Leite Et Al - Gestao Em Administracao Publica

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    Gesto em Administrao Pblica

    Douglas Guimares Leite

    Rogerio Dultra dos Santos

    Juliane dos Santos Ramos Souza

    Paula Campos Pimenta Velloso

    Sergio Rodrigues Dias Filho

    Volume nico

    Apoio:

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    Fundao Cecierj / Consrcio CederjRua da Ajuda, 5 Centro Rio de Janeiro, RJ CEP 20040-000

    Tel.: (21) 2333-1112 Fax: (21) 2333-1116

    Presidente

    Carlos Eduardo BielschowskyVice-presidenteMasako Oya Masuda

    Coordenao do Curso de Tecnlogo em Segurana PblicaUFF - Pedro Heitor Barros Geraldo

    G393

    Gesto em Administrao Pblica. v. nico. / Douglas Guimares

    Leite... [et al.]. Rio de Janeiro: CECIERJ, 2014.

    2438 p.; il. 19 x 26,5 cm.

    ISBN: 978-85-7648-969-6

    I. Administrao pblica. II. Estado-Brasil. III. Segurana Pblica.

    IV. Organizaes sociais. 1. Souza, Juliane dos Santos Ramos. 2. Velloso,

    Paula Campos Pimenta. 3. Santos, Rogerio Dultra dos. 4. Dias Filho, Sergio

    Rodrigues. I. Ttulo.

    CDD: 351

    Copyright 2014, Fundao Cecierj / Consrcio Cederj

    Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meioeletrnico, mecnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Fundao.

    Material Didtico

    Elaborao de ContedoDouglas Guimares Leite

    Rogerio Dultra dos Santos

    Juliane dos Santos Ramos Souza

    Paula Campos Pimenta Velloso

    Sergio Rodrigues Dias Filho

    Direo de Design InstrucionalCristine Costa Barreto

    Coordenao de DesignInstrucional

    Bruno Jos PeixotoFlvia Busnardo da Cunha

    Paulo Vasques de Miranda

    Design InstrucionalAnna Maria Osborne

    EditorFbio Rapello Alencar

    Reviso Lingustica e

    TipogrficaFlvia Saboya

    Licia Matos

    Maria Elisa Silveira

    Yana Gonzaga

    Coordenao de ProduoBianca Giacomelli

    Ilustrao

    Renan Alves

    CapaVinicius Mitchell

    Programao VisualCamille Moraes

    Deborah Curci

    Filipe Dutra

    Produo GrficaPatrcia Esteves

    Ulisses Schnaider

    Referncias bibliogrficas e catalogao na fonte, de acordo com as normas da ABNT.Texto revisado segundo o novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa.

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    Governo do Estado do Rio de Janeiro

    GovernadorLuiz Fernando de Souza Pezo

    Secretrio de Estado de Cincia e Tecnologia

    Alexandre Vieira

    Universidades Consorciadas

    CEFET/RJ - Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da FonsecaDiretor-geral: Carlos Henrique Figueiredo Alves

    IFF - Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia FluminenseReitor: Luiz Augusto Caldas Pereira

    UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy RibeiroReitor: Silvrio de Paiva Freitas

    UERJ - Universidade do Estado do Rio de JaneiroReitor: Ricardo Vieiralves de Castro

    UFF - Universidade Federal FluminenseReitor: Roberto de Souza Salles

    UFRJ - Universidade Federal do Rio de JaneiroReitor: Carlos Levi

    UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

    Reitora: Ana Maria Dantas Soares

    UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de JaneiroReitor: Luiz Pedro San Gil Jutuca

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    Sumrio

    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno...................................................................................................7

    Paula Campos Pimenta Velloso

    Rogerio Dultra dos Santos

    Aula 2 Crise e reforma do Estado: o modelo e a crise do Estado de bem-estar............................................29

    Rogerio Dultra dos Santos

    Douglas Guimares Leite

    Aula 3 Crise e reforma do Estado: o caso brasileiro.......................................................................................55

    Douglas Guimares Leite

    Rogerio Dultra dos Santos

    Aula 4 A Nova Gesto Pblica no Brasil: o conceito da reforma administrativa de 1995 e suasprincipais alteraes institucionais.....................................................................................................................95

    Douglas Guimares Leite

    Rogerio Dultra dos Santos

    Aula 5 Organizaes Sociais Contratos de gesto: controle social e indicadores de desempenho..........125

    Douglas Guimares Leite

    Juliane dos Santos Ramos Souza

    Rogerio Dultra dos Santos

    Aula 6 Consrcios pblicos, agncias executivas e agncias reguladoras..................................................157Paula Campos Pimenta Velloso

    Rogerio Dultra dos Santos

    Aula 7 Foras repressivas, Segurana Pblica e Estado brasileiro no contexto global................................175Rogerio Dultra dos Santos

    Sergio Rodrigues Dias Filho

    Aula 8 Discursos criminolgicos e controle social no Brasil........................................................................207

    Rogerio Dultra dos SantosSergio Rodrigues Dias Filho

    Referncias........................................................................................................................................................231

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    Aula 1Desenvolvimento do Estado moderno

    Paula Campos Pimenta Velloso

    Rogerio Dultra dos Santos

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    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno

    Metas

    Apresentar os conceitos bsicos e principais elementos necessrios

    compreenso do desenvolvimento do Estado moderno e inscrev-lo na

    discusso acerca da modernidade poltica a partir dos pensadores queajudaram a caracteriz-lo.

    Objetivos

    Ao final desta aula, voc dever:

    1. reconhecer as caractersticas que definem o Estado moderno do pon-

    to de vista de sua gnese histrica, sua estrutura e suas finalidades;

    2. identificar as conexes entre a ormao do Estado moderno, a opo-

    sio entre espao pblico e a esera privada, e a relao entre limitao

    do poder poltico e exerccio da democracia.

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    Gesto em Administrao Pblica

    Introduo

    O tema da Administrao Pblica, eixo das aulas que se seguiro, remete

    concepo de um Estado que, historicamente, dierenciou suas ormas

    de maniestao at dividi-las entre os amplamente conhecidos trs po-deres: o Executivo, o Legislativo e o Judicirio. A Administrao Pblica

    passou ento a ser a orma corrente de reerir o Poder Executivo, que,

    na sua condio de Governo, deve comandar a aplicao das receitas

    do Estado (oramento) no desempenho das atividades sociais definidas

    e omentadas pelas polticas pblicas concebidas no Poder Legislativo.

    Os conflitos de qualquer ordem, porventura existentes nas ronteiras

    do pas, so matria do trabalho do Poder Judicirio, que a eles sempre

    devem dar uma resposta, segundo determinam as constituies destes

    Estados chamados Estados Democrticos de Direito, tipo prevalecente

    hoje, no chamado mundo ocidental.

    Para que cheguemos at este ponto, porm, comearemos nesta aula o

    percurso de um desenvolvimento histrico das dierentes ormas de Es-

    tado, de suas primeiras at aquela que mais se assemelha nossa con-

    tempornea. Nesse itinerrio, apresentaremos e discutiremos tambm

    conceitos undamentais acerca da organizao do Estado e da Admi-

    nistrao Pblica modernas, como as categorias de racionalizao e bu-

    rocracia, essenciais ao desenvolvimento dos temas das prximas aulas.

    Estado e nao

    O conceito de Estado, como est compreendido hoje, nasce na Euro-

    pa e data do sculo XIX. Desenvolveu-se ento a ideia de Estado-nao:

    uma orma centralizada de poder pblico reconhecida internacional-

    mente, com organizao poltica, soberania, populao e territrio

    definidos. Mas sua definio e seu reconhecimento se apoiam no sem uma percepo poltica como tambm cultural. Hoje, a noo de

    um pas com lngua, costumes e trajetria em comum contedo do

    termo Estado, que, sob a lgica do nacionalismo, reconhecido pelos

    indivduos que o integram.

    Por outro lado, a definio do que uma nao algo bastante con-

    troverso. A mais conhecida delas oi escrita em 1912, por Jose Stalin:

    Uma nao uma comunidade desenvolvida e estvel, com linguagem,

    territrio, vida econmica e caracterizao psicolgica maniestos em

    uma comunidade cultural. Entretanto, como afirma o historiador in-

    Soberania

    Geralmente entendidacomo a propriedade do

    Estado de no reconhecer,nos limites do seu

    territrio, a validade dequalquer outro poderacima do seu prprio.Um Estado soberano

    , portanto, aquele quese regula segundo assuas prprias regras,

    estabelecendo, ademais, omodo de sua criao.

    Nacionalismo

    Fenmeno caractersticode coletividades dotadas

    de traos culturaiscomuns, como lngua,

    costumes e trajetriahistrica reconhecidos

    pelos indivduos queintegram o Estado-nao.

    possvel, porm, quehaja nacionalismo semque a sua coletividade

    portadora esteja

    organizada na ormapoltica de um Estado.

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    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno

    gls Eric Hobsbawn, por ser extremamente mutvel e variada, a reali-

    dade histrica dos Estados nacionais dificilmente se enquadra em uma

    definio objetiva como essa. Os critrios subentendidos na imagem de

    nao definida por Stalin so necessariamente ambguos e mutveis,

    muitas vezes utilizados para fins poltico-ideolgicos, como a luta pelaautonomia territorial, por exemplo (HOBSBAWN, 2002).

    O nacionalismo, termo ainda mais malevel e menos objetivo, sugere

    a ideia de unidade poltica nacional, entendida como o dever poltico

    dos Estados nacionais de organizarem-se politicamente, o qual supera

    qualquer outro dever pblico e impe a deesa dessa organizao em

    casos de guerra. Por esse motivo, aquilo que j oi chamado de ques-

    to nacional diz respeito no s s aspiraes, crenas e interesses dos

    indivduos que compem o corpo poltico nacional, mas tambm capacidade tecnolgica de as organizaes estatais promoverem a uni-

    dade cultural, como o caso da alabetizao em massa. Uma consci-

    ncia nacional desenvolve-se, portanto, de orma desigual entre grupos

    regionais, atingindo por ltimo as camadas populares, pois depende

    daquele desenvolvimento tecnolgico e econmico coordenado pela

    autoridade central.

