LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL E … CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM...

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM LINGUÍSTICA LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL E DISCURSIVA: LER E COMPREENDER NO ENSINO FUNDAMENTAL II: 6º ANO JANAÍNA DOS SANTOS DE OLIVEIRA SATURNINO Orientadora: Profa. Dra. Maria Valíria Aderson de Mello Vargas Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística. SÃO PAULO 2013

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM LINGUÍSTICA

LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL E DISCURSIVA: LER E

COMPREENDER NO ENSINO FUNDAMENTAL II: 6º ANO

JANAÍNA DOS SANTOS DE OLIVEIRA SATURNINO

Orientadora: Profa. Dra. Maria Valíria Aderson de Mello Vargas

Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística.

SÃO PAULO

2013

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

S269L

Saturnino, Janaína dos Santos de Oliveira. Leitura como prática social e discursiva: ler e compreender no

ensino fundamental II: 6° ano / Janaína dos Santos de Oliveira Saturnino. -- São Paulo; SP: [s.n], 2013.

132 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Maria Valíria Aderson de Mello Vargas. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em

Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Leitura – Análise do discurso 2. Linguagem textual 3.

Compreensão da leitura 4. Construção do conhecimento 5. Parâmetros curriculares nacionais 6. Escola municipal (Caraguatatuba, SP). I. Vargas, Maria Valíria Aderson de Mello. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.

CDU: 028:81’42(043.3)

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL E DISCURSIVA: LER E

COMPREENDER NO ENSINO FUNDAMENTAL II: 6º ANO

JANAÍNA DOS SANTOS DE OLIVEIRA SATURNINO

Dissertação de mestrado defendida e aprovada

pela Banca Examinadora em 28/03/2013.

BANCA EXAMINADORA:

Profa. Dra. Maria Valíria Aderson de Mello Vargas

Universidade Cruzeiro do Sul

Presidente

Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha

Universidade Cruzeiro do Sul

Profa. Dra. Rosane de Sá Amado

Universidade de São Paulo

DEDICATÓRIA

Aos meus pais José e Maria, pelas lições de vida e pelos valiosos ensinamentos. A meu esposo Eduardo, que está sempre ao meu lado, pelo incentivo e compreensão nos momentos de ausência.

A minha filha Estela, alegria da minha vida, razão do meu viver, que desde muito cedo aprendeu a amar a vida e os livros.

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelas oportunidades concedidas e por me dar força para superar as

dificuldades.

A minha orientadora, Profa. Dra. Maria Valíria Aderson de Mello Vargas, pela

dedicação, pela paciência e pela competência com que conduziu este trabalho.

Às Profas. Dras. Guaraciaba Micheletti e Rosane de Sá Amado, pela leitura

rigorosa demonstrada no Exame de Qualificação e pelas valiosas sugestões que

contribuíram para o prosseguimento do meu trabalho.

Ao Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha, que aceitou o convite para participar

da banca de defesa deste trabalho.

Aos professores do Programa de Mestrado em Linguística da Universidade

Cruzeiro do Sul, pela dedicação e competência com que ministraram as aulas.

À Secretaria de Educação Municipal de Caraguatatuba, pela Bolsa de

Estudos concedida.

Aos colegas do curso, pelo companheirismo durante toda a trajetória.

Aos muitos amigos, que não nomeei, mas que colaboraram e me

incentivaram em cada etapa desta conquista.

“A leitura do mundo precede a leitura da

palavra, daí que a posterior leitura desta não

possa prescindir a leitura da continuidade da

leitura daquele. Leitura e realidade se prendem

dinamicamente. A compreensão do texto a ser

alcançada por sua leitura implica a percepção

das relações entre texto e contexto.”

Paulo Freire

SATURNINO, J. S. O. Leitura como prática social e discursiva: ler e compreender no ensino fundamental II: 6º ano. 2013. 132 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.

RESUMO

O presente estudo situa-se na linha de pesquisa “Teorias e práticas textuais e

discursivas: leitura e escrita”, do Programa de Mestrado em Linguística da

Universidade Cruzeiro do Sul. Surgiu da observação da dificuldade encontrada nas

escolas, pelos educadores, em promover o desenvolvimento da leitura,

considerando-se o texto em seus aspectos discursivos. Parte-se do princípio de que

a leitura é uma habilidade indispensável para a prática social, uma prática interativa,

resultante tanto da construção do texto quanto da compreensão deste, sendo, a

leitura, uma atividade complexa de produção de sentidos. Discutem-se as

concepções de leitura e o fenômeno da competência leitora, bem como os estímulos

e a formação do leitor, relacionando ideias de autores como Orlandi, Rojo, Kleiman,

Soares e outros, no que se refere à negociação dos sentidos e à interação com os

materiais de leitura para a construção do conhecimento, no ambiente escolar.

Expõem-se as abordagens da leitura propostas nos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN) e em outros documentos oficiais, e verifica-se o alcance dessas

abordagens, por meio do acompanhamento de um projeto de leitura para o 6º ano

de uma escola da rede municipal de ensino de Caraguatatuba. Utilizam-se alguns

textos produzidos pelos alunos nesse projeto como corpus para refletir sobre as

estratégias empregadas no desenvolvimento da leitura enquanto prática social e

discursiva, considerando-se as dificuldades e os avanços nesse processo. Sugere-

se aos profissionais da educação que adotem um posicionamento cuidadoso para

com a leitura, porque é em sua prática bem conduzida que os alunos aprendem a

utilizar as práticas discursivas e sociais. Enfatiza-se a necessidade de possibilitar ao

aluno interagir e expressar sua opinião nas mais diferentes situações. Conclui-se

que não basta que os alunos tenham contato com uma ampla diversidade de

leituras; é necessário refletir sobre as estratégias empregadas para o

desenvolvimento da leitura no currículo enquanto uma prática social e discursiva de

compreensão, em todos os anos do Ensino Fundamental.

Palavras-chave: Leitura, Práticas sociais e discursivas, Compreensão, Construção

do sentido.

SATURNINO, J. S. O. Reading as discoursive and social practice: reading and understanding at elementary school: 6th grade. 2013. 132 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.

ABSTRACT

This study is about the line of research "Textual and Discoursive Theories and their

Practices: Reading and Writing", of the Masters Program in Linguistics at the

Cruzeiro do Sul University. Our thesis arose from the observation of difficulty found in

schools, by teachers, in promoting development of reading, considering the text in its

discoursive aspects. It starts with the assumption that reading is an essential skill to

the social practice, an interactive practice, resulting from the construction of the text

and the understanding of it. Its reading is a complex activity of meaning production.

We discuss the concepts of reading and the phenomenon of reading competence, as

well as the stimuli and the formation of reader, and we link them to the ideas of

authors like Orlandi, Rojo, Kleiman, Soares and others, regarding to the negotiation

of the senses and the interaction with reading materials for the construction of

knowledge, in the school environment. We describe the approaches of reading

proposed in the National Curriculum Parameters (PCN) and in other official

documents, and we check the scope of these approaches, by monitoring a reading

project for the 6th grade in a municipal school of Caraguatatuba. We use some texts

produced by the students in this project as a corpus for reflecting on the strategies

employed in the development of reading as a social practice and discourse,

considering the difficulties and progress in this process. It is suggested to teachers to

adopt a careful positioning with reading, because in its well-conducted application,

students will learn to apply the social and discursive practices. The work emphasizes

the need to allow students to interact and express their opinions in different

situations. We conclude that it is not enough for students, the contact with a wide

variety of readings: it is necessary to reflect on the strategies employed for the

development of reading in the curriculum as a social practice and discursive

understanding, in all grades of elementary school.

Keywords: Reading, Social and discursive practices, Understanding, Construction of

meaning.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

CAPÍTULO I – LEITURA, UMA PRÁTICA SOCIAL. ................................................ 19

1.1 Concepções de leitura ............................................................................. 21

1.2 O fenômeno da compreensão da leitura ................................................ 25

1.3 A formação do leitor ................................................................................. 28

1.4 O estímulo à formação do leitor .............................................................. 32

1.5 Práticas de leitura e formações discursivas .......................................... 35

CAPÍTULO II – A LEITURA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS .................................. 38

2.1 O desafio: um currículo de Língua Portuguesa que atenda às

necessidades contemporâneas .............................................................. 42

2.2 A Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional e a abordagem da

leitura ......................................................................................................... 43

2.3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a formação do leitor ............ 45

2.4 A proposta curricular de Língua Portuguesa no currículo do Estado de

São Paulo .................................................................................................. 49

2.5 O currículo de Língua Portuguesa do município de Caraguatatuba para

o 6º ano. ..................................................................................................... 52

CAPÍTULO III – LEITURA NA ESCOLA: PÓR ONDE COMEÇAR? ........................ 54

3.1 Um projeto de leitura para o 6º ano ........................................................ 56

3.2 Contexto de desenvolvimento do projeto .............................................. 67

3.2.1 Os alunos do 6º Ano C: realidade social e cultural ............................... 70

3.3 Proposta de atividade de prática de leitura ............................................ 73

3.4 Produções dos alunos ............................................................................. 74

3.4.1 Analisando as produções ........................................................................ 84

3.4.1.1 Marcas da manifestação do sujeito nos textos: reflexos da

compreensão leitora ................................................................................. 84

3.4.1.2 Indicadores da leitura como prática social e discursiva nos textos. ... 90

3.4.1.3 A seleção do vocabulário como marca da compreensão leitora. ........ 91

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 94

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 97

ANEXOS ................................................................................................................. 101

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INTRODUÇÃO

A leitura é uma habilidade indispensável para a prática social. Consiste numa

atividade altamente interativa, haja vista que, mesmo quando lê sozinho, o leitor

pode compartilhar ideias daquele que não está presente, mas é na interação e na

troca com os pares que o ritmo, a fluência e a intencionalidade da leitura permitem o

entendimento sobre o que está escrito, afinal “[...] é na interação, isto é, na prática

comunicativa em pequenos grupos, com o professor ou com os pares, que é criado

o contexto para que aquela criança que não entendeu o texto entenda.” (KLEIMAN,

2002, p.10).

A prática da leitura no ambiente escolar necessita ser adotada como uma

ação indispensável para desenvolver estratégias e capacidades leitoras, visto que

“ler envolve diversos procedimentos e capacidades (perceptuais, práticas,

cognitivas, afetivas sociais, discursivas, linguísticas), todas dependentes da situação

e das finalidades de leitura [...]” (ROJO, 2002, p. 02). Entretanto é ainda vista na

atualidade como uma prática pouco empregada nas classes sociais menos

abastadas, pois, por mais que seja abordada nos bancos escolares, as capacidades

leitoras encontram desenvolvidas no ambiente escolar resvalam em muitas

dificuldades para sua apreensão, considerando toda a sua diversidade e amplitude.

A leitura, no ambiente escolar, começa muito antes da abertura do livro. Os

alunos realizam leitura do ambiente, dos colegas, do professor, das fotos e materiais

expostos no ambiente escolar. No Ensino Fundamental I, no 6º Ano escolar,

momento em que o aluno está iniciando mais uma etapa de sua escolaridade com

sua inserção no Ciclo III1, ele também realiza várias leituras, mas para o professor, a

leitura tem início no momento em que apresenta a proposta da aula. Os textos

apresentados são múltiplos, a cada cinquenta minutos ocorre a mudança do

1 A LDBEN 9.394/1996 em seu artigo 23 abriu a possibilidade de estados e municípios organizarem

seus sistemas de ensino de forma autônoma. "A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, [...]". Com base na referida lei, o município de Caraguatatuba adotou 04 ciclos para organizar o Ensino Fundamental, assim definido: Ciclo I: 1º ao 3ºano; Ciclo II: 4º e 5º Ano; Ciclo III: 6º e 7ºAno e, finalmente, Ciclo IV: 8º e 9º Ano. As escolas são organizadas por ciclos, respectivamente os Ciclos I-II e CicIo III-IV.

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docente, uma nova proposta se desenha e ao aluno é solicitado um amplo

conhecimento linguístico para que ele possa, fundamentado nos gêneros

apresentados, construir o conhecimento sobre as diferentes disciplinas componentes

da matriz curricular. Entretanto, nas situações de rotina escolar, as novas

informações são apresentadas ao aluno, realizando a leitura do texto, mas sem o

estabelecimento de relações com o contexto de vida ou de realidade do aluno.

Essa situação, que é muito mais comum nas salas de aula do que

imaginamos constitui-se em um fator que dificulta significativamente a capacidade

de compreensão. Deste modo, mesmo que o aluno possua conhecimento sobre os

gêneros textuais e realize a leitura, sua compreensão não alcançará a mesma

dimensão como se houvesse ocorrido a contextualização do tema e a aproximação

desse com a realidade do estudante.

Sabemos que nem todos os textos permitem tal aproximação, mas se

houvesse essa prática de desenvolvimento de atividade de leitura seria possível que

mesmo as leituras mais distantes encontrassem um referencial que amparassem a

construção do conhecimento. Assim, essa situação se constitui em um considerável

dificultador para o entendimento do discurso no ambiente escolar, visto que

“[...] o conhecimento de estruturas textuais e de tipos de discurso determinará, em grande medida, suas expectativas em relação aos textos, expectativas estas que exercem um papel considerável na compreensão.” (KLEIMAN, 2002, p. 20).

São muitos os textos apresentados, mas é pouca a atenção dada para o

conhecimento das estruturas textuais e função social que cada gênero atende para a

efetivação da compreensão desejada. Neste estudo daremos atenção a leitura como

uma prática social e discursiva dos textos apresentados na escola.

A escola apresenta, em seu discurso, uma preocupação latente com o

desenvolvimento das habilidades leitoras, mas as práticas perpetuadas na esfera

escolar acabam, por desatenção, despreparo ou conivência, contribuindo para que a

leitura discursiva continue sendo uma habilidade desenvolvida apenas pelas elites,

em decorrência da limitação das experiências leitoras nas classes sociais menos

abastadas. Segundo Kleiman as práticas limitadoras “[...] funcionam como o

mecanismo mais poderoso de exclusão fora da escola.” (2002, p.16).

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Na rotina escolar, as percepções acerca da leitura, de que ela consiste,

principalmente, numa estratégia para o desenvolvimento de conteúdos das

diferentes disciplinas, resultam, consideráveis vezes, em práticas que pouco

permitem a construção do sentido daquilo que se lê. Tais práticas necessitam ser o

principal alvo de reflexão e ação, visto que a leitura só se materializa na

ressignificação do código escrito, por meio da construção do sentido do texto, nas

diferentes modalidades e etapas escolares. Partindo desse princípio, a proposta de

desenvolvimento das habilidades leitoras foram direcionadas ao fazer pedagógico e

ao currículo. A reflexão acerca da atuação frente aos objetivos propostos, a

intencionalidade de trazer a leitura e a construção do sentido do que é lido para o

ambiente escolar constituem situações indispensáveis que indicam à direção em que

se deve caminhar a proposta do projeto de leitura.

Nas atividades escolares a leitura é apresentada mais como uma estratégia

utilizada pelo professor para informar o aluno sobre os assuntos referentes à sua

disciplina, do que como uma atividade reflexiva de construção dos sentidos

permitidos pelo texto acerca do assunto abordado.

A leitura de textos, em função dos objetivos propostos para a aula, funciona

apenas como um mecanismo de informação e, muitas vezes, é realizada apenas

pelo professor. O que está em foco nesta análise não consiste na discussão das

praticas, mas em como neste processo é desconsiderado o discurso, a

contextualização e, na maioria das vezes, o autor torna-se uma figura simplesmente

inexistente; assim a condição de produção dos discursos vistos nas escolas passa

despercebida. Autor e contexto, função social do discurso produzido são

simplesmente esquecidos no ambiente educacional.

Frente a esta realidade que perpassa o Ensino Fundamental I e tem

continuidade no Ensino Fundamental II, observamos a preocupação em estruturar e

normatizar, por meio do currículo, o ensino da Língua Portuguesa, numa perspectiva

discursiva, com propostas de atividades escolares que cuidem, viabilizem e

promovam a construção de uma leitura repleta de significado, que vá além de uma

ação mecânica, que se torne uma prática social e discursiva e possibilite a

compreensão da realidade, fundamentando consequentemente ações conscientes.

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Apesar de existir no ambiente escolar a preocupação com a formação

discursiva, a apresentação da proposta de formação de um leitor capaz de ler os

diferentes textos de circulação social é uma ação bem atual nas escolas brasileiras,

cujo foco e objetivos de ensino ainda estão muito direcionados para a alfabetização

dos alunos, ficando limitada a esta etapa de escolaridade. Ao contrário, a formação

do leitor deve ir muito além da alfabetização inicial. Podemos observar que o foco

das atividades escolares referentes à leitura e à escrita estão voltadas para a técnica

do ler e escrever, muito mais do que para as práticas sociais e reflexivas que ela

proporciona e, possivelmente por esta perspectiva, as leituras realizadas

acontecerão dentro da perspectiva da decodificação das informações e, conforme

afirma Soares, “[...] apenas aprendeu a ler e a escrever, não aquele que adquiriu o

estado ou a condição de quem se apropriou da leitura e da escrita incorporando as

práticas sociais que as demandam.” (SOARES, 2003, p. 19).

Neste trabalho de pesquisa, abordaremos a leitura enquanto prática social

que vai muito além do processo de decodificação de informações, leitura essa que

alcança os significados do letramento enquanto

“[...] resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita”. (SOARES, 2003, p. 18).

Assim, o nosso objeto de estudo consistirá na observação das capacidades

que os indivíduos letrados desenvolvem nas esferas sociais e discursivas e no tipo

de inserção que a leitura no ambiente escolar pode proporcionar, visto que no

processo de leitura nem sempre há informação linguística suficiente que permita ao

leitor decidir sobre o conhecimento utilizado para construir os significados desejados

e compreender o texto.

Deste modo a leitura, neste trabalho, será tratada como uma questão

linguística, no que se refere aos conhecimentos prévios que possibilitam a

compreensão e construção dos sentidos. Envolverá algumas questões pedagógicas

do ensino da leitura, uma vez que observaremos algumas atividades desenvolvidas

a partir da proposta curricular de Língua Portuguesa de Caraguatatuba.

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Os documentos oficiais2, apresentados nos anexos deverão proporcionar os

direcionamentos importantes para contextualizarmos a abordagem da disciplina da

leitura em um projeto desenvolvido na escola, mas será às produções de textos dos

alunos, desenvolvidas após uma atividade de leitura, que destinaremos maior

atenção, uma vez que comporão o corpus deste estudo.

O direcionamento dado para a abordagem da leitura depende das ações

desenvolvidas no ambiente escolar para serem validadas ou não e, nesta

perspectiva, ela será tratada como uma questão social, pois, para constituir uma

prática social, deve alcançar a esfera discursiva e efetivar a atribuição de sentidos

tanto para a escrita quanto para a oralidade, visto que ler é, para ao leitor, ter

conhecimento de que o sentido do que está escrito pode ser outro.

Deste modo, os documentos oficiais aos quais destinaremos atenção se

constituem em um importante subsídio nessa pesquisa, já que eles apresentam em

seu texto o registro de como é vista e qual importância é dada à leitura no processo

de elaboração do currículo. Assim, serão apresentados os conteúdos de leitura nas

propostas curriculares, uma vez que é dada significativa importância para os

conteúdos de leitura e oralidade. Neste caminhar, buscaremos identificar, no

currículo municipal, as atividades que estimulam as práticas de leitura e verificar se

estas visam ao desenvolvimento de habilidades relacionadas à formação do leitor.

Para isto serão observadas as abordagens da leitura enquanto componente

curricular integrante da disciplina de Língua Portuguesa para alunos do sexto ano do

Ensino Fundamental. Partiremos do princípio de que as estratégias de leitura são

modelares; deste modo, o estudo realizado deverá contribuir para os demais anos

dessa etapa de ensino.

A leitura, enquanto um dos eixos temáticos da disciplina de Língua

Portuguesa, apresenta um formato comum para todos os anos do Ensino

Fundamental II da rede municipal. Há um rol de gêneros recomendados para o

desenvolvimento de atividades de leitura e, a cada bimestre, o currículo municipal

apresenta sugestões, por meio de uma lista de autores específica de cada ano

letivo. No currículo do Ensino Fundamental II, no sexto ano, há a apresentação de

2 Proposta Curricular do Estado de São Paulo e conteúdos de Língua Portuguesa para o 6º ano do Ensino

Fundamental II.

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diversos gêneros textuais de circulação social, todos inseridos no tipo narrativo.

Apresenta-se uma distinção entre os gêneros literários e não literários para o

professor e, ainda, orientações referentes ao desenvolvimento da oralidade para a

contribuição na leitura. A leitura depende intrinsicamente da disciplina de Língua

Portuguesa, visto que é um eixo integrante desta disciplina e vem acompanhada da

escrita e da oralidade. Apresentam-se ainda os eixos referentes aos conteúdos

gerais que tratam dos estudos gramaticais da língua. Neste trabalho, voltaremos

nossa atenção para a abordagem da leitura.

Como já afirmamos, o tipo textual proposto para o sexto ano é a narrativa.

Assim, acompanharemos o desenvolvimento de situações de práticas de leituras

que tenham direcionamento social e discursivo dentro das propostas de atividades.

Pretende-se, com este trabalho de pesquisa, expor um olhar mais voltado

para o desenvolvimento das habilidades leitoras, possibilitando aos educadores, por

meio das intervenções expostas, direcionar as atividades desenvolvidas na disciplina

de Língua Portuguesa, apresentando situações que permitam ao aluno ler e interagir

com os textos, sem deixar de contemplar o currículo escolar previsto nos

documentos oficiais.

Para promover esta reflexão, organizamos o trabalho em três capítulos, nos

quais serão tratadas as diferentes concepções da leitura, a fim de verificar como ela

é abordada nas relações sociais e educacionais e como o professor pode organizar

suas metodologias para intervir com objetivos voltados para uma prática social e

discursiva.

Para tal desenvolvimento, também serão apresentados alguns documentos

que abordam o ler no ambiente escolar, para contextualizar as práticas de leitura.

No primeiro capítulo, “Leitura, uma prática social”, traçaremos um breve

panorama de algumas concepções de leitura, prendendo-nos às argumentações de

Orlandi (1996b) e Soares (2003), acompanhadas por outros autores que também

dedicaram seus estudos à formação do leitor. Buscaremos observar alguns

mecanismos de compreensão de leitura, sua importância no meio social e os

aspectos relacionados ao processo de reconstrução e redescoberta dos sentidos

dos textos lidos.

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Ainda no primeiro capítulo, trataremos do leitor e de sua formação leitora,

conforme Orlandi (1996b), Kato (1995) e Kleiman (1989). Verificamos como ele

realiza leitura, principalmente no ambiente escolar, como negocia os sentidos e

interage com os materiais de leitura para construir seu conhecimento e, a partir

dessas interações sociais e históricas, alcançar a formação social e discursiva.

No segundo capítulo, “A leitura nos documentos oficiais”, daremos maior

atenção à abordagem da leitura presente nos documentos oficiais, observando se o

direcionamento apresentado busca atender às necessidades da sociedade

contemporânea, marcada por um intensivo uso do conhecimento, num contexto de

amplo acesso à informação e à tecnologia em que a escola é marcada como o lugar

das oportunidades e a leitura, como a ferramenta de acesso ao saber. Neste

contexto, procuraremos discutir alguns tópicos da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, LDBEN (aprovada em 20 de dezembro de 1996), em especial

os artigos relacionados ao desenvolvimento do aluno no que se refere às

habilidades leitoras.

