise não é com os criados. Eles não na horta, procurando a

rã do garoto. O problema é Anne. — Jeffries fez uma mesura, de respeito e também com

desaprovação, diante do chef. — Talvez pudesse contar a milorde o que o está

aborrecendo.

Antoine ergueu as mãos.

— Ah! E de que adiantaria isso? Não ficarei mais um minuto nesta casa! Está

decidido!

— Não podemos deixá-lo ir embora — Carol disse, olhando para Marcus. —

Teremos o baile em poucos dias.

Olivia anuiu com seriedade.

— Não encontraremos nenhum outro em um espaço de tempo tão exíguo.

— Pelo menos um que tenha a mesma habilidade de Antoine com as massas —

Cassandra apoiou as outras e fitou Antoine com um sorriso triunfante.

Diante daqueles lindos olhos cor de violeta, o francês pareceu reconsiderar. Mas

logo sua atenção recaiu sobre George, que pulava de um pé no outro.

— Ele! — Antoine gritou e apontou o dedo para o menino. — Ele causou tudo isso e

agora fica parado, recusando-se a assumir a culpa!

Honória aproximou-se do irmão.

— George, tem de aceitar que cometeu um erro, meu querido.

O garoto apertou os lábios com expressão de teimosia. Antoine fitou Marcus com

olhar estreitado.

— Quando assumi este posto, garantiram-me que não havia crianças na residência.

— Na época não havia.

— Nem deveria haver agora. Eu não posso concentrar-me na cozinha enquanto a

casa está em rebuliço. Não posso!

— O que houve? — Treymount indagou.

— Creio que o senhor deveria explicar por que está tão aborrecido — Jeffries falou

com Antoine.

— Claro — o chef concordou com um gesto de cabeça. — Eu preparei pães

recheados, pensando em algo especial para milady...

— Aliás, o que me deixou comovida—Honória apressou-se em agradecer.

Antoine fixou em George um olhar fuzilante.

— Foi então que esse menino entrou correndo na cozinha e me acusou de ter assado

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o sapo gordo dele junto com a massa. E começou a arrebentar meus adoráveis pãezinhos!

Um por um!

George fitou Treymount com olhar de culpa.

— Samantha gosta de se esconder no saco de farinha. Ela havia estado lá um pouco

antes e eu pensei...

— Mon Dieu! Pensar que um sapo imundo...

— Samantha é uma rã! — George ofendeu-se.

O cozinheiro apontou o dedo magro no nariz do menino.

— O senhor sabia que aquele sapo gordo estava na minha farinha e não o tirou de

lá!

George coçou a orelha, desafiador.

— Samantha gosta de ficar lá. E ela não é um sapo gordo, mas uma rã! E das

melhores!

— George! — Honória repreendeu-o.

— Garoto endiabrado! — Marcus murmurou para si mesmo, e Honória ouviu.

A marquesa estreitou o olhar.

— Se milorde não tem nada melhor para dizer, convém poupar seus esforços e usá-

los para dominar seus empregados.

— E se eu usasse minha energia para beijá-la?

Honória corou e virou-se para o cozinheiro ultrajado:

— Monsieur Antoine, George lhe deve desculpas.

— Mais do que desculpas! Eu exijo uma satisfação!

— Como assim? — George mostrou-se acabrunhado.

— Isso mesmo — Carol endossou o pedido de Antoine. — George, Samantha é o

seu bicho de estimação, certo?

— Certo.

— E ela fez algo errado, não foi?

O menino olhou de soslaio para o cozinheiro.

— Talvez.

— Então, como seu dono, você terá de remediar a situação.

Marcus arqueou as sobrancelhas e olhou para o criado.

— Impossível! A rã gorda não apenas se escondeu no meu saco de farinha, mas

pulou na travessa de pasta de amêndoas e comeu um pouco! Depois, enquanto eu tentava

apanhá-la, derrubou no chão três pratos de vidro e os quebrou.

George fechou as mãos em punho.

— Se o senhor não tivesse ido atrás dela com uma faca, Samantha não teria ido para

fora nem teria se perdido!

— Por mim, ela deveria estar dentro de uma caçarola!

— Com água quente? — O garoto empalideceu.

— E tomilho! — Antoine estalou os dedos.

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— Não! — George gritou com o olhar brilhante e os lábios trémulos.

Por um instante, o menino e o francês se entreolharam. Uma lágrima deslizou pelo

rosto de George, seguida de outra e mais uma terceira.

— Ah, façam com que pare com isso! — Antoine cobriu os olhos com as mãos. —

Ele parece um querubim!

— Meu irmão pode lembrar várias coisas, mas um querubim certamente não é uma

delas — Honória considerou.

— Não é nada disso, George. — Antoine afastou as mãos do rosto e suspirou. — Eu

estava caçoando. Sua rã é muito gorda para servir de alimento. Ela ficaria muito dura,

mesmo com a minha experiência de cozinheiro.

George limpou os olhos com as costas da mão.

— Não acredito no senhor!

— Ah! — Antoine tornou a erguer as mãos. — Por isso estou deixando esta casa.

Não quero ser chamado de matador de rãs e de mentiroso no mesmo dia!

Marcus esfregou a nuca, pensando em como resolver o impasse.

— Antoine, existe uma maneira de George remediar os estragos feitos pelo bichinho

de estimação dele? Digamos, limpar o chão ou lavar vasilhas? — Fitou o garoto. — Faria

isso, não é, George?

— Farei o que terá de ser feito. — O menino olhou para Antoine com cautela,

hesitou e fez uma leve anuência. — Mas o senhor terá de me prometer que nunca, em

hipótese alguma, jogará Samantha numa caçarola, com ou sem tomilho.

Todos os olhares se concentraram em Antoine.

— Esta é uma situação insustentável! Sou Antoine du Fraer, o mestre das cozinhas.

Como poderei concentrar-me em minhas especialidades, numa confusão como esta?

Ninguém lhe respondeu.

— Ah, jamais entenderei os ingleses. É um povo além da minha compreensão. —

Antoine suspirou, dramático. — Está bem, garoto. Venha arrumar a bagunça. Mas só se

mantiver a rã fora da cozinha e do meu saco de farinha.

— Excelente! — Honória exclamou. — Muita consideração de sua parte.

Agradecemos a boa-vontade.

— E seus frangos assados. — Cassandra sorriu para Antoine do outro lado da sala.

— São os melhores que já comi na minha vida.

A irritação de Antoine cedeu diante do olhar doce de Cassandra.

— Antoine deve ser um grande cozinheiro — ele elogiou a si mesmo. — Até mesmo

uma inocente mademoiselle é capaz de apreciar meus dotes culinários.

Um criado entrou na sala trazendo nas mãos a rã enlameada. O uniforme do rapaz

estava todo manchado de barro. George deu um grito de alegria ao ver o tão estimado

animal.

O garoto abraçou Samantha, e Carol fitou o cozinheiro com ar faminto.

— Antoine, o que temos para jantar hoje?

— Pato com laranja, peito assado e...

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— Carne de peito! — O rosto de George iluminou-se.

O cozinheiro concordou.

— O menino gosta?

— Adoro!

— Então farei uma porção extra. — Antoine empertigou-se antes de fazer uma

mesura. — Prezadas damas e digníssimos cavalheiros, se me derem permissão, voltarei

para a cozinha. Preciso ultimar alguns preparativos.

— Claro, Antoine — Treymount concedeu. — Gostaria que jantássemos meia hora

mais tarde para dar-lhe um pouco mais de tempo para recuperar o atraso?

— Adiar o jantar? — Antoine ofendeu-se. — Jamais!

— Senhor? — George adiantou-se com um olhar de determinação.

— Oui? — Antoine se deteve.

— Posso ir com o senhor para limpar o chão?

— Não, criança. Agora não. Tenho de terminar o jantar. Venha amanhã cedo.

Veremos o que poderei encontrar para ocupar-lhe as mãos.

— Está bem, senhor! Farei qualquer coisa para tirar Samantha da cozinha.

— Tenho certeza de que fará isso. — Um sorriso imperceptível passou pela

fisionomia do francês antes de ele deixar a sala.

— É surpreendente, Treymount! — Carol largou-se na poltrona. — Tenho a

impressão de que o coração do seu cozinheiro está amolecendo!

— E eu poderia afirmar que verá Monsieur Antoine mudar de opinião a respeito da

criança e da rã antes do dia terminar. — Marcus arqueou as sobrancelhas e observou a

sala.

Se estavam todos reunidos ali, talvez pudesse levar Honória para outra parte da

casa, ficar a sós com ela e...

Aproximou-se da esposa e passou a mão dela em seu braço.

— Como ainda temos uma hora até o jantar, o que acha de ajudar-me na biblioteca?

Carol levantou-se de um pulo.

— Eu irei junto. Estou morrendo de vontade de ler um livro que está no segundo

pavimento. Não tenho muita confiança naquela escada de rodinhas. Treymount poderia...

— Carol — Cassandra interrompeu-a. — Vou precisar da sua ajuda para vistoriar o

salão de baile. Jeffries limpou-o, mas quero ter certeza de que a tarefa foi feita de acordo

como eu gostaria.

— Mas, Cassandra...

