LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
A INSERÇÃO DO NEGRO NA CARREIRA DE DIPLOMATA:
AÇÃO AFIRMATIVA PARA O INSTITUTO RIO BRANCO
VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
A INSERÇÃO DO NEGRO NA CARREIRA DE DIPLOMATA:
AÇÃO AFIRMATIVA PARA O INSTITUTO RIO BRANCO
VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia
do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título Mestre em Sociologia.
Orientadora: Gláucia Villas Bôas
Rio de Janeiro
2005
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A INSERÇÃO DO NEGRO NA CARREIRA DE DIPLOMATA: AÇÃO
AFIRMATIVA PARA O INSTITUTO RIO BRANCO (IRBR)
VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA
Dissertação de Mestrado em Sociologia e Antropologia apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Sociologia e Antropologia.
Banca examinadora: Profª. Drª. _____________________________ Gláucia Kruse Villas Boas (Orientadora) – IFCS/UFRJ __________________________________ Profª. Dra Yvonne Maggie Universidade Federal do Rio de Janeiro – IFCS/UFRJ __________________________________ Prof. Dr. Carlos Antonio Costa Ribeiro Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ Prof. Dr. Marco Antonio Gonçalves (suplente) Universidade Federal do Rio de Janeiro IFCS/UFRJ Prof. Dr. Carlos Henrique Gileno (suplente) UNESP - Araraquara
Rio de Janeiro
2005
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FICHA CATALOGRÁFICA
LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata: ação afirmativa
para o Instituto Rio Branco. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGSA - IFCS, 2005
Xi, 157f.
Orientadora: Gláucia Villas Bôas
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS, Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, 2005.
Referências Bibliográficas f. 112-116
1. Ação Afirmativa 2. Política Pública 3. Instituto Rio Branco
4. Carreira de Diplomata
4
Aos meus pais:
Jorge Alcides R. Lima (In memorian) e Gracinda A R. Lima
5
AGRADECIMENTOS
Especial gratidão à minha orientadora, Professora Gláucia Villas Boas, que teve
presente com suas leituras atentas, comentários e sugestões; pela sua valiosa
participação na minha formação acadêmica, desde a graduação ao programa de Pós-
graduação, pelo carinho e atenção dedicados que muito contribuíram para a realização
deste trabalho.
A todos os professores que participaram na minha formação acadêmica; aos
meus colegas e professores de Pós-graduação pelas discussões, dicas e comentários
valiosos, principalmente aos professores Bila Sorj e Perter Fry nas aulas de
Metodologia. Agradeço também aos professores que participaram nas Jornadas Internas
do Programa; um agradecimento muito especial à professora Yvonne Maggie e à
professora Mônica Grin pelas sugestões feitas na qualificação do projeto.
À professora Maria Helena por ter me recebido nas suas aulas de SPSS que me
foram muito úteis na análise dos dados quantitativos que tornou possível a elaboração
do II capítulo.
Aos professores João Feres e Carlos Hasenbalg do IUPERJ pelas sugestões.
À família Uema por me ter acolhido em sua residência, pelo carinho e apóio
durante a minha estadia em Brasília para fazer pesquisa de campo, especialmente à Ana
e a minha amiga Liza Uema.
À Cristina Reis e Edjane Mair do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Ciência e Tecnologia – CNPq - pela disponibilização dos dados quantitativos analisados
neste trabalho e pela atenção e apoio prestados durante a realização da pesquisa no
CNPq.
À Tânia Malinski do Instituto Rio Branco (IRBr) pela atenção dispensada e
pelas informações valiosas que me foram muito úteis.
Aos bolsistas que prontamente me atenderam, disponibilizando parte do seu
precioso tempo para responder o questionário e para conversar comigo sobre o
programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco. A todos muito obrigado.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo
apóio financeiro.
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À Cláudia e à Denise, secretárias do Programa de Pós-graduação em Sociologia
e Antropologia, pela atenção que sempre tiveram comigo ao longo desses anos de
mestrado.
Aos meus amigos do Núcleo de Sociologia da Cultura (Nusc) pelo carinho. Um
agradecimento especial ao André Botelho e à Verônica.
A todos os meus amigos Valéria, Andréia, Ana Cristina, Ana Cristina Andrade,
Daniela, Graciela, Luiz Fernando Martins, Zé Carlos e Joana, Paulo Roberto, Beth
Vianna, Selma, Magali, Gianne. Ao pessoal do PPCor, especialmente à Cláudia.
À minha mãe e aos meus irmãos Bats e Manú que, mesmo estando longe, me
apoiaram e me incentivaram nessa etapa difícil, porém prazerosa, da minha vida.
Ao Tony, muito obrigado pelo amor, paciência e compreensão.
Finalmente, a todos que contribuíram, direta ou indiretamente, na realização
deste trabalho, muito obrigado.
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RESUMO
A INSERÇÃO DO NEGRO NA CARREIRA DE DIPLOMATA: AÇÃO
AFIRMATIVA PARA O INSTITUTO RIO BRANCO
VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA
Orientadora: Gláucia Villas Bôas
Resumo da dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação
em Sociologia e Antropologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia.
Esta dissertação tem como finalidade discutir o programa de ação afirmativa
“Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”, destinado a beneficiar os “afro-
descendentes”, implementado pelo Instituto Rio Branco, órgão do Ministério das
Relações Exteriores, responsável pela seleção e formação de diplomatas brasileiros, que
tem como meta uma representação mais “dive rsificada” do Brasil no exterior. Iniciado
em 2002, o programa concedeu bolsas a 20 candidatos, selecionados de um grupo de
quatrocentos e três que se autodeclararam “afro-descendentes”, para se prepararem para
o Concurso do Instituto Rio Branco.
Com base nesses números, acreditamos que há uma demanda “reprimida” de
uma “classe média negra” intelectualmente preparada pleiteando ingressar no “grupo de
status” do Itamaraty. Este trabalho faz uma análise sociológica do perfil
socioeconômico e educacional desses candidatos, da sua mobilidade social, da
representação social do “grupo” sobre si, da experiência vivida durante o processo de
preparação para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, da avaliação dos
motivos e das expectativas da carreira de diplomata e a opinião dos bolsistas sobre o
programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco.
Palavras-chave: Ação Afirmativa, Política Pública, Instituto Rio Branco, Carreira de
Diplomata
Rio de Janeiro
2005
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ABSTRACT
BLACK MINORITY ACCES TO THE DIPLOMATIC CARRIER: AFFIRMATIVE
ACTION FOR THE RIO BRANCO INSTITUTE
VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA
Advisor: Gláucia Villas Bôas
The main goal of this dissertation is to discuss the affirmative action program “Bolsa-
Prémio de Vocação para a Diplomacia” that has been carried out by the Rio Branco
Institute, organ of the Ministry of Foreign Relations of the Brazilian Government
responsible for the selection and training of Brazilian diplomats. This program aims to
provide a more accurate representation of the Brazilian people abroad. In 2002, year of
its implementation, the program offered scholarships to twenty “afro-descendents”
candidates selected out of four hundred and three who had declared them selves as
“afro-descendent” to help them preparing themselves for the entrance examination.
Based on these numbers, we believe that there exists a “repressed” demand from
a black middle class sufficiently prepared aiming to have access as members of the
prestigious Itamaraty. This work performs a sociological analysis on the economic and
educational conditions of the candidates and social mobility. It also take into
consideration the social representation that they have of themselves, their impression
about the experience they lived during the preparation phase, their motivation and
expectation from the diplomatic career, and their opinion concerning the affirmative
action program of the Rio Branco Institute.
Key words: Affirmative Action, Public Policy, Rio Branco Institute, Diplomatic
Carrier.
Rio de Janeiro
2005
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LISTA DE ANEXOS Anexo I ...................................................................................................Questionário
Anexo II ..............................................................................................Edital de 2002 do
Instituto Rio Branco
Anexo III..............................................................................................Regulamento do
Instituto Rio Branco
Anexo IV..............................................................................................Cartaz oferecendo
cursos de preparação à Carreira de Diplomata.
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LISTA DE SIGLAS
CAE – Curso de Altos Estudos
CAD – Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas
CACD – Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata
IRBr – Instituto Rio Branco
MRE – Ministério das Ralações Exteriores
PROFA I - Programa de Formação e Aperfeiçoamento – Primeira Fase
TPS – Teste de Pré-Seleção
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................1
Capítulo I - PROGRAMA DE AÇÃO AFIRMATIVA “BOLSA-PRÉMIO DE
VOCAÇÃO PARA A DIPLOMACIA”............................................................................9
1.1 - Conjuntura político e social do surgimento do programa......................................12
1.1.1- Assinatura do Protocolo de Cooperação...............................................................18
1.2 - Carreira de Diplomata: estrutura e organização.....................................................21
1.3 - Concurso de Admissão à Carreira..........................................................................28
1.4 - “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”.....................................................32
1.4.1 -Processo de Seleção de 2002.................................................................................35
Capítulo II - PERFIL SOCIOECONÔMICO E EDUCACIONAL DOS CANDIDATOS
“AFRO-DESCENDENTES” INSCRITOS EM 2002....................................................42
2.1– Traços Gerais.......................................................................................................45
2.1.1 - Estado Civil e Sexo..............................................................................................46
2.1.2 - Faixa Etária..........................................................................................................49
2.2 - Renda familiar.....................................................................................................50
2.3 – Educação..............................................................................................................53
2.3.1 - Ensino fundamental, médio e superior - escola pública/particular......................54
2.4 – Ocupação..............................................................................................................60
2.5 - Região de Procedência.........................................................................................63
2.6 - Mobilidade Social................................................................................................66
2.6.1 -“Mobilidade Intergeracional”...............................................................................67
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Capítulo III - MOTIVOS E EXPECTATIVAS COM RELAÇÃO À CARREIRA DE
DIPLOMATA..................................................................................................................75
3.1 - “Classe média negra”: a representação social do “grupo” sobre si ........................80
3.2 - Motivos e expectativas com relação à Carreira de Diplomata...............................89
3.3 - Itamaraty e Ação afirmativa...................................................................................93
3.3.1 -Avaliação do programa pelos bolsistas...............................................................100
4 - CONCLUSÃO GERAL .........................................................................................104
5 - BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................112 6 - ANEXOS..................................................................................................................117
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INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo discutir o programa de ação afirmativa “Bolsa-
Prémio de Vocação para a Diplomacia” implementado em 2002 pelo Instituto Rio
Branco, órgão do Ministério das Relações Exteriores, responsável pela seleção e
formação de dip lomatas brasileiros. O programa tem como meta conceder recursos
financeiros aos “afro-descendentes” que queiram se preparar para o Concurso de
Admissão à Carreira de Diplomata e provém da necessidade do Itamaraty de
“diversificar” o corpo diplomático brasileiro. Além disso, é feita também uma análise
sociológica do perfil sócio-econômico e educacional dos candidatos inscritos, da sua
mobilidade social, da vivência dos bolsistas durante o processo de preparação para o
Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, dos motivos e as expectativas sobre a
Carreira de Diplomata e da opinião deles sobre a ação afirmativa no Instituto Rio
Branco.
O programa do Instituto Rio Branco faz parte de um projeto nacional do governo
iniciado pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso para a
“Valorização da População Negra” e é também um dos resultados da implementação de
políticas de ação afirmativa de corte racial, em larga escala, em decorrência dos
compromissos assumidos pelo Governo Brasileiro na III Conferência Mundial de
Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata,
ocorrida em 2001 na África do Sul. Provém de uma iniciativa Interministerial com
marcas fortes do movimento social, particularmente do movimento negro, visando dar
um encaminhamento à questão racial institucional.
O programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” para “afro-
descendentes” do Instituto Rio Branco surge num cenário marcado pela polêmica e
discussões acirradas acerca da implementação de política de cotas de corte racial nas
universidades públicas. Sendo uma Instituição socialmente reconhecida pela sua
excelência, observa-se uma grande preocupação do programa ser confundido com a
polêmica sobre as cotas. A ênfase no mérito individual é constantemente evocada pelo
diretor do Instituto que faz questão de dizer, em todas as suas entrevistas, que o
programa apenas concede bolsas de estudos para negros e não reserva vagas para
ninguém, pois o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata se fundamenta no
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mérito individual e é igual para todos os candidatos, independente das diferenças
sociais. O diretor do Instituto Rio Branco acredita que a bolsa é um excelente meio para
diminuir as desigualdades do país. Observa que “por esse sistema, ninguém pode
levantar nenhuma suspeita da capacidade dos bolsistas aprovados no concurso do Rio
Branco”; “todos os candidatos são aprovados por excelência no Rio Branco. As provas
de admissão para a carreira continuam iguais”, (João Almino, 2004).
Nos últimos tempos, muito se tem discutido sobre políticas de ação afirmativa
coisa que há pouco tempo era impensável na sociedade brasileira, pois, até então, a
sociedade se representava como um país da “democracia racial”, da harmonia e
“convivência pacífica” entre as raças, apesar das inúmeras denúncias da existência de
profundas desigualdades sociais e relacionadas à raça. As denúncias do quadro de
desigualdade racial começaram a ser sistemáticas e passaram a ser sustentadas também
com dados quantitativos apresentados através de pesquisas realizadas a partir da década
de 1970, particularmente nos trabalhos de Carlos Hasenbalg (1979) e Nelson do Valle
Silva (1980). O movimento negro e o “movimento pró-negro” (Monteiro, 2003) passam
a reivindicar políticas de ação afirmativa de corte racial que proporcionem iguais
oportunidades a todos os integrantes da sociedade na disputa por espaços, bens e
serviços sociais; e estas reivindicações passaram a receber maior atenção por parte do
poder público.
Mas, o que significa ação afirmativa? Bem, segundo Rosana Heringer (1999),
existem inúmeras propostas de definições para este termo. Podemos dizer que “ação
afirmativa são políticas públicas ou privadas de combate à desigualdade estrutural de
grupos mais vulneráveis à discriminação” (Lenz César, 2003). Para o atual Ministro do
Superior Tribunal Federal Joaquim Barbosa (2001), é:
“um conjunto de políticas públicas e particulares de caráter compulsório,
facultativo, concedido com vistas ao combate à discriminação racial, de
gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da
discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do
ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e
emprego'. (...) Em síntese, trata-se de políticas e mecanismos de inclusão
concebida por entidades públicas, privadas e por órgãos jurisdicional como
vista a concretização de um objetivo constitucional universalmente
reconhecido - o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres
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humanos têm direito” (Barbosa, 2001, 40-41)
Uma frase que exprime bem a finalidade das políticas de ação afirmativa é a do
Presidente Lyndon Jonhson, responsável pela implementação dessas políticas nos
Estados Unidos em 1965, dizendo o seguinte: “Você não pega uma pessoa que por anos
esteve presa por correntes e a liberta, trazendo-a ao ponto de partida de uma corrida e,
então diz, ‘você está livre para competir com todos os outros’, e continua acreditando
que foi completamente justo” (Lyndon Jonhson apud Bernardino, 2002:268). Nesse
caso, para competir em “igualdade de condições”, as pessoas precisam ter
oportunidades e acesso aos bens educacionais de qualidade, à cultura, à informação, à
saúde, à alimentação, para poder ter condições de disputar espaços na sociedade.
Combater a discriminação, e oferecer oportunidades de acesso são as principais metas
de programas de ação afirmativa.
As políticas de ação afirmativa, nos Estados Unidos, começaram com a
promulgação das Leis dos Direitos Civis em 1964, porém, elas não se limitaram aos
países ocidentais. A partir da constatação de que as leis anti-discriminatórias
implantadas na década de 1960 mostravam-se ineficientes no combate aos efeitos
persistentes da discriminação, percebeu-se que medidas adicionais deveriam ser
agendadas no sentido de coibi- la. É nesse contexto que teriam aparecido as políticas de
ação afirmativa cujas metas seriam não só coibir a discriminação do presente, mas,
sobretudo, eliminar os efeitos persistentes (psicológicos, culturais e comportamentais)
da discriminação do passado que tendia a se perpetuar (Barbosa, 2001). Nos EUA, o
Estado passa a formular políticas públicas levando em consideração fatores como sexo,
raça, cor, para beneficiar certos segmentos da população que até então se encontrava
“excluída” da sociedade. Uma das primeiras medidas foi a imposição de políticas de
cotas que promovessem a igualdade de oportunidades para o acesso de representantes de
minorias a determinados setores do mercado de trabalho e a instituições educacionais.
Entretanto, é relevante observar que cotas de corte racial são um dos modos de
implementação de políticas de ação afirmativa, que nos EUA, posteriormente, em 1978,
foram declaradas inconstitucionais.
No Brasil, os debates sobre ação afirmativa afluíram não somente no meio
acadêmico como também no cenário político e social e gerou muita polêmica,
particularmente no concernente à política de cotas para universidades públicas
brasileiras. Contudo, essa discussão sobre as cotas colocou nas arenas política e social
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questões relacionadas às profundas desigualdades sociais, principalmente as raciais, de
uma forma jamais vista nessa sociedade ideologicamente representada como uma
democracia racial. Além de outros importantes estudos fundamentados em estatísticas
com fortes evidências de problemas derivados do racismo e da discriminação racial
enfrentados pelo negro ao longo da sua vida, um estudo encomendado pelo governo em
2001 ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada foi fundamental para se repensar os
problemas raciais de forma mais ampla. Com base nos dados dos Censos do IBGE, o
estudo “Desigualdade Racial no Brasil” (Henriques, 2001) demonstrou, a partir de
diversos indicadores sociais como educação, trabalho, renda, entre outros, que a
diferença entre negros e brancos permanecia inalterada ao longo de mais de um século,
desde o fim da escravidão. Na mesma direção seguem muitos outros estudos
acadêmicos e políticos e do próprio movimento negro demonstrando a existência de
profundas desigualdades entre negros e brancos e, portanto, a necessidade de ação
afirmativa para os negros.
Através dessas pesquisas, o governo decide estudar, juntamente com integrantes
da sociedade civil, propostas cuja finalidade seria combater o racismo e a discriminação
racial e formas de possibilitar oportunidades de acesso à população negra discriminada e
excluída de certos espaços sociais. Optou-se pela implementação de políticas de ação
afirmativa e um dos caminhos adotados, em algumas universidades públicas, foi a
política de cotas de corte racial. No entanto, essa não é o único caminho para a
implementação das ações afirmativas, mas foi o que provocou intensas discussões por
reservar vagas para negros e pardos. Além disso, as cotas foram intensamente discutidas
no meio acadêmico e colocaram também em debate conceitos como “raça”, mérito,
igualdade, democracia racial, etc. Estes foram muito debatidos quando essas políticas
começaram a ser implementadas nas universidades públicas do Estado do Rio de
Janeiro, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade de
Estado Norte Fluminense (UENF), por meio das Leis Estaduais 3.524/2000 e
3.708/2001.
Os conceitos acima referidos provocaram reações contrárias e favoráveis às
políticas de cotas. De um lado, os pesquisadores que se posicionam contra
argumentaram que o conceito de “raça”, base da formulação dessa política, “fere o
ideário nacional de dimensões múltiplas” (Costa, 2002); que não existem linhas
demarcatórias nítidas entre a população em termos étnicos (...) já que a população usa
uma diversidade de termos para se identificar (Shwartzman, 1999); que o uso do
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conceito esvaziaria o debate centrado nos direitos e na noção de cidadania
(Maggie,1999), pois a raça rompe com a idéia do Brasil da mestiçagem, com o “ideário
modernista”, ao fazer com que as pessoas escolhem uma identidade (Maggie, mimeo).
Para alguns pesquisadores, existem problemas maiores como a pobreza que se sanados
resolveriam as preocupações com a sub-representação da população negra nas
universidades e, conseqüentemente, diminuiriam as desigualdades sociais no Brasil
(Maggie e Fry, 2002). Nessa perspectiva mais universalista, a implementação da ação
afirmativa, em um país que se classifica de “modo múltiplo” e não de “modo binário”
(Fry, 1996), tornar-se- ia difícil definir os que deveriam e os que não deveriam ser
beneficiados pela política. Outros argumentos contrários referem-se à questão do
mérito. As cotas derrubariam o “princípio universalista e individualista do mérito”,
princípio este que “representa uma vitória da democracia brasileira” “contra as pragas
do protecionismo, do clientelismo, do racismo da sociedade brasileira” (Durham, 2003).
Por outro lado, os pesquisadores favoráveis à adoção de ação afirmativa, da
política de cotas, argumentaram que, do ponto de vista sociológico, é imprescindível o
uso do conceito de “raça” dado que “o racismo brasileiro está umbilicalmente ligado a
uma estrutura estamental que o naturaliza e, portanto, para combate-lo, dever-se-ia
combater a institucionalização das desigualdades de direitos individuais” (Guimarães,
1999). Para este pesquisador, a ação afirmativa não contraria a ordem instituída pelo
mérito já que ela tem na individualidade, na igualdade e na liberdade pressupostos que a
garantem.
Para estes, é importante a ação afirmativa porque “a cor é uma imagem figurada
da raça visto serem as pessoas classificadas hierarquicamente de acordo com fenótipos”
(Bernardino, 2002); e que todos sabem quem é quem quando da discriminação negativa
e que, portanto, todos sabem quem deve ser beneficiado pela discriminação positiva
(Cidinha Silva, 2003). Para Carlos Hasenbalg, “os resultados das pesquisas recentes são
de estarrecer os que ainda acreditam na neutralidade do critério racial em matéria de
apropriação das oportunidades sociais. Elas demonstram que os negros e mestiços
(pretos e pardos na definição oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, ou não-brancos, como são chamados aqui alternativamente) estão expostos a
desvantagens cumulativas ao longo das fases do ciclo de vida individual, e que essas
desvantagens são transmitidas de uma geração para outra” (Hasenbalg, 1995: 239).
Pesquisadores estrangeiros como Edward Telles, Anthony Marx, etc, também se
manifestam favoráveis à adoção dessas políticas pela sociedade brasileira.
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Os aspectos acima referidos foram os que provocaram discussões acaloradas
quando da implementação das políticas de ação afirmativa, mais precisamente, das
políticas de cotas (reserva de vagas para negros e pardo) nas universidades do Estado do
Rio de Janeiro, em 2001. Porém, o debate referente à implementação ou não de políticas
de ação afirmativa na sociedade brasileira é anterior à implementação de cotas nas
universidades, em 2001. No entanto, em outras instituições públicas, outras medidas e
critérios foram utilizados como a concessão de bolsas de estudos, no caso da PUC do
Rio de Janeiro, no do Instituto Rio Branco, órgão do Ministério das Relações Exteriores,
para beneficiar a população negra.
A discussão sobre a ação afirmativa no Instituto Rio Branco será abordada no
primeiro capítulo deste trabalho. O interesse pelo assunto começou no quinto período do
curso de graduação em Ciências Sociais, em 1999, quando foi lido, pela primeira vez, o
livro de Costa Pinto “O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em
mudança” (1953). Foi da leitura deste texto que entrei em contato efetivamente com a
questão racial no Brasil, da existência do racismo, da discriminação e do preconceito
racial e da sub-representação da população negra em certos espaços da vida social.
Antes, não conseguia perceber a fraca representação dos negros no curso de ciências
sociais, portanto, era um assunto que não tinha o menor significado para mim. No
início, não entendia quase nada do que o autor falava e demonstrava como os dados
estatísticos ao apresentar uma sociedade extremamente desigual, o que me parecia
muito estranho. Só comecei a entender melhor a situação da sociedade brasileira com
mais e mais leituras do texto e de outros autores que abordaram o assunto na década de
50, no programa de Iniciação Cientifica. Comecei então a me interessar pelas palestras
que abordavam a importância da implementação da ação afirmativa no Brasil e a
procurar textos que debatiam sobre essa questão.
Acredito que os assuntos, abordados lá na década de 50, continuam bem atuais,
principalmente quando atentamos para as discussões acirradas sobre as cotas para
negros nas universidades públicas que apontam para um acirramento das “tensões
sociais”. Costa Pinto previu que essas tensões tendiam a se acirrar quando a “classe
média negra”, de posse de condições e qualificações exigidas para competir em
igualdade de condições, começasse a deparar com barreiras impostas as suas aspirações,
quando começasse a lutar por espaços que até então encontravam fechados a ela.
Inúmeras cartas contra a política de cotas e contra a ação afirmativa para negros são
enviadas constantemente aos meios de comunicação imprenso, e os vários processos na
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justiça referentes a essa questão, indicam o acirramento das “tensões raciais” entre os
que sempre foram privilegiados e os excluídos que lutam por espaços.
Foi então elaborada uma proposta para o curso de mestrado desejando
comparar os dados apresentados por Costa Pinto, na década de 50, com dados
estatísticos recentes para averiguar o que tinha permanecido e o que havia mudado ao
longo das décadas com relação à situação do negro na sociedade brasileira. Mas, da
proposta surgiu a possibilidade de trabalhar os dados dos candidatos inscritos no
primeiro programa implementado pelo Instituo Rio Branco em 2002, assunto que me
pareceu também muito interessante. Das duas possibilidades, acabei por optar trabalhar
com a última. Para isso, comecei a pesquisar trabalhos que abordassem temas
relacionados às desigualdades raciais e aos que debatiam as propostas de ação
afirmativa para combater as desigualdades raciais, as desvantagens e a sub-
representação da população negra no Brasil; e também a procurar por trabalhos e
informações sobre o Instituto Rio Branco e o Concurso de Admissão à Carreira de
Diplomata, principalmente sobre o programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a
Diplomacia” do Instituto Rio Branco.
Em 2004, foi feito um deslocamento à Brasília para pesquisar nos formulários de
inscrição dos quatrocentos e três candidatos “afro-descendentes” com a finalidade de
colher informações necessárias para traçar o perfil socioeconômico e educacional dessas
pessoas que recorreram ao programa com a expectativa de ter alguma chance de sucesso
para ingressar no Itamaraty. Como parti do pressuposto de que os candidatos pertenciam
à “classe média negra” intelectualizada e os dados quantitativos, através de variáveis
como renda familiar, escolaridade e ocupação, confirmaram a hipótese; e, apesar de ter
um material considerável para os meus propósitos, achei interessante a idéia de
entrevistar os bolsistas para averiguar a representação social que tinham de si, ou seja,
se sentiam partes dessa classe média, e como vivenciaram o processo de preparação
para o Concurso do Itamaraty.
Dada a inviabilidade de entrevistar todos os bolsistas por serem provenientes de
diferentes regiões do Brasil, decidi procurar os residentes no Rio de Janeiro e enviar um
questionário para os demais das outras regiões. Consegui entrar em contato com 75%
dos bolsistas por telefone e por e-mail, mas obtive respostas de somente 25% deles, e
algumas promessas de respostas que nunca se concretizaram. Também não houve
respostas às tentativas de estabelecer contato com a bolsista que logrou ingressar no
Itamaraty, a única que conseguiu fazer o “rito de passagem”.
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O trabalho está estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo tem como
finalidade, além de discutir, em linhas gerais, a conjuntura política e social através dos
quais está inserido o programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a
Diplomacia”, implementado em 2002 pelo Instituto Rio Branco que tem como objetivo
conceber bolsas de estudos para “afro-descendentes” interessados em se preparar para o
concurso do Instituto Rio Branco; entender, um pouco, o Itamaraty e o seu processo de
seleção, o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, mas centra-se
particularmente no processo seletivo do programa implementado em 2002.
No segundo capítulo buscou-se fazer uma análise sociológica do perfil
socioeconômico e educacional dos candidatos e a sua mobilidade social, atentando para
os bolsistas, com base nos dados quantitativos coletados nos formulários de inscrição do
programa. Essa abordagem está relacionada à hipótese de que os candidatos que
procuraram o concurso fazem parte de uma demanda “reprimida” da “classe média
negra” intelectualmente preparada para assumir posição de destaque na sociedade
brasileira, em função da sub-representação dos negros no Itamaraty. Para isso,
mobilizou-se diversos indicadores sociais como renda, escolaridade e ocupação.
O terceiro capítulo tem como objetivo analisar as entrevistas e os questionários
com a intenção de averiguar a representação social que os bolsistas têm de si; ou seja, se
se vêem como parte integrante da “classe média negra” brasileira. Os conceitos
utilizados para abordar os assuntos presentes nesse capítulo são: “privação relativa” e
“grupo de referência” definidos nos estudos de R. W. Runciman (1966) e Robert
Merton (1968). Nesse mesmo capítulo, examinamos os motivos e as expectativas de
querer ser diplomatas através das redações elaboradas no ato da inscrição no programa;
e também é feita uma análise da relação entre o Itamaraty, por meio do concurso de
Admissão à Carreira de Diplomata, e a ação afirmativa implementada pelo Instituto Rio
Branco. Por fim, examinamos a avaliação que os bolsistas fizeram do programa “Bolsa -
Prémio de Vocação para a Diplomacia” do Instituo Rio Branco.
21
Capítulo I
PROGRAMA DE AÇÃO AFIRMATIVA “BOLSA-PRÉMIO DE VOCAÇÃO PARA
A DIPLOMACIA”
“Precisamos ter um conjunto de diplomatas – temos poucos - que
sejam o reflexo da nossa sociedade, que é muliticolorida e não tem
cabimento que ela seja representada pelo mundo afora como se fosse
uma sociedade branca, porque não é”.
Fernando Henrique Cardoso (Presidente do Brasil, 2002)1
Esse capítulo se pauta numa análise geral do funcionamento do programa de
Ação Afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação à Diplomacia” destinado a beneficiar
candidatos “afro-descendentes”2 interessados em ingressar na Carreira de Diplomata,
implementado em 2002 pelo Instituto Rio Branco (IRBr), órgão do Ministério das
Relações Exteriores (MRE), responsável pela seleção e formação dos diplomatas
brasileiros. Esse programa reflete o reconhecimento do governo brasileiro da
necessidade de “colorir” a representação do Brasil no exterior de acordo com a
formação real da sua população, como fica bem expresso no pronunciamento do então
Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, na citação acima.
Antes, porém, de começar a abordagem referente ao programa de ação
afirmativa para “afro-descendentes” no Instituto Rio Branco e a sua situação dentro do
contexto político e social, é importante dizer algumas palavrinhas a respeito da
categoria “afro-descendente” usado praticamente em todos os programas de Ação
Afirmativa no governo anterior e no atual, pois, como poderemos observar mais adiante,
a categoria tornou-se complicada, pelo menos no que diz respeito à sua aplicação no 1 Discurso proferido na Cerimônia de entrega do Prêmio Nacional de Direitos Humanos no Palácio do Planalto, Dezembro de 2001. 2 Para uma discussão sobre a categoria “afro-descendente” ver Ricardo Ferreira Afro-descendente: identidade em construção. Rio de Janeiro/S Paulo. Pallas, 2000.
22
programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”, para atingir o público alvo.
Tudo indica que a categoria “afro-descendente” criada pelo movimento negro, na
década 1990 (Medeiros, 2002), passa a ser usada pelo movimento negro e também pelo
governo brasileiro nas discussões sobre políticas de ação afirmativa para a “Valorização
da População Negra”. No entanto, a identidade social brasileira está fundamentada na
miscigenação que se mostra através de inúmeras categorias (morena, mulata, parda, etc;
como demonstra uma pesquisa realizada pelo IBGE, com respostas abertas, e analisada
por Simon Schwartzman, 1999) para classificar as pessoas com variadas tonalidades da
pele; onde a “raça” está mais relacionada à cor da pele “ao preconceito de marca” e aos
traços faciais do que na ascendência racial, como já dizia Oracy Nogueira em
Preconceito de Marca: as relações Raciais em Itapetininga. In Relações entre Brancos
e Pretos em São Paulo (1964). Portando, nesse período, essa identidade social baseada
na miscigenação é substituída por uma nova identidade social a “afro-descendente” que
chama atenção para a ancestralidade da população negra, e, “pelo que parece, há um
consenso no seio da militância negra com relação à denominação ‘afro-brasileira’, ‘afro-
descendente’” (Monteiro, 2003).
A categoria “afro-descendente” passa a ser, no geral, utilizada para identificar
aquelas pessoas que deveriam ser beneficiadas pelas políticas de ação afirmativa.
Teoricamente essa categoria seria “melhor” para este fim, contudo, em um sistema
social baseada na miscigenação e na cor da pele, essa definição torna-se complexa.
Complexa porque, numa realidade desse tipo, “qualquer pessoa” pode sentir-se no
direito de se autoclassificar como “afro-descendente” para receber benefícios do
governo. Ao que parece, caso deste tipo se manifestou quando da aplicação do segundo
programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” no
Instituto Rio Branco - comenta-se por aí que “pessoas nitidamente brancas” se
autodeclararam “afro-descendente” para se candidatar às bolsas do programa. Em
decorrência disso, já no terceiro ano do programa, o Instituto Rio Branco passa a utilizar
duas categorias afro-descendente (negros) para atingir o público alvo. Conforme o
secretário Eduardo Teixeira, responsável pelo programa “Bolsa-Prémio de Vocação
para a Diplomacia”, a categoria afro-descendente (negros) descreve melhor o perfil de
candidatos desejados para receber o benefício. Tudo indica que os problemas
decorrentes dessa autodeclaração devem-se a uma “deficiência” na definição
étnica/racial da população brasileira. Esta curta referência à complexidade da categoria
“afro-descendente” empregada pelo Instituto Rio Branco para beneficiar
23
especificamente a população negra teve objetivo único de apontar a “deficiência” que a
categoria apresenta em atingir o público alvo e, nesse caso, a meta do Itamaraty que é
“diversificar” o corpo diplomático.
Após essa curta paragem, passamos de imediato a situar o programa de ação
afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” do Instituto Rio Branco na
conjuntura político e social mais geral, sem, contudo, cansar o leitor com descrições
detalhadas a respeito do surgimento desse tipo de programa e a sua implementação na
sociedade brasileira. Portanto, gostaríamos de começar a exposição apresentando alguns
“movimentos” que podem ter culminado no processo de formulação de políticas
públicas direcionadas ao benefício de certos segmentos da população brasileira, a
população negra. Mas, é conveniente lembrar que essas políticas públicas culminaram
na conjugação de esforços de organismos nacionais e internacionais visando combater o
racismo e a discriminação racial e garantir os direitos humanos dos grupos denominados
“minorias”3; ou seja, representam partes de um projeto global em curso que se propõe a
garantir direitos iguais no acesso aos benefícios materiais e simbólicos. Destarte, o
programa de ação afirmativa no Instituto Rio Branco está inserido num outro mais
abrangente do Governo de Fernando Henrique Cardoso para a “Valorização da
População Negra” de acordo com o Plano Nacional de Direitos Humanos. Por isso, não
podemos perder de vista essa questão mais ampla quando analisamos a ação afirmativa
no Instituto Rio Branco, ou seja, esse programa fez parte de uma política nacional do
governo FHC e também do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O governo atual manifestou a preocupação em “aumentar a auto-estima”4 das
populações discriminadas, inclusive, o programa do Instituto Rio Branco de 2003 sofreu
algumas modificações com relação ao aumento do número de bolsas disponíveis - de 20
para 30 -, assim como no que diz respeito ao auxílio que passou de 15.000 para 25.000
3 Para uma discussão sobre minorias ver Lucio Martins Maia “direitos das Minorias Étnicas”. In: Seminários Regionais Preparatórios para a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Brasília, 2001 4 O Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim quando do lançamento do programa de 2003 referiu-se a opinião do presidente Lula, de que ações afirmativas contribuem para aumentar a auto-estima das populações discriminadas, afirmou-se que “O preconceito é uma questão diária, e que precisa ser resolvido aos poucos, por isso precisamos abrir espaços para os “afro-descendentes” e lembra que “o programa do Instituto Rio Branco tem como objetivo tornar a representação diplomática do Brasil mais mista e multicultural, como sua população”. Discurso proferido no ato do lançamento do programa de ação afirmativa no Instituto Rio Branco (IRBr) em 2003). O discurso encontra-se disponível no site do IRBr.
24
mil reais para o mesmo período de tempo (10 meses) de preparação para o concurso do
Instituto Rio Branco.
O capítulo se desdobra em alguns pontos que consideramos pertinentes para um
melhor entendimento do programa de ação afirmativa implementado pelo IRBr em
2002. Primeiro, não podemos pensar o programa separado da conjuntura social e
política que o gerou no Ministério de Relações Exteriores, através o Instituto Rio
Branco. Em segundo lugar, acreditamos ser necessário entender um pouco do Itamaraty:
seu processo de seleção e formação de seus futuros membros e os critérios utilizados no
Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) do Instituto Rio Branco a fim
de compreender o significado e o lugar do programa de ação afirmativa no Ministério
das Relações Exteriores. Após descrever o CACD, a nossa atenção estará centrada no
programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco “Bolsa-Prémio de Vocação para a
Diplomacia”: as características do programa, o processo de seleção, (...) etc.
Começaremos o capítulo tentando traçar alguns pontos da conjuntura social e política no
qual está inserido o processo de implementação ação afirmativa na sociedade brasileira.
1 – Conjuntura Sócio-político
A implementação de ações afirmativas no Brasil é uma tentativa de dar respostas
a inúmeras denúncias e pressões de pesquisadores e intelectuais do movimento negro e
do “movimento pró-negro” (Monteiro, 2003), que por meio de pesquisas fundamentadas
em dados estatísticos (do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA) como as inúmeras pesquisas de
Carlos Hasenbalg e de Nelson do Valle Silva, de Ricardo Henriques “Desigualdade
racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90”, dentre outras que
demonstram que a existência do racismo e da discriminação racial presentes na
sociedade brasileira tem prejudicado a população negra.
Essas pressões culminam em denúncias da existência de discriminação racial no
mercado de trabalho e uma delas foi encaminhada por organizações sindicais de
trabalhadores à Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Jaccoud e Beghin, 2002).
E, para enfrentar essa denúncia, o Ministério do Trabalho e Emprego tomou uma série
de medidas em parceria com a OIT para a implementação da Convenção 111 cuja
finalidade é promover a igualdade de oportunidades e de tratamentos, assim como para
combater à discriminação no emprego e na profissão. Nesse sentido, foi criado, em
25
1996, o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na
Ocupação (GTDEO). Portanto, essas denúncias à OIT estão vinculadas ao fato do Brasil
ser signatário, desde da segunda metade da década de 60, de Convenções e Tratados
Internacionais antidiscriminatórias tais como: a Convenção 111 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) que trata da discriminação em Matéria de Emprego e
Profissão (1968); da Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do
Ensino (1968); e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as formas de
Discriminação Racial (1969). Ademais, o Brasil apoiou a "Declaração sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial", proclamada pela Assembléia
das Nações Unidas em 1963, e assinou, em 1965, a "Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial", ratificada em 1968 (Grupo de Trabalho
Interministerial, p.1).
No período do regime militar (década de 60), “o governo brasileiro não
reconheceu a competência da Comissão para Eliminação da Discriminação Racial para
receber e examinar denúncias individuais ou de grupos vítimas de violação dos direitos
previstos na Convenção, conforme o previsto em seu artigo 14” (Brandão, 2001:172) -
essa citação refere-se a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial promulgada pelo Decreto 65.810, de 8 de dezembro de
1969. A posição do Brasil com relação ao monitoramento do cumprimento dos tratados
internacionais sobre os diretos humanos foi revista e o reconhecimento da competência
dessa Comissão tornou-se um fato com Constituição Federal de 1988 (Idem).
Na década de 80, o movimento negro começa a obter algumas vitórias no âmbito
jurídico e cultural e, com a aprovação da nova Constituição Federal de 1988, medidas
específicas foram tomadas visando combater o racismo e a discriminação racial;
inclusive, o racismo passa a ser crime inafiançável, em termos jurídicos.
