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24 24 24 24 24 Agroecol. e Desenvol. Rur. Sustent. Porto Alegre, v.3, n.4, out/dez 2002 R E xperiência elato de Leite a pasto: a experiência de Vista Gaúcha Sangaletti, Valdir * Resumo A produção de leite a pasto, mediante a adoção por 304 agricultores do pastoreio rotativo, com melhoria das pastagens, e in- trodução, em 20 unidades de produção do uso de fitoterápicos, tem permitido aos produto- res de leite do município de Vista Gaúcha (RS) elevar a produtividade do rebanho leiteiro em mais de 50%, proporcionando uma regulari- dade maior na produção. Em 4 anos de tra- balho, os resultados positivos nos campos * Tecnólogo em Administração Rural, Técnico Agrícola e Extensionista Rural da EMATER/RS. Colaboraram a Extensionista Rural da EMATER/RS, Sirlei J. C. Vogt, e os Técnicos Agrícolas da Prefeitura de Vista Gaúcha, Odacir José Lucatelli, Jadir Lopes, Romildo Wink e Alessandro Silvestre. Contou também com o apoio da equipe do Núcleo de Investigação Participativa da Divisão de Apoio Técnico da EMATER/RS. ambiental, social e econômico foram signifi- cativos, com destaque para a redução do cus- to de produção do litro de leite e a diminuição da penosidade no trabalho. Palavras-chave: pastoreio rotativo, leite, fitoterapia, produção de leite a pasto. 1 Contexto O município de Vista Gaúcha está locali- zado em uma área que, originalmente, foi to- talmente coberta por uma floresta densa e rica em biodiversidade. Atualmente, a cobertura florestal do município, considerando-se as chamadas capoeiras, atinge apenas 20% da área total. Muitas espécies florestais tiveram sua população reduzida e a fauna quase dizi- mada no que se refere a mamíferos. As águas, várias sangas e lajeados de pouca vazão, muito assoreados, diminuem consideravelmente o

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Leite a pasto: a experiência de Vista Gaúcha

Sangaletti, Valdir *

ResumoA produção de leite a pasto, mediante a

adoção por 304 agricultores do pastoreiorotativo, com melhoria das pastagens, e in-trodução, em 20 unidades de produção do usode fitoterápicos, tem permitido aos produto-res de leite do município de Vista Gaúcha (RS)elevar a produtividade do rebanho leiteiro emmais de 50%, proporcionando uma regulari-dade maior na produção. Em 4 anos de tra-balho, os resultados positivos nos campos

* Tecnólogo em Administração Rural, Técnico Agrícola eExtensionista Rural da EMATER/RS. Colaboraram a

Extensionista Rural da EMATER/RS, Sirlei J. C. Vogt, eos Técnicos Agrícolas da Prefeitura de Vista Gaúcha,Odacir José Lucatelli, Jadir Lopes, Romildo Wink e

Alessandro Silvestre. Contou também com o apoio daequipe do Núcleo de Investigação Participativa da

Divisão de Apoio Técnico da EMATER/RS.

ambiental, social e econômico foram signifi-cativos, com destaque para a redução do cus-to de produção do litro de leite e a diminuiçãoda penosidade no trabalho.

Palavras-chave: pastoreio rotativo, leite,fitoterapia, produção de leite a pasto.

1 ContextoO município de Vista Gaúcha está locali-

zado em uma área que, originalmente, foi to-talmente coberta por uma floresta densa e ricaem biodiversidade. Atualmente, a coberturaflorestal do município, considerando-se aschamadas capoeiras, atinge apenas 20% daárea total. Muitas espécies florestais tiveramsua população reduzida e a fauna quase dizi-mada no que se refere a mamíferos. As águas,várias sangas e lajeados de pouca vazão, muitoassoreados, diminuem consideravelmente o

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volume de água em época de estiagem. O cur-so de água de maior calado no município é oRio Guarita, com faixas de matas ciliares es-treitas e descontínuas. O solo é explorado deforma mecanizada em áreas de topografia maisfavorável em 40% das terras do município.Nas áreas de encosta basáltica, representan-do o restante do município, com umadeclividade média de 40%, a exploração dosolo se dá com a utilização de tração animal.

