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UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA COMUNICAO
LAZER, EDUCAO INFORMAL E TRAOS CULTURAIS DO MIGRANTE BRASILEIRO QUE
PERMANECE TEMPORARIAMENTE NO JAPO
DILOGO DE TRAOS TNICO-CULTURAIS E DE LAZER ENTRE BRASILEIROS NO JAPO
E JAPONESES NO BRASIL
LUCI TIHO IKARI
Tese apresentada no Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Cincias da Comunicao, como exigncia para obteno de ttulo de Doutor, na rea de Concentrao Relaes Pblicas, Propaganda e Turismo , linha de pesquisa Turismo e Lazer
Orientador: Prof. Dr. Amrico Pellegrini Filho
SO PAULO 2007
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Comisso Julgadora
____________________________________ Presidente
____________________________________ Membro
___________________________________ Membro
____________________________________ Membro
____________________________________ Membro
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Agradecimentos
Meus sinceros agradecimentos aos participantes da amostra, que, com boa
vontade e pacincia, responderam ao questionrio e concederam entrevistas, despendendo
seu precioso tempo. E tambm a todas as pessoas que, direta ou indiretamente contriburam
para a realizao deste trabalho, em especial, o CIATE, por ter permitido a aplicao da
maioria dos instrumentos de coleta de informaes.
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Brasil e Japo,
mais um migrante parte
atrs de um sonho.
(haicai da autora)
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LAZER, EDUCAO INFORMAL E TRAOS CULTURAIS DO MIGRANTE BRASILEIRO QUE PERMANECE TEMPORARIAMENTE NO JAPO:
Dilogo de traos tnico-culturais e de lazer entre brasileiros no Japo e japoneses no Brasil.
RESUMO: Pesquisa sociocultural qualiquantitativa descritiva sobre o lazer, educao informal e traos culturais de brasileiros que permaneceram temporariamente no Japo, em busca de melhores condies de vida. Inicia-se elaborando uma discusso conceitual e terica do lazer e de suas funes, tempo livre, tempo liberado e desemprego, educao no formal e informal, e faz um recorte de traos culturais. Apresenta aspectos do desemprego no Brasil e na Regio Metropolitana de So Paulo, nas dcadas de 1980 e 1990, com breve relato circunstancial do movimento migratrio de brasileiros para o Japo. Caracteriza o pblico-alvo da amostra, com base na aplicao do questionrio, e aborda a histria de vida de brasileiros, mediante entrevistas gravadas, em fitas cassetes, com questes abertas padronizadas e estudo bibliogrfico. Analisa as informaes colhidas, apontando contribuies e impactos socioculturais de brasileiros na vida de japoneses. Esses resultados compem o fio condutor nutrido com fatos semelhantes vivenciados pelos imigrantes japoneses no Brasil, anteriormente explanados na dissertao de mestrado1, elaborando um dilogo sincrnico. Conclui-se que h evidncias do imbricamento do lazer e educao informal na formao dos traos culturais dos migrantes brasileiros no Japo, assim como ocorreu com imigrantes japoneses no Brasil.
PALAVRA-CHAVE: Lazer, tempo livre, desemprego, educao informal, traos culturais, cultura solidria, migrante brasileiro, imigrante japons.
1 Ikari. Lazer e tempo livre da comunidade nikkei na Regio Metropolitana de So Paulo
estudo das atividades e eventos esportivos, culturais e sociais . ECA USP, 2002.
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LEISURE, INFORMAL EDUCATION AND CULTURAL FEATURES AS FOR BRAZILIAN MIGRANTS WHO LIVE TEMPORARILY IN JAPAN:
A dialog between the ethnic/cultural features as well as the leisure activities of Brazilians in Japan and those of Japanese in Brazil.
ABSTRACT: This research encompasses qualitative and quantitative social-cultural aspects as to leisure, informal education and cultural features of Brazilians who lived temporarily in Japan in search for better living conditions. Firstly, a conceptual and theoretical discussion deals with issues such as leisure and its roles, free time, liberated time and unemployment, non-formal and informal education, and it outlines those Brazilians cultural features. Additionally, it addresses unemployment in Brazil and in the Metropolitan Area of So Paulo in the 80s and 90s, with a short circumstantial report on Brazilians migration to Japan. The target public which comprises the sample is assessed with basis on questionnaires, and their history is approached through interviews consisting of standardized open questions recorded in cassettes, and through a bibliographical study. An analysis of the information gathered is provided, showing the Brazilian contribution to the Japanese life and what its social and cultural impacts on the local people were. Such findings make up this study guideline, furnished with similar situations faced by Japanese immigrants in Brazil formerly reported in a master s thesis*, resulting in a synchronic dialog. It is apparent that both leisure and informal education have wielded considerable influence upon the cultural features of Brazilian migrants in Japan, likewise it happened to Japanese immigrants in Brazil.
KEY- WORDS: Leisure, free time, unemployment, informal education, cultural features, solidarity culture, Brazilian migrant, Japanese immigrant.
* Ikari. Lazer e tempo livre da comunidade nikkei na Regio Metropolitana de So Paulo - estudo das atividades e eventos esportivos, culturais e sociais
(Leisure and free time in the nikkey community in the Metropolitan Area of So Paulo
a study of their sporting, cultural and social activities and events). ECA
USP, 2002.
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LISTA DE QUADROS
QUADRO I - Caractersticas dos sujeitos por gnero, idade, escolaridade, educao informal
e lazer ..................................................................................................................16
QUADRO II Atividades e eventos esportivos, culturais e sociais............................................17
QUADRO III Atividades e eventos seus benefcios...............................................................18
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 Localidade da aplicao do questionrio ..........................................................83
FIGURA 02 Composio dos sujeitos por gnero (M/F) ......................................................83
FIGURA 03 Composio por faixa etria .............................................................................84
FIGURA 04 Faixa etria gnero .........................................................................................85
FIGURA 05 Escolaridade......................................................................................................85
FIGURA 06 Escolaridade gnero .......................................................................................86
FIGURA 07 Escolaridade Idade .........................................................................................88
FIGURA 08 Presena de educao informal .........................................................................88
FIGURA 09 Educao informal gnero .............................................................................89
FIGURA 10 - Educao informal idade ................................................................................89
FIGURA 11 - Educao informal escolaridade.....................................................................90
FIGURA 12 Lazer ativo/passivo ...........................................................................................91
FIGURA 13 Lazer faixa etria............................................................................................91
FIGURA 14 - Lazer nvel de escolaridade ............................................................................92
FIGURA 15 Lazer ativo/passivo escolaridade ...................................................................92
FIGURA 16 - Atividades e eventos esportivos, culturais e sociais ..........................................93
FIGURA 17 - Atividades e eventos esportivos.........................................................................94
FIGURA 18 - Atividades e eventos culturais. ..........................................................................95
FIGURA 19 - Atividades eventos sociais.................................................................................95
FIGURA 20 - Atividades e eventos esportivos gnero..........................................................97
FIGURA 21 - Atividades e eventos culturais gnero ............................................................97
FIGURA 22 - Atividades eventos sociais gnero ..................................................................97
FIGURA 23 Benefcios das atividades e eventos ..................................................................98
FIGURA 24 Tempo de permanncia no Japo....................................................................104
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SUMRIO
Resumo/Abstract.......................................................................................................................v
1 Introduo ...........................................................................................................................1
1.1 Problema do tema e justificativa.....................................................................................3
1.2 Hipteses.........................................................................................................................9
1.3 Objetivos.......................................................................................................................10
1.4 Procedimentos metodolgicos ......................................................................................11
1.5 Estrutura do texto..........................................................................................................27
2 Lazer/tempo livre, educao informal e traos culturais ............................................28
2.1 Lazer/tempo livre ..........................................................................................................28
2.1.1 Discusso do tempo de trabalho, tempo liberado e lazer......................................33
2.1.2 Funes do lazer ...................................................................................................37
2.1.3 Tempo liberado e desemprego..............................................................................49
2.1.4 Conceito do tempo livre e lazer ...........................................................................55
2.2 Educao informal e traos culturais ............................................................................57
2.2.1 Traos culturais....................................................................................................65
3 Desemprego e perfil de brasileiros retornados do Japo ...............................................70
3.1 Desemprego no Brasil e na megalpole paulistana .......................................................70
3.2 Breve relato circunstancial do movimento migratrio de brasileiros no Japo.............78
3.3 Caracterizao dos brasileiros retornados do Japo.......................................................82
3.4 Sntese das principais idias .......................................................................................101
4 Histria de vida de brasileiros no Japo: dilogo de traos tnico-culturais e de lazer em relao aos dos imigrantes japoneses no Brasil .......................................104
4.1 Experincia positiva e/ou negativa no Japo: pequeno relato; ....................................105
4.2 Costumes: ....................................................................................................................114
4.2.1 valores culturais, ................................................................................................115
4.2.2 alimentao, ......................................................................................................119
4.2.3 religio e crena, ...............................................................................................129
4.2.4 lngua e linguagens,............................................................................................134
4.2.5 lazer no tempo livre; ..........................................................................................139
4.3 Integrao entre brasileiros e japoneses ......................................................................145
4.4 Relaes de amizade e formao do capital social ......................................................151
4.5 Valores individuais: ter ou vivenciar ...........................................................................154
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4.6 Adoo da brasilidade pelos japoneses.......................................................................156
4.7 O retorno ao Brasil: readaptao ................................................................................158
4.8 Sntese das principais idias .......................................................................................160
5 Cultura solidria, lazer e traos culturais tnicos ..........................................................170
5.1 Cultura solidria...........................................................................................................170
5.2 O mutiro : exemplo de cultura e lazer solidrios.....................................................171
5.3 Cultura solidria e o lazer na formao das associaes da comunidade nikkei .........177
5.4 Aes e projetos de cultura solidria entre japoneses e brasileiros: ...........................181
5.4.1 Centro de Informao e Apoio ao Trabalhador no Exterior (CIATE) ...........183
5.4.2 Grupo Nikkei de Promoo Humana .............................................................185
5.4.3 Instituto de Solidariedade Educacional e Cultural (ISEC)..............................187
6 Consideraes Finais .........................................................................................................193
Referncias Bibliogrficas.................................................................................................199
Apndices ............................................................................................................................208
Apndice A
Questionrio...............................................................................................209
Apndice B Roteiro da entrevista ..................................................................................210
Apndice C Caractersticas e dificuldades.....................................................................211
Apndice D Atividades de lazer do imigrante japons no Brasil ..................................233
Anexos ..................................................................................................................................251
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1 INTRODUO
Este trabalho , em parte, uma extenso da dissertao de Mestrado1da
autora, na qual se estudou o processo de desenvolvimento do lazer atravs dos tempos,
valores culturais tnicos e desenvolvimento do lazer nas associaes e clubes da
comunidade nikkei2, como amenizadores e facilitadores no processo de conquista
espacial dos imigrantes japoneses, no Brasil. No presente estudo pretende-se estudar e
aprofundar o tema, num caminho inverso, com brasileiros no Japo, identificando os
impactos e as contribuies socioculturais semelhantes ocorridas, no pas de destino, e
no retorno ao Brasil, elaborando dilogo entre traos culturais apresentados pelos
brasileiros no Japo e imigrantes japoneses no Brasil.
