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GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ Lições do PROINFA e do Leilão de Fontes Alternativas para a Inserção da Bioeletricidade Sucroalcooleira na Matriz Elétrica Brasileira 1 Nivalde José de Castro 2 Guilherme de Azevedo Dantas 3 1 Publicado no: 30 Congresso Internacional de Bioenergia. Curitiba, 2008. 2 Professor da UFRJ e coordenador do GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia. 3 Mestre em Economia e Política da Energia e do Ambiente pela Universidade Técnica de Lisboa e Pesquisador do GESEL/UFRJ.

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Lições do PROINFA e do Leilão de Fontes

Alternativas para a Inserção da

Bioeletricidade Sucroalcooleira na Matriz

Elétrica Brasileira1

Nivalde José de Castro2

Guilherme de Azevedo Dantas3

1 Publicado no: 30 Congresso Internacional de Bioenergia. Curitiba, 2008. 2Professor da UFRJ e coordenador do GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia. 3 Mestre em Economia e Política da Energia e do Ambiente pela Universidade Técnica de Lisboa e Pesquisador do GESEL/UFRJ.

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Resumo

A participação da bioeletricidade sucroalcooleira no sistema elétrico

brasileiro é ínfima perto do seu potencial. A estrutura atual do setor

elétrico é compatível com a sua inserção. A conjuntura energética

atual clama pelo aumento desta participação na matriz energética

brasileira. Contudo, os resultados dos instrumentos utilizados pelo

governo para a contratação desta energia foram decepcionantes.

Estes fracassos devem servir de subsídios para a elaboração dos

instrumentos futuros, sobretudo o leilção de energia de reserva.

Palavras-chaves: bioeletricidade, sucroalcooleiro, bagaço, preço-

prêmio

Abstract

PROINFA and LFA´s for the Sugaralcool Bioeletric Insertion in Brazilian

Eletric Matrix

The sugaralcool´s bioeletric participation in brazilian eletric system

is lower than your potential. The actual estruture of eletric system

is compatible with your insertion. The actual energetic subject

conjuncture claims for the rise of this participation in brazilian

energetic matrix. Although, the result of the instruments adopted

for the state were disapointing. The failure shall serve as input for

formulate future instruments, essencially the LER.

Key-words: bioeletric, sugaralcool, bagasse, price-premium

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INTRODUÇÃO

A indústria sucroalcooleira brasileira é tradicionalmente auto-suficiente em

termos energéticos4. A queima do bagaço, maior dejeto da agroindústria

brasileira, permite que as usinas do setor supram suas necessidades de

energia térmica, mecânica e elétrica. Historicamente as usinas optaram pela

utilização de tecnologias de baixa eficiência porque o objetivo era maximizar

a queima do bagaço dada à dificuldade de estocagem.

A evolução tecnológica do setor sucroalcooleiro associada às mudanças no

paradigma tecnológico e do ambiente institucional da indústria de energia

elétrica abriu uma imensa janela de oportunidade para investimentos em

tecnologias capazes de gerarem expressivos excedentes de energia elétrica.

Estas mudanças são estruturais e ocorrem em uma conjuntura também

bastante favorável à inserção da bioeletricidade devido à necessidade de se

atenuar o conflito cada vez mais latente entre segurança do suprimento

energético e sustentabilidade ambiental.

Os subprodutos do setor sucroalcooleiro anteriormente considerados dejetos

indesejados se transformaram em valiosos insumos produtivos através da

evolução tecnológica verificada nos últimos anos, sendo atualmente

utilizados por exemplo como fertilizantes e na produção de produtos

petroquímicos (PARRA, 2005). O principal uso do bagaço permanece sendo

energético, onde tecnologias modernas permitem uma geração na ordem de

300 KWh por tonelada de cana processada. Associa-se a mudança no

ambiente tecnológico, uma conjuntura expansiva na produção brasileira de

açúcar e sobretudo de álcool garantindo juntamente com o fim das 4 De acordo com CORRÊA NETO e RAMON (2002), a queima do bagaço atende a 98% das necessidades energéticas do processo produtivo de álcool e de açúcar.

