Ligação química abordagem clássica ou quântica

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OU

Ligação Química:Abordagem

?ClássicaQuântica

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Ligação Química N° 6, NOVEMBRO 1997

Omeio material ao nosso redor,com suas formas, proprie-dades e valores, reflete a

enorme variedade de maneiras comoos átomos se ligam para formar com-postos. Por isso, as ligações químicasrepresentam um assunto de funda-mental importância, e seu conheci-mento é essencial para um melhorentendimento das transformações queocorrem em nosso mundo. Algumassubstâncias, como as que compõemos alimentos e combustíveis, fornecemenergia mediante a quebra e aformação de ligações químicas; outrasinteragem dando origem a novos com-postos ou facilitam a dissolução deresíduos em um meio fluido (solventes,detergentes). Desse modo, a dinâmicadas ligações químicas acaba regendoa nossa vida.

A explicação do meio materialpode ser feita utilizando-se modelospropostos para as ligações químicas,e está longe de ser uma questãofechada, em termos científicos oupedagógicos. Um exemplo disso é oartigo escrito por Ogilvie (1990) sobreligações químicas, no qual o autor

expressa com convicção: There are nosuch things as orbitals! (“Orbitais nãoexistem!”). A resposta a essaprovocação foi dada magistralmentepor Pauling (1992), em artigo queresgata o uso da mecânica quânticapara tratar das ligações químicas.

Modelos de ligaçõesA escolha do modelo no ensino de

ligações químicas deve ser compatívelcom o modelo atômico adotado, con-forme destacado por Chassot (1996),e ao mesmo tempo,adequar-se aos obje-tivos de ensino-aprendizagem, for-necendo a basenecessária para o de-senvolvimento cog-nitivo do aluno. O usode orbitais na des-crição de estruturas,ligações e proprie-dades é generalizadonos cursos de quí-mica no ensino superior; contudo, atransposição para o ensino médioainda requer cuidados. De fato, o

aluno passará a ter necessidade demodelos quânticos (orbitais) quandoa descrição dos compostos e mate-riais se basear na distribuição espacialdos átomos e elétrons e na dinâmicadas transformações. Essa necessida-de deverá se expandir com a crescen-te popularização dos programascomputacionais de modelagem (simu-lação) molecular e realidade virtual emtodos os níveis do ensino.

As teorias atuais sobre ligação quí-mica foram em grande parte inspiradasna idéia da união por meio de pares deelétrons, proposta por G.N. Lewis em1916, logo após o lançamento da teoriade Bohr. A ligação ficaria representadapor meio de dois pontos, que seriamos elétrons, colocados entre ossímbolos dos elementos, ou por umtraço, simbolizando a união. Naconcepção de Lewis, os dois elétronsda ligação são atraídos eletrostatica-mente pelos dois núcleos atômicos,sendo compartilhados pelos mesmos.Associada a esse modelo de ligaçãoestá a teoria do octeto. Segundo Lewis,os elétrons ficariam dispostos ao redordo núcleo de modo a minimizar arepulsão entre os mesmos. O número

máximo de elétrons devalência seria oito, comexceção dos elemen-tos do primeiro período(H, He). O octeto deLewis, embora sejanormalmente repre-sentado por oito pon-tos ao longo de um cír-culo ou por quatro pa-res de pontos ao redordo símbolo do ele-mento, na realidade ex-

pressa a disposição espacial de umcubo, pois é a geometria que conduz àmenor repulsão entre os elétrons.

Henrique E. Toma

A seção “Conceitos científicos em destaque” engloba artigos queabordam de maneira nova ou crítica conceitos químicos ou deinteresse direto dos químicos.Este artigo procura ressaltar que os modelos de ligação químicanão são absolutos; ao contrário, são construções de uma outraordem de realidade — a realidade do mundo infinitamente pequeno— que só podemos compreender com o uso de teorias que semodificam com o desenvolvimento da ciência. A partir das teoriasanalisadas, podemos refletir sobre qual modelo de ligação devemosensinar a nossos alunos no nível médio, de modo que sejacompatível com o modelo atômico adotado e com as explicaçõesque pretendemos desenvolver a partir desses modelos.

ligação química, Lewis, Linnett, Mulliken, modelo de bandas

CONCEITOS CIENTÍFICOS EM DESTAQUE

As ligações químicasrepresentam um

assunto de fundamen-tal importância, e seu

conhecimento éessencial para um

melhor entendimentodas transformações

que ocorrem em nossomundo

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Com a movimentação dos elétrons, adisposição cúbica acaba por tornar-se uma distribuição esférica ao redordo núcleo.

