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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
Bolsista: Darlan Rodrigo Sbrana
Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior
LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO
NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
São Luís – MA
2012
2
____________________________________________
Darlan Rodrigo Sbrana
____________________________________________
Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior
LEVANTAMENTO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO
NO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Relatório apresentado ao Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica – PIBIC, na Universidade
Federal do Maranhão.
São Luís – MA
2012
3
RESUMO
Este trabalho apresenta os resultados obtidos com a pesquisa sobre os conflitos
socioambientais existentes entre grandes empreendimentos e grupos sociais por eles
atingidos no estado do Maranhão. São apresentadas, em um primeiro momento,
considerações referentes às noticias veiculadas pela imprensa, bem como o debate em
audiências públicas. Em um segundo momento, são considerações sobre atuação e o
funcionamento do Ministério Público Federal em situações de conflitos, bem como a
exposição de dados dos Inquéritos Civis atualmente em andamento.
Palavras-chave: Conflitos Ambientais. Imprensa. Ministério Público Federal.
4
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................05
2 OBJETIVOS...............................................................................................................09
2.1 Objetivo Geral...........................................................................................................09
2.2 Objetivos Específicos................................................................................................09
3 METODOLOGIA.......................................................................................................10
4 PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS………………………………................11
5 RESULTADOS...........................................................................................................12
6 CONCLUSÕES...........................................................................................................22
REFERÊNCIAS.............................................................................................................24
5
1 INTRODUÇÃO
Este projeto, desenvolvido a partir do 2º semestre de 2011 e 1º semestre de 2012,
e renovado novamente para 2012, contou com o apoio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
A lógica da industrialização em todos os países que recebem a pecha de
“subdesenvolvido” está marcada pela presença arbitrária do grande capital; pela atuação
do Estado em defesa da grande propriedade privada; pelo convencimento da população
de que o chamado “desenvolvimento” seria fundamental para a superação da pobreza; e
pelo deslocamento compulsório dos povos e grupos sociais tradicionais que ocupam as
áreas flertadas pelos referidos projetos.
No Brasil, tal configuração ganhou forte impulso a partir da primeira metade do
século XX, acompanhando questões de ordem global que foram encetadas com a Crise
Econômica de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. Por um lado, esses acontecimentos
fizeram com que a procura por produtos agropecuários diminuísse consideravelmente,
provocando grandes prejuízos à balança comercial brasileira. Por outro lado, o
encarecimento dos produtos industrializados importados, essenciais para suprir as
necessidades nacionais, forçou o Estado a assumir um caráter intervencionista e, ao
mesmo tempo, o obrigou a elaborar um projeto de fomento à indústria nacional
(DOELLINGER, 2010).
Um bom exemplo de como se iniciou o processo de industrialização nas
chamadas “periferias do capitalismo” está na Missão Técnica Estadunidense, que
visitou o Brasil ainda no correr da Segunda Guerra. Conhecida como Missão Cooke, ela
estava incumbida de elaborar um vasto diagnóstico sobre a situação econômica do país.
Suas conclusões, carregadas de forte conteúdo político, concentraram-se em destacar a
deficiência energética, a carência no setor de transportes e a escassez de matérias-
primas básicas à industrialização. Diante dessa conjuntura, o governo de Getúlio Vargas
elaborou um projeto desenvolvimentista que, financiado em grande parte pelos Estados
Unidos, fomentaria a indústria de base e depois a indústria em geral (TEIXEIRA;
GENTIL, 2010).
6
A partir da década de 1970, sob a égide de uma ditadura militar, a bandeira do
desenvolvimento chegava à Amazônia, tendo como um dos carros-chefes o “Projeto
Grande Carajás”. Destinado a integrar a região à dinâmica econômica do país, tal
projeto visava extrair e comercializar as ricas jazidas de minério de ferro, além do
manganês, do cobre, do níquel, da bauxita, da cassiterita e do ouro da Amazônia
Oriental1. Para tanto, o governo iniciou a instalação da infraestrutura necessária, como
a construção de rodovias e ferrovias; de portos e aeroportos; de usinas hidrelétricas
(SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010).
No Maranhão, situado na área de abrangência do referido projeto, podem ser
elencados uma série de implementos estruturais ligados ao processo de modernização da
região. De acordo com Silva, Ribeiro Junior e Sant‟Ana Júnior (2011), pode-se citar:
Estradas de rodagem cortando todo o território estadual e ligando-o ao
restante do país; a Estrada de Ferro Carajás, ligando a província mineral de
Carajás (sudeste do Pará) ao litoral maranhense; o Complexo Portuário de
São Luís, formado pelos Portos do Itaqui (dirigido pela Empresa Maranhense
de Administração Portuária), da Ponta da Madeira (de propriedade da então
Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale) e da ALUMAR; oito usinas de
processamento de ferro gusa nas margens da Estradas de Ferro Carajás; uma
grande indústria de alumina e alumínio (ALUMAR, subsidiária da ALCOA)
e bases para estocagem e processamento industrial de minério de ferro (Vale)
na Ilha do Maranhão; um centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro
de Lançamento de Alcântara – CLA); a Termelétrica do Porto do Itaqui (em
construção); projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho, eucalipto)
no sul, sudeste e leste do estado; bem como, mais recentemente, a construção
da Refinaria Premium da Petrobrás e a Usina Hidrelétrica do Estreito.
O espaço físico que recebeu as obras, apesar de ser então considerado pelos
planejadores governamentais como um “grande vazio demográfico” a ser incorporado à
lógica desenvolvimentista, era habitado por povos e grupos tradicionais (SANT‟ANA
JÚNIOR; GASPAR, 2007), o que originou uma situação de conflito ambiental.
Segundo Acselrad (2004, p. 26), este é entendido aqui como:
Aquele que envolve grupos sociais com modos diferenciados de apropriação,
uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos
grupos tem a continuidade de formas sociais de apropriação do meio que
1 A área do projeto é uma das maiores e mais ricas em minerais do mundo, abrangendo terras dos sudeste
do Pará, norte do Tocantins e sudoeste do Maranhão.
7
desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis (…) decorrentes do
exercício das práticas de outros grupos.
No entendimento do Antonio Carlos Diegues, as chamadas populações
tradicionais, em geral, vivem em relativo isolamento, são analfabetas2, possuem pouco
poder político e não costumam ter títulos de propriedade da terra3, por isso são
facilmente desapropriadas sem que sejam realmente compensadas pela expropriação do
espaço que habitavam há gerações (DIEGUES, 2001).
No Maranhão, de certa forma, as comunidades tradicionais enfrentam a mesma
história de usurpação de direitos4 e de desmantelamento dos povoados em benefício dos
grandes empreendimentos capitalistas.
Em 2004, quando se travava a discussão a respeito da criação do Pólo
Siderúrgico de São Luís, uma deputada, discursando na tribuna da Assembléia
Legislativa do Estado do Maranhão, enfatizava que a instalação da Companhia Vale do
Rio Doce (atual Vale)5 havia provocado o desaparecimento de inúmeras comunidades,
como Boqueirão, Retorno, Irinema, Conceição, Vila Santo Antônio, que hoje jazem
apenas na lembrança dos antigos moradores.6
Naquele mesmo ano, o acesso ao mercado imobiliário em São Luís era permitido
a uma pequena parcela de aproximadamente 10% da população7, o que de certa forma
indica o risco de marginalização que se apresentava às comunidades que habitam
território entre o Porto do Itaqui e o Rio dos Cachorros, que seriam deslocadas mais
2 Entre os moradores da Reserva do Taim, 8% não têm escolaridade; 9% possuem apenas a escolaridade
infantil; 8% completaram apenas o ensino fundamental; e 40% tem o fundamental incompleto. Os dados
estão no Laudo sócio-econômico e biológico para criação da Reserva Extrativista do Taim. 3 Laís Mourão Sá (2007) expõe os termos “terra de santa” e “terra de dono”, referentes à organização
histórica da propriedade de terras no Maranhão, sendo, originada ou do latifúndio tradicional ou das
ordens religiosas. 4 Dois exemplos marcantes são a “lei de terras” de 1969, que colocou à venda as terras devolutas, em
grande parte, ocupadas pelos camponeses; e, mais recentemente, em 2004, o projeto de mudança da “Lei
de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís”, que pretendia considerar como
área industrial todo território almejado para a construção do pólo siderúrgico (SANT‟ANA JÚNIOR;
GASPAR, 2007; SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010). 5 1976 é o ano do Decreto nº 77.608 que outorgou a Vale a concessão para construção, uso e exploração
da estrada de ferro entre Carajás, província mineral localizada no sudoeste do Pará e São Luís, capital do
Maranhão (SILVA; RIBEIRO JUNIOR; SANT‟ANA JÚNIOR, 2011). 6 Discurso pronunciado, no dia 09 de junho de 2004 , na tribuna da Assembleia Legislativa do Estado do
Maranhão, pela deputada Helena Barros Heluy (PT). Acessível na página eletrônica da Assembleia
Legislativa: http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=567. 7 Revista Caros Amigos, numero 158; p. 13. Entrevista com Ermínia Maricato, urbanista ex-Secretária
Executiva do Ministério das Cidades; atuou na coordenação técnica da Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano, entre 2002 e 2005.
8
uma vez em nome do desenvolvimento. O polo siderúrgico deveria ocupar inicialmente
a área de 2.471,71 hectares. Para concretizar sua instalação, deveriam ser deslocados
cerca de 14.500 habitantes, estabelecidos em doze povoados: Vila Maranhão, Cajueiro,
Rio dos Cachorros, Taim, Porto Grande, Limoeiro, Anandiba, São Benedito, Vila
Conceição, Parnauaçu Madureira e Camboa dos Frades.
Um observador desse processo histórico, iniciado no Maranhão a partir da
década de 1970 e ainda hoje inacabado, quando a imprensa começou a divulgar a
implantação do Polo Siderúrgico de São Luís, talvez calculasse que os citados povoados
estivessem próximos de se extinguirem. Contudo, a partir daquele momento aumentou a
resistência e a organização contra tal empreendimento. O projeto esbarrou em forte
oposição por parte de povos e grupos sociais tradicionais, apoiados também por
ambientalistas e por movimentos sociais.
O grito de resistência dos povoados camponeses começou a ecoar nos veículos
de comunicação e no debates políticos e acadêmicos – ambientes especificamente
urbanos. Mesmo que predominantemente a favor do polo siderúrgico, a imprensa
daquele período, as redes sociais e os arquivos da Assembleia Legislativa dão conta da
organização das comunidades tradicionais, tendo como maior resultado o processo de
implementação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, que inicialmente abrangia as
comunidades de Parnauaçu, Cajueiro, Porto Grande, Vila Maranhão, Limoeiro, Rio dos
Cahorros e Taim (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010).
9
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
O presente trabalho tem como objetivo geral a identificação e a análise dos
conflitos socioambientais no Maranhão, decorrentes dos projetos desenvolvimentistas
instalados no estado no correr da década de 1970 e seus desdobramentos na atualidade.
2.2 Objetivos específicos
Considerando os conflitos socioambientais atualmente existentes entre grandes
empreendimentos e grupos sociais por eles atingidos no Maranhão, esta pesquisa visa
buscar elementos para a análise dos conflitos socioambientais, apreciando o conjunto
dos sujeitos envolvidos e tendo como objetivos específicos:
Aprofundar estudos teóricos sobre: modelos e projetos de desenvolvimento,
questões socioambientais, conflitos, populações tradicionais, legislação
ambiental;
Participar da alimentação permanente do banco de dados do GEDMMA
referente aos conflitos socioambientais no Maranhão;
Acompanhar e registrar informações sobre conflitos socioambientais no
Ministério Público Federal, na Promotoria de Minorias e Meio Ambiente.
10
3 METODOLOGIA
Revisão bibliográfica;
Participação das reuniões do Grupo de Estudos;
Levantamento de informações sobre conflitos socioambientais no Ministério
Público Federal, na Promotoria de Minorias e Meio Ambiente;
Sistematização das informações levantadas e alimentação do banco de dados do
GEDMMA.