No limiar do sculo XXI, vive-se em um mundo ambguo. A
globalizao, o crescimento econmico, melhorias tecnolgicas e de vida de alguns
pases e povos tambm esto criando uma distncia maior entre os que podem e os que
no podem competir em igualdade de condies. As diferenas so muitas: culturais,
tnico-raciais, de crenas, scio-econmicas e educacionais. Alguns no aceitam as
imposies polticas autoritrias dos pases mais fortes, tendo como exemplo os recentes
atos de terrorismo em Nova Iorque, Madri e Londres. Essa situao mostra claramente a
necessidade de investigarmos com maior cuidado as diferenas e as semelhanas inter-
1 Ikari. Lazer e tempo livre da comunidade nikkei na regio metropolitana de So Paulo
estudo das atividades e eventos esportivos, culturais e sociais . ECA USP, 2002.
2 Cf. Nakamaki, sobre a expresso nikkei: aps a Segunda Guerra Mundial os japoneses passaram de residentes estrangeiros no Brasil a nikkeis (2002:50). E, conforme Fukasawa, socilogo e jornalista japons, sobre a expresso nikkeijn, os japoneses que imigraram para o exterior e seus descendentes` (2002: 168). Jin, em traduo literal significa pessoa, portanto, os japoneses que imigraram para outros pases e seus descendentes, que vivem fora do Japo, seja no Hava (EUA), Peru, Bolvia ou Brasil. Dessa forma, com o passar dos anos a comunidade nikkei no Brasil passar a ser constituda de descendentes de japoneses, com a morte natural de isseis (primeira gerao de imigrantes japoneses).
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raciais, tnicas e culturais, pois os pases ficam mais prximos pela tecnologia dos
meios de comunicao de massa, que atualizam acontecimentos a toda hora, e alguns
valores se internacionalizam com a desigual poltica de dominao. Da mesma forma,
enquanto algumas pessoas vivem em condies econmicas, culturais, sociais,
educacionais e at de lazer mais favorecidas, outras tm pouco acesso a esses setores e
servios, e seus costumes, crenas e padres sociais no so considerados e valorizados.
So contingentes excludos do grupo dos mais fortes sobre os mais fracos. Tais
situaes esto presentes em todas as sociedades, assim como a riqueza em
contraposio pobreza, misria, violncia e segregao tnico-racial.
Nesse contexto, encontram-se brasileiros em busca de trabalho e/ou de
estudos em diferentes pases. Em 2002, j havia cerca de 268.332 trabalhando3 no
Japo, que outrora encaminhou imigrantes japoneses para o Brasil, pois, a partir da
dcada de 1980 passou a despontar economicamente no mundo, com alta valorizao de
sua moeda, yen, enquanto o Brasil mergulhava na alta inflao, com estagnao
econmica, como veremos no captulo 3. O Japo, com cultura tnica at ento
homognea, passou a receber migrantes de vrios pases por absoluta falta de mo-de-
obra4, tendo os brasileiros como 3 maior contingente de populao do pas, antecedidos
de chineses e coreanos, o que gerou uma nova realidade de composio complexa.
O Brasil encaminhou mais brasileiros para o Japo do que o nmero
total de imigrantes japoneses recebidos no pas. De 1908 (data da entrada dos primeiros
imigrantes), at o incio da Segunda Guerra Mundial5, tinham entrado no Brasil 196.737
japoneses, somando-se 53.555 aps a guerra, at 19886, num total de 250.292 pessoas,
3 Fonte: Japan Immigration Association Heisei 15 (Ano 2002). 4 ndice de natalidade vem abaixando no pas, desde 1968. Populao tem pior crescimento , in: So
Paulo Shimbun, 28/07/2005, p.01. 5 Segunda Guerra Mundial ocorreu de 1939 a 1945. 6 Cf. Nakasumi e Yamashiro (1992: 423-429).
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em 80 anos, de 1908 a 1988, enquanto, em menor tempo, considerando-se como incio a
dcada de 1980, quando os brasileiros passaram a procurar o Japo, at o ano de 2006, o
total de brasileiros no Japo j era de 302.080 brasileiros7.
Alguns desses brasileiros, no Japo, tiveram sucesso nos esportes, nas
artes, na msica; porm, outros no tiveram a mesma sorte. Muitos tiveram dificuldade
de adaptao, assimilao de costumes e aceitao de regras do pas. H vrios estudos
a respeito do assunto nos Anais de seminrios e de simpsios, publicados pelo CIATE
(Centro de Informao e Apoio aos Trabalhadores no Exterior), sob o auspcio do
governo japons e de demais estudiosos constantes no presente tema.
1.1 PROBLEMA DO TEMA E JUSTIFICATIVA
Para circunstanciar o problema do tema observou-se a existncia de
impactos socioculturais de brasileiros no Japo, em situaes semelhantes s
encontradas na vida dos primeiros imigrantes japoneses no Brasil. Tanto uns como
outros tiveram que enfrentar situaes sociais desafiadoras, sendo levados a construir e
reconstruir sua identidade. A identidade um fator original redefinido mediante uma
herana cultural submetida a situaes desafiadoras
(MEIHY, 2002:73). Por isso,
grupos imigratrios expostos a uma cultura que os atrai tendem a viver processos
duplos de identificao
nas sociedades de destino, onde a adeso a outro meio no
absoluta nem harmoniosa , relacionando-os com os valores culturais de origem,
procedendo dilogo que implica renncias e escolhas, enfim, mudanas , conforme
Meihy, (2002:75).
7 Cf. Rumo ao Japo , in: Made in Japan, n. 110, ano10 (nov.de 2006), p.18.
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No caso estudado, dekassegui8 brasileiros no Japo tm sido
protagonistas de problemas sociais, como indicam algumas referncias e notcias:
Sobre criminalidade de brasileiros no Japo (Ohkuma, 2004: 59-101)
Nmero de crimes cometidos por estrangeiros bate recorde (Nipo-Brasil, 24 a
30 de maro de 2004: 2-B)
Crimes de dekasseguis trazem japoneses a So Paulo (O Estado de S. Paulo,
20 de janeiro de 2004: C-3)
Nmero de estrangeiros acusados de crimes aumenta (So Paulo Shimbun, 6
de setembro de 2003, p.4)
Dekasseguis so procurados pela Interpol aps assalto (Jornal do Nikkey, 19
de junho de 2003: p.2)
Brasileiro pega 15 anos por matar e queimar peruano (Nipo-Brasil, 2 a 8 de
abril de 2003: 3-B)
Sobe nmero de dekasseguis ligados a crimes (O Estado de S. Paulo, 23 de
fevereiro de 2003, p.C-3)
Somos um problema (Folha de S. Paulo, 13 de fevereiro de 2003)
Brasileiros criminosos no Japo (Arai, Made in Japan, ano 3, n.25, p.24-35)
Por outro lado, quando o dekassegui volta para o Brasil tambm
encontra problemas de readaptao, embora no chegue a ser noticiado em jornais.
Todavia, esse problema aparece no presente estudo.
8 Dekassegui: termo de origem japonesa, utilizado para migrao de pessoas que saem de um lugar em direo a outro, para ganhar a vida. A forma da escrita difere da encontrada no dicionrio Houaiss de lngua portuguesa, decassgui, pouco utilizada, o que fez decidir pela escrita dekassegui, mais conhecida no contexto social brasileiro, no singular, desde os estudos iniciados no mestrado da autora.
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Ser que os brasileiros tiveram experincias positivas, alm das
negativas, em suas experincias de vida no Japo? Ser que os brasileiros procuram o
Japo somente pelos fatores econmico-financeiros? Ser que tinham momentos de
lazer e tempo livre? Ser que est ocorrendo integrao entre brasileiros e japoneses, no
Japo? Ser que os brasileiros conseguiram fazer amizade com japoneses? Ser que est
havendo contribuies culturais de brasileiros no Japo, assim como ocorreu com o
imigrante japons? Enfim, quais as solues encontradas pelos brasileiros para superar,
administrar e conciliar a questo do trabalho e lazer e a diferena cultural?
Esses questionamentos originaram o roteiro das entrevistas, que
contriburam para o enriquecimento do assunto em pauta.
Hoje, sabe-se que, por meio de vivncia de prticas cotidianas de
interaes sociais no contexto escolar e de lazer, h vrios exemplos nacionais e
internacionais, mostrando pessoas que tm a oportunidade de conhecer, participar,
aprender e imbuir-se de saberes, aproximando-se e diminuindo distncias culturais entre
seu meio social e o de outros, que, at ento, no faziam parte de sua vida, utilizando-se
da aprendizagem e da educao informal que ocorrem nos momentos de lazer.