Em termos da legislação, o Estado Brasileiro tem um aparato jurídico
considerável para combater o racismo e a discriminação racial, apesar das Leis não
funcionarem, de acordo com as expectativas da sociedade, para punir efetivamente
atitudes e comportamentos discriminatórios. Da década de 50 a década de 80 existiu a
“Lei Afonso Arinos” (Lei No 1.390, sancionada pelo Presidente Getúlio Vargas em 3 de
julho de 1951) para punir casos de discriminação no Brasil. Na década de 80, a
Constituição Federal de 1988 trouxe inovações como o inciso XLII que considera o
racismo “crime inafiançável e imprescritível (...), cujos perpetradores estão sujeitos à
pena de reclusão” (Medeiros, 2003: 89); e em 5 de janeiro de 1989 entrou-se em
26
vigência a Lei No 7.716, chamado de “Lei Caó”, que pune atos e comportamentos
discriminatórios.
Somente na nova conjuntura político e social (década de 90) de intensas
discussões sobre os direitos humanos, sobre o racismo, a discriminação racial, da
intolerância religiosa, etc., que se percebe efetivamente uma virada nas políticas
públicas brasileiras. Foram tomadas medidas efetivas – de repressão, de valorização e
compensatórias – para enfrentar o racismo e a discriminação racial presentes na
sociedade brasileira. Em termos jurídicos, cria-se, nesse período, a Lei No 9.459, de
maio de 1997, denominada de “Lei Paim”, que acrescentou ao artigo 147 (do Decreto-
Lei No 2.848, já existente de 1940 “criando a figura da “injúria qualificada por racismo”
(Idem, 93)) o parágrafo 3o segundo o qual “Se a injúria consiste na utilização de
elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem” a pena será de “reclusão de 1
(um) a três (3) anos de multa” (Ibidem).
O então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, reconhece
oficialmente a existência do preconceito, do racismo e da discriminação racial na
sociedade brasileira e declara-se favorável às políticas de promoção da população negra.
Com isso, Fernando Henrique passa a incentivar, com o Secretário Nacional dos
Direitos Humanos, discussões sobre os direitos humanos, tendo como tema central à
questão racial, assunto até então excluído dos debates públicos. O tema foi amplamente
discutido no seminário “Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos
Estados democráticos contemporâneos”, organizado pelo Departamento dos Direitos
Humanos da Secretaria dos Direitos de Cidadania do Ministério da Justiça, realizado em
Brasília, em julho de 1996 (Sousa, 1996; Grin, 2001). Na abertura da conferência, o
Presidente reconheceu a necessidade de buscar soluções para combater a discriminação
e o preconceito raciais no Brasil, soluções essas que tivessem um caráter específico do
contexto brasileiro e “não fossem meras cópias de soluções dadas em outros contextos”.
Esse debate contou com a participação de intelectuais estrangeiros, brasileiros e
integrantes do movimento negro, como Anthony Marx, George Reid Andrews, Edward
Telles, Roberto Da Matta, Antonio Sergio Guimarães, Fábio Wanderley Reis, Marcel
Neves, Carlos Hasenbalg, Hélio Santos, entre outros.
Em novembro de 1995, o Presidente da República institui por decreto o Grupo
de Trabalho Interministerial com o objetivo de desenvolver políticas públicas para a
valorização da população negra. O grupo de trabalho era integrado por oito membros da
sociedade civil, ligados ao Movimento Negro, oito membros de Ministérios e dois de
27
Secretarias5, todos nomeados pelo Presidente da República. Caberia ao grupo: “1-
propor ações afirmativas integradas de combate à discriminação racial, visando o
desenvolvimento e a participação da População Negra; 2- elaborar, propor e promover
políticas governamentais antidiscriminatórias e de consolidação da cidadania da
População Negra; 3- estimular e apoiar iniciativas públicas e privadas que valorizem a
presença do negro nos meios de comunicação; 4 – examinar a legislação e propor as
mudanças, buscando promover e consolidar a cidadania da População Negra”. (Jaccoud
e Beghin, 2001).
Foram realizados dois seminários para discutir as ações afirmativas, realizados
em Salvador (BA) e Vitória (ES), nos quais o grupo interministerial elaborou 46
propostas de ações afirmativas para áreas como a educação, trabalho, comunicação e
saúde, (Idem).
Além disso, uma série de medidas anunciadas pelo então Secretário de Estado
dos Direitos Humanos, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação racial
pretendia estudar a adoção de políticas de Ação Afirmativa em favor de “afro-
descendentes”. De acordo com os projetos em vista, seriam criados recursos públicos
destinados a bolsas de estudo para estudantes negros; projetos para a afirmação de elites
negras; projetos de apoio a empreendedores negros. Projetos que teriam como finalidade
envidar esforços que permitissem aos “afro-descendentes” “ocupar posições adequadas
da burocracia” (Fernando Henrique Cardoso, 2001). Além das propostas acima
mencionadas, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos apoiaria um programa de
Ação Afirmativa no Instituto Rio Branco, órgão responsável pela formação de
diplomatas brasileiros, cuja meta seria uma “representação do Brasil mais
diversificada”. Na visão de Fernando Henrique Cardoso “precisamos ter um conjunto
de diplomatas - temos poucos – que sejam o reflexo da nossa sociedade, que é
multicolorida e não tem cabimento que ela seja representada pelo mundo afora como se
fosse uma sociedade branca, porque não é”.
O então Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer reforça a intenção do
governo afirmando que “o Programa Nacional de Ação Afirmativa e o Plano Nacional
de Direitos Humanos II ampliam o conceito de igualdade, previsto na Constituição
brasileira, tornando-o mais consentâneo com as mudanças sociais e políticas e, acima de
5 Um representante dos Ministérios da Justiça, da Cultura, da Educação e dos Esportes, do Planejamento e Orçamento, das Relações Exteriores, da Saúde e do Trabalho, e por um representante da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
28
tudo, mais ajustado às novas dimensões de direitos e cidadania que caracterizam as
sociedades democráticas” (La fer, 2001).
Em setembro de 2000, o Presidente da República institui, por decreto, o comitê
Nacional para a Preparação da participação Brasileira na III Conferência Mundial contra
o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia, Intolerância Correlata que seria realizado
no segundo semestre de 2001, em Durban, na África do Sul. O Comitê Nacional tinha
como missão coordenar o processo de discussão de temas substantivos da Conferência
Mundial e sistematizar as contribuições dos órgãos governamentais e de movimentos da
sociedade civil interessados no tema.
Essa Conferência advém dos esforços das Nações Unidas em promover e
proteger os direitos humanos, portanto, estariam em discussão, “as fontes, causas e
modalidades das manifestações contemporâneas do racismo, promoção e proteção das
vítimas de atos discriminatórios, assim como incentivar medidas educativas e
preventivas para erradicar a xenofobia e a intolerância a ela associada” (Sabóia, 2001).
O tema ganhou maior relevância durante a III Conferência a partir do comprometimento
do Brasil em adotar medidas para eliminar o racismo, o preconceito, a discriminação
racial e promover a igualdade de oportunidades para todos. “A declaração e Plano de
Ação incentiva os Estado a desenvolver e elaborar planos de ação naciona is para
promover a diversidade, equidade, justiça social igualdade de oportunidades e
participação para todos” (Martins 2003:44). Os projetos acima mencionados estariam
relacionados a uma série de Pactos, Convenções e Tratados dos quais o Brasil é
signatário.
Visando o cumprimento dos compromissos assumidos na III Conferência
Mundial realizada em Durban”, na África do Sul em 2001, o Governo Federal brasileiro
passa a formular e a incentivar a implementação de políticas públicas direcionadas a
promover a igualdade de oportunidades entre os grupos que compõem a sociedade. O
governo reconhece a existência de profundas desigualdades raciais, sistematicamente
denunciadas pelo movimento negro, pelos estudiosos da questão racial, pelas
instituições de pesquisas etc., e passa a se preocupar em formular medidas efetivas para
fazer frente ao racismo e à discriminação raciais, através de medidas repressivas e
persuasivas; medidas valorativas, e políticas compensatórias também denominadas de
ação afirmativa (Heringer, 2003).
Ações afirmativas passam então a ser implementadas em diversas instituições
públicas (federais, estaduais e municipais) e em muitas delas através da adoção de
29
políticas de reserva de vagas (cotas) como o objetivo de facilitar efetivamente o acesso a
grupos específicos até então excluídos de certos espaços da vida social. Medidas
semelhantes foram implementadas pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário
(MDA), pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Ministério da Justiça, através de reserva
de vagas para negros, mulheres e portadores de deficiências, segundo dados
apresentados no mapeamento dos programas de promoção da igualdade racial no Brasil,
realizado por Rosana Heringer (2003) entre 2001/20037. A grande maioria dos
programas de promoção da igualdade racial no Brasil refere-se à adoção de políticas de
reserva de vagas (cotas) que, para além de beneficiar “negros” ou “afro-descendentes”,
beneficiam também as mulheres; o que vem a ser, na realidade, respostas às sistemáticas
denúncias e já exaustivamente comprovadas desigualdades sociais existentes entre os
homens e as mulheres, e as profundas desigualdades raciais entre brancos e não-
brancos.
De certo, é dentro deste contexto mais amplo que está inserida o programa de
ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” para “afro-
descendentes” do Instituto Rio Branco implementado em 2002, após a III Conferência
Mundial realizada em 2001. Evidentemente, é desse comprometimento do Governo
brasileiro em adotar medidas para eliminar o racismo e a desigualdade racial e
promover a igualdade que está fundamentado o programa para o Instituto Rio Branco
cujo objetivo é, na visão dos seus idealizadores, propiciar maior igualdade de
oportunidade e diversidade étnica na preparação para o concurso do Instituto ao
apoiar candidatos “afro-descendentes” interessados em seguir Carreira de Diplomata.
Acreditamos ser importante essa pequena abordagem para enfatizar que esse programa
faz parte de uma política nacional do governo para a “Valorização da População Negra”
e propiciar maior igualdade entre todos dos grupos que constituem a sociedade
brasileira, e, nesse sentido, envolve todos os Ministérios, inclusive o Ministério das
Relações Exteriores (MRE) – Itamaraty8.
No entanto, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) tem participado dos
debates referentes à questão racial; nas discussões sobre o racismo e a discriminação
racial e nas propostas para proporcionar maior igualdade entre os grupos que formam a 7 Ver Heringer, Rosana. Promoção da Igualdade Racial no Brasil: 2001-2003. Revista Tempo e Presença de julho/Agosto de 2003. Nesse artigo, Heringer faz um levantamento das iniciativas de promoção da igualdade racial no âmbito do governo federal, municipal e estadual. 8 “O nome Itamaraty vem da associação da sede do Ministério na Rua Larga, no Rio de Janeiro, desde 1899, a seu antigo proprietário, o Barão Itamaraty. O costume tornou-se lei em 1967” (IRBr, 2003:7 ).
30
sociedade. Em 2001, participou de seminários e conferências realizados pela Secretária
de Estado dos Direitos Humanos (SEDH), do Ministério da Justiça. Nesse período,
apoiou, através do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI)9, três Pré-
Conferências para a discussão sobre fontes, causas e modalidades da manifestação
contemporânea do racismo da discriminação racial, etc. realizadas em São Paulo,
Salvador e Belém, visando a Conferência Mundial (Brandão, 2001). Além de ter
integrado a Comissão Interministerial, instituída em 1995, pelo Presidente da República,
cuja função seria discutir políticas públicas para a valorização da população negra.
Desta feita, o Itamaraty vem acompanhando, há um bom tempo, a discussão
referente ao racismo e a discriminação racial, em nível internacional, participando em
Conferências Mundiais contra o Racismo (Idem). Contudo, internamente, o Itamaraty só
começa a contribuir efetivamente a partir dos compromissos assumidos pelo governo
brasileiro na III Conferência Mundial, ao assinar, em maio de 2002, um Protocolo de
Cooperação, envolvendo quatro Ministérios, para a implementação da ação afirmativa
no Instituto Rio Branco.
1.1 Assinatura do Protocolo de Cooperação
O Termo de Ajuste ao Protocolo de Cooperação sobre a Ação Afirmativa no
Instituto Rio Branco foi assinado numa cerimônia presidida pelo Ministro das Relações
Exteriores, Celso Lafer, contando com a participação dos Ministérios da Ciência e
Tecnologia (MCT) através do CNPq; da Justiça, por intermédio da Secretaria de Estado
dos Diretos Humanos; da Cultura, através da Fundação Cultural Palmares; e das
Relações Exteriores por intermédio do Instituto Rio Branco. O programa para o Instituto
Rio Branco “Bolsas-Prêmio de Vocação para a Diplomacia” destinado aos “afro-
descendentes” seria financiado com os recursos dos partícipes e as clausulas seriam
regidas pelas normas do Decreto nº 93.872; e as disposições da Lei nº 8.666/93,
conforme os seguintes termos:
9 Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), é um órgão da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) que é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, cuja função é: a) desenvolver e divulgar estudos e pesquisas sobre temas atinentes às relações internacionais; b) promover a coleta e a sistematização de documentos relativos ao seu campo de atuação; c) fomentar o intercâmbio científico com instituições congêneres nacionais, estrangeiras e internacionais; d) realizar e promover cursos, conferências, seminários e congressos na área de relações internacionais. http://www.funag.gov.br e www.mre.gov.br/ipri
31
“O presente Termo de Ajuste ao Protocolo retrodimencionado, que será em tudo
regido pelos preceitos e princípios de direito público e obedecerá, em especial, as
normas do Decreto nº 93.872, de 23.12.86, da Instrução Normativa da Secretaria do
Tesouro Nacional nº 1 de 15.01.97, e no que couber, as disposições da Lei nº
8.666/93 de junho de 1993, devendo ser executado com estrita observância das
condições constantes das clausulas (...)”.
Termo de Ajuste ao Protocolo de Cooperação (5/2002)
As palavras proferidas pelo Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer,
quando da cerimônia do lançamento do programa de ação afirmativa no Instituto Rio
branco, nos induz a concluir que a iniciativa de implementar ação afirmativa neste
Instituto tenha sido do próprio Itamaraty e do Instituto Rio Branco, como forma de
“colaborar” com o programa nacional de ação afirmativa do governo “destinado a
promover os princípios da diversidade e do pluralismo no preenchimento de cargos da
administração pública federal e na contratação de serviços por órgãos do Governo”.
(Lafer, 2002). Segundo Lafer, com o programa:
O (...) “Itamaraty dá mais um passo em sua trajetória de democratização e de busca
de excelência”.
“(...) Esperemos que algum dia o grau alcançado pela democracia brasileira torne
desnecessária a ação afirmativa. Mas o fato é que hoje em dia ela responde a um
imperativo de urgência. O Itamaraty e o Instituto Rio Branco não ficarão, portanto,
de braços cruzados esperando que a situação mude por si só”. (Lafer, 2002)
No entanto, há que se constatar que, além de pressões internacionais e pressões
internas, principalmente do movimento negro, referente à “ausência” de negros em
carreiras burocráticas como a de Diplomata10, a implementação de ação afirmativa no
Instituto Rio Branco provocou reações e duras críticas do corpo diplomático brasileiro
(pouquíssimas são as opiniões contrárias ao programa), apesar da ênfase constante dos
idealizadores do programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” do Instituto
10 Das críticas de intelectuais e estudiosos do movimento negro: “De como o olho azul do Itamarati não vê, não enxerga o negro” (Abdias do Nascimento, 2002:173); “Itamaraty historicamente tem cotas de 100 por cento para diplomatas brancos. Que tal reduzir essa cota para 80 por cento só?” (Hélio Santos, 2000); das constatações sobre a ausência de negros em carreiras como a de Diplomata por estudiosos da questão racial, desde a década de 50 (Costa Pinto, 1953; Fernandes, 1965); e estudos recentemente realizados revelam essa sub-representação dos negros na carreira de diplomata por meio de dados estatísticos - dos cerca dos 1050 diplomatas brasileiros, os negros não contabilizando 1,0% - (Telles, 2002).
32
Rio Branco de que este somente fornecer recursos financeiros e humanos para “afro-
descendentes” que queiram se preparar para o Concurso de Admissão à Carreira de
Diplomata, “salvaguardando desse jeito o mérito individual e a democracia”. Segundo o
Ministro, o objetivo é diversificar o corpo diplomático brasileiro. Com relação a esse
aspecto, o programa recebeu críticas contundentes do diplomata M. Pio Corrêa que
caracterizou a idéia de diversificar o corpo diplomático brasileiro de “imprudente”,
dizendo que o Instituto Rio Branco “não é campo adequado para fazer experiências
sociais”; que “o Itamaraty não é um instrumento de distribuição de justiça social”.
Portanto, o diplomata M. Pio Corrêa é veemente contra a idéia de ação afirmativa para
beneficiar “afro-descendentes” que se expressa nos seguintes termos:
(...) o sistema de concurso, para qualquer carreira, seja baseado no princípio enunciado
pelo saudoso filósofo Chacrinha: "Quem pode, pode, quem não pode se sacode”. É função do
Estado abrir concursos para o provimento de cargos públicos; não é função do Estado facilitar a
candidatos os meios de preparar-se para esses concursos. Essa facilitação, em si descabida,
torna-se aberrante e injustificável ao beneficiar exclusivamente candidatos de uma determinada
etnia, em detrimento de outros em idêntico nível de insuficiência educacional. Afinal, o
Itamaraty não é um instrumento de distribuição de justiça social. É uma instituição de Estado,
com tarefas altamente complexas e delicadas. Os diplomatas brasileiros cuidam, década após
década, de manter os mais rígidos padrões de eficiência profissional, dentro de normas de
hierarquia e de disciplina. O Instituto Rio Branco tornou-se, desde a sua criação, a cellula mater
do nosso Corpo Diplomático. Não é campo adequado para experiências sociais.
(...) A presente medida é, portanto, inútil, além de injusta, de vez que existem pelo menos
tantos euro-descendentes quanto afro-descendentes em níveis culturais deficientes. Aliás, a
qualificação ideal para o Instituto Rio Branco não é apenas questão de desempenho acadêmico.
Ela requer uma certa bagagem cultural que não se adquire em cursinhos improvisados. Ela vem
do seio de famílias, às vezes muito modestas, mas informadas e instruídas, de lares onde
existem estantes de livros e conhecimentos gerais sobre o mundo em que vivemos. O diplomata
é chamado a conviver com as camadas mais cultas dos países onde serve. É bom que esteja
preparado para isso. Não me parece interessante ir buscar deliberadamente candidatos
subprivilegiados culturalmente, independentemente de sua origem étnica.
M. Pio Corrêa, o Globo 06/05/2004
Para o diploma M. Pio Corrêa, é conveniente que a “Casa”, com a sua admirável
capacidade de sobrevivência, resguarde os seus valores e evite qualquer rebaixamento
dos critérios de acesso ao seu quadro. No entanto, segundo o Ministro das Relações
33
Exteriores, com o programa, o Itamaraty esta dando mais um passo rumo a
democratização do acesso à Carreira de Diplomata.
Dessa polêmica, não conseguimos rastrear como surgiu a idéia de
implementação de ação afirmativa no Instituto Rio Branco. Só temos informações de
que o programa provém de um acordo Interministerial para proporcionar uma
representação do corpo diplomático mais de acordo com a população brasileira. Há, no
então, especulações por parte dos bolsistas do programa. Por um lado, alguns afirmam
que a idéia do programa provém da Fundação Cultural Palmares, Instituição que está
mais engajada com a questão racial no Brasil; por outro, existe a convicção de que a
idéia foi do Instituto Rio Branco e do Itamaraty para beneficiar a população negra com a
intenção de ter uma representação mais diversificada.
1.2 - Estrutura e Organização da Carreira de Diplomata após a década de 40.
Como podemos verificar a seguir, a Carreira de Diplomata, assim como o
processo de seleção e formação de novos integrantes do corpo diplomático, tem sofrido
muitas modificações ao longo dos anos. Nos últimos anos, 1996, a língua francesa teve
caráter eliminatório no concurso do Instituto Rio Branco e hoje é apenas uma segunda
língua optativa, tendo apenas caráter classificatório. O Inglês que passou a ter caráter
eliminatório neste ano (1996), atualmente perdeu o caráter eliminatório e tornou-se
apenas classificatório, o que, não visão do Ministro das Relações Exteriores Celso
Amorin, possibilita maior acesso aos candidatos que são excelentes em outras matérias
exigidas no concurso, mas acabam sendo eliminados logo na primeira fase (Teste de
Pré-Seleção) por não possuírem um bom domínio do inglês. Para o Ministro, a intenção
é eliminar o ‘fator elitista’ na seleção. "O inglês não vai deixar de ser uma condição
indispensável. Mas vocês vêem que hoje eu falei em espanhol [no Conselho]. É
importante falar não só inglês, mas outras línguas também. Agora, não há porque fazer
disso um requisito prévio em benefício daqueles que por uma chance da vida ou
moraram no exterior ou os pais têm posses suficientes para que, além dos cursos
normais, tenham tido cursos especiais em língua estrangeira". (Arrais, Amauri - Folha
de São Paulo 13/1/2005)12. Essa também é uma das medidas tomadas pelo Itamaraty
12 Pelas regras estabelecidas pela portaria 467, a prova de inglês passará a ter o mesmo status das provas realizadas na terceira fase do concurso, ou seja, a pontuação será classificatória e servirá para compor a média do candidato. (Arrais, Amauri 2005)
34
que acabou gerando polêmicas no seio do corpo diplomático. Para o ex-embaixador do
Brasil nos Estados Unidos Rubens Barbosa, a língua inglesa é "um instrumento de
sobrevivência e de trabalho do diplomata". "Espero que a medida não rebaixe o nível
dos candidatos e não venha a prejudicar o serviço diplomático brasileiro, conhecido
como um dos melhores do mundo" (Idem). Essa questão envolvendo a prova de inglês
provocou reações internacionais. Um jornal suíço ironizou a retirada do caráter
eliminatório do inglês dizendo o seguinte: diplomatas brasileiros julgam o português
suficiente (Vizentini, 19/01/2004)
Se, por um lado, as atuais mudanças no processo de seleção de candidatos para a
Carreira de Diplomata têm provocado muita polêmica nos meios de comunicação de
massa e no seio do corpo diplomático; por outro, há que se constatar que, ao longo dos
anos, muitas outras mudanças têm ocorrido no Instituto Rio Branco desde a sua criação
sem, contudo, provocar esse “estouro” na mídia. Outras mudanças podem ser
verificadas, ao longo dos anos, no processo de seleção e formação de novos diplomatas.
Mas, comecemos pelo início.
O Instituto Rio Branco (IRBr) foi criado em 18 de abril de 1945, como parte da
comemoração do centenário do nascimento de José Maria da Silva Paranhos Junior, o
Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira; e, em março de 1946,
estabeleceu-se o Curso de Preparação à Carreira de Diplomata. É desta data a
obrigatoriedade de concurso público para o acesso à carreira; e é também dessa época,
segunda metade do século XX, a abertura do concurso às mulheres. Atualmente, a
inscrição para o concurso pode ser feita também via internet. Desde a sua criação, são
atribuições do Instituto Rio Branco, de acordo com o seu regulamento,
I - o recrutamento, a seleção, a formação e o treinamento do pessoal da Carreira
de Diplomata;
II - a execução de programas especiais de aperfeiçoamento dos funcionários de
carreiras de nível de formação superior do Ministério das Relações Exteriores e
de áreas afins;
III - o cumprimento das demais tarefas que lhe incumbir o Secretário -Geral das
Relações Exteriores.
Parágrafo único. O IRBr manterá, como órgão de assessoramento de seu Diretor,
um Conselho Consultivo, cujas funções e procedimentos serão estabelecidos em
regimento próprio.13
13 Ver Regulamento do Instituto Rio Branco em anexo.
35
Criada na segunda metade da década de 40, o Curso de Preparação à Carreira de
Diplomata se pauta nos seguintes objetivos: “harmonizar os conhecimentos adquiridos
nos cursos universitários com a formação para a carreira diplomática; desenvolver a
compreensão dos elementos básicos da formulação e execução da política externa
brasileira; e iniciar os alunos nas práticas e técnicas da carreira” (IRBr, 2003). O nível
de exigência para o concurso foi aumentando ao longo dos anos. A partir da segunda
metade da década de 60 (1967) passou-se a exigir dos candidatos o primeiro ano do
curso superior; um ano depois o segundo ano do nível superior; em 1985 para o terceiro
ano; em 1994 tornou-se o curso superior de graduação plena como pré-requisito para o
concurso. Um ano depois, em 1995, institui-se o Programa de Formação e
Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA-I), que deverá ter nível de Mestrado. “O
PROFA-I consagra a visão de que, em meio à complexidade das relações
internacionais e às necessidades crescentes da função diplomática, o treinamento para
a carreira tem de ser contínuo. A primeira fase desse treinamento começa quando o
diplomata ingressa na carreira, logo após a habilitação no Concurso. Aprovado no
Concurso de Admissão para a Carreira Diplomática, o candidato é nomeado Terceiro-
Secretário, cargo inicial da carreira, e automaticamente inscrito no Programa de
Formação e Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA-I). O PROFA-I está estruturado
como Mestrado em Diplomacia” (IRBr, 2003).
Após o término da PROFA-I, o diplomata é indicado para o serviço no exterior.
No entanto, a formação não para por aí; segue o Curso de Aperfeiçoamento de
Diplomatas (CAD), que é o pré-requisito de promoção de Segundos Secretários a
Primeiro, e, por último, o Curso de Altos Estudos (CAE), de cuja aprovação depende a
promoção dos Conselheiros a Ministro de Segunda Classe” (Idem). Portanto, o grupo
profissional passa por um longo período de treinamento até atingir o último estágio da
carreira, Ministro de Primeira Classe, Embaixador.
A Carreira de Diplomata tem como fundamentos básicos uma estrutura
hierárquica extremamente rigorosa, a disciplina e uma formalidade que impressiona.
São caminhos seguidos rigorosamente pelo corpo diplomático. (Patriota, 1999). Pelo
Regulamento do Instituto, a formalidade e a disciplina ficam bem evidentes: “em sua
vida pública e privada, o diplomata deverá manter sempre conduta pessoal
irrepreensível”; “o diplomata deverá solicitar autorização do Secretário-Geral das
36
Relações Exteriores, por intermédio do Diretor do IRBr, para manifestar-se
publicamente sobre matéria relacionada com a política externa brasileira ou temas aos
quais tenha tido acesso por força de sua função” (art. 26 e 27 do Regulamento do IRBr).
Essa formalidade já começa a ser exigida durante o processo de prestação do Concurso
de Admissão à Carreira quando se exige traje formal a partir da terceira fase do
concurso: “é obrigatório o uso de traje passeio completo (terno e gravata para homens e
indumentária correspondente para mulheres) da Terceira a Quinta Fases do Concurso.
Exige-se, de toda maneira, traje apropriado para a Primeira e Segunda Fases” (Edital
2002). A hierarquia é extremamente respeitada, como revela Cristina Patriota “dentro da
Casa é a hierarquia que dita as formas de socialização e classifica todos os diplomatas
de acordo coma a sua posição dentro da totalidade do ‘corpo diplomático’” (Patriota,
1999:18). De acordo com as normas da hierarquia, a Carreira de Diplomata está
estruturada da seguinte forma14:
• Terceiro Secretário;
• Segundo Secretário;
• Primeiro Secretário, Conselheiro;
• Ministro de Segunda Classe;
• Ministro de Primeira Classe (Embaixador)
O profissional diplomata precisa ter um conhecimento bastante amplo e o mais
geral possível para poder estar em condições de discutir e negociar as mais diversas
questões de interesse nacional no âmbito internacional. Tendo em vista o conhecimento
geral, a especialização dos diplomatas não é interessante como observa Mônica Hirst:
“no caso do Brasil, seu serviço diplomático tem evitado proceder, formalmente, a uma
especialização dos funcionários, por entender que o diplomata deve ser, antes de tudo,
um agente capaz de ter uma visão abrangente dos interesses nacionais. Há serviços
diplomáticos que procuram promover a especialização de seus funcionários, no
entendimento de que se trataria de um requisito indispensável para capacitá- los a melhor
14 “Os critérios para promoção na carreira são basicamente antiguidade e merecimento em decorrência dos quais varia o tempo de promoção. O tempo mínimo de permanência em cada classe é de 4 anos. Assim, a ascensão de 1a Classe (Embaixador) implica pelo menos 20 anos, após a conclusão do Profa-1 IRBr.” Site do Ministério das Relações Exteriores, http://www2.mre.gov.br na seção de Perguntas Freqüentes.
37
enfrentar o desafio da crescente complexidade técnica de toda uma série de assuntos da
rotina diplomática” (Hirst s.d).
Essa estruturação e organização do Instituto Rio Branco funcionam não só para
adequar-se às complexidades das relações internacionais, mas, principalmente, com uma
forma de definir a especificidade de “campo” e de estabelecer maior controle na
“produção” de diplomatas. Ao contrário da reclamação dos médicos sobre o
crescimento desordenado de escolas médicas sem obedecer qualquer planejamento,
avaliação e controle mais sistemático da corporação médica (Machado, 1996), a
formação de diplomatas acontece unicamente no Instituto Rio Branco, o que
impossibilita a desvalorização profissional. É o Instituto que define quando um
diplomata está pronto para prestar serviço no exterior; é esse órgão do Ministério das
Relações Exteriores que modela o profissional, ou seja, somente depois de dois anos de
preparação o novo diplomata é nomeado para servir no exterior. E, fazendo mais uma
referência aos médicos, podemos dizer que os diplomatas de carreira têm completa
hegemonia na sua área de atuação, pois não sofrem concorrências de outros possíveis
praticantes por ser o serviço diplomático uma carreira de Estado.
O acesso à carreira se dá exclusivamente pelo concurso público. Segundo
Mônica Hirst, todos os diplomatas de carreira em atividades passaram pelo concurso
público, mas nem todos que estão em exercício são diplomatas de carreira porque o
Presidente da República pode indicar para o cargo de Embaixador pessoas da sua
confiança, pessoas que não sejam membros da Carreira de Diplomata. Segundo a
mesma fonte, a maior parte dos Embaixadores do Brasil tem sido escolhido entre os
funcionários de carreira, “o que corresponde a um dos elementos essenciais da tradição
de estabilidade e de profissionalismo do serviço diplomático brasileiro. Porém,” “a
profissionalização dos serviços diplomáticos não é uma realidade universal. Em muitos
países, a indicação para missões em Embaixadas no exterior ainda ocorre em bases
aleatórias” (Hirst, s.d.). Mas, se inexiste competição externa à categoria profissional,
internamente a competição para alcançar promoções é muito forte. De acordo com Vera
Pedrosa, Embaixadora do Brasil em Copenhague (Dinamarca), a carreira de diplomata é
competitiva em termos individuais. E, nesse sentido, as reivindicações são feitas de
forma individual, afastando a possibilidade de ação conjunta em si mesma, pois tal ato
não é bem vista pelo Ministério que receia o comportamento corporativo (Pedrosa,
2003).
38
Com relação à autonomia do corpo diplomático, o professor da UNB, um dos
participantes freqüentes como examinador no Curso de Altos Estudos (CAE) no
Instituto Rio Branco, José Flávio S. Saraiva15 argumenta que há uma percepção de
ausência de autonomia e subordinação e ainda uma certa autonomia no campo da
vontade política interna da Chancelaria no sentido de dar maior visibilidade ao corpo
diplomático. Talvez, por ser o Ministério das Relações Exteriores um órgão encarregado
de auxiliar o Presidente da República na formulação da política externa, assegurar sua
execução e manter relações com os governos estrangeiros, o grau de autonomia não seja
muito grande comparado a profissões como a Medicina, o Direito etc. Talvez por se
limitar a dar execução às diretrizes de política externa estabelecidas pelo Presidente da
República. Apesar disso, os diplomatas desfrutam do prestígio outorgado ao Itamaraty
que tem a fama, e zela por ela, de constituir-se em uma instituição a contar com
excelentes funcionários (Pedrosa, 2003).
Os diplomatas de carreira, no Brasil, – existem os diplomatas políticos
nomeados pelo Presidente da República por serem homens de sua confiança, mas esses
são temporários - têm o monopólio da representação do Estado no exterior. Além disso,
é uma carreira do Estado e, assim sendo, é estável e autônoma, pois a troca de
governantes não implica efetivamente na troca dos diplomatas.
O Itamaraty é detentor de grande prestígio na sociedade, prestigio esse
construído ao longo dos tempos, pelo reconhecimento interno e externo de bem servir o
país (Idem); e é uma Instituição que se fundamenta na “meritocracia”16, cujos
funcionários são socialmente reconhecidos pela sua excelência. Mas, como em boa
parte das profissões, a Carreira de Diplomata reproduz o quadro das desigualdades
sociais e raciais da sociedade brasileira, como reconhece a Embaixadora Thereza Maria
Machado Quintella17 residente da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). As
mulheres são discriminadas no Itamaraty e enfrentam vários obstáculos para chegar a
posições de chefia e de poder. Referindo-se a um artigo que escreveu sobre a posição
das mulheres no corpo diplomático, Quintella argumenta que as diplomatas se
acumulam nas classes de Primeiro Secretário e Conselheiro; que elas vão galgando os
degraus, mais ou menos como os seus colegas, às vezes até num ritmo mais acelerado,
15 Comunicação apresentada na Mesa Redonda: Mulher e Diplomacia. Comemoração do dia Internacional das Mulheres (8 de Março) Organizado pela Fundação Alexandre Gusmão (FUNAG) em colaboração com o Instituto Rio Branco (IRBr), em março de 2003 16 Barbosa (1996) 17 Palestra referida na nota 15
39
mas quando chegam ali elas param. Observa que há uma acumulação de mulheres na
classe de Primeiro Secretário e a partir dali as promoções tornam-se realmente muito
difíceis.
O Instituto Rio Branco se orgulha de já ter formado excelentes profissionais,
cerca de mil e duzentos (1200) diplomatas brasileiros e 122 estrangeiros (informações
disponíveis na página on- line do IRBr) porém, a cor desses diplomatas não é informada.
Segundo o secretário responsável pela a política de ação afirmativa no Instituto, a
informação sobre a cor dos candidatos não era relevante até então. Para o secretário, dos
vinte e nove candidatos aprovados no Concurso, realizado em 2004, seis autodeclararam
“afro-descendentes” e, somente, um se candidatou à bolsa. Esse aumento do número de
candidatos que se autodeclararam “afro-descendentes” no Concurso de Admissão à
Carreira de Diplomata é avaliado como um dos pontos positivos pelo diretor do Instituto
Rio Branco. Para João Almino, um dos benefícios que a política de ação afirmativa traz
é o incentivo a autodeclaração, haja visto o número de declarantes “afro-descendentes”
nas últimas seleções do Instituto.
A Carreira de Diplomata goza de grande prestígio social e esse reconhecimento
também está relacionado à dificuldade em ingressar na Carreira, pois, o concurso é
considerado um dos mais difíceis do país. Em média, são trinta vagas e se inscrevem
anualmente cerca de três mil candidatos - aproximadamente 100 candidatos por vaga.
Como funciona a seleção e a formação dos integrantes do corpo diplomático é o que
veremos a seguir.
1.3- Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD)
Considerado o ponto de partida para uma carreira de elite, o Concurso do
Instituto Rio Branco é nacionalmente reconhecido por ser um dos mais difíceis do país,
principalmente, devido o seu rigor no processo de seleção de candidatos a diplomatas de
carreira no Brasil; e, em geral, o concurso tem a duração de três meses. Como observam
os candidatos, o concurso exige muito esforço, tempo, dedicação aos estudos, assim
como disponibilidade de recursos financeiros para uma excelente preparação intelectual
e fluência em línguas, basicamente a inglesa, para enfrentar a forte concorrência.
Portanto, ter recursos financeiros é uma questão fundamental particularmente para os
candidatos residentes em regiões onde não existem condições educacionais, culturais e
sociais que favorecem uma “boa preparação” para o concurso, pois cursos e professores
40
que preparam candidatos para o concurso são encontrados somente nas grandes cidades:
Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Além disso, por melhor preparado que o candidato esteja, é dificilíssimo passar
no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata; e muitos candidatos à Carreira não
desistem facilmente; alguns prestam o concurso duas, três vezes ou mais, até conseguir
o cargo de diplomata. Nesse sentido, as experiências em concursos do Instituto Rio
Branco variam muito em função do número de vezes que o candidato prestou o
concurso bem como a fase em que ele conseguiu chegar em cada tentativa. Alguns
conseguem passar na primeira fase, no Teste de Pré-Seleção (que engloba os mais
variados assuntos, inclusive provas de português e inglês), na segunda fase e acabam
sendo derrubados na terceira fase. Muitas vezes, esses mesmos candidatos que
chegaram na terceira fase do concurso anterior, em outras tentativas não conseguem
passar no Teste de Pré-Seleção, processo que acaba por desanimar muitos candidatos.
Um candidato beneficiado no segundo programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a
Diplomacia” que conseguiu aprovação no Concurso de Admissão à Carreira de
Diplomata (CACD) revela, em uma entrevista, que já havia concorrido três vezes antes
do aparecimento do programa e que a bolsa deu- lhe ânimo para tentar novamente. “Na
primeira vez eu consegui ir até a quarta fase, na segunda, até a terceira fase, e na
terceira, até a segunda fase.”18
Não obstante as dificuldades enfrentadas na preparação para o concurso e
durante o processo de seleção, a relação candidato/vaga é uma das maiores do país;
como exemplo, a relação candidato-vaga em 2001 e em 2002 foi de 103,2119, e, em
geral, a média está em torno de 100 candidatos por vaga e o número de vagas varia de
acordo com as necessidades do corpo diplomático; porém, muitas vezes, as vagas
disponíveis não são preenchidas totalmente. Até 1999 a média de vagas era de 25,
atualmente é de 30 vagas.
Em função da carência de mão-de-obra enfrentada pelo Itamaraty, o Instituto
Rio Branco abriu, em caráter especial, dois concursos em 2003. No primeiro semestre
abriu um concurso geral (período em que os 20 bolsistas do programa de ação
afirmativa do IRBr prestaram o concurso); e, no segundo semestre, em caráter especial,
somente para pós-graduados (mestres e doutores) para resolver seu problema de 18 http://www.pnud.org.br/noticias/impressão 19 Informações disponíveis na página do Instituto Rio Branco http://www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm . Na página podemos também encontrar a relação candidato/vaga de anos anteriores.
41
carência de mão-de-obra. Esses funcionários selecionados no concurso não precisaram
passar pelo Programa de Formação e Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA-I) do
Instituto Rio Branco.
Para que tenha a sua inscrição aceita no Concurso de Admissão à Carreira de
Diplomata, o candidato precisa preencher certos requisitos básicos. Deve: 1) ser
brasileiro nato; 2) estar em dia com o serviço militar; 3) estar em dia com suas
obrigações de eleitor; e 4) haver concluído, antes da inscrição, curso superior de
graduação plena reconhecido pelo MEC (Edital de 2002). Preenchidos esses requisitos
para a inscrição, o candidato, para ser aprovado no concurso, precisa passar por cinco
etapas para tornar-se diplomata, começando como Terceiro Secretário, estágio inicial da
Carreira de Diplomata. O concurso está estruturado em 5 fases, conforme o edital de
2002, e todas as provas têm caráter eliminatório:
- na Primeira Fase é realizado o Teste de Pré-seleção;
- na Segunda Fase, as provas de Português e Inglês;
-na Terceira Fase constará de 07 (sete) provas: Questões Internacionais
Contemp orâneas, Português Oral, Inglês Oral, História, Geografia, Noções de
Direito e Noções de Economia;
- na Quarta Fase será realizada a avaliação física e psicológica do candidato; e,
-na Quinta e última fase será a da matrícula no Programa de Formação e Aperfeiçoamento de Diplomatas – Primeira Fase (PROFA-I), condicionada à
satisfação das condições exigidas no item 2.2 deste Edital, e à apresentação do
material e da documentação definidos no item oito abaixo.