11
4 PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS
A operacionalização da pesquisa sobre os conflitos socioambientais no
Maranhão a partir da década de 1970 e seus desdobramentos na atualidade exigiu
constante revisão bibliográfica, com a finalidade de alcançar o nivelamento teórico do
grupo GEDMMA. O grupo reúne-se semanalmente com o objetivo de aprofundar os
estudos teóricos sobre: modelos e projetos de desenvolvimento, questões
socioambientais, conflitos, populações tradicionais, legislação ambiental. Nas reuniões
também são debatidos clássicos das Ciências Sociais e estudos que remetem a
metodologia sociológica e antropológica, fundamentais para propiciar um
direcionamento nos trabalhos.
Outro elemento da pesquisa está fundamentado na organização e análise de
dados quantitativos referentes aos conflitos socioambientais, às estratégias de luta dos
agentes envolvidos e aos mediadores dos conflitos, sejam eles ambientalistas, grupos
sociais, funcionários públicos, políticos, instituições religiosas, imprensa e cidadãos
comuns. Tais dados, por um lado, estão relacionados às notícias de jornais, revistas e
mídia eletrônica, e são coletados e organizados no banco de dados do GEDMMA de
acordo com o tipo de conflito socioambiental que dizem respeito, podendo ser conflitos
por território, por externalidades ou ambos.
Por outro lado, a pesquisa também visa reunir dados advindos dos Inquéritos
Civis (IC) movidos pelo Ministério Público Federal (MPF). Neste caso, fez-se
necessário entender o funcionamento desta instituição e dos procedimentos necessários
para instaurar um IC, bem como efetuar reuniões periódicas, tanto no intuído de
acompanhar questões relativas aos conflitos socioambientais no Maranhão, quanto para
ter alcance aos documentos que serviriam de fontes para a pesquisa.
12
5 RESULTADOS
Os debates sobre a implantação do Polo Siderúrgico de São Luís (MA) deixaram
registrado (seja na mídia eletrônica, na imprensa escrita, no debate político, nas ações
do Ministério Público, nas leis e nas tentativas de alterá-las, e, enfim, na memória
coletiva dos povos e grupos tradicionais) grande volume de informações referentes à
organização e a resistência das comunidades tradicionais, bem como a atuação dos
grandes empreendimentos capitalistas no decorrer dos conflitos socioambientais
causados pelo desdobramento do “Projeto Grande Carajás”. Pelas informações de
veiculadas desde 2001, quando começaram a divulgar a escolha da cidade de São Luís
(MA) como futura sede do polo siderúrgico (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010),
podem-se fazer constatações preliminares.
As fontes estudadas apontam, de início, que os setores interessados na
implementação do Polo Siderúrgico começaram a se organizar, a estabelecer contatos e
a reunir forças em prol da realização do projeto. Nesse sentido, em 2003, foi realizada
uma palestra organizada8 pelo Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado
do Maranhão (Sincopem), que convidou o gerente9 da Indústria, Comércio e Turismo,
Danilo Furtado, para discutir a execução dos trabalhos de terraplanagem do Polo
Siderúrgico. A reunião ocorreu no edifício da Federação das Indústrias do Estado do
Maranhão (FIEMA). Tudo indica que houve um número elevado de reuniões como
essa, já que, em apenas dois meses depois, a palestra se repetiria, desta vez a convite do
Sindicado da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-MA)10
.
Na continuidade do processo, enquanto o então prefeito de São Luís (MA),
Tadeu Palácio, justificava, em 2004, o projeto de reformulação da Lei Zoneamento,
Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano do Município de São Luís – MA
(1992)11
, afirmando que a área teria uma “vocação natural nitidamente industrial”
(SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010), os veículos de informação começavam a
divulgar notícias favoráveis a implantação do Polo. Representantes do governo e dos
grandes empreendimentos, sempre munidos pela ajuda de técnicos do setor industrial,
8 http://www.genteenegocios.com.br/2003/09-11-2003/gente.htm
9 Equivalente a secretário estadual, naquele período.
10 http://www.genteenegocios.com.br/2004/25-01-2004/gente.htm
11 Já abordada neste trabalho, a referida lei impedia a construção do Polo Siderúrgico já que considerava
como Zona Rural a área almejada para sua implantação. O projeto de reformulação da lei pretendia
transformar a mesma área em Zona Industrial.
13
destacavam o número de empregos, o desenvolvimento econômico, a superação dos
atrasos sociais e a melhoria da qualidade de vida que seriam propiciados pelo
empreendimento.
A ideia de “progresso” e de “superação dos atrasos” fica evidente em frases de
efeito que eram veiculadas juntamente com os dados de perspectiva econômica
previstos com a instalação do Polo Siderúrgico. O então governador, José Reinaldo
Tavares, afirmava no jornal “O Estado do Maranhão” que “A implantação do polo
siderúrgico será um importante fator de desenvolvimento regional que vai mudar o
perfil industrial do nosso estado”12
. O então presidente da Federação das Indústrias do
Estado do Maranhão (Fiema), Jorge Machado Mendes, em uma matéria intitulada de
“Maranhão terá Polo Siderúrgico”, ia mais longe e considerava que “com a construção
da siderúrgica em São Luís, daremos um grande salto para nos firmarmos no cenário
nacional”13
. Opondo o projeto que traria o “desenvolvimento” para São Luís ao “atraso”
vinculado aos povoados que habitavam o território, o concessionário local da rede de
TV SBT e, atualmente, Senador da República pelo Maranhão, Edinho Lobão, afirmava
que não se podia “perder um projeto de onze bilhões de dólares por causa de meia dúzia
de casas de taipa” (SANT‟ANA JÚNIOR; SILVA, 2010).
Por essa época, a imprensa começava a divulgar cursos de preparação
profissional para as áreas de engenharia, construção civil, mecânica, metalúrgica,
eletroeletrônica e gestão e controle. A proposta seria capacitar mão de obra maranhense
para a realização do projeto. Em setembro de 2004, o “Jornal Pequeno” anunciava a
primeira iniciativa do município de São Luís em capacitar trabalhadores locais tendo em
vista a implantação do Polo Siderúrgico. Em parceria com Serviço Nacional da
Indústria (Senai), deu início ao curso de Eletricista Predial-Industrial, ministrado a 15
voluntários14
.
O número de 15 escolhidos ainda estaria um pouco longe da promessa feita
cinco dias depois pelo governo do Estado, e veiculada no mesmo jornal. Em iniciativa
conjunta com Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale), prefeitura de São Luís,
instituições de ensino de nível médio e superior, entidades de classe da indústria e
comércio, ONGs e empresas, o então governador José Reinaldo Tavares lançou o Plano
12
http://www.portosma.com.br/syngamar/noticias.php 13
http://www.senai.br/br/home/noticiadetalhe.aspx?id=641 14
http://www.jornalpequeno.com.br/2004/9/16/Pagina5102.htm
14
Estadual de Capacitação de Recursos Humanos para o Distrito Siderúrgico de São Luís,
que teria o objetivo de capacitar 15 mil profissionais maranhenses para atender a
demanda a ser gerada com a implantação do Polo Siderúrgico15
, que, curiosamente,
também demandava que número parecido de habitantes – cerca de 14,5 mil – fosse
deslocado de suas terras para a concretização do projeto.
Parte da estratégia dos representantes do Estado e do grande capital era apontar
que o projeto seria a solução para livrar o Maranhão da condição de um dos estados
mais pobres, com um dos piores IDH do Brasil16
. E os números lançados pelos grandes
empreendimentos eram altos. No jornal “O Estado do Maranhão”, anunciavam 50 mil
empregos diretos. A balança comercial maranhense teria um incremento de 83% nos
primeiros anos. A produção anual do polo siderúrgico significaria um incremento de
US$ 650 milhões para o estado17
. Por isso, os problemas sociais que poderiam ser
engendrados com o deslocamento dos povoados, inicialmente passaram despercebidos
diante da perspectiva de crescimento econômico anunciada com a criação do Polo
Siderúrgico de São Luís.
Porém, a resistência dos povoados pertencentes à área pretendida para instalação
do projeto, começou a fazer-se sentir. A imprensa registrava os eventos ocorridos
naquele período – como em Audiências Públicas, em discursos na Assembléia
Legislativa, em manifestações sociais – com títulos bem sugestivos, tais como
“Lideranças de Porto Grande rejeitam polo siderúrgico”, “„Rio dos Cachorros‟ resiste ao
Polo Siderúrgico” e “Comunidade do Taim rejeita Polo Siderúrgico”18
. A análise destes
registros nos permite fazer algumas considerações sobre a relação que os representantes
do grande capital e o Estado mantinham com os povoados tradicionais, bem como a
forma que estes organizavam para resistir à implantação do referido Polo.
Emília Pereira, moradora de Porto Grande, demonstrando preocupação com a
implantação do projeto advertia:
Eles deveriam era criar projetos, empregos que tivessem renda para a pobreza
que temos aqui. Eu sou contra o polo porque não vai beneficiar as nossas
15
http://www.jornalpequeno.com.br/2004/9/21/Pagina5317.htm 16
Atualmente o Maranhão, com IDH igual a 0,683, só fica a frente de Alagoas (0,677). 17
http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/03/311298.shtml 18
Respectivamente em: http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm;
http://www.riosvivos.org.br/Noticia/+Rio+dos+Cachorros++resiste+ao+Polo+Siderurgico/7521;
http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018.
15
famílias. Vai é acabar. A atividade que tem aqui é pescador, lavrador. Não
tem uma estrutura formada para ir para outro lugar, mesmo que tenha uma
indenização (Jornal Pequeno, 2006, Edição 21.799).
A preocupação com o deslocamento do território fica bem evidente no
depoimento da senhora Flor de Liz Santana, de 70 anos, hoje moradora do Taim. Ela foi
remanejada para Vila Sarney nos anos 1980. O marido utilizou parte da indenização
para comprar um carro. Porém, como não sabiam dirigir, contrataram um motorista.
Com o tempo o carro estragou, o dinheiro acabou e eles tiveram que se mudar para o
Taim, onde foram acolhidos pelos moradores. Hoje viúva, dona Flor lamenta a aventura
e não recomenda a indenização para ninguém. “Cada qual pegou uma mixaria, não deu
para enriquecer, não deu para hoje em dia ter nada de lá”19
.
Sant‟Ana Júnior e Silva (2010, p.166), analisando o mesmo relato, apontam que
as recordações daquela senhora remetem, por um lado, à insuficiência da indenização e
à inabilidade para lidar com dinheiro em um local com características e necessidades
diferentes das que a família estava acostumada a enfrentar; e, por outro lado, deixam
evidente que “a experiência de deslocamento dos povoados vizinhos ajudou no processo
de resistência ao empreendimento, pois, em geral, os deslocados acentuavam a forma
truculenta com que tiveram que deixar seus povoados de origem”.
Truculência e injustiça, ainda hoje, parecem estar associadas à forma com que os
povoados tradicionais veem o processo de instalação dos grandes projetos de
desenvolvimento. Maria Máxima Pires, então com 46 anos, uma das lideranças de Rio
dos Cachorros, em uma entrevista a respeito da instalação do Polo Siderúrgico, criticava
a relação autoritária dos gestores do empreendimento com a comunidade. Ela conta que
em 2004, quando a Vale, a empresa Diagonal e o Governo do Estado iniciaram o
cadastro das famílias e o levantamento de bens, numerando das casas eles “Invadiram as
comunidades, informando que tinham até dezembro para limpar a área. Os idosos e
crianças ficaram apavorados”. Para amenizar o impacto, os técnicos, em outra
estratégica comum relacionada aos grandes projetos de desenvolvimento no Maranhão,
lançavam a promessa de que os moradores teriam prioridade na inscrição para obter
emprego no polo20
.
19
http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018 20
Idem.
16
Sant‟Ana Júnior e Silva (2010), em estudo sobre o povoado de Taim,
apresentam uma característica na relação entre os agentes do Estado e dos grandes
empreendimentos com as populações tradicionais. De acordo com eles:
Enquanto os Governos Municipal, Estadual e Federal e os grandes
investidores veem os territórios como uma oportunidade de bons negócios,
por apresentar uma logística formada pelo Complexo Portuário do Itaqui,
estradas e ferrovia e por sua localização privilegiada, mais próxima dos
centros de comércio norte-americanos e europeus; as populações locais os
veem como o lugar em que “nasceram, cresceram, se criaram”, em que
construíram uma história, em que mantêm relações de vizinhança,
compadrio, amizade, e que lhes é provedor dos meios de sobrevivência
obtidos com o trabalho na terra, no mar e nos rios, cuja mão-de-obra é
mobilizada através de uma imbricada rede de solidariedade.