Marcus aproveitou a discussão entre as irmãs e levou Honória para o corredor, por

onde os criados voltavam a seus afazeres. Ignorou a todos, conduziu a esposa para a

biblioteca, entrou e fechou a porta.

— Como não pude dizer nada antes — Marcus segurou a mão de Honória —, boa

noite.

— Boa noite — Ela sorriu com mais calor que o habitual. — Obrigado por ajudar-

me com George. Ele é um bom menino.

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Ainda encostado na porta, Marcus tirou uma presilha dos cabelos de Honória.

— George é ótimo. — Ele soltou outra presilha, e uma mecha de cabelos soltou-se

sobre o ombro da esposa.

— Lindo. — Marcus repetiu a manobra, e mais uma madeixa soltou-se.

— Marcus, o que está fazendo? — Honória perguntou, corada.

— Seduzindo minha esposa.

Ele soltou-lhe a mão e adiantou-se. Honória recuou. Marcus deu mais um passo à

frente, e ela tornou a retroceder. Era uma espécie de dança sedutora de avanços e recuos,

olhos nos olhos, os dois sabendo o resultado das preliminares.

Honória terminou encostada na mesa, sem ter para onde ir.

— Agora — Marcus esticou os braços e prendeu-a na mesa —, a senhora é minha

prisioneira! — Ele fingiu-se de vilão das comédias que precediam as peças principais em

Drury Lane.

Honória não conteve a risada, esquecida da habitual reserva diurna. Marcus decidiu

que o riso e a paixão seriam suas armas. Com elas, cortejaria sua esposa. Não tinha certeza

dos motivos que o levavam a empregar esse método. Talvez fosse a excitação da caçada.

De qualquer forma, era estonteante.

Treymount inclinou a cabeça e beijou Honória antes de o sorriso abandonar os

lábios dela. Ergueu-a pela cintura e deixou-a sobre a superfície lisa da mesa. Um peso de

papéis caiu no chão. Com a mão, Marcus varreu a mesa. Papéis e penas voaram até o

tapete. Ele só pensava na mulher adorável que gemia sob seus lábios, agarrada em suas

lapelas. O marquês afastou um pouco a cabeça, admirou-lhe o queixo decidido e beijou-o.

Depois se deteve no ponto sensível atrás da orelha.

Honória estava presa em um redemoinho de paixão. Marcus era um amante

espetacular. Ela experimentou a sensação de escalar o paraíso. Amava Marcus e o desejava.

Foi o único pensamento coerente que lhe ocorreu naquele momento diante de um homem

tão sedutor e viril.

Ele parou de repente. Honória abriu os olhos. O que teria acontecido?

— Marcus, o quê...

Então ela escutou. Uma leve batida na porta, seguida por uma tosse discreta.

— Misericórdia! É Jeffries! — O marquês fitou-a com um sorriso desanimado. — Eu

o matarei. Hoje em dia não faltam mordomos.

Honória teve de rir, perdendo o auge da paixão.

— Mas terá de treinar o outro.

Marcus beijou-a na testa.

— Prefiro treinar mil mordomos a perder um momento ao seu lado.

Honória conteve por um segundo o ar inspirado. Não duvidava da paixão do

marido e de seu interesse por ela. E o que mais ele sentiria? Durante duas semanas

esperara por um sinal. No entanto, embora demonstrasse a alegria de estar com ela,

gostaria de ouvi-lo admitir que sentia mais que apenas desejo. A incerteza causou-lhe

grande dor no peito.

— Talvez fosse melhor se me permitisse sair daqui — Honória murmurou.

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— Tem razão. — Marcus não se moveu.

Nova batida.

— Milorde...

— Espere um pouco! — o marquês disse na direção da porta.

— Sim, milorde — foi a resposta abafada.

— Ainda bem que ele não entrou — declarou Marcus.

Honória arqueou as sobrancelhas.

— Acha que...

— Sim. Ao ver-nos, decidiu sair e tentar um meio mais reservado de abordagem.

— Oh, não! Que vergonha! — Honória murmurou. — Espero que ele não nos tenha

visto.

— Pode crer que foi o inverso. E aposto que Jeffries deve estar vermelho como uma

criança apanhada em uma falta.

— Que vergonha! — Honória repetiu, segurando as faces coradas. — Oh, Deus!

Marcus, preciso levantar-me e endireitar o vestido.

— Tem razão. — Ele não se mexeu.

Ela gostaria de saber o que o marquês estava pensando.

— Honória?

— Sim? — Ela umedeceu os lábios.

— Por que essa sua reserva constante? Algumas vezes tenho a impressão de que

mantém uma parte de si mesma escondida de mim.

As badaladas do relógio romperam o silêncio. Honória sentiu o coração apertado.

Deveria contar a verdade a Marcus?

— Marcus, não sei se deveria dizer-lhe...

— Quero saber o que está errado.

— Eu te amo. — Ela prendeu a respiração ao escutar as próprias palavras.

Oh, Senhor! Por que dissera aquilo? Honória aguardou com o coração na boca.

Marcus não se moveu nem reagiu. Apenas a olhou, atônito. Levantou-se de repente.

— Entendi. Eu não poderia imaginar...

Novamente a batida.

—Milorde, sinto incomodá-lo, mas seu irmão está aqui e ele...

— Marcus! — Anthony saudou-o

— Droga! — Marcus passou a mão nos cabelos. — Honória, eu não sabia que...

Ela saiu da mesa, ajeitou a roupa e procurou as presilhas de cabelo. Teve a

impressão de enfrentar um pesadelo.

— Marcus, não se preocupe. — Honória teve a impressão de que era outra pessoa

falando. — Não é nada... Eu preciso ir. Anthony veio trazer Anna. Vou às compras com ela

por causa do baile.

Marcus tentava absorver a ideia. Honória o amava. Não poderia estar mais

surpreendido com a notícia. Anuiu e foi abrir a porta, sem saber qual atitude tomar. Sua

esposa o amava. E ele? Não se encontrava preparado para nada daquilo.

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A perturbação de Marcus não passou despercebida para Honória.

— Não faça isso. — Ela recuou quando ele tentou alcançá-la.

— Honória, eu não...

— Nem mais uma palavra. Eu não imaginei que o deixaria tão constrangido. Fique

tranquilo, milorde. Não permitirei que meu excesso de sentimentos atrapalhe o nosso

relacionamento. Como milorde mesmo disse, até termos um herdeiro, serei a esposa

perfeita. Depois disso... — Ela estreitou os olhos e ergueu o queixo. — Milorde ficará livre

de mim e da minha família. Queria desculpar-me. Seu irmão o aguarda.

Honória virou-se, abriu a porta e foi para o corredor. Marcus permaneceu no

mesmo lugar, com a mente girando. Nada poderia responder à esposa enquanto não

tivesse certeza. A paixão entre ambos era inegável. Ele a respeitava acima de tudo.

Amor?

Misericórdia! O que haveria de fazer?

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Capítulo X

Honória pressionou a testa no vidro da janela, sem nada ver. Se estivesse atenta,

teria admirado o belo traçado dos jardins, a fonte borbulhante e os degraus do terraço que

se assemelhavam a uma fita branca ao longo do gramado.

Arruinara tudo. Cerrou os olhos e suspirou. Por que não tinha ficado com a boca

fechada? Marcus não estava preparado para uma declaração daquelas. Ou melhor, nunca

estaria. Amor não fazia parte de suas projeções futuras. Isso ficara evidente por sua

atitude: com o semblante sombrio, havia tentado encontrar algo para responder.

Tarde demais. Ela não tinha conseguido se controlar e dissera o que jamais deveria

ter verbalizado.

— Honória? — Cassandra se aproximou sem ser percebida.

— Cassandra... Que susto!

— Perdoe-me. Chamei-a duas vezes e não obtive resposta. Por isso usei um tom de

voz mais alto. — Sua irmão ficou ao lado de Honória. — Posso ajudar em alguma coisa?

Desde a semana passada, sinto uma espécie de tensão entre o casal e...

Cassandra se mostrava gentil. Depois do horrível acontecimento na biblioteca, a

atmosfera entre Honória e Marcus se transformara em gelo. Treymount passava cada vez

mais tempo fora de casa. Um não se sentia à vontade na presença do outro... exceto

quando explodiam nas chamas da paixão. Em seguida, voltava a reinar o silêncio,

quebrado apenas pelo eco das palavras que Honória dissera em um momento de desatino.

Muitas vezes, depois de fazer amor, ela se virava para que Marcus não lhe visse as

lágrimas.

— Estou bem. — Honória segurou a mão da irmã. — Todas as ligações afetivas têm

seus altos e baixos.

— É... Mas ultimamente têm havido mais baixos do que altos. — Cassandra

apertou-lhe os dedos com gentileza. — É uma pena. Tive a impressão de que o marquês

vinha se acostumando com a família que recebeu de presente. Honória, por que tudo

mudou tão de repente? Houve alguma discussão entre vocês?

— Não se preocupe. Tudo dará certo. Só precisamos de tempo.

Tempo para afogar os sentimentos. O que seria impossível. Honória amava Marcus.

Marcus gostava dela, mas não a amava. Com o passar dos dias, o fato se tornava cada vez

mais óbvio.