Observa-se igualmente a existncia de vrios projetos e aes
privadas, pblicas e mistas, nas interaes sociais, nas reas educacionais e econmicas,
cujos resultados tm repercusso positiva na sociedade brasileira. So situaes que se
processam na trajetria de vida dos indivduos, desde sua infncia, por meio de jogo da
imitao, acomodao, assimilao, adaptao, interao e representao simblica, no
seu meio ambiente, como colocado por Piaget (1978), desde os primeiros tempos da
infncia. Portanto, o lazer e a educao informal se acham estreitamente imbricados. A
educao informal se processa mediante o acompanhamento dos pais, familiares e
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sociedade em geral na formao de crianas, de jovens e, mais tarde, de adultos, no
meio social onde esto inseridos.
Nessas situaes vivenciadas pelas pessoas, elas tm a oportunidade
de organizar suas leituras e releituras do mundo, abstraindo os valores que esto sendo
passados, construindo seus saberes individuais e coletivos, elaborando reflexes,
escolhas e decises. So saberes construdos ao longo de toda a vida, de acordo com
Freire (1984,1996). Portanto, iniciam-se no seio familiar e, posteriormente,
desenvolvem-se nas relaes sociais com parentes, amigos, colegas de estudo, de
trabalho ou de lazer, ou valendo-se da leitura de revistas e livros, ou da TV etc. Esse
conjunto de elementos do contexto social vai somando a constituio da educao
informal, enriquecendo tambm o capital social de rede de relaes sociais na formao
de cada indivduo e no estilo de vida de brasileiros que vo, voltam e retornam ao Japo.
Esse movimento migratrio vai construindo o contexto tnico-cultural do indivduo,
com novas leituras de facetas da vida, que vo se miscigenando e, por vezes, at se
internacionalizando em alguns aspectos.
Desse modo, com a movimentao intensa de grupos tnicos e raciais
nos espaos mundiais, o Japo tambm se internacionaliza e globaliza em seu territrio,
passando a ter outra conotao na fronteira poltica e econmica trazida e movimentada
pelas pessoas. Conseqentemente, desse processo decorrem problemas tnicos, raciais e
culturais das diferenas prprias de cada grupo social e humano, de seus costumes,
valores, lnguas e crenas, assim como ocorrem vrias contribuies.
Faz-se, ento, necessrio conhecer essas transformaes, que
modificam e vo formatando atitudes, hbitos, aquisies, desuso de alguns costumes,
modificados com as novas ordens mundiais, estabelecendo tendncias e feies
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cotidianas, pessoais e sociais, como do pblico-alvo, em sua ao dinmica numa
sociedade, objeto de estudo.
Assim, h mudanas na vida de brasileiros no Japo ao tentarem
adaptar-se e assimilar-se a novas regras de uma sociedade diversa da sua, assim como
ocorreu com os primeiros imigrantes japoneses no Brasil9. Esses, no intuito de amenizar
os impactos socioculturais, foram introduzindo seus lazeres, como j estudado no texto
referente ao lazer no Japo e no Brasil, na dissertao de Mestrado.
1.1.1Justificativa:
Em vista dos fatos arrolados, verifica-se a existncia de um
contingente considervel de brasileiros no Japo, tornando importante o seu estudo, no
atual contexto social, onde se originam conflitos e problemas prprios do contato das
diferenas da diversidade cultural, racial e tnica, sem esquecer as vrias contribuies
advindas desse mesmo contato. Tais fatos podem interferir, no s nas condies de
trabalho, mas tambm no atendimento ao bem-estar dos cidados aceitos na sociedade
japonesa.
Portanto, torna-se imprescindvel o conhecimento do perfil cultural
caracterstico dos brasileiros e da sociedade autctone na ao dinmica dos
acontecimentos cotidianos, para a melhor compreenso de valores culturais aceitos,
escolhidos e adquiridos informalmente, nos tempos liberados, livres e de lazer,
buscando o bem-estar.
9 A imigrao japonesa iniciou-se em 1908, e em 1973 chegaram os ltimos navios com imigrantes japoneses ao Brasil (Nakasumi e Yamashiro, 1992: 434). A saga da vida de imigrantes japoneses no Brasil pode ser conhecida nos filmes Gaijin 1 e 2 , sob a tica da direo de Tizuka Yamazaki, e da produo da novela, Haru to Natsu pela estatal japonesa NHK (Nippon Hsso Kyokai), baseados em documentos, relatos e fatos reais vivenciados pelos japoneses no Brasil.
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Conseqentemente, faz-se necessria uma conscientizao maior de
ambas as populaes para o desenvolvimento conjunto e tambm para o enriquecimento
econmico, cultural e social para si e para sua sociedade. Elas necessitam uma da outra,
para coexistncia com interesses mtuos, numa sociedade multicultural, em que reine
clima de ambiente sustentvel e de respeito, na delicada relao de interculturalidade,
com reflexos na situao trabalhista.
Dessa forma, h possibilidade de elaborar estudos em conjunto, de
ambas as populaes, relativos s vrias contribuies, incluindo o lazer e a cultura,
para seu bem-estar e integrao.
Enfim, por no ter sido localizado nenhum trabalho semelhante,
considera-se que o tema seja um vasto campo a ser pesquisado e estudado, em face do
crescimento do tempo livre das pessoas e importncia do lazer, da educao informal e
de traos culturais, tanto nos pases autctones como alctones, para compreenso e
entendimento de aes e projetos de melhorias na vida desse segmento populacional.
Dispe-se, portanto, de duas vertentes de resultados:
Subsdio acadmico sobre o tema - brasileiro no Japo e retornado ao Brasil -
relativo a vrios traos socioculturais que possam contribuir para o aprofundamento
e a compreenso de traos culturais sobre adaptao, assimilao, costumes,
relaes de amizade, integrao, adoo da brasilidade pelos japoneses, em
consonncia com educao informal e lazer.
Subsdio com informaes que visam a melhorar o bem-estar, como pessoa, do
migrante brasileiro no seu ambiente social, por meio da cultura solidria, em aes e
projetos bilaterais, japoneses e brasileiros, que possam facilitar a coexistncia, o
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respeito mtuo, a integrao e a sustentabilidade das pessoas envolvidas no pas de
destino, para diminuir desgaste e impactos negativos.
1.2 HIPTESES
Com base no estudo efetuado na dissertao de mestrado e na
bibliografia preliminar do presente trabalho constatou-se que nenhuma classe social
dispensa formas de lazer em sua vida e, alm disso, o estudo histrico mostrou que
desde tempos remotos os seres humanos souberam despender um tempo livre para as
atividades voltadas para o prprio bem-estar e equilbrio como pessoa com condies
para enfrentar a dura realidade do trabalho, em relao a seus valores individuais e
culturais. Portanto, a existncia do uso do tempo livre para lazer, na vida de brasileiros
no Japo e retornados ao Brasil, tambm uma realidade. Supe-se que h evidncia de
atividades e eventos de lazer, exercendo benefcios na vida dessas pessoas, associados
educao informal, junto aos familiares e/ou ao grupo social onde esto inseridos,
com suas semelhanas e diferenas culturais, como ocorrido com os primeiros
imigrantes japoneses no Brasil.
Foram tambm observadas, nos estudos do mestrado, vrias
contribuies dos imigrantes japoneses no Brasil, tanto do ponto de vista material
(produtos alimentares, culinria, sementes de plantas, produtos artesanais, industriais e
etc), como do imaterial (crenas, vocbulos, festas folclricas, esportes tpicos, etc).
Pressupe-se que isso esteja ocorrendo com os brasileiros, no Japo, tambm.
No Brasil, uma das caractersticas marcantes dos imigrantes japoneses
era a constituio das associaes para discutir problemas e encontrar solues e mesmo
para desenvolver atividades de lazer, baseadas na cultura solidria. Que solues sociais
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tm sido observadas na comunidade para esses problemas brasileiros? Pressupe-se que
essas associaes de brasileiros no Brasil e no Japo, atualmente, poderiam servir
como uma das solues dos problemas apresentados bem como para o desenvolvimento
de atividades de lazer, cultura e educao informal em trabalho integrado entre Brasil
e Japo, embora se presuma serem paliativas.
Enfim, todos os pressupostos acima levam a supor, pelas evidncias,
que os traos culturais, educao informal e lazer se encontram imbricados nos
brasileiros que permanecem temporariamente no Japo.
1.3 OBJETIVOS
1.3.1 Objetivo Geral
O trabalho pretende conhecer aspectos tnico-culturais e de lazer que
marcam o perfil de brasileiros na conquista do espao japons, elaborando
dilogo com os apresentados pelos imigrantes japoneses no Brasil,
focalizados na dissertao de mestrado.
1.3.2 Objetivos Especficos
Discutir os conceitos de lazer e suas funes, tempo liberado, tempo livre,
educao no formal e informal, e traos culturais;
Caracterizar o perfil demogrfico, as atividades e eventos de lazer, bem
como seus benefcios nos brasileiros retornados do Japo (vide Quadro I, II e
III dos procedimentos metodolgicos);
Relatar a cultura solidria em desenvolvimento entre japoneses e brasileiros.
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1.4 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS
Pesquisa qualiquantitativa descritiva sobre lazer, educao informal e
traos culturais de brasileiros que permaneceram temporariamente no Japo,
representando o pblico-alvo da amostra.
Caracteriza o perfil demogrfico desses sujeitos, com nfase no lazer e
seus benefcios. Posteriormente, identifica as vivncias de brasileiros no Japo. Desta
forma, pretende circunstanciar as duas situaes, a do Brasil aps seu retorno e a do
Japo, durante sua permanncia naquele pas, para posterior dilogo cultural com fatos
semelhantes ocorridos com os imigrantes japoneses no Brasil. Exemplifica aes e
projetos existentes no Brasil, bem como as associaes da comunidade nikkei aqui
criadas, como tentativa para diminuir impactos negativos no Japo.
Para elaborao do contedo terico realizou-se o estudo da reviso de
referncias bibliogrficas, com base na citada dissertao de mestrado, que inclui leitura
e tcnica de fichamento de livros, revistas e jornais. Parte da referncia se encontra nos
acervos das seguintes bibliotecas: Centro de Estudos Japoneses (USP); Centro de
Estudos Nipo-Brasileiros; Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So
Paulo (ECA/USP); Faculdade de Economia e Administrao (FEA-USP); Faculdade de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas (FFLCH-USP); Faculdade de Psicologia da
Universidade de So Paulo; Fundao Japo; Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-
USP); Pontfica Universidade Catlica de So Paulo; Biblioteca do Ita Cultural;
Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, Sebrae e livros adquiridos pela autora.