Esta contrariedade entre as formas de encarar o espaço físico cria duas formas
distintas de reivindicar um mesmo território. Como já vimos, para iniciar a instalação do
Polo Siderúrgico, seus promovedores, sempre apoiados em estatísticas e na autoridade
de especialistas, divulgavam o desenvolvimento econômico e a superação dos atrasos
sociais que seriam propiciados pelo projeto. Já as comunidades tradicionais, para
resistir, ressaltavam seus vínculos com a terra, seus laços afetivos, suas tradições e sua
cultura.
Máxima Pires argumentava, depois de conturbada audiência pública21
, que
“todas as decisões em torno do Polo Siderúrgico estão sendo tomadas sem que levem
em conta nossos laços afetivos”. A moradora do povoado de Rio dos Cachorros era
incisiva ao estabelecer os vínculos com a terra. “Nós chegamos ali antes da Vale do Rio
Doce, (...) não estamos dispostos a perder nossa identidade”, completava22
.
No povoado de Porto Grande, outra moradora, dona Aldenora Cantanhede
Gomes, então com 63 anos, destacava os vínculos com o território ressaltando a cultura
e as tradições. “A cultura aqui é grande. Desde criança saía, as minhas tias botavam
Reis e eu continuei. Eu gosto muito daqui, é o meu lugar”23
.
21
Após Audiência pública realizada no final de maio de 2005, o empresário Edinho Lobão Filho havia
declarado na TV Difusora que os participantes das comunidades tradicionais eram baderneiros. 22
http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=839 23
http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm
17
Em outra entrevista, as adolescentes Carla dos Santos Dias, Deusimar Martins e
Graciela Pires da Silva, ao passar pela trilha que liga Rio dos Cachorros ao Taim
diziam: “Esse caminho lembra muito a nossa infância, as brincadeiras e as lendas da
nossa cultura”. Elas passavam pela gruta de pedra erguida no meio da mata onde a
população celebra “Nossa Senhora da Conceição”, uma das tradições festivas do
calendário religioso da zona rural de São Luís24
.
Os “caminhos da infância”, as “lendas” e as “tradições culturais” ajudavam que
os povoados tradicionais estabelecessem uma memória coletiva a respeito das origens
do território, reforçando ainda mais os laços afetivos e a solidariedade do grupo.
Outra moradora entrevistada do povoado de Rios dos Cachorros, Rosilda Vera
Gomes, então com 64, contava como o povoado havia recebido o nome. Uma família
que morava na beira do porto havia se mudado, deixando lá só os cachorros. Quando os
pescadores iam embarcar os cães latiam e avançavam. “Então ficou assim, sair para
pescar era no rio dos cachorros”. A moradora ainda contava que até foi mordida por um
deles quando criança25
.
As Audiências Públicas em que se discutiam a implantação do Polo Siderúrgico
colocaram frente a frente, para o debate político, os dois lados em conflito: os
representantes do Estado e do grande capital, que buscavam a realização do
empreendimento, e os grupos sociais tradicionais, ambientalistas, movimentos sociais,
professores e estudantes universitários e representantes políticos, contrários ao projeto.
Estes registros nos permitem fazer algumas considerações a respeito das estratégias de
debate, do poder político concentrado nos dois lados em questão e também a respeito da
forma com que os conflitantes compreendiam a outra parte.
Por um lado, pode-se observar pelas fontes da imprensa que os representantes
dos povoados haviam se organizado e passaram a passaram a marcar presença em todas
as audiências. O advogado Guilherme Zagallo, um dos coordenadores do Reage São
Luís26
, em entrevista cedida para o Jornal Pequeno, em fevereiro de 2006, explicava que
“Pelo menos 16 entidades e grupos de 50 ou mais cidadãos solicitaram a realização de
24
http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Comunidade+do+Taim+rejeita+Polo+Siderurgico/8018 25
http://www.riosvivos.org.br/Noticia/+Rio+dos+Cachorros++resiste+ao+Polo+Siderurgico/7521 26
Rede que reúne entidades de organização da sociedade civil maranhense que surgiu envolvida nas
discussões acerca da implantação do polo siderúrgico em São Luís, no ano de 2004 (SANT‟ANA
JÚNIOR; SILVA, 2010)
18
audiências. Estamos nos preparando através de oficinas para fomentar a participação das
pessoas e entidades nas audiências”27
.
Uma das acusações dos moradores dos povoados, que faz alusão à concentração
de poder político nos dois lados conflitantes, era a de que os representantes favoráveis
aos grandes empreendimentos abandonavam as audiências tão logo terminavam suas
falas, sem escutar, assim, a fala da outra parte. De certa forma, esse modo de agir
equivale à forma como defensores do projeto enxergavam o território a ser implantado o
Polo Siderúrgico, considerado como um “grande vazio demográfico”. Também explica
as generalizações que se fizeram à grande variedade grupos sociais tradicionais que
habitam o território, considerados como “meia dúzia de casas de taipa”. E ainda
responde por que quase 15 mil habitantes pareciam não existir nas matérias da imprensa
sobre o Polo Siderúrgico, mesmo nas que se referiam aos riscos que o projeto traria aos
maranhenses.
No episódio em que o Empresário Edson Lobão Filho, depois de se retirar da
Audiência, referiu-se aos povoados como “baderneiros”, Maria Máxima Pires, insistia
em declarar que os representantes dos povoados eram a maioria. Dizia: “Viemos à
Audiência Pública nos defender, (…) e como sempre fomos a grande maioria” ou “O
empresário Edson Lobão Filho não se manifestou porque não permaneceu até o fim da
Audiência. Não há, portanto, o que justifique ele ter ido à televisão nos chamar de
baderneiros e de minoria. Nós somos a maioria”28
. A ação da liderança do povoado de
Rio dos Cachorros nos permite uma consideração acerca das relações de poder que ali
se descortinavam. Embora o poder político esteja vinculado ao poder econômico e este
tenda a direcionar as questões políticas29
, para os moradores dos povoados presentes
naquela audiência, deveria valer a lógica democrática de que a maioria é que prevalece
27
http://www.jornalpequeno.com.br/2006/2/10/Pagina28598.htm 28
http://www.al.ma.gov.br/helena/paginas/doc.php?cod=839. 29
Há um debate historiográfico acirrado sobre se o “poder político” está ou não associado ao “poder
econômico”. Cita-se, de um lado, Raymundo Faoro, que, em “Donos do Poder”, defende que as elites
políticas estão dissociadas das “elites econômicas” e, de outro lado, cita-se Richard Graham, que
defendendo uma tradição historiográfica iniciada no Brasil por Caio Prado Junior, afirma que as “elites
econômicas” se confundiam com as “elites políticas”, prevalecendo os interesses da primeira
(GRAHAM, 1997).
19
sobre as questões políticas. A maioria numérica, na visão dos camponeses, era prova de
que suas reivindicações eram justas30
.
A presença e a atuação do Ministério Público Federal (MPF) também foram
constantes nos registros da imprensa. Parte fundamental desta pesquisa consiste em
acompanhar e registrar estas informações, bem como reunir em um banco de dados os
Inquéritos Civis Públicos movidos por esta instituição, referentes a conflitos
socioambientais. A parte final deste relatório consistirá em elencar uma série de
constatações acerca se seu funcionamento e acerta das informações contidas nos
Inquéritos Civis (IC) em andamento no MPF.
O MPF/MA está localizado na Avenida Senador Vitorino Freire, número 52,
Areinha31
. A ainda recente inauguração, datada em 31 de março de 2010, permite, de
certa forma, fazer considerações do que parece ser uma especificidade das instituições
públicas no município de São Luís. A troca constante de endereço dos órgãos públicos
age em prejuízo da cidadania, entendendo aqui que para o bom funcionamento desses
órgãos seria fundamental que os cidadãos tivessem conhecimento de suas atribuições
para que pudessem acioná-los quando necessário. Contudo, esse modelo ideal de
instituição pública está muito distante do que é verificado em São Luís. Pouco
familiarizados com o seu novo e, talvez, definitivo endereço, até os cobradores de
ônibus, que passam constantemente pela via em frente ao prédio, se confundem ao dar
informações sobre o local do Ministério32
.
Ademais, ressalta-se ainda que o edifício, localizado em uma área de ocupação,
contrasta com as habitações do entorno. Enquanto as pequenas moradias do bairro,
recordadas por ruas estreitas e com o esgoto correndo a céu aberto indicam a má
gerência do Estado33
, o novo e espaçoso edifício do Ministério Público (figura 1), com o
brasão da República Federativa do Brasil e com os seus vidros espelhados e portões de
seguranças 34
, ergue-se imponente como um castelo medieval e quase que desaconselha
30
A distância temporal daquele evento nos permite ressaltar o quanto à organização foi e é importante
para os povoados que habitam a área pretendida para construção do Polo Siderúrgico de São Luís em todo
processo de resistência à implantação do projeto. 31
O antigo endereço ficava na Rua das Hortas, 223. 32
Observação direta de pesquisa realizada de dezembro de 2011 a julho de 2012. 33
Segundo o IBGE, em relatório apresentado no RIO+20, em São Luís, 33% das casas estão em lugares
onde o esgoto escorre por cima das ruas. http://blog.jornalpequeno.com.br/johncutrim/2012/06/page/4/. 34
Imagem retirada do endereço eletrônico: http://diariodocongresso.com.br.
20
a presença do “público” que deveria acolher em si da mesma forma que acolhe em seu
nome.
Figura 1: Mistério Público Federal do Maranhão
Destaca-se também, em relação à pesquisa dos documentos (IC), que o
Ministério Público não funciona como um arquivo jurídico, pois os documentos gerados
ali permanecem apenas por período determinado, entendendo-se, por isso mesmo, que
tais fontes não são completas, e ficam nessa instituição até enquanto durarem as
investigações35
, passando depois à Justiça Federal, não por acaso, localizada ao lado do
MPF.
O fato das fontes examinadas ainda estarem incompletas não diminui o valor
analítico de tais documentos. Pode-se constatar nas centenas de páginas que possui um
inquérito, grande variedade de fontes. Estas vão desde o discurso dos governantes à fala
das populações tradicionais. A ação do Estado e a estratégia dos grandes
empreendimentos são verificáveis, por exemplo, nos ofícios que partem do MPF aos
demais órgãos públicos e empreendimentos envolvidos no conflito36
. Por outro lado,
nos estatutos de Uniões de Moradores e nas atas de reuniões e audiências públicas,
escritas, muitas vezes, em letra corrida pelos próprios agentes dos povoados, podem-se
35
“O inquérito civil deverá ser concluído no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo e quantas
vezes forem necessárias, por decisão fundamentada de seu presidente, à vista da imprescindibilidade da
realização ou conclusão de diligências, dando-se ciência ao Conselho Superior do Ministério Público, à
Câmara de Coordenação e Revisão ou à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão”. Conselho
Nacional do Ministério Público. Resolução nº 23, de 17 de Setembro de 2007. Capítulo IV, Artigo 9.
Uma das estratégias nas situações de conflito socioambiental no Maranhão tem sido manter o inquérito
por maior tempo possível até que se consiga um entendimento entre as partes. 36
Como se verificará a seguir, tais ofícios muitas vezes não obtêm respostas, atrasando as investigações e
colocando em dúvida o cumprimento das funções de tais instituições mantidas com dinheiro público.
21
verificar a resistência e as estratégias de luta das comunidades tradicionais que têm seus
meios de vida ameaçados pelos projetos desenvolvimentistas e, por isso, se veem
forçadas a se organizar37
.
Tais inquéritos possuem também grande quantidade de informação técnica
contida em relatórios de peritos que trabalham para o Estado, para os grandes
empreendimentos ou ainda, advindos do meio acadêmico. Uma das possibilidades da
pesquisa é confrontar estes documentos, visto que, dependendo dos lados em conflitos,
eles tentem a se opor de forma irreconciliável, colocando, muitas vezes, em dúvida o
caráter científico a que se propõem38
.
