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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito LIMITAÇÃO À AUTONOMIA PRIVADA PARENTAL NA EDUCAÇÃO DOS FILHOS Gláucia Maria Pinto Vieira Belo Horizonte 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Faculdade Mineira de Direito

LIMITAÇÃO À AUTONOMIA PRIVADA PARENTAL NA EDUCAÇÃO DOS FILHOS

Gláucia Maria Pinto Vieira

Belo Horizonte 2011

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Gláucia Maria Pinto Vieira

LIMITAÇÃO À AUTONOMIA PRIVADA PARENTAL NA

EDUCAÇÃO DOS FILHOS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação strictu sensu em Direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Direito Privado. Orientador: Professor Doutor Walsir Edson Rodrigues Júnior.

Belo Horizonte

2011

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Vieira, Glaucia Maria Pinto V657l Limitação à autonomia privada parental na educação dos filhos / Glaucia Maria

Pinto Vieira. Belo Horizonte, 2011. 176f. Orientador: Walsir Edson Rodrigues Júnior Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito 1. Autonomia pessoal. 2. Responsabilidade dos pais. 3. Educação no lar. 4.

Direitos fundamentais. 5. Direito à educação. I. Rodrigues Júnior, Walsir Edson. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 347.6

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Gláucia Maria Pinto Vieira

Limitação à autonomia privada parental na educação dos filhos

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação strictu sensu em Direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Direito Privado.

______________________________________________________________

Walsir Edson Rodrigues Júnior (Orientador) - PUC Minas _______________________________________________________________

Guilherme Nacif de Faria - UFV ________________________________________________________________

Lusia Ribeiro Pereira - PUC Minas

Belo Horizonte, 07 de fevereiro de 2011.

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A Deus... plenitude em minha vida.

Aos meus pais, Carlos e Maria José, meus exemplos, por terem me levado, através de suas

mãos, a conhecer mundos novos.

Aos meus irmãos César e Lúcio, e a meus sobrinhos Isabela e Filipe, por fazerem parte de

minha vida.

Ao Daniel, pela sua presença, carinho, amor e dedicação.

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AGRADECIMENTO Ao Professor-Doutor Walsir Edson Rodrigues Júnior, por ter compartilhado seu

conhecimento e me ajudado a trilhar essa etapa de minha caminhada. É com muito carinho

que agradeço sua orientação.

À Professora-Doutora Lusia Ribeiro Pereira, pelas preciosas contribuições ao meu trabalho.

Ao Professor-Doutor Lucas de Alvarenga Gontijo, por me ensinar a enxergar o direito pelas

óticas da filosofia.

A Luciana Dadalto Penalva, por compartilhar comigo sua experiência.

A meus pais Carlos e Maria, presenças constantes.

A minha tia Carminha, pelas constantes orações.

Ao César, querido irmão, por todo carinho.

Ao Dan, por todo o amor e compreensão.

Aos meus amigos, que até sem saberem, são co-responsáveis por este trabalho.

Obrigada!

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A ESCOLA

"Escola é... o lugar onde se faz amigos

não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos...

Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda,

que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente,

O coordenador é gente, o professor é gente, o aluno é gente,

cada funcionário é gente. E a escola será cada vez melhor

na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmão.

Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’. Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir

que não tem amizade a ninguém nada de ser como o tijolo que forma a parede,

indiferente, frio, só. Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,

é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem,

é conviver, é se ‘amarrar nela’! Ora , é lógico...

numa escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer,

fazer amigos, educar-se, ser feliz."

Paulo Freire

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RESUMO

A presente dissertação realiza um estudo a respeito da limitação à autonomia dos

pais na educação dos filhos. O principal objetivo é analisar se a proibição ao ensino

domiciliar na legislação nacional se faz correta e justa. Para tanto, examinam-se os

direitos e deveres parentais quanto à educação dos filhos, o dever do Estado na

prestação desse serviço, os princípios básicos que o delimitam e o direito à

educação de crianças e adolescentes como uma garantia fundamental, requisito

para a formação da personalidade e para o desenvolvimento pleno da pessoa

humana. O trabalho verifica a importância da instituição Escola como local para

desenvolvimento dos valores sociais e da cidadania, a fim de incutir na criança e no

adolescente as noções elementares de alteridade, como o respeito pelo outro. A

Escola é, assim, vista não só como o ambiente responsável pela educação formal,

mas também conveniente para o aprendizado dos contrastes, distinções e

diferenças. Defende-se a assertiva do Estado quanto à proibição à pratica do ensino

domiciliar na busca de uma educação igualitária e democrática, com fulcro no pleno

desenvolvimento da pessoa humana. Nessa direção, percorre-se o desenvolvimento

da legislação nacional através dos diversos momentos políticos vividos até a atual

Carta Magna, a qual dá um relevo expressivo ao direito à educação.

Consequentemente, há uma obrigatoriedade da prestação de uma educação plena,

justa e igualitária, determinando aos pais a obrigação de matricular os filhos na rede

regular de ensino. Busca-se, então, distinguir o papel da família, da escola, do

Estado e da sociedade no processo de Educação, voltada a um desenvolvimento

universal de valores culturais e humanísticos, como instrumento para a construção

de uma sociedade justa e que proteja a plenitude dos direitos sociais e o

crescimento humano.

Palavras-chave: Autonomia paterna. Ensino domiciliar. Direito fundamental.

Desenvolvimento. Direito à educação.

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ABSTRACT

The present dissertation carries out a study about the limitation to the parents’

autonomy in the children’s education. The main objective is to analyze if the

prohibition to the home schooling, in the national legislation, is correct and just. For

so much, the parents’ rights and obligations, as for the education of the children, the

State obligation, on the provision of this service, the basic principles, which limit it

and, the right to the education of the children and adolescents, as a fundamental

guarantee, requirement for the personality formation and full development of human

being are analyzed. The work verifies the importance of the School, as local for

development of the social values and of the citizenship, in order to instill in the child

and adolescent, the elementary notions of alterity, like the respect for the other. So,

School is seen, not only like the environment responsible for the formal education,

but also convenient for the learning of the contrasts, distinctions and differences. It

defends the assertive of State in relation to the prohibition to the practice of home

schooling, in search of an equalitarian and democratic education, with fulcrum on the

full development of the human being. In this direction, the development of the

national legislation is crossed, through several political moments lived until the

present Constitution, which gives an expressive prominence to the education right.

Consequently, there is an obligation of the provision of an education full, just and

equalitarian, determining to the parents the obligation of to enroll the children in the

regular net of teaching. Then, it searches to distinguish the role of the family, school,

State and of the society, on Education process come back to an universal

development of the cultural and humanistic values, as instrument for the construction

of a just society and that protects the fullness of the social rights and the human

growth.

Key-words: Paternal autonomy. Home schooling. Fundamental right. Development.

Education right.

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LISTA QUADRO

QUADRO 1 Legislação infraconstitucional..............................................................155

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LISTA DE SIGLAS

a.C- antes de Cristo.

ADI- Ação Direta de Inconstitucionalidade

AI- Agravo de Instrumento

CBE- Câmara de Ensino Básico

CEE- Conselho Estadual de Educação de Goias

CNE- Conselho Nacional de Educação

CR- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

d.C- depois de Cristo.

DF- Distrito Federal

ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente

IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Família

LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

PNE- Plano Nacional de Educação

STJ- Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................12 2 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO HOMEM ..... .....................21 2 .1 A Educação escolar no ciclo da história....... .................................................26 2.1.1 O Surgimento da escola como instrumento de formação humana em um contexto histórico ......................................................................................................26 2.1.2 A evolução social da educação como busca de cidadania e democracia ........37 2.2 Objetivos e valores da educação................ .....................................................39 3 A EDUCAÇÃO E A ESCOLA NO BRASIL................. ..........................................47 3.1 A educação nas Constituições nacionais ......... ..............................................47 3.2 A Constituição de 1824 e a escola.............. .....................................................50 3.3 A Constituição de 1891......................... ............................................................54 3.4 A Constituição de 1934......................... ............................................................57 3.5 A Constituição de 1937......................... ............................................................59 3.6 A Constituição de 1946......................... ............................................................61 3.7 A Constituição de 1967......................... ............................................................63 3.8 A Constituição de 1988......................... ............................................................65 4 FAMÍLIA, ESTRUTURA E DEVERES ..................... ..............................................73 4.1 Conceito e natureza de família................. ........................................................73 4.2 O conceito jurídico de família ................. .........................................................80 4.3 Os pais e seus deveres......................... ............................................................88 4.3.1 Responsabilidades parentais ...........................................................................91 4.4 Conceito de criança e adolescente.............. ....................................................94 4.5 Família como um espaço socioeducativo.......... .............................................99 4.6 Sistemas de proteção ........................... ..........................................................102 5 EDUCAÇÃO FORMAL E EDUCAÇÃO NO LAR................ .................................106 5.1 A Regulamentação Constitucional da educação.... ......................................114 5.2 Legislação infraconstitucional - Lei de Diretri zes e Bases da Educação...121 5.3 Estatuto da Criança e do Adolescente ........... ...............................................128 5.4 Breves notas sobre a educação domiciliar na leg islação estrangeira .......132 5.5 O valor da instituição escolar ................. .......................................................134 6 CASOS RECENTES DA MÍDIA.......................... .................................................138 6.1 Primeiro caso: Timóteo......................... ..........................................................141 6.2 Segundo caso: Anápolis......................... ........................................................146 6.3 Análise dos casos .............................. .............................................................149 6.4 Educação: um problema do Direito ............... ................................................154

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7 CONCLUSÃO ........................................ ..............................................................159 REFERÊNCIAS.......................................................................................................161

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1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação se caracteriza, metodologicamente, como uma

pesquisa bibliográfica da legislação nacional - incluindo o texto constitucional e os

infraconstitucionais - a respeito do direito das crianças e dos adolescentes à

educação, dos deveres paternos e da obrigatoriedade de matrícula e frequência

daqueles nas instituições regulares de ensino.

Busca uma reflexão concernente ao papel dos pais, do Estado e da

sociedade em face do direito fundamental da educação garantido no ordenamento

jurídico brasileiro a todos e, neste caso especificamente, aos menores.

O que se pretende demonstrar, a princípio, como produto da presente

pesquisa, é a legitimidade do controle do Estado na educação dos filhos: afinal ela é

justificável, não se apresentando somente como uma injusta limitação à autonomia

dos pais na educação dos menores. Após essa pretensão inicial, tem-se o propósito

de, a partir de indagações que envolvam necessidade e pertinência, justificar

peremptoriamente a presença dos limites à atuação parental no ordenamento

jurídico brasileiro e a importância da escola na construção dos ideais de cidadania, e

de uma sociedade justa e democrática.

A importância do tema se relaciona diretamente ao desenvolvimento da

criança e do adolescente, e o direito fundamental destes a uma educação plena.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990).

Não poderiam os pais serem os agentes desse processo, já que a eles se

determina o dever de fornecer aos filhos a educação plena? Há diferenças na

educação formal que a torna merecedora de instrumento específico?

Em virtude de tais questões, a discussão a respeito do ensino no Brasil é

pertinente. Deve-se compreender, em suas razões legais, pedagógicas e

epistemológicas, o porquê à limitação a autonomia dos pais a educação dos filhos.

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A educação neste século passa a ser entendida como um processo de

humanização, que vai além do crescimento individual. Ela prepara o homem para o

convívio social, e a instituição escolar torna-se o local para a formação da imagem

do outro - e consequentemente de si -, onde a criança e o adolescente irão construir,

além de sua formação pessoal, o conhecimento dos limites, e noção de alteridade.

(ARENDT, 1979).