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queimadas uma expressiva oferta de biomassa a ser utilizada para produção

de eletricidade.

Por outro lado, a indústria de energia elétrica vem passando por uma

mudança de paradigma tecnológico com a redução da importância da escala

na geração térmica e a gradativa substituição da geração centralizada pela

geração distribuída. Concomitantemente, o setor elétrico passou por uma

reforma liberalizante ao longo da década de 90 objetivando aumentar a

eficiência do setor e garantir a adequada expansão da oferta. Desta forma, a

desverticalização do setor5 ao permitir a competição no segmento de geração

possibilita a inserção da bioeletricidade no mercado elétrico brasileiro.

Os formuladores de política energética se deparam atualmente com um

desafio: garantir a segurança do suprimento energético a preços

competitivos sujeitos às restrições impostas pela necessidade de se mitigar o

aquecimento global. A maior utilização de fontes renováveis de energia e

principalmente o aumento da eficiência energética são os dois instrumentos

existentes para atenuação deste conflito. A bioeletricidade sucroalcooleira é

inteiramente compatível com estes dois instrumentos pois é gerada a partir

do bagaço, em um processo de elevada eficiência energética e encontra-se

próxima ao centro de carga brasileiro. Além disso, é complementar a geração

hídrica aumentando de maneira relevante a segurança do sistema6. Portanto,

sua inserção na matriz elétrica brasileira deve ter elevado grau de prioridade.

A presença de um marco regulatório consolidado, a definição das regras de

acesso à rede, o patamar de preço atual do MWh transacionado no mercado

brasileiro, a possibilidade de utilização da palha como combustível e o 5 Ver SOUZA (2003). 6 Ver KITAYAMA (2007).

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crescente volume financeiro transacionado no mercado de carbono

minimizaram os principais entraves à promoção da bioeletricidade

sucroalcooleira. Porém, a contratação de bioeletricidade no PROINFA e no

Leilão de Fontes Alternativas – LFA - teve um resultado bastante aquém do

desejado. O fracasso destes mecanismos passa pelas diferentes expectativas

de retorno entre os agentes do setor elétrico e do setor sucroalcooleiro e a

dificuldade de se mensurar de forma exata o custo de produção da

bioeletricidade, dificuldade inerente a qualquer mercado emergente e ainda

sem liquidez.

Este artigo pretende discutir a partir dos resultados do PROINFA e do recente

Leilão de Fontes Alternativas os principais motivos pelos quais a

bioeletricidade não vem sendo inserida na escala adequada no sistema

elétrico brasileiro. Tal análise visa subsidiar os agentes do setor sobre as

perspectivas futuras para bioeletricidade, a começar pelos leilões de energia

de reserva marcados para 2008 (CASTRO e DANTAS, 2008a). Neste sentido

o trabalho está estruturado em cinco partes. A primeira trata do potencial

da bioeletricidade. A segunda examina os benefícios da bioeletricidade. A

terceira procura identificar as oportunidades econômicas e ambientais da

bioeletricidade. A quarta analisa os resultados do PROINFA e do LFA. Por fim

são apresentadas as conclusões observadas.

1 – O POTENCIAL DA BIOELETRICIDADE

A energia da cana tem relevante participação na matriz energética brasileira

devido ao consumo de álcool combustível em larga escala desde o fim dos

anos 70. Contudo, o potencial energético da cana é muito superior a energia

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contida no álcool combustível. Uma tonelada de cana de açúcar contém

energia primária equivalente a energia presente em 1,2 barris de petróleo.

Deste potencial energético, a sacarose a partir da qual se produz o álcool

possui apenas 1/3 da energia da cana, os outros 2/3 estão contidos no

bagaço e na palha. Logo, nota-se o imenso potencial para a geração de

eletricidade a partir da biomassa da cana de açúcar.