Ademais, o grande aporte de imagens, advindas de fotografias ou de gráficos
estatísticos e geográficos, e utilizados, muitas vezes, para dar legitimidade aos citados
relatórios, são de grande valia, pois enquanto registram a organização dos agentes
envolvidos em conflito e a degradação ambiental de determinada área, dão
possibilidades para estudos comparativos que possam surgir em momento posterior.
Atuação do Ministério Público nos conflitos socioambientais
Cabe, ao Ministério Público Federal, “enquanto um agente de transformação a
serviço da cidadania, dos interesses sociais e da democracia”, tomar as providências
necessárias para que se cumpra a lei quando um grupo de pessoas, a comunidade ou a
própria sociedade se sente lesada em algum de seus direitos39
. Para tanto este órgão
possui 6 subdivisões, nomeadas de Câmaras de Coordenação e Revisão (CCR)40
. Os
casos aqui estudados, referentes a conflitos socioambientais, estão sobre o resguarde da
4ª Câmara, que coordena ações de defesa do meio ambiente e do patrimônio cultural
brasileiro41
, e da 6ª Câmara, que coordena ações relativas aos povos indígenas e
37
Documentos como esses que revelam a organização dos povoados foram encontrados em três
inquéritos em andamento no MPF/MA. São eles: o inquérito civil de número 932/2009-71, 1019/2009-75,
719/2008-89, analisados no decorrer do relatório. 38
Um dos inquéritos que possibilitam tais estudos é o de número 932/2009-71, relativo ao povoado de
Camboa dos Frades. Este IC possui um relatório de visita efetuado pelo próprio MPF, dois relatórios do
IBAMA (um de São Luis e outro de Brasilia) e outro do GEDMMA (Grupo de Estudos:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente). 39
http://www.mp.ma.gov.br/site/institucional/sobre.jsp 40
http://www.pgr.mpf.gov.br 41
http://4ccr.pgr.mpf.gov.br
22
minorias étnicas, como os quilombolas, as comunidades extrativistas e as comunidades
ribeirinhas42
.
A atuação dessas CCR se dá pelos Procedimentos Administrativos (PA)43
e
pelos Inquéritos Civis (IC), este último, objeto de estudo dessa pesquisa. No momento
seguinte se fará algumas considerações do processo que se desenvolve a partir de uma
situação de conflito, seguida das denúncias dirigidas ao MPF, da possível abertura de
Inquérito Civil e das investigações efetuadas por esta instituição.
Quando uma denúncia, mesmo anônima, chega ao Ministério Público44
, é gerado
um documento e recebe um número de protocolo. Nem sempre um protocolo resulta em
IC, pois em algumas situações os fatos noticiados não podem ser individualizados, ou
talvez digam respeito a direitos que não são tutelados pelo MPF. Nas duas situações
citadas não é exigida adoção de qualquer providencia e os documentos nem precisam
ser enviados para alguma CCR (MPF, 2011, p.07-11).
Quando, enfim, se trata de um documento autêntico e diz respeito à denúncia de
dano ou conflito ambiental, com elementos mínimos que necessitem análise dos fatos, o
Procurador-Distribuidor45
remeterá à 4ª ou 6ª Câmera, onde se iniciarão os trabalhos
investigativos.
A abertura de um IC deve ser formalizada por uma portaria de instauração,
contendo algumas informações básicas. Entre elas:
a descrição do fato objeto do IC e os fundamentos jurídicos da atuação
do MPF; o nome e a qualificação da pessoa física ou jurídica a quem o
fato é atribuído, quando possível; a determinação de diligências
investigatórias iniciais; a designação do secretário, mediante Termo de
Compromisso, quando couber; e a determinação de remessa de cópia
42
http://6ccr.pgr.mpf.gov.br 43
Quando é necessário promover diligências para apurar os fatos documentados nas peças informativas e
não for possível instaurar IC, essas são autuadas como PA. Neste caso, as investigações duram 90 dias,
podendo ser prorrogadas por igual período. Terminado o prazo, o PA deverá ser arquivado, ou convertido
em IC, ou ainda ajuizado em Ação Civil Pública (ACP). 44
O artigo 2º da Resolução n. 87/2006 diz que o fato de uma denúncia ser anônima não implica em
ausência de providências, desde que contenha a descrição dos fatos a serem investigados e a indicação de
seu autor, quando conhecido. 45
A Resolução n. 104, de 06 de Abril de 2010 estabelece que em toda unidade do MPF haja pelo menos
um Procurador-Distribuidor, a quem deve ser submetidos os documentos afim de serem distribuídos por
critérios impessoais e objetivos
23
da Portaria de Instauração para publicação. (Ministério Público
Federal, 2011, p.10)
Destaca-se ainda que as denúncias contra os impactos socioambientais –
advindos, por exemplo, de desmatamento, de invasão de reservas, de poluição do meio
ambiente, ou de conflitos por território – que chegam ao MPF, podem vir por três vias.
São elas:
Denuncia anônima
Representações formais, de indivíduos ou de instituições;
Própria ação do Ministério Público.
Destaca-se que “representações formais” têm enorme valor para os estudos de
conflitos socioambientais. O interesse nesta categoria se dá porque dela se pode
visualizar, nos espaços de conflito, a maneira com que os povoados, suas lideranças e
demais grupos interessados estão se organizando.
A terceira via, advinda da ação do MPF, também suscita muito interesse e pode
originar-se, por exemplo, nos casos em que o Poder Público resolve investigar alguma
possível irregularidade que lhe chega pelos veículos de comunicação46
, o que, de certa
forma, completa os estudos sobre a anterior, pois também permitem visualizar a
organização dos povoados em área de conflito.
Corpo do Inquérito
Na capa dos IC consta a sua numeração, o título, data de autuação, o requerente,
o requerido. Acompanha também um resumo do documento. Em seguida, encontram-se
o “Auto de Instauração do Inquérito”, seguido dos “termos de declaração”. A partir daí
o Inquérito segue com ofícios, notas técnicas, relatórios, atas de audiências e reuniões,
anexação de arquivos de mídia, despachos da procuradoria e outros documentos que
podem ser relevantes no decorrer da investigação.
O primeiro documento analisado, o IC 932/2009-7147
, que servirá como
exemplo para as considerações sobre o conteúdo dos inquéritos, tem como requerentes
46
Existe um inquérito em andamento no MPF (IC: 1.19.000.001363/2012), que investiga possíveis danos
ambientais decorrentes de lavra irregular de produtos minerais para construção civil, no qual um arquivo
de mídia foi fundamental para sua abertura. 47
IC 1.19.000.000932/2009-71, Camboa dos Frades.
24
os “moradores da comunidade Camboa dos Frades”. A requerida é a UTE Porto Itaqui
Ltda. Diz o resumo que se investiga uma suposta limitação de acesso à comunidade
requerente pela referida termoelétrica. Ademais, as denúncias também citam “prejuízos
às atividades tradicionais desenvolvidas pela comunidade, especialmente a pesca, em
razão dos danos ambientais causados pela instalação do empreendimento” (IC
932/2009-71).
Em seguida vem o Termo de Declarações, redigido Por Hilton Araújo de Melo,
Analista Processual, e assinado por quatro lideranças da comunidade em questão. O
documento segue uma forma padrão, em que consta, inicialmente a data (no caso 14 de
novembro de 2008), e a afirmação de que estiveram na procuradoria as quatro
moradores de Camboa dos Frades e declararam:
QUE os moradores da comunidade Camboa dos Frades estão sofrendo
constantes assédios por parte de funcionários de uma empresa de
segurança privada contratada pela empresa MPX, que planeja
construir uma Usina Termoelétrica na região. QUE os seguranças
privados, que andam ostensivamente armados, costumam interrogar os
transeuntes com destino à Camboa dos Frades desde a Vila Madureira,
comunidade esta por onde passa o único caminho de acesso àquela.
QUE é desrespeitosa e constrangedora a atuação dos seguranças, que
investigam e interrogam sobre a vida dos moradores e visitantes, em
busca de informações de ordem privada. QUE o trânsito com
materiais, como os relacionados à construção civil, também é
severamente examinado pelos seguranças. QUE as ações se dão em
plena via pública […], e que, recentemente, começaram a cercar
extensas áreas, impedindo a locomoção de populares. Em adição,
frisaram que estas movimentações estão cada vez mais presentes no
cotidiano das comunidades atingidas, e que até uma guarita está sendo
construída para facilitar esse controle do tráfego de pessoas.
Passados quatro dias, em 18 de novembro do mesmo ano, a analista pericial em
antropologia, Joiza Maria de Arruda Madeiro, efetuou uma visita técnica ao povoado
Camboa dos Frades para obter informações dos moradores. O objetivo da visita foi
averiguar se a MPX estaria restringindo o acesso dos moradores às suas casas, e, além
disso, procurava saber como os moradores estariam enxergando a chegada do
empreendimento na região.
25
Foi constatado, segundo informações prestadas por moradores, que em alguns
casos os vigias da empresa terceirizada estavam “interrogando os moradores e visitantes
de Camboa dos Frades sobre de onde vêm, para onde vão e o que vão fazer”.
São destacadas também, nesta mesma nota técnica, falas oscilantes dos
moradores. Uma senhora falava da expectativa da construção de uma estrada e da
chegada de energia elétrica. Dizia: “Agora que o progresso chegou, nós não vamos sair
daqui”. Outra senhora temia que pudesse acontecer com sua comunidade o mesmo que
aconteceu nas proximidades do porto de Itaqui, “onde as pessoas precisam apresentar
crachás para ir para suas casas”. Algumas pessoas reivindicavam melhorias em
infraestrutura para a comunidade, já outras gostariam de receber indenização como as
famílias de Vila Madureira (comunidade remanejada da área devido ao mesmo
empreendimento em questão). Por fim, ainda havia aquelas que demonstravam apego ao
lugar e aos recursos que ali existiam.
Já os vigias, segundo a mesma analista, informaram que seu trabalho consiste
em vigiar a área de Vila Madureira, para que não haja invasões das casas que, em sua
maioria, já estavam desocupadas48
.
O relatório ainda sugeria, em negrito, ações que pudessem resolver alguns dos
problemas encontrados. Notando a angústia dos moradores em não saber qual seria o
destino do povoado e quanto impactaria a chegada do empreendimento, sugeria que “a
aflição desses moradores poderia ser resolvida com reuniões promovidas por
representantes da empresa esclarecendo-os sobre as ações dela na região”.
Por fim, o relatório contém imagens ilustrando a reunião com os moradores, o
posto de observação da empresa de vigilância contratada pela MPX (figura 2) e o local
em que a comunidade exerce a atividade pesqueira.
48
As casas desocupadas se referiam aos citados moradores daquela comunidade que receberam
indenizações e foram remanejados.
26
Figura 2: posto de observação da empresa de vigilância
Em seguia, na página 6 do IC 932/2009-71, é apresentada uma “Certidão”,
assinada novamente pelo já referido Analista Processual. O documento trata também de
um relatório técnico realizado em Camboa dos Frades no mesmo dia 18 de novembro de
2008, em que enumera onze constatações.
No primeiro item, o analista descreve a comunidade, que “vive primordialmente
da pesca e de pequenas plantações” e com “notável consciência ecológica e
substanciosas noções de sustentabilidade”.
No segundo item, aponta que a comunidade se situa nas proximidades de
grandes empreendimentos, mas que “aparentemente” mentem relação de coexistência
pacífica, “com exceção de alguns reclamos relacionados à poluição de alguns igarapés
próximos, que põe em risco a sua atividade pesqueira”.
No terceiro item, aponta que a comunidade está em processo de expansão devido
a chegada recente de energia elétrica (Programa Luz Para Todos) e a abertura de novas
vias de acesso no local.
No quarto e no quinto item, são apresentadas novas constatações a respeito das
primeiras denúncias contra a empresa privada que estaria constrangendo os populares de
Camboa dos Frades. Os seguranças estariam interrogando e examinando os moradores
em busca de “informações de ordem privada”. As denúncias voltavam a se referir ao
cercamento de extensas áreas.
O analista aponta, no sétimo e oitavo item, que os seguranças da empresa Fortal
estavam mesmo promovendo atividades de fiscalização e monitoramento da passagem.