É na escola que a criança aprenderá a ser e a aprender, bem como viverá a

educação como um direito fundamental que dissemina e clama pela igualdade e

liberdade, da mesma forma que se vincula à democracia. Educar é preocupar-se

com a dignidade do homem, e aprender faz parte da história humana, como

preleciona Immanuel Kant. (KANT, 1999).

O presente trabalho, então, discute a educação como um direito da criança e

não dos pais, que, neste caso, têm o dever de, juntamente com o Estado, fornecer

educação aos menores sob sua responsabilidade. Os pais, apesar da liberdade de

escolha de perspectivas filosóficas e métodos pedagógicos, devem providenciar a

Educação, na forma estabelecida em lei.

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; (BRASIL, 2002c). Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. (BRASIL, 1990).

A legislação não determina a matrícula na rede regular de ensino por mero

capricho do legislador. Antes de ser votada, os projetos de lei foram devidamente

debatidos e adequados ao sistema democrático nacional. O direito à educação

representa todo um processo onde os obstáculos ao desenvolvimento da pessoa

devem ser removidos, e à criança concedido o direito à preparação para vida em

sociedade e para o exercício da cidadania.

Em relação à Lei Maior, há a determinação da obrigatoriedade dos pais na

formação de seus filhos de forma ampla, não como um simples direito de os pais

zelarem por seus filhos ou mero dever de cuidar, mas como uma determinação legal

de proteção geral, conforme reza o artigo 229 “Os pais têm o dever de assistir, criar

e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os

pais na velhice, carência ou enfermidade”. (BRASIL, 1988).

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Outrossim, a Constituição determina aos pais deveres de cuidados para com

seus filhos e clama para si o dever de prestar a Educação formal, como meio de

promoção da democracia e da cidadania, pautando-se nos princípios da dignidade,

obrigatoriedade e gratuidade.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

Em complementação à norma constitucional, por ser esta um direito público

subjetivo, temos outras diretrizes como a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990

(BRASIL, 1990), que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); a Lei nº

10.406, de 14 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002c), Código Civil, que regulamenta os

direitos e deveres dos pais em relação aos filhos; e a Lei nº 9.394, de 20 de

dezembro de 1996 (BRASIL 1996), denominada Lei de Diretrizes e Bases da

Educação - LDB, que disciplina a educação escolar, infantil e superior, com a

participação da família e da sociedade.

Persegue, alfim, a legislação educacional uma atuação a favor da criança e

do adolescente numa interação família-Estado-e-sociedade, em uma construção

articulada, integrada e técnica, que objetiva a inserção daqueles ao meio social,

mediante um sistema de garantia de proteção integral.

Vê-se que a preocupação do legislador em determinar deveres aos

responsáveis legais na criação/formação de crianças e adolescentes é constante e

não desperta, a priori, embates jurídicos mais aguerridos. Entretanto, iniciativas que

se opõem ao cumprimento das obrigações parentais legais em relação à educação

dos filhos - não em função de incúria, negligência ou inação, mas sob a égide da

suposta desproporção qualitativa que pode haver entre o ensino público oferecido

pelo Estado e a eventual formação doméstica - tornam-se cada vez mais comuns na

jurisdição nacional e, por isso, suscitam a interveniência dos poderes constituídos

para que se posicionem de forma clara e definitiva sobre os limites da ação estatal.

O que se propõe a discutir, portanto, não é o dever dos responsáveis legais

na formação pessoal e educacional dos menores, mas sim os limites impostos a este

poder/dever, ou seja, o que delimita essa obrigação. É pacífico que a autonomia dos

pais tem como principal baliza o respeito à dignidade do menor, todavia o que, nesse

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caso, realmente feriria esta dignidade: a falta de matrícula na escola ou o não

fornecimento ou a não propiciação da educação fornecida pela escola ao menor?

Embora as discussões sobre esse tema sejam recentes no país (ao contrário

do que é verificado em outros Estados, como, e.g., nos Estados Unidos), o poder

judiciário brasileiro já conhece alguns casos vinculados a essa questão. O estudo

minucioso do posicionamento da Corte Suprema Brasileira será mister dentro desta

pesquisa, pois esta tem a função de adequar o texto constitucional aos casos

práticos.

À guisa de exemplo, cita-se o caso de um casal da cidade de Timóteo, Minas

Gerais1, o qual, em busca de uma melhor formação acadêmica e alegando que a

educação ora aplicada no Brasil estaria prejudicando a formação moral de seus

filhos, além de estarem estes expostos à violência e a formas de discriminação,

retirou seus filhos da escola, aplicando-lhes o denominado ensino domiciliar (ou

homeschooling, segundo o batismo proveniente dos Estados Unidos, onde a prática

pode ser reconhecida). O casal pleiteou na Justiça o direito de, em casa, fornecer a

educação básica de seus filhos na conformidade dos preceitos morais por eles

determinados, através do currículo escolar que julguem mais apropriado ao

desenvolvimento dos menores.

Com base na legislação que contém normas segundo as quais há a

obrigatoriedade de matrícula em escola regular, importando, sua inobservância, em

crime de abandono intelectual, os pais de Timóteo foram processados, civil e

criminalmente, e condenados em primeira instância ao pagamento de multa e à

rematrícula dos filhos na escola.

O caso ilustra o ponto em que se encontra a problematização da pesquisa: se

é dever dos pais zelar pela formação dos filhos, há realmente uma infração quando,

em prol da dignidade dos menores, os pais utilizam-se de alternativa diversa em

busca da formação que julgam mais adequada? Afinal, não há, nessa situação, a

ausência de instrução; pelo contrário, os pais propiciaram aos filhos uma qualidade

de ensino superior à aplicada no ensino regular, conforme demonstração na

instrução processual.

As Constituições brasileiras anteriores à atual tratavam da educação formal

demonstrando uma maior autonomia parental na educação dos menores e

1 (EDUCAÇÃO: Casal luta na justiça..., 2008).

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possibilitando que os pais propiciassem a instrução básica de seus filhos no âmbito

familiar, como se lê no artigo 149 da Constituição de 1934:

Art. 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.(BRASIL, 1934).

A pesquisa, logo, se faz necessária em virtude dos conflitos gerados entre o

posicionamento dos pais - que, pelos mais diversos motivos (convicções filosóficas,

religiosas ou políticas, medo da violência, etc.), negam matricular seus filhos na

escola regular -, a baixa qualidade da educação formal do Brasil e o dever de

matricular o menor na rede regular de ensino.

A Constituição garante a não privação de direitos àquele que invoca a isenção

de dever legal por motivos religiosos, políticos ou filosóficos, cumprindo prestação

alternativa. É a chamada “objeção de consciência” que, nos dizeres de Gilmar

Mendes,

[...] consiste, portanto, na recusa em realizar um comportamento prescrito, por força de convicções seriamente arraigadas no indivíduo, de tal sorte que, se o indivíduo atendesse ao comando normativo, sofreria grave tormento moral. [...] A objeção de consciência admitida pelo Estado traduz forma máxima de respeito à intimidade e à consciência do indivíduo. O Estado abre mão do princípio de que a maioria democrática impõe as normas a todos, em troca de não sacrificar a integridade íntima do indivíduo (MENDES, 2008, p. 414).

A objeção de consciência pode ser alegada quando há, por parte do titular do

direito, uma agressão maior a outro direito fundamental, mas aqui, este fato não é

verdadeiro pois o direito fundamental discutido não pertence aos pais.

A prática de educar os filhos fora da escola aplicando o método de ensino

domiciliar, ou homeschooling, além de ser reconhecida em vários países - como os

Estados Unidos e o Japão - e aceita no Brasil antes da Constituição de 1988, época

em que era reservado aos pais o direito de educar seus filhos em casa,

pessoalmente ou através de professores particulares contratados por eles próprios,

aplicando, além do ensino básico, outras disciplinas que julgassem essenciais,

baseia-se na alegação de que a aplicação deste método não fere o preceito

constitucional; ao revés: ao utilizá-lo, os pais supostamente propiciariam uma melhor

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qualificação aos menores.

Ao buscarem outras formas, os pais têm em mente uma melhor educação

que, além de não ferir a dignidade da pessoa, garanta outros princípios, como o

melhor interesse do menor. É importante discutir se o ensino fora do espaço escolar

seria uma infringência ao texto legal; se, ao se ofender um determinado artigo, não

se estaria propiciando a obediência a outros. Nas palavras do Ministro Gilmar

Mendes, em seu curso de Direito Constitucional:

Em primeiro lugar, a constitucionalidade ou não de qualquer ato deve ser mensurada levando-se em conta o conjunto da Constituição e não um artigo isolado. Esse é o princípio da unidade da Constituição, segundo o qual "as normas constitucionais devem ser vistas não como normas isoladas, mas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios, que é instituído na e para a própria Constituição". Intimamente ligado a ele, está o princípio da concordância prática ou da harmonização, que "consiste, essencialmente, numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum. (MENDES, 2008, p. 114).

Como já mencionado, anteriormente à Constituição de 1988 (BRASIL, 1988),

o ensino domiciliar era permitido no Brasil. Hoje, a obrigatoriedade da matrícula no

sistema regular de ensino e a proibição de métodos divergentes ao aplicado

formalmente parecem limitar a autonomia dos pais e cercear uma plena capacitação

dos menores.

A presente pesquisa, portanto, além de analisar quais os deveres dos pais e

os motivos que determinam sua autonomia, avaliará os limites a ela impostos,

visando garantir a proteção da dignidade do menor. Apreciará, também, os

fundamentos jurídicos da sentença prolatada ao casal de Timóteo (além de

promover outro estudo de caso, referente a uma situação similar), e quais os

princípios que regem o tema “educação” no Brasil, colocando-se em evidência as

condições de oportunidade, novidade e relevância pertinentes ao tema.

Para tanto a pesquisa foi dividida da seguinte forma: no primeiro capítulo,

buscou-se promover um estudo da educação como um direito fundamental,

entendido o homem como um ser que vive em um constante estado de aprendizado.

Ainda no primeiro capítulo, recorreu-se à contextualização histórica, na

expectativa de compreender o surgimento gradativo da escola como um local

separado do ambiente familiar, necessário à transmissão da educação

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institucionalizada. Outrossim, o contexto permitiu averiguar a importância da

educação regular na formação da democracia e da cidadania, que são o apanágio

de um Estado democrático.

No segundo capítulo, foi feita uma breve explanação sobre a importância

dada à educação nas Constituições nacionais, averiguando o momento em que ela

emerge como um direito fundamental da pessoa e responsabilidade do Estado. O

capítulo também aprecia as mudanças políticas nacionais e o desenvolvimento dos

ideais democráticos e sua relação direta com o aprimoramento da educação e a

preservação da dignidade da pessoa humana.

Busca demonstrar como as Cartas constitucionais saem de uma preocupação

restrita com a estrutura política do país (como se deu com a Constituição de 1824)

até a concepção adotada pela atual Carta Magna, que trouxe para si a

responsabilidade da formação pessoal de seu povo. Investiga, outrossim, a

importância reservada à instituição Escola nos diversos momentos políticos pelos

quais o Brasil passou.

No terceiro capítulo, focaliza-se a família, sua estrutura e deveres. Tem-se a

preocupação em analisar os atuais contornos da família como um local de promoção

da dignidade humana assim como o papel de cada membro dentro da estrutura

familiar. Em um primeiro momento, destaca-se a função dos pais, seus direitos,

deveres e a função destes na formação da personalidade e desenvolvimento de

seus filhos, em contrapartida à proteção recebida pelos menores e a concepção

destes como pessoas dignas de respeito e proteção em virtude de sua condição

especial de pessoa em desenvolvimento.