Na idéia de compartilhamento ele-trônico, está inerente a questão daafinidade dos átomos por elétrons(afinidade eletrônica, potencial de ioni-zação), bem como a questão daigualdade ou desigualdade com queestes são atraídos pelos núcleos. Aafinidade associa-se ao conceito devalência como maneira de expressara capacidade de com-binação dos átomos.Para tratar das desi-gualdades atômicas,Pauling introduziu oconceito de eletro-negatividade (em ter-mos de energias deligação), que foi reedi-tado sob várias formas— por exemplo, porMulliken, em termos depotenciais de ionização e afinidadeeletrônica, e por Allred-Rochow, emtermos da força de atração do núcleopelo elétron da ligação.

A ligação química apresenta trêscaracterísticas importantes: polarida-de, distância e energia. Essas caracte-rísticas podem ser avaliadas experi-mentalmente, e fazem parte do bancode dados do químico. A eletronegati-vidade permite racionalizar a assime-tria das cargas na ligação, explicandoo aparecimento de dipolos elétricos,e conduz naturalmente ao problemada separação de cargas, que leva àformação de íons. Ao mesmo tempo,é útil na previsão de distâncias e ener-gias de ligação.

J.W. Linnett ampliou o modelo deLewis de forma a assimilar o Princípiode Pauli. Conseqüentemente, confor-me descrito por Luder (1967), o pareletrônico deve ser representado pordois elétrons de spins opostos, e oocteto passa a ser constituído por doisquartetos de elétrons, diferenciados

pelos spins. Enquanto no modelo deLewis os elétrons são representadosda mesma forma (‘o’, por exemplo),no modelo de Linnett os diferentesspins são representados por símbolosdistintos (por exemplo ‘o’, ‘x’). Manten-do a distribuição cúbica, os elétronsde mesmo spin ficam dispostos se-gundo os vértices de um tetraedro,aumentando ao máximo a distânciaentre os mesmos de modo a minimizara repulsão. O resultado conduz a doistetraedros geminados, formando um

cubo. Dois elétronsde spins opostos fi-cam unidos pela a-resta do cubo sepa-rados, portanto, poruma distância menorque a observada en-tre dois elétrons demesmo spin. O usodos quartetos du-plos preserva a sim-plicidade do octeto e

permite a colocação dos spins, possi-bilitando tratar de propriedades mag-néticas e de ordens de ligaçãofracionárias, ao contrário do que acon-tece com o modelo de Lewis.

Um exemplo interessante onde sefaz necessário o uso de quartetos du-plos é o da molécula de NO. Com umtotal de 11 elétrons de valência, serianecessário compartilhar cinco elétronsentre os dois átomos. Por isso, não épossível construir uma estrutura deLewis com octetos completos. Entre-tanto, na teoria dos quartetos duplos,basta compartilhar três elétrons demesmo spin (‘o’) e dois de spins con-trários (‘x’). Na realidade, é a únicaopção. Com isso, a montagem daestrutura de Linnett poderia ser feitacomo explicado no quadro abaixo.

A representação espacial da dis-tribuição eletrônica requer um poucode imaginação, lembrando sempreque cada quarteto de elétrons está dis-posto em forma de tetraedro. Comopode ser visto, a molécula apresenta

uma ordem de ligação fracionária iguala 2,5, existindo no balanço global umelétron desemparelhado, compatívelcom o caráter paramagnético obser-vado experimentalmente.