Vista Gaúcha se emancipou de TenentePortela e os primeiros colonizadores vieramdos municípios gaúchos de Garibaldi, SantaCruz do Sul, Estrela e Encantado. Hoje, etni-camente, 60% da população é italiana, 25%de portugueses, 10% de alemães e 5% polo-neses. Localiza-se na região Noroeste do Es-tado e está a 500 quilômetros de Porto Alegre.

O município de Vista Gaúcha, com 14 anosde existência, caracteriza-se pela predominân-cia de pequenas propriedades, exploradas commão-de-obra familiar, onde 81% das unida-des de produção possuem até 20 ha. Histori-camente, a matriz produtiva do município, àsemelhança de toda a região, estava alicerçadano binômio trigo-soja e produção leiteira emmenor importância. Hoje a matriz produtivabaseia-se na produção de suínos, aviculturade corte, soja, leite, fumo, milho, trigo, sendoque destaca-se a produção de suínos pelo re-torno do ICMS (Imposto sobre Circulação deMercadorias e Serviços) ao município (equi-valente a 41,4% do total) e a produção de leitepelo número de produtores envolvidos (380produtores, 65% dos produtores do municí-pio) e pela alternativa de renda mensal, con-tribuindo para a manutenção da família nasua unidade de produção.

As unidades de produção envolvidas naatividade de pastoreio rotativo caracterizam-se por ser de produção familiar, cujos estabe-lecimentos rurais possuem em média 12,4ha. Estas áreas produtoras de leite tinhamcomo carro chefe da alimentação para o gado

leiteiro a silagem de milho, ração comprada etambém se utilizavam do pasto picado, semmuita preocupação com o manejo de dejetos,uso da mão-de-obra, custo de produção emargem bruta da atividade.

As pequenas áreas destinadas à explora-ção da atividade leiteira, sua topografia, bemcomo sua fertilidade exaurida ao longo dosanos por um modelo praticamente extrativis-ta baseado em atividades e técnicas sem ne-nhuma preocupação conservacionista, colo-caram os produtores em situação limite quan-to à permanência no processo produtivo, bemcomo a própria capacidade de reproduzir suasobrevivência.

As famílias são pequenas, em média doisfilhos, sendo que a mulher tem participaçãodecisiva no trabalho e nas decisões, fato esteidentificado nas 75 famílias participantes dotrabalho de Gestão Agrícola1. Normalmente éo casal que se dedica ao trabalho no processoprodutivo da unidade de produção.

Fruto de uma construção coletiva entreprodutores em parceria com o Escritório Mu-nicipal da EMATER/RS e a Secretaria Muni-cipal de Agropecuária e Meio Ambiente, o pas-toreio rotativo é indicado, um consenso, comoalternativa capaz de dar sustentabilidade aoprocesso, uma vez que aproveita os fatoresinternos existentes e diminui ao máximo aentrada de fatores externos, após umareestruturação inicial.

Diminuição de custos, maior estabilidadeda produção, diminuição da dependência defatores externos, maior aproveitamento dascondições naturais de clima e solo, são algunsdos resultados alcançados pelas famílias queadotaram o pastoreio rotativo dentro do pro-cesso de produção de leite.

Além dos resultados econômicos eambientais, a adoção desta prática proporcio-nou uma profunda modificação nas relaçõesintrafamiliares, uma vez que propiciou àsmulheres, tradicionalmente executoras da

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atividade, uma diminuição considerável notempo gasto com as atividades de manejo dorebanho. A melhoria na qualidade de vida dasfamílias é uma realidade.

2 Descrição da experiênciaO pastoreio rotativo é uma alternativa co-

locada à disposição da pequena propriedadefamiliar envolvida na produção de leite, quevisa fornecer aos animais um pasto jovem,abundante e de boa qualidade na maior partedo ano. A atividade leiteira é muito importan-te na matriz produtiva do município em fun-ção do fluxo de caixa mensal e o pastoreiorotativo é fundamental dentro do planejamen-to alimentar da atividade.

Dos 380 produtores de leite do município,80% utilizam o sistema de produção de leite apasto e, destes, 75 produtores têm acompa-nhamento direto através do programa de Ges-tão Agrícola, que fornece o desempenho téc-nico-econômico da atividade. O trabalho demonitoramento iniciou em 1998 e mostra aviabilidade do pastoreio rotativo para a pro-priedade familiar.

