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III ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Negócio da música em tempos de interatividade 30 de agosto a 1º de setembro de 2011 Faculdade Boa ViagemRecife-PE 1 Last Fm e as novas práticas de consumo musical 1 Morena Melo Dias 2 Ronaldo Bispo dos Santos³ Universidade Federal de Alagoas, Maceió/AL Resumo: O artigo apresenta algumas considerações sobre o Last.fm, caracterizando-o como paradigma das dinâmicas contemporâneas de consumo cultural, exemplificadas pelos sistemas de recomendação, por novas formas de intermediação cultural, de práticas colaborativas e de construção coletiva de reputações. Além desses aspectos, ao final, apresentamos essa revolucionária plataforma de audição musical como uma alternativa de viabilidade comercial para novas e pequenas bandas à luz da teoria da cauda longa. Palavras-chave: Sistemas de recomendação, práticas colaborativas, novas formas de escuta musical, cauda longa, Last.fm. Estrutura do Last.fm A plataforma Last.fm constitui uma nova, instigante e original forma de audição de música na internet. Tendo conquistado mais de 20 milhões de usuários em seus quase dez anos de existência, a plataforma, fundada em 2002 na Inglaterra, conta com adeptos em quase todas as partes do mundo e atualmente está disponível em 12 idiomas, estimulando a troca de conhecimento musical entre seus membros, recomendando faixas e bandas para audição e garantindo visibilidade a artistas com pouco espaço nas mídias tradicionais A primeira coisa que o usuário do Last.fm é convidado a fazer para começar a usar o sistema é digitar os nomes de alguns de seus artistas preferidos. A partir dessas informações e antes mesmo de executar uma única faixa ou rádio desde a plataforma, dezenas de artistas são recomendados e podem ser adicionados a sua biblioteca. Faça-se o download do software scrobble e todas as músicas ouvidas pelo próprio last.fm, em qualquer player de 1 Trabalho apresentado ao GT 4: Música e convergência tecnológica, do III Musicom Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 30 de agosto a 1º de setembro de 2011, na Faculdade Boa Viagem, em Recife-PE. 2 Graduanda de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, cursando o 7º período na Universidade Federal de Alagoas, realiza iniciação científica pelo PIBIC em Estética da Comunicação e é membro do grupo de estudos Mídia e Música Popular Massiva coordenado pelo professor doutor Jeder Janotti Junior. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4294192A6 [email protected] ³ Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas. Coordena o grupo de pesquisa A Co-Evolução das Formas e Preferências Estéticas: uma investigação sobre mudanças de linguagem e de gosto na cultura midiática. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4717493E2 [email protected]

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III ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR Negócio da música em tempos de interatividade

30 de agosto a 1º de setembro de 2011 – Faculdade Boa Viagem–Recife-PE

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Last Fm e as novas práticas de consumo musical1

Morena Melo Dias2

Ronaldo Bispo dos Santos³

Universidade Federal de Alagoas, Maceió/AL

Resumo: O artigo apresenta algumas considerações sobre o Last.fm, caracterizando-o

como paradigma das dinâmicas contemporâneas de consumo cultural, exemplificadas pelos

sistemas de recomendação, por novas formas de intermediação cultural, de práticas

colaborativas e de construção coletiva de reputações. Além desses aspectos, ao final,

apresentamos essa revolucionária plataforma de audição musical como uma alternativa de

viabilidade comercial para novas e pequenas bandas à luz da teoria da cauda longa.

Palavras-chave: Sistemas de recomendação, práticas colaborativas, novas formas de escuta

musical, cauda longa, Last.fm.