27
Segundo dois vigias, tais ações seriam para evitar a “atuação de marginais e de
usurpadores” e que a abordagem aos moradores da comunidade Camboa dos Frades se
fazia necessária “visto que nem todos são ainda conhecidos pelos seguranças”.
No nono item, o analista aponta que, ao contrário do que os moradores
afirmaram, não verificou quaisquer cercamentos na área pretendida para a usina. Afirma
também que “os seguranças retro-mencionados ainda trataram de negar, cabalmente,
qualquer intervenção nesse sentido”.
No décimo item, também é mencionada a preocupação da comunidade a respeito
do futuro. Preocupação esta que o analista considerava tratar-se de uma real e
preocupante ameaça. Um dos motivos era o isolamento em que os moradores de
Camboa dos Frades iriam ficar depois que terminasse o processo de remanejamento dos
moradores de Vila Madureira. A via de acesso ao povoado também estaria prejudicada
porque perpassava justamente pelo território pretendido para a usina. Assim, conclui o
analista processual, “nos pareceu uma situação a ser urgentemente dirimida, de forma
que, à comunidade de Camboa dos Frades seja oportunizada a livre entrada e saída de
seu território”.
No décimo primeiro item, o mesmo menciona que tirou algumas fotografias
(talvez as mesmas apresentadas na outra nota técnica) do local dando ênfase às
estruturas naturais e aos componentes humanos do ambiente.
Em seguida, vem um ofício enviado em caráter de urgência alguns meses depois,
no dia 12 de maio de 200949
, que é endereçado à “Marluze do Socorro Pastor Santos”,
então superintendente do IBAMA/MA. O documento, assinado pelo Procurador da
República Alexandre Silva Soares, informava que:
Foi comunicado a este órgão ministerial, a partir de declarações
prestadas por moradores da comunidade Camboa dos Frades, que a
atividade desenvolvida pela empresa UTE Porto do Itaqui Geração de
Energia Ltda, com a supressão de vegitação, e com o movimento de
terras, tem afetado o meio ambiente do seu entorno, com a
degradação, inclusive, de igarapés como o Buenos Aires, situado em
área de mangue. Segundo relato, materiais das obras estariam se
depositando e contaminando região mais baixa composta pelos cursos
49
Ofício nº 411/2009-ASS/PR/MA
28
d‟água, com prejuízo à pesca e demais culturas. (IC 932/2009-71,
p.11)
Na parte final do ofício, o procurador requisitava a “imediata realização de
fiscalização in loco”, para que pudessem ser apurados eventuais descumprimentos das
licenças e autorizações concedidas pelo Ibama. Também requisitava a comunicação ao
MPF, em “relatório pormenorizado”, das “situações encontradas”, bem como as
“medidas adotadas” como o “uso do poder de polícia”.
Em seguida, aparece outro ofício, o de número “836/2009-ASS/PR/MA, escrito
alguns meses após o primeiro. Este é assinado no dia 26 de outubro de 2009 e recebido.
O documento também é endereçado à superintendência do IBAMA, cargo que agora era
ocupado por Alberto Chavez Paraguassu
O ofício reiterava os termos do ofício anterior (que ia em anexo), requisitando,
“de acordo com o art. 8º, inc. II, da Lei Complementar nº 75/93, que seja encaminhada
resposta ao expediente, no prazo de 10 (dez) dias”. E ainda esclarecia em negrito que a
“falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do
Ministério Público implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa […] no âmbito
cível e penal”
No dia 07 de dezembro de 2009, partiria outro ofício (nº 939/2009-ASS/PR/MA)
ao mesmo superintendente do Ibama/MA, reiterando novamente os outros dois ofícios e
voltando a advertir sobre a “falta injustificada e o retardamento indevido do
cumprimento das requisições” que poderia implicar em responsabilidade cível e penal.
Sete dias depois, em 14 de dezembro de 2009, vem a resposta do Ibama (Oficio
nº 883/2009 – GABIN – IBAMA/MA), assinada por “Pedro Leão da Cunha Soares
Filho”, então na condição de Superintendente substituto do Ibama. Neste documento é
informado, curiosamente, após mais de seis meses depois de requerida a informação,
sobre um relatório tecnico, datado de 15 de dezembro de 2009, que vinha acompanhado
do “Auto de Infração de Nº 125525-D”.
O referido documento, um relatório de vistoria, foi efetuado por equipe de
quatro componentes, no dia 15 de dezembro de 2009. No início do relatório é
apresentado o assunto que se referia a vistoria nas obras de instalação da termoelétrica,
29
mediante denuncia do MPF.. Em seguida relata-se o caso e menciona-se a ocorrência de
diversas vistorias na área para averiguar a situação.
Nas considerações sobre as vistorias, são assinaladas várias irregularidades no
empreendimento, como carreamento de areia em grande parte do local; árvores típicas
de manguezais com sinais claros de estresse fisiológico; evidência de mudanças
estruturais no ecossistema, como canais de maré secos e vegetação de locais secos em
área de mangue; em ainda, pegadas de animais na área interna do empreendimento
evidenciavam dificuldade de locomoção por causa da barreira criada.
O documento também é composto de uma série de imagens como a figura 3, que
ilustra uma área com pouca cobertura vegetal e pontos de erosão que atravessam a cerca
do empreendimento.
Figura 3: pontos de erosão atravessando a cerca do empreendimento
Consta também anexado ao documento enviado pelo Ibama/MA, um Relatório
de Fiscalização datado em 11 de dezembro de 2009. O primeiro item é reservado ao
tipo de infração constatada no empreendimento, a Usina Termoelétrica Porto do Itaqui
Geração de Energia Ltda. Diz o relatório:
Danificação de área de preservação permanente (APP), durante as
obras de terraplenagem na fase de instalação da usina termoelétrica. A
infração se deu em dois pontos. No ponto 1, o rompimento de uma
bacia de contenção durante uma precipitação acima da média resultou
em um carreamento de sedimentos arenosos em direção a uma área de
30
nascente caracterizada pela presença de buritizais. No segundo ponto,
as obras de terraplenagem resultaram no carreamento de sedimentos
arenosos para outra área classificada como vereda. (IC 932/2009-71,
p.23)
O relatório ainda aponta que apesar da soma das duas áreas impactadas serem
inferior a um hectare, a quantidade de sedimento carreado foi grande e resultou em dano
grave, comprometendo a APP.
No “Auto de Infração”, outro documento anexado pelo Ibama, é apresentada
uma multa de 50 mil reais por “danificar floresta em área considerada de preservação
permanente, sem autorização do órgão competente, em dois pontos […] que, somados,
resultam em área inferior a 1 (um) hectare”.
Em seguida, apresenta-se no IC, um relatório acadêmico efetuado a partir de
pesquisas concretizadas pelo “Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e
Meio Ambiente” (GEDMMA), vinculado à Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), que tinha como objetivo apresentar as “condições sociais” da comunidade de
Vila Madureira, que havia sido deslocada para o município de Paço do Lumiar, e da
comunidade de Camboa dos Frades, que permanecia com o seu modo de vida
ameaçado.
A presença do relatório de pesquisa acadêmica faz parte da estratégia de atuação
do MPF, e pode ser visualizada nos inquéritos pelas anotações escritas a mão que
lembram a necessidade de contatar grupos de estudos acadêmicos. Na cartilha
“Inquérito Civis em matéria ambiental e patrimônio cultural” (MPF 2011, p.12-14), é
destacado que questões ambientais conflitantes, como as que estão relacionadas à
implantação de grandes empreendimentos, são acompanhadas por ONGs, movimentos
sociais atuantes na região, e por grupos ligados a instituição de ensino e pesquisa. Sendo
que “estes atores, por conhecerem a realidade local, são capazes de primeiro identificar
os pontos de conflito ambiental e social do empreendimento, que requerem a tutela do
MPF”. É aconselhada (idem, p.14), que depois de abrir um Procedimento
Administrativo e antes de instaurar um Inquérito Civil, seja instruída a consulta aos
referidos atores sociais.
O corpo do IC 932/2009-71 ainda é composto por um despacho de prorrogação
de conclusão de inquérito civil público. No documento é especificada a necessidade
31
de dar continuidade á apuração, ante a “constatação de que é necessária a elaboração de
laudo técnico atualizado sobre a situação do ambiente”. Segue-se também três
recomendações: “comunicar a CCR pertinente”, “juntar aos autos as cópias das licenças
ambientais do empreendimento”, “designar a elaboração de informação técnica a
respeito da necessidade de recuperação ambiental da área degradada, bem como a
extensão dos impacitos”. O documento, datado de 16 de setembro de 2011, é assinado
por Alexandre Silva Soares, Procurador da República.
Após esse documento segue-se um ofício (nº 1632/2011 – ASS/PR/MA), datado
em 08 de novembro de 2011, encaminhado à Gisela Damm Forattini, Diretora de
Licenciamento Ambiental (DILIC), em Brasília.
O documento informa sobre o IC em andamento, instaurado para apurar a
“suposta limitação de acesso à Comunidade Camboa dos Frades, em razão do controle
de via de acesso pela UTE Porto do Itaqui”, bem como, para apurar “prejuízos às
atividades tradicionais desenvolvidas pela comunidade, em razão de danos ambientais
causados pela instalação do empreendimento”.
Informa-se também, que seguiria em anexo o Relatório de Pesquisa de Campo,
elaborado pelo (GEDMMA), bem como a cópia de termos de declaração de moradores
da referida comunidade.
No ofício, ainda são solicitadas “informações acerca da inclusão da referida
comunidades no rol daquelas que serão beneficiadas com as medidas mitigadoras
previstas e adotadas em razão do licenciamento ambiental do empreendimento”.
Solicita-se, por fim, que seja encaminhada manifestação no prazo de 10 dias.
Devido ao descumprimento do prazo, do dia 13 de janeiro de 2012, segue outro
ofício (65/2012 – ASS/PR/MA) à Diretora de Licenciamento Ambiental (SELIC),
reiterando os termos do primeiro ofício e designando um prazo, agora, de 20 dias.
Em seguida, com o prazo novamente descumprido, é encaminhado ainda outro
ofício (nº 345/2012), de 02 de março de 2012, reiterando novamente os termos e
requisitando que fosse encaminhada resposta em 10 dias.
No dia 05 de março chega o Ofício nº 106/2012/CGENE/DELIC/IBAMA,
enviado pela diretoria de Licenciamento Ambiental e assinado pelo Coordenador Geral
32
de Infraestrutura e Energia Elétrica, Adriano Rafael Arrepia de Queiroz. No documento
é destacado que se encaminhava a manifestação do IBAMA sobre o referido Inquérito.
Acompanha esse documento, a nota técnica nº 008/201250
, dos analistas
ambientais Elísio Márcio de Oliveira e Gisela Maria da Silva Mello, sob a coordenação
de André de Lima Andrade, Coordenador da COEND (Coordenação de Energia
Elétrica, Nuclear e Dutos). O relatório técnico se propõe a responder a indagações do
Ofício nº 1632/2011 – ASS/PR/MA, descrito anteriormente.
Em seus encaminhamentos é defendido que tanto o “relatório de pesquisa do
GEDMMA” quando os “termos de declaração de „alguns‟ moradores da comunidade
Camboa dos Frades”, reportavam a situações já superadas, ocorridas em 2008. Defende-
se também que referido relatório discorria sobre as comunidades sem distinguir Camboa
dos Frades da Vila Madureira, que seria bem mais atingida na região.
A respeito da suposta limitação de acesso à comunidade, o relatório também
aponta, acompanhado por ilustração de fotografias, que a estrada que dá acesso a
Camboa dos Frades seria de propriedade particular, de outra empresa, e diz o
documento “sob evidente ocupação irregular” e sob “forte impacto de grilagem e
invasão”.
Sobre a solicitação de informações acerca da inclusão da referida comunidade no
rol daqueles que serão beneficiadas com as medidas mitigadoras em razão do
empreendimento, o relatório defende que os moradores de Camboa dos Frades são
contemplados através de “Programas de Educação Ambiental, de Saúde, de
Comunicação e em cursos de Formação de Mão de Obra”.