— Cassandra, por favor, não se inquiete por minha causa. Como tem aproveitado a

temporada? Nunca vi tantos cartões e convites.

— Tenho me divertido bastante. No entanto...

— Sim?

— Não sei. Achei que seria mais emocionante. Conheci muitas pessoas

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interessantes, mas... — Cassandra suspirou.

— Conheceu muitos rapazes?

Cassandra corou.

— Alguns, mas há um... Não importa.

Honória estranhou o retraimento da irmã.

— Cassandra, quem...

Uma voz masculina soou no corredor.

— Não me parece ser de Treymount — Honória comentou.

A voz tornou-se mais insistente e próxima. Cassandra virou-se, inquieta.

— Não é Treymount!

— Então quem é, Cassandra?

A porta foi aberta e um jovem bem vestido entrou. Honória reconheceu-o, pois o

vira em vários eventos. Ele dançara uma vez com Cassandra. Honória chegara a pensar

que formavam um belo par. Mas Cassandra havia dançado com muitos outros. Nisso,

olhou para a irmã e ficou abismada. A expressão de Cassandra era de puro enlevo.

— Milady! Srta. Cassandra! — Jeffries passou à frente do rapaz. — Perdão, mas este

cavalheiro veio sem ser convidado e...

— Estive aqui três vezes para falar com o marquês, e o senhor me disse que ele não

estava! Preciso vê-lo!

— Milorde não está recebendo ninguém — o mordomo declarou, enfático.

Marcus, quando se encontrava em casa, passava grande parte do tempo trancado na

biblioteca.

— Mas ele me disse que eu viesse quando... Preciso vê-lo! — o jovem repetiu,

angustiado.

— Lady Treymount, srta. Cassandra, sinto por terem sido interrompidas dessa

maneira. — O mordomo olhou para os criados que haviam chegado ao corredor. — Tirem-

no daqui!

O jovem fechou as mãos em punho.

— Desta vez não sairei com facilidade!

— Jeffries — Cassandra adiantou-se —, lorde Melton veio por ter sido convidado.

O mordomo empertigou-se.

— Ele não é um dos preferidos da lista de milorde.

— Mas é da minha.

Honória piscou. Nunca vira tanta determinação na voz da irmã.

Jeffries enfrentava um conflito. Olhava para o jovem, para Cassandra e vice-versa.

Cassandra inclinou a cabeça na direção de lorde Melton.

— Foi muita bondade sua haver aceitado o meu convite. Não quer sentar-se?

O jovem não escondeu a surpresa e Honória percebeu que ele também não

entendeu a intervenção de Cassandra. Melton recobrou-se depressa. Inclinou a cabeça e

sorriu.

— Obrigado, srta. Baker-Sneed. — De intruso passara a convidado de Cassandra.

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Ele se aproximou de um conjunto de poltronas agrupadas ao redor da lareira e

esperou pela nova anfitriã.

Cassandra, de cabeça erguida, deu alguns passos e sentou-se. Divertida, Honória

fez o mesmo. Melton imitou-as em seguida.

— Jeffries — Cassandra chamou em voz baixa.

— Pois não, senhorita.

— Por favor, providencie chá para o meu convidado.

Graças a anos de treinamento, o mordomo soube como esconder a irritação.

— Claro, senhorita. — Ele fez uma mesura. — Imediatamente.

Honória fitou o jovem. Lorde Melton era muito atraente, porém demonstrava certa

imprudência.

Observou a irmã. Cassandra perdera a descontração inicial. Com as mãos no colo,

cabeça baixa, fitava a ponta das sapatilhas.

— Lorde Melton, sinto muito pelo mal-entendido — Honória resolveu quebrar o

constrangimento. — Posso ajudá-lo em alguma coisa?

— Eu não... Bem, talvez milady possa ajudar-me.

— Estou à sua disposição. Diga o que deseja.

— Eu preciso conversar com lorde Treymount, mas não consigo encontrar-me com

ele.

Ela também não.

— Milorde é um homem muito ocupado.

— Eu sei, mas o marquês me disse para vir quando... — Melton interrompeu-se e,

constrangido, fitou Cassandra. — Não posso dizer-lhe por que preciso vê-lo. Apenas que o

assunto é urgente.

Honória sacudiu a cabeça.

— Se não pode revelar o motivo, receio que nada poderei fazer para ajudá-lo. —

Melton olhou novamente para Cassandra e corou. — Não posso falar! O assunto é pessoal

e...

— Obrigada pela sua visita. — Honória levantou-se.

— Honória, por favor... — Cassandra ergueu a cabeça. — Dê algum tempo a lorde

Melton. Tenho certeza de que ele explicará tudo depois de reconsiderar o assunto. — Fitou

Melton, esperançosa. — Milorde não se importa de contar tudo, não é?

Nenhum homem conseguiria resistir a um apelo tão gentil. Honória sentou-se de

novo e notou que Melton empalidecia.

— Srta. Baker-Sneed, eu... — O jovem engoliu em seco e o som vibrou no silêncio.

— Não trairemos sua confiança, milorde — Cassandra garantiu.

— O contrário nem me passou pela cabeça. — Melton fitou Honória e deu uma

risada amarga. — Lady Treymount, eu sou um tolo. Um grande imbecil, na verdade.

Possuía uma fortuna razoável... — Ele abriu as mãos para os lados. — Perdi tudo.

— Tudo?

— É provável que sim.

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— Não entendi.

— Herdei meu título quando era muito jovem. Meus pais morreram em

consequência da varíola. Eu me encontrava no continente com o meu tutor, visitando as

principais cidades da Europa. Por causa do choque e da minha pouca idade, não soube

lidar com as circunstâncias. Fui um tolo da pior espécie. Não permaneci na propriedade da

família. Vim para Londres e me relacionei com o pior tipo de gente. Pensava apenas em

divertir-me e comecei a dilapidar o patrimônio da família de modo alarmante.

— Milorde não contava com ninguém para orientá-lo?

— Um familiar distante dispôs-se a ajudar e fez o que pôde. Mas eu não quis

entender o que se passava nem os resultados do que eu fazia. Só queria divertir-me e

esquecer a morte de meus pais. Meu comportamento foi péssimo e acabei tendo notas

promissórias espalhadas pelo país inteiro.

— Milorde joga? — Cassandra perguntou em um fio de voz.

— Isso faz parte do passado. Não jogo mais.

— Ainda bem! — Cassandra sorriu, encorajadora.

— Milorde, qual é o papel de lorde Treymount em tudo isso? — Honória perguntou

e franziu o cenho.

— Ele comprou um grande número das minhas promissórias e se ofereceu para

liquidá-las em troca das propriedades da minha família.

— Céus! — Cassandra arregalou os olhos. — Isso não é justo!

— Para ser honesto, é mais do que justo. A propriedade e as terras estão em péssimo

estado. A minha dívida é muito grande. A oferta foi mais do que generosa. Mas é claro que

eu não queria me desfazer do património familiar. Por isso pedi algum tempo ao marquês

de Treymount. Eu precisava encontrar outra maneira de conseguir dinheiro para comprar

as promissórias.

— O que Treymount disse? — Honória indagou.

— No começo se negou. Mas algo o fez mudar de ideia e ele consentiu. Se eu não

jogasse mais.

— Milorde cumpriu a promessa? — Cassandra fez a pergunta.

— Totalmente. — Melton deu um sorriso triste. — Nunca mais joguei. Foi uma

espécie de libertação. Antes, eu não encontrava outra maneira de pagar minhas dívidas. E

perdia cada vez mais.

— Parabéns — Cassandra cumprimentou-o.

— Obrigado. — Os dois se entreolharam por algum tempo.

Honória entendeu que Cassandra nutria algum tipo de sentimento pelo jovem.

— Lorde Melton, ainda não nos contou por que precisa falar com o marquês.

— Lorde Treymount permitiu que eu encontrasse uma maneira de sair dessa

situação aflitiva. Quero dizer a ele que consegui.

— Por isso milorde discutiu com Jeffries e insistiu para ver lorde Treymount?

— Sim, srta. Baker-Sneed.

— Lorde Melton, qual é a sua ideia? — Honória quis saber.

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— Cavalos.

— Ah, mas que excitante! — Cassandra animou-se.

— Tenho ótimas estrebarias na minha propriedade e eu já comprei duas éguas. Só

preciso de um garanhão e... — Melton corou ao lembrar-se do assunto impróprio para

damas. — Perdoem-me.

— Não tem importância. — Honória fez um gesto vago e levantou-se. — Espere um

pouco. Vou chamar meu marido.

Melton também se ergueu.

— Muito obrigado! Milady não pode imaginar o que isso significa para mim!

— Cassandra—Honória ofereceu —, encontre Carol e mostre a fonte para lorde

Melton. Mandarei um criado acompanhá-los.

— Isso será muito agradável. — Cassandra enrubesceu. — Lorde Melton, creio que

o nosso jardim será do seu agrado.

— Com certeza.

Cassandra deu um sorriso e foi à procura de Carol.

— Milady, preciso confessar uma coisa — Melton disse pouco depois da saída de

Cassandra.

— Pois não.