Ainda no segundo capítulo, trilharemos um caminho descendente, pois, a

partir da LDBEN, tomaremos os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997); o

Currículo do Estado de São Paulo, a Proposta Curricular de Língua Portuguesa

para, a partir desses documentos, observarmos no currículo de Língua Portuguesa

do município e o desenvolvimento das abordagens de leitura. Esse caminhar,

juntamente com as contribuições de Rojo (2000), Orlandi (1996b), Kleiman (1989) e

outros autores oferecerão os subsídios necessários para demonstrar o percurso da

leitura, até chegar ao coração da escola, a sala de aula.

As ideias expostas por Freitas (2000), Marcuschi (2008) e suas considerações

acerca dos reflexos dos PCNs no ambiente escolar darão o respaldo teórico para

esse capítulo, haja vista que a apresentação dos documentos neste trabalho tem a

função de promover os conhecimentos prévios necessários para o estudo do corpus.

No terceiro capítulo, a leitura será abordada no interior da sala de aula e será

tomada como uma ação pedagógica por meio de um projeto de trabalho – Sarau: a

arte da leitura em brincadeiras de ler –, desenvolvido no ano letivo de 2011, projeto

este acompanhado por esta pesquisadora durante seu desenvolvimento, objeto de

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intervenções pedagógicas que se tornou parte necessária do corpus composto por

algumas produções escritas de alunos do sexto ano do EFII, resultantes de uma

atividade prevista durante o desenvolvimento do projeto.

Com esta dissertação, esperamos contribuir para que educadores observem

as estratégias indicadas nos documentos oficiais e reflitam sobre elas, pois a leitura

necessita de uma abordagem mais criteriosa e preocupada, haja vista que nos

documentos é dada uma importância maior à produção escrita. A partir desse olhar,

refletiremos sobre as estratégias empregadas para o desenvolvimento da leitura no

currículo enquanto uma prática social e discursiva e para que os educadores

possam realizar ações conscientes diante das dificuldades e direcionando a prática

para a formação discursiva real, não apenas no sexto ano, mas em todas as séries

do Ensino Fundamental.

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CAPÍTULO I – LEITURA, UMA PRÁTICA SOCIAL.

“Guimarães Rosa me disse uma coisa que jamais

esquecerei, tão feliz me senti na hora: disse que

me lia ‘não para a literatura, mas para a vida’.” (C.

Lispector)

Ao escolher o título, “Leitura, uma prática social”, sem querermos incorrer na

possibilidade de cometermos uma redundância, podemos levar os leitores, em

contrapartida, a concluir que admitimos que existe no universo escolar uma leitura

que não se efetiva como prática social. Tais contextos nos levam então ao

questionamento: o que temos então produzido na escola?

Esta é uma questão que vem cada vez mais sendo observada nos processos

de desenvolvimento da leitura escolar, uma vez que nas sociedades letradas, em

qualquer campo de atuação humana, a necessidade da leitura e da escrita torna-se

cada vez maior. Nesta dissertação, observaremos a exigência contundente da

leitura, pois estamos submersos em um universo de mensagens escritas como

folhetos de propaganda, placas de rua, cartazes, letreiros de ônibus, jornais, páginas

da internet, e, no âmbito escolar, muitos textos integrantes do livro didático. Neste

contexto, a leitura torna-se indispensável para a efetiva inserção do indivíduo na

sociedade e configura-se como prática social.

Temos uma escola que busca, com seus objetivos, formar leitores para a

sociedade, entretanto estabelece relações muito frágeis com esta sociedade dentro

do ambiente escolar. A leitura, segundo Orlandi (1996b, p. 07) apresenta muitas

acepções. Em um conceito mais amplo, “pode ser entendida como ‘atribuição de

sentidos’. Daí ser indiferentemente usada tanto para a escrita como para a

oralidade”.

Nesta dissertação, quando nos referirmos à leitura, ela estará sempre

imbricada com a prática social e discursiva, isto porque a leitura

20

“[...] não é uma questão de tudo ou nada, é uma questão de natureza, de condições, de modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos, em uma palavra: de historicidade.” (ORLANDI, 1996b, p. 09)

Para falarmos do aluno leitor, temos que considerar que estamos utilizando

todo o nosso conhecimento de mundo, nossos conhecimentos históricos e

linguísticos para visualizá-lo como um leitor inteiro, uma vez que não há leitura

isolada e neutra. Ao colocar-se diante de um texto, o leitor se posiciona, não para

olhar o texto isoladamente, mas para, ao ler, construir o sentido daquele discurso a

partir de sua historicidade. Segundo Soares, a leitura

“[...] é a interação verbal entre os indivíduos, e indivíduos socialmente determinados: o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros; o autor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros; entre os dois: enunciação; diálogo? Enunciação é, portanto, processo de natureza social, não individual, vinculado às condições de comunicação que, por sua vez, vinculam-se às estruturas sociais – o social determinando a leitura e constituindo seu significado.” (SOARES, 1988, p. 18).

Conforme podemos observar, a leitura constitui-se num importante fator de

construção do conhecimento, visto que, ao se colocar diante de um texto, o leitor se

posiciona, não para olhar o texto, mas para construir por meio de suas experiências

os sentidos possíveis do texto, a partir do seu conhecimento social e historicamente

constituído. Essa leitura não se configura como um processo passivo, muito pelo

contrário, exige do leitor um elaborado processo de reconstrução e redescoberta dos

sentidos, pois ele partilha com o texto suas experiências e referenciais de mundo e,

provido de seu conhecimento socialmente constituído, procura sempre em suas

leituras se apropriar de novos conceitos e posteriormente reconstruí-los. Deste

modo, para cada leitura, teremos um novo leitor, cada nova leitura será única. O

leitor transforma-se em função da sua compreensão social discursiva, na medida em

que elabora a consciência crítica.

A leitura consiste, neste sentido, em um processo social e também coletivo,

pois os sentidos do texto se constroem inicialmente no universo do autor, por meio

de suas experiências, e se reconstrói por meio da interação com o leitor no

desenvolvimento de sua leitura. A esse respeito, Soares (1988) apresenta o aspecto

dialógico da leitura, pois essa comunicação entre autor e leitor indica o ato de ler

também como uma enunciação e, segundo Bakhtin (2006, p. 126), “a enunciação

enquanto tal é um puro produto da interação social[...]”. Esta interação está

21

subjugada a uma série de eventos que darão sempre um novo significado ao texto

lido.

“Leitura – enunciação – é também apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta... apenas um momento, na evolução contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado. E o grande problema que disso decorre: a força determinante que têm as relações entre a leitura, interação concreta, e a situação extraleitura: a situação imediata – interação autor/leitor, as relações que estabelece, o confronto, o espaço/tempo do discurso; o contexto social mais amplo –, a estrutura social, a divisão do trabalho e a consequente divisão de classes, as relações de produção, de distribuição, de consumo, a estrutura ideológica.” (SOARES, 1988, p. 19)

O processo da leitura enquanto uma prática social é entrelaçada por muitas

variáveis que vão incidir na construção dos sentidos, e as relações que o aluno

constrói com a leitura na escola serão confrontadas ainda com o espaço que essa

leitura tem na vida discente e social. Essa concepção de leitura interfere diretamente

na formação do leitor como indivíduo crítico, ciente do que se passa a sua volta. A

compreensão do texto escrito deste modo, acontecerá conforme as práticas de

leituras desenvolvidas, as diferentes concepções de leitura, como procuraremos

apresentar no desenvolvimento deste capítulo.

1.1 Concepções de leitura

Ao pensar em leitura, reportamo-nos às abordagens recentes e à importância

dada ao ato de ler na atualidade. Há muito ela vem recebendo merecida atenção no

contexto das discussões acerca da democratização brasileira, mas nesse trabalho

daremos observaremos o interesse acadêmico em torno da leitura no Brasil que se

torna mais evidente a partir dos primeiros anos da década de 80.

Nesse período as discussões sobre leitura e seus desdobramentos sociais

estavam fortemente ligadas às questões ideológicas provenientes luta contra a

desigualdade de acesso ao saber desse momento histórico. Nesse cenário, figura

entre os autores do período o educador Paulo Freire (1921-1997) que, em seus

trabalhos, desenvolve reflexões de natureza ideológica e as aplica no campo da

leitura, pois considera o ato de ler uma percepção crítica da realidade, diferente da

proposta da educação confinada a um modelo de transmissão de conhecimentos

22

que se apresenta, segundo o autor, como educação bancária, em que os

conhecimentos do aluno e suas vivências não são consideradas. Assim,

“a educação bancária transforma-se, em sua abordagem da leitura, na crítica à leitura meramente decifrativa, que não leva em consideração o universo do sujeito leitor e sua experiência vivencial ou ainda, seu conhecimento prévio à leitura”. (ZAPPONE, 2001, p. 47) [Grifo da autora]

Nas décadas subsequentes, observou-se a elevação do número de eventos

como congressos, a exemplo do COLE3 cujo tema central consiste na leitura, assim

como o aumento da publicação de artigos, livros e revistas como “Leitura: Teoria e

Prática” da ABL4 especializadas neste tema, dada sua relevância e importância

crescente na sociedade.

“[...] A leitura não apenas converteu-se numa área frequentada pelos pesquisadores; ela tornou-se igualmente um espaço de discussão, ao qual são transferidas as inquietações e ansiedades das pessoas ligadas ao ensino por razões profissionais e leigas.” (ZILBERMAN; SILVA, 1988, p. 08).

A preocupação claramente desenhada na concepção de leitura concentra-se

no desenvolvimento do leitor, como membro atuante na sua esfera social, pois, no

processo de atribuição de significados, ele deixa de ser um mero receptor dos

conceitos e informações presentes nos textos de ampla circulação social. A

concepção de leitura pressupõe, portanto,

“[...] a inserção de sua prática na esfera social, histórica e ideológica, pois argumenta a favor da luta pela competência do leitor não só em termos dos conteúdos referenciais, mas e, sobretudo, da sua competência enquanto um leitor das relações sociais que permeiam o seu meio”. (ZAPPONE, 2001, p. 47-48)

A este contexto de leitor, de acordo com a concepção de leitura apresentada

inicialmente, atribui-se também a ação crítica do leitor mediante o texto, numa

proposta dialética, a fim de se situar no seu contexto social e histórico, por meio da

interação com o texto. Assim, conforme postula Freire (2008), a leitura da palavra

3 “O COLE (Congresso de Leitura do Brasil) surgiu em 1978, arquitetado por um pequeno grupo de

pesquisadores provenientes da Faculdade de Educação da Unicamp. Este Congresso surgiu num contexto político movimentado, marcado por mobilizações em todo o país, as quais buscavam reconstruir uma sociedade democrática depois de vinte anos de ditadura militar.” (RITTO, 2009, p. 11) em 2012 completou sua 18ª edição e aos longos dessas décadas teve seus temas geradores voltados ao objetivo mais amplo do congresso, de lutar para que todos tenham possibilidade de acesso às práticas de leitura como exercício de cidadania. 4 Associação de Leitura do Brasil.

23

não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas, de certa forma, constitui-se

num meio de escrevê-lo ou de reescrevê-lo, quer dizer, transformá-lo através da

prática consciente do ato de ler. A esse respeito, Galembeck reforça ainda que,

“a preocupação da escola deve ser o resgate da ideia de deslocamento presente na palavra pedagogia, e de modo que se possa conduzir o aluno a ser capaz de efetuar, por si, a transposição da fala para a escrita.” (2009, p. 247)

Deste modo, na década de 80, as concepções de leitura e de educação

desenham-se na perspectiva do desvelamento do texto e da abordagem política,

sendo-lhes atribuída grande responsabilidade e compromisso com a ética, a

liberdade e, principalmente, com a justiça social tão desejada. O foco de interesse

naquele momento era no texto como instrumento de conhecimento para dialogar e

ser inserido nas questões sociais. Segundo Soares (1988), a ideia era de que, ao

tornar-se efetivamente um leitor, o indivíduo seria capaz de usar a leitura e a escrita

como um meio de tomar consciência da realidade e transformá-la.

Marcuschi (2008) relata que, no início dos anos 90 e anos subsequentes,

ocorre uma alteração na concepção de leitura e leitor, visto que ocorre um

deslocamento de visão. O autor afirma:

“Para Kleiman, a partir dos anos 1990, ocorreu uma guinada significativa neste contexto, indo-se para uma visão que desloca o polo do interesse da ação do indivíduo sobre o texto para a inserção do sujeito na sociedade e no contexto de interpretação ligado à realizada sociocultural, dando menos ênfase ao texto em si, às faculdades mentais e aos conhecimentos prévios” (MARCUSCHI, 2008, p.232)

Até o referido período, era dada especial atenção à materialidade do discurso,

o texto. Mas a leitura foi se construindo segundo uma concepção em que outros

aspectos ganham os holofotes. Inicia-se um acompanhamento do ato de ler

considerando os espaços dos enunciados, o tempo e o contexto social e histórico

em que o discurso foi produzido, o contexto de produção do autor e do leitor. Este

novo olhar permite a abertura de perspectivas que caminham para o estudo da

leitura considerando outras vertentes e, como Marcuschi expõe,

“Isto sugere que atualmente a leitura vem sendo tratada em um novo contexto teórico que considera práticas sob um aspecto crítico e voltado para atividades, sobretudo sociointeracionistas. Trata-se de promover a leitura como uma ação solidária e coletiva no seio da sociedade”. (MARCUSCHI, 2008, p.232)

24

Nesta perspectiva, a leitura, até então vista como um processo tranquilo, sem

intervenções, com considerável continuidade, reconfigura-se como uma interação

complexa, marcada por tensões sociais e históricas e por uma tipologia textual que

requer esforço mental e físico. Conclui-se que não basta apenas ler e identificar os

significados, mas que ler exige também dialogar com o texto, e este diálogo exige

intimidade com os tipos textuais, com o contexto social e histórico e principalmente

com o seu contexto.

A leitura, sendo observada desse modo, passa também, segundo Orlandi

(1996b, p. 07), a “[...] significar ‘concepção’, e é nesse sentido que é usada quando

se diz ‘leitura de mundo’. Essa maneira de usar a palavra leitura reflete a relação

com a ideologia, de forma mais ou menos geral e indiferenciada”.

Muitos olhares foram destinados à leitura e estes olhares diferem de acordo

com o lugar social ocupado pelo indivíduo e o momento histórico em que o leitor

produz a leitura e constrói os sentidos possíveis do texto. “A resposta, então, é a de

que a leitura é uma questão linguística, pedagógica e social ao mesmo tempo.”

(ORLANDI, 1996b, p. 35). É o espaço da contradição, pois a leitura é ao mesmo

tempo um bem cultural que, segundo Soares (1988), reproduz as condições sociais

dos leitores por meio da manutenção ideológica de alguns contextos e, por outro

lado, a leitura também pode constituir-se como uma força transformadora, na

medida em que promove a interação com os discursos produzidos e, sem um

reducionismo imediatista, projeta os mesmos no futuro, quando abordada numa

perspectiva social, histórico e discursiva. Convém observarmos as ponderações de

Orlandi:

“Não acredito que se deva restringir a reflexão da leitura ao seu caráter mais técnico. Isso conduz ao tratamento da leitura apenas em termos de estratégias pedagógicas exageradamente imediatistas. E a leitura deve ter, na escola, uma importante função no trabalho intelectual geral. Na perspectiva imediatista, as soluções propostas colocam à disposição do aluno apenas mais um artefato escolar pronunciadamente instrumental. Visando a urgência de resultados escolares, se passa por cima de aspectos fundamentais que atestam a história das relações com o conhecimento tal como ele se dá em nossa sociedade, assim como sobre a história particular de nossas instituições do saber e seus programas.” (ORLANDI, 1996b, p. 35-36).

Quando a leitura é tratada apenas como uma pesca de informações no texto,

ocorre um processo mecânico em que a compreensão e reconstrução do sentido do

25

texto não é efetivado, pois, se não há uma contextualização do discurso, deixam de

ser consideradas as condições de produção do texto e, principalmente, são

ignorados conhecimentos prévios que o leitor possui acerca do assunto abordado. A

concepção da leitura deve considerar seus aspectos sociais e históricos para que a

compreensão se concretize neste processo de reconstrução.

1.2 O fenômeno da compreensão da leitura

Para a compreensão da leitura, é necessário que o leitor lance mão de vários

elementos de seu contexto social para ativar os conhecimentos prévios que lhe

proporcionem as condições necessárias para a antecipação dos conteúdos,

levantamento e formulação de hipóteses. Deste modo, é possível criar expectativas

para construir os sentidos e avançar na interação com o texto lido. Munido de tais

estratégias, o leitor torna-se capaz de atribuir sentido a sua leitura, pois

“o sujeito que produz uma leitura a partir de sua posição, interpreta. O sujeito-leitor que se relaciona criticamente com sua posição, que a problematiza, explicitando as condições de produção de sua leitura, compreende. [...] A compreensão, no entanto, supõe uma relação com a cultura, com a história, com o social e com a linguagem, que é atravessada pela reflexão e pela crítica. Se é assim, perguntaríamos: a escola, quando ensina a ler, propicia ao aluno condições para que se produza a compreensão? Atinge o funcionamento ideológico da linguagem? Tendo enfim em conta o fato de que compreender é desconstruir teoricamente, chegamos à formulação de mais um aspecto da historicidade que caracteriza o discursivo: o conceito histórico (político) de compreensão. O que nos leva a outra afirmação igualmente relevante: não há compreensão sem historicidade. E isto está de acordo com a afirmação de análise do discurso de que a textualidade é histórica.” (ORLANDI, 1988, p.74)

Deste modo, conforme afirma Orlandi (1988), para que o sentido do texto seja

realmente construído, é indispensável que a leitura seja realizada considerando sua

história de produção.

Na escola, precisamos oferecer ao aluno condições para que seja capaz de

compreender o texto, uma vez que a compreensão deve consistir em uma finalidade

natural de qualquer leitura que não poderá ser considerada uma leitura se o

indivíduo não atribuir sentido ou não interpretar os assuntos tratados no texto a partir

da realidade. As pessoas, aliás, estão a todo o momento realizando leituras das

representações da realidade, na qual se encontram incluídas ou excluídas, dos

26

valores e da ideologia dominantes em seu meio, ou ainda, realizam a leitura dos

procedimentos que são adotados nas mais diferentes situações.

Retornando ao ambiente escolar, para que o aluno possa se envolver em uma

atividade que o levará a compreender o texto escrito, torna-se indispensável que a

atividade de leitura tenha um sentido e um objetivo. A leitura deve ter uma razão que

não seja apenas a reprodução do enunciado do autor, mas deve principalmente

promover uma reflexão acerca dos contextos possíveis de produção do texto,

confrontando-o com seu próprio contexto, sua historicidade. Quando o professor

consegue estabelecer essa conexão entre o texto e o contexto do aluno, a leitura é

compreendida e se constitui como uma atividade discursiva.

O processo de compreensão da leitura deve ser contínuo no espaço escolar,

uma atividade permanente na rotina educacional para ser efetivamente apreendida.

Deve promover condições para que o aluno possa conhecer o sentido do dito e do

não dito, visto que esses, segundo Ducrot (1987), permitem, de acordo com a

leitura, chegar a conclusões bastante diferentes entre si e, na construção do sentido

do texto, desenvolvendo a habilidade de perceber que nem sempre o sentido dado é

um fator muito relevante para o entendimento.

Compreender, em suma, é refletir sobre a (e não refletir a) função do efeito do eu-aqui-agora, que é a instância das formulações (horizontalidade), em sua necessária relação com a constituição (verticalidade) dos sentidos, esclarecendo que estes são fundamentalmente contraditórios, ou políticos, como se diz Geertz (1978). Compreender, eu diria, é saber que o sentido poderia ser outro.” (apud ORLANDI, 1988, p.73)

Quando, no processo de produção, o aluno compreende que um mesmo texto

permite várias leituras diferentes, ele também se torna um produtor de sentidos, pois

sua compreensão lhe permite dialogar com sua realidade histórica e social, ao

mesmo tempo em que reconstrói o texto. Nesse nível de compreensão da leitura,

segundo Soares (1988), o ato de ler deixa de ser uma atividade passiva e torna-se

uma atividade interativa em que leitor e autor confrontam seus contextos para criar

uma nova realidade, e a cada processo de criação o leitor se renova, se modifica e

atribui novos sentidos e significados ao texto lido. Conforme a autora,

“De um mesmo texto, duas leituras diferentes. Portanto, o texto não preexiste à sua leitura, e leitura não é aceitação passiva, mas é construção ativa; é no processo de interação desencadeado pela leitura que o texto se constitui: ‘Cada leitura é nova escrita de um texto. O ato da criação não

27

estaria, assim, na escrita mas na leitura, o verdadeiro produtor não seria o autor mas o leitor’(Bella Jozef, 1986).” (SOARES, 1988, p. 26)

A leitura, nesse contexto, não consiste em simplesmente buscar o que o autor

quis dizer, mas como e em que contexto ele disse, o que permeou esta produção.

Deve também permitir ao aluno, conforme aponta Galembeck (2010), a percepção

da expressividade manifestada com base em padrões socializados, e de modo

individual, apresentados por meios de recursos expressivos no texto.

Ler é compreender o processo de construção de significados presentes no

texto, mas também é a busca por temas e produções que pretendemos

compreender. Ler compreensivamente constitui-se, na escola, na habilidade de

aprender a aprender, de forma autônoma, em uma variedade de situações forjadas

pelo contexto social, histórico e discursivo. Conforme Orlandi,

“[...] para chegar à compreensão não basta interpretar, é preciso ir ao contexto de situação (imediato e histórico). Ao fazê-lo, pode-se apreciar o lugar em que o leitor se constitui como tal e cumpre sua função social.” (1988 p.74).

A compreensão, entretanto, nunca se constituirá num processo completo.

Cada leitura adicionará elementos que modificarão esse entendimento e

ultrapassarão os limites dos conteúdos presentes no texto. A compreensão não se

limita aos sentidos do texto. Conforme Marcuschi, “ler é um ato de produção e

apropriação de sentido que nunca é definitivo e completo [...] ler não é um ato de

simples extração de conteúdos ou identificação de sentidos.” (2008, p.228).

Remetendo ao ambiente escolar, observamos um certo reducionismo desse

leque de possibilidades disponíveis no processo de compreensão do texto. Talvez

pelo tempo marcado pelo currículo escolar, existe o trabalho com o texto, mas este

não ultrapassa as barreiras da interpretação do que está dito pelo autor, com pouca

ou nenhuma referência ao contexto histórico do aluno. A esse respeito, Orlandi

(1988) ressalta que, a fim de não submeter o aluno a esse reducionismo do

entendimento, “deve-se procurar uma forma de leitura que permita ao aluno

trabalhar sua própria história de leituras, assim como a história das leituras dos

textos e a história da sua relação com a escola e com o conhecimento legítimo”

(1988, p. 37).

28

A leitura no ambiente escolar deve ser pensada e planejada para promover

situações em que o aluno faça uso dos conhecimentos integrantes de seu universo

cultural, para que ao ler o texto não fique restrito apenas à leitura das palavras que o

compõem, mas que traga para ele sua história de leitura e os seus conhecimentos

construídos.

