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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA Bolsista: Darlan Rodrigo Sbrana Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL São Luís MA 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Bolsista: Darlan Rodrigo Sbrana

Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior

LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO

NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

São Luís – MA

2012

2

____________________________________________

Darlan Rodrigo Sbrana

____________________________________________

Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior

LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO

NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Relatório apresentado ao Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação

Científica – PIBIC, na Universidade

Federal do Maranhão.

São Luís – MA

2012

3

RESUMO

Este trabalho apresenta os resultados obtidos com a pesquisa sobre os conflitos

socioambientais existentes entre grandes empreendimentos e grupos sociais por eles

atingidos no estado do Maranhão. São apresentadas, em um primeiro momento,

considerações referentes às noticias veiculadas pela imprensa, bem como o debate em

audiências públicas. Em um segundo momento, são considerações sobre atuação e o

funcionamento do Ministério Público Federal em situações de conflitos, bem como a

exposição de dados dos Inquéritos Civis atualmente em andamento.

Palavras-chave: Conflitos Ambientais. Imprensa. Ministério Público Federal.

4

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................05

2 OBJETIVOS...............................................................................................................09

2.1 Objetivo Geral...........................................................................................................09

2.2 Objetivos Específicos................................................................................................09

3 METODOLOGIA.......................................................................................................10

4 PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS………………………………................11

5 RESULTADOS...........................................................................................................12

6 CONCLUSÕES...........................................................................................................22

REFERÊNCIAS.............................................................................................................24

5

1 INTRODUÇÃO

Este projeto, desenvolvido a partir do 2º semestre de 2011 e 1º semestre de 2012,

e renovado novamente para 2012, contou com o apoio do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Programa Institucional de

Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

A lógica da industrialização em todos os países que recebem a pecha de

“subdesenvolvido” está marcada pela presença arbitrária do grande capital; pela atuação

do Estado em defesa da grande propriedade privada; pelo convencimento da população

de que o chamado “desenvolvimento” seria fundamental para a superação da pobreza; e

pelo deslocamento compulsório dos povos e grupos sociais tradicionais que ocupam as

áreas flertadas pelos referidos projetos.

No Brasil, tal configuração ganhou forte impulso a partir da primeira metade do

século XX, acompanhando questões de ordem global que foram encetadas com a Crise

Econômica de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. Por um lado, esses acontecimentos

fizeram com que a procura por produtos agropecuários diminuísse consideravelmente,

provocando grandes prejuízos à balança comercial brasileira. Por outro lado, o

encarecimento dos produtos industrializados importados, essenciais para suprir as

necessidades nacionais, forçou o Estado a assumir um caráter intervencionista e, ao

mesmo tempo, o obrigou a elaborar um projeto de fomento à indústria nacional

(DOELLINGER, 2010).

Um bom exemplo de como se iniciou o processo de industrialização nas

chamadas “periferias do capitalismo” está na Missão Técnica Estadunidense, que

visitou o Brasil ainda no correr da Segunda Guerra. Conhecida como Missão Cooke, ela

estava incumbida de elaborar um vasto diagnóstico sobre a situação econômica do país.

Suas conclusões, carregadas de forte conteúdo político, concentraram-se em destacar a

deficiência energética, a carência no setor de transportes e a escassez de matérias-

primas básicas à industrialização. Diante dessa conjuntura, o governo de Getúlio Vargas

elaborou um projeto desenvolvimentista que, financiado em grande parte pelos Estados

Unidos, fomentaria a indústria de base e depois a indústria em geral (TEIXEIRA;

GENTIL, 2010).

6

A partir da década de 1970, sob a égide de uma ditadura militar, a bandeira do

desenvolvimento chegava à Amazônia, tendo como um dos carros-chefes o “Projeto

Grande Carajás”. Destinado a integrar a região à dinâmica econômica do país, tal

projeto visava extrair e comercializar as ricas jazidas de minério de ferro, além do

manganês, do cobre, do níquel, da bauxita, da cassiterita e do ouro da Amazônia

Oriental1. Para tanto, o governo iniciou a instalação da infraestrutura necessária, como

a construção de rodovias e ferrovias; de portos e aeroportos; de usinas hidrelétricas

(SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010).

No Maranhão, situado na área de abrangência do referido projeto, podem ser

elencados uma série de implementos estruturais ligados ao processo de modernização da

região. De acordo com Silva, Ribeiro Junior e Sant‟Ana Júnior (2011), pode-se citar:

Estradas de rodagem cortando todo o território estadual e ligando-o ao

restante do país; a Estrada de Ferro Carajás, ligando a província mineral de

Carajás (sudeste do Pará) ao litoral maranhense; o Complexo Portuário de

São Luís, formado pelos Portos do Itaqui (dirigido pela Empresa Maranhense

de Administração Portuária), da Ponta da Madeira (de propriedade da então

Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale) e da ALUMAR; oito usinas de

processamento de ferro gusa nas margens da Estradas de Ferro Carajás; uma

grande indústria de alumina e alumínio (ALUMAR, subsidiária da ALCOA)

e bases para estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale)

na Ilha do Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro

de Lançamento de Alcântara – CLA); a Termelétrica do Porto do Itaqui (em

construção); projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho, eucalipto)

no sul, sudeste e leste do estado; bem como, mais recentemente, a construção

da Refinaria Premium da Petrobrás e a Usina Hidrelétrica do Estreito.

O espaço físico que recebeu as obras, apesar de ser então considerado pelos

planejadores governamentais como um “grande vazio demográfico” a ser incorporado à

lógica desenvolvimentista, era habitado por povos e grupos tradicionais (SANT‟ANA

JÚNIOR; GASPAR, 2007), o que originou uma situação de conflito ambiental.

Segundo Acselrad (2004, p. 26), este é entendido aqui como:

Aquele que envolve grupos sociais com modos diferenciados de apropriação,

uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos

grupos tem a continuidade de formas sociais de apropriação do meio que

1 A área do projeto é uma das maiores e mais ricas em minerais do mundo, abrangendo terras dos sudeste

do Pará, norte do Tocantins e sudoeste do Maranhão.

7

desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis (…) decorrentes do

exercício das práticas de outros grupos.

No entendimento do Antonio Carlos Diegues, as chamadas populações

tradicionais, em geral, vivem em relativo isolamento, são analfabetas2, possuem pouco

poder político e não costumam ter títulos de propriedade da terra3, por isso são

facilmente desapropriadas sem que sejam realmente compensadas pela expropriação do

espaço que habitavam há gerações (DIEGUES, 2001).

No Maranhão, de certa forma, as comunidades tradicionais enfrentam a mesma

história de usurpação de direitos4 e de desmantelamento dos povoados em benefício dos

grandes empreendimentos capitalistas.

Em 2004, quando se travava a discussão a respeito da criação do Pólo

Siderúrgico de São Luís, uma deputada, discursando na tribuna da Assembléia

Legislativa do Estado do Maranhão, enfatizava que a instalação da Companhia Vale do

Rio Doce (atual Vale)5 havia provocado o desaparecimento de inúmeras comunidades,

como Boqueirão, Retorno, Irinema, Conceição, Vila Santo Antônio, que hoje jazem

apenas na lembrança dos antigos moradores.6

Naquele mesmo ano, o acesso ao mercado imobiliário em São Luís era permitido

a uma pequena parcela de aproximadamente 10% da população7, o que de certa forma

indica o risco de marginalização que se apresentava às comunidades que habitam

território entre o Porto do Itaqui e o Rio dos Cachorros, que seriam deslocadas mais

2 Entre os moradores da Reserva do Taim, 8% não têm escolaridade; 9% possuem apenas a escolaridade

infantil; 8% completaram apenas o ensino fundamental; e 40% tem o fundamental incompleto. Os dados

estão no Laudo sócio-econômico e biológico para criação da Reserva Extrativista do Taim. 3 Laís Mourão Sá (2007) expõe os termos “terra de santa” e “terra de dono”, referentes à organização

histórica da propriedade de terras no Maranhão, sendo, originada ou do latifúndio tradicional ou das

ordens religiosas. 4 Dois exemplos marcantes são a “lei de terras” de 1969, que colocou à venda as terras devolutas, em

grande parte, ocupadas pelos camponeses; e, mais recentemente, em 2004, o projeto de mudança da “Lei

de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís”, que pretendia considerar como

área industrial todo território almejado para a construção do pólo siderúrgico (SANT‟ANA JÚNIOR;

GASPAR, 2007; SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010). 5 1976 é o ano do Decreto nº 77.608 que outorgou a Vale a concessão para construção, uso e exploração

da estrada de ferro entre Carajás, província mineral localizada no sudoeste do Pará e São Luís, capital do

Maranhão (SILVA; RIBEIRO JUNIOR; SANT‟ANA JÚNIOR, 2011). 6 Discurso pronunciado, no dia 09 de junho de 2004 , na tribuna da Assembleia Legislativa do Estado do

Maranhão, pela deputada Helena Barros Heluy (PT). Acessível na página eletrônica da Assembleia

Legislativa: http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=567. 7 Revista Caros Amigos, numero 158; p. 13. Entrevista com Ermínia Maricato, urbanista ex-Secretária

Executiva do Ministério das Cidades; atuou na coordenação técnica da Política Nacional de

Desenvolvimento Urbano, entre 2002 e 2005.

8

uma vez em nome do desenvolvimento. O polo siderúrgico deveria ocupar inicialmente

a área de 2.471,71 hectares. Para concretizar sua instalação, deveriam ser deslocados

cerca de 14.500 habitantes, estabelecidos em doze povoados: Vila Maranhão, Cajueiro,

Rio dos Cachorros, Taim, Porto Grande, Limoeiro, Anandiba, São Benedito, Vila

Conceição, Parnauaçu Madureira e Camboa dos Frades.

Um observador desse processo histórico, iniciado no Maranhão a partir da

década de 1970 e ainda hoje inacabado, quando a imprensa começou a divulgar a

implantação do Polo Siderúrgico de São Luís, talvez calculasse que os citados povoados

estivessem próximos de se extinguirem. Contudo, a partir daquele momento aumentou a

resistência e a organização contra tal empreendimento. O projeto esbarrou em forte

oposição por parte de povos e grupos sociais tradicionais, apoiados também por

ambientalistas e por movimentos sociais.

O grito de resistência dos povoados camponeses começou a ecoar nos veículos

de comunicação e no debates políticos e acadêmicos – ambientes especificamente

urbanos. Mesmo que predominantemente a favor do polo siderúrgico, a imprensa

daquele período, as redes sociais e os arquivos da Assembleia Legislativa dão conta da

organização das comunidades tradicionais, tendo como maior resultado o processo de

implementação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, que inicialmente abrangia as

comunidades de Parnauaçu, Cajueiro, Porto Grande, Vila Maranhão, Limoeiro, Rio dos

Cahorros e Taim (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010).

9

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

O presente trabalho tem como objetivo geral a identificação e a análise dos

conflitos socioambientais no Maranhão, decorrentes dos projetos desenvolvimentistas

instalados no estado no correr da década de 1970 e seus desdobramentos na atualidade.

2.2 Objetivos específicos

Considerando os conflitos socioambientais atualmente existentes entre grandes

empreendimentos e grupos sociais por eles atingidos no Maranhão, esta pesquisa visa

buscar elementos para a análise dos conflitos socioambientais, apreciando o conjunto

dos sujeitos envolvidos e tendo como objetivos específicos:

Aprofundar estudos teóricos sobre: modelos e projetos de desenvolvimento,

questões socioambientais, conflitos, populações tradicionais, legislação

ambiental;

Participar da alimentação permanente do banco de dados do GEDMMA

referente aos conflitos socioambientais no Maranhão;

Acompanhar e registrar informações sobre conflitos socioambientais no

Ministério Público Federal, na Promotoria de Minorias e Meio Ambiente.

10

3 METODOLOGIA

Revisão bibliográfica;

Participação das reuniões do Grupo de Estudos;

Levantamento de informações sobre conflitos socioambientais no Ministério

Público Federal, na Promotoria de Minorias e Meio Ambiente;

Sistematização das informações levantadas e alimentação do banco de dados do

GEDMMA.