— Desde que o marquês me ofereceu uma oportunidade, venho planejando

recuperar minha fortuna. E quando conheci sua irmã... Por favor, não me leve a mal. Sei

que não tenho grande chance, mas se eu puder endireitar minhas finanças...

— Lorde Melton, Cassandra decidirá a respeito dos próprios sentimentos. Ela é

muito amadurecida e responsável. E com certeza se interessará por alguém que esteja à

altura dessas qualidades.

— Lady Treymount, verá que sou um novo homem. Farei o impossível para ser

merecedor da sua simpatia.

Honória refletiu na oportunidade que Marcus havia dado a Melton e não a ajudara

quando ela mais necessitara.

Cassandra voltou com Olivia. Carol estava ocupada fazendo uma roupa para

Samantha. Elas encenariam uma nova peça: A Rã que Virou Príncipe.

Honória observou-os caminhar em direção aos jardins. Olivia tagarelava enquanto

lorde Melton se deliciava na contemplação de Cassandra. Mandou um criado acompanhá-

los e foi à procura de Treymount.

Marcus, sentado junto à mesa, escutava a ladainha de Donaldson a respeito dos

problemas nas propriedades de Yorkshire. Não podia concentrar-se nas palavras do

administrador, o que acontecia havia já uma semana.

Ele não entendia por que se aborrecer com o fato de ser amado por Honória. Nada

mais normal do que uma esposa amar o marido e falar sobre o assunto.

O que sentia por Honória? Seria amor o sentimento cálido que o fazia sorrir nas

ocasiões mais estranhas? Nunca experimentara nada parecido, mas também não tinha sido

casado antes. Poderia ser apenas uma simples apreciação do companheirismo a que não

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estava acostumado e a admiração por uma mulher fora do comum.

Nada poderia afirmar enquanto não tivesse certeza.

Ouviu uma leve batida na porta.

— Entre. — Marcus interrompeu o relato de Donaldson com evidente alívio.

Honória adiantou-se e os dois homens ficaram em pé.

— Milorde. Sr. Donaldson — ela cumprimentou-os com um aceno de cabeça e

aproximou-se da escrivaninha. — Espero não incomodá-los.

— De maneira nenhuma, milady. — Donaldson guardou alguns documentos em

uma pasta de couro. — Milorde nem mesmo prestava atenção ao que eu dizia.

— Ora, Donaldson, não era bem assim...

— Esqueça, milorde. Sei que tem outros problemas para resolver. Voltarei amanhã

cedo.

Marcus fitou Honória de relance. Ela usava um vestido de seda verde-clara que

realçava o castanho dos olhos e as formas arredondadas.

Admitiu que pensava em Honória o tempo inteiro, e quando a via... Deu um

suspiro e esperou Donaldson sair.

— A que devo o prazer da sua visita?

— Sinto muito por interrompê-los. Eu não pensei que o sr. Donaldson fosse embora

por isso.

— Ele não resolveu retirar-se por sua causa, mas por eu estar com a mente muito

longe do que ele me dizia. — Marcus voltou à sua poltrona e refletiu que Honória estava

adorável com aquele traje. E ficaria ainda mais sem o mesmo. Ele se impacientou com a

ansiosa e imediata reação do próprio corpo. — Deseja alguma coisa?

— Sim.

— Então diga logo o que deseja, pois estou ocupado. — Arrependeu-se da resposta

áspera.

— Marcus, estive conversando com lorde Melton.

— Melton? — O marquês não pensava nele havia dias, mesmo sabendo que o jovem

havia tentado várias vezes encontrá-lo. — Quando?

— Há pouco. Ele veio vê-lo, mas Jeffries disse que milorde havia saído. Por isso falei

com lorde Melton.

— Não lhe pedi que fizesse isso.

— Mas ele me pareceu muito preocupado, e Cassandra... Bem, pensei que alguém

deveria dar-lhe um pouco de atenção.

— A incumbência era minha!

— Eu sei. Por isso deveria ouvi-lo. Milorde haveria de se surpreender.

Marcus não entendeu o olhar divertido, quase terno da esposa. E não conteve uma

reação violenta e despropositada.

— Honória, nunca lhe concedi autoridade para se intrometer nos meus negócios.

Sua influência está restrita aos assuntos da casa.

— Milorde é um... — Ela não pôde continuar, tamanha sua fúria.

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Marcus recriminou-se por sua atitude intempestiva e injustificada.

— Honória, eu não quis dizer isso. Sinto muito. Eu...

— Não há necessidade, milorde. Entendo perfeitamente — Honória falou com voz

gélida. — Tenho me empenhado para ficar afastada ao máximo.

— Honória, eu pensei que... Por um instante, imaginei que Melton e milady...

Ela arregalou os olhos.

— Melton e eu o quê!? Nós apenas conversamos! E sobre o que ele deve a milorde!

— Eu não pretendia... — Marcus levantou-se.

— Lorde Melton está no jardim com Carol e Cassandra. Se nada lhe resta para fazer,

exceto imaginar absurdos, talvez possa reservar alguns minutos para falar com ele.

Marcus agarrou Honória pelos braços antes de ela chegar à porta.

— Honória! Sinto muito, eu...

Ela desvencilhou-se, furiosa e com os olhos lacrimejantes.

— Milorde não precisa sentir nada. Estou magoada por nós dois. Casar-me com

milorde foi o maior erro que eu poderia ter cometido. — Honória virou-se e saiu da

biblioteca de cabeça erguida.

Marcus não pretendia fazê-la chorar. Nem deixá-la triste ou irritada.

Acusou-se de ser o maior canalha do mundo.

Marcus deixou Treymount House em seguida e foi para o White's. Sentado a um

canto, bebeu até ficar tonto. Depois de uma hora, com o coração apertado e passos

incertos, foi para a casa de Anthony.

O mordomo o fez entrar e conduziu-o ao salão grená.

Após alguns minutos, a porta foi aberta e Marcus surpreendeu-se: não se tratava de

Anthony, mas de Anna, alta, cabelos vermelhos e elegante. Era sempre bem-humorada,

mas dessa vez chegou furiosa. Marcus suspirou.

— Milady falou com Honória?

— Exatamente! Parei lá para ver se a modista havia entregado o vestido que

encomendamos e encontrei-a chorando.

O marquês esfregou as têmporas. O que ele fizera?

— Então, Treymount? O que tem a dizer a respeito desse seu comportamento

odioso?

— Eu me desculpei.

— Mas não fez nada para corrigir o erro.

— Anna! Eu disse que sentia muito. Estou arrependido. O que mais poderia fazer?

— Eu não sei. O que foi que disse a Honória para deixá-la tão infeliz?

— Anna, Anthony está?

— Ele foi para o White's.

— Eu estive lá e...

— Anthony acabou de sair. Foi à sua procura. Deve estar chegando lá agora.

— Obrigado. Perdoe-me por ter vindo desta maneira.

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Anna segurou-o pela manga.

— Independentemente do que possa ter feito, tente corrigir o mal. Honória não

merece sofrer.

Marcus pôs a mão sobre a da cunhada.

— Eu sei, Anna. Antes preciso solucionar algumas coisas. Assim que o fizer, falarei

com ela e resolverei o problema.

— Promete?

— Claro.

Anna encarou-o e, de repente, seu olhar retomou a simpatia habitual.

— Marcus... nunca pensei que...

— Do que está falando?

— Nada, nada. Vá conversar com Anthony. Talvez ele possa enfiar algum juízo

nesta sua cabeça.

— Está bem.

Anna chamou-o antes de ele chegar à porta.

— Marcus? O vestido que Honória escolheu para o baile é vermelho.

— E?

— Nada. Estou avisando para que você não se espante.

Mulheres! Sempre com avisos misteriosos. Sara, sua irmã, costumava fazer a mesma

coisa. Marcus sacudiu a cabeça.

Marcus encontrou Anthony sentado diante de uma lareira, com os pés cruzados

sobre um banquinho. Fumava charuto e tinha um cálice de vinho do Porto na mão.

— Ah, finalmente o encontrei!

— Ainda bem. — Anthony ergueu as sobrancelhas.

Marcus franziu o cenho e sentou-se ao lado do irmão.

— Eu fui à sua casa e Anna me disse que você tinha vindo para cá.

Anthony soltou uma baforada e fitou Marcus.

— Então?

Marcus enfiou as mãos nos bolsos e esticou as pernas para a frente.

— Então o quê?

— Fui mandado aqui com um objetivo. Mas já deve saber disso, pois falou com

minha esposa. — Anthony deixou o cálice na mesa lateral. — Marcus, o que aconteceu

com Honória? Ou melhor, com os dois?

— Nada.

— Parece que estou conversando com um velho ranzinza. É uma pena. Ainda

ontem eu e Chase comentávamos como a vida ao lado de Honória o deixara mais

agradável.

E era verdade, até Honória admitir os próprios sentimentos. Por que se sentia tão

mal por nada haver lhe respondido?

— Marcus, se não pretende falar, pelo menos pare de suspirar.

— Desculpe, não percebi.

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— Marcus, o casamento não é uma coisa fácil.

— Eu sei.

Não podia negar que estar casado com Honória era agradável. A paixão deles era

intensa, mais do que tivera com outras mulheres. A vida ao lado de Honória e de sua

família revelara-se prazerosa.

