Leandro Nunes e Brendha Evaristo a Geografia Do Conceito e o Ritornelo Na Filosofia de Gilles...

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A Geografia do Conceito e o Ritornelo na filosofia de Gilles Deleuze e Félix Guatarri: O problema da desterritorialização Leandro Nunes Graduado em Filosofia [email protected] Brendha Evaristo [email protected] RESUMO: O presente texto trata dos estudos desenvolvidos pelos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guatarri acerca do papel da filosofia e das características inerentes a atividade filosófica. Segundo os referidos autores, o objetivo primeiro da filosofia é a criação de conceitos; sendo que, o filósofo é aquele que se envereda pelo mundo, aquele que experimenta o mundo e seus contágios. Assim sendo, neste trabalho – assim como Deleuze e Guatarri – nos enveredamos por diversos territórios buscando entender alguns conceitos por eles propostos, tais como o conceito de Ritornelo – importante para estabelecer a relação entre território e desterritorialização. Para tal intento, trataremos do que D&G designam como Geografia do conceito, e por conseguinte, do que eles denominam como Linhas de fuga. Sempre procurando evidenciar o caráter criativo da atividade filosófica. Palavras-chave: Geografia-do-conceito. Ritornelo. Desterritorialização. Linhas-de-fuga. XVIII Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea da UNIOESTE De 21 a 24 de outubro de 2013 – UNIOESTE Campus de Toledo http://www.unioeste.br/filosofia/

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O presente texto trata dos estudos desenvolvidos pelos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guatarri acerca do papel da filosofia e das características inerentes a atividade filosófica.

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A Geografia do Conceito e o Ritornelo na filosofia de Gilles Deleuze e Flix Guatarri: O problema da desterritorializaoLeandro NunesGraduado em Filosofia

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RESUMO:O presente texto trata dos estudos desenvolvidos pelos filsofos Gilles Deleuze e Flix Guatarri acerca do papel da filosofia e das caractersticas inerentes a atividade filosfica. Segundo os referidos autores, o objetivo primeiro da filosofia a criao de conceitos; sendo que, o filsofo aquele que se envereda pelo mundo, aquele que experimenta o mundo e seus contgios. Assim sendo, neste trabalho assim como Deleuze e Guatarri nos enveredamos por diversos territrios buscando entender alguns conceitos por eles propostos, tais como o conceito de Ritornelo importante para estabelecer a relao entre territrio e desterritorializao. Para tal intento, trataremos do que D&G designam como Geografia do conceito, e por conseguinte, do que eles denominam como Linhas de fuga. Sempre procurando evidenciar o carter criativo da atividade filosfica.Palavras-chave: Geografia-do-conceito. Ritornelo. Desterritorializao. Linhas-de-fuga. Geografia do conceito

Segundo Gilles Deleuze e Flix Guatarri (1992), o objetivo primrio da filosofia a criao de conceitos, qui, este seja o nico e maior propsito para a atividade filosfica. Nesse sentido, o filsofo aquele que experimenta o mundo, aquele que abandona o antigo e conhecido pressuposto que infere a contemplao do mundo como atividade ltima do filsofo.

Como explanado, da criao de conceitos que a filosofia se estabelece, uma vez que, seu propsito cri-los. Assim, o filsofo aquele que cria um novo mundo, que cria novas possibilidades, novos caminhos. Uma atividade em que o filsofo se expe a contgios e contaminaes.

Criar conceitos. Talvez a filosofia tenha este nico e grande propsito, fazendo do filsofo o experimentador do mundo ao invs do contemplador deste mesmo mundo. O filsofo como aquele que no mais reflete passivamente, mas aquele que se envereda pelo mundo, que se expe aos contgios e contaminaes, fazendo desta experincia o substrato para aquilo que possui de mais intenso enquanto atividade: a criao de conceitos. Isto o que nos propem os filsofos franceses Gilles Deleuze e Flix Guattari, levando-nos a pensar numa outra relao tica (BEDIN, 2010, p. 1).

Para Bedin (2010), o mundo real a morada do homem, mas ela s serve para ser abandonada. E a filosofia o que propcia essa fuga; uma vez que, tal morada mvel, pois, a criao de conceitos deve ser contnua e ininterrupta. Isso significa que o filsofo deve transpassar a reflexo passiva, pr-se em movimento e adentrar no mundo.

Os conceitos so migratrios, mas podem habitar solos, nos quais possam produzir alguma interferncia com outros conceitos; j que, os conceitos no possuem estruturas nicas, fechadas; pelo contrrio, eles possuem componentes que estabelecem relao entre si e exatamente nesse ponto que o filsofo age: nos territrios habitados pelos conceitos. Um conceito no pode ser entendido como uma estrutura monocelular. Uma vez que, no existe conceito simples. Todo conceito composto. Do mesmo modo que nenhum conceito existe de maneira isolada, ou seja, todo conceito possui uma ligao com outros conceitos, com a tradio filosfica.

