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1 DAS MIGRAÇÕES PARA A FRONTEIRA (BAGÉ, c.1830-c.1860) LEANDRO ROSA DE OLIVEIRA Mestrando em História pela PUC-RS/ Bolsista CNPq [email protected] MARCELO SANTOS MATHEUS Doutorando História Social pela UFRJ/ Bolsista Capes [email protected] 1 Introdução Nas últimas décadas, os registros de batismos têm se prestado para uma série de análises no que diz respeito à pesquisa histórica. Desde estudos de cunho demográfico, passando pela apreciação da formação de redes de relacionamento entre indivíduos de posição social semelhante (ou mesmo de estratos sociais diferentes), os batismos têm servido para que os pesquisadores refinem suas análises, especialmente para áreas onde a existência de censos ou de listas de fogos são algo precárias ou, inclusive, inexistentes. Nesta comunicação iremos nos valer desta fonte de uma maneira um tanto diferente: a utilizaremos para verificar a procedência daqueles indivíduos que migraram para o extremo sul do Brasil migração que se processava em um período de incertezas no que diz respeito se aquela área permaneceria pertencendo ao Império português (e, depois, Império do Brasil) ou se seria reincorporada aos domínios do Império espanhol (e, depois, à Banda Oriental). É importante destacar que este recurso metodológico não é mais uma novidade na historiografia gaúcha (FARINATTI e RIBEIRO, 2010; FARINATTI, 2010). Anotar a origem dos pais dos rebentos não era, necessariamente, uma obrigação dos padres. Maria Luiza Marcílio salienta que, conforme o Concílio de Trento, deveria ser anotado “a data do batismo, o nome completo do batizando, sua filiação (quando fosse conhecida), local da residência de seus pais ou responsáveis, além do nome de Esta comunicação é um trabalho em conjunto que tem por trás dois estudos que têm o mesmo lócus (a localidade de Bagé), mas objetos e problemas de pesquisa diferentes.

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1

DAS MIGRAÇÕES PARA A FRONTEIRA (BAGÉ, c.1830-c.1860)

LEANDRO ROSA DE OLIVEIRA

Mestrando em História pela PUC-RS/ Bolsista CNPq

[email protected]

MARCELO SANTOS MATHEUS

Doutorando História Social pela UFRJ/ Bolsista Capes

[email protected]

1 Introdução

Nas últimas décadas, os registros de batismos têm se prestado para uma série de

análises no que diz respeito à pesquisa histórica. Desde estudos de cunho demográfico,

passando pela apreciação da formação de redes de relacionamento entre indivíduos de

posição social semelhante (ou mesmo de estratos sociais diferentes), os batismos têm

servido para que os pesquisadores refinem suas análises, especialmente para áreas onde

a existência de censos ou de listas de fogos são algo precárias – ou, inclusive,

inexistentes.

Nesta comunicação iremos nos valer desta fonte de uma maneira um tanto

diferente: a utilizaremos para verificar a procedência daqueles indivíduos que migraram

para o extremo sul do Brasil – migração que se processava em um período de incertezas

no que diz respeito se aquela área permaneceria pertencendo ao Império português (e,

depois, Império do Brasil) ou se seria reincorporada aos domínios do Império espanhol

(e, depois, à Banda Oriental). É importante destacar que este recurso metodológico não

é mais uma novidade na historiografia gaúcha (FARINATTI e RIBEIRO, 2010;

FARINATTI, 2010).

Anotar a origem dos pais dos rebentos não era, necessariamente, uma obrigação

dos padres. Maria Luiza Marcílio salienta que, conforme o Concílio de Trento, deveria

ser anotado “a data do batismo, o nome completo do batizando, sua filiação (quando

fosse conhecida), local da residência de seus pais ou responsáveis, além do nome de Esta comunicação é um trabalho em conjunto que tem por trás dois estudos que têm o mesmo lócus (a

localidade de Bagé), mas objetos e problemas de pesquisa diferentes.

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pelo menos um padrinho” (MARCÍLIO, 2012, p. 14). As Constituições Primeiras do

Arcebispado da Bahia confirmaram esta exigência, estabelecendo que o padre deveria

escrever de que “Igreja” eram “fregueses” e de onde eram “moradores” (VIDE, 2007,

Livro 1, Título 20 [XX], p. 28). Contudo, como veremos, em um bom número de

registros os padres informaram de onde os pais eram “naturais”.