“Torna-se oportuno, aqui, resgatar a vinculação sugerida por Paulo Freire (1982) entre historicidade e leiturabilidade, mais precisamente entre a leitura do mundo e a leitura da palavra. Se a segunda pressupõe a primeira, determinando-a e contextualizando-a de modo contínuo, a leitura dos atos comunicacionais envolve uma tal amplitude sígnica, que começa pela decifração dos referentes dispostos no ambiente natural e prossegue através da elucidação dos sistemas ideológicos engendrados pelo processo civilizatório e da tradução dos códigos arbitrários estabelecidos pelas sociedades humanas. Por mais que a decodificação (leitura) de uma mensagem exija um esforço concentrado na linguagem utilizada, para permitir a apreensão do significado pelo receptor, na verdade a sua compreensão só se concretiza através da sintonização com o universo cultural de que se valeu o emissor e que possui componentes extralinguísticos, vale dizer históricos-contextuais.” (MELO, 1988, p. 102)

Considerando o contexto e o universo cultural de cada leitor, sabemos que

em cada momento, com cada grupo escolar, haverá um processo de compreensão

distinto, e os resultados apresentados pelas diferentes turmas serão variados, pois

cada uma delas contribuirá com o processo de compreensão trazendo suas

vivências, naquele momento marcado em que a leitura foi realizada.

“Não é só quem escreve que significa; quem lê também produz sentidos. E o faz, não como algo que se dá abstratamente, mas em condições determinadas, cuja especificidade está em serem sócio-históricas. Temos, pois, procurado discernir o que é leitura no conjunto de reflexões do que se tem definido como teoria do discurso: a determinação histórica dos processos de significação.” (ORLANDI, p. 58, 1988) [Grifo da autora].

Buscaremos, a partir do próximo item, conhecer o contexto de formação do

leitor no âmbito social e os reflexos que essa formação provoca no ambiente

escolar.

1.3 A formação do leitor

Antes de pensarmos na formação do leitor, faz-se necessário buscar alguns

significados do termo “leitor” para iniciarmos a pesquisa. Conforme Maingueneau e

Charaudeau (2008, p. 297),

29

“No quadro da literatura, ‘leitor’ é utilizado como conceito que funda a análise, em particular, das condições de recepção de uma obra, na medida em que ela se inscreve no horizonte de expectativa de um eleitorado: este julga uma produção nova com base na experiência estética anterior (Jaus, 1978), e dessa adequação ou desse deslocamento, nascem avaliações da obra.” [Grifo dos autores]

Podemos então deduzir inicialmente que o leitor é aquele que recebe e realiza

uma leitura com base em suas experiências e seu contexto. Neste sentido, o leitor

vai muito além da definição de leitor dada no Dicionário Houaiss da Língua

Portuguesa (2004, p. 451), como “1, que(m) lê para si mesmo, mentalmente, ou para

alguém, em voz alta; 2, que(m) tem o hábito de ler”. Percebemos que esta definição

está consideravelmente relacionada com a tecnologia de ler, de decifrar o texto.

Para tornar-se leitor, o aluno deve ir muito além da decodificação do texto,

deve conhecer seu contexto e estabelecer relações com sua realidade social e

histórica, afinal, assim como quem escreve o faz de um lugar marcado, quem lê

também tem seu lugar e será a partir deste que constituirá seu processo de

compreensão. O lugar do leitor gera uma certa tensão em sua formação, pois muitas

de suas possíveis leituras são determinadas não pela historicidade, mas visam a um

tom que, em muitas situações, acabam distorcendo e minimizando os

conhecimentos produzidos.

“Em análise do discurso, o lugar do leitor remete a uma problemática similar: considera-se de fato, que as características linguísticas de um gênero discursivo sejam dependentes de suas condições de produção, mas também das de sua recepção. Assim, é provavelmente às expectativas discursivas dos leitores (suas representações de uma escritura agradável, não ‘escolar’...) que convém reportar o tom lúdico dos textos de divulgação científica da mídia em geral. E não às condições de produção anteriores, isto é, à conformidade almejada dos conhecimentos difundidos em relação aos conhecimentos científicos dos quais procedem, e dos quais a mídia deveria dar conta sem distorções (Beacco, 1999). (MAINGUENEAU; CHARAUDEAU, 2008, p. 297) [Grifo dos autores]

Retratando a formação do leitor ao ambiente escolar, podemos lembrar que o

reducionismo linguístico criticado por Orlandi (1996b) é supervalorizado no ambiente

escolar, por meio de uma linguagem padrão, em detrimento das muitas outras

linguagens que fazem parte do repertório linguístico, social e histórico do aluno.

Tratar da valorização do universo do aluno em seu processo de formação de leitor é

proceder a uma abordagem ideológica que engloba não apenas a leitura, mas todo o

ambiente escolar. Muitas vezes, a leitura é colocada em segundo plano, pois não há,

30

por parte dos formadores, o conhecimento da dimensão da importância do ato de ler

e principalmente das habilidades que são desenvolvidas durante a leitura. Esta é

vista apenas como um mero mecanismo de informação, mas seu caráter reflexivo

dificilmente tem lugar de destaque na esfera escolar, talvez pelo fato de que o saber,

inscrito no currículo, é considerado sobretudo, como um degrau de ascensão na

sociedade.

Para Orlandi (1996b), essa “valorização do saber legitimado” é, antes de mais

nada, uma questão de luta de classes, visto que, ao valorizar esse saber, bem como

a linguagem e os discursos que permitem o acesso a ele, ignoram-se outras formas

de saberes trazidos do contexto histórico e social do aluno, que consistem numa

forma de estabelecimento de relação com as outras classes sociais, não

dominantes. Valorizar os conteúdos em detrimento dos processos de leitura, em

nada contribui para a formação do leitor, haja vista que “[...] não é o acesso ao

instrumento em si que muda as relações sociais, mas o modo de sua apropriação,

no qual estão atestadas as marcas de quem se apropria deles” (ORLANDI, 1996b, p.

36).

Entendendo-se o leitor por meio da perspectiva de que sua formação deve

atender à prática da leitura, situando-a não apenas num plano social e ideológico,

mas também num plano histórico, social e discursivo, amplia-se a sua função dessa

prática de atividade cognitiva realizada por um leitor, para circunscreve-se como

atividade individual e coletiva ao mesmo tempo, com seus reflexos no plano social e

político do aluno. Entretanto, é preciso que se articulem as nuanças teóricas que

separam a abordagem política e diagnóstica de leitura e a abordagem discursiva.

Desse modo, como Orlandi propõe,

“A visão oposta a esta forma de reducionismo não vê na leitura do texto apenas a decodificação, a apreensão de um sentido (informação) que já está dado nele. Não encara o texto apenas como produto, mas procura observar o processo de sua produção e, logo, da sua significação. Correspondentemente, considera que o leitor não apreende meramente um sentido que está lá; o leitor atribui sentidos ao texto. Ou seja: Considera-se que a leitura é produzida e se procura determinar o processo de sua produção. Daí se pode dizer que a leitura é o momento crítico da constituição do texto, o momento privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o processo de significação. No momento em que se realiza o processo da leitura, se configura o espaço da discursividade em que se instaura um modo de significação específico.” (ORLANDI, 1996b, p. 37-38).

31

A formação do leitor está intimamente ligada ao seu contato com os diferentes

momentos e contextos da significação do texto, ao seu processo de produção, mas,

nesse ponto, o universo escolar esbarra em outro entrave frequentemente

apresentado por professores: como proporcionar o envolvimento do aluno com o

texto num primeiro contato?

Para Kleiman, “a gente lê diferentes textos, de diferentes formas, com

diferentes objetivos, em diferentes ocasiões e tudo isso é leitura” (2002, p. 02).

Partindo deste pressuposto, a formação do leitor está intimamente ligada à formação

do gosto pela leitura. Ler é uma condição necessária para pertencer ao mundo

letrado e, quando pensamos na leitura como uma habilidade, devemos considerar a

capacidade do leitor de permanecer no texto, sem o advento de fugas, devaneios ou

vácuos proporcionados ora pela não contextualização, ora pelo não entendimento

dos sentidos possíveis do texto.

Ler é um ato carregado de significados e propósitos que ultrapassam

imensamente a esfera individual. Envolve as funções sociais dos diferentes gêneros,

das expectativas de diálogos em função da necessidade ou não de convencimento,

da necessidade de informar e, todos esses propósitos são constitutivos para a

formação de um leitor letrado.

Kleiman (2007) discute em seus estudos que o letramento é um ponto de

partida para iniciarmos as reflexões sobre o ato de ler. Devemos considerar, para a

formação do leitor, que, no desenvolvimento de uma proposta fundamentada no

letramento, adota-se também uma concepção social da língua, visto que, além da

aprendizagem das habilidades individuais, outros aspectos são considerados de

natureza discursiva, referente à funcionalidade social do texto e intenções dialógicas

propostas pela escolha do gênero.

Assim, leitura pode referir-se a uma variedade de usos de leitura e escrita,

praticadas em contextos sociais diferentes. Há outra ponte com a linha discursiva,

pois o sujeito enquanto leitor se distribui pelos diferentes contextos sociais,

constituindo-se em muitos tipos de leitores. Esse leitor, segundo a linha discursiva, é

fruto de uma historicidade e da sua própria história de leitor que vai se construindo

num dado espaço / tempo.

32

Formar o leitor implica proporcionar a ele as condições que lhe permitam

circular por vários contextos de produção de discurso, mas, principalmente, estimulá-

lo, para que a leitura circule em seu contexto, como observaremos a seguir.

1.4 O estímulo à formação do leitor

A leitura efetiva-se, de fato, quando as ações escolares são planejadas e

desenvolvidas visando à formação do leitor. No ambiente escolar, entretanto, as

práticas desenvolvidas tendem, em geral, a privilegiar a prática da escrita, pois

existe, segundo Kato (1995), a suposição de que as habilidades leitoras se

desenvolvem automaticamente conforme se desenvolve a escrita. Ainda é muito

comum na maioria das escolas, considerar que realizar muitas atividades de escrita

com questões de diferentes conteúdos é suficiente para desenvolver a leitura, mas

tal suposição em nada corresponde à realidade. Leitura e escrita caminham juntos,

mas são processos que devem ser igualmente desenvolvidos e planejados nas

ações escolares. Contrariamente, ocorre inconscientemente, uma maior valoração

da escrita em detrimento da leitura, pois o docente a considera como uma

consequência do escrever, o que resulta, segundo Kato (1995), na dificuldade do

aluno em interagir com o texto, utilizando os conhecimentos provenientes de seu

contexto social e histórico.

Inicialmente, devemos partir da premissa de que, para incentivar a formação

do leitor, devemos proporcionar situações que lhe permitam o contato com o

universo simbólico, utilizando vários tipos de linguagem para a contextualização dos

possíveis sentidos no texto. Sua realidade e sua historicidade são elementos

indispensáveis, pois permitem ao leitor transcender da decodificação para a

compreensão do texto, como afirma Orlandi:

“A relação do aluno com o universo simbólico não se dá apenas por uma via – a verbal –, ele opera com todas as formas de linguagem na sua relação com o mundo. Se considerarmos a linguagem não apenas como a transmissão de informação como mediadora (transformadora) entre o homem e sua realidade natural e social, a leitura deve ser considerada no seu aspecto mais consequente, que não é o de mera decodificação, mas o da compreensão.” (1996b, p. 38).

Buscamos, por meio dos estudos de Kato (1995), descrever as estratégias

para o alcance da compreensão do texto, do estímulo à leitura e experiência

33

discursiva em relação aos novos dados que são compreendidos nas diferentes

leituras.

Para Kato (1995), o termo “estratégia” refere-se a procedimentos

inconscientes que o leitor realiza a fim de extrair significado do texto lido por meio do

processamento das informações presentes no texto. Na verdade, estratégias seriam

habilidades do leitor de encontrar parcelas significativas do texto, estabelecer

relações de sentido e de referência entre essas parcelas, encontrar a coerência

entre as proposições do texto, avaliar a consistência das informações extraídas do

texto e, ainda, inferir significado e o efeito pretendido pelo autor do texto para

construir por meio de seu contexto histórico e social a base discursiva.

Uma vez que o ato de ler também é considerado como “um processo de

reconstrução do planejamento do discurso por parte do escrito” (KATO, 1995, p. 65),

para realizar esta reconstrução, o leitor necessita utilizar estratégias para alcançar a

compreensão do texto. A autora descreve duas maneiras de processamento de

informação: o ascendente e o descendente. Ambos referem-se aos processos

utilizados pelo leitor a fim de compreender o texto. O primeiro acontece por meio do

reconhecimento e da compreensão das partes menores que compõem o texto, das

relações entre palavras, dos períodos que aparecem no texto como estruturas

coesivas e que estão organizadas de maneira contígua e sequencial. Desse modo,

com a compreensão dessas fatias menores, o leitor vai compondo o significado do

texto, num processo indutivo:

“O processamento ascendente (bottom-up) faz uso linear e indutivo das informações visuais, linguísticas, e sua abordagem é composicional, isto é, constrói o significado através da análise e síntese do significado das partes.” (KATO, 1995, p. 50) [Grifo da autora]

O processamento descendente, top-down, refere-se ao uso dos

conhecimentos prévios e ao uso de elementos extralinguísticos, isto é, elementos

que não estão propriamente contíguos ou explícitos no texto. Tal processo permite

ao leitor a formulação de hipóteses e deduções acerca do discurso produzido no

texto.

Para estimular a formação do leitor, as ações planejadas no ambiente escolar

devem proporcionar situações de leitura que permitam ao aluno utilizar os diferentes

34

processamentos dos textos. A esse respeito, Kato (1995) defende que o leitor

maduro é aquele que utiliza, de maneira adequada e no momento apropriado, os

dois tipos de processamento mencionados. O processo ascendente incide sobre as

pistas observadas no texto e o processo descendente depende das experiências do

leitor para ampliar o seu entendimento.

No momento da leitura, o leitor "negocia” sentido com o autor, através da

interpretação e do uso de estratégias que o permite interagir com o texto. Deste

modo, a leitura seria uma atividade de interação. Kleiman (1989) salienta o termo

“interação” enquanto associações que o leitor faz dos vários níveis de

processamento da escrita, ou seja, a interação efetivada pelos leitores entre os

diversos aspectos que possibilitam a compreensão do texto:

“[...] a relação que se estabelece entre leitor e texto é importante porque ela determina maneiras de leituras diferentes, e porque tenta resolver o problema da indeterminação do texto do ponto de vista referencial, procurando estabelecer um equilíbrio entre a informação que o leitor deveria trazer e aquela que o texto deveria trazer. Nesta definição tanto sujeito como texto delimitam o leque de possíveis leituras de um texto: não há abertura total, porque hipóteses de leitura devem ser verificadas mediante a depreensão de aspectos formais, nem há apenas um leitura porque cada sujeito impõe a sua estrutura de conhecimento ao texto” (KLEIMAN, 1989, p. 39)

Mesmo com todos os estudos acerca da formação do leitor, observamos,

ainda, algumas ideias ancoradas no senso comum, que considera, como boa leitura,

aquela que possa proporcionar ao seu leitor um momento de entretenimento e levá-

lo a mundos desconhecidos ou fantasiosos.

A leitura de textos que abarcam esses gêneros são fundamentais em muitos

momentos da vida e da escolaridade do aluno, mas não podem ser apresentados

como uma única opção de leitura. O aluno necessita ter acesso a outros gêneros e

interagir com eles, experimentando a diversidade de leituras que o contexto nos

apresenta. O modo de apresentação do texto torna-se determinante para

estabelecer o equilíbrio e a diversidade de experiências de leitura.

A ausência desse direcionamento, além de figurar como entrave para

estimular a efetiva formação do leitor, acaba sendo utilizado como argumento para

que professores e escola sejam apontados como responsáveis pelo desinteresse

por livros, já que as indicações de livros feitas na escola seriam quase sempre

35

acompanhadas de uma tarefa, que torna a leitura uma atividade para cumprir outros

objetivos. Consequentemente, leituras sem fantasia e sem entretenimento

afastariam o leitor dos textos, como se todos eles devessem, necessariamente,

patrocinar esses elementos. Existe desse modo, uma dificuldade de, a partir da

leitura refletir sobre a realidade na possibilidade de se entreter das situações reais e

imaginar outras possibilidades para interagir com uma mesma problemática.

Assim, o ato de ler, apresentado apenas como fonte de elementos

fantasiosos, desde que não ocorra uma relação com o contexto que permita a

interação entre fantasia e realidade, acaba afastando-se da proposta de uma leitura

que permita uma prática social e discursiva. Estimular a formação do leitor

efetivamente deve envolver no ambiente escolar uma variedade de práticas de

leituras.

A formação da prática de leitura necessita envolver as formações discursivas,

como veremos a seguir.

1.5 Práticas de leitura e formações discursivas

A prática da leitura é uma atividade que se faz muito presente no ambiente

escolar e mesmo fora dele, pois estamos constantemente buscando a compreensão do

mundo a nossa volta.

Essa prática apresenta-se na escola como uma situação privilegiada já que

nessa, o aluno tem a possibilidade de interpretar o mundo que o cerca, tornando-a uma

prática social e discursiva uma vez que lhe proporciona condições de relacionar os

elementos de ficção, fantasia ou fatos com a realidade em que vive.

Garantir que a leitura seja praticada na escola proporciona uma inserção do

aluno no processo social e histórico, dando ao mesmo a possibilidade de ter

conhecimento do seu contexto a partir de outras referências.

“[...] quando lemos estamos produzindo sentidos (reproduzindo-os ou transformando-os). Mais do que isso, quando estamos lendo, estamos participando do processo (sócio-histórico) de produção dos sentidos e o fazemos de um lugar e com uma direção histórica determinada.” (ORLANDI, 1988, p.59)

36

Tendo como base essa formulação teórica, investiremos no acompanhamento

da prática de leitura, considerando-a como um processo discursivo em que atuam

dois sujeitos que, por sua vez, produzem sentido, o leitor e o autor, sendo que cada

um desses se insere num momento sócio-histórico, portanto ideologicamente

constituídos. Nesse sentido, consideramos que, tanto leitor como autor, produzem

sentido sempre a partir de contextos histórico-sociais determinados e,

consequentemente, produzirão sentidos determinados ideologicamente.

A prática de leitura que proporciona uma formação discursiva permite que o

texto apresente uma nova leitura a cada leitor, pois, como afirma Soares (1988, p.

28), “[...] um texto multiplica-se em infinitos textos, tantos textos quantas leituras

houver. Cada leitura constituirá um novo texto, produto de determinações múltiplas.”

As práticas de leitura na escola e o processo de significação da leitura estão

diretamente relacionados às formações discursivas que permeiam o ambiente

escolar. Na escola, o discurso predominante é o pedagógico, muito marcado, já que

todas as ações visam ao desenvolvimento das habilidades e do conteúdo

acadêmico. A ideologia presente nesse discurso é ainda aquela que valoriza a

escrita em detrimento da leitura, considerando-a como uma consequência natural da

aprendizagem da tecnologia da escrita.

Nesse jogo ideológico, há um embate muito marcado, pois, por mais que

professores tenham consciência da necessidade de proporcionar leituras que

permitam ao aluno interagir com o texto e situá-lo discursivamente, acabam, na

maioria das suas atividades, sendo traídos pela formação ideológica marcadamente

fincada na ideia de que a leitura consiste em uma ferramenta de aprendizagem do

currículo.

“As formações discursivas representam, na ordem do discurso, as formações ideológicas que lhes correspondem. É a formação discursiva que determina o que pode e deve ser dito, a partir de uma posição dada em uma conjuntura dada. Isso significa que as palavras, expressões etc... recebem seu sentido da formação discursiva na qual são produzidas. Dito de forma mais direta, a formação discursiva é o ‘lugar da construção do sentido’ (sua ‘matriz’, por assim dizer). O que nos leva a entender que ‘o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição etc... não existe em si mesmo (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do significante) mas é determinado pelas posições ideológicas postas em jogo no processo social-histórico em que as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). (ORLANDI, 1988, p. 65-66) [Grifo da autora]

37

É fato que a leitura apresenta também essa função de ferramenta de

aprendizagem, mas sua dimensão no ambiente escolar vai muito além dessa

perspectiva. O que está em pauta consiste na dimensão dada a cada uma das

muitas perspectivas oferecidas pela prática da leitura no espaço escolar.

Conforme a autora, as leituras realizadas são caracterizadas pelas formações

sociais, pois a cada leitura o leitor retoma por meio de sua formação discursiva os

sentidos existentes e, para que uma palavra tenha sentido, conforme Orlandi (2002),

necessita que tenha um sentido anterior a fim de inscrever o leitor na formação

discursiva existente.

As práticas de leitura devem considerar os diferentes contextos que o aluno

ocupa enquanto leitor e as diversas formas de discurso, que, nas palavras de

Orlandi (2001), perpassam o texto e determinam as possibilidades de sentidos

decorrentes das formações discursivas, das redes de memórias, das relações do

antes e depois e do entendimento da historicidade como parte do sentido.

Desse modo, a leitura enquanto uma prática social aponta para uma

abordagem sócio interacionista, pois será a partir das formações discursivas e

ideológicas que a compreensão do texto poderá ser elaborada. São as formações

discursivas que permitem ao aluno leitor a interagir com o texto e seu contexto em

sua dimensão social e discursiva.

38

CAPÍTULO II – A LEITURA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS

“Capacitando o ser humano a pensar e agir com

liberdade, ainda que mediado pela fantasia e pelo

imaginário, a leitura sinaliza o perigo para

sociedades ou indivíduos autoritários”. (R.

Zilberman).

O estudo e a atenção mais rigorosa dada à leitura no ambiente escolar é um

tema que a muito é discutido nos documentos oficiais e nos planos de políticas

educacionais, mas sua efetivação na sala de aula caminha a passos lentos. A

metodologia de ensino empregada encontrou muita dificuldade de atender os

objetivos estabelecidos para a leitura, pois há bem pouco, o ensino da leitura na

escola desenvolvia-se de modo descontextualizado e rígido. A leitura servia apenas

de suporte para o ensino das normas da língua e dos demais conteúdos escolares.

“[...] o ensino de leitura na escola se dá de maneira descontextualizada por dois motivos básicos: a) seja por sacralizar demasiadamente o texto impresso destituindo-o da condição de questionamento e interlocução com o leitor, b) seja por a escola não estabelecer objetivos concretos para a leitura”. (ZAPPONE, 2001, p.51)

Os textos apresentados nas unidades escolares costumam ser apresentados

de modo fechado e, na dinâmica marcada das atividades escolares, a oportunidade

ao aluno de interagir com eles, dentro das suas possibilidades discursivas acaba

sendo restrita. A apresentação do texto impresso como algo pronto e acabado levam

o leitor iniciante a considerar que os argumentos apresentados consistem em

verdades ou ideias inquestionáveis; deste modo, tal dedução extirpa as

possibilidades discursivas do texto. Por outro lado, a preocupação de se estabelecer

objetivos para o desenvolvimento da leitura, dando a esta sua devida importância no

currículo escolar ainda é tímida, como expõe Orlandi:

“A escola, no entanto, evita, escrupulosamente, incluir em sua reflexão metodológica e em sua prática pedagógica a consideração de outras formas de linguagem que não a verbal e, no âmbito dessa, dá mais valor a escrita que à oralidade. Isso representa a expressão do maniqueísmo escolar, que vê em outras formas de linguagem sua manifestação rebaixada. Não se trata da capacidade de compreensão do aluno e, no interior desta, da sua capacidade de compreender textos escritos.” (1996b, p. 38)

39

A leitura segue muito além do processo de decodificação da escrita e sua

aprendizagem não está limitada apenas ao processo de alfabetização. “Leitura não

se limita à ‘decodificação’ da escrita, como processo acabado no momento de

alfabetização, mas se amplia na prática crítica de leitura de um leitor que, com sua

experiência de mundo, constrói um sentido para o que lê." (ZAPPONE, 2001, p.54)

[Grifo da autora].