No h conceito simples. Todo conceito tem componentes, e se define por eles. Tem, portanto, uma cifra. E uma multiplicidade, embora nem toda multiplicidade seja conceitual. No h conceito de um s componente: mesmo o primeiro conceito, aquele pelo qual uma filosofia "comea", possui vrios componentes, j que no evidente que a filosofia deva ter um comeo e que, se ela determina um, deve acrescentar-lhe um ponto de vista ou uma razo (Deleuze; Guattari, 1992, p. 25).

O conceito uma inciso minuciosa nas cordas vocais da filosofia; uma operao que ressoa nos mais diversos territrios e que provoca o surgimento de uma variedade incontvel de linhas de fuga. *** De certa forma, a proposta de Deleuze e Guatarri (o adentramento do filsofo no mundo e sua exposio aos contgios) audaciosa e suscita a necessidade de se pensar uma nova relao tica. Uma vez que, a tica passa ser a prpria experimentao criativa, o uso, a prtica, a pragmtica propriamente dita (BEDIN, 2010, p. 1). Isso porque, no existe mais uma morada segura para o filsofo como fora outrora o Ethos; e, como dito, se existe, somente para ser abandonada (DELEUZE, GUATARRI, 1992). De modo geral, o que eles nos propem uma tica do abandono, uma tica que suscite e propicie a criao de linhas fuga.

Essa tica do abandono pode ser entendida tambm como uma geografia do conceito:

A filosofia passa a assumir um aspecto geolgico, em camadas de estratificao que se justapem e se afetam mutuamente. Trata-se de movimentos de estratificao e desestratificao operados a partir de um crivo no caos, de um plano de imanncia que opera por intensidades difceis de serem apreendidas (BEDIN, 2010, p. 2).

O Ritornelo

Deleuze e Guatarri criam uma grande variedade de conceitos, sendo o Ritornelo um dos conceitos mais potentes dessa criao; um conceito que se encontra totalmente ligado a essa questo de territrio e ao problema da desterritorializao.

Criamos ao menos um conceito muito importante: o de ritornelo. Para mim, o ritornelo esse ponto comum. Em outros termos, para mim, o ritornelo est totalmente ligado ao problema do territrio, da sada ou entrada no territrio, ou seja, ao problema da desterritorializao. Volto para o meu territrio, que eu conheo, ou ento me desterritorializo, ou seja, parto, saio do meu territrio? (Deleuze, p. 65, 1997).

Segundo D&G, o ritornelo uma espcie de refro, o ponto maior da msica; o ponto central ao qual volta-se em coro. No entanto, preciso frisar que o conceito de ritornelo no universal, logo, no pode ser definido como isso ou aquilo.

Assim como Nietzsche fez com sua Teoria das Foras, Deleuze e Guattari fazem o mesmo se tratando do Ritornelo, ele remetido sempre as circunstncias em que operado, uma vez que, um ponto comum, e por tal motivo est totalmente ligado a sada ou entrada de um territrio.

Desse modo, esse o primeiro aspecto do ritornelo: a busca de direo, de um ponto; para que ento se possa traar um territrio ao redor desse ponto, algo inseguro, quase que incerto. Para que assim, aps esta busca por direo passe-se a procurar por um espao dimensional que possa ser habitado ao redor desse ponto.

O ritornelo um ciclo assim como a vida, sempre em relao territorial. um territrio que circunda um determinado ponto.

Tem a ver com conceitos de terra, territrio, caos, cosmos, [...] com o eterno retorno [...] Tem a ver com o canto dos pssaros para demarcar limites territoriais, com a criana cantarolando no escuro para se acalmar e com a msica que escutamos para nos dar fora nas tarefas dirias (BEDIN, 2010, p. 3).

O Ritornelo pode ser comparado com uma lgica da existncia, ou seja, o existir passa a ser em ciclos, o que pode implicar em um aspecto ou outro, ou os dois, etc.; o ritornelo se define pela estrita coexistncia ou contemporaneidade de trs dinamismos implicados uns nos outros. Ele forma um sistema completo do desejo, uma lgica da existncia (ZOURABICHVILI, 2004, p. 50), mesmo que seja uma lgica extrema e sem racionalidade alguma.

Nesse sentido, Zourabichvili afirma que o Ritornelo se mostra em duas trades ligeiramente distintas entre si:Primeira trade: 1. Procurar alcanar o territrio, para conjurar o caos; 2. Traar e habitar o territrio que filtre o caos; 3. Lanar-se fora do territrio ou se desterritorializar rumo a um cosmo que se distingue do caos. Segunda trade: 1. Procurar um territrio; 2. Partir ou se desterritorializar; 3. Retornar ou se reterritorializar (Idem, p. 50). O filsofo deve abandonar o caos com o objetivo de se estabelecer em um territrio, o que entendido comumente como um agenciamento territorial. Essa busca por um ponto entendida como um componente direcional; da ordem da criana no escuro que busca a nica direo do ponto estvel, cantarolando sua cantiga reconhecvel, seu pequeno tralal (BEDIN, 2010, p. 4). O ritornelo a busca pelo agenciamento, pelo estabelecimento.

