LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS...

22
1 LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS DESENVOLVE A NOÇÃO DO VALOR POSICIONAL. Catarina Miraflores Nemet Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Maria Lydia Manara de Mello Orientadora RESUMO O presente artigo consiste numa pesquisa realizada em uma Escola Estadual da cidade de São Paulo durante as aulas de matemática e pretende analisar a construção do conhecimento e os processos de aprendizagem em relação aos números - valor posicional. Por meio de atividades dirigidas e entrevistas com crianças do 2º ano do Ensino Fundamental I analisamos esses processos tendo como base os estudiosos da área Lerner (1996), Kamii (1999) e Spinillo (2000); e as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental de Matemática (2000). Traçamos de forma análoga a apropriação das crianças em relação ao nosso Sistema Numeral Decimal (SND) e a origem dos números (IFRAH, 1998 e DUHALDE, 1998), um processo lento, gradual e que permeia a história da humanidade. Palavras-chave: aprendizagem significativa, valor posicional e apropriação do conhecimento. 1. INTRODUÇÃO Muitos conteúdos matemáticos estão presentes em nosso cotidiano; fazemos uso diário dos números, estimativas, unidades de medidas, classificação, somas, subtrações etc.; assim, a matemática está presente em nossa sociedade. O ato de contar é inerente ao homem desde seus primórdios (IFRAH, 1998; DORNELES, 1998; DUHALDE, 1998 e DUBUC, 2010). Observamos que as pinturas rupestres já ilustram marcações de quantidades. Ao longo de nossa história contar tornou-se necessário principalmente para a sobrevivência dos homens.

Transcript of LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS...

Page 1: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

1

LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS DESENVOLVE A

NOÇÃO DO VALOR POSICIONAL.

Catarina Miraflores Nemet Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação Vera Cruz Maria Lydia Manara de Mello Orientadora

RESUMO

O presente artigo consiste numa pesquisa realizada em uma Escola Estadual da cidade de São Paulo durante as aulas de matemática e pretende analisar a construção do conhecimento e os processos de aprendizagem em relação aos números - valor posicional. Por meio de atividades dirigidas e entrevistas com crianças do 2º ano do Ensino Fundamental I analisamos esses processos tendo como base os estudiosos da área Lerner (1996), Kamii (1999) e Spinillo (2000); e as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental de Matemática (2000). Traçamos de forma análoga a apropriação das crianças em relação ao nosso Sistema Numeral Decimal (SND) e a origem dos números (IFRAH, 1998 e DUHALDE, 1998), um processo lento, gradual e que permeia a história da humanidade.

Palavras-chave: aprendizagem significativa, valor posicional e apropriação do conhecimento.

1. INTRODUÇÃO

Muitos conteúdos matemáticos estão presentes em nosso cotidiano; fazemos uso diário

dos números, estimativas, unidades de medidas, classificação, somas, subtrações etc.; assim, a

matemática está presente em nossa sociedade.

O ato de contar é inerente ao homem desde seus primórdios (IFRAH, 1998;

DORNELES, 1998; DUHALDE, 1998 e DUBUC, 2010). Observamos que as pinturas

rupestres já ilustram marcações de quantidades. Ao longo de nossa história contar tornou-se

necessário principalmente para a sobrevivência dos homens.

Page 2: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

2

O homem passou a viver em pequenas comunidades, estabelecendo moradia fixa, e a

contagem, com o passar do tempo, ganhou uma padronização – um código – cada grupo

desenvolveu sua maneira de contar ou classificar as quantidades; como os povos egípcios,

maias, chineses, babilônios, romanos etc. Aos poucos, esses códigos foram se modificando

devido ao crescimento das comunidades, ocorrendo a socialização entre os diferentes grupos,

surgindo uma padronização universal, ou seja, um código comum a todos.

Esse processo foi longo e gradual dando origem aos números tal como utilizamos hoje.

O nosso sistema de numeração recebe o nome de Sistema Numeral Decimal (SDN); ele está

pautado na base dez, o que significa que utilizamos um código de representação gráfica

(números ou algarismos) com agrupamentos de dez em dez. A posição do algarismo nessa

representação modifica o valor do número que representamos graficamente. O nosso

Sistema Numeral Decimal é complexo, porém, econômico e com ele podemos representar

infinitos números de valores altos.

Centenas, dezenas e unidades são ordens que compõem esse código e fazem parte da

nossa cultura. Explicar esses conceitos, como tem sido feito na maioria dos livros didáticos e

nas aulas de matemática dos anos iniciais do Ensino Fundamental I, de forma sistemática e

teórica, não garante a apropriação desse conhecimento por parte das crianças. Da mesma

forma que a humanidade desenvolveu gradualmente esse sistema de numeração, as crianças

aos poucos se aproximam e se apropriam do SND.

O ensino da matemática, conforme orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais

de Matemática – PCN – (2000) deve partir da lógico-matematização. Dessa maneira, a

matemática deve estar ligada à vida cotidiana das crianças e o professor deve partir do

conhecimento que seus alunos possuem para que ocorra a aprendizagem significativa

(RONCA, 1980).

Em nossa sociedade, os números estão presentes nas mais diversas situações como

senhas de atendimento, números das casas, calendário, nos jogos e brincadeiras; as crianças

constroem conhecimentos e hipóteses em relação aos números a partir das observações que

fazem em seu cotidiano.