Inquéritos sobre a Resex de Tauá-Mirim
Encontra-se em andamento no MPF dois IC relativos à Resex de Tauá Mirim. O
primeiro, IC 1090/2009-7551
, tem como requerente “Alberto Catanhede Lopes”. A
50
Nota Técnica nº 008/2012 – COEND/CGENE/DILIC/IBAMA – 08/02/2012
51
IC 1.19.000.001090/2009-75
33
requerida é a Secretaria da Indústria e Comercio do Estado do Maranhão. Esse
inquérito, conforme o resumo, busca apurar a ocorrência de lesão ao direito de moradia
e direitos culturais das comunidades de Bom Jesus do Cajueiro e próximas, em razão da
anunciada relocação dos seus integrantes para instalação da área de tancagem da
Petrobrás, a ser promovida pelo Estado do Maranhão. A portaria de instauração é a de
número 10/2010 ASS.
Na contra capa do IC é apresentado o “Auto da Instauração”. Este documento
possui uma forma padronizada em todos os inquéritos e deve conter:
a descrição do fato objeto do IC e os fundamentos jurídicos da
autuação do MPF;
o nome e a qualificação da pessoa física ou jurídica a quem o
fato é atribuído, quando possível;
a determinação de diligências investigatórias iniciais;
a designação do secretário, mediante Termo de Compromisso,
quando couber; e
a determinação de remessa de cópia da Portaria de Instauração
para publicação. (MPF 2001, p.10)
No IC em questão, auto da instauração faz enumeração de 4 considerações. São
elas:
Considerando as declarações prestadas nesta Procuradoria da
República em 16 de setembro de 2009 por Alberto
Cantanhede Lopes, a respeito da existência de interesse do
Estado do Maranhão, através da Secretaria da Indústria e
Comércia, em promover a relocação de moradores das
comunidades de Cajueiro e de várias outras, na área definida
para a Reserva Extrativista do TAIM [hoje Tauá-Mirim],
relatando a ausência de informações adequadas para a
compreensão da situação pelo órgão público;
Considerando que o Estado do Maranhão confirmou o seu
interesse em promover a relocação dos moradores das
comunidades de Bom Jesus do Cajueiro e de Parnauaçu, as
quais estão situadas na Gleba Tibiri Pedrinha, cujo domínio
34
útil pertence ao ente estadual, para propiciar no mesmo local a
instalação da área de tancagem da Refinaria da Petrobrás;
Considerando que a PETROBRÁS também confirmou o seu
interesse na área para a instalação de um terminal aquaviário e
instalações complementares na localidade de Bom Jesus do
Cajueiro;
Considerando que se trata de possível população tradicional
de pescadores a ser afetada com o empreendimento, cuja
defesa dos direitos incumbe ao Ministério Público Federal,
elem da higidez do ambiente. (IC 1090/2009-75, p.01)
Na segunda parte do documento é informada a resolução para abertura do
Inquérito. Vejamos:
Resolve o Ministério Público Federal no Maranhão determinar a
instauração de Inquérito Civil Público, para apurar a ocorrência de
lesão ao direito à moradia e direitos culturais da comunidades de Bom
Jesus do Cajueiro e próximas em razão da anunciada relocação dos
seus integrantes para a instalação da área de tancagem da
PETROBRÁS, a ser promovida pelo Estado do Maranhão. (idem)
E na última parte do documento são determinadas três providências, elencadas a
seguir:
1. REQUISITE-SE ao ICM-Bio e ao Ministério do Meio
Ambiente informações acerca da existência ou não de limitações
administrativas provisórias a atividades econômicas na área definida
para a criação da RESEX […]. Caso não tenham sido definidas
limitações administrativas provisórias as atividades e
empreendimentos, solicite-se manifestação acerca da possibilidade de
sua instituição, face à situação de relocação de comunidade tradicional
situada no seu interior, ora noticiada nos autos.
2. REITERE-SE à SEMA o ofício anteriormente encaminhado no
prazo de 10 dias.
3. Designe-se reunião com os interessados, no dia 28 de agosto de
2010
Publique-se. Comunique-se à 6ª CCR.
São Luis, 05 de agosto de 2010 (Ibdem)
35
Na página 2 do IC, apresentam-se os “termos de declaração” redigidos por
Joiza Madeiro e assinado pelo referido requerente. O documento, seguindo a
normatização já descrita anteriormente, descreve que:
Em setembro de 2009, esteve nesta Procuradoria Alberto
Cantanhede Lopes declarando que: Soube, por intermédio de Clóvis
Amorim da Silva, pescador residente na comunidade de Cajueiro, que
houve […] uma reunião na Associação dos Moradores de Cajueiro
promovida pela Secretaria da Indústria e Comércio do Estado do
Maranhão, representada por um senhor de nome Deusdete52
, [com o
objetivo de] apresentar aos moradores a construção de um cás de
atracamento de navios no local e informá-los que a parte da área da
comunidade necessária à construção seria indenizada. […] Empresas
de consultoria visitaram residências e realizaram cadastros; pelo
projeto apresentado na reunião, o cás vai afetar outras comunidades,
onde não foram feitas reuniões: Camboa dos Frades, Coqueiro, Vila
Maranhão, Porto Grande, Estiva, Jacamim, Taim, Tauá Mirim e uma
comunidade de pescadores na praia de Boa Razão; com exceção das
duas primeiras e da última, essa comunidades compõem a proposta de
Reserva Extrativista do Taim. (IC 1.19.000.001090/2009-75, p.2)
O IC segue com o envio de três ofícios, ambos datados em 26 de outubro de
2009. O primeiro (nº 827/2009 – ASS/PR/MA) à Secretaria de Estado da Indústria e
Comércio. O segundo (nº 829/2009 – ASS/PR/MA) à Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Recursos Naturais. E o terceiro (nº 828/2009 – ASS/PR/MA ) à Empresa
Maranhense de Administração Portuária (EMAP). Nestes ofícios se informada sobre a
investigação em questão, e, “com vistas à apuração dos fatos em toda sua extensão”,
requisitava a manifestação das referidas secretarias a respeito das declarações prestadas
naquela Procuradoria da República.
No dia 18 de novembro de 2009, chega ao MPF a resposta da Secretaria de
Estado da Indústria e Comércio, pelo Ofício nº 209/2009 – GABSEC-SINC. Neste
documento é pontuado que 1) o Estado do Maranhão possui o domínio útil das Glebas
denominadas de Itaqui/Bacanga e Tibiri/Pedrinhas, onde estão localizadas as
comunidades citadas; 2) o Plano Diretor de uso e ocupação tanto municipal quanto o
52
Deusdedith Soares Evangelista, então superintendente da Secretaria de Indústria e
Comércio do Maranhão.
36
estadual diz que a área é de uso e ocupação industrial; e 3) que as comunidades das
áreas impactadas tiveram uma reunião com Deusdedith Soares Evangelista,
Superintendente desta SINC e responsável direto pelo planejamento ocupacional do
Distrito Industrial.
O documento ainda acrescenta que na referida reunião o mesmo superintendente
informou “sistematicamente” a pretensão do Governo do Estado, em conformidade com
o Termo de Compromisso assinado com a Petrobrás, de ali instalar uma área de
tancagem com aproximadamente 300,00 ha para implantação do Projeto da Refinaria
Premium I em Bacabeira. E também informou a necessidade de serem realizados
estudos técnicos de sondagens do solo e “cadastramento socioeconômico” e avaliatórios
dos moradores das comunidades afetadas, para fins futuros de “possíveis indenizações”.
Após a resposta da SINC aparece um despacho, datado de 09 de dezembro de
2009, escrito a mão pelo Procurador Alexandre Silva Soares. Neste documento, diante
da resposta apresentada pela SINC, determina que se oficie-se à SEMA e requisite
informações acerca da existência de procedimento de licenciamento ambiental no órgão
relacionado ao empreendimento, devendo encaminhar ao MPF a cópia integral dos
autos, no prazo de 10 dias. Determina também que se convoque reunião com a
comunidade, precedida de visita in loco pela Analista Pericial em Antropologia.
No dia 27 de janeiro de 2010 chega ao MPF a resposta da Secretaria de Estado
de Meio Ambiente e Recursos Naturais (SEMA), por meio do ofício
0001/10/GS/SEMA. São encaminhados juntos ao documento o “Relatório de Vistoria” e
o “Parecer Técnico” emitidos pelo citado órgão. O ofício ainda informa que a SEMA
estaria tomando as medidas necessárias no sentido de coibir as práticas infrativas
constatadas na presente vistoria, e acrescenta que “ao tempo em que apresentamos
nossas escusas pelo não atendimento da solicitação em tempo hábil, devido à demanda
excessiva de processos em tramitação neste Órgão”.
Na conclusão do documentos de vistoria, obseva-se:
Diante da análise dos autos do processo e de acordo com o que foi
observado em campo, onde o empreendimento em questão encontra-se
operando de forma rudimentar e sem licença ambiental para tal fim.
Considerando que é de competência da SEMA o licenciamento do
respectivo empreendimento, uma vez que, a sua localização não está
37
inserida na proposta de criação da RESEX do Taim (atualmente Tauá-
Mirim). Considerando que não tivemos acessa a nenhuma
documentação referente a propriedade da área, sobretudo da atividade
desempenhada. Considerando que parte da área do empreendimento
encontra-se em Área de Preservação Permanente (APP) e que a
atividade está sendo desempenhada sem o devido licenciamento
ambiental. Considerando que a pessoa intitulada como proprietária,
juntamente com seu arrendatário foi noticiada a se apresentar perante
esta SEMA para prestar esclarecimentos sobre o empreendimento.
Sugerimos que a Assessoria Jurídica – ASSJUR desta SEMA se
pronuncie acerca das irregularidades constatadas na área vistoriada e
tome as devidas medidas legais cabíveis.
O documento, assinado por quatro analistas ambientais da SEMA, e trás um
série de imagens tiradas da área de abrangência do empreendimento onde é possível
“visualizar a forma como foi feita a limpeza de área, nivelamento do terreno, retirada de
vegetação de preservação permanente”
Em seguida, o IC apresenta a Nota Técnica 02/2010 solicitado pelo Procurador
da República à Analista Pericial Joíza Maria de Arruda Madeira (IC 1090/2009-75,
p.22). O documento trata de uma reunião com moradores da comunidade de Cajueiro
para discutir sobre a construção de uma área de tancagem pela Secretaria de Estado da
Indústria e Comércio e pela Petrobrás.
Nessa reunião escutou os moradores e registrou suas falas. Inicialmente expõe
conflitos internos dentro da comunidade de Cajueiro. Um morador conta que as
reuniões com a SINC estariam sendo efetuadas na “União dos Moradores” que, no
passado, depois de um conflito interno, teria estimulado a invasão de terrenos para se
fortalecer. Tais moradores não fariam mais parte da comunidade.
Entre as falas também se percebe que para os moradores da comunidade havia
dúvidas sobre a área pretendida para o empreendimento, pois nas reuniões com a SINC,
“Deusedeth indicou limites diferentes da área a ser desocupada”. A analista informa
tabmém que os moradores vivem da pesca do camarão, das roças e, por isso, haveria
necessidade da área pretendida pelo Estado ser bem justificada, “a proposta de retirada
deve ser clara e bem elaborada para que as famílias não tenham seu futuro prejudicado”.
Em outro momento, aponta que os moradores teriam sido informados sobre a
38
“construção de oito cais, mas não entenderam muito bem o que realmente será feito”.
Outra moradora argumenta que a comunidade estaria recebendo “informações por
boatos”, pois “cada profissional que vai lá diz uma coisa”. Outra moradora, citada na
primeira parte deste relatório, dona Flor, reclamava da falta de clareza nas reuniões, e
dizia: “na reunião a gente fica como criança, sem entender nada, fica no meio da
bagunça sem entender nada”.