Os artigos de jornais e revistas de circulao ao pblico da sociedade
brasileira, em geral, e da comunidade nipo-brasileira, foram lidos, recortados,
acondicionados e organizados em pastas suspensas, de acordo com os seguintes
assuntos: desemprego no Brasil, dekassegui brasileiros no Japo, problemas de
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12
migrantes, delitos de brasileiros no Japo, problemas sociais, bem-estar do cidado,
cultura solidria e responsabilidade social - para facilitar a consulta, coleta de
informaes e acesso, quando necessrio.
Houve contatos com especialistas que cuidaram ou cuidam de
assuntos ligados ao tema, como o diretor e presidente do CIATE10, o presidente do
ISEC11 e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, e coordenadora
geral do Grupo Nikkei de Promoo Humana.
A autora participou de vrias palestras, cursos, simpsios, encontros,
seminrios ligados ao assunto geral e partes do tema, promovidos pelo SESC em
parceria com vrias entidades, pelo CIATE, pela Sociedade Brasileira de Cultura
Japonesa e pelo ISEC, estes trs ltimos desenvolvendo e enriquecendo com
informaes teis a dinmica da migrao de brasileiros entre Brasil e Japo.
E, para a melhor compreenso e entendimento do trabalho
desenvolvido pelo CIATE12, a autora compareceu a palestras para preparao e
capacitao direcionada aos que pretendem trabalhar no Japo, bem como assistiu a
aulas de lngua japonesa, para observao do desenvolvimento das atividades.
Compareceu tambm a reunies do ISEC, Grupo Nikkei de Promoo Humana, nesta
ltima entidade como voluntria, por cerca de quatro meses.
10 Centro de Informao e Apoio ao Trabalhador no Exterior (CIATE). 11 ISEC: Instituto de Solidariedade Educacional e Cultural, constituda e oficializada em 2004,
desenvolvendo atividades em uma das salas da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa (Bunkyo). 12 O CIATE possui um Guia para trabalhadores nikkeis, bilnge (portugus e japons), editada no
Japo, com informaes detalhadas sobre: papel do centro de assistncia de empregos para nikkeis, lei trabalhista do Japo, seguro contra acidente de trabalho, seguro desemprego, seguro de sade e de penso dos assalariados, impostos variados, qualificao de permanncia e demais informaes para boa estada no Japo.
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13
Fez visitas in loco a algumas ONG/NPO13 em andamento, que
atuam no desenvolvimento da educao no-formal, com o objetivo de oferecer lazer
social, educao informal e cultura solidria nas entidades metropolitanas paulistanas
como: Projeto Escola da Famlia (cinco escolas da periferia da zona sul), Monte
Azul , Meninos de Morumbi e Associao Nacional de Assistncia Criana
Santamarense . Conversou e obteve, junto ao Ita Cultural, material escrito sobre
exemplos de projetos de desenvolvimento voluntrio e educacional, cultura e lazer, em
escolas de diferentes regies brasileiras, exemplos que podero servir como solues
paliativas para jovens fora da escola formal, no Japo, e para os retornados ao Brasil.
Para tomar cincia sobre bem-estar e conceito de felicidade , que as
pessoas tanto buscam em suas vidas, foi ouvir palestras e ler alguns fascculos sobre o
assunto, junto ao Instituto de Cincia da Felicidade , fundado em 1986 no Japo,
portanto com cerca de 20 anos de existncia e h quase 12 anos no Brasil, com filiais
tambm nos Estados Unidos, Canad, Inglaterra, Austrlia, China e Coria.
O estudo pretende construir o conhecimento do objetivo geral,
valendo-se dos resultados das informaes obtidas pela aplicao do questionrio com
questes fechadas, sobre o perfil demogrfico dos sujeitos da amostra retornados do
Japo, e da entrevista oral estruturada, com questes abertas, para dar maior liberdade
de expresso aos sujeitos, em suas colocaes sobre as vivncias no Japo. Tanto os
resultados dos questionrios como tambm os das entrevistas foram condensados e
quantificados em porcentagem, quando possvel, a fim de dar uma noo mais precisa
dos fatos observados na aplicao dos instrumentos de pesquisa14.
13 ONG: organizao no governamental e NPO: Non Profit Organization, ou seja, organizao sem fins lucrativos.
14 Cf. Costa, em seu texto Receita para pesquisa: ser que isso existe? , In: Revista Brasileira de Cincia & Movimento, So Caetano do Sul, SP: CELAFISCS e UniABC, 1993, v.07, n.01,03,04, p. 57-70.
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14
Posteriormente, o trabalho elabora dilogo cultural com caractersticas
apresentadas no estudo efetuado no mestrado. So duas situaes socioculturais
separadas pelo espao (Brasil/Japo) e pelo tempo (os brasileiros retornados ao Brasil,
com experincia de vida no Japo, no contexto atual, e os imigrantes japoneses no
Brasil); todavia permitem reflexes e comparaes, feita a ressalva de diferenas
naturais provocadas pelos dois fatores espao e tempo indicados.
Embora se saiba de antemo que a histria da imigrao japonesa no
Brasil mais longa que a dos brasileiros no Japo, nota-se, pelas notcias veiculadas nos
jornais, revistas e mesmo em alguns livros, que situaes muito anlogas esto
acontecendo com brasileiros, em relao a dificuldades para adaptao aos costumes,
em geral. Mesmo sendo filhos e/ou descendentes de japoneses, desconhecem muitos
desses costumes, alm da dinmica de sua evoluo, o linguajar e outros traos culturais
que no correspondem mais ao que eram anteriormente.
Mesmo para o japons imigrado e estabelecido por muito tempo no
Brasil, as diferenas se tornaram muito grandes; e ento o que se pode dizer de pessoas
que nunca tiveram nenhum contato com japoneses? Os fatos e acontecimentos so mais
fortes, e, em tempo, mais curtos. Portanto, o presente trabalho um estudo sincrnico
dos acontecimentos e transformaes do Japo com os brasileiros e imigrantes
japoneses no Brasil, sem a preocupao do fator tempo.
Dessa forma, este trabalho tentar apontar e caracterizar os
comportamentos scio-humanos, culturais e de lazer do perfil dos sujeitos advindos do
fenmeno migratrio. Tomando por base o resultado da aplicao do questionrio, foi
possvel construir trs quadros, na fase de tabulao, aps a conferncia das
informaes obtidas, organizadas de acordo com as necessidades para o estudo dos
objetivos propostos, e apresentadas a seguir:
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15
No primeiro quadro condensaram-se as caractersticas dos sujeitos,
por data e local da aplicao, as variveis como gnero (M/F), idade (classificadas em
faixas etrias), escolaridade (do ensino fundamental ao ensino universitrio), presena
ou no de educao informal (acompanhamento dos pais na vida cotidiana) e presena
de lazer ativo/passivo. Todos esses dados vo compor o perfil demogrfico dos sujeitos
da pesquisa e foram colocados num quadro nico para facilitar a leitura.
O segundo quadro corresponde ao conjunto de atividades e
eventos esportivos, e/ou culturais, e/ou sociais que os sujeitos praticam em seu
cotidiano, escolhidos e assinalados livremente, no rol relacionado no questionrio, e/ou
citando a opo no constante (ao todo, no mximo, trs).
O ltimo quadro corresponde aos benefcios da prtica das
atividades e eventos, julgados e apontados pelos sujeitos da amostra, que assinalaram
ou citaram, no mximo, trs opes, no total. Os benefcios so os citados nas
funes de lazer, baseadas em Joffre Dumazedier (1973: 400 e/ou 1976: 32-34), e
outros freqentemente mencionados pela sociedade em geral.
Valendo-se nesses trs grandes quadros, foram elaboradas tabelas,
seguindo as questes dos questionrios, transformadas em porcentagens (%),
construdas as figuras correspondentes para melhor visualizao das respostas
apresentadas pelos sujeitos participantes da pesquisa, que constam no captulo 3.
Em seguida, passou-se para a descrio, anlise e discusso dos
resultados, associando-os com os das entrevistas orais e informaes obtidas sob a tica
dos especialistas no assunto, na participao aos eventos ou atividades, jornais, revistas
e livros a respeito do tema, costurando todas as informaes com os conceitos tericos
da referncia bibliogrfica, elaborando dilogo com as caractersticas apresentadas no
estudo do mestrado, e tecendo o texto, que se encontra no captulo 4.
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16
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17
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19
Realizou-se a seguir a produo escrita, com o intuito de atingir os
objetivos propostos e responder s hipteses, partindo da premissa de que as mudanas
socioculturais ocorrem com as aes, escolhas e decises dos seres humanos movidos
por seus valores, que acontecem em todos os momentos da vida, mediante a educao
informal. O tempo livre e o liberado so momentos importantes para a transmisso
desses valores, no contemplados na educao formal.
1.4.1 Seleo da amostra15:
A maior parte da amostra foi constituda pelos sujeitos do CIATE, um
centro de preparao e capacitao de referncia da comunidade nipo-brasileira, para
futuros brasileiros que pretendem trabalhar no Japo. Desse modo, h uma procura tanto
de brasileiros nikkeis ou no, que nunca foram para o pas, como de retornados, que
freqentam o curso de aprendizagem sobre costumes, maneiras e atitudes da vida
cotidiana, como tambm vocbulos e frases de dilogos da lngua japonesa mais
comumente utilizados.
A amostra foi selecionada por sua importncia e por acessibilidade
(Gil, 1994: 97), alm da permisso para que a pesquisa fosse feita, aps um breve
contato com a Direo do CIATE. Assim, constituram-se os sujeitos da pesquisa (17)
do CIATE, e de outros locais (07), estes ltimos apresentados e indicados por contatos
sociais de conhecidos. Os sujeitos enquadrados em outros foram 2 senhoras, mes de
alunas de uma escola municipal da zona sul, 3 sujeitos conhecidos particulares da autora
do presente trabalho e 2 sujeitos que trabalham atualmente nas dependncias do
15 Cf. Dencker (2001:102), a escolha do contexto e dos participantes intencional, em funo do interesse do estudo e das condies de acesso e permanncia no campo e disponibilidade dos sujeitos .