A questão específica da regulamentação da educação no corpo constitucional

e na legislação específica, são tratadas no quarto capítulo. Neste ponto, há uma

abordagem sobre a obrigatoriedade de matrícula escolar, em oposição à questão do

ensino domiciliar, tanto no direito nacional, quanto no direito comparado. Abordam-

se os objetivos da nova LDB em substituição à Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de

1961 (BRASIL, 1961)2. Este capítulo tem como foco os direitos e as obrigações dos

pais e do Estado em conformidade com o atual regime democrático que o país

propôs adotar.

2 Revogada pela Lei nº 9.394, de 1996 (BRASIL, 1996), exceto os artigos 6º a 9º.

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Finalmente, no quinto capítulo, uma abordagem, de duas ações de

repercussão na mídia, de pais que questionaram as determinações legais e

buscaram um amparo no poder judiciário para a sua demanda. Os relatos referem-

se a um casal residente na cidade de Timóteo (cujo caso foi descrito no início deste

intróito), e a outro casal domiciliado na cidade de Anápolis, Goiás, que impetrou

mandado de segurança contra o Ministro da Educação, o qual indeferiu o

requerimento elaborado pelos pais, que solicitava a freqüência de seus filhos à

escola única e exclusivamente para se submeterem às avaliações regulares, ficando

o ensino curricular a cargo do casal.

O que se pretende alcançar, a princípio, como produto da presente pesquisa,

é a avaliação do controle do Estado na educação dos filhos: se é justificável ou se

apresenta somente como uma injusta limitação à autonomia dos pais na educação

dos menores, após essa primeira resposta, tem-se o propósito de, a partir de

indagações que envolvam necessidade e pertinência do tema desenvolver o assunto

dentro das acepções do Estado Democrático.

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A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com

tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e vinda dos novos e dos jovens.A educação é,

também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco, arrancar de suas mãos a

oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para

a tarefa de renovar um mundo comum. Hannah Arendt

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2 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO HOMEM

O direito à educação surge, na Constituição de 1988, como um direito

fundamental da pessoa. O artigo 6º, dentre outros, explicita-o no rol dos direitos

sociais.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010) (BRASIL, 1988).

Num primeiro momento, deve-se conceituar o que são direitos fundamentais,

e diferenciá-los das garantias fundamentais, para assim entender onde a educação

se enquadra neste contexto.

A Constituição traz, em seu Título II, os direitos fundamentais, subdividindo-os

em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade;

direitos políticos e partidos políticos. (MORAES, 2010, p.31). A doutrina moderna

hoje os classifica como direitos de primeira, segunda e terceira geração, com base

no seu reconhecimento histórico cronológico3. Os direitos individuais e políticos

clássicos, tais como a vida e a liberdade, são categorizados, de acordo com a

moderna doutrina, como direitos de primeira geração. Eles surgiram com a Carta

Constitucional de 1988 e a doutrina os denomina de liberdades públicas.

"Assim, os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e

garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos

institucionalmente a partir da Magna Charta". (MORAES, 2010, p.31).

Os direitos de segunda geração, que são os direitos sociais, econômicos e

culturais (educação, saúde, lazer, moradia etc.), surgem no início do século XX. É

interesse frisar que em relação a esses direitos o Estado tem o dever de agir,

enquanto nos direitos de primeira geração vê-se que há uma obrigação do Estado

de não fazer, de não interferir na vida e/ou na liberdade do indivíduo. Paulo

Bonavides (2010) conceitua tais diretos nestes termos:

3 Esta definição pode-se encontrar em diversos autores, dentre eles José Afonso da Silva (2001); Alexandre de Moraes (2010).

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Os direitos da segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula. (BONAVIDES, 2010, p.564).

Por último, os direitos de terceira geração são mais amplos, mais globais.

Também chamados de direitos de solidariedade e fraternidade (MORAES, 2010),

englobam direitos como a paz, ao meio ambiente sadio, a qualidade de vida e a

autodeterminação dos povos. Observa-se que esses direitos são conceitos mais

modernos, buscados de acordo com os problemas vividos nas últimas décadas.

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. (BONAVIDES, 2010, p.569).

Há ainda alguns autores que usam a divisão de direito de quarta e quinta

geração (BONAVIDES, 2010), este trabalho não abordará essa divisão, por ser um

tema árduo, que merece um trabalho próprio. Entretanto, o que se pode afirmar é

que os direitos fundamentais, que nasceram das concepções históricas de cada

época, são uma necessidade humana; não são exatos e nem se formaram ao

mesmo tempo. Surgem, portanto, da evolução cultural do homem.

[...] os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor. Às primeiras, correspondem os direitos de liberdade, ou um não agir do Estado; aos segundos, os direitos sociais, ou ação positiva do Estado. Embora as exigências de direitos possam estar dispostas

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cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies são sempre – com relação aos poderes constituídos – apenas duas: ou impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios. Nos direitos de terceira e de quarta geração, podem existir direitos tanto de uma quanto de outra espécie. (BOBBIO, 2004, p.6).

Direitos fundamentais, portanto, são as disposições legais que propiciam o

gozo de um direito, como o direito à vida e tantos outros expressos na Carta Magna

de 1988, e garantias são os instrumentos para efetivação desses direitos. Desse

modo, os direitos fundamentais são normas de conteúdo declaratório, funcionando

como o dispositivo que define qual direito é cabível às pessoas; já as garantias são

normas de conteúdo assecuratório, ou seja, as que garantem a consecução do

direito.

[...] A distinção entre direitos e garantias fundamentais, no direito brasileiro, remonta a Rui Barbosa, ao separar as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito. (MORAES, 2010, p.33).

A educação, direito fundamental, está prevista dentro dos direitos sociais,

transcritos, no título II, artigo 6º da Carta de 1988. A educação aparece, dentre os

direitos citados, em primeiro lugar, o que destaca ainda mais sua relevância para o

desenvolvimento da pessoa, o fortalecimento da democracia e a para a

disseminação de conceitos morais e sociais, bem como dos saberes acumulados,

como a escrita, a geometria, dentro tantos saberes implementados e lapidados por

aquela.

Para a concretização do direito fundamental que é a educação, a qual se

classifica como um direito de segunda geração4, a Constituição garante ações

próprias para o seu efetivo cumprimento. Tais ações podem ser impetradas pelo

particular em face do Estado, já que este pode ser responsabilizado pelo seu não

cumprimento ou ineficácia.

4 Os direitos de segunda geração estão ligados a um dever do Estado em cumprir determinada prestação.

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Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente . (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Os direitos fundamentais têm como característica a sua universalidade, ou

seja, aplicam-se a todos de forma difusa, independente de outro requisito. São

também históricos, nascem e evoluem com a história, adequando-se às

necessidades atuais (MORAES, 2010). Nessa direção, Paulo Bonavides (2010)

afirma:

A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana. (BONAVIDES, 2010, p.562).

Foi o que aconteceu com a educação, que surgiu como necessidade humana,

veio adquirindo contornos sociais e históricos, e hoje é um direito fundamental da

pessoa, com regulamentação própria e instrumentos para garantir o seu

cumprimento.

Crianças e adolescentes têm a garantia da prestação educacional, pública e

gratuita desde o ensino básico, cabendo aos pais e/ou responsáveis o dever de zelar

pelo cumprimento desse direito. Como afirma Heloiza Helena Barboza, ao interpretar

o artigo 18, I, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989,

“Observa-se a educação não é mais um ‘Direito dos pais’, como referido na

Constituição de Weimar, mas uma ‘responsabilidade primordial’ dos pais”.

(BARBOZA, 2000, p.203).

O Brasil do século XVIII entendia o direito à educação como pertencente aos

pais, reflexo da estrutura patriarcal que entendia o genitor como detentor absoluto

das personalidades dos membros de sua família5. De acordo com essa concepção,

os pais poderiam optar pela escola pública ou pela particular, assim como decidir se

o seu filho teria o direito de frequentar a escola.

5 Esse tema será melhor discutido posteriormente.

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A educação realizada na Casa é uma prática existente desde os tempos mais remotos, caracterizada em determinados períodos da história como o único recurso para a educação de crianças e jovens e, em outros períodos e circunstâncias, como a maneira utilizada pelos membros das elites econômicas e políticas para educar seus filhos, constituindo-se esse último caso como o objeto deste estudo. (VASCONCELOS, 2005, p.1).

O reconhecimento do direito fundamental à educação como exclusivo de seu

titular somente ganha contornos no ordenamento nacional com a Carta

Constitucional de 1988, que vem trazer o aperfeiçoamento da ideia de direito

fundamental e dignidade humana. Para seu desenvolvimento, o Homem necessita

de determinados fatores como da formação de um pensamento crítico e da

transmissão dos conhecimentos adquiridos por seus iguais, e não somente do saber

formal.

A partir dos fundamentos constitucionais, que reconhece a todos a titularidade

dos direitos fundamentais, o ECA determina em seu artigo 3º:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990).

E complementa no artigo seguinte os entes responsáveis por garantir a

efetivação desses direitos de forma prioritária:

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990).

O relacionamento do Homem com a educação e com os instrumentos para

sua aplicação remonta a tempos remotos, como será explicitado a seguir.

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2 .1 A Educação escolar no ciclo da história

2.1.1 O Surgimento da escola como instrumento de formação humana em um

contexto histórico

Na atualidade a escola é conceituada, principalmente, como instituição

física:

"es.co.la - s.f. 1 estabelecimento de ensino 2 prédio em que este

estabelecimento funciona". (HOUAISS, 2008, p.302)

"Substantivo feminino:

1 - estabelecimento público ou privado destinado a ensino coletivo [...]

3 - prédio em que a escola está estabelecida". (HOUAISS, 2009)

A palavra ainda comporta outros significados, tais como os referentes a

determinados grupos ou formas de pensamento:

"es.co.la - s.f. 3 doutrina, teoria ou tendência de estilo ou pensamento <e. de

Freud> 4 conjunto de pessoas que seguem um sistema de pensamento, uma

doutrina, um princípio estético etc." (HOUAISS, 2008, p.302)

Mas a escola - figura que será tão exaustivamente discutida neste trabalho -

não foi uma criação contemporânea, uma invenção da modernidade, e sim uma

construção histórica que se deu em função das reais necessidades do

desenvolvimento educacional e dos anseios da aprendizagem, e a concretização da

educação como um direito fundamental.

[...] Engana-se quem pensa que somente o presente e o futuro interessam ao Direito. É certo que, quase sempre, seus efeitos fazem-se sentir nesses dois tempos, embora não se possa olvidar que o conhecimento do Direito e dos direitos, para ser completo, deva ser fruto de um amadurecimento cujas raízes estão fincadas no passado. (ANDRADE, 2010, p.23).

Nas palavras de Norberto Bobbio (2004), entende-se, a historicidade dos

direitos fundamentais, e a constante busca de seu saber, pois serão sempre fruto da

historicidade humana, antes mesmo de serem fundamentais, são históricos e se

caracterizam pela defesa de novas liberdades, sempre de forma gradual e nunca de

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uma vez por todas.

Através da obra do pedagogo Mario Alighiero Manacorda, intitulada História

da educação, da Antiguidade aos nossos dias, 2006, perfaz-se um breve passeio

pela história da educação, até o surgimento da escola, que irá se construindo

lentamente como um direito do Homem, até sua total concretização como um direito

fundamental.

Neste tópico buscar-se-á um relato histórico, tendo-se em vista que a história

da educação é formada por etapas diversas, as quais merecem um estudo próprio

devido a sua complexidade e riqueza.

O aprendizado humano não é linear, ao longo dos tempos se forma, desfaz e

refaz, de maneira peculiar a cada cultura. Não se tem um marco teórico do

conhecimento, nem se pode dizer que a educação ocorreu em uma exata

progressão evolutiva. No entanto, o que se pode afirmar é que de algum modo essa

evolução ocorreu e foi transmitida às demais gerações.