Edital de outubro de 2002
Na primeira fase é feito um Teste de Pré-Seleção (TPS). É o primeiro
peneiramento pelo qual passa os milhares de candidatos interessados na Carreira de
Diplomata e é aplicado em várias capitais dos estados do Brasil. É uma prova sobre
conhecimentos gerais com “questões de cultura geral e brasileira” e é de múltipla
escolha, composta de cem questões objetivas que versa sobre os mais variados assuntos,
sobretudo, temas que constam nas fases seguintes do concurso. “Nas questões de
Português e Inglês, avaliar-se-ão, além do conhecimento dos idiomas e do uso da norma
culta, a capacidade de intelecção e interpretação de textos” (Edital). Nessa fase, a prova
é de conhecimento geral onde se avalia o “capital cultural” do candidato. Como revela
42
Cristina Patriota (1999) que estudou os candidatos aprovados no concurso em 1997/98,
o TPS é uma medida de 'capital cultural' e não de conhecimentos específicos, pode
conter questões sobre uma infinidade de temas, desde literatura, ópera e artes plásticas
até questões sobre a Constituição Brasileira e nomes de ganhadores do Prêmio Nobel
(Idem, 44-45). Até a terceira fase do concurso, as provas são anônimas.
Na segunda fase, constam as provas de português e de inglês e são também de
caráter eliminatório (atualmente, o inglês não é mais eliminatório, mas sim
classificatório). Assim como na primeira fase do concurso, elas são realizadas,
simultaneamente, em Brasília e nas capitais designadas no Edital; e a partir da Terceira
fase todas as provas são realizadas somente em Brasília.
Já na terceira fase, as provas são realizadas exclusivamente em Brasília com
todas as despesas pagas pelo Instituto Rio Branco, durante a vigência do concurso. As
provas são sobre Questões Internacionais Contemporâneas, Português, Inglês,
Geografia, História, Noções de Economia e Noções de Direito. Segundo o Edital
(6.4.6), apenas os candidatos aprovados nas provas de Geografia e História estarão
habilitados a realizar as provas de Noções de Direito e Noções de Economia. Questões
Internacionais Contemporâneas, Português e Inglês são realizadas de forma oral. “Na
Segunda e Terceira Fases, as provas escritas não serão identificadas, para efeito de
correção. Somente no momento do anúncio dos resultados ocorrerá a identificação em
público” (Ibidem).
Na quarta fase (no edital de 2005 constam apenas três fases para o concurso de
admissão; não são mencionadas a quarta fase e a quinta fases) verifica se o candidato
possui as condições físicas, psíquicas e comportamentais exigidas pela profissão de
diplomata. Dessa fase, não dispomos de informações mais gerais, além das que estão no
edital, sobre o tipo de avaliação comportamental que é feito atualmente. Observa o
diplomata José Penna (2002) que na época do Barão do Rio Branco examinavam-se as
boas maneiras de candidato à mesa, apreciavam-se suas habilidades como dançarino20,
etc.
20 O diplomata, José Osvaldo de Meira Penna (2002) observa que “Outrora, no Brasil da época do Barão, era o próprio Chanceler que gostava de investigar os candidatos sobre esses pontos: além do comportamento do rapaz à mesa, apreciava sua habilidade como dançarino... Sobre table manners adequadas fui duas vezes examinado por Ciro de Freitas Valle – na época do Itamaraty do Rio era cognominado o Dragão da Rua Larga. Quando ingressei na carreira (em priscas eras, 1938!), havia na seção de Protocolo, hoje denominada Cerimonial, uma simpática Senhora, Dona Laura de Barros Moreira, filha de diplomata, que ocasionalmente prestava valiosos serviços de “instrução social” sobre, por exemplo, como usar os talheres e os copos de vinho; qual o dever de todos se levantarem à chegada do Embaixador (inclusive as mulheres pois, como pontificava o Maurício Nabuco, “o embaixador não
43
E a quinta fase é a fase da matrícula no Programa de Formação e
Aperfeiçoamento de Diplomatas – Primeira Fase (PROFA-I), que tem o nível de
mestrado e após essa fase de formação o diplomata é nomeado para serviços nos
exterior.
O concurso público de Admissão à Carreira de Diplomata de 2005 sofreu
algumas modificações. Passa a ser realizado em três fases: o TPS agora é constituído
por 50 questões, sendo 45 questões objetivas e 5 questões discursivas; na segunda fase
passa-se a exigir exclusivamente prova de Português de caráter eliminatório e
classificatório; e na terceira fase aumentara-se o nível de exigências em termos de
disciplinas exigidas no concurso (ver Edital de 2005).
Como nos revela Cristina Patriota, na sua dissertação de mestrado intitulado
“Jovens Colegas: um estudo de carreira e socialização no Instituto Rio Branco”(1999)21,
realizado com candidatos aprovados em 1997/1998, os interessados em seguir a
carreira, desde muito cedo, tendem a escolher cursos universitários que mais se
aproximam das matérias exigidas no concurso, como Política Internacional, Direito,
Economia, Geografia, etc, e tendem a fazer anos de aulas preparatórias para o concurso.
Em geral, “aqueles que pensam em ser diplomatas desde infância escolheram o curso
universitário por sua ‘proximidade’ com as matérias exigidas no concurso e fizeram
anos de aulas preparatórias com professores recomendados pelo MRE” (Patriota,
1999:33).
Com essa demanda por cursos que preparem candidatos à Carreira de
Diplomata, nota-se um aumento de anúncios, nas faculdades, oferecendo aulas
preparatórias para as pessoas interessadas em se preparar para as provas do concurso do
Instituto Rio Branco (ver anexo IV). Nesses anúncios são oferecidas aulas preparatórias
de economia, direito, geografia, política internacional e línguas tais como Inglês,
francês e espanhol, ou seja, em geral, as matérias exigidas na primeira, segunda e
terceira fases do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD).
tem sexo”); a regra de não saírem da festa antes da partida da mais alta autoridade presente ou da pessoa a quem é a mesma oferecida; outras normas, como a de sempre cederem a direita às senhoras, mesmo num taxi ou numa calçada; e de não interromperem a conversa quando os mais velhos estão falando. Experiências do Grand Monde... Estas boas maneiras foram sendo esquecidas. 21 Cristina Patriota fez um trabalho de campo com os candidatos ao concurso de admissão à carreira de diplomata, alunos do IRBr nos anos de 1997 a 98 no qual analisa o processo do que ela denomina de “ressocialização” das pessoas que ingressam nessa profissão de diplomata proporcionado pelo Instituto. Nesse estudo, ela traça o perfil dos candidatos à carreira de diplomata.
44
O que acabamos de descrever é o Concurso de Admissão à Carreira de
Diplomata (CACD) do Instituto Rio Branco. Outra coisa completamente “diferente’ é o
programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” do
Instituto Rio Branco que não mexe com a estrutura e o processo de seleção do
Itamaraty. Apesar do atual modelo seleção do programa ser parecido com o CACD, são
assuntos “separados”.
1.4. “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”: características da primeira
experiência com ação afirmativa no Instituto Rio Branco.
O programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”
concede bolsas de estudos aos candidatos “afro-descendentes” interessados em se
preparar para a Carreira de Diplomata. Atualmente, o programa concede trinta (30)
bolsas de estudos no valor de dois mil e quinhentos reais (2.500 reais) mensais durante
um período de dez meses. Além de oferecer recursos financeiros, oferece também
recursos humanos, pois coloca a disposição dos bolsistas diplomatas (tutores, como são
chamados) para orientá- los nos estudos.
Os bolsistas selecionados pelo programa têm um período de 10 meses para
contratar professores e cursos que os ajudem a complementar e reforçar os estudos de
preparação para as inúmeras provas do concurso, em função de não existir cursos
específicos que preparem alunos para a Carreira de Diplomata. A bolsa tem a única e
exclusiva função de custear o material bibliográfico necessário e o pagamento de cursos
e professores que preparem candidatos nas disciplinas exigidas no Concurso de
Admissão à Carreira de Diplomata. Todas as outras despesas com transporte,
alimentação e outras despesas relacionadas ao processo de preparação para o concurso
como a leitura de jornais, revistas, custos com a internet, etc. são de responsabilidade do
bolsista, pois a bolsa não pode ser direcionada nesse sentido. No plano de estudo tem
que constar claramente às atividades pelas quais os recursos serão empregados, o que
não inclui despesas extras. O bolsista precisa apresentar regularmente relatórios técnicos
para serem analisados pela Comissão Técnica Interministerial e, no final da vigência da
bolsa, apresentar uma prestação de contas.
Após a data estipulada para cursos preparatórios o candidato é obrigado, de
acordo com as normas do programa, a se inscrever no primeiro concurso aberto pelo
Instituto. Caso não passe na primeira fase do concurso, o Teste de Pré-Seleção (TPS), o
45
bolsista pode se inscrever nos próximos concursos sem pagar a taxa de inscrição por
dois anos, (informações do IRBr) e, caso passe na primeira fase, a bolsa é
automaticamente renovada por mais tempo. No entanto, como veremos na descrição do
programa de 2002, isso não ocorreu. Caso o bolsista viesse a ser reprovado no TPS
perderia o direito de usar a bolsa, sendo automaticamente desligado do programa.
O programa ganhou novo formato em 2003 quando o processo de seleção passou
a ser realizado pelo Instituto Rio Branco com a colaboração do Centro de Seleção e de
Promoção de Eventos (CESPE) da Universidade de Brasília para onde é encaminhada
toda a documentação de inscrição no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata
(CACD) do Instituto Rio Branco. Podemos dizer que o programa passou a ser realizado
em moldes parecido com o CACD. Passa-se então a exigir provas objetivas de língua
portuguesa e de língua inglesa, redação de caráter discursivo nessas duas línguas, sendo
todas de caráter classificatória e eliminatória. E, conforme o edital de 1/2004, a seleção
passou a ser realizada em duas etapas para avaliar as habilidades e conhecimentos dos
candidatos.
A primeira etapa é realizada em várias capitais dos estados brasileiros como
Belém/PA, Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Curitiba/PR, Florianópolis/SC,
Fortaleza/CE, Goiânia/GO, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Rio de Janeiro/RJ,
Salvador/BA e São Paulo/SP, sob a responsabilidade do CESPE. São provas objetivas,
de caráter classificatório e eliminatório, da língua portuguesa e da língua inglesa.
A segunda etapa, também de caráter classificatório e eliminatório, é realizada
exclusivamente em Brasília e é constituída de “análise da documentação submetida pelo
candidato no momento da inscrição e de entrevista técnica a serem realizadas por uma
Comissão Interministerial, formada com representantes dos partícipes do Termo de
Ajusto do Protocolo de Cooperação, instituída especificamente para este fim; e ainda de
prova de redação a ser realizada pelo CESPE”. Os critérios levados em consideração
nesta etapa foram os seguintes:
1. classificação nas provas objetivas;
2. histórico escolar;
3. redação sobre a experiência pessoal do candidato como afro-descendente
e sobre os motivos por que pretende ser diplomata;
4. plano de estudos e de utilização dos recursos da Bolsa-Prémio de
Vocação para a Diplomacia durante os dez meses de vigência;
5. equidade de gênero;
6. renda familiar. Edital de 1/2004
46
Antes disso, o candidato terá que satisfazer certos requisitos básicos para que a
sua inscrição seja aceita pelo programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”,
tais como: ser brasileiro nato; ser afro-descendente (negro) expresso por meio de uma
declaração; estar em dia com as obrigações eleitorais; estar em dia com o serviço
militar; haver concluído o curso de graduação plena, ou estar freqüentando o último ano
de curso superior reconhecido pelo MEC. Como podermos observar neste edital, a
categoria “afro-descendente” ganhou o “reforço” da categoria negro. Na verdade,
atualmente, utilizam-se duas categorias, afro-descendente (negro), para selecionar os
candidatos. Indagado sobre o porquê disso, o Secretário Eduardo Teixeira, responsável
pelo programa no IRBr, explica que essa “nova categoria” descreve melhor o perfil do
candidato requerido pelo programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco. Para
evitar problemas relacionados à autodeclaração, exige-se do candidato, a “Bolsa-Prémio
de Vocação para a Diplomacia”, que disserte sobre a sua cond ição de negro, o que para
o Ministério das Relações Exteriores é a melhor maneira de selecionar os candidatos.
Como podemos ver, o programa de ação afirmativa para o Instituto Rio Branco
não mexe na estrutura e funcionamento do concurso, é um programa que simplesmente
concede recursos aos “afro-descendentes” interessados em se candidatar ao Concurso de
Admissão à Carreira de diplomata. Não reserva vagas, como faz questão de ressaltar o
diretor do Instituto Rio Branco, como tem ocorrido em outros Ministérios, apenas
fornece recursos financeiros e humanos que possam apoiar o candidato no processo de
preparação para o concurso do IRBr. Argumenta o diretor que “Todos os candidatos são
aprovados por excelência no Rio Branco. As provas de admissão para a carreira
continuam iguais” (Almino, 2004).
47
1.4.1 O Processo Seletivo de 2002
O primeiro programa selecionou vinte bolsistas de um contingente de
quatrocentos e três “afro-descendentes” inscritos para uma bolsa de 1500 reais mensais
(inicialmente de 1000 reais); e no segundo programa o número de bolsas aumentou para
trinta e o valor da bolsa também aumentou para 2500 reais mensais com o objetivo de
proporcionar “igualdade de condições” aos “afro-descendentes” que concorrem à
Carreira de Diplomata.
A primeira experiência foi caracteristicamente diferente das seleções posteriores.
O programa começou a ser implementado em 2002 e quatrocentos e três candidatos, que
se autodeclararam “afro-descendente” se inscreveram. Quanto ao processo seletivo
propriamente dito, desses 403 candidatos inscritos, quarenta foram selecionados para
fazer entrevistas e vinte foram premiados com uma bolsa para se preparar, durante 10
meses, para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco
(IRBr). Após um período de preparação (nesse caso particular foram quase sete meses)
os candidatos foram obrigados a prestar o primeiro Concurso de Admissão aberto pelo
Instituto em março de 2003. Dos vinte selecionados, dois candidatos (correspondendo a
10%) foram aprovados na primeira fase, no Teste de Pré-Seleção (TPS) do CACD; um
foi eliminado na segunda fase (provas de Inglês e Português); e uma bolsista (5%) foi
aprovada no CACD do IRBr, sendo atualmente Terceiro Secretário. De uma forma
geral, o concurso realizado no primeiro semestre de 2003 é avaliado como positivo, pelo
IRBr, comparando o universo de candidatos inscritos 5.791, sendo aprovados apenas 39
candidatos (contabilizando 0,7% do total), e pelos bolsistas em particular.
Nesse primeiro ano, o processo de seleção foi feito de maneira diferente dos
processos posteriores. Estamos nos referindo a uma experiência pioneira que começou a
ser colocada em prática em 2002, logo após a III Conferência de Durban, em 2001.
Como toda a primeira experiência, algumas dificuldades foram observadas em termos
de estrutura e adaptação ao processo de implementação de ação afirmativa; pois, entre
assinatura do Termo de Ajusto do Protocolo de Cooperação para a implementação de
ação afirmativa no Instituto Rio Branco e o anúncio do programa, o tempo foi
relativamente curto para que todas as providências fossem tomadas em termos
estruturais e burocráticos. Foi um processo considerado muito tumultuado pelos
bolsistas em termos burocráticos e estruturais em função das inúmeras dificuldades
enfrentadas por eles com relação ao atraso no pagamento da primeira parcela da bolsa;
48
assim como outros atrasos ocorridos ao longo do processo. Com relação ao tempo de
preparação para o CACD, tiveram aproximadamente sete meses, e não 10 meses
período estipulado de vigência da bolsa pelo programa; e ainda foram obrigados a
prestar o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata aberto pelo Instituto Rio
Branco em março de 2003. Quem não conseguiu passar no Teste de Pré-Seleção não
teve mais o direito de usar a bolsa. Nesse sentido, os bolsistas sentiram-se prejudicados
pelo tempo perdido na preparação. Uma vantagem observada foi o fato de a bolsa ter
sido aumentado de 1000 para 1500 reais mensais, em dezembro de 2002.
Ao contrário do que aconteceu posteriormente, o primeiro processo de seleção
de candidatos “afro-descendentes” para o programa de ação afirmativa do IRBr foi
realizado no Centro Nacional de Desenvolvimento Ciência e Tecnologia – CNPq para
onde toda a documentação de inscrição foi encaminhada. A Comissão Interministerial,
constituída especificamente para este fim, ficou encarregada de realizar todas as etapas
da seleção: análise da documentação e a entrevista. Ficou também a cargo do CNPq a
responsabilidade de administrar os recursos financeiros22 e o acompanhamento, por
meio de relatórios freqüentes, das atividades de estudos desenvolvidas pelos bolsistas.
Foi um processo relativamente simples. A estratégia adotada, nesse período, para
avaliar e selecionar candidatos foi à análise da documentação submetida no ato da
inscrição e uma entrevista. Não foram exigidas provas e o processo decorreu em duas
etapas. Na primeira, exigiu-se um plano de trabalho/estudo para os dez meses de
vigência da bolsa (análise da documentação: histórico escolar; uma redação com os
motivos e as expectativas do candidato sobre a Carreira de Diplomata; e um plano de
estudo de como os recursos financeiros seriam empregados no processo de preparação
para o concurso). Na segunda, foi uma entrevista. Os critérios de seleção deveriam
privilegiar determinados aspectos do candidato: “bom desempenho acadêmico; clareza e
viabilidade do plano de trabalho/estudo; objetividade e coerência no plano de
desembolso da bolsa para os dez (10) meses de vigência; capacidade analítica e de
22 As bolsas de estudos do programa são provenientes de recursos financeiros do Instituto Rio Branco, da Secretaria dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, do Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, e da Fundação Palmares, de acordo com o Protocolo de Cooperação. Posteriormente, aos bolsa passaram e ser oferecidas em convênio com o CNPQ, a Fundação Palmares, o Ministério da Educação, o Ministério do trabalho, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e a Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade racial, e com o apoio da Cultura Inglesa, das Alianças Francesa e do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (CESPE) da Universidade de Brasília.
49
articulação de idéias, verificadas através da redação sobre os motivos e expectativas
do(a) candidato(a) vir a ser Diplomata”(IRBr).
Como referido anteriormente, os recursos financeiros têm a função específica e
exclusiva de custear o material bibliográfico, cur sos e professores que preparem
candidatos ao CACD e nada mais, além disso. Uma das dificuldades colocadas pelos
bolsistas é que os recursos deveriam ser ampliados de forma a poder possibilitar o
desligamento do trabalho, pelo menos durante o período da vigência da bolsa, para se
dedicar exclusivamente aos estudos. Segundo eles, a bolsa é de grande importância
porque ajuda muito, mas não o suficiente para que o bolsista possa mergulhar nos
estudos como acontece com outros candidatos, sem precisar se preocupar com as contas
a serem pagas no final do mês. Por exemplo, alguns tiveram que deslocar das suas
regiões para as cidades como São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília para poder assistir
cursos preparatórios que só são oferecidos nesses lugares e, com isso, os recursos da
bolsa não podem ser empregados. Uma candidata teve que se deslocar de Juiz de Fora,
outra de Salvador, etc. para poderem assistir aulas preparatórias presenciais em matérias
consideradas importantes e que não eram oferecidas nas suas cidades.
Com relação a essa questão, a pergunta formulada foi o seguinte: como você se
preparou para o concurso à bolsa do Instituto Rio Branco e para o CACD? Com os
poucos questionários respondidos e as entrevistas igualmente poucas, porém,
significativos, pudemos observar que boa parte dos candidatos tivera a necessidade de
se deslocar para outras regiões atrás de professores e cursos preparatórios. Os que, por
ventura, não puderam descolar-se receberam materiais bibliográficos e orientação de
tutores (diplomatas que foram designados para orientar os bolsistas) e dos colegas, à
distância. Os bolsistas criaram um “grupo” denominado diplomacia afro-descendente
(grupo de discussão on-line) para tocar informações, debater textos e se comunicar em
geral. Referindo-se ao processo de preparação para o Concurso,
Fiz aulas preparatórias no Rio de Janeiro, pois em Juiz de Fora não há cursos
preparatórios para o Itamaraty. Minha preparação foi através de aulas
presenciais e de fitas como também de uma leitura disciplinada da
bibliografia e também de jornais e revistas.
*
Para me preparar para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata fui
morar em Brasília onde fiz um curso preparatório que englobava todas as
50
matérias; e depois fui morar em São Paulo para fazer cursos preparatórios.
Voltei para salvador e continuei estudando, por conta própria, as matérias
que tinha mais dificuldade como a Economia e o Direito. Depois continuei
estudando a língua Inglesa. Eu tinha um orientador, mas para a minha
infelicidade não consegui entrar em contato com ele.
Essas duas respostas mostram claramente a necessidade de deslocamento à
procura de cursos e professores que preparem candidatos à Carreira de Diplomata.
Como poderemos averiguar, no segundo capítulo, a maior parte dos candidatos
selecionados, no programa de 2002, é do Rio de Janeiro, cidade de onde historicamente
é proveniente a maior parte dos candidatos interessados na Carreira de Diplomata. Ou
seja, são basicamente três regiões - Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília - que oferecem
cursos preparatórios estruturados com todas as matérias exigidas no CACD. Portanto,
proveniente dessas regiões, boa parte dos bolsistas não tivera a necessidade de se
deslocar, mas muitos não conseguiram desligar-se do trabalho para se dedicar
exclusivamente aos estudos. Para driblar a falta de tempo e conciliar o trabalho e o
estudo, algumas estratégias foram adotadas:
Eu me matriculei num curso preparatório. Estudava em média 8 horas por
sábado e lia em média 2 horas aos domingos. Não estudava durante a semana
porque tinha que trabalhar. O auxilio pago aos bolsistas não podia ser utilizado
para o pagamento de despesas como transporte, alimentação e contas como
água, luz, etc.
*
Infelizmente, tive pouco tempo para me preparar da forma que eu queria. (...)
só pude fazê-lo por quatro meses – pedi uma licença sem vencimentos no
trabalho, em 2002, juntei férias vencidas e mergulhei no meu plano de estudos.
A maioria se matriculou em cursos preparatórios de alto nível que geralmente
são caros para poder ter alguma chance real de ser bem sucedido no CACD. Em geral,
como nos revela Cristina Patriota (1999), muitos candidatos precisaram fazer alguns
anos e anos de cursos preparatórios para enfrentar o dificílimo concurso do Instituto Rio
Branco. Mas, no primeiro programa, os bolsistas tiveram pouco tempo, entre receber a
bolsa e o a abertura do Concurso pelo Instituto, basicamente sete meses para se
preparar. No entanto, para se candidatar à bolsa do programa não houve necessidade de
51
preparação rigorosa porque, nesse período, não foram exigidas provas, porém um
candidato procurou orientação para se preparar para a entrevista “para a bolsa, fui
orientada por um professor universitário. Ele me orientou como deveria proceder, o
que eu deveria saber que provavelmente eles iam perguntar”.
Devido à dificuldade em passar no concurso, uma vez que se exige uma sólida e
excelente formação em boas escolas, na maioria das vezes, os candidatos à Carreira
fazem várias vezes o Concurso, como ficou visto anteriormente. Pelas respostas ao
questionário, observamos que alguns bolsistas já haviam se candidatado outras vezes
antes de terem sido beneficiados pela ação afirmativa do Instituto Rio Branco. Em
média, são duas vezes antes da bolsa e depois da bolsa, incluindo o concurso que é
obrigatório após a vigência da bolsa. Alguns não manifestam a intenção de prestar o
concurso novamente, pelo menos por enquanto, outros continuam nesta empreitada -
ficamos sabendo que três dos bolsistas de 2002 estão estudando para o concurso deste
ano -, e outros ainda não descartaram a possibilidade de fazer parte do seleto grupo do
Itamaraty.
Não estou pensando em me candidatar de novo. Para mim, esse é um projeto de
médio a longo prazos, agora preciso fazer outras coisas: trabalhar, ganhar
dinheiro porque não faço parte dessa elite, porque a maioria dos meus colegas
só estudam. Mas é um planejamento a médio e longo prazos.
*
Prestei o concurso duas vezes, em 2001 e em 2002. E não desisti ainda. Como
dizia Júlio César, de Skakespeare, “(...) ainda não esgotei todas os recursos que
podem me conduzir à vitória. Por isso, quero a Lua!”.
Muitos reconhecem a necessidade de se preparar por mais tempo e se dedicar
com mais afinco aos estudos, para que um dia possam se candidatar como “os outros”
que passam a vida toda se preparando para o concurso, já que não fazem parte dessa
“elite” que não precisa se preocupar em como pagar as contas no final do mês.
Conclusões
O programa faz parte de um acordo interministerial no qual os recursos
disponibilizados pelo Ministério das Relações Exteriores são relativamente poucos,
comparados aos ganhos político e simbólico em jogo; e é conveniente lembrar também
52
que o programa recebe apoio financeiro de outros três Ministérios, e que, portanto, o
Itamaraty só entra com ¼ dos recursos do programa. Mesmo assim, os recursos
disponíveis, 1500 reais mensais (atualmente 2500 reais mensais) para cada bolsista são
relativamente poucos para suprir todas as necessidades decorrentes da preparação
devido ao elevado nível intelectual e cultural exigidos dos candidatos. Ademais, 10
meses não é tempo suficiente para adquirir conhecimentos que demandam algum tempo
para serem assimilados como Direto, Economia, etc., por mais bem preparado que o
candidato esteja em termos culturais.
Não é por acaso que apenas três candidatos ingressaram no Itamaraty, em três
anos do programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”. O processo de
seleção é tão rigoroso que somente os que têm como meta e projeto de vida a Carreira
de Diplomata conseguem ingressar no Itamaraty. Porém, como veremos no terceiro
capítulo, isso é relativo, pois há outras questões a serem colocadas e abordadas quanto
ao processo seletivo do Itamaraty. Pois, como vimos, o Itamaraty rejeita a política de
cotas, política impensada por essa instituição que se orgulha de ter um corpo
diplomático intelectualmente bem preparado, fundamentado na questão do mérito
individual e nacionalmente reconhecido pela sua excelência; um corpo de representação
reconhecido pela sua “distinção” no vestir, nos modos de se comportar, pela expressão
culta e fluente em línguas, etc (Bourdieu apud Villas Bôas, 2001).
Apesar das limitações do programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a
Diplomacia” do Instituto Rio Branco, ter o Itamaraty reconhecido que, praticamente,
não existem “afro-descendentes” nos seus quadros funcionais é positivo porque
representa um princípio de abertura e democratização do acesso ao Itamaraty, espaço
historicamente conhecido como o “reduto” de uma “elite branca burocrática” que ali se
reproduz. E essa abertura é importante por ser o Itamaraty “um importante espaço social
no âmbito da estrutura burocrática do Estado que pode favorecer a transformação de
idéias em atitudes socialmente compartilhadas, isto é, em cultura Política” (Botelho:
2003: 1).
53
Capítulo II
PERFIL SOCIOECONÔMICO E EDUCACIONAL DOS CANDIDATOS “AFRO-
DESCENDENTES” INSCRITOS EM 2002
Observamos que alguns bolsistas já haviam prestado o concurso do Instituto Rio
Branco antes de terem sido beneficiados pelo programa; e alguns precisaram deslocar
das suas cidades para as poucas - Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília - que oferecem
cursos preparatórios para Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD).
Como os recursos da bolsa não permitem gastos além dos relacionados ao pagamento de
cursos e professores; e, em geral, os cursos são muito caros, o que indica que não é
qualquer pessoa que disponibiliza recursos financeiros e capital cultural para o
Concurso do Instituto Rio Branco, acreditamos tratar-se de integrantes da “classe média
negra” pleiteando espaços no Itamaraty. Perante essa demanda pela ação afirmativa no
Instituto Rio Branco (IRBr) algumas questões necessariamente se colocam, tais como:
quem são esses candidatos? De onde vieram? De que condições sociais são
provenientes? Quem são os pais? Essas questões são abordadas neste capítulo.
Assim, o objetivo definido para este capítulo consiste na construção do perfil
socioeconômico e educacional dos candidatos “afro-descendentes” inscritos no
programa “Bolsa-prémio de Vocação para Diplomacia”, implementado, em 2002, a
partir da análise de dados quantitativos disponíveis. Atentaremos para os vinte
candidatos selecionados às bolsas de preparação para o Concurso do Instituto Rio
Branco. Como referido no capítulo anterior, 403 candidatos é um número bastante
expressivo o que nos permite pressupor que há uma “demanda reprimida” de segmentos
negros da classe média brasileira procurando se inserir em espaços mais privilegiados
da sociedade e onde eles se encontram criticamente sub-representados. Certas carreiras,
como a de Diplomata, são consideradas de alto prestígio e socialmente valorizadas,
inclusive pelo seu caráter elitista e pelo rigor no processo de seleção e formação de seus
futuros membros visando a excelência.
Com relação a essa demanda, os dados objetivos de que dispomos permite
sugerir a hipótese de que estamos perante segmentos da “classe média negra” se
candidatando a uma vaga na Carreira de Diplomata. Mas, o presente capítulo não traz
informações se esses indivíduos têm consciência de pertencimento a uma classe,
54
entendendo classe aqui no sentido dado por Bourdieu27. Certamente, um conjunto de
dados quantitativos dos candidatos inscritos para o programa de 2002, apresentados
nessa seção, nos permitirá tirar ilações sobre a questão, mas, tudo indica que são mesmo
indivíduos pertencentes a essa “classe média negra”. No entanto, a literatura sobre a
mobilidade e estratificação social, fundamentada em dados estatísticos de diferentes
instituições de pesquisas credenciadas, atentando para as oscilações econômicas e
políticas que atingem principalmente a classe média brasileira no que concerne ao seu
poder aquisitivo, indicam um encolhimento da classe média a partir da combinação de
educação, renda e ocupação (Sugimoto, 2004: 8)28. Não obstante, algumas pesquisas
específicas sobre a “classe média negra” apontam um crescimento relativo em termos de
educação e outros indicativos sociais (Pinheiro, 1999).
Esses dados, além de serem importantíssimos para traçar o perfil
socioeconômico e educacional dos inscritos no programa, poderão nos revelar,
aproximadamente, a partir da análise dos dados dos bolsistas selecionados, o perfil dos
candidatos requerido pelo Instituto Rio Branco. Nesse caso, um estudo comparativo
com dados do perfil socioeconômico e educacional dos candidatos brancos inscritos na
mesma época seria muito interessante, pois, nos forneceria melhores resultados nesse
processo de análise do perfil “ideal” esperado pelo Instituto. Mas, como não dispomos
de informações sobre o grupo branco e apenas uma candidata negra logrou entrar no
seletíssimo grupo dos diplomatas brasileiros, teremos um perfil aproximado. Além
disso, esses dados nos permitirão atentar para a mobilidade social desse grupo de “a fro-
descendentes” em relação aos pais a partir da ocupação e educação destes no processo
de formação e escolha da ocupação dos filhos.
Portanto, na primeira parte deste capítulo, apresentaremos dados referentes aos
391 do total de 403 candidatos inscritos no programa com o objetivo de traçar o seu
perfil socioeconômico e educacional atentando particularmente para o perfil dos
candidatos selecionados pelos examinadores do programa, isto é, os candidatos
considerados mais qualificados, capacitados e preparados para receber o reforço das
bolsas no processo de complementaridade dos estudos para o Concurso altamente
seletivo do Instituto Rio Branco.
27 Para Bourdieu (2000), “classe é um conjunto de agentes que ocupam posições semelhantes e que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomadas de posições semelhantes”. 28 Para maiores informações consultar Jornal da Unicamp no site: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2004/capa251.html
55
Na segunda parte, debruçaremos sobre os indicativos sociais especificamente
para tratar da mobilidade social a partir da educação e ocupação dos pais. Assim sendo,
para traçar o perfil combinaremos um conjunto de variáveis consideradas de
fundamental importância nesse processo como os indicadores educação, renda familiar,
e ocupação.
A renda familiar é analisada a partir do modelo desenhado pelo economista
Waldir Quadros que “define cinco níveis de renda para esta população, a preços de
janeiro de 2004 (deflacionados pelo INPC), e tendo como fontes o PNAD e o IBGE: a
alta classe média, com renda familiar acima de R$ 5.000 por mês; a média classe média,
de R$ 2.500 a R$ 5.000; e a baixa classe média, de R$ 1.000 a R$ 2.500.
‘Rigorosamente, esses níveis significam uma “proxi” dos padrões de vida de classe
média’, explica. No que chama de camadas inferiores, o economista enumera outras
duas: a massa trabalhadora, com renda de R$ 500 a R$ 1.000; e trabalhadores precários
ou miseráveis, com menos de R$ 500 (Sugimoto, 2004: 8). Quadros não avalia a classe
média simplesmente pela variável renda; para ele, “pertencem à classe média indivíduos
que ocupam cargos intermediários entre as categorias clássicas de divisão de trabalho -
proprietários e operariado. Recorte que inclui desde o office boy de uma empresa aos
executivos assalariados" (Idem).
Alguns pesquisadores apontam as enormes dificuldades por que têm passado,
nas últimas décadas, a classe média brasileira inclusive a perda gradual do seu poder
aquisitivo derivada das inúmeras oscilações econômicas e políticas no mercado que
afetam-na diretamente. Para o pesquisador Waldir Quadros, integrando o nível de renda
e a ocupação poderá medir a perda do padrão de vida da classe média. Comparando os
dados de 1991 aos de 2002, utilizando informações o PNAD e o IBGE, Quadros indica
um encolhimento da população nas camadas de média e baixa classe média e o
crescimento desses profissionais nas camadas inferiores da pirâmide. Ressalta que “as
famílias das camadas superiores que ali permanecem, vão perdendo renda e sendo
ameaçadas pelo desemprego crescente, sujeitas ao mesmo impacto sofrido pelas pessoas
rebaixadas socialmente" (ibidem). Apesar desse retraimento da classe média brasileira,
como aponta Quadros nas suas pesquisas, um trabalho divulgado, há poucos anos, pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão do Ministério do
56
Planejamento, mostra que a “classe média negra” das capitais brasileiras teve um
crescimento relativo de 10% com relação à “classe média negra” em 199229.
Para estudar o padrão de vida, ou seja, o perfil socioeconômico da classe média,
os pesquisadores têm adotado diferentes abordagens metodológicas. Em termos de
ocupação, alguns pesquisadores optam por enfatizar a ocupação não-manual como
critério fundamental na demarcação da classe média, além de utilizar outros indicadores
importantes para fundamentar. Tendem a dividi- la em três subclasses: “classe média
alta” (dirigentes, profissionais universitários e empregadores), “classe média média” (as
ocupações técnicos/artísticos) e “classe média baixa” (inclui empresários por conta
própria e as ocupações das atividades não-manuais de rotina) com a argumentação de
que a subdivisão é necessária em função das diferenças significativas entre renda e
escolaridade (Figueiredo, 2003: 50). Nesse estudo, o indicador ocupação30 é também
dividido em ocupação não-manual e ocupação manual a partir da tabulação Especial da
PNAD de 1999 (Figueiredo, 2003).
Depois desses esclarecimentos sobre a metodologia a ser utilizado neste capítulo,
procedemos então a analisar dos indicativos sociais referentes renda familiar, ocupação
e escolaridade de todos dos candidatos inscritos no programa.
1.1 – TRAÇOS GERAIS
Dados gerais dos concorrentes inscritos a uma bolsa de estudos para se preparar
para o concurso do Instituto Rio Branco (IRBr) nos revelam que são provenientes de
diferentes cidades e estados do Brasil; e como teremos oportunidade de verificar ao
longo da análise, a grande maioria desses candidatos estão situados na região Sudeste,
basicamente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, dois dos estados considerados
social e economicamente os mais desenvolvidos do Brasil. Poderemos verificar na
análise dos dados que o grupo é bastante heterogêneo em termos gerais como estado 29 Revista Veja, 1999. 30 Ocupação está definida em: ocupação não-manual e ocupação manual. A ocupação não-manual subdivide-se em: não-manual alto (Profissionais Liberais, Dirigentes, Empresários/Empregadores e Outros profissionais universitários); não-manual médio (Técnicos e artísticos/ Supervisão do trabalho manual); e não-manual baixo (Empresários por conta própria e Funções não-manuais de rotina). A ocupação manual esta dividida em dois tipos: manual urbano alto (Trabalhadores de Indústria Moderna, Trabalhadores nos Serviços Gerais), manual urbano baixo (Trabalhadores no Comércio Ambulante, Trabalhadores nos Serviços Pessoais, Trabalhadores na Industria Tradicional e Serviços domésticos). Mas, existe também a ocupação rural que é de fundamental importância para averiguar a mobilidade social dos filhos em relação aos pais. Em função disso, dividiremos a ocupação rural em: rural alto (os proprietários) e rural baixo (trabalhadores rurais).
57
civil, faixa etária, sexo e principalmente com relação à renda familiar; contudo, no
concernente ao indicador educação, as diferenças não são tão expressivas já que todos
os candidatos estão dentro do padrão mínimo exigido para o Concurso do Instituto Rio
Branco. O mesmo poderá ser dito quanto ao indicador ocupação; não existe muita
disparidade em termos de ocupação como poderemos observar mais adiante.
1.1.1- Estado Civil e Sexo
Atentando para os dados referentes ao estado civil, no total da coluna horizontal da
Tabela I, percebemos que a grande maioria dos candidatos é solteiro, 66,3%; 25,4% se
declararam casados; outros estados civis representam 8,2% e alguns poucos (1,1%) não
se pronunciaram a esse respeito. Cruzando as variáveis Estado Civil e Sexo, podemos
verificar que 40,3% dos solteiros são mulheres e apenas 26,0% dos homens estão nessa
condição social. Quando atentamos para o número de casados, ressalta aos olhos o sexo
masculino 16,7%, quase o dobro do número das mulheres nessa mesma condição social
8,8%. Outro dado interessante é que a maioria dos candidatos é do sexo feminino
53,1%; mas a diferença em relação aos homens é expressiva, 6,2%.
Tabela I31 – Candidatos segundo Sexo e Estado civil.
Estado Civil * Masc. ou Fem? Crosstabulation
Count
98 152 250
63 33 9616 15 31
177 200 377
Solteiro
CasadoOutros
EstadoCivil
Total
Masc FemMasc. ou Fem?
Total
Essas informações sobre o número de mulheres negras almejando assumir posições de
maior expressividade social na sociedade brasileira contemporânea são bastante
interessantes por demonstrarem mulheres de “classe média negra” mais escolarizadas
almejando ascender socialmente, principalmente em carreiras de maior prestígio social
31 A maioria dos quadros não apresenta o total dos candidatos inscritos, aqueles dos quais dispomos de dados quantitativos, pois, muitos deles omitiram informações. Portanto, os totais dos quadros variam muito de acordo não-identificados (esses são aqueles que omitida alguma informação), ou seja, os estudantes e as ocupações deixadas em branco não se encontram presentes nos vários quadros analisados.
58
tradicionalmente ocupadas pelos homens, apesar das inúmeras discriminações
estruturais. A literatura brasileira especializada na questão dos movimentos sociais,
atualmente fundamentada em dados estatísticos, tem revelado o quadro das
desigualdades e discriminações sociais e raciais historicamente sofrido pelas mulheres,
nas ocupações de maior prestígio social, especificamente as mulheres negras
brasileiras, recebendo salários mais baixos que os dos homens, apesar de muitas vezes
terem um nível de instrução maior (Telles, 2000; Figueiredo, 2003, Lima, 1999).