No geral, na localidade foco deste estudo, dentre os 8.101 registros de batismo

celebrados entre 1829 e 1859, os padres que atenderam na Capela de Bagé anotaram a

procedência das mães em 59,9% das vezes (4.860 genitoras no total) e dos pais em

52,7% (4.269 genitores no total). A razão da diferença, para mais, no número de mães,

por óbvio, está no fato de que os filhos ilegítimos levados à pia batismal tinham, em

mais de 87,5% dos casos, apenas o nome da mãe registrado, o que, juntamente com o

fato de que as mães escravas correspondiam a boa parte das mães solteiras, também

explica que a informação da procedência dos pais tenha ocorrido em menor número.

Para esquematizar a análise, dividimos a procedência dos genitores em cinco

sub-recortes: de 1829 a 1835, isto é, entre a Guerra da Cisplatina e a Guerra dos

Farrapos; durante a guerra civil que assolou a província (1836-1844); entre o final da

Farroupilha e 1850; de 1851, quando a Guerra Grande ainda assolava a Banda Oriental

e o Império do Brasil interveio militarmente na região do Prata, até 1855; e entre 1856 e

1859, quando a região passou por um (breve) período de relativa paz. Por certo, entre

um período e outro, há diferenças entre a quantidade de informações presente nos

registros, o que deriva, em grande medida, da prática dos padres. No primeiro período, a

maioria dos registros foi realizada pelo cura Gervásio Antônio Pereira Carneiro (mais de

93% dos batizados), sendo este o momento em que menos vezes foi anotada a

naturalidade dos pais – em 15,5% (61 registros) das mães e 20,5% (57) dos pais; entre

1836 e 1844, três párocos foram bastante atuantes: Antônio Homem de Oliveira

celebrou 39% das cerimônias, Jerônimo José Espínola 20% e Lourenço Casanova 35%

– neste período, em 67,5% dos registros há a referência da origem das mães (496

registros) e em 76,5% dos pais (428); depois da Farroupilha até 1859, L. Casanova foi o

padre que mais efetuou batismos, tendo batizado mais de 66% dos rebentos, nos quais

aparece a procedência das mães em 63,9% dos casos (2.812 registros) e dos pais em

57,6% (2.533 registros); o segundo padre que mais registra crianças durante esse

período é Cândido Lúcio de Almeida, o qual foi responsável por cerca de 9% dos

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batismos (585 registros), tendo atuado entre setembro de 1857 e dezembro de 1859.

Almeida assinalou a procedência das mães em 63,2% dos casos (372 registros) e dos

pais em 48,6% (289 registros)1.

É importante esclarecer que os percentuais apresentados até este ponto do texto

são referentes ao total de batismos utilizados para esta análise (no caso, 8.101 registros).

Para as análises subsequentes, procedemos de forma a retirar os nomes que estivessem

repetidos dentro de cada recorte, no intuito de não contabilizar os dados de uma mesma

pessoa por mais de uma vez em um mesmo subperíodo. Em recortes distintos, todavia,

os nomes podem vir a se repetir.

Além da análise da procedência entre 1829 e 1859, no final deste estudo

empreenderemos uma averiguação acerca da origem das mães escravas, mas entre 1857

e 1870. Durante todo este recorte, apenas o padre Cândido Lúcio de Almeida, que

assumiu os registros eclesiásticos da localidade em 1857 – embora tenha sido nomeado

pároco colado somente em 1859 (RUBERT, 1998, p. 82), teve por costume anotar se a

mãe era crioula ou africana. Assim, de posse dessa informação, iremos conjecturar o

percentual de mães africanas e de mães nascidas no Brasil, embora, neste momento –

1857-1870, seja evidente que muitas das primeiras já faleceram e/ou perderam seu

potencial reprodutivo, ficando seu número subestimado.

2 Migrações para a fronteira sul da província de São Pedro

2.1 Primeira metade do século XIX

Esclarecidas as idiossincrasias dos registros no que diz respeito às informações

acerca da naturalidade dos pais, passemos agora para os resultados encontrados.

Utilizamos como parâmetro a tipologia estabelecida por Luís A. Farinatti (2010)2:

- Local de análise (para este trabalho, Bagé);

- Rio Grande do Sul;

- Missões3;

- Europa;

1 Entre 1829 e 1859 mais de 20 padres (de diferentes hierarquias eclesiásticas – curas, freis, vigários,

cônegos e reverendos) celebraram um ou mais batismos em Bagé. 2 FARINATTI, op. cit., 2010b.