O homem é envolvido desde o princípio de sua existência pela necessidade

do aprendizado de maneira que as nações se formaram em torno do conhecimento

acumulado. No início, o conhecimento surgiu a partir do simples controle do fogo,

posteriormente, o homem começa a produzir utensílios domésticos, instrumentos de

trabalho e objetos que serviam como armas até que, finalmente, consegue dominar

as ciências. Esse conhecimento acumulado passa, então, a ser transmitido de

forma específica e, desse modo, encontramos as primeiras “escolas”.

(MANACORDA, 2006).

Os primeiros relatos trazidos por Mario Alighiero Manacorda (2006) nos

remetem ao Antigo Egito. É importante frisar que grande parte da história do país

africano em questão não foi passada pela escrita, mas pelo conhecimento prático

transmitido através das gerações.

A educação entre os povos primitivos caracterizava-se por processos que tinham como marca a imitação, fosse ela inconsciente (primeiros anos da vida) ou consciente (quando, chamadas ao trabalho – pesca, caça, agricultura etc. -, as crianças, participando das atividades dos adultos, aprendiam por imitação). Também por cerimônias de iniciação, que despontavam valores morais, sociais, políticos, religiosos e práticos, cujo objetivo era possibilitar a explicação do universo e o ajustamento, por parte dos jovens, às suas exigências. [...] (ANDRADE, 2010, p. 24).

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Esse conhecimento se revela em diversas formas, como nas histórias

populares e nas figurações desses povos. Pode-se, assim, afirmar que “do Egito é

que nos chegaram os testemunhos mais antigos e talvez mais ricos sobre todos os

aspectos da civilização e, em particular, sobre a educação.” (MANACORDA, 2006,

p.9).

Dentro da história egípcia já se observa uma real preocupação com a

formação social do indivíduo, há a transmissão de conceitos morais e pessoais,

como se pode observar em vários textos bíblicos que retransmitem esse tipo de

formação. A Epístola de João – também chamado de discípulo do amor – traz em

seus escritos várias lições morais e comportamentos religiosos; o livro dos

Provérbios utiliza-se da mesma fórmula, com maior frequência. Este último foi o livro

escrito pelo sábio Salomão, e servira de guia para toda uma classe e para aqueles

que se predispunham a seguir palavra divina. Esse ensinamento era sempre

representado pela figura do pai protetor de seus filhos, aquele que os guiava na

sabedoria e dentro de preceitos morais estabelecidos à época, como se pode ler já

em seu capítulo inicial:

1 Provérbios de Salomão, filho de Davi, o rei de Israel, 2 para aprender a sabedoria e o ensino; para entender as palavras de inteligência; 3 para obter o ensino do bom proceder, a justiça, o juízo e a equidade; 4 para dar ao simples prudência e aos jovens, conhecimento e bom siso. 5 Ouça o sábio e cresça em prudência; e o instruído adquira habilidade 6 para entender provérbios e parábolas, as palavras e enigmas dos sábios. 7 O temor do SENHOR é o princípio do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino. 8 Filho meu, ouve o ensino de teu pai e não deixes a instrução de tua mãe. (PROVERBIOS, 1996).

A figura da família está sempre presente no aprendizado através da imagem

do pai como responsável na educação de seus filhos, sendo o pai reconhecido como

o mestre que conduz seu discípulo, no caso, o filho. Essa mesma fórmula pode ser

encontrada em alguns textos históricos, principalmente nos bíblicos, como o lido

acima, e também nestas duas passagens da Primeira Epístola de São João:

“Filhinhos, não vos deixeis enganar por ninguém; aquele que pratica a justiça é justo,

assim como Ele é justo.” (I Jo 3, 7). “Filhinhos, não amemos de palavra, nem de

língua, mas de fato e de verdade.” (I Jo 3, 18)

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Através da leitura da referida Epístola, pode-se verificar que João, discípulo

de Jesus, ao transmitir ensinamentos ao seu povo, fazia-o como se estivesse

ensinando aos próprios filhos, daí o vocativo “filhinhos”. Na mesma medida, o

mestre, ao transmitir o conhecimento a seus alunos, fazia-o com o mesmo laço

afetivo encontrado nas famílias. O mestre, representando a figura paterna, era

responsável por incutir um comportamento social honroso a quem instruía.

Vale enfatizar que, durante toda a pesquisa, sobretudo a partir dos dados

obtidos na obra de Manacorda (2006), não foram encontradas provas concretas da

existência de uma “escola” - aqui entendida como prédio físico - construída para

propiciar a prática intelectual ou o aprendizado intelectual. Em vez disso, havia um

processo educacional reservado às classes dominantes, uma verdadeira formação

para a vida política e para a prática do poder.

[...] existe toda uma literatura sapiencial, feita de “ensinamentos” morais e comportamentais, que é comum também a outras culturas do Oriente Próximo: basta pensar na Bíblia e na literatura dos povos mesopotâmicos. Esta literatura pressupõe a existência de uma verdadeira escola de vida reservada às classes dominantes. (MANACORDA, 2006, p.11).

Por essa passagem, pode-se observar que havia uma preocupação em

promover a formação social das classes dominantes e, em especial, em se transmitir

a cultura adquirida a essa classe, que era a única detentora do direito à educação.

Um dos relatos mais interessantes transmitido de forma mais completa na

obra de Manacorda (2006) são os ensinamentos de Ptahhotep, vizir do rei Isesi da

4ª dinastia, que se deu por volta de 2450 a.C. Esses ensinamentos, que chegaram

até nós através de três papiros e uma tabuinha6, mostram o contexto da evolução do

conhecimento.

O vizir era uma espécie de ministro do faraó, o qual, preocupado com a

formação de seu filho, pois este exerceria a mesma função do pai, solicita ao faraó

licença para dirigir-lhe ensinamentos, e é advertido da seguinte forma:

"Disse então a Majestade deste Deus: Ensina-lhe antes de tudo a falar, de

modo que possa valer de exemplo aos filhos dos nobres. Entra nele a obediência e

toda retidão de quem lhe fala. Ninguém nasceu sábio". (MANACORDA, 2006, p.13)

6 Pequena tábua de escassa espessura.

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Este texto nos sugere a importância da língua falada, mais precisamente a

oratória, pois nela não há um contexto gramatical já delimitado e sim uma fala de

poder, a mágica da política.

A instrução tinha como objetivo formar o filho para a prática da função que iria

exercer, ou seja, a função que exercia seu pai. Por tal motivo, era muito importante

transmitir todo o seu conhecimento e assim, continuar mantendo sua parte no poder.

Somente num segundo momento destaca-se escrita, pois esta era na verdade

um ofício usado por peritos não governamentais. Assim, a fala se fazia mais

importante para o poder político das classes dominantes. (MANACORDA, 2006).

Constata-se, portanto, que já na Idade Arcaica e no Antigo Império havia uma

grande preocupação com a educação, e a relação que esta deveria ter com a

sociedade. Não temos a escola (prédio físico) relatada, nem ruínas que levem a este

entendimento, mas há a figura do Mestre e a dos discípulos, que é a figuração do

professor e dos alunos que a modernidade conhece. Essa figura representa alguém

diverso da família, com a obrigação de transmitir o pensamento e o conhecimento já

acumulado.

Tem-se na autobiografia de Khety7, que o rei fizera dele um senhor, desde

quando era uma criança, e depois o colocara como chefe dos jovens. Nessa

narrativa temos a ideia de uma certa mobilidade social e também de uma educação

um tanto primitiva, mas já institucionalizada, que deixa os jovens aos cuidados de

um terceiro que foi preparado “profissionalmente” para esses cuidados.

Outro detalhe importante ressaltado na obra do professor Manacorda (2006)

vem da iconografia egípcia, que nada mais é que o estudo descritivo de imagens e

pinturas. Como os relatos mais remotos não se deram através da escrita, foi possível

encontrá-los nos desenhos feitos em túmulos ou em paredes. A partir do contato

com tais relatos, pode-se observar que há toda uma história transmitida através das

representações figuradas.

[...] na riquíssima iconografia egípcia não encontramos nenhuma imagem que apresente diretamente a escola e nem temos restos de prédios escolares; porém, a tradição posterior de todo Oriente, até hoje, documentada em numerosíssimas imagens, sempre nos apresenta o mestre sentado na esteira, no interior de um prédio ou a sombra de uma figueira, com os alunos sentados em sua volta. (MANACORDA, 2006, p.19)

7 Governador de Assuit, da cidade Heracleopolitna, entre a 9ª e 10ª dinastia, que vai de 2130 a 2040 a.C. (MANACORDA, 2006)

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Novamente, não há provas concretas da existência da escola, mas as

pinturas, através da iconografia, revelam um local reservado para a educação.

Dessa forma, a instrução acontece separada do lar, mas não se pode afirmar

qual o tipo de formação era reservada aos pais. O que se pode dizer é que eles

tinham grande importância no processo de formação de seus filhos, o que se

confirma quando encontramos a figura do mestre relacionada à do pai. Assim, a

figura paterna desempenha um papel de suma relevância no que concerne à

educação. Tem-se, dessa forma, a educação institucionalizada, um tipo de educação

reservado a um mestre, em local diverso da moradia das pessoas. A própria

formação ginástico-militar era efetuada por pessoas preparadas, e que levava os

jovens a um tipo de escola própria, onde eram treinados para a guerra e conquistas,

instrumento essencial ao crescimento dos povos antigos. (MANACORDA, 2006).

Com isso constata-se uma educação da fala e do corpo, a fala como oratória

para o poder político, e os treinamentos militares para formação das pessoas que

trabalharão com o corpo na luta pelo Estado. Nesse mesmo período, próximo ao ano

2000 a.C., Manacorda afirma que para os não-nobres e não destinados aos cargos

políticos, existia no palácio uma escola especial, o “Kap”, responsável pela formação

voltada ao trabalho. (MANACORDA, 2006, p. 17), vê-se assim que há neste período

toda uma organização funcional da educação, uma escola dividida em objetivos,

formação política, militar e para o trabalho.

No entanto, é somente no Médio Império8, que surgem relatos a respeito do

livro texto, um material contento as informações necessárias ao conhecimento, com

uso frequente e generalizado. (MANACORDA, 2006). Há um texto clássico do

ensino sapiencial usado nas escolas, a kemit ou Suma. Trata-se de um texto de um

escriba educando outro escriba, que provavelmente era seu filho, relembrando o fato

de que o ensino originalmente era prestado pelos pais, ou representado por esta

figura. (MANACORDA, 2006). Diante disso, perguntemo-nos, pois: Quem é o escriba

neste momento? Qual o seu papel dentro da história?

[...] escriba é aquele que lê as escrituras antigas, que escreve os rolos de papiro na casa do rei, que, seguindo os ensinamentos do rei, instrui seus colegas e guia seus superiores, ou que é mestre das crianças e mestre dos filhos do rei, que conhece o cerimonial do palácio e é introduzido na doutrina da majestade do faraó. (MANCORDA, 2006, p.21).

8 Referente à 11ª e 12ª dinastia, 2133 a 1786 a.C. (MANACORDA, 2006)

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O escriba era, portanto, um mestre, responsável pela instrução das crianças e

de outros escribas. Além disso, transcrevia nos rolos de papiro os ensinamentos do

rei e utilizava-os como instrumento para os educandos. A especialização do escriba

como mestre é confirmada pelas diversas inscrições fúnebres, como esta: “Eu fui

alguém que foi conhecido pelo rei e por ele verdadeiramente apreciado: fui nomeado

mestre dos filhos do rei, porque conhecia o cerimonial do palácio.” (MANACORDA,

2006, p.21).