Considerar esses conhecimentos e partir de situações reais, próximas do cotidiano das

crianças, viabiliza, para a matemática, um ensino ligado à lógico-matematização e torna

possível a ressignificação dos conceitos por parte das crianças estabelecendo relações entre a

matemática e a vida (aprendizagem significativa).

Page 3: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

3

Ao longo da formação, no curso de Pedagogia, a Didática da Matemática trouxe à luz

essa discussão: do ensino significativo, ligado à vida e à realidade da criança. Da mesma

forma, a importância dos conceitos matemáticos serem reconstruídos pelos alunos.

Considerando-se a lógico-matematização, no caminho para a mudança no ensino da

matemática, faz-se necessária uma pesquisa dos processos de apropriação do valor posicional,

conceito esse relacionado às ordens que compõem o nosso sistema de numeração (centenas,

dezenas, unidades, etc.), para subsidiar a prática do professor em sala de aula, de modo que

suas intervenções favoreçam a compreensão dos alunos quanto ao nosso sistema de

numeração.

Com a intenção de compreender como as crianças percorrem essas construções e a

apropriação da escrita convencional do SND, o estudo será realizado por meio de uma

pesquisa de campo participativa. Serão observadas duas crianças de sete anos de idade,

matriculadas no 2º ano do Ensino Fundamental I, em uma escola da rede estadual da cidade

de São Paulo. Realizaremos sondagens sobre as escritas numéricas, entrevistas individuais e a

utilização e observação do desempenho em jogos.

Na pesquisa será apresentado um breve histórico da criação do SND, contextualização

do conceito de valor posicional – seguindo as propostas de Lerner (1996), Kamii (1999) e

Spinillo (2006), quanto à apropriação do SND – metodologia de pesquisa e registro das

observações e intervenções. O trabalho será concluído com as considerações finais.

2. METODOLOGIA

A história ilustra que o homem se constitui das relações que estabelece com o mundo e

com seus semelhantes (FREIRE 2008); dessas relações nascem culturas, tradições, códigos

etc. A história dos números revela que essas relações possibilitaram a criação de um código

universal usado até hoje; os números estão presentes nas escolas no processo de apropriação

desse código por parte das crianças.

Compreender como as crianças aprendem esse código (conceito valor posicional) e

verificar se os caminhos percorridos pela humanidade revelam-se de forma análoga na

apropriação das crianças é o objetivo dessa pesquisa em relação a esse conceito matemático -

valor posicional.

Page 4: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

4

Para isso, será realizada uma pesquisa de campo participativa, a qual permite que o

pesquisador se aproxime da realidade e comprove, ou não, a pergunta que formulou,

estabelecendo relações com as teorias e construindo seu conhecimento empírico em relação a

esse conceito.

Justifica-se esta abordagem, pois segundo Triviños (2009), na educação, as pesquisas

trazem à luz “considerações importantes”, ao ponto que salienta observar os sujeitos em “um

contexto social”, enfatizando a “idéia dos significados latentes do comportamento humano”; e

onde as bases teóricas orientam o pesquisador.

Da mesma forma, Minayo (2012) aponta:

“O trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador da realidade sobre a qual formulou uma pergunta, mas também estabelecer uma interação com os “atores” que conformam a realidade e, assim, constrói um conhecimento empírico importantíssimo para quem faz pesquisa social. É claro que a riqueza desta etapa vai depender da qualidade da fase exploratória...” (p. 61).

Os dados para essa pesquisa serão coletados em uma escola da rede estadual da cidade

de São Paulo durante as aulas de matemática e em situações de entrevistas individuais com as

crianças que estão construindo o conhecimento em relação ao nosso sistema de numeração.

Nesse contexto, o pesquisador deve ampliar seu conhecimento quanto às teorias para

garantir a qualidade da interação entre pesquisador e sujeito, conforme apontado acima por

Triviños e Minayo. De modo que essa dialética possibilite a compreensão das relações

estabelecidas entre professor, aluno e apropriação do conceito.

Iniciaremos o trabalho com uma sondagem sobre a escrita de números para descobrir

como estas crianças pensam e o que sabem sobre os números; em seguida, realizaremos uma

conversa (investigação) convidando-as a explicar o que sabem a respeito dos números

apresentados e os critérios que utilizam para a comparação entre eles.

Ao longo do estudo algumas entrevistas poderão ocorrer em duplas ou

individualmente com o objetivo de confrontar posicionamentos diferentes para favorecer, pelo

confronto e argumentação de diferentes hipóteses, a gradual apropriação pelas crianças do

SND. Também serão propostos jogos como o da Batalha e Que números formamos?.

Page 5: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

5

3. A ORIGEM DOS NÚMEROS

A origem dos números está relacionada com a história da humanidade. Quando

passamos a viver em pequenos grupos, surgiram formas de representar o mundo com o

objetivo de comunicar algo a nossos semelhantes e registrar algo que a memória não mais

garantia; ao longo dos anos foram se aperfeiçoando. O homem desenvolveu a linguagem, a

escrita e os números - representações do mundo em que está inserido.

Dorneles (1998) afirma:

“As diferentes formas de representação do mundo começaram a ser usadas e aperfeiçoadas há, aproximadamente, trinta mil anos. Com efeito, datam de 30.000 a.C. as primeiras pinturas rupestres e os primeiros ossos entalhados da pré-história. São as primeiras notações utilizadas pelo homem com objetivos diversos, cujo os quais parecem ter sido os de representar o mundo no qual o ser humano estava inserido e de procurar comunicar-se com seus semelhantes.” (p.23).