A leitura é, geralmente, associada ao ambiente escolar, mas quando falamos

em leitura na escola, na maioria das vezes, é considerada a partir de extremos: ou

ela é vista como uma atividade de entretenimento, ou ela é entendida como uma

ferramenta de transmissão de conceitos acadêmicos.

“Colocada na base da educação, a leitura pode assumir de imediato o componente democratizante daquela; ao mesmo tempo, confundiu-se com alfabetização, pois ler veio a significar igualmente a introdução ao universo de sinais conhecidos como alfabeto e a constatação do domínio exercido sobre ele.” (ZILBERMAN; SILVA, 1988, p. 13)

Este uso exaustivo e invariável vem reforçando diariamente nos bancos

escolares a ideia de que a leitura é uma atividade repetitiva e desmotivadora. O

aluno é convocado a realizar a leitura de gêneros que não identifica, o que ocasiona

certo desconforto uma vez que desconhece as estratégias de leitura que aproximam

o seu entendimento e, deste modo, não atinge os princípios comunicativos e

discursivos dos textos.

A leitura na escola deve atender a muitos outros objetivos educacionais,

muitos destes previstos nos documentos oficiais do ensino de Língua Portuguesa.

Deve, sim, ser fonte inesgotável de conhecimento, mas em virtude de sua presença

nas diversas atividades dialógicas e discursivas que permitem ao leitor desenvolver

intimidade com os diferentes gêneros de circulação social e perceber a

funcionalidade de cada um.

Nesse contexto, a figura do professor apresenta-se como constitutivo do

processo de leitura escolar, já que ele é um dos elementos fundamentais do

contexto imediato do leitor. O ato de ler deve permitir ao aluno que, dentro dos

limites discursivos do texto, possa criar seu texto paralelo, sua leitura individual, a

partir daquele texto que leu e interpretou. A leitura na escola deve favorecer

situações em que o leitor assuma o posicionamento crítico diante de sua realidade

40

social e cultural, permitindo a construção de argumentos, hipóteses e,

consequentemente, favorecendo o estabelecimento de um diálogo mais aberto com

o conhecimento.

Conforme Kleiman (1989), o professor deve transpor as barreiras que limitam

sua prática enquanto mediador de leituras e formador de leitores. Necessita

ultrapassar os limites do livro didático e do currículo escolar, ampliando as

experiências leitoras dos alunos, uma vez que nele reside a possibilidade de ser um

“modelo ideal a ser imitado pela criança na resolução de tarefas cognitivas

complexas que estão além da capacidade real da criança” (KLEIMAN, 1989, p. 08).

As atividades de leitura na escola necessitam oferecer ao leitor a possibilidade de

formular um objetivo para a leitura e uma melhor interação com o texto, já que as

atividades solicitadas para a compreensão são ativadas a partir de um propósito

específico.

“Enquanto prática, a leitura associa-se desde seu aparecimento à difusão da escrita, à fixação do texto na matéria do livro (ou uma forma similar a essa), à alfabetização do indivíduo, de preferência na fase infantil ou juvenil da sua vida, e à adoção de um comportamento mais pessoal e menos dependente dos valores tradicionais e coletivos, veiculados por meio oral através da religião e dos mitos.” (ZILBERMAN, 1988, p. 12)

Outro fator considerável de entrave na escola reside no apego exagerado aos

manuais e livros didáticos, aos programas curriculares, à seleção prévia de livros,

sem consulta aos leitores, à mistificação ou à anteriormente referida sacralização do

texto impresso. Tais procedimentos apontam que, na escola e nas aulas de leitura,

nada é discutido, apenas “decodificado” e aceito. Esse rol de dificuldades conta

ainda com a ausência de objetivos para a leitura constantemente observada nas

atividades escolares, camuflada pelos objetivos de aprendizagem das normas

gramaticais da língua.

“O desempenho incipiente da criança não retrata pois a sua concepção real do ato de ler, mas a escola, muitas vezes, pautando-se apenas no desempenho observável do aprendiz, pode tentar ajudá-lo com tarefas mais fáceis, menos desafiantes, usando textos simplificados, absolutamente artificiais e pouco significativos para a criança. Se essa estratégia de ‘imbecilização dos textos’ pode aparentemente resultar em um melhor desempenho na parte mecânica da leitura, ela, ao mesmo tempo, bloqueia o desenvolvimento e a aprendizagem por não oferecer desafios motivadores e por ir contra o objetivo do letramento, que é a apreensão do mundo criado pela língua escrita.” (KATO, 1988, p. 34)

41

A ideia apresentada de facilitação da leitura ainda consiste num paradigma

muito atual na formação de leitores. Na observação das metodologias de sala de

aula é comum, ao acompanhar uma leitura, observar o professor realizando

simultaneamente à leitura uma adequação de termos e significados para garantir o

entendimento.

Mesmo após orientações a respeito da importância de realizar a primeira

leitura fiel ao texto a fim de permitir ao aluno elaborar sua compreensão, esse é um

hábito recorrente entre docentes, observado em diferentes modalidades de ensino.

Conforme Kato (1988), a escola parece priorizar o processamento

ascendente, pois centra sua atenção apenas nos conteúdos referentes aos

conhecimentos linguísticos. Assim, ao enfatizar os aspectos gramaticais, transforma

as aulas de leitura em pretextos para o estudo de questões normativas, e deixa de

lado a constituição de possíveis significados do texto que não estão explícitos no

texto. Tal aspecto tem sua inegável importância para a formação do leitor, mas as

atividades propostas devem ir muito além das convenções da língua, necessitam

atingir a compreensão do texto em seu contexto social.

Embora a leitura seja uma interação entre autor/leitor, torna-se uma tarefa

muito complexa para o jovem aluno leitor recuperar sua condição de interlocutor. É

através do professor que se institui a interação, já que este deve fazer uso de várias

estratégias para intermediar a leitura do aluno e promover a leitura discursiva.

“[...] O possível e o razoável, em relação à compreensão de um texto, se definem levando-se em conta as histórias de sua leitura, na forma de interação que o leitor estabelece, no processo da leitura. O reconhecimento desses elementos como constitutivos das condições de produção da leitura leva-nos a algumas consequências. Para a escola, por exemplo, a contribuição disso está em que o professor pode modificar as condições de produção da leitura do aluno: de um lado, propiciando-lhe que construa sua história de leituras; de outro, estabelecendo, quando necessário, as relações intertextuais, resgatando a história dos sentidos do texto.” (ORLANDI, 1996b, p. 44)

Começar a promover a leitura na escola necessita constituir-se como um

desejo dos professores, não apenas de Língua Portuguesa, mas também dos

professores das demais disciplinas que compõem o currículo do Ensino

Fundamental II (E.F-II), uma vez que o aluno leitor garante à escola a aprendizagem

reflexiva das disciplinas e, consequentemente, um melhor rendimento escolar.

42

Buscaremos, a seguir, conhecer as diretrizes que permeiam e norteiam a formação

do leitor no espaço escolar na disciplina de Língua Portuguesa.

2.1 O desafio: um currículo de Língua Portuguesa que atenda às necessidades

contemporâneas

A sociedade contemporânea está sendo cada vez mais caracterizada pela

valorização do conhecimento dos recursos e das tecnologias que se desenvolveram

no fim do Século XX estenderam-se até a atualidade e continuam se expandindo em

grande velocidade. O acesso a esse mundo tecnológico e da informação, marcado

pelo intensivo uso do conhecimento para a realização de atividades que inserem o

indivíduo nas diferentes situações sociais de trabalho, convivência ou simplesmente

participação social, é um processo que se encontra marcado pela ideologia da luta

de classes.

A escola insere-se nessa sociedade, marcada como o lugar de redenção,

onde aos alunos é dada a oportunidade de, por meio do conhecimento, serem

lançados em um lugar de destaque social. Nesse contexto, a leitura constitui-se a

figura principal, pois será a partir dela que o estudante terá acesso a todo o

conhecimento que circula na sociedade. A leitura é vista, então, como uma

ferramenta de acesso, quase uma metodologia de ensino que informa ao aluno o

que é necessário, na maioria das vezes sem uma abordagem discursiva e histórica.

Essa situação não proporciona ao aluno o desenvolvimento das habilidades para a

compreensão de seu contexto histórico e dificilmente permite a ele dialogar com

discursos presentes em sua esfera social. Conforme Orlandi,

“O homem faz a história mas a história não lhe é transparente. Por isso, acreditamos que uma metodologia de ensino consequente deve explicitar, para o processo de leitura, os mecanismos pelos quais a ideologia torna evidente o que não é e que, ao contrário, resulta de espessos processos de produção de sentido, historicamente determinados, ‘A naturalidade’ dos sentidos, é, pois, ideologicamente construída. A transparência dos sentidos que brotam de um texto é aparente, e tanto quem ensina quanto quem aprende a ler deve procurar conhecer os mecanismos que aí estão jogando”. (1988, p.59) [Grifo da autora]

43

2.2 A Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional e a abordagem da leitura

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, aprovada em 20 de

dezembro de 1996, de âmbito Federal, traz, como sua proposta fundamental, o

dever público e organizado para com a educação.

Essa lei definiu os princípios e objetivos gerais que procuram garantir aos

educandos a oferta de uma educação que favoreça o desenvolvimento de suas

habilidades e potencialidades, preparando-os para a cidadania e trabalho.

A leitura na LDB é apresentada como um meio para o desenvolvimento da

capacidade de escrever e aparece no capítulo referente ao ensino fundamental.

“Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade [...]”. (LDB, 2011)

No ambiente escolar, a leitura é, em muitos momentos, interpretada pelos

educadores apenas como um meio de acesso à informação o amparo legal,

oferecido pela LDB, dado o caráter conciso, faz com que as habilidades leitoras

deixem de ser estimuladas nos processos de ensino e aprendizagem.

A LDB aborda a leitura como uma habilidade indispensável para o

desenvolvimento da capacidade de aprender, assim como a escrita e o cálculo, mas

é possível que, dada a abrangência do texto da lei, tal consideração não seja

percebida com a devida atenção que necessita. Neste trabalho não adentraremos os

processos de aquisição e produção de escrita. Os textos escritos pelos alunos que

compõem o corpus foram acompanhados enquanto tentativas de melhorar o domínio

da leitura e avaliados como atividade de compreensão leitora.

A leitura, quando considerada apenas um meio e uma ferramenta de

aprendizagem, perde no âmbito escolar seu caráter social e discursivo. Ela é

utilizada, na maioria das vezes, como uma etapa para informar-se a respeito do

assunto da disciplina. Faz-se importante frisar que, se durante esse processo de

informação forem proporcionadas ao aluno condições para que interaja com o texto

44

e compreenda o contexto, a atividade de leitura certamente será favorável à

formação do leitor. Em contrapartida, o aluno lê na maioria das vezes para ter

contato com a informação, deixando de interagir com os textos e seus contextos.

As atividades oferecidas aos alunos, dentro desta perspectiva da leitura

enquanto ferramenta, banalizam o ato de ler, tornando-o uma atividade escolar

vazia. Quando a leitura é tratada na escola, é geralmente contemplada por meio de

metodologias que buscam camuflar o despreparo e a insegurança do educador,

observando que a maioria não aprendeu em sua formação, a proporcionar aos

alunos situações de aprendizagem com atividades em que a leitura se constitui

como objetivo e não como meio. O educador sem o devido preparo busca subsídios

em materiais prontos que nem sempre garantem o desenvolvimento das habilidades

tanto do aluno, como do próprio professor. A respeito, Lajolo afirma:

“[...] a instauração de uma política de leitura escorada na difusão apressada e superficial – pela via de cursos, treinamentos e publicações – de tais atividades (improvisadas sempre no nível da precariedade das condições materiais da educação brasileira...) não só descompromete o estado das responsabilidades pela qualidade de ensino, como reforça o caráter reprodutor da escola, na medida em que tira da responsabilidade do professor, em diálogo com os seus alunos e com suas leituras, o planejamento das atividades de leitura em que vai engajar-se com sua classe.” (LAJOLO, 1997, 73)

As atividades que não permitem ao aluno dialogar com os autores, conhecer

seus contextos e historicidade, confinam o aluno à decodificação do texto, inserido

em livros de distribuição nacional, que dificilmente correspondem aos contextos e

questões sociais numa perspectiva dialógica e discursiva.

A LDB, como sabemos, estabelece a prioridade de organizar o ensino

escolar, seu currículo e modalidades de ensino, para garantir o cumprimento de seu

primeiro artigo, § 2º, que prega: “a educação escolar deverá vincular-se ao mundo

do trabalho e à prática social.” (LDB, 2011). Também nesse trecho da LDB,

observamos seu caráter abrangente, pois ambos os mundos indicados são

entrelaçados, pois um não será completo sem o outro para a formação cidadã.

Entretanto, observamos que na escola ainda existe uma ruptura desses dois

mundos na medida em que é o palco primeiro da formação para o trabalho, como se

essa estivesse desconectado da prática social, quando ao contrário, ela é um

importante fator de formação, pois garante ao educando vivenciar e interagir com

45

situações de embate e conflitos que podem ser determinantes em sua vida adulta e

profissional.

O Ministério da Educação iniciou, em 1997, um processo de estruturação

curricular, a fim de atender à necessidade de especificar os pontos mais

abrangentes do texto legal, visando garantir que as propostas nacionais atendam às

necessidades desse país de vasta extensão territorial e, ao mesmo tempo, garantam

que o ensino ofertado nas escolas proporcione o acesso ao mundo do trabalho por

meio da prática social. Para este trabalho, observaremos como a organização

curricular aborda aspectos referentes à formação do leitor.

2.3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a formação do leitor

Antes de iniciar esta seção, consideramos pertinente esclarecer aqui que

alguns trechos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), foram apresentados,

não como fundamentação teórica, mas como partes de um documento oficial que

auxiliará o leitor a conhecer alguns conceitos que fundamentam as práticas atuais

desenvolvidas no interior das unidades escolares.

Os PCNs foram elaborados, com fundamentação na Proposta Curricular do

Estado de São Paulo5, visando a estabelecer diretrizes de âmbito nacional para

todas as disciplinas do currículo, dada a diversidade social e cultural aliada às

dimensões continentais do país. Como Rojo (2000, p.28) apresenta, estes

parâmetros tinham como meta, “[...] fomentar a reflexão sobre os currículos

estaduais e municipais já em andamento em diversos estados e aos municípios.”

Deste modo, as propostas apresentadas vêm ao encontro das práticas educativas e

metodologias referentes às diferentes disciplinas componentes do currículo.

Em relação à leitura enquanto parte integrante da disciplina de Língua

Portuguesa, os PCNs dessa disciplina buscam revitalizar a sua importância, que vai

muito além de apenas um meio de decodificação de textos. É possível observar no

trecho abaixo que a leitura, considerada agora nos documentos oficiais a partir de

55

A Proposta Curricular do Estado de São Paulo de 1986 à 1993 será retomada posteriormente, pois neste

momento estamos direcionando nosso estudo à abordagem da leitura nos PCNs.

46

sua natureza linguística, passa a ser tratada em toda sua complexidade, sem

desfigurá-la ou destituir-lhe de sua prática social.

“A leitura na escola tem sido, fundamentalmente, um processo de ensino. Para que possa constituir também objeto de aprendizagem, é necessário que faça sentido para o aluno, isto é, a atividade de leitura deve responder, do seu ponto de vista, a objetos de realização imediata. Como se trata de uma prática social complexa, se a escola pretende converter a leitura em objeto de aprendizagem deve preservar sua natureza e complexidade, sem descaracterizá-la. Isso significa trabalhar com a diversidade de textos e de combinações entre eles. Significa trabalhar com a diversidade de objetivos e modalidades que caracterizam a leitura, ou seja, os diferentes ‘para quês’ – resolver um problema prático, informar-se, divertir-se, estudar, escrever ou revisar o próprio texto – e com as diferentes formas de leitura em função de diferentes objetivos e gêneros: ler buscando as informações relevantes, ou o significado implícito nas entrelinhas, ou dados para a solução de um problema.” (BRASIL. PCNs- Língua Portuguesa, 2001, p. 54-55).

Nesse documento, ampliam-se as possibilidades de leitura no ambiente

escolar, pois permite-se ao aluno mais que decodificar, permite a interação, o

diálogo e a descoberta dos sentidos e significados implícitos. A escrita, do mesmo

modo, deixa de ser um processo mecânico, torna-se um processo de reflexão sobre

as várias possibilidades de interagir e compreender os contextos de comunicação,

por meio do texto concreto.

Esta é uma mudança que traz para o ambiente escolar a possibilidade de

interagir com conhecimento produzido, com seu próprio contexto e com os assuntos

de circulação social. Sobre a leitura, os PCNs de Língua Portuguesa propõem que

“A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita [...] Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão na qual os sentidos começam ser constituídos antes da leitura propriamente dita.” (BRASIL. PCNs- Língua Portuguesa, 2001, p. 53).

Desse modo, a leitura desenvolvida com objetivos claros no ambiente escolar

proporciona ao leitor ler e compreender com base em inúmeras pistas escritas

intenções comunicativas do texto a partir de sua funcionalidade social. Os textos

desenvolvidos pelos alunos indicam, por meio dos recursos de escrita utilizados, que

tipo de compreensão atingiu com sua leitura.

A elaboração dos PCNs, conforme observa Freitas (2000), está

fundamentada na crítica dirigida ao processo de ensino, ofertado pelo poder público,

47

que “[...] leva a escola a trabalhar com textos fechados em aspectos e funções

exclusivamente escolares na proposição da construção de uma competência

discursiva por parte de seus alunos.” (FREITAS, 2000, p. 65). Com a elaboração dos

Parâmetros, há uma preocupação em propor textos que se insiram na realidade

social e discursiva do aluno, para oportunizar leituras reflexivas, que se constituam

como uma prática social e discursiva.

O leitor competente, neste contexto, é idealizado pelos Parâmetros como

“[...] alguém que, por iniciativa própria, é capaz de selecionar, dentre os trechos que circulam socialmente, aqueles que podem atender a uma necessidade sua. Que consegue utilizar estratégias de leitura adequada para abordá-los de forma a tender a essa necessidade. Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos, que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar a sua leitura a partir da localização de elementos discursivos”. (BRASIL. PCNs- Língua Portuguesa, 2001, p. 54).

Observamos claramente, no trecho acima que esse documento da disciplina

de Língua Portuguesa insiste sobre a necessidade de a escola formar leitores que

sejam capazes de interagir com o texto, ao mesmo tempo em que alerta a escola,

enquanto instituição onde se efetivam as práticas educativas, para a urgência de

ultrapassar os limites impostos por essas práticas exclusivamente escolares,

permitindo que seja inserida em seu contexto a diversidade textual vivenciada por

seus alunos, compartilhando essas experiências. O caminhar da proposta do PCN

de Língua Portuguesa conduz o professor a tratar a leitura a partir de uma relação

dialética, em que ele, com seu aluno, constroem o objeto de conhecimento.

Nessa perspectiva, a leitura vai ganhando espaço e se configurando como

uma prática não apenas social como descrita na LDB. O parâmetro, enquanto

documento oficial, que dá as diretrizes de abordagem das disciplinas, proporciona à

leitura no ambiente escolar o espaço para o desenvolvimento de sua natureza

discursiva, outrora esquecida ou colocada em segundo plano nas aulas de Língua

Portuguesa. A escola necessita desvincular-se da prática relatada por Orlandi

(1996b) de leituras previstas e textos escamoteados. A leitura, enquanto prática

social e discursiva permite incluir os contextos históricos, sociais, culturais e

ideológicos. Podemos observar esse direcionamento, no trecho a seguir:

48

“A leitura como prática social, é sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade pessoal. Fora da escola, não se lê só para aprender a ler, não se lê de uma única forma, não se codifica palavra por palavra [...] Uma prática constante de leitura na escola pressupõe o trabalho com a diversidade de objetivos, modalidades de textos que caracterizam as práticas de leitura de fato. [...] Uma prática constante de leitura na escola deve admitir várias leituras, pois outra concepção que deve ser superada é a do mito da interpretação única, fruto do pressuposto de que o significado está dado no texto”. (BRASIL. PCNs- Língua Portuguesa, 2001, p. 57).

A articulação do texto oficial com o texto legal da LDB visa ao

desenvolvimento de uma leitura que ultrapassa a decodificação do texto, mas que se

efetiva por meio do leitor, que necessita a ser estimulado e desafiado, ao mesmo

tempo em que apresenta a confiança necessária para interagir, dialogar e

posicionar-se frente aos contextos apresentados pelos diferentes autores. Conforme

Kleiman (1989, p. 33), “[...] na leitura, se estabelece uma relação não entre objeto e

leitor, mas entre o leitor e o autor, sujeitos sociais, num processo que será

necessariamente dinâmico e mutável.” Os PCNs de Língua Portuguesa traz, nessa

abordagem, orientações para a escola promover o desenvolvimento de bons

leitores:

“Para tornar os alunos bons leitores – para desenvolver, muito mais do que a capacidade de ler, o gosto e o compromisso com a leitura –, a escola terá que mobilizá-los internamente, pois aprender a ler (e também ler para aprender) requer esforço. Precisará fazê-los achar que a leitura é algo interessante e desafiador, algo que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência. Precisará torna-los confiantes, condição para poderem se desafiar a ‘aprender fazendo’. Uma prática de leitura que não desperte e cultive o desejo de ler não é uma prática pedagógica eficiente”. (BRASIL. PCNs- Língua Portuguesa, 2001, p. 58).

As práticas de leituras apresentadas voltam os olhares aos professores, já

que a eles é dada a tarefa de desenvolver o gosto e o compromisso pela leitura. Ao

docente é confiada a tarefa de compreender o que há por trás dos diferentes

sentidos atribuídos pelos alunos ao texto. Se por um lado é sua responsabilidade

atualizar-se e inovar a sua prática, por outro, deve assumir um posicionamento que

não é apenas receptivo, pois sua contribuição para a formação do leitor também

está intrinsecamente ligada às suas próprias experiências leitoras. A esse respeito,

Freitas (2000) afirma que:

49

“[...] os PCNs insistem que a formação do leitor e escritor só será possível na medida em que o próprio professor se apresentar para o aluno como alguém que vive a experiência da leitura e da escrita. O professor, além de ser aquele que ensina conteúdos, é alguém que transmite o valor que a língua tem, demonstrando o valor que a língua tem pra si.” (FREITAS, 2000, p. 65)

Ao professor é atribuída uma grande responsabilidade em relação à

construção do leitor; conforme expõe Costa:

“[...] os PCNs constituem um grande avanço para o ensino / aprendizagem de leitura e produção de textos na educação básica (nível fundamental e médio) por proporem uma metodologia de enfoque enunciativo-discursivo a ser desenvolvida nas salas de aulas.” (2000, p. 67),

Entretanto, apenas eles não oferecem os instrumentos necessários para que

o professor alcance os objetivos propostos para a formação do leitor. A formação do

leitor implica a busca de mais recursos e fundamentações para embasar a

metodologia utilizada pelo professor. Buscando esse suporte necessário à prática

docente, aprofundaremos nos documentos oficiais, adentrando a proposta de Língua

Portuguesa.