Abordagem quântica daligação química

O modelo de Lewis é bastante útilna descrição qualitativa das ligaçõesquímicas. Porém, quando se quer dis-cutir questões energéticas, geometriasou aspectos de natureza espectroscó-pica, torna-se necessário lançar mãode teorias quânticas que enfocam aligação química em termos da combi-nação de orbitais. Esse tipo de abor-dagem exige o ensino do modeloquântico para o átomo, e consideraque quando dois átomos se ligam, ocompartilhamento eletrônico se dá pe-la combinação dos orbitais que estãointeragindo. Os dois orbitais atômicossão representados pelas funções deonda ΨA e ΨB. O resultado dessacombinação é a formação de novosorbitais estendidos sobre os dois áto-mos, denominados orbitais molecula-res. Essas idéias constituem a baseda Teoria dos Orbitais Moleculares,proposta por R.S. Mulliken, em 1932.

De modo geral, um orbital molecu-lar de uma molécula AB — isto é, ΨAB

— pode ser descrito por uma com-binação linear (soma ou diferença) dosorbitais atômicos localizados em A eem B, respectivamente (ΨAB = cAΨA ±cBΨB). A combinação dos dois orbitaispode ocorrer em proporções variáveis,expressas pelos coeficientes cA e cB.Quando os orbitais são equivalentes,como é o caso dos orbitais 1s na molé-cula de H2, esses coeficientes sãoiguais, isto é, cA= cB. Esses coeficien-tes diferem cada vez mais à medidaque aumenta a diferença de energiaentre os orbitais. Quando cA >> cB, aparticipação do ΨA é dominante e oorbital molecular ΨAB se assemelha aΨA e vice-versa. Isso equivale a dizerque os elétrons não são compartilha-dos eqüitativamente, podendo ficar amaior parte do tempo em A ou em B,dependendo dos valores relativos decA e cB. Isso está relacionado com adiferença de eletronegatividade entreos elementos.

Deve-se lembrar queos orbitais antiligantes

contribuem para acomposição dos váriosestados de energia da

molécula, os quaispodem ser

monitorados por meiode técnicas

espectroscópicas

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Na mecânica quântica, as energiassão calculadas por meio da equaçãode Schrödinger, cuja representaçãogenérica é do tipo HΨAB = EΨAB, sendoH, conhecido como operador hamil-toniano, uma expressão matemáticados termos energéticos da molécula,englobando por exemplo a energiacinética dos elétrons, a atração dosnúcleos pelos elétrons de ligação, arepulsão entre os elétrons e a repulsãointernuclear.

A solução da equação de Schrö-dinger sempre conduz a dois valoresde energia, E+ e E-, associados àscombinações, por soma ou diferença,dos orbitais atômicos. A solução E+,de menor energia, provém da com-binação dos orbitais atômicos com omesmo sinal, formando um orbitalmolecular denominado ligante queleva à estabilização da molécula. Asolução E- provém da combinação dosorbitais atômicos com sinais opostos,produzindo um orbital molecular demaior energia denominado antiligante.Uma ilustração desses orbitais podeser vista na Figura 1.

O diagrama de energia dos orbitaismoleculares mostra que a formaçãoda ligação química está relacionada àestabilização proporcionada pelo pre-enchimento do orbital ligante. Quandocolocamos elétrons nos orbitais antili-gantes, diminuímos essa estabiliza-ção. A combinação por soma leva aum reforço na densidade eletrônicaentre os núcleos, de modo que os elé-trons possam promover uma aproxi-

mação dos mesmos, resultando emuma ligação. Por outro lado, a combi-nação por diferença desloca a densi-dade eletrônica da região internuclearpara as extremidades opostas, deixan-do os núcleos atômi-cos expostos a umainteração fortementerepulsiva. A ocupaçãodesse orbital por elé-trons favorece a que-bra da ligação (disso-ciação).