Estrutura do Last.fm

A plataforma Last.fm constitui uma nova, instigante e original forma de audição

de música na internet. Tendo conquistado mais de 20 milhões de usuários em seus quase dez

anos de existência, a plataforma, fundada em 2002 na Inglaterra, conta com adeptos em quase

todas as partes do mundo e atualmente está disponível em 12 idiomas, estimulando a troca de

conhecimento musical entre seus membros, recomendando faixas e bandas para audição e

garantindo visibilidade a artistas com pouco espaço nas mídias tradicionais

A primeira coisa que o usuário do Last.fm é convidado a fazer para começar a

usar o sistema é digitar os nomes de alguns de seus artistas preferidos. A partir dessas

informações e antes mesmo de executar uma única faixa ou rádio desde a plataforma, dezenas

de artistas são recomendados e podem ser adicionados a sua biblioteca. Faça-se o download

do software scrobble e todas as músicas ouvidas pelo próprio last.fm, em qualquer player de

1 Trabalho apresentado ao GT 4: Música e convergência tecnológica, do III Musicom – Encontro de

Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 30 de agosto a 1º de setembro de

2011, na Faculdade Boa Viagem, em Recife-PE. 2 Graduanda de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, cursando o 7º período na Universidade

Federal de Alagoas, realiza iniciação científica pelo PIBIC em Estética da Comunicação e é membro do grupo de

estudos Mídia e Música Popular Massiva coordenado pelo professor doutor Jeder Janotti Junior. Currículo

Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4294192A6 [email protected]

³ Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professor adjunto

da Universidade Federal de Alagoas. Coordena o grupo de pesquisa A Co-Evolução das Formas e Preferências

Estéticas: uma investigação sobre mudanças de linguagem e de gosto na cultura midiática. Currículo Lattes:

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4717493E2 [email protected]

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seu computador ou mesmo através de periféricos ligados ao itunes, são imediatamente

carregadas em seu perfil, passando a se hospedarem virtualmente em sua biblioteca digital.

As músicas disponíveis na plataforma são “aspiradas” dos arquivos dos seus

usuários. Sempre que um usuário abre uma conta é aconselhado a fazer download de um

programa denominado Scrobbler. Disponível na plataforma e gratuito, esse programa importa

o histórico de consumo musical do computador do usuário e a quantidade de vezes que cada

uma foi executada, assim o usuário já inicia sua estadia na plataforma com um histórico. Esse

histórico será atualizado em tempo real todas as vezes que o usuário estiver executando

músicas. Essa atualização é feita mesmo que o usuário não esteja navegando no site naquele

momento (mas simplesmente conectado à internet), garantindo que a construção identitária do

usuário na plataforma seja coerente com o real consumo musical do usuário.

A partir dos gostos manifestados pelo conjunto de suas audições, o bloco de

recomendações sugeridas ao usuário é renovado. É a partir dessas sugestões que o usuário tem

oportunidade de conhecer novas faixas e bandas, mais ou menos desconhecidas. A medida em

que classifica e/ou identifica seus gostos culturais, a plataforma organiza seu consumo

musical, sugerindo bandas e faixas relacionadas.

Sistema de Recomendação

Por essas características e performances, o Last.fm pode ser bem caracterizado

como um sistema de recomendação musical. “Os sistemas de recomendação (SR)

caracterizam-se como sistemas informáticos de classificação, organização e recomendação de

produtos culturais, baseados nas preferências e gostos dos usuários de internet” (CALVI;

SANTINI; SOUZA, 2009, p. 290). Ou: “Sistemas de recomendação são... softwares, também

chamados de agentes inteligentes, que tentam antecipar os interesses do consumidor no ambiente

digital e prever seus gostos, a fim de recomendar novos produtos” (SÁ, 2009, p.1).

De particular interesse é compreender qual o princípio seguido pelo sistema para

apresentar suas recomendações. Como se formam, se fortalecem ou se enfraquecem as

relações entre artistas e gêneros musicais dentro do Last.fm. (ver Sá 2009). Como

aparentemente todas as informações e classificações que constituem a plataforma são

incluídas e alimentadas pelos usuários, deduz-se que as bandas e gêneros musicais

recomendados devem se apresentar em função da reputação dos usuários. Usuários mais

ativos produzem associações que se tornam mais freqüentes na geração de recomendações.

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Essas recomendações são feitas, portanto, com base em um sistema colaborativo

em que são levadas em consideração vizinhanças de gosto e iniciativas de rotulação (tags). A

prática colaborativa dos próprios usuários do sistema é um modo de garantir multiplicidade e

legitimidade às recomendações constituindo um serviço gratuito e muito bem-vindo que

demandaria tempo e trabalho para se constituir por iniciativa individual.