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20
Bunkyo . (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa). Ao todo foram aplicados 24
questionrios e 20 entrevistas, pois 04 sujeitos no deram entrevistas.
Em relao determinao do nmero de entrevistas a fazer, foram
consideradas as colocaes de Meihy (2002:124), de que, quando os argumentos
comearem a se repetir e as indicaes a serem as mesmas, significa que est na hora
de acabar a srie de entrevistas. Tambm foi colocado por Dencker (2001: 102), que
o nmero satisfatrio, quando as informaes novas vo se tornando cada vez mais
raras, at deixarem de ser relevantes .
A amostra comps-se de 24 sujeitos, selecionados para responder o
questionrio e passar por entrevista, porm 4 deles desistiram de submeter-se
entrevista por falta de tempo disponvel, uma vez que ela poderia estender-se por muito
tempo (45 minutos ou mais). A esses resultados foram acrescidas algumas informaes
obtidas de entidades (CIATE, SEBRAE, ISEC, Grupo Nikkei de Promoo Humana),
obras especializadas no assunto e de publicaes como:
Made in Japan, revista de circulao mensal (70.000 exemplares,
sendo de 20.000 no Japo e de 50.000 no Brasil,
concomitantemente);
O Estado de S.Paulo, jornal dirio (270.179 exemplares);
So Paulo Shimbun, jornal dirio (30.000 exemplares);
Nippobrasil, jornal semanal (53.000 exemplares);
Guia da cultura japonesa, Guia Japo para brasileiros, Guia da
Japan International Press e Guia para trabalhadores nikkeis,
publicaes voltadas para o pblico interessado em viver no Japo.
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21
Outros subsdios foram obtidos mediante comparecimento da autora
a encontros, cursos, simpsios, palestras, bem como por conversa informal com pessoas
que cuidam do assunto, as quais confirmam e validam o resultado da amostra por suas
coincidncias e semelhanas.
1.4.2 Pblico-alvo da amostra:
O pblico-alvo da amostra foi representado por brasileiros retornados
do Japo com permanncia de no mnimo um ano16 no pas, maiores de idade e de
ambos os sexos.
E, como esses sujeitos, que freqentavam o CIATE, tinham inteno
de retornar ao Japo, passou-se a utilizar o termo migrante brasileiro , no presente
trabalho, e no o termo dekassegui , que na traduo literal significa migrao de
pessoas que saem de um lugar em direo a outro, para ganhar a vida, como nica
opo, quando, durante o estudo perceberam-se opes de alcance muito mais amplo
nesses movimentos, como as de vivenciar , conhecer o outro, tanto lugares como
pessoas, aventurar-se, experimentar e testar potencialidades individuais, alm do fato de
muitos tornarem a migrar mais de uma vez, tornando-se migrantes, de fato.
Observou-se tambm que a maioria era constituda por filhos de
japoneses e/ou descendentes mestios (95%), pelas caractersticas fsicas tnicas
apresentadas, correspondendo a apenas 0,5%, os de tipos ocidentais.
Para a seleo do corte de sujeitos da pesquisa foram considerados os
seguintes critrios:
16 Cf. verificado no resultado da aplicao de questionrio, na questo quantas vezes foi ao Japo? , (CIATE, dezembro de 1999: 12), a maior parte respondeu como: 1 vez (43%), 2 vezes (35%), 3 vezes (13%), 4 vezes (5%), 5 vezes (3%) e mais de 5 vezes (1%) .
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22
comunicao oral prvia e resumida do objetivo e finalidade da aplicao dos
instrumentos da coleta de informaes,
convite para participao de livre e espontnea vontade,
pr-requisito: sujeitos maiores de 18 anos, de ambos os sexos, com permanncia
mnima de um ano no Japo.
1.4.3 Instrumentos da coleta de informaes: questionrio e entrevista
Para a elaborao do questionrio, como tambm da entrevista de
questes abertas, considerou-se a corrente funcionalista em Cincias Humanas, citada
por Gil (1994: 38), que enfatiza as relaes e o ajustamento entre os diversos
componentes de uma cultura ou sociedade
para atender as necessidades biolgicas e
psquicas contnuas dos homens, como necessidades bsicas para satisfao de vida no
meio social onde esto inseridos.
Dessa forma, tentou-se tambm estabelecer o perodo de permanncia
no Japo, para obter vivncia de no mnimo um ano, considerando os ajustamentos
necessrios na sociedade de destino.
O perodo de aplicao do questionrio e das entrevistas ocorreu de
18/09/2004 (data da primeira aplicao) a 19/03/2005.
Um exemplar do questionrio (em branco), que serviu para o
preenchimento pelo prprio brasileiro retornado ao Brasil, sobre o perfil demogrfico,
encontra-se no final do texto (APNDICE A).
Aps o preenchimento do questionrio pelos prprios sujeitos, eles
foram convidados a participar da entrevista individual. O roteiro da entrevista foi
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23
elaborado e organizado por assunto, focalizando o objeto de interesse do tema proposto
para o estudo de maneira sucinta para no tomar muito tempo do entrevistado.
Um exemplar do roteiro da entrevista com questes abertas consta
no final do texto (APNDICE B). As entrevistas foram gravadas em fitas cassetes,
aps uma breve explanao do que seria perguntado, e recebido o aval dos sujeitos. As
questes foram elaboradas com o intuito de investigar diferenas e semelhanas dos
traos culturais e de lazer dos brasileiros retornados ao Brasil, em relao a situaes
ocorridas com os imigrantes japoneses na conquista do espao brasileiro, acrescentando
outras, para obter informaes de questionamentos levantados e constantes no item 1.1,
no problema do tema.
Assim sendo, a entrevista teve como objeto os seguintes assuntos:
tempo de permanncia no Japo, relato de uma experincia positiva ou negativa, para
dar ampla liberdade de expor sua estada como um todo, costumes e valores culturais,
como: alimentao, religio, crena, lngua e linguagem, lazer no tempo livre, para
elaborao do dilogo cultural com os apresentados pelos imigrantes japoneses. Demais
questionamentos para complementao e enriquecimento do tema versaram sobre:
integrao social, amizade, preferncia em obter novidades venda ou em conhecer
pessoas e lugares no Japo, adoo da brasilidade pelos japoneses e readaptao, aps o
retorno ao Brasil.
1.4.4 Pr-teste:
Tanto o questionrio escrito como as questes do roteiro da entrevista
passaram pelo pr-teste, sendo ao todo em nmero de 10 para o questionrio (incluindo
trs crianas) e 10 para a entrevista (incluindo trs crianas).
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24
De incio, eram dois questionrios; na fase de pr-teste, um deles
evoluiu para roteiro de entrevista, por assuntos. Isso se mostrou conveniente ante a
observao de dvidas levantadas por parte dos entrevistados, alm de dar possibilidade
de conversa informal e liberdade de expresso. E, assim, foi possvel assegurar a
obteno das informaes necessrias ao trabalho.
Esses instrumentos foram testados para crianas (trs meninos: um de
12 e dois de 10 anos de idade) que retornaram do Japo juntamente com os pais, tendo
sido aplicados na presena das mes, mas logo foi observada a inviabilidade de
entendimento de ambos os instrumentos de pesquisa por menores de idade, visto que
no foram preparados para crianas, e nem pertinentes ao tema, pois no h informaes
suficientes para elaborao de um dilogo cultural com os filhos de imigrantes, quando
menores de idade. Assim sendo, optou-se pela aplicao dos respectivos instrumentos
para sujeitos acima de 18 anos.
Com dois instrumentos de coleta de informaes distintos, o
questionrio e a entrevista, foi possvel estabelecer dois momentos vividos pelos
brasileiros retornados ao Brasil, sem a ocorrncia de confuso: o questionrio, para
retratar o momento atual dos sujeitos no Brasil, e a entrevista, para o perodo de sua
estada no Japo.
Assim, aps as devidas modificaes, os instrumentos de coleta de
informaes foram multiplicados e aplicados.
1.4.5 Da gravao:
Os registros da gravao foram, inicialmente, transcritos
individualmente, tendo sido anexados ao formulrio, e, aps a anlise do conjunto de
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25
sujeitos, foram agrupados e reorganizados por questes e por assuntos, condensando
idias semelhantes. Em seguida, foram transcriados17 em documentos escritos,
tomando-se o cuidado de no desvirtuar o sentido da mensagem e do significado do
conjunto das mensagens dos sujeitos entrevistados. Optou-se por essa direo em
virtude de as questes orais terem sido elaboradas para o estudo dialgico com o da
dissertao de mestrado.
1.4.6 Dificuldade na coleta de informao
A grande dificuldade inicial foi a de onde buscar o pblico alvo,
objeto da pesquisa para a coleta de informaes, uma vez que os brasileiros retornados
se encontravam espalhados em vrias partes da Regio Metropolitana de So Paulo,
alm de muitos no estarem disponveis por vrios motivos de ordem particular para
despender tempo preenchendo questionrio e dando entrevistas. Aps vrios contatos
pessoais no Bunkyo , participao em palestras de grupos sociais da comunidade
nikkei (CIATE, ISEC e Grupo Nikkei de Promoo Humana), e relaes sociais de
conhecidos, foi possvel estabelecer um pedido informal aceito pelo CIATE.
Apesar do apoio em permitir a aplicao do questionrio e a entrevista
no CIATE, que deu acessibilidade aos sujeitos, era preciso contar com a sorte de
encontrar brasileiros que tivessem permanecido pelo mnimo de um ano no Japo,
fossem maiores de 18 anos (critrios estabelecidos), e de livre e espontnea vontade se
prontificassem a colaborar com a pesquisa. Nem sempre nos dias de preparao e
capacitao (todas as teras e sextas-feiras), com a programao repleta de informaes
teis para a boa atuao na sociedade japonesa, ou nos dias da aula de japons (todas as
17 Cf. O documento escrito pode ser tanto transcrio como transcriao (Meihy, 2002:77).
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26
segundas e quintas-feiras), ou mesmo nas palestras, que ocorrem aos sbados,
bimestralmente, havia coincidncia com sujeitos que pudessem participar da pesquisa.