O relatório conclui que:
Há uma certa angústia dos moradores de Cajueiro de como será seu
destino e o receio de perder os seus meios de subsistência – a pesca –
e os seus modos de viver – trocas não só econômicas, mas também
afetivas com vizinhos. […] percebi a dúvida dos moradores quanto ao
lugar exato do empreendimento e quanto às condições em que serão
retirados do seu lugar. […] As principais reivindicações foram:
clareza quanto às propostas da SINC; que a negociação seja apenas
com aqueles que constituem a comunidade tradicional, sem a presença
daqueles que apenas possuem lotes no lugar; que haja uma proposta
por parte da SINC que considere a sua identidade enquanto
comunidade tradicional e enquanto pescadores. Sugiro que as
solicitações da comunidade sejam acatadas e que a SINC e a Petrobrás
estreitem o diálogo com a comunidade e esclareça os moradores sobre
suas pretensões. (IC 1.19.000.001090/2009-75)
Um pouco mais à frente, no dia 30 de julho de 2010, na página 63 do inquérito, é
apresentada a resposta da Petrobrás ás indagações do MPF acerca da existência ou não
de projetos para a implantação de tancagem e outros empreendimentos na região de
Bom Jesus do Cajueiro. O documento informa que o projeto de implantação da refinaria
encontra-se em fase de desenvolvimento, tendo como uma das possibilidades a
implantação de um terminal aquaviário na região próxima à comunidade citada, na foz
do Rio Mearim, em terreno indicado pelo Estado do Maranhão. A Petrobras acrescenta
que os estudos sobre a localização o terminal ainda estão em andamento e se prontifica
a enviar todos os documentos tão logo se tenha certeza da implementação.
Alguns meses depois, no dia 2 de fevereiro de 2011, o inquérito recebe outro
“termo de declarações”, redigido por Joiza Madeiro em nome de Clóvis Amorim da
Silva, residente na comunidade Bom Jesus do Cajueiro. De acordo com o documento,
39
Cristiane Candal, uma profissional contratada pela empresa Suzano, teria começado os
trabalho iniciais para o remanejamento das famílias da comunidade. Informa também
que esta mesma profissional recebeu a informação de que Cajueiro se tratava de uma
comunidade tradicional, “informação que parece não estar contida no EIA/RIMA feito
pela Fundação Sousândrade”53
. Solicitava-se que a comunidade tivesse acesso ao
documento feito pela referida fundação, que o MPF obtivesse maiores informações e
que fosse realizada uma reunião entre a comunidade e a empresa.
No dia 23 de agosto de 2011, a Secretaria de Estado do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio (SEDINC), por intermédio do Ofício nº 118/2011/GAM-SEDINC,
responde ao MPF às solicitações de esclarecimento acerca de:
existência ou não de intenção do Estado do Maranhão em proceder à
relocação dos moradores residentes na área do Cajueiro, indicando
eventual decreto de desapropriação pertinente à área, bem como
previsão para que a medida ocorresse e também se há intenção de
promover a criação de novo local de moradia para o reassentamento
das famílias atingidas pela medida.
Sobre o primeiro questionamento, o documento informa que a localidade denominada
Cajueiro estaria “encravada” em área com destinação industrial e pertencente ao Estado
do Maranhão. Informava ainda que “caso haja projeto industrial de relevante interesse
público”, o Estado do Maranhão não somente intencionaria a relocação das famílias
como efetivamente o faria em “estrita obediência aos princípios fundamentais
constitucionalmente assegurados”.
Com relação à indicação de norma de desapropriação referente à comunidade do
Cajueiro, o documento informa que havia sido publicado no “Diário Oficial do Estado
do Maranhão”, que circulou no dia 05 de abril de 2011, o “Decreto Estadual nº 27.291”,
que versa sobre declaração de utilidade pública para fins de desapropriação total. “Pelos
marcos geodésicos descritos no parágrafo único do artigo 1º deste diploma legal pode-se
depreender que o espaço a ser desapropriado coincide com a área em questão”54
.
53
A Petrobrás informava na já abordada resposta ao MPF, que havia contratado junto à Fundação
Sousândrade/UFMA, a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental referente à implantação do terminal
da região do Cajueiro. Documento que, naquele momento, estava em andamento. 54
Diário Oficial do Estado do Maranhão vem anexado ao Inquérito.
40
O documento ainda informa, que não havia, até aquele momento, previsão de
quando ocorreria a “expropriação involuntária” ou de quando seriam “relocados os
residentes do Cajueiro”.
No dia 19 de setembro de 2011 é redigido um “Despacho de Prorrogação de
Conclusão de Inquérito Civil Público”. O documento alegava a necessidade de dar
continuidade à apuração, ante a constatação de que as medidas necessárias para
problema apontado ainda não haviam sido aplicadas, “especialmente ante a ausência de
respostas técnicas indispensáveis ao desfecho das investigações já demandadas a órgãos
públicos mas ainda não obtidas”.
No dia 13 de junho de 2011, o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) responde (ofício nº 456/2011 – GP/ICMBio) às solicitações
do MPF. O documento informa que 1) a comunidade do Cajueiro estava sim inserida no
polígono55
propostos para a criação da RESEX do Tauá-Mirim; 2) que o polígono ainda
carecia de refinamento e abrangia a comunidades “Rio dos Cachorros, Taim, Porto
Grande, Limoeiro e na Ilha de Tauá-Mirim, Jacamim, Icará-Mirim, Portinho, Ilha
Pequena, Boa Razão e Embaubal”; 3) que seria efetuada (no dia 15 de junho) uma
“reunião técnica” para “agrupar e sistematizar as demandas de projetos na região”, com
vistas a delimitar uma proposta única, que seria apresentada às comunidades e ao
governo do Estado do Maranhão; e 4) que em relação a “possibilidade de adoção de
medidas administrativas para evitar a remoção dos pescadores”, somente poderia ser
respondido após a definição concreta dos limites da proposta.
O segundo Inquérito Civil em andamento no MPF que diz respeito á RESEX de Tauá-
Mirim é o IC 719/2008-8956
. Das partes, o “interessado” é o próprio Ministério Público
Federal e o “reclamado” está por apurar. Diz que o IC foi aberto devido à ocorrência de
possível mora no desfecho das providências administrativas necessárias à criação da
Reserva Extrativista de Tauá-Mirim. Diz a Portaria de Instauração, datada em 08 de
agosto de 2010:
Considerando que tramita nesta Procuradoria da República o
procedimento administrativo nº 1.19.000.000719/2008-89, instaurado
em razão de comunicação pela Superintendência do IBAMA no
55
O mapa com a proposta de criação da Resex vinha anexado ao ofício. 56
IC 1.19.000.000719/2008-89
41
Maranhão acerca de possíveis conflitos socioambientais, envolvendo
pescadores e outras comunidades tradicionais na zona rural de São
Luiz, em face de grandes empreendimentos que procuram se instalar
em regiões próximas as suas áreas, no Distrito Industrial de São Luís –
DISAL. Considerando que há provável sobreposição dessas áreas de
interesse ambiental para populações tradicionais e o perímetro do
DISAL, sendo que o IBAMA apresentou no passado proposta de
criação de Reserva Extrativista para a região […], processo que
começou a tramitar no ano de 2003. Considerando que desde que o
procedimento de criação da RESEX foi instaurado em 2003, não
houve conclusão de seu andamento, com omissão nas respostas do
Estado do Maranhão, Ministério de Minas e Energias, dentre outro, a
prejudicar a definição concreta dos interessados na implantação da
Unidade de Conservação. Considerando que diversos
empreendimentos de grande impacto ambiental tencionam se instalar
na mesma área, originando conflitos ambientais. Resolve o Ministério
Público Federal determinar a instauração de inquérito civil público
com a finalidade de apurar a ocorrência de eventual mora da
Administração Ambiental na criação da RESEX. (IC 719/2008-89, p.
01)
Na segunda folha do IC, consta um documento do IBAMA enviado ao MPF em
resposta ao ofício 281/2008, e que procura avaliar as possíveis relações entre a provável
instalação da Usina Termoelétrica Porto do Itaqui e a Reserva Extrativista do Taim
(atualmente Tauá-Mirim).
O documento inicia informando que o processo de criação da reserva havia sido
formalmente aberto em 200357
, e segue destacando o andamento do processo e as
especificidades da região que abrangeria a Resex, tanto no que diz respeito às
comunidades quando as características ambientais da região (IC 719/2008-89, p. 02-05).
Em um segundo momento, discorre sobre a UTE do Porto de Itaqui. Aponta, que
devido à proximidade com a termoelétrica, 295 metros, grande parte da área de RESEX
em criação está em sobreposição com as chamadas “Área de Influência Direta (AID)” e
“Área de Influência Indireta (AII)” do empreendimento. Utilizando um mapa como
57
“embora”, continua o texto do IBAMA, “segundo relatos da população local e registros em atas de
reuniões, as discussões para a criação de uma UC na região ocorriam desde 1995”. (IC 719/2008-89)
42
ilustração, o documento informa que a qualidade do ar, em quase toda a área da Resex,
estaria em influência direta e indireta da UTE, “podendo ter como consequências o
aumento de doenças respiratórias na população residente e a ocorrência de chuvas
ácidas”, estas, continua o documento, “poderão prejudicar o desenvolvimento de
pequenas agriculturas, além de acidificarem as áreas de brejo, culminando na morte de
organismos aquáticos e de espécies vegetais, incluindo a juçara”.
E depois de elencar uma série de possíveis impactos socioambientais que
ocorreriam com a instalação da UTE, o documento conclui que;
em relação dos impactos sociais descritos do EIA, considerados em
sua maioria como positivos, cabe ressaltar que um dos objetivos da
RESEX é proteger os meios de vida e a cultura das populações
tradicionais locais, portanto estes impactos sociais podem
desestruturar definitivamente os modos de vida tradicionais da
população residente na RESEX em criação. (IC 719/2008-89, p.10)
Na pagina 17 do IC, encontra-se um “termo de declarações” redigido em
nome de Alberto Cantanhede Lopes. O documento informa que no dia 02 de setembro
de 2008, o declarante, na condição de presidente da União dos Moradores do Taim, teria
vindo prestar as seguintes informações: Que a Empresa Maranhense de Administração
Portuária (EMAP) estaria tentando apropria-se de algumas áreas do povoado Porto
Grande, onde as comunidades tradicionais exercem atividade pesqueira. Que a mesma
empresa pretenderia se assenhorar da área com vistas a expandir seu porto pesqueiro.
Que tal empresa estaria utilizando-se de coerção moral contra os moradores,
inculcando-lhes a ideia de que eles deveriam deixar a área e contentar-se com qualquer
remuneração oferecida. Que cerca de vinte duas famílias teriam ido a EMAP, induzidas
a aceitar a indenização proposta em troca de deixaram a área. Que algumas dessas
famílias até teriam sido levadas ao cartório de registros. Alberto Cantanhede informou
ainda que a comunidades estaria em conflito permanente, entre os que reprovam e os
que apoiam a “ideia da tomada da área pela EMAP”.
Na página 18 do IC, apresenta-se um ofício do IBAMA – MA, de número
432/2008-GABIN, datado em 24 de junho de 2008 e assinado por Marluze do Socorro
Pastor Santos, então superintendente da instituição, Diz o documento que conforme
solicitação constante na Carta nº 524/2008 – SUMAT (Documento IBAMA nº
43
0693/2008) “informamos o indeferimento da solicitação para instalação de cerca no
Terminal do Porto Grande, pelos motivos expostos no Laudo Técnico de Vistoria
realizada no povoado Porto Grande e Vila Maranhão”.
“Laudo Técnico de Vistoria”, anexado no documento, efetuado pelo IBAMA no
dia 21 de maio de 2008, apresenta como objetivo oferecer subsídios técnicos para a
tomada de decisão pela gerencia executiva do IBAMA, quando a solicitação da EMAP,
para instalação de cerca com construção de alambrado na poligonal do Terminal
Pesqueiro do Porto Grande58
.
De acordo com o documento, a motivação para construção da cerca são as
“sucessivas invasões que o terminal pesqueiro vem sofrendo, não sendo esclarecido a
natureza de tais invasões”. O próprio Ibama, continua o relatório, em reunião realizada
em 23/04/2008 na sede do instituto, já havia considerado a cerca como “solução
adequada para impedir as invasões”.