O sistema de pastoreio rotativo está bas-tante difundido no município, tendo por baseo uso da grama tifton 85 como pastagem pe-rene principal, além de algumas áreas de tre-vo branco, brachiaria e capim tanzânia. Comoalternativa de verão, recomenda-se a utiliza-ção do capim sudão e o milheto, e de inverno,azevém, aveia e ervilhaca. Cabe destacar obom funcionamento dos consórcios azevém xaveia e azevém e ervilhaca no meio da gramatifton, o que permite praticamente fechar ociclo anual com pastagens. A orientação é paraque o plantio das forrageiras anuais seja feitoem três etapas, com espaço de 25 dias entreum plantio e outro, possibilitando melhormanejo das pastagens.

Recomenda-se o seguinte esquema de plan-tio de forrageiras:

• tifton 85 - perene principal - saída do in-verno;

• trevo branco - a partir do mês de março;• aveia preta - início em março e plantio

em três épocas, com intervalo de 25 dias;• azevém e ervilhaca no meio da grama -

na primeira quinzena do mês de maio;• milheto e capim sudão - início em agos-

to/setembro e plantio em três épocas.O plantio da grama tifton 85 acontece sem-

pre a partir do mês de setembro, com solopreparado, adubado com esterco de suínos oucama de aviário e umidade. As mudas têmum índice de pegamento alto, fechando a áreae dando condições de pastejo em 60 dias.

A fertilização das áreas é basicamente comesterco líquido de suínos (60% da distribui-ção do esterco é por gravidade), sendo utiliza-do em algumas propriedades cama de aviá-rio, adubo químico e calcário, devido a demo-ra no atendimento aos pedidos de distribui-ção do esterco de suínos.

Os dejetos de suínos são produzidos em50 estabelecimentos rurais, que possuem es-terqueiras revestidas de concreto e/ousolocimento para armazenar o esterco. Sali-enta-se que 80% dos produtores de suínostambém são produtores de leite, utilizandoos dejetos produzidos na própria unidade deprodução e o excedente é liberado, sem cus-to, aos demais produtores do município, quearmazenam em esterqueiras com capacida-de média de 40.000 l, construídas de solo-cimento e concreto, na parte mais alta dapropriedade para possibilitar a fertilizaçãopor gravidade.

Essa distribuição de dejetos de suínos naspastagens e o transporte dos dejetos com ca-minhões tanques para as esterqueiras, paraposterior distribuição por gravidade, é reali-zada pela Associação de Desenvolvimento Co-munitário e Agrícola (ADCA), com subsídioda Prefeitura Municipal2. A ADCA, contandocom uma patrulha agrícola composta por três

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caminhões tanques e dois distribuidorescom trator, realiza o transporte do estercoaté os estabelecimentos a um custo, por pro-dutor, de R$ 2,00 por carga de 8.500l.

Na produção de leite a pasto, opiqueteamento da área é fundamental. Re-comenda-se, inicialmente, 30 piquetes divi-didos com cerca elétrica, de aproximadamen-te 50m2 por vaca em produção. Porém, cadaunidade de produção tem suas particularida-des e o número e tamanho dos piquetes temque ser definido propriedade por propriedade,levando em conta o tipo de solo, tamanho dosanimais, qualidade da forragem, fertilidadedo solo e estação do ano. Destaca-se a impor-tância da presença de água e sombra nos pi-quetes para auxiliar no bem-estar animal.

O piqueteamento é fator básico para quea forragem possa recuperar o valor nutriti-vo antes do próximo pastejo, auxiliando nocontrole de pragas e doenças, permitindo aconstante reposição de nutrientes ao solo,seja pela urina ou pelo esterco dos animais.Já a presença de água e sombra nos pique-tes possibilita a permanência, por maiortempo, dos animais na área, saindo somen-te para a ordenha.

Como citado anteriormente, a grama tifton85 é a principal forrageira perene utilizada nosistema de pastoreio rotativo, sendo impor-tante considerar alguns pontos no que se re-fere ao uso desta gramínea: é muito exigenteem fertilidade, dando boa resposta à aplica-ção de dejetos de suínos; não se desenvolveno inverno; necessita de roçadas constantespara rebaixamento visando a renovação e di-minuição dos talos; permite, no inverno, asemeadura de azevém, ervilhaca e trevo namesma área formando um bom consórcio,porém recomenda-se a rotação de consórciono inverno, utilizando sempre um terço daárea para possibilitar descanso e recupera-ção da área.