11

4 PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS

A operacionalização da pesquisa sobre os conflitos socioambientais no

Maranhão a partir da década de 1970 e seus desdobramentos na atualidade exigiu

constante revisão bibliográfica, com a finalidade de alcançar o nivelamento teórico do

grupo GEDMMA. O grupo reúne-se semanalmente com o objetivo de aprofundar os

estudos teóricos sobre: modelos e projetos de desenvolvimento, questões

socioambientais, conflitos, populações tradicionais, legislação ambiental. Nas reuniões

também são debatidos clássicos das Ciências Sociais e estudos que remetem a

metodologia sociológica e antropológica, fundamentais para propiciar um

direcionamento nos trabalhos.

Outro elemento da pesquisa está fundamentado na organização e análise de

dados quantitativos referentes aos conflitos socioambientais, às estratégias de luta dos

agentes envolvidos e aos mediadores dos conflitos, sejam eles ambientalistas, grupos

sociais, funcionários públicos, políticos, instituições religiosas, imprensa e cidadãos

comuns. Tais dados, por um lado, estão relacionados às notícias de jornais, revistas e

mídia eletrônica, e são coletados e organizados no banco de dados do GEDMMA de

acordo com o tipo de conflito socioambiental que dizem respeito, podendo ser conflitos

por território, por externalidades ou ambos.

Por outro lado, a pesquisa também visa reunir dados advindos dos Inquéritos

Civis (IC) movidos pelo Ministério Público Federal (MPF). Neste caso, fez-se

necessário entender o funcionamento desta instituição e dos procedimentos necessários

para instaurar um IC, bem como efetuar reuniões periódicas, tanto no intuído de

acompanhar questões relativas aos conflitos socioambientais no Maranhão, quanto para

ter alcance aos documentos que serviriam de fontes para a pesquisa.

12

5 RESULTADOS

Os debates sobre a implantação do Polo Siderúrgico de São Luís (MA) deixaram

registrado (seja na mídia eletrônica, na imprensa escrita, no debate político, nas ações

do Ministério Público, nas leis e nas tentativas de alterá-las, e, enfim, na memória

coletiva dos povos e grupos tradicionais) grande volume de informações referentes à

organização e a resistência das comunidades tradicionais, bem como a atuação dos

grandes empreendimentos capitalistas no decorrer dos conflitos socioambientais

causados pelo desdobramento do “Projeto Grande Carajás”. Pelas informações de

veiculadas desde 2001, quando começaram a divulgar a escolha da cidade de São Luís

(MA) como futura sede do polo siderúrgico (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010),

podem-se fazer constatações preliminares.

As fontes estudadas apontam, de início, que os setores interessados na

implementação do Polo Siderúrgico começaram a se organizar, a estabelecer contatos e

a reunir forças em prol da realização do projeto. Nesse sentido, em 2003, foi realizada

uma palestra organizada8 pelo Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado

do Maranhão (Sincopem), que convidou o gerente9 da Indústria, Comércio e Turismo,

Danilo Furtado, para discutir a execução dos trabalhos de terraplanagem do Polo

Siderúrgico. A reunião ocorreu no edifício da Federação das Indústrias do Estado do

Maranhão (FIEMA). Tudo indica que houve um número elevado de reuniões como

essa, já que, em apenas dois meses depois, a palestra se repetiria, desta vez a convite do

Sindicado da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-MA)10

.

Na continuidade do processo, enquanto o então prefeito de São Luís (MA),

Tadeu Palácio, justificava, em 2004, o projeto de reformulação da Lei Zoneamento,

Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano do Município de São Luís – MA

(1992)11

, afirmando que a área teria uma “vocação natural nitidamente industrial”

(SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010), os veículos de informação começavam a

divulgar notícias favoráveis a implantação do Polo. Representantes do governo e dos

grandes empreendimentos, sempre munidos pela ajuda de técnicos do setor industrial,

8 http://www.genteenegocios.com.br/2003/09-11-2003/gente.htm

9 Equivalente a secretário estadual, naquele período.

10 http://www.genteenegocios.com.br/2004/25-01-2004/gente.htm

11 Já abordada neste trabalho, a referida lei impedia a construção do Polo Siderúrgico já que considerava

como Zona Rural a área almejada para sua implantação. O projeto de reformulação da lei pretendia

transformar a mesma área em Zona Industrial.

13

destacavam o número de empregos, o desenvolvimento econômico, a superação dos

atrasos sociais e a melhoria da qualidade de vida que seriam propiciados pelo

empreendimento.

A ideia de “progresso” e de “superação dos atrasos” fica evidente em frases de

efeito que eram veiculadas juntamente com os dados de perspectiva econômica

previstos com a instalação do Polo Siderúrgico. O então governador, José Reinaldo

Tavares, afirmava no jornal “O Estado do Maranhão” que “A implantação do polo

siderúrgico será um importante fator de desenvolvimento regional que vai mudar o

perfil industrial do nosso estado”12

. O então presidente da Federação das Indústrias do

Estado do Maranhão (Fiema), Jorge Machado Mendes, em uma matéria intitulada de

“Maranhão terá Polo Siderúrgico”, ia mais longe e considerava que “com a construção

da siderúrgica em São Luís, daremos um grande salto para nos firmarmos no cenário

nacional”13

. Opondo o projeto que traria o “desenvolvimento” para São Luís ao “atraso”

vinculado aos povoados que habitavam o território, o concessionário local da rede de

TV SBT e, atualmente, Senador da República pelo Maranhão, Edinho Lobão, afirmava

que não se podia “perder um projeto de onze bilhões de dólares por causa de meia dúzia

de casas de taipa” (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010).

Por essa época, a imprensa começava a divulgar cursos de preparação

profissional para as áreas de engenharia, construção civil, mecânica, metalúrgica,

eletroeletrônica e gestão e controle. A proposta seria capacitar mão de obra maranhense

para a realização do projeto. Em setembro de 2004, o “Jornal Pequeno” anunciava a

primeira iniciativa do município de São Luís em capacitar trabalhadores locais tendo em

vista a implantação do Polo Siderúrgico. Em parceria com Serviço Nacional da

Indústria (Senai), deu início ao curso de Eletricista Predial-Industrial, ministrado a 15

voluntários14

.

O número de 15 escolhidos ainda estaria um pouco longe da promessa feita

cinco dias depois pelo governo do Estado, e veiculada no mesmo jornal. Em iniciativa

conjunta com Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale), prefeitura de São Luís,

instituições de ensino de nível médio e superior, entidades de classe da indústria e

comércio, ONGs e empresas, o então governador José Reinaldo Tavares lançou o Plano

12

http://www.portosma.com.br/syngamar/noticias.php 13

http://www.senai.br/br/home/noticiadetalhe.aspx?id=641 14

http://www.jornalpequeno.com.br/2004/9/16/Pagina5102.htm

14

Estadual de Capacitação de Recursos Humanos para o Distrito Siderúrgico de São Luís,

que teria o objetivo de capacitar 15 mil profissionais maranhenses para atender a

demanda a ser gerada com a implantação do Polo Siderúrgico15

, que, curiosamente,

também demandava que número parecido de habitantes – cerca de 14,5 mil – fosse

deslocado de suas terras para a concretização do projeto.

Parte da estratégia dos representantes do Estado e do grande capital era apontar

que o projeto seria a solução para livrar o Maranhão da condição de um dos estados

mais pobres, com um dos piores IDH do Brasil16

. E os números lançados pelos grandes

empreendimentos eram altos. No jornal “O Estado do Maranhão”, anunciavam 50 mil

empregos diretos. A balança comercial maranhense teria um incremento de 83% nos

primeiros anos. A produção anual do polo siderúrgico significaria um incremento de

US$ 650 milhões para o estado17

. Por isso, os problemas sociais que poderiam ser

engendrados com o deslocamento dos povoados, inicialmente passaram despercebidos

diante da perspectiva de crescimento econômico anunciada com a criação do Polo

Siderúrgico de São Luís.

Porém, a resistência dos povoados pertencentes à área pretendida para instalação

do projeto, começou a fazer-se sentir. A imprensa registrava os eventos ocorridos

naquele período – como em Audiências Públicas, em discursos na Assembléia

Legislativa, em manifestações sociais – com títulos bem sugestivos, tais como

“Lideranças de Porto Grande rejeitam polo siderúrgico”, “„Rio dos Cachorros‟ resiste ao

Polo Siderúrgico” e “Comunidade do Taim rejeita Polo Siderúrgico”18

. A análise destes

registros nos permite fazer algumas considerações sobre a relação que os representantes

do grande capital e o Estado mantinham com os povoados tradicionais, bem como a

forma que estes organizavam para resistir à implantação do referido Polo.

Emília Pereira, moradora de Porto Grande, demonstrando preocupação com a

implantação do projeto advertia:

Eles deveriam era criar projetos, empregos que tivessem renda para a pobreza

que temos aqui. Eu sou contra o polo porque não vai beneficiar as nossas

15

http://www.jornalpequeno.com.br/2004/9/21/Pagina5317.htm 16

Atualmente o Maranhão, com IDH igual a 0,683, só fica a frente de Alagoas (0,677). 17

http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/03/311298.shtml 18

Respectivamente em: http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm;

http://www.riosvivos.org.br/Noticia/+Rio+dos+Cachorros++resiste+ao+Polo+Siderurgico/7521;

http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018.

15

famílias. Vai é acabar. A atividade que tem aqui é pescador, lavrador. Não

tem uma estrutura formada para ir para outro lugar, mesmo que tenha uma

indenização (Jornal Pequeno, 2006, Edição 21.799).

A preocupação com o deslocamento do território fica bem evidente no

depoimento da senhora Flor de Liz Santana, de 70 anos, hoje moradora do Taim. Ela foi

remanejada para Vila Sarney nos anos 1980. O marido utilizou parte da indenização

para comprar um carro. Porém, como não sabiam dirigir, contrataram um motorista.

Com o tempo o carro estragou, o dinheiro acabou e eles tiveram que se mudar para o

Taim, onde foram acolhidos pelos moradores. Hoje viúva, dona Flor lamenta a aventura

e não recomenda a indenização para ninguém. “Cada qual pegou uma mixaria, não deu

para enriquecer, não deu para hoje em dia ter nada de lá”19

.

Sant‟Ana Júnior e Silva (2010, p.166), analisando o mesmo relato, apontam que

as recordações daquela senhora remetem, por um lado, à insuficiência da indenização e

à inabilidade para lidar com dinheiro em um local com características e necessidades

diferentes das que a família estava acostumada a enfrentar; e, por outro lado, deixam

evidente que “a experiência de deslocamento dos povoados vizinhos ajudou no processo

de resistência ao empreendimento, pois, em geral, os deslocados acentuavam a forma

truculenta com que tiveram que deixar seus povoados de origem”.

Truculência e injustiça, ainda hoje, parecem estar associadas à forma com que os

povoados tradicionais veem o processo de instalação dos grandes projetos de

desenvolvimento. Maria Máxima Pires, então com 46 anos, uma das lideranças de Rio

dos Cachorros, em uma entrevista a respeito da instalação do Polo Siderúrgico, criticava

a relação autoritária dos gestores do empreendimento com a comunidade. Ela conta que

em 2004, quando a Vale, a empresa Diagonal e o Governo do Estado iniciaram o

cadastro das famílias e o levantamento de bens, numerando das casas eles “Invadiram as

comunidades, informando que tinham até dezembro para limpar a área. Os idosos e

crianças ficaram apavorados”. Para amenizar o impacto, os técnicos, em outra

estratégica comum relacionada aos grandes projetos de desenvolvimento no Maranhão,

lançavam a promessa de que os moradores teriam prioridade na inscrição para obter

emprego no polo20

.

19

http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018 20

Idem.

16

Sant‟Ana Júnior e Silva (2010), em estudo sobre o povoado de Taim,

apresentam uma característica na relação entre os agentes do Estado e dos grandes

empreendimentos com as populações tradicionais. De acordo com eles:

Enquanto os Governos Municipal, Estadual e Federal e os grandes

investidores veem os territórios como uma oportunidade de bons negócios,

por apresentar uma logística formada pelo Complexo Portuário do Itaqui,

estradas e ferrovia e por sua localização privilegiada, mais próxima dos

centros de comércio norte-americanos e europeus; as populações locais os

veem como o lugar em que “nasceram, cresceram, se criaram”, em que

construíram uma história, em que mantêm relações de vizinhança,

compadrio, amizade, e que lhes é provedor dos meios de sobrevivência

obtidos com o trabalho na terra, no mar e nos rios, cuja mão-de-obra é

mobilizada através de uma imbricada rede de solidariedade.