A teoria dos orbi-tais moleculares per-mite expressar a or-dem da ligação emtermos da metade dadiferença entre o nú-mero de elétrons ligantes e o de antili-gantes. Assim, na molécula de H2,como só existem dois elétrons em or-bital ligante, a ordem da ligação será1, isto é, equivalente a uma ligaçãosimples. No caso de uma moléculahipotética de He2, teríamos dois elé-trons ligantes e dois antiligantes, e aordem de ligação seria nula. De fato,o hélio é um gás nobre e não formamoléculas estáveis. Contudo, a teoriaprevê a existência da molécula-íonHe2

+ com ordem de ligação 1/2. Aforça da ligação depende da energiade interação entre dois orbitais, tam-bém chamada de energia de resso-nância. Quando os orbitais estão muitodistantes, apresentam simetrias quenão permitem um recobrimento efetivoou têm energias muito diferentes, sua

interação é diminuída.A descrição dos orbitais molecu-

lares como ligantes ou antiligantespode oferecer dificuldades para o alu-no principiante. Nesse ponto deve-se

lembrar que os orbi-tais antiligantes contri-buem para a compo-sição dos váriosestados de energiada molécula, os quaispodem ser monitora-dos por meio de téc-nicas espectroscópi-cas. Portanto, não setrata de ficção cien-tífica. Uma das con-seqüências maisóbvias da existência

dos orbitais moleculares é o apa-recimento da cor nos compostos.

O modelo de bandasA teoria de bandas admite vários

formalismos; um deles extende ateoria dos orbitais moleculares paraum número grande ou infinito deátomos. Assim como a combinaçãode dois orbitais atômicos conduz adois orbitais moleculares, a combi-nação de n orbitais atômicos dará ori-gem a n orbitais moleculares, porémcom forte superposição, formandouma banda de orbitais (Fig. 2).

A situação mais simples no diagra-ma é a do átomo isolado (n = 1) ou demoléculas pequenas (n = 2, 3, ...), paraos quais todos os níveis são discretos.A situação intermediária, com bandasde valência separadas umas dasoutras, é típica dos elementos nãometálicos encadeados. Nesses ele-mentos, o último nível com elétrons estácompleto e encontra-se separado donível vazio mais próximo por umadiferença significativa de energia (∆E),como pode ser visto na Figura 2. Acondução eletrônica exige a promoçãodos elétrons da banda cheia para abanda vazia (banda de condução), me-diante, por exemplo, energia térmica oude luz. Em princípio, um elemento nãometálico pode tornar-se condutor à cus-ta de uma energia de promoção igual àdiferença de energia entre os níveisocupado e vazio. Quando essa energianão é muito grande, os sistemas sãoconsiderados semicondutores.Figura 1: Representação de um diagrama simplificado de orbitais moleculares.

A visão sobre a ligaçãoquímica não pode se

restringir aocompartilhamento deum par de elétrons

entre dois átomos, ouà idéia de um par de

elétrons ocupando umorbital molecular

formado pelacombinação de dois

orbitais atômicos

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No estado metálico ocorre fortesuperposição entre a banda cheia e abanda vazia superior, de modo que apassagem do elétron para a banda decondução exige uma quantidadeinsignificante de energia (∆E ≈ 0).Também é possível que a última bandaeletrônica esteja apenas parcialmentepreenchida, apresentando vacânciapara condução, sem necessidade dainterpenetração energética com o nívelvazio superior. Nesse caso, tambémse observa um caráter metálico.

Nos sistemas metálicos, os elé-trons se distribuem dentro da bandacomo se fossem um fluido dentro deum copo. O limite de separação entrea parte ocupada e a vazia equivaleriaà superfície do líquido, isto é, formaum nível de ocupação bem-definido.Esse nível é denominado limite de Fer-mi. Nos semicondutores, um aumentode temperatura favorece a condução,contribuindo para a promoção doselétrons para a banda vazia. Nos me-tais, o aumento de temperatura temefeito contrário, dificultando a condu-ção eletrônica pelo aumento da resis-tência ao percurso dos elétrons, devi-do à vibração térmica da rede.

Os elementos dos grupos 13 (Al,Ga, In) e 15 (P, As, Sb), quando com-binados, formam materiais semi-

condutores de grande aplicação práti-ca, principalmente em dispositivoseletro-ópticos, isto é, que convertemenergia elétrica em energia luminosaou vice-versa. O arseneto de gálio,GaAs, por exemplo, tem um ∆E de 138kJ/mol e, quando conduz corrente, oselétrons da banda de condução po-dem decair para a banda de valênciacom emissão de luz — no caso, comcomprimento de onda de 870 nm(infravermelho próximo). Esse é oprincípio do funcionamento do disposi-tivo conhecido como LED (light-emi-tting diode) e de lasers semicondu-tores.