Segundo a definição do próprio site, o Last Fm é um serviço de recomendações

musicais. Na prática sua função inicial é mantida, mas algumas outras se tornam evidentes, o

Last.fm funciona como uma grande biblioteca musical, despertando a memória afetiva dos

seus usuários e estimulando o conhecimento e o consumo musical. Para isso o site se estrutura

como uma rede social de aficionados por música; cada usuário tem seu perfil musical e pode

carregar uma foto para o seu avatar.

A interface do site prioriza a informação musical, isso pode ser percebido pela

construção de perfis dos usuários, foto, nome, idade e localidade são as únicas informações

pessoais que fazem parte do perfil.

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A construção da identidade dos usuários é feita através de seu histórico de

audições musicais, constituindo uma biblioteca musical particular. As últimas faixas

executadas aparecem acompanhadas de imagem da capa do álbum da qual faz parte, o nome

da banda/ músico e o título da música escutada, tudo isso seguido do tempo que faz que o

usuário ouviu aquela música.

As pessoas se apresentam à rede pelos perfis e pelas páginas personalizadas nas

quais compartilham suas preferências. É pela fruição de bens culturais que é

constituída a mediação entre os usuários, e ela é resultado de práticas de consumo.

Essa fruição, porém, não é apenas índice de identidade ou estilização de vida, status,

ou capital cultural. Os bens estão ali também para circulação, não importando mais

de quem e de onde partiram e ao que se destinam. As atividades de circulação de

perfis pela rede tornam cada vez mais complexo este usuário-consumidor-produtor

atravessado por uma contagiante e viral pluralidade de preferências e estilos.

(PINHEIRO, 2008, p. 106)

Abaixo das últimas faixas ouvidas os visitantes têm acesso a biblioteca musical

do usuário, ao clicar em um dos músicos da biblioteca o visitante terá acesso a sua biografia,

imagens, vídeos, álbuns, faixas, informações sobre shows, notícias, tabelas com números de

execução de suas faixas no Last.fm, etc. Clicando no link “parecidos” o usuário encontra uma

infinidade de bandas/ músicos que têm sonoridade semelhante, essa lista de recomendações é

composta por fotos e biografias, número de execuções no Last.fm e de ouvintes, além do grau

de similaridade que aqueles projetos têm. Por exemplo, quando clicamos na banda alagoana

Coisa Linda Sound System, o sistema de recomendação sugere: Wado, Mopho, Oxe e grifa

seus graus específicos de similaridade com o som feito pela Coisa Linda.

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Fora dos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha o serviço de webrádio do Last

Fm é pago desde 2009, usuários que moram fora desses centros e optam por assinar a Last.fm

pagam três dólares por mês e têm acesso às rádios online de todos músicos e bandas

cadastrados na plataforma. O critério de funcionamento dessas rádios é um híbrido, abarca

questões estéticas e sociais em que o processo de produção dessas músicas está inserido.

Evolução do gosto e aquisição de novas preferências estético-musicais

Nenhum ouvinte-usuário-amante-de-música abre uma conta no Last.fm sem

nunca ter ouvido músicas antes e formado um certo conjunto de preferências. O consumidor

cibercultural de música inicia a relação com a plataforma e suas inúmeras recomendações a

partir de um gosto específico mais ou menos estabilizado. Fatores como predisposições inatas,

ambiente familiar, poder aquisitivo, grau de instrução, cidade onde mora, escolas onde

estudou, interação social, entre muitos outros, moldaram seu modo de reagir aos universos

musicais e lapidaram seu gosto antes do encontro com o mundo da audição digital.

No caso específico da formação de um “gosto musical”, complementar às

possibilidades midiáticas massivas como o rádio, a televisão, os jornais, as revistas

etc., os perfis online em redes de relacionamento têm se mostrado eficientes e

vigilantes no sentido de constituição de um banco de dados de consumo, de memória

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musical, de organização social em torno da música, de crítica musical e classificação

de gêneros, de constituição de reputação de conhecimento sobre o assunto e, quando

aliados aos sistemas de recomendações musicais como no caso Last Fm, essas

possibilidades ultrapassam os limites da área de recuperação de informação, pois a

recomendação per se é, antes de tudo, fruto de um processo social e tem influência

dos elos sociais estabelecidos ao longo da atuação humana nesse processo.