Lembrou-se do impasse entre George e Antoine. Os dias nunca eram monótonos

com os Baker-Sneed. Um fato que Marcus começava a valorizar.

Honória administrava Treymount House com facilidade e perfeição. Eram visíveis

as melhorias visando seu conforto. Marcus chegara a sentir-se mimado. E Honória o

amava. Mas ele não sabia como lidar com o amor de sua esposa.

— Estou aborrecido.

— Não é preciso ser muito esperto para notar. — Anthony serviu-se de mais vinho.

— É por causa das irmãs?

— Não. Minhas cunhadas são ótimas. É um prazer conviver com elas e com George.

— Deduzo que são tão obstinadas quanto Honória.

— Apenas Cassandra é mais dócil. — Marcus encostou a cabeça no espaldar da

poltrona. — São um grupo animado. Juliet adora cavalos e não sai de perto de Demon. O

mais engraçado é que o tratante a adora e esbanja docilidade diante dela. Olivia fala tudo

o que pensa, sem a menor censura. Carol tem grande tendência para o teatro.

— Elas parecem boas meninas.

— E são. Exceto ontem, quando Olivia disse que a minha maravilhosa tapeçaria

flamenga tem menos utilidade do que um barco velho.

— Ela é como Chase e Brandon. Nenhum dos dois se preocupa com arte. E o

menino, como tem se portado?

— George, o terror de Treymount? Ele e aquela rã danada dão o que fazer. Hoje pela

manhã não achei minhas botas favoritas. Pelo visto, George achou que a rã merecia uma

casa de couro. Quando eu o repreendi, ele disse que havia deixado um xelim em

pagamento.

— E deixou?

— Sim. Mas eu não o tinha visto. Afinal, procurava por duas botas, e não por uma

moeda.

— Quantos anos ele tem?

— Oito.

— Menino correto.

Marcus abaixou a cabeça.

— Anthony, Honória e eu conversávamos...

— Ah, que milagre!

— Não ironize. Em meio à conversa, ela me disse que... — Marcus não conseguiu

verbalizar o restante da frase.

— Vamos, fale logo.

— Eu... bem... Ela disse que me ama.

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Anthony arregalou os olhos e caiu na gargalhada. Logo as pessoas presentes

viraram-se para ver do que se tratava.

— Anthony, chega! — Marcus sentiu-se um idiota. — Por que está rindo?

— Pense bem, meu irmão. Honória diz que te ama, e o ilustre marquês olha para

mim como se ela o tivesse esfaqueado. Eu não o entendo, meu irmão. E o que você lhe

respondeu?

Marcus ficou em silêncio.

— Marcus? O que respondeu a ela? — Anthony repetiu.

— Nada.

— O quê? Não acredito!

— Eu não podia dizer nada.

— Por quê?

— Porque não estou certo quanto aos meus sentimentos. Não sei o significado do

amor.

— Acreditei que, entre os irmãos, Marcus St. John fosse o mais convicto de haver

encontrado o verdadeiro amor. Ou não teria usado o anel-talismã como aliança de

casamento.

Marcus refletiu por que ainda não tinha comprado outra aliança. Talvez porque

nenhum outro anel representasse tão bem Honória.

— Anthony, isso não importa. Quero saber o que deverei fazer. Ela diz que me ama,

e eu não tenho certeza...

— Não tem?

— Não sei. Eu gosto de Honória, claro. Mas... amor?

— Quando isso aconteceu?

— Há poucos dias.

— E o que houve hoje? Anna foi à sua casa e encontrou Honória chorando.

— Melton foi me procurar. Eu pretendia falar com o rapaz, mas Honória se

interessou por ele... pelo caso. Fiquei furioso e... Anthony, por que está rindo?

— Porque o marquês de Treymount é um asno vestido de homem! — Anthony

jogou o charuto no fogo e deixou o cálice vazio na mesa. — Marcus, vou lhe fazer um

grande favor. Quero que pense na sua vida com Honória. Agora, imagine o que seria sem

ela. Depois de analisar as duas alternativas, observe bem esse seu coração e veja se ele

ainda consegue bater. Com isso conseguirá descobrir quem é e o que deseja.

Anthony levantou-se e fitou o irmão com o cenho franzido.

— Depois que fizer tudo isso, será melhor rezar para que sua esposa não tome seu

silêncio como falta de amor. Se Honória concluir isso, certamente o abandonará. E nada do

que disser fará diferença daí por diante.

— Honória me abandonará? — Marcus ficou tenso.

— Ela não ficará ao seu lado se imaginar que se tornou um peso morto. Até eu, que

falei com Honória poucas vezes, já percebi isso. Anna também disse...

— O quê?

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— Quando Anna foi à sua casa, encontroa Honória empilhando arcas em uma

carruagem e...

Marcus não escutou mais nada. Já estava na porta de saída.

Marcus prometeu a Herberts vinte libras se o cocheiro alcançasse Treymount House

em menos de dez minutos. Teriam de chegar antes de Honória ir embora. Pensava no que

diria a ela enquanto a carruagem chocalhava pelas ruas estreitas, subia no meio-fio das

calçadas e fazia as curvas perigosamente.

Talvez devesse beijá-la antes de falar. Se conseguisse apaziguar-lhe o coração e

romper o gelo, talvez Honória o escutasse com um pouco de boa-vontade. Senão...

A carruagem parou diante da casa. Marcus não esperou Herberts descer da boleia.

Abriu a portinha com um empurrão e pulou.

— Milorde! — O cocheiro ofendeu-se por não lhe ser permitido executar seus

deveres.

O marquês subiu os degraus correndo e tirou o sobretudo ao passar pela porta da

frente.

— Jeffries! Ah, está aí. — Marcus jogou o casaco e o chapéu nas mãos de um

espantado criado. — Onde está milady? Preciso falar com ela...

O mordomo estendeu-lhe uma salva de prata. No centro, uma carta.

Marcus olhou o papel e percebeu o silêncio total daquela casa. A ausência do calor

humano que ele passara a apreciar. Honória partira. Todos haviam deixado Treymount

House. O vazio o rodeou e pesou toneladas.

Engoliu em seco e pegou a mensagem com mão trémula. O papel era frio e liso. Foi

preciso um esforço imenso para reunir coragem e abrir a carta.

Sentiu que lhe seguravam o braço e escutou a voz de Jeffries que cochichava:

— Levarei uma garrafa de conhaque para a biblioteca.

Marcus apertou o papel e amarrotou-o. Não saberia dizer como atravessou o hall e

chegou até sua poltrona. Sentou-se e não entendeu o que o mordomo lhe dizia. Após a

saída de Jeffries, desamassou a carta e leu.

Milorde,

Depois de muito refletir, concluí que não será possível continuar com o nosso

matrimônio. Peço desculpas por admitir meus sentimentos. Nunca mais repetirei aquelas

palavras. Entendo que milorde gostaria de poder retribuí-los, mas o afeto é espontâneo, e

não obrigatório.

Para poupar embaraços para nós dois, sugiro que após a temporada de Cassandra,

procuremos uma anulação discreta. Se milorde concordar, aceitarei sua vontade.

Voltarei amanhã para o baile. Asseguro-lhe que nada terá a temer a respeito do meu

comportamento. Desejo-lhe o melhor, Honória

O primeiro impulso de Marcus foi de correr atrás da esposa, torná-la nos braços e

dizer... O quê? Que a vida sem ela era vazia? Que a casa e seu coração perdiam o alento

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sem ela? Que... Marcus recostou-se no espaldar e fitou o teto. Uma semente de verdade

começava a brotar.

Admirava e respeitava Honória.

Ele a amava.

Amava-a desde que havia ido visitá-la e ela enchera demais a xícara de chá.

Endireitou-se. Sentiu o peito oprimido. A felicidade invadiu-o. Levantou-se.

Precisava dizer-lhe! Foi até a porta e... parou com a mão no trinco. Honória tomaria

qualquer atitude precipitada de sua parte como uma tentativa de pacificação.

Ela não acreditaria nele. Não a culpava. Relembrou as palavras impetuosas daquela

tarde, o ciúme irracional a respeito de Melton. Oh, Deus, como tinha sido tolo! Honória o

amava, e não a Melton. Por que aquele pensamento absurdo?

Porque estivera lutando contra os próprios sentimentos em vez de admiti-los. Fora

um demente.

Teria de encontrar uma maneira de reverter a situação. Um modo de provar que a

amava com todo o coração.

— Com sua licença, milorde. — Jeffries entrou com uma bandeja, uma garrafa e um

copo. Deixou tudo na pequena mesa ao lado da lareira. — Perdoe-me haver demorado,

mas tive de convencer aquele jovem, lorde Melton, a ir embora. Ele ficou arrasado ao

descobrir que...

— Melton está aqui?

Jeffries parou de servir o conhaque e ergueu a cabeça.

— Estava, mas já foi e...

Marcus correu para o hall, gritando para trazerem lorde Melton de volta. Aquela

poderia ser uma maneira de provar a Honória que ele havia mudado. Não seria suficiente

para justificar seu amor, mas era um começo.