Essas primeiras representações datam de mais de 30.000 anos. Nossos ancestrais

utilizavam a contagem por meio de traços em entalhes de madeira, ossos e em pinturas

rupestres; conforme descrito e ilustrado abaixo.

Figura 1: marcação de contagens em ossos e pinturas rupestres

Fonte: www.youtube.com/watch?v=ntylzQWvzCA e www.matematica.no.sapo.pt A vida em comunidade contribuiu para que esses mecanismos se fortalecessem como

forma de marcar as quantidades. Com essa nova forma de vida, o homem começou a criar

animais e plantar, portanto, era importante ter algum controle sobre o que se produzia e saber

se todos da comunidade permaneciam presentes.

Page 6: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

6

Segundo Ifrah (1998), a habilidade de contar depende de três condições básicas

elaboradas por atividades mentais que o homem conseguiu desenvolver com a vida em

sociedade:

“... atribuir um ‘lugar’ a cada ser que passar diante dele; ... intervir para introduzir na unidade que passa a lembrança de todas as que a precederam; ... conceber esta sucessão simultaneamente.” (p.45)

As três condições básicas que Ifrah destaca nos remetem a contagem termo a termo

(capacidade de relacionar objetos de duas coleções comparando-as, sem que haja abstração) e

a inclusão hierárquica. Na contagem termo a termo, cada objeto contado está relacionado a

outro objeto de outra coleção; na inclusão hierárquica, essa relação não é direta e sim abstrata.

Nessa contagem, a cada objeto contado há uma relação de ordem e inclusão; ou seja, o “1”

esta no “2”, o “2” esta no “3” e assim por diante, é uma relação simultânea de pensamento

(KAMII, 1999).

Inicialmente nessa contagem o homem utilizava partes do corpo, pedras (cálculos que

originalmente significavam pedras), nós em cordas ou elementos da natureza. Para cada

objeto contado, uma marcação era realizada (relação termo a termo).

Figura 2: contagem termo a termo

Fonte: Ifrah, 1998 e www.matematica.no.sapo.pt

Logo, essa forma de contar ficou obsoleta, porque as quantidades foram aumentando e

só o registro das unidades uma a uma, ocupava um espaço muito grande.

Page 7: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

7

Então, um novo recurso surgiu, os agrupamentos; no sistema de contagem com pedras,

por exemplo, as pedras menores representavam um objeto e as pedras maiores um

agrupamento de 10 objetos ou mais, surgindo o que conhecemos hoje como base 10.

Algumas civilizações desenvolveram uma contagem com agrupamentos maiores,

como os sumérios que utilizavam a base 60, e os maias, que desenvolveram a base 20.

Com os agrupamentos iniciou-se um novo processo, o da representação gráfica,

podendo ser feita com desenhos ou números. Esse processo era mais elaborado por necessitar

de recursos cognitivos como a abstração; os homens precisavam elaborar o símbolo, a

quantidade à qual se referia e compreender que esse símbolo estava atrelado à determinada

quantidade.

“... A matemática é, primeiramente, uma atividade do espírito humano que serve para a generalização. Por exemplo, de três maçãs sobre a mesa, pode-se abstrair a noção ‘três’, que não se encontra em parte alguma, mas podemos encontrar três objetos por toda a parte; essencialmente, a matemática nos remete a abstração...” (DUBUC, 2010.p. 219)

A representação de quantidades em números ou desenhos evidencia a capacidade de

abstração do homem apontada por Dubuc. Grandes civilizações como egípcios, maias,

chineses, gregos e romanos passaram a representar as quantidades utilizando símbolos muitas

vezes relacionados a elementos da natureza (PIRES, 2013); aos poucos, estes símbolos ou

representações foram sendo simplificadas (DUHALDE, 1998). Os árabes, devido ao comércio

que praticavam em larga escala, expandiram e aprimoraram essas representações gráficas; até

hoje utilizamos seus símbolos (números ou algarismos).

Vejamos alguns dos sistemas numéricos inventados pelos homens e seus símbolos.

Figura 3: contagem termo a termo

Fonte: www.prof2000.pt

Page 8: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

8

4 CONSTRUINDO SENTIDOS DO SISTEMA NUMÉRICO

Durante dois meses, com intervalos semanais, realizamos observações em uma escola

estadual durante as aulas de matemática do 2º ano do Ensino Fundamental I. Nessas aulas,

observamos uma prática significativa da professora e acompanhamos duas crianças que serão

chamadas de Gabriela e Rodrigo, durante o processo de apropriação do valor posicional.

A lógico-matematização apontada no PCN está presente na prática dessa professora, o

que torna suas aulas significativas, pois os alunos percebem que a matemática está

relacionada ao cotidiano, sendo ‘convidados’ a desenvolver conceitos partindo dos

conhecimentos que possuem e das observações que fazem dos números; avançando em suas

hipóteses.

Os agrupamentos produtivos evidenciam a prática significativa, pois são pensados de

forma que promovam o desenvolvimento dos alunos. Nesses agrupamentos, as duplas não tem

o mesmo grau de conhecimento, e as atividades são propostas para que troquem entre si o que

sabem e reflitam sobre suas hipóteses resultando no avanço e apropriação do conhecimento.

Nessa sala de aula, as crianças sentam-se em duplas (agrupamentos produtivos) tanto

nas aulas de matemática como nas aulas de português. A dupla observada entrou na escola

esse ano e em relação aos outros alunos apresentam diferentes hipóteses e conhecimentos

sobre os números. Por esse motivo, a fim de acompanhar o processo de construção da escrita

convencional, optamos observar e aplicar sondagens, jogos e propor produções de números a

essas crianças.