Esta contrariedade entre as formas de encarar o espaço físico cria duas formas

distintas de reivindicar um mesmo território. Como já vimos, para iniciar a instalação do

Polo Siderúrgico, seus promovedores, sempre apoiados em estatísticas e na autoridade

de especialistas, divulgavam o desenvolvimento econômico e a superação dos atrasos

sociais que seriam propiciados pelo projeto. Já as comunidades tradicionais, para

resistir, ressaltavam seus vínculos com a terra, seus laços afetivos, suas tradições e sua

cultura.

Máxima Pires argumentava, depois de conturbada audiência pública21

, que

“todas as decisões em torno do Polo Siderúrgico estão sendo tomadas sem que levem

em conta nossos laços afetivos”. A moradora do povoado de Rio dos Cachorros era

incisiva ao estabelecer os vínculos com a terra. “Nós chegamos ali antes da Vale do Rio

Doce, (...) não estamos dispostos a perder nossa identidade”, completava22

.

No povoado de Porto Grande, outra moradora, dona Aldenora Cantanhede

Gomes, então com 63 anos, destacava os vínculos com o território ressaltando a cultura

e as tradições. “A cultura aqui é grande. Desde criança saía, as minhas tias botavam

Reis e eu continuei. Eu gosto muito daqui, é o meu lugar”23

.

21

Após Audiência pública realizada no final de maio de 2005, o empresário Edinho Lobão Filho havia

declarado na TV Difusora que os participantes das comunidades tradicionais eram baderneiros. 22

http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=839 23

http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm

17

Em outra entrevista, as adolescentes Carla dos Santos Dias, Deusimar Martins e

Graciela Pires da Silva, ao passar pela trilha que liga Rio dos Cachorros ao Taim

diziam: “Esse caminho lembra muito a nossa infância, as brincadeiras e as lendas da

nossa cultura”. Elas passavam pela gruta de pedra erguida no meio da mata onde a

população celebra “Nossa Senhora da Conceição”, uma das tradições festivas do

calendário religioso da zona rural de São Luís24

.

Os “caminhos da infância”, as “lendas” e as “tradições culturais” ajudavam que

os povoados tradicionais estabelecessem uma memória coletiva a respeito das origens

do território, reforçando ainda mais os laços afetivos e a solidariedade do grupo.

Outra moradora entrevistada do povoado de Rios dos Cachorros, Rosilda Vera

Gomes, então com 64, contava como o povoado havia recebido o nome. Uma família

que morava na beira do porto havia se mudado, deixando lá só os cachorros. Quando os

pescadores iam embarcar os cães latiam e avançavam. “Então ficou assim, sair para

pescar era no rio dos cachorros”. A moradora ainda contava que até foi mordida por um

deles quando criança25

.

As Audiências Públicas em que se discutiam a implantação do Polo Siderúrgico

colocaram frente a frente, para o debate político, os dois lados em conflito: os

representantes do Estado e do grande capital, que buscavam a realização do

empreendimento, e os grupos sociais tradicionais, ambientalistas, movimentos sociais,

professores e estudantes universitários e representantes políticos, contrários ao projeto.

Estes registros nos permitem fazer algumas considerações a respeito das estratégias de

debate, do poder político concentrado nos dois lados em questão e também a respeito da

forma com que os conflitantes compreendiam a outra parte.

Por um lado, pode-se observar pelas fontes da imprensa que os representantes

dos povoados haviam se organizado e passaram a passaram a marcar presença em todas

as audiências. O advogado Guilherme Zagallo, um dos coordenadores do Reage São

Luís26

, em entrevista cedida para o Jornal Pequeno, em fevereiro de 2006, explicava que

“Pelo menos 16 entidades e grupos de 50 ou mais cidadãos solicitaram a realização de

24

http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018 25

http://www.riosvivos.org.br/Noticia/+Rio+dos+Cachorros++resiste+ao+Polo+Siderurgico/7521 26

Rede que reúne entidades de organização da sociedade civil maranhense que surgiu envolvida nas

discussões acerca da implantação do polo siderúrgico em São Luís, no ano de 2004 (SANT‟ANA

JÚNIOR; SILVA, 2010)

18

audiências. Estamos nos preparando através de oficinas para fomentar a participação das

pessoas e entidades nas audiências”27

.

Uma das acusações dos moradores dos povoados, que faz alusão à concentração

de poder político nos dois lados conflitantes, era a de que os representantes favoráveis

aos grandes empreendimentos abandonavam as audiências tão logo terminavam suas

falas, sem escutar, assim, a fala da outra parte. De certa forma, esse modo de agir

equivale à forma como defensores do projeto enxergavam o território a ser implantado o

Polo Siderúrgico, considerado como um “grande vazio demográfico”. Também explica

as generalizações que se fizeram à grande variedade grupos sociais tradicionais que

habitam o território, considerados como “meia dúzia de casas de taipa”. E ainda

responde por que quase 15 mil habitantes pareciam não existir nas matérias da imprensa

sobre o Polo Siderúrgico, mesmo nas que se referiam aos riscos que o projeto traria aos

maranhenses.

No episódio em que o Empresário Edson Lobão Filho, depois de se retirar da

Audiência, referiu-se aos povoados como “baderneiros”, Maria Máxima Pires, insistia

em declarar que os representantes dos povoados eram a maioria. Dizia: “Viemos à

Audiência Pública nos defender, (…) e como sempre fomos a grande maioria” ou “O

empresário Edson Lobão Filho não se manifestou porque não permaneceu até o fim da

Audiência. Não há, portanto, o que justifique ele ter ido à televisão nos chamar de

baderneiros e de minoria. Nós somos a maioria”28

. A ação da liderança do povoado de

Rio dos Cachorros nos permite uma consideração acerca das relações de poder que ali

se descortinavam. Embora o poder político esteja vinculado ao poder econômico e este

tenda a direcionar as questões políticas29

, para os moradores dos povoados presentes

naquela audiência, deveria valer a lógica democrática de que a maioria é que prevalece

27

http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm 28

http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=839. 29

Há um debate historiográfico acirrado sobre se o “poder político” está ou não associado ao “poder

econômico”. Cita-se, de um lado, Raymundo Faoro, que, em “Donos do Poder”, defende que as elites

políticas estão dissociadas das “elites econômicas” e, de outro lado, cita-se Richard Graham, que

defendendo uma tradição historiográfica iniciada no Brasil por Caio Prado Junior, afirma que as “elites

econômicas” se confundiam com as “elites políticas”, prevalecendo os interesses da primeira

(GRAHAM, 1997).

19

sobre as questões políticas. A maioria numérica, na visão dos camponeses, era prova de

que suas reivindicações eram justas30

.

A presença e a atuação do Ministério Público Federal (MPF) também foram

constantes nos registros da imprensa. Parte fundamental desta pesquisa consiste em

acompanhar e registrar estas informações, bem como reunir em um banco de dados os

Inquéritos Civis Públicos movidos por esta instituição, referentes a conflitos

socioambientais. A parte final deste relatório consistirá em elencar uma série de

constatações acerca se seu funcionamento e acerta das informações contidas nos

Inquéritos Civis (IC) em andamento no MPF.

O MPF/MA está localizado na Avenida Senador Vitorino Freire, número 52,

Areinha31

. A ainda recente inauguração, datada em 31 de março de 2010, permite, de

certa forma, fazer considerações do que parece ser uma especificidade das instituições

públicas no município de São Luís. A troca constante de endereço dos órgãos públicos

age em prejuízo da cidadania, entendendo aqui que para o bom funcionamento desses

órgãos seria fundamental que os cidadãos tivessem conhecimento de suas atribuições

para que pudessem acioná-los quando necessário. Contudo, esse modelo ideal de

instituição pública está muito distante do que é verificado em São Luís. Pouco

familiarizados com o seu novo e, talvez, definitivo endereço, até os cobradores de

ônibus, que passam constantemente pela via em frente ao prédio, se confundem ao dar

informações sobre o local do Ministério32

.

Ademais, ressalta-se ainda que o edifício, localizado em uma área de ocupação,

contrasta com as habitações do entorno. Enquanto as pequenas moradias do bairro,

recordadas por ruas estreitas e com o esgoto correndo a céu aberto indicam a má

gerência do Estado33

, o novo e espaçoso edifício do Ministério Público (figura 1), com o

brasão da República Federativa do Brasil e com os seus vidros espelhados e portões de

seguranças 34

, ergue-se imponente como um castelo medieval e quase que desaconselha

30

A distância temporal daquele evento nos permite ressaltar o quanto à organização foi e é importante

para os povoados que habitam a área pretendida para construção do Polo Siderúrgico de São Luís em todo

processo de resistência à implantação do projeto. 31

O antigo endereço ficava na Rua das Hortas, 223. 32

Observação direta de pesquisa realizada de dezembro de 2011 a julho de 2012. 33

Segundo o IBGE, em relatório apresentado no RIO+20, em São Luís, 33% das casas estão em lugares

onde o esgoto escorre por cima das ruas. http://blog.jornalpequeno.com.br/johncutrim/2012/06/page/4/. 34

Imagem retirada do endereço eletrônico: http://diariodocongresso.com.br.

20

a presença do “público” que deveria acolher em si da mesma forma que acolhe em seu

nome.

Figura 1: Mistério Público Federal do Maranhão

Destaca-se também, em relação à pesquisa dos documentos (IC), que o

Ministério Público não funciona como um arquivo jurídico, pois os documentos gerados

ali permanecem apenas por período determinado, entendendo-se, por isso mesmo, que

tais fontes não são completas, e ficam nessa instituição até enquanto durarem as

investigações35

, passando depois à Justiça Federal, não por acaso, localizada ao lado do

MPF.

O fato das fontes examinadas ainda estarem incompletas não diminui o valor

analítico de tais documentos. Pode-se constatar nas centenas de páginas que possui um

inquérito, grande variedade de fontes. Estas vão desde o discurso dos governantes à fala

das populações tradicionais. A ação do Estado e a estratégia dos grandes

empreendimentos são verificáveis, por exemplo, nos ofícios que partem do MPF aos

demais órgãos públicos e empreendimentos envolvidos no conflito36

. Por outro lado,

nos estatutos de Uniões de Moradores e nas atas de reuniões e audiências públicas,

escritas, muitas vezes, em letra corrida pelos próprios agentes dos povoados, podem-se

35

“O inquérito civil deverá ser concluído no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo e quantas

vezes forem necessárias, por decisão fundamentada de seu presidente, à vista da imprescindibilidade da

realização ou conclusão de diligências, dando-se ciência ao Conselho Superior do Ministério Público, à

Câmara de Coordenação e Revisão ou à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão”. Conselho

Nacional do Ministério Público. Resolução nº 23, de 17 de Setembro de 2007. Capítulo IV, Artigo 9.

Uma das estratégias nas situações de conflito socioambiental no Maranhão tem sido manter o inquérito

por maior tempo possível até que se consiga um entendimento entre as partes. 36

Como se verificará a seguir, tais ofícios muitas vezes não obtêm respostas, atrasando as investigações e

colocando em dúvida o cumprimento das funções de tais instituições mantidas com dinheiro público.

21

verificar a resistência e as estratégias de luta das comunidades tradicionais que têm seus

meios de vida ameaçados pelos projetos desenvolvimentistas e, por isso, se veem

forçadas a se organizar37

.

Tais inquéritos possuem também grande quantidade de informação técnica

contida em relatórios de peritos que trabalham para o Estado, para os grandes

empreendimentos ou ainda, advindos do meio acadêmico. Uma das possibilidades da

pesquisa é confrontar estes documentos, visto que, dependendo dos lados em conflitos,

eles tentem a se opor de forma irreconciliável, colocando, muitas vezes, em dúvida o

caráter científico a que se propõem38

.

Ademais, o grande aporte de imagens, advindas de fotografias ou de gráficos

estatísticos e geográficos, e utilizados, muitas vezes, para dar legitimidade aos citados

relatórios, são de grande valia, pois enquanto registram a organização dos agentes

envolvidos em conflito e a degradação ambiental de determinada área, dão

possibilidades para estudos comparativos que possam surgir em momento posterior.