Manipulando ligações químicasna Era da Informática

O desenvolvimento vertiginoso dacomputação vem tornando acessíveisinúmeros programas de modelagemmolecular baseados em mecânicamolecular (clássica) ou em mecânicaquântica. Esse tipo de recurso já estásendo usado nos cursos de gradua-ção em química, e com certezachegará ao ensino médio. Na mecâ-nica molecular, trabalha-se com forçasde campo; os movimentos atômicossão descritos por constantes de força(como as de oscilador harmônico) deestiramento e torção. Além disso,

incluem-se barreiras conformacionais,interações eletrostáticas, pontes dehidrogênio e forças de dispersãocomo a de van der Waals. As equa-ções usadas são relativamente sim-ples, e o cálculo de uma estrutura mo-lecular pode ser feito com o auxílio deparâmetros experimentais como as jáconhecidas constantes de força. Aenergia total é dada pela soma de to-das as energias (ligação, torção,conformacional, eletrostática, van derWaals e pontes de hidrogênio), quepor sua vez depende de distâncias,ângulos e cargas. Essas variáveis po-dem ser alteradas gradualmente atése chegar ao mínimo de energia,situação que define a geometria maisestável da molécula.

Os cálculos de mecânica molecu-lar podem ser conduzidos em níveisaltamente sofisticados, sendo de in-teresse, principalmente, na previsãoda estrutura e atividade de fármacose na construção de sistemas comcapacidade de reconhecimento mole-cular. Sob o ponto de vista didático, amodelagem molecular permitirá que oaluno explore em detalhes a estruturatridimensional das moléculas, reco-nhecendo aspectos conformacionaise estéricos.

A outra opção faz uso da mecânicaquântica. Estruturas molecularespodem ser simuladas a partir da solu-ção da equação de Schrödinger,utilizando programas de computadorque têm evoluído continuamente. Exis-tem vários programas executáveis emmicrocomputadores pessoais que po-dem ser usados por estudantes decursos introdutórios de química.Atualmente, os métodos de mecânicamolecular seriam os mais adequadospara alunos de ensino médio.

Ligação química: a visão atual

A visão sobre a ligação químicanão pode se restringir ao comparti-lhamento de um par de elétrons entredois átomos, ou à idéia de um par deelétrons ocupando um orbital mole-cular formado pela combinação dedois orbitais atômicos. A idéia de orbi-tais deslocalizados, como no caso dobenzeno e do grafite, deve ser explo-rada, para explicar a equivalência dasdistâncias C-C do primeiro e as pro-

Figura 2: Extensão dos orbitais moleculares mostrando a multiplicação dos níveiscom o aumento do número de átomos, até formar bandas de orbitais moleculares.

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priedades condutoras do segundo.Esse modelo poderá ser facilmenteampliado para explicar a existência depolímeros condutores (poliacetileno,polianilinas e polipirróis), fios mole-culares e materiais supercondutores.

A estrutura de biomoléculas comoo DNA permite mostrar a importânciadas ligações de hidrogênio e a com-plementaridade das bases nucleicas.Outra oportunidade interessante paradiscutir as interações de hidrogênio é

Referências bibliográficasOGILVIE, J.F. The nature of the

chemical bond - 1990, Journal of theChemical Education, v. 67, n.4, p.281-289, 1990.

PAULING, L. The nature of thechemical bond - 1992, Journal of theChemical Education, v. 69, n. 7, p.519-521, 1992.

fornecida pela piezoeletricidade emcristais de diidrogenofosfato de po-tássio, KH2PO4, onde os dipolos elé-tricos oscilam ao longo das ligaçõesP-O-H...O-P pelo simples desloca-mento do átomo de hidrogênio queatua como ponte. A partir do conheci-mento das interações intermolecu-lares, o aluno poderá entender o sig-nificado do reconhecimento molecular,bem como discutir a questão da inteli-gência molecular.

Com a exploração sistemática dosvários tipos de ligações, o aluno terámaior contato com os aspectos espa-ciais (tridimensionais) da química, pas-sará a perceber a existência dos ele-mentos de simetria nas moléculas emateriais, e talvez venha a ter uma no-va visão estética do mundo em que vive.