Alm disso, na entrevista, alguns no tinham muito tempo, pois s se
poderia aplicar o questionrio e a entrevista aps o trmino da capacitao, e assim,
precisavam ir embora, outros tinham receio ou no se sentiam muito vontade. Assim,
alguns preencheram apenas o questionrio e no participaram das entrevistas (quatro
sujeitos), ocorrendo defasagem entre o nmero de preenchimentos do questionrio (24)
e o nmero de entrevistas (20), porm, o que favoreceu a determinao do nmero de
entrevistas, com segurana, foi a repetio das mesmas argumentaes e respostas, que
permitiram finalizar a srie de entrevistas.
1.4.7 APNDICE18
Em vista da metodologia utilizada para elaborao do dilogo cultural
com partes da dissertao de mestrado, optou-se por coloc-las como APNDICE, a fim
de permitir a leitura dos itens do texto do mestrado, desenvolvido em na sua ntegra.
Dessa forma, anexaram-se os itens, 3.1.2 Caractersticas e
dificuldades, e 3.2.2 Atividades de lazer do imigrante japons no Brasil, da dissertao,
como APNDICE C e APNDICE D, respectivamente, que se encontram aps
referncias bibliogrficas, para checar o que est sendo utilizado para a elaborao do
dilogo cultural, com o presente trabalho.
18 Apndice: texto ou documento elaborado pelo autor, a fim de complementar sua argumentao, sem prejuzo da unidade nuclear do trabalho (ABNT, 2002).
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1.5 ESTRUTURA DO TEXTO
O texto se inicia com a apresentao do projeto temtico do trabalho,
no captulo 1; em seguida se desenvolve a discusso conceitual de lazer/ tempo livre e
suas funes, tempo liberado e sua relao com o desemprego, no captulo 2.
No captulo 3, aborda-se o desemprego e o perfil dos brasileiros
retornados do Japo, com breve relato circunstancial do movimento migratrio para o
Japo. E, no captulo 4, expe-se a histria de vida dos brasileiros no Japo, num
dilogo cultural e de lazer, com a dos imigrantes japoneses no Brasil, estes estudados no
mestrado da autora.
Estuda-se no captulo 5 o aparecimento e desenvolvimento das
associaes, baseadas na cultura solidria, fundadas pelos imigrantes e multiplicadas em
toda a comunidade nikkei, at os tempos atuais. Hoje, umas das preocupaes o
movimento migratrio de brasileiros para o Japo. Finalmente, no captulo 6, so feitas
reflexes e consideraes sobre hipteses formuladas e apresentadas no projeto do tema,
constantes na introduo.
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2 LAZER/TEMPO LIVRE, EDUCAO INFORMAL E TRAOS
CULTURAIS
Este captulo se inicia com base no estudo efetuado no mestrado,
aprofundando os conceitos tericos de lazer, tempo livre e tempo liberado, as funes
do lazer, acrescentando duas outras, no indicadas por Dumazedier - a da amizade,
relaes sociais e formao do capital social, e a da felicidade; lucubrando o significado
do tempo liberado do desemprego e, posteriormente, realizando um estudo sobre a
educao informal, por meio da qual ocorre a transmisso de valores e aspectos
culturais especficos e caractersticos da comunidade.
2.1 LAZER/TEMPO LIVRE
Os estudos mostraram, mediante a histria, que, desde os tempos
antigos, tanto do mundo Ocidental como Oriental, o lazer esteve presente na vida
cotidiana, fazendo parte integrante da vida societria das pessoas, passando-se a
distinguir o tempo de trabalho do tempo de lazer, com o advento da Revoluo
Industrial. Conforme Dumazedier (1999: 236), o lazer no deve ser confundido com
ociosidade, pois ele supe a presena do trabalho e a ociosidade nega a presena dele.
Tambm no tempo extraprofissional, pois faz parte do tempo de que dispe o ser
humano, junto com o tempo liberado para atividades familiares e outras, assim como o
tempo profissional. Corresponde a liberao peridica do trabalho, no fim do dia, da
semana, do ano ou da vida de trabalho , de acordo com Dumazedier (1999: 28), sendo
intitulado tempo desocupado` o tempo sem trabalho das pessoas que conseguem apenas
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empregos espordicos de curta durao, conforme o referido autor (1999: 27).
Atualmente, esse termo est sendo substitudo por tempo de desemprego`.
Hoje, na era ps-industrial, com a passagem cada vez maior dos
trabalhos fsicos e pesados para as mquinas, robs e automaes, a dicotomia
trabalho/lazer est-se integrando, novamente. um retorno valorizao das atividades
intelectuais, relegando-se o trabalho braal para as mquinas. Alm disso, a expanso
tecnolgica e a introduo da Internet foram ocupando, por meio de uma parafernlia de
mquinas, a vida cotidiana das pessoas, substituindo e muitas vezes at descartando os
seres humanos de suas funes, aumentando, assim, tambm o tempo livre domstico.
Dumazedier (1999: 241-242), reflete sobre o assunto, da seguinte maneira:
Toda poltica global da melhoria daquilo que ontem era chamado de estilo de vida e hoje chamado de qualidade de vida`, por um novo arranjo do tempo e do espao, deve comear por uma reflexo sobre as implicaes do lazer em todos os domnios da vida social e pessoal. So estes fatos que nos levaram a falar do nascimento possvel de uma civilizao do lazer.
Conforme alguns estudiosos, esse aumento do tempo livre pode estar
ocorrendo de maneira positiva ou negativa. Positiva para aqueles que tm emprego,
possuem renda e podem usufruir desse tempo como bem quiserem. Negativa para os
que no dispem de renda ou mesmo no tm emprego.
Assim, Sader e Kurz (2000) observam o aumento do tempo livre,
negativamente. Para o primeiro autor, o tempo livre do desempregado sinnimo de
desmoralizao, em que o tempo gasto procura de emprego, enquanto o rico tem
tempo livre para si, num mundo onde a riqueza mundial mal distribuda. Para o
segundo autor, o sistema capitalista no consegue transformar o crescimento da
produtividade em mais tempo livre para o trabalhador, mas em mais trabalho rentvel
para aqueles que podem e desemprego para outros, numa relao cada vez mais
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30
desigual. Assim, a jornada de trabalho se converte em mais horas de trabalho para obter
maior capital, a fim de satisfazer gastos que demonstrem capacidade pecuniria com o
fito de obter prestgio social, numa escala cada vez mais ostentatria, intitulada cio
conspcuo, por Veblen (1983).
J Friedmann (1972: 157-159) utiliza a denominao consumo
conspcuo, como resultado de tarefas fragmentadas do trabalho manual repetitivo e
enfadonho dos operrios especializados engaiolados no sistema de racionalizaes
autoritrias e constrangedoras nas grandes fbricas, como a de Detroit, EUA. Nelas
os trabalhadores tentam compensar a frustrao provocada por esse tipo de trabalho com
o uso de excitantes de toda espcie, dos jogos de azar e de apostas, do lcool , de
divertimentos brutais e de espetculos de massa, pretensamente esportivos` e outros.
Hoje, existe idia de reverter o pensamento; antes de mais nada o dinheiro para o
conforto, diverso ou prazer da vida`, a exemplo de clubes de grandes empresas ou do
desenvolvimento de hobbies de operrios e empregados, como acontece na Inglaterra.
Mas esse autor no muito otimista, dizendo que, mesmo que haja
transformaes radicais, com a coletivizao dos meios de produo e a integrao do
operrio como membro de pleno direito na empresa no poderiam dar a essas tarefas
uma substncia e um interesse, que permitissem aos que as efetuam torn-las o centro
de sua existncia e o lugar de sua realizao
(FRIEDMANN, 1972: 183),
requisitando, assim, uma nova reconduo para lazeres que sejam divertidos,
enriquecedores e orientados para uma cultura de nvel mais adequado.
O lazer mais e mais concebido, por sua vez, como meio de
satisfazer novas necessidades da personalidade em qualquer nvel cultural que seja ,
conforme Dumazedier (1999:240), com a introduo e reelaborao de novos valores
com a dinmica natural das sociedades.
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31
Rodrigues (1997:110) designa o tempo livre como tempo discricional,
que deveria ser o tempo realmente pertencente ao indivduo, como um direito nico e
do qual pudesse dispor como bem entendesse . Coloca a existncia de tempo de
trabalho e tempo liberado do trabalho, sendo que este ltimo abrangeria o tempo
biolgico como tempo para atender as necessidades de alimentao, de sono, de higiene
pessoal etc., e o tempo social como tempo gasto nos transportes, na procura de emprego
e outros. Portanto, subtraindo o tempo de trabalho e o tempo liberado, o restante seria o
tempo discricional, um tempo realmente ntimo, pertencente somente quela pessoa.
Conforme Huizinga (2001: 07), uma das atividades iniciais do jogo a
linguagem, com a finalidade de comunicar, ensinar e comandar , que permite ao
homem distinguir coisas, defini-las e constat-las
e elev-las ao domnio do esprito,
brincando com a faculdade de designar a matria e as coisas faladas, na criao da fala e
da linguagem, ocultando, nas expresses abstratas, a metfora do jogo de palavras
pertencente ao mundo potico.
Baseada nessa premissa, uma das primeiras formas ldicas observadas
entre os imigrantes japoneses no Brasil, assim como no Japo ancestral foi a das formas
poticas, dentre as quais o tanka, com a mtrica especfica de 5, 7, 5, 7, 7, que passou a
ser muito praticado para externar o que se passava em seu mago.