3 Em geral, índios guaranis migrados dos extintos povos missioneiros, que passaram a pertencer a

Portugal a partir de 1801;

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- África;

- Outras províncias;

- Região Platina;

Contudo, dadas as peculiaridades de nossos registros, fizemos algumas

alterações, agregando outras procedências (como “Piratini” e “Porto-charqueadora”) nos

indivíduos de origem da própria província, ficando esta subdividida da seguinte forma:

Rio Pardo: da região central da província, que englobava as localidades de Rio Pardo,

Cachoeira, Caçapava e Encruzilhada;

Jacuí: localidades de Triunfo, Santo Amaro, Camaquã e Taquari;

Capital: Porto Alegre e Viamão;

Piratini: Piratini, Canguçu, Jaguarão, Serrito e Herval;

Porto-charqueadora: Rio Grande, Pelotas, Estreito, Mostardas e Povo Novo4;

Além disso, adicionamos os casos relativos a categoria “Missões” aos números

correspondentes a categoria “Rio Grande do Sul”. Nossa opção se deve à reduzida

quantidade de indivíduos oriundos daquela região presentes nos batismos de Bagé, fato

que demonstra, inclusive, uma diferença significativa entre o padrão migratório para

Alegrete e a localidade aqui analisada. Os poucos indivíduos que tiveram sua origem

assinalada como sendo de “Missões”, cabe frisar, não tiveram sua localidade específica

dentro daquela região descrita pelos párocos.

Em todos os períodos, a maior parte das mães e dos pais era proveniente da

própria província do Rio Grande do Sul, sendo as mães em um percentual maior. No

primeiro recorte temporal, entre 1829 e 1835, em que somente 15,5% das mães e 20,5%

dos pais tiveram sua procedência indicada, poucos genitores eram da própria localidade,

em sua maioria mulheres.

Nenhuma das mães era proveniente da Europa, enquanto oito pais migraram da

Espanha, França e, principalmente, Portugal. Da mesma forma, somente uma genitora

era de outra província, sendo que oito pais eram de outras partes do Império5.

4 As três primeiras “regiões” foram elaboradas por Luís A. Farinatti. Quando formos apresentar as

procedências de dentro da província, iremos incluir, novamente, Bagé. 5 A mãe era de São Paulo e os pais da mesma província, Pernambuco, Santa Catarina e Minas Gerais.

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Tabela 1 – Procedência dos pais conforme os registros de batismos, Bagé, 1829-

1835

-

Rio

Grande

do Sul

África Outras

províncias

Região

Platina Europa Total

Pais 36 1 8 4 8 57

% 63% 2% 14% 7% 14% 100%

Mães 54 3 1 3 - 61

% 88,5% 5% 1,5% 5% - 100% Arquivo da Diocese de Bagé. Registros de Batismo da Igreja de Bagé. Livro 1.

Em relação aos naturais do Rio Grande do Sul, a maioria daqueles 36 pais era da

região de Rio Pardo e de Piratini (dezessete ao todo). Neste primeiro momento, apenas

um genitor era natural de Bagé. Do mesmo modo, somente um era da região das

Missões, contudo, há que se destacar que era um índio migrado que pertencia,

provavelmente, à elite militar missioneira. Teodoro José Choy (grafado também como

Chohy e Xoy) teve, em um dos batismos de seus filhos com Senhorinha Fernandes de

Magalhães, natural de Bagé, seu nome antecedido de Capitão6. Por fim, onze pais

tiveram sua origem grafada como sendo apenas “desta província”.

Por sua vez, das 54 mães naturais do Rio Grande do Sul, apesar da maioria ser

das regiões de Rio Pardo e Piratini (24 ao todo), oito genitoras eram da própria

localidade, todas casadas com homens migrados. Importante destacar que destas oito,

cinco eram filhas dos primeiros moradores, que enviaram um requerimento às

autoridades no Rio de Janeiro, rogando a graça de erguer uma capela na localidade

(MATHEUS, 2014)7. Dona Ana Coronel Fagundes, filha de João Francisco Moraes

Fagundes, um dos primeiros potentados da localidade, casou com o Alferes Boaventura

Coronel8; Dona Cândida Firmina de Oliveira, filha de Zeferino Fagundes de Oliveira,

juiz de paz da localidade no início da década de 1830, casou com o português João

6 Arquivo da Diocese de Bagé (doravante ADB). Registros de Batismo da Igreja de Bagé (doravante

RBIB). Livro 1, p. 112. 7 ADB. RBIB. Livro 1, pp. 6v, 8, 28, 112 e 120.

8 ADB. RBIB. Livro 1, p. 6v. Nesta, e nas próximas citações, as informações acerca dos matrimônios das

filhas dos primeiros moradores de Bagé foram retiradas dos registros de batismos dos filhos (todos

legítimos) destes casais e não propriamente de seus casamentos. O primeiro livro de matrimônios de São

Sebastião de Bagé, infelizmente, foi perdido. O segundo livro inicia somente em 1839.

