LASSALLE, F. - A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO

2
Obra: A Essência da Constituição Autor: Ferdinand Lassalle Data: 12/05/2012 [introdução do tradutor] Contemporâneo de Marx, Lassalle pode ser considerado o precursor do pensamento crítico dentro do Direito. No presente livro Lassalle procura os fundamentos essenciais (materiais) da Constituição, não os formais. Por material devemos entender o social e o político. Assim, estuda- se nessa obra o que Lassalle chama de Fatores Reais de Poder: monarquia, burguesia, sindicatos etc. Lassalle desconhece e diverge da idéia de que o exército seria um FRP e o entende como superior o independente da Constituição. “as forças armadas não devem satisfação à nação (constituição), mas ao Rei”. Tal situação é eminentemente absolutista e perdura até os dias atuais. O autor também ensina a diferença entre a Constituição Real e a Constituição Escrita. Lassalle vê que a constituição se confunde com os FRP, de modo que ela só pode ser o que ela realmente é e não aquilo que deveria ser. [fim] A definição comum de constituição apenas descreve a constituição, mas não a explica: não se chega a uma definição ou conceituação de constituição. Para tentar chegar a esse objetivo, primeiramente falaremos sobre “o que uma constituição não é”. 1) Constituição VS. Lei: diz-se que constituição é a lei fundamental de uma nação. Mas essa resposta é satisfatória? Não. Vamos nos debruçar sobre o sentido de “fundamento” junto ao termo constituição: a) é uma lei básica (basilar), mais básica do que todas as outras; b) é uma lei que constitui, constitui todas as outras leis. É fundamental porque está na base de todas as outras, as quais se irradiam da Constituição; c) O fundamento, assim, o é porque pressupõe a necessidade da coisa sobre ele. A lei necessita da Constituição. Desse modo, as coisas são predeterminadas pelo fundamento (ex. sistema solar: planetas giram em torno do sol; isso acontece porque a gravidade assim o determina; a gravidade fundamenta o sistema) – assim também acontece com a constituição que, enquanto lei fundamental,determina as demais. É a força ativa que se faz pela necessidade. A força ativa que determina a forma como as demais coisas serão. Os Fatores Reais de Poder são essa força ativa que informa às entidades e órgãos jurídicos como eles devem ser e o que não podem ser. Os FRP, portanto, criam a necessidade que por sua vez é o fundamento (pois o fundamento pressupõe a necessidade) – diz-se então que os FRP são a Constituição. Para explicar os FRP, Lassalle faz uso do seguinte exemplo: “imaginemos que todas as leis do país pegassem fogo e que tivéssemos que editar novas leis; mas com total liberdade criativa e sem lei fundamental (escrita) para nos limitar” . A partir disso observa o autor que as legislações não se alterariam,

Transcript of LASSALLE, F. - A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO

Page 1: LASSALLE, F. - A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO

Obra: A Essência da ConstituiçãoAutor: Ferdinand Lassalle

Data: 12/05/2012

[introdução do tradutor] Contemporâneo de Marx, Lassalle pode ser considerado o precursor do pensamento crítico dentro do Direito. No presente livro Lassalle procura os fundamentos essenciais (materiais) da Constituição, não os formais. Por material devemos entender o social e o político. Assim, estuda-se nessa obra o que Lassalle chama de Fatores Reais de Poder: monarquia, burguesia, sindicatos etc. Lassalle desconhece e diverge da idéia de que o exército seria um FRP e o entende como superior o independente da Constituição. “as forças armadas não devem satisfação à nação (constituição), mas ao Rei”. Tal situação é eminentemente absolutista e perdura até os dias atuais. O autor também ensina a diferença entre a Constituição Real e a Constituição Escrita. Lassalle vê que a constituição se confunde com os FRP, de modo que ela só pode ser o que ela realmente é e não aquilo que deveria ser . [fim]