Segundo as pesquisas, são as mulheres negras as maiores prejudicadas no quadro das
desigualdades sociais e raciais, independente da sua classe.
No tocante à educação, a literatura tem revelado que o retorno dos investimentos em
educação tem se mostrado altamente discriminatório, particularmente para as mulheres
negras; discriminatório no sentido de que, apesar de altos investimentos em educação,
numa tentativa de mobilidade social ascendente, não conseguem alcançar ocupações de
prestígio social condizentes com a sua formação e, muito menos, receber salários de
acordo com a ocupação (Lima, 1999). Na visão da pesquisadora Márcia Lima:
Mesmo com altos níveis de escolaridade, as mulheres negras não conseguem
ultrapassar etapas de mobilidade social que normalmente são
proporcionadas pelo investimento em educação (Lima, 1999: 156)
Os dados da PNAD de 1999 revelam que os negros chegam a receber apenas
56,6% da renda dos brancos; que os negros ganham salários inferiores aos brancos em
todas as ocupações, até mesmo naquelas em que a diferença entre as médias de anos de
estudos é quase inexistente, como a dos profissionais universitários. Revelam ainda que
são as mulheres negras as mais prejudicadas recebendo os menores salários do mercado,
ganhando em média cerca de 44,8% da renda dos salários dos homens brancos
(Figueiredo, 2003).
Ainda com relação à renda, a literatura tem demonstrado, com base em dados
quantitativos de instituições de pesquisas, que as mulheres recebem salários inferiores
aos dos homens praticamente no mundo todo. Segundo Manuel Castells (2001), as
diferenças salariais percebidos pelas mulheres em relação aos homens permanecem no
mundo inteiro, apesar das diferenças no perfil ocupacional serem pequenas. De acordo
com os dados apresentados por Castells, podemos dizer que as mulheres ganham em
média 60% do que ganham os homens em diversos países, um pouco mais nos paises
59
mais desenvolvidos e um pouco menos nos países menos desenvolvidos. (Castells,
2001).
Na visão dos estudiosos do assunto, para dar conta da questão envo lvendo
gênero e raça, há que se ter em conta as duas variáveis agregadas, em virtude da
implicância de uma na outra, particularmente para a formulação de políticas públicas
voltadas para as mulheres. Para estes estudiosos, as políticas universalistas direcionadas
ao universo gênero pecam por enxergar o grupo das mulheres como um grupo
homogêneo, por não levarem em conta as especificidades, particularmente com relação
às mulheres negras, as que mais estão sujeitas a “múltiplas discriminações”. Kimberlé
Cresnhaw, pesquisadora da questão de gênero e de raça nos EUA, baseando-se no
crescente reconhecimento de que as discriminações de raça e de gênero não são
fenômenos mutuamente excludentes, propõem o modelo de “interseccionalidade” para
verificar as várias formas de subordinação que refletem os efeitos interativos das
discriminações de raça e gênero (Cresnhaw, 2002).
Na Carreira de Diplomata já existem muitas mulheres exercendo cargos
importantes no país e fora dele. Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas, algumas
já conseguiram galgar o último degrau da carreira que é o de Embaixador. Mas como
em boa parte das profissões, a Carreira de Diplomata reproduz o quadro das
desigualdades sociais e raciais da sociedade brasileira. Como reconhece a Embaixadora
Thereza Maria Machado Quintella32, Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
(FUNAG), as mulheres são discriminadas no Itamaraty e enfrentam vários obstáculos
para chegar a posições de chefia e de poder. Demonstrou em um artigo que as
diplomatas se acumulam nas classes de Primeiro Secretário e Conselheiro; que elas vão
galgando os degraus, mais ou menos como os seus colegas, às vezes até num ritmo mais
acelerado, mas quando chegam ali elas param. Revela ainda que há uma acumulação de
mulheres na classe de Primeiro Secretário, a partir do qual as promoções tornam-se
realmente muito difíceis para as mulheres.
Conforme Vera Pedrosa, Embaixadora do Brasil em Copenhague (2003), a
competição para alcançar promoções é muito forte. Segundo ela, a Carreira de
Diplomata é competitiva em termos individuais, e o fato de as reivindicações serem
isoladas, afasta a possibilidade de ação conjunta em si mesma, pois tal ato não é bem
32 Comunicação apresentada na Mesa Redonda: Mulher e Diplomacia. Comemoração do dia Internacional das Mulheres (8 de Março) Organizado pela Fundação Alexandre Gusmão (FUNAG) em colaboração com o Instituto Rio Branco (IRBr)
60
visto pelo Ministério que receia o comportamento corporativo (Pedrosa, 2003)33. Ao
mencionar tais fatos, não estamos querendo adentrar nas discussões centrais dos
movimentos das mulheres negras e feministas na luta por igualdade de direitos e de
reconhecimento das desigualdades entre os homens e as mulheres, mas apenas registrar
a expressiva representação das mulheres negras no contingente dos candidatos inscritos
no programa do Instituto Rio Branco.
1.1.2 - Faixa Etária
Com relação à faixa etária, verificamos que os concorrentes às bolsas estão
compreendidos numa extensa faixa etária de 21 aos 62 anos. Apesar da imponência da
extensão da faixa etária, podemos observar que a distribuição se assemelha a uma
distribuição que não é considerada normal e que a densidade começa a diminuir
fortemente a partir dos 40 anos; dos 40 aos 62 anos estão apenas 21,0% dos candidatos,
distribuídos por todo essa faixa. No entanto, há uma expressiva concentração, 76,9% (de
um total de 390, ou seja, 99,7%) nas faixas de 24 a 39 anos como consta na Figura I; a
média de idade geral é de 34,0 anos. Essas informações sugerem que jovens negros estão
aproveitando as oportunidades oferecidas para fazer a diferença em carreiras consideradas
de maior prestigio social, como a de diplomata, onde a representação desse contingente
populacional se mostra flagrantemente desproporcional e onde praticamente as mulheres
negras encontram-se ausentes.
Alguns estudos demonstram através de números que muitos dos jovens “não-
brancos” que ingressam na universidade apresentam um índice bastante expressivo de
abandono e demora na conclusão dos cursos, o que leva a conclusão sobre possíveis
problemas socioeconômicos (Teixeira, 2003). Os dados disponíveis não nos permitem
concluir sobre informações desse tipo porque no formulário de inscrição não foi requerido
o ano do término da faculdade. Mas, em se tratando de jovens de segmentos da “classe
média negra”, talvez isso não seja o caso, haja visto existirem candidatos com 21 anos
terminando a faculdade e muito outros provavelmente recém-formados e egressos de
cursos de grande prestígio como Medicina, Direito, Engenharia, entre outros cursos. No
entanto, as desigualdades sócioeconômicas são uma realidade para a grande maioria da
população brasileira, inclusive para a classe média em geral, e, particularmente, para a
classe média negra, como demonstram as pesquisas.
33 Idem
61
Figura I – Distribuição por Faixa etária
IDADE
625653504846444240383634323028262422Missing
Per
cent
8
6
4
2
0
2. – RENDA FAMILIAR
Levando em consideração o critério renda para avaliar os candidatos, os dados
nos revelam que a grande maioria deles está situada nessa classe média, mas com uma
diferença bastante expressiva. Do total, 60,0% estão alocados no nível de “classe média
baixa”; sendo o restante distribuído pelos outros estratos da classe média. Cerca de
26,1% recebem uma renda familiar mensal de “R$ 3000 ou mais” e, portanto, de acordo
com o modelo de renda desenhado por Waldir Quadros, estão na categoria de “média
classe média” (de acordo com o formulário de inscrição). Entretanto, há um aspecto
importante a ser apontado que é esse adentro “ou mais”, expressão que não nos permite
inferir a respeito do estrato social de alocação; podem estar no nível de ‘alta classe
média” ou acima. Quando da coleta das informações nas fichas, percebemos algumas
tentativas de precisão da renda familiar dos candidatos com 3000 ou mais, muitas vezes
juntando mais 2000 reais. Percebe-se que 11,0% dos candidatos que declararam uma
renda mensal de 500 reais “ou menos” não se enquadra no perfil de classe média de
acordo com o modelo padrão desenhado por Waldir Quadros para avaliar a classe média
em geral. Esses 11,0% estão nas camadas inferiores que são divididos por ele, em:
massa trabalhadora, com renda de R$ 500 a R$ 1.000; e trabalhadores precários ou
62
miseráveis, com menos de R$ 500. Do total, 5,0% omitiu a sua renda familiar. Como
revela-nos os dados da Tabela II, referente ao total dos candidatos inscritos no
programa, os candidatos alocados no segmente da “classe média média” que está
“indefinida” são apenas 26,1%, um número bastante expressivo no indicativo de “classe
média negra” em termos de renda familiar.
Tabela II – Dados referentes à Renda Familiar
Renda Familiar
43 11,0 11,3 11,3109 27,9 28,8 40,1125 32,0 33,0 73,1
102 26,1 26,9 100,0379 96,9 100,0
12 3,1391 100,0
500,001000,002000,00
3000,00Total
Valid
SystemMissingTotal
Frequency Percent Valid PercentCumulative
Percent
Agora, se atentarmos para a percentagem dos vinte candidatos selecionados para
receber as bolsas, observa-se que 45% recebem uma renda familiar mensal de 3000
reais “ou mais” e estão no estrato indefinido da classe média ou acima. No que se refere
a esses candidatos específicos, os dados confirmam a nossa hipótese segundo o qual, o
programa do Instituto Rio Branco abrange a “classe média negra”.
Obviamente, uma única variável, levando em consideração apenas o ponto de
vista dos rendimentos, não é um indicador suficiente para fazer análise do perfil de uma
classe, pois, pode acontecer, e algumas vezes acontece, de indivíduos com baixo nível
de instrução receber uma renda superior à renda de um indivíduo trabalhando em uma
ocupação de maior prestígio, que exige um nível de instrução mais elevando. Isso fica
evidente quando se compara a média da renda dos empresários/empregadores com a dos
dirigentes e professores universitários (Figueiredo, 2003). Ângela Figueiredo constatou
que a renda do primeiro grupo é superior a do segundo apesar da escolaridade deste ser
mais elevada que a do primeiro (Idem). Por isso, e tendo em vista estas ressalvas, é
possível verificar que a renda, por si só, não é um indicativo convincente de
pertencimento de um grupo, a uma determinada classe.
Consta em estudos realizados nas últimas décadas no Brasil que o
desenvolvimento econômico e a mobilidade social verificados no período do chamado
“milagre econômico” não melhoraram a situação socioeconômica do negro no Brasil
63
que continuou ocupando posições inferiores na hierarquia social, exercendo cargos de
menor prestígio social e recebendo salários inferiores a dos brancos exercendo a mesma
ocupação (Hasenbalg e Silva, 1988; Lima 1999; Figueiredo, 2003; entre outros). Estes
estudos revelam ainda que o desenvolvimento econômico não diminui as desigualdades
raciais apesar de ter possibilitado o surgimento de maior número de negros com
escolaridade mais elevada, exercendo funções de alto prestígio e recebendo salários
mais altos. Freqüentemente são denunciadas essas situações, de pessoas, principalmente
negras, com escolaridade elevada recebendo salários a baixo da média do mercado. O
Gráfico que se segue apresenta dados sobre o rendimento familiar dos bolsistas
selecionadas pelo Grupo Interministerial encarregado de fazer a seleção.
Figura II – Renda Familiar declarada pelos candidatos selecionados.
Renda Familiar
3000,002000,001000,00Missing
Per
cent
50
40
30
20
10
0
45
30
20
5
Ainda com relação aos candidatos, há que ressaltar que a Carreira de Diplomata
brasileira, além de exigir dos selecionados um vasto conhecimento geral de temas muito
variados como economia, política internacional, entre outros assuntos, exige
principalmente fluência em idiomas, basicamente a língua Inglesa. Atualmente, as
regras têm mudado um pouco como, por exemplo, o inglês que passou a ser
classificatória, mas, nem por isso, o nível de domínio do idioma tornou mais fácil passar
no concurso. Saber se expressar e escrever bem em inglês são um dos critérios
fundamentais para a seleção; além do que, atualmente, saber escrever bem e se
expressar em pelo menos uma língua estrangeira não é mais privilégios para poucos,
64
muito menos corresponde ao símbolo de status e prestígio social, tornou-se uma
necessidade e uma ferramenta operacional para muitos no dia a dia no mercado de
trabalho. Mas, em função das profundas desigualdades sociais geradas, principalmente,
pela má distribuições de renda, dos benefícios sociais e, também, ao “racismo
institucional”, poucas pessoas dispõem de recursos financeiros para proporcionar aos
filhos certos recursos fundamentais atualmente exigidos no mercado de trabalho, como
bons cursos de línguas estrangeiras dentre outros benefícios que podem representar
vantagens diferenciais na competição por posições na estrutura social.
Os dados nos informam que a maioria (75,0%,) dos selecionados às bolsas do
programa possui um nível de inglês avançado e somente 25,0% têm nível de inglês
intermediário. Esses teriam a oportunidade que a bolsa proporciona para a contratação
de professores ou se matricular em cursos para o aperfeiçoamento da língua. Cruzando
as variáveis Renda familiar e o Nível de Inglês, poderemos observar, em geral, que os
candidatos com uma renda familiar de 3000 “ou mais” possuem maiores recursos
financeiros para adquirir capital cultural, recursos que podem fazer a diferença na
concorrência por posições sociais de maior prestigio. Nesse caso, os recursos
financeiros disponíveis se apresentam com o objetivo de ajudar no reforço e na
complementarização dos estudos por um período de 10 meses.
3 – EDUCAÇÃO
Quanto à educação, os dados assinalam que a maioria expressiva dos candidatos
cursou o ensino fundamental e o ensino médio em escolas públicas das diversas regiões
do país. Esses resultados parecem confirmar o que muitos estudos sobre o ensino médio
e superior têm revelado nos últimos anos, principalmente os estudos que tentem a
argumentar sobre a necessidade de elaboração de políticas voltadas para a qualificação
da escola pública assim como políticas públicas focalizadas que atendam a estudantes
negros, em função das enormes desvantagens em relação aos alunos brancos, na sua
maioria proveniente de escolas privadas. Para muitos pesquisadores, o “sucateamento” e
o abandono a que as escolas públicas estão submetidas, particularmente o ensino
fundamental e médio, prejudica a maioria da população brasileira que é constituída de
pobres, e na sua grande maioria de negros. Ao que tudo indica, esse consenso sobre o
“sucateamento” das escolas públicas, principalmente no que diz respeito ao ensino
médio e fundamental, leva uma boa parte dos pais com maior renda familiar e com um
65
nível de escolaridade mais elevado a recorreram ao ensino particular para colocar os
filhos.
3.1 - Ensino fundamental, médio e superior - escola púb lica/particular.
Os dados revelam que, no que concerne ao Ensino fundamental, uma
significativa maioria dos candidatos (71,2%) é proveniente de escolas públicas e apenas
28,7% provem de escolas privadas, escolas consideradas de maior qualidade em termos
de estrutura e ensino. As informações referentes ao Ensino Médio são parecidas com as
do Ensino Fundamental: 57,9% dos candidatos são provenientes de escolas públicas e
42,0% de escolas particulares. Já no Ensino Médio aumenta a percentagem em relação
ao Ensino Fundamental de candidatos provenientes de escolas particulares. Como
podemos verificar nas duas Tabelas que se seguem, à medida que aumenta o nível de
escolaridade dos pais aumenta também a opção por colocar seus filhos em escolas
particulares. Nas duas Tabelas optamos por trazer o cruzamento da variável Instrução
do Pai com as variáveis 1o e 2o Grau/Pub-Part34 que informam sobre a participação dos
pais no processo de formação dos filhos.
Tabelas III e IV – Instrução do Pai – 1o e 2o Grau - Escola Pública e Particular
Instrução do Pai * 1 Grau /Púb - Part Crosstabulation
Count
20 1 2162 4 66
56 6 6245 14 59
8 3 1144 22 66
2 3 530 45 75
1 10 11268 108 376
Analfabetoprimario
1 Grau Incompleto1 Grau Completo2 Grau Incompleto2 Grau Completo
Superior IncompletoSuperior CompletoPós-graduação
Instruçãodo Pai
Total
Pública Particular1 Grau /Púb - Part
Total
34 A segunda variável diz respeito ao local onde o candidato fez o Primeiro e o Segundo grau; ou seja, na escola pública ou na escola particular.
66
Instrução do Pai * 2 Grau /Púb - Part Crosstabulation
Count
16 5 2148 19 67
42 20 6237 23 60
9 2 1132 34 66
4 1 527 48 75
4 7 11219 159 378
Analfabetoprimario
1 Grau Incompleto1 Grau Completo2 Grau Incompleto2 Grau Completo
Superior IncompletoSuperior CompletoPós-graduação
Instruçãodo Pai
Total
Pública Particular2 Grau /Púb - Part
Total
Se os dados referentes ao 1o e ao 2o graus indicam uma maior percentagem dos
candidatos provenientes de escolas públicas, 71,2% e 57,9%, respectivamente, as
informações referentes à graduação são destoantes. Se a escola pública, do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio, é considerada de baixa qualidade, são as universidades
e faculdades particulares que em geral parecem receber esse descrédito no ensino
superior. Os dados da Tabela V revelam que a maioria dos candidatos 50,9% fez a
graduação em instituições particulares e 43,2% em instituições públicas do país.
Como comprovado por dados do Censo Demográfico de 2000, (Petruccelli,
2004), dos estudantes universitários no país, nesse período, 70,0% freqüentavam uma
instituição particula r e 31,0% uma pública, com uma ressalva para o grupo de pardos
com maior representação nas instituições públicas. Porém, revelam ainda que a
população negra tem maior representação nas instituições públicas do país (2,9%) e
2,1% freqüentam as instituições particulares. Se, em geral, os dados dos candidatos
inscritos em 2002 revelam que a maioria (50,9%) freqüentara instituições particulares,
mais uma vez indicam que estamos mesmo perante membros da classe média que não
logrando acesso às instituições públicas, ingressam em instituições particulares pagando
elevadas mensalidades para ter acesso à formação superior. Mas, atentando
particularmente para os vinte candidatos selecionados para o programa “Bolsa-Prémio
de Vocação para a Diplomacia”, as informações são de que 45,0% freqüentaram as
instituições públicas e a mesma percentagem as particulares. Desses candidatos, 10,0%
não chegaram a mencionar a instituição em que cursou o terceiro grau.
67
Tabela V – Dados referentes ao local onde foi realizado a Graduação35:
escola pública ou privada?
Graduação /Pub - Part
169 43,2 45,9 45,9199 50,9 54,1 100,0
368 94,1 100,023 5,9
391 100,0
PúblicaParticular
Total
Valid
SystemMissingTotal
Frequency Percent Valid PercentCumulative
Percent
Em termos gerais, os estudos comparando brancos e negros no quesito educação
vêm demonstrando, com base em evidências empíricas, as enormes iniqüidades
existentes, ou melhor, uma participação desproporcional principalmente no Ensino
Superior em relação a esses grupos. No seu estudo sobre o ensino superior no Brasil,
tendo em vista à distribuição da população de estudantes segundo sua condição de cor
ou raça, Petruccelli (2004), pesquisador do IBGE, revela que:
As informações do Censo Demográfico de 2000, aqui analisadas, mostram que da
população de 18 anos ou mais de idade (aproximadamente 109 milhões de pessoas),
81,4% não tinham concluído o nível médio de estudos e que entre os que o tinham
concluído, menos de 15% (3 milhões de pessoas), freqüentavam o ensino superior. Entre
estas, destaca-se o fato de que quase 79% se identificam como brancas, percentual
significativamente mais alto que o da população desta cor na mesma faixa etária, 55,4%,
enquanto que indígenas, pardos e pretos apenas alcançam a 19,4% do total destes
estudantes, menos da metade do que eles representam no total do mesmo grupo de idade
(43,4%) (Idem: 7).
De acordo com as informações do Censo, apenas 2,2% de pretos e pardos de 25
e mais anos de idade conseguiram concluir o nível superior de ensino, comparado aos
9,9% dos brancos nesse mesmo nível. Esses dados revelam ainda, segundo o
pesquisador acima referido, que:
35 As informações referentes à identificação das Siglas das Universidades/Faculdades e o tipo de instituição (pública ou privada) foram coletados na internet em dezembro de 2004.
68
As taxas de participação no interior de cada grupo de cor mostram que 1 entre cada 10 dos
brancos de 25 e mais anos de idade (9,9%), aparecem com o terceiro grau concluído,
enquanto que entre os pretos, pardos ou indígenas, apenas 1 de cada 50 (em torno de
2,2%), alcança o mesmo nível, revelando uma profunda assimetria entre um grupo racial
privilegiado e os outros discriminados de forma negativa (Ibdem: 8).
Dada a escassez de informações sobre cor ou raça do alunado nas universidades,
alguns pesquisadores têm levantado dados, a esse respeito, em algumas universidades
públicas – USP, UFF, UFBA- (Petruccelli, 2004). Os resultados dessas pesquisas
apontam para as disparidades de acesso ao ensino superior entre os brancos e os negros;
o privilégio dos brancos nesse ambiente e, portanto, a sua sobre-representação; e a sub-
representação dos negros (pretos e pardos). Apontam ainda para a desigual distribuição
nos cursos universitários de maior prestígio social, como a medicina, com um nível
elevado de participação da população branca e revelam que, além dos estudantes pretos
e pardos estarem sub-representados nas universidades públicas, estão sobre-
representados nos cursos de menor prestígio, como serviço social, letras, entre outros.
Por meio de dados estatísticos, demonstram que a maioria dos estudantes negros é
oriunda de escolas públicas, fundamentalmente do Ensino Fundamental e Médio; e
alguns pesquisadores estão convictos que este fato explica a maior participação de
estudantes negros nos cursos menos concorridos do ensino superior; e concluem que “o
tipo de escola médio freqüentado interfere na escolha do estudante no momento de
decisão sobre a carreira” (Queiroz, 2004:144).
Analisando a freqüência de brancos e negros em quatro universidades públicas,
Delcele Queiroz conclui que os negros que freqüentam a universidade estão situados
nos cursos de menor prestígio social. Observa também Dora Lúcia Bertulio36 em um
debate sobre cotas nas universidades públicas, e se referindo mais especificamente sobre
a presença de negros na Universidade Federal da Bahia, que 43% de pretos e pardos
freqüentam essa universidade, mas estão mal distribuídos sendo sua predominância e
concentração nos cursos de baixo prestígio social. Um outro estudo coordenado pelo
programa “A Cor da Bahia”, realizado em 2000, posteriormente estendido para outras
36 Comunicação feita na palestra “Dois anos de política de cotas: balanço e perspectivas”. Realizada pelo Laboratório de Políticas Públicas no Campus da UERJ em 26 de outubro de 2004
69
universidades federais – Rio de Janeiro (UFRJ), em Brasília (UnB), no Paraná (UFPR) e
no Maranhão (UFMA), revela que pretos e pardos estão sub-representados no ensino
público superior em termos gerais e praticamente ausentes nos cursos de maior prestígio
e status (Teixeira, 2003).
Essas informações são relevantes porque além de demonstrar o nível de desigualdades
entre brancos e negros com relação ao ensino superior, chama atenção para o fato de
que os candidatos à Carreira de Diplomata já ultrapassaram os problemas enfrentados
nesse nível de ensino e estão, agora, pleiteando por cargos de maior prestígio social.
Ter o terceiro grau completo, reconhecido pelo Mec, é a formação mínima exigida para
o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, apesar de aceitarem candidatos
cursando o último ano da faculdade. No que tange à educação superior, e já se referindo
aos candidatos inscritos no programa de ação afirmativa, vale a pena ressaltar que o
contingente é bastante heterogêneo e com um nível educacional que vai de superior
incompleto à pós-doutorando, como fica evidente na Tabela que se segue. A Tabela VI
traz informações sobre o nível superior de ensino dos candidatos e mostra que a
maioria deles completou este nível de escolaridade, e alguns deles estão na pós-
graduação.
Tabela VI – Nível de Educação de todos os candidatos inscritos no programa.
Nível de educação
25 6,4 6,5 6,5293 74,9 75,9 82,4
6 1,5 1,6 83,9
36 9,2 9,3 93,316 4,1 4,1 97,4
8 2,0 2,1 99,51 ,3 ,3 99,7
1 ,3 ,3 100,0386 98,7 100,0
5 1,3391 100,0
Sup IncompSup CompEspecial
MestrandoMestreDoutorandoDoutor
Pós-DoutorTotal
Valid
SystemMissingTotal
Frequency Percent Valid PercentCumulative
Percent
Além da exigência mínima do Instituto Rio Branco para se candidatar à carreira
de diplomata está 17,4 % dos candidatos que cursavam pós-graduação na época da
inscrição, em 2002. Esse percentual é bastante expressivo perante os diversos processos
70
de preconceito e discriminação racial a que está sujeita a população negra no Brasil,
independentemente da classe social, das dificuldades no acesso ao ensino superior e a
outros problemas de caráter socioeconômicos. No período da inscrição, 9,7% desses
candidatos faziam o curso de mestrado, 2,0% o curso de doutorado, e 4,1% já tinham o
título de Mestre.
De acordo com os dados levantados, é possível constatar que existe uma grande
diversidade na formação dos candidatos. Observando a distribuição dos candidatos
pelos cursos universitários, podemos verificar percentuais variados desde cursos com
um expressivo número desses candidatos (20,4%) até aqueles que não entraram na lista
por não ter chegado a um 1,0%, como Desenho Industrial, Odontologia, etc. Os cursos
com maior participação dos candidatos são: Direito, (20,4%); seguido de Letras
(12,5%); Economia (6,9%); Comunicação Social (6,4%); Administração (5,1%);
História (4,9%); Engenharia (4,3%); Pedagogia (3,3%); Ciências Sociais (2,9%);
Psicologia (2,0%) Ciências Contábeis (1,8%); Matemática, Biologia, Relações
Internacionais e Turismo (1,5%); e Medicina, Educação Física e Serviço Social com
apenas (1,3%).
Os cursos com maior número de candidatos são curiosamente Direito e, em
terceiro lugar, Economia, cursos donde provêm tradicionalmente candidatos ao
Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata. Como revela Cristina Patriota (1999),
os candidatos ao concurso, em geral, escolhem cursos que mais se aproximam das
matérias exigidas nas provas do Instituto Rio Branco e como pensam em ser diplomatas
desde da época em que cursavam primeiro ou segundo graus, têm toda uma preparação
– vários anos de aulas preparatórias com diplomatas aposentados e professores
particulares que se especializaram em preparar “candidatos ao Itamaraty”. Portanto,
“considerando que só poderiam prestar o concurso depois de terem concluído o curso
universitário, isso significam que essas pessoas estavam na situação de possíveis
candidatos há, no mínimo, quatro anos. Alguns passaram mais de dez anos querendo ser
diplomatas antes de terem condições de se inscrever no concurso.” (Patriota, 1999:29).
Mas, nota também que, em geral, há uma certa heterogeneidade no perfil dos candidatos
ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco em 1997/98.
Como pudemos observar, os candidatos as bolsas do programa de ação afirmativa do
IRBr têm formação em diferentes áreas e a maioria nunca tinha pensado na
possibilidade de vir a ser diplomata um dia.
71
Mas, como revelam os estudos sobre as desigualdades sociais, a educação
dificilmente é revertida em ocupações de mais prestígio social, principalmente para as
pessoas “não-brancas”, tendo que se situar naqueles que não se conformem com o nível
de formação adquirido. A seguir será analisada a ocupação dos candidatos,
diferenciando ocupações não-manuais de ocupações manuais.
4 - OCUPAÇÃO37
Estudos recentes tem demonstrado, tendo como fontes dados do PNAD e do IBGE
comparando as ocupações não-manuais envolvendo a população branca e a “não-
branca”, que o percentual da população negra mais escolarizada concentrada nas
ocupações não-manuais representa 29,4%, quase metade do contingente branco, e se
concentram basicamente nas ocupações não-manuais médio e nas ocupações não-
manuais baixo (técnicos, artísticos, supervisão manual e não manual de rotina),
principalmente na ocupação não-manual de rotina (Figueiredo, 2004). Os dados dos
candidatos interessados na carreira de diplomata revelam uma realidade relativamente
diferente do conjunto da população negra como um todo. Neste trabalho, o recorte (não
feito por nós é claro) é da “classe média negra” escolarizada e qualificada e centra-se,
como demonstram os dados, basicamente em ocupação de prestígio social, que tem
expectativas de alcançar os mais altos degraus de ocupações de maior prestígio. Essas
expectativas relacionadas à Carreira de Diplomata ficam expressas nas redações feitas
quando do preenchimento do formulário de inscrição. Mas esse assunto será discutido
no próximo capítulo juntamente com a análise das entrevistas.
Do ponto de vista da ocupação, a Tabela VII traz informações sobre o nível de
instrução e a ocupação dos candidatos que nos permitirá verificar em que nível de
ocupação (não-manual – alto, médio e abaixo-, e manual) se situa esses candidatos com
mais de 12 anos de escolaridade haja visto que a literatura sobre a mobilidade social no
Brasil constata uma maior concentração de “não-brancos” com níveis de escolaridade
alto em ocupações não-manual de nível médio e baixo.
37 Nas Tabelas VI e VII estamos referindo a ocupação do candidato (OCUPCAND).
72
Tabela VII – Informação sobre o nível de instrução e a ocupação38 do
candidato
Nível de educação * OCUPCAND Crosstabulation
Count
11 2 1 14202 47 7 256
2 1 1 432 1 1 3415 15
6 6
1 11 1
270 51 10 331
Sup IncompSup Comp
EspecialMestrandoMestreDoutorando
DoutorPós-Doutor
Nível deeducação
Total
Ocup.n-Manual alto
Ocup.n-Manual
médio
Ocup.n-Manual
baixo
OCUPCAND
Total
Cruzando as informações, observa-se que a maioria dos candidatos trabalha em
ocupações não-manuais de nível alto, perfazendo um total de (81,5%); 15,4% em
ocupações não-manuais de nível médio e apenas 3,0% no nível mais baixo das
ocupações não-manuais. Os dados no geral mostram que a maioria dos candidatos
exerce funções não-manuais, muito delas de grande prestígio social, e, observando
particularmente os candidatos selecionados, verificamos que 55,0% deles estão no nível
alto da ocupação não-manual; 30,0% em ocupações não - manual de nível médio; e os
restantes 10,0% são estudantes e aqueles que não-identificaram a sua ocupação.
Se as afirmações sobre a “classe média negra” em geral constam que a maioria
escolarizada centra-se na sua maioria em ocupações não-manuais de níveis médio e
baixo, esse recorte específico traz revelações interessantes, o que nos permite sugerir
que são da elite da “classe média negra”, em termos de ocupação.
Mas, infelizmente, em termos de renda familiar, não existe uma correspondência
com o nível de ocupação e o nível de escolaridade. Muitos pesquisadores, a partir de
dados estatísticos, (Hasenbalg, 1979; Hasenbalg e Silva, 1999; Telles, 2003; Figueiredo,
2003; entre outros) demonstram que as desigualdades entre brancos e negros se devem a
38 O sistema não computou os candidatos que deixaram em branco algumas informações, é por isso que o total muitas vezes não soma os 391. Isso não acontece apenas com relação à ocupação
73
discriminação racial presente no mercado de trabalho e na sociedade Brasil como um
todo.
Tabela VIII– Informações a respeito da ocupação do candidato e a renda familiar
Renda Familiar * OCUPCAND Crosstabulation
Count
29 7 3678 13 4 95
85 17 4 10671 15 2 88
263 52 10 325
5001000
20003000
RendaFamiliar
Total
Ocup.n-Manual alto
Ocup.n-Manual
médio
Ocup.n-Manual
baixo
OCUPCAND
Total
Em virtude de o indicador renda ser o rendimento familiar e não o rendimento
individual do candidato, e por não dispormos de informações sobre o número de
membros de cada família, não podemos precisar quanto recebe o candidato pela
ocupação que desempenha. Não obstante a isso, os dados da Tabela VIII mpressionam.
Atentando para a ocupação não-manual alto que exige um nível de instrução mais
elevado, podemos verificar que 8,9% possuem uma renda familiar declarada de R$500
reais “ou menos”, correspondendo aos que não estão no nível de classe média no
tocante ao componente renda, segundo Waldir Quadros. Apenas 21,8% declararam uma
renda familiar de R$ 3000 reais “ou mais”. Comparando o número de candidatos com
terceiro grau completo e com pós-graduação, são muito poucos aqueles que têm um
rendimento relativo condizente com o número de anos e de capitais investidos na
educação.
O nível da renda não acompanha o aumento do nível educacional da população
negra e segundo as pesquisas, isso se deve à discriminação ocupacional que constitui
um dos fatores para as diferenças de rendas entre os brancos e os “não-brancos”
(Hasenbalg, 1979). Nelson do Valle Silva (1985), baseado no censo nacional e na
pesquisa por domicílio demonstra que cerca de um terço das disparidades de renda entre
brancos e negros não podem ser explicadas por diferenças raciais com base em variáveis
tais como educação, experiência profissional, origens sociais e região, mas sim na
discriminação no mercado de trabalho.
74
5 - REGIÃO DE PROCEDÊNCIA
Examinando a procedência dos candidatos, verificamos que são de diferentes
cidades e estados do Brasil. O aspecto mais expressivo a apontar é que a grande maioria
dos candidatos está situada na região Sudeste com 57,8%, provenientes basicamente dos
estados de São Paulo (24,5%), e Rio de Janeiro (23,5%), estados considerados social e
economicamente mais desenvolvidos do Brasil. A região sudeste oferece melhores
oportunidades escolares, e, conseqüentemente, maior mobilidade social pelo nível de
instrução, onde as possibilidades de ascensão social também são maiores, como
poderemos verificar na Tabela IX. É dessa região os níveis mais altos de instrução de
todos dos candidatos. De acordo com as informações do Censo Demográfico de 2000
(Petruccelli, 2003), a região sudeste concentra-se mais da metade do total de 3 milhões
de estudantes que freqüentam o ensino superior, sendo que é a região que concentra
60,0% do total das pessoas de 25 ou mais anos de idade que concluíram o ensino
superior. Além disso, é onde se situa as duas das três cidades, São Paulo e Rio de
Janeiro, com maior número da população “afro-descendentes”, segundo as informações
da Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílios (PNAD/IBGE) de 1999 (Paixão,
2004). Portanto, isso pode refletir nos segmentos da “classe média negra” nessa região,
o que fica bem evidente na Tabela mostrando a procedência desses candidatos.
Tabela IX – Grandes Regiões – procedência dos candidatos inscritos no programa
Grande Região
9 2,3 2,3 2,338 9,7 9,8 12,2
226 57,8 58,5 70,746 11,8 11,9 82,667 17,1 17,4 100,0
386 98,7 100,05 1,3
391 100,0
Norte
NordesteSudesteSulCentro-Oeste
Total
Valid
SystemMissingTotal
Frequency Percent Valid PercentCumulative
Percent
Da região sudeste, o maior estado fornecedor de candidatos é o Estado de São
Paulo (24,6%), e da cidade de São Paulo são provenientes 12,3%; seguem os Estados do
Rio de Janeiro 23,5%; Minas Gerais (8,2%) e Espírito Santo (1,5%). Focalizando
75
exclusivamente o Estado do Rio de Janeiro, segundo maior fornecedor de candidatos,
poderemos verificar que a maioria dos vinte candidatos que foram contemplados com
bolsas de estudos provém da Cidade do Rio de Janeiro (35,0%), dos bairros da zona sul
(25,0%). Esses resultados não são estranhos visto estarem coadunando com os dados
objetivos das pesquisas quantitativas que apontam para a concentração da classe média
brasileira, de maior poder aquisitivo, nos bairros, nas regiões e nas áreas considerados
de maior prestigio social. A terceira maior região fornecedora de concorrentes é a região
Sul (11,3 %), distribuída quase que eqüitativamente entre os três estados que a compõe.
De acordo com as informações da PNAD de 1999, as grandes regiões Norte,
Nordeste, e Centro-Oeste, respondem por (61,8%) da população “afro-descendente”,
sendo que a região nordeste sozinha concentra 44,8%, (Paixão, 2004). Apesar dessa
grande concentração de negros nessas três grandes regiões, elas fornecem somente (29,1
%) do total dos candidatos inscritos. O percentual expressivo da região Centro-Oeste
(17,4%) se deve ao fato da grande parte dos concorrentes serem proveniente do Distrito
Federal (14,3%). Da região Norte, com 70,9%, de “afro-descendentes”, o número de
concorrentes é muito baixo, 2,3%.
Respondendo por 44,8% de “afro-descendentes”, a região do Nordeste tem no Estado
da Bahia seu maior representante em número de negros (74,9%). Mas, o Estado tem
uma participação relativamente baixa (5,6%) em relação ao Estados de São Paulo e Rio
de Janeiro; e desses participantes, a maioria dos candidatos desejosos de ser diplomata
provém da cidade de Salvador (4,6%), a terceira cidade brasileira em termos do
tamanho da população negra. É também o Estado onde se concentra, em termos
numéricos, um contingente expressivo da “classe média negra” (Figueiredo, 2003). No
entanto, a cidade de Salvador tem uma fraca representatividade (4,6%), um número
inexpressivo de candidatos dentro do universo dos candidatos inscritos. Talvez essa
baixa procura da “classe média negra” bahiana possa estar relacionada à fraca
divulgação de informações sobre a política de ação afirmativa para “afro-descendente”
no Instituto Rio Branco, implementada em 2002; ou talvez, ao contrário, os membros
da “classe média negra” da região do nordeste têm pouco interesse e expectativa na
Carreira de Diplomata.
76
Tabela X – Dados referentes ao nível de educação dos candidatos e a região de
procedência.
Nível educ. * Grande Região Crosstabulation
Count
4 15 2 4 258 26 163 37 57 291
4 2 63 24 4 3 34
1 2 8 1 3 151 7 8
1 11 1
9 36 223 46 67 381
Sup IncompSup Comp
EspecialMestrandoMestreDoutorando
DoutorPós-Doutor
Níveleduc.
Total
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-OesteGrande Região
Total
Portanto, como podemos verificar na Tabela X, as regiões menos desenvolvidas
do país, Norte, Nordeste e Centro-Oeste, têm uma inexpressiva participação no seio dos
candidatos concorrentes as bolsas do programa de ação afirmativa, sendo a grande
maioria proveniente das regiões do Sudeste, regiões econômicas e socialmente mais
desenvolvidas, mais ricas e industrializadas do Brasil. Examinando a coluna com
informações sobre o nível educacional dos candidatos e cruzando-as com as das grandes
regiões geográficas do país, podemos perceber, pela distribuição nos diferentes níveis,
que as maiores porcentagens de candidatos com níveis educacionais mais elevados estão
situados nas regiões do sudeste, basicamente nas regiões metropolitanas.
No estudo feito por Cristina Patriota (1999), há a constatação de que a maioria
dos candidatos ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata é tradicionalmente
procedente do Rio de Janeiro, capital do país e sede, por muitas décadas, do Itamaraty –
“Casa do Rio Branco”; mas que nas últimas seleções nota-se um aumento de candidatos
provenientes de outras regiões com da cidade de São Paulo e Brasília. Enfim, em geral,
os candidatos à Carreira de diplomatas são provenientes das regiões que oferecem
maiores oportunidades educacionais, sociais e culturais e maiores recursos econômicos.