Atuação do Ministério Público nos conflitos socioambientais

Cabe, ao Ministério Público Federal, “enquanto um agente de transformação a

serviço da cidadania, dos interesses sociais e da democracia”, tomar as providências

necessárias para que se cumpra a lei quando um grupo de pessoas, a comunidade ou a

própria sociedade se sente lesada em algum de seus direitos39

. Para tanto este órgão

possui 6 subdivisões, nomeadas de Câmaras de Coordenação e Revisão (CCR)40

. Os

casos aqui estudados, referentes a conflitos socioambientais, estão sobre o resguarde da

4ª Câmara, que coordena ações de defesa do meio ambiente e do patrimônio cultural

brasileiro41

, e da 6ª Câmara, que coordena ações relativas aos povos indígenas e

37

Documentos como esses que revelam a organização dos povoados foram encontrados em três

inquéritos em andamento no MPF/MA. São eles: o inquérito civil de número 932/2009-71, 1019/2009-75,

719/2008-89, analisados no decorrer do relatório. 38

Um dos inquéritos que possibilitam tais estudos é o de número 932/2009-71, relativo ao povoado de

Camboa dos Frades. Este IC possui um relatório de visita efetuado pelo próprio MPF, dois relatórios do

IBAMA (um de São Luis e outro de Brasilia) e outro do GEDMMA (Grupo de Estudos:

Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente). 39

http://www.mp.ma.gov.br/site/institucional/sobre.jsp 40

http://www.pgr.mpf.gov.br 41

http://4ccr.pgr.mpf.gov.br

22

minorias étnicas, como os quilombolas, as comunidades extrativistas e as comunidades

ribeirinhas42

.

A atuação dessas CCR se dá pelos Procedimentos Administrativos (PA)43

e

pelos Inquéritos Civis (IC), este último, objeto de estudo dessa pesquisa. No momento

seguinte se fará algumas considerações do processo que se desenvolve a partir de uma

situação de conflito, seguida das denúncias dirigidas ao MPF, da possível abertura de

Inquérito Civil e das investigações efetuadas por esta instituição.

Quando uma denúncia, mesmo anônima, chega ao Ministério Público44

, é gerado

um documento e recebe um número de protocolo. Nem sempre um protocolo resulta em

IC, pois em algumas situações os fatos noticiados não podem ser individualizados, ou

talvez digam respeito a direitos que não são tutelados pelo MPF. Nas duas situações

citadas não é exigida adoção de qualquer providencia e os documentos nem precisam

ser enviados para alguma CCR (MPF, 2011, p.07-11).

Quando, enfim, se trata de um documento autêntico e diz respeito à denúncia de

dano ou conflito ambiental, com elementos mínimos que necessitem análise dos fatos, o

Procurador-Distribuidor45

remeterá à 4ª ou 6ª Câmera, onde se iniciarão os trabalhos

investigativos.

A abertura de um IC deve ser formalizada por uma portaria de instauração,

contendo algumas informações básicas. Entre elas:

a descrição do fato objeto do IC e os fundamentos jurídicos da atuação

do MPF; o nome e a qualificação da pessoa física ou jurídica a quem o

fato é atribuído, quando possível; a determinação de diligências

investigatórias iniciais; a designação do secretário, mediante Termo de

Compromisso, quando couber; e a determinação de remessa de cópia

42

http://6ccr.pgr.mpf.gov.br 43

Quando é necessário promover diligências para apurar os fatos documentados nas peças informativas e

não for possível instaurar IC, essas são autuadas como PA. Neste caso, as investigações duram 90 dias,

podendo ser prorrogadas por igual período. Terminado o prazo, o PA deverá ser arquivado, ou convertido

em IC, ou ainda ajuizado em Ação Civil Pública (ACP). 44

O artigo 2º da Resolução n. 87/2006 diz que o fato de uma denúncia ser anônima não implica em

ausência de providências, desde que contenha a descrição dos fatos a serem investigados e a indicação de

seu autor, quando conhecido. 45

A Resolução n. 104, de 06 de Abril de 2010 estabelece que em toda unidade do MPF haja pelo menos

um Procurador-Distribuidor, a quem deve ser submetidos os documentos afim de serem distribuídos por

critérios impessoais e objetivos

23

da Portaria de Instauração para publicação. (Ministério Público

Federal, 2011, p.10)

Destaca-se ainda que as denúncias contra os impactos socioambientais –

advindos, por exemplo, de desmatamento, de invasão de reservas, de poluição do meio

ambiente, ou de conflitos por território – que chegam ao MPF, podem vir por três vias.

São elas:

Denuncia anônima

Representações formais, de indivíduos ou de instituições;

Própria ação do Ministério Público.

Destaca-se que “representações formais” têm enorme valor para os estudos de

conflitos socioambientais. O interesse nesta categoria se dá porque dela se pode

visualizar, nos espaços de conflito, a maneira com que os povoados, suas lideranças e

demais grupos interessados estão se organizando.

A terceira via, advinda da ação do MPF, também suscita muito interesse e pode

originar-se, por exemplo, nos casos em que o Poder Público resolve investigar alguma

possível irregularidade que lhe chega pelos veículos de comunicação46

, o que, de certa

forma, completa os estudos sobre a anterior, pois também permitem visualizar a

organização dos povoados em área de conflito.

Corpo do Inquérito

Na capa dos IC consta a sua numeração, o título, data de autuação, o requerente,

o requerido. Acompanha também um resumo do documento. Em seguida, encontram-se

o “Auto de Instauração do Inquérito”, seguido dos “termos de declaração”. A partir daí

o Inquérito segue com ofícios, notas técnicas, relatórios, atas de audiências e reuniões,

anexação de arquivos de mídia, despachos da procuradoria e outros documentos que

podem ser relevantes no decorrer da investigação.

O primeiro documento analisado, o IC 932/2009-7147

, que servirá como

exemplo para as considerações sobre o conteúdo dos inquéritos, tem como requerentes

46

Existe um inquérito em andamento no MPF (IC: 1.19.000.001363/2012), que investiga possíveis danos

ambientais decorrentes de lavra irregular de produtos minerais para construção civil, no qual um arquivo

de mídia foi fundamental para sua abertura. 47

IC 1.19.000.000932/2009-71, Camboa dos Frades.

24

os “moradores da comunidade Camboa dos Frades”. A requerida é a UTE Porto Itaqui

Ltda. Diz o resumo que se investiga uma suposta limitação de acesso à comunidade

requerente pela referida termoelétrica. Ademais, as denúncias também citam “prejuízos

às atividades tradicionais desenvolvidas pela comunidade, especialmente a pesca, em

razão dos danos ambientais causados pela instalação do empreendimento” (IC

932/2009-71).

Em seguida vem o Termo de Declarações, redigido Por Hilton Araújo de Melo,

Analista Processual, e assinado por quatro lideranças da comunidade em questão. O

documento segue uma forma padrão, em que consta, inicialmente a data (no caso 14 de

novembro de 2008), e a afirmação de que estiveram na procuradoria as quatro

moradores de Camboa dos Frades e declararam:

QUE os moradores da comunidade Camboa dos Frades estão sofrendo

constantes assédios por parte de funcionários de uma empresa de

segurança privada contratada pela empresa MPX, que planeja

construir uma Usina Termoelétrica na região. QUE os seguranças

privados, que andam ostensivamente armados, costumam interrogar os

transeuntes com destino à Camboa dos Frades desde a Vila Madureira,

comunidade esta por onde passa o único caminho de acesso àquela.

QUE é desrespeitosa e constrangedora a atuação dos seguranças, que

investigam e interrogam sobre a vida dos moradores e visitantes, em

busca de informações de ordem privada. QUE o trânsito com

materiais, como os relacionados à construção civil, também é

severamente examinado pelos seguranças. QUE as ações se dão em

plena via pública […], e que, recentemente, começaram a cercar

extensas áreas, impedindo a locomoção de populares. Em adição,

frisaram que estas movimentações estão cada vez mais presentes no

cotidiano das comunidades atingidas, e que até uma guarita está sendo

construída para facilitar esse controle do tráfego de pessoas.

Passados quatro dias, em 18 de novembro do mesmo ano, a analista pericial em

antropologia, Joiza Maria de Arruda Madeiro, efetuou uma visita técnica ao povoado

Camboa dos Frades para obter informações dos moradores. O objetivo da visita foi

averiguar se a MPX estaria restringindo o acesso dos moradores às suas casas, e, além

disso, procurava saber como os moradores estariam enxergando a chegada do

empreendimento na região.

25

Foi constatado, segundo informações prestadas por moradores, que em alguns

casos os vigias da empresa terceirizada estavam “interrogando os moradores e visitantes

de Camboa dos Frades sobre de onde vêm, para onde vão e o que vão fazer”.

São destacadas também, nesta mesma nota técnica, falas oscilantes dos

moradores. Uma senhora falava da expectativa da construção de uma estrada e da

chegada de energia elétrica. Dizia: “Agora que o progresso chegou, nós não vamos sair

daqui”. Outra senhora temia que pudesse acontecer com sua comunidade o mesmo que

aconteceu nas proximidades do porto de Itaqui, “onde as pessoas precisam apresentar

crachás para ir para suas casas”. Algumas pessoas reivindicavam melhorias em

infraestrutura para a comunidade, já outras gostariam de receber indenização como as

famílias de Vila Madureira (comunidade remanejada da área devido ao mesmo

empreendimento em questão). Por fim, ainda havia aquelas que demonstravam apego ao

lugar e aos recursos que ali existiam.

Já os vigias, segundo a mesma analista, informaram que seu trabalho consiste

em vigiar a área de Vila Madureira, para que não haja invasões das casas que, em sua

maioria, já estavam desocupadas48

.

O relatório ainda sugeria, em negrito, ações que pudessem resolver alguns dos

problemas encontrados. Notando a angústia dos moradores em não saber qual seria o

destino do povoado e quanto impactaria a chegada do empreendimento, sugeria que “a

aflição desses moradores poderia ser resolvida com reuniões promovidas por

representantes da empresa esclarecendo-os sobre as ações dela na região”.

Por fim, o relatório contém imagens ilustrando a reunião com os moradores, o

posto de observação da empresa de vigilância contratada pela MPX (figura 2) e o local

em que a comunidade exerce a atividade pesqueira.

48

As casas desocupadas se referiam aos citados moradores daquela comunidade que receberam

indenizações e foram remanejados.

26

Figura 2: posto de observação da empresa de vigilância

Em seguia, na página 6 do IC 932/2009-71, é apresentada uma “Certidão”,

assinada novamente pelo já referido Analista Processual. O documento trata também de

um relatório técnico realizado em Camboa dos Frades no mesmo dia 18 de novembro de

2008, em que enumera onze constatações.

No primeiro item, o analista descreve a comunidade, que “vive primordialmente

da pesca e de pequenas plantações” e com “notável consciência ecológica e

substanciosas noções de sustentabilidade”.

No segundo item, aponta que a comunidade se situa nas proximidades de

grandes empreendimentos, mas que “aparentemente” mentem relação de coexistência

pacífica, “com exceção de alguns reclamos relacionados à poluição de alguns igarapés

próximos, que põe em risco a sua atividade pesqueira”.

No terceiro item, aponta que a comunidade está em processo de expansão devido

a chegada recente de energia elétrica (Programa Luz Para Todos) e a abertura de novas

vias de acesso no local.

No quarto e no quinto item, são apresentadas novas constatações a respeito das

primeiras denúncias contra a empresa privada que estaria constrangendo os populares de

Camboa dos Frades. Os seguranças estariam interrogando e examinando os moradores

em busca de “informações de ordem privada”. As denúncias voltavam a se referir ao

cercamento de extensas áreas.

O analista aponta, no sétimo e oitavo item, que os seguranças da empresa Fortal

estavam mesmo promovendo atividades de fiscalização e monitoramento da passagem.

27

Segundo dois vigias, tais ações seriam para evitar a “atuação de marginais e de

usurpadores” e que a abordagem aos moradores da comunidade Camboa dos Frades se

fazia necessária “visto que nem todos são ainda conhecidos pelos seguranças”.

No nono item, o analista aponta que, ao contrário do que os moradores

afirmaram, não verificou quaisquer cercamentos na área pretendida para a usina. Afirma

também que “os seguranças retro-mencionados ainda trataram de negar, cabalmente,

qualquer intervenção nesse sentido”.