    Segundo o cientista poltico tcheco Miroslav Hroch, a histria do na-

    cionalismo identifica-se diretamente com o desenvolvimento dos movi-mentos nacionais. A histria desses movimentos divide-se em trs ases:

    1 ase na Europa do sculo XIX, nasce como um movimento ex-

    clusivamente cultural, olclrico e literrio, sem implicaes de natu-

    reza poltica;

    2 ase surgem os primeiros militantes da ideia nacional e as cam-

    panhas polticas em torno dela;

    3 ase os programas nacionalistas alcanam o apoio das massas,

    muitas vezes depois do estabelecimento de um Estado nacional (note-seque h experincias em que o apoio das massas acontece antes da cria-

    o dos Estados e, em outras, no ocorre nem mesmo depois, como o

    caso de alguns experimentos da Amrica Latina). Importa, entretanto,

    registrar que o nacionalismo aparece originalmente como uma crena

    em determinados valores compartilhados regionalmente. ais valores

    tm origem histrica e abricam, artificial e politicamente, a noo de

    identidade nacional.

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    Gesto em Administrao Pblica

    Para saber um pouco mais sobre a questo nacional de alguns

    povos, leia o texto sobre a Questo Palestina, que trata do em-

    bate entre diversas naes em uno da afirmao de suas iden-

    tidades e da luta por um territrio, com nase especial no drama

    do povo palestino: http://www2.uol.com.br/historiaviva/reporta-

    gens/em_busca_de_uma_patria.html.

    A definio precisa de Estado, como organizao de natureza po-

    ltica, ainda mais remota. Em latim, o termo status (estado) repre-

    sentava a situao do senhor de terras do sculo XIII, cujo poder era

    predominantemente pessoal, recebido e transmitido, sobretudo, here-

    ditariamente. Isso se altera com a noo de principado, consolidada

    no sculo XVI. O principado indica uma soberania territorial, o que

    acrescenta uma dimenso poltica e militar a um domnio meramentetradicional ou mesmo jurdico de propriedade de terra. O termo status

    passa a significar, ento, a condio poltica, social e material (econmi-

    ca) do prncipe e do conjunto de uncionrios que operam e organizam

    o poder poltico em um territrio militar e economicamente soberano.

    Estado moderno, portanto, um conceito que sugere o momento his-

    trico em que se cristaliza uma organizao poltica e jurdica central, a

    qual se ope pluralidade de oras sociais caracterstica da Idade Mdia.

    Essa organizao do poder se aasta dos laos de obrigao territorial deorigem medieval e consolida um comando poltico de carter impessoal.

    A modernidade poltica convencionalmente vinculada ao pro-

    cesso de centralizao do poder e organizao das instituies pbli-

    cas sob uma lgica preponderantemente racional-legal. A modernidade

    se ope, em especial, ao modo de compreenso do mundo undado em

    crenas e explicaes de natureza religiosa. O Estado moderno aparece,

    assim, como a sntese institucional da modernidade, capaz de conduzir

    a organizao da vida social segundo princpios de uma racionalidade

    baseada nas descobertas do mundo emprico, das coisas concretas.

    Estado

    Organizao de naturezapoltica; situao dosenhor de terras do

    sculo XIII; poder pessoalrecebido e transmitido

    hereditariamente;principado, sculo XVI;

    soberania territorial;

    situao poltica, social ematerial do prncipe e seusuncionrios que operam eorganizam o poder poltico

    em um territrio militar eeconomicamente soberano.

    Modernidade

    poltica

    Centralizao dopoder, organizao das

    instituies pblicas soba lgica racional-legal.

    Ope-se compreensodo mundo undada em

    crenas e explicaesreligiosas. Conduo e

    organizao da vida socialsegundo princpios de

    racionalidade. Aceitaoda comunidade poltica.

    Crena dessa comunidadena objetividade,

    na impessoalidadee na regularidade

    dos procedimentosestatais. Processo quese desdobrou entre os

    sculos XIV e XIX.

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    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno

    Esse conjunto de traos se maniesta no perfil do seu ordenamento

    jurdico, de orma que a sua atividade esteja respaldada pela aceitao

    da comunidade poltica que o integra e pela crena dessa comunidade

    na objetividade, na impessoalidade e na regularidade de seus procedi-

    mentos. ais elementos, hoje comuns maioria das comunidades pol-ticas ocidentais, somente assumiram consistncia e tornaram-se tpicos

    do que hoje consideramos Estado aps um processo relativamente lon-

    go, que se desenrolou entre os sculos XIV e XIX. Sigamos, a partir de

    agora, algumas passagens desse itinerrio histrico.

    As formas polticas do Estado entre a IdadeMdia e a Idade Moderna

    Em termos histricos, as condies necessrias para que o Estado

    moderno tomasse corpo surgiram no somente da dinmica das trocas

    mercantis no final da Idade Mdia (Baixa Idade Mdia sculos XIII a

    XV), mas da necessidade de ampliar e organizar o processo de comunica-

    o do comrcio e tambm entre as cidades. A realidade do eudalismo,

    sistema socioeconmico predominante, no permitia o desenvolvimen-

    to das tcnicas de interao e comunicao caractersticas da atividade

    comercial. A cultura catlica, que dominava a ormao das elites, era

    dogmtica e, portanto, no educava para a resoluo de problemas

    concretos. Muito menos, no cultivava as lies da experincia histrica.

    Dois enmenos histricos estimularam seu surgimento: (1) o fim

    das relaes pblicas entre indivduo e Estado e (2) a concentrao pro-

    gressiva da propriedade. Esses acontecimentos deram origem a relaes

    de produo organizadas atravs dos vnculos de subordinao pessoal,

    presentes em todo o perodo medieval.

    A dogmtica nasce cannica em razo da sua estreita relao com

    a cultura religiosa. O termo cnonderiva do grego (kanoon= rgula,

    regra) e oi empregado nos primeiros momentos da Igreja Catlica

    para nomear as decises tomadas nos conclios papais, sendo, duran-

    te a maior parte da Idade Mdia, o nico Direito escrito. Os cnones

    so regras jurdico-sagradas que determinam de que modo devem ser

    interpretados e resolvidos os vrios litgios. Mais que regras, so leis,

    isto , so verdades reveladas por um ser superior, onipotente, e a deso-

    bedincia, muito mais que uma inrao, um pecado. Os cnones so

    os desgnios de Deus, transormados em regras a serem seguidas semquestionamento pelos homens.

    Dogmtica

    Discurso que pretendeinterpretar as coisas domundo sem admitircontestao. Dessemodo, a dogmtica semaniesta historicamentecomo uma orma deorganizao social quedeve ser obedecida semmaiores questionamentos.orna-se, assim, umaprtica social que deve

    ser incorporada comoa verdade pessoal decada um que passa a serregulado por ela.A dogmtica legitimao discurso oficialtornando inquestionveisos comandos undadosem argumentosdessa natureza.

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    Gesto em Administrao Pblica

    No perodo de predomnio do modo eudal de produo, as criaes

    intelectual e jurdica so monoplios da igreja. A uno dogmtica dos

    doutores universitrios no se define pelo conhecimento, mas pela au-

    torizao divina de revelar, ou melhor, de dizer a verdade da lei. Com

    isso, legitima-se o discurso oficial do papa e da Igreja de orma extrema-mente regrada ou cannica; mais que revelar a verdade, o que o jurista

    cannico externa com a sua prtica de interpretao da lei a vontade

    poltica do poder eclesistico em azer valer os seus comandos.

    A dinmica das necessidades comerciais estimulou o rompimento

    com a educao dogmtica da Igreja. O incremento do comrcio entre

    as cidades gerou um homem prtico, que necessitava de instrumentos

    de comunicao e resoluo de problemas concretos, que no passassem

    pelo dogmatismo. Nesse momento, a recuperao dos textos de autoresgregos e romanos produziu uma modificao radical sobre a ordem po-

    ltica vigente, sob o influxo do chamando renascimento humanista.

    O Renascimento inaugura-se com uma orte censura Igreja. Em

    especial, critica as pretenses papais de undir poder espiritual e poder

    temporal, e seu objetivo de indicar, controlar e julgar o Imperador. A

    ideia de que a cidade no deve ser governada pela Igreja nasce desse con-

    flito entre o papado e o Sacro Imprio Romano Germnico. Marslio de

    Pdua (1280-1343), conselheiro poltico do Imperador Ludovico IV, emsua obra O defensor da paz(1324), advogava essa separao entre poltica

    e religio, afirmando que o conflito entre duas instituies gerava insta-

    bilidade social. Argumentava que a paz da cidade e o bem viver nela no

    poderiam depender de um poder pretensamente pleno e absoluto (a cha-

    madaplenitudo potestatisdos pontfices). Seguindo o filsoo grego Aris-

    tteles, Marslio entendia que o poder terreno deveria derivar do con-

    senso de carter jurdico, coercitivo e autnomo produzido pela cidade.

    Marslio considerava que questes materiais e espirituais poderiam

    conviver somente em oro interno. A busca espiritual dos indivduos,

    embora individual e privada, dependeria essencialmente da paz, garan-

    tida pela justia humana, finalidade ltima do governo. Assim, a Igreja,

    para Marslio, era a comunidade de fiis que encontrava lugar somente

    dentro do espao permitido pelo governo, e no uma instituio hierr-

    quica e de carter administrativo.

    Em razo da necessidade do consenso para gerar a paz na cidade,

    Marslio de Pdua entendia que a melhor orma de governo era uma

    monarquia eletiva, que tinha como objetivo ltimo o bem comum e,para tanto, deveria regular os atos civis dos cidados atravs de leis que

    Renascimento

    humanista

    Movimento social eintelectual de crticas,

    projetos e organizaesque, tendo a dvida

    racional como mtodo,possibilitaram a ruptura

    com os modelosmedievais dogmticos dejustificao e disposio

    da vida poltica.

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    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno

    determinassem o til e o justo para a cidade. Marslio percebia que a lei

    garantia a estabilidade do governo numa situao histrica em que a

    precariedade das monarquias hereditrias era a regra , compreenden-

    do-a como uma razo isenta de paixes. Alm dessas unes, a lei de-

    veria extrair seu carter coercitivo exclusivamente da vontade popularexpressa em assembleia, pois a experincia e o poder de produzir o di-

    reito deveriam repousar na coletividade. Dessa orma, o poder poltico

    se estabelecia como supremo e indivisvel, sendo a religio apenas uma

    parte integrante da sociedade civil. anto a Igreja quanto os sditos, fi-

    is ou no, estariam, segundo Marslio, submetidos ao poder temporal,

    autnomo e ao verdadeiro deensor da paz terrena.