Para as unidades de produção que partici-

pam do Programa de Gestão Agrícola é feitoum planejamento para o plantio das forragei-ras sendo que o Fundo de DesenvolvimentoRural (FUNDERUR)3 do município disponibi-liza semente das forrageiras de inverno no sis-tema troca-troca, em março, e de verão, emsetembro, para que o plantio seja feito comantecedência e o ciclo seja completado.

Quando do inicio do processo de adoçãodo pastoreio rotativo, tanto produtores, quantotécnicos, tinham em mente alcançar os se-guintes objetivos: a manutenção da atividadeprodutiva como base de sustentação econô-mica capaz de reproduzir a sua própria con-dição de agricultor e a manutenção do meioambiente, dentro de um enfoqueagroecológico.

A adoção do Sistema de Pastoreio Rotativocontempla esses dois eixos principais, umavez que propicia:

• diminuição dos custos de alimentação dorebanho via diminuição de alimentos concen-trados e/ou manufaturados fornecidos dire-tamente no cocho aos animais;

• produção da base alimentar do rebanhointrapropriedade, diminuindo a dependênciaa fatores externos, pois os alimentos consu-midos pelos animais são produzidos na uni-dade de produção;

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• diminuição no tempo gasto na atividade(menor penosidade), uma vez que o animalcolhe seu próprio pasto no campo (que éabundante), que prescinde do corte do pas-to e seu transporte até o cocho; a distribui-ção do esterco por gravidade facilita o traba-lho de fertilização da pastagem; sendo que,ainda, a disposição dos piquetes e a localiza-ção das áreas de pastagens perto da sede fa-cilitam o deslocamento dos animais. Istoresultou em melhor qualidade de vida, poisas famílias passaram a conversar mais, tro-car idéias e a cuidar mais das relações hu-manas, além de se dedicar a outras ativida-des, principalmente a produção para subsis-tência e renda não-agrícola;

• diminuição dos custos de implantação deforrageiras através da mudança da composi-ção de espécies formadoras da pastagem. Tro-ca de espécies anuais por espécies perenes;

• diminuição dos riscos de erosão pela mai-or cobertura do solo por mais tempo e pelomenor número de operações necessárias paraa implantação das pastagens. Estas áreasnormalmente eram utilizados para produçãode milho e soja, ficando grande parte do perí-odo expostas aos efeitos do sol e da chuva,reduzindo cada vez mais o potencial de pro-dução e contribuindo para o assoreamento

dos rios pelo efeito da erosão;• aproveitamento ao máxi-

mo do potencial fisiológico dasespécies, adaptadas ao ambi-ente, através do pastoreio con-trolado;

• aproveitamento dosdejetos dos próprios animais,reciclados naturalmente du-rante o processo de pousio daspastagens.

A assistência técnica é fei-ta em parceria pela EMATER/RS e pela Secretaria Munici-pal da Agropecuária e MeioAmbiente, contemplando os

campos social, ambiental e econômico, sen-do que a Secretaria ainda presta assistênciaveterinária gratuita abrangendo o atendi-mento clínico convencional e, junto com aEMATER/RS, orientação para a adoção dafitoterapia animal, com uso de ervas medici-nais para o controle, principalmente, damamite, do carrapato e do berne, mantendo,ainda, serviço subsidiado de inseminação ar-tificial.

O trabalho com pastoreio rotativo no muni-cípio começou em 1998, com um curso decapacitação na área de produção leiteira, ondeos participantes identificaram a alimentaçãodo rebanho como o principal entrave para umdesenvolvimento maior da atividade. Parabuscar conhecimento, organizou-se uma via-gem de estudo a Crissiumal (RS) para conhe-cer o sistema de produção de leite a pasto euso do sistema rotativo de pastagens. Em se-guida, o agricultor Anselmo Lorenzi implan-tou o sistema em uma área pedregosa com maisde 45% de declividade, obtendo ótimo resulta-do. Realizou-se um dia de campo nesta propri-edade com participação de produtores de Vis-ta Gaúcha e da região, com bom fluxo de pes-soas. A partir do dia de campo, o sistema co-meçou a ser expandido e hoje é o carro chefe

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da alimentação do rebanho bovino leiteiro.Este sistema baseia-se na proposta de que,para a agricultura familiar, é mais importan-te produzir bem do que produzir bastante.