No décimo item, também é mencionada a preocupação da comunidade a respeito

do futuro. Preocupação esta que o analista considerava tratar-se de uma real e

preocupante ameaça. Um dos motivos era o isolamento em que os moradores de

Camboa dos Frades iriam ficar depois que terminasse o processo de remanejamento dos

moradores de Vila Madureira. A via de acesso ao povoado também estaria prejudicada

porque perpassava justamente pelo território pretendido para a usina. Assim, conclui o

analista processual, “nos pareceu uma situação a ser urgentemente dirimida, de forma

que, à comunidade de Camboa dos Frades seja oportunizada a livre entrada e saída de

seu território”.

No décimo primeiro item, o mesmo menciona que tirou algumas fotografias

(talvez as mesmas apresentadas na outra nota técnica) do local dando ênfase às

estruturas naturais e aos componentes humanos do ambiente.

Em seguida, vem um ofício enviado em caráter de urgência alguns meses depois,

no dia 12 de maio de 200949

, que é endereçado à “Marluze do Socorro Pastor Santos”,

então superintendente do IBAMA/MA. O documento, assinado pelo Procurador da

República Alexandre Silva Soares, informava que:

Foi comunicado a este órgão ministerial, a partir de declarações

prestadas por moradores da comunidade Camboa dos Frades, que a

atividade desenvolvida pela empresa UTE Porto do Itaqui Geração de

Energia Ltda, com a supressão de vegitação, e com o movimento de

terras, tem afetado o meio ambiente do seu entorno, com a

degradação, inclusive, de igarapés como o Buenos Aires, situado em

área de mangue. Segundo relato, materiais das obras estariam se

depositando e contaminando região mais baixa composta pelos cursos

49

Ofício nº 411/2009-ASS/PR/MA

28

d‟água, com prejuízo à pesca e demais culturas. (IC 932/2009-71,

p.11)

Na parte final do ofício, o procurador requisitava a “imediata realização de

fiscalização in loco”, para que pudessem ser apurados eventuais descumprimentos das

licenças e autorizações concedidas pelo Ibama. Também requisitava a comunicação ao

MPF, em “relatório pormenorizado”, das “situações encontradas”, bem como as

“medidas adotadas” como o “uso do poder de polícia”.

Em seguida, aparece outro ofício, o de número “836/2009-ASS/PR/MA, escrito

alguns meses após o primeiro. Este é assinado no dia 26 de outubro de 2009 e recebido.

O documento também é endereçado à superintendência do IBAMA, cargo que agora era

ocupado por Alberto Chavez Paraguassu

O ofício reiterava os termos do ofício anterior (que ia em anexo), requisitando,

“de acordo com o art. 8º, inc. II, da Lei Complementar nº 75/93, que seja encaminhada

resposta ao expediente, no prazo de 10 (dez) dias”. E ainda esclarecia em negrito que a

“falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do

Ministério Público implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa […] no âmbito

cível e penal”

No dia 07 de dezembro de 2009, partiria outro ofício (nº 939/2009-ASS/PR/MA)

ao mesmo superintendente do Ibama/MA, reiterando novamente os outros dois ofícios e

voltando a advertir sobre a “falta injustificada e o retardamento indevido do

cumprimento das requisições” que poderia implicar em responsabilidade cível e penal.

Sete dias depois, em 14 de dezembro de 2009, vem a resposta do Ibama (Oficio

nº 883/2009 – GABIN – IBAMA/MA), assinada por “Pedro Leão da Cunha Soares

Filho”, então na condição de Superintendente substituto do Ibama. Neste documento é

informado, curiosamente, após mais de seis meses depois de requerida a informação,

sobre um relatório tecnico, datado de 15 de dezembro de 2009, que vinha acompanhado

do “Auto de Infração de Nº 125525-D”.

O referido documento, um relatório de vistoria, foi efetuado por equipe de

quatro componentes, no dia 15 de dezembro de 2009. No início do relatório é

apresentado o assunto que se referia a vistoria nas obras de instalação da termoelétrica,

29

mediante denuncia do MPF.. Em seguida relata-se o caso e menciona-se a ocorrência de

diversas vistorias na área para averiguar a situação.

Nas considerações sobre as vistorias, são assinaladas várias irregularidades no

empreendimento, como carreamento de areia em grande parte do local; árvores típicas

de manguezais com sinais claros de estresse fisiológico; evidência de mudanças

estruturais no ecossistema, como canais de maré secos e vegetação de locais secos em

área de mangue; em ainda, pegadas de animais na área interna do empreendimento

evidenciavam dificuldade de locomoção por causa da barreira criada.

O documento também é composto de uma série de imagens como a figura 3, que

ilustra uma área com pouca cobertura vegetal e pontos de erosão que atravessam a cerca

do empreendimento.

Figura 3: pontos de erosão atravessando a cerca do empreendimento

Consta também anexado ao documento enviado pelo Ibama/MA, um Relatório

de Fiscalização datado em 11 de dezembro de 2009. O primeiro item é reservado ao

tipo de infração constatada no empreendimento, a Usina Termoelétrica Porto do Itaqui

Geração de Energia Ltda. Diz o relatório:

Danificação de área de preservação permanente (APP), durante as

obras de terraplenagem na fase de instalação da usina termoelétrica. A

infração se deu em dois pontos. No ponto 1, o rompimento de uma

bacia de contenção durante uma precipitação acima da média resultou

em um carreamento de sedimentos arenosos em direção a uma área de

30

nascente caracterizada pela presença de buritizais. No segundo ponto,

as obras de terraplenagem resultaram no carreamento de sedimentos

arenosos para outra área classificada como vereda. (IC 932/2009-71,

p.23)

O relatório ainda aponta que apesar da soma das duas áreas impactadas serem

inferior a um hectare, a quantidade de sedimento carreado foi grande e resultou em dano

grave, comprometendo a APP.

No “Auto de Infração”, outro documento anexado pelo Ibama, é apresentada

uma multa de 50 mil reais por “danificar floresta em área considerada de preservação

permanente, sem autorização do órgão competente, em dois pontos […] que, somados,

resultam em área inferior a 1 (um) hectare”.

Em seguida, apresenta-se no IC, um relatório acadêmico efetuado a partir de

pesquisas concretizadas pelo “Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e

Meio Ambiente” (GEDMMA), vinculado à Universidade Federal do Maranhão

(UFMA), que tinha como objetivo apresentar as “condições sociais” da comunidade de

Vila Madureira, que havia sido deslocada para o município de Paço do Lumiar, e da

comunidade de Camboa dos Frades, que permanecia com o seu modo de vida

ameaçado.

A presença do relatório de pesquisa acadêmica faz parte da estratégia de atuação

do MPF, e pode ser visualizada nos inquéritos pelas anotações escritas a mão que

lembram a necessidade de contatar grupos de estudos acadêmicos. Na cartilha

“Inquérito Civis em matéria ambiental e patrimônio cultural” (MPF 2011, p.12-14), é

destacado que questões ambientais conflitantes, como as que estão relacionadas à

implantação de grandes empreendimentos, são acompanhadas por ONGs, movimentos

sociais atuantes na região, e por grupos ligados a instituição de ensino e pesquisa. Sendo

que “estes atores, por conhecerem a realidade local, são capazes de primeiro identificar

os pontos de conflito ambiental e social do empreendimento, que requerem a tutela do

MPF”. É aconselhada (idem, p.14), que depois de abrir um Procedimento

Administrativo e antes de instaurar um Inquérito Civil, seja instruída a consulta aos

referidos atores sociais.

O corpo do IC 932/2009-71 ainda é composto por um despacho de prorrogação

de conclusão de inquérito civil público. No documento é especificada a necessidade

31

de dar continuidade á apuração, ante a “constatação de que é necessária a elaboração de

laudo técnico atualizado sobre a situação do ambiente”. Segue-se também três

recomendações: “comunicar a CCR pertinente”, “juntar aos autos as cópias das licenças

ambientais do empreendimento”, “designar a elaboração de informação técnica a

respeito da necessidade de recuperação ambiental da área degradada, bem como a

extensão dos impacitos”. O documento, datado de 16 de setembro de 2011, é assinado

por Alexandre Silva Soares, Procurador da República.

Após esse documento segue-se um ofício (nº 1632/2011 – ASS/PR/MA), datado

em 08 de novembro de 2011, encaminhado à Gisela Damm Forattini, Diretora de

Licenciamento Ambiental (DILIC), em Brasília.

O documento informa sobre o IC em andamento, instaurado para apurar a

“suposta limitação de acesso à Comunidade Camboa dos Frades, em razão do controle

de via de acesso pela UTE Porto do Itaqui”, bem como, para apurar “prejuízos às

atividades tradicionais desenvolvidas pela comunidade, em razão de danos ambientais

causados pela instalação do empreendimento”.

Informa-se também, que seguiria em anexo o Relatório de Pesquisa de Campo,

elaborado pelo (GEDMMA), bem como a cópia de termos de declaração de moradores

da referida comunidade.

No ofício, ainda são solicitadas “informações acerca da inclusão da referida

comunidades no rol daquelas que serão beneficiadas com as medidas mitigadoras

previstas e adotadas em razão do licenciamento ambiental do empreendimento”.

Solicita-se, por fim, que seja encaminhada manifestação no prazo de 10 dias.

Devido ao descumprimento do prazo, do dia 13 de janeiro de 2012, segue outro

ofício (65/2012 – ASS/PR/MA) à Diretora de Licenciamento Ambiental (SELIC),

reiterando os termos do primeiro ofício e designando um prazo, agora, de 20 dias.

Em seguida, com o prazo novamente descumprido, é encaminhado ainda outro

ofício (nº 345/2012), de 02 de março de 2012, reiterando novamente os termos e

requisitando que fosse encaminhada resposta em 10 dias.

No dia 05 de março chega o Ofício nº 106/2012/CGENE/DELIC/IBAMA,

enviado pela diretoria de Licenciamento Ambiental e assinado pelo Coordenador Geral

32

de Infraestrutura e Energia Elétrica, Adriano Rafael Arrepia de Queiroz. No documento

é destacado que se encaminhava a manifestação do IBAMA sobre o referido Inquérito.

Acompanha esse documento, a nota técnica nº 008/201250

, dos analistas

ambientais Elísio Márcio de Oliveira e Gisela Maria da Silva Mello, sob a coordenação

de André de Lima Andrade, Coordenador da COEND (Coordenação de Energia

Elétrica, Nuclear e Dutos). O relatório técnico se propõe a responder a indagações do

Ofício nº 1632/2011 – ASS/PR/MA, descrito anteriormente.

Em seus encaminhamentos é defendido que tanto o “relatório de pesquisa do

GEDMMA” quando os “termos de declaração de „alguns‟ moradores da comunidade

Camboa dos Frades”, reportavam a situações já superadas, ocorridas em 2008. Defende-

se também que referido relatório discorria sobre as comunidades sem distinguir Camboa

dos Frades da Vila Madureira, que seria bem mais atingida na região.

A respeito da suposta limitação de acesso à comunidade, o relatório também

aponta, acompanhado por ilustração de fotografias, que a estrada que dá acesso a

Camboa dos Frades seria de propriedade particular, de outra empresa, e diz o

documento “sob evidente ocupação irregular” e sob “forte impacto de grilagem e

invasão”.

Sobre a solicitação de informações acerca da inclusão da referida comunidade no

rol daqueles que serão beneficiadas com as medidas mitigadoras em razão do

empreendimento, o relatório defende que os moradores de Camboa dos Frades são

contemplados através de “Programas de Educação Ambiental, de Saúde, de

Comunicação e em cursos de Formação de Mão de Obra”.

Inquéritos sobre a Resex de Tauá-Mirim

Encontra-se em andamento no MPF dois IC relativos à Resex de Tauá Mirim. O

primeiro, IC 1090/2009-7551

, tem como requerente “Alberto Catanhede Lopes”. A

50

Nota Técnica nº 008/2012 – COEND/CGENE/DILIC/IBAMA – 08/02/2012

51

IC 1.19.000.001090/2009-75

33

requerida é a Secretaria da Indústria e Comercio do Estado do Maranhão. Esse

inquérito, conforme o resumo, busca apurar a ocorrência de lesão ao direito de moradia

e direitos culturais das comunidades de Bom Jesus do Cajueiro e próximas, em razão da

anunciada relocação dos seus integrantes para instalação da área de tancagem da

Petrobrás, a ser promovida pelo Estado do Maranhão. A portaria de instauração é a de

número 10/2010 ASS.