Devido às dificuldades de estocagem do bagaço e a pouca relevância do

mercado de bagaço in natura, a tecnologia tradicionalmente empregada nas

usinas foi de contrapressão capaz de gerar modestos 12 KWh por tonelada

de cana processada, sendo assim suficientes para garantir a auto-suficiência

energética das usinas (CORRÊA NETO e RAMON, 2002). Entretanto,

tecnologias mais eficientes são capazes de gerar um significativo excedente

de energia elétrica que pode ser comercializado.

Conforme SOUZA (2003), caso as usinas localizadas no Estado de São Paulo

tivessem instalado caldeira de 81 bar em substituição a caldeira de 21 bar e

turbinas de extra-condensação em substituição as turbinas de contrapressão

juntamente com um novo gerador, as usinas paulistas poderiam ter gerado

na safra 2001/02, na qual foram processadas 197.397.811 toneladas de

cana, um excedente comercializável médio de energia de 2.184 GWh

mensais. No mesmo período, o racionamento de energia estabeleceu uma

redução média mensal de 2.155 GWh à região Sudeste. Desta forma, nota-

se que investimentos em tecnologias mais eficientes poderiam ter evitado o

racionamento.

De acordo com KITAYAMA (2007), para a safra de 2020/21 é estimada uma

exportação de 28.758 MW representando uma potência instalada para em,

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assegurando 14.379 MWmed que poderá ser incorporado ao sistema

interligado nacional (SIN). Estes cálculos tomam como base à projeção de

1038 milhões de toneladas de cana com a utilização de 75% do bagaço

disponível e 50% da palha disponível.

Embora ainda seja inviável economicamente, a tecnologia de gasificação

poderá elevar o potencial de geração de energia elétrica pelas usinas. Dentre

as várias alternativas tecnológicas de gasificação, a Biomass Intregrated

Gaseification Turbine Combined Cycle é a mais eficiente (CORRÊA NETO e

RAMON, 2002) , permitindo a geração de 270 KWh excedentes por tonelada

de cana processada. Tomando como base à estimativa de 1038 milhões de

toneladas de cana em 2020/21 isto representaria uma energia assegurada

em torno de 28 MWmed7.

2 – OS BENEFÍCIOS DA BIOELETRICIDADE

A bioeletricidade sucroalcooleira é uma energia renovável produzida através

do eficiente processo de co-geração8 e gerada próxima ao centro de carga.

Logo, é compatível com a segurança energética ao reduzir as perdas na

geração e na rede e com a sustentabilidade ambiental por ser produzida a

partir de um recurso renovável e com elevada eficiência. Além disso, por ser

fonte de geração distribuída a bioeletricidade também reduz os impactos

ambientais, ainda que pequenos, oriundos da expansão da rede de

transmissão.

7 Estes cálculos desconsideram a utilização da palha como combustível. O estudo de CORRÊA NETO e RAMON (2002) inclui a utilização da palha para a geração de eletricidade durante todo o ano. 8 Co-geração é a produção simultânea de duas formas distintas de energia a partir de um mesmo combustível.

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É importante frisar que diferente da maioria das fontes renováveis de

energia, a bioeletricidade sucroalcooleira é extremamente competitiva

porque utiliza como combustível um resíduo da produção de álcool e de

açúcar. Portanto, está de acordo com a modicidade tarifária, um dos

objetivos centrais do atual marco regulatório do SEB – Setor Elétrico

Brasileiro.

De acordo com CASTRO e DANTAS (2008a), a bioeletricidade sucroalcooleira

é perfeitamente complementar à geração hídrica porque o período da safra

sucroalcooleira (entre abril e novembro) coincide com o período seco na

região Sudeste, onde estão localizados cerca de 70% dos reservatórios

brasileiros. Desta forma, a geração de bioeletricidade ao mitigar o risco

hidrológico é fundamental para o aumento da segurança da oferta brasileira

de eletricidade.