O relatório aponta também que no momento da fiscalização a EMAP estava
dragando o porto de sua responsabilidade; que havia técnicos da empresa fazendo
levantamento fundiário em nove residências que seriam desapropriadas; que não tinha
sido constatada supressão do mangue, embora a construção da cerca fosse suprimir uma
porção considerável, “para possibilitar a construção de três pilastras de concreto que
dariam sustentação ao alambrado pretendido pela Empresa”; que o projeto necessitaria a
“retirada” de parte de uma escola municipal localiza nas proximidades, bem como uma
casa de moradores, que já estariam ali havia pelo menos 15 anos.
A vistoria apontava ainda que o presidente da associação dos moradores do
povoado de Porto Grande José Newton teria alegado que a construção da cerca
pretendida pela EMAP fecharia o único acesso existente à comunidade ao seu porto de
embarcações, e que a área em questão estaria inserida dentro do limite proposto para a
construção da RESEX de Tauá-Mirim.
Nas conclusões do documento, os analistas do IBAMA apresentavam parecer
desfavorável à construção da cerca, pois seria necessária a supressão de vegetação de
mangue, bem como a retirada da escola. Consideravam ainda que a cerca se constituiria
58
O relatório foi efetuado pelo Engenheiro Agrônomo Edson Sousa dos Santos e pelo Biólogo Alexandre
Caminha de Brito, ambos analistas ambientais do IBAMA – MA.
44
em barreira física limitadora ao acesso das comunidades tradicionais moradoras na
região.
Na página 25 do IC, é apresentada a resposta da EMAP ás solicitações do MPF.
Oficio, datado em 23 de setembro de 2008, vem assinado por Antônio Carlos de
Carvalho Lago, então Presidente em exercício.
O documento informa que a EMAP havia firmado acordo com o Governo do
Estado do Maranhão após o IBAMA lhe ter cedido o Terminal Pesqueiro do Maranhão
e quem em razão da sua condição de administradora do referido terminal, a empresa
estaria obrigada a zelar pela segurança e manutenção do imóvel, “bem como utilizar a
área nas suas atividades institucionais” e podendo utilizar o bem de forma direta ou
através de terceiros, mediante licitação.
Informa também que várias pessoas teriam construído residências ou cercado
partes da referida área. A situação teria levado a EMAP a “buscar amigavelmente a
desocupação pacífica do local, para o que promoveu reuniões com a participação de
todos os moradores”. Além disso, aponta que nenhum dos ocupantes teria “título de
propriedade”, o que “permitiu levar a bom termo as negociações para reaver a área, o
que foram firmados mediante escrituras públicas individuais”.
Para promover a desocupação e indenização das pessoas que lá se instalaram, a
empresa teria realizado vistoria técnica no local, identificando cada um dos ocupantes e
quantificando suas benfeitorias para que servissem de base para a negociação. E
somente um dos posseiros, naquele momento, não havia chegado a um acordo.
Por outro lado, continua a descrever o documento, não seriam verdadeiras as
declarações prestadas pelo Sr. Alberto Cantanhede Lopes, porque a EMAP não queria
se apossar da área, mas sim recuperá-la, pois cedida pelo IBAMA. A empresa também
negava as acusações de que havia se valido de expedientes escusos ou de medidas
destinadas a obrigar os posseiros a aceitar indenizações com as quais não concordassem.
A prova seria o fato de que todos os casos foram formalizados em cartório, com
assinatura livre e espontânea das escrituras públicas respectivas.
Anexado ao documento está o “Termo de Concessão de Direito Real de Uso
Gratuito de Bem Imóvel”, celebrado entre o IBAMA e o Governo do Estado do
Maranhão. O termo, datado de 1999, tem a assinatura da então Governadora do Estado
45
do Maranhão, Roseana Sarney Murad, e do então Presidente Substituto do IBAMA,
Ronaldo Ferreira Braga59
.
Na pagina 40 do IC, apresenta-se o ofício (GP/nº 695/2008) expedido pelo
ICMBio, datado de novembro de 2008 e assinado por Érika Fernandes Pinto,
Coordenadora Geral de RESEX e RDS.
O assunto do documento é a “Criação da Reserva Extrativista do Taim
(atualmente Tauá-Mirim) no município de São Luis (MA)”, e informa que o processo
em questão teria completado seu trâmite técnico administrativo e jurídico no ICMBio,
sendo remetido no dia 10 de outubro de 2008 ao Ministério do Meio Ambiente (MMA)
visando o envio à Casa Civil para a assinatura do Decreto de criação da Unidade. E
ainda que “tendo em vista o fato de todos os volumes que compõe o processo
encontrarem-se na Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente e objetivando
o atendimento da solicitação de cópias dos autos” havia sido encaminhado ao Ministério
o pleito da procuradoria para que se pudesse atender a solicitação.
O IC segue com uma nota técnica elaborada pela analista pericial Joíza Maria de
Arruda Madeiro. do MPF, sobre dados colhidos em visita ao povoado Porto Grande,
“onde está ocorrendo um conflito entre moradores e a EMAP, por conta do cercamento
do porto”. E ainda contém inúmeras notas técnicas, atas de reuniões, termos de
declarações e documentos referentes a organizações das comunidades, como estatutos
de uniões de moradores e uma representação assinada em conjunto por várias
associações de moradores.
Em 09 de maio de 2011, o procurador Alexandre Silva Soares, emite “Despacho
de Prorrogação de Conclusão de Inquérito Civil Público. O motivo alegado é a
“ausência de respostas técnicas indispensáveis ao desfecho das investigações já
demandadas a órgãos públicos, mas ainda não obtidas”.
Em 16 de Junho de 2011, foi efetuado um Relatório Técnico (014/2011) sobre
uma reunião entre ICMBio, Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Agência
Nacional de Transporte Aquaviários (ANTAQ), em que está última instituição
apresentava proposta de alteração da área destinada à RESEX de Tauá-Mirim, com
supressão de parte da área (figura 4)
59
O documento é seguido por uma série de documentos relativos à EMAP.
46
Figura 4: Proposta da ANTAQ de limites para a Resex de Tauá-Mirim
O MMA - Brasília, em ofício (nº 28/2011/DAP/SBF/MMA) enviado no dia 16
de junho de 2011, comunica ao MPF/MA que estaria enviando juntamente ao
documento uma “nota informativa” com as informações solicitadas.
Na referida nota, a analista ambiental do MMA de Brasília informa que, via de
regra, os processos de criação de UC têm requerido anos de discussão, entre sua etapa
de estudos em campo e o envio do processo à Presidência da República para assinatura
de Decreto de criação da unidade de conservação. E isso se deveria, principalmente,
pela “necessidade de discussão e compatibilização das propostas com os demais setores
do governo federal e com o governo estadual, conforme orientação da Casa Civil da
Presidência da República”.
Entre os apontamentos da analista ambiental está a informação de que o
Governo do Estado do Maranhão, por meio de Ofício (anexado ao documento) solicita
ao MMA que nenhuma decisão a respeito da criação da unidade de conservação seja
tomada antes que os projetos industriais e portuários previstos para a região sejam
criteriosamente analisados.
47
No documento em questão (Ofício nº 061/2011 – GG), assinado por Roseana
Sarney no dia 31 de março de 2011 e destinado a Ministra do Estado do Meio
Ambiente, Izabella Mônica Vieira Teixeira, é solicitado que não se tomem nenhuma
decisão sobre a referida UC sem que os projetos sejam analisados, para que, diz o
documento “a necessária conservação da biodiversidade e do modo de vida das
populações tradicionais não prejudique o desenvolvimento econômico do Estado do
Maranhão”.
Um pouco mais adiante no IC, é apresentada uma “memória de reunião”
ocorrida em 30 de março de 2012, na sede do Instituto Chico Mendes (ICMBio), a
respeito da criação da Reserva Extrativista do Tauá-Mirim. Estavam presentes além dos
agentes do MPF, o Coordenador do Programa de Criação de Unidades de Conservação,
analista do ICMBio/MA, representantes da comunidade do Cajueiro, Vila Maranhão e
Tauá Mirim.
Nesta mesma reunião, discutiu-se a existência de oposição do Estado do
Maranhão aos limites definidos para referida RESEX, por estar sobreposto à região
pretendida para o Distrito Industrial estadual, bem como da ANTAQ, quanto à área do
porto organizado. O representante estadual firmou a existência do interesse do estado
em promover empreendimentos na região. Ficou acordado que o ICMBio iria apresentar
nova proposta de limites para RESEX, levando em consideração os vários interesses em
conflito. O desenho definitivo seria encaminhado ao Estado do Maranhão, para
manifestação e discussão.
No dia 08 de maio de 2012, o IC é novamente prorrogado pelos mesmos
motivos: ausência de respostas técnicas indispensáveis ao desfecho das investigações. E
no dia 16 de maio do mesmo mês é apresentado o “Laudo Técnico”, assinado por Rafael
Gomes Gerude, Analista Pericial em Biologia do MPF, em que consta o novo limite da
área da RESEX proposto pelo ICMBio. (figura 5). Tais limites apresentavam dois
aspectos principais: 1) a exclusão da comunidade Cajueiro e 2) a incorporação de novas
áreas de utilização das comunidades, estendendo-se a sul e incorporando uma maior
faixa de manguezais que margeiam o canal.
E o laudo técnico ainda indicava que os Portos do Itaqui e da Alumar estão fora dos
limites propostos para a Resex, que as áreas de extração mineral da região do Porto
Grande foram excluídas dos limites, porque encontram cronicamente impactadas.
49
6 CONCLUSÕES
Este trabalho, embora renovado em novo processo para o próximo semestre,
adquire a denominação de “relatório final”. O principal objetivo da pesquisa foi
concretizado, pois se conseguiu reunir um grande aporte de documentação referente aos
Inquéritos Civis Públicos que se encontram em andamento no Ministério Público
Federal.
nos permite fazer algumas considerações, que mesmo não sendo de caráter definitivo,
abrem amplo espaço à continuidade da pesquisa. Meus primeiros contatos com o
Ministério Público Federal60
e com a pesquisa sobre os conflitos socioambientais me
proporcionaram impressões, indagações e, de certa forma, constatações que, mesmo
incompletas, serão abordadas aqui em forma de conclusões.
O caminho que vai da denúncia até uma Ação Civil Pública pode se tornar
tortuoso e demorado. Quando, por exemplo, o MPF aciona os demais órgãos para
averiguar uma denúncia, pode ocorrer um entrave na investigação, devido à deficiência
dos demais órgãos ambientais. Assinala-se ainda, neste caso, que o próprio Ministério
Público, pela falta de especialistas para atender a demanda do estado, também encontra
dificuldades para dar suporte técnico às investigações.
Por um lado, a demora em averiguar as denúncias pode gerar na população a
ideia de inoperância e também certa desconfiança no poder público, refletida no pouco
número de representações formais por parte dos cidadãos que acabam considerando as
denúncias um esforço vão. Por outro, assinala-se que a falta de interesse da sociedade
civil, que não controla as instituições públicas e desconhece as instâncias necessárias
para se efetuar uma denúncia no MPF, alimenta um círculo vicioso que vai dar
novamente na inoperância do serviço público. Esta situação colabora com a criação do
fato de que as denúncias tendam a chegar com mais facilidade pelos veículos da
imprensa.
As constatações são ainda preliminares, mas nos permitem, no entanto, ressaltar
que quando as denúncias sobre conflitos socioambientais chegam ao Ministério, muitas
60
Visita ao Ministério Público Federal, 12 de dezembro de 2011.
50
vezes, vêm por outros caminhos. Por exemplo, trazida por um conhecido de algum
funcionário. Desta forma, uma ação pode acabar sendo tratada no âmbito individual,
quando deveria ser coletivizada.
À primeira vista, esta prática pode ser analisada negativamente. Pular as
instâncias necessárias para se efetuar uma denúncia, ao mesmo tempo em que colabora
com o enfraquecimento do poder público, pode tornar o denunciante refém daquele que
se encarregou de levar a denúncia para frente.
Mas a situação é mais complexa e embora a população urbana e industrial tenda
a considerá-la como um obstáculo ao bom funcionamento do Estado, vista pela lógica
dos povos e grupos tradicionais, cujas relações sociais se dão no âmbito da família (SÁ,
2007) pedir que um “conhecido de algum funcionário” leve a denúncia é o caminho
mais esperado, mais confiável e, talvez, o único conhecido.
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53
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instauração e tramitação do inquérito civil. Brasília, 2007.
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