    Desse contexto sintetizado pelas ideias de Marslio de Pdua, genera-

    lizou-se o uso do termo humanismo. Designando o vasto movimentocultural que se iniciou no sculo XI, o humanismo influenciou orte-

    mente o pensamento dos sculos seguintes e envolveu principalmente

    regies e pases como Itlia, Inglaterra, Frana, Alemanha e Espanha.

    Portanto, a respeito do humanismo, h que se alar principalmente

    em uma prtica de vida e no em um conceito, cuja caracterstica cen-

    tral oi a de observar com proundo respeito e admirao o legado cul-

    tural da Antiguidade Clssica, tentando repass-la s uturas geraes

    atravs da educao ormal. Da o termo Renascimentoou Renascena.O cientista poltico ingls Quentin Skinner sustenta que o movimento

    humanista exerceu considervel influncia sobre o desenvolvimento do

    pensamento poltico da Renascena. Argumenta que o ensino anterior-

    mente ditado sobre as questes da retrica deu lugar ao estudo dire-

    to dos clssicos latinos e, logo, o valor literrio intrnseco dessas obras

    aastou o estudo meramente pragmtico, substitudo pela vontade dos

    primeiros humanistas italianos de influenciar diretamente na poltica,

    atravs da retrica (SKINNER, 1996).

    Na verdade, o estudo da retrica pelo ditado objetivava a justifica-

    o do poder poltico das cidades italianas ps-eudais, durante o sculo

    XIII, dominadas por dspotas (signori) que aproundavam a distncia

    entre o ideal inicial de liberdade republicana autonomia, soberania,

    deesa das constituies republicanas de cada cidade e de indepen-

    dncia poltica. A necessidade de manuteno de privilgios da nobreza,

    atravs da negao da autonomia poltica, em um primeiro momento,

    e dos direitos populares oi um dos elementos que estimulou esse tipo

    especfico e pr-humanista de teoria poltica. No momento humanistapropriamente dito, o estudo direto dos clssicos acabou estimulando a

    HumanismoConjunto ideal ou tpicode valores culturaisacilitados por umaeducao voltada paraa cultura geral. Vastomovimento culturaliniciado no sculo XI.Influenciou o pensamentodos sculos seguintes.

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    deesa retrica do ideal de liberdade contra a centralizao dos gover-

    nos das cidades, o que oi amplamente reprimido pelos signori.

    Sob a influncia intelectual do Renascimento, o Estado ento depen-

    dia da compreenso de que a paz e a ordem eram as unes primordiaisa serem cumpridas por qualquer organizao poltica. Esses objetivos

    maiores implicam uma tica segundo a qual o governante necessita pro-

    duzir ordem interna e paz nas relaes com outros Estados.

    Estado no Renascimento: aastando-se do centro de uma morali-

    dade crist como eixo de sua definio, o Estado depende de paz

    e de ordem como elementos primordiais da organizao poltica.

    Os primeiros humanistas italianos, ao se depararem com o problemada deesa dos valores da repblica (res publicae: coisa pblica) e da liber-

    dade das cidades, fizeram notar a alta de paz civil, a existncia de ac-

    es, a ausncia de concrdia cvica e a inveja como males que necessi-

    tavam de combate, para que as cidades se tornassem livres, republicanas

    e, principalmente, tranquilas. O argumento poltico do Renascimento

    se dar, desse modo, a partir da arte do discurso. a necessidade de

    se protegerem os benecios da existncia da cidade que motiva a cons-

    truo retricada ideia de bem comum pelo humanismo renascentistaitaliano, derivada: a) da preerncia pela liberdade republicana; b) da

    necessidade de responder pelos motivos da ragilidade desse tipo de go-

    verno ante os dspotas; c) da vontade de ver triunar os ideais polticos

    maiores de paz e de concrdia, transmudados na ideia que vincula o

    bem de cada um com o bem geral da cidade. Justifica-se a preocupao

    de tericos da poltica da poca em indicar o que produzisse um gover-

    no orte e cidados obedientes.

    O Renascimento se caracteriza, assim, por uma espcie de vnculo

    entre a experincia intelectual e a vivida, do qual a repblica seria o

    Retrica e

    discurso

    Entendida como arte, a

    retrica, aprendizado dodiscurso, ganhava emimportncia diante da

    necessidade poltica de seconsagrar a ideia de bem

    comum, em benecioda existncia e da

    preservao do governoda cidade.

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    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno

    melhor exemplo. Em Comentrios sobre a primeira dcada de ito Lvio,

    atravs da histria, o florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527) encon-

    tra em Roma o undamento concreto de seu desejo de repblica. Apesar

    disso, a realidade descrita em O Prncipe, sua obra mais conhecida, no

    oerece quaisquer sinais de que esse mundo possa se repetir ou atuali-zar. O recurso ao passado deflagra o reconhecimento das limitaes do

    presente e impe ou autoriza uma orma de realismo moral, por meio

    do qual os mecanismos de poder poltico uncionam atravs de normas

    distintas da tica crist tradicional.

    Maquiavel representa o apogeu do momento histrico em que a po-

    ltica era entendida como conhecimento sobre o comportamento dos re-

    gimes polticos. Sua obra marca o incio da compreenso moderna do

    Estado. As caractersticas desse novo modo de compreenso da ordempoltica, ormulado em termos gerais pelo Renascimento, esto desenvol-

    vidas por Maquiavel em O Prncipe (1513). Nele, o autor argumenta que o

    prncipe (governante) deve agir para que a cidade reconhea a autoridade

    de suas leis, mas sem que ele mesmo tenha que estar submetido aos limi-

    tes jurdicos e morais na busca de seus objetivos pblicos.

    O Prncipe

    Obra undamental da teoria poltica do Ocidente. Nela, Maquia-

    vel marca, definitivamente, a ideia de que a ao do governante

    no encontra limites jurdicos ou de moralidade tradicional (re-

    ligiosa) e deve mover a cidade a reconhecer a autoridade das leis.

    rata-se da noo de razo de Estado.

    A chamada doutrina da razo de Estado estabelece uma tica espec-

    fica, a de que os fins pblicos se sobrepem no somente aos interesses

    privados, mas justificam a utilizao de quaisquer meios para sua reali-zao. No se trata, portanto, de uma undamentao imoral ou amoral

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    Gesto em Administrao Pblica

    da poltica, mas do estabelecimento de uma moralidade distinta da que

    compreendia a necessidade dos homens pblicos se comportarem se-

    guindo os preceitos cristos da justia, verdade e retido nas suas aes.

    Nesse novo patamar da justificao da atividade poltica, a ideia de re-

    pblica, repercutindo a tradio dos antigos romanos, transorma-se novalor moral e poltico dominante.

    Nessa ase inicial de consolidao do Estado moderno, um novo ele-

    mento se cristaliza na configurao da dinmica poltica: o papel do

    povo. o mesmo Maquiavel quem chama a ateno do Prncipe para

    que olhe para o povo se quiser governar bem uma cidade. Em sua obra

    Comentrios sobre a primeira dcada de ito Lvio(1627), entretanto,

    ele radicaliza a tese da importncia do povo, que de elemento passivo

    se transorma no motor do equilbrio poltico. No conflito entre go-vernantes e governados, a presso do povo sobre o governo obriga as

    instituies polticas a se adaptarem para evitar a desordem e a guerra

    civil, criando canais de comunicao e participao. Para o autor, essa

    dinmica conflitiva positiva para a ordem da cidade.

    Por fim, ainda com Maquiavel, a modernidade poltica inaugura a

    compreenso de que a cidade deve ser capaz de acumular a experin-

    cia poltica daqueles que a azem uncionar. Maquiavel entendia que a

    constante alternncia no poder poltico trazia sempre o inconvenienteda substituio do corpo de agentes. Para ele, a operao regular das

    instituies do Estado deveria ser garantida pela existncia e perma-

    nncia de um corpo estvel de uncionrios, independente da substi-

    tuio dos mandatrios.

    O Estado moderno nasce, como se v, sob a experincia histrica das

    Cidades-Estado da utura Itlia e sob a influncia do humanismo renas-

    centista e da teoria do Estado de Maquiavel. Surge, assim, um Estado

    tendente a ser laico (no religioso), sujeito permanncia da operao

    burocrtica (corpo estvel de uncionrios), aspirando paz e ordem,

    e identificando o povo como ator central para que sua estabilidade

    mesmo sob conflito seja alcanada. Esse resumo, contudo, transmite

    esquematicamente apenas a experincia europeia durante o sculo XVI.

    O momento de maturao da modernidade poltica e de seu modelo de

    Estado o sculo seguinte, sob a influncia central de dois pensadores:

    Tomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704).

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    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno

    ATIVIDADE 1

    Atende ao Objetivo 1

    Indique as caractersticas que definem o Estado moderno do ponto de

    vista de sua gnese histrica, estrutura e finalidades.

    Resposta Comentada

    O Estado moderno um ente centralizado que assume, ao longo dotempo, a orma de Estado nacional, organizando-se politicamente em

    torno de elementos como soberania, populao e territrio definido,

    reconhecido ademais pelos outros Estados existentes. De um ponto de

    vista no s poltico mas tambm cultural, partilham-se noes de ln-

    gua, costumes e trajetrias que suscitam o pertencimento dos indiv-

    duos a um dado Estado. Para se consolidar contra outras oras sociais

    concorrentes, historicamente, importou para a configurao do Estado

    moderno o desenvolvimento de uma racionalidade (razo de Estado)

    que desvinculou o procedimento tico-decisrio de seus governantesdaquele que emanava e era dominado pela Igreja Catlica na Europa da

    baixa Idade Mdia.

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    Gesto em Administrao Pblica

    Cientificismo e racionalismo; contrato,direito, direitos

    O filsoo ingls Tomas Hobbes, alm de ortemente influenciado

    pelo humanismo renascentista, produziu suas reflexes sobre o Esta-do influenciado pelo cientificismo e pelo racionalismo do sculo XVII.

    Hobbes escreveu sobre quase tudo o que se sabia na poca, tendo uma

    obra que percorre desde as cincias naturais, como Matemtica, tica,

    Geometria, Fsica e Biologia, passando pelas letras, atravs de tradues

    (do grego, do latim, do rancs e do italiano), poemas e narraes de

    viagens, indo at as questes propriamente culturais, como Msica, Mo-

    ral, Filosofia, Religio, Direito e, principalmente, a Poltica.