Além dos benefícios nos âmbitos energéticos e ambientais, a promoção da

bioeletricidade apresenta impactos sócio-econômicos positivos porque gera

renda no campo e estimula a indústria de bens de capital, tendo em vista

que os equipamentos que são utilizados na planta sucroalcooleira são

ofertados pela indústria nacional, economizando divisas. Por fim, cabe frisar

o reduzido tempo de construção inferior a 20 meses e a maior facilidade de

obtenção de licença ambiental comparado a outras usinas de geração de

energia elétrica. Assim sendo, estas características permitem respostas mais

rápidas à expansão da demanda por energia elétrica.

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4 – A JANELA DE OPORTUNIDADE PARA A BIOELETRICIDADE

DANTAS (2008) relata que o expressivo aumento da demanda por energia

verificado já na primeira década do século XXI e uma projeção baseada

nesta performance para as próximas décadas, em especial devido ao

crescimento exponencial do consumo de energia nos países em vias de

desenvolvimento, por si só já ocasiona dúvidas relativas ao segurança do

suprimento de energia, indicando assim uma tendência de crise de energia

para o século XXI. Além de aumentar a emissão de gases do efeito estufa,

este aumento do consumo de energia ocorre em um momento que não

existem dúvidas da influência antrópica, sobretudo devido ao setor de

energia, nas alterações climáticas atuais e na necessidade de se mitigar o

aquecimento global de forma imediata. Logo, o combate ao aquecimento

global ao restringir a expansão da oferta de energia potencializa a

possibilidade de uma crise de energia no decorrer das próximas décadas.

O aumento da eficiência energética, tanto no consumo final como na geração

de energia, é o instrumento mais importante para compatibilizar a segurança

da oferta de energia com sustentabilidade ambiental. O outro instrumento

utilizado é o aumento da participação das fontes renováveis de energia na

matriz energética mundial, entretanto, este instrumento ainda é incompatível

com o objetivo de ofertar energia a preços competitivos porque as fontes

renováveis de energia possuem um custo de geração superior às fontes

fósseis de energia.

Embora o Brasil tenha uma matriz energética privilegiada com a participação

de aproximadamente 45% de fontes renováveis de energia comparada à

média mundial de 13% (MME, 2007), a geração de energia renovável no

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Brasil ainda encontra-se muito aquém do seu potencial. Dentre as fontes

renováveis de energia a serem exploradas, a bioeletricidade sucroalcooleira

possui grande importância pelos benefícios analisados anteriormente. A

inserção de fontes alternativas energéticas na matriz energética brasileira

está muito mais relacionada à questão da segurança do suprimento do que

ambiental, entretanto, não se pode abstrair a problemática do aquecimento

global, mesmo que a emissão de gases do efeito estufa brasileira esteja

relacionada ao desmatamento e não ao setor energético (SOUZA e

AZEVEDO, 2006). Além disso, a geração de bioeletricidade é compatível

com a obtenção de créditos de carbono9, os quais podem ter um impacto

significativo na viabilidade econômica da bioeletricidade.

Após o ciclo expansivo do álcool no final da década de 70 e do ciclo

expansivo do açúcar na década de 90, o setor sucroalcooleiro brasileiro

encontra-se no seu terceiro ciclo expansivo e desta vez em uma conjuntura

favorável para o açúcar e principalmente para o álcool. TETTI (2005) afirma

que a redução do protecionismo no mercado internacional de açúcar irá

aumentar a exportação de açúcar brasileiro enquanto que a demanda interna

por álcool irá aumentar de forma exponencial devido ao crescimento da frota

de veículos flex fuel. Adicionalmente a demanda por álcool será impactada

pelo aumento das exportações devido à necessidade de redução do consumo

de combustíveis fósseis.

RODRIGUES (2005) faz uma projeção extremamente conservadora para a

demanda por açúcar que deverá ser de aproximadamente 40 milhões de

toneladas em 2013, dos quais em torno de 70% serão destinados ao

mercado externo, enquanto que a produção de álcool é estimada em

9 Ver DANTAS (2008).

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aproximadamente 31 bilhões de litros, sendo 80% destinado ao mercado

interno. Portanto, o atual ciclo expansivo do setor garante a oferta de

biomassa necessária para a maximização da geração de excedentes de

energia elétrica.