A definição comum de constituição apenas descreve a constituição, mas não a explica: não se chega a uma definição ou conceituação de constituição. Para tentar chegar a esse objetivo, primeiramente falaremos sobre “o que uma constituição não é”. 1) Constituição VS. Lei: diz-se que constituição é a lei fundamental de uma nação. Mas essa resposta é satisfatória? Não. Vamos nos debruçar sobre o sentido de “fundamento” junto ao termo constituição: a) é uma lei básica (basilar), mais básica do que todas as outras; b) é uma lei que constitui, constitui todas as outras leis. É fundamental porque está na base de todas as outras, as quais se irradiam da Constituição; c) O fundamento, assim, o é porque pressupõe a necessidade da coisa sobre ele. A lei necessita da Constituição. Desse modo, as coisas são predeterminadas pelo fundamento (ex. sistema solar: planetas giram em torno do sol; isso acontece porque a gravidade assim o determina; a gravidade fundamenta o sistema) – assim também acontece com a constituição que, enquanto lei fundamental,determina as demais. É a força ativa que se faz pela necessidade. A força ativa que determina a forma como as demais coisas serão.

Os Fatores Reais de Poder são essa força ativa que informa às entidades e órgãos jurídicos como eles devem ser e o que não podem ser. Os FRP, portanto, criam a necessidade que por sua vez é o fundamento (pois o fundamento pressupõe a necessidade) – diz-se então que os FRP são a Constituição. Para explicar os FRP, Lassalle faz uso do seguinte exemplo: “imaginemos que todas as leis do país pegassem fogo e que tivéssemos que editar novas leis; mas com total liberdade criativa e sem lei fundamental (escrita) para nos limitar”. A partir disso observa o autor que as legislações não se alterariam, mesmo sem nenhuma forma jurídica para ditar as formas de como as coisas devem ser – esses seriam os FRP, definidos assim porque teriam poder real, não poder abstrato (como o papel das leis).

Entre os FRP temos: 1) A monarquia – pois tem o exército ao seu lado como força leal; 2) A aristocracia (ou oligarquia rural) – porque tem influencia sobre a monarquia e consequentemente sobre o exército, é um vínculo histórico; 3) A grande burguesia – tem os homens empregados (o povo) ao seu lado por serem dele dependentes; 4) Os banqueiros – são o motor do Estado, são os únicos que podem emprestar dinheiro para que este se mantenha (e manter o Estado é importante para manter todos os outros FRP); 5) A pequena burguesia e a classe operária – é o povo constituído de modo liberal que se negaria a voltar a tempos de vassalagem ou escravidão, por isso também acha interessante a manutenção do status quo.

Esses cinco, para Lassalle, são os FRP que regem uma nação. Esses são os limitadores reais da nação. Eles guardam alguma relação com os limitantes jurídicos (ou seja, a constituição). Ao juntarmos os fatores reais de poder em um papel temos a lei fundamental; temos o direito e as instituições jurídicas. Quem atenta contra a lei, assim, atenta contra o direito e é punido. Cada um dos FRP é “dono” de uma pequena parte da Constituição – suas vontades e objetivos, porém não estão expressos nela, mas velados, implícitos. O exército,

Page 2: LASSALLE, F. - A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO

Obra: A Essência da ConstituiçãoAutor: Ferdinand Lassalle

Data: 12/05/2012

nesse sentido, é um poder real acima da constituição porque ele não precisa obedecê-la (bem como o Rei). O povo, sozinho, detém poder muito maior do que o exército (é a sociedade civil quem produz e paga as armas do exército), porém a efetividade do poder desses entes reside na sua capacidade de organização: o exército é muito organizado, a sociedade civil não.

Temos, assim, que a Constituição Escrita é apenas uma folha de papel, enquanto os FRP são aqueles determinantes da constituição Real. Apesar do termo “constituição” ser inerente à modernidade, constituições reais são tão antigas quanto os FRP. A constituição escrita surge como conseqüência/resposta às mudanças no bojo dos próprios FRP (ao maior poder conquistado pela grande burguesia). Quando podemos dizer que uma constituição escrita é boa e duradoura? Quando ela corresponde exatamente à constituição real, aos FRP. Onde a constituição real não corresponder à escrita haverá uma quebra na relação entre as duas constituições em favor dos FRP.