(AMARAL, 2009, p.149)

Em outras palavras, o sistema de recomendação online é fruto dos elos sociais

promovidos pela ação humana offline, estabelecidas ao longo de um processo que envolve

espaço/localidade e tempo/período histórico.

Nesse caso a música ultrapassa as experiências sensíveis e participa como agente

cultural na formação identitária. O Last.fm se mostra um interessante corpus analítico no que

diz respeito à formação do gosto pelo seu sistema de recomendação, a questão do fomento dos

nichos e cenas musicais, o fenômeno da cauda longa e a questão do monitoramento digital ao

qual estamos submetidos. O site apresenta sempre aos seus usuários oportunidade de conhecer

novos músicos/bandas, que determinadas vezes transitam por gêneros diferentes em

aparência, mas semelhantes em essência, onde as relações sociais envolvidas no processo de

construção das músicas dialogam.

É exatamente por isso que a recomendação faz sentido ou encontra

ressonância. As bandas indicadas, a partir da manifestação de uma preferência, possivelmente

serão bem recebidas pelo novo usuário porque a associação na base dessas indicações é feita

pelo conjunto de audições executado por outro usuário influente que guarda semelhanças de

gosto com o primeiro. Nesse sentido, ainda que pouco desenvolvida e estimulada, o Last.fm

tem uma função de rede social.

Outros aspectos dessa plataforma demonstram que ela se propõe a estimular o

conhecimento de música, a começar pela biografia dos artistas e bandas, suas carreiras,

agenda com as próximas apresentações e links para compra de faixas e álbuns. Outra

ferramenta disponível no Last.fm que demonstra o estímulo ao conhecimento são as rádios

online que recebem nomes de músicos/bandas e tocam músicas não só de sua autoria, ou

interpretação, mas também de músicos/bandas que dialogam com sua produção, seja pelo

período em que foram produzidos, pelas influências semelhantes, ou mesmo por fazerem

parte de um mesmo gênero musical. Além do já citado sistema de recomendação, que

estimula o conhecimento mostrando novos músicos e bandas sempre que o usuário está

ouvindo alguma música, uma série de músicos/bandas são indicados a ele.

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See what your friends are listening to now or have a look at their loved tracks

A partir do momento em que o usuário do Last.fm começa a fazer scrobbling de

suas músicas, quase todas as faixas executadas em seus players são listadas no seu perfil. Não

só faixas, artistas e bandas são recomendados, mas “amigos” também. O sistema compara as

músicas ouvidas pelos usuários e identifica vizinhanças de gosto musical. Surgem então

SUPER compatibilidades entre usuários e a possibilidade de novas descobertas agradáveis em

função do gosto comum.

O sistema de identificação ou reconhecimento de músicas exige uma atenção

especial. Nem toda música que você ouve no player do computador é reconhecida pelo

sistema scrobbling. Para reconhecê-la o sistema precisa ser informado sobre sua existência,

configurá-la e rotulá-la. Dessa maneira o número de faixas disponíveis na plataforma cresce e

artistas desconhecidos ganham visibilidade.

A construção coletiva de etiquetas

A construção das tags é outro elemento-chave no desenvolvimento do sistema.

Todo usuário pode acrescentar um rótulo ou etiqueta a uma banda ou a uma faixa executada.

Essa prática é denominada de folksonomia.

A folksonomia como termo surge em 2006, e foi cunhado por Vander Wal (2006)

para definir um processo livre de etiquetação de arquivos on-line. As etiquetas são

hoje comumente chamadas de tags e podem ser criadas por qualquer usuário de um

sistema que adote a folksonomia para organizar o conteúdo disponível no sistema.