No que se refere ao ambiente tecnológico e institucional do setor elétrico

para a inserção da bioeletricidade, é necessário considerar as mudanças que

vem se verificando no mesmo nos últimos 20 anos. A indústria do setor

elétrico se expandiu baseada no paradigma tecnológico da geração

centralizada em larga escala com o intuito da exploração de economias de

escala. Entretanto, a evolução tecnológica reduziu a escala mínima eficiente

e a geração centralizada tende a perder espaço para a geração distribuída, a

qual reduz a perda nas redes e a necessidade de expansão da rede de

transmissão.

Em termos organizacionais, o modelo do setor elétrico ao longo do século

passado foi o de uma indústria integrada verticalmente com o intuito de

reduzir os custos de transação. Contudo, as ineficiências verificadas neste

modelo a partir da década de 70 resultaram em uma onda de reformas

liberalizantes com o objetivo de garantir a expansão da oferta de energia

elétrica de forma adequada e a preços competitivos (SOUZA, 2003). As

bases técnicas da reforma do setor elétrico estavam assentadas na inserção

de competição nos segmentos da cadeia produtiva potencialmente

competitivos: geração e comercialização. Para que tal competição seja

viável é necessária que se garanta o acesso dos agentes entrantes nos

segmentos da produção caracterizados como monopólio natural: transmissão

e distribuição. Esta nova estrutura organizacional permite a entrada de novos

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geradores de energia elétrica na indústria, dentre os quais, as usinas

sucroalcooleiras.

Os benefícios da bioeletricidade associados à estrutura e a conjuntura

extremamente favorável à inserção da bioeletricidade sucroalcooleira no SEB

abrem uma janela de oportunidade única para a inserção da bioenergia

canavieira em larga escala na matriz elétrica brasileira. Porém, verifica-se

uma atitude ainda conservadora por parte do setor justificada nos últimos

anos por uma série de entraves à promoção da bioeletricidade, entre os

quais, a instabilidade regulatória, a remuneração do MWh, a falta de liquidez

no mercado de carbono, o custo de oportunidade do bagaço e os custos de

conexão à rede. Uma análise mais detalhada destes entraves mostra que a

maioria deles já foi superada.

De acordo com COSTA (2006), após a crise energética de 2001 que expôs as

fragilidades da reforma do setor elétrico brasileiro ocorrida nos anos 90, foi

estabelecido em 2004 um novo marco regulatório para o setor . Os

resultados apresentados nos últimos anos indicam a consolidação do

modelo10. No caso específico da bioeletricidade, a mesma pode ser

transacionada no âmbito do ambiente de contratação regulada por ser

competitiva com usinas térmica convencionais ou no ambiente de

contratação livre. Além disso, a bioeletricidade pode ser transacionada com

as distribuidoras como fonte de geração distribuída de acordo com as regras

presentes na legislação.

O novo modelo do setor elétrico, criado a partir da reestruturação que

ocorreu em 2003-2004, possui planejamento determínistico e não acredita

10 Ver CASTRO (2005).

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que somente o livre jogo das forças de mercado seja capaz de promover a

alocação ótima dos recursos garantindo a adequada expansão da oferta. Para

superar este limite e incapacidade dos agentes privados criarem oferta

suficiente para atender, dinamicamente, a demanda de energia elétrica da

economia é necessária a coordenação mais efetiva e presente do Estado.

Desta forma, devido à descrença em que as forças do mercado sejam

capazes de promoverem fontes renováveis de energia, o governo criou

programas especiais de contratação de energia elétrica gerada a partir de

fontes renováveis de energia, como o PROINFA e o leilão de fontes

alternativas de energia.