Iniciamos com uma sondagem, na sala de aula após o término de uma atividade de

leitura. Optamos por realizar um ditado de números. Nessa primeira sondagem, Rodrigo e

Gabriela participaram juntos e durante a aplicação da sondagem, não questionamos ou

comparamos suas produções; tínhamos como objetivo apenas registar seus conhecimentos.

Ditamos os seguintes números: 8, 15, 124, 36, 106, 58, 228, 350, 200 e 85; os quais

foram escolhidos de forma aleatória.

Segue tabela com as produções de Gabriela e Rodrigo.

Page 9: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

9

Números 8 15 124 36 106 58 228 350 200 85

Gabriela 8 15 100204 306 1006 508 21008 1000 200 805

Rodrigo 8 15 10024 36 1006 508 20028 30050 200 805

Observamos em Gabriela e Rodrigo a influência da numeração falada em suas escritas

numéricas.

Segundo Lerner (1996a) no processo de apropriação do SND, as crianças utilizam os

números que conhecem em suas escritas; quando já possuem certa familiaridade com as

regularidades do sistema de numeração escrevem convencionalmente, ou criam símbolos, ou

outras estratégias nas suas produções.

Nesse contexto Gabriela e Rodrigo demostraram familiaridade com os números por

não utilizarem outros símbolos além dos numéricos em suas produções. Sofrem influências da

oralidade, extraindo da numeração falada à sua imagem e semelhança, produzindo dessa

forma escritas não convencionais em alguns momentos.

Pires (2013) destaca:

“A hipótese de que a escrita numérica é o resultado de uma correspondência com a numeração falada leva a criança a criar notações não convencionais. Isso ocorre porque a diferença da numeração escrita em relação a numeração falada está em que a fala não é posicional. Se a numeração falada fosse posicional, a denominação oral de 2.894 seria “dois, oito, nove quatro”; no entanto a denominação utilizada para esse número explicita as potências de 10 correspondentes aos algarismos (dois mil oitocentos e noventa e quatro). ”(p.93)

Evidenciamos essa influência nos números 124, 106, 58, 228, 350 e 85; Gabriela e

Rodrigo, de acordo com seus conhecimentos e apropriação do nosso sistema numérico

aplicaram na numeração escrita elementos da numeração falada.

Por exemplo, no número 124 Gabriela escreveu 100204, agregando à escrita a soma

inferida pela fala (100 + 20 + 4); no entanto, Rodrigo demonstrou maior apropriação sobre a

escrita convencional por escrever 10024 (100 + 24).

Nos número 106 (100 + 6), 58 (50 +8) e 85 (80 + 5) ambos apresentaram escritas não

convencionais por sofrerem influencia da oralidade. Isso ocorre porque “a criança supõe que a

numeração escrita se prende rigorosamente à numeração falada” (PIRES, 2013).

Page 10: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

10

A relação numeração falada e numeração escrita não é unilateral, no processo de

apropriação do SND; aos poucos as crianças percebem a relação do que há de oculto na

numeração escrita; ou seja, “uma coisa não coincide com a outra, determinar quais

informações fornecidas pela numeração falada que resulta pertinente aplicar na numeração

escrita e quais não” (LERNER, 1996a. p,97).

Gabriela e Rodrigo estão no processo de apropriação do SND e aos poucos vão

construindo e percebendo quais informações podem ser aplicadas na numeração escrita, e

dessa forma, vão construindo o conceito de valor posicional. Porém, esse aprendizado ocorre

de forma implícita, ou seja, a criança não tem consciência. Cabe ao professor ou mediador

fazer o aluno refletir sobre esse conhecimento e torná-lo consciente para que se aproprie dos

conceitos e da escrita convencional dos números.

“Una misma noción matemática puede funcionar como conocimiento implícito em ciertas situaciones (em las situaciones de acción) como conocimiento que debe ser explicitado para ser comunicado (em las situaciones de formulación) o como saber explícito cuya validez hay que mostrar (em las situaciones de validación).” (LERNER, 1996b.)

Nessa sondagem não explicitamos esses conhecimentos e essas hipóteses conforme

apontado por Lerner, não os tornando conscientes. Nosso objetivo se restringiu a identificar o

que sabiam sobre os números.

Após essa primeira sondagem, durante o recreio, brincamos com um jogo – Batalha –

para nos aproximarmos mais dos conhecimentos das crianças.

O jogo Batalha é composto por cartas com diferentes números que podem variar do 10

ao 50 ou outra variação, e tem por objetivo a comparação desses números por parte dos

participantes. As cartas são embaralhadas e distribuídas igualmente entre todos os jogadores;

os números devem estar voltados para baixo. Cada participante terá um montinho de cartas. A

cada rodada os jogadores devem virar a primeira carta de seu monte colocando-a sobre a

mesa. O jogador que virar a carta com o número mais alto ganha a rodada e pega todas as

cartas da mesa, porém, deve justificar porque ganhou. O jogo termina quando um dos

participantes não possuir mais cartas, sendo o vencedor, o jogador que possuir o maior

número de cartas.

As cartas do nosso jogo possuíam uma numeração aleatória do número 20 ao número

150.

Na Batalha, Gabriela e Rodrigo foram convidados a dizer os ‘nomes dos números’,

apontar e justificar qual o maior número de cada rodada. Segue parte dos diálogos.

Page 11: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

11

Números da rodada:

50 35 63

Pesquisadora Gabriela Rodrigo

Pesquisadora: Quem ganhou?

Gabriela: Ele.

Pesquisadora: Por quê?

Gabriela: Porque o número dele começa com 6.

Pesquisadora: Qual é o número dele?

Gabriela: É o seis e três (apontando a carta com o número 63).

Rodrigo: O seu é o cinco e o zero e o da Gabriela é o trinta e cinco.

Rodrigo e Gabriela compararam os números de acordo com seus conhecimentos; não

souberam nomeá-los, e apresentaram a hipótese da magnitude do número “o da frente que

manda” (LERNER, 1996a) ao justificar que a carta 63 ganhou “porque o número dele começa

com 6”.

Números da rodada:

115 93 71

Pesquisadora Gabriela Rodrigo

Pesquisadora: E agora, quem ganhou?

Rodrigo: Você.

Pesquisadora: Por quê?

Rodrigo: Porque seu número tem três números.

Pesquisadora: Então ele é maior que esse nove (apontando o nove da carta 93)?

Rodrigo: É, ele tem três números, mas é um número só, aqui (apontando o 93) o

número só tem dois números.

Pesquisadora: E como ele chama?

Rodrigo: Cem e quinze.

Gabriela: Acho que é cento e quinze, vem depois do cem.

Pesquisadora: E os outros, você sabe? (perguntado à Gabriela)

Page 12: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

12

Gabriela: Acho que é noventa e três e setenta e um.

Gabriela soube nomear os números da rodada e Rodrigo buscou a quantidade de

algarismos para definir o vencedor da vez.

Números da rodada:

92 87 96

Pesquisadora Gabriela Rodrigo

Rodrigo: Ganhei!

Pesquisadora: Porque ganhou, o meu número também começa com nove?.

Rodrigo: Depois do nove o meu tem o seis e vale mais que nove com dois.

Pesquisadora: Ele está certo Gabi?

Gabriela: Está.

Pesquisadora: E quais são os números, Rodrigo?

Rodrigo: Nove dois, oito sete e nove seis.

Pesquisadora: É assim o nome deles? (Rodrigo ficou quieto)

Gabriela: Esse é o noventa e dois, esse o oitenta e sete e esse o noventa e seis

(apontando as cartas).

Gabriela apresenta maior conhecimento dos números, pois sabe nomeá-los, mas ambos

formulam suas hipóteses do que observam no cotidiano. O número maior é o que possui mais

algarismos, o da frente é quem manda...

Números da rodada:

100 120 107

Pesquisadora Gabriela Rodrigo

Pesquisadora: E agora, quem ganhou, todos têm três algarismos?

Rodrigo Apontou o número 120.

Gabriela: Eu ganhei.

Pesquisadora: Porque você ganhou, quais são esses números?

Page 13: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

13

Rodrigo: Esse é cem (apontando a carta 100) e os outros mais de cem.

Gabriela: O meu é cem mais vinte (apontou os números de sua carta) um, dois e zero,

cem e vinte.

Rodrigo: E o meu é cem e sete.

Gabriela: O cem e vinte é maior.

Gabriela e Rodrigo mesmo sem saberem nomear todos os números da rodada recorrem

a sequência numérica “esse é cem e os outros mais de cem”, ao comparar os números e a

justificativa de Gabriela “o meu é cem mais vinte” contribui para a construção do

conhecimento em relação ao SND pois em seguida Rodrigo acrescenta “e o meu é cem e

sete”. As hipóteses, observações e leituras que fazem do mundo estão em constante

movimento para a construção do conhecimento e apropriação do SND.

Acompanhamos três aulas, com intervalos de uma semana; observamos uma atividade

feita pela professora, com números móveis, na qual, pudemos intervir com a dupla Gabriela e

Rodrigo, nomeamos essa atividade Que números formamos?.

Os números móveis são fichas de números que contém algarismos de 0 a 9 e as

crianças devem fazer várias combinações numéricas, assim, se aproximam no nosso SND.

Nessa atividade, cada dupla de alunos recebeu três fichas - três números móveis - cada uma

com um número e deviam fazer diferentes combinações numéricas, registrar colocar em

ordem crescente, do menor para o maior, e socializar com a sala.

Pudemos observar a evolução de Gabriela e Rodrigo em relação à apropriação do

valor posicional. Abaixo segue parte dos diálogos durante os momentos das atividades.

Ressaltamos que os dois, na primeira atividade apresentaram certa timidez quando foram

questionados; nas atividades seguintes, estavam mais “soltos” e explicitavam suas hipóteses.

Atividade de 30 de abril.

As fichas recebidas por Gabriela e Rodrigo foram: 1; 7 e 2; os números criados pela

dupla foram: 127 e 217.

Pesquisadora: Qual é esse número?

Rodrigo: Doze e sete.

Pesquisadora: Doze e sete?

Gabriela: Não é!

Pesquisadora: E qual é esse número então, Gabriela?

Page 14: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

14

Gabriela: Não sei o nome, mas não é doze sete. Aqui (apontando o doze) é onze,

depois, tem o sete, mas tem que ler tudo junto.(Gabriela trocou o nome do número, apontando

o doze e dizendo onze).

Pesquisadora: Se você olhar no quadro da centena será que consegue ler o número?

Gabriela: Não sei.

Pesquisadora: Vamos tentar?

O quadro da centena é um cartaz confeccionado com os alunos; nesse quadro são

colocados os números de um a cem; há também um quadro complementar com as centenas

que já foram trabalhadas com o grupo.

Figura 4: Reprodução do quadro da centena

Gabriela olhou o quadro da centena, pensou um pouco e disse cem e vinte e sete.

Rodrigo: Ah! É cento e vinte e sete.

Pesquisadora: Qual o outro número, vocês podem montar?

Gabriela trocou os números e compôs o número 217.

Pesquisadora: E qual é esse número agora?

Rodrigo: Dois cem dezessete.

Pesquisadora: O que você acha Gabriela?

Gabriela: Esse é difícil, mass é depois do cem.

A dupla durante a atividade não conseguiu criar mais números e pouco souberam falar

a respeito dos números criados.

Page 15: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

15

Atividade de 7 de maio.

Os números recebidos pela dupla: 0, 1 e 3. Gabriela e Rodrigo formaram os seguintes

números: 013; 031; 103; 130, 301 e 310.

Pesquisadora: Quais foram os números que vocês conseguiram fazer?

Gabriela mostrava os números enquanto mexia as fichas.

Gabriela: Treze, trinta e um, o cento e três e o cento e trinta.

Pesquisadora: Muito bom, mas no caderno de vocês tem mais dois números escritos,

quais são esses números?

Rodrigo: É o três dez e o trinta mais um.

Pesquisadora: O três dez e o trinta mais um? Mas Rodrigo, o trinta e um não é esse?

(mostrando no caderno o número 31)

Rodrigo: Esse é o trinta e um, mas tem esse aqui (mostrando no caderno o número

301) que é o trinta mais um.

Pesquisadora: Entendi, que número é esse então?

Gabriela: Mais de cem.

Pesquisadora: Muito bem! E qual será esse número?

Rodrigo: Esse é o três, com o zero e o um.

Pesquisadora: Assim (mudando os números) fica trinta e um (031), assim cento e três

(103) e assim? (colocando as fichas formando o 301)

Rodrigo pensou, olhou nos números expostos pela sala e voltou a falar trinta mais um.

Pesquisadora: O que você acha Gabriela?

Gabriela: É o trezentos?

Pesquisadora: Porque acha que é o trezentos?

Gabriela: Porque sim.

Pesquisadora: Hum... como pensou que pode ser trezentos?

Gabriela: Pensei no cem, depois no duzentos, ai três centos não tem, mas tem o

trezentos.

Pesquisadora: O que acha Rodrigo?

Rodrigo: Acho que é.

Pesquisadora: É o número trezentos, sim. Mas, trezentos e quanto?

Rodrigo e Gabriela: trezentos e um.

Pesquisadora: E esse? (alterando as fichas para 310)

Rodrigo: Trezentos e dez.

Page 16: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

16

Nesta segunda atividade, Gabriela utiliza seus conhecimentos para chegar à resposta.

Nesse processo, evidenciamos o início da apropriação do valor posicional em relação à

leitura dos números. Os ‘nós’ (100, 200) e a oralidade contribuíram para o avanço da dupla na

leitura de suas produções com as fichas.

Segundo Lerner (1996a), na escrita de números, as crianças utilizam o que já sabem do

nosso SND, o que extraem de informações da numeração falada e o conhecimento da escrita

convencional dos ‘nós’.

Os ‘nós’– os números exatos das dezenas, centenas, milhares etc. – são uma das

primeiras ferramentas utilizadas pelas crianças para a apropriação da escrita convencional

dos números. Partindo das dezenas, centenas exatas, as crianças começam a elaborar os outros

números e a posição que ocupam nos intervalos dos ‘nós’.

Esse processo é lento, gradual e atividades que propiciem a produção, comparação e

leitura dos números contribuem para o avanço das crianças e para a aprendizagem

significativa (RONCA, 1980), pois estabelecem relações com os conhecimentos que possuem

e possibilitam novas hipóteses.

Gabriela demonstrou o uso desse recurso quando chegou ao trezentos “pensei no cem,

depois no duzentos, aí três centos não tem, mas tem o trezentos.” Gabriela construiu uma

nova relação e um novo conhecimento de forma significativa.

Atividade de 14 de maio.

Os números recebidos pela dupla: 1, 5 e 3.

Pesquisadora: Quais foram os números que vocês montaram?

Gabriela: Cento e cinquenta e três; cento e trinta e cinco; trezentos e quinze; trezentos

e cinquenta e um; quinhentos e treze e quinhentos e trinta e um.

Pesquisadora: Foram esses Rodrigo?

Rodrigo: Foram.

Pesquisadora: Que número é esse? (mostrando o trezentos e quinze nas fichas)

Rodrigo e Gabriela: Trezentos e quinze.

Pesquisadora: E esse? (apontando nas fichas o número um)

Rodrigo: É o um.

Pesquisadora: E quanto vale esse número?

Rodrigo: Um.

Pesquisadora: Um?

Page 17: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

17

Gabriela: É um, mas aqui é quinze.

Pesquisadora: Esse número é um ou quinze?

Rodrigo: Só ele é um.

Pesquisadora: O que você acha Gabriela?

Gabriela: Acho que só ele é um, mas aqui ele é quinze.

Pesquisadora: Por quê?

Gabriela: Porque aqui ele tá no meio do número maior.

Pesquisadora: Então ele é quinze?

Gabriela: É.

Pesquisadora: E esse Rodrigo? (apontando o três)

Rodrigo: É três.

Gabriela: Só ele é três.

Pesquisadora: Como assim?

Gabriela: É que nem o um, só ele é três, mas se tiver aqui é trezentos, tem mais

números depois dele, entendeu?

Pesquisadora: Acho que entendi. Você disse que se ele for assim (puxo a ficha do três)

é três, mas se estiver aqui (coloco a ficha juntos com os outros números) é trezentos e quinze.

Gabriela: Isso, você entendeu.

Dois dias depois dessa atividade, fizemos um novo ditado de números com a dupla,

mas, com uma criança de cada vez. Diferente da outra sondagem, nesse ditado houve uma

intervenção indireta: a escolha dos números. Os números escolhidos foram: 55, 164, 100, 235,

347, 96, 90, 87, 581 e 500.

No quadro segue a numeração final escrita por Gabriela e Rodrigo:

Números 55 164 100 235 347 96 90 87 581 500

Gabriela 55 164 100 235 3407 96 90 87 581 500

Rodrigo 55 164 100 235 347 96 90 87 581 500

Observamos que as atividades com as fichas contribuíram para um avanço na

apropriação dos números e da escrita convencional; Gabriela apresenta um maior

conhecimento dos números em relação à primeira sondagem; porém, na escrita, ainda está, em

Page 18: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

18

alguns momentos, sob a influência da oralidade. Segue no quadro, a forma na que escreveu os

números antes das intervenções.

Números 55 164 100 235 347 96 90 87 581 500

Gabriela 55 100604 100 235 3407 906 90 87 500801 500

Gabriela escreveu o numero 55 convencionalmente; ao registrar o 164 apresentou a

escrita 100604.

Após ditar o 100 questionei: “ Qual foi o número que eu ditei antes do cem?”

Gabriela: Esse (apontando no papel)

Pesquisadora: E qual é esse número?

Gabriela: Hum, está escrito errado, posso arrumar?

Pesquisadora: Porque está errado?

Gabriela: É o cento e sessenta e quatro, coloquei mais números.

Gabriela corrigiu escrevendo convencionalmente.

Pesquisadora: Porque está apagando esse número? (906)

Gabriela: Porque sem querer escrevi errado, esse é o noventa e seis, coloquei um zero

e não tem esse zero aqui.

Prosseguiu escrevendo 87, 500801 e 500.

Pesquisadora: Qual é esse número antes do 500?

Gabriela: Posso arrumar? (olhando para o número com espanto e sorrindo)

Pesquisadora: Por quê? Não está certo, qual é esse número? (Gabriela balançou a

cabeça negativamente)

Gabriela: Não sei.

Pesquisadora: Lembra qual foi o número que eu ditei?

Gabriela: Era quinhentos e oitenta e um.

Pesquisadora: E como escreve esse número?

Gabriela: (apagou e escreveu 581) não tem o zero.

Gabriela está no processo de apropriação da escrita convencional, os ‘nós’ que

intencionalmente escolhemos para o ditado evidenciaram como nessa apropriação há “idas e

vindas” e como a oralidade influencia sua escrita. Constatamos isso nos números 164

(100604), 347 (3407), 96 (906) e 581 (500801). Aos poucos apreende e extrai da oralidade

apenas as informações necessárias transpondo-as à escrita numérica convencional.

Page 19: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

19

Rodrigo também sofreu tal influência, porém, durante o ditado, conseguiu perceber

sem nossa intervenção direta e pediu para corrigir alguns números. Os números em questão

foram: 164, 347 e 581.

Números 55 164 100 235 347 96 90 87 581 500

Rodrigo 55 100604 100 235 3407 906 90 87 500801 500

Após escrever o número 100, Rodrigo olhou para o número 100604 e perguntou:

_ Professora, posso apagar o número que escrevi errado?

Pesquisadora: Qual número Rodrigo?

Rodrigo: O cento e sessenta e quatro, coloquei zero e não tem zero.

Pesquisadora: Pode.

Ao escrever o número 235 pensou e escreveu convencionalmente. No número 347

escreveu 3407, apagando o 0 e escrevendo corretamente (347).

Nos números 96 e 581, após escrever os ‘nós’ 90 e 500 corrigiu a escrita dos números,

como havia feito anteriormente.

Percebemos que a existência dos ‘nós’, na lista dos números ditados, como uma

intervenção indireta contribuiu para o avanço da escrita convencional dos números; tanto

Rodrigo como Gabriela se apoiaram nos ‘nós’ (100, 90 e 500) para a reescrita dos números

anteriores (164, 96 e 581) os quais não haviam sido escritos convencionalmente.

A apropriação do valor posicional é um processo gradual e não linear; as crianças

fazem descobertas, caminham para a frente e, às vezes, voltam ao estágio anterior. Nas

atividades com as fichas, Gabriela demonstrou grande conhecimento em relação aos números,

no entanto, no ditado, Rodrigo apresentou maior apropriação da escrita convencional.

Com atividades significativas, que validam as observações que as crianças trazem de

seu cotidiano para dentro da sala de aula, que permitem a reflexão de suas hipóteses e a

socialização de seus conhecimentos, o professor contribui para o avanço de seus alunos no

caminho do conhecimento, seja em relação à escrita convencional dos números, à resolução

de problemas ou a compreensão do nosso SND.

Page 20: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

20

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história dos números revela que o homem se constitui por meio das relações que

estabelece com o meio e seus semelhantes, dando origem à sua cultura. Utilizamos um

sistema de numeração universal que faz parte de nossa cultura e teve origem ao longo de

nossa história.

O uso social dos números contribui para o trabalho desenvolvido nas escolas quando

consideramos que o aluno constrói conhecimentos no seu dia a dia, nas relações que

estabelece com o mundo e com seus semelhantes.

Nesse aspecto, a lógico-matematização está ligada não só à matemática formal -

aprendida na escola -, como à vida cotidiana; a escola deve considerar esses conhecimentos

para o ensino da matemática, criando situações que possibilitem a troca de conhecimentos

entre os alunos.

Em relação à apropriação do valor posicional, foco de nossa investigação,

encontramos nessa escola, situações que revelam a construção do conhecimento tendo como

caminho norteador as relações que se estabelecem no ambiente escolar.

Com os agrupamentos produtivos, os alunos trocam conhecimentos e avançam em

suas hipóteses. As socializações também potencializam a construção do conhecimento.

Gabriela e Rodrigo demonstraram seus conhecimentos em relação aos números na

primeira sondagem (ditado de números) e no Jogo da Batalha. A dupla não utilizou outros

símbolos senão os números na primeira sondagem; as justificativas no Jogo da Batalha

evidenciaram seus conhecimentos em relação às observações que fazem no cotidiano e das

regularidades do nosso sistema de numeração.

Depois, com o jogo Que números formamos?, a dupla avançou em suas hipóteses

construindo novos conhecimentos em relação ao nosso sistema de numeração. O jogo

permitiu a reflexão e o confronto de diferentes hipóteses, contribuindo para a apropriação do

SND.

Diferentemente das aulas tradicionais, onde o professor é o centro do conhecimento e

transmite ao aluno informações sobre o nosso sistema de numeração – centenas, dezenas,

unidades... –, comprovamos que ler, escrever e produzir escritas numéricas contribui para o

avanço da noção de valor posicional, foco de nossa investigação.

Page 21: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

21

Gabriela e Rodrigo ainda estão se apropriando do nosso sistema de numeração; na

segunda sondagem – ditado de números – apresentaram escritas numéricas convencionais e

essa escrita esteve apoiada nos ‘nós’ (100,200...), o que evidenciou que trabalhar com os

‘nós’ é necessário para a elaboração da escrita numérica convencional, ou seja, ajuda a

criança a perceber que o valor de um algarismo varia em função da posição que ele ocupa

dentro de um número.

Esses conhecimentos garantem que a aprendizagem seja significativa, pois, partem das

hipóteses e verdades provisórias que são essenciais para a construção do conhecimento e que

ganham sentido à medida que os alunos confrontam suas ideias com seus colegas, nas

socializações que ocorrem na sala de aula.

Com esse estudo, concluímos que a apropriação do nosso sistema de numeração, assim

como a criação dos números, é um processo lento, gradual, com idas e vindas e considerar o

conhecimento dos alunos e suas hipóteses ajuda a garantir uma aprendizagem significativa,

contribuindo para a construção do caminho para a mudança no ensino da matemática.

Page 22: LER, ESCREVER E PRODUZIR ESCRITAS NUMÉRICAS …site.veracruz.edu.br/doc/ise/tcc/2013/ise_tcc_pedagogia_catarina... · Aluna do curso de Pedagogia do Instituto Superior de Educação

22

REFERÊNCIA

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetro Curricular Nacional: Matemática. Brasília. MEC/SEF, 2000. DORNELES, Beatriz Vargas. Escrita e número: relações iniciais. Porto Alegre. Artmed, 1998. DUBUC, Benoît. Maria Montessori: a criança e sua educação. In: A pedagogia: teorias e práticas da antiguidade aos nossos dias. GUATHIER, Clement. TARDIF, Maurice. Petropolis. Vozes, 2010. p. 203 – 226. DUHALDE, María Elena. CUBERES, María Tereza Gonzáles. Encontros iniciais com a matemática: construções à educação infantil. Porto Alegre. Artes Médicas, 1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Editora Paz e Terra. São Paulo, 2008. IFRAH, Georges. Os números: a história de uma grande invenção. São Paulo. Globo, 1998. KAMII, Constance. Crianças pequenas reinventam a aritmética: implicações da teoria de Piaget. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 33 – 54. LERNER, Délia. O sistema de numeração: um problema didático. In: PARRA, Cecília. Didática da Matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre. Artmed, 1996a. p. 73 – 154. ________Acerca de la explicitación (Reflexinoes de la didática de la matemática).Palestra apresentada no I Encontro Internacional Latino Americano de Alfabetização – Argentina – Mesa-redonda constituída por Ana Teberosky e Delia Lerner, sobre o Papel da Explicitação na Língua e na Matemática. Buenos Aires, Out., 1996b(mimeo). MINAYO, Maria Cecília de Souza. Trabalho de campo: contexto de observação, interação e descoberta. In: DESLANDES, Suely Ferreira. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis. Vozes, 2012.p.61 – 76. PIRES, Célia Maria Carolino. Números naturais e operações. São Paulo. Melhoramentos, 2013. RONCA, Antonio Carlos Caruso. O modelo de ensino de David Ausubel. In: PENTEADO, Wilma Millan Alves. (Org.) Psicologia e ensino. São Paulo. Papelivros, 1980.p. 59-83. SPINILLO, A.G. O sentido de número e sua importância na educação matemática. In: BRITO, M.R.F. (Org.), Soluções de problemas e matemática escolar. São Paulo. Alínea, 2006. p. 83-111. TRIVIÑOS, Augusto N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo. Atlas, 2009.