Dessa forma, ela surge como um novo processo de representação e recuperação de

conteúdo on-line feito pelos próprios internautas. Estes etiquetam informações com

tags que depois servem para a recuperação do arquivo etiquetado (AMARAL;

AQUINO, 2009, p. 117).

Talvez, no entanto, nem todas as TAGs sejam mantidas pelo sistema, o que leva a

crer que a construção coletiva é mediada por agentes especializados, diminuindo sua

espontaneidade (e talvez efetiva democracia). Além disso, a abertura integral da prática de

folksonomia em ambiente como o do Last.fm pode representar um risco considerável a

confiabilidade das informações. O que dizer, por exemplo, de um usuário mal intencionado

que ao ouvir uma faixa de Chico Buarque de Holanda e ser convidado a acrescentar

informações sobre o artista, resolve definir sua música como pertencente ao gênero brega ou

sertanejo? Ainda que minoritária, iniciativas como essas podem levar a distorções no sistema

de busca e recomendação, por isso a mediação do sistema se faz necessária à plataforma.

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Popularidade, reputação e as novas mediações culturais

Isso nos leva a outro aspecto destacado da plataforma em análise. O papel da

reputação e da popularidade angariados no próprio universo digital como fator distintivo nas

novas dinâmicas de mediação cultural. Afinal, de que modo conhecemos e consumimos

atualmente uma nova banda ou gênero musical?

Em boa medida, a internet e as novas formas de escuta musical podem sugerir um

processo de “desintermediação” entre os mercados e os usuários. Meios massivos

tradicionais: rádio, televisão, revistas especializadas; amigos e parentes mais velhos começam

a perder o poder de influência e novos atores e sistemas se protagonizam. A multidão ou a

coletividade, todos falando simultaneamente em busca de atenção, começam a influenciar o

gosto e as decisões de consumo.

Quem são os novos intermediadores do consumo musical?

Nos bastidores do discurso sobre a „desintermediação‟ geral dos mercados através

da relação direta com os usuários, encontramos novos intermediadores que

concentram e direcionam tanto o tráfico como os usos da internet, assumindo novas

funções na orientação do consumo de produtos culturais e também na organização

dos mercados de bens simbólicos (CALVI; SANTINI; SOUZA, 2009, p. 290).

Mas nem todas as opiniões e intervenções têm o mesmo peso ou influência. De

acordo com Sá (2009, p. 15), “nesse debate, diferentes opiniões têm diferentes pesos e

diferentes graus de credibilidade. Ou seja – ainda que, no universo da música popular, as

opiniões tenham se democratizado, nem todas as opiniões possuem o mesmo peso e a mesma

credibilidade”.

Informação na tela do computador, retrato das práticas de consumo de uma era

Este estudo de caso exemplifica também uma transformação no modo do

consumo a partir de uma evolução tecnológica, visto que antes do computador, as pessoas

conheciam as músicas através da televisão, do rádio, de revistas, jornais e, também, através da

indicação direta de outras pessoas. Nesse caso, as transformações tecnológicas transformaram

o modo de consumo desse produto cultural. Antes do desenvolvimento das tecnologias de

reprodução musical e dos meios de comunicação de massa, ouvir música era quase sempre

uma experiência pública e coletiva.

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O fonógrafo veio a significar que as atuações musicais públicas podiam agora ser

escutadas no âmbito doméstico. O gramofone portátil e o transistor de rádio

deslocaram a experiência musical até o dormitório. O walkman da Sony possibilitou

que cada indivíduo confeccionasse seleções musicais para a sua audição pessoal,

inclusive nos espaços públicos. Em termos gerais, o processo de industrialização da

música chegou a ser definida como uma experiência essencialmente individual, uma

experiência que escolhemos para nós mesmos no mercado e se constitui em um

assunto de nossa autonomia cultural na vida diária. (FRITH, 2006, p.55)

As novas tecnologias possibilitaram o consumo individualizado, mas isso não

significa que a experiência musical, seja pela audição, ou pela simples identificação, esteja

fora de um complexo tecido social. “Assim, o universo da música popular massiva pode ser

entendida como um „entremundos‟ que é vivenciado parcialmente a partir das experiências

dos sujeitos e de sua partilha” (JANOTTI, 2004, p. 198). As escolhas individuais que um

usuário do Last.fm faz ao executar a rádio de determinado artista demarca o território cultural

que ele transita e os fenômenos culturais com que ele dialoga.