Portanto, essa noo de lazer do estudo de Huizinga (2001:39) vem
acrescentar a noo de jogo na expresso da linguagem da sociedade japonesa, por meio
do substantivo asobi e o verbo asobu , aspecto caracterstico, com o significado de
jogo em geral, distrao, recreao, preguia, passatempo, entre outros, noes que
complementam o conceito amplo do lazer no que se refere a uma das funes, que a
de entreter ou a de divertir. O autor coloca que a festa e o jogo tm estreita ligao,
porque fogem da mesmice da vida cotidiana (2001: 25).
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Ao transpor essa idia do jogo de brincadeiras de palavras, sob o olhar
de Kenk (2001), pode-se adentrar ao mundo esttico oriental de ler a vida mundana e
transitria dos pensamentos e efemrides retratados em uma coletnea de rara beleza,
colhidos em inusitados momentos do tempo livre, um recorte de vida desse monge
errante do sculo XIV, mas no to distante do atual mundo contemporneo no modo de
encarar a vida. Nota-se que esse divertimento ldico evolui, no sculo XVII, para uma
srie de versos poticos como tanka e posteriormente, o haikai19, mais curtos, como
entretenimento ldico trazido e praticado pelos imigrantes japoneses no Brasil, alguns
exemplos j citados na dissertao de mestrado.
Assim, no antigo Japo o ldico estava presente, entre outros
divertimentos, no jogo de palavras, que, ao engendrar o caminho do aperfeioamento,
leva ao Do (caminho) at se tornar mestre, fazendo esquecer as tenses cotidianas e
entretendo as horas tediosas e repetitivas do crculo da vida.
Alguns estudiosos ocidentais tentam analisar e refletir esse modo de
olhar dos orientais, como Maffesoli, que reconhece, na intemporalidade, o ritmo da
estabilidade e movimento , paradoxo da vida breve, do efmero, da transitoriedade da
vida, da a idia de goz-la ao mximo , considerando-a como uma sabedoria
prtica e astuta , e hedonista tambm. E reconhece similitude nessa impermanncia
prpria das filosofias orientais , o ideal do homem grego, quadro no impossvel de
ressurgir na ps-modernidade (2003: 99).
Semelhante valorizao do tempo livre observada em Lin Yutang,
de pensamento taosta: ele diz que o gozo de uma vida ociosa no custa dinheiro ,
mas encontrado nas coisas simples da vida, que as atividades de lazer devem ser to
sagradas como suas horas de negcios
(1997: 129). Nota-se que o lazer, sob o olhar
19 Hai-kai: verso com 5,7,5 slabas.
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oriental, parece estar focado na reflexo espiritual profunda, segundo os ensinamentos
taostas, que se encontram no livro do Sentido e da Vida de Lao Ts (2002).
Tais idias se contrapem s de Kurz (2000), Padilha (2000), e Sader
(2000), que analisam o tempo livre e o lazer do ponto de vista do capitalismo, que os
regula como mercadoria de consumo, assim como ocorre com os produtos da
industrializao. Riesman (1995: 379) observa a perda da liberdade social e da
autonomia individual, porque as pessoas procuram se parecer entre si, em busca de
paradigmas dominantes na sociedade, na nsia de pertencer a determinada classe social,
incluindo o consumo. Da mesma forma, como este ltimo autor, Marcuse (2001:131-
151) tambm critica a perda dessa liberdade dos indivduos pelo controle social
exercido pela classe dominante e tecnicista, que cria falsas necessidades, restando
apenas optar por um dos possveis produtos ofertados, extensivos a todas as classes
subjacentes, que compartilham e se satisfazem com os mesmos produtos, pela mimese,
manipulados e impostos mediante a economia de produo de consumo de massa.
2.1.1 Discusso do tempo de trabalho, tempo liberado e lazer
O mundo tecnicista do trabalho passa a estabelecer dicotomia: tempo
de trabalho e tempo liberado do trabalho. O tempo liberado do trabalho chega com o
advento da Revoluo Industrial, com a presso dos partidos operrios, sindicatos e
legislao social, passando a jornada de trabalho para um perodo de 8 horas, 5 dias da
semana, principalmente nos pases anglo-saxes, com a conquista de tempo liberado
maior, o que faz surgir o homem aps o trabalho`.
Esse tempo se caracteriza pela disciplina longe dos olhos do capataz,
diviso de tarefas, estrutura das empresas, que pela natureza de suas funes se reduz a
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um tempo vazio`, sem significao, uma vez que a sociedade nascida da Revoluo
Industrial no possui nenhuma instituio de lazer para preencher o vazio` criado pela
semana de 40 horas. Essa insuficincia das instituies sociais do lazer explica a
fragilidade da conquista do tempo liberado, e em muitas zonas urbanas e suburbanas
ainda esse tempo corrodo e degradado durante o transporte (FRIEDMANN, 1968:
115-130).
Desde 1930, os trabalhadores passaram a ter descanso remunerado,
tornado uma realidade dos pases industrializados desenvolvidos, com frias para o
lazer. Porm, esse tempo restrito aos trabalhadores com poucos rendimentos, alm de
muitos estarem desempregados, portanto, sem direito a nada.
Russel (2002: 37-43) critica essa situao de uns trabalharem demais
para serem valorizados, enquanto outros ficam excludos, chamando-a de moral do
Estado escravo`, pela falsa moralidade do trabalho. E afirma que o aviltamento do
trabalho cria mal estar, e uma diminuio organizada dele traria melhores e mais
benefcios e felicidade aos homens. Para esse autor, o tempo ocioso no era prejudicial,
bastando 4 horas de trabalho para o operrio e distribuio eqitativa de trabalho para
todos, suficiente para a sobrevivncia. Para ele, o uso adequado do lazer uma questo
de civilizao e de educao, e no h motivo para insistir num trabalho excessivo como
um dever, cuja necessidade j nem existe tanto no mundo atual. Portanto, so assuntos
de reflexo de socilogos, demgrafos, psiquiatras, economistas e urbanistas.
Por outro lado, nas sociedades camponesas, pela natureza do trabalho
com estrita dependncia do ritmo das estaes do ano, e pela caracterstica social dos
habitantes no meio rural, o tempo liberado e o tempo de trabalho se acham mais
integrados, de maneira mais harmnica e significativa.
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Friedmann (1968) coloca a importncia das atividades de lazer na vida
social, mas critica interferncias da mass media como uma maneira grosseira, levando
indivduos busca do lazer, o que pode ocasionar a inverso de valores, isto , a busca
de lazer, antes mesmo de terem sido alcanados bens materiais bsicos, como
alimentao, vestimenta, alojamento e instruo bsica para sobrevivncia, nos pases
subdesenvolvidos como o Brasil e pases da frica.
O autor ainda chama a ateno para a pobreza das atividades culturais
ou mesmo a ausncia delas, durante o tempo liberado, ao lado da diviso e repetio das
tarefas. No h atividades adequadas ao temperamento, ao meio familiar ou ao meio
cultural e mesmo energia disponvel aps o trabalho e transporte pesados, que uns
tentam compensar pelo absentesmo e outros pela indiferena e alienao.
A produo operria, aps jornada de trabalho, no consegue fazer
superar o cansao do trnsito, o esgotamento da cadncia de trabalho rotineiro, privado
de responsabilidade, como o de um autmato, tornando o indivduo aptico, pela fadiga
psquica e fsica, que no lhe permite divertir-se ou reparar-se, muitas vezes afastando-o
da vida de lazer enriquecedor, que o conduza a nvel cultural considerado mais
elevado . Formas como as atividades diversas - a bricolagem, jardinagem, msica,
pintura, leitura, arte, e outras tantas - poderiam exercer papel compensador de reparao
de cansao, causado por tarefas repetitivas e fragmentadas.
Porm, em muitos pases, essas atividades de lazer transformam-se em
bicos ou em outro trabalho aps o trabalho, dando a origem ao que Friedmann chama de
corrupo do tempo liberado do trabalho, intitulado semilazer ou lazer parcial, pelo
estudioso Dumazedier (1999:95), pois o lazer obedece parcialmente a um fim
lucrativo, utilitrio ou engajado, sem se converter em obrigao , mas deixa de ser
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inteiramente lazer. uma atividade mista com uma obrigao institucional, segundo o
autor.
Friedmann (1968:124) questiona os processos e modalidades da
civilizao tecnicista, que busca a felicidade produzida e influenciada pela mass
media , como a indstria americana, que trabalha baseada no lema: o cliente o rei ,
exercendo sobre o consumidor uma ao multiforme e imperiosa, inclusive a de bens
culturais, tentando criar um meio honorfico para consumo do lazer.
Assim tambm as festas de arte popular, recreao secular, so
alteradas pela onipresente publicidade com suas informaes produzidas e atraentes,
conduzindo sociedades inteiras a idnticas utilizaes do tempo liberado, por meio dos
meios de comunicao, decidindo e conduzindo o tempo livre das pessoas, muitas vezes
at manipulando seu gosto mediante a produo de imagens estereotipadas com esse
fim.
Dessa forma, vertem ou impem modelos pr-fabricados,
transformando o homem em produtor-consumidor de doutrinas, crenas, ideologias,
segundo os interesses do momento de alguns lderes ou de grupo de pessoas, ou
simplesmente para vender produtos no to necessrios sobrevivncia da humanidade,
nivelando populaes com as mesmas msicas, canes, filmes, lugares tursticos etc., e
reproduzindo o sistema capitalista de produo, consumo e circulao de capital. O
referido autor supra cita exemplos de experincias de regimes ditatoriais em outros
tempos como o do Terceiro Reich, Itlia fascista ou Repblica Popular da China,
impondo ideais poltico-ideolgicos, autoritariamente.
Desse modo, o homem mdio de nosso tempo est condenado, ao sair
do trabalho, apatia e ao embrutecimento, facilmente controlado pela mdia, pois ele se
v rodeado de TV, rdio, outdoors, jornais e revistas, que estimulam todos os seus
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valores, em um universo infinito de possibilidades materializadas. Alm de os
trabalhadores estarem treinados para dar respostas para a produtividade programada,
tornando-se indivduos ausentes de si prprios, distanciam-se da vida coletiva, poltica,
cultural e de instituies de lazer, onde poderiam questionar, engajar-se e conduzir sua
prpria vida.