Com o surgimento do livro texto, e a figura do mestre, já se pode visualizar

uma escola mais organizada, sobretudo a partir da adoção do material didático, o

que também ocorre nesse período.

Avançando na história, chega-se à Grécia, onde a educação aparece como

uma obrigação do Estado. Essa medida reflete uma evolução da educação

ministrada no Antigo Egito. E é com eles que a história da educação apresenta seu

maior avanço, e que possuem reflexos até os dias atuais, sendo que a Grécia muito

contribuiu para a atual fisionomia do pensamento e das civilizações ocidentais.

(ANDRADE, 2010). Essa contribuição foi decorrente de um longo período, que

atravessa séculos e o professor Cássio Cavalcante Andrade, resume da seguinte

forma:

No período homérico (900 a 750 a.C.), a educação teve caráter prático, sendo privilegiados os ideais da sabedoria e do poder de ação. Já a educação espartana (750-600 a.C.) fora desenhada pelas influências de um Estado organizado segundo a Constituição de Licurgo, com forte ingerência nos assuntos educacionais. Preocupa-se com a formação de guerreiros corajosos, fortes e obedientes às leis, o que explica, em boa medida, o sucesso de Esparta nos embates militares, embora não se pudesse atribuir ao espartano o nível de sensibilidade verificado entre os atenienses. A educação ateniense (600-450 a.C.), a seu turno, equilibrou as educações física e intelectual, sendo papel do Estado o de assegurar a liberdade e o desenvolvimento harmônico da personalidade, em ambiente mais propício à contribuição da ciência e da filosofia, assim mais arejado à elevação do nível cultural dos cidadãos atenienses. (ANDRADE, 2010, p.27).

Nesse momento, já é visível a separação dos processos educativos

(MANACORDA, 2006). As classes governantes têm uma escola - um processo de

educação separado - que os preparava para o poder, dividido entre o “falar” (política)

e o “fazer” (armas). Os produtores governados recebiam um treinamento para o

trabalho, enquanto as classes excluídas não tinham direito nem à educação nem a

treinamento. No entanto, em todas as classes sociais havia uma espécie de

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preparação de determinados modos de vida, preparava-se para a política, para o

pensar e às classes trabalhadoras “aprendiam” seus ofícios. Verifica-se ainda neste

período um rápido e significante crescimento da cultura. “Com os gregos a educação

adquire grande importância, e seu desenvolvimento foi imenso, como a sua própria

civilização”. (MACHADO JÚNIOR, 2003, p.29). São dessa época os autores gregos

Heródoto, Platão e Diodoro de Sicília. São, também, gregos importantes para a atual

formação Sócrates (470 a.C), mestre de Platão e Aristóteles (384-322 a.C.)

(ANDRADE, 2010)

Preparar o Homem culturalmente e para o convívio social é a mescla do que

tem-se hoje como ideal de educação e instrução, afinal, ao mesmo tempo em que

necessita-se receber uma formação ética para um efetivo desenvolvimento social,

precisa-se, também, de uma formação cultural própria, inerente às necessidades

sociais do contexto global atual.

Inscrições encontradas em diversas cidades gregas relatadas por Manacorda

(2006) relatam regras institucionais da educação, tais como deveres para os mestres

e pedônomos9, calendários escolares, determinações de provas finais, cerimônias e

férias. Alguns destes escritos traziam previsões de punições contra os pedônomos

que fossem cruéis e contra os pais que não cuidavam da educação de seus filhos.

A instrução neste período atingia, além das crianças livres, as meninas, os

pobres e os escravos (MANACORDA, 2006), e a figura paterna é encontrada

ministrando as primeiras letras. Desse modo, a primeira educação se dava no pater

famílias, e à mãe também era reservado um papel nesta educação. Segundo

Manacorda (2006), atualmente no museu de Louvre é possível visualizar, no

sarcófago de M. Cornélio Estácio, ilustrações dessa educação. Nele há a imagem de

uma mãe amamentando afetuosamente seu filho enquanto o pai os observa também

de maneira afetuosa. Em seguida, aparece o pai com seu filho nos braços, depois o

treinando em jogos viris e, finalmente, está o filho a declamar um texto para o pai, o

qual havia tido uma participação efetiva em sua educação.

De Roma também se conhecem relatos da educação, que era aplicada de

acordo com sua utilidade.

9 Eram aqueles responsáveis pela educação moral das crianças. (MANACORDA, 2006).

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Os romanos eram práticos. Mediam as coisas e feitos pelo critério da utilidade. A educação romana constituía-se em processo necessário voltado ao desenvolvimento das aptidões e virtudes do cidadão a fim de que pudesse cumprir seus deveres, correlatos aos vários direitos que lhe eram atribuídos. Se, para o indivíduo, as virtudes (piedade, obediência, firmeza, coragem, prudência, honestidade, seriedade etc) formavam o ideal de dever, para o Estado, implicavam no de justiça. (ANDRADE, 2010, p. 31)

Em seguida há a Idade Feudal, período que deixou uma melhor fonte de

pesquisa documental, baseada em biografias e ensinamentos. Nesse período já se

identificam claros avanços no contexto educacional. É quando surgem os primeiros

relatos do chamado tirocínio ginástico-militar, ou seja, uma nova etapa da educação,

na qual os jovens recebiam um treinamento prático, uma espécie de educação física.

Outro momento histórico importante é a Alta Idade Média, quando surge a

escola canônica. (MANACORDA, 2006, p.111). Nesse período, ou seja, início do

século VI, os reinos romano-bárbaros implantavam-se em território do Império do

Ocidente, onde a autoridade romana era a Igreja. Começa, assim, a desaparecer a

escola clássica, construída culturalmente em função da necessidade de transmissão

da cultura denotativamente política e das artes da guerra. Em decorrência do

predomínio da Igreja e do papado, inicia-se a disseminação da cultura cristã, sendo

as escolas canônicas o seu instrumento.

Na Baixa Idade Média há o desaparecimento das escolas régias - também

clássicas - e continua o crescimento das escolas episcopais e cenobiais, as escolas

canônicas, sendo as episcopais, do clero secular, existentes nas cidades e a

segunda, as cenobiais, também do clero secular, no campo. (MANACORDA, 2006)

Neste mesmo período histórico, com o crescimento do mercantilismo e de sua

organização em comunas, surgem os mestres livres, que eram clérigos e leigos que

ensinavam somente aos leigos. (MANACORDA, 2006, p.145). O surgimento das

universidades se deu após a atuação destes mestres livres.

Estes mestres livres ensinavam especialmente as artes liberais do trívio e do quadrívio, mas aqui e ali aparecem também as escolas liberais de outras disciplinas. É provável que justamente destes mestres livres, que atuavam junto às escolas episcopais e sempre sob a tutela jurídica da Igreja (e também do império), tenham nascido em seguida as universidades. (MANACORDA, 2006, p.145).

O trívio era o ensinamento da gramática, da retórica e da dialética, enquanto o

quadrívio era o estudo da aritmética, da geometria, da astronomia e da música.

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Os séculos posteriores ao ano 1.000 d.C, do ponto de vista educacional,

veem o surgimento dos mestres livres, das universidades, o nascimento das

comunas - cidades emancipadas - e das corporações de arte e ofício, as quais eram

verdadeiras escolas profissionais. Esse é o momento em que ciência e trabalho se

encontram. É a base da educação moderna. (MANACORDA, 2006).

[...] é preciso atentar a importância das universidades, cujos exemplos mais exponenciais foram as de Nápoles, Paris, Bolonha, Salerno, Oxford, Viena e Salamanca. Numa época em que inexistiam corpos científicos e políticos regulares, imprensa etc., a figura da universidade exsurgiu com grande relevo por representar a única instituição organizada democraticamente e capaz de formar e difundir a opinião pública não somente em assuntos científicos, como políticos, eclesiásticos etc. (ANDRADE, 2010, p.35).

A educação, a partir do quinhentos10 e também no seiscentos, torna-se uma

coisa útil e não somente um instrumento de aculturação das classes dominantes, de

imposição de um determinado comportamento ou pensamento social. Nesse

período, inicia-se a educação para as classes subalternas e para os produtores.

No setecentos, tem-se início a era das grandes enciclopédias (MANACORDA,

2006). Observa-se aí uma sistematização do saber, com o intuito de enriquecê-lo e

fazê-lo progredir. A educação agora é sistematizada e universalizada. Grandes

conhecimentos devem ser preservados e transmitidos.

A partir do oitocentos a educação, instrumento de formação humana, começa

a ser um dever, é estatizada, e torna-se laica em muitos locais. Nesse momento, há

o início do rompimento entre Igreja e Estado, crescendo a necessidade de

renovação cultural. As escolas surgem como a concretização dessa necessidade. O

desenvolvimento da idéia de educação universaliza-se, as escolas ganham

conceitos importantes e são reconhecidas pela sua importância na construção do

saber.

No entanto, no oitocentos e no século XIX, ainda era aplicado o ensino

domiciliar em alguns locais como Brasil e Portugal, por falta de escolas ou por

vontade dos pais.

10 A grafia quinhentos para referir-se ao século XV, seiscentos para o século XVI e assim sucessivamente, se encontra consagrada no idioma nacional, como pode ser constatado nos dicionários nacionais, entre eles cita-se o dicionário eletrônica da língua portuguesa Houaiss 2010 e o dicionário Aurélio 2010.

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Apesar de estudos fundamentais e pioneiros acerca da escola pública ou privada no Brasil, especialmente no século XIX, as estatísticas apresentadas eram conflitantes, oferecendo uma pista para a investigação: o número de instituições formais de educação no país era insuficiente para dar conta do contingente, mesmo reduzido, de pessoas que sabiam ler e escrever e que, principalmente nas elites, consumiam o vasto material de leitura impresso que prolifera a partir da segunda metade de Oitocentos. (VASCONCELOS, 2005, p.XV).

Dessa forma, percebe-se que a educação, com raízes no Antigo Egito e na

Grécia, propiciou ao mundo o desenvolvimento de estruturas educacionais

condizentes às necessidades decorrentes de cada povo. E a escola, instrumento

para a educação, surge como um local sacro para formação do indivíduo.

Não se quer com esse breve relato induzir à idéia de uma evolução continua

da educação, como se a humanidade tivesse saído de um momento de total

desconhecimento e evoluído até o surgimento da educação como hoje ela se

encontra, e que esta, tenderá a aperfeiçoar-se e crescer continuamente. Ao

contrário, a história não pode ser assim narrada uma vez que é formada de

momentos e as necessidades educacionais são decorrentes desses momentos

históricos. O que se pretendeu neste tópico foi mostrar que a escola surgiu como

uma necessidade desse processo, que a educação é algo que vai além da simples

instrução, é também formação de cultura e troca de conhecimentos. Entretanto, sem

um local especial e instrumentos específicos nada disso seria possível.

A Escola, como local separado do lar, não foi criada por um mero

desenvolvimento da humanidade, mas por uma necessidade. Decorre dos ideais

humanos de igualdade, dignidade, exclusão de preconceitos. E ela é o palco ideal

para estes ensaios, pois lá podemos desenvolver o (re) conhecimento das

diferenças. Assim,

A educação e a escolarização fazem parte desse modo humano de ser. A escola emoldura essa condição na medida em que se coloca como sendo o espaço de delimitação entre o indivíduo e o sujeito, entre o particular e o público, entre o universal e o específico. (PEREIRA et al., 2009, p.224).

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2.1.2 A evolução social da educação como busca de cidadania e democracia

A educação era - e ainda é - tema recorrente entre os filósofos, sociólogos,

educadores e todos que compreendem sua sacra aplicação e veem a escola como

seu instrumento maior. Kant em sua Sobre a Pedagogia disse que o Homem só

pode tornar-se verdadeiramente um homem pela educação (KANT, 1999). Nesse

contexto, pode-se inferir que o filósofo grego falava de uma formação não apenas

acadêmica, mas de uma formação para a vida.