77
6 - MOBILIDADE SOCIAL
Estudos sobre mobilidade social destacam a importância da educação no
processo de ascensão social, uma via de capital importância para a obtenção de
ocupações de maior prestígio e conseqüentemente maiores salários, ou seja, a educação
como um veículo de extrema importância. No entanto, constam que há uma certa
distribuição desigual de oportunidades entre os grupos brancos e “não-brancos” quanto
ao processo de mobilidade social ascendente; e reafirmam a existência de uma certa
tendência que persiste ao longo dos anos de uma menor mobilidade social ascendente
dos grupos “não-brancos” em relação ao grupo branco. Constam que as pessoas
provenientes dos estratos mais elevados encontram-se maiores dificuldades de ascensão
social (Hasenbalg e Silva, 1999: 225).
Nas suas análises sobre mobilidade social, Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle
Silva (1999), assinalam que “a discriminação racial funcionava como instrumento de
desqualificação de grupos sociais no processo de competição por benefícios simbólicos
e materiais, resultando em vantagens para o grupo branco em relação aos grupos não
brancos (pretos e pardos) na disputa por benefícios; (...) que a discriminação e o
preconceito raciais estão intimamente associados à competição por posições na estrutura
social, refletindo-se em diferenças entre os grupos de cor no processo de mobilidade
social” (Idem, 217-218). Observam que os “não-brancos” experimentam dificuldades
em converter a educação adquirida em posições da hierarquia ao perceberam que
qualquer que seja o nível educacional considerado, a concentração dos não-brancos é
proporcionalmente maior nos estratos ocupacionais inferiores.
As diferenças nos retornos ocupacionais dos investimentos em educação são
relativamente modestas quando comparadas com as diferenças na realização
educacional, quaisquer que seja o estrato de origem. Diferenças que, como vimos,
tendem a crescer conforme aumenta a situação socioeconômica de origem. Assim, a
questão parece estar se constituindo no nó górdio das desigualdades raciais no nosso
país (idem: 229).
O estudo realizado por Pastore e Silva (2000) confirma as conclusões de
Hasenbalg, segundo as quais os negros (pretos e pardos) “‘sofrem uma desvantagem
competitiva em todos as etapas do processo de mobilidade social individual’ e que suas
78
chances de escapar às limitações de uma posição social baixa são menores que a dos
brancos na mesma origem social” (Silva, 2000:96).
6.1 - “Mobilidade Intergeracional”
Podemos verificar mais adiante que os dados indicam mobilidade social
ascendente dos bolsistas beneficiados pelo programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a
Diplomacia” em relação aos pais, principalmente no que diz respeito à educação e à
ocupação. As informações referentes à educação dos pais são importantes porque
permitem analisar a influência deles no processo de formação e escolha de uma
profissão para ser exercida pelos filhos, pois como os dados estatísticos indicam, muitos
filhos acabam por conservar a ocupação do pai, se mantendo na situação original dos
pais, e, conseqüentemente, o nível de imobilidade não pode ser desconsiderado devido a
sua expressividade. Os dados do IBGE mostram que o processo de imobilidade social
tende a ser maior nos grupos “não-brancos” principalmente não ocupações manuais
baixo, rural e urbano (Hasenbalg e Silva, 1999).
Retomando a Tabela III em que dispomos dos dados referentes à instrução do
pai, constatamos que existe um índice elevado de pais com o nível primário (17,7%), e
chama atenção o quadro de pais analfabetos (5,5%), apesar da porcentagem não ser
expressiva. Alguns estudiosos têm demonstrado, a partir da análise de dados estatísticos
de instituições de pesquisa como o IBGE e IPEA, que o índice mais baixo de
escolaridade se concentra nas regiões menos desenvolvidas do país, como a região norte
e a região nordeste do Brasil.
Deixando de fora o nível primário (17,5%), podemos perceber que uma
percentagem bastante expressiva dos pais dos candidatos (16,4%) possui Primeiro Grau
Incompleto e Completo (15,6%). Quanto ao Segundo Grau, poderemos verificar que
2,9% dos pais tem Segundo Grau Incompleto e 17,5% tem Segundo Grau Completo.
Os maiores percentuais, no nível educacional dos pais, encontram-se no nível
superior de ensino (22,8%). Com ensino superior completo encontramos 19,9% e pós-
graduação 2,9%; apenas (1,3%) dos pais não completaram o terceiro grau. Se os homens
apresentam maior percentagem, cerca de 19,2%, com relação ao nível superior
completo, as mulheres estão na frente no que diz respeito à pós-graduação, com uma
percentagem de 3,7% contra 2,9%. Do total, 4,6% dos candidatos não souberam ou não
responderam quanto à instrução do pai ou da mãe.
79
Tabela XI – Instrução do pai e da Mãe
Instr. Pai * Instr. Mãe Crosstabulation
Count
11 4 1 2 1 2 215 51 4 1 1 1 4 1 68
3 4 33 6 5 7 1 2 613 1 7 31 10 1 6 591 4 2 1 2 1 111 2 7 12 3 23 12 4 64
1 2 1 1 54 3 6 2 14 4 38 2 73
1 3 2 5 1124 66 59 61 13 64 8 64 14 373
Analfab
Primário1 Gr Incomp1 Gr Comp2 Gr Incomp
2 Gr CompSup IncompSup CompPós-grad
Instr.Pai
Total
Analfab Primário 1 Gr Incomp 1 Gr Comp 2 Gr Incomp 2 Gr Comp Sup Incomp Sup Comp Pós-grad
Instr. Mãe
Total
Outro dado que chama atenção diz respeito aos candidatos com ambos os pais
(pai e mãe) com curso superior completo, 10,1%. Os candidatos cujos pais possuem
curso superior, ou com apenas um deles superior, representam 19,5% para o primeiro e
17,1% para o segundo; e aqueles cujos pais possuem pós-graduação são cerca de 1,3 %.
Com as seguintes informações, sobre a instrução do pai: 5,6% de analfabetos;
18,2% com o antigo primário; 15,8% com 1o grau completo; 17,1% com 2o grau
completo; 19,5% terceiro grau completo e 2,9% com pós-graduação, pode-se observar,
no total da coluna vertical, que, apesar das diferenças de níveis de escolaridade serem
muito grandes, a maioria de pais tem terceiro grau completo; e as menores percentagens
centram-se nos extremos: analfabetos a Pós-graduados. Um dado bastante curioso a
constatar é que as maiores percentagens que se destacam centram-se nos cruzamentos
das informações sobre a escolaridade dos pais (pai e mãe com o mesmo nível de
educação); e a primeira a ser observada e que chama maior atenção são os pais com o
nível primário (13,6%) e, segundo, os pais com o terceiro grau completo (10,1%).
Desta feita, as constatações são bastante relevantes para o próximo item porque
nos permitirá avaliar a mobilidade social dos candidatos, e com isso verificar que, na
verdade, a maioria dos candidatos representa a primeira geração da família a chegar ao
nível superior de ensino e a ascender socialmente.
Na análise de dados da PNUD e do IBGE, comparando a “classe média branca”
e a “classe média negra” em termos de ocupação, renda e educação, Ângela Figueiredo
(2003) revela que “a grande maioria dos negros inserida na classe média faz parte da
primeira geração de ascendentes e não tem consolidado o capital econômico, social e
simbólico desfrutados pela maioria dos brancos inseridos na mesma posição”.
80
(Figueiredo, 2003:83) Ela supõe que “os membros da “classe média negra” não herdam
de seus familiares os bens materiais que contribuíram para o aumento de suas rendas,
como, por exemplo, casas e apartamentos, vivendo praticamente em função dos seus
salários” (idem, 2003:104). E observa ainda que muito dos elementos da “classe média
negra” são recrutados nas classes mais baixas, onde os pais exercem ocupações
socialmente menos valorizadas e salários mais baixos do mercado, ou seja, os pais estão
alocados em ocupações manuais (ibidem).
A Tabela a seguir traz informações que permitem avaliar a mobilidade social dos
candidatos em relação à ocupação dos pais, ou seja, permite verificar a “mobilidade
intergeracional’ dos filhos em relação aos pais.
Tabela XII – Informações referente à Ocupação do Pai39 e a Ocupação do
Candidato
OCUPPAI * OCUPCAND Crosstabulation
Count
44 12 5621 10 2 3346 8 54
91 12 6 109
38 6 44
13 2 1 16253 50 9 312
Ocup. n-Manual altoOcup. n-Manual médioOcup. n-Manual baixo
Ocup Manual alto -UrbanoOcup Manual baixo -UrbanoOcup Rural
OCUPPAI
Total
Ocup.n-Manual alto
Ocup.n-Manual
médio
Ocup.n-Manual
baixo
OCUPCAND
Total
Na primeira coluna figura a ocupação dos pais distribuída por vários níveis de
ocupação não-manual (alto, médio e baixo) e ocupação manual (urbano/alto e baixo) e
rural (alto e baixo). A primeira coluna indica a origem social dos filhos, a partir do qual
é possível analisar a “mobilidade intergeracional”, segundo os estudos sobre a
mobilidade social. Atentando para a ocupação não-manual (alto, médio e baixo),
podemos verificar que 45,8% dos pais são provenientes desse nível de ocupação e 39 A coluna Ocupação do Pai, as ocupações estão divididas em: não-manual (alto, médio e baixo); ocupação manual urbano (alto e baixo) e ocupação rural
81
49,0% das ocupações manuais urbana (alto e baixo). Mas, é no nível manual urbano alto
que se concentra o maior percentual do grupo em ocupação manual, 34,9%. Assim
sendo, os resultados da análise dos dados do Tabela XI nos revela que a maioria dos
pais dos candidatos, 54,1%, não exerce cargos caracterizados como de classe média,
agregando a estes aqueles que trabalham em atividades rurais. Portanto, entre os
candidatos cujos pais exercem funções não-manuais 45,8% e os outros em ocupações
manuais há uma diferença de 8,3 pontos percentuais.
Com relação à ocupação não-manual, 14,1% dos candidatos cujos pais exercem
ocupações não-manuais de nível alto permanecem na mesma ocupação, não havendo
mobilidade social, mas 3,8% tiveram mobilidade social descendente. Na ocupação não-
manual de nível médio, apenas 6,7% dos candidatos tiveram mobilidade social
ascendente; 3,2% não tiveram mobilidade social; e 0,6% tiveram mobilidade
descendente. No nível baixo da ocupação não-manual percebemos uma significativa
ascensão social 17,2%: 14,7% para o nível mais alto e 2,5% para o nível médio;
portanto, neste nível de ocupação não-manual de nível baixo, todos os filhos tiveram
ascensão social. Tente em vistas os resultados da análise da ocupação não-manual (alto,
médio e baixo), observamos que 23,9% dos candidatos ascenderam socialmente em
relação aos pais.
É no nível de ocupação manual urbano que verificamos uma expressiva
mobilidade social ascendente, 34,9%; 29,1% para ocupação não-manual de nível mais
alto; 3,8% para não-manual de nível médio; e 1,9% para o nível mais baixo da ocupação
não-manual.
Os candidatos cujos pais exercem ocupação rural de baixo status social tiveram
ascensão social para o nível de ocupação não-manual, ocupação considerada de classe
média; sendo que 5,1% ascenderam para as ocupações não-manuais: para o nível alto
4,1%; para o nível médio 0,6%; e para o baixo, 0,3%, ou seja, os todos os candidatos
cujos pais tem ocupação rural tiveram ascensão ocupacional.
Portanto, se todos os candidatos exercem funções não-manuais consideradas de
classe média, independente do nível de ocupação, 63,9% deles tiveram mobilidade
social ascendente, 17,3% permaneceram na mesma origem social, no mesmo nível
ocupacional dos pais, ou seja, não se moveram na hierarquia social das ocupações; e
4,4% tiveram mobilidade descendente. Desta feita, as constatações são de que mais da
metade dos candidatos inscrito no programa de ação afirmativa para o Instituto Rio
Branco teve ascensão social em relação aos seus pais.
82
Outro dado importante nos informando a respeito da mobilidade social é o cruzamento
da ocupação do pai com os anos de escolaridade adquiridos pelos filhos, mas como a
grande maioria dos candidatos (93,6%) tem 12 anos ou mais anos de escolaridade, a
variável a ser utilizada é o nível de educação dos candidatos. As informações da Tabela
XIII nos mostram que 24,0% dos candidatos com terceiro grau completo têm os pais
desempenhando funções manuais urbano, assim como candidatos mestrando, mestre e
doutorando e um pós-doutorando com a mesma origem social de nível baixo. Como
podemos verificar, os candidatos com nível de escolaridade mais elevada são
provenientes de status social baixo, o que reafirma as conclusões sobre a “classe média
negra” ser recrutada nas camadas de ocupações manuais.
Tabela XIII – Nível de escolaridade com o grupo ocupacional do Pai40
OCUPPAI * Nível educ. Crosstabulation
Count
6 58 2 7 1 743 26 2 6 1 2 1 415 51 4 3 2 657 87 1 13 6 4 1 1192 38 3 3 46
13 1 1 1 1623 273 6 34 15 8 1 1 361
Ocup. n-M altoOcup. n-M médioOcup. n-M baixoOcup M.alto urb.Ocup M.baixo urb.Ocup Rural
OCUPPAI
Total
Sup Inco Sup Comp Especial Mestran Mestre Doutoran Doutor Pós-Dr.Nível educ.
Total
Conclusões
Neste capítulo buscou-se fazer uma análise do perfil socioeconômico dos
candidatos inscritos no programa de ação afirmativa para o Instituto Rio Branco. Para
tal, partindo do pressuposto de que as políticas de ação afirmativa para “afro-
descendentes” são destinadas a “classe média negra” brasileira, classe com indivíduos
qualificados e capacitados para desempenhar funções de maior prestígio na sociedade.
Para a análise do perfil socioeconômico, mobilizou-se diversos indicadores sociais
como renda, escolaridade, ocupação, etc. A primeira parte deste capitulo foi dedicada à 40 Do total, cerca de 7,7% dos candidatos não informaram a ocupação do Pai e outros colocaram como status social estudante. Portanto, os estudantes não e as ocupações não-identificadas não se encontram presentes nos vários Quadros analisados.
83
análise do perfil desses candidatos; e na segunda focou-se na mobilidade social dos
candidatos com relação aos seus pais e a influência destes no processo de formação e na
escolha da ocupação.
Ao longo do estudo, pudemos verificar que trata-se de um grupo bastante
heterogêneo no concernente aos indicadores sociais escolaridade, nível de renda
familiar e a ocupação. Em termos gerais, são na sua maioria indivíduos solteiros, na
faixa etária dos 21 aos 62 anos de idade, em média 34 anos, apresentando uma maior
concentração nas faixas de 24 aos 39 anos. São provenientes de diversas regiões do
Brasil, na sua grande parte da região sudeste, expressivamente dos Estados de São Paulo
e Rio de Janeiro. Focando particularmente os candidatos que foram selecionados às
bolsas, são na sua grande maioria solteiros 50,0%, apenas 35,0% são casados; a maioria
é do sexo feminino 70,0%; 75,0% possuem um nível de inglês avançado e a maioria é
da Cidade do Rio de Janeiro, das zonas consideradas de maior prestígio social.
Com relação ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, podemos verificar que
55,0% estudaram em escolas públicas e 45,0% em escolas particulares. Ou seja, os
dados nos levam a constatar que os candidatos em geral e os selecionados, em
particular, são provenientes das escolas públicas do país. Para além destas constatações,
observamos que quanto mais elevado é o nível educacional dos pais, maior é a adoção
de escolas particulares (ensino médio e fundamental) para colocar os filhos. Quanto ao
Ensino Superior, verifica-se que quase todos os candidatos estão no padrão educacional
exigido pelo o Instituto Rio Branco, tendo praticamente todos o terceiro grau completo -
o nível educacional dos candidatos vai desde o superior incompleto ao pós-doutorando -
realizado na sua maioria em instituições particulares do país. E pelas informações da
Tabela XIII, 24,0% dos candidatos com o terceiro grau completo têm os pais
desempenhando funções manuais urbano, assim como candidatos mestrandos, mestres,
doutorandos e pós-doutorandos como a mesma origem social de nível baixo. Como
podemos verificar, os candidatos com nível de escolaridade mais elevado são
provenientes de status social baixo, o que reafirma as conclusões sobre a “classe média
negra” ser recrutada nas camadas de ocupações manuais.
No tocante à variável renda, adotando o modelo desenhado pelo economista Waldir
Quadros, os dados nos revelam que a grande maioria deles está situada na “classe
média negra”, mas com uma diferença bastante expressiva, sendo que a maioria
(60,0%) está alocada no nível de “classe média baixa”; e apenas 26,1% recebem uma
84
renda familiar mensal de “R$ 3000 ou mais”. Se, em termos da renda, a maioria dos
candidatos inscritos no programa está alocada na “classe média baixa”, a situação, em
termos da educação e da ocupação, se mostra bem diferente.
Com relação à ocupação, dividimo-la em: não-manual (alto, médio e baixo),
manual urbano (alto e baixo) e rural; e através desta divisão pudemos verificar que a
maioria dos candidatos (81,5%) trabalha em ocupações não-manuais de nível alto,
ocupações de maior prestígio social, e, observando particularmente os candidatos
selecionados, verificamos que 55,0% estão na mesma situação.
A segunda parte deste capítulo consistiu em analisar a “mobilidade social
intergeracional” dos candidatos em relação a sua origem social, por meio da análise da
educação e ocupação dos pais. Com relação a isso, pudemos averiguar que 45,8% dos
pais são provenientes da ocupação não-manual; e 49,0% das ocupações manual urbana
(alto e baixo), sendo que é no nível da ocupação manual urbano alto que se concentra o
maior percentual (34,9%) dos pais. Assim sendo, os resultados da análise dos dados do
Tabela XIII nos revelam que a maioria dos pais dos candidatos (54,1%) não exerce
cargos caracterizados como de classe média, agregando a estes aqueles que trabalham
em atividades rurais; mas a diferença não é tão expressiva entre os pais que exercem
funções não-manuais (45,8%) e os outros em ocupações manuais (54,1%).
Como todos os candidatos exercem funções não-manuais consideradas de classe
média, independente do nível de ocupação, a grande maioria 63,9% tivera mobilidade
social ascendente, 17,3% permaneceu na mesma origem social, no mesmo nível
ocupacional dos pais, ou seja, não se moveu na hierarquia social das ocupações; e
apenas 4,4% tiveram mobilidade descendente. Desta feita, as constatações são de que
mais de metade dos candidatos inscritos no programa de ação afirmativa para o Instituto
Rio Branco teve ascensão social em relação aos seus pais. Mas, é no nível de ocupação
manual urbano que verificamos uma expressiva mobilidade social ascendente, 34,9%;
29,1% para ocupação não-manual de nível mais alto, 3,8% para não-manual de nível
médio e 1,9% para o nível mais baixo da ocupação não-manual.
De acordo com os dados disponíveis, podemos concluir que a maioria dos candidatos
inscritos no programa de ação afirmativa do IRBr é da “classe média negra” brasileira,
o que confirma a nossa hipótese, mas com diferenças bastante expressivas em termos
da renda, pois os resultados são de que a maioria está na “classe média baixa”; de
educação, – superior incompleto a pós-doutorando; e ainda que em termos de
85
ocupação, todos os candidatos desempenham funções não-manuais e a grande maioria
em ocupações de nível mais alto.
Portanto, concluímos que os candidatos “afro-descendentes” selecionados pelo
programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” do
Instituto Rio Branco, realizado em 2002, são integrantes da “classe média negra” no
concernente às variáveis educação, ocupação e renda familiar declarada. No entanto,
com relação a esta, verificamos que o grupo é muito desigual (de 500 reais ou menos a
3000 reais ou mais), mas esse é um variável difícil de analisar em se tratando de renda
familiar e não renda per capita. Apesar de tudo, os resultados indicam que são mesmo
da “classe média negra”, mas será que se vêm como integrantes efetivos dessa “classe
média negra”?
Sabemos que a Carreira de Diplomata é uma das de maior prestígio social e o processo
seletivo de acesso à carreira – o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata do
Instituto Rio Branco - é um dos mais difícil do país dada à relação candidato-vaga; em
média 100 candidatos por vaga, como pudemos verificar no capítulo anterior.
Verificamos também que o concurso é extremamente difícil e que para conseguir
sucessos, os candidatos precisam disponibilizar tempo, dedicação aos estudos e
recursos financeiros para ter uma boa preparação intelectual. Sabendo dessas
dificuldades e de que são poucos os negros que conseguem ingressar na Carreira de
Diplomata (ou seja, que há uma sub-representação de negros no Itamaraty, cerca de 1%
de um universo de mais ou menos 45,0% da população brasileira) e perante a demanda
pela ação afirmativa para o Instituto Rio Branco, quais são os motivos e as expectativas
do candidato com relação à Carreira de Diplomata?
86
Capítulo III
MOTIVOS E EXPECTATIVAS COM RELAÇÃO À CARREIRA DE DIPLOMATA
Então, essa questão da auto-estima é muito importante porque você já nasce
com alguém dizendo para você ‘você terá um futuro brilhante, você vai
vencer’; enquanto que no nosso meio você tem outro discurso, outro
estímulo. Desde criança ‘você tem mais é que trabalhar porque você tem que
sobreviver: é diferente. Então você já nasce achando que não tem opção pelo
seu desejo, que sua opção é pela sobrevivência, e você se submete, muitas
vezes, a vários tipos de trabalhos que não tem nada a ver com a sua vocação
e o seu desejo, mas que você tem que garantir o que comer, onde morar. (...)
Nenhum de nós foi à universidade e passava a tarde estudando.
Depoimento de uma participante do Programa .
No capítulo anterior, por meio das variáveis educação, ocupação e renda familiar
declarada, concluímos que os bolsistas “afro-descendentes” selecionados no primeiro
programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”
implementado pelo Instituto Rio Branco são integrantes da “classe média negra”; e,
como analisamos praticamente quase todos os candidatos inscritos nesse período (391,
ou seja, 97,0% do total dos candidatos inscritos), podemos dizer que todos estão nessa
mesma posição, apesar da variável renda familiar declarada apontar para uma certa
desigualdade entre eles. Enfim, os resultados da análise quantitativa apresentada no
capítulo anterior assinalam que são mesmo integrantes da “classe média negra” e, que,
portanto, fazem parte de um grupo social privilegiado na estrutura social. Pois bem, se
os dados quantitativos apontam para uma “classe média”, como será que esses
candidatos a Carreira de Diplomata de 2003 se vêem, ou seja, que representação social
têm de si mesmo? Consideram-se integrantes efetivos de uma classe social, dessa
“classe média negra”?
Pudemos ver também que no Itamaraty há uma sub-representação (cerca de 1%)
de negros no corpo diplomático brasileiro. A título de comparação, da quase metade da
população brasileira constituída de negros (preto e pardos nas classificações do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística –IBGE) apenas 1% representa esse contingente
87
populacional no Ministério das Relações Exteriores; um número, diga-se de passagem,
extremamente insignificante. No entanto, há uma demanda por parte da “classe média
negra”, detentora de “capital cultural” e intelectualmente qualificada pleiteando cargos
de direção e de poder, esperando ocupar espaços que até então estiveram ausentes. Essa
ausência dos negros em postos de comando na estrutura social, onde centralizam os
meios efetivos de poder e prestígio, nos leva a recorrer ao conceito de “privação
relativa” e ao conceito “grupo de referência” para abordar o assunto.
Podemos dizer que o conceito de “privação relativa” foi apontado por Costa
Pinto já na década de 1950 no livro “O Negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa
sociedade em mudança” (1953), apesar de não usar explicitamente o conceito, ao
perceber que os negros de classe média ressentiam-se das barreiras raciais impostas à
sua ascensão social. Ou melhor, a “classe média negra”, mais próxima do topo da
hierarquia social, sentia-se relativamente privada, com ressentimentos ou insatisfação
no que se refere a sua posição social o que já não ocorriam com os negros “massa” que
viviam em absoluta privação. (Grin, 1999). O conceito é também utilizado pelo cientista
social inglês, W. G. Runciman em Relative Deprivation and social justice (1966); por
Robert Merton (1968) em Sociologia: teoria e estrutura. Robert Merton comenta a
utilização desse conceito em “The American Soldier” afirmando que naquele estudo é
focalizado o fator “privação” em detrimento do fator “relativo”, apesar deste ser um
componente comum em todos os outros conceitos sociológicos tais como “estrutura
social de referência”, “tipos de expectativas”, entre outros. O conceito é utilizado em
sua análise sobre o funcionamento do “intragrupo” – grupo a que o indivíduo pertence –
e do funcionamento do “extragrupo” – grupos que o indivíduo não pertence - como
“grupos de referências” pelos quais o indivíduo espelha para traçar seu comportamento,
suas avaliações, etc. Merton relaciona o conceito de “privação relativa” com a teoria
mais geral de “comportamento de grupo de referência”. Contudo, o autor, assim como
os autores da pesquisa The american Soldier, estudo que Merton toma como base de
análise, não dá uma definição do que seja “privação relativa”, e, nesse sentido,
disponibiliza algumas frases da pesquisa, acima referida, onde o conceito se evidencia.
Entre as várias frases citadas por Merton para expressar a idéia de “privação relativa”
está a seguinte: o conceito de privação relativa é particularmente útil na avaliação do
valor da educação para se conseguir um status ou emprego, assim como para a
aprovação ou a crítica do Exército ...Tendo níveis mais altos de aspiração que o menor
instruído, o homem mais culto tinha mais a perder, em seu próprio conceito e na
88
opinião dos seus amigos, se não conseguisse alcançar alguma espécie de status no
Exército. Daí a frustração era maior para ele do que para os outros, se um objetivo que
ele procurasse não fosse atingido ...(I. 153 apud Merton, 1964:306). O conceito é
utilizado por Merton com os “conceitos de grupos de referências” tendo o mesmo
propósito teórico, e é usado como uma “variável interpretativa interveniente”. Segundo
Merton, os autores de The American Soldier, ao estudar os sentimentos e atitudes em
relação à convocação para servir o Exército dos EUA, na Segunda Guerra Mundial,
enfatizaram mais a privação relativa do que a privação relativa, ou seja, mais privação
do que ver pelo lado relativo haja visto que estavam averiguando os tipos de reação a
uma situação basicamente de privação que com mais freqüência exigia estudo e que foi
principalmente no serviço de interpretação desse tipo de reação que se desenvolveu o
conceito de “privação relativa”.
W. G. Runciman também utiliza o conceito de “privação relativa”
correlacionado ao conceito de “grupo de referência” para fazer uma discussão sobre a
desigualdade social e justiça social na sociedade inglesa de 1918 a 1964. Runciman
reconhece a dificuldade de dar uma definição rigorosa para o conceito. Porém, afirma
que é possível, mesmo que grosseiramente, dizer que:
A is relatively deprived of X when (i) he does not have X, (ii) he sees some
other person or persons, which may include him-self at some previous or
expected time, as having X (whether or not this is or will be in fact the
case), (iii) he wants X, and (iv) he sees it as feasible that he should have X.
Possession of X may, of course, mean avoidance of or exemption from. (…)
Relative deprivation retains the merit of being value-neutral as between a
feeling of envy and a perception of justice. To establish what resentment of
inequality can be vindicated by an appeal to social justice will require that
this distinction should somehow be made. (Runciman, 1966:10)
Contudo, deixa claro que a “privação relativa” pode variar na sua magnitude,
freqüência ou grau, e ainda que o conceito deve sempre ser entendido significando um
senso de privação; uma pessoa que é ‘relatively deprived’ não precisa ser objetivamente
privada de alguma coisa, no sentido mais usual do termo, como lhe faltando alguma
coisa. Segundo Runciman, “privação relativa” significa que o senso de privação é tal
89
como envolver uma comparação com a situação imaginada de alguma outra pessoa ou
grupo; que esta pessoa ou grupo é o “grupo de referência” ou, mais exatamente, “the
comparative reference group”.
Conforme a definição do verbete do dicionário de Ciências Sociais da Fundação
Getúlio Vargas, a expressão “privação relativa’ é mencionada quanto se refere à
distribuição de bens, mas que é extensiva a outros aspectos como serviços, posições e
poder. 'Implica uma desigualdade desde o momento em que uma série de membros de
uma comunidade se veja privada daquilo que os outros possuem'; podendo falar nesse
sentido que a “privação relativa” é 'uma expressão antagônica a igualdade absoluta'.
Destarte, com o propósito de trabalhar a questão das expectativas dos bolsistas
em relação à Carreira de Diplomata também recorremos ao conceito de “privação
relativa” e “grupo de referência” desenvolvidos pelos autores anteriormente referidos,
pois acreditamos que esses conceitos enquadram muito bem nos assuntos discutidos e
são interessantes para nos ajudar a entender essa “classe média” que almeja fazer parte
de um certo “grupo de status” que compõe o corpo diplomático brasileiro, mas sem ter,
contudo, uma representação social de si como classe. Para abordar essa questão foi
formulada uma pergunta direcionada aos motivos de querer ser diplomata – motivos e
as expectativas com relação à Carreira de Diplomata – pois, estamos convictos da sua
importância para um melhor entendimento e compreensão desse contingente
populacional. Haja visto, como pudemos ver no capítulo I, a redação sobre os motivos e
as expectativas é um dos critérios fundamentais para a avaliação daqueles que serão
beneficiados pelo programa Bolsa-Prémio. No processo seletivo do programa “Bolsa-
Prémio de Vocação para a Diplomacia” pede-se que o candidato se autoclassifica e
disserta-se sobre a sua condição de ser negro, o que pode evitar possíveis “fraudes” no
processo de seleção. Portanto, acreditamos que a abordagem dessa questão é importante
por tudo o que ela representa no processo de seleção como um todo bem como a postura
do candidato frente à carreira almejada.
Ligada à questão de “privação relativa” está a política de ação afirmativa de
corte racial que tem como objetivos, na melhor das hipóteses, a reparação de danos
causados à população negra ao longo dos anos. Particularmente, a política
implementada pelo Instituto Rio Branco, perseguindo essa meta, tem como finalidade
proporcionar oportunidades aos denominados “afro-descendentes” que queiram se
preparar para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata. Além de essa ação
afirmativa significar a abertura de novos caminhos para a realização pessoal e
90
profissionalmente de um grupo de candidatos que sem tais políticas tornar-se-ia difícil e
teriam dificuldades em atingir certos objetivos como o ingresso na Carreira de
Diplomata, em função dos altos custos financeiros exigidos no processo de preparação;
ela tem um significado político e simbólico muito grande por tudo o que representa
dentro de uma instituição altamente burocrática e que tem a tradição de abrigar uma
“elite burocrática branca” em posições superiores da burocracia pública. Perante esse
aspecto, pedimos aos bolsistas que avaliassem o programa em termos de sua eficiência
tal como na pergunta formulada: que avaliação você faz dessa política de ação
afirmativa para “afro-descendentes” no Instituto Rio Branco (IRBr). Na sua opinião
esta política de ação afirmativa do IRBr traz efetivamente benefícios para os negros?
Este capítulo se desdobra em três partes: na primeira será abordada a questão
relacionada à “classe média negra”, ou seja, a representação social que esse grupo
específico tem de si mesmo. Estamos usando o termo “grupo” para falar dos bolsistas,
mas, em parte, eles não se vêem como grupo, principalmente em se tratando de uma
classe social qual seja: a “classe média negra”; por outro lado, é um “grupo” porque têm
consciência política e social de que são integrantes de um grupo social discriminado na
sociedade brasileira que sofre “privação relativa” para assumir cargos de direção e de
poder, mesmo capacitado e qualificado para tal. Na visão de Ângela Figueiredo (1999),
é complicado refe rir-se a uma “classe média negra” se tivermos como parâmetro à
“classe média negra” americana que se pauta no reconhecimento da identidade racial e
na existência e consciência de si como um grupo que traça estratégias e ações coletivas
baseadas na solidariedade étnico-racial. Tendo esse aspecto em consideração, não teria
razão de ser a afirmação de que há uma “classe média negra”, mas apenas negros de
classe média no Brasil (Idem); no entanto, neste estudo estamos usando os conceitos de
“grupo” e “classe média negra” com o objetivo de facilitar a abordagem do assunto.
Na segunda parte analisamos os motivos e as expectativas que o “grupo” tem da
Carreira de Diplomata. E, na última parte desse capítulo, examinamos a relação entre o
Itamaraty, através do CACD, e a ação afirmativa implementado pelo Instituto Rio
Branco; bem como a avaliação do programa feita pelos bolsistas.
Para tanto, serão utilizadas redações por meio das quais os bolsistas dissertaram
sobre os motivos e as expectativas com relação à Carreira de Diplomata, além de
questionários e entrevistas realizadas com 25% do total desses bolsistas, mais adiante
examinadas. Deve-se observar, contudo, que embora esses 25% possam parecer
relativamente poucos, acreditamos que sejam representativos dos bolsistas selecionados
91
no primeiro programa por serem provenientes de diversas regiões do Brasil e terem
experiências profissionais e perfis sócio-econômicos diferentes (são representantes do
Rio de Janeiro, de São Paulo - regiões com maior número de representantes no grupo
selecionado -, Bahia e Minas Gerais).
3.1 “CLASSE MÉDIA NEGRA”: A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO GRUPO
SOBRE SI.
Para abordar a questão da representação social desse contingente da população
negra, detentor de “capital cultural”, estamos usando o conceito classe social; conceito
definido por Bourdieu como “um conjunto de agentes que ocupam posições
semelhantes e que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos
semelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo,
práticas e tomadas de posições semelhantes” (Bourdieu, 2000: 136). Ao longo do texto
temos usado o termo “classe média negra” para classificar esse “grupo”. O termo
“classe média negra” foi utilizado por Costa Pinto (1953) no seu estudo sobre o negro
na região metropolitana do Rio de Janeiro, onde aponta para tensões raciais que
começavam a se desenhar nas novas relações sociais que se estruturavam com o
processo de modernização do Brasil. Para Costa Pinto, os conflitos tendiam a se acirrar
como o aparecimento de uma “classe média negra” reivindicando por melhores posições
na sociedade; e chega mesmo a sugerir que assim como a burguesia já existia como
classe antes de tomar consciência disso, o mesmo poder-se-ia dizer com referência à
“classe média negra” ou aos “negros de classe média”, uma classe que tomava
consciência de si ao constatar as barreiras impostas à sua ascensão social (idem). Uma
outra constatação do autor é que a formação e a presença dessa “classe média negra”
começou a gerar e a colocar, dentro da situação racial brasileira, problemas inteiramente
novos de orientação, de perspectiva ideológica, de organização e de liderança dos
movimentos sociais do negro, problemas que até então não existiam no “quadro
tradicional das relações de raças” (ibidem).
Observa-se que esse “grupo” começava um processo de avaliação da situação
social e a reivindicar espaços sociais, políticos e culturais até então “fechados” a ele, ou
seja, começava a “acordar” para a “privação relativa”, para as barreiras sociais importas
para alcançar posições de destaque na sociedade.
92
Como veremos, a representação social dos bolsistas com relação a serem ou não
integrantes da classe média varia muito, particularmente no que diz respeito à renda
familiar, o que fica evidenciado na análise das entrevistas e questionários realizados
com os bolsistas. As opiniões são representativas de como as pessoas se sentem perante
a estrutura social de desigualdade em que vivem. A impressão deixada é que, quando
nos referimos à classe média, há uma tendência a mencionar os “bens de origem”, “bens
herdados” (Villas Boas, 2001), como: bens materiais móveis e imóveis, etc; dos quais se
vêem “privados”. Quando isso acontece, a primeira reação é a de negação de estar
situado nessa classe média, tendo como ponto de referência ou “grupo de referência” as
pessoas consideradas efetivamente por eles como pertencentes a essa classe social.
Pouca importância é dada aos “bens adquiridos” (Idem). Ao que parece, este aspecto
atinge a grande maioria da “classe média negra” no Brasil.
No estudo realizado com empresários negros bahianos, classificados como
membros da “classe média negra” a partir de indicativos sociais como renda, ocupação,
apesar desses indicativos apontarem a classe social, não havia sentimento de
pertencimento à classe média, como observa Ângela Figueiredo (2003). Nas palavras da
autora “com relação ao último ponto, a classe social, observamos que, a despeito das
rendas dos entrevistados serem consideradas elevadas em relação aos padrões
nordestinos e/ou bahianos, não há um sentimento de pertencimento à classe média, e
quando isso ocorria, quase sempre vinha acompanhado de uma distinção entre eles e
aqueles indivíduos que eles consideravam de classe média” (Figueiredo 2003:198). Na
visão de Figueiredo, a recusa da idéia de ser integrante da classe média provavelmente
se deve ao ingresso recente nessa classe social o que faz com que a representação sobre
a própria posição social seja ainda considerada instável. (idem). Comparando a “classe
média branca” à “classe média negra”, através de dados estatísticos da PNAD de 1988 e
1999, Ângela Figueiredo verifica que há diferenças de renda entre os dois grupos e que
“os negros chegam a receber apenas 56,6% da renda dos brancos, o que põem em xeque
tanto o potencial de consumo da “classe média negra” quanto sua capacidade de
acumular bens e transmiti- los às futuras gerações” (Ibidem, 77).
As justificativas dos bolsistas com relação ao pertencimento ou não à classe
média são inúmeras, entre elas, a de não ser provenientes de “famílias tradicionais”,
“donas de imensas fortunas” e, conseqüentemente, de não ter prestígio econômico,
político, social e cultural que é transmitido de geração para geração. Em todas as
93
respostas prevalece a ênfase na inexistência de “bens herdados” e todas as comparações
com as pessoas brancas consideradas de classe média e “classe alta” se pauta na posse e
ostentação de bens móveis e imóveis situados em lugares classificados como de classe
média, imóveis de lazer e diversão como casas de campo, de praia e férias marcadas
com viagens domésticas e internacionais, etc.
Por um lado, constatamos que a maioria dos pais dos bolsistas não tem curso
superior e a renda familiar é baixa, portanto, é a primeira geração a conseguir formação
superior; - e, em geral, ter feito curso superior numa sociedade marcada pelo
preconceito e pela discriminação racial é motivo de orgulho, apesar dos enormes
sacrifícios como ter de, muitas vezes, conciliar estudo e trabalho para realizar sonhos,
como o de ser diplomata e representar o Brasil no exterior e representar,
particularmente, a população negra. Por outro lado, percebemos que boa parte dos
bolsistas provém de famílias de classe média estruturadas social e culturalmente cujos
pais possuem curso superior e são detentores de “capital cultural”. E que, portanto,
podemos dividir as respostas dos bolsistas referente à classe média em dois blocos. No
primeiro, estão os bolsistas que se reconhecem privilegiados pelo fato de poderem
desfrutar e ter acesso a bens sociais e culturais nessa estrutura social profundamente
desigual; que freqüentaram e conseguiram formação fundamental, médio e superior em
instituições escolares de prestígio social; têm domínio de línguas estrangeiras;
oportunidades de viajar de férias, em intercâmbios culturais, a estudos e/ou a trabalho;
ocupam cargos não-manuais de prestígio social; têm acesso a bens culturais – literatura,
arte, cinema, teatro, assinatura de revistas, jornais, acesso à internet, bens que não são
acessíveis a todos; e têm comportamentos e práticas sociais distintos que indicam o
habitus da classe média. No segundo, os bolsistas que se reconhecem privilegiados, mas
são veementes ao afirmar que não pertencem à classe média ao comparar a sua situação
econômica, social e cultura com pessoas por eles considerados de classe média, ou seja,
tendo como “grupo de referência”, “extra- grupos”, grupos pelos quais eles não se vêem
pertencer, grupos que considerem estar excluídos. A pergunta foi a seguinte: você se
considera parte da classe média?
- Eu me vejo, num sentido sim, porque quando comparo o meu salário, o meu acesso à
informação e ao conhecimento em relação às pessoas do lugar onde eu moro, eu sou
uma estranha no ninho, totalmente privilegiada. Onde eu mo ro, as pessoas não têm
acesso à net, eu sou assinante de jornal. O mundo é outro completamente, por isso me
94
sinto parte da classe média e sei que o meu salário é maior do que deles.