Destaca-se a parceria, na assistênciatécnica, entre a EMATER/RS, SecretariaMunicipal da Agropecuária e Meio Ambien-te e a ADCA, onde todos defendem o siste-ma de pastoreio rotativo e priorizam a ati-vidade leiteira. O nivelamento é feito na reu-nião semanal das entidades ligadas ao se-tor agropecuário. Cita-se os recursosalocados no FUNDERUR destinanados à ati-vidade leiteira para investimento e custeio,como construção de esterqueiras de solo-cimento, equipamentos, aquisição de se-mentes de forrageiras, cama de aviário eoutros.

Através do Programa de Gestão Agrícola,80 estabeleci-mentos sãomonitorados, dosquais 75 adotam osistema de pasto-reio rotativo, sen-do que as outrascinco não produ-zem leite para ocomércio. Esteacompanhamentoconsiste em pro-porcionar à família assistência técnica noscampos econômico, social e ambiental, alémde realizar a contabilidade agrícola gerencialdas unidades de produção através do sistemaCONTAGRI4. Este trabalho tem permitido dis-cutir com as famílias e com o Conselho deDesenvolvimento Rural (CONDERUR) qual onível de tecnologia mais adequado às famíli-as de agricultores familiares do município,principalmente no setor leiteiro. Deste tra-balho, participam um técnico da EMATER/RS,quatro técnicos da Secretaria Municipal daAgropecuária e Meio Ambiente e mais o apoio

da Extensionista de Bem-estar Social daEMATER/RS.

3 ResultadosEconômicos:• Maior regularidade na produção de leite.

O percentual médio de diferença entre a mai-or e menor produção passou de 60% para 30%,ou seja, passando em média, de 1.080 l para540 l, por mês.

• Aumentou a margem bruta5 da atividadecom redução do custo de produção6 do litrode leite, conforme exemplos a seguir:

Exemplo 1:Este estabelecimento, considerando dados

históricos de cinco anos, obteve uma evoluçãosignificativa nos principais indicadores econô-micos referentes à atividade leiteira. A produti-

vidade média de litros de leite/vaca/ano teveum crescimento de 82%, sendo que, neste mes-mo período, o preço médio recebido por litro deleite aumentou 72%, basicamente em funçãoda quantidade produzida, já que o plantel deanimais aumentou 51%.

Destaca-se o aumento de 294% da mar-gem bruta/vaca/ano neste período e a peque-na variação no custo variável por litro de lei-te, girando em torno de R$ 0,10/l.

A inclusão do pastoreio rotativo no plane-jamento alimentar, junto com alimentos con-centrados e/ou manufaturados, silagem de

Propriedade: 333014

Localidade: Linha Crespa

Ano Agrícola N° X Animais l Leite/ MB/Vaca Custo Custo Custo Preço

Vaca/Ano Variável Fixo Total Médio

97/98 10,5 3.308 387,04 0,10 0,20 0,30 0,18

98/99 9,0 4.435 577,00 0,10 0,16 0,26 0,22

99/00 10,7 4.361 511,50 0,11 0,12 0,23 0,22

00/01 12,9 5.800 1.098,40 0,09 0,12 0,22 0,266

01/2002 15,9 6.017 1.525,61 0,11 0,07 0,18 0,314

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3 03 03 03 03 0Agroecol. e Desenvol. Rur. Sustent. Porto Alegre, v.3, n.4, out/dez 2002

milho e silagem de grão úmido de milho, pro-porcionou melhoria na produtividade por vacae margem bruta por vaca, mantendo-se pra-ticamente o mesmo custo variável.

Exemplo 2:Esta unidade de produção caracteriza-se

por ser pequena produtora de leite, em fun-ção do número médio de animal lactação em

lactação e do volume de produção. O uso dopastoreio rotativo proporcionou um aumentode 125% de produtividade, passando de 1.178lpara 2.653 l/vaca/ano e a margem bruta/vaca/ano alcançou um aumento de 319,38%,com um custo variável de R$ 0,03/l e um preçomédio recebido, no período, de R$ 0,24/l, con-siderando o período de dois anos. Destaca-seque no ano agrícola de 1999/2000, o sistemautilizado na produção de leite era o conven-cional, com uso de pasto de baixa qualidadecortado longe da sede da propriedade e milhoem espiga. Já no ano agrícola 2000/2001, pe-

ríodo que aconteceu a evo-lução positiva, o sistema dealimentação utilizado era ode produção de leite a pas-to, com uso do sistemarotativo de pastagens.