    O racionalismosurge na Europa do sculo XVII como um novomodelo de produo de conhecimento que se ope ao conhecimento

    histrico e retrico tidos como pouco precisos. Centra-se original-

    mente na demonstrao para a extrao de concluses corretas ou l-

    gicas sobre a realidade. Influenciado pela ideia de que o mundo pode

    ser conhecido na sua totalidade e portanto, dominado , o raciona-

    lismo encontra na Matemtica a expresso mais acabada de seu projeto.

    Raciocinar, nesse sentido, significa calcular corretamente. A razo, que

    define o saber como cientfico, deve realizar os clculos que comprovem

    a veracidade das suas concluses, orientadas pelos princpios da causali-dade, necessidade e universalidade. Tomas Hobbes, sob a influncia do

    racionalismo e do cientificismo do sculo XVII, tornou-se o undador

    da cincia da poltica, extraindo suas concluses acerca da ordem pol-

    tica do raciocnio lgico e abstrato.

    Hobbes construiu um sistema poltico-jurdico centrado no conceito

    bsico de contrato. No argumento de seu livro mais importante, Leviat

    (1651), o filosoo pode ser identificado como o genuno autor de uma

    estrutura de pensamento caracterizada pela insistncia na ideia da or-dem na poltica.

    oda a arquitetura da obra hobbesiana repousa sobre a relao lgica

    entre a natureza humana e a constituio do Estado. A compreenso de

    Hobbes sobre a natureza humana conclui que o homem um ser que

    tende a agir de orma irracional isto , para a sua prpria destruio,

    atravs do conflito , e que o Estado tem a uno bsica de impedi-lo.

    Faz isso ao lembrar ao homem os motivos pelos quais oi constitudo,

    mas tem tambm a uno de conduzir o homem de volta racionali-

    dade. A razo do Estado , portanto, a ordem e a paz, que preservam a

    RacionalismoDoutrina surgida na

    europa do sculo XVII.Opera pela demonstrao,

    da qual extrai conclusesretas ou lgicas.

    A razo az clculospara comprovar a

    veracidade das suasconcluses, orientadas

    pelos princpios dacausalidade, necessidade

    e universalidade.

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    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno

    vida natural dos homens pelo maior tempo possvel. Controlar a irracio-

    nalidade humana ser uma tarea constante do Estado, operada inclusive

    atravs de meios coercitivos. Nesse sentido, e em primeiro lugar, o ho-

    mem hobbesiano irracional antes da ormao do Estado e o estado

    de natureza a situao de auge da maniestao dessa irracionalidade.

    Diante dessa situao, surge uma luz de racionalidade, de intelign-

    cia, por meio da qual, beira do conflito sico e aniquilador, o homem

    capaz de compreender a necessidade da criao de um poder maior, de

    um poder comum que mantenha todos os homens em respeito mtuo.

    Aqui surge um undamento exclusivamente antropolgico do Estado e

    do motivo pelo qual o homem deve obedincia ordem poltica: a paz

    e a segurana proporcionadas pela existncia do Estado so obras do

    prprio homem.

    O momento de racionalidade criadora da ordem poltica rapida-

    mente superado quando o Estado passa a mover-se e a prover o conorto

    dos indivduos. O homem, aastado da ameaa da morte violenta, deixa

    de ter medo e, portanto, passa a uncionar a partir da orientao de pai-

    xes quase nunca racionais. Para Hobbes, o homem unciona a partir

    de dois princpios naturais: a uga da dor e a busca do prazer. Assim,

    averso e desejo so sentimentos muito mais estimulantes a posturas ir-

    racionais, como a busca incondicional do lucro e da glria, em oposio paixo racional da autopreservao. Aquelas so paixes irracionais

    porque levam os homens a entrarem em disputa por objetos, coisas, pes-

    soas e por qualquer tipo de reconhecimento. E essas disputas levam ao

    conflito, que arrasta os homens possibilidade da aniquilao. Ento

    Hobbes entende as paixes que levam ao conflito como irracionais, mas

    inscritas na natureza humana.

    Assim, o Estado criado por um homem, em um momento de raciona-

    lidade excepcional, produzir o conorto necessrio para que o homem

    evite a sua aniquilao sica, e, por outro lado, permitir tambm ao

    garantir tranquilidade, conorto, lei civil e liberdade dentro da lei que o

    homem esquea o porqu da criao do Estado. Esse esquecimento dar

    livre passagem s paixes irracionais, o que redundar no conflito e po-

    der gerar a aniquilao do Estado. A universidade, a religio submetida

    ao Estado e a coero uncionam, assim, como elementos que submetem

    os indivduos e/ou os oram a lembrar que evitar a morte depende da

    prpria existncia do Estado.

    Em Hobbes se pode encontrar, portanto, um Direito positivo isto, posto, produzido pelo Estado , por ser um direito criado a partir do

    Estado de

    natureza

    Situao hipottica eno histrica, na qual ohomem se encontra soba iminncia de conflitosico imediato e daeventualidade de suamorte violenta.

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    Gesto em Administrao Pblica

    homem e das situaes concretas de conflito. E pelo uncionamento

    do Estado que se torna possvel a coordenao da ordem poltica por

    um soberano-representante, estabelecido por um pacto social, por uma

    conveno. Mas ser possvel encontrar em Hobbes tambm um Direi-

    to natural para alm daquele direito produzido pelo Estado , umaorientao da razo que vai permitir que o soberano-representante te-

    nha sempre na lembrana quais so seus objetivos undamentais, a fim

    de preservar a perenidade do Estado. No se trata, portanto, de Direito

    natural transcendente; um Direito natural humano e racional.

    Direito positivo e Direito natural(jusnaturalismo)

    De suma importncia para a histria do Direito ocidental, a dis-

    tino entre Direito positivo e Direito natural pode ser, em resu-

    mo, apresentada da seguinte orma: a concepo de que Direito o que os sujeitos produzem com undamento em uma ordem que

    eles podem alterar (reere-se ao Direito positivo), e a noo de que

    Direito aquilo que est baseado em uma ordem cuja mudana

    ou autoria lhes escapa (diz respeito ao Direito natural). Exem-

    plo tpico de Direito natural o que afirma a vigncia jurdica

    de leis criadas por Deus. A viso de Direito natural em Hobbes,

    porm, uma exceo definio clssica porque tomar a ideia

    de natural como aquilo que decorre lgica e necessariamente de

    uma escolha racional que o prprio sujeito az (o seu direito),e no daquilo que uma ordem superior sua vontade lhe imps.

    Assim, verifica-se em Hobbes um Direito natural que entendi-

    do como uma orientao da razo que reitera permanentemente

    os objetivos undamentais do Estado. Porque orientao da ra-

    zo, Direito natural, e no Direito positivo, ou seja, posto pelo

    Estado. Porm, uma vez que da ordem do que criado e do que

    se encontra ao alcance da mudana pelos sujeitos, no direito

    no sentido tradicional do jusnaturalismo.

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    Gesto em Administrao Pblica

    Esta aqui uma reerncia a Maquiavel: a justia e a injustia no

    azem parte das aculdades do corpo ou do esprito, ou seja, o homem

    no tem nenhuma condio de estabelecer um critrio objetivo de justi-

    a a partir da sua constituio individual.

    A Hobbes e Locke se juntariam outras importantes reerncias no

    debate sobre um tema central para o entendimento do Estado, qual seja

    a discusso sobre o seu undamento e a sua legitimao poltica. Em

    outras palavras, por que deve existir o Estado e com base em que crit-

    rios deve impor o seu mando aos sditos, governados ou cidados? Esse

    tema atravessa a prpria histria do Estado moderno que, no perodo

    desses autores e nos seguintes, oi convulsionado por inmeros epis-

    dios revolucionrios que acabaram sendo responsveis pela orma mais

    geral da organizao poltica que conhecemos hoje um Estado comtrs poderes distintos, embasado em uma poltica de tipo democrtico-

    -representativa, e estruturado em torno de um documento jurdico-po-

    ltico undamental, denominado Constituio.

    Ao lado da discusso sobre a sua legitimao, uma outra igualmen-

    te importante vem a ser aquela que aborda o Estado em sua estrutura

    administrativa, vale dizer, como mquina uncional voltada execuo

    das finalidades dispostas pela lei na perseguio do chamado interesse

    pblico. Burocracia o nome que se consagrou para reerir o Estadomoderno como ente dotado de instituies e rgos responsveis pela

    administrao dos interesses situados acima das vontades e dos con-

    tratos privados, indicando tambm um tipo de dominao poltica de

    carter racional-legal. No ltimo item desta aula, alaremos de como se

    articulam essas noes e do seu significado para o uncionamento do

    Estado nos dias atuais.

    Burocracia

    Em geral se associa expresso burocraciao sentido negativo de

    obstculos, entraves ou excesso de exigncias despropositadas no

    caminho da realizao de alguma atividade, especialmente associa-

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    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno

    da ao Estado. Mas a noo de burocracia se fixou como um conceito

    de suma importncia para a teoria social, especialmente a partir da

    obra de Max Weber. O socilogo alemo lhe coneriu o significado

    definitivo de uma orma de dominao poltica especfica, baseada

    na eficincia de um aparato tcnico-administrativo especialmenteconstitudo para a realizao de suas finalidades institucionais.

    Estado moderno, burocracia e administrao

    pblica: organizao poltica racional-legal

    O Estado-nao uma resultante histrica do processo de centrali-

    zao poltica, territorial, cultural e administrativa do Estado moderno.

    Essa centralizao significa a substituio da autoridade local pelo po-

    der centralizado, e seu processo desenvolve-se ao mesmo tempo em que

    so criados mecanismos que permitem autoridade central impor a sua

    vontade, mesmo contra resistncias locais (o que representa a manies-

    tao do poder poltico propriamente dito), e encontrar obedincia para

    uma ordem estabelecida atravs do direito, maniesta por um quadroadministrativo fixado institucionalmente (dominao racional-legal e

    burocracia), segundo a definio clssica do socilogo alemo Max We-

    ber (1864-1920).

    O que Max Weber identificou como a principal caracterstica das

    sociedades ocidentais modernas oi o que chamou de racionalidade. O

    tipo de ao que caracteriza as sociedades modernas a ao racional,

    que se ope ao tradicional, condicionada por hbitos e costumes ou

    movida por estmulos tradicionais. Na sociedade moderna, a vida coti-diana tornou-se dierente da que predominava nas sociedades tradicio-

    nais ou pr-industriais, porque todas as relaes passaram a orientar-se

    pela ao racionalcom relao a fins ou a valores.