Na contra capa do IC é apresentado o “Auto da Instauração”. Este documento

possui uma forma padronizada em todos os inquéritos e deve conter:

a descrição do fato objeto do IC e os fundamentos jurídicos da

autuação do MPF;

o nome e a qualificação da pessoa física ou jurídica a quem o

fato é atribuído, quando possível;

a determinação de diligências investigatórias iniciais;

a designação do secretário, mediante Termo de Compromisso,

quando couber; e

a determinação de remessa de cópia da Portaria de Instauração

para publicação. (MPF 2001, p.10)

No IC em questão, auto da instauração faz enumeração de 4 considerações. São

elas:

Considerando as declarações prestadas nesta Procuradoria da

República em 16 de setembro de 2009 por Alberto

Cantanhede Lopes, a respeito da existência de interesse do

Estado do Maranhão, através da Secretaria da Indústria e

Comércia, em promover a relocação de moradores das

comunidades de Cajueiro e de várias outras, na área definida

para a Reserva Extrativista do TAIM [hoje Tauá-Mirim],

relatando a ausência de informações adequadas para a

compreensão da situação pelo órgão público;

Considerando que o Estado do Maranhão confirmou o seu

interesse em promover a relocação dos moradores das

comunidades de Bom Jesus do Cajueiro e de Parnauaçu, as

quais estão situadas na Gleba Tibiri Pedrinha, cujo domínio

34

útil pertence ao ente estadual, para propiciar no mesmo local a

instalação da área de tancagem da Refinaria da Petrobrás;

Considerando que a PETROBRÁS também confirmou o seu

interesse na área para a instalação de um terminal aquaviário e

instalações complementares na localidade de Bom Jesus do

Cajueiro;

Considerando que se trata de possível população tradicional

de pescadores a ser afetada com o empreendimento, cuja

defesa dos direitos incumbe ao Ministério Público Federal,

elem da higidez do ambiente. (IC 1090/2009-75, p.01)

Na segunda parte do documento é informada a resolução para abertura do

Inquérito. Vejamos:

Resolve o Ministério Público Federal no Maranhão determinar a

instauração de Inquérito Civil Público, para apurar a ocorrência de

lesão ao direito à moradia e direitos culturais da comunidades de Bom

Jesus do Cajueiro e próximas em razão da anunciada relocação dos

seus integrantes para a instalação da área de tancagem da

PETROBRÁS, a ser promovida pelo Estado do Maranhão. (idem)

E na última parte do documento são determinadas três providências, elencadas a

seguir:

1. REQUISITE-SE ao ICM-Bio e ao Ministério do Meio

Ambiente informações acerca da existência ou não de limitações

administrativas provisórias a atividades econômicas na área definida

para a criação da RESEX […]. Caso não tenham sido definidas

limitações administrativas provisórias as atividades e

empreendimentos, solicite-se manifestação acerca da possibilidade de

sua instituição, face à situação de relocação de comunidade tradicional

situada no seu interior, ora noticiada nos autos.

2. REITERE-SE à SEMA o ofício anteriormente encaminhado no

prazo de 10 dias.

3. Designe-se reunião com os interessados, no dia 28 de agosto de

2010

Publique-se. Comunique-se à 6ª CCR.

São Luis, 05 de agosto de 2010 (Ibdem)

35

Na página 2 do IC, apresentam-se os “termos de declaração” redigidos por

Joiza Madeiro e assinado pelo referido requerente. O documento, seguindo a

normatização já descrita anteriormente, descreve que:

Em setembro de 2009, esteve nesta Procuradoria Alberto

Cantanhede Lopes declarando que: Soube, por intermédio de Clóvis

Amorim da Silva, pescador residente na comunidade de Cajueiro, que

houve […] uma reunião na Associação dos Moradores de Cajueiro

promovida pela Secretaria da Indústria e Comércio do Estado do

Maranhão, representada por um senhor de nome Deusdete52

, [com o

objetivo de] apresentar aos moradores a construção de um cás de

atracamento de navios no local e informá-los que a parte da área da

comunidade necessária à construção seria indenizada. […] Empresas

de consultoria visitaram residências e realizaram cadastros; pelo

projeto apresentado na reunião, o cás vai afetar outras comunidades,

onde não foram feitas reuniões: Camboa dos Frades, Coqueiro, Vila

Maranhão, Porto Grande, Estiva, Jacamim, Taim, Tauá Mirim e uma

comunidade de pescadores na praia de Boa Razão; com exceção das

duas primeiras e da última, essa comunidades compõem a proposta de

Reserva Extrativista do Taim. (IC 1.19.000.001090/2009-75, p.2)

O IC segue com o envio de três ofícios, ambos datados em 26 de outubro de

2009. O primeiro (nº 827/2009 – ASS/PR/MA) à Secretaria de Estado da Indústria e

Comércio. O segundo (nº 829/2009 – ASS/PR/MA) à Secretaria de Estado de Meio

Ambiente e Recursos Naturais. E o terceiro (nº 828/2009 – ASS/PR/MA ) à Empresa

Maranhense de Administração Portuária (EMAP). Nestes ofícios se informada sobre a

investigação em questão, e, “com vistas à apuração dos fatos em toda sua extensão”,

requisitava a manifestação das referidas secretarias a respeito das declarações prestadas

naquela Procuradoria da República.

No dia 18 de novembro de 2009, chega ao MPF a resposta da Secretaria de

Estado da Indústria e Comércio, pelo Ofício nº 209/2009 – GABSEC-SINC. Neste

documento é pontuado que 1) o Estado do Maranhão possui o domínio útil das Glebas

denominadas de Itaqui/Bacanga e Tibiri/Pedrinhas, onde estão localizadas as

comunidades citadas; 2) o Plano Diretor de uso e ocupação tanto municipal quanto o

52

Deusdedith Soares Evangelista, então superintendente da Secretaria de Indústria e

Comércio do Maranhão.

36

estadual diz que a área é de uso e ocupação industrial; e 3) que as comunidades das

áreas impactadas tiveram uma reunião com Deusdedith Soares Evangelista,

Superintendente desta SINC e responsável direto pelo planejamento ocupacional do

Distrito Industrial.

O documento ainda acrescenta que na referida reunião o mesmo superintendente

informou “sistematicamente” a pretensão do Governo do Estado, em conformidade com

o Termo de Compromisso assinado com a Petrobrás, de ali instalar uma área de

tancagem com aproximadamente 300,00 ha para implantação do Projeto da Refinaria

Premium I em Bacabeira. E também informou a necessidade de serem realizados

estudos técnicos de sondagens do solo e “cadastramento socioeconômico” e avaliatórios

dos moradores das comunidades afetadas, para fins futuros de “possíveis indenizações”.

Após a resposta da SINC aparece um despacho, datado de 09 de dezembro de

2009, escrito a mão pelo Procurador Alexandre Silva Soares. Neste documento, diante

da resposta apresentada pela SINC, determina que se oficie-se à SEMA e requisite

informações acerca da existência de procedimento de licenciamento ambiental no órgão

relacionado ao empreendimento, devendo encaminhar ao MPF a cópia integral dos

autos, no prazo de 10 dias. Determina também que se convoque reunião com a

comunidade, precedida de visita in loco pela Analista Pericial em Antropologia.

No dia 27 de janeiro de 2010 chega ao MPF a resposta da Secretaria de Estado

de Meio Ambiente e Recursos Naturais (SEMA), por meio do ofício

0001/10/GS/SEMA. São encaminhados juntos ao documento o “Relatório de Vistoria” e

o “Parecer Técnico” emitidos pelo citado órgão. O ofício ainda informa que a SEMA

estaria tomando as medidas necessárias no sentido de coibir as práticas infrativas

constatadas na presente vistoria, e acrescenta que “ao tempo em que apresentamos

nossas escusas pelo não atendimento da solicitação em tempo hábil, devido à demanda

excessiva de processos em tramitação neste Órgão”.

Na conclusão do documentos de vistoria, obseva-se:

Diante da análise dos autos do processo e de acordo com o que foi

observado em campo, onde o empreendimento em questão encontra-se

operando de forma rudimentar e sem licença ambiental para tal fim.

Considerando que é de competência da SEMA o licenciamento do

respectivo empreendimento, uma vez que, a sua localização não está

37

inserida na proposta de criação da RESEX do Taim (atualmente Tauá-

Mirim). Considerando que não tivemos acessa a nenhuma

documentação referente a propriedade da área, sobretudo da atividade

desempenhada. Considerando que parte da área do empreendimento

encontra-se em Área de Preservação Permanente (APP) e que a

atividade está sendo desempenhada sem o devido licenciamento

ambiental. Considerando que a pessoa intitulada como proprietária,

juntamente com seu arrendatário foi noticiada a se apresentar perante

esta SEMA para prestar esclarecimentos sobre o empreendimento.

Sugerimos que a Assessoria Jurídica – ASSJUR desta SEMA se

pronuncie acerca das irregularidades constatadas na área vistoriada e

tome as devidas medidas legais cabíveis.

O documento, assinado por quatro analistas ambientais da SEMA, e trás um

série de imagens tiradas da área de abrangência do empreendimento onde é possível

“visualizar a forma como foi feita a limpeza de área, nivelamento do terreno, retirada de

vegetação de preservação permanente”

Em seguida, o IC apresenta a Nota Técnica 02/2010 solicitado pelo Procurador

da República à Analista Pericial Joíza Maria de Arruda Madeira (IC 1090/2009-75,

p.22). O documento trata de uma reunião com moradores da comunidade de Cajueiro

para discutir sobre a construção de uma área de tancagem pela Secretaria de Estado da

Indústria e Comércio e pela Petrobrás.

Nessa reunião escutou os moradores e registrou suas falas. Inicialmente expõe

conflitos internos dentro da comunidade de Cajueiro. Um morador conta que as

reuniões com a SINC estariam sendo efetuadas na “União dos Moradores” que, no

passado, depois de um conflito interno, teria estimulado a invasão de terrenos para se

fortalecer. Tais moradores não fariam mais parte da comunidade.

Entre as falas também se percebe que para os moradores da comunidade havia

dúvidas sobre a área pretendida para o empreendimento, pois nas reuniões com a SINC,

“Deusedeth indicou limites diferentes da área a ser desocupada”. A analista informa

tabmém que os moradores vivem da pesca do camarão, das roças e, por isso, haveria

necessidade da área pretendida pelo Estado ser bem justificada, “a proposta de retirada

deve ser clara e bem elaborada para que as famílias não tenham seu futuro prejudicado”.

Em outro momento, aponta que os moradores teriam sido informados sobre a

38

“construção de oito cais, mas não entenderam muito bem o que realmente será feito”.

Outra moradora argumenta que a comunidade estaria recebendo “informações por

boatos”, pois “cada profissional que vai lá diz uma coisa”. Outra moradora, citada na

primeira parte deste relatório, dona Flor, reclamava da falta de clareza nas reuniões, e

dizia: “na reunião a gente fica como criança, sem entender nada, fica no meio da

bagunça sem entender nada”.

O relatório conclui que:

Há uma certa angústia dos moradores de Cajueiro de como será seu

destino e o receio de perder os seus meios de subsistência – a pesca –

e os seus modos de viver – trocas não só econômicas, mas também

afetivas com vizinhos. […] percebi a dúvida dos moradores quanto ao

lugar exato do empreendimento e quanto às condições em que serão

retirados do seu lugar. […] As principais reivindicações foram:

clareza quanto às propostas da SINC; que a negociação seja apenas

com aqueles que constituem a comunidade tradicional, sem a presença

daqueles que apenas possuem lotes no lugar; que haja uma proposta

por parte da SINC que considere a sua identidade enquanto

comunidade tradicional e enquanto pescadores. Sugiro que as

solicitações da comunidade sejam acatadas e que a SINC e a Petrobrás

estreitem o diálogo com a comunidade e esclareça os moradores sobre

suas pretensões. (IC 1.19.000.001090/2009-75)

Um pouco mais à frente, no dia 30 de julho de 2010, na página 63 do inquérito, é

apresentada a resposta da Petrobrás ás indagações do MPF acerca da existência ou não

de projetos para a implantação de tancagem e outros empreendimentos na região de

Bom Jesus do Cajueiro. O documento informa que o projeto de implantação da refinaria

encontra-se em fase de desenvolvimento, tendo como uma das possibilidades a

implantação de um terminal aquaviário na região próxima à comunidade citada, na foz

do Rio Mearim, em terreno indicado pelo Estado do Maranhão. A Petrobras acrescenta

que os estudos sobre a localização o terminal ainda estão em andamento e se prontifica

a enviar todos os documentos tão logo se tenha certeza da implementação.