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Antônio Rosado9; Dona Clara Regina da Fontoura, filha de Brísida de Oliveira (uma

das duas únicas mulheres presentes no requerimento, viúva do Tenente Pedro Carneiro

da Fontoura), casou com Alexandre Simões Pires, descendente do português Mateus

Simões Pires, um dos primeiros povoadores da capitania de São Pedro, migrado de

Colônia do Sacramento em meados do século XVIII10

; Dona Delfina Riet Fagundes,

filha do Capitão Pedro Fagundes de Oliveira, casou com o paulista Irineu Riet de la

Rocha (ou Roche)11

.

Assim, precedia-se um movimento em que os mais antigos ocupantes de Bagé

(i.e., sua primeira elite, dada a característica do requerimento citado) casavam suas

filhas com, possivelmente, homens de cabedais que estavam, naquele momento,

migrando para a fronteira ou com filhos de famílias ilustres de outras localidades da

província. Foi o caso, inclusive, de Senhorinha F. de Magalhães, como vimos acima,

também natural de Bagé e que casou com um indivíduo com certo status militar (o

Capitão Teodoro José), algo importante naquele contexto, que migrou para a fronteira

sul da província.

No segundo período, em que o percentual de registros que traz a informação

sobre a procedência dos genitores saltou para mais de 70% em média, aumentou o

número de mães e, principalmente, de pais de outras províncias (de São Paulo, Bahia,

Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Pernambuco) e da

região Platina (embora não em termos percentuais). O mesmo ocorreu com os pais

advindos da Europa (da Espanha, França, Alemanha, Grã Bretanha e, especialmente, de

Portugal).

Por outro lado, só que agora com dados substanciais, confirma-se a absoluta

maioria de pais e mães naturais da própria província. E, novamente, as regiões de Rio

Pardo (com 119 mães e 114 pais) e Piratini (117 e 69, respectivamente) foram de onde

mais genitores migraram para Bagé. Outro crescimento foi o dos pais nascidos na

própria localidade: nada menos do que 101 mães (contra oito do recorte anterior) e 53

pais eram naturais de Bagé.

9 ADB. RBIB. Livro 1, p. 112v. Sobre o cargo de juiz de paz do pai de Cândida de Oliveira, ver: APERS.

Registro de Inventário. Antônio Pereira Bueno, Comarca de Rio Pardo, Fundo 007, I Vara da Família, nº

20, 1833. 10

ADB. RBIB. Livro 1, p. 28. Sobre Mateus S. Pires, ver: PETIZ, 2008. 11

ADB. RBIB. Livro 1, p 120.

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Tabela 2 – Procedência dos pais conforme os registros de batismos, Bagé (1836-

1844)

-

Rio

Grande

do Sul

África Outras

províncias

Região

Platina Europa Total

Pais 336 - 40 16 37 429

% 78,5% - 9,5% 3,5% 8,5% 100%

Mães 460 2 13 19 2 496

% 92,5% 0,5% 2,5% 4% 0,5% 100% Arquivo da Diocese de Bagé. Registros de Batismo da Igreja de Bagé. Livros 1, 2 e 4B.

Alguns movimentos menos importantes também ocorrem, como o das 21 mães e

sete pais naturais das Missões; as 30 mães e 32 pais da região Porto-charqueadora; os 14

e 29, respectivamente, provenientes da Capital; e, em igual número, 18 genitores da

Região do Jacuí.

Entre 1845 e 1850 temos 2.677 registros de batismos, dentre os quais 1.928

(72%) informam a origem dos pais. Se nos dois primeiros períodos os genitores da

região Platina ainda eram em número insignificante, no terceiro recorte há um aumento

significativo no número de pais da Confederação Argentina, Paraguai e, principalmente,

da Banda Oriental. Provavelmente o agravamento do conflito interno da Banda Oriental,

entre os partidários dos Blancos e Colorados, pode ter forçado uma migração

conjuntural.

John Charles Chasteen, estudando a trajetória da família Saraiva pela fronteira

entre o Rio Grande do Sul e a Banda Oriental, percebeu este movimento. Depois que o

casal Francisco Saraiva e Maria Angélica Saraiva migraram, no início da década de

1830, para o departamento de Cerro Largo, em 1845, quando já estava viúva, Maria

Angélica voltou com seus filhos para o Rio Grande do Sul. Para John Chasteen,

provavelmente o fim da Farroupilha aliado com o acirramento dos conflitos do lado

oriental podem ter agido no sentido de influenciar as estratégias dessa família em

movimentar-se pela fronteira (CHASTEEN, 2003, pp. 38-45).