O marquês retornou à biblioteca. Esperava que alcançassem Melton. O que poderia

fazer para demonstrar o amor por Honória? Teria de ser um feito grande e significativo.

Decisivo. Sentado à escrivaninha, olhava o fogo sem ver. Os pensamentos vinham, voavam

e o abandonavam. De vez em quando estremecia. Depois de alguns minutos endireitou-se.

Começou a sorrir.

A porta foi aberta. Jeffries entrou, seguido por lorde Melton, que não escondia o

espanto.

Marcus levantou-se, deu a volta na mesa e estendeu a mão em um cumprimento.

— Melton! Ainda bem que o encontraram!

O jovem enrubesceu.

— Bem... Eu não...

— Sente-se! Aceita um drinque? Depois me fale a respeito dos seus planos para

recuperar a sua fortuna.

— Não tenho certeza de que milorde aprovará. Será preciso fazer algum

investimento, mas...

Marcus ergueu a mão.

— Espere. Antes de começar, se importaria de acompanhar-me em uma pequena

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tarefa?

O jovem piscou, cada vez mais aturdido com a mudança ocorrida com lorde

Treymount.

— Não, claro que não. Acho que seria interessante e...

— Ótimo! — Marcus foi até a porta, parou e sorriu. — Preciso ir ao Rundel’s.

— A joalheria?

— Isso mesmo. — O marquês abriu a porta e foi para o corredor, seguido por

Melton. — Amanhã à noite, darei um baile. E a mulher mais bonita do mundo virá vestida

de vermelho.

— A srta. Baker-Sneed usará um traje vermelho? — lorde Melton preocupou-se. —

Não é um tanto... incomum para uma jovem que vai ser apresentada à sociedade?

Oh, não! De repente, o novo comportamento de Melton começava a fazer sentido.

Marcus bateu no ombro do rapaz.

— Não. Não estou falando de Cassandra, e sim de Honória, minha esposa.

Melton ficou vermelho até a raiz dos cabelos.

— Ah, entendi. Perdão. Eu não sabia que...

Marcus não escutou mais nada. Venceu o saguão a passos largos e gritou para

Jeffries chamar Herberts. Deu um minuto para o cocheiro chegar à porta de entrada. Não

havia tempo a perder.

O grupo solene observava Honória e Cassandra prepararem-se para o baile.

— Eu nunca havia reparado em como a nossa sala é pequena — Carol afirmou com

o semblante aborrecido e sentada na beira da cama de Honória.

— E o corredor, tão escuro e estragado. — Olivia sacudiu a cabeça. — Tenho a

impressão de estar em uma escuna insignificante, e não em uma casa.

— O que mais sinto falta é da comida. — Juliet suspirou e encostou-se na cabeceira

da cama. — Antoine era um gênio.

— Eu, por mim, estou feliz de termos voltado. — Cassandra fitou Honória de

soslaio. A jovem usava um vestido branco com uma faixa azul. Nos cabelos, flores azuis e

verdes. — Por mais bela e suntuosa que seja Treymount House, nunca me pareceu um lar.

Honória era da mesma opinião. Lembrou-se do rosto sombrio de Marcus quando

lhe revelara seus sentimentos. Fora mesmo uma grande tola. Ah, não deveria pensar nisso

ou acabaria por arruinar a festa de Cassandra. A própria apresentação pouco lhe

importava. Sua presença na sociedade teria pequena duração.

— Bem, agora preciso me vestir. — Honória foi até a cama e puxou o lençol que

escondia o vestido.

Carol arregalou os olhos.

— Honória, é um esplendor!

— Essa cor combinará com a sua tez — Cassandra aprovou. — Seus cabelos ficarão

mais escuros em contraste com a seda vermelha.

Cassandra ajudou a irmã a vestir-se.

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— Honória! — Olivia exclamou, de mãos postas. — Que maravilha!

Honória olhou-se no espelho. Era o traje mais ousado que já vestira e, se o aceitara,

havia sido por insistência de Anna. E não se arrependia. O decote baixo deixava à mostra a

curva superior do busto. O corpete justo destacava a cintura fina.

As quatro ouviram uma batida na porta e Juliet foi atender. A sra. Kemble entrou e

parou, encantada, ao ver Honória.

— Ah, senhorita! Quero dizer, milady está deslumbrante!

— Obrigada. — Honória realmente se sentia bem.

— Veja — a governanta deixou uma caixa na cama —, esta encomenda veio de

milorde.

Honória nem mesmo olhou para o pacote. Assim que a sra. Kemble saiu do quarto,

Carol abriu a embalagem e a tampa.

— Honória! — Os olhos de Carol ameaçavam sair das órbitas. — Rubis! Rubis de

verdade! Um colar e um bracelete!

Honória não resistiu à vontade de olhar. As jóias brilhavam e piscavam, ofuscantes.

— Há também uma mensagem! — Olivia segurou o papel em expectativa. — Posso?

— Por mim... — Honória deu de ombros. — Nada o que Treymount disser me

interessa.

Olivia rasgou o envelope e percorreu com os olho as palavras escritas.

— Deixe-me ver! — Carol arrancou a carta das mãos de Olivia e leu. — Oh!

— Vamos! — Juliet alvoroçou-se. — Leia alto!

— Está bem. Aqui diz: "Milady, não a importunarei com frases que não está

preparada para ouvir. Mas quero que saiba de uma coisa. Será apenas um ato de bondade

usar os adereços. Eles são um pequeno tributo à mais bela mulher do mundo".

— Meu Bom Deus! — Cassandra admirou-se. — Que mensagem mais linda!

— Vou mandar as jóias de volta. — Honória virou-se de costas para a cama.

— Claro, poderá devolvê-las — Juliet retirou o colar da caixa e segurou-o de

encontro ao pescoço — ou deixar para uma de nós.

— Ou talvez possa mantê-las como um presente de consolação. — Olivia fechou o

bracelete no pulso. — Ouvi dizer que os homens sempre dão jóias às amantes quando

terminam um relacionamento.

— Onde foi que escutou isso? — Carol indignou-se.

— Deixe Olivia em paz. — Juliet franziu o cenho. — Onde está George?

— Deve estar na cama — Olivia respondeu.

— Que tal certificar-se disso? — Honória não se dirigiu a nenhuma em particular.

— Ele está muito quieto.

— Eu vou ver. — Carol entregou o colar para Cassandra. — Não deixe Honória sair

sem isto.

Cassandra concordou e Carol saiu.

— Não adianta — Honória teimou. — Ninguém me convencerá a usar as jóias.

— Ora, mas é preciso um complemento para esse vestido. Não temos nada que

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sirva. Devolva o presente amanhã.

Honória considerou a proposta razoável. Seria apenas por uma noite. Sentiu o

coração apertado. A última noite ao lado de Marcus. A última vez em que o veria sorrir. A

última...

Ela piscou para afastar as lágrimas.

Teria de suportar heroicamente aquela noite. E, com certeza, conseguiria.

Suspirou e estendeu o braço. Cassandra prendeu a pulseira e o colar.

Estava pronta para a batalha. A batalha do orgulho contra o coração.

O baile foi um grande sucesso. Havia carruagens estacionadas ao redor de vários

quarteirões e o enorme salão ficou pequeno para tantas pessoas ilustres. Foi opinião

unânime que as bebidas, as iguarias e a orquestra estavam muito acima do nível habitual

de qualidade. Todos admiravam a beleza e o charme dos anfitriões.

Honória chegara antes do primeiro convidado. Marcus a aguardava com um olhar

intenso que a incomodava. Foi constrangedor e doloroso como em tantas outras

circunstâncias.

Mas, para seu alívio, ou desapontamento, Marcus não procurou conversar com ela.

Apenas a olhou de maneira apreciativa e disse-lhe que nunca estivera tão linda.

De fato, Honória estava deslumbrante. O vestido de seda vermelha destacava o

castanho-acobreado dos cabelos. A mecha branca luzia como os rubis que faiscavam na

pele alva.

A aparência bela e sensual era de tirar o fôlego. Marcus disse a si mesmo que teria

de convencê-la a não abandoná-lo. Era um homem acostumado a ter ò que desejava e

dessa vez estava determinado a não falhar.

Honória lhe pertencia, centímetro por centímetro glorioso. Não a deixaria escapar.

Se o plano daquela noite falhasse, tentaria outro e mais outro, quantos fossem necessários

para o sucesso.

Nem que fosse preciso chegar à velhice para convencê-la de que a amava.

Atormentava-o estar ao lado dela e não poder segurá-la. Tinha vontade de tomá-la

nos braços e levá-la para os aposentos deles. Não desistiria!

Até lá, teria de concentrar-se em saudar os convidados. Lado a lado, na entrada,

Marcus estremecia toda vez que seu braço tocava no de Honória ao cumprimentar os que

chegavam.

Depois de algum tempo, não suportou mais a deliciosa agonia. Fez um sinal para

Jeffries. Assim que o mordomo trouxe Anthony e Anna para substituí-los, Marcus segurou

no braço da esposa.

— Marcus... — Honória empertigou-se.

— Venha, vamos dançar.

— Não.

— Todos esperam que dancemos. Haverá comentários se não o fizermos.

— Está bem. — Ela resignou-se. — Os anfitriões devem começar o baile.