Destaca-se o alto custofixo7 por litro de leite de R$0,24/l no primeiro ano e R$0,14/l no segundo ano, sendoaceitável um custo fixo de R$0,08/l para este nível de pro-priedade. Este fato deverá sercontornado com acréscimo na

produção, através do aumento do plantel, man-tendo e melhorando sempre o sistema de ali-mentação, permanecendo a mesma estruturaem termos de máquinas, equipamentos e ins-talações.

Os indicadores econômicos desta unidadede produção permitem recomendar aos pe-quenos produtores de leite o uso de animaismistos, adaptados à região e tendo como base

alimentar o pastoreiorotativo, pois esta propri-edade não utiliza ali-mentos concentrados e/ou manufaturados.

• Redução de depen-dência externa, em fun-ção de que a base ali-mentar do rebanho pas-

sou a ser intrapropriedade.• Permite o aproveitamento de área dobra-

das, que eram utilizadas para o cultivo de sojae milho, áreas estas impróprias para o cultivoanual. Agora, exploradas com pastagens pe-renes, em sistema rotativo, diminui fortementea agressão e o impacto ao meio ambiente.

• Maior capacidade de lotação de animaispor hectare, passando de duas cabeças, emmédia, para cinco cabeças por hectare.

Ambientais:

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Propriedade: 333036

Localidade: Linha Tigre II

Ano Agrícola N° X Animais l Leite/ MB/ Custo Custo Custo Preço

Vaca/Ano Vaca Variável Fixo Total Médio

99/00 4,58 1.178 216,52 0,05 0,24 0,29 0,20

00/01 5,0 2.653 908,06 0,03 0,14 0,17 0,24

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• Diminuição da poluição pois, devido apermanência dos animais nos piquetes du-rante dia e noite, os dejetos já ficam distribu-ídos nas pastagens.

• Diminuição da poluição pelos dejetos pro-duzidos nas granjas de suínos e nas pocilgasde terminação existentes no município, pois oresíduo poluente produzido pela suinocultura éutilizado como insumo na produção de leite,minimizando os efeitos negativos no meio am-biente. Dos males o menor.

• A cobertura permanente do solo, evitan-do a erosão e auxiliando o desenvolvimentomicrobiano e a reciclagem dos nutrientes.

• Redução do uso de produtos químicos nocontrole de pragas e doenças, devido a me-lhora do bem-estar dos animais, principalmen-te em função da quantidade e qualidade doalimento fornecido a eles, além do fornecimen-to de abrigo de frio e calor e água.

Transformações socioculturais:• Fato marcante e citado por todas as fa-

mílias foi a diminuição da penosidade, prin-cipalmente das mulheres, que o sistema pro-porcionou, reduzindo em média 50% do tem-po gasto com a atividade.

• O trabalho de divulgação por parte daEMATER/RS do uso da fitoterapia animal estáfazendo com que as famílias reflitam sobre estaalternativa e aos poucos busquem informa-ções para prevenir e controlar pragas e doen-ças neste sistema.

4 Potencialidadese limites da experiência

Pontos fortes e potencialidades:• A tecnologia do pastoreio rotativo é de

baixo custo de implantação, é de fácil enten-dimento e está ao alcance de todos os produ-tores de leite, sendo viável para todos os ní-veis de animais, em termos de genética, per-mitindo avaliação e melhoria constante emcada unidade de produção, respeitando as

particularidades de cada uma.• A integração existente entre as entidades

e técnicos do município facilitou a implanta-ção deste sistema, pois tudo é discutido eanalisado entre os atores.

• Mesmo tendo problemas de organização, osistema de distribuição de esterco (ADCA) é umfator determinante para a viabilização do siste-ma, principalmente com produção a custo baixo.

• A alocação de recursos no sistema troca-troca, pelo FUNDERUR, para construção deesterqueiras e aquisição de sementes de for-rageiras de inverno e verão, consiste em uminstrumento fundamental para viabilizar a im-plantação do esquema forrageiro recomenda-do aos produtores.