Nos dois primeiros recortes, o percentual de genitores da região do Prata girou

em torno de 3,5% a 7%, para na segunda metade da década de 1840 chegar a 14% dos

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pais e 21% das mães. Esta diferença está justamente no fato de um grande número de

filhos naturais de mães orientais serem batizados neste interstício de tempo.

Tabela 3 – Procedência dos pais conforme os registros de batismos, Bagé (1845-

1850)

-

Rio

Grande

do Sul

África Outras

províncias

Região

Platina Europa Total

Pais 652 2 61 135 96 946

% 69% 0,5% 6,5% 14% 10% 100%

Mães 773 15 8 165 21 982

% 79,5% 1,5% 1% 21% 2% 100% Arquivo da Diocese de Bagé. Registros de Batismo da Igreja de Bagé. Livros 1, 2, 3 e 4B.

O percentual de genitores da própria província diminui em relação ao período

anterior: para os pais, de 78,5% para 69%; para as mães, de 92,5% para 79,5%. No

geral, entretanto, os pais e mães provenientes do Rio Grande do Sul continuam a ser a

grande maioria.

As mães da própria localidade, como seria de se esperar, aumentaram

significativamente. Na realidade, elas dobraram seu número: de 101 para 200 mães

entre 1845 e 1850. Os pais naturais de Bagé, por sua vez, saltaram de 53 para 127. Já

entre os migrantes, em ambos os casos, a região de Piratini passou a ser a mais

importante, embora Rio Pardo continue a ter relevância. Entre as mães, 152 mulheres

eram de Piratini e 104 de Rio Pardo; entre os pais, 108 e 99, respectivamente.

A se destacar a quantidade de pais oriundos de outras províncias e da Europa. Os

primeiros representaram 6,5% dos genitores (vindos de São Paulo, Bahia, Santa

Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pará, Paraíba Espírito Santo e Pernambuco). Já

os emigrados do continente europeu chegaram a relevantes 10% (da Espanha, França,

Alemanha, Itália e, de novo majoritariamente, Portugal). Somamos aos de “Portugal” o

caso de João Francisco Pereira Leôncio. Nos registros de batismos de seus dois filhos

com a liberta Luiza Francisca, ex-escrava do mesmo, João Francisco é como

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proveniente da “Ásia”12

. Porém, em seu testamento, ele descreve ser da “Ásia,

possessão portuguesa”13

.

2.2 Segunda metade do século XIX

Durante a década de 1850, os percentuais relativos à procedência dos genitores

que registraram seus filhos em Bagé tendem a estabilizar, seguindo a tendência

encontrada para o período entre o final da Revolução Farroupilha e 1850. Há apenas

duas exceções: o percentual de genitores oriundos da região Platina, de ambos os sexos,

apresenta decréscimo constante; por sua vez, a porcentagem de pais oriundos da Europa

cresce também constantemente. Para o período entre 1851 e 1859, os párocos

registraram a procedência de 68,5% das mães e de 58,5% dos pais, com variação de

0,1% (para mais ou menos) entre a primeira e a segunda metade da década.

Tabela 4 – Procedência dos pais conforme os registros de batismos, Bagé (1851-

1855)

-

Rio

Grande

do Sul

África Outras

províncias

Região

Platina Europa Total

Pais 709 1 64 118 120 1.012

% 70% 0% 6,5% 11,5% 12% 100

Mães 1.032 5 15 196 28 1.276

% 81% 0,5% 1% 15,5% 2% 100 Arquivo da Diocese de Bagé. Registros de Batismo da Igreja de Bagé. Livros 1, 2, 3 e 4B.

Para a primeira metade da década os percentuais de genitores naturais do Rio

Grande do Sul seguem, como já apontado acima, a tendência dos últimos anos da

década de 1840, girando em torno de 70% e 80%, respectivamente, para pais e mães.

Neste primeiro período, porém, há um significativo aumento do número absoluto de

mães nascidas na Província, o qual aumenta de 773 registros no período anterior para

12

ADB. RBIB. Livro 3, p. 42v e Livro 4A, p. 36v. 13

APERS. Registro de Testamento. João Francisco Pereira Leôncio, nº 161, maço 6, estante 46, 1859. Em

um dos batismos consta que Luiza Francisca era africana, contudo, no outro consta ela ser de

Pernambuco. Na sua carta de alforria também está escrito que Luiza é de Pernambuco. Ver: APERS.

Livros Notariais de Registros Diversos, Fundo Bagé, 1º Tabelionato, livro 2, p. 76r.

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1.032 neste recorte, como demonstra a Tabela 4 (acima). A quantidade de pais também

aumenta, mas não de maneira tão significativa.