Não se pode afirmar com precisão o momento específico do surgimento da

educação e da escola. O que se sabe é que o ordenamento atual os regula e

protege. Como foi lido, o homem nasce com a necessidade de ser educado, e as

civilizações vão aperfeiçoando o processo de aprendizado e de transmissão do

conhecimento adquirido ao longo do tempo. E como decorrência do aperfeiçoamento

da formação culminou ao surgimento da democracia, através da escolarização, da

herança cultural e da formação do pensamento:

A democracia é uma construção histórica, herança cultural que uma sociedade legitima e deixa como legado para outra geração que, por sua vez, irá legitimá-la e construir uma nova herança. Democracia é uma afirmativa que não necessita de maiores justificativas, porque ser livre e ser feliz já é uma condição do humano. (PEREIRA et al., 2009, p.223).

O direito à educação figura no rol dos direitos sociais. Dentro do conceito de

democracia, a educação busca igualar o homem, dando a todos as mesmas

condições para que haja essa igualdade. É obrigação do Estado garantir e fornecer

a educação nos termos constitucionais, possibilitando o acesso independente de

classe social, de forma a não excluir nenhum grupo social.

Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade. (SILVA, 2001, p.285).

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A educação é direito fundamental do homem. Assim, todos têm direito à

educação, mas não somente o direito, têm a garantia de sua implementação, para

que haja igualdade nas condições de inserção no mercado de trabalho. Afinal, é a

educação de qualidade que viabiliza essa inserção.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

A educação garante o desenvolvimento da pessoa como um ser dotado de

dignidade. Ao considerar os aspectos da cidadania, esse direito coopera para que o

homem conviva na sociedade em que está inserido, através do desenvolvimento de

preceitos básicos como o respeito.

A educação no Brasil enfrenta alguns problemas na sua prestação, mas isso

não a torna menos importante. Ao contrário, deve o Estado buscar meios para seu

aperfeiçoamento e de fato garantir o seu cumprimento de forma plena. Muito já se

tem feito, porém o crescimento precisa ser mais significativo.

No quesito educação, sob a ótica dos meios de comunicação de massa, o cotidiano de milhões de alunos brasileiros muito se distancia dos preceitos de igualdade e qualidade elencados no texto constitucional. Chegou-se ao século XXI sem conseguir alcançar muitas das metas traçadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional, LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e pelo próprio Plano Nacional de Educação que, em 2000, concedeu ao Brasil o prazo de dez anos para erradicar o analfabetismo e formar seus docentes em nível superior. (PEREIRA et al., 2009, p.226).

Muitas críticas recaem sobre a educação, mas esta adquiriu alguns avanços,

inclusive após a implementação da LDB, que busca a erradicação do analfabetismo

e outros melhoramentos para o campo educacional. A atual Carta estabeleceu o

Plano Nacional de Educação11 - retificado pela Emenda Constitucional n. 59, de 11

11 Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto (BRASIL, 1988).

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de novembro de 2009 (BRASIL, 2009) - um plano decenal, que busca melhorar e

igualar a educação nacional.

A educação é a melhor forma de se promover a cidadania e a democracia de

uma sociedade, formando cidadãos plenos através do conhecimento. E a instituição

é o local apropriado para essa aprendizagem:

A reafirmação do valor da instituição escolar se dá não só como lócus de transmissão de conhecimentos e de zelo pela aprendizagem dos estudantes. Ela é uma forma de socialização institucional voltada para a superação do egocentrismo pela aquisição do respeito mútuo e da reciprocidade. O amadurecimento da cidadania só se dá quando a pessoa se vê confrontada por situações nas quais o respeito de seus direitos se põe perante o respeito pelo direito dos outros. (CURY, 2006, p.685).

A evolução da educação, com a retirada dos limites parentais para a escola,

teve como função educar num sentido mais amplo, que vai além da mera educação

formal. Essa mudança de foco busca trazer à pessoa a capacidade e a possibilidade

de conhecer o novo e de desenvolver habilidades de convivência com as diferenças.

[...] Além de serem os lugares próprios do ensino, é lá também que o adolescente e o jovem aprendem a partilhar com os outros os valores, as emoções e as contradições da convivência social, postos nos princípios de igualdade, diferença e de respeito às regras do jogo democrático. (CURY, 2006, p.673).

2.2 Objetivos e valores da educação

Quais são os objetivos da educação? O que se quer determinar à pessoa

quando o Estado postula que ela tem o direito de ser educada para seu pleno

desenvolvimento? Afinal, para que serve essa educação?

Antes de tudo, deve-se observar que a educação visa ao pleno

desenvolvimento humano. Mas o que é desenvolvimento? Antes de tudo faz-se

necessário analisar a palavra “desenvolvimento” de forma semântica. A palavra

deriva do verbo “desenvolver”, que o dicionário Houaiss traduz da seguinte forma:

1 - tirar o que envolve ou cobre; desembrulhar 2 - fazer crescer ou crescer, tornar(-se) maior, mais forte.

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3 - fazer aumentar ou aumentar a capacidade ou possibilidade de; capacidade de fazer progredir ou progredir. 4 - expandir(-se) no(s) plano(s) intelectual, moral, espiritual. (HOUAISS, 2009).

Como se pôde verificar, a palavra denota o crescimento, o ato de tornar-se

mais forte ou expandir-se. Nesse sentido, quando se utiliza a expressão

“desenvolvimento”, estando este relacionado à educação, faz-se referência ao

desenvolvimento pleno, a uma transformação impossível de se reverter.

"O homem é um ser que se transforma. Não a transformação meramente

exterior, crescimento ou decadência, que é própria do vivo em geral, mas a

transformação “interior” que faz dele um ser histórico". (BARROS, 1981, p.4)

O homem cresce e se desenvolve pela educação, aquela educação ampla

que adquire e transmite a seus iguais. É isso que faz do homem um ser pensante,

um ser livre.

Ora, “modificabilidade”, “desenvolvimento”, são testemunhos da liberdade humana. Entendemos por liberdade, na sua significação mais genérica, a possibilidade de transcender o mero dado, e superar a “condição natural” – à qual de qualquer forma, de outra parte, continuamos presos – pela criação de um horizonte cultural. O animal vive como que encerrado no presente; o homem ao contrário, como que circula no tempo, aprisiona na memória o passado e o revive, antecipa o futuro nos seus temores e esperanças. Preso ao mundo, numa condição de imanência, ao mesmo tempo dele se distingue e afasta; transcende-o, no ato mesmo de ter consciência em si. E é essa transcendência ou liberdade, característica do modo humano de ser, que fundamenta a “modificabilidade” e o “desenvolvimento” humanos. É nessa liberdade que se escuda a possibilidade de opção e de escolha, que libera o homem de um “destino pré-traçado”, de uma vida que estaria configurada inteira no ato mesmo de seu aparecimento no mundo. (BARROS, 1981, p.4).

A educação visa o homem e ao seu crescimento. O seu objetivo maior é essa

formação plena, pois não há sentido mencioná-la se não voltada à pessoa humana,

como nas palavras de Dermerval Saviani (1989, p.39): “Além disso - todos

concordam - a educação visa o homem; na verdade, que sentido terá a educação se

ela não estiver voltada para a promoção do homem?”

A educação visa à formação de um determinado tipo de pessoa (SAVIANI,

1989), um sujeito próprio para uma cultura específica, o que pode variar de acordo

com os costumes e valores sociais que imperam em determinada sociedade e/ou em

um dado momento social. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

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(BRASIL, 1988) visa à formação de um individuo pleno em sua cidadania, pronto

para o mercado de trabalho, enfim, alguém formado dentro de uma educação que

estimule seu desenvolvimento completo. Pode-se aqui entender a formação de uma

pessoa capaz de desenvolver um pensamento crítico, com plenas condições de

trilhar novos caminhos e promover cada vez mais o aprendizado de seus iguais. A

educação busca, portanto, a promoção do homem.

Do ponto de vista da educação o que significa, então, promover o homem? Significa tornar o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela transformando-o, uma ampliação da liberdade, da comunicação e colaboração entre os homens. Trata-se, pois, de uma tarefa que deve ser realizada. Isto nos permite perceber a função da valoração e dos valores na vida humana. Os valores indicam as expectativas, as aspirações que caracterizam o homem em seu esforço de transcender-se a si mesmo e à sua situação histórica; como tal, marcam aquilo que deve ser em contraposição àquilo que é. A valoração é o próprio esforço do homem em transformar o que é naquilo que deve ser. (SAVIANI, 1989, p.41).

A formação plena do homem leva-o a descobrir novos horizontes e a traçar

seus objetivos. Nesse processo, ele reconhece os próprios passos e trilha caminhos

mais justos.

Em busca dessa formação plena do individuo, a Carta Magna elege a

educação como seu caminho e, para torná-la possível e justa, estabelece objetivos

específicos a serem atingidos, através do Plano Nacional de Educação (PNE).

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (BRASIL, 1988).

Diante desse artigo, deve-se, em primeiro lugar, analisar-se a erradicação do

analfabetismo. Ora, se o país determinou a educação a todo cidadão, mesmo àquele

que não a tenha recebido na idade correta, assim como determinou a

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obrigatoriedade de matrícula para crianças e adolescentes, esse objetivo deve ser

alcançado através de metas possíveis, como a criação de escolas, fornecimento de

transportes, material didático e merenda escolar, medidas que possibilitam às

pessoas buscarem os bancos escolares. Nesse contexto, é inadmissível o

afastamento da escola por falta de prédios escolares próximos à residência ou

inexistência de transporte adequado para condução daqueles que não têm essa

proximidade, como é o caso das pessoas que residem na zona rural ou em áreas

mais afastadas da escola.

A universalização do atendimento é a garantia de que todos, em todos os

graus, terão acesso a ele, em cada recanto do país. Seja na educação infantil, no

ensino fundamental ou no ensino médio, a educação é um direito de todos, e não um

favor concedido pelo Estado ou um bem restrito a um grupo específico.

Assim, a melhoria da qualidade da educação é requisito básico para a

garantia de igualdade e, consequentemente, da democracia, que somente pode

acontecer entre iguais. Afinal, só há democracia entre pessoas com as mesmas

condições na prática de direitos e deveres, o que se deve fazer através da formação

do cidadão.

Por tal motivo, o serviço deve ser prestado por todos os entes da União, dos

Estados e dos Municípios. A União fica obrigada a destinar no mínimo 18% de sua

receita decorrente de impostos, à educação, e os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios 25%, no mínimo. Essa medida garante uma assistência mínima à

educação, assim como sua existência em todos os municípios do território nacional.

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. (BRASIL, 1988).

A educação deve ser prestada de forma indiscriminada e gratuita, inclusive

aos que não tiveram acesso a ela na idade correta. Do mesmo modo, além propiciar

a integração e o acesso à escola, deve o Estado possibilitar que as crianças com

deficiência também tenham direito à educação, inclusive determinando a

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acessibilidade aos ambientes educacionais12.

A garantia da prestação do serviço em todos os municípios, estados e no

Distrito Federal, bem como a inclusão de todas as crianças e adolescentes na

escola, estão inseridas no princípio da igualdade. Assim, é dever do Estado, dentro

dos moldes constitucionais (BRASIL, 1988), acolher a todos, dando tratamento digno

aos “desiguais” de forma a torná-los “iguais”.

A “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte

e o saber”, inciso II, do art. 206. (BRASIL, 1988) é um princípio que deve ser

entendido dentro de um contexto mais amplo, como um direito à educação. Nessa

perspectiva, a divulgação dos métodos de ensino gera um possível confronto de

idéias, o que pode resultar na escolha de melhores caminhos para a prática

educativa.