Marcus abriu caminho por entre os que se aglomeravam, ignorou os cumprimentos

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e as outras tentativas para chamar-lhe a atenção. Conduziu Honória até o centro do salão e

fez um sinal para a orquestra. As conversas cessaram e todos ficaram na expectativa.

Os músicos não tocaram nos instrumentos. Marcus inspirou fundo e o coração

disparou em seu peito. Chegara a hora.

— Por que a orquestra não está tocando? — Honória sussurrou.

— Pedi ao maestro que não iniciasse o baile.

— Por quê?

— Preciso falar-lhe, Honória — Marcus disse com voz clara o suficiente para que o

escutassem.

Todos olharam para eles.

— Por obséquio, Marcus, não... — Ela procurou desvencilhar-se.

— Tenho algo para lhe dizer, minha querida.

Honória empalideceu.

— Nada mais há para ser dito, Marcus.

— Isso não é verdade. Tenho certeza de que depois de me ouvir, terá muito que me

responder.

Ciente de que a multidão os observava, Marcus sentiu-se encorajado a continuar.

Fitou Honória. Deslumbrante em seda vermelha e rubis. Orgulhosa. Desafiadora. Sua

esposa. E ela o fascinava.

— Honória. Pensei muito no que você me disse.

Ela corou diante da plateia atenta.

— Marcus, eu...

— Não diga nada. Apenas escute. Por favor. Não lhe respondi porque não podia.

Porque eu não tinha certeza... mas agora tenho.

A sociedade londrina presente à festa conservou-se em silêncio. Marcus sabia que

toda a conversa estaria circulando pela cidade na manhã seguinte. O nome dele e o de

Honória seriam citados por todos os boateiros de Londres. Em outros tempos, ele teria

execrado tal demonstração pública. Naquela altura, porém, só lhe interessava que Honória

voltasse para casa. Para ser sua esposa, e não apenas no nome. Sobretudo no coração.

— Não é muito fácil para eu dizer. — Marcus segurou na sua a mão fria de Honória.

— Fui um homem solitário durante vários anos. De tempos em tempos tomei decisões não

muito acertadas. Não achei que precisasse de ninguém na minha vida. Estava convencido

de que a felicidade vinha do sucesso nos negócios e que os amores poderiam ser distantes

e sem consequências. Em resumo, fui o pior tolo na face da Terra. Estava errado e não me

dei conta dos meu equívocos.

— Marcus? — Honória fitou-o com os olhos arregalados.

O marquês apertou-a entre os braços, devorando-a com os olhos. O som de sua

respiração pesada podia ser ouvido no silêncio que os rodeava. Era o momento para fazer

Honória entender tudo o que ele descobrira.

— Honória, é preciso que...

— Ela não tem de fazer nada. — Cassandra, vestida de branco, pôs-se na frente da

irmã. — Honória não deseja falar-lhe.

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Honória cochichou com Cassandra, que fitou o marquês com raiva.

— Honória, se não quiser, não é obrigada a falar com ele! — A jovem ergueu o

queixo de maneira não usual e voltou-se para Marcus: — Honória não precisa de milorde.

Nós nos arranjaremos muito bem sem a sua presença.

O marquês passou a mãos nos cabelos. Precisava encontrar no pântano de sua

mente as palavras certas que traduzissem seus sentimentos.

— Eu estava errado, Cassandra. Eu amo sua irmã. Ela é a minha outra metade e eu

não descansarei enquanto Honória não acreditar nisso.

— Milorde não terá oportunidade de ferir minha irmã novamente. — Cassandra

mostrava-se irredutível. — Vamos, Honória...

— Srta. Baker-Sneed? — Lorde Melton, belo e loiro, fitou Marcus como quem se

desculpava e fez uma mesura para Cassandra.

— Perdão, mas esta é a nossa dança.

— A orquestra não está tocando.

— Até a música começar — Melton estendeu o braço e Cassandra descansou a mão

nele —, poderemos conversar sobre meu novo projeto. Treymount concordou em financiar

meu plano de criação de cavalos.

— Foi mesmo? — Honória fitou o marido.

— Ontem à noite, Melton e eu traçamos as diretrizes do empreendimento. Se tudo

correr bem, a dívida será liquidada em menos de três anos. — Marcus sorriu e olhou para

os dois jovens. — Talvez, então, ele esteja em condições de assumir outras

responsabilidades bem mais importantes.

— Sim, milorde — Melton anuiu, emocionado, e fitou Cassandra. — Aguardo

ansiosamente o momento em que isso se torne uma realidade.

Cassandra enrubesceu.

— Honória, quer que eu fique...

— Lady Treymount é capaz de cuidar de si mesma. — Lorde Melton ajeitou melhor

a mão de Cassandra em seu braço. — Deixe o casal resolver os próprios problemas.

— Obrigado, Melton — Marcus declarou. — Mais tarde conversaremos sobre os

nossos negócios e tomaremos uma taça de vinho.

— Aguardarei ansioso a oportunidade. Cassandra, vamos até a mesa de aperitivos.

— E Honória?

— Não se preocupe, tudo está bem — Marcus procurou tranquilizar a cunhada.

— Tem certeza? — Cassandra entrelaçou os dedos da outra mão com os de Honória.

— Tenho, Cassandra.

— Está bem. — Ela soltou a mão de Honória e afastou-se com Melton.

— Honória — Marcus disse à esposa e fez um sinal para Jeffries. — Tenho um

presente para milady.

O mordomo aproximou-se com uma salva de prata. No centro, uma tiara de rubis

com o mesmo desenho do colar e do bracelete.

— Oh, Deus! — Honória exclamou.

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Marcus pôs o adorno no alto da cabeça da esposa.

— Milady já me disse uma vez que não se via como as mulheres que usavam tiaras.

Ouso discordar. Milady merece tiaras, rubis e muito mais.

— Marcus, não sei o que dizer. Eu não posso... Por que está fazendo isso?

— Porque eu quero que o mundo escute o que tenho para dizer. Milady afirmou

que não acreditaria em protestos de afeição, pois isso apenas refletiria um dever. Honória,

eu não estou falando em deveres.

— Marcus, eu entendo. Ninguém é culpado pelo que não sente.

— Mas eu sinto e com muita intensidade. Eu não estava preparado para ouvir que

sou amado. Somente agora entendi meus próprios sentimentos.

Honória continuava imóvel, resplandecente de vermelho e tão linda que o fazia

tremer de emoção.

Marcus a amava. De corpo e alma. Não imaginava viver sem Honória. Antes dela,

Treymount House havia sido gelada, silenciosa. Uma grande concha vazia. Marcus

segurou as mãos de Honória e puxou-a de encontro a ele. A tristeza no olhar dela

emocionou-o.

— Honória, cometi muitos erros. Agora sei que eu não conseguiria viver sem a sua

presença. Entendi o quanto de alegria suas irmãs e seu irmão trouxeram para Treymount

House. Eu a quero de volta. Quero todos de volta.

— Por quê? — Lágrimas umedeceram os olhos de Honória.

— Eu já lhe disse. Sozinho eu não sobreviverei. Estive cego ao não enxergar isso.

Não quero nenhuma outra mulher para esposa.

— Não... não posso acreditar. — Honória sacudiu a cabeça e soltou-se. — É tarde

demais.

— Honória, escute...

— Não adianta, Marcus. Deixemos as coisas como estão. Milorde não me ama. —

Honória afastou-se.

Marcus sentiu as pernas amolecerem com o peso do desapontamento. Honória

nunca chegaria a acreditar nele. Sentiu que o seguravam pelo braço. Era Cassandra.

— Treymount, por que não vai atrás dela?

— Honória não me quer. — A imensa dor o deixou insensível. — Eu a amo, mas

aniquilei os sentimentos dela a meu respeito.

— Por que os homens são tolos? Não a escutou dizer que milorde não a amava?

Pois prove que Honória está enganada!

Cassandra estava certa! Não poderia permitir que sua esposa o deixasse.

Honória apertava os dentes para não chorar. Olhares curiosos a seguiram até a

porta. Uma dama robusta tentou impedi-la de sair, mas Honória empurrou-a. Marcus não

dissera o que ela desejava escutar. Ele tinha falado em sentir falta da alegria de todos, mas

não afirmara que a amava.

Perguntou a si mesma se era possível um coração arrebentar de tanto sofrimento.

Esgueirou-se por entre os convidados e voltou ao hall. Anna e Anthony ainda estavam em

pé junto à entrada, recepcionando os retardatários. Ocultou-se atrás de algumas pessoas e

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pediu a um criado que fosse chamar Herberts e a carruagem.

Anna a viu. Desculpou-se com os nobres que ali aguardavam e aproximou-se,

elegantemente trajada de seda azul.

— Honória? Está indo embora?

— Sim... tenho de ir. — Ou ela cederia ao remorso que a envolvia.

— É por causa de Marcus, não é? Ele está fazendo uma grande confusão. É o

homem mais teimoso que já vi.

— O mais teimoso e o mais idiota!

Anna sorriu.

— Isso mesmo. E também o mais capaz e inteligente dos que eu conheço. E muito

mais sensível do que aparenta ser.