Há ainda, neste momento, uma diferença importante com relação aos períodos

anteriores: os párocos especificam muito raramente a localidade na qual os genitores

naturais do Rio Grande do Sul nasceram (2% e 5% para pais e mães, respectivamente).

Isso inviabiliza a comparação com os períodos anteriores, no que diz respeito à região

específica de origem desses migrantes. Cabe destacar, apesar disso, que dentro desses

percentuais, 8 pais e 43 mães (de um total de 12 e 51, respectivamente) foram

designados como nascidos em Bagé.

Os percentuais de pais e mães oriundos de outras províncias do Império do

Brasil (para este período: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná,

Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo)

permanecem os mesmos com relação ao período anterior. O mesmo ocorre com a

porcentagem de mães advindas de países da Europa. Os números absolutos e

percentuais de pais nascidos nesse continente, porém, aumentam durante este recorte.

Além disso, há que se destacar que os portugueses, predominantes nos três períodos

anteriores, cedem lugar aos espanhóis, os quais predominam neste período em ambos os

sexos. Os portugueses permanecem significativos, sendo os segundos em quantidade na

paróquia, seguidos por franceses, italianos, alemães e ingleses.

De maneira contrária, os percentuais de indivíduos originários da região Platina

diminuem com relação ao período anterior, apesar do aumento do número absoluto de

mães oriundas dessa região. Isso pode ser explicado, de certa forma, pelo arrefecimento

dos conflitos internos na Banda Oriental em 1852. Cremos que nem todos os migrantes,

entretanto, tenham efetuado esse movimento de retorno. Essa hipótese é reforçada a

partir do fato de que, para este recorte, a maioria dos indivíduos contabilizados como

platinos são orientais, seguidos por genitores naturais da Confederação Argentina e do

Paraguai.

Esses percentuais permanecem caindo durante a segunda metade da década de

1850, sendo dessa vez acompanhados também pelos números absolutos, como

demonstra a Tabela 5 (abaixo). O predomínio de indivíduos naturais da Banda Oriental

se mantém, seguido novamente por pais e mães da Confederação Argentina e do

Paraguai.

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Tabela 5 – Procedência dos pais conforme os registros de batismos, Bagé (1856-

1859)

-

Rio

Grande

do Sul

África Outras

províncias

Região

Platina Europa Total

Pais 466 2 48 60 99 675

% 69% 0,5% 7% 9% 14,5% 100

Mães 700 6 7 113 23 849

% 82,5% 1% 1% 13,5% 2% 100 Arquivo da Diocese de Bagé. Registros de Batismo da Igreja de Bagé. Livros 1, 2, 3 e 4B.

De forma contrária, o percentual de pais originados do continente europeu

permanece aumentando, como no período anterior, enquanto a porcentagem de mães

europeias segue estável. Os espanhóis ainda aparecem em maior número, seguidos de

portugueses, italianos, alemães e de um holandês. O percentual dos indivíduos de ambos

os sexos oriundos de outras províncias do Brasil também se mantém estável com

relação ao recorte anterior, estando aqui incluídas pessoas oriundas da Bahia, do

Maranhão, de Minas Gerais, da Paraíba, do Paraná, de Pernambuco, do Piauí, do Rio de

Janeiro, de Santa Catarina e de São Paulo.

A porcentagem de genitores naturais do Rio Grande do sul também se mantém

estabilizada com relação ao período anterior. Para este recorte, entretanto, as localidades

de origem dos indivíduos são descritas para 55% dos pais e 58,5% das mães. O número

de pessoas nascidas na localidade é majoritário, seguindo a tendência de aumento

encontrada para os três primeiros recortes. Com relação aos migrantes, a região

“Piratini” segue preponderando, sendo seguida por “Rio Pardo”, como no terceiro

período. Além de indivíduos das regiões “Capital”, “Porto-charqueadora” e “Jacuí”, há

uma presença pequena, porém interessante, de genitores nascidos no Norte e no Oeste

da província, algo não constatado para os períodos anteriores, haja vista que essas

regiões foram ocupadas em um mesmo momento (ou posteriormente) que a localidade

aqui analisada.