• Programa de gerenciamento de proprie-dade agrícola, que permite acompanhamentoe avaliação de 75 unidades de produção nomunicípio, servindo como referencial às de-mais propriedades.

Obstáculos/Ameaças:• A falta de atualização técnica e avaliação

de outras alternativas forrageiras, dos técnicose produtores envolvidos, dificulta a busca denovas alternativas forrageiras, principalmenteperenes, menos exigentes em fertilidade.

• A dificuldade na distribuição regular deesterco de suínos prejudica o desenvolvimen-to das forrageiras para algumas propriedades,que não querem utilizar adubo químico nema utilização de insumos comprados, para nãoaumentar o custo de produção.

• O excesso de chuva e estiagem prolonga-da tem prejudicado o desenvolvimento regu-lar das pastagens.

• O uso intensivo do solo, em áreas im-próprias para o cultivo anual, ao longo dosanos, levou o solo a uma situação de degra-dação. Portanto, a baixa fertilidade pelo usoexcessivo do solo, a declividade média emtorno de 40% e a pedregosidade são fatoresque dificultam o trabalho.

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5 ConclusõesA adoção da tecnologia do pastoreio rotativo

trouxe maior estabilidade para os produtoresde leite do município, auxiliando na sua con-solidação enquanto agricultores familiares;ampliou a interrelação entre diferentes ativi-dades produtivas, no caso, a suinocultora e aprodução de leite, permitindo um destino maisadequado para dejetos poluentes, agora usa-dos como insumos, minimizando efeitos depoluição ambiental, e reforçou a integraçãoentre entidades, técnicos e famílias.

A troca de experiências através de reuniões

BARNAD, G. S.; NIX, J. S. Farm planningand control. London: Cambridge UniversityPress, 1979. 600p.

6 ReferênciasKAY, R. D. Farm management planning,control and implementation. Tokyo: McGraw-Hill, 1981.

1O Programa de Gestão Agrícola objetiva a ob-tenção da referência de índices técnicos e eco-nômicos de sistemas de produção, através domonitoramento (contabilidade gerencial) de es-tabelecimentos rurais, além da assistência técni-ca nos campos econômico, social e ambiental.

2A Prefeitura Municipal de Vista Gaúcha/RS in-veste, anualmente, R$ 130.000,00 na Associa-ção Desenvolvimento Comunitário e Agrícola,para cobrir principalmente despesa de custeio.

3O Fundo de Desenvolvimento Rural do municí-pio de Vista Gaúcha foi criado no ano de 1992,para o qual são carreados do próprio municípioR$ 250.000,00 anualmente, com o objetivo definanciar a família de agricultor familiar, abran-gendo 18 programas.

4O CONTAGRI é um software de contabilidadeagrícola gerencial desenvolvido pela EPAGRI deSanta Catarina.

Notas5A Margem Bruta de uma atividade é o valor totalda produção (incluindo a não vendida) menos osCustos Variáveis atribuídos à atividade (BARNARD& NIX, 1979).

6São todas as obrigações da empresa para a pro-dução de certo produto, incluindo os Custos Alter-nativos ou de Oportunidade. Pode ser definido tam-bém como: somatório dos Custos Diretos e Indire-tos de uma atividade ou somatório dos Custos Va-riáveis e Fixos de uma atividade.

7Custos Fixos são aqueles que existem mesmo queos recursos não sejam utilizados. Eles não variamquando muda o nível de produção sob o controledo administrador no curto prazo (KAY, 1989). Tam-bém, no conceito de BARNARD & NIX, 1979, umcusto fixo é definido como aquele que não mudaquando o nível de produção se altera no períodode tempo analisado. No curto prazo, os Custos Fi-xos não podem ser alterados e não devem ser in-fluenciados pela tomada de decisão.

e visitas mútuas, onde o saber acumulado nasdiversas etapas do processo foi compartilha-do, colaborou para a construção de uma redede ajuda, fortalecendo as relações de vizinhan-ça e de interesses já existentes.

A mudança de enfoque e de percepçãoquanto ao modelo de produção é outra carac-terística marcante resultante desse processo.Outras técnicas com enfoque agroecológicocomeçam a ser discutidas e adotadas pelosprodutores de Vista Gaúcha.

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