O ritornelo vai em direo ao agenciamento territorial, ali se instala ou dali sai. Num sentido genrico, chama-se ritornelo todo conjunto de matrias de expresso que traa um territrio, e que se desenvolve em motivos territoriais, em paisagens territoriais (h ritornelos motrizes, gestuais, pticos etc.). O ritornelo como traado que retorna sobre si, se repete. Assim, todo comeo j um retorno, mas implica sempre uma distncia, uma diferena: a reterritorializao, correlato da desterritorializao, nunca um retorno ao mesmo ( repetio e diferena) (MELLO, 2012, p. 2). O agenciamento surge com o objetivo de traar um territrio em volta do ponto, isto , a fundao de uma base no caos que garanta segurana para que um territrio possa ser construdo. A partir desse momento busca-se por uma construo de um lugar que possa ser habitado.

Trata-se de um espao ntimo, onde as foras do caos so mantidas numa exterioridade, criando condies para que a tarefa possa ser cumprida, para que uma obra seja realizada. Este o segundo aspecto do ritornelo, seu componente dimensional. Aqui os ritornelos esto mais a servio de criar e consolidar o territrio, j que se tem a segurana mnima para que alguns motivos territoriais possam ser empregados (BEDIN, 2010, p. 4).

Por fim, parte-se do agenciamento territorial para a busca de outros agenciamentos. nesse ponto que surgem as linhas de fuga que fazem desse territrio algo provisrio. Sendo que, isso d-se pelo fato de que o ritornelo aponta sempre para a possibilidade de fuga, de desterritorializao, mesmo se houver perigos, mesmo se as linhas de fuga se tornarem linhas de morte. Em suma, sempre necessria a atividade de desterritorializar-se. Pois, o territrio carrega em si-mesmo uma bipolaridade:

A bipolaridade da relao terra-territrio, s duas direes - transcendente e imanente - nas quais a terra exerce sua funo desterritorializante. Pois a terra serve ao mesmo tempo como esse lar ntimo para o qual se inclina naturalmente o territrio, mas que, apreendido como tal, tende a repelir este ltimo ao infinito (ZOURABICHVILI, 2004, p. 50). das pontas territoriais que se evade; pois, as linhas de fuga so os processos criativos que saem do padro imposto, que criam, que inventam e reinventam novas possibilidades de vida. Transformando assim, a vida em uma obra de arte. A operao das linhas que estabelece o territrio como algo provisrio, transitrio, ou, como D&G denominam: componentes de passagem. Desse modo, o ritornelo composto essencialmente por trs aspectos, quais sejam: o componente direcional, o componente dimensional e o componente de passagem ou de fuga.

Consideraes finais O ritornelo deve ser entendido sobre dois principais aspectos que esto intimamente ligados ao seu nome: em primeiro lugar, como traado que retorna sobre si, se retoma, se repete; depois, como circularidade dos trs dinamismos (procurar um territrio para si = procurar alcan-lo) (ZOURABICHVILI, 2004, p. 51). Desse modo, comear retornar, todavia, trata-se de uma reterritorializao, pois no trata-se de um retorno ao mesmo ponto, ao mesmo territrio. No h chegada, nunca h seno um retorno, mas regressar pensado numa relao avesso-direito, recto-verso com partir, e ao mesmo tempo que se parte e se regressa. Por conseguinte, h duas maneiras distintas de partir e regressar, e de infinitizar esse par: a errncia do exlio e o apelo do sem-fundo, ou ento o deslocamento nmade e o apelo do fora (a terra natal sendo apenas um fora ambguo) (Idem, p. 51). No obstante, o conceito de ritornelo comporta em si dois sentidos do retorno que compem o "pequeno" e o "grande" ritornelos: territorial ou fechado sobre si mesmo, csmico ou levado sobre uma linha de fuga semitica (Idem, p. 51). Segundo Deleuze e Guatarri, so esses dois aspectos do ritornelo que tornam pensveis a msica e a arte de forma geral. O Ritornelo a passagem por uma terra ora natal-imutvel ( ento a priori, inato ou, ainda, objeto de reminiscncia), ora nova-por vir ( construdo sobre um plano de imanncia: quando o filsofo traa seu territrio sobre a prpria desterritorializao) (Idem, p. 51).Referncias Bibliogrficas:BEDIN, Luciano. O Ritornelo em Deleuze-Guatarri e as trs ticas possveis. Rio Grande do Sul: UFRGS, 2010.

DELEUZE, Gilles, FLIX, Guatarri. O que a Filosofia. Trad. Bento Prado Jr, e Alberto Alonso Muoz. So Paulo: Editora 34, 1992).

_________. Mil Plats: capitalismo e esquizofrenia, vol. 4. Trad. Suely Rolnik. So Paulo: Ed.34, 1997.

MELLO, Lida Aparecida Rodrigues Silva. La Jete: um E outro. Rio Grande do Sul: UFRGS, 2012.

ZOURABICHVILI, Franois. O Vocabulrio de Deleuze. Trad. Andr Telles. Rio de Janeiro, 2004.

Abreviao para Gilles Deleuze e Flix Guatarri.

XVIII Simpsio de Filosofia Moderna e Contempornea da UNIOESTEDe 21 a 24 de outubro de 2013 UNIOESTE Campus de Toledo

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