2.4 A proposta curricular de Língua Portuguesa no currículo do Estado de São

Paulo

A proposta curricular para o Ensino de Língua Portuguesa é parte integrante

do Currículo do Estado de São Paulo (2010). Neste, as disciplinas são apresentadas

agrupadas por áreas de abrangência. A disciplina de Língua Portuguesa encontra-se

inserida na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias junto às disciplinas de

Língua Estrangeira Moderna, Arte e Educação Física. Tal agrupamento apresenta a

linguagem como uma atividade comunicativa que ultrapassa os limites do texto, pois

efetiva-se em diferentes ramos da atividade humana.

O currículo, atualizado no ano de 2009 e distribuído no ano seguinte, ainda

apresenta o currículo para o Ensino Fundamental de oito anos, para a quinta série.

Neste trabalho, abordaremos a turma de sexto ano utilizando a organização

curricular para O Ensino Fundamental de nove anos. Neste caso, nos documentos

oficiais, a quinta série corresponde ao sexto ano. Tal distinção se fez presente, visto

que o Sistema municipal adotou o ensino fundamental de nove anos, atendendo à

50

LDB, que regulamenta essa alteração com a ampliação da jornada escolar para o

ensino fundamental.

O documento apresenta os princípios orientadores para o currículo escolar e

para a prática educativa. Tem como referência as competências e se compromete

em formar crianças e jovens para que, na vida adulta, tornem-se adultos capazes de

assumirem suas responsabilidades pessoais e sociais, atuando ativamente em seu

contexto histórico e cultural. Conforme descrito no Currículo (2010, p.13) “O currículo

referenciado em competências é uma concepção que requer que a escola e o plano

do professor indiquem o que o aluno vai aprender”. Essa abordagem diz respeito ao

processo de democratização do ensino, pois torna o currículo acessível a todos,

uma vez que considera a heterogeneidade da formação histórica e cultural do país.

Vivemos um momento histórico de uma intensa transição sócio-cultural, em

que os traços tradicionais mesclam-se às novas abordagens no desenvolvimento

das práticas educativas do cotidiano escolar e ainda é muito comum a dificuldade

docente de indicar o que o aluno será capaz de aprender, ao invés do que ele

pretende simplesmente ensinar.

Na abordagem da leitura, o processo não é diferente. Essa, entretanto, é uma

etapa de transição que deve acontecer coletivamente, envolvendo toda a equipe

escolar. É preciso que todos se comprometam e se envolvam com a democratização

do ensino, pois conforme afirma Lajolo (1997, p. 108) “a discussão sobre a leitura,

principalmente sobre a leitura numa sociedade que pretende democratizar-se,

começa dizendo que os profissionais mais diretamente responsáveis pela iniciação

na leitura devem ser bons leitores”.

No direcionamento curricular da leitura, o processo de desenvolvimento do

gosto e democratização do ato de ler será muito mais eficaz se os profissionais da

escola, não só professores, mas toda a equipe escolar, gostar de ler e se envolver

com a leitura e com demais atividades que compõem o currículo.

A Proposta Curricular de Língua Portuguesa (2008) parte integrante do

Currículo do Estado de São Paulo, apresenta seus conteúdos organizados em

tabelas bimestrais, conforme apresentado no Anexo A (2010) para os quatro anos

de Ensino Fundamental II.

51

Cada coluna é subdividida em áreas de abrangência da disciplina. No

currículo da quinta série / sexto ano, a disciplina de Língua Portuguesa é

apresentada nos seguintes eixos: Conteúdos gerais; Conteúdos de Leitura;

Conteúdos de Produção de Escrita e Conteúdos de Oralidade / Escuta.

Os conteúdos gerais tratam dos estudos linguísticos, os conteúdos de leitura

tratam da interação com os textos por meio da interpretação e abordam também o

desenvolvimento de técnicas para a fruição da leitura; os conteúdos de produção de

escrita contemplam as produções textuais em suas diferentes situações de

comunicação e, finalmente, os conteúdos de oralidade / escuta tratam as situações

de comunicação promovidas nas leituras compartilhadas.

Observamos que esse documento oficial, em 2010, trouxe ao final de cada

eixo bimestral um rol de habilidades elencadas para o período letivo.

O currículo apresentado neste trabalho não foi desenvolvido após a LDB e

aos PCNs. Tampouco constitui-se numa ruptura em relação aos documentos oficiais

que o precederam; ao contrário, entrelaçam-se em seus processos históricos, como

observamos descrito no Currículo do Estado de São Paulo (2010, p. 29)

“As Propostas Curriculares do Estado de São Paulo, construídas no período de 1986 a 1993 e que deram origem aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), do Ensino Fundamental, de 1997, e aos PCNs do Ensino Médio, de 1998, constituem a base sobre a qual ele se desenvolve.”

Esses documentos que tratam do currículo apresentam a leitura e a escrita

como uma competência associada ao exercício da cidadania. As práticas de leitura

são consideradas como um ato que

“[...] têm impacto sobre o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Essas práticas possibilitam o desenvolvimento da consciência do mundo vivido (ler é registrar o mundo pela palavra, afirma Paulo Freire), propiciando aos sujeitos sociais a autonomia na aprendizagem e a contínua transformação, inclusive das relações pessoais e sociais” Currículo do Estado de São Paulo (2010, p. 15)

Assim, as leituras ultrapassam os limites da escola, pois não só configuram-

se como um pré-requisito para o aluno do EF-II aprender todas as outras disciplinas

como também será uma atividade presente nas suas relações interpessoais, em

seus contextos histórico e cultural.

52

Antes de adentramos na realidade da sala de aula, observaremos mais um

documento oficial agora no âmbito municipal, o Currículo de Língua Portuguesa para

o município de Caraguatatuba.

2.5 O currículo de Língua Portuguesa do município de Caraguatatuba para o 6º

ano.

O município de Caraguatatuba efetivou-se como Sistema de Ensino, desde o

processo de municipalização das escolas estaduais de EF-I, do primeiro ao quinto

ano, no ano de 1999, mas apenas há quatro anos, em 2008, iniciou o processo de

municipalização das escolas estaduais de EF-II, de sexto ao nono anos. Assim,

como na primeira experiência, as municipalizações serão paulatinamente gradativas,

para que a Secretaria de Educação possa adequar-se frente a essa nova realidade.

O primeiro grande desafio, ao qual ainda atualmente dedicam-se muitos

profissionais da rede de ensino, consiste na elaboração de um currículo que atenda

às necessidades atuais dos estudantes e que seja eficaz para o processo de

aprendizagem, sem deixar de atender aos objetivos propostos pelo governo federal

e estadual por meio das avaliações externas do rendimento.

A disciplina de Língua Portuguesa, assim como as demais disciplinas

componentes da matriz curricular, segue um formato próximo daquele apresentado

na Proposta Curricular do Estado de São Paulo. Entretanto, os conteúdos são

apresentados em dois eixos de abrangência. O primeiro, Conteúdos gerais, preserva

os mesmos assuntos abordados na Proposta Curricular do Estado. O segundo eixo,

Conteúdos de leitura, escrita e oralidade, apresenta as mesmas características, mas

agora com os assuntos reagrupados. A estrutura é de tabelas dividas por bimestre e,

conforme pode ser observado no Anexo B (2010), apresenta ao final de cada

bimestre o rol das habilidades esperadas para a disciplina de Língua Portuguesa.

Apesar das habilidades apresentadas no Anexo B não deixarem claras as

intenções de estímulo as habilidades leitoras, o currículo de Caraguatatuba traz um

diferencial de indicar autores, textos literários e gêneros não literários e literários

para serem desenvolvidos a cada bimestre letivo (p. 15).

53

Devido à municipalização recente do EF-II, esse currículo, apesar de marcado

pelos documentos oficiais, ao mesmo tempo em que está se efetivando na salas de

aulas, ainda está em pleno processo de construção coletiva.

A leitura, nesse contexto, como parte integrante da disciplina de Língua

Portuguesa, está caminhando em passos muito discretos, já que o município se

articulou para incentivar projetos de trabalho que desenvolvam a partir do currículo,

as habilidades e competências necessárias para o desenvolvimento da

aprendizagem, pois conforme afirma Freitas,

“[...] a escola, como espaço institucional de acesso ao conhecimento, precisa atender às demandas das transformações dos níveis de leitura e escrita, realizando uma revisão substantiva de suas práticas de ensino, para que essas possibilitem o aluno a aprender a linguagem a partir de textos que circulam socialmente.” (FREITAS, 2000, p. 45)

Assim, nas ações de incentivo à escola enquanto espaço do conhecimento,

os projetos estão cada vez mais presentes no universo escolar e, dentre os

apresentados na unidade no ano de 2011, um nos chamou a atenção por justamente

propor ao aluno o contato com as práticas de leitura, quando existe uma crescente

preocupação com a formação do leitor, acompanhada da dificuldade docente de

desenvolver atividades, cuja leitura se configure como objetivo assim como é

apresentada no plano de ensino municipal.

No domínio de toda a fundamentação teórica, indicada nos documentos

oficiais, a leitura na escola ainda consiste num desafio. Sabemos quais os motivos

para incentivar a leitura, mas por onde começar é o questionamento que nos

conduzirá ao terceiro capítulo deste trabalho.

54

CAPÍTULO III – LEITURA NA ESCOLA: PÓR ONDE COMEÇAR?

“Que idade temos quando lemos?... A primeira

idade! É quando criança que lemos, do ângulo da

primeira vez e obcecados por ela. Primeiro ponto:

minha paixão. Ler é um desejo de infância. Doar

se para o texto, com uma frescura desaparecida,

com um desatino imaginário cuja ideia se fixou

logo no início da vida consciente.” (C. Grivel)

A leitura na escola necessita ser desenvolvida além de métodos e técnicas de

motivação para ler, é importante que as leituras se relacionem à história do aluno na

sociedade. Para que ele avance nas suas habilidades leitoras, não basta que leia

muito, é preciso que lhe seja proporcionada a interação com uma pluralidade de

leituras seguidas de discussões coletivas que atinjam os discursos que as

sustentam. De acordo com Orlandi (2001), um texto tem suas margens em outros

textos e, buscando possíveis organizações com diferentes significantes, é possível

desenvolver uma capacidade de compreensão mais profunda.

Na escola, as intenções e ações que tenham como meta a formação do leitor

necessitam de clareza, pois apenas ler para responder às questões que compõem

as disciplinas não garante a formação de um leitor que realize a leitura, mas

promove um movimento oposto conforme constata Zilberman (1988),

“O leitor passa a dispor de uma habilidade desligada de seu dia-a-dia, razão pela qual sua destinação não se esclarece durante a aprendizagem. Ler dissolve-se entre as obrigações da escola, não se associando às diferentes modalidades de texto com que a criança está envolvida e que estimulam sua atividade consumidora. Desvinculado de seu objeto, o ato da leitura torna-se intransitivo e inexplicável, a não ser que se apele a categorias tomadas de empréstimo de outros setores da vida social.” (ZILBERMAN, 1988, p.13-14)

O ato de ler não pode se diluir e se restringir às práticas escolares. A leitura

deve se consolidar como uma ação engajada com os contextos histórico, social e

cultural de cada aluno, para tornar-se significativa e cada vez mais presente em sua

vida escolar e social.

55

A leitura crítica deve ser estimulada dentro da dinâmica democrática prevista

nos documentos oficiais, em que os alunos sejam encorajados a participar da vida

em sociedade não apenas se informando, mas construindo ideias e dialogando com

os textos produzidos, pois conforme afirma Melo (1988, p. 107-108) “[...] os

indivíduos não só ampliam os seus contatos como os media, tornando-os mais

intensos e mais frequentes, como se motivam a fazer-lhes uma leitura mais

acurada.” [Grifo do autor].

Buscando essa qualidade nas leituras realizadas no ambiente escolar e

também fora dele, o município desenvolveu algumas ações visando à formação do

leitor, procurando alternativas para incentivar a leitura. Aqui neste texto

destacaremos a proposta do Prêmio Educador, que recebe projetos de diferentes

temas e modalidades e tem como objetivo valorizar as práticas que promovam o

desenvolvimento das competências discentes colocando o aluno em contato com

diferentes linguagens, porque todas colaboram com a leitura. Este princípio

concorda com a afirmação de Orlandi (1996b)

“A convivência com a música, a pintura, a fotografia, o cinema, com outras formas de utilização do som e com a imagem, assim como a convivência com as linguagens artificiais poderiam nos apontar para uma inserção no universo simbólico que não é a que temos estabelecidos na escola. Essas linguagens são todas alternativas. Elas se articulam. E é essa articulação que deveria ser explorada no ensino da leitura, quando temos como objetivo trabalhar a capacidade de compreensão do aluno.” (ORLANDI, 1996, p. 40)

A proposta de garantir práticas educativas voltadas para a interação com as

linguagens verbal, visual e verbo-visual, que permitem ao leitor um repertório maior

de recursos que o auxiliam na compreensão dos sentidos dos textos lidos,

proporcionou o acompanhamento das atividades planejadas para um projeto de

leitura proposto para o 6º ano C, cujas algumas produções6 foram selecionadas para

compor o corpus deste trabalho de pesquisa.

Esse projeto de leitura foi desenvolvido em todos os 6º anos da escola em

questão, mas a escolha da turma que seria acompanhada durante as atividades do

projeto deu-se devido a essa sala ser composta por alunos de múltiplas origens,

assim como observamos também na composição do alunado de toda a escola. Essa

6 Essas produções selecionadas são de apenas um dos muitos momentos do projeto. As atividades foram

realizadas pela professora da sala e, enquanto PCP, me coube o acompanhamento das atividades para as

orientações posteriores ao seu desenvolvimento, com o objetivo de contribuir para a prática docente.

56

turma, portanto, nos ofereceu o recorte mais próximo do que é a unidade escolar e

tal característica foi observada como uma possibilidade de aproximação de

indicadores mais reais de como a escola se comporta em relação às atividades que

busquem desenvolver as competências leitoras.

3.1 Um projeto de leitura para o 6º ano

Existe uma grande dificuldade em proporcionar aos alunos o entendimento

dos textos nas diferentes disciplinas que compõem a matriz curricular do Ensino

Fundamental II. Um dos fatores observados consiste no fato de o aluno utilizar com

escassez suas habilidades leitoras e também os conhecimentos prévios necessários

para interagir com os diferentes gêneros utilizados no ambiente escolar.

Com base na discussão das dificuldades encontradas na formação do leitor, o

presente trabalho se caracteriza como um projeto de interferência nas ações

desenvolvidas em sala de aula. Acompanha a sequência didática desenvolvida

durante um projeto de leitura observando a prática de atividades de formação de

leitores, na realidade do contexto escolar.

Uma vez considerando que as dificuldades no processo de ensino e

aprendizagem podem ser satisfatoriamente minimizadas quando a prática da leitura

se fizer presente, este trabalho tem como objetivo acompanhar o desenvolvimento

de um projeto de leitura para e observar, em que medida a aplicação dessas

atividades de leitura, consideradas como ações sociais e discursivas, poderá

contribuir para a formação de leitores eficientes.

Partimos das ideias de Orlandi (1996a) acerca do fenômeno da leitura, em

especial como prática para orientar as ações de âmbito escolar no que se refere às

práticas de leitura, uma vez considerado que, na compreensão dos textos, o

currículo deve explicitar o modo como um objeto simbólico produz sentidos, o que

resulta, conforme a autora (1996a, p. 64), em saber que o sentido sempre pode

ser outro, mas também não pode ser qualquer um, pois não há como ler o que o

texto não nos permite.

57

As ideias de Maingueneau (2001) também serão utilizadas para a

compreensão dessa prática. O autor pondera que, para inferir sobre os possíveis

sentidos do texto durante a leitura, o leitor necessita conhecer os gêneros que

circulam socialmente, tendo “[...] consciência mais ou menos clara dos modos de

encadeamento de seus constituintes em diferentes níveis: de frase a frase, mas

também em suas partes maiores.” (MAINGUENEAU, 2001, p. 68).

No trabalho, privilegiamos a leitura da narrativa, uma vez que os textos com

os quais os alunos têm um convívio maior são, nesse ano escolar – sexto ano –,

predominantemente este tipo textual, conforme o currículo escolar para o sexto ano.

“A determinação correta dessa finalidade é indispensável para que o destinatário

possa ter um comportamento adequado ao gênero de discurso utilizado.”

(MAINGUENEAU, 2001, p. 66).

Ressaltamos ainda que, mesmo afirmando o lugar de destaque do gênero nas

práticas de leitura, este não será tratado como um molde engessado, isto porque os

textos foram selecionados pela professora com a participação ativa dos alunos,

conforme suas preferências pessoais e contatos realizados no âmbito social.

Conforme Maingueneau (2001), o gênero é resultante das práticas sociais e foi a

este aspecto que a professora dedicou maior atenção.

A abrangência do projeto trata a leitura enquanto interação, com situações de

aprendizagem definidas, com a finalidade de proporcionar ao aluno uma proposta de

leitura consistente, pois maioria das vezes o aluno começa a ler sem ter ideia de

onde aquela leitura o levará, e essa indefinição não proporciona uma ativação eficaz

da compreensão do texto.

Apesar dessa situação estar presente no percurso escolar, cada vez mais é

observável a preocupação de proporcionar o aperfeiçoamento das práticas de sala

de aula, por meio da leitura, estudo e aplicação dos diferentes documentos oficiais,

desde a Proposta Curricular de Língua Portuguesa, até o currículo municipal com a

meta de garantir a compreensão dos sentidos possíveis do texto. Segundo Kleiman

(2002, p.32)

58

“[...] especialistas em leitura afirmam que não há um processo de compreensão de texto escrito, mas que há vários processos de leitura, sempre ativos, tantos quantos forem os objetivos do leitor, muitas vezes estes últimos determinados pelos tipos ou formas de textos.”

Observaremos, desta maneira, se os textos e as produções escritas dos

alunos interagem com o contexto histórico onde ambos encontram-se inseridos pois,

ao construir um texto, o produtor reconstrói o mundo de acordo com suas

experiências. Identificaremos ainda, como são desenvolvidas as mediações no

ambiente escolar entre a realidade social e contexto tratado pelo texto.

Consideraremos assim que, além dos conhecimentos prévios para o processamento

da compreensão, também os conhecimentos partilhados determinam o que precisa

ser explicitado e o que pode ficar no subentendido do texto.

Relembramos que, ao propor as leituras nas atividades escolares torna-se

indispensável assumir o posicionamento de mediar o processo de construção de

sentido da leitura. Apresentar informações acerca do autor, o momento de produção

do texto e o tempo histórico são ações que propiciam a extrapolação do sentido

literal das palavras para articular os sentidos do texto.

Consideraremos a leitura do ponto de vista cognitivo, em que grande parte do

material de leitura é inferido ou adivinhado pelo leitor, demonstrando desse modo a

importância do conhecimento prévio no processo da leitura enquanto prática

discursiva.

O trabalho consistiu em pesquisas bibliográficas baseadas nas obras dos

autores citados na fundamentação teórica e no acompanhamento do projeto “Sarau:

A arte da leitura em brincadeiras de ler”, desenvolvido no ano de 2011 nas turmas

de 6º anos do EFII.

A partir da aplicação do projeto analisamos alguns resultados revelados em

textos dos alunos da turma selecionada, o 6º ano C. Os documentos oficiais

analisados subsidiaram a análise do corpus por meio do acompanhamento do

projeto e, principalmente, pelos textos dos alunos. O trabalho consistiu, ainda, em

pesquisa de campo e em análise dos resultados de uma proposta de fomentação de

prática de leitura.

59

Convém esclarecer que houve de nossa parte o acompanhamento efetivo

das etapas de trabalho da professora da turma de 6º ano, justamente para observar

os acertos e dificuldades encontrados nas sequências didáticas propostas pela

docente. Entretanto, a escolha do material e as atividades desenvolvidas foram

selecionadas pela professora da classe. Esclareço, para fins de pesquisa, que não

houve participação na seleção do material do projeto, realizamos apenas o

acompanhamento do desenvolvimento das aulas em que as atividades foram

realizadas.

O corpus é composto por textos de alunos desenvolvidos durante a aplicação

de uma atividade do projeto: “Sarau: A arte da leitura em brincadeiras de ler”.

Para subsidiar a análise do corpus buscamos o projeto, assim como os

documentos oficiais: “Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Língua

Portuguesa” (2008), do “Currículo do Estado de São Paulo: Linguagens Códigos e

suas tecnologias” (2010) e, perpassamos pela proposta pedagógica inserida na

matriz curricular de Língua Portuguesa de Caraguatatuba de (2011).

Tais documentos consistiram em um apoio para entender o desenvolvimento

pedagógico das atividades porque essa dissertação surgiu no interior da escola, com

a função primeira de promover a reflexão da prática e a partir dessa, desenvolver

situações favoráveis para a compreensão da leitura.

A inserção dos documentos oficiais como fontes complementares ao corpus

foi realizada devido à necessidade de conhecer com maior propriedade a proposta

para o Ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental II7 e de que forma ela

contribui para a formação da leitura como uma prática social e discursiva, visto que

buscaremos os fundamentos que norteiam as práticas de leituras desenvolvidas na

escola e no projeto a fim de acompanhar os resultados nos trabalhos dos alunos.

A escolha do ano de escolaridade se deu por ser o 6º ano a etapa inicial do

Ciclo III do Ensino Fundamental II, e o momento determinante para observar se o

aluno realiza a leitura eficaz, devido à transição resultante do início de um novo ciclo

7 O município de Caraguatatuba adotou 04 ciclos para organizar o Ensino Fundamental, assim

definido: Ciclo I: 1º ao 3º Ano; Ciclo II: 4º e 5º Ano; Ciclo III: 6º e 7º Ano e, finalmente, Ciclo IV: 8º e 9º Ano. As escolas são organizadas por ciclos, respectivamente os Ciclos I-II e CicIo III-IV.

60

escolar que se apresenta como um dos períodos mais delicados para os alunos,

considerando a dificuldade de conciliar as inúmeras disciplinas e ao mesmo tempo

atribuir sentido às atividades escolares, principalmente àquelas que envolvam

leitura, dada a dificuldade de atribuir sentido ao seu novo contexto. Cabe ressaltar,

de acordo com Kleiman, que:

“Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual não consegue extrair sentido. Essa é uma boa caracterização da tarefa de ler em sala de aula: para a grande maioria dos alunos ela é difícil demais, justamente por ela não fazer sentido”. (KLEIMAN, 1996, p.16)

Estabelecer um trabalho pedagógico que tenha como objetivo a leitura,

pressupõe, por parte do educador, frente ao que foi apresentado neste trabalho, que

ele indique nas leituras seu posicionamento político no contexto social de sua

prática, ao mesmo tempo em que proporcione, na escola, situações propícias à

conscientização e à reflexão.

Ao propor um projeto de leitura, para as séries do Ensino Fundamental, as

práticas realizadas em sala de aula devem garantir situações em que o jovem leitor

seja capaz de acompanhar o desenvolvimento de sua atividade, utilizando-se das

estratégias que o permitam ler todos os elementos materiais e visuais permitidos

pelo texto.