Esse sujeito que consome música online, mesmo praticando uma atividade

aparentemente individualizada se sente parte de uma esfera da sociedade que compartilha

gostos e códigos sociais. Particularmente no caso do Last.fm é possível dizer que não há

efetivamente prática individualizada, uma vez que qualquer rádio executada já é resultado de

uma combinatória coletiva. “A interface já alterou o modo como usamos computadores, e vai

continuar a alterá-lo nos anos vindouros. Mas está fadada a mudar outros domínios da

experiência contemporânea de maneiras mais improváveis, mais imprevisíveis” (JOHNSON,

1997, p.24).

O computador trouxe significativas mudanças para o modo do ser humano se

relacionar com os produtos culturais, as informações geridas pelos jornais online foram

enxugadas ao sabor das necessidades desse novo meio e da era em que ele está inserido, essa

rapidez trazida pela modernidade, depois da Revolução Industrial e mais adiante na

Revolução Digital em curso, influenciou e permanecem influenciando os modos de consumo.

A cauda longa no Last Fm

A internet é um canal aberto à experimentação, ao navegar na rede o indivíduo

tem uma infinidade de opções. Esse leque de possibilidades se abre cada vez mais com o

surgimento de redes sociais de nicho, sites de busca, sites de compra, canais especializados de

informação e interação que garantem performances diversas na rede, gerando conteúdo,

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memória e bases de dados a partir do monitoramento do comportamento dos internautas na

rede. Essas novas formas de produção de conteúdo, interação e consumo online repercutem

no universo off-line, reinventando hábitos e mercados. Produtos sem visibilidade no mercado

agora encontram vitrines virtuais, demarcam território e encontram seus públicos, formando

os denominados nichos de mercado.

Esses nichos são um vasto território ainda não mapeado, com enorme variedade de

produtos cuja oferta até então era antieconômica. Muitos desses produtos nesse novo

mercado estavam lá havia muito tempo, mas não eram visíveis ou prontamente

identificáveis. São os filmes que não chegam aos cinemas de bairro, as músicas que

não tocam nas emissoras de rádio locais ou os equipamentos esportivos que não se

encontram no Wal-Mart. Agora tudo isso está disponível via Neflix, iTunes,

Amazon ou somente em alguma área mais remota, desbravada pelo Google. O

mercado invisível tornou-se visível. (ANDERSON, 2006, p. 6)

O cenário atual é fragmentário, a dispersão sonora promovida pelas facilidades

de troca com o surgimento do MP3, atrelado ao uso da internet garante ao modelo tradicional

da indústria fonográfica (majors x indies) uma reconfiguração, mas não o seu fim.

Em resumo, o mp3 foi desenvolvido por uma indústria de eletrônicos interessada em

máxima compatibilidade entre plataformas, que permitiria a fácil troca de arquivos.

Ao mesmo tempo, o mp3 usa um padrão de compressão de dados específico baseado

num modelo de como funciona o ouvido humano. Por essa razão é uma máquina

desenvolvida para antecipar como seus ouvintes percebem música e percebê-las para

eles. (ANDERSON, 2006, p.68)

Essa facilidade propiciada pela compactação de arquivos de músicas e suas trocas

pela internet é definitiva para a reconfiguração da indústria da música.

Quase todos os cinqüenta álbuns musicais mais vendidos de todos os tempos foram

gravados nas décadas de 1970 e 1980 e nenhum deles é dos últimos cinco anos. Em

resumo, embora ainda estejamos obcecados pelos sucessos do momento, esses hits

já não são mais a força econômica de outrora. Mas para onde estão debandando

aqueles consumidores volúveis, que corriam atrás do efêmero? Em vez de

avançarem como manada numa única direção, eles agora se dispersam ao sabor dos

ventos, à medida que o mercado se fragmenta em inúmeros nichos (ANDERSON,

2006, p.3)