    A racionalidade teve na economia seu ponto de partida. Calcular e

    otimizar, por exemplo, so ormas de dirigir a ao com vistas a lograr

    uma finalidade, isto , revestir de previsibilidade a possibilidade de lu-

    cro. Mas essa orma de agir no ficou restrita ao mundo dos negcios.

    rata-se de um comportamento presente em campos como o da cincia

    e o da tecnologia. De ato, oi nesses campos que a racionalidade alcan-

    Ao racional

    (1) A ao de umindivduo ser classificadacomo racional com relaoa fins se, para atingir umobjetivo, ele lana modos meios necessriosou adequados. Oprocedimento econmico,

    isto , todo procedimentoque leva em conta umnmero de necessidades aatender e uma quantidadeescassa dos bensnecessrios satisaodessas necessidades, o modelo tpico deao racional.(2) A ao ser racionalcom relao a valoresquando o agente orientar-se por fins ltimos, porprincpios, levando emconta somente afidelidade a eles.

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    Gesto em Administrao Pblica

    ou seu apogeu, isto , descobertas cientficas e novos inventos oram o

    resultado dos estmulos dados s sociedades ocidentais para a criao

    racional. Criou-se uma nova mentalidade, que logo transcendeu cin-

    cia e transbordou para a vida das pessoas comuns, atravs da organiza-

    o eficiente do tempo, da vida domstica etc.

    Essa ideia de racionalidade chave para um outro tema central para

    os objetivos da discusso: a dominao. Quanto mais racionais orem

    as aes e, logo, as relaes sociais, mais acilmente podero ser ex-

    pressas na orma de normas. Estas podem refletir uma conduta usual e

    reiterada, e, a exemplo das normas jurdicas, guardar a expectativa de

    moldar as aes.

    Para Weber, uma ordem poltica capaz de orientar a ao social

    daqueles a ela submetidos, mas no somente de orma regular, isto ,

    pelo dever ou obrigao, mas pelo reconhecimento da ordem poltica

    como legtima. Os que reconhecem uma ordem como legtima o azem:

    a) em virtude da tradio obedeo porque sempre oi assim;

    b) por crena religiosa obedeo para alcanar a salvao;

    c) por crena aetiva (emocional) obedeo porque algo novo reve-

    lado ou um exemplo a ser seguido;

    d) por crena racional reerente a valores obedeo porque considerovlido (moralmente, por exemplo);

    e) por crena na legalidade de um estatuto obedeo pelo acordo que

    fizemos entre ns (conveno) ou por deciso majoritria da qual

    no participei, mas a que me submeto (direito).

    A pluralidade de tradies, crenas e valores que caracteriza a moder-

    nidade az da crena na legitimidade de um estatuto legal o nico un-

    damento da ordem poltica. Para garantir essa ordem, a administrao

    estatal se organiza e, ao mesmo tempo, unciona atravs do direito, es-tando submetida tambm s suas regras de carter impessoal e contnuo,

    cujo mbito de vigncia limitado e submetido a controle institucional.

    A organizao da vida social e estatal pelo Direito no refletiria

    outra coisa seno o diagnstico de que todas as eseras da vida social

    tendem racionalizao. A organizao burocrtica um modo pelo

    qual a racionalizao se atualiza nas sociedades modernas. rata-se do

    instrumento mais eficaz j que mais racional atravs do qual se

    exerce a dominao estatal.

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    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno

    De ato, dos tipos de dominao legtima, isto , reconhecida, a do-

    minao racional ou legal a que mais reduz a importncia de outras

    influncias, como a riqueza, os costumes, a parentela e os amigos, mas

    as substitui por leis e regulamentaes administrativas e pretende que as

    ordens sejam dadas de maneira previsvel e estvel.

    A burocracia, por sua vez, deve organizar a dominao racional-legal

    por meio da superioridade tcnica capaz de garantir a preciso e a efi-

    cincia das aes. Para tanto, o Estado se reveste de um aparato tcnico

    que expressa a superioridade da sua ora impositiva sobre as demais

    eseras da sociedade, criando uma estrutura institucional que lhe per-

    mite perseguir os fins que a sua posio na organizao da sociedade

    garante e exige. Segurana, justia e, por vezes, ormas de assistncia

    social se combinam como objetivos centrais das tareas de um conjun-to de rgos pblicos que, por meio de uncionrios permanentes, do

    corpo ao Estado como mquina administrativa ou como, em uma pala-

    vra, burocracia.

    Para saber um pouco mais sobre os usos da expresso burocracia,

    leia o texto Franz Kaa e a Burocracia weberiana, no qual o

    autor aproxima o texto literrio da sociologia para nos azer en-

    tender e imaginar as aproximaes e as conuses que ambos os

    usos da expresso implicam nos dias atuais: http://www.periodi-

    cos.ues.br/reel/article/viewFile/5347/3962.

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    Gesto em Administrao Pblica

    Atividade Final

    Atende ao Objetivo 2

    Aponte as conexes entre a ormao do Estado moderno e a oposio

    entre espao pblico e esera privada, e identifique a relao entre limi-

    tao do poder poltico e exerccio da democracia.

    Resposta Comentada

    Sendo o Estado-nao uma resultante histrica do processo de centra-

    lizao poltica, territorial, cultural e administrativa do Estado moder-

    no, reflete o movimento de substituio da autoridade local pelo poder

    centralizado. Para que se realize a centralizao, necessria a criao

    de mecanismos que permitam a imposio da vontade da autoridade

    central e, ao mesmo tempo, que suscite a obedincia a uma ordem es-

    tabelecida atravs do Direito. O que tem natureza de pblico passa a

    dierir e a se distanciar do que privado, restando a vivncia dos temas

    de interesse pblico silenciada dos excludos da soberania e os indiv-duos aastados da poltica. Um tal estado de coisas seria insustentvel

    sem um quadro administrativo capaz de proporcionar a integrao obe-

    diente desses indivduos ordem que os regula. rata-se de um quadro

    de dominao racional-legal, segundo a definio clssica do socilogo

    alemo Max Weber, o qual fixado institucionalmente por meio da cria-

    o de rgos, instituies e empresas pblicas, comandadas por un-

    cionrios estatais.

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    Aula 1 Desenvolvimento do Estado moderno

    Resumo

    Vimos que o conceito undamental de Estado moderno orma-

    do por alguns elementos decisivos que se desenvolveram ao longo de

    perodos histricos distintos e soreram a influncia de teorias e con-cepes clssicas, como a de Nicolau Maquiavel, Tomas Hobbes e Max

    Weber. O primeiro cunhou a noo de Razo de Estado, desvinculando

    a tica poltica da tica crist; o segundo deles fixou a noo de um

    contrato a ser eito entre os sujeitos e o soberano, legitimando a sua ins-

    tituio; j o ltimo legou a noo contempornea de burocracia como

    um instrumento undamental para a compreenso do quadro atual de

    desenvolvimento operativo do Estado. Soberania, territorialidade e na-

    o ormam outros dos mais importantes aspectos da caracterizao do

    Estado moderno.

    Informao sobre a prxima aula

    Na prxima aula, sero apresentados elementos necessrios identifi-

    cao e compreenso dos significados da crise do Estado contempo-

    rneo a partir da discusso dos principais delineamentos de uma orma

    de Estado que se desenvolveu no sculo XX, no ps-guerra (Estado de

    bem-estar social). O entendimento desse cenrio possibilitar situar otema das diversas crises que hoje redundam na chamada crise do Estado

    e da sua burocracia.

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    Aula 2Crise e reforma do Estado: o modeloe a crise do Estado de bem-estar

    Rogerio Dultra dos Santos

    Douglas Guimares Leite

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    Aula 2 Crise e reforma do Estado: o modelo e a crise do Estado de bem-estar.

    Meta

    Apresentar os principais elementos para identificao e compreenso

    dos significados da crise do Estado a partir da discusso sobre os prin-

    cipais delineamentos do Estado de bem-estar social, bem como sobre acrise econmica global que o ps em xeque.

    Objetivos

    Esperamos que, ao final desta aula, voc seja capaz de:

    1. reconhecer as caractersticas que definem o modelo do Estado de bem-

    -estar Social do ponto de vista de sua gnese, estrutura e propsitos;

    2. identificar as conexes entre a crise econmica mundial da dcada de

    1970 e a discusso sobre o desgaste de eficincia e de legitimidade do

    modelo de Estado de bem-estar social por ela atingido.

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    Introduo

    O termo crise do Estadotem as caractersticas de expresses que possuem

    mltiplos sentidos. ratar, portanto, do tema crise e reforma do Estado

    exigir que fixemos, com algum grau de preciso, tanto histrica comoteoricamente, o sentido ou o aspecto da crise de que vamos nos ocupar.

    Vimos, nas aulas anteriores, que dois dos mais importantes elementos

    que definem o Estado moderno so, por um lado, o carter de sua legi-

    timao poltica e, por outro, a sua identificao como uma burocracia.

    Nessa linha, a legitimao do Estado pode ser pensada por meio de no-

    es e conceitos que discutem como se elaboram as escolhas polticas

    undamentais da comunidade e como esses mecanismos atuam para sua

    maior ou menor aceitao como poder pblico. Por sua vez, a burocra-cia nos aparece como o complexo de instituies criadas e controladas

    pelo Estado que, predispostas realizao de fins prticos (garantia da

    segurana pblica, regulamentao do mercado ou proviso de bens),

    so avaliadas segundo a sua eficincia em cumpri-los.

    Embora historicamente se verifique a orte interao desses elementos,

    possvel examin-los separadamente do ponto de vista da anlise. Por-

    tanto, reerindo-se ao modelo de Estado que se estabeleceu no mundo

    ocidental do ps-guerra o chamado Estado de bem-estar social (Esta-

    do-providncia ou ainda Welfare State) pode-se conceb-lo, segundo

    esta diviso, tanto como um espao de ormulao de decises e pol-

    ticas pblicas como um organismo executor dessas mesmas polticas.

    , portanto, via de regra, a orma de combinao adotada no desen-

    volvimento desses dois papis que identifica, em termos mais gerais, o

    modelo de Estado em questo.