A partir do que foi analisado nos parágrafos anteriores, a instabilidade

regulatória não pode ser apontada como um entrave à promoção da

bioeletricidade porque além de estar consolidado o marco regulatório

brasileiro apresenta programas específicos para a contratação desta energia

independentes das formas tradicionais de comercialização de energia

elétrica.

Assim, a questão central é a determinação da remuneração para os

investimentos em bioeletricidade. Trata-se de uma questão complexa porque

envolve informações assimétricas, diferença entre as taxas de retorno do

setor elétrico, taxas de retornos do setor sucroalcooleiro e discussão

referente à internalização das externalidades positivas da bioeletricidade.

Como mencionado anteriormente, os créditos de carbono podem ter um

importante papel na viabilização da bioeletricidade. Porém, a falta de liquidez

do mercado de carbono era apontada como uma grande dificuldade em se

utilizar os créditos de carbono como parte dos recursos que financiem os

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investimentos em plantas mais eficientes de co-geração. De acordo com

estimativas obtidas por CARBONO BRASIL (2008), o mercado mundial de

carbono deverá crescer 56% em 2008 transacionando um volume financeiro

superior a 60 bilhões de euros. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo11

(MDL), segmentação do mercado de carbono na qual os projetos de

bioeletricidade podem participar, possuem atualmente 25% do mercado de

carbono. Logo, a liquidez do mercado de carbono não pode mais ser

apontada como um entrave à bioeletricidade.

O bagaço da cana de açúcar é tradicionalmente utilizado como insumo

energético, entretanto, sua utilização varia desde adubo até insumo da

indústria petroquímica. Logo, existe um custo de oportunidade em utilizá-lo

como combustível, custo este que tende a aumentar de maneira exponencial

com a redução dos custos de produção do álcool de celulose. Em

contrapartida, o fim das queimadas irá disponibilizar uma imensa quantidade

de biomassa oriunda da palha a ser utilizada como combustível ou para a

produção de álcool. Portanto, o custo de oportunidade do bagaço não se

constitui em um obstáculo para a promoção da bioeletricidade.

Dentre os tradicionais obstáculos à inserção da bioeletricidade

sucroalcooleira na rede básica, os custos de conexão é que ainda requer uma

atenção especial pois o exposto nos parágrafos anteriores mostra que os

demais entraves já foram minimizados (CASTRO e DANTAS, 2008c)..

Nestes termos, considerada a minimização da maior parte dos obstáculos à

promoção da bioeletricidade é necessário analisar os resultados dos últimos

mecanismos específicos para a contratação desta energia para tentar

11 Ver ROCHA (2003).

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compreender as causas e motivos da incapacidade de incorporar este tipo de

energia à matriz energética brasileira. Esta análise é relevante no

delineamento da estratégia a ser adotada nos próximos mecanismos de

contratação, sobretudo os leilões de energia de reserva.

4 – ANÁLISE DOS RESULTADOS DO PROINFA E DO LEILÃO DE

FONTES ALTERANTIVAS

Os resultados das políticas e instrumentos específicos utilizados pelo governo

para a contratação de energia elétrica produzida a partir de fontes

renováveis de energia foram bastante frustrantes, pelas inúmeras chamadas

que foram necessárias para atingir a demanda, os atrasos nas obras no

âmbito do PROINFA, e pela quantidade irrisória de energia contratada no

leilão de fontes alternativas de energia (LFA).. A análise dos resultados está

diretamente relacionada à discussão da remuneração que viabilize as fontes

alternativas de energia, pois os empreendedores alegaram que a reduzida

oferta de energia era fruto do preço teto oferecido, além da indefinição em

relação às regras de conexão à rede básica.

4.1 – O PROINFA

O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (PROINFA) criado

ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso em 2002 e regulamentado em

Março de 2004 tinha como objeto a contratação de energia produzida a partir

de fontes renováveis de energia ( pequenas centrais hidrelétricas, eólica e

biomassa) gerada por produtores independentes de energia com o intuito de

aumentar a participação destas fontes renováveis de energia no SEB. A

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primeira fase do PROINFA12 consistia na contratação de uma potência de

3.300 MW divididos em 1.100 MW para cada fonte de energia até o final de

2006. O sistema de contratação foi um modelo híbrido de preço premium

com leilão porque a quantidade a ser contratada era pré-determinada.

