Lançamento da Agenda Perpétua 52 Histórias - Marina Costa Lobo
-
Upload
acep-associacao-para-a-cooperacao-entre-os-povos -
Category
Documents
-
view
213 -
download
0
description
Transcript of Lançamento da Agenda Perpétua 52 Histórias - Marina Costa Lobo
LANÇAMENTO AGENDA PERPÉTUA 52 HISTÓRIAS
POR MARINA COSTA LOBO
INVESTIGADORA DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Boa tarde. Quero agradecer o convite que a Fátima Proença me dirigiu para estar
aqui hoje a apresentar este livro-agenda-perpétua. Este livro-agenda é uma
preciosidade. Foi feito com muito cuidado. Combina ética e estética. Junta um
conjunto de textos curtos mas muito incisivos que servem para despertar
consciências. Reúne alguns dos melhores jornalistas, fotógrafos portugueses que ao
longo das cinquenta e duas histórias aqui contadas nos vão mostrando um mundo
feito de sofrimento e resiliência, de dignidade perante a adversidade em textos e em
imagens.
Porque é que se chamou a esta obra um livro-agenda-perpétua? Acho que ele
realmente é muito mais do que uma agenda, embora também tenha essa
funcionalidade. Na verdade é, como a Fátima diz na introdução do livro, um tapete
persa: um quadro em toda a sua delicadeza diversidade e complexidade, em que
cada palavra faz parte de um todo maior. O conjunto de testemunhos servem para
desafiar a nossa compreensão do mundo, do nosso papel e do nosso lugar. Eu de
facto li este livro de uma só vez. A selecção tão adequada das histórias, das vidas que
são trazidas aqui constituem um apelo a uma visão global do mundo, uma visão
humanista dos problemas sem olhar a fronteiras, nacionalismos ou patriotismos.
Este livro é um apelo a uma ética cosmopolita. Propõe uma igualdade entre as várias
culturas do mundo, um modelo em que não existam cidadãos deste ou daquele país,
mas apenas cidadãos do mundo. O avanço recente dos processos de globalização
servem com certeza para tornar este ideal mais realizável. Hoje a internet e as redes
sociais colocam pessoas e realidades que estão em pontos opostos do globo à
distância de um pequeno click no computador. Mas não basta que a tecnologia nos
aproxime. Para que se constitua uma verdadeira comunidade global é preciso mudar
também as mentalidades. E este livro-agenda perpétua insere-se nesta grande
ambição.
O desafio é desconstruir ideias feitas sobre o “Outro”. Um dos autores
contemporâneos que tem defendido a ideia do cosmopolitismo é Kwame Anthony
Appiah. No seu livro, intitulado “Cosmopolitismo: A ética num mundo de estranhos”
o autor explica algo muito importante sobre a ética social. O sentido de
solidariedade de responsabilidade e de obrigação que o indivíduo tem em relação a
outros é proporcional à familiaridade que o liga a esses outros. Assim, o meu sentido
de solidariedade e de obrigação será sempre maior em relação àqueles que eu
encaro como meus familiares do que em relação àqueles que me parecem
estranhos. O conceito de “Outro” e de “Família” é uma representação que vai sendo
moldado por discursos políticos, por culturas políticas dominantes. E neste caso, as
identidades nacionais não são particularmente propícias à criação de solidariedades
globais.
Queiramos ou não, é o conceito de familiaridade que guia as nossas convicções
sobre obrigação de solidariedade. Nesse sentido, a ACEP, com a publicação deste
livro onde ao longo de 52 semanas são apresentadas 52 histórias de coragem,
dignidade e resiliência, contribui para desfazer essas barreiras psicológicas e lentes
nacionalistas com que olhamos o mundo e lhe damos sentido.
Esta Agenda então inscreve-se na tentativa de abrir os horizontes aos portugueses.
Torná-los um pouco cidadãos do mundo. Essa tomada de consciência poderia
contribuir para a melhoria dos direitos humanos no mundo. Isto porque, se eu olhar
para todos os cidadãos deste mundo enquanto parte da mesma comunidade então
as vivências de grande parte da população mundial, sob tantas e tantas dificuldades,
contextos de privação económica, repressão social e política tornam-se
verdadeiramente intoleráveis. E haverá mais incentivos para movimentos sociais que
se organizem para poder corrigir alguma da injustiça e reduzir a indiferença.
Quando se fala de direitos humanos no mundo e da sua melhoria, penso que é
inegável dizer também que estamos a falar de mulheres e crianças, que são talvez os
grupos mais vulneráveis dentro de sociedades em que há grandes problemas
políticos, sociais e económicos. E este livro-agenda reflecte precisamente este
desequilíbrio – trata sobretudo, embora não exclusivamente de histórias de
mulheres e de crianças. Não é por acaso que os objectivos para erradicação da
pobreza do Milénio incluam vários que dizem respeito directamente às condições de
vida das mulheres e das crianças, como a educação universal, a saúde infanto-
maternal ou a igualdade de género.
Num momento de crise europeia pode haver a tentação de fechamento, e já há
exemplos disso um pouco por toda a Europa. Nos últimos tempos temos tido, na
Alemanha com as afirmações de Angela Merkel de que o modelo de
multiculturalismo fracassou naquele país, ou com a política de repatriamento da
comunidade cigana de França para a Roménia, exemplos disso mesmo.
Este livro é por isso um tónico, contra a tentação Europeia de fechamento. Mas
também é um tónico porque cada uma das histórias contidas nesta agenda perpétua
constitui uma lição de vida. Por exemplo, a de uma menina de 15 anos que em vez
de aceitar o destino de um casamento arranjado decide fugir de casa, contra a
vontade dos pais. Ou a de Myung-Hee, que escapou ao regime comunista da Coreia
do Norte para ser explorada na China, mas conseguiu encontrar uma identidade e
uma vida na Coreia do Sul. Ou ainda a de três amigos, os três mosqueteiros, que no
ghetto de Kampala organizaram uma comunidade para dar uma casa a crianças cujo
destino seria a de serem soldados.
E é também uma celebração do poder da sociedade civil que trabalha em condições
muito difíceis. Por isto tudo dou os parabéns a esta iniciativa da ACEP e aconselho a
todos que comprem a agenda e a ofereçam a alguém de quem gostem – cada
história irá servir para abrir horizontes aos felizes contemplados com esta obra.