    Mundo ocidental

    Pode-se designar mundo ocidental como um espao geopoltico

    composto por pases de perfis poltico-institucionais e razes cul-

    turais relativamente comuns, estejam eles situados ou no na aceocidental do globo terrestre. A orte identificao com determina-

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    Aula 2 Crise e reforma do Estado: o modelo e a crise do Estado de bem-estar.

    dos aspectos filosficos, polticos ou religiosos da chamada cultu-

    ra clssica, bem como o desenvolvimento de instituies pblicas

    ormalmente organizadas em torno de um Estado juridicamente

    controlado, marcam a identidade desses Estados contemporneos.

    Entre eles, encontram-se Inglaterra, Espanha, Portugal, Frana etambm outros que historicamente j estiveram sob o seu dom-

    nio (casos de Estados Unidos, Nova Zelndia, Austrlia, Argenti-

    na e Brasil). Em todas essas naes, que se definem como Estados

    Democrticos de Direito, importantes critrios de legitimao

    poltica so, por exemplo, a separao de poderes, a previso da

    liberdade de imprensa, de eleies livres e regulares, alm da con-

    sagrao da pauta dos chamados Direitos Humanos.

    Nos domnios desse mundo ocidental contemporneo cenrio

    mais amplo dessa discusso a legitimidade do Estado como espao de

    ormulao de metas e polticas pblicas tem sido undamentalmente

    testada pela sua maior ou menor adeso ao regime democrtico. Assim,

    o nvel de participao dos cidados nos processos decisrios e a ca-

    pacidade de eles se reconhecerem nas escolhas eitas so consideradospoderosos critrios para o reoro da legitimidade estatal.

    Na sua condio de ente burocrtico ou de executor das polticas

    pblicas, esto em jogo, porm, no apenas a validao democrtica

    dos processos polticos mas, sobretudo, o problema da eetividade da

    atuao de rgos e agentes pblicos na produo dos resultados eco-

    nmicos projetados pela comunidade. Portanto, no marco do Estado de

    bem-estar, seus rgos devem atuar especialmente no espao do merca-

    do e no apenas no que se convencionou chamar, durante a vigncia domodelo de Estado liberal, de atividades tpicas do Estado.

    No espao de mercado, antes reservado a empresas privadas, os entes

    pblicos passam a atuar regulando-o ou competindo pela produo de

    bens com os demais agentes econmicos e, mais particularmente, inter-

    vindo para salvaguardar as condies mnimas de bem-estar dos cidados

    dos riscos representados pela atividade econmica, por meio de progra-

    mas pblicos de assistncia social organizados e mantidos pelo Estado.

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    Estado liberal

    Como visto na primeira aula, em conronto com o Estado de

    bem-estar, o modelo de Estado liberal implica ortes restries

    atividade pblica no ambiente de mercado, tendo o papel limita-

    do de garantir a segurana pblica e controlar as livres relaes

    contratuais por meio da legislao e da Justia. Com variaes

    histricas, pode-se afirmar que esse modelo no intervencionista

    de Estado se consolidou aps as revolues burguesas do final do

    sculo XVIII e estendeu seu domnio at a passagem do sculo

    XIX para XX, quando as condies para a sua superao se acu-

    mularam a partir dos graves problemas de distribuio de riqueza

    e do crescimento de ormas organizadas de contestao poltica

    nos pases ocidentais.

    Nesse contexto, sobretudo aps o final da dcada de 1970, o qua-

    dro de uma persistente crise econmica mundial ez surgir, no deba-

    te pblico dos pases do mundo ocidental, um movimento contrrio

    orma adotada pelo Estado de bem-estar para dar conta de um dos

    seus dois pilares de sustentao. Essa crtica esteve voltada para apon-

    tar a ineficincia da ao do Estado como ator no mercado e a crise de

    financiamento das polticas pblicas caractersticas do seu modelo de

    bem-estar. Configurou-se, dessa orma, um ataque rontal ao modelode burocracia que figura como uma complexa mquina administrativa

    voltada, a um s tempo, para programas pblicos de garantia de renda e

    para o controle e produo de bens e servios de interesse coletivo.

    De acordo com tais crticos, esse ormato se mostrou racassado

    porque as permanentes promessas e polticas de assistncia social e de

    qualificao dos servios prestados pelo Estado vm esbarrando na ine-

    ficincia de sua gesto, especialmente complicada por problemas de or-

    dem fiscal (despesas superando receitas). O uso da expresso gestono

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    Aula 2 Crise e reforma do Estado: o modelo e a crise do Estado de bem-estar.

    debate sobre a administrao pblica j apontaria, como veremos, para

    o propsito de encar-la segundo critrios empresariais.

    Para os adeptos dessa concepo, portanto, a crise do Estado resi-

    diria no distanciamento entre a sua legitimidade democrtica, cres-centemente reafirmada, e a sua incapacidade de gesto. Nesse sentido,

    deendem que, sendo a crise do Estado especialmente uma crise do mo-

    delo da administrao pblica, na necessidade de reormulao desse

    aparato que deveria estar concentrada a reorma que a crise econmica

    mundial exigia, de tal modo que as expectativas pblicas depositadas

    na ao do Estado no restassem rustradas pela alegada ineficincia de

    sua burocracia.

    Seguindo o modelo de outros pases, como Inglaterra e Nova Ze-

    lndia, o governo brasileiro do incio da dcada de 1990 apostou nessa

    crtica e elaborou para a crise do Estado uma resposta que, no obstante

    seu orte carter controverso, inspirou-se naquela que passaria a pre-

    dominar no cenrio ocidental. Assim, as disputas polticas e tericas

    por um modelo de administrao pblica que melhor pudesse eetivar

    as polticas dos chamados Estados democrticos ocuparam o centro da

    discusso sobre a crise do seu modelo e do modo de produo econ-

    mico dominante.

    No Brasil, essas disputas resultaram na prevalncia dos preceitos dachamada administrao gerencialou nova gesto pblica, que constituram

    a base para as alteraes institucionais promovidas pela reorma adminis-

    trativa, iniciada em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso.

    Nas prximas aulas, trataremos desse assunto. Comearemos, nesta

    aula, esclarecendo alguns aspectos undamentais do desenho institucio-

    nal do Estado de bem-estar social no cenrio europeu e da sua relao

    com a ampla crise econmica dos anos 1970. Mais adiante, na aula 4,

    estudaremos o problema da reorma do modelo de Estado de bem-estarque se desenhou no Brasil aps a caracterizao da sua correspondente

    estrutura de bem-estar social. Poderemos, assim, compreender melhor

    sobre que base material se construiu o discurso da reorma da adminis-

    trao pblica brasileira, voltada consagrao do chamado modelo de

    administrao gerencial, ainda hoje em disputa.

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    O Estado de bem-estar social: seu contexto,sua gnese e principais manifestaes

    A crise que se desenvolveu, sobretudo a partir da Europa, em me-

    ados da dcada de 1970 apresentou orte componente econmico. Omodelo de Estado ento vigente, chamado Estado de bem-estar social,

    consolidou-se, por sua vez, aps a Segunda Grande Guerra como uma

    resposta questo social do sculo XIX. Ele tambm uncionou como

    uma tentativa de conter, do ponto de vista da deesa do regime capita-

    lista, o avano das propostas socialistas de Estado, visando incorporar

    demandas histricas de movimentos sociais e partidos de esquerda,

    poca, mais simpticos ruptura orada do que reorma do sistema.

    A questo social do sculo XIX

    Os analistas sociais tm apontado a presena da questo social

    ao longo de distintas ormaes histricas do mundo ocidental,

    entendendo por ela a existncia de relativos descompassos entre

    a riqueza socialmente produzida e a sua distribuio coletiva. A

    sua nota distintiva no sculo XIX, porm, e que importa para as

    alteraes ocorridas na estrutura do Estado entre o final desse

    sculo e o incio do seguinte, pode ser resumida nesse trecho da

    obra de Friedrich Engels:

    A situao da classe trabalhadora, isto , a situao da imensamaioria do povo ingls, coloca o problema: o que aro esses mi-lhes de despossudos que consomem hoje o que ganharam on-tem, cujas invenes e trabalho fizeram a grandeza da Inglaterra,e que a cada dia se tornaram mais conscientes de sua ora e exi-gem cada vez mais energicamente a participao nas vantagensque proporcionam s instituies sociais? (ENGELS 2008, p. 60).

    Para esse quadro de iminente revolta concorreram atores impor-

    tantes como as expectativas de ascenso social dos trabalhado-

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    Aula 2 Crise e reforma do Estado: o modelo e a crise do Estado de bem-estar.

    res constantemente rustradas por altos nveis de violncia e de

    abusos nas novas relaes de emprego do mundo capitalista, que

    apregoava a sua liberdade, alm da organizao poltica de traba-

    lhadores, inicialmente na Europa, em torno de ideias e prticas de

    crtica social e poltica, traduzida em agremiaes ormadas den-tro e ora dos espaos de trabalho, como sindicatos, associaes

    de ajuda mtua e partidos polticos, notadamente de inspirao

    comunista e anarquista.

    Por outro lado, ao fim da Segunda Grande Guerra, os pases nos quais

    o conflito havia se desenrolado apresentavam um ambiente de vasta des-

    truio sica e financeira. relativa distncia desses problemas, e ainda

    avorecidos pela economia da guerra, os Estados Unidos se engajaram

    em um amplo programa de recuperao das economias dos Estados eu-

    ropeus, continuando os propsitos da chamada Doutrina ruman es-

    tabelecida pelo ento presidente dos EUA, Harry ruman de barrar o

    avano da proposta comunista sovitica. O Plano Marshall (assim ba-

    tizado em aluso ao Secretrio de Estado dos EUA, George Marshall)

    distribuiria, nos anos de 1948 a 1951, cerca de U$ 130 bilhes, em valoresatuais, entre pases europeus alinhados economia de mercado, cabendo

    as principais somas ao Reino Unido, Frana e Alemanha. A reestrutu-

    rao que se seguiria da desempenhou papel decisivo para a consequen-

    te organizao do Welfare Stateno continente europeu.

    undamental tambm risar que esse processo de soerguimento da

    Europa desenrolou-se, do ponto de vista geopoltico, no cenrio polari-

    zado de uma crescente Guerra Fria, contexto no qual no s a implan-

    tao do Plano Marshall, mas tambm a criao da Otan (Organizaodo ratado do Atlntico Norte), ajudaram a soldar a diviso entre os

    pases que viriam compor os ento denominados Primeiro e Segundo

    Mundos. Assim, ao lado das reormulaes institucionais em curso em

    ambos os domnios polticos de economia capitalista (Primeiro Mundo)

    e socialista (Segundo Mundo), a iminncia de um conflito armado de

    consequncias imprevisveis para a segurana de todo o planeta acrescen-

    tava mais um elemento de tenso aos programas internos de cada pas.