Verificamos nas propostas curriculares, do Estado e do município, que ambas

apontam para uma perspectiva interacionista que visa promover a leitura tanto dos

elementos textuais quanto dos elementos desencadeados pela percepção do leitor,

no momento da leitura e do processo de compreensão.

A aplicação de um projeto de leitura, para o 6º ano, neste contexto, tem como

maior desafio a superação da dificuldade da leitura devido a pouca experiência do

aluno em contextualizar suas leituras, e ainda, à modesta intimidade deste com as

estruturas referentes aos gêneros textuais e suas respectivas marcações formais.

O professor, ao propor um projeto desta abrangência, precisa considerar que

a leitura consiste em uma habilidade que convoca várias outras atividades por parte

do leitor e, segundo Kleiman, estas atividades desenvolvem-se a partir de

61

“[...] estratégias cognitivas, isto é, aquelas automáticas, inconscientes, que possibilitam a leitura rápida e eficiente, e estratégias metacognitivas, isto é, aquelas que regem os comportamentos conscientes do leitor, uma das quais permite justamente a desautomatização e controle das estratégias cognitivas para auto-regulamento da compreensão”. (1996, p. 118)

O projeto deve transcender as atuais barreiras encontradas nas práticas

pedagógicas de atividades de leitura na escola, que conforme Coracini (1995),

acabam por privilegiar o texto como um portador de sentido que está para ser

decifrado, uma vez considerado completo e tendo um fim em si mesmo.

A leitura, nessa perspectiva, torna urgente a ruptura com a tarefa dada ao

aluno de assimilar o que está escrito, que permite ao texto ganhar existência própria,

independente da leitura que será feita, pois segundo Coracini, “[...] o leitor seria

então o receptáculo de um saber contido no texto, unidade que é preciso capturar

para construir o sentido.” (1995, p, 14).

Na aplicação de atividades propostas num projeto de leitura, o professor

necessita encontrar o equilíbrio entre elementos linguísticos e extralinguísticos, pois

ambos são componentes do processo de compreensão do leitor.

Segundo Koch (2011, p. 32) “o conhecimento linguístico compreende o

conhecimento gramatical e lexical, sendo responsável pelas articulações som-

sentido.” Este conhecimento se faz necessário, visto que será a partir dele que o

aluno terá o contato com o texto escrito para compreendê-lo.

Entretanto, ao se propor um projeto de leitura, faz-se necessário considerar

também os componentes extralinguísticos ou contextuais, que correspondem a tudo

o que é externo ao texto e que permitem ao leitor definir para si o que é texto. Esses

componentes são determinantes para o desenvolvimento da leitura, pois exigem do

professor que estabeleça objetivos para a leitura, a realização de inferências e a

criação de hipóteses e, principalmente, a ativação de conhecimento prévio adquirido

pelo leitor ao longo de sua vida.

Esse conhecimento prévio implica o entendimento linguístico do significado

das palavras, usos de expressões, dos agrupamentos possíveis entre as palavras

que às vezes são colocadas de maneiras discretas ou descontínuas, que nem

sempre são de domínio do leitor.

62

Também é constituído pelo conhecimento textual que diz respeito a noções e

conceitos sobre o texto enquanto conjunto que pode conter uma estrutura solicitada

pelo gênero, dada à situação da comunicação e espaço social onde estes circulam.

Tais dados proporcionarão ao leitor maiores possibilidades de construção do sentido

do texto, isto porque, conforme Marcuschi,

“os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sóciocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas.” (2008, p. 155).

Desse modo, conhecer o objetivo comunicacional que designou a produção

do texto, proporciona ao leitor maiores condições para que sua leitura lhe permita

compreender os sentidos. Esse objetivo, em especial, recebeu significativo destaque

durante o desenvolvimento das atividades de leitura, como detalhado no projeto.

Consideraremos ainda, para a compreensão do texto, o conhecimento que

Koch (2011) apresenta como enciclopédico ou de mundo sendo “aquele que se

encontra armazenado na memória de cada indivíduo.” (p.32) e refere-se ao

conhecimento estruturado que se tem na memória sobre assuntos, situações ou

eventos da cultura. Esses conhecimentos são indispensáveis para o processo de

leitura, pois serão esses que constituirão o entendimento individual.

Ao propor o projeto de leitura, o professor necessita priorizar uma

organização curricular que permita ao aluno trabalhar em sua própria história de

leitura, lançando mão de suas memórias e contextos a cada novo contato com

diferentes textos. Faz-se necessário, ainda, proporcionar uma leitura polissêmica,

em que os sentidos do texto são re-elaborados mediante a interação dos

interloculores na atribuição dos diferentes sentidos propostos.

Mediante ao exposto, acompanhamos a aplicação do um projeto de leitura

para, com base em seu desenvolvimento, identificar as situações favoráveis para a

formação do leitor no Ensino Fundamental II. As observações realizadas foram

dentro do processo de atuação pedagógica enquanto Professor Coordenador

Pedagógico, compartilhadas com o grupo docente, o que gerou no processo muitas

contribuições positivas para o próprio projeto, assim como para os demais docentes

de outras disciplinas.

63

Antes de analisarmos o projeto de leitura em questão, faz-se importante

observar o contexto de escolha desse projeto e como são desenvolvidos os projetos

no Ensino Fundamental II.

Esse segmento do ensino, até então observado em segundo plano dentro

desse percurso profissional, tornou-se centro da atuação pedagógica, uma vez que

aceitei o convite da Secretaria de Educação para atuar como Professor Coordenador

Pedagógico, na então recém municipalizada EMEF Professor Antônio de Freitas

Avelar. Foi nesta nova realidade que germinou a proposta do projeto de pesquisa

“Leitura como uma prática discursiva: Ler e compreender no Ensino Fundamental II

(6º Ano)” (Anexo C).

No início de cada ano letivo, o Professor Coordenador Pedagógico (PCP) tem

a tarefa de solicitar aos professores de todas as disciplinas componentes da matriz

curricular8 que, após o período de reunião de planejamento, elaborem seus

respectivos planos de ensino para o ano vigente. Cabe ao PCP receber esses

planos, revisá-los com a finalidade de identificar as adequações e preservação do

currículo, reencaminhando-os para seus respectivos professores, com as devidas

intervenções e propostas de adequação.

O ano de 2011 constituiu-se como um ano atípico para a escola onde o

projeto foi desenvolvido, uma vez que a unidade escolar até então estadual, passou

pelo processo de municipalização, sendo a partir daquele ano regida pelo sistema

de ensino municipal. As diferenças de propostas e metodologias foram significativas

e houve uma dificuldade inicial, natural em qualquer situação de adequação às

alterações de diretrizes.

Concluído o processo de adequação resultante da recente municipalização,

propusemos ao grupo de Professores de Língua Portuguesa, estendendo a proposta

às demais disciplinas que, dentro de seu currículo, promovessem situações de

valorização da leitura por meio de projetos de trabalho, a fim de atender às diretrizes

municipais.

8 Disciplinas de acordo com a base comum nacional: Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia,

Ciências, Arte, Educação Física, Língua Estrangeira Moderna / Inglês, Ensino Religioso e ainda, a Parte

Diversificada, composta por Turismo e Lógica.

64

Enquanto PCP desse segmento de ensino, as intervenções, que consistiram

em acompanhamento das atividades do projeto com contribuições à prática docente,

foram realizadas durante todo o processo, mas a finalização da proposta pedagógica

coube ao professor, assim como a definição da sequência de atividades que foram

propostas nas etapas de desenvolvimento dos planos.

Durante o período de planejamento, procuramos ressaltar entre os

professores de todas as disciplinas a importância do ato de leitura para o

desenvolvimento das habilidades solicitadas nas diferentes áreas do saber. Deste

modo, os projetos tiveram como premissa a valorização da leitura. Neste trabalho de

pesquisa abordaremos esse movimento por meio da disciplina de Língua

Portuguesa.

Enquanto unidade escolar, o plano de ensino para todas as turmas

movimentou-se para a valorização da leitura, mas daremos especial atenção para

um projeto desenvolvido no 6º ano, e observaremos as produções apenas de uma

turma para fins de pesquisa.

As ações de intervenção pedagógica no ambiente escolar tiveram como

objetivo promover atividades de leitura como uma prática discursiva, que fossem

além da ação de ler para responder questões do texto ou de natureza gramatical. Os

alunos realizaram atividades de leitura em diferentes lugares, para variados

expectadores interagindo com uma diversidade cultural, que também expandiu os

horizontes da professora. Nestas oportunidades, enquanto PCP auxiliava a

professora e levava ao grupo docente a reflexão acerca dessas experiências para o

desenvolvimento do aluno leitor.

Ressaltamos que as questões de natureza gramaticais aqui citadas são

importantes no processo de compreensão, mas perdem sua significação quando

deixam de ser uma etapa do processo e torna-se o único objetivo da aula e, as

intervenções buscam justamente, refletir a respeito dessa prática.

Concluídos os projetos, ficou definido, mediante acordo pedagógico, que os

professores destinariam uma aula semanal para a leitura de textos dentro de uma

proposta de interação e diálogo.

65

Dentre todos os projetos entregues, um chamou-nos a atenção: o “Sarau: A

arte da leitura em brincadeiras de ler”, destinado aos alunos dos 6º anos. Essa

proposta previa que duas aulas semanais seriam destinadas ao desenvolvimento da

leitura. Na justificativa do projeto, a professora relatou que

“[...] há uma carência de um processo efetivo relacionado à prática de leitura em voz alta, bem como de declamações, tornam necessária a investigação e interação efetuadas pelo aluno em situações de leitura oral a um determinado público – seus colegas de classe.”, (Anexo C).

Durante o desenvolvimento do projeto, foram realizadas intervenções

pedagógicas referentes à prática de leitura, pois nesse contexto a professora foi

orientada a explorá-la de diferentes modos, por exemplo,

Leitura compartilhada, em que cada aluno possuía um texto e

acompanhava aquele que lia em voz alta,

Leitura em duplas e grupos que permitiam a interação em diferentes

momentos,

Leitura individual que oportunizava maior intimidade entre texto e leitor,

Leitura coletiva, em que cada aluno lia um trecho do texto que mais lhe

chamava atenção,

Leitura para outros grupos, turmas e mesmo leitura em reuniões de

HTPC9, que permitiram que o ato de ler saísse da sala de aula e fosse

compartilhado com diferentes setores da escola, dando a oportunidade do aluno

apresentar sua compreensão sobre o material lido, a partir do diálogo após a leitura.

Todas as propostas de atividades buscam atender ao objetivo de promover

condições para o leitor utilizar seus conhecimentos disponíveis para a compreensão

do texto por meio da interação e do diálogo. Conforme Coracini (1995) apresenta, o

processo de leitura não pode depender ora apenas do texto ora apenas do leitor; a

leitura necessita ser o resultado da interação de ambos, junto ao autor.

999

HTPC: Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo. Consiste em reuniões semanais com duração de três horas

destinadas ao estudo para a formação continuada e reflexão da prática docente.

66

Com as propostas, as leituras paulatinamente tornaram-se um “[...] um

processo discursivo no qual se inserem os sujeitos produtores de sentido – autor e

leitor –, ambos sócio-historicamente determinados e ideologicamente construídos.”

(CORACINI, 1995, p. 15). Essa intervenção foi fundamental para auxiliar a

professora a caminhar em direção ao seu objetivo geral proposto que consistiu em

“[...] tornar o aluno capaz de reconhecer a necessidade de dominar os saberes envolvidos nas práticas sociais mediadas pela leitura como ferramenta para a continuidade de aprendizagem fora da escola, lhe será oferecido um vasto material que envolva textos de autores de língua portuguesa presentes por todo o país, tornando o aluno vidente para a vastidão de possibilidades culturais envolvidas em cada texto literário.” (Anexo C)

As intervenções realizadas ocorreram no formato de orientações posteriores

ao acompanhamento das atividades, isso porque as aulas eram desenvolvidas de

acordo com o planejamento da professora e, a atuação enquanto PCP consiste em

oferecer contribuições a partir da análise da prática. Deste modo, apesar do

acompanhamento desse projeto ter contribuído para a reflexão sobre a prática dos

docentes de Língua Portuguesa e demais disciplinas, mesmo com a participação

durante a atividade, o processo de intervenção foi sempre após a sua conclusão.

O projeto foi elaborado considerando as práticas sociais e, com base nessa

preocupação da professora em relação ao domínio dos saberes verificamos que a

leitura é observada por suas diferentes perspectivas nas realidades sociais. Assim

ele foi desenvolvido com turmas do Sexto Ano, dada a diversidade apresentada por

esse grupo discente. A este respeito, Orlandi (1996b) tece algumas considerações

sobre a questão das classes sociais e suas relações com a escola e com a leitura,

pois na medida em que existe a tentativa de consolidação de uma escola

democrática, dentro de uma sociedade altamente capitalista, a autora afirma que a

escola automaticamente se instala como diferença, dada a realidade de

desigualdade das classes presentes nos nossos contextos sociais e históricos.

Assim aos professores, de modo geral, algumas concepções ainda

permanecem na penumbra, pois se encontram nesse processo de transição

ideológica de, mudar a prática e, construir outras concepções com pouco ou nenhum

conhecimento prévio. Esse processo de transição transcreve-se com clareza no

texto da professora, visto que, ao mesmo tempo em que busca na leitura uma

67

perspectiva de ascensão social, prioriza também a formação discursiva como uma

formação cultural.

A leitura, nesse contexto, praticada na escola, deve ir além do processo de

significação, necessita ser inserida no mundo prático do aluno, para que ele não

tenha sua própria história negada na escola, assim como também o professor. A

história de leitura de ambos constitui elemento indispensável para a formação

discursiva no ambiente escolar. Vamos conhecer, a partir de agora, os contextos de

produção do projeto e dos alunos autores dos textos que compõem o corpus.

3.2 Contexto de desenvolvimento do projeto

O projeto – Sarau: a arte da leitura em brincadeiras de ler – foi idealizado por

uma professora10 municipalizada, e buscou atender à proposta de rede municipal de

educação.

O projeto foi inscrito no Prêmio Educador de 2011, mas, apesar de todo o

desenvolvimento, a professora, por motivos pessoais, não entregou o portifólio final,

o que a impediu de participar da premiação. Contudo, a não entrega dos registros

para avaliação externa não interferiu no desenvolvimento e conclusão do projeto que

foi desenvolvido em todos os sextos anos, no período de março a setembro, com

várias etapas previstas no cronograma (Anexo C).

No desenvolvimento das atividades, acompanhei muitas das leituras

realizadas em sala de aula como PCP, participando dos momentos de atividade a

fim contribuir com o projeto. Em algumas das atividades desenvolvidas, os grupos

de alunos realizaram leituras, sob minha supervisão como apoio à professora, para

outras turmas e também para os professores, nas reuniões de HTPC realizadas

semanalmente. Nas leituras, eles promoviam conversas com os colegas acerca do

texto lido, conforme as orientações dadas pela professora.

Algumas leituras eram feitas pelos grupos na sala de aula para os colegas de

classe. Essas leituras eram seguidas de rodas de conversa que culminavam em

registros e textos produzidos pelos alunos. A escrita apresentou-se como uma aliada

10

O nome da professora será preservado neste trabalho.

68

desse processo reflexivo, já que o que estava em jogo nessas produções era o

registro de suas impressões e compreensões. As dificuldades apresentadas com o

sistema e normas da escrita não se constituíram barreiras para o entendimento e

expressão uma vez que eram posteriormente abordadas e trabalhadas, com o

cuidado garantir o aprendizado sem interferir no processo criativo do aluno.

Tais atividades geraram um acervo muito extenso para o corpus. Como não

será possível abordar todos nesse trabalho, escolhemos uma atividade de leitura

que resultou num texto em que os alunos registram suas compreensões do assunto

abordado.

Durante as etapas de execução do projeto foram realizadas muitas leituras.

Elas dividiram-se entre as indicadas pela professora e indicadas pelos alunos.

As escolhas da professora procuraram abranger uma diversidade de gêneros

por meio de textos com temáticas que despertassem a curiosidade e a atenção dos

alunos. Nas escolhas desses, observamos que o foco de interesse estava muito

mais voltado aos temas do que aos títulos que, por sua vez, não foram tão precisos.

Em algumas aulas era comum a professora receber um texto que abrangesse

uma das temáticas indicadas, mas o que percebíamos com clareza era a

necessidade do aluno de conversar sobre o assunto e ver na escolha do texto uma

brecha que lhe permitisse dialogar sem constrangimento. Dessa maneira as últimas

indicações dos alunos foram bastante confusas, se considerarmos os temas,

entretanto essas escolhas permitiram muitas leituras sociais e discursivas, pois

refletiram suas realidades, curiosidades e perspectivas, conforme o quadro a seguir:

Indicações de títulos pela

Professora

Indicações dos alunos:

Títulos Temas

O Bife e a Pipoca, de Lygia

Bojunga.

Ou isto ou aquilo, de Cecília

Meireles.

Magali: bombons em sua

A hitória do B. Boy.

Ou isto ou aquilo.

A casa assombrada.

A loura do banheiro.

A casa

Drogas.

Letras de música.

Gravidez na

adolescência.

Poesias.

69

barriga. Maurício de Souza.

A cigarra e a formiga, de La

Fontaine.

A primavera da Lagarta, de

Ruth rocha.

O assalto, de Luiz Fernando

Veríssimo.

Soneto da fidelidade, de

Vinícius de Moraes

A margarida friorenta, de

Fernanda Lopes de Almeida.

Nóis mudemo, de Fidêncio

Bogo.

Chapeuzinho Amarelo, de

Chico Buarque.

Por que bocejamos? Revista

Ciência Hoje.

Os doze trabalhos de

Hércules, de Monteiro Lobato.

Menina bonita do laço de fita,

de Ana Maria Machado

Chico Bento: aluno problema,

de Maurício de Souza..

A quase morte do Zé

Malandro, de Ricardo

Azevedo.

Dois turrões, de Tatiana

Belinky.

Couro de piolho, de Luís da

Câmara Cascudo.

O homem que sabia Javanês,

de Lima Barreto.

Biruta, Lygia Fagundes Telles.

Com a ponta dos dedos e os

olhos do coração, de Leila

Rentroia Iannone.

A cartomante, de Machado de

Assis.

Meus oito anos, de Casimiro

de Abreu / Ai que saudades,

Ruth Rocha.

O pássaro lapão, de Pedro

Bandeira.

Histórias da turma

da Mônica.

Livros da série

Crepúsculo.

Histórias do Sítio do

Pica Pau Amarelo.

Histórias de amor.

Histórias de

assombração.

Preconceitos.

Histórias em

quadrinhos.

Curiosidades.

Pesquisas.

Notícias de jornal.

70

3.2.1 Os alunos do 6º Ano C: realidade social e cultural

O projeto de leitura abordado nessa dissertação foi desenvolvido em seis

classes de 6º ano (A, B, C, D e E). Enquanto PCP, acompanhei o desenvolvimento

do projeto em todas as turmas, visto que o trabalho do Coordenador consiste em

acompanhar as etapas dos planos de ensino e projetos e, posteriormente a esse

acompanhamento intervir nas atividades escolares apontando outros possíveis

direcionamentos para promover melhores condições de desenvolvimento das etapas

de trabalho.

Para esta dissertação, escolhemos apresentar o acompanhamento do

desenvolvimento das atividades no sexto ano C. Tal escolha se deve ao fato de esta

turma apresentar a maior diversidade social, cultural e geográfica das turmas

observadas.

A escola está situada na região central do município de Caraguatatuba, no

bairro Estrela D’Alva, e a turma do sexto ano C é formada por vinte e sete alunos. A

origem destes assim se apresenta: proveniente da região sul, temos um aluno do

bairro Travessão e dois do bairro Porto Novo; da região norte recebemos um aluno

do bairro Tabatinga. Seis alunos residem no próprio bairro – o Estrela D’Alva. Os

demais residem nos bairros que estão próximos à escola: seis alunos do Rio do

Ouro, quatro alunos do bairro Sumaré, dois alunos do bairro Martin de Sá, três

alunos do Morro do Benfica e dois alunos do bairro Indaiá.

Tal composição foi determinante para a escolha dessa turma, mas devemos

ressaltar que é uma característica da Unidade Escolar; todas as salas abrigam

alunos de diferentes bairros, pois uma característica muito comum no município, em

relação à rede de ensino estadual, é a busca pelas escolas centrais, na esperança

de que estas ofereçam ensino de melhor qualidade.

Assim, o senso comum é o de que quanto mais distante do centro for a escola

de Ensino Fundamental II, mais baixa será a qualidade do processo de ensino e de

aprendizagem. Tal entendimento contribui para que a escola tenha maiores

dificuldades de estabelecer vínculo com a comunidade na qual está inserida, uma

vez que sua abrangência transcende os limites geográficos do bairro onde está

71

localizada. A diversidade da turma motivou assim a sua escolha para

acompanhamento do projeto de leitura e estudo nesta dissertação.

Essa variável foi considerada, já que corresponde significativamente ao perfil

da escola e, uma vez realizando a observação e a análise dessas produções,

poderemos identificar que, mesmo pertencendo a diferentes realidades, as situações

de aprendizagem propostas conseguem cumprir seu objetivo de aprendizagem

garantindo que o aluno construa o significado do texto, existindo assim uma

proximidade de compreensão pelos discentes, com base nas orientações realizadas

pela professora.

As variáveis foram consideradas porque o estudo surge da realidade da

escola e com base nessa proximidade com a característica da clientela escolar

permitiu a reflexão da prática docente. Garantir a diversidade nos permitiu a

credibilidade necessária para a formação continuada.

O início do projeto foi marcado pela resistência dos alunos em relação à

proposta de realizar leitura na sala de aula. Infelizmente, as crianças eram altamente

influenciadas pelo senso comum de que a leitura consistia em uma atividade escolar

secundária. É interessante destacar que, mesmo com as produções escritas

realizadas ao final de algumas leituras, ainda causava estranheza nos alunos ver a

leitura em primeiro plano, tanto para docentes, quanto para discentes.

Apesar de serem indivíduos com capacidades de aprendizagem comum ao

período de escolaridade cursada, os alunos apresentaram considerável dificuldade

de se constituírem sujeitos na leitura realizada pela escola, pois no ambiente

escolar, eles não são levados a usar capacidades desenvolvidas em outros

contextos ou a dar sentido e coerência às tarefas requisitadas nas aulas de leitura,

ou a desenvolver outras capacidades através dessa aprendizagem. Ao contrário,

rotineiramente o aluno é exposto a atividades que restringem sua capacidade de

leitura, em virtude da inadequação de práticas pedagógicas de leitura desenvolvidas

na escola.

Quando os alunos começam a se interessar pela leitura, geralmente esse

interesse vem atrelado ao desejo de ascensão social, pois a leitura rotineiramente é

72

apresentada como uma possibilidade de alcance de melhores condições de

existência.

“Crianças e pais das camadas populares veem a aprendizagem da leitura como um instrumento para obtenção de melhores condições de vida – a leitura é avaliada em função de interesses utilitários. Já crianças e pais das classes favorecidas veem a leitura como mais uma alternativa de expressão, de comunicação, nunca como uma exigência do e para o mundo do trabalho.” (SOARES, 1988, p. 22)

Com os alunos do sexto ano C, este contexto se fazia também muito

presente. Para eles, no início das atividades do projeto, a leitura, para ser validada,

deveria atender a um ritual ao qual estavam familiarizados. Deveria sempre ser

sucedida de um questionário ou outra atividade desse tipo. Ficou evidente que a

leitura teve esse papel muito reforçado em suas vidas escolares.