* * *

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Avaliando os dados universais analisados até aqui, e comparando com as

informações encontradas por de Luís A. Farinatti acerca da migração para a capela de

Alegrete, observamos semelhanças e diferenças. Da mesma forma que para Alegrete, o

movimento originário da região de Rio Pardo foi muito importante em Bagé. No

entanto, nesta última os provenientes de Piratini foram, quase que na mesma proporção,

fundamentais para o aumento populacional da localidade, enquanto em Alegrete os

guaranis oriundos das Missões tiveram um papel fundamental – o que se explica, em

parte, por Bagé ser apenas um posto avançado de uma das estâncias jesuíticas da Missão

de São Miguel, enquanto que o território onde se instalou a Capela de Alegrete era parte

integrante das correntes migratórias internas dos guaranis (GUTIERREZ e

NEUTZLING, 2013, pp. 7-18). É possível observar este resumo no “Mapa 5” (flechas

azuis indicando a migração para Bagé e verdes para Alegrete):

Mapa – Principais rotas migratórias para as capelas fronteiriças de Alegrete e

Bagé, primeira metade do século XIX

Mapa adaptado de: FUNDAÇÃO DE, op. cit., p. 77.

Antes de nos encaminharmos para o final, é fundamental mencionar que o

estudo das correntes migratórias, através dos registros de batismo, revela pormenores

muito interessantes acerca da formação de novas localidades na fronteira sul do Império

do Brasil. Contudo, há que se ter cuidados. Vimos que a região de Rio Pardo foi uma

das que mais forneceu homens e mulheres que migraram para Bagé. No entanto, como

bem assinala Luís Augusto Farinatti, “é possível mesmo que alguns dos genitores que

compareceram à pia batismal dizendo-se naturais de Rio Pardo fossem nascidos nas

terras recém-conquistadas, onde ainda não havia capela, e tivessem sido batizados em

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13

Rio Pardo”14

. Acreditamos que essa mesma sentença possa seja válida para Bagé,

acrescentando, entretanto, a localidade de Piratini para o caso aqui analisado. Por outro

lado, alguns daqueles homens e mulheres que tiveram um ou mais filhos batizados na

capela de Bagé não tivessem residência fixa na localidade, estando de passagem pela

mesma. Vejamos apenas um caso, que ilustra bem esta questão.

Em março de 1838, Maria Amália Borges e Antônio Albano de Oliveira levaram

o pequeno João, seu filho legítimo, à pia batismal em Bagé. Todavia, ao que parece, o

casal não se fixou na localidade15

. Além de nunca mais haver batizado filho algum em

Bagé, encontramos o casal, no final da década de 1850, residindo em Uruguaiana,

município no extremo oeste da província16

. Enfim, em uma região de ocupação luso-

brasileira recente e que atraia fluxos migratórios consideráveis, é preciso cuidado para

não congelarmos a sua população, a qual boa parte ainda estava em processo de

mobilidade espacial em busca do acesso aos meios produtivos (terra, principalmente) e

a oportunidades de trabalho.

Por fim, o período em que temos as informações sobre as mães escravas

(lembrando, de 1857, quando Cândido Lúcio de Almeida assumiu o comando da

Freguesia, até 187017

). Durante estes quase treze anos, em 1.187 registros foi anotada a

naturalidade da mãe do rebento. Destas, 170 (ou 14,5%) eram africanas e 1.017 (85,5%)

crioulas.

Eliminando as mães repetidas, isto é, que tiveram dois ou mais filhos, sobram no

total 707 genitoras: 610 crioulas (ou 86,5%) e 97 africanas (13,5%). A pequena

diminuição no percentual de africanas advém do fato de que algumas destas mães

tiveram uma quantidade de filhos maior do que algumas crioulas, como é o caso de

Joana, escrava de Antônio Ferreira Porto. No espaço de quase doze anos (1856-1867,

tomando como base a data de nascimento dos rebentos), Joana teve seis filhos, um a

14

FARINATTI, op. cit., 2010. 15

ADB. RBIB. Livro 1, p. 59. 16

Tivemos acesso a esta informação devido a um longo processo-crime em que Helena Florentina, ex-

escrava do casal, processa Maria Amália, já viúva de Antônio Albano. APERS. Processos-crime,

Uruguaiana, I Vara do Cível e Crime, nº 2399, 1857. 17

Na verdade, Cândido Lúcio ficou até 1872, porém, nos restringimos ao recorte proposto neste estudo.

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cada dois anos18

. A também africana Teresa, escrava de Laurindo José Colares, teve seis

filhos no mesmo espaço de tempo que Joana (1857-1869)19

.

Por óbvio, algumas crioulas tiveram uma quantidade significativa de filhos. Rita,

escrava de Januário Barbosa do Prado, teve seis filhos entre os anos de 1857 e 186720

.