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    Otan, Pacto de Varsvia e Guerra Fria

    Assim como no caso do Plano Marshall, a criao da Otan, em

    1949, obedeceu a uma orientao poltica voltada consolidao

    da hegemonia estadunidense junto aos pases europeus no ps-

    -guerra. O acordo firmado por essas naes adicionava estra-

    tgia de recuperao das economias uma aliana de tipo militar

    que se maniestava no s nos objetivos elementares de autodeesa,

    mas tambm na garantia de um mercado consumidor circula-

    o da produo comum. A resposta dada pelo bloco opositor to-

    mou a orma de uma aliana militar correspondente, o Pacto de

    Varsvia, criado em 1955 por ora de um tratado mantido pela

    ento URSS e por Estados aliados (Hungria, Bulgria, Alema-

    nha Oriental etc.), e que, junto com a Otan, desenhou a chamada

    cortina de ferro ronteira simblica que, na Europa, separou pa-

    ses capitalistas e socialistas. Esse quadro de polarizao e constante

    provocao blica teve impacto para alm dos Estados diretamenteenvolvidos e se manteve at, pelo menos, o final da dcada de 1980.

    Para mais inormaes sobre esse assunto, consulte os sitesindi-

    cados a seguir.

    http://estudandoxeografia.blogspot.com.br. A aula 14, de 15 de

    outubro de 2010, apresenta o mapa ps-Guerra Fria com a Ale-

    manha dividida.

    http://www.coladaweb.com/historia/guerras/guerra-ria. rata da

    ao da Otan, do Pacto de Varsvia e dos pases neutros.

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    Aula 2 Crise e reforma do Estado: o modelo e a crise do Estado de bem-estar.

    http://noseahistoria.wordpress.com/2012/01/. Apresenta inormaes

    sobre a cortina de erro e vdeos (sobre a crise do petrleo, inclusive).

    No interior desse quadro de reormas, a lgica de um Estado de

    bem-estar partiu do pressuposto geral de que a interveno do poder

    pblico na economia dos pases do bloco capitalista passava a se tornar

    nada menos que indispensvel. Afinal, era necessrio tanto responder

    aos ortes sinais de esgotamento da relao entre poder pblico e mer-

    cado como tambm rear o antasma da revoluo. Assim, a instituio

    do Estado-providncia se projetava como um novo e necessrio arranjo

    institucional capaz de reparar o racasso do capitalismo em produzir, ao

    longo dos seus dois sculos de expanso, parmetros mnimos de renda

    e de equidade social.

    O Relatrio Beveridge, os direitos sociais e o

    Welfare State

    Na complexa montagem da estrutura do Estado de bem-estar so-

    cial, merece destaque a elaborao de um documento em 1942, ainda nocurso da Segunda Guerra Mundial, de autoria do Comit Interdeparta-

    mental de Seguridade Social britnico, conduzido por William Beverid-

    ge. O Relatrio Beveridge, como acabou amplamente conhecido, fixou as

    bases para a criao daquele que seria o primeiro modelo globalmente

    coerente de seguridade social jamais concebido. Sob o lema libertar a

    sociedade da necessidade e do risco, o estudo deendia a direta respon-

    sabilidade do Estado pela criao e administrao de instituies volta-

    das promoo e garantia de um nvel mnimo de bens e de riqueza disposio do cidado.

    A experincia de William Beveridge remontava sua participao,

    como assistente de Beatrice e Sidney Webb, economistas de ormao so-

    cialista, na produo do aamadoMinority Report(1909), um importante

    documento produzido no Reino Unido com o propsito de esclarecer e

    propor reormas rente situao de desamparo institucional em que se

    encontravam os trabalhadores ingleses no incio do sculo XX. Produzido

    no mbito de uma reorma da assistncia pblica, o teor do relatrio de

    1909 remetia s antigas leis dos pobres regularmente vigentes naquele

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    pas desde, pelo menos, o sculo XVII, mas substancialmente reduzidas

    em sua extenso e eficcia em razo da prevalncia de um iderio liberal

    segundo o qual a situao do pobre assistido deveria ser muito menos

    vantajosa do que a do trabalhador (ROSANVALLON, 1997, p. 124). A

    predominncia de tal lema na sociedade britnica da poca indicava oorte compromisso do Estado de, at ento, estimular a livre criao e cir-

    culao de um proletariado que, segundo essa opinio, estaria mais prs-

    pero e seguro vendendo a sua ora de trabalho pelo pas como mercado-

    ria do que sob o eeito alegadamente perverso das sombras da assistncia

    social. A ordem natural das oras produtivas, diretamente responsvel

    pela riqueza gerada pelas trocas e dirigida pela mo invisveldo merca-

    do, seria, segundo tal concepo, a garantia do modelo vigente.

    A situao da classe trabalhadora inglesa, ao final do sculo XIX, po-rm, tratou de desmentir essa rmula liberal, ou, pelo menos, apontou a

    urgncia de que as autoridades pblicas reconhecessem o maior nvel de

    complexidade dessa equao, sobre cuja operao convergiam interesses

    sociais muito diversos. Assim, como resultado direto dos estudos reali-

    zados no incio do sculo, uma legislao promulgada em 1911 cria na

    Gr-Bretanha um sistema de seguros-doena e desemprego. exatamen-

    te sobre essa iniciativa e sobre esse sistema que se debruar, no mbito

    domstico e no contexto da guerra, o Relatrio Beveridge, para reormar

    o sistema britnico, dando consistncia s linhas gerais do Welfare State.

    O que estava em jogo, ento, era uma mudana qualitativa da orma

    de assistncia social prestada pelo Estado aos cidados. A experincia

    britnica das leis dos pobres no havia sido a nica na Europa moder-

    na. Sua presena registrada na Frana ps-revolucionria e tambm,

    de uma orma mais sofisticada, na Alemanha do reormador Oto Von

    Bismarck. Em ambos os casos, tal como no modelo britnico, tratava-se,

    no entanto, de ormas de Estado-protetor que antecedem o Estado de

    bem-estar social. Esse ltimo modelo s teria eetivamente se estabe-lecido quando o sistema de assistncia passasse a ser visto como um

    investimento social, e no como custo, perdendo assim o perfil de uma

    caridade institucionalizada e passando a ser articulado com aes volta-

    das ao pleno emprego e ao crescimento econmico por meio da induo

    do Estado. Alm disso, esse novo sistema seria marcado pela vigncia,

    em maior ou menor nmero, de princpios organizadores, estruturados

    em torno da universalidade de sua abrangncia, da solidariedade das

    contribuies e da unificao dos seus programas por uma administra-

    o pblica correspondente.

    Mo Invisvel

    Imagem criada porAdam Smith, importante

    economista liberalescocs do sculo XVIII,para designar a ora

    naturalmente reguladoraque o fluxo do mercadoexerceria sobre a esera

    econmica (por umaespcie de ator natural, a

    mo invisvel ajustariaglobalmente a economia

    a partir da perseguiodo interesse prprio

    por cada um). rata-sede um meio superior

    para a abolio dasclasses, da desigualdadee do privilgio. Para ele,segundo Gosta Esping-Andersen, alm de um

    mnimo necessrio,a interveno do

    Estado s asfixiariao processo igualizador

    do comrcio competitivoe criaria monoplios,

    protecionismoe ineficincia

    (ESPING-ANDERSEN,

    1991, p. 86).

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    Aula 2 Crise e reforma do Estado: o modelo e a crise do Estado de bem-estar.

    ais princpios oram organizados na proposta de Beveridge, mas no

    antes do advento de experincias decisivas para a sua inspirao como

    um programa coeso. A esse respeito, relevante destacar a diuso do

    pensamento de Johh Maynard Keynes e a criao da Lei de seguridade

    social por Franklin Roosevelt, presidente dos EUA, em 1935, ambas inte-gradas ao contexto da orte crise econmica da dcada de 1930. Keynes,

    influente terico social do incio do sculo, havia fixado em sua obra a

    ideia do necessrio equilbrio entre o crescimento econmico e os impe-

    rativos de equidade social e, para tanto, teria encarecido a importncia da

    interveno do Estado na economia. Roosevelt, por sua vez, no comando

    de uma das maiores polticas integradas de reorma social do sculo XX,

    o New Deal que se seguiu dbcleestadunidense de 1929 , criou o

    Social Security Act, em 1935, pautado no princpio da solidariedade decontribuio entre os trabalhadores integrados ao sistema.

    Queda da bolsa de Nova Iorque (1929)e New Deal

    O episdio da queda drstica do volume de aes negociadas na

    Bolsa de Nova Iorque em 1929 , ao mesmo tempo, um sintoma e

    uma causa das graves distores poltico-econmicas que seriam

    notadas aps uma dcada de florescimento da riqueza nos Estados

    Unidos, logo em seguida ao fim da I Guerra. Com o financiamento

    da economia europeia, os Estados Unidos se tornariam o maior

    credor mundial e, nos seus prprios domnios, a economia da guer-ra, aliada s inventivas transormaes tecnolgicas (a exemplo de

    Ford e suas linhas de montagem), impulsionaria enormemente o

    nvel de riqueza global, representado no s pela elevada produo

    das indstrias automobilstica, siderrgica, petrolera e txtil mas

    tambm pela alta do poder de compra dos cidados. Seguiu-se a

    isso uma euoria de consumo e de crdito que, como uma bolha,

    estouraria com os indcios de recesso j visveis em meados da d-

    cada de 20, em virtude especialmente do reposicionamento da pro-

    duo e do mercado consumidor internacionais e da incapacidade

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    de o crescimento da economia estadunidense acompanhar o ritmo

    imposto pela especulao financeira. Com a quebra da bolsa, que-

    braram bancos, indstrias e empresas agrcolas, e o desemprego

    alcanou seu maior nvel em 1932: 24% da ora de trabalho. Para

    azer rente aos maiores ndices de alncia e de pobreza da histriado pas at ento, o presidente Franklin Roosevelt, eleito em 1932,

    valeu-se de um modelo tipicamente keynesiano de poltica econ-

    mica, combinando ortes investimentos e subsdios pblicos pro-

    duo e criao de postos de trabalho a partir de obras pblicas

    espalhadas pelo territrio. Criou ainda uma expressiva legislao

    de seguridade social e rgos de regulao do mercado de capitais,

    desenhando o que viria a ser conhecido como New Deal, impor-

    tante reerncia para o estudo dos traos do Welfare State.