As afirmações de Chris Anderson podem ser comprovadas na plataforma

Last.fm. O site tem ligação direta com o magazine virtual, Amazon.com, estimulando a

relação de comercialização na experiência do consumo musical. Assim como o consumo de

música online é afetado, mas na prática independe do agendamento do modelo tradicional de

indústria fonográfica aliada aos meios de comunicação de massa, as vendas realizadas em

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sites como a Amazon.com têm influência dos meios massificados, porém também abarcam

mercados menos visíveis aos olhos da grande mídia e das grandes lojas de departamento,

garantindo a sobrevivência de nichos de consumo, fazendo com que esses produtos encontrem

seus consumidores.

Essas lojas virtuais não precisam de grandes estoques, prateleiras, centenas de

funcionários; em suma, não têm muitos dos gastos que as lojas físicas despendem para se

manter, é prática comum das lojas virtuais não terem sequer o produto estocado, muitas vezes

elas compram de acordo com a demanda. Existem, também, os casos em que arquivos são

comercializados, como no caso de músicas em MP3, o processo de estocagem se torna muito

mais simples. É certo que no Brasil, essa prática não é comum, mas em países do exterior as

vendas de arquivo fomentam o mercado da música.

Sob uma perspectiva mais genérica, logo fica claro que a idéia de Cauda Longa tem

a ver, realmente, com a economia de abundância – o que acontece quando os

gargalos que se interpõem entre a oferta e demanda em nossa cultura começam a

desaparecer e tudo se torna disponível para todos. (ANDERSON, 2006, p. 11)

Essas práticas de consumo de nicho são estimuladas em sistemas de

recomendação a partir de bases de dados, como o do Last.fm. Em vez de imposições baseadas

nos gostos da maioria, como nas mídias tradicionais, o consumo online tem estratégias de

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endereçamento eficientes que se sustentam a partir do monitoramento do comportamento dos

usuários na rede, os hábitos dos usuários compõem bases de dados que formam perfis, a

partir do seu perfil o usuário será estimulado ao consumo de produtos que certamente fazem

parte dos seus anseios.

Quando a bolha econômica dos investimentos em negócios da internet estourou,

foram sítios como a Amazon ou o E-bay que haviam adotado instrumentos como os

do Slashdot aliados à implementação de mina de dados e uso de agentes de rede, que

se revelam como negócios rentáveis. Ao contrário dos processos irradiativos

comunicacionais, o público se alimentava do resultado de sua própria participação

na comunicação distribuída. (ANTOUN, 2008, p. 15 e 16)

São questões como essas que deixam claro que a internet transformou os modos

das pessoas lidarem com a informação e de consumir os produtos culturais, os discos de ouro

alcançados com a vendagem de música em larga escala não encontram espaço no mercado

contemporâneo, sites como o Last.fm participam dessa revolução nas práticas de consumo e

oxigenam os mercados de nicho em gráficos de consumo aparentemente intermináveis de tão

diversificados.

O sistema de recomendação da Last.fm articula inovações relevantes na lógica de

difusão e consumo da música na Internet através da classificação colaborativa da

música, recomendações baseada da folksonomia (através das social tags), mapas de

gostos musicais dos usuários e das redes sociais de ouvintes e dessa forma aponta

para as tendências dos usos sociais da música nestes novos contextos (CALVI;

SANTINI; SOUZA, 2009, p. 299).

REFERÊNCIAS

ANDERSON, Chris. A cauda longa. Rio de Janeiro: Elsevier editora, 2006.

ANTOUN, Henrique. Web 2.0: participação e vigilância na era da comunicação

distribuída. São Paulo, Mauad, 2008.

AMARAL, Adriana. Plataformas de música online: práticas de comunicação e consumo

através dos perfis. Revista Contracampo, Niterói, n. 20, nov. 2009. Disponível em

http://www.uff.br/contracampo/index.php/revista/article/view/6/21. Acesso em 05.06.2011.

AMARAL, Adriana. Práticas de fansourcing: estratégias de mobilização e curadoria

musical nas plataformas musicais. pp. 139-163. In: SÁ, Simone Pereira de (org.) Rumos da

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