A oferta de bioeletricidade ficou aquém da esperada, sendo necessário uma

nova distribuição da potência contratada por tipo de fonte. O preço premium

de R$ 93,77 em março de 2004 foi considerado muito baixo pelos agentes do

setor sucroalcooleiro, os quais ofertaram 973,5 MW (inclui 21,5 MW de

resíduos de madeira), dos quais foram contratados 685,4 MW, vide a tabela

a seguir.

Tabela 1

Contratação do PROINFA

Fonte: DANTAS (2008)

Segundo COSTA (2006), os agentes do setor esperavam que o preço do

leilão termoelétrico de energia nova fosse superior ao do preço premium

estabelecido no PROINFA, o que de fato se verificou com a energia

termoelétrica sendo transacionada a R$ 130,00 por MWh enquanto que o

12 O PROINFA previa uma segunda fase onde 15% do acréscimo anual do consumo de energia elétrica deveria ser atendido por fontes alternativas renováveis de energia de maneira que em um horizonte de vinte anos tais fontes representem 10% do consumo de eletricidade. Contudo, tal programa não foi implementado.

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preço do MWh corrigido pelo IGP-M oferecido no PROINFA era da ordem de

R$ 106,00 por MWh em julho de 2006. A autora ressalta que apenas

participaram do PROINFA usinas sucroalcooleiras estebelecidas e pouco

eficientes.

KITAYAMA (2008) ressalta que o PROINFA não possuía as condições de

incentivo condizentes com a proposta original. Ao reduzir a remuneração da

biomassa para 50% da tarifa média nacional, o preço prêmio da biomassa

caiu de R$ 120,00 por MWh para R$ 93,77 por MWh. Como resultado os

empreendedores sucroalcooleiros que poderiam de comercializar até 1.100

MW. Só assumiram compromissos com cerca de 650 MW.

De acordo com KITAYAMA (2008) o argumento dos usineiros de que a

remuneração oferecida no PROINFA não viabilizava a geração de

bioeletricidade, levou a UNICA contratar um estudo da consultoria Price

Waterhouse para a análise dos custos durante a audiência pública do

Ministério de Minas e Energia. Uma das principais conclusões do estudo, que

não foi aceita pelo MME, refere-se aos custos irrecuperáveis relativos aos

equipamentos utilizados para o auto-suprimento energético das usinas.

Embora já estejam amortizados, estes equipamentos encontram-se bem

conservados e aptos a operarem por várias safras. Desta forma, o custo de

se abrir mão destes equipamentos, os quais não possuem valor de mercado

secundário porque se tornaram obsoletos, deveria ser incluso no projeto. A

não inclusão destes custos na análise do MME fez com que diversas usinas

desistissem de ofertar energia no PROINFA.

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4.2 – O LEILÃO DE FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA

O LFA – Leilão de Fontes Renováveis - foi o mecanismo criado pelo MME em

substituição a segunda fase do PROINFA já que os objetivos originais não

foram atingidos. O leilão, realizado em 18 de junho de 2007, adotou a

mesma estrutura dos leilões de energia nova A-3: negociação de contratos

de quantidade com a duração de trinta anos para empreendimentos hídricos

e contratos de disponibilidade com a duração de quinze anos para as demais

fontes.

A EPE habilitou oitenta e sete empreendimentos para o LFA totalizando uma

potência instalada de 2.803 MW, dos quais 1.019 MW eram de usinas de

biomassa. Do montante total, apenas 1.165 MW foram efetivamente

ofertados no leilão porque somente trinta e oito usinas apresentaram

garantias físicas na Aneel13. O resultado do leilão foi extremamente

decepcionante com a comercialização de apenas 638,3 MW, sendo

comercializados 541,9 MW de usinas de biomassa dos 1.019 MW inscritos. A

tabela a seguir detalha o resultado do LFA:

13 Os empreendimentos eólicos desistiram de participar do leilão.

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Tabela 2

Resultado do LFA- Leilão de Fontes Renováveis

Fonte: EPE (2007).