E a busca do lazer material, regulado pela mass media , transforma o
trabalhador em consumidor de novas necessidades manipuladas, mesmo no tempo
voltado para o lazer, corrompendo-o. Portanto, para que no ocorra a corrupo do
tempo liberado torna-se necessrio criar o tempo livre e lazer, de fato, com a mudana
no sistema de instituies e de valores.
Seriam precisos tambm grupos sociais preparados e impregnados por
mentalidades hedonsticas, para promover jogos e festas e colocar barreira contra a
corrupo do tempo liberado e controlado, a exemplo do que ocorre em sociedades
tradicionais e consuetudinrias, da frica, sia e Oceania, onde ainda o trabalho se
encontra integrado e equilibrado vida cotidiana, em harmonia com as atividades
ritualsticas, cerimoniais, festas e magia, no superestimando a produtividade ou o
consumo, conforme estudos de Friedmann (1968).
Todas essas atividades voltadas para o lazer exercem uma ou mais
funes, supostamente benficas ao praticante. Dessa forma, estudaram-se,
inicialmente, as funes citadas, lucubradas e ratificadas em vrios livros de
Dumazedier (1972: 26-28; 1973: 400; 1976: 32-34).
2.1.2 Funes do lazer
Desta feita, seguem as funes sociais do supra citado autor:
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a) Descanso,
b) Divertimento, recreao, entretenimento,
c) Desenvolvimento da personalidade,
a) Funo de descanso: o lazer exerce a funo de reparar a fadiga
fsica e psquica das pessoas, com repouso, silncio, farniente e pequenas ocupaes
sem objetivo (1976: 32).
b) Funo de divertimento, recreao, entretenimento: o lazer
exerce a funo de acabar com o tdio das pessoas, como um meio de dar equilbrio e
suportar presses sociais, compensados, mediante divertimento e evaso para um
mundo diferente, e mesmo diverso, do enfrentado todos os dias , como viagens, jogos,
esportes, cinema, romance, teatro, etc., (1976: 33).
c) Funo de desenvolvimento da personalidade: essa funo,
dentre as vrias citadas pelo autor, desenvolve a prtica da sensibilidade e da razo,
alm da formao prtica e tcnica , que oferece possibilidades de integrao
voluntria vida de agrupamentos recreativos, culturais e sociais , e o
desenvolvimento livre de atitudes adquiridas na escola , uma educao permanente e
continuada de aperfeioamento para novas criaes e inovaes, comportamento livre e
escolhido para desenvolvimento da personalidade, dentro de um estilo de vida pessoal
e social (1976: 33-34).
Dessa forma, para esse autor, existe lazer completo` quando as trs
funes esto presentes em inter-relao, para satisfazer as necessidades dos indivduos
e lazer incompleto`, quando no se oferece a alternncia possvel desses trs gneros de
escolha, do ponto de vista das exigncias especficas de realizao da personalidade
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por si mesma, fora da rede de obrigaes institucionais que a sociedade moderna
prope ou impe (DUMAZEDIER, 1999: 97).
Em vista da indicao macia dos sujeitos da amostra, para o item, -
favorecem a amizade` - , dentre as funes de lazer relacionadas e constantes no
captulo 3, foi feita uma busca bibliogrfica, tendo-se observado algumas idias a
respeito do assunto, em Maffesoli (1995: 57 e 54), que, alm de citar o sentimento de
pertencimento do mesmo grupo, reflete a respeito das formas de simples
sociabilidades, elaboradas nas salas de ginstica, aos vnculos estreitos que se
constituem nos grupos de esportes de risco, passando pelas amizades, pelas relaes
induzidas pelos clubes, viagens e circuitos de grupo , que, juntamente, com outros
mimetismos corporais, gestuais e de linguagens , marcam as sociedades
contemporneas em seu estilo esttico, que induz ao hedonismo.
O autor afirma que essa conjuno do material com o imaterial
tende a favorecer um estar-junto` que no busca um objetivo a ser atingido, pois no
est voltado para o devir , mas empenhado, simplesmente, em usufruir bens deste
mundo , ....em buscar no quadro reduzido das tribos, encontrar o outro e partilhar do
ideal societrio . Tambm desenvolve a idia de que as pessoas agem em funo da
existncia do outro, para possibilidades de um novo vnculo social
(MAFFESOLI,
1995: 56-57), para a roda viva societria com parafernlia de criaes estticas, para
agrad-lo com mimos hedonistas. Desta feita, pode-se acrescentar tambm a funo da
amizade.
d) Funo da amizade: Exerce a funo do desenvolvimento das
relaes sociais de amizade pela aproximao de pessoas, por meio de mimetismos,
onde elas se identificam pelas caractersticas de semelhana e de pertencimento a
determinados grupos sociais, o que tambm pode levar formao do capital social.
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Essa qualidade da amizade tambm se liga felicidade, pois leva ao bem estar e traz
benefcios s pessoas e a longevidade20, por dar significado e objetivo vida.
Por outro lado, as relaes de amizade e relaes sociais do
oportunidades para a construo do capital social, estudado por Bourdieu (1980: 2-3),
como um poder de relaes humanas, em vrios nveis, segundo categorias sociais de
famlias, de profisses, de trabalho, de status num grupo social, entre companheiros de
escola de elite, clubes seletos, nobres e ou de lazer/entretenimento, mediante
conhecimento e reconhecimento mtuos, conquistados por respeito, amizade, aceitao,
entre outras qualidades.
capital social: No seio da rede de ligaes sociais, ocorre por
aproximaes entre as pessoas com identidades culturais homogneas, estabelecendo
hierarquias sociais e econmicas, em espaos fsicos ou scio-econmicos de uma dada
sociedade, arrumando e assegurando trocas materiais e outros servios garantidos pelas
relaes teis e benefcios simblicos, em efeito multiplicador, como se fosse um
investimento. Situaes circunstanciais vo sendo construdas por meio de atuaes de
indivduos, principalmente nos grupos sociais de prestgio`, produzindo ocasies, como
cruzeiros martimos, caadas e rally, para criar ambientes de aproximaes homogneas
de interesses e de sociabilidades, como estratgias de construo de rede de ligaes
durveis.
So estratgias de investimentos sociais conscientes ou inconscientes
como meio de ascenso de algumas pessoas. Dessa forma, o capital social vai sendo
trabalhado e criado para a manuteno das posies dos prprios indivduos e de seu
grupo, sendo beneficiados aqueles inseridos em um grupo com maior capital social,
pelos efeitos multiplicadores positivos, enquanto outros ficam com efeitos negativos.
20 Cf. Bons amigos ajudam a viver mais in: O Estado de S. Paulo, VIDA&. 17/06/2005, A27.
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Para exemplificar, conforme estudos efetuados por Granovetter
(1973:3-22), nas mais variadas cidades americanas, nos dados levantados por vrios
autores, desde 1930, com blue-collar (trabalhadores braais, sem muita especializao,
em geral trabalhando nas fbricas), houve similitude nos mecanismos formais de
colocaes no trabalho, raramente ultrapassando 20%, em contraste com os mecanismos
informais de colocaes de trabalho efetuadas por amigos, parentes e por pedidos
diretos, que corresponderam a porcentagens de 60 a 90%.
Dessa forma, o capital social pode interferir na busca do trabalho, em
parte at conduzindo e manipulando indivduos e grupos sociais, porm sua
dinamicidade vai depender da maior ou menor conscincia poltica e interesses das
pessoas que constituem seu grupo, na trajetria de conquista espacial e em diferentes
fases da vida.
Na trajetria do estudo sobre o tema, mais especificamente nos
resultados obtidos na aplicao de questionrios, verificou-se a procura do lazer pelas
pessoas, no s para o atendimento das funes preconizadas por Dumazedier, mas
tambm para elevao da auto-estima, da auto-realizao e da felicidade, como, - fazem
voc se sentir realizado e feliz - qualidades que as pessoas buscam em suas vidas, no
atual contexto social, alm da funo da amizade e relaes sociais supramencionadas.
Esse fato levou pesquisa bibliogrfica dos estudos sobre Felicidade .
Russell (1956: 145-146) considera importante ter interesse pelas
coisas impessoais, s vezes no to valiosas como ingredientes na felicidade cotidiana,
concentrando-se em algo de interesse verdadeiro, como o que um gelogo sente pelas
rochas, ou que um arquelogo sente pelas runas , esquecendo suas preocupaes.
Assim, quando as pessoas voltarem do seu mundo impessoal para enfrentar o problema,
estaro mais seguras e calmas, por ter experimentado uma felicidade genuna, embora
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passageira , tero interesses os mais amplos possveis ante as coisas e sero mais
cordiais do que hostis` para com os outros, pois o mundo vasto e nossos poderes
individuais, limitados, dando indcios da importncia das relaes sociais.
E acrescenta que as manias e os passatempos no so, todavia, em
muitos casos, uma fonte de felicidade fundamental, mas um meio de se fugir
realidade, de se esquecer, por um momento, algum sofrimento demasiado difcil de ser
enfrentado (Russell, 1956: 143-144).
Dumazedier (1999: 95) no considera a busca da felicidade como uma
das funes sociais do lazer, pois para ele a felicidade no se reduz ao lazer . De fato,
constata-se que a expresso felicidade tem uma conotao mais ampla, pois todas as
funes citadas pelo autor, como descanso, divertimento ou aprimoramento da
personalidade podem levar ao estado de felicidade. Conforme o autor, o lazer tem
carter hedonstico, isto , busca prazer ou felicidade na vida, pois se define
positivamente no tocante s necessidades da pessoa , busca estado de satisfao,
tomado como um fim em si . Assim, ele prefere empregar a expresso satisfao a
utilizar a expresso felicidade ou prazer ou alegria, por ser menos carregada de
conotaes incontroladas .
Para o autor, a procura do prazer, da felicidade ou da alegria um
dos traos fundamentais do lazer da sociedade moderna , como um fim em si, e,
quando o estado de satisfao cessa ou se deteriora, o indivduo tende a interromper a
atividade .
Mas Giannetti (2002: 156) coloca o assunto sob outra tica, pois, para
ele, a felicidade so m