Henrique E. Toma, bacharel e licenciado em quí-mica, doutor em ciências, é professor titular doInstituto de Química da USP, em São Paulo - SP.

CHASSOT, A. Sobre prováveismodelos de átomos, Quimica Nova naEscola, n. 3, p. 1, 1996.

LUDER, W. F., The electron-repul-sion theory of the chemical bond. NewYork: Reinhold Publishing Corp., 1967.

Para saber maisPara obter um questionamento à

idéia da molécula como objeto real e

uma abordagem crítica das concep-ções clássicas de ligação química, ver:

MORTIMER, E. Para além dasfronteiras da química: relações entrefilosofia, psicologia e ensino dequímica. Química Nova, v. 20, n. 2, p.200-207, 1997.

MORTIMER, E. O significado dasfórmulas químicas. Química Nova naEscola, n. 3, p. 19-21, 1996

O mundo assombrado pelosdemônios

“Onde há dúvida, há liberdade”Provérbio latino

“Por que deveríamos subsidiar acuriosidade intelectual?”

Ronald Reagan, discurso decampanha eleitoral, 1980

A ciência vista como uma vela noescuro é o subtítulo do instigante livrode Carl Sagan, autor de Cosmos, Oromance da ciência e Pálido pontoazul, dentre outros. Com a sobriedadeque lhe é peculiar, Sagan continua suacruzada pela divulgação da ciência,enquanto, por outro lado, combate aspseudociências usando para tanto ométodo científico em vez da paixãoexaltada: “Podemos rezar pela vítimado cólera, ou podemos lhe dar qui-nhentos miligramas de tetraciclina acada 12 horas(…) Podemos tentar aquase inútil terapia psicanalítica pelafala com o paciente esquizofrênico, oupodemos lhe dar trezentos a quinhen-tos miligramas de clazepina(…) Re-nunciar à ciência significa abandonar

muito mais que o ar-condicionado, otoca-disco CD, os secadores de ca-belos e os carros velozes”.

A maneira como Sagan apresentaa democracia como uma das molaspara alavancar o progresso científicotambém é digna de admiração: “Tantoa ciência como a democracia enco-rajam opiniões não convencionais edebate vigoroso. Ambas requerem ra-ciocínio adequado, argumentos coe-rentes, padrões rigorosos de evidênciae honestidade. A ciência é um meiode desmascarar aqueles que apenasfingem conhecer. É um baluarte con-tra o misticismo, contra a superstição,contra a religião mal aplicada eassuntos que não lhe dizem respeito.”

Poucas instituições escapam ilesasàs rajadas da metralhadora giratóriaque é O mundo assombrado pelosdemônios; a maneira como os meiosde comunicação atuam quando que-rem dar destaque ao que lhes interes-sa (o autor chega a sugerir que o leitorobserve a quarta capa do próprio livroe verifique se esta não apresenta aobra como um trabalho ‘grandioso’),as falhas do governo no tocante a pro-

gramas de educação e ciência (é cla-ro, ele se refere ao problema norte-americano, mas é impressionante co-mo podemos notar reflexos dos mes-mos problemas em nossa sociedade),a credulidade da grande maioria daspessoas ante questões pseudocien-tíficas etc.

O livro falha apenas num ponto:Sagan é racional demais para poderaceitar a existência do místico, de algohoje indefinível mas que talvez possa,com efeito, permear a ciência deamanhã. Afinal, não é a falta de provaque comprova a inexistência...

No mais, discorrer sobre todos ostópicos que o livro aborda exigiria umespaço maior que o destinado a estaresenha; de qualquer modo, o currícu-lo que Sagan acumulou durante quasemeio século de busca pela ‘boa’ ciên-cia por si já recomenda uma leitura deO mundo assombrado pelos demô-nios. Poderíamos até arriscar, compoucas chances de errar, que é um li-vro de leitura obrigatória para qualqueruniversitário (professor ou estudante),tanto quanto o é para os professoresdo ensino médio e fundamental.

(Carlos André Mores)

Resenha