Observamos nas primeiras atividades que os alunos em suas leituras

consideravam o texto como um objeto a ser decifrado. Concretamente liam apenas

para responder ao questionário. Suas atitudes, contextos ou mesmo suas

experiências eram deixadas de lado nas suas leituras escolares.

Sabemos que a compreensão da leitura requer que o leitor utilize suas

experiências e memórias para construir o sentido do texto lido. Essa atividade

demanda a interação de texto e leitor. Durante o acompanhamento das atividades

do projeto de leitura desenvolvido pela professora, buscamos observar esse

processo de interação, uma vez que,

“Queiramos ou não, quando fazemos parte de um conjunto chamados sujeitos-leitores – além de constituir um ‘público’ com suas implicações e consequências – estamos fazendo parte de um processo do qual resulta a institucionalização dos sentidos.” (ORLANDI, 1988 p. 59) [Grifo da autora].

Dos muitos textos escolhidos durante o desenvolvimento do projeto11, uma

atividade foi selecionada para a análise. Houve outras atividades de leitura com

registros consideráveis, mas a análise dessas ficarão para um próximo trabalho de

pesquisa, dada a variedade e diversidade de materiais selecionados. Antes,

retomaremos a proposta de atividade para contextualizar o desenvolvimento da

atividade de leitura.

11

Conforme quadro da página 70.

73

3.3 Proposta de atividade de prática de leitura

Propor atividade de leitura requer um planejamento consistente para que não

se esvazie de significado ou acabe se tornando uma ação mecânica e desconexa. O

professor precisa se posicionar na sua condição de leitor, pois sem o testemunho

vivo de convivência com os textos não há como estimular a leitura junto aos alunos.

As práticas de leitura escolar não nascem do acaso nem do autoritarismo em

relação à tarefa, mas sim de uma outra programação. Essa, por sua vez, deve ser

envolvente e devidamente planejada, que incorpore, no seu projeto de execução, as

necessidades, as inquietações e os desejos de alunos-leitores. Simplesmente

mandar o aluno ler é bem diferente do que envolvê-lo significativa e

democraticamente nas situações de leitura, a partir de temas atraentes.

Ao projeto de leitura – Sarau: a arte da leitura em brincadeiras de ler –, foram

dedicadas duas aulas semanais para o desenvolvimento das atividades previstas no

cronograma da professora. O trabalho de pesquisa aconteceu com o

acompanhamento das etapas de elaboração do projeto e com o acompanhamento

dos grupos durante a realização das leituras para outras turmas escolares e para os

professores nas reuniões de HTPC.

Muitos foram os gêneros que compuseram o repertório textual do projeto, mas

como não é possível abordar essa diversidade em uma dissertação, escolhemos

trabalhar com o gênero “conto”, porque contar a vida é uma atividade intrínseca da

natureza humana e narrar, nesse contexto, é o ato de contar a vida. As narrativas

estão muito próximas do cotidiano e consistem num tipo discursivo que alimenta o

imaginário social. Está presente em muitas atividades comunicativas, uma vez que é

possível realizar a narrativa de qualquer assunto.

A narrativa não tem apenas a função de contar um evento real e ficcional;

para que se efetive, ela deve prender a atenção do leitor ou ouvinte.

Para realizar a leitura, foram distribuídas cópias do texto digitado. Convém

esclarecer que nesse material entregue não foi acrescentada nenhuma imagem ou

outra informação; apenas o texto foi oferecido aos alunos.

74

A professora solicitou aos alunos que se agrupassem em equipes de quatro

componentes. A primeira leitura foi realizada pelos alunos dentro de seus grupos e,

posteriormente, realizada coletivamente, em trechos, pelos representantes de cada

grupo. Foi dado aos alunos um momento para conversarem a respeito do texto e

também para escreverem suas impressões e o que lhes chamou a atenção durante

essa leitura.

O texto apresentado consistiu no conto “O assalto”, de Luís Fernando

Veríssimo, (Anexo D). Ressaltamos que o material anexo foi retirado do livro, mas

nenhuma das informações adicionais, como imagens e texto introdutório, foi

oferecida aos alunos durante a atividade.

Até chegarmos a essa produção textual dos alunos, houve muitos avanços,

pois na maioria das atividades dessa natureza os alunos do sexto ano C queixaram-

se de não ter o hábito de ler “textos diferentes”. Relataram que o repertório textual

que tinham não era referente a notícias, estavam centradas nas histórias infantis. A

professora procurava todas as vezes esclarecer que o projeto justamente atenderia

a essa necessidade dos alunos de conhecer outras leituras para melhorar a

qualidade e a quantidade de seus textos. Com o desenvolvimento da proposta,

observamos que os alunos começaram a expor-se como sujeitos da leitura,

interagindo com os contextos, como observaremos nos textos selecionados.

3.4 Produções dos alunos

Os textos foram escolhidos obedecendo a alguns critérios12 para auxiliar na

análise. Foram selecionados textos de alunos de diferentes condições sociais e este

foi um critério determinante para a realização da análise. Deste modo, poderemos

observar como alunos de diferentes condições socioeconômicas registram suas

impressões acerca do tema abordado no texto. O padrão de idade apresentado

consiste apenas em uma referência de grupo característico do ano escolar.

12 Os critérios empregados podem ser observados nas legendas dos textos.

75

Tomamos o cuidado de garantir que em nossas escolhas nenhum aluno fosse

do mesmo bairro. Essa pequena, mas significativa distância entre os discentes, foi

vista como uma maior oportunidade de diversidade de contextos socioculturais.

Na produção dos textos, a professora não solicitou dos alunos nenhuma

estrutura tipológica. Neste momento da atividade não foram cobrados alguns

objetivos que compõem o projeto porque nessa atividade de leitura a professora

focou na perspectiva discursiva, de observação e descoberta de elementos do texto

ao mesmo tempo em que o aluno pudesse se reconhecer naquele contexto do conto

e dialogar sobre suas impressões e experiências. Desse modo alguns dos objetivos

foram solicitados enquanto outros foram suprimidos durante essa atividade.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS PRINCIPAIS: Levar o aluno a: 1. Adquirir um melhor domínio da língua portuguesa por meio da competência leitora; 2. Observar, perceber e descobrir o mundo por meio de seu exercício como leitor; 3. Reconhecer-se como um sujeito leitor em sua singularidade; 4. Compartilhar vivências leitoras com o grupo da sala de aula; 5. Dominar os saberes envolvidos nas práticas sociais mediadas pela leitura; 6. Envolver-se com textos literários e não literários; 7. Compreender melhor os conteúdos trabalhados nas aulas e também fora dela; 8. Explorar e sintetizar os principais conteúdos curriculares; 9. Avaliar o seu aprendizado. (Anexo C, grifo da professora).

Nessa leitura, os objetivos mais explicitados pela professora foram os

objetivos 02 (Observar, perceber e descobrir o mundo por meio de seu exercício

como leitor), 03 (Reconhecer-se como um sujeito leitor em sua singularidade) e 04

(Compartilhar vivências leitoras com o grupo da sala de aula.) Esses foram

apontados pela docente e também foi observado durante o desenvolvimento da

atividade.

Após a leitura compartilhada do texto “O assalto”, de Luiz Fernando Veríssimo

(Anexo D), a professora convidou os alunos a refletirem sobre o assunto do texto e

expressar aos colegas suas opiniões, desse modo, as discussões nos grupos

ressaltavam os pontos aos quais os componentes do grupo deram mais relevância

no texto. Os alunos foram convidados a registrar no caderno suas impressões.

Nessa atividade, o que nos interessava era constatar se houve a compreensão da

leitura compartilhada. A preocupação na atividade era observar se os alunos

estavam utilizando os elementos de seu contexto para ativar os conhecimentos

necessários para o entendimento. Tal direcionamento estava fundamentado na

76

argumentação de Orlandi (1988) de que o sujeito irá produzir e interpretar uma

leitura a partir da posição que ocupa.

A compreensão da leitura pretendida envolveu diferentes conhecimentos,

sociais culturais e históricos. Assim como foi proposto neste trabalho, a leitura

apresentou um objetivo marcado, de refletir sobre o conto, compartilhar seu

entendimento, por meio da leitura de seu registro. Tal comanda solicitou ao aluno ir

além do que o autor quis dizer, por meio da expressão de seus conhecimentos e

daqueles compartilhados em grupo, já que na atividade eles foram provocados a

posicionar-se enquanto sujeitos.

Os textos dos alunos13 selecionados atendem aos critérios descritos

anteriormente.

Texto 01

13

Os nomes dos alunos apresentados foram alterados, a fim de preservar sua identidade.

77

Texto 02

78

Texto 03

79

Texto 04

80

Texto 05

81

Texto 06

82

Texto 07

83

Texto 08

84

3.4.1. Analisando as produções

A partir desses textos foram realizadas algumas análises organizadas nas

categorias a seguir expostas.

3.4.1.1 Marcas da manifestação do sujeito nos textos: reflexos da

compreensão leitora

Ao realizar a leitura dos textos, percebemos que em todos ficou marcada a

questão do preconceito racial e social. Em seus textos, os alunos apresentam

marcas de sua compreensão, de acordo com o seu próprio contexto.

No texto 05, o aluno aponta certa indignação que pode ser observada logo no

início de seu texto “Eu não achei certo[...]”. Mesmo apresentando boa condição

social, demonstrou sua insatisfação em relação ao desrespeito apresentado ao tipo

de trabalho que é comum na região onde reside:

“eu não achei certo pois eles fizeram racismo com o menino [...]”

Também cabe mencionar o trecho do texto 02, em que a aluna apresenta sua

perplexidade mediante o tratamento dado ao menino.

“Eu fiquei chocada com essa história [...]”

No texto 06, o aluno inicia o texto retomando alguma orientação recebida em

caso de assalto, o que evidencia seu interesse em estabelecer-se como sujeito

“experiente” e capaz de compartilhar seu conhecimento com o grupo.

“Eu achei errado porque eu já ouvi falar que quando tiver um assalto você não

pode entrar em pânico [...]”.

Já no texto 01, observamos que a aluna percebe a diferença no tratamento

dos personagens conforme a classe social e registra essa distinção com aspas na

85

palavra “garrafeiro” como um marcador de preconceito, uma vez que a esse trabalho

são agrupados os adjetivos “ladrão, bandido”:

“[...] só porque era pobre ‘garrafeiro’ era ladrão bandido [...]” (grifo da aluna),

Considerando que os alunos receberam apenas uma cópia do texto sem as

informações adicionais que constam no livro, (imagens e o resumo inicial conforme o

anexo), podemos observar que os textos produzidos em geral apresentam um

desenvolvimento coerente com a temática, e refletem uma leitura comprometida dos

alunos.

Nos exemplos acima citados, observamos que existe a necessidade de o

aluno expor sua opinião e marcar-se enquanto sujeito no texto. Observamos durante

o desenvolvimento do projeto que os alunos revelam a compreensão da leitura

realizada, mas durante a produção de texto para registrar seu entendimento, agem

como se fizessem um registro da fala que gostariam de apresentar para o grupo.

Segundo Galembeck, “o aluno sente a necessidade de inserir-se no texto porque lhe

é difícil ultrapassar a realização dialógica, em favor de uma exposição centrada no

assunto”. (2009, p. 245).

Apenas nos textos um e oito observamos por parte dos alunos um certo

distanciamento. Nas demais produções, observamos essa característica apontada

por Galembeck do leitor inserir-se no texto. Esse é um indicador de que, mesmo com

as dificuldades encontradas, existe um esforço do docente, nas salas de aulas, para

garantir que a leitura seja desenvolvida atendendo aos aspectos legais e

pedagógicos apresentados nos PCNs que aponta para a participação do discente na

construção do conhecimento, por meio da oferta de oportunidades de utilização da

leitura e escrita em situações didáticas que possibilitem aos alunos “[...] ler buscando

as informações relevantes, ou o significado implícito nas entrelinhas, ou dados para

a solução de um problema”. (BRASIL, 2001, p. 55)

As ações escolares caminham para um processo de compreensão e de

reflexão dos alunos em relação ao seu contexto leitor. Nesse aspecto, a leitura

recebe, segundo os PCNs, um tratamento didático para constituir-se como objeto de

aprendizagem.

86

Analisando o texto 04, observamos que a aluna inicia se posicionando

enquanto sujeito que opina sobre o desenvolvimento do conto quando escreve:

“na minha opinião quem estava totalmente errado nessa história é a

empregada [..]”.

Tal manifestação nos aponta que a leitura compartilhada desse texto fruiu e

principalmente demonstra a intencionalidade da atividade, pois todos os alunos

produziram seus textos utilizando como referencial a atividade proposta.

No texto 03, o aluno inicia com a expressão “eu acho”. Essa expressão, que

aparece também em outras produções selecionadas, nos indica que seu registro foi

resultante do momento de compreensão durante a atividade de debate entre os

grupos. Outro indicador consiste no fato de o título do texto vir acompanhado da

palavra “comentário”, que marca o caráter pessoal do registro.

Os alunos deixam transparecer em seus textos a necessidade de dialogar

com o que está escrito, evidenciando assim que, nessa atividade de leitura, buscou-

se a compreensão do texto com base em experiências anteriores de leituras, que

foram realizadas considerando-se o diálogo e a interação. Assim como proposto por

Orlandi (1996b, p38) a leitura do texto constitui-se num “momento privilegiado do

processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o processo

de significação”.

A leitura do texto original viabilizou a utilização de marcas de subjetividade, no

caso dessa leitura, foram vistos marcadores de opinião com muita frequência.

Devemos lembrar que, nessa atividade, a professora expôs os objetivos da

aula, o que consistia em uma atividade rotineira para os alunos e, após a leitura, os

convidou a registrarem suas impressões, com o que mais lhe chamou a atenção,

antes de abrir a roda de conversa. Os marcadores de opinião apresentam-se nesse

contexto, como a necessidade de o aluno inserir-se como sujeito em seu texto,

conforme prevê Galembeck:

“[...] essas marcas manifestam-se, pois o adolescente sente a necessidade de inserir a si próprio e ao seu parceiro virtual, de modo que se crie e delimite o espaço discursivo, numa situação concreta de enunciação. O estabelecimento dessa situação ocorre, sobretudo, por marcas de

87

subjetividade e intersubjetividade (marcadores de opinião: acho que[...]), mas também devem ser mencionados os parênteses de esclarecimento, que fornecem explicações adicionais e buscam contextualizar o que está sendo dito”. (2009, p. 243)

Assim como a aluna se apresenta enquanto sujeito em seu texto, podemos

observar justamente um movimento contrário de ausentar-se da autoria evitando

termos utilizados pelo autor, observado no texto 01, com o uso de aspas para

marcar a expressão “garrafeiro”.

Nesse caso, as aspas funcionam para a aluna como um marcador de

esclarecimento que a exime do uso do termo que tem, em sua compreensão, um

peso negativo, mas que julgou necessário registrar para melhor contextualizar o seu

entendimento.

No texto 02, a aluna expressa de forma bem marcada a sua insatisfação com

o direcionamento do texto, ao utilizar a expressão:

“Eu fiquei chocada com essa historia o mundo tá perdido”.

Tamanha indignação certamente é alimentada por seu contexto social, haja

vista que o bairro onde reside está localizado na periferia e muitas pessoas têm

como fonte de renda a função de agentes ambientais / coletores de materiais

recicláveis e reutilizáveis. No seu bairro, esta é uma atividade que contribuiu para

amenizar a discriminação e o texto registrou situações de desrespeito que ela

aprendeu a repudiar.

Também no texto 8, observamos bem marcada a voz do sujeito/aluno:

“Na minha opinião o texto apresenta muitos fatos realistas que podem acontecer com uma família o assalto algumas vezes fazem a pessoa desmaiar por pânico [...] Eu vi na TV que o homem que estava na padaria pensou que o

assalto era mentira e o homem que estava na padaria morreu porque discordou do assalto”.

No trecho acima o aluno ligou o assunto a outro evento de assalto. O tema do

texto lhe permite expor situações vividas e observadas em meios de comunicação.

Ele mantém a temática, mas aborda situações do cotidiano que de alguma forma o

88

marcaram. Observamos que ele quer relatar a sua percepção do assunto e, para

não perder o foco do texto, insere em sua narrativa elementos que foram recorrentes

durante a leitura, no caso, a garrafa:

“[...] um homem entra numa casa com uma garrafa na camisa as pessoas que viu isso pensa que é verdade. A maioria dos assaltos não são realistas muitos

ladrões pretendem assaltar com arma de mentira [...]”.

Na constituição do segundo parágrafo do texto, observamos a necessidade

do aluno de retomar algum elemento do texto como um mecanismo de suporte que

lhe permita continuar registrando suas opiniões.

O aluno/autor do texto 08 revela dificuldades de aplicação das normas

escritas e ortográficas, mas busca expressar, sem perder a referência do texto, as

suas ideias sobre o assunto, fundamentando-se em outras fontes, no caso a TV.

Sua conclusão é um tanto inusitada, pois dá a entender que os

desdobramentos e complicações do assalto que relatou acontecem principalmente

com pessoas nervosas.

Na análise do texto 07, o que observamos foi um movimento exatamente

oposto do texto 08. Mesmo tendo, os dois alunos, uma mesma condição econômica

e social, percebemos que a aluna autora do texto 07 se mantém distante da

temática.

Diferentemente dos demais textos, que em sua maioria apresentaram em seu

início marcadores de opinião, nesse caso percebemos um distanciamento entre o

sujeito/aluno e a temática.

“Nesse texto conta a história de um menino que foi buscar algumas garrafas no 712 e foi confundido com um assaltante.”.

O texto produzido pela aluna revelou uma maior preocupação com a

apresentação estética, os períodos e a ortografia, deixando a temática como um

elemento secundário. Houve uma preocupação em realizar uma paráfrase do texto,

como se a aluna sentisse a necessidade de comprovar, por meio da escrita, que

realizou a leitura.

89

Ao final do texto apresenta uma conclusão, como se fosse solicitada a

registrar o que entendeu do texto:

“Essa história mostra que não devemos julgar ninguém pela aparência e devemos ouvir a todos”.

Fica evidente que as experiências leitoras dessa aluna foram diferentes dos

demais alunos, pois sua produção apresenta-se numa construção engessada a um

modelo de produção de texto. Mesmo apresentando em relação às demais

produções uma aparência mais organizada, se considerarmos que foi solicitado aos

alunos um registro livre, a leitura foi realizada numa perspectiva muito superficial,

sem o estabelecimento de relações com o contexto social.

O momento proporcionado pela professora de abertura para a leitura dos

textos produzidos e rodas de conversas propiciaram aos alunos trocas de ricas

experiências, por meio da ação de compartilhar as ideias em sua diversidade,

permitindo aos alunos envolvidos perceberem alguns elementos que, se confinados

à leitura individual, passariam despercebidos.

As manifestações dos sujeitos presentes no texto revelam-nos que eles estão

engajados com a atividade de leitura proposta e que nem sempre suas leituras são

realizadas simplesmente para buscar o que o autor disse.

Apesar de ainda jovens leitores, ações de incentivo à leitura como essa

aumentam significativamente as chances de tornar a leitura uma prática social, com

a compreensão do que está dito e mesmo o que não está evidente no texto.

Mesmo que ainda apresentem dificuldades de entendimento e percepção de

informações que estão menos aparentes, é muito promissor o envolvimento dos

alunos com o texto, pois observamos no desenvolvimento do projeto que, na maioria

das produções, a cada nova proposta de leitura, uma interação entre o sujeito autor

e o sujeito leitor que opina, critica e expressa sua opinião em relação ao que está

posto, concordando ou discordando, conforme sua formação social, histórica e

discursiva.

90

3.4.1.2 Indicadores da leitura como prática social e discursiva nos textos.

Percebemos, na produção dos textos, que houve uma interação do sujeito ao

compartilhar ou não a construção do sentido com o autor. A leitura é compartilhada

nesse sentido, pois o aluno não aceita o tratamento dado pelo autor como algo

fechado. Assim como o autor, o leitor traz para a sua produção apenas os aspectos

que lhe são relevantes.

Nos textos 01 e 02, respectivamente, podemos observar a criticidade dos

jovens leitores que questionam em suas produções por que, no texto de Luís

Fernando Veríssimo, o menino e a empregada não recebem nome, enquanto

personagens:

“[...] e só falavam o nome dos ricos (Sonia e Henrique), e da empregada e do

garoto não [...]”,

“[...] fala só o nome dos ricos mais do garoto e da empregada não.”

Ambos os alunos conseguiram perceber no texto, justamente o que estava

implícito nas entrelinhas. Os dois trechos acima demonstram que as alunas

conseguiram perceber que, no próprio texto original, marca-se o preconceito

utilizando-se o recurso de tratar os personagens referidos com indiferença.

Esse foi um momento muito significativo na atividade, pois a socialização das

leituras pelo grupo proporcionou a reflexão de todos os alunos e os conduziu a um

rico debate sobre as diferenças de tratamento conforme o nível social e econômico,

não apenas no âmbito da identificação de um problema, mas também na exposição

de diferentes opiniões. Segundo Marcuschi (2008, p.220) “[...] compreender não é

extrair conteúdos de textos. Por isso mesmo, nem tudo é visto por todos do mesmo

modo e há divergências na compreensão de textos por parte de diferentes leitores”.

Os alunos dessa turma, a partir da compreensão dessa leitura, buscaram

possíveis soluções para a implícita indiferença para com os personagens do texto,

nomeando-os e repensando suas práticas enquanto pessoas de grupos sociais.

Essa criticidade já consiste num indício de amadurecimento do leitor e no avanço

91

das etapas de desenvolvimento do projeto para alcançar o objetivo de formar leitores

capazes de interagir e dialogar com os textos, pois os alunos estavam atentos ao

que está dito no texto. Conforme Marcuschi:

“Compreender bem um texto não é uma atividade natural nem uma herança genética; nem uma ação individual isolada do meio e da sociedade em que se vive. Compreender exige habilidade, interação e trabalho [...] compreender não é uma ação apenas linguística ou cognitiva. É muito mais uma forma de inserção no mundo e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro dentro de uma cultura e uma sociedade” (2008, p.230)

A partir da afirmação de Marcuschi (2008) podemos considerar que, ainda

que inicialmente, apenas dois alunos observaram as informações implícitas no texto,

a interação com o grupo favoreceu o processo de compreensão. Talvez fosse

possível que nas próximas leituras mais alunos ficassem atentos aos elementos que

estão implícitos no texto.

3.4.1.3 A seleção do vocabulário como marca da compreensão leitora.

Nas produções selecionadas para a análise, interessa-nos tratar, enquanto

escolha de recurso expressivo e seu papel na interação entre os alunos no processo

de compreensão de leitura, a seleção do vocabulário realizada pelos alunos no

texto.

Em todas as produções, é possível observarmos que ocorre a escolha de um

núcleo temático pelos alunos que cuidam para que a seleção do vocabulário atenda

a seus objetivos em relação ao tema.

É interessante apontar ainda que, em alguns textos, os alunos não

concordam com o uso de algumas palavras, e optam por substituí-las para amenizar

o sentido do texto ou, quando mantêm os vocábulos, os marcam com aspas para

deixar claro que aquela expressão foi usada pelo autor e não por eles. Podemos

exemplificar tais situações no texto 01, com a escrita da palavra “garrafeiro”, e no

texto 04 com a palavra “preto”.