Sim, sou classe média nesse sentido. Mas eu não moro em casa própria, não tenho
carro, os meus pais não tem casa própria (um imóvel próprio) nunca viajo para o
exterior a passeio, não tenho dinheiro, só a trabalho ou estudo. A única vez que viajei
de férias foi quando me formei na universidade. Trabalhei, juntei dinheiro durante um
ano, passei um mês viajando pela Europa como presente da minha graduação. Mas,
não tenho casa, não tenho carro, não tenho casa de praia, etc.
*
Sim, me considero parte da classe média de um modo geral pela qualificação do tipo
de vida que levo. Se analisar minha vida por um prisma social, sou parte da elite
porque me considero extremamente privilegiada no seio da família – pude estudar o
que quis, quando quis, no tempo em que quis, nunca fui privada de um desejo
intelectual sequer (nunca faltou teatro, cinema, livro, viagem etc) ou material. Mas
historicamente faço parte das camadas mais baixas da sociedade, descendentes dos
escravos e quilombolas e desprivilegiadas culturalmente. Se hoje posso cursar a quarta
faculdade, devo isso a meus pais, pessoas de extrema visão de horizonte. Meu pai teve
uma infância miserável e salvou-se através da Arte e minha mãe, muito embora de
família branca, fez sua opção por nos educar de forma que pudéssemos nos orgulhar
ao extremo de nossas raízes negras sem perdermos o "bonde da história" conduzido
pelo monopólio social criado pelos grupos étnicos católico-apostólico-romanos de
origem européia.
Me considero privilegiada também porque tenho a oportunidade de conviver com
a questão do racismo exatamente no meio do caminho, entre uma família branca e uma
família negra.
Se parte desses bolsistas reconhece como integrantes da classe média pelos
privilégios, oportunidades e acesso a bens culturais pelos quais outros integrantes da
sociedade não dispõem, a maioria reconhece os privilégios, mas não se considera parte
da classe média, exatamente por não reconhecer os “bens adquiridos” indicativos de
pertencimento a essa classe social, tendo em vista os parâmetros de medição de classe
utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo esses
depoimentos:
Não me considero parte da classe média negra (segundo os dados do IBGE que
mede os aparelhos domésticos que as pessoas têm em casa) e não sou pobre,
mas me considero pobre com relação a bens materiais. Mas, sou parte da
comunidade negra privilegiada. Eu sempre tive acesso ao estudo –estava em
95
primeiro plano em minha casa o estudo. Minha mãe sempre se esforçou para
que a gente estudasse: fazer curso de inglês, estudar nas melhores escolas, mas
não sou parte da classe média negra.
90% da população têm um negro ou outro que consegue ocupar um cargo mais
privilegiado, mas o deslocamento do negro é mais horizontal, mas
verticalmente continua sendo difícil. Tem gente de classe média, mas eu vim
conhecer negro rico, conheci dois em São Paulo, são ricos mesmos.
*
Só se for pelo acesso à universidade e aos benefícios de ser uma pesquisadora.
No que se refere a bens, embora eu more em casa própria (dos meus pais) e
tenha um carro, não me considero classe média. Há que se lembrar que no
Brasil há muita desigualdade e quem realmente pertence á classe média tem
muito mais bens do que eu tenho.
*
Média baixa, se podemos fazer este tipo de classificação. Mas para ficar mais
claro sou filha de um policial militar (hoje reformado) e de uma professora
(hoje aposentada), mas continua trabalhando como secretária em uma clínica. A
oportunidade de fazer um curso universitário não foi tão-somente pela renda da
minha família, mas principalmente pelo esforço de meus pais, já que fiz
faculdade particular e só consegui trabalhar no segundo ano de faculdade. Sou a
filha mais velha e meus pais sonhavam em ter um filho formado. Meu pai não
tem curso superior e minha mãe concluiu o curso de pedagogia em faculdade
particular quando eu e meus dois irmãos éramos crianças.
A ênfase na ausência de “bens herdados” parece ser um fato na realidade da
comunidade negra, como demonstra o estudo acima referido que analisa as estratégias
de sobrevivência da população negra na sociedade brasileira. Pois bem, embora detêm
um status social específico no que se refere ao local de residência, ao poder aquisitivo,
como pudemos verificar no capítulo anterior, ao acesso a bens educacionais sociais e
culturais, poucos se identifiquem como integrantes da classe média exatamente por
sentiram-se privados de “bens herdados” tendo como “grupo de referência”, os “extra-
grupos”, às pessoas consideradas por eles como pertencentes efetivamente à classe
média brasileira, e/ou a “famílias tradicionais”, “donas de enormes fortunas”, como os
Matarazzo, os Guinle, famílias com sobrenomes, sentem-se privadas de “bens
herdados”. Acreditam que poderão efetivamente concorrer em igualdade de condições
por espaços sociais e políticos, somente quando alcançarem status econômico e social
dessas “famílias ricas e poderosas”. Porém, mesmo não sendo provenientes de famílias
96
tradicionais, de não terem “bens de origem”, são pessoas que conseguiram adquirir
outros bens (econômicos e sociais) o que os possibilita lutar por espaços de maior
destaque na sociedade. Mas, tudo indica, que os “bens adquiridos” não são tão
valorizados quantos os “bens herdados”, ou seja, estes são mais valorizados do que
aqueles. Nesse sentido, ressentem-se e estão insatisfeitos com relação à privação de
“bens herdados”.
Conforme sugere Robert Merton (1966), quanto mais próxima às pessoas
estiveram do topo da hierarquia social, mais se ressentem e se frustrem quando não
conseguem alcançar alguma posição ou situação desejada. A mesma situação é
analisada por Costa Pinto ao se referir a “classe média negra”. Costa Pinto observa que
a “elite negra intelectualizada” encontra obstáculos para alcançar posições sociais mais
elevadas, mesmo de posse de requisitos necessários para competir no mercado de
trabalho com outros membros da sociedade, em função da cor e/ou da raça. No
depoimento que se segue, o ressentimento em relação à não existência de negros ricos
como “grupo de referência” fica bastante evidente. O “grupo” sente-se privado tendo
como “grupos de referências” a “classe média branca” e a elite (ou elites), de famílias
ricas e com sobrenomes.
O negro sofre privação financeira e assédio moral. Privação financeira porque, a
rigor, não temos histórico de grandes fortunas e heranças, não temos histórico de
bens amealhados ao longo de gerações para deixarmos aos nossos filhos. Esse
acúmulo de capital começou recentemente, mais precisamente na minha geração,
que pôde competir de igual para igual (às vezes, melhor) com a Geração Coca-Cola
de origem caucasiana, formando essa nova burguesia negra jovem ascendente no
Brasil. Mas ainda há muito a percorrer até nos igualarmos em condições
financeiras com a elite do país. Ainda não temos os Matarazzo negros, os Marinho
negros ou os Guinle negros, e isso faz muita diferença - até para aquele jovem de
12 anos que não ouve falar de histórias de negros abastados41. E sofremos assédio
moral porque, muito embora às vezes tenhamos tido estudo, condicionamento,
coragem e condições financeiras para competir em igualdade de condições com os
demais, normalmente a leitura do código de nossa pele indica um preconceito
atávico brasileiro que se reflete socialmente quando se diz que no Brasil não existe
preconceito racial,ou na forma como a senhora na rua aperta a sua bols a quando
passamos ao seu lado de noite, numa rua deserta.
41 Os grifos são nossos.
97
Para além da constatação deste fato – da maioria não ter o reconhecimento de
pertencimento à classe média -, os dados estatísticos de pesquisas de mercado têm
mostrado um crescimento efetivo da “classe média negra” no Brasil. Estima-se que
formam um contingente de quase sete milhões de negros situados na classe média, mas
que ainda não têm reconhecimento de sua posição econômica e social (Figueiredo,
1999). Por outro lado, alguns analistas apontam para o encolhimento dessa classe média
porque muitos não conseguem manter o padrão de vida conquistado pela geração
anterior. Os últimos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
divulgados pelos meios de comunicação de massa estimam-se que cerca de um terço da
população brasileira é de classe média (Jornal Nacional, TV Globo, 30/05/2005).
Outros importantes aspectos podem ser levantados nesse material proveniente
dos questionários e das entrevistas como a consciência social e política referente a
“invisibilidade do negro” - assunto atualmente muito debatido em seminários e palestras
– em instituições públicas, principalmente em cargos de direção e poder, nos altos
escalões do Exército (quantos negros são generais?) da Aeronáutica (quantos negros
atingiram o topo da carreira na Aeronáutica?) no Itamaraty (quantos negros são Ministro
de Segunda e de Primeira Classes?) na Magistratura (quantos são procuradores e
juizes?), etc. Outro aspecto levantado é a questão do “assédio moral”42 (práticas
desprazíveis, perseguição sistemática, intiminadação, humilhações, constrangimentos,
etc.) sofrido pelos negros na sociedade brasileira, assunto ainda pouco conhecido e
debatido pela sociedade como um todo.
Essa “privação relativa” enfrentada pelos negros para ocupar posições superiores
na burocracia pública é um assunto atualmente muito discutido em seminários,
congresso e palestras, no sentido de exigir políticas compensatórias e ação afirmativa de
corte racial que possam permitir que os negros consigam mais espaços na sociedade
brasileira. Pois, é fato constatado essa “invisibilidade” de negros em posições e cargos
de direção e poder. Como vimos, os negros no Itamaraty representam apenas cerca de
um por cento; assim como o primeiro negro na Magistratura foi nomeado em 2003, no
governo de Luis Inácio Lula da Silva. Portanto, essa “invisibilidade” de negros em
certos cargos abala a tão “exibida” “democracia racial brasileira”.
42 Com relação a esse assunto ver de Marie –France Herigoyern “O Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano”. Editora Bertrand Brasil.
98
O reconhecimento dessa “invisibilidade” do negro no corpo diplomático leva o
Itamaraty a apoiar o programa de governo elaborado no sentido de proporcionar maior
democratização de acesso de “afro-descendentes” à Carreira de Diplomata, através do
programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” que concede de bolsas de
estudos, por um período de dez meses, para os que queiram se preparar para a Carreira
de Diplomata, como pudemos averiguar no primeiro capítulo. Seguindo esse propósito
de democratização do acesso, lembra o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorin,
numa entrevista concedida a Folha de São Paulo (22/1/2005), comentando as críticas
relacionadas à retirada do caráter eliminatório da prova de inglês, que o objetivo “é
alargar o leque de pessoas que possam vir a ser diplomatas. Há muitas pessoas que eu
conheci ao longo da vida que teriam todas as condições para ser diplomatas, mas que
talvez tivessem dificuldade de passar em um exame de inglês eliminatório”. Na visão do
Ministro, a retirada do caráter eliminatório do inglês pode ser visto como uma ação
afirmativa, não necessariamente de corte racial, que tem como finalidade proporcionar
oportunidades àqueles que são competentes e por não dominarem o inglês acabam
sendo excluídos. Dado ao caráter extremamente importante do comentário do Ministro
Celso Amorim voltaremos a esse ponto mais adiante.
É relevante lembrar ainda que estamos nos referindo a uma classe com poder
aquisitivo, bens sociais e culturais adquiridos, que estão cada vez mais se preparando,
especializando-se, para competir em condições iguais nessa sociedade globalizada cada
vez mais competitiva, apesar das inúmeras desvantagens enfrentadas no dia a dia
relacionadas ao racismo e a discriminação racial. São pessoas intelectualmente
preparadas para lutar por posições de destaque na sociedade. Como observa Gláucia
Villas Boas (2001), no artigo Seleção e partilha: excelência e desigualdades sociais na
universidade, na sociedade capitalista a “pulsão aquisitiva torna-se valor e desejo de ter
sempre mais” constituindo, desse modo, o “cerne da conduta social” (Villas Bôas, 1999,
2001).
Desta feita, pudemos observar, através dos dados quantitativos analisados no
capítulo anterior, que os candidatos inscritos no programa de “Bolsa-Prémio de
Vocação para Diplomacia” do Instituto Rio Branco em 2002, seguem essa “pulsão
aquisitiva” com relação à preparação e ao desejo de “adquirir cada vez mais” (Idem) e
almejar posições de maior prestígio social, o que pode ser visto pelo nível educacional.
Vimos também, no capítulo anterior, que os candidatos fazem parte de um grupo
99
bastante heterogêneo com relação à educação que vai de ensino superior incompleto,
especialização, mestrado à pós-doutorando.
Ademais, existe uma importante produção acadêmica que estuda e tem
denunciado as desigualdades raciais no Brasil (Hasenbalg, 1979; Hasenbalg & Silva,
1991; Soares, 2000; Henriques, 2001; Queiroz, 2002; Paixão, 2003). Estudos sobre
mobilidade social e pobreza (Hasenbalg & Silva, 2003) analisando a falta de
oportunidades desse contingente populacional que mesmo de posse de requisitos
necessários para competir no mercado de trabalho com outros membros da sociedade
encontra obstáculos em função da cor e/ou da raça.
Como demonstram alguns estudos, os negros vêm acumulando desvantagens ao
longo das gerações e precisam de oportunidades para reve lar suas qualidades,
potencialidades e mostrar seus talentos. Portanto, essas desvantagens dos negros têm
sido argumentos para as pessoas que se manifestam favoráveis às políticas de ação
afirmativa, contando como o reforço de dados quantitativos e pesquisas qualitativas
fundamentadas em diferentes indicadores sociais que evidenciam essas “desvantagens
cumulativas” da população negra “ao longo do ciclo de vida individual” (Hasenbalg,
1995). Para Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva (1999) “a discriminação racial
funciona como instrumento de desqualificação de grupos sociais no processo de
competição por benefícios simbólicos e materiais, resultando em vantagens para o grupo
branco em relação ao grupo “não-brancos” (pretos e pardos) na disputa por benefícios;
(...) que a discriminação e o preconceito raciais estão intimamente associados à
competição por posições na estrutura social, refletindo-se em diferenças entre os grupos
de cor no processo de mobilidade social”. Para esses autores, “as evidências empíricas
permitiram caracterizar os grupos “não-brancos” como estando sujeitos a 'um processo
de cumulação de desvantagens' ao longo de suas trajetórias sociais”. (1999: 217-218); e
têm experimentado um déficit considerável de mobilidade social ascendente, o que
permite rejeitar a hipótese de igualdade de oportunidades para os diferentes grupos de
cor.
O que estamos tentando argumentar é que, apesar do “grupo” não ter
representação social como integrante da “classe média negra” brasileira - por mais
importante que isso possa representar, pois indica consciência social de “grupo” e,
conseqüentemente, o reconhecimento da “classe para si” que luta conjuntamente por
100
iguais oportunidades -, existe uma demanda crescente por parte da “classe média negra”
intelectualmente preparada para assumir postos de comando em instituições da estrutura
social, mas que por razões da cor e ou/da raça, ou seja, da discriminação racial e do
racismo “institucional”, da sociedade brasileira, é preterida e, com isso, não tem chances
e oportunidades de mostrar seus talentos e qualidades.
É um grupo que não tem consciência dos “bens adquiridos”, como bens
educacionais, e reclama da inexistência de “bens herdados” para que possa concorrer
em igualdade de condições com os outros segmentos da sociedade. Um grupo
intelectualmente preparado, mas que reconhece a “privação relativa” sofrida para
alcançar posições e cargos de destaque na sociedade e, por isso, encontra-se no
programa de Ação afirmativa do Instituto Rio Branco chances e tem expectativa de
integrar o corpo diplomático para “fazer a diferença”. São inúmeros os motivos e as
expectativas dos candidatos ao programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco ao
almejarem ingressar no Itamaraty, como veremos a seguir.
3.2- MOTIVOS E EXPECTATIVAS COM RELAÇÃO À CARREIRA DE
DIPLOMATA.
As desvantagens apontadas por vários pesquisadores da questão racial não
impedem os candidatos interessados na carreira de tentar ultrapassar barreiras impostas
pela sociedade para conquistar espaços. Alguns têm se esforçado para ingressar no
Itamaraty participando do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata anualmente,
contudo, sem lograr aprovação. No entanto, não desistem de perseguir seus sonhos. A
oportunidade oferecida pelo Instituto Rio Branco, como vimos no primeiro capítulo, é
encarada positivamente no sentido de reforçar os estudos através da aquisição de livros
e materiais bibliográficos caros por meio dos recursos financeiros oferecidos pelo
programa. Pelas entrevistas e redações pudemos observar que boa parte dos bolsistas
não tinha a Carreira de Diplomata como meta, mas alguns pensaram em ser diplomata
em função do interesse pelas relações internacionais e pela política externa
desenvolvida pelo Brasil, e, para isso, realizaram várias vezes o Concurso de Admissão
à Carreira de Diplomata.
Atualmente a presença constante dos diplomatas na mídia escrita e falada e a
divulgação de resultados positivos em negociações realizados pelo Itamaraty têm
chamado muita atenção e incentivado os interessados nesses assuntos a procurar mais
101
informações sobre a carreira. Para uma das bolsistas, as negociações bilaterais e
multilaterais e o impulso dado pelo governo a certas questões, sem deixar de buscar
soluções pacíficas para as controvérsias, despertaram nela o interesse pela carreira.
Nesse sentido, a bolsa significa um grande incentivo e expectativas positivas nos
resultados. Com relação a esse aspecto, os bolsistas têm expectativas de fazer parte do
grupo seleto e socialmente reconhecido, não somente para representar e defender os
interesses do Brasil no exterior, mas, principalmente, em poder contribuir para
representar a diversidade cultural do país no exterior e representar, particularmente, a
população negra “privada relativamente” de ingressar na Carreira de Diplomata e
exercer cargos importantes de representação.
A ênfase em representar a população negra se faz sentir com muita força na
grande maioria as redações; há uma consciência social e política muito grande nesse
grupo em particular, um sentimento de pertencimento a um grupo discriminado e a
necessidade de mostrar capacidade e qualificação para ingressar na Carreira através da
oportunidade oferecida e fazer a diferença. Havia essa necessidade, compromisso de
fazer a diferença, de mostrar que oportunidades permitem a real disputa por espaços na
estrutura social, como veremos em um dos depoimentos sobre a importância da política
de ação afirmativa para o Instituto Rio Branco. Esse “sentimento de grupo” aparece com
muita força e parece ter criado um grupo no sentido sociológico da expressão, um grupo
que por meio de contatos online - diplomacia “afro-descendente” - trocavam
informações, dicas de textos e de leituras, etc. Tudo indica que conseguiram unir
esforços para se ajudarem na empreitada que é o processo de preparação para a seleção
realizada anualmente pelo Instituto Rio Branco para a Carreira de Diplomata.
Nós, a primeira leva de bolsistas, levávamos uma carga enorme conosco. Nós nos
sentíamos no compromisso de fazer essa diferença, então, nós não só estávamos nos
cobrando de passar na prova do Rio Branco e nos tornarmos terceiros Secretários,
como durante o percurso de estudo, de preparação e tal, nós tínhamos esse discurso
mesmo, a postura de ter acima de tudo s questão racial como nossa bandeira, a nossa
luta. Nós éramos isso, a consciência pura do papel que nós tínhamos a cumprir;
agora isso parece estar diluído. Então exatamente por ter essa noção é que digo que
vai ser um longo processo de desmontar, desmontar não, mas transformar. E isso
não é tarefa para um, e que não é tarefa só dos que tiveram lá dentro, mas sim de
todos. E tem que ser uma política de estado, não pode ser uma política de um
governo, ou de só uma direção do Instituto Rio Branco.
102
Os motivos e as expectativas são variados, como poderemos verificar nas
próximas linhas, a saber: experiências internacionais tanto acadêmicas como
profissionais; missões de trabalhos no exterior na área de negociação internacional e na
área de representação de instituições do governo e não governamentais (ONGs) em
intercâmbios culturais; interesses pelas as relações, negociações e acordos
internacionais até a representação feminina da população negra, ainda excluída das
esferas do poder. Outras motivações para ser diplomata, além dos acima mencionados,
estão relacionadas à interação cultural, ou seja, a descoberta e o convívio com a
diversidade cultural doméstica e intercâmbio com culturas de outras nações.
Podemos ver pelas redações que boa parte dos bolsistas são pessoas viajadas,
conhecem culturas diferentes e conseguem se comunicar em mais de um idioma. Nesse
sentido, “a carreira se mostra plena de desafios” e possibilita uma formação contínua e
progressiva, “crescimento da conscientização de estar no mundo, permitindo uma
“ampliação de visão de mundo”. A carreira é vista como uma possibilidade de colocar
os conhecimentos e experiências adquiridas ao serviço do Estado Brasileiro e contribuir
efetivamente para a “busca da superação das desigualdades” que também se manifestam
na representação do Brasil no exterior; além do Brasil poder “apresentar-se
internacionalmente como uma verdadeira democracia multi- racial”. Para um dos
bolsistas a consolidação da luta por igualdade de oportunidade para a população
“afro-descendente” passa pela a adoção de ações institucionais direcionadas, voltadas
a concretizar a formação de uma sociedade com perfil democrático em que diferenças
contribuem para o fortalecimento da população brasileira. Outros desejam ser
diplomatas devido a não representatividade do negro nos altos escalões do Estado
Brasileiro e para lutar pela igualdade e “justiça social’; “considera de importância
fundamental que todo o corpo diplomático de uma nação represente a composição
étnica e cultural diversificada que caracteriza o país e os “afro-descendentes”. Outros
ainda querem ser diplomatas porque acreditam possuir os pré-requisitos exigidos pelo
Instituto Rio Branco tais como: formação superior, conhecimento cultural e político de
caráter geral e experiências adquiridas ao longo da formação acadêmica, etc.
A minha atuação no corpo diplomático com colegas negros e não negros
poderá ajudar a trazer transformações positivas (a própria presença de
negros no Itamaraty serve de exemplo de aberturas necessárias e
103
coerentes) que altere a realidade incômoda em que vivem a raça negra e
outros segmentes da sociedade brasileira, colaborando na efetiva
construção de uma vocação vencedora do país.
Acredito que todo o afro-descendente que tem acesso à educação de
qualidade e dignas condições de existência deve ter como missão atuar
no sentido de buscar melhorias para a qualidade de vida dos demais
negros brasileiros. Dessa forma a carreira pode ser fundamental para que
os negros abram portas para reflexões acerca do seu papel na sociedade
e pode possibilitar colaborações dos diplomatas negros na construção de
ações que determinem uma mudança de postura da sociedade brasileira
em relação a sua raça e melhorias para toda a sociedade brasileira.
Está claro que todos aqueles que ingressam na Carreira de Diplomata tem como
fim último representar bem e defender os interesses do povo brasileiro no exterior, além
das oportunidades fornecidas pela carreira de poder transitar em “altas rodas”, de estar
mais próximo do poder e de desfrutar do prestígio social e da “celebridade” (Mills,
1968); ou ainda, de ver e ser visto como um ser humano que se distingue pelos modos
aristocráticos adquirido ao longo dos anos de formação e treinamento. Alguns chegam a
se referir ao “glamour” da carreira, às viagens, às festas, etc.
Ter consciência de que estar no Itamaraty significa estar em um espaço
privilegiado e estratégico para lutar contra as desigualdades, fazer a diferença e
representar a população negra sub-representada, parece ser um aspecto comum aos
bolsistas que servem de incentivos e alimentam as suas expectativas. A ênfase na
representação da população negra prevalece em todas as redações sobre os motivos e
expectativas em querer ser diplomata. Portanto, a ação afirmativa para o Instituto Rio
Branco chega como uma esperança de conseguir corrigir as desigualdades sociais e
raciais presentes na sociedade brasileira a partir de oportunidades de acesso a espaços e
cargos importantes da estrutura social. Perante a isso, podemos perguntar: o que
significa a ação afirmativa para o Itamaraty?
104
3.3 - ITAMARATY E AÇÃO AFIRMATIVA
Lendo uma dissertação de mestrado sobre a socialização dos novos integrantes
do Itamaraty na qual a autora faz uma linda descrição do rito de passagem, “o maior
ritual da ‘Casa de Rio Branco”, a formatura dos alunos41 do Instituto Rio Branco e da
Cerimônia de Imposição de Medalhas da Ordem de Rio Branco (Cristina Patriota, 1999)
realizado no Palácio do Itamaraty, chamou-nos atenção o fato da autora ser “filha, neta,
sobrinha, prima de pessoas que se definem como diplomatas brasileiros”, do estudo se
“confundir” com a própria trajetória pessoal da autora (idem:2). Ela estava presente na
noite da cerimônia de homenagens e entrega de medalhas como antropóloga e como
filha e neta de diplomatas que seriam agraciados naquela noite. A partir dessa
constatação, começamos a pensar se havia alguma pressão por parte da família no
sentido de ela seguir a tradição familiar, afinal, nasceu em um ambiente que conspirava
nessa direção. Instantes depois pensamos na facilidade que ela teria em conseguir
aprovação para ingressar no Itamaraty, por prover de uma família com uma rede de
relações que lhe poderia ser favorável e de um ambiente estruturado de “elite”.
Refletindo um pouquinho mais sobre essa questão, ocorreu-nos que
provavelmente, e tudo indica que sim, existem famílias com tradição em carreiras de
elite, carreiras de grande prestígio social como a Carreira de Diplomata, a Magistratura,
o Exército, etc., que se reproduzem dentre delas, nas quais os filhos começam a ser
preparados desde muito cedo para substituir os pais, os avós, e dar prosseguimento à
seletividade da instituição. No estudo acima referido, esse aspecto se evidencia, embora
a autora não acredite nessa possibilidade, “a idéia que os diplomatas formam uma elite,
portanto, não passa necessariamente pela noção de sangue e hereditariedade, mas das
capacidades intelectuais dos indivíduos que compõem o corpo diplomático. Temos,
portanto, um grupo de status cujos membros são recrutados pelo mérito individual e não
por pertencerem a famílias de bem” (idem, 32). Esse ponto é extremamente importante
41 Ao ser admitido no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, o candidato “torna-se automaticamente um funcionário de carreira de diplomata do serviço exterior”. No entanto, ele não é identificado como um “diplomata” mas como um “alunos do Rio Branco”, ou na melhor das hipóteses, um Terceiro-Secretário” o que tem um significado muito específico entre os diplomatas (Cristina Patriota 1999:59). Para demonstrar a rigorosa hierarquia no Itamaraty para o novo membro, a autora reproduz um diálogo entre um embaixador e um candidato. Através do diálogo o candidato percebe sua posição no corpo diplomático e a maneira como é visto pelos diplomatas. Embaixador: Depois que você passar no concurso o que acontece? Candidato: eu viro diplomata. Embaixador: Não, você vira Terceiro-Secretário. Para ser diplomata ainda vai demorar muito (Idem).
105
porque aponta aspectos relevantes na tentativa de um melhor entendimento da seleção
realizada anualmente pelo Instituto Rio Branco para escolher novos integrantes do
corpo diplomático.
No artigo Seleção e partilha: excelência e desigualdades sociais na
universidade, Gláucia Villas Bôas (2001) aponta duas visões existentes sobre a “tese do
nivelamento” das desigualdades sociais nas universidades. Na primeira, acredita-se que
os exames de vestibular exigidos para o ingresso nas instituições de ensino e
posteriormente a aquisição do diploma universitário nivelam as desigualdades sociais
entre os alunos, e que, portanto, não é relevante falar em desigualdades sociais nas
universidades. A outra visão que contraria a “tese do nivelamento” é a da Pierre
Bourdieu segundo o qual, “o sistema de ensino superior, através de rituais de iniciação e
seleção, reproduz a grande partilha feita fora da universidade e antes do ingresso do
estudante na instituição” (Villas Boas, 2001:97). Poderíamos analisar o processo de
seleção feita pelo Instituto Rio Branco a partir dessas duas visões: primeiro, o concurso
é público, portanto, aberto a todos os interessados na Carreira de Diplomata, e até à
Terceira Fase, as provas são anônimas contendo simplesmente o número do candidato -
a identificação do candidato torna-se pública no momento do anúncio dos resultados
(Patriota, 1999). Portanto, tecnicamente, não haveria como privilegiar e selecionar
filhos e netos dos componentes do corpo diplomático pelo anonimato das provas, já que
tal permite a avaliação do mérito e da capacidade intelectual dos candidatos
indistintamente.
No entanto, na prática, os critérios de seleção dos novos integrantes do corpo
diplomático brasileiro podem ser pensados da perspectiva de Pierre Bourdieu - com
relação à seleção realizada pela universidade, segundo a qual os estudantes
universitários franceses eram os “herdeiros”, ou seja, a “sociedade mantinha seus
estratos sociais privilegiados ricos e bem educados nos mesmos lugares sociais; e que
ela reproduzia sua elite pensante, distinguida pelo refinamento do modo de agir,
maneiras de pensar, gosto pela arte, elegância, temor do excessivo/excesso das melhores
técnicas de auto-controle” (Villas Bôas 2001:107).
Se os estudantes franceses podem ser considerados como “herdeiros” de um
círculo de relações prestigiosas, domínio de uma tradição cultural, o gosto refinado pela
música erudita, pintura e teatro, linguagem culta, etc. (Bourdieu apud Villas Boas,
2001), e o mesmo não pode ser dito sobre a grande maioria dos estudantes nas
universidades brasileiras, é possível identificar estilos e comportamentos próprios em
106
outras profissões de prestígio social como no Exército, na Marinha, nos profissionais do
Direito, no Itamaraty, etc.
Os modos aristocráticos do Itamaraty são referidos no texto de Cristina Patriota
(1999); mas, é interessante ressaltar a observação de um diplomata referindo-se a outro
“um inteligente colega britânico que foi meu amigo no Rio e por toda a vida, Sir
Kenneth Gordon James, observou certa vez, com espírito, que o Itamaraty era o que de
mais próximo a um clube inglês ele conhecera no Brasil” (Penna, 2001:3). Segundo
Patriota,
“Os diplomatas, no entanto, se apresentam muitas vezes de forma
àquela identificada por Elias (1986) em ‘A Sociedade de Corte’ em relação à
nobreza. O ‘Itamaraty’ é, além disso, fruto de um processo histórico onde
houve, de fato, uma fase quando os diplomatas eram todos membros da corte
do Imperador. Mas que isso, no entanto, os membros do corpo diplomático
brasileiro conseguiram se estabelecer como um ‘estamento’ que se caracteriza
por uma visão de mundo e estilo de vida particulares que compõem um ethos
que guarda certas semelhanças com o ethos cortês” (Patriota, 1999:32).
Da perspectiva de Bourdieu, é possível dizer que os critérios de seleção do
Instituto Rio Branco - criado em 1946 - reproduzem uma estrutura rigorosamente
elaborada que “facilite”, consciente ou inconscientemente, os candidatos social e
culturalmente privilegiados, aqueles de origem social mais elevado. Apesar das
mudanças realizadas atualmente visando a democratização do acesso à Carreira de
Diplomata, como a retirada do caráter eliminatório da prova de francês, na década de
noventa, e o de inglês em 2005, (a prova de inglês tornou-se eliminatória na mesma
década em que francês passou a ser classificatória), sob os mesmos argumentos de
tornar o concurso menos elitista, o processo seletivo para o Itamaraty continua
extremamente elitista. É possível sugerir que somente os candidatos em potencial
logram aprovação no concurso porque são basicamente os “herdeiros da profissão”,
aqueles que passaram a vida toda se preparando para assumir os postos de comando
(substituir os pais, “herdar a propriedade dos pais”). Por mais que possamos evidenciar
candidatos de uma “classe média negra” intelectualmente preparados precisando de
oportunidades para demonstrar suas qualidades e talentos, e isso é o que está sendo
oferecido atualmente pelo programa de ação afirmativa para o Instituto Rio Branco,
historicamente não existem famílias negras que tem como tradição familiar à Carreira
107
de Diplomata, como no exemplo acima referido. Haja visto que, até hoje, não existem
negros embaixadores (embaixador de carreira) - estágio mais elevado da carreira. Até
hoje, o corpo diplomático brasileiro conta com cerca de 1% de negros representando um
contingente populacional negro de cerca de 45% da população brasileira. Pelas
entrevistas, é possível perceber que muitos não tinham como meta à Carreira de
Diplomata:
Eu nunca tive objetivamente direcionada para a Carreira de Diplomata. Fui fazer
letras porque realmente queria ser tradutora que é a minha vocação. Nunca tive
como foco a esta carreira. A questão da carreira diplomática surgiu por conta da
minha trajetória dentro das ONGs, na área da cooperação internacional.
Outros, porém, acalentam o sonho e o interesse pela carreira sem, contudo, se
enveredar por esse caminho, como demonstra uma outra participante do programa de
ação afirmativa.
Obtive as primeiras informações sobre a carreira um pouco mais nova – ocorre que
uma de minhas tias mora em Brasília, e em várias viagens que fiz durante a
adolescência, tive a oportunidade de apreciar, estudante que era (e ainda me considero,
sempre digo que vim ao mundo a estudo) e prestes a escolher uma carreira a seguir, o
funcionamento das complexas ligações do Governo Federal com seus diversos setores
- minha tia trabalha no Conselho de Administração e quase toda a minha família é
ligada ao exercício do Direito e do Serviço Social, salvo algumas exceções. Naquele
momento, entretanto, devido à minha excessiva juventude, considerei a questão muito
além do meu alcance, e adormeci alguns "sonhos". Mas semp re nutri esse anseio de
servir ao país (da forma que fosse) e buscar a justiça social através da interface entre
Brasil e outras culturas, no sentido de ampliar horizontes históricos e sociais. (...) Ao
amadurecer um pouco mais, apesar dos revezes da vida que acabam nos levando por
outros caminhos, foi inevitável a reaproximação com as minhas mais profundas
vocações e me reaproximei do serviço público através do desejo de prestar concurso
para o Rio Branco.
No entanto, o fato de não existir “boa” referência do negro no Itamaraty (em
termos quantitativos), não significa a falta de competência e qualificação para
desempenhar cargos que demandem grande responsabilidade, ao contrário do que a sua
fraca representatividade possa deixar transparecer. Essa sub-representatividade também
não se deve à falta de interesse e empenho dos negros em ingressar no Itamaraty, pois,
108
como vimos, há negros tentando ingressar na carreira, mas são pouquíssimos logram
sucessos. Desde 1998 presto concurso de admissão do Instituto Rio Branco, mas devido
à ausência de cursos e professores especializados em preparar candidatos ao concurso,
e devido aos altos custos dos livros e manuais, venho-me preparando por conta
própria.
Se existe um grupo da “camada média negra” intelectualmente preparada
demandando ingressar no Itamaraty, como avaliar essa fraca representatividade dos
negros nessa carreira do estado? Como conceber uma sociedade considerada a que
possui o segundo maior percentual de negros no mundo, depois da Nigéria, ter apenas
1% deles representado no seu corpo diplomático? É nesse sentido que falamos de
“privação relativa” para conseguir posições e cargos de direção, e, principalmente, em
ingressar em carreiras de grande projeção, carreiras consideradas de grande prestígio
social como a de diplomata. Para examinar essa questão, perguntamos aos bolsistas:
acha que o negro sofre de privação para alcançar determinados postos ou carreiras na
sociedade brasileira, porquê?
Dez meses de bolsa não são suficientes visto que a pessoa que concorre a essa bolsa
de uma, por mais que seja advogado, engenheiro, médico, o seu ambiente da
família, a tradição da família não tem nada disso. Nós, eu sou a primeira geração da
minha família a entrar na universidade. Eu não tive informações de meu pai, da
minha mãe a respeito de uma série de coisas, e meu filho que já nasceu por conta da
minha formação e a do pai dele em outro universo, já encontra tudo pronto (uma
estrutura pronta). Então, a desvantagem nossa é muito grande, então não há como
recuperar isso em 10 meses de bolsa. São muitas as vantagens para os outros (os
brancos) e essa questão que as condições dos brancos já é preparado de berço o que
significa que ele pode optar, tem vários casos de pessoas que vem de famílias de
diplomatas, mas não querem ser diplomata, quem quer e o pai e a mãe. Então ele faz
o concurso não passa, faz não passa (...).
Então essa questão da auto-estima é muito importante, porque você já nasce
como alguém dizendo para você ‘você terá um futuro brilhante, você vai vencer’,
enquanto que no nosso meio você tem outro discurso, outro estímulo desde criança
‘você tem mais é que trabalhar porque você tem que sobreviver é diferente. Então
você já nasce achando que não tem opção pelo seu desejo, que sua opção é pela
sobrevivência, então você se submete, muitas vezes, a vários tipos de trabalhos que
não tem nada haver com a sua vocação e o seu desejo, mas que você tem que
garantir o que comer, onde morar. Não há mente suplementar. Nenhum de nós foi a
universidade e passava a tarde estudando.
109
Esse depoimento expressa consciência social e política das dificuldades que os
negros enfrentam para transpor barreiras, para transformar a educação em posições na
estratificação social, conforme inúmeros estudos sobre as desigualdades raciais e
mobilidade social dos negros. Como apontam Carlos Hasenbalg (1995) e Hasenbalg e
Silva (1999) em várias pesquisas, “os resultados das pesquisas recentes são de estarrecer
os que ainda acreditam na neutralidade do critério racial em matéria de apropriação
das oportunidades sociais. Elas demonstram que os negros e mestiços (pretos e pardos
na definição oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ou não-
brancos, como são chamados aqui alternativamente) estão expostos a desvantagens
cumulativas ao longo das fases do ciclo de vida individual, e que essas desvantagens
são transmitidas de uma geração para outra (Hasenbalg, 1995: 239).
Portanto, no caso do Itamaraty, é evidente a “privação relativa” dos negros em
conseguir ingressar na carreira já que não é tradição familiar direcionar os objetivos,
desde muito cedo, para se preparar para a carreira, visto não existirem referências de
diplomatas na família. Tudo leva a querer que a grande maioria das famílias negras não
freqüenta “altas rodas” de poder, prestígio e celebridade (Mills, 1968); não esta
familiarizada com a “distinção”, tendo como “grupo de referência” a elite branca; e,
conseqüentemente, não dispor de redes de influência e prestígio. Provavelmente, a
inexistênc ia dessas redes sociais é efetivamente uma grande desvantagem para os
negros que queriam fazer parte desse “grupo de status” que compõe o corpo diplomático
brasileiro. Esse aspecto é reconhecido pelos bolsistas que também reconhecem que para
conseguir algum sucesso em ingressar na carreira, são necessários planejamentos de
médio e longo prazo para uma formação mais sólida. Eles observem que existem certas
aspectos e informações que devem fazer parte da contínua formação da criança e do
adolescente para que estejam solidificados na fase adulta; coisas que, segundo alguns
bolsistas, não se adquirem em dez meses de preparação.
Não tenho a ilusão que os mais jovens provavelmente têm de que bastam dois
anos de intenso estudo para passar - a prova do Rio Branco é a demonstração do
conhecimento adquirido de uma vida inteira, e talvez justamente por isso ela seja
extremamente elitista. Os filhos das famílias negras e/ou mais pobres estão
procurando emprego quando deviam estar estudando ou estudando em escolas de
menor qualidade na formação geral, enquanto os filhos de famílias mais abastadas
110
(e isso gera uma tradição de famílias inteiras ligadas à Diplomacia) têm mais
tempo e dinheiro para estudar e viajar.
*
Não estou pensando em me candidatar de novo. Para mim, esse é um projeto de
médio a longo prazos, agora preciso fazer outras coisas: trabalhar, ganhar
dinheiro porque não faço parte dessa elite, porque a maioria dos meus colegas só
estudam. Mas é um planejamento a médio e longo prazo.