    Para saber mais, assista, em duas partes, ao documentrio Relem-

    brando 1929: o ano da quebra da bolsa em Nova Iorque.

    http://www.youtube.com/watch?v=6hldit2b1do

    http://www.youtube.com/watch?v=8Loh82uBPg

    Ambas as experincias consistiram em objeto de estudo de Beveridge

    e de um contemporneo sueco, Gnnar Myrdal, que, rente da Comis-

    so de Emprego do seu pas, se tornaria figura igualmente importante

    para a consolidao de um dos modelos de Welfare Statena Europa, de

    tipo social-democrata. Na linha do compromisso keynesiano, Myrdal

    afirmaria que a poltica social tem carter no s emancipador, mas

    condio de eficincia econmica, e se volta no para manter aastado

    o pobre como nos casos tpicos das tradicionais leis protetoras mas

    para liber-lo dos eeitos da pobreza.

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    Aula 2 Crise e reforma do Estado: o modelo e a crise do Estado de bem-estar.

    Beveridge, por seu lado, encontraria, no cenrio dos conflitos mun-

    diais, ainda novas motivaes para o desenvolvimento do plano, pois

    cada cidado estar mais disposto a se consagrar no esoro da guerra

    se sentir que seu governo cria planos para um mundo melhor (ROSAN-

    VALLON, 1997, p. 24). E, conorme registrado em seu relatrio, ele dirque: a declarao de uma poltica de reconstruo eita por uma nao

    em guerra equivale a uma declarao dos usos que aquela nao pretende

    azer da vitria, quando a vitria or alcanada (BEVERIDGE, 1942).

    Os conflitos cessaram em 1945. Em 1946, criou-se no Reino Unido a

    Lei Nacional do Seguro.

    A aplicao dos termos do Relatrio Beveridge criou e consolidou,

    assim, ao lado do Sistema de Seguridade Social, o Sistema Nacional de

    Sade britnico inovaes em termos de polticas sociais pblicas com

    vistas a assegurar, ora da exclusividade do mercado, a proviso de di-

    reitos considerados undamentais para o mnimo bem-estar pessoal. A

    influncia desse documento no cenrio do ps-guerra se traduziu no

    poder de inspirar a reorientao e a reorganizao do modelo de seguri-

    dade social de muitos pases, no s europeus, marcando assim a eetiva

    converso do Estado em um agente interventor e regulador das relaes

    entre a sociedade e o mercado, alm de, em alguns casos, produtor dire-

    to dos bens vitais que, historicamente, a mo invisvel no havia sidocapaz de distribuir propriamente.

    natural que, na condio de modelo, o Relatrio Beveridge no te-

    nha sido a nica nem a primeira onte de inspirao e que, na passagem

    da concepo implantao, inmeras mediaes polticas e alteraes

    suscitadas pelos contextos nacionais, inclusive na Inglaterra, tenham

    produzido conjuntos empricos distintos de Welfare Statena Europa e

    ora dela. Fala-se, assim, em modelos liberais e social-democratas de

    Estados de bem-estar, em geral distinguidos pelo nvel de universaliza-

    o dos sistemas de seguridade e de consagrao dos chamados direitos

    sociais. A tabela 3.1indica o perodo de surgimento das primeiras legis-

    laes de seguridade social em alguns pases ocidentais, nem todas elas

    no contexto mais definido de um Welfare State.

    Tabela 2.1:Legislaes de seguridade social na primeira metade do sculo XIX

    OIT Brasil Sucia EUA ReinoUnido

    Frana

    1919 Anos 30 Anos 30 Anos 30 Anos 40 Anos 40

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    Eetivamente, a extenso da pauta de direitos sociais em um dado sis-

    tema jurdico consiste em um importante critrio de identificao do per-

    fil de bem-estar assumido pelo respectivo Estado, haja vista o sentido de

    desmercadorizao caracterstico desse gnero de direitos. Um direito

    desmercadorizado aquele que pode ser exigido pelo sujeito com basena sua simples condio de cidado, independentemente de qual seja a

    sua posio no mercado. Essa prestao estatal, como vimos, est na ori-

    gem associada aos direitos de seguridade, mas, com o desenvolvimento

    de novas estruturas burocrticas do Estado-providncia, ela se estendeu a

    servios essenciais, oerecidos ora com exclusividade ou monoplio, ora

    em concorrncia com o mercado. So os casos, por exemplo, dos servios

    bsicos de transporte, de saneamento ou de produo de energia, por um

    lado, e dos sistemas de sade e de educao, por outro.Assim, de um ponto de vista jurdico, os textos das constituies e

    as principais leis desses pases passaram a evidenciar a ace provedora

    do Estado ao institurem um regime de direitos, segundo o qual o ci-

    dado pode exigir do Estado a direta prestao de servios pblicos,

    submetendo o seu no cumprimento ao estrito controle administrativo

    e judicial. O Estado passava assim condio de devedor direto do ci-

    dado nas reas da sade, educao, renda, moradia e assistncia so-

    cial, comprometendo a sua estrutura burocrtica com a destinao de

    oramento para a criao de um completo aparato voltado realizao

    desses servios, tpicos do modelo de desenvolvimento ento adotado.

    Os direitos sociais so, em geral, distinguidos dos direitos individuais

    pois estes determinam que o Estado no interfira na autonomia do in-

    divduo (liberdade de ir e vir, de expresso, de crena etc.), enquanto os

    primeiros exigem que ele promova ou proveja a oerta de bens.

    Cabe dizer que esse movimento vivido na Europa, do apogeu do

    liberalismo econmico em meados do sculo XIX ao seu questiona-

    mento mais agudo nas primeiras dcadas do sculo XX, no oi experi-mentado tal qual pelo Brasil e pelos demais pases da Amrica Latina.

    Naturalmente, porm, integrando os mercados mundiais e o seu uni-

    verso poltico-cultural, os pases do chamado capitalismo peririco

    tambm participaram dos resultados daquilo que se afigurava como um

    cenrio abrangente de crise do sistema de produo, introduzindo suas

    prprias inovaes para darem conta dos problemas de ordem regional.

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    Aula 2 Crise e reforma do Estado: o modelo e a crise do Estado de bem-estar.

    ATIVIDADE 1

    Atende ao Objetivo 1

    Responda questo a seguir:

    Que principais traos poderiam definir o contexto e os propsitos do

    Estado de bem-estar social?

    Resposta Comentada

    O Estado de bem-estar social do mundo ocidental de capitalismo avan-

    ado tem a sua gnese ligada ao quadro de orte crise poltica e eco-

    nmica vivida especialmente no perodo entre guerras, sobretudo em

    razo da inexistncia de mecanismos regulatrios do mercado. A cha-

    mada questo social, identificada desde meados do sculo XIX, teria le-

    vado o Ocidente a um estgio to crtico de desigualdade que as antigas

    leis dos pobres j no eram aptas a ocult-la.

    rata-se, portanto, de um tipo de Estado-protetor que rompe com umaorma especfica de assistncia social, j existente nos sculos anteriores,

    e volta-se ormulao de novos instrumentos de interveno social,

    combinando a garantia e a ampliao de direitos sociais com a criao

    de um aparato burocrtico destinado a prover os cidados de bens de

    carter undamental, teoricamente em condies mais acessveis que

    aquelas, at ento, criadas pelo livre mercado.

    Entram tambm em cena undamentos de uma nova poltica econ-

    mica, segundo a qual o Estado passa a omentar estratgias de plenoemprego, tratando os gastos sociais como investimentos e esperando do

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    crescimento econmico decorrente, as receitas necessrias para o cus-

    teio dessa sua nova configurao. Nessa orma de Estado, programas de

    seguridade social so centrais e se eetivam por meio de um regime jur-

    dico, segundo o qual as condies de vida do cidado devem ser garan-

    tidas em um patamar mnimo que no dependa do mercado. Os direitossociais, portanto, maniestam-se no s na figura de direitos desmerca-

    dorizados, como tambm em um conjunto de prestaes diretamente

    exigveis das instituies que o Estado cria para atuar no mercado.

    O contexto mais amplo da polarizao poltica resultante do fim da Se-

    gunda Guerra, por sua vez, permite tambm ver o Welfare Statecomo

    uma espcie de sntese dos movimentos polticos de deesa e de contes-

    tao do capitalismo como ordem de produo. Fala-se de uma reestru-

    turao do sistema capitalista possvel, atravs de um acordo de classesem prol da reorma dos instrumentos de mercado e da entrada mais

    decisiva do Estado na economia, por meio de estratgias pblicas de

    mais eetiva distribuio de renda.

    Os limites do bem-estar e a crise daprovidncia

    Com a consolidao do aspecto eminentemente assistencial do Wel-

    fare State a partir das reormas do ps-guerra, o Estado passou tam-

    bm a se caracterizar por um processo de crescimento da burocracia.

    ratava-se de prover as condies necessrias ao acompanhamento e

    regulao da eetividade dos direitos sociais, quando no da sua prpria

    prestao, azendo corresponder a esse novo papel a criao de um con-

    junto de instituies pblicas.

    Dessa orma, o Estado, responsvel inicialmente pela manuteno

    de um programa de seguro em benecio dos cidados, com vistas a lhes

    garantir mnimas condies de vida ora do mercado, passava a chamar

    para o seu controle direto a produo de bens e servios dos setores de

    energia, transporte, telecomunicaes, inraestrutura, habitao, sade e

    educao, ampliando o sentido da sua interveno social. O Estado dava,

    assim, um passo importante para assumir papel central como ator econ-

    mico, ingressando no mundo do mercado tanto para regular as condies

    de sua oerta, como, por vezes, para prov-la exclusivamente, justificadopelo interesse estratgico ou socialmente relevante dos bens produzidos.

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    Aula 2 Crise e reforma do Estado: o modelo e a crise do Estado de bem-estar.

    Completavam, ainda, esse quadro protetor da ao do Estado mais

    dois ramos de atividades: a regulao externa da atividade econmica (o

    controle da concorrncia, a fixao de preos ou a definio de limites

    de juros de mercado por meio de bancos pblicos responsveis pelas

    aes de poltica econmica) e a manuteno de instituies respons-veis pelo acompanhamento da eficcia de uma nova legislao protetora

    de grupos sociais vulnerveis nas relaes de me