O resultado do leilão em termos genéricos foi negativo, entretanto, é preciso

fazer algumas considerações em relação ao seu resultado no que se refere à

biomassa. A participação na ordem de 80% de empreendimentos

sucroalcooleiros na potência contratada no leilão certifica a maior

competitividade da geração a partir do bagaço comparada às demais fontes

alternativas de energia. A concentração de empreendimentos na região

Sudeste justifica-se pela concentração do setor no estado de São Paulo,

entretanto, a expansão do setor para a região Centro Oeste tende a

dispersar a produção. O potencial de geração de bioeletricidade na região

Nordeste não é relevante atualmente porque o setor sucroalcooleiro

encontra-se decadente na região com gradativa perda de participação na

produção nacional. O maior potencial do Nordeste brasileiro é de geração de

energia eólica.

Apesar de apresentarem resultados insatisfatórios, o PROINFA e o LFA

emitiram sinais importantes que devem servir de inputs no delineamento dos

futuros instrumentos de contratação de empreendimentos de geração de

energia elétrica a partir de fontes alternativas e renováveis.

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As fontes alternativas de energia possuem um custo superior às fontes

convencionais de energia. Logo, a geração de energia renovável necessita de

políticas públicas para a sua inserção a curto e médio prazo até que no longo

prazo a difusão tecnológico e o caráter decrescente da curva de aprendizado

a torne competitiva com a geração convencional. Os instrumentos mais

comumente utilizados para a promoção de fontes renováveis de energia são

leilões específicos para contratação de energia renovável , certificados verdes

e principalmente tarifas feed-in, instrumento que vem apresentando os

resultados mais efetivos, conforme se pode verificar na análise do caso

alemão de promoção da energia eólica (COSTA, 2006)..

5 – CONCLUSÃO

A inserção de fontes alternativas de energia elétrica é de suma importância

para a garantia da segurança do suprimento através da expansão e da

diversificação da matriz elétrica brasileira. Dentre estas fontes, a

bioeletricidade sucroalcooleira é a mais importante devido a sua

competitividade e por apresentar um potencial superior a 28 GW para um

horizonte de 12 anos segundo estimativas formuladas por KITAYAMA, 2007.

A estrutura atual do setor elétrico permite a inserção da bioeletricidade

sucroalcooleira. Associa-se a esta estrutura uma conjuntura extremamente

favorável à promoção da bioeletricidade e a minimização dos principais

entraves. Entretanto, o resultado do PROINFA e do LFA foi muito aquém do

potencial de inserção da bioeletricidade.

GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico - UFRJ

O insucesso verificado até o momento exige que os resultados dos

instrumentos utilizados no Brasil demonstram que existe uma necessidade

eminente do MME rever os parâmetros financeiros pelos quais são calculados

os preços tetos dos leilões ou o preço prêmio, no caso de mecanismos feed-

in como o PROINFA. O governo deve oferecer preços tetos capazes de

estimular e viabilizar a iniciativa privada a promover os investimentos. A

metodologia do leilão deve ser mantida porque tal formatação é

imprescindível para garantir a modicidade tarifária. O modelo de leilão

reverso é especialmente relevante no âmbito das energias renováveis onde

não existem estimativas precisas da tarifa que remunere os

empreendimentos de forma justa e a adoção de um método alternativo

poderia permitir que alguns empreendedores auferissem taxas de lucro

extraordinárias.

7 – RERERÊNCIAS

CARBONO BRASIL. Mercado de carbono deve crescer 56% em 2008.

Disponível em < http://www.carbonobrasil.com/news.htm?id=401012>.

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Sucroalcooleira e o Hiato entre Oferta Potencial e Oferta Efetiva. IFE n.

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