*
A desvantagem nossa é muito grande, então não há como recuperar isso com 10
meses de bolsas. São muitas as vantagens para os outros (os brancos), é a questão de
que os brancos já são preparados do berço o que significa que ele já vem com a
auto-estima preparada, estruturada para tal. Ele pode optar (...).
Os bolsistas sentem-se privados relativamente tendo como “grupo de referência”
os brancos que se candidatam para a Carreira de Diplomata. Conforme observado por
Hasenbalg & Silva (1999), os “não-brancos” têm experimentado um déficit
considerável de mobilidade social ascendente, o que permite rejeitar a hipótese de
igualdade de oportunidades para os diferentes grupos de cor (os grifos são nossos).
Portanto, dificilmente os candidatos ao “Programa Bolsa-Prémio de Vocação para a
Diplomacia” implementado pelo Instituto Rio branco a partir de 2002 vão competir em
“igualdade de condições” com os “herdeiros da profissão”. Ademais, apenas dez meses
de bolsa não garante e nunca vai garantir uma competição igualitária entre “herdeiros da
profissão” e os negros da “classe média negra” ou outros candidatos menos
privilegiados econômicas, educacionais, sociais, etc. – os segmentes os brancos e os
“não-brancos” pobres - da população brasileira.
O processo de mobilidade para posições e cargos de maior destaque na
sociedade brasileira é difícil, porém, não é impossível, depende somente de
oportunidades, mesmo referindo-se a “classe média negra”. É em função dessa
“privação relativa” enfrentada pelos negros que as ações afirmativas justifiquem-se;
funcionam para fazer “justiça social” à população discriminada e sem oportunidades,
como podemos verificar pelas a avaliação do programa feita pelos bolsistas.
111
3.3.1 Avaliação do programa pelos bolsistas
Pedimos aos bolsistas que avaliassem o programa de ação afirmativa do Instituto
Rio Branco em termos da sua eficiência tal como pode ser visto nas perguntas
formuladas: que avaliação você faz dessa política de ação afirmativa para “afro-
descendentes” no Instituto Rio Branco (IRBr)?; na sua opinião esta política de ação
afirmativa do IRBr traz efetivamente benefícios para os negros?; se você considera
insatisfatória a ação afirmativa implementada pelo IRBr, quais as suas sugestões para
uma política de integração da população negra no corpo diplomático brasileiro?
Há um consenso geral de que o programa é positivo pelo fato de proporcionar a
auto-classificação e a conscientização do problema racial no Brasil. Algumas críticas
dizem respeito à restrição da bolsa direcionada tão somente para a compra de livros e
materiais bibliográficos e a pouca duração dela. Avaliam-na como satisfatória, mas não
como eficiente por não proporcionar efetivamente a “igualdade de condições” em
somente 10 meses de preparação. Todos são favoráveis às políticas de ação afirmativa
que possibilitem oportunidades. Porém, um é favorável à ação afirmativa por ser “uma
política mais aberta”, mas é contra a política de cotas. Outro bolsista sugere cotas para o
concurso de Instituto Rio Branco como a argumentação de que o programa muito mais
do que um direito dado é um direito conquistado.
Acho satisfatório, mas tecnicamente eu sugiro uma alteração - ele tem que cobrir
os custos integrais do estudante durante sua vigência. Há pessoas que têm contas
a pagar, e não podem se dar ao luxo de parar de trabalhar para apenas estudar - o
grande problema das classes menos abastadas que vários já explicaram com muito
mais consistência do que eu -, a menos que a bolsa cubra integralmente
(consideradas as devidas necessidades, e estabelecendo um teto de gastos) o
aluno. E por um período maior. Aí, sim, vamos ter resultados maiores em
quantidade e qualidade.
Aquele que teve dez meses e plantou em si uma semente, quem sabe, daqui a uns
quatro anos, passe em boa colocação. Isso, pra mim, é educar - é preciso
disciplina, longevidade e disposição. Tanto do Rio Branco, quanto das
autoridades competentes e, principalmente, do postulante. A bolsa é um paliativo,
uma atadura numa ferida que precisa de antibiótico. Pode aplacar o ferimento sem
curar, mas pelo menos protege do aumento da infecção.A cura vem da
administração de drogas e da reação do próprio organismo.
*
112
Avalio positivamente pelo fato do IRBr ser historicamente uma instituição da elite
brasileira. Todavia, a maneira como o programa foi implantado, para a primeira
turma na qual eu participei, demonstrava a falta de conhecimento sobre a realidade
de vida dos negros. Poucos puderam parar de trabalhar – ao contrário do que vemos
nos cursos preparatórios, os candidatos brancos dedicam-se apenas aos estudos e
poucos, da minha sala continuavam trabalhando.
A bolsa deveria cobrir a subsistência dos candidatos e a compra de livros. Não sei
como está agora, mas isso foi falado por mim nos meus relatórios e por outros
bolsistas também.
O Programa traz benefícios aos negros porque, mesmo aqueles (como eu) que não
passaram, tiveram a oportunidade de aumentar seu conhecimento e se preparar para
o mercado de trabalho global.
A ação afirmativa é aceita como um meio estratégico que fornece oportunidades
aos negros que sofrem “privação relativa”, que tem “capital educacional”, mas não têm
oportunidades para mostrar seus talentos e qualidades por causa do racismo e da
discriminação racial. No geral, o programa de ação afirmativa para o Instituto Rio
Branco é avaliado positivamente pelos bolsistas e pelo movimento negro, apesar deste
lutar por cotas no Itamaraty. Para os bolsistas, o conhecimento adquirido ao longo do
processo de preparação é muito importante não somente por permitir a ampliação do
conhecimento, em várias áreas como Direito, Relações Internacionais, etc, o que
permite possíveis tentativas com maiores sucessos nos próximos Concursos do Instituto
Rio Branco; por possibilitar a abertura de novos horizontes, novos caminhos, novos
projetos de vida; mas principalmente por trazer a tona à discussão sobre os problemas
raciais no Brasil.
Conclusões
Como demonstra Cristina Patriota (1999) através de entrevistas feitas com
alunos do Instituto Rio Branco, o Programa de Formação e Aperfeiçoamento – Primeira
Fase (PROFA-1), ministrado pelo Instituto Rio Branco, praticamente não tem
funcionalidade, ou seja, não exige tanto esforço dos alunos que justifique tamanha
exigência dos candidatos para que possam acompanhar as matérias do curso ao ser
aprovado no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata. Esse aspecto fica bem
evidente num dos depoimentos colhidos pela autora: “É lógico que eu sofro, que tenho
113
horas que eu não tenho a menor vontade de fazer as coisas. Principalmente porque o
Rio Branco é um curso muito pobre do ponto de vista acadêmico, é muito pobre. No
fundo a função desse curso é te classificar. È um curso muito pobre que me acrescentou
(...) algumas coisas, mas acrescenta muito pouco. Eu tenho a impressão que se eu
ficasse na minha casa lendo o que eu queria ler eu teria aprendido muito mais e me
desenvolvido muito mais que se eu tivesse no Rio Branco”. Esse depoimento mostra que
o curso do Instituto Rio Branco é realmente fraco do ponto de vista acadêmico o que,
sem sombra de dúvida, poderia ser dispensado, ou, na melhor das hipóteses, ser
reestruturado para fazer jus ao elevado nível cultural e intelectual exigidos aos
postulantes.
Tudo indica que o curso é um “adestramento” dos alunos ao “ethos” e “visão de
mundo” da “Casa” (Patriota, 1999), aspecto que, segundo a autora, é mais importante
do que estudar as matérias das aulas. Comentando o depoimento do entrevistado a
autora argumenta “ele está certo, mas não somente no que se refere a classificar os
alunos de acordo com as suas notas no Programa de Formação e Aperfeiçoamento –
Primeira Fase (PROFA-1). A classificação implica muito mais que isso. O PROFA-1
ajuda as pessoas a se encaixarem nas ‘classes’ atribuídas a elas pela Casa, assim como
aprender esse sistema de classificação e situar os outros dentro dele”. Se a questão é o
“adestramento” dos alunos no “estilo de vida”, no “ethos” e na “visão de mundo” da
“Casa de Rio Branco”, do Itamaraty, não parece pertinente colocar os alunos, por dois
anos de sua vida, confinados em salas de aulas fazendo matérias que já exaustivamente
estudadas para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata se essas, praticamente,
não acrescenta muita coisa ao conhecimento adquirido até então, segundo o depoimento
do entrevistado da autora.
Assim, acreditamos que o concurso não precisaria exigir um nível tão elevado de
formação cultural e intelectual, afinal aqueles que são admitidos no concurso do
Instituto Rio Branco têm dois anos do Programa de Formação e Aperfeiçoamento –
Primeira Fase (PORFA-1) até serem designados para funções no exterior. Ademais, tais
exigências não são argumentos de que, sem elas, os candidatos não acompanharão o
nível elevado do curso ministrado pelo Instituto Rio Branco, a não ser que queiram
privilegiar os “herdeiros da profissão” e, portanto, reproduzir a elite burocrática do
Itamaraty e dificultar a entrada de “estranhos”.
Pois, assim, como a universidade seleciona e partilha os bens educacionais,
reproduzindo a partilha de bens anteriormente realizada pala sociedade (Villas Bôas,
114
2001), o Itamaraty também reproduz a sua elite aristocrática, e, com isso, o racismo e a
discriminação racial são reproduzidos quase que “naturalmente” através do seu sistema
de seleção. O concurso realizado anualmente pelo Instituto Rio Branco escolhe os
“herdeiros”, já que estes são preparados desde a tenra idade para seguir a tradição
familiar. Os negros, por não possuírem ainda uma tradição familiar de seguir a Carreira
de Diplomata, são “naturalmente excluídos”. Destarte, mesmo não sendo declarado
publicamente que os negros não podem fazer parte do corpo diplomático brasileiro por
causa da sua cor ou raça, os critérios de seleção do Instituto Rio Branco “naturalmente”
os exclui. Portanto, o Itamaraty fecha a suas portas não pelo racismo explícito, mas sim
do reproduzido implicitamente pela sociedade brasileira, por meio de “barreiras
naturais”, como também pelo seu caráter aristocrático e elitista expresso no seu
processo de escolhas de seus novos membros.
Embora já citada, no primeiro capítulo, nunca é demais repetir as palavras do
diplomata M. Pio Corrêa dado a sua relevância e postura frente ao programa de ação
afirmativa para o Instituto Rio Branco, o que não expressa a posição do corpo
diplomático em si, mas, ao nosso ver, revela claramente o caráter elitista do Itamaraty.
A presente medida é, portanto, inútil, além de injusta, de vez que
existem pelo menos tantos euro-descendentes quanto afro-descendentes em
níveis culturais deficientes. Aliás, a qualificação ideal para o Instituto Rio
Branco não é apenas questão de desempenho acadêmico. Ela requer uma
certa bagagem cultural que não se adquire em cursinhos improvisados. Ela
vem do seio de famílias, às vezes muito modestas, mas informadas e
instruídas, de lares onde existem estantes de livros e conhecimentos gerais
sobre o mundo em que vivemos.
O diplomata é chamado a conviver com as camadas mais cultas dos
países onde serve. É bom que esteja preparado para isso. Não me parece
interessante ir buscar deliberadamente candidatos subprivilegiados
culturalmente, independentemente de sua origem étnica.
115
CONCLUSÃO GERAL
Neste trabalho discutiu-se o programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de
Vocação para a Diplomacia”, implementado em 2002 pelo Instituto Rio Branco, que
tem como meta beneficiar “afro-descendentes” que queiram se preparar para o
Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata. Observamos que este programa do
Instituto Rio Branco faz parte de uma série de projetos elaborados no governo de
Fernando Henrique Cardoso cuja me ta seria a “Valorização da População Negra”. A
quando do lançamento do programa, Fernando Henrique Cardoso observou-se a
necessidade de uma representação mais diversificada do Brasil “Precisamos ter um
conjunto de diplomatas – temos poucos - que sejam o reflexo da nossa sociedade, que é
multicolorida e não tem cabimento que ela seja representada pelo mundo afora como se
fosse uma sociedade branca, porque não é” (Cardoso, 2002), reconhecendo
publicamente a sub-representação da população negra no Itamaraty.
Uma questão importante observada na primeira parte deste trabalho deve-se a
reação negativa de um diplomata (depoimento que tivemos acesso) quanto da
implementação da ação afirmativa para “afro-descendentes” no Instituto Rio Branco.
Se, por um lado, o Ministro das Relações Exteriores reconhece a necessidade de
democratizar o acesso à Carreira de Diplomata e diversificar o corpo diplomático, por
outro lado o programa recebeu críticas contundentes do diplomata M. Pio Corrêa que
caracterizou a idéia de diversificar o corpo diplomático brasileiro de “imprudente”,
dizendo que o Instituto Rio Branco “não é campo adequado para fazer experiências
sociais” e que “o Itamaraty não é um instrumento de distribuição de justiça social”.
Com isso, observamos que o programa não foi imposta pelo governo sob pressões
internacionais e do movimento negro sem provocar reações por parte do corpo
diplomático brasileiro, mas não criou uma polêmica tão acirrada quanto à provocada
pela implementação de políticas de cotas (reservas de vagas) para negros e pardos em
algumas universidades públicas como na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj), na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) com as Leis Estaduais
3.524/2000 e 3.708/2001; e na Universidade de Brasília (UnB) com a aprovação de
critérios como a fotografia para confirmar a auto-declaração dos estudantes que
deveriam ser beneficiados pelas cotas. Será que as discussões sobre a implementação do
programa de ação afirmativa para “afro-descendentes” no Instituto Rio Branco não
foram tão calorosas em virtude do programa não afetar em nada, direto ou
116
indiretamente, a estrutura de seleção do IRBr, ou seja, o Concurso de Admissão à
Carreira de Diplomata (CACD)?
Outra questão levantada na análise da primeira parte está relacionada ao
emprego da categoria “afro-descendente” no processo de seleção dos bolsistas. Criada
pelo movimento negro na década de 1990, a categoria “afro-descendente” é usada na
maior parte dos programas de ação afirmativa de corte racial no governo anterior e no
atual para beneficiar a população negra. Nos dois primeiros programas implementados
pelo Instituto Rio Branco, a categoria foi utilizada para selecionar os candidatos às
bolsas, mas já no terceiro observa-se uma mudança na categoria e, como o programa
adota o critério de autodeclaração, algumas dificuldades foram observadas na seleção.
Tudo indica que os problemas decorrentes dessa autodeclaração devem-se à
“ineficiência” da categoria em definir precisamente o público alvo da ação afirmativa.
Dado a isso, o Instituto Rio Branco, atualmente, usa duas categorias “afro-descendente
(negros)” para selecionar os candidatos elegíveis.
Com relação ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata do Instituto Rio
Branco, verificamos que é um dos concursos mais difíceis do país e, para efeito de
comparação, dos 5.791 inscritos em 2003, apenas 39 lograram aprovação, 0,7% do total
(IRBr, 2004). O processo de seleção é rigoroso e exige um alto nível cultural e
intelectual dos candidatos. Tem uma duração de três meses e, no período estudado, foi
realizado em 5 fases versando sobre os mais diversos assuntos, conforme pudemos
verificar no capítulo I. Outro assim, a relação candidato/vaga é muito alta, em média
100 candidatos por vaga; e, em média, 30 vagas são disponibilizadas anualmente, porém
nem sempre são preenchidas. Vimos que o processo de preparação para a Carreira de
Diplomata precisa ser “um projeto de vida” traçado a médio e longo prazos; que os
“candidatos em potencial” começam a ser preparados desde a tenr a idade. Outro
aspecto verificado ao longo da pesquisa é que, devido ao nível elevado de exigências
cultural e intelectual, muitos interessados (brancos e “não-brancos”) na Carreira se
candidatam ao concurso diversas vezes até conseguirem ingressar no Itamaraty.
No que diz respeito especificamente ao programa “Bolsa-Prémio de Vocação
para a Diplomacia” para “afro-descendentes”, observamos que programa concedeu aos
vinte bolsistas selecionados em 2002 uma bolsa no valor de 1500 mil reais mensais para
custear despesas com a contratação de professores, cursos e para a compra de materiais
bibliográficos, por um período de 10 meses. Muitos bolsistas precisaram se deslocar
117
para cidades como S. Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, a procura de cursos e professores
que preparem candidatos à Carreira de Diplomata, mas, não conseguiram usar os
recursos da bolsa para se deslocar e muito menos para se desligar do trabalho, nesse
período, para se dedicar exclusivamente aos estudos sem preocupações com as despesas
e as contas do final do mês. Ademais, consideram dez meses de bolsa muito pouco para
preencher as condições necessárias para enfrentar o Concurso do Instituto Rio Branco,
como deixa bem claro o diplomata M. Pio Corrêa.
Inscreveram, nesse período, quatrocentos e três candidatos que se
autodeclararam “afro-descendentes”; do total, vinte bolsistas foram selecionados e
apenas uma candidata logrou aprovação para o Itamaraty. Dada a expressividade desse
número de candidatos inscritos, e sabendo que a população negra representa 45,0% da
população brasileira e que apenas 1% de negros integra o corpo diplomático brasileiro,
partimos da hipótese de que havia e há uma demanda “reprimida” de uma “classe média
negra” intelectualmente preparada pleiteando cargos de direção e de poder que até então
estivera ausente.
A análise dos dados gerais dos candidatos revelara que é um grupo bastante
heterogêneo no concernente aos indicadores sociais como escolaridade, ocupação e
renda familiar; que a maioria tem estado civil solteiro; estão entre as faixas etárias de 20
a 62 anos de idade – média de 34 anos, mas com maior concentração em torno do 29
anos; são provenientes de diversas regiões do Brasil - principalmente das regiões
sudeste - das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo; e estão situados nos bairros de
classe média urbana. A maioria é da primeira geração a conseguir fazer um curso
superior na família, cursos em diversas áreas, e alguns tem cursos de pós-graduação.
Com relação à ocupação, dividimo-la em não-manual (alto, médio e baixo) e manual
(alto e baixo); e através dessa divisão pudemos verificar que a maioria dos candidatos
trabalha em ocupação não-manual de nível alto, ocupações de maior prestígio social,
como medicina, economia, etc. E no tocante à renda familiar declarada, seguindo o
modelo de Waldir Quadros, verificamos que a maioria dos candidatos está alocada na
“classe média baixa”. No entanto, os bolsistas são “classe média média”
economicamente e tem status social privilegiada. Desta feita, as constatações são de que
os candidatos são integrantes da “classe média negra” no tocante à renda familiar, à
ocupação e à escolaridade, apesar da renda familiar mostrar-se bastante heterogênea.
A partir dos resultados obtidos na análise dos dados quantitativos gerais e dos
qualitativos dos bolsistas, verificamos que a maioria (dos entrevistados e dos que
118
responderam ao questionário) não se considera integrante da “classe média negra” tendo
como “grupo de referência” àquelas pessoas consideradas por eles como integrantes
efetivos da classe média. Ao comparar os bens amealhados ou “bens adquiridos”,
indicativos de classe média, com os bens de outras pessoas consideradas por eles de
classe média e da “classe alta”, consideram-se relativamente privados e reclamam de
não possuírem “bens herdados” que os permitiriam competir em igualdade de condições
com “os brancos”, com os “herdeiros da profissão” no Concurso de Admissão à Carreira
de Diplomata.
Em se tratando da “classe média negra”, uma classe socialmente mais
privilegiada e intelectualmente preparada, a “privação relativa” é observada no processo
de mobilidade para posições e cargos de alto prestígio social. Alguns pesquisadores
observam que os negros sofrem “desvantagens cumulativas”, desvantagens que os
impedem de atingir cargos de direção e poder, não pela falta de qualificação, mas pelas
barreiras impostas pela sociedade em função da cor ou raça. Com relação a isso, a
maioria dos bolsistas, apesar de não ter a representação de si como integrante da “classe
média negra”, mesmo reconhecendo certos privilégios, tem consciência política e social
de que faz parte de um “grupo” social que sofre “privação relativa” para conseguir
ocupar altos cargos na sociedade por causa do racismo e da discriminação, daí as
expectativas em relação à ação afirmativa no Instituto Rio Branco. Os bolsistas almejam
ingressar no Itamaraty para “fazer a diferença”, para representar a população negra e
“colorir” o corpo diplomático, e também para fazer parte de um grupo de status.
Outro assim, o Programa de Formação e Aperfeiçoamento – Primeira Fase
(PORFA-1) do Instituto Rio Branco não exige esforços extremos dos alunos para
acompanhar as matérias ministradas no Instituto Rio Branco, matérias já
exaustivamente estudadas para o concurso. E que, portanto, o curso consiste
basicamente de um “adestramento” dos alunos do Rio Branco ao “ethos” e “visão de
mundo” da “Casa”, por dois anos. Como as matérias ministrados no IRBr não
acrescentam muita coisa ao conhecimento até então adquirido, segundo um aluno do
Rio Branco, concluímos que esses dois anos poderiam servir para avaliar afetivamente
os talentos e as qualidades dos alunos, o que daria maior funcionalidade ao curso.
Como já vimos, o programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco não
mexe na estrutura e no processo seletivo do Itamaraty cuja função é “reproduzir a sua
elite burocrática”. Portanto, se o programa continuar selecionando apenas um candidato
anualmente – dos 80 bolsistas selecionados nos três programas implementados até
119
então, três candidatos (3,8%) lograram aprovação para o Itamaraty – somente daqui a
uns 50 anos existirão 50 negros nessa Instituição se nenhum se aposentar ou deixar a
instituição por outro motivo qualquer. Portanto, somente daqui a muitos anos o corpo
diplomático será efetivamente diversificado. Se existe uma “classe média negra”
intelectualmente qualificada, como explicar tão poucos negros (1,0%) no Itamaraty?
Realmente, é prematuro avaliar um programa com somente três anos de duração.
Mas, o programa recebe uma avaliação posit iva por parte dos beneficiados
argumentando que obtiveram disciplina nos estudos, conhecimentos diversificados e
consistentes, apesar das restrições observadas por eles. Também representa mais uma
vitória para o movimento negro, apesar deste lutar por cotas no Itamaraty. Apesar das
limitações observadas ao longo do texto, concluímos que o programa é positivo, possui
aspectos positivos. Mas algumas modificações no processo de escolha de novos
integrantes do corpo diplomático brasileiro precisam ser feitas para que ocorra
realmente a diversificação étnica nesse espaço.
Estamos cientes de que algumas questões mereciam uma atenção mais acurada e
que o trabalho aqui apresentado significa simplesmente uma tentativa de entender o
programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” e o processo de vivência
daqueles que procuraram o programa para uma tentativa de ingressar no Itamaraty.
Portanto, ainda há muito a ser feito e explorado neste programa.
Qual é o significado do negro na Carreira de Diplomata? Bem, essa é uma
questão que demanda muita reflexão e pesquisa, e também não é uma questão abordada
neste trabalho. Porém, podemos dizer que o negro na Carreira de Diplomata tem um
significado político e simbólico muito grande. Dentre outros significados: representa a
“transposição” de barreiras impostas para se inserir no “reduto” da “elite branca
burocrática” do Itamaraty; significa a criação de referências, em posições de destaque e
de prestígio social, para a população negra; e, além de simbolizar a efetiva
democratização da sociedade brasileira, significa estar em “um importante espaço social
no âmbito da estrutura burocrática do Estado que pode favorecer a transformação de
idéias em atitudes socialmente compartilhadas, isto é, em cultura Política” (Botelho:
2003: 1)
120
Algumas sugestões:
Como diz o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorin, o objetivo da
retirada do caráter eliminatório da prova de inglês é não privilegiar aqueles que tiveram
oportunidades na vida de viajar e viver no exterior, e proporciona r maior
democratização no concurso, “É alargar o leque de pessoas que possam vir a ser
diplomatas. Há muitas pessoas que eu conheci ao longo da vida que teriam todas as
condições para ser diplomatas, mas que talvez tivessem dificuldade de passar em um
exame de inglês eliminatório. (...) O importante é que o Estado brasileiro, por meio do
Itamaraty, está tomando para si a responsabilidade de dar uma formação a pessoas
que tenham competência para ser diplomata, mas que ainda não puderam, por
dificuldades financeiras ou por circunstâncias de vida, ter completado os
conhecimentos nessa aptidão”. Se o objetivo é realmente a efetivação da
democratização do acesso à Carreira de Diplomata, e as decisões tomadas até então
nessa direção - tais como a implementação de um programa de ação afirmativa, a
retirada do caráter eliminatório da prova de inglês - algumas outras modificações
poderiam ser feitas para atingir efetivamente a diversificação do corpo diplomático, tais
como:
a) Diminuir o nível de exigência intelectual e cultural na Primeira Fase (Teste
de Pré-seleção -TPS) - o que não significa um “nivelamento para baixo” - do Concurso
de Admissão à Carreira de Diplomata para permitir que maior número de candidatos
tenham a possibilidade de mostrar seus talentos e qualificações;
b) Repensar a estrutura inicial de selecionar candidatos, haja visto que o TPS - a
primeira fase do processo de seleção que se pauta em questões de múltipla escolha -
não mede a capacidade intelectual, interpretativa e crítica do candidato. Talvez a
inversão do processo: provas dissertivas e interpretativas que avaliem o talento, a
capacidade intelectual e crítica dos candidatos; e uma entrevista a serem realizados nas
primeiras fases do processo seletivo. Sendo assim, seriam adotados critérios objetivos e
subjetivos de avaliação da excelência acadêmica, do mérito e dos talentos dos
candidatos. Como se pode avaliar as qualidades pessoais, o talento e as experiências dos
candidatos em ultrapassar barreiras e resolver problemas por meio de provas de
múltiplas escolhas?
c) Repensar o Programa de Formação e Aperfeiçoamento – Primeira Fase
(PORFA-1) para que possa ter maior funcionalidade e não se restringir ao
121
“adestramento” dos novos integrantes do corpo diplomático. Esse elevado nível
intelectual e cultural poderia ser exigido durante o funcionamento do PROFA-1 e este
poderia ter a função efetiva de avaliação para aprovação/reprovação dos possíveis
diplomatas ao longo do processo de preparação.
Portanto, realizadas mudanças em devidas proporções no processo de seleção do
Instituto Rio Branco de modo a possibilitar o acesso de maior número de pessoas
qualificadas e intelectualmente preparadas para exercer a função de representação do
Brasil no exterior provavelmente não haveria a necessidade de implementar ação
afirmativa, mas enquanto isso não acontecer, elas são extremamente necessárias em
função da “privação relativa” sofrida pelos negros e outros segmentes sociais.
Evidentemente, essas políticas devem ser medidas do Estado e da sociedade brasileiros
e não somente políticas de um governo, pois como observa Elisa Reis (2000), as elites
(políticas, burocráticas, empresariais e sindicais) não nutrem nenhuma simpatia pelas
políticas de discriminação positiva, particularmente a implementação do sistema de
cotas. É evidente também a necessidade de estabelecer metas e avaliações para verificar
a eficiência dos programas de ação afirmativa e verificar se estão trazendo resultados
positivos para os beneficiados e a para a sociedade como um todo.
Sugestões para estudos futuros:
Como boa parte das profissões, a Carreira de Diplomata reproduz o quadro das
desigualdades sociais e raciais da sociedade brasileira. Na “Mesa Redonda: Mulher e
Diplomacia” organizada pela Fundação Alexandre Gusmão (FUNAG) em colaboração
com o Instituto Rio Branco (IRBr) para a comemoração do dia 8 de março, dia
Internacional das Mulheres, 2003, a Embaixadora Thereza Maria Machado Quintella7,
Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) reconhece que as mulheres
são discriminadas no Itamaraty e enfrentam vários obstáculos para chegar a posições de
chefia e de poder. Demonstrou em um artigo que as diplomatas se acumulam nas classes
de Primeiro Secretário e Conselheiro; que elas vão galgando os degraus mais ou menos
como os seus colegas, às vezes até num ritmo mais acelerado, mas quando chegam ali
elas param. Diz que há uma acumulação de mulheres na classe de Primeiro Secretário e
122
a partir dali as promoções tornam-se realmente muito difíceis. As mulheres se reúnem
para debater as dificuldades enfrentadas por elas para atingir os últimos degraus da
Carreira. Elas constituem cerca de 25% do corpo diplomático brasileiro (não temos a
confirmação desse dado), e algumas já são embaixadoras (último degrau da carreira).
Se as mulheres são discriminadas, como estará a situação dos 1% de negros no
Itamaraty? Como é a relação e a interação social entre eles e os outros integrantes do
corpo diplomático? Que funções exercem e em qual degrau na hierarquia da Carreira se
encontram? Quantos anos são funcionários públicos do Ministério das Relações
Exteriores? Sentem-se discriminados no Itamaraty?
123
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ANEXO I
Questionário
O objetivo da pesquisa é fazer uma descrição do Programa de “Bolsa-Prêmio de
Vocação para a Diplomacia” do Instituto Rio Branco e uma análise sociológica do perfil
sócio-econômico dos candidatos ao programa, enfatizando os bolsistas selecionados, em
de 2002. A idéia inicial era fazer entrevistas com todos, mas como são candidatos
provenientes de deferentes regiões do Brasil e na impossibilidade de deslocamento a
essas regiões, e como as opiniões de todos são de extrema utilidade para a pesquisa,
elaborei um questionário com as mesmas perguntas feitas nas entrevistas com os
bolsistas residentes no Rio de Janeiro. A partir deste, interessa-me saber como os
candidatos vivenciaram o processo. Ninguém terá acesso aos questionários além da mim
e as informações serão utilizadas com nomes fictícios.
Gostaria muito de obter respostas de todas as perguntas, mas, caso não for
possível responder algumas delas, sintam-se à vontade e ainda caso queiram acrescentar
alguma informação importante terei muito gosto em considerar.
Como estou muito apertada com relação ao tempo, gostaria muito de receber as
respostas o quanto antes. Contando com a vossa compreensão, colocando-me à
disposição para quaisquer informações e agradecendo desde já a atenção. Meu telefone
é (021) 2587-9149; meus e-mails são [email protected] (o principal) e
1)- Onde obteve as primeiras informações sobre o concurso e a carreira? Tem parentes,
amigos ou conhecidos com algum vínculo com o Itamaraty?
2) - Como se preparou para fazer o concurso? Quanto tempo? Fez aulas preparatórias?
Pessoas que de uma maneira ou de outra influenciara na sua decisão de fazer o
concurso.
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3) - Você prestou o concurso mais de uma vez? Quantas vezes?
4) – A escolha do curso universitário tem alguma relação com a idéia de prestar o
concurso?
4) - Você se considera parte da classe média brasileira, porquê?
5) - Acha que o negro sofre de privação para alcançar determinados postos ou carreiras
na sociedade brasileira, porquê?
6) - Que avaliação você faz dessa política de ação afirmativa para “afro-descendentes”
no Instituto Rio Branco (IRBr). Na sua opinião esta política de ação afirmativa do IRBr
traz efetivamente benefícios para os negros?
7) - Nos três programas implementados pelo IRBr entraram três pessoas para a Carreira
Diplomática, sendo uma em 2002, outro em 2003 e mais um outro em 2004.
- Como você avalia esse modelo de ação afirmativa implementada pelo Instituto?
Satisfatório ou Insatisfatório e porquê?
8) – O objetivo do Instituto Rio Branco é proporcionar a “igualdade de condições” ao
conceder bolsas por um período de 10 meses.
- Você acredita que uma bolsa de 10 meses possa proporcionar tal igualdade entre os
concorrentes a uma vaga na carreira Diplomática?
9) – Se você considera insatisfatória a ação afirmativa implementada pelo IRBr, quais as
suas sugestões para uma política de integração da população negra no corpo diplomático
brasileiro?
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ANEXO II
REGULAMENTO DO INSTITUTO RIO BRANCO
CAPÍTULO I
Das finalidades
Art. 1º. O Instituto Rio Branco (IRBr), órgão do Ministério das Relações Exteriores, tem por finalidade:
I - o recrutamento, a seleção, a formação e o treinamento do pessoal da Carreira de Diplomata;
II - a execução de programas especiais de aperfeiçoamento dos funcionários de carreiras de nível de formação superior do Ministério das Relações Exteriores e de áreas afins;
III - o cumprimento das demais tarefas que lhe incumbir o Secretário-Geral das Relações Exteriores.
Parágrafo único. O IRBr manterá, como órgão de assessoramento de seu Diretor, um Conselho Consultivo, cujas funções e procedimentos serão estabelecidos em regimento próprio.
Art. 2º. Para atender a suas finalidades, o IRBr:
I - manterá os seguintes cursos:
a) Programa de Formação e Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA - I) da Carreira de Diplomata, criado pelo Decreto de 14 de setembro de 1995 e regulamentado pelas portarias de 1o de novembro de 1995 e de 10 de novembro de 1995.
b) Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas (CAD),
c) Curso de Altos Estudos (CAE); e
d) outros cursos de interesse do Ministério das Relações Exteriores.
II - promoverá programas de estudo e projetos de pesquisa em áreas relacionadas com a atuação da política externa brasileira, mediante convênios com universidades e centros de ensino assemelhados e concessão de bolsas de estudo, no Brasil e no exterior; e
III - participará de edições e co-edições de obras de interesse para a formação do diplomata brasileiro.
Art. 3º. O IRBr poderá, também, organizar concursos de provas para ingresso na Carreira de Diplomata, o qual dependerá de posterior habilitação no Curso Preparatório à Carreira Diplomática (CPCD), cujas normas serão objeto de legislação específica.
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CAPÍTULO II
Do Programa de Formação e Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA-I)
Seção I
Dos objetivos
Art. 4º. O PROFA - I seguirá metodologia de curso em nível de Mestrado em Diplomacia e terá por finalidade dar início à formação dos funcionários nomeados para o cargo inicial da Carreira de Diplomata do Serviço Exterior, bem como avaliar suas aptidões e capacidade durante o estágio probatório de que trata o art. 8º da Lei nº 7.501, de 27 de junho de 1986.
Parágrafo único. Terão matrícula automática no PROFA-I os candidatos, aprovados no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, que tiverem sido nomeados para o cargo inicial da Carreira e nele tomado posse.
Seção II
Do concurso de admissão
Art. 5º. O Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata será regido por edital do Diretor do IRBr, a ser publicado no Diário Oficial da União.
Art. 6°. A ordem de classificação final no Concurso determinará a ordem de ingresso no cargo da classe inicial da Carreira de Diplomata.
§ 1°. A classificação final dos aprovados será definida pela média aritmética das notas obtidas nas provas que se definirem no Edital.
§ 2°. Será concedido o Prêmio Lafayette de Carvalho e Silva ao primeiro e segundo lugares no Concurso, sob a forma de medalhas de prata e bronze, respectivamente.
Art. 7º. O Diretor do IRBr informará os aprovados da data da nomeação e da posse no Serviço Exterior, bem como do início do PROFA - I.
Art. 8°. Uma vez nomeados, os aprovados no Concurso tomarão posse, ainda que mediante procuração específica, em data indicada pelo Diretor do IRBr, iniciando as atividades introdutórias do PROFA - I, observada a legislação sobre a matéria.
Art. 9°. O início das atividades obrigatórias do PROFA - I ocorrerá até 15 (quinze) dias após a posse.
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Seção III
Da organização, estrutura, regime didático e atividades do PROFA - I
Art. 10. A organização, a estrutura, o regime didático e as atividades do PROFA - I darão ênfase, em função das necessidades da Carreira de Diplomata, à formação e ao aprimoramento do servidor nomeado, doravante designado como diplomata.
Art. 11. O PROFA - I terá duração de dois anos e será organizado em 4 (quatro) períodos assim distribuídos:
I - o Primeiro Ano terá dois períodos consecutivos de curso - composto de matérias conceituais ou profissionalizantes -, com duração de não mais de 20 semanas cada semestre; e
II - o Segundo Ano, também de dois períodos, será composto eminentemente de estágios profissionalizantes na Secretaria de Estado das Relações Exteriores (SERE) e em postos no exterior.
Art. 12. A estrutura do PROFA - I, incluindo a seleção de postos no exterior para a missão transitória e das unidades da SERE para efeitos de estágio, e o período de férias serão definidos pelo Secretário-Geral das Relações Exteriores, por proposta do Diretor do IRBr, pelo menos 30 (trinta) dias antes do início de cada semestre letivo.
Seção IV
Da avaliação e aprovação no PROFA - I e da confirmação no Serviço Exterior
Art. 13. A aprovação no PROFA - I constitui condição essencial para confirmação no Serviço Exterior, nos termos do Decreto de 14 de setembro de 1995.
Art. 14. A avaliação de cada diplomata no PROFA - I caberá aos professores das matérias, às Chefias imediatas e ao Diretor do IRBr.
Art. 15. Haverá avaliações semestrais e anuais.
Art. 16. A avaliação reunirá:
I - As notas, graduadas de 0 (zero) a 100 (cem), dadas pelos professores das matérias a exames escritos, exames orais e/ou simulações de trabalho e monografias finais;
II - Os conceitos emitidos pelo Diretor do IRBr e/ou Chefias imediatas na SERE e no exterior segundo critérios de produtividade, assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa e responsabilidade, merecendo atenção, ainda, o desempenho nas atividades
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profissionais, a conduta pessoal e a integração com a carreira. Os conceitos emitidos constarão dos assentamentos pessoais dos diplomatas.
§ 1°. Os conceitos a que se refere o inciso II acima serão emitidos em formulário próprio, correspondendo a uma escala de A (excelente) a D (insuficiente).
§ 2°. Serão considerados "satisfatórias" as notas iguais ou superiores a 60 (sessenta) e os conceitos A (excelente), B (bom) e C (regular).
§ 3º. As notas em Francês e Espanhol não serão computadas para efeito de cálculo da avaliação no PROFA - I , de que trata o artigo 17, mas se inferiores a 60 (sessenta), implicarão a obrigatoriedade de aulas até a obtenção da nota mínima, como pré-condição para a primeira remoção para o exterior.
Art. 17. Será considerado aprovado no PROFA - I e terá, portanto, recomendada sua confirmação no Serviço Exterior o diplomata que obtiver:
I - avaliação por matéria igual ou superior a 60 (sessenta); e
II - conceitos satisfatórios em todos os estágios.
Art. 18. Em caso de insuficiência de notas ou de avaliação insatisfatória, o Diretor do IRBr notificará formalmente o diplomata e o Diretor Geral do Departamento de Serviço Exterior para inclusão nos respectivos assentamentos pessoais.
§ 1º. Só será admitida uma notificação.
§ 2º. Na eventualidade de uma Segunda notificação, o Secretário-Geral das Relações Exteriores designará Comissão composta de três diplomatas, incluindo o Diretor do IRBr e dois outros membros, estes dentre os Ministros de Segunda Classe e Conselheiros da Carreira, para examiná- la e fazer suas recomendações.
Art. 19. O Diretor do IRBr submeterá relatórios periódicos ao Secretário-Geral das Relações Exteriores, dando conta das avaliações dos diplomatas e, se for o caso, das notificações.
Art. 20. O diplomata poderá recorrer das notas ou da avaliação ao Secretário-Geral das Relações Exteriores. O Secretário-Geral das Relações Exteriores examinará o recurso e emitirá parecer, podendo, para isso, designar Comissão composta de três diplomatas, incluindo o Diretor do IRBr e dois outros membros, escolhidos entre os Ministros de Segunda Classe e Conselheiros da Carreira.
Parágrafo único. Desse parecer, se contrário ao recurso, será dada vista ao diplomata pelo prazo de 5 (cinco) dias.
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Art. 21. No correr do último semestre do PROFA - I, o Secretário-Geral das Relações Exteriores encaminhará relatório do Diretor do IRBr ao Ministro de Estado das Relações Exteriores com seu parecer.