— Está bem, Anna. — Honória piscou para afastar as lágrimas. — Preciso ir.

Anna olhou o salão por cima do ombro de Honória.

— Está bem. — Ela afastou-se do caminho.

Honória fez um aceno discreto de cabeça, deu um sorriso triste e foi para fora.

As pessoas que entravam não lhe deram atenção. Ela ficou aliviada ao ver Herberts

se aproximando.

O cocheiro desceu da boleia e abriu a porta.

— Para onde vamos, milady?

Honória não conseguiu dizer "para casa". Aquele era seu lar. No instante em que ela

perdeu a batalha contra as lágrimas, Marcus estava a seu lado.

O marquês a segurou pelos braços e virou-a de frente para ele.

— Por que não me deu tempo para terminar, Honória? Por favor, escute-me!

— Faça o que ele pede, milady — Herberts aconselhou-a. — Nunca o vi tão agitado!

— Honória Baker-Sneed St. John, eu te amo! E como um grande imbecil, só entendi

isso quando percebi que seria abandonado.

— Milorde... me... ama — Honória soletrou as palavras, temerosa de acreditar no

que ouvira.

— Milady é a mulher mais verdadeira e mais honesta que já conheci. Eu não queria

amar ninguém. Por isso tentei convencer a mim mesmo de que se tratava apenas de desejo.

— Mas isso também existe.

— Nem poderia ser de outra forma. Porém o meu sentimento vai muito além da

atração física. Senti desesperadamente a sua falta. Nem mesmo conseguia respirar.

Treymount House pareceu ter encolhido e não havia mais lugar para ninguém, muito

menos para mim.

— Pois eu acho que em Treymount House há lugar para mil marquesas.

Marcus beijou-lhe a mão e o dedo onde estava o anel-talismã.

— Não sem amor. Não sem a sua presença. Honória, entenderei se não quiser

acreditar em mim. Mas não vou desistir. Eu a cortejarei até o fim da vida e provarei que te

amo de todo o coração.

— Cortejar-me? Com flores e presentes?

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— Eu a cobrirei com rubis e diamantes. Inundarei a casa com flores. Ficarei na

entrada dia e noite. Não me importarei com que os outros possam dizer.

— Milorde a ama! — Herberts pareceu impressionado. — Milady tem de ficar com

ele!

— Herberts, por favor! — Marcus repreendeu-o. — Vá para a frente da carruagem.

— Eu estava apenas querendo ajudar. — O cocheiro fungou.

— Não preciso da sua ajuda. Agora vá.

— Está cometendo um engano. Eu poderia ajudá-lo.

— Vá!

— Está bem! Não precisa gritar comigo. — Herberts virou-se de costas para os dois

e cumpriu a ordem do marquês.

— Eu te amo, Honória. — Marcus apertou-a nos braços quando o cocheiro se

afastou. — Não descansarei enquanto não a tiver de volta. Aqui. Comigo. Em Treymount

House.

Honória estremeceu de tanta felicidade.

— Não precisa cometer exageros como cobrir-me de jóias, embora elas sejam belas.

— Honória, volte para mim. Sei que cometi muitos erros, que fiz uma grande

confusão. Não a culparei se não sentir mais por mim o mesmo de antes.

Honória fechou-lhe os lábios com a ponta de dois dedos.

— Eu te amo, Marcus. E desejo ficar ao seu lado.

Com olhar brilhante e um grito de triunfo, Marcus abraçou a esposa e levantou-a do

solo. Honória segurou-se com força na nuca do marido. O beijo não poderia ser mais

apaixonado.

Ah, como ela o amava!

E a felicidade a inundou ao saber-se amada por ele.

Uma fungada forte interrompeu o momento.

Honória descerrou as pálpebras. Herberts estava no passeio e enxugava os olhos

com um lenço não muito limpo.

— Foi maravilhoso, milorde. Juro que foi!

— Herberts, eu não lhe disse para esperar na frente da carruagem? — Marcus

irritou-se.

— Disse. Mas vamos supor que precisasse do meu testemunho para dizer a milady

como milorde ficou infeliz sem a presença dela. E aí? — Herberts apoiou-se na carruagem

e cochichou para Honória: — Ele parecia um urso faminto, milady. Feroz com todos e agia

como se o mundo fosse acabar. Nada lhe agradava.

— Ele não vai desistir... — Marcus suspirou.

— Não até se dar por satisfeito. — Honória deu uma risada.

Marcus deslizou Honória até o chão.

— Herberts, já que está aí...

— Espere, patrão, isto é, milorde. Ainda não terminei de contar a milady como

Treymount House estava horrível sem ela. Milady pode não acreditar, mas cheguei a

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pensar em deixar o emprego e pedir uma colocação com o duque de Rutland. O duque

afirmou que me pagaria o dobro do salário.

— Rutland nunca falou nada disso — rebateu Marcus. — Ele comentou que o

empregaria se precisasse de um batedor de carteiras eficiente. Eu estava lá, lembra-se? Eu

até o fiz devolver o relógio do duque.

— Ora, e o que tem de mais ser um punguista? Minha mãe costumava dizer que...

Marcus enfiou a mão no bolso, tirou o porta-moedas cheio e deixou-o na mão do

cocheiro.

— Isto é seu se calar a boca e nos levar a um passeio pelo parque.

— E o baile?

Honória espantou-se.

— Esqueça. Anthony providenciará o que for necessário. Quanto a Cassandra, está

em boas mãos.

Herberts fechou os olhos e apertou a pequena bolsa de couro.

— Nossa, como está pesada! Obrigado, pa... milorde. Vamos ao parque!

Marcus abriu a porta, ajudou Honória a subir e seguiu-a. Assim que a porta foi

fechada e a carruagem arrancou, Honória começou a desatar a gravata do marido.

— Está com pressa, meu amor?

— Já faz dois dias. Estou com muito pressa. — O olhar dela brilhou de amor e

ansiedade. — Milorde não está?

Marcus não cabia em si de felicidade. Honória seria sua amante e companheira para

o resto da vida. A dama de vermelho lhe pertencia. Ele a amava mais que a própria vida.

Eles tiraram as roupas. Honória pareceu-lhe uma deusa recostada no assento de

veludo. Como único ornamento, as jóias e a tiara de rubis.

As palavras de carinho e paixão pareceram sem significado a Marcus, diante dos

sentimentos que nutria por Honória.

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Epílogo

— Bem, aqui estamos. — Anthony olhou para os irmãos reunidos à mesa favorita

do White's.

No salão ecoavam risadas e conversas masculinas. O cheiro da fumaça dos charutos

misturava-se ao do couro dos estofados.

Apesar do ambiente agradável, Marcus consultava o relógio a todo instante.

Honória saíra com Anna, Cassandra e Carol. Pretendiam comprar sedas para enfeitar o

salão de baile.

Sorriu. Quando havia deixado Treymount House naquela manhã, os criados

estavam empenhados em tirar as cortinas antigas. Carol e Juliet tinham escolhido o salão

azul para a apresentação da nova peça. George e Antoine haviam ficado na cozinha

fazendo biscoitos com o formato de rãs. A mansão revivera. Alvoroço, brilho e amor

haviam sido os responsáveis pela nova mudança. Pela primeira vez em sua vida, Marcus

se sentia feliz. O mais curioso era ele nunca ter percebido o que lhe faltava.

— O anel-talismã dos St. John encerrou a sua tarefa — Chase comentou.

— É verdade — Brandon concordou. — Nunca imaginei que tudo isso pudesse

acontecer.

— Marcus, o que fará com o anel agora? — Chase esticou as pernas por baixo da

mesa.

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— Eu? Nada. Ele é a aliança de casamento de Honória. Espero que ela nunca o tire

do dedo.

— Perfeito! — Devon deu uma risada. — É a solução ideal! Enquanto o anel-talismã

estiver no dedo de Honória, não poderá enfeitiçar mais ninguém.

— Enfeitiçar? — Anthony recriminou o irmão. — Ainda bem que sua esposa, a

adorável Kat, não esteja presente para escutar esse absurdo.

— Kat sabe que eu a amo — Devon disse, complacente. — E ela me enfeitiçou. Da

melhor maneira que uma mulher poderia fazer.

— Existe uma maneira ruim para uma mulher encantá-lo? — Anthony deu risada.

— Não que eu saiba — Devon respondeu. — E Deus é testemunha de quanto Kat

tentou. — Ele serviu vinho aos irmãos. — Vamos fazer um brinde.

— Eu começo. — Chase distribuiu as taças e levantou a sua. — Aos homens mais

felizes da Inglaterra. Nós. E as nossas esposas, que nos ensinaram a alegria do verdadeiro

amor.

Eles brindaram e beberam.

— Mais um. — Marcus ergueu sua taça. — Ao anel-talismã dos St. John! Que todos

os homens possam ser tão abençoados!

Novamente eles brindaram e beberam.

Marcus lembrou-se da época em que lamentara a existência dos irmãos em relação

ao aspecto doméstico. Em algum ponto do caminho, ele havia esquecido a melhor parte da

vida e ignorado o poder de transformação do amor.

Com a ajuda de Honória, jamais olvidaria o prazer genuíno de estar ao lado dos

seres amados.

Fim.