Os Estados têm liberdade de criar suas diretrizes curriculares, bem como as

escolas têm liberdade para escolher os métodos a serem aplicados, devidamente

acompanhados por profissionais habilitados para tal ato.

Ademais, os pais têm liberdade para escolher a escola que encaixe dentro de

seu perfil moral. Não se discutirá aqui a realidade nacional, assim como a falta de

condições materiais para muitos pais executarem essa escolha, pois este sim é um

problema de muitas famílias. De acordo com o texto constitucional, essa amplitude

deve ser ofertada dentro da rede pública, pois é a esta que o Estado está obrigado.

O pluralismo que vem expresso no inciso III, do art. 206 (BRASIL, 1988),

oferece uma gama maior de escolhas aos pais, bem como a possibilidade de

propostas diferenciadas dos métodos do Estado.

A educação também deve buscar o fim da marginalidade social, fornecendo a

todos os indivíduos igualdade de inserção no mercado de trabalho, de acesso à

cultura e ao lazer. Como se sabe, o Brasil possui graves distorções sociais, reflexo

de um sistema histórico e político falho, pouco preocupado em extinguir ou ao

menos diminuir as diferenças sociais e culturais. As classes menos favorecidas

enfrentam, ainda hoje, dificuldades de desenvolvimento de suas capacidades. Tendo

em vista a realidade dessa camada social, não é difícil compreender os motivos que

a faz buscar soluções econômicas mais rapidamente. A falta de estrutura financeira

12 A acessibilidade é determinada pelo Estado em todos os ambientes de convivência através de normas próprias. (BRASIL, 1999).

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é, muitas vezes, a responsável pelo ingresso cada vez mais precoce dos jovens no

mercado de trabalho, o que, quase sempre, resulta na não continuidade de seus

estudos. E algumas vezes a marginalização desses jovens.

A educação escolar responde a um dos pilares da igualdade de oportunidades. A educação infantil, o ensino fundamental gratuito e obrigatório e o ensino médio, etapas constitutivas da educação básica em nossa organização nacional da educação escolar, são determinantes na rede de relações próprias de uma sociedade complexa como a nossa e que, como se viu, objetiva a cidadania de seus membros inclusive sob a forma de uma socialização plena que inclui a qualificação para uma inserção profissional, digna da pessoa humana como assevera o art. 3º, III da Constituição. (CURY, 2006).

Em contrapartida, há uma corrente de pensamento voltada à escola, sendo

esta vista como um instrumento de libertação do homem tanto da marginalidade

quanto da exclusão social. (SAVIANI, 1989).

A educação emerge aí, como um instrumento de correção dessas distorções. Constitui, pois, uma força homogeneizadora que tem por função reforçar os laços sociais, promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social. Sua função coincide, pois, no limite, com a superação do fenômeno da marginalidade. Enquanto esta ainda existe, devem se intensificar os esforços educativos; quando for superada, cumpre manter os serviços educativos num nível pelo menos suficiente para impedir o reaparecimento do problema da marginalidade. Como se vê, no que respeita às relações entre educação e sociedade, concebe-se a educação com uma ampla margem de autonomia em face da sociedade. Tanto que lhe cabe um papel decisivo na conformação da sociedade evitando sua desagregação e, mais do que isso, garantindo a construção de uma sociedade igualitária. (SAVIANI, 1989, p.4).

A escola surge como o instrumento para a implementação dos objetivos

educacionais, de forma justa e plena, propiciando a todos as mesmas condições de

igualdade. É o local onde a criança e o adolescente desenvolverão conhecimentos

técnicos e valores sociais.

Mas a escola representa muito mais do que o ambiente do conhecimento

formal, nas palavras do professor Carlos Roberto Jamil Cury,

A instituição escolar, enquanto um lugar específico de transmissão de conhecimentos e de valores, desempenha funções significativas para a vida social. Ela faz parte da denominada socialização secundária como uma esfera pela qual, junto com outras, a pessoa vai sendo influenciada (e influindo) por meio de grupos etários, da inserção profissional, dos meios de comunicação, dos espaços de lazer, da participação em atividades de caráter sociopolítico-cultural, entre outros. (CURY, 2006, p.671).

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A escola é um ambiente de socialização da criança, é o lugar onde ela

aprende a seguir regras de organização próprias. Ao mesmo tempo em que aprende

a respeitar os limites legais, a criança tem acesso às redes sociais e é formada

como um indivíduo participante de um Estado Democrático. Assim,

Analisar a escola como espaço sócio-cultural significa compreendê-la na ótica da cultura, sob um olhar mais denso, que leva em conta a dimensão do dinamismo, do fazer-se cotidiano, levado a efeito por homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos, adultos e adolescentes, enfim, alunos e professores, seres humanos concretos, sujeitos sociais e históricos, presentes na história, atores na história. Falar da escola como espaço sócio-cultural implica, assim, resgatar o papel dos sujeitos na trama social que a constitui, enquanto instituição. (DAYRELL, 2001, p.136)

A dignidade plena da pessoa só pode ser alcançada se os direitos

fundamentais, de cidadania e democracia forem respeitados. Mas para que haja

esse respeito, é preciso conhecer tais direitos, para haver respeito e igualdade entre

todos. Esse conhecimento só é possível através da educação, bem e direito

inestimável e instrumento de desenvolvimento humano.

A cidadania é um princípio da República Federativa do Brasil (art. 1º, II) em que os pares se reconhecem como iguais na busca da realização da “cidade boa e justa”. E não há cidadania sem iguais, pontos mínimos de partida sem a construção de fins coletivos e sem participação das pessoas, seja em organizações coletivas seja em dinâmicas que lhes assegurem a presença consciente nos destinos de sua comunidade. (CURY, 2006, p.671)

A educação, portanto é o início para a busca de uma sociedade justa e

igualitária, o instrumento para a formatação dos sujeitos e o fim de social que

almejam as sociedades democráticas, tem como objetivo a formação de pessoas

conscientes, capazes de entender o passado e construir o futuro, criando um

ambiente justo formado por iguais.

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[...] E há que se cuidar do broto Pra que a vida nos dê flor e fruto

Coração de estudante Há que se cuidar da vida

Há que se cuidar do mundo Tomar conta da amizade

Alegria e muito sonho Espalhados no caminho

Verdes, plantas, sentimento Folha, coração, juventude e fé.

Milton Nascimento

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3 A EDUCAÇÃO E A ESCOLA NO BRASIL

3.1 A educação nas Constituições nacionais

As ciências humanas, em especial a psicologia, estabelecem certo consenso

ao afirmar que o homem é naturalmente um ser dependente, necessita de cuidados,

e de instrução ou educação. (KANT, 1999). Para Ana Maria Iencarelli, “o ser humano

nasce muito frágil e com várias necessidades de cuidado, que comprometem sua

sobrevivência.” (IENCARELLI, 2009, p.163). A psicóloga é incisiva ao apontar que o

processo que culminará com a independência do indivíduo inclui não apenas a

sobrevivência, como também a própria “humanização”. Nas palavras da autora,

É indispensável que alguém lhe forneça e zele pelo alimento, pela higiene do corpo, pelo colo. O cuidado, portanto, se constitui no condutor que o levará deste estado de vulnerabilidade absoluta ao processo de aquisição de autonomia, e, consequentemente, de humanização. Nossa condição de humanização está submetida por sua vez à união com os outros humanos, à integração e à adaptação a uma comunidade humana. (IENCARELLI, 2009, p.163).

Quanto à educação, ela deve ser entendida em seu sentido amplo,

envolvendo a formação cultural e o convívio social como formas de desenvolver

todas as dimensões da personalidade. Segundo Kant,

O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a formação. Consequentemente, o homem é infante, educando e discípulo. (KANT, 1999, p.11).

E as vezes, utilizado de forma incorreta, entende-se o ensino como sinônimo

de educação, mas que não o é, esse é um dos aspectos da ensino, um dos

instrumentos para se desenvolver a educação, normalmente utilizado para a

educação formal, será sempre a transmissão sistematizada de um saber, como lê-

se,

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O ensino, por sua vez, é apenas um aspecto daquela realidade maior a que chamamos de educação, caracterizado pela transmissão objetiva, dirigida e metodizada de conteúdos educativos, e desenvolvido, quase sempre, no ambiente escolar. Falamos, assim, em “educação escolar”, expressão intermediária entre “educação” e “ensino”. Nestes termos, o ensino é apenas um dos meios de desenvolvimento (o predominante, é certo) de uma das facetas da educação, a educação escolar. (ANDRADE, 2010, p.47)

Com a evolução do pensamento social e a ênfase dada ao pensamento

filosófico, principalmente a partir da formação dos Estados modernos (COTRIM,

2008), a necessidade de se garantir a formação do homem passa a se destacar

como um dever do Estado. Ora, se as Constituições refletem os valores que são

histórica e socialmente construídos, quanto mais o tema educação preocupar-se

com as necessidades humanas, com os direitos pessoais e a dignidade, assim como

quanto mais estiver voltado à proteção ampla do indivíduo, maior destaque receberá

a educação na Constituição, reflexo do pensamento ideológico do grupo social

(BONAVIDES, 2010). A democracia, ou seja, o povo no poder, como hoje é

entendida, vem da construção e do desenvolvimento do pensamento humano.

A democracia é uma construção histórica, herança cultural que uma sociedade legitima e deixa como legado para outra geração que, por sua vez, irá legitimá-la e construir uma nova herança. Democracia é uma afirmativa que não necessita de maiores justificativas, porque ser livre e ser feliz já é uma condição do humano. (PEREIRA et al., 2009, p.223).

As Cartas nacionais se desenvolvem a partir de uma despreocupação com o

homem como pessoa humana. As primeiras Constituições no Brasil eram voltadas,

exclusivamente, à coordenação e organização política do Estado. É o que se pode

notar na Carta Constitucional de 1824, instrumento no qual se percebe já em seu

título primeiro a preocupação com o regramento e organização do Estado e não com

o indivíduo, que regrará o “Título 1º: Do Imperio do Brazil seu Território, Governo,

Dynastia, e Religião.” (BRASIL, 1824).

Há um único inciso dentro do artigo 175, que menciona a obrigatoriedade do

Governo em fornecer a educação primária, do qual se falará mais detidamente

abaixo.

Considerando-se a presença de dispositivos que reservem atenção à

educação, é possível afirmar que houve uma evolução até o momento histórico

atual, já que a Carta Maior traz um regramento voltado ao Homem e suas relações

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sociais. Especificamente, a educação é vista como um direito da pessoa, mais ainda,

é direito das famílias, um direito/dever, de acordo com o qual o Estado deve prover

os meios para que haja o desenvolvimento pleno da educação das crianças e

adolescentes, além de regrar a obrigatoriedade de quem detém o poder parental.

Há, no texto constitucional, dispositivos de eficácia limitada, contida e até

mesmo absoluta que enfatizam o direito/dever à educação, destacando os sujeitos

que assumem papéis importantes no processo: o Estado, a família, a sociedade e as

crianças e adolescentes. A fim de ilustrar tal enfoque na Carta, seguem alguns

dispositivos, presentes na Constituição de 1988, dentre aqueles supracitados:

Art. 6º São direitos sociais a educação , a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição13. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XXIV - diretrizes e bases da educação nacional; Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; Art. 30. Compete aos Municípios: VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental 14; Art. 205. A educação , direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Não obstante as diferenças contextuais e culturais, bem como o enfoque que

ora se faz maior, ora menos incisivo, a educação, direito fundamental social, foi

objeto de disciplina de quase todas as Constituições brasileiras. Por isso, é

importante estudar qual metodologia as Constituições tomaram acerca do tema

“educação”, dado que nos revela o pensamento social nacional a respeito do tema,

sua importância e relevância. Além disso, ao tratar da educação, percebe-se como

as Constituições abordaram temas como a formação em âmbito familiar e a

formação moral-social dos indivíduos, seja no plano doméstico, seja nas instituições

13 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, 2010. (BRASIL, 2010a). 14 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006 (BRASIL, 2006a).