Parágrafo único. Desse parecer, se contrário à confirmação, será dada vista ao diplomata pelo prazo de 5 (cinco) dias.
Art. 22. Apreciando os pareceres e as defesas, o Ministro de Estado das Relações Exteriores aprovará o resultado do PROFA - I e submetê- lo-á ao Presidente da República para homologação por Decreto.
Art. 23. Será concedido o Prêmio Rio Branco ao primeiro e segundo lugares do PROFA - I, sob a forma de medalha de vermeil e de prata, respectivamente.
Art. 24. Respeitado o interesse do serviço, a seleção dos postos no exterior de que trata o art. 11, II, e a primeira lotação na SERE obedecerão a ordem de classificação dos diplomatas segundo média ponderada das notas finais obtidas no Concurso de Admissão, com peso um, e das notas de conclusão do PROFA-I, com peso três.
Art. 25. Aos detentores das três maiores médias ponderadas das notas finais obtidas no Concurso de Admissão, com peso um, e no PROFA-I, com peso três, o IRBr poderá oferecer matrícula em curso no exterior de curta duração, em área de interesse para a formação do diplomata.
Seção V
Dos alunos
Art. 26. Em sua vida pública e privada, o diplomata deverá manter sempre conduta pessoal irrepreensível.
Art. 27. O diplomata deverá solicitar autorização do Secretário-Geral das Relações Exteriores, por intermédio do Diretor do IRBr, para manifestar-se publicamente sobre matéria relacionada com a política externa brasileira ou temas aos quais tenha tido acesso por força de sua função.
Art. 28. As atividades de formação e aperfeiçoamento, programadas no âmbito do PROFA - I, são obrigatórias.
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Art. 29. Como servidor público, o diplomata não pode faltar ao serviço sem justificativa sob pena de perda correspondente da remuneração.
Art. 30. Considerando os objetivos e a estrutura do PROFA - I, não serão admitidos repetência de matérias, segundas chamadas de exames escritos ou orais, nem adiamentos de entrega de monografias, a não ser nos casos previstos em Lei.
CAPÍTULO III
Do Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas (CAD)
Art. 32. O Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas (CAD), regulado por portaria ministerial de 12 de setembro de 1995, será mantido pelo IRBr como parte integrante do sistema de treinamento e qualificação contínuos na Carreira de Diplomata, com o objetivo de aprofundar e atualizar conhecimentos necessários ao desempenho das funções exercidas por Segundos e Primeiros Secretários.
§ 1°. A conclusão do CAD, nos termos do inciso IV, do art. 6º do Regulamento do Pessoal do Serviço Exterior, aprovado pelo Decreto nº 93.326, de 1º de outubro de 1986, é requisito para a promoção por merecimento a Primeiro Secretário.
§ 2°. A conclusão do CAD assegura aos funcionários lotados no exterior a vantagem de comissionamento como Conselheiros em postos do grupo "C", nos termos do art. 67, Seção IV, do Decreto nº 93.325, de 1º de outubro de 1986.
§ 3°. A conclusão do CAD assegura, ainda, aos funcionários lotados na Secretaria de Estado das Relações Exteriores (SERE), a vantagem da Gratificação de Habilitação Profissional e Acesso, estipulada pelos artigos 3º, V, e 5º, parágrafo único, I, do Decreto-Lei nº 2.405, de 29 de dezembro de 1987, e do art. 2º, § 5º, IV, da Lei n° 7.923, de 12 de dezembro de 1989.
Art. 32. As normas gerais que regem o CAD são as estabelecidas em instrumento próprio. O Diretor do IRBr divulgará, por Edital, normas complementares relativas a cada Curso.
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CAPÍTULO IV
Do Curso de Altos Estudos (CAE)
Art. 33. O Curso de Altos Estudos (CAE), regulado por portaria ministerial de 23 de julho de 1996, será mantido pelo IRBr como parte integrante do sistema de treinamento e qualificação na Carreira de Diplomata, com o objetivo de aprofundar e atualizar os conhecimentos necessários ao desempenho das funções exercidas pelos Ministros de Segunda Classe.
Parágrafo único. A conclusão do CAE, nos termos do art. 52, II, da Lei nº 7.501, de 27 de junho de 1986, e do art. 55, § 5º, do mesmo diploma legal, é requisito para a promoção a Ministro de Segunda Classe.
Art. 34. As normas gerais que regem o CAE são as estabelecidas em instrumento próprio. O Diretor do IRBr divulgará, por Edital, normas complementares relativas a cada Curso.
CAPÍTULO V
Do corpo docente
Art. 35. Integrarão o corpo docente do IRBr professores, professores-assistentes, conferencistas, examinadores de provas de concurso, orientadores de monografias, orientadores profissionais e orientadores de idiomas, todos designados por portaria do Diretor do IRBr.
§1º. Na eventualidade de o Diretor do IRBr integrar também o corpo docente do PROFA - I, a designação será feita por portaria do Secretário-Geral das Relações Exteriores.
§2º. Os professores das matérias conceituais e profissionalizantes e os orientadores de monografias do PROFA - I, bem como os examinadores de provas de concurso e demais bancas examinadoras serão escolhidos dentre professores universitários, com, pelo menos, título de Mestre e, preferentemente, de Doutor, e funcionários da carreira diplomática com notório saber e reconhecida experiência.
Art. 36. O Diretor do IRBr fixará os valores a serem pagos por preparação e desempenho de hora/aula e de hora/conferência, elaboração e correção de provas e recursos, correção de exames e de monografias e pelas tarefas envolvidas na orientação profissional, de monografias e de idiomas.
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Parágrafo único. Todos os valores serão fixados e seus beneficiários identificados em portaria do Diretor do IRBr, a ser publicada no Boletim de Serviço do Ministério.
CAPÍTULO VI
Das disposições gerais e transitórias
Art. 37. Todo curso ministrado no IRBr seguirá as normas gerais de organização, conduta e freqüência aplicáveis ao PROFA - I.
Parágrafo único. O Diretor do IRBr conferirá diploma aos participantes que concluírem satisfatoriamente os referidos cursos.
Art. 38. O Diretor do IRBr poderá conceder matrícula a alunos estrangeiros para freqüentarem, integral ou parcialmente, o Primeiro Ano do PROFA - I.
Art. 39. Para atender às finalidades da Instituição, e mediante autorização expressa do Secretário-Geral das Relações Exteriores, o Diretor do IRBr poderá firmar convênios ou memorandos de entendimento com universidades e centros de ensino assemelhados, no Brasil e no exterior.
Art. 40. Os casos omissos serão decididos pelo Diretor do IRBr, consultado, quando couber, o Secretário-Geral das Relações Exteriores.
DISPOSIÇÃO FINAL
Art. 41. Este Regulamento entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Luiz Felipe Lampreia
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ANEXO III
EDITAL DO DIRETOR DO INSTITUTO RIO BRANCO
EM 25 DE OUTUBRO DE 2002
(publicado no Diário Oficial da União em 18/11/2002)
O DIRETOR DO INSTITUTO RIO BRANCO torna público que estarão abertas, de 06 de janeiro a 21 de fevereiro de 2003, as inscrições para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, previsto nos Arts. 38 e 39, parágrafos únicos, da Lei n.º 7.501, de 27 de junho de 1986, regulamentados pelo Decreto de 14 de setembro de 1995, publicado no Diário Oficial da União em 15 de setembro de 1995. De acordo com a Portaria do Secretário-Geral das Relações Exteriores de 10 de novembro de 1995, publicada no Diário Oficial da União em 14 de novembro de 1995, o Concurso obedecerá às instruções constantes do presente Edital.
2. O Concurso será realizado pelo Instituto Rio Branco (IRBr), com a colaboração do Centro de Seleção e Promoção de Eventos, da Fundação Universidade de Brasília (CESPE-FUB), com o qual o IRBr mantém contrato de prestação de serviços técnicos especializados. O texto deste Edital e informações adicionais sobre o Concurso estarão disponíveis nos endereços eletrônicos do IRBr (http://www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm) e do CESPE (http://www.cespe.unb.br/diplomacia).
3. A aprovação no Concurso habilitará o candidato a ingressar em cargo da classe inicial da Carreira de Diplomata (Terceiro Secretário), de acordo com a ordem de classificação obtida, e a ter matrícula no Programa de Formação e Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA-I), e no Mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco (IRBr), de que é parte integrante aquele programa, regulamentado pela Portaria Ministerial de 1º de novembro de 1995, publicada no Diário Oficial da União em 8 de novembro de 1995.
4. A remuneração inicial do cargo de Terceiro Secretário é de R$ 4.130,22.
5. O presente Edital reger-se-á, no que couber, pela Portaria nº 01, de 07 de fevereiro de 2001, do Diretor do IRBr, publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de fevereiro do mesmo ano, que estabelece as condições de inabilitação aplicáveis aos candidatos inscritos no Concurso, respeitados os artigos 7º, XXI e 37, VIII da Constituição Federal, as Leis 7.853/89 e 8.112/90, e o Decreto nº 3.298/99.
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1. DAS VAGAS
1.1. É fixado em 30 (trinta) o número de vagas a serem providas, de acordo com a ordem de classificação dos candidatos aprovados no Concurso.
1.2. Do total de vagas, 3 (três) serão reservadas a portadores de deficiência e providas na forma do § 2º, do artigo 5º, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, publicada no Diário Oficial da União de 12 de dezembro de 1990, e do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, publicado no Diário Oficial da União de 21 de dezembro de 1999.
1.3. Para concorrer às vagas mencionadas no item anterior, o candidato deverá, no ato da inscrição, declarar-se portador de deficiência. Os candidatos que se declararem portadores de deficiência participarão do Concurso em igualdade de condições com os demais candidatos.
1.4. Os candidatos que se declararem portadores de deficiência deverão submeter-se, na Quarta Fase do Concurso, à perícia médica pela Junta de Avaliação, que terá decisão terminativa sobre sua qualificação como portador de deficiência, sobre o grau da deficiência e sobre a capacidade física para o exercício do cargo.
1.5. Esses candidatos deverão comparecer à perícia médica, munidos de laudo médico que ateste a espécie e o grau ou nível de deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doenças (CID), bem como à provável causa da deficiência.
1.6 As vagas definidas no subitem 1.2 que não forem providas por falta de candidatos portadores de deficiência, por reprovação no Concurso ou na perícia médica, serão preenchidas pelos demais candidatos, observada a ordem da classificação final.
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2. DAS INSCRIÇÕES
2.1. As inscrições poderão ser feitas pela Internet (www.cespe.unb.br/diplomacia) ou pessoalmente, na sede do Instituto Rio Branco ou nos Centros Regionais. Para tanto, o candidato deverá preencher requerimento de inscrição e recolher a taxa de inscrição no valor de R$ 80,00 (oitenta reais), que em nenhuma hipótese será restituída ao candidato.
2.1.1. Inscrições pela Internet: Será admitida inscrição pela Internet, no endereço eletrônico http://www.cespe.unb.br/diplomacia, a partir das 10:00 horas do dia 6 de janeiro de 2003 e até as 20:00 horas do dia 21 de fevereiro de 2003 (horário de Brasília).
2.1.1.1 O Instituto Rio Branco e o CESPE não se responsabilizam por solicitações de inscrição via Internet não-recebidas por motivos de ordem técnica dos computadores, falhas de comunicação, congestionamento das linhas de comunicação, bem como outros fatores de ordem técnica que impossibilitem a transferência de dados.
2.1.1.2 O candidato que desejar realizar sua inscrição via Internet poderá efetuar o pagamento da taxa de inscrição das seguintes formas:
a) por meio de débito em conta-corrente, apenas para correntistas do Banco do Brasil;
b) por meio de documento de arrecadação, pagável em qualquer lotérica; ou
c) por meio de boleto bancário, pagável em toda a rede bancária.
2.1.1.3 O documento de arrecadação e o boleto bancário estão disponíveis no endereço eletrônico http://www.cespe.unb.br/diplomacia e devem ser impressos para o pagamento da taxa de inscrição após o preenchimento da ficha de solicitação de inscrição on-line.
2.1.1.4 O pagamento da taxa de inscrição por meio de boleto bancário ou de documento de arrecadação deverá ser efetuado até o dia 24 de fevereiro, primeiro dia útil após a data do encerramento das inscrições.
2.1.1.5 As solicitações de inscrição via Internet cujos pagamentos forem efetuados após a data estabelecida no subitem anterior não serão acatadas.
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2.1.1.6 As inscrições efetuadas via Internet somente serão acatadas após a comprovação de pagamento da taxa de inscrição, que será feita das seguintes formas:
a) para pagamentos efetuados por meio de débito em conta-corrente, comprovação de pagamento pelo Banco do Brasil;
b) para pagamentos efetuados por meio de documento de arrecadação, comprovação de pagamento pela Caixa Econômica Federal; e
c) para pagamentos efetuados na rede bancária, por meio de boleto bancário, comprovação de pagamento pelos bancos.
2.1.1.7 O comprovante de inscrição do candidato inscrito via Internet estará disponível no endereço eletrônico http://www.cespe.unb.br/diplomacia, após o acatamento das inscrições, sendo de responsabilidade exclusiva do candidato a obtenção desse documento.
2.1.1.8 O candidato inscrito via Internet não deverá enviar cópia de documento de identidade, sendo de sua responsabilidade exclusiva os dados cadastrais informados no ato de inscrição.
2.1.2. Inscrições na sede do Instituto Rio Branco ou nos Centros Regionais: os candidatos poderão também inscrever-se nos seguintes endereços:
a. Em Brasília:
- Instituto Rio Branco, Setor de Administração Federal Sul, Quadra 5, Lotes 2 e 3, CEP 70170-900, tels: (61)325-7000/5/6; fax:(61)322-8355; e-mail: [email protected]; Home-page: www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm.
b) nos Centros Regionais, nas seguintes capitais:
- Belém (PA): Primeira Comissão Brasileira Demarcadora de Limites, Av. Governador José Malcher, 349, Nazaré, CEP 66035-100, tels: (91) 242-5932/1043; fax: (91) 223-5506;
- Belo Horizonte (MG): Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. João Pinheiro, 100, 2º andar, CEP 30130-180, tel: (31) 3217-4604/4606, fax: (31) 3217-4610;
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- Curitiba (PR): Fundação Universidade Federal do Paraná (FUNPAR), Rua XV de Novembro, 1457, Centro, CEP 80060-000, tel: (41) 360-7400/360-7445; fax: (41) 362-2117;
- Florianópolis (SC): Comissão Permanente do Vestibular – COPERVE, Universidade Federal de Santa Catarina, Trindade, CEP 88040-900, tel: (48) 331-9953/331-9200; fax: (48) 234-2324;
- Fortaleza (CE): Departamento de Letras Estrangeiras – Universidade Federal do Ceará, Av. da Universidade, 2683, Benfica, CEP 60020-180, tel/fax: (85) 288-7612/288-7613, fax (85) 281-7036/223-1642;
- Porto Alegre (RS): COPERSE – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, R. Ramiro Barcelos, 2574, Bairro Santa Cecília, CEP 90035-003, tel: (51) 3316-5906/5907, fax: (51) 3316-5908;
- Recife (PE): Pós Graduação em Direito – Faculdade de Direito – Universidade Federal de Pernambuco. Rua do Hospício, 371, Bloco C, 2º andar, CEP 50060-080, tel/fax: (81) 3423-6056 / 3231-7551;
- Rio de Janeiro (RJ): Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores no Rio de Jane iro, Palácio Itamaraty, Av. Marechal Floriano, 196, Centro, CEP 20080-002, tel: (21) 2263-5562, fax (21) 2263-1462;
- Salvador (BA): Pró-Reitoria de Extensão – Universidade Federal da Bahia, Rua Leovigildo Filgueiras, 392, Garcia, CEP 40100-170, tels: (71) 328-7044/0124, fax: (71) 328-0127;
- São Paulo (SP): Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo – ERESP – Memorial da América Latina (Portão n° 12 – Metrô Barra Funda), Av. Auro Soares de Moura Andrade, nº 664, CEP 01156-001, tels: (11) 3823-4698, fax: (11) 3823-4699; e-mail: [email protected]
2.1.2.1 No caso das inscrições feitas no Instituto Rio Branco ou nos Centros Regionais, a taxa de inscrição deverá ser depositada na conta nº 33.448.112-0, Agência n° 3603-X, do Banco do Brasil S.A. (Banco 001), em favor de CESPE-UnB.
2.1.2.2 Ao solicitar a inscrição no Instituto Rio Branco ou nos Centros Regionais, o candidato deverá apresentar:
a) requerimento de inscrição, em formulário próprio do IRBr, no qual declare satisfazer as condições exigidas neste Edital;
b) original e fotocópia da carteira de identidade;
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c) comprovante de pagamento da taxa de inscrição (depósito bancário), que ficará retido.
2.1.2.3 Será permitida a inscrição por procuração, junto ao Instituto Rio Branco ou aos Centros Regionais, mediante entrega do respectivo mandato, acompanhado de cópia do documento de identidade do candidato e apresentação de identidade do procurador, o qual deverá estar em condições de prestar as informações solicitadas no formulário de inscrição. Deverá ser apresentada uma procuração para cada candidato, a qual ficará retida.
2.2. Requisitos : os candidatos deverão satisfazer às condições abaixo indicadas:
a) ser brasileiro nato, conforme Art. 12, § 3.º, V, da Constituição Federal;
b) estar em dia com o serviço militar;
c) estar em dia com suas obrigações de eleitor;
d) haver concluído curso superior de graduação plena, reconhecido.
2.3. Candidatos casados com estrangeiros : O candidato que tiver cônjuge de nacionalidade estrangeira será inscrito condicionalmente no concurso e, se aprovado, só será nomeado para o cargo na classe inicial da Carreira Diplomática se obtiver a autorização a que se referem os Arts. 48 e 50 do Regulamento de Pessoal de Serviço Exterior, aprovado pelo Decreto n.º 93.325, de 1º de outubro de 1986, a ser requerida na forma da legislação em vigor. Essa exigência aplica-se também ao candidato cuja separação judicial não tenha transitado em julgado.
2.4. Local das provas : no ato da inscrição, o candidato deverá declarar a cidade onde deseja realizar a prova da Primeira Fase, entre as opções relacionadas nas alíneas "a" e "b" do item 2.1.2 acima. Cabe notar que, embora na mesma cidade, o local de realização de provas poderá não ser o mesmo das inscrições. Cada Centro Regional orientará especificamente os candidatos a respeito. As provas da Segunda Fase serão realizadas na mesma cidade onde o candidato tiver prestado o Teste de Pré-Seleção (TPS).
2.4.1. Os endereços dos locais de realização da prova da Primeira Fase serão publicados no Diário Oficial da União, por meio de edital, até o dia 7 de março de 2003, divulgados
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nos endereços eletrônicos http://www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm e http://www.cespe.unb.br/diplomacia e afixados na sede do Instituto Rio Branco e nos Centros Regionais.
2.5. Os candidatos que tencionem concorrer às vagas reservadas aos portadores de deficiência e as candidatas que necessitem dispor de local reservado à amamentação durante as provas deverão indicar tais circunstâncias nos campos específicos do formulário de inscrição.
2.6. O Guia de Estudos, que contém a legislação, o programa e as informações relativas ao Concurso, bem como exemplos de provas do concurso anterior e as respectivas melhores respostas às questões formuladas, estará disponível nos endereços eletrônicos http://www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm e http://www.cespe.unb.br/diplomacia. Os candidatos que assim desejarem poderão recolher 1(um) exemplar do Guia de Estudos na sede do IRBr ou nos Centros Regionais.
2.7. Normas gerais :
a) sempre que solicitado, o candidato deverá exibir sua carteira de identidade;
b) não haverá segunda chamada de prova alguma;
c) as provas escritas serão feitas com caneta de tinta preta ou azul;
d) no TPS apenas será permitido o uso de caneta esferográfica de tinta preta;
e) só quando expressamente autorizado, poderá o candidato ausentar-se do recinto da prova, assegurados os direitos das mães lactantes, como previsto no item 11.3;
f) será eliminado o candidato que: (i) não comparecer na hora aprazada a qualquer prova, exame ou atividade prevista; (ii) agir com incorreção ou descortesia; (iii) tentar comunicar-se por qualquer meio, durante as provas, com pessoa não autorizada; ou (iv) consultar, durante as provas, livro, notas ou qualquer outro material que não tenha sido expressamente admitido;
g) será eliminado, ainda, o candidato cuja prova apresentar qualquer sinal que possibilite sua identificação;
h) a nenhum candidato será dado alegar desconhecimento das presentes instruções ou das convocações e avisos feitos no decorrer do Concurso;
i) os casos omissos serão decididos pelo Diretor do IRBr.
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3. DAS FASES DO CONCURSO
3.1. O Concurso realizar-se-á em 5 (cinco) fases, em que todos os testes, provas e requisitos terão caráter eliminatório, segundo os critérios e os métodos de avaliação especificados neste Edital.
A Primeira Fase constará de um Teste de Pré-Seleção (ver item 4 abaixo).
A Segunda Fase terá duas provas: Português e Inglês (ver item 5 abaixo).
A Terceira Fase incluirá 7 (sete) provas: Questões Internacionais Contemporâneas, Português Oral, Inglês Oral, Geografia, História, Noções de Direito e Noções de Economia (ver item 6 abaixo).
A Quarta Fase verificará as condições físicas, psíquicas e comportamentais dos candidatos (ver item 7 abaixo).
A Quinta Fase será a da matrícula no Programa de Formação e Aperfeiçoamento de Diplomatas – Primeira Fase (PROFA-I), condicionada à satisfação das condições exigidas no item 2.2 deste Edital, e à apresentação do material e da documentação definidos no item 8 abaixo.
3.2. Só será admitido à prova ou à fase seguinte quem tiver sido aprovado na prova ou fase anterior.
4. DA PRIMEIRA FASE: TESTE DE PRÉ-SELEÇÃO (TPS)
4.1. Data, horário e local: dia 22 de março de 2003, às 14 horas (horário de Brasília), realizado simultaneamente em Brasília e nas cidades mencionadas na alínea "b" do item 2.1.2. acima. Terá a duração de 5 (cinco) horas.
Os candidatos deverão apresentar-se pelo menos 30 minutos antes do horário previsto para o início da prova, munidos do comprovante de inscrição e de cédula de identidade.
No TPS apenas será permitido o uso de caneta esferográfica de tinta preta.
4.2. Características - O TPS é prova de caráter eliminatório, composta de cem questões de múltipla escolha. Cada questão conterá cinco itens, dos quais apenas um constituirá a resposta correta. O candidato deverá marcar, para cada questão, um e apenas um item na folha de respostas, que será o único documento válido para a correção da prova.
As questões versarão, em sua maior parte, sobre as disciplinas cobradas nas fases subseqüentes do Concurso, sem necessariamente se limitarem aos programas estabelecidos para as provas da Segunda e da Terceira Fases. Nas questões de Português
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e Inglês, avaliar-se-á, além do conhecimento dos idiomas e do uso da norma culta, a capacidade de intelecção e interpretação de textos. Também poderão constar do TPS questões de cultura geral e brasileira.
3. Gabarito:
o gabarito do TPS estará disponível no dia 24 de março de 2003.
4.4. Avaliação: as folhas de respostas preenchidas pelos candidatos serão corrigidas por meio de processamento eletrônico. O candidato obterá um ponto para cada questão respondida acertadamente. Não pontuará nos casos de marcar a resposta incorreta, de marcar mais de um item em uma questão (ainda que um deles seja a resposta correta) ou de não marcar nenhum item.
Serão considerados aprovados na Primeira Fase do Concurso e, portanto, habilitados à Segunda Fase os candidatos que obtiverem notas iguais ou superiores à do 180º colocado. Serão, portanto, convocados seis candidatos para cada vaga aberta pelo Concurso, respeitados os empates na última colocação.
4.5. Resultados: a nota de corte – equivalente à obtida pelo 180° classificado – será anunciada até as 18 h do dia 25 de março de 2003, juntamente com a relação dos candidatos aprovados na Primeira Fase.
Dados a divulgação do gabarito e o método eletrônico de correção, não caberá recurso aos resultados do TPS.
A relação dos aprovados da Primeira Fase será enviada para publicação no Diário Oficial da União, em Edital que convocará os candidatos aprovados para a Fase seguinte do Concurso.
4.6. O resultado final do TPS não fará parte do cálculo da média global dos candidatos para efeito de ordem de classificação final no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata.
5. DA SEGUNDA FASE: PORTUGUÊS E INGLÊS
5.1. Português
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5.1.1. Data, horário e local: dia 5 de abril de 2003, às 9 h (horário de Brasília), na mesma cidade em que foi feito o TPS, tal como determinado no item 2.4. acima. Terá a duração de 5 horas.
5.1.2. Características - A prova de Português constará de leitura, compreensão e análise de um ou mais textos literários, jornalísticos, informativos ou científicos, para elaboração de resumo com a extensão de 200 a 250 palavras (valor: 30 pontos), e de redação sobre tema de ordem geral, com a extensão de 450 a 600 palavras (valor: 70 pontos). Serão avaliadas a adequação, a relevância e a estruturação das idéias desenvolvidas nos textos, bem como a correção gramatical e a propriedade da linguagem escrita, de modo a aferir a capacidade de intelecção e de produção de textos escritos de acordo com os padrões da norma culta da língua portuguesa.
5.2. Inglês
5.2.1. Data, horário e local: dia 6 de abril de 2003, às 9 h (horário de Brasília), na mesma cidade em que foi feita a prova de Português. Terá a duração de 5 horas.
5.2.2. Características - A prova escrita de Inglês constará de três partes: redação sobre tema de ordem geral, com extensão de 350 a 450 palavras (valor: 50 pontos); versão de um ou mais textos (valor: 30 pontos); e exercícios textuais (valor: 20 pontos). Exigir-se-á conhecimento avançado do idioma.
5.3. Aprovação: serão considerados aprovados na Segunda Fase do Concurso os candidatos que obtiverem as notas mínimas de 60 (sessenta), numa escala de 0 (zero) a 100 (cem), na prova de Português, e de 50 (cinqüenta), na de Inglês. O candidato que não comparecer a uma das duas provas, ou entregar uma prova em branco, ou com qualquer forma de identificação, estará automaticamente eliminado e não terá a outra prova corrigida.
5.4. Resultados: os resultados da Segunda Fase serão anunciados, na sede do IRBr, em Brasília, às 13 h do dia 5 de maio de 2003, e divulgados, nos demais locais onde se tenha realizado o Concurso, até as 18h deste mesmo dia. A vista de provas em Brasília e nos Centros Regionais será permitida a partir das 9 horas de 7 de maio de 2003.
5.5. Recursos: os candidatos terão direito à vista de provas, observadas as seguintes condições:
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a) a vista de provas e os pedidos de revisão de notas, doravante chamados de recursos, só serão aceitos quando requeridos pelo próprio candidato — não se admitindo, portanto, procurador para esse fim — e, sempre, nas cidades de realização da respectiva prova;
b) os recursos serão solicitados em formulário próprio, fornecido pelo IRBr;
c) só serão aceitos requerimentos de recursos fundamentados, que indiquem precisamente as questões e os pontos em que o candidato se tiver sentido prejudicado;
d) os requerimentos deverão ser apresentados até as 18 h do dia 9 de maio, em Brasília e nos Centros Regionais;
e) respeitada a fundamentação dos recursos, caberá ao Diretor do IRBr deferi- los para a consideração da Banca Examinadora;
f) o julgamento dos recursos terá caráter irrecorrível, passando a nota a ser definitiva;
g) o resultado dos recursos e, portanto, o resultado final da Segunda Fase, será anunciado até as 18 h do dia 14 de maio de 2003, na sede do IRBr, em Brasília, e mandado para publicação no Diário Oficial da União, em Edital que convocará os candidatos aprovados para as fases seguintes do Concurso.
6. DA TERCEIRA FASE
6.1. Os candidatos que tiverem sido aprovados nas provas da Segunda Fase nos Centros Regionais receberão do IRBr passagem aérea de ida e volta a Brasília e auxílio em dinheiro a partir do dia 4 de junho de 2003, data em que se deverão apresentar à sede do Instituto Rio Branco, e até quando se justificar sua presença na Capital Federal em razão do Concurso.
6.2. Local e calendário: as provas da Terceira Fase do Concurso realizar-se-ão na sede do Instituto Rio Branco, em Brasília, entre os dias 5 e 22 de junho de 2003, em horário e calendário a serem comunicados pela Secretaria do IRBr, e distribuir-se-ão da seguinte maneira:
a) Questões Internacionais Contemporâneas, Português e Inglês, no período de 5 a 9 de junho, em grupos alternados;
b) Geografia, em 14 de junho;
c) História, em 15 de junho;
d) Noções de Direito, em 21 de junho;
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e) Noções de Economia, em 22 de junho.
6.3. Das provas orais: nesta fase, as provas de Questões Internacionais Contemporâneas, Português e Inglês serão orais.
6.3.1. Questões Internacionais Contemporâneas:
a) a prova terá por objetivo verificar o conhecimento e a capacidade de reflexão do candidato sobre temas internacionais correntes, incluindo antecedentes, situação atual e posição do Brasil;
b) na argüição, serão igualmente avaliadas a capacidade do candidato de analisar o tema e de organizar sua exposição, e a forma de fazê- lo, do ponto de vista tanto da articulação de idéias como da capacidade de expressão verbal;
c) a Banca Examinadora valorizará particularmente o tratamento que ressalte os interesses brasileiros nos temas;
d) o candidato sorteará três temas e terá 20 (vinte) minutos para preparar exposição sobre um deles;
e) a exposição deverá ser de 10 (dez) minutos, seguida de perguntas da Banca Examinadora, que poderá, se julgar procedente para a avaliação do candidato, ampliar o tema inicialmente tratado, referindo-se, em particular, ao conteúdo da Bibliografia.
6.3.2 Português:
A prova oral de Português constará de avaliação da expressão e do correto uso verbal da língua pelo candidato, quando da prova de Questões Internacionais Contemporâneas. Será feita por Banca específica de Português, que acompanhará toda a exposição e argüição do candidato pela Banca Examinadora de Questões Internacionais Contemporâneas.
6.3.3. Inglês:
a) o objetivo da prova é verificar a fluência, a correção e a capacidade do candidato de se expressar e de discutir adequadamente, em língua inglesa, assuntos relacionados ao texto preparado;
b) o candidato sorteará um texto e terá 20 (vinte) minutos para prepará-lo, podendo recorrer a dicionário, posto à disposição pelo IRBr;
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c) a argüição constará de leitura em voz alta de parte do texto selecionado, seguida de resumo oral, análise de parágrafos ou frases, perguntas sobre significação de palavras ou frases e discussão de assuntos suscitados pelo texto.
6.3.4. Aprovação: será cons iderado aprovado nas provas orais o candidato que obtiver a nota mínima de 50 (cinqüenta) em cada uma das provas;
6.3.5. Resultados : os resultados das provas orais serão divulgados até as 10 h do dia 10 de junho;
6.3.6. Recursos:
a) o candidato que se sentir prejudicado pela avaliação poderá ouvir e transcrever a gravação de sua argüição, mas não poderá reproduzi- la em fita, e, se o fundamentar, dirigir pessoalmente requerimento de recurso ao Diretor do IRBr;
b) os requerimentos deverão ser apresentados até as 13 h do dia 11 de junho, para o devido deferimento pelo Diretor do IRBr;
c) o resultado dos recursos será anunciado até as 18 h do dia 12 de junho e terá caráter irrecorrível, passando a nota a ser definitiva.
6.3.7. O candidato reprovado em qualquer uma das provas orais será eliminado do Concurso.
6.4. Das provas escritas : nesta fase, as provas de Geografia, História, Noções de Direito e Noções de Economia serão escritas e:
a) terão a duração de cinco horas cada uma, com início às 9 h e término às 14 h;
b) serão compostas de cinco dissertações, no valor de 20 (vinte) pontos cada uma.
6.4.1. Nas provas de Geografia e História, três das questões obrigatoriamente tratarão do Brasil.
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6.4.2. Na prova de Noções de Direito, somente será admitida consulta a textos legais (a serem eventualmente fornecidos pela Direção do IRBr) quando expressamente autorizada.
6.4.3. A nota mínima exigida em História e Geografia é de 50 (cinqüenta) pontos e, em Noções de Direito e Noções de Economia, 40 (quarenta).
6.4.4. A reprovação em uma prova escrita eliminará o candidato do Concurso.
6.4.5. Os resultados das provas de Geografia e História serão anunciados conjuntamente, às 13 horas do dia 16 de junho. Respeitadas as regras de fundamentação e deferimento, os recursos poderão ser apresentados até as 18 horas do dia 18 de junho. O resultado final dessas provas será divulgado até as 18 horas do dia 20 de junho.
6.4.6. Apenas os candidatos aprovados nas provas de Geografia e História estarão habilitados a realizar as provas de Noções de Direito e Noções de Economia.
6.4.7. Os resultados das provas de Noções de Direito e Noções de Economia serão anunciados conjuntamente, às 13 horas do dia 23 de junho. Respeitadas as regras de fundamentação e deferimento, os recursos poderão ser apresentados até as 18 horas do dia 25 de junho. O resultado final dessas provas será divulgado até as 18 horas do dia 26 de junho.
7. DA QUARTA FASE: EXAMES MÉDICOS E PSÍQUICOS
7.1. Data, local e horário: os exames serão realizados a partir do dia 23 de junho de 2003, em local e horário a serem oportunamente informados pela Secretaria do IRBr.
7.2. Características - A Quarta Fase do Concurso visa a verificar se o candidato possui as condições físicas, psíquicas e comportamentais exigidas pela profissão de diplomata, nos termos do art. 7.º da Lei n.º 7.501, de 27 de junho de 1986. São condições de inabilitação as prescritas pela Portaria nº. 01, de 07 de fevereiro de 2001, do Diretor do IRBr, publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de fevereiro do mesmo ano.
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7.3. Junta de Avaliação: conduzirá a avaliação da higidez e da habilitação física e psíquica dos candidatos uma Junta de Avaliação presidida pelo chefe do Serviço Médico do Ministério das Relações Exteriores e integrada por dois outros médicos, não vinculados ao Ministério, com ampla experiência em clínica geral e psiquiatria. A Junta de Avaliação emitirá laudo sobre cada candidato, considerando-o "habilitado" ou "inabilitado".
7.4. Resultados: os resultados da Quarta Fase do Concurso serão afixados na sede do IRBr, em Brasília, no dia 27 de junho de 2003.
7.5. Recursos: o candidato inabilitado terá direito a recurso, mediante requerimento dirigido ao Diretor do IRBr, até as 13 horas do dia 30 de junho, a contar da divulgação de que trata a cláusula precedente. Para esse fim, o Diretor do IRBr designará Junta de Recurso, composta por quatro membros: (i) um Ministro de Primeira ou de Segunda Classe, que a presidirá, sem direito a voto; (ii) um dos médicos que tenha integrado a Junta de Avaliação; e (iii) dois outros médicos. Se o desejar, o candidato inabilitado poderá designar, por sua conta, um médico para apresentar à Junta de Recurso as razões que fundamentam sua inconformidade com a avaliação inicial. Com base na reavaliação efetuada, a Junta emitirá laudo final, a ser submetido ao Diretor do IRBr, que o elevará, com seu parecer, ao Secretário-Geral das Relações Exteriores. A decisão deste será final e irrecorrível.
7.6. Resultados finais : O resultado dos recursos e, portanto, o resultado final da Quarta Fase será anunciado até as 13 h do dia 1º de julho de 2003.
8. DA QUINTA FASE: MATRÍCULA
8.1. Data, horário e local: dia 1º de julho de 2003, às 15 h, na sede do IRBr, em Brasília.
8.2. Matrícula: a concessão da matrícula no Programa de Formação e Aperfeiçoamento de Diplomatas – Primeira Fase (PROFA-I) dos aprovados no Concurso estará condicionada à apresentação à Secretaria do IRBr de:
a) três fotos 3x4;
b) original e fotocópia dos seguintes documentos: (i) certidão de nascimento, (ii) prova de quitação com o
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Serviço Militar, (iii) título de eleitor (iv), comprovante de votação atualizado ou documento equivalente, (v) diploma ou certificado de conclusão, até 20 de junho de 2003, de curso superior de graduação, devidamente reconhecido e registrado pela instituição brasileira competente conforme previsto pela Lei de Diretrizes de Base de 1996 (Lei nº 9.394).
8.3. Os candidatos casados deverão apresentar, adicionalmente, certidão de casamento, formulário de dados pessoais e uma foto 3x4 do cônjuge. Se o cônjuge for estrangeiro, deverá ser cumprida a exigência de que trata o item 2.3 deste Edital.
8.4 O não cumprimento de qualquer dos requisitos acima acarretará a eliminação do candidato no Concurso.
9. RESULTADO FINAL DO CONCURSO
9.1. Será considerado aprovado o candidato que, tendo sido considerado habilitado em todas as cinco fases do Concurso, tiver, adicionalmente, obtido média global igual ou superior a 60 (sessenta) nas provas da Segunda e Terceira Fases.
9.2. A ordem de classificação no Concurso, calculada com base nas respectivas médias globais, determinará a ordem de ingresso na classe inicial da Carreira de Diplomata.
9.3. O resultado final do Concurso será anunciado, por ordem de classificação dos aprovados, isto é, pela ordem decrescente das respectivas médias globais, até as 14 h do dia 04 de julho de 2003, na sede do IRBr.
10. DA NOMEAÇÃO, DA POSSE E DO EXERCÍCIO
10.1. Da nomeação: Os candidatos aprovados no resultado final do Concurso serão nomeados por ato do Ministro de Estado das Relações Exteriores, no uso da competência que lhe foi delegada pelo Decreto n.º 83.940, de 14 de agosto de 1979, publicado no Diário Oficial da União.
10.2. Da posse: Uma vez nomeados, os candidatos aprovados no resultado final do Concurso tomarão posse, ainda que mediante procuração específica, no prazo de até 30 (trinta) dias, contados da publicação do ato de nomeação.
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10.3. Do exercício: O Diretor do Instituto Rio Branco determinará a data de início do efetivo exercício, em até 15 (quinze) dias após a data da posse.
11. DISPOSIÇÕES GERAIS
11.1. Os programas das matérias do Concurso serão detalhados no Guia de Estudos de que trata o item 2.5 acima.
11.2 É obrigatório o uso de traje passeio completo (terno e gravata para homens e indumentária correspondente para mulheres) da Terceira à Quinta Fases do Concurso. Exige-se, de toda maneira, traje apropriado para a Primeira e Segunda Fases.
11.3 É assegurado à mãe lactante, durante a realização das provas, local reservado para amamentação, caso manifeste tal necessidade no campo específico do formulário de inscrição. A candidata deverá levar acompanhante, que ficará em sala reservada para essa finalidade e será responsável pela criança durante o horário de realização de cada prova.
11.4. Identificação e Divulgação dos Resultados :
Na Primeira Fase, as respostas ao Teste de Pré-Seleção serão dadas em formulário ótico.
Na Segunda e Terceira Fases, as provas escritas não serão identificadas, para efeito de correção. Somente no momento do anúncio dos resultados ocorrerá a identificação em público.
11.5. Aceitação das Normas do Edital: o requerimento de inscrição implica o conhecimento e a aceitação, pelo candidato, de todos os prazos e normas estabelecidos pelo presente Edital. O candidato que fizer declaração falsa ou inexata, ou que não satisfizer às condições exigidas, poderá ter cancelada sua inscrição a qualquer momento, por decisão do Diretor do IRBr, publicada no Diário Oficial da União. Cancelada a inscrição, serão anulados todos os atos dela decorrentes.
JOÃO ALMINO DE SOUZA FILHO
Diretor
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ANEXO IV