Já nos textos 01, 05, 06 observamos que os alunos substituíram o termo preto

por negro. Ao serem questionados sobre a escolha dos vocábulos, foram

categóricos em afirmar que para eles falar que alguém é preto é uma expressão

92

racista, mas falar que é negro, não. Nesse caso fica claro o quanto a realidade social

dos alunos acompanhados interfere na seleção do núcleo temático de vocabulário

do leitor.

No texto 07, observamos que a produção, mesmo apresentando um mesmo

núcleo de vocabulários, realiza agrupamentos em períodos que distanciam a aluna

do envolvimento no tema, ao mesmo tempo em que ela procura utilizar elementos

para manter-se próxima do texto original.

“Também no decorrer da história eles não ouvem ele, ficam em pânico, confundem a cabeça dele”.

A preocupação da aluna em garantir a paráfrase do texto faz com que ela só

se refira ao menino com pronomes, não explorando as possibilidades de interagir

com o texto por meio da ampliação do vocabulário.

Em contrapartida, no texto 08, o aluno usa o texto como suporte para ampliar

os fatos, citando personagens e fatos externos ao texto original, associando esse a

situações que observou em veículos de comunicação e vivenciou.

Embora sua produção tenha seguido esse percurso, durante a escrita do

texto, ele utiliza palavras inseridas no vocabulário para retomar o texto original, pois

cita novamente a garrafa:

“Um homem entra numa casa com uma garrafa na camisa [...]”.

Nesse trecho, observamos que o aluno quer continuar falando sobre o tema e

não do texto em si, mas ele usa a palavra garrafa como um processo de retomada

para garantir que está estabelecendo relação com o texto original.

A prática de leitura, além de proporcionar a escrita enquanto forma de

expressão, no ambiente escolar pode ser realizada em diferentes situações de

aprendizagem, permitindo também ao professor, conforme Marcuschi,

93

“[...] trabalhar integradamente as várias atividades do uso da língua, ou seja, a produção oral, a produção escrita, a leitura e a compreensão. Este aspecto tem a ver com o tratamento dado à língua, principalmente nos exercícios propostos aos alunos em sala de aula.” (MARCUSCHI apud FÁVERO; ANDRADE; AQUINO. 2005, p. 92)

A seleção do vocabulário indica ao professor muitas informações referentes

às práticas leitoras do aluno e, por meio das atividades orais e pela leitura, assim

como as realizadas na sequência didática proposta neste projeto, permite ao

professor conhecer mais o aluno, sua expressividade e, com isso, levá-lo a

aprimorar também suas produções escritas.

Os aspectos relacionados nas categorias de análise acima apresentados nos

indicam alguns caminhos e muitas possibilidades de promover situações de leitura

que propiciem aos alunos experiências que estimulem a formação do leitor que se

apresenta enquanto sujeito, que compreende a leitura e consegue estabelecer um

vínculo dialógico entre o texto e sua realidade.

Assim, organizar tais atividades de leitura é uma condição favorável para que

se dê a efetiva formação do leitor durante todo o ano escolar.

94

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando nosso contexto atual de sociedade, em que a informação

circula com agilidade por meio dos mais diferentes gêneros discursivos, é evidente a

necessidade de refletirmos sobre a prática pedagógica de formação do leitor,

alertando para a importância de trabalhar com uma diversidade textual.

A leitura, tomada como prática constante no ambiente escolar, pode favorecer

a transformação, pois permite aos professores e alunos desencadear ações

concretas que promovam a sua utilização como efetiva forma de expressão.

Por meio da leitura, o sujeito pode realizar experiências enquanto cidadão e,

ao praticar a leitura, pode ultrapassar a compreensão trazida explicitamente pelo

texto e, desse modo, identificar outras informações e contextualizá-las, de acordo

com o seu conhecimento de mundo.

Ao longo do percurso, demonstrado nesse trabalho, foi possível observar o

quanto se faz necessário projetar situações em sala de aula nas quais os alunos

vivenciem práticas reais de leitura, inseridas em práticas sociais.

As atividades de leitura que acontecem dentro da sala de aula necessitam ser

próximas da realidade, das situações cotidianas, propiciando aos alunos a real

compreensão de que estão lidando com textos que circulam fora da escola, porque a

leitura ultrapassa os limites escolares.

No desenvolvimento deste trabalho, apresentamos a base teórica que o

fundamenta, explicitando as estratégias cognitivas acionadas pelo leitor e as

formações discursivas e ideológicas correspondentes. Considerando os aspectos

apresentados, num primeiro momento, pretendeu-se tratar o leitor e sua formação

leitora, considerando-se alguns mecanismos de compreensão de leitura, sua

importância no meio social e os aspectos relacionados ao entendimento do texto,

com fundamento nas ideias de Orlandi (1996b), Kato (1995) e Kleiman (1989), em

especial, nos aspectos que se referem à realização da leitura e dos sentidos

atribuídos pelo leitor, a partir de seu contexto.

95

Refletimos a respeito da abordagem da leitura presente nos documentos

oficiais e observamos ali a busca em garantir o amparo legal para o

desenvolvimento do pleno domínio da leitura como uma atividade não só de ensino,

mas também de aprendizagem.

Observamos que o currículo de Língua Portuguesa para o 6º ano de

Caraguatatuba está alicerçado no Currículo do Estado de São Paulo, nos

Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e na LDBEN de 20 de dezembro de 1996.

Esses documentos viabilizaram um contato mais efetivo com a leitura, até sua

efetivação na sala de aula. Junto às ideias de Freitas (2000) e Marcuschi (2008), o

estudo desenvolvido foi fundamental para oferecer os conhecimentos teóricos

necessários para a análise do corpus.

A proposta de desenvolvimento de atividades de leitura, contida no projeto de

trabalho da professora que gentilmente nos cedeu os dados e a quem agradecemos

a colaboração, objetivava, ao longo do percurso, trabalhar uma visão crítica e

reflexiva da sociedade, considerando o aluno enquanto sujeito atuante no mundo.

Apesar das dificuldades encontradas durante a realização do trabalho,

referentes ao acompanhamento das atividades, podemos concluir que a iniciativa e

a proposta foram bem sucedidas, considerando a análise dos seus resultados.

Logo no início da aplicação do projeto, percebeu-se que os alunos tinham

muita dificuldade em compreender as exposições das diversas leituras

apresentadas; foi, então, necessário redirecionar certas práticas, ora facilitando a

linguagem, ora mudando a ordem prevista das atividades.

A disponibilidade de diferentes textos foi muito positiva, pois os alunos

participaram ativamente das aulas, sentindo-se à vontade para questionar e dar

opiniões a respeito das múltiplas leituras realizadas, percebendo a intencionalidade

em cada uma delas.

Precisamos considerar que a frequência com que as atividades de leitura são

realizadas fará a diferença no que se refere ao desenvolvimento da habilidade de ler

o texto, identificando o que está dito e o que está subentendido. Os resultados nos

96

mostram que apesar de todas as ações a amostragem observada nos indica que

ainda é tímido o caminhar da leitura com compreensão dos sentidos do texto.

Diante das múltiplas possibilidades de estudo da leitura como prática social,

alguns aspectos não foram aprofundados. Deste modo, os assuntos aqui tratados

estão longe de serem esgotados, pois o aprofundamento de alguns temas, como por

exemplo, uma análise pormenorizada da escrita dos textos realizados, demandaria

mais capítulos ou mesmo um novo trabalho de pesquisa.

“O ato de ler é um processo abrangente e complexo; é um processo de compreensão, de intelecção de mundo que envolve uma característica essencial e singular ao homem: a sua capacidade simbólica e de interação com o outro pela mediação da palavra. Da palavra enquanto signo, variável e flexível, marcado pela mobilidade que lhe confere o contexto. Contexto entendido não só no sentido mais restrito de situação imediata de produção do discurso, mas naquele sentido que enraíza histórica e socialmente o homem. [...]” (BRANDÃO; MICHELETTI, 1997, p.17-18)

A compreensão da leitura é um assunto, enfim, que ainda proporcionará

muitas pesquisas, uma vez que se trata de uma habilidade de grande prestígio em

diferentes culturas e sociedades. Assim, encerro este estudo, com a perspectiva de

que ler nos permite o entendimento da história, enquanto prática discursiva, a partir

do entendimento subjetivo de indivíduo.

97

REFERÊNCIAS

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98

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99

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100

______. Secretaria da Educação. Proposta Curricular do Estado de São Paulo: língua portuguesa. Coordenação: Maria Inês Fini. São Paulo: SEE, 2008. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. ______. As condições sociais da leitura: uma reflexão em contraponto. In: ZILBERMAN, R.; SILVA, E. T. (Org.). Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1988. SPERB, D. C. Problemas gerais de currículo. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1979. ZAPONNE, M. H. Y. Práticas de leitura na escola. Campinas: UNICAMP (Instituto de Estudos da Linguagem), 2001. ZILBERMAN, R.; SILVA, E. T. (Org.). Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1988.

101

ANEXO A

102

103

104

105

106

107

108

109

110

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112

ANEXO B

113

114

115

116

ANEXO C

PREFEITURA MUNICIPAL DA ESTÂNCIA BALNEÁRIA DE CARAGUATATUBA ESTADO DE SÃO PAULO

Secretaria Municipal de Educação

SARAU: “A arte da Leitura em Brincadeiras de Ler”

CARAGUATATUBA

2011

117

A- TEMA Leitura

B- TÍTULO

“Sarau Virtual – A Arte da Leitura em Brincadeiras de Ler”.

C- RESPONSÁVEL

D- PÚBLICO ALVO

Alunos dos 6.ºs Anos da Unidade Escolar.

E- JUSTIFICATIVA

Mesmo que o sentido do discurso seja dado pela pessoa falante - que atribui

a ele o seu próprio significado, com base em sua posição, classe social, visão de

mundo, suas crenças, cultura, entre outros fatores -, falta à maioria dos alunos uma

correspondente identificação de si, junto ao mundo letrado em que vivemos.

Sem a significação prática do conhecimento de natureza enciclopédica, bem

como milhares de informações chegando até ele diariamente, das mais diferentes

maneiras, muitas vezes o educando não é levado à reflexão sobre o mundo e suas

atitudes, sobretudo como falantes e leitores da Língua Portuguesa. (Deparam-se,

até mesmo, com a necessidade de assumir o desmantelamento e a construção

nunca completa de sua identidade individual.)

Portanto, a carência de um processo efetivo relacionado à prática de leitura

em voz alta, bem como de declamações, tornam necessária a investigação e

interação efetuadas pelo aluno em situações de leitura oral a um determinado

público – seus colegas de classe, por exemplo. Tais atividades de prática leitora

passam, então, a ser necessárias durante as aulas de Língua Portuguesa, uma vez

que capacitam o aluno a resgatar a crença de que ele tem potencial para uma boa

leitura oral, e possibilitam um processo ensino-aprendizagem que é subsidiado por

um vasto acervo de diferentes gêneros textuais.

F – OBJETIVOS

118

Com o objetivo de auxiliar o aluno a adquirir o domínio da língua portuguesa

por meio da competência leitora, este projeto foi elaborado para o seu

desenvolvimento como estudante-cidadão, contribuindo, assim, para seu sucesso

dentro e fora da sala de aula. Possibilitando um trabalho integrado com um ambiente

propício para a prática da leitura, tentar-se-á levar o aluno a observar, perceber e

descobrir o mundo, refletindo sobre ele e interagindo com seu semelhante através

do uso funcional da prática leitora, visando, sobretudo, possibilitar o acesso à

produção cultural da humanidade e a participação plena no mundo letrado em que

vivemos.

Na sala de aula e fora dela, durante as aulas de Língua Portuguesa, as

atividades de leitura considerará cada aluno como um sujeito em sua singularidade e

que, engajado em suas aprendizagens, lhe seja oportunizadas vivências

compartilhas com o grupo. A fim de tornar o aluno capaz de reconhecer a

necessidade de dominar os saberes envolvidos nas práticas sociais mediadas pela

leitura como ferramenta para a continuidade de aprendizagem fora da escola, lhe

será oferecido um vasto material que envolva textos de autores de língua

portuguesa presentes por todo o país, tornando o aluno vidente para a vastidão de

possibilidades culturais envolvidas em cada texto literário.

*OBJETIVOS ESPECÍFICOS PRINCIPAIS: Levar o aluno a:

1. Adquirir um melhor domínio da língua portuguesa por meio da competência leitora;

2. Observar, perceber e descobrir o mundo por meio de seu exercício como leitor;

3. Reconhecer-se como um sujeito leitor em sua singularidade;

4. Compartilhar vivências leitoras com o grupo da sala de aula;

5. Dominar os saberes envolvidos nas práticas sociais mediadas pela leitura;

6. Envolver-se com textos literários e não literários;

7. Compreender melhor os conteúdos trabalhados nas aulas e também fora dela;

8. Explorar e sintetizar os principais conteúdos curriculares;

9. Avaliar o seu aprendizado.

G- METAS

Utilizando-se de um referencial analítico que dê conta de problematizar a

constituição das subjetividades contemporâneas, e atendendo à garantia do aluno

nas oportunidades de superação de dificuldades, o projeto o auxiliará na melhora da

autoconfiança e auto-estima, despertando-o para o prazer de ler. Engajado em suas

aprendizagens, cada aluno participante fará parte de um trabalho integrado com a

119

prática da leitura realizado junto ao professor-educador, em atividades intra e extra-

classe.

Como ferramenta para a continuidade de aprendizagem fora da escola, o

estudo de diversos gêneros, por meio de pesquisas, irá ampliar e facilitar o

entendimento de um texto lido em sala de aula e também fora dela. Já o

desenvolvimento de práticas lúdicas de leitura realizadas dentro da sala de aula, sob

um ar de total descontração, terá, a cada etapa, apresentações de leitura oral

denominadas de saraus, nos quais os alunos serão levados à prática efetiva de

leituras expressivas e munidas de subjetividade e, quem sabe, munidas também de

dramatização. Há, portanto, a necessidade de um trabalho de ensaios, ocasionando,

quem sabe, uma motivação a mais a este aluno, uma vez que deverá enfrentar o

público, mesmo que sem a necessidade de ter “decorado” seu texto, uma vez que

ele fará a leitura propriamente dita.

Vale destacar que ao final de todo o processo culminará o chamado “Sarau

Virtual”, no qual será promovida a apresentação do registro (filmagem) efetuado

durante todo o ano letivo, e apontando os processos e rendimentos de cada um dos

alunos participantes.

H- ÁREA DE CONHECIMENTO

Língua Portuguesa.

I- CONTEÚDO

1. Curriculares

Leitura, produção e escuta de textos narrativos em diferentes situações de

comunicação:

Interpretação de texto literário e não literário;

Fruição;

Situacionalidade;

Coerência;

Coesão;

A importância do enunciado;

Produção de síntese;

Produção de ilustração;

Roda de leitura oral;

120

Roda de conversa.

Leitura e escuta de crônica narrativa, letra de música e outros gêneros em

diferentes situações de comunicação:

Formulação de hipóteses;

Interpretação de textos literário e não literário;

Inferência;

Leitura dramática;

Leitura em voz alta;

Informatividade;

Leitura oral: ritmo, entonação, respiração, qualidade da voz, elocução e pausa;

Além do previsto no currículo escolar, todo e qualquer gênero textual, de

interesse do grupo, adequado à série/ano (6.º Ano) uma vez apresentado por mim

e/ou solicitado pelo grupo - ou, especificamente, por algum aluno individualmente –

comporá o conteúdo a ser lido.

2. Conceituais

- Discernir entre um texto em prosa e um poema;

- Reconhecer um texto informativo e um texto ficcional.

- Compreender a importância da ortografia;

- Ler, compreender e produzir textos narrativos e/ou descritivos;

- Compreender a estrutura da narrativa.

- Ler, reconhecer e produzir contos;

- Discernir entre o conto policial e o conto fantástico.

- Compreender a importância do respeito lingüístico, independente da classe

social, região, etc, do falante;

- Ler, compreender e reconhecer uma crônica.

3. Procedimentais

- Trabalho em grupo;

- Valorização da história da LP;

- Relacionar as leituras propostas com os conteúdos curriculares;

- Relacionar as leituras propostas com o cotidiano do aluno;

121

- Pesquisas relacionadas aos estudos dos gêneros textuais (literários e não

literários).

4. Atitudinais

- Gosto pela leitura;

- Respeito às diferentes linguagens utilizadas pelos autores estudados;

- Compreensão do mundo por meio da atividade leitora;

- Autonomia de pensamento e ação gerada pelas leituras realizadas;

- Investigação e análise das pesquisas realizadas fora da sala de aula;

- Mudanças na linguagem, aperfeiçoando sua fala e escrita;

- Respeito às diferenças de opiniões;

- Cooperação e solidariedade.

J- ATIVIDADES PROPOSTAS

Refletindo sobre o uso funcional da prática leitora, visando seu

desenvolvimento da competência no uso da língua durante o contato com textos dos

mais variados gêneros, o aluno terá acesso à produção cultural da humanidade e a

participação muito bem mais plena no mundo letrado em que vivemos. Para tanto,

as atividades serão individuais ou em grupo, sendo possível o debate e a produção

de trabalhos. Sempre familiarizando-se com diferentes tipos de textos, oriundos das

mais variadas práticas sociais, o aluno será levado a integrar diversas linguagens,

desenvolvendo atividades significativas e diversificadas. Também haverá momentos

de atividades/exercícios com uma análise mais aprofundada de diferentes gêneros

de texto, a fim de facilitar a compreensão dos conceitos já trabalhados em aulas de

Língua Portuguesa e, até mesmo em demais disciplinas.

De modo que ler é uma prática de natureza social - ou seja, é um processo de

interação verbal entre pessoas que estão determinadas pelas relações sociais de

seu tempo: seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os

outros – será trabalhada a leitura, em especial, munidas de expressividade e, muitas

vezes em caráter de dramatização. Desse modo, é importante que a criança seja

122

levada a posicionar-se criticamente diante o texto, ou seja, que aprenda a efetuar

uma análise desse texto para perceber a intenção do autor e suas ideias, bem como

sua inserção na sociedade que lhe é contemporâneo.

Destaca-se, ainda, a estrita necessidade da pesquisa a ser realizada pelo

aluno. Não somente a pesquisa individual ou em grupo a ser realizada dentro da

escola, mas a pesquisa fora dela e, até mesmo, individual, é de tamanha

importância ao que concerne o protagonismo do aluno-cidadão que sai em busca de

novo conhecimento ou em busca de aprimorá-lo.

K- RECURSOS

Utilizando diferentes materiais e ambientes pedagógicos que favoreçam

aprendizagem do aluno, as aulas contarão com os recursos básicos para o efetivo

desenvolvimento das atividades propostas. Vale destacar a utilização orientada dos

mais variados recursos audiovisuais multimídia, entre eles o computador, o

Datashow, a filmadora e a máquina fotográfica. No entanto materiais como revistas,

jornais, textos e imagens extraídos de diversas fontes, músicas e filmes para análise

- além, é claro, de inúmeros exemplares de livros de literatura e teatro -, também

serão muito bem-vindos e, sem dúvida, favorecerão a curiosidade da prática de

leitura, bem como o gosto pela mesma.

As atividades serão realizadas em locais diversos como, por exemplo, a

Biblioteca (Sala de Leitura), Sala de Projeção, Sala de Vídeo, além da possibilidade

de saída da Unidade, de modo a tornar o desenvolvimento do aluno o mais pleno

possível, na medida em que serão considerarmos aspectos relacionados não

somente à prática leitora em si, mas também a sua vivência propriamente dita, por

meio de atividades as mais diversas, entre elas as lúdicas, realizadas em grupo ou

individualmente.

Os principais recursos são:

1. Diversos textos apresentados em diversos gêneros;

2. Livros didáticos e paradidáticos;

3. Internet;

4. Microcomputador(es)

5. Notebook(s);

6. Máquina(s) Fotográfica(s);

7. Filmadora(s);

123

8. Principais materiais para montagem de cenário:

- cartolina e papel cartão;

- papéis kraft, crepom, sulfite, etc.;

- cola branca e cola quente;

- grampeador para grampos grande e pequeno;

- fita adesiva pequena, grande e dupla face;

- lápis de cor;

- giz de cera;

- tinta guache e pincéis;

- fio de náilon;

- sucatas em geral.

L- PARCEIROS

Bibliotecas, anfiteatros, teatros e demais locais públicos que viabilizem a

prático de um sarau.

M- CRONOGRAMA

1º Semestre 2001

Atividade Fevereir

o Março Abril Maio Junho

Início da elaboração do Projeto 28

Finalização da elaboração do Projeto 14

Apresentação do Projeto aos Alunos envolvidos 21

Inscrição do Projeto junto à Comissão 30

Início das Atividades: divisão dos gêneros por turma 4

Orientação aos alunos acerca da pesquisa sobre gêneros

11

Apresentação das Pesquisas e agrupamento dos alunos

18

Leituras realizadas por cada grupo de alunos envolvidos

25

Debate acerca dos temas envolvidos nos gêneros lidos 2

Escolha dos textos a serem apresentados no 1.º Sarau 9

Leitura dos textos pesquisados e escolhidos pelos grupos

16

1.ª Leitura expressiva/dramatizada dos textos 23

Avaliação junto aos alunos acerca das leituras realizadas

30

2.ª Leitura expressiva/dramatizada dos textos 6

Ensaio 20

Ensaio Geral 27

1.º Sarau 4

124

2º Semestre 2001

Atividade Agosto Setembro

Avaliação do 1.º Sarau junto aos alunos envolvidos 1

Escolha dos textos para o Sarau 8

Leitura expressiva/dramatizada 15

Ensaio das Leituras para o Sarau 22

Filmagem para a Apresentação do Sarau 29

Ensaio Geral para a Apresentação do Sarau 5

Realização do Sarau 12

Avaliação Final junto aos Alunos 19

Entrega do Portifólio 20

Encerramento das Atividades 26

N- AVALIAÇÃO

Sempre redirecionando os objetivos e as estratégias, a avaliação será

utilizada como instrumento que integre o processo de ensino-aprendizagem e será

feita por meio da análise dos registros efetuados pelas filmagens dentro e fora da

sala de aula, as quais cada um dos alunos envolvidos no Projeto poderá participar.

Tal registro efetuado por meio de filmagens poderá auxiliar no

redirecionamento dos objetivos e das estratégias desse processo, uma vez que

apontará para os resultados positivos, bem como aqueles que devem ser

melhorados.

O- BIBLIOGRAFIA BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Estética da criação verbal. 5. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. ROJO, R (Org.). Alfabetização e letramento: perspectivas linguísticas. Campinas: Mercado de Letras, 1998.

SÃO PAULO. Proposta Curricular do Estado de São Paulo – Língua Portuguesa – Ciclo II e Ensino Médio. SEE, 2008. VIGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Marrtins Fontes, 2001. VIGOTSKY, L. S. Linguagem e pensamento. São Paulo, Martins Fontes, 1989.

125

ANEXO D

126

127

128

129

130

131

ANEXO E MAPA URBANO DE CARAGUATATUBA

LOCALIZAÇÃO DOS BAIRROS Bairros: 01-Indaiá, 02-Estrela D’Alva, 3-Rio do Ouro, 4-Sumaré, 5-Benfica

132

6-Bairro Travessão (Região Sul)