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de ensino:

Uma constituição representa o arcabouço jurídico de uma nação. É uma síntese de múltiplas determinações. Para compreendê-la é necessário uma percepção histórica de processo. Uma historicização de seu presente para reescrever seu passado. (PEREIRA et al., 2009, p.226).

As constituições, por serem reflexo da organização dos Estados em dado

momento, como se observa nas palavras de Alexandre de Moraes, espelham as

preocupações e prioridades de cada sociedade.

Juridicamente, porém, Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, à formação dos poderes públicos, formas de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Além disso, é a Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas. (MORAES, 2010, p.6).

E a educação caracteriza-se como um atributo da personalidade humana,

como realça José Afonso da Silva (2001, p.813): “A educação como processo de

reconstrução da experiência é um atributo da pessoa humana, e, por isso, tem de

ser comum a todos.” Por assim ser, faz-se necessário seu estudo em cada momento

político do país.

3.2 A Constituição de 1824 e a escola

A educação, apesar de ser um tema importante para a formação humana, foi,

por longo período no Brasil, relegada pelo Estado. Era vista, quase que

exclusivamente, como uma questão privada, um direito concernente às famílias, que

a provinham como lhes era propício, pois não havia normas nem obrigatoriedade de

seu cumprimento, assim como recebia pouca ênfase constitucional, e poucas

normas tratavam do assunto educação.

Em 1822, com a declaração da independência, o Brasil transformou-se em um

país autônomo, não mais submetido aos regramentos da Coroa Portuguesa, porém,

somente em 1824, Dom Pedro I outorgou a Primeira Constituição Brasileira, a qual

vigorou até a Proclamação da República. Essa foi a Carta Constitucional mais

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duradoura da história nacional. Manteve-se no Brasil, através desta Carta

Constitucional, o regime monárquico, e a forma de Estado unitário. Estatui a divisão

dos poderes, que eram, legislativo, executivo, judiciário e moderador. Previa também

o voto censitário e determinava a religião católica como oficial. (SILVA, 2001)

Como visto, tal Constituição trouxe diversos avanços sociais ao país, que saía

da situação de colônia de Portugal para iniciar sua independência. O Império do

Brazil15 modificava-se e crescia, talvez impulsionado pela formação até então obtida

pelo povo. Nascia a Primeira Constituição e os políticos passaram a se interessar

por temas educacionais:

Com a proclamação da Independência em 1822, a educação, especialmente por causa das idéias democratizantes de Rousseau e da Revolução Francesa, começa a preocupar os políticos brasileiros. Realmente, observa-se já, em mais de um político de então, o pensamento voltado para a educação do povo. (TOBIAS, 1986, p.155).

Vale ressaltar que esse texto, com seus avanços e abordagem política da

época, não enfatizou a questão da educação básica - apesar de debatida sua

importância - que parecia não reconhecida como tema essencial, ficando relegada à

iniciativa privada. Somente em 1834, com o ato adicional, ou seja, um conjunto de

mudanças que afetou diretamente a constituição, é que a educação recebe alguma

visibilidade.

Não há um capítulo destinado à educação, e sim, um artigo que trata dos

direitos civis e políticos, determinando sua gratuidade, mas não dava garantia a

todos de recebê-la, como nos elucida Gina Pompeu (2005).

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos. (BRASIL, 1824, grifo nosso)

Inicia-se, desse modo, no ordenamento brasileiro, o princípio da gratuidade

da instrução primária, que é de grande relevância para a educação, pois a torna

15 “Império do Brazil” foi a denominação recebida pelo Brasil, como se lê no Preâmbulo da Constituição de 1824: (BRASIL, 1824).

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possível a todas as classes sociais.

Ora, como aponta Carlos Roberto Jamil Cury, no texto “A Educação e a

primeira constituinte Republicana” (CURY, 2001), a educação neste período foi

muito discutida, mas pouco se fez de concreto.

No mesmo sentido, vale ressaltar a crítica efetuada por José Antônio Tobias:

Apesar de ser, assim, dos primeiros países a estabelecer a obrigatoriedade do ensino elementar, mesmo hoje em dia em mais de uma área, o Brasil ainda se apresenta como terra de analfabetos. É bem típico do espírito de muita gente no Brasil pensar que, feita a lei, a “reforma educacional” também está fatal e matematicamente realizada. (TOBIAS, 1986, p.155).

Dom Pedro I, em seu discurso inaugural da Constituinte, em 1823, menciona

a importância da educação e diz ser o ordenamento carente de uma legislação

especial, por tanto necessário o tema na Constituição. (FÁVERO, 2001). No reinado

de D. João VI, as escolas eram abertas e regidas por Provisão Régia (TOBIAS,

1986), não havendo leis específicas que as. Apesar dos esforços empreendidos por

Dom Pedro, nenhum artigo que obrigasse o direito à educação foi incluído no texto

original, mantendo-se os regramentos já existentes. Como já mencionado, somente

11 anos depois, com o ato adicional de 34, é prevista a instrução primária e sua

gratuidade, como se pode ler no artigo 179, em um de seus incisos, como transcrito

acima.

Algumas tentativas foram feitas, para a implementação de sua efetiva

obrigatoriedade, como nos demonstra a professora Maria Celi Chaves Vasconcelos,

que em sua obra transcreve na integra, o “projecto reorganisando o ensino primário

e secundário”16, norma infra-constitucional, apresentado na Câmara dos deputados

em 30 de julho de 1874, pelo Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, ministro e

secretário de Estado dos Negócios do Império, em seu artigo 1º prescrevia,

§ 2º O ensino primário elementar no município da corte será obrigatório para todos os indivíduos de 7 a 14 annos; sel-o-há também para os de 14 a 18, que ainda o não tenham recebido, nos logares do mesmo município em que houver escolas de adultos.[...] II. Os Paes e mais pessoas acima referidas têm o direito de ensinar

16 Cf. reprodução na íntegra do projeto de Lei, constante do jornal A instrucção pública. Folha Hebdomadária. Dirigida por J.C. de Alambary Luz. Rio de Janeiro, 2 de agosto de 1874, anno III, n.31, p.285-286. A instrucção pública constituía-se em um jornal dedicado aos interesses dos professores de instrução pública da Província do Rio de Janeiro e procurava registrar todos os acontecimentos relativos à educação e ao ensino na época (VASCONCELOS, 2005, p.15).

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ou mandar ensinar os meninos em casa ou em estabelecimentos particulares; mas no fim de cada anno deverão submettel-os a exame perante o inspector litterario respectivo. (VASCONCELOS, 2005, p.15)

O Brasil não apresentou concretamente uma evolução na área educacional,

uma vez que havia muitos resquícios da colonização Portuguesa, segundo José

Antonio Tobias (1986). Para Portugal era ruim ou até mesmo um atraso a educação

e a consequente criação de escolas nas colônias Portuguesas, pois, com isso, o

país europeu poderia perder a força de trabalho, que é o que o sustentava. Existia

uma total falta de interesse nos investimentos nas colônias, já que isso geraria sua

independência. Desse modo, não deveria existir escolas públicas nem privadas nas

aldeias com menos de duzentas famílias, “e esta filosofia da educação, injusta para

com o pobre, antidemocrática e anticristã, é explicitamente aplicada às colônias

portuguesas, inclusive ao Brasil”. (TOBIAS, 1986, p.92).

Esse fato atrasou demasiadamente as reformas e investimentos na educação,

pois a classe nobre, que detinha o conhecimento e poderia investir na formação do

país, ainda possuía como base do pensamento a ideia de que a educação não seria

necessária a todas as classes.

Não podemos dizer que nada foi feito, pois a obrigatoriedade de sua

gratuidade é um avanço, o que demonstra que o Brasil começa a deixar pra trás

certos valores, e passa a vislumbrar o crescimento da educação, que reflete nas

demais áreas do saber. Falar sobre a gratuidade da educação pressupõe-se a

criação de escolas mantidas pelo Estado e, consequentemente, o destaque da

escola como prédio físico, instrumento de responsabilidade do Estado e útil ao

desenvolvimento do saber.

Apesar do pouco destaque recebido na carta constitucional em questão, a

menção à gratuidade da educação é um fato relevante, pois garante a todos,

inclusive aos mais necessitados, a possibilidade de estudar. Sabe-se que, para

tanto, há a necessidade não só de sua gratuidade, mas da prestação efetiva de

serviços pelo Estado, o qual não desmerece esse primeiro debate constituinte, que

abriu caminho para uma preocupação maior nos textos constitucionais posteriores.

Entretanto, é importante ressaltar que, na prática, o que acontecia era um incentivo à

educação das classes dominantes, e um esquecimento dos necessitados e

excluídos socialmente, como as mulheres, os escravos e os índios.

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Assim a Constituição do Império faz pouca referência ao direito e garantia de escolarização, não aparecendo a regulamentação da mesma em nenhum capítulo específico do texto constitucional. Refere-se apenas, de forma vaga, à gratuidade do ensino fundamental. Porém, na prática o que se assiste é o incentivo à criação de cursos superiores, pois a necessidade primordial era formar quadros burocráticos que iriam mover a máquina imperial em direção à garantia de direitos e privilégios a que estavam acostumados a ter os senhores, nas terras de além-mar. (PEREIRA et al., 2009, p.227).

A história mostra que a preocupação com a construção de meios para que a

população realmente frequente os bancos escolares é tardia e, ainda hoje, falha.

Destarte, este trabalho não irá se ater às questões políticas de efetivação das

políticas públicas, mas ao direito fundamental que é a educação e sua evolução.

Vale enfatizar que neste período a educação acontecia comumente dentro do

núcleo familiar, e este texto não faz nenhuma proibição a esta prática, nem à

obrigatoriedade da matrícula escolar.

3.3 A Constituição de 1891

As mudanças não são significativas na Constituição de 1891, que é a Primeira

Constituição da República e a segunda nacional. Detentora de alguns novos ideais,

porém sem muitos avanços concretos, ficou conhecida como a constituição de Rui

Barbosa, pois foi ele quem redigiu praticamente todo o anteprojeto, inspirado na

carta norte-americana.

O ordenamento faz-se agora laico, pois o texto não mais determina a religião

católica como a oficial do País, como fez o texto anterior. Esse fato refletiu

diretamente na educação, ganhando destaque constitucional, como lemos:

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelec imentos públicos. (BRASIL, 1891, grifo nosso)

O artigo menciona a laicidade da educação em estabelecimentos públicos e,

daí, depreende-se, implicitamente, que esses estabelecimentos existiam, a despeito

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da ausência de regulamentação sobre eles no texto. Rui Barbosa, mentor daquela

Constituição, tinha um grande interesse pela educação, mas recebeu pouco

incentivo e encontrou muita resistência na tentativa de aplicação, como se observa

em suas palavras,

Enquanto a preocupação de alguns sistemáticos e o exclusivismo de certos teoristas, invocando a ciência da realidade, mas desconhecendo notàvelmente o estado real dos espíritos e das ideias no seio da civilização contemporânea, condenam o desenvolvimento que o nosso primeiro projecto quer imprimir ao ensino oficial, preconizam a supressão dos graus académicos, tacham desdenhosamente de “ciência oficial” a instrução distribuída nos cursos universitários, encarecem a iniciativa individual como capaz de substituir o poder público no seu papel actual de grande propulsor da educação popular e da alta cultura científica, reprovam, em suma, o progressivo alargamