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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação
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LETRAMENTO DIGITAL E FORMAÇÃO DOCENTE: PARADIGMA DE TRANSFORMAÇÃO
Louize Lidiane Lima de Moura Câmara1 (UFRN)
Resumo: O objetivo deste artigo é investigar as práticas de letramento digital efetivadas por 30 (trinta) professores em formação continuada, além de verificar em que contextos de atividade estão inseridas essas práticas e observar quais os acervos de gêneros digitais a que eles têm acesso. Para tanto, dialogamos, teoricamente, com o conceito plural de letramento(s) digital(is) e adotamos a metodologia de natureza quali-quantitativa. A análise do corpus indica que os colaboradores realizam práticas de letramento digital em variados contextos e têm acesso a uma gama considerável de gêneros digitais. Isso não ocorre, contudo, no âmbito profissional, em razão da ausência de iniciativas formativas. Palavras-chave: letramentos digitais, letramento do professor, paradigma de transformação.
Abstract: This paper aims to investigate the practices of digital literacy effect for thirty (30) continuing education for teachers, plus check which digital collections of genres to which they have access and observe contexts in which these practices are embedded activity. Therefore, dialogued theoretically with the concept of plural digital literacies and methodologies adopted a qualitative and quantitative nature. Corpus analysis indicates that employees perform digital literacy practices in different contexts and have access to a considerable range of digital genres. Not so, however, professionally, due to the lack of training initiatives. Keywords: digital literacies, teacher education, transformation.
Introdução
Este estudo, recorte de uma pesquisa de mestrado2 em desenvolvimento, tem
como tema central o letramento digital. Nesse sentido, seu objeto de estudo são
as práticas de letramento digital de professores em formação para o uso da
tecnologia em sala de aula, haja vista o advento da globalização, que atingiu
diretamente a esfera escolar, demandando a transformação das práticas
tradicionais cristalizadas.
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A pesquisa objetiva observar quais as práticas de letramento digital efetivadas
pelos colaboradores da pesquisa, a que esferas de atividade essas práticas estão
associadas e verificar os acervos de gêneros digitais a que os professores em
formação tem acesso, em três momentos específicos: antes, durante e após o curso
de extensão Letramentos e tecnologias: ensino de língua portuguesa e demandas
da cibercultura.
A fim de contemplar esses objetivos, lançamos mão da pesquisa quali-
quantitativa, de natureza etnográfica-virtual, utilizando os seguintes instrumentos
de pesquisa, com a finalidade de triangular os dados gerados: questionário
semiestruturado on line, perfil, blogs e chat.
O estudo ancora-se nos estudos de letramento, precisamente, no que
compete aos letramentos digitais, bem como nas pesquisas sobre a formação do
professor para lidar com a tecnologia em sala de aula, além das teorias sobre
aprendizagem colaborativa/em rede no ambiente virtual.
Fundamentação teórica
Considerando a multiplicidade de práticas de letramento bem como a
variedade de contextos em que elas ocorrem, grande parte dos pesquisadores,
atualmente, considera o letramento um conceito plural – letramentos (KLEIMAN;
OLIVEIRA, 2008; OLIVEIRA, 2010a, 2010b).
Na contemporaneidade, o uso social da linguagem mediado por Tecnologias da
Informação e Comunicação, por exemplo, implica que reflitamos sobre em um novo
letramento: o digital. Esse letramento surgiu, principalmente, devido revolução
tecnológica e a consequente popularização do computador e da internet, a partir
da década de 1980.
O conceito de letramento digital tem sido problematizado desde que surgiu na
literatura dos estudos do letramento. Conforme explica Buzato (2007, p. 164), isso
pode ser justificado pelo fato de o termo, em língua portuguesa, envolver uma
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gama de letramentos relacionados direta ou indiretamente com as TIC, enquanto
que fora do país, onde surgiram as primeiras pesquisas, existe uma maior variedade
de termos, haja vista que cada um deles relaciona-se a uma tecnologia ou a um
conjunto específico de tecnologias.
Dessa maneira, internacionalmente, temos: digital literacy, eletronic
literacy, computer literacy, media literacy, web literacy, cyberliteracy,
hypermedia literacy, information literacy, electracy, multimodal literacy,
visual literacy, numeracy.
É por isso que, há alguns anos, grupos de estudiosos, a exemplo de Lankshear
e Knobel (2008), passaram a compreender que os letramentos digitais constituem
formas diversas de prática social que emergem, evoluem, transformam-se em novas
práticas e, em alguns casos, desaparecem, substituídas por outras. Ou seja, passou-
se a entender que o letramento digital é permeado por vários tipos de letramentos.
Diante dessa conjuntura socioeconômica imposta pela cibercultura, o
professor, uma das figuras centrais do ambiente educacional, é obrigado a rever os
métodos e técnicas que balizam suas práticas de ensino, com vistas à modificação
de sua postura profissional.
Gibson (2001), por exemplo, apresenta um modelo conceitual baseado em três
estágios – infusão, integração e transformação – para demonstrar que os professores
ainda não atingiram a condição necessária de aprendizagem para utilização das
TIC.
Segundo ele argumenta, o primeiro estágio, infusão, é caracterizado pelo
interesse das escolas e dos governos em equipar as salas de aula com hardwares e
softwares. O que se observa, porém, é que não há um planejamento para seu uso
através de inovações curriculares. Geralmente, tais equipamentos são colocados
em uma sala especial (a exemplo dos laboratórios de informática ou salas
multimídia) para reforçar a tecnologia já existente na escola. Contudo, seu uso não
é frequente. Considerando o que relatamos, as práticas desenvolvidas pelo poder
público estão inseridas, exatamente, nesse primeiro estágio.
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A integração, segundo estágio, considera a preocupação das instituições de
ensino quanto ao treinamento dos professores para aprender a manusear as TIC em
sala de aula, que são utilizadas para encorajar a participação dos alunos. Todavia,
a prática tradicional de ensino é mantida, mudando apenas o suporte em que as
aulas são realizadas, a exemplo da troca do quadro branco/negro pelos aparelhos
de projeção de imagens.
A transformação configura o terceiro estágio e implica na utilização das TIC
para modificar as práticas de ensinar e aprender. Nessa perspectiva, os recursos
são utilizados em função de uma verdadeira interação entre os alunos, o professor
e os equipamentos. Nesse estágio, enfatiza-se o uso da tecnologia como meio de
construção do conhecimento no qual não apenas o professor mas também os alunos
podem produzir o material didático a ser utilizado em sala de aula.
No século XXI, no entanto, não basta o professor ter a competência de
integrar as novas tecnologias à sua prática de ensino. Estudiosos como Perrenoud
(2000), compreendem que a globalização, acompanhada pela revolução tecnológica
e pela agilidade nos processos de comunicação, alavancou a necessidade de os
profissionais de diversos campos buscarem qualificação, com vistas à ampliação
dessa e de outras competências laborais.
Perrenoud (2000, p. 126) sugere a realização de atividades que se sustentem
nos quatro eixos relacionados abaixo, a fim de subsidiar um ensino de qualidade
mediado pelas TIC, ei-los:
Utilizar editores de textos.
Explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos
objetivos do ensino.
Comunicar-se a distância por meio da telemática.
Utilizar ferramentas multimídia no ensino.
Na concepção do estudioso, o desenvolvimento de ações associadas a esses
eixos permitem “matar dois coelhos com uma só cajadada”: aumentar a eficácia do
ensino e familiarizar os alunos com novas ferramentas informáticas do trabalho
intelectual. Ele acrescenta ainda que “a legitimidade e a prioridade concedidas a
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este último objetivo dependerão dos debates em andamento sobre a formação dos
alunos e o desenvolvimento de competências desde a escola de ensino
fundamental” (PERRENOUD, 2000, p. 129).
Metodologia da pesquisa
Este estudo situa-se no âmbito da Linguística Aplicada (doravante LA), campo
de estudos que rompe fronteiras de natureza teórica, desenvolvendo-se tanto no
contexto de ensino-aprendizagem de línguas (estrangeira e também materna)
quanto em quaisquer outros contextos onde surjam questões relativas ao uso da
linguagem. Devido a isso, configura-se uma área fecunda e responsável pela
emergência de novos campos de investigação interdisciplinar3, contribuindo “[...]
para o desenvolvimento de teorias linguísticas ou de teorias em outras áreas de
investigação” (CAVALCANTI, 1986, p.7).
Moita Lopes (2006, p. 14) acredita que a LA preocupa-se em “[...] criar
inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel
central”, focalizando problemas com relevância social suficiente para exigir
respostas teóricas que tragam benefícios sociais a seus participantes. Pensar a LA
sob esse ponto de vista é levar em conta o compromisso dos pesquisadores que se
dizem linguistas aplicados com a sociedade (LEFFA, 2001), buscando a resolução de
tais problemas.
No Brasil, conforme aponta Menezes et al. (2009), as áreas de interesse mais
comuns da LA são a Análise do Discurso, a Metodologia de ensino de línguas
estrangeiras e a Formação de professores. Contudo, é válido sinalizar a crescente
expansão de outros temas de pesquisa em LA como a tecnologia educacional. Nesse
sentido, entendemos que a questão referente à utilização do ambiente virtual de
aprendizagem Moodle como locus de aprendizagem colaborativa no processo de
formação de professores configura-se uma discussão social e teoricamente
relevante.
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Além do hibridismo teórico, decorrente da necessidade de explorar variados
objetos de estudo com base em diferentes perspectivas de análise, alguns
linguistas aplicados sugerem também a adoção de uma abordagem metodológica
mestiça (MOITA LOPES, 2004), contemplando, assim, a “[...] complexidade, a
discursividade e visões socioconstrucionistas” (MOITA LOPES, 2004, p. 164).
Nunan (1992) afirma que o propósito da pesquisa quali-quantitativa condiz
com o objetivo tradicional da triangulação, ou seja, validar conclusões a partir de
dados convergentes, gerados através de métodos distintos. Além disso, ele aponta
que a pesquisa mista é amplamente utilizada para examinar questões inseridas em
contextos sociais ou educacionais complexos, tal como é o que apresentamos neste
estudo.
Esta investigação, ao nosso entender, adota a abordagem quali-quantitativa
de pesquisa, uma vez que, além de analisamos dados quantitativos delineados em
gráficos, para melhor visualização do corpus, também lançamos mão de técnicas
etnográfico-virtuais para analisar os dados.
Hine (2000), pioneira nessa área, sugere a prática da Etnografia virtual (ou
ainda netnografia, etnografia por meio da internet, etnografia conectiva,
etnografia da rede, etnografia digital e ciberetnografia), sustentada em duas
perspectivas complementares: a internet como cultura e como artefato cultural.
Conforme explica a pesquisadora, a principal distinção entre as pesquisas
etnográficas tradicional e virtual diz respeito à relação espaço-temporal. Se antes
o pesquisador situava-se, presencialmente, no espaço e no tempo de uma
comunidade específica para descrever sua cultura, na netnografia4 isso não ocorre,
pois o “campo” perde suas características físicas, tornando-se um texto na tela do
computador.
No que diz respeito ao contexto, esta pesquisa foi realizada no campo da
formação inicial e continuada de professores, tendo como cenário um curso de
extensão intitulado Letramentos e tecnologias: ensino de língua portuguesa e
demandas da cibercultura, inserido na modalidade semipresencial de ensino.
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Colaboraram com a investigação 38 (trinta e oito) professores, sendo 28 (vinte e
oito) em formação continuada, 06 (seis) em formação inicial e 04 (quatro) em
formação inicial, atuando como tutores do curso supracitado.
O corpus, composto por verbalizações dos professores colaboradores, foi
gerado através de quatro instrumentos de pesquisa, a saber, questionário
semiestruturado on line, perfil, blogs e chat.A variedade de instrumentos
empregados justifica-se pelo procedimento selecionado para a análise dos dados, a
triangulação, que consiste no “[...] uso de diferentes tipos de corpus, a partir da
mesma situação-alvo de pesquisa, com diferentes métodos, e uma variedade de
instrumentos de pesquisa” (CANÇADO, 1994, p. 57).
Análise dos dados e implicações do estudo
Tanto a geração dos dados quanto a análise do corpus desenvolveu-se em três
momentos específicos: antes, durante e após a realização do curso de extensão. Na
primeira fase, investigamos quais as práticas de letramento digital dos professores
colaboradores antes do início efetivo da ação formativa e realizamos um
levantamento das políticas públicas de letramento digital no Brasil.
No segundo momento, planejamos e ministramos um curso de extensão, que
partiu das necessidades que os docentes declararam posssuir ao responder ao
questionário.
Por fim, observamos que mudanças foram verificadas nas práticas de
letramento digital dos colaboradores e, consequemente, que transformações
podem ser indicadas, na prática dos professores-alunos, após a participação no
curso.
1º momento: antes
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Conforme salientamos anteriormente, a primeira parte da pesquisa destinou-
se ao mapeamento das práticas de letramento digital dos professores em formação,
com base nas 30 (trinta) questões que compõem uma das dimensões do
questionário semiestruturado on-line, que dizem respeito ao uso do computador e
ao acesso à internet.
A fim de clarificar informações que não foram evidenciadas satisfatoriamente
nas respostas geradas pelo questionário, recorremos também aos autorretratos (ou
perfis). É válido sinalizar que ambos os instrumentos de pesquisa foram utilizados
antes do início efetivo do curso de extensão. Portanto, os usos e práticas aqui
descritas correspondem a um momento anterior à ação formativa.
Uma primeira informação a ser levada em conta, obtida pelo instrumento,
permite-nos afirmar que 100% dos nossos colaboradores sabem usar o computador.
Todos eles declaram possuir a máquina em casa bem como acesso à internet banda
larga.
No que diz respeito ao que eles costumam fazer em ambiente virtual,
construímos o gráfico 01 para melhor visualização dos dados. Conforme pode ser
verificado abaixo, dividimos os colaboradores em três categorias distintas:
professores em formação continuada, professores em formação inicial e professores
em formação inicial atuando como tutores do curso.
As práticas de letramento digital mais recorrentes no cotidiano dos
professores em formação continuada são enviar e receber e-mails (100%), consultar
e pesquisar (92%), acessar a internet ou navegar por diversos sites (85%), preparar
aulas (78%) e escrever trabalhos acadêmicos (67%).
Seguindo a mesma tendência, os professores em formação inicial e os tutores,
também afirmam praticar a leitura e a escrita, em ambiente virtual, quando
enviam e recebem e-mails (100%), consultam e pesquisam (100%) e quando
navegam por diversos sites ou acessam a internet (100%), principalmente.
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Gráfico 01 – Práticas de letramento digital dos colaboradores da pesquisa
Fonte: Acervo da pesquisa
Todavia, parte considerável dos professores em formação inicial e dos
professores em formação inicial que atuaram como tutores do curso de extensão
realizam práticas mais sofisticadas que os professores em formação continuada.
Além disso, enfrentam menos dificuldades na interação com a máquina que os
demais colaboradores, conforme podemos verificar no trecho do chat disposto a
seguir:
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15:14 Beatriz Ribeiro: pois é, vale a pena manter os blogs! 15:15 Rita Ramalho: Vou melhorar o meu, pois acho que não está com boa aparencia. [...] 15:19 Beatriz Ribeiro: pois é... o blogger tá com muitas ferramentas novas q não havia 'no meu tempo' kkkkkk [...] 15:19 Beatriz Ribeiro: foi bom pra me atualizar! [...] 15:18 Helena Lourenço: Senti mas dificuldades na criação do blog. Usar o computador é minha maior dificuldade[...] 15:20 Sabrina Tinoco: Responder o questionário, assistir aos videos, criar perfil e conta no google foram atividades relativamente fáceis, mas para criar o blog e saber os passos para chegar até a escrita colaborativa tive difilculdade. 15:23 Diana Moura: A meu ver, a criação do blog foi a tarefa que senti mais dificuldade; porém a culpa foi minha porque quis fazer sozinha sem assistir
o tutorial, perdi um pouco mais de tempo...
Os trechos acima dispostos, gerados no chat realizado junto aos docentes,
revelam que as professoras em formação continuada Rita, Helena, Sabrina e Diana
enfrentaram dificuldades na produção do gênero blog, por exemplo. Por outro
lado, Beatriz, professora em formação inicial, demonstra já conhecer os
procedimentos para a criação de uma página de blog e afirma que rememorar como
se cria um blog é interessante no sentido de que permite que os indivíduos se
capacitem no tocante à diversidade de ferramentas que são disponibilizadas a cada
atualização das páginas de blog.
Apesar de todos os professores possuírem computador e acesso à internet em
suas residências e declararem saber utilizar essas ferramentas, interessa ressaltar
que, em um universo de 28 (vinte e oito) docentes, apenas 06 (seis) afirmam
utilizar a sala ambiente de informática comferquência (21%), fato que nos causa
estranhamento, uma vez que 25 (vinte e cinco) desses professores tem laboratórios
de informática implantados pelo ProInfo na escola em que lecionam.
Diante de tais informações, questionamos os nossos colaboradores, tanto em
formação inicial e continuada quanto os tutores do curso, se eles já haviam
participado de algum curso de formação para o uso da tecnologia enquanto
ferramenta pedagógica. Diante de um quadro geral de 38 (trinta e oito) indivíduos,
apenas 07 (oito) professores em formação continuada e 01 (um) professor em
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formação inicial confirmaram ter participado de um curso dessa natureza. 30
(trinta) professores (78%) nunca participaram, conforme ilustra o gráfico 02.
Gráfico 02 - Participação dos colaboradores da pesquisa em cursos de formação para uso da
tecnologia como ferramenta pedagógica
7
21
1
5
0
4
Sim Não
Participou de algum curso de formação para o uso da tecnologia como ferramenta pedagógica?
Formação continuada Formação inicial Formação inicial (tutores)
Fonte: Acervo da pesquisa
Ao confrontarmos os dois gráficos e, consequemente, as informações que
emergem deles, observamos o seguinte: (i) os professores investigados realizam
práticas de letramento digital em dois contextos, principalmente, no campo
pessoal e acadêmico; (ii) enquanto isso, o campo profissional, ou seja, a escola, é
posta em segundo plano; (iii) esse fato pode ser justificado em razão de o professor
não ter ao seu dispor cursos de formação continuada que o instrumentalize para a
utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação na escola.
Realizando um breve levantamento das políticas públicas de letramento
digital, no âmbito do Ministério da Educação, essa terceira premissa é reforçada,
ao percebermos que, das 12 (doze) ações em desenvolvimento atualmente, apenas
um preocupa-se efetivamente com a formação do professor: o ProInfo Integrado. A
figura abaixo ilustra as ações supracitadas.
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Fonte: Acervo da pesquisa (com informações da página virtual do MEC).
O ProInfo Integrado, preocupa-se com a formação dos professores em
tecnologia educacional. O projeto oferece quatro cursos: Introdução à Educação
Digital (40h), Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC
(100h), Elaboração de projetos (40h) e Especialização de Tecnologias em
Educação (400h).
O primeiro curso é de natureza técnica, pois visa ao manuseio das
ferramentas básicas de um microcomputador; o segundo, oferece subsídios para
que professores e gestores façam uso consciente da tecnologia na sala de aula;
enquanto isso, o terceiro relaciona-se ao desenvolvimento de projetos de ensino;
e, o quarto, direciona-se aos formadores dos projetos TV Escola, Proinfantil e
ProInfo integrado, por exemplo, e não necessariamente para os professores que
estão em sala de aula.
Figura 01 - Políticas públicas educacionais de inclusão digital
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2º momento: durante
Frente à realidade a que fomos expostos no primeiro momento da pesquisa,
na condição de linguistas aplicados, optamos por desenvolver uma pesquisa de
intervenção, com a finalidade de fortalecer os indivíduos que dela participaram.
Conforme exposto inicialmente, esta pesquisa foi realizada no contexto da
formação inicial e continuada de professores, tendo como cenário o curso de
extensão Letramentos e tecnologias: ensino de língua portuguesa e demandas da
cibercultura. Por se tratar de um curso semipresencial, os dados foram gerados em
dois ambientes distintos: o Centro Municipal de Referência em Educação Aluísio
Alves (presencial) e o Moodle® (virtual).
A ação foi idealizada pelo grupo de pesquisa Letramento e Etnografia do
Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
contou com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) e da Secretaria de
Educação à Distância (SEDIS) da instituição de ensino superior supracitada bem
como da Prefeitura do Natal.
O curso foi oferecido na modalidade semipresencial, no período de 24 de maio
a 22 de junho de 2012, tendo como público-alvo os professores de língua
portuguesa da rede pública municipal de ensino de Natal/RN e os graduandos em
Letras – habilitação Língua Portuguesa – da UFRN5. A carga horária do curso foi de
60 horas, distribuídas ao longo de 05 semanas, sendo 12 horas presenciais e 48
horas a distância.
As inscrições foram realizadas através da plataforma Extensão do Sistema
Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA) da UFRN, no período de 09 a
23 de maio de 2012. A procura superou a demanda, resultando em 84 solicitações
de inscrição. Por uma questão de insuficiência de espaço físico, confirmamos
apenas 50 inscrições, condizente ao número de vagas previstas. A seleção dos
inscritos seguiu a ordem de inscrição bem como sua vinculação ao curso de Letras
da UFRN ou ao magistério público, tanto municipal quanto estadual. Importante
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salientar que o alto índice de interessados vem a confirmar a necessidade e
relevância do curso.
Com relação aos conteúdos, o curso dividiu-se em dois momentos: teórico e
prático. No primeiro, discutimos os novos letramentos e as novas demandas que
desaguam no letramento digital; estabelecemos relações entre o computador, a
internet e o ensino de língua materna; traçamos um histórico da escrita, desde os
primórdios (papiro) até os dias atuais (tela do computador, do tablet e do celular);
e definimos hipertexto, hipermídia e gênero digital. No segundo momento,
refletimos sobre as ferramentas pedagógicas disponíveis na Web, tais como a
plataforma Google Docs®, as Redes sociais e os Blogs, criando e sugerindo
estratégias didáticas para a sua utilização em sala de aula.
A equipe era formada pela coordenadora do curso, a Profa. Dra. Maria do
Socorro Oliveira, pela ministrante do curso e pesquisadora, Profa. Mstda. Louize
Lidiane Lima de Moura Câmara e por quatro tutores, todos graduandos em Letras e
bolsistas do grupo de pesquisa Letramento e Etnografia.
O curso Letramentos e tecnologias: ensino de língua portuguesa e demandas
da cibercultura objetivou (i) discutir os novos letramentos, precisamente, o
letramento digital bem como os impactos da cibercultura na sala de aula de Língua
Portuguesa; (ii) apresentar os conceitos de hipertexto e hipermídia; (iii)
caracterizar a evolução do livro: do papiro ao e-book (livro digital); (iv) discorrer
sobre a questão dos gêneros digitais; (v) dialogar sobre algumas ferramentas
pedagógicas digitais disponíveis em rede e os procedimentos para elaboração de
atividades utilizando esses recursos.
Metodologicamente, o curso efetivou-se a partir de aulas expositivo-
dialogadas, aulas a distância, oficinas para produção de ferramentas pedagógicas
digitais e elaboração de atividades individuais e/ou em grupo. A avaliação
configurou-se processual e o recebimento dos certificados teve como pré-requisito
a participação dos professores em, pelo menos, 75% das atividades presenciais e a
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distância. Em razão dessa norma, 31 professores, em formação inicial e
continuada, concluíram o curso.
3º momento: depois
Esta subseção contempla o terceiro momento de análise da pesquisa e
objetiva apresentar as contribuições do processo formativo, viabilizado pelo curso
de extensão Letramentos e tecnologias: ensino de língua portuguesa e demandas
da cibercultura, para a prática dos professores da rede pública de ensino e para a
futura prática dos alunos do curso de Letras da UFRN. Neste item, fica evidente
também a ampliação das práticas de letramentos digitais dos professores, que,
antes do curso, concentravam-se nas esferas pessoal e acadêmica de suas vidas.
No cerne da reflexão sobre a utilização das tecnologias digitais,
especificamente, o computador e internet, como ferramentas pedagógicas, os
professores em formação destacam algumas características dessas tecnologias que
justificam o seu uso em sala de aula.
[...] 15:26 Formadora: Com o fim do curso, na opinião de vocês, que características do computador e da internet justificam seu uso como ferramenta pedagógica? [...] 15:27 Beatriz Ribeiro: a interação em tempo real da internet é mto bom pra construção das ideias
[...] 15:28 Gabriela Amorim: A interatividade, eliminação de barreiras etc [...] 15:28 Clara Fernandes: Acredito que aproxima mais a linguagem do jovem e permite novas possibilidades de criação e interação. [...] 15:28 Ana Oliveira: a praticidade e a interação a tempo real, o acesso a um gama de saberes. [...] 15:28 Gabriela Amorim: A ideia do blog e do Google Docs é muito interessante dentro e fora de sala de aula [...] 15:29 Beatriz Ribeiro: a ideia da atividade colaborativa é ótima mesmo! [...]
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15:30 Formadora: E no final você sabe quem escreveu cada partezinha daquele texto 15:30 Beatriz Ribeiro: é mais ou menos a produção de texto coletivo em sala de aula né?! 15:30 Formadora: Vê onde cada um contribuiu [...] 15:30 Beatriz Ribeiro: agora temos um aliado p isso: o google docs [...]
O excerto disposto acima revela que os professores pretendem investir na
utilização de ferramentas tecnológicas, no campo pedagógico, por que permitem a
interação em tempo real, a eliminação de barreiras, o trabalho em rede e
aproximam-se da realidade dos alunos. A valorização dessas atividades demonstra
também que os professores utilizarão as TIC com propósitos bem definidos e não
apenas para reproduzir conteúdos já cristalizados pela prática tradicional, a
exemplo da apresentação dos conteúdos utilizando o projetor digital de imagens
em detrimento do uso do quadro-negro.
Com relação à produção escrita, propriamente dita, a utilização de recursos
digitais permite que o professor valorize o seu aluno como produtor de textos que
serão lidos por outros membros da sociedade e não apenas como receptor de textos
alheios. No caso do curso de extensão, isso é evidenciado pela utilização do Google
Docs® que, além de permitir que o texto seja construído por vários membros, em
tempo real, possibilita que o professor observe quem contribuiu com o texto e a
que horas, além de ter acesso às múltiplas versões produzidas pelo grupo.
Os professores Catarina Ferreira e Rafael Pedroza, inclusive, passaram a
utilizar atividades produzidas no Google Docs® para interagir com os seus alunos,
através dos blogs criados ao longo do curso de extensão. As figuras dispostas abaixo
demonstram as tarefas criadas por cada um dos deles utilizando a ferramenta.
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Figura 02 – Produção textual articulada pela professora Catarina
Fonte: Acervo da pesquisa
Figura 03 – Atividade produzida pelo professor Rafael no editor de planilhas do Google docs®
Fonte: Acervo da pesquisa
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Essas sugestões de atividades mostram uma mudança brusca na postura dos
professores com relação às atividades desenvolvidas por eles com seus alunos,
utilizando dispositivos digitais. Na primeira parte da análise, questionamos que
usos os professores costumavam fazer do computador e da internet com os seus
alunos, e as respostas inclinaram-se à práticas como a realização de pesquisas em
sites de busca, a digitação de textos, a leitura de obras e o acesso dos alunos a
sites de jogos.
Atividades como essas, tradicionais ou que visavam ao entretenimento dos
alunos, foram substituídas por atividades que implicam a construção do
conhecimento em rede. Observamos que houve um salto de qualidade viabilizado
pelas ações curso. Se antes as atividades eram planejadas para distrair os alunos,
passaram a ser depois utilizadas para consolidar professores e alunos como agentes
de mudança.
Considerações finais
O objetivo desta pesquisa foi identificar quais as práticas de professores em
formação. Os dados aqui apresentados e discutidos permitem que observemos que
a ação de extensão empreendeu mudanças nas concepções dos professores sobre o
uso do computador na escola bem como a ampliação de suas práticas de
letramento digital em outros contextos, como o profissional.
Observamos que os professores, inclusive, passaram a empreender atividades
virtuais, interativas e colaborativas junto a seus alunos, ao invés de utilizar a
tecnologia tão somente para a cristalização de uma prática tradicional. Nesse
sentido, pode-se afirmar que esse grupo de professores alunos atingiu o paradigma
da transformação.
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1 Louize Lidiane Lima de MOURA CÂMARA, mestranda
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL) E-mail: [email protected] 2 O trabalho de mestrado a que nos referimos é intitulado Letramento digital e formação docente: estudo etnográfico sobre o
uso do computador na cibercultura e está vinculado ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sob orientação da Profa. Dra. Maria do Socorro Oliveira (DLET/PPgEL/UFRN). 4 O termo “netnografia” é utilizado, por alguns estudiosos, como sinônimo de “etnografia virtual” e diz respeito à etnografia
utilizada para investigar comunidades on-line (KOZINETS, 1997).
5 O curso de extensão Letramentos e tecnologias: ensino de língua portuguesa e demandas da cibercultura constituiu também
uma das ações previstas pelo projeto Cruzando velhos com novos letramentos: ler e escrever dentro e fora da escola, Edital Nº 08/2011-PROGRAD/UFRN - Programa de Apoio à Melhoria Qualidade do Ensino de Graduação na UFRN (PAMQEG 2012). Assim, uma parcela das vagas abertas pelo curso foi oferecida a alunos do curso de graduação em Letras – habilitação língua portuguesa.