Alguns meses depois, no dia 2 de fevereiro de 2011, o inquérito recebe outro

“termo de declarações”, redigido por Joiza Madeiro em nome de Clóvis Amorim da

Silva, residente na comunidade Bom Jesus do Cajueiro. De acordo com o documento,

39

Cristiane Candal, uma profissional contratada pela empresa Suzano, teria começado os

trabalho iniciais para o remanejamento das famílias da comunidade. Informa também

que esta mesma profissional recebeu a informação de que Cajueiro se tratava de uma

comunidade tradicional, “informação que parece não estar contida no EIA/RIMA feito

pela Fundação Sousândrade”53

. Solicitava-se que a comunidade tivesse acesso ao

documento feito pela referida fundação, que o MPF obtivesse maiores informações e

que fosse realizada uma reunião entre a comunidade e a empresa.

No dia 23 de agosto de 2011, a Secretaria de Estado do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio (SEDINC), por intermédio do Ofício nº 118/2011/GAM-SEDINC,

responde ao MPF às solicitações de esclarecimento acerca de:

existência ou não de intenção do Estado do Maranhão em proceder à

relocação dos moradores residentes na área do Cajueiro, indicando

eventual decreto de desapropriação pertinente à área, bem como

previsão para que a medida ocorresse e também se há intenção de

promover a criação de novo local de moradia para o reassentamento

das famílias atingidas pela medida.

Sobre o primeiro questionamento, o documento informa que a localidade denominada

Cajueiro estaria “encravada” em área com destinação industrial e pertencente ao Estado

do Maranhão. Informava ainda que “caso haja projeto industrial de relevante interesse

público”, o Estado do Maranhão não somente intencionaria a relocação das famílias

como efetivamente o faria em “estrita obediência aos princípios fundamentais

constitucionalmente assegurados”.

Com relação à indicação de norma de desapropriação referente à comunidade do

Cajueiro, o documento informa que havia sido publicado no “Diário Oficial do Estado

do Maranhão”, que circulou no dia 05 de abril de 2011, o “Decreto Estadual nº 27.291”,

que versa sobre declaração de utilidade pública para fins de desapropriação total. “Pelos

marcos geodésicos descritos no parágrafo único do artigo 1º deste diploma legal pode-se

depreender que o espaço a ser desapropriado coincide com a área em questão”54

.

53

A Petrobrás informava na já abordada resposta ao MPF, que havia contratado junto à Fundação

Sousândrade/UFMA, a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental referente à implantação do terminal

da região do Cajueiro. Documento que, naquele momento, estava em andamento. 54

Diário Oficial do Estado do Maranhão vem anexado ao Inquérito.

40

O documento ainda informa, que não havia, até aquele momento, previsão de

quando ocorreria a “expropriação involuntária” ou de quando seriam “relocados os

residentes do Cajueiro”.

No dia 19 de setembro de 2011 é redigido um “Despacho de Prorrogação de

Conclusão de Inquérito Civil Público”. O documento alegava a necessidade de dar

continuidade à apuração, ante a constatação de que as medidas necessárias para

problema apontado ainda não haviam sido aplicadas, “especialmente ante a ausência de

respostas técnicas indispensáveis ao desfecho das investigações já demandadas a órgãos

públicos mas ainda não obtidas”.

No dia 13 de junho de 2011, o Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade (ICMBio) responde (ofício nº 456/2011 – GP/ICMBio) às solicitações

do MPF. O documento informa que 1) a comunidade do Cajueiro estava sim inserida no

polígono55

propostos para a criação da RESEX do Tauá-Mirim; 2) que o polígono ainda

carecia de refinamento e abrangia a comunidades “Rio dos Cachorros, Taim, Porto

Grande, Limoeiro e na Ilha de Tauá-Mirim, Jacamim, Icará-Mirim, Portinho, Ilha

Pequena, Boa Razão e Embaubal”; 3) que seria efetuada (no dia 15 de junho) uma

“reunião técnica” para “agrupar e sistematizar as demandas de projetos na região”, com

vistas a delimitar uma proposta única, que seria apresentada às comunidades e ao

governo do Estado do Maranhão; e 4) que em relação a “possibilidade de adoção de

medidas administrativas para evitar a remoção dos pescadores”, somente poderia ser

respondido após a definição concreta dos limites da proposta.

O segundo Inquérito Civil em andamento no MPF que diz respeito á RESEX de Tauá-

Mirim é o IC 719/2008-8956

. Das partes, o “interessado” é o próprio Ministério Público

Federal e o “reclamado” está por apurar. Diz que o IC foi aberto devido à ocorrência de

possível mora no desfecho das providências administrativas necessárias à criação da

Reserva Extrativista de Tauá-Mirim. Diz a Portaria de Instauração, datada em 08 de

agosto de 2010:

Considerando que tramita nesta Procuradoria da República o

procedimento administrativo nº 1.19.000.000719/2008-89, instaurado

em razão de comunicação pela Superintendência do IBAMA no

55

O mapa com a proposta de criação da Resex vinha anexado ao ofício. 56

IC 1.19.000.000719/2008-89

41

Maranhão acerca de possíveis conflitos socioambientais, envolvendo

pescadores e outras comunidades tradicionais na zona rural de São

Luiz, em face de grandes empreendimentos que procuram se instalar

em regiões próximas as suas áreas, no Distrito Industrial de São Luís –

DISAL. Considerando que há provável sobreposição dessas áreas de

interesse ambiental para populações tradicionais e o perímetro do

DISAL, sendo que o IBAMA apresentou no passado proposta de

criação de Reserva Extrativista para a região […], processo que

começou a tramitar no ano de 2003. Considerando que desde que o

procedimento de criação da RESEX foi instaurado em 2003, não

houve conclusão de seu andamento, com omissão nas respostas do

Estado do Maranhão, Ministério de Minas e Energias, dentre outro, a

prejudicar a definição concreta dos interessados na implantação da

Unidade de Conservação. Considerando que diversos

empreendimentos de grande impacto ambiental tencionam se instalar

na mesma área, originando conflitos ambientais. Resolve o Ministério

Público Federal determinar a instauração de inquérito civil público

com a finalidade de apurar a ocorrência de eventual mora da

Administração Ambiental na criação da RESEX. (IC 719/2008-89, p.

01)

Na segunda folha do IC, consta um documento do IBAMA enviado ao MPF em

resposta ao ofício 281/2008, e que procura avaliar as possíveis relações entre a provável

instalação da Usina Termoelétrica Porto do Itaqui e a Reserva Extrativista do Taim

(atualmente Tauá-Mirim).

O documento inicia informando que o processo de criação da reserva havia sido

formalmente aberto em 200357

, e segue destacando o andamento do processo e as

especificidades da região que abrangeria a Resex, tanto no que diz respeito às

comunidades quando as características ambientais da região (IC 719/2008-89, p. 02-05).

Em um segundo momento, discorre sobre a UTE do Porto de Itaqui. Aponta, que

devido à proximidade com a termoelétrica, 295 metros, grande parte da área de RESEX

em criação está em sobreposição com as chamadas “Área de Influência Direta (AID)” e

“Área de Influência Indireta (AII)” do empreendimento. Utilizando um mapa como

57

“embora”, continua o texto do IBAMA, “segundo relatos da população local e registros em atas de

reuniões, as discussões para a criação de uma UC na região ocorriam desde 1995”. (IC 719/2008-89)

42

ilustração, o documento informa que a qualidade do ar, em quase toda a área da Resex,

estaria em influência direta e indireta da UTE, “podendo ter como consequências o

aumento de doenças respiratórias na população residente e a ocorrência de chuvas

ácidas”, estas, continua o documento, “poderão prejudicar o desenvolvimento de

pequenas agriculturas, além de acidificarem as áreas de brejo, culminando na morte de

organismos aquáticos e de espécies vegetais, incluindo a juçara”.

E depois de elencar uma série de possíveis impactos socioambientais que

ocorreriam com a instalação da UTE, o documento conclui que;

em relação dos impactos sociais descritos do EIA, considerados em

sua maioria como positivos, cabe ressaltar que um dos objetivos da

RESEX é proteger os meios de vida e a cultura das populações

tradicionais locais, portanto estes impactos sociais podem

desestruturar definitivamente os modos de vida tradicionais da

população residente na RESEX em criação. (IC 719/2008-89, p.10)

Na pagina 17 do IC, encontra-se um “termo de declarações” redigido em

nome de Alberto Cantanhede Lopes. O documento informa que no dia 02 de setembro

de 2008, o declarante, na condição de presidente da União dos Moradores do Taim, teria

vindo prestar as seguintes informações: Que a Empresa Maranhense de Administração

Portuária (EMAP) estaria tentando apropria-se de algumas áreas do povoado Porto

Grande, onde as comunidades tradicionais exercem atividade pesqueira. Que a mesma

empresa pretenderia se assenhorar da área com vistas a expandir seu porto pesqueiro.

Que tal empresa estaria utilizando-se de coerção moral contra os moradores,

inculcando-lhes a ideia de que eles deveriam deixar a área e contentar-se com qualquer

remuneração oferecida. Que cerca de vinte duas famílias teriam ido a EMAP, induzidas

a aceitar a indenização proposta em troca de deixaram a área. Que algumas dessas

famílias até teriam sido levadas ao cartório de registros. Alberto Cantanhede informou

ainda que a comunidades estaria em conflito permanente, entre os que reprovam e os

que apoiam a “ideia da tomada da área pela EMAP”.

Na página 18 do IC, apresenta-se um ofício do IBAMA – MA, de número

432/2008-GABIN, datado em 24 de junho de 2008 e assinado por Marluze do Socorro

Pastor Santos, então superintendente da instituição, Diz o documento que conforme

solicitação constante na Carta nº 524/2008 – SUMAT (Documento IBAMA nº

43

0693/2008) “informamos o indeferimento da solicitação para instalação de cerca no

Terminal do Porto Grande, pelos motivos expostos no Laudo Técnico de Vistoria

realizada no povoado Porto Grande e Vila Maranhão”.

“Laudo Técnico de Vistoria”, anexado no documento, efetuado pelo IBAMA no

dia 21 de maio de 2008, apresenta como objetivo oferecer subsídios técnicos para a

tomada de decisão pela gerencia executiva do IBAMA, quando a solicitação da EMAP,

para instalação de cerca com construção de alambrado na poligonal do Terminal

Pesqueiro do Porto Grande58

.

De acordo com o documento, a motivação para construção da cerca são as

“sucessivas invasões que o terminal pesqueiro vem sofrendo, não sendo esclarecido a

natureza de tais invasões”. O próprio Ibama, continua o relatório, em reunião realizada

em 23/04/2008 na sede do instituto, já havia considerado a cerca como “solução

adequada para impedir as invasões”.

O relatório aponta também que no momento da fiscalização a EMAP estava

dragando o porto de sua responsabilidade; que havia técnicos da empresa fazendo

levantamento fundiário em nove residências que seriam desapropriadas; que não tinha

sido constatada supressão do mangue, embora a construção da cerca fosse suprimir uma

porção considerável, “para possibilitar a construção de três pilastras de concreto que

dariam sustentação ao alambrado pretendido pela Empresa”; que o projeto necessitaria a

“retirada” de parte de uma escola municipal localiza nas proximidades, bem como uma

casa de moradores, que já estariam ali havia pelo menos 15 anos.

A vistoria apontava ainda que o presidente da associação dos moradores do

povoado de Porto Grande José Newton teria alegado que a construção da cerca

pretendida pela EMAP fecharia o único acesso existente à comunidade ao seu porto de

embarcações, e que a área em questão estaria inserida dentro do limite proposto para a

construção da RESEX de Tauá-Mirim.

Nas conclusões do documento, os analistas do IBAMA apresentavam parecer

desfavorável à construção da cerca, pois seria necessária a supressão de vegetação de

mangue, bem como a retirada da escola. Consideravam ainda que a cerca se constituiria

58

O relatório foi efetuado pelo Engenheiro Agrônomo Edson Sousa dos Santos e pelo Biólogo Alexandre

Caminha de Brito, ambos analistas ambientais do IBAMA – MA.

44

em barreira física limitadora ao acesso das comunidades tradicionais moradoras na

região.

Na página 25 do IC, é apresentada a resposta da EMAP ás solicitações do MPF.

Oficio, datado em 23 de setembro de 2008, vem assinado por Antônio Carlos de

Carvalho Lago, então Presidente em exercício.

O documento informa que a EMAP havia firmado acordo com o Governo do

Estado do Maranhão após o IBAMA lhe ter cedido o Terminal Pesqueiro do Maranhão

e quem em razão da sua condição de administradora do referido terminal, a empresa

estaria obrigada a zelar pela segurança e manutenção do imóvel, “bem como utilizar a

área nas suas atividades institucionais” e podendo utilizar o bem de forma direta ou

através de terceiros, mediante licitação.

Informa também que várias pessoas teriam construído residências ou cercado

partes da referida área. A situação teria levado a EMAP a “buscar amigavelmente a

desocupação pacífica do local, para o que promoveu reuniões com a participação de

todos os moradores”. Além disso, aponta que nenhum dos ocupantes teria “título de

propriedade”, o que “permitiu levar a bom termo as negociações para reaver a área, o

que foram firmados mediante escrituras públicas individuais”.

Para promover a desocupação e indenização das pessoas que lá se instalaram, a

empresa teria realizado vistoria técnica no local, identificando cada um dos ocupantes e

quantificando suas benfeitorias para que servissem de base para a negociação. E

somente um dos posseiros, naquele momento, não havia chegado a um acordo.

Por outro lado, continua a descrever o documento, não seriam verdadeiras as

declarações prestadas pelo Sr. Alberto Cantanhede Lopes, porque a EMAP não queria

se apossar da área, mas sim recuperá-la, pois cedida pelo IBAMA. A empresa também

negava as acusações de que havia se valido de expedientes escusos ou de medidas

destinadas a obrigar os posseiros a aceitar indenizações com as quais não concordassem.

A prova seria o fato de que todos os casos foram formalizados em cartório, com

assinatura livre e espontânea das escrituras públicas respectivas.

Anexado ao documento está o “Termo de Concessão de Direito Real de Uso

Gratuito de Bem Imóvel”, celebrado entre o IBAMA e o Governo do Estado do

Maranhão. O termo, datado de 1999, tem a assinatura da então Governadora do Estado

45

do Maranhão, Roseana Sarney Murad, e do então Presidente Substituto do IBAMA,

Ronaldo Ferreira Braga59

.

Na pagina 40 do IC, apresenta-se o ofício (GP/nº 695/2008) expedido pelo

ICMBio, datado de novembro de 2008 e assinado por Érika Fernandes Pinto,

Coordenadora Geral de RESEX e RDS.

O assunto do documento é a “Criação da Reserva Extrativista do Taim

(atualmente Tauá-Mirim) no município de São Luis (MA)”, e informa que o processo

em questão teria completado seu trâmite técnico administrativo e jurídico no ICMBio,

sendo remetido no dia 10 de outubro de 2008 ao Ministério do Meio Ambiente (MMA)

visando o envio à Casa Civil para a assinatura do Decreto de criação da Unidade. E

ainda que “tendo em vista o fato de todos os volumes que compõe o processo

encontrarem-se na Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente e objetivando

o atendimento da solicitação de cópias dos autos” havia sido encaminhado ao Ministério

o pleito da procuradoria para que se pudesse atender a solicitação.

O IC segue com uma nota técnica elaborada pela analista pericial Joíza Maria de

Arruda Madeiro. do MPF, sobre dados colhidos em visita ao povoado Porto Grande,

“onde está ocorrendo um conflito entre moradores e a EMAP, por conta do cercamento

do porto”. E ainda contém inúmeras notas técnicas, atas de reuniões, termos de

declarações e documentos referentes a organizações das comunidades, como estatutos

de uniões de moradores e uma representação assinada em conjunto por várias

associações de moradores.

Em 09 de maio de 2011, o procurador Alexandre Silva Soares, emite “Despacho

de Prorrogação de Conclusão de Inquérito Civil Público. O motivo alegado é a

“ausência de respostas técnicas indispensáveis ao desfecho das investigações já

demandadas a órgãos públicos, mas ainda não obtidas”.

Em 16 de Junho de 2011, foi efetuado um Relatório Técnico (014/2011) sobre

uma reunião entre ICMBio, Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Agência

Nacional de Transporte Aquaviários (ANTAQ), em que está última instituição

apresentava proposta de alteração da área destinada à RESEX de Tauá-Mirim, com

supressão de parte da área (figura 4)

59

O documento é seguido por uma série de documentos relativos à EMAP.

46

Figura 4: Proposta da ANTAQ de limites para a Resex de Tauá-Mirim

O MMA - Brasília, em ofício (nº 28/2011/DAP/SBF/MMA) enviado no dia 16

de junho de 2011, comunica ao MPF/MA que estaria enviando juntamente ao

documento uma “nota informativa” com as informações solicitadas.

Na referida nota, a analista ambiental do MMA de Brasília informa que, via de

regra, os processos de criação de UC têm requerido anos de discussão, entre sua etapa

de estudos em campo e o envio do processo à Presidência da República para assinatura

de Decreto de criação da unidade de conservação. E isso se deveria, principalmente,

pela “necessidade de discussão e compatibilização das propostas com os demais setores

do governo federal e com o governo estadual, conforme orientação da Casa Civil da

Presidência da República”.

Entre os apontamentos da analista ambiental está a informação de que o

Governo do Estado do Maranhão, por meio de Ofício (anexado ao documento) solicita

ao MMA que nenhuma decisão a respeito da criação da unidade de conservação seja

tomada antes que os projetos industriais e portuários previstos para a região sejam

criteriosamente analisados.

47

No documento em questão (Ofício nº 061/2011 – GG), assinado por Roseana

Sarney no dia 31 de março de 2011 e destinado a Ministra do Estado do Meio

Ambiente, Izabella Mônica Vieira Teixeira, é solicitado que não se tomem nenhuma

decisão sobre a referida UC sem que os projetos sejam analisados, para que, diz o

documento “a necessária conservação da biodiversidade e do modo de vida das

populações tradicionais não prejudique o desenvolvimento econômico do Estado do

Maranhão”.

Um pouco mais adiante no IC, é apresentada uma “memória de reunião”

ocorrida em 30 de março de 2012, na sede do Instituto Chico Mendes (ICMBio), a

respeito da criação da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim. Estavam presentes além dos

agentes do MPF, o Coordenador do Programa de Criação de Unidades de Conservação,

analista do ICMBio/MA, representantes da comunidade do Cajueiro, Vila Maranhão e

Tauá Mirim.

Nesta mesma reunião, discutiu-se a existência de oposição do Estado do

Maranhão aos limites definidos para referida RESEX, por estar sobreposto à região

pretendida para o Distrito Industrial estadual, bem como da ANTAQ, quanto à área do

porto organizado. O representante estadual firmou a existência do interesse do estado

em promover empreendimentos na região. Ficou acordado que o ICMBio iria apresentar

nova proposta de limites para RESEX, levando em consideração os vários interesses em

conflito. O desenho definitivo seria encaminhado ao Estado do Maranhão, para

manifestação e discussão.

No dia 08 de maio de 2012, o IC é novamente prorrogado pelos mesmos

motivos: ausência de respostas técnicas indispensáveis ao desfecho das investigações. E

no dia 16 de maio do mesmo mês é apresentado o “Laudo Técnico”, assinado por Rafael

Gomes Gerude, Analista Pericial em Biologia do MPF, em que consta o novo limite da

área da RESEX proposto pelo ICMBio. (figura 5). Tais limites apresentavam dois

aspectos principais: 1) a exclusão da comunidade Cajueiro e 2) a incorporação de novas

áreas de utilização das comunidades, estendendo-se a sul e incorporando uma maior

faixa de manguezais que margeiam o canal.

E o laudo técnico ainda indicava que os Portos do Itaqui e da Alumar estão fora dos

limites propostos para a Resex, que as áreas de extração mineral da região do Porto

Grande foram excluídas dos limites, porque encontram cronicamente impactadas.

48

Figura 5: Nova proposta para criação da Resex do Tauá-Mirim

49

6 CONCLUSÕES

Este trabalho, embora renovado em novo processo para o próximo semestre,

adquire a denominação de “relatório final”. O principal objetivo da pesquisa foi

concretizado, pois se conseguiu reunir um grande aporte de documentação referente aos

Inquéritos Civis Públicos que se encontram em andamento no Ministério Público

Federal.

nos permite fazer algumas considerações, que mesmo não sendo de caráter definitivo,

abrem amplo espaço à continuidade da pesquisa. Meus primeiros contatos com o

Ministério Público Federal60

e com a pesquisa sobre os conflitos socioambientais me

proporcionaram impressões, indagações e, de certa forma, constatações que, mesmo

incompletas, serão abordadas aqui em forma de conclusões.

O caminho que vai da denúncia até uma Ação Civil Pública pode se tornar

tortuoso e demorado. Quando, por exemplo, o MPF aciona os demais órgãos para

averiguar uma denúncia, pode ocorrer um entrave na investigação, devido à deficiência

dos demais órgãos ambientais. Assinala-se ainda, neste caso, que o próprio Ministério

Público, pela falta de especialistas para atender a demanda do estado, também encontra

dificuldades para dar suporte técnico às investigações.

Por um lado, a demora em averiguar as denúncias pode gerar na população a

ideia de inoperância e também certa desconfiança no poder público, refletida no pouco

número de representações formais por parte dos cidadãos que acabam considerando as

denúncias um esforço vão. Por outro, assinala-se que a falta de interesse da sociedade

civil, que não controla as instituições públicas e desconhece as instâncias necessárias

para se efetuar uma denúncia no MPF, alimenta um círculo vicioso que vai dar

novamente na inoperância do serviço público. Esta situação colabora com a criação do

fato de que as denúncias tendam a chegar com mais facilidade pelos veículos da

imprensa.

As constatações são ainda preliminares, mas nos permitem, no entanto, ressaltar

que quando as denúncias sobre conflitos socioambientais chegam ao Ministério, muitas

60

Visita ao Ministério Público Federal, 12 de dezembro de 2011.

50

vezes, vêm por outros caminhos. Por exemplo, trazida por um conhecido de algum

funcionário. Desta forma, uma ação pode acabar sendo tratada no âmbito individual,

quando deveria ser coletivizada.

À primeira vista, esta prática pode ser analisada negativamente. Pular as

instâncias necessárias para se efetuar uma denúncia, ao mesmo tempo em que colabora

com o enfraquecimento do poder público, pode tornar o denunciante refém daquele que

se encarregou de levar a denúncia para frente.

Mas a situação é mais complexa e embora a população urbana e industrial tenda

a considerá-la como um obstáculo ao bom funcionamento do Estado, vista pela lógica

dos povos e grupos tradicionais, cujas relações sociais se dão no âmbito da família (SÁ,

2007) pedir que um “conhecido de algum funcionário” leve a denúncia é o caminho

mais esperado, mais confiável e, talvez, o único conhecido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei Complementar Federal nº 75, de 20 de Maio De 1993 Dispõe sobre a

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BRASIL. Resolução nº 23, de 17 de Setembro de 2007. Regulamenta os artigos 6º,

inciso VII, e 7º, inciso I, da Lei Complementar nº 75/93 e os artigos 25, inciso IV, e 26,

53

inciso I, da Lei nº 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a

instauração e tramitação do inquérito civil. Brasília, 2007.

BRASIL. CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

Resolução nº 87, de 6 de abril de 2006. Regulamenta, no âmbito do Ministério Público

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Complementar n° 75/93 e art. 8°, § 1 °, da Lei n° 7.347/85). Diário da Justiça, Brasília,

7 abr. 2006. Sec. 1, p. 9. Disponível em: <http://csmpf.pgr.mpf.gov.br >. Acesso em: 10

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___________Resolução nº 23, de 17 de Setembro de 2007. Regulamenta os artigos 6º,

inciso VII, e 7º, inciso I, da Lei Complementar nº 75/93 e os artigos 25, inciso IV, e 26,

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instauração e tramitação do inquérito civil. Brasília, 2007.

___________Resolução Nº 104, De 6 de abril de 2010. Estabelece regras mínimas

comuns que deverão orientar a repartição dos serviços nas diversas unidades do

Ministério Público Federal.