Já Domingas, escrava de Laurentino Meneses de Sousa, teve nada menos que nove

filhos no período de quinze anos (1854-1869)21

. De fato, a reprodução natural, de

maneira geral, precisa ser mais bem estudada. Apesar do maior número de crioulas,

estas eram descendentes, diretas ou não, de africanas, tendo, assim, muita influência da

cultura reprodutiva e de criação dos filhos, dentro dos limites colocados pela sociedade

escravista em questão, de suas mães e/ou ascendentes. Por isso, não devemos desprezar

a influência de padrões africanos sobre a reprodução natural das escravarias brasileiras

ao longo do século XIX, mesmo em regiões onde número dos escravos trazidos via

tráfico atlântico não fosse maior que o de crioulos.

Entretanto, a própria fonte coloca impeditivos para a análise do fenômeno

descrito acima. Nos registros de batismos de Bagé, a indicação da nação da mãe (ou dos

poucos pais descritos como africanos) é irrisória, para não dizer nula. Deste modo,

talvez apenas através do cruzamento com outras fontes, como os inventários post-

mortem, poderemos ter alguma noção de que região da África migrou (forçosamente) a

maioria dos escravos que vieram parar na localidade.

3 Considerações finais

A grande migração de luso-brasileiros em direção à fronteira sul da província na

primeira metade do século XIX foi uma das maiores características desta região. Uma

fronteira agrária ainda aberta foi um dos atrativos e uma das razões que levou muitas

famílias a tomarem este rumo. As guerras que frequentemente assolavam a região foram

outro importante fator migratório, já que muitos recrutados se estabeleciam nas

localidades que iam se formando ao longo da fronteira.

Mas nem só luso-brasileiros para lá se dirigiram, como foi possível perceber ao

longo do texto. E isto não passou despercebido para o Conde d’Eu, esposo da princesa

18

ADB. RBIB. Livro 4B, pp. 71, 170v e 171. 19

ADB. RBIB. Livro 4B, pp. 24, 51, 98, 125v, 133 e 172. 20

ADB. RBIB. Livro 4B, pp. 67 e 140. 21

ADB. RBIB. Livro 3, p. 147v e Livro 4B, pp. 25v, 54v, 109v, 122, 144 e 173.

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Isabel, que passou por Bagé na volta da retomada de Uruguaiana, então sob posse do

exército paraguaio. Em seu diário de viagem de retomada de Uruguaiana, quando

acompanhou o imperador Dom Pedro II, o Conde assim registrou sua impressão sobre

Bagé:

Às nove horas fazemos a nossa entrada em Bagé, cidade de ruas largas, a que

dá alegre aspecto um sol brilhante e número infinito de bandeiras europeias

(espanholas, portuguesas, francesas, italianas e suíças). Quase que não há

uma casa que não tenha bandeira, e ao vê-las, fica-se sem saber onde é que

mora a população brasileira de Bagé (CONDE D’EU, 1936, p. 20322

).

Cremos que os registros de batismo, apesar de anteriores a passagem do Conde

por Bagé, corroboram sua observação. A presença percentual de imigrantes, em especial

europeus, é significativa na cidade, como demonstramos acima. Essa presença é

corroborada pela criação da Sociedade Espanhola de Socorros e Beneficência de Bagé,

em 1868, e da Sociedade Italiana de Socorro Mútuo e Beneficência, em 1871. Enquanto

esta é a mais antiga sociedade de italianos do Rio Grande do Sul, aquela é a mais antiga

sociedade de espanhóis do Brasil (GARCIA e LEMIESZEK, 2013, pp. 42-45).

Conforme demonstramos, a presença de espanhóis aumenta significativamente

durante a década de 1850. Apesar de ser fundada quase 10 anos após o período aqui

analisado, nada menos do que 9 dos 15 membros da primeira diretoria da Sociedade

Espanhola de Bagé já aparecem registrando seus filhos na paróquia antes de 1859, o que

demonstra o enraizamento desses imigrantes na localidade aqui analisada.

O exemplo acima demonstra que, na falta de fontes apropriadas, como registros

de entrada e saída de moradores ou mesmo listas de fogos, os registros de batismo são

bastante úteis para captarmos boa parte dos movimentos migratórios. Enquanto fonte

homogênea (em relação ao seu conteúdo, muito embora não fosse uma obrigação do

pároco informar de onde os pais eram oriundos) e reiterativa (que se repete ao longo do

tempo), os batismos, utilizados com cuidado e com todas as ressalvas necessárias,

podem contribuir para um melhor entendimento da composição social – ao menos para

aquelas localidades em que este tipo de documentação está disponível.

22

Conde d’Eu. Viagem Militar ao Rio Grande do Sul (1936). Disponível em: < http://www.brasiliana.com.br/obras/viagem-militar-ao-rio-grande-do-sul/preambulo/1>, Acesso em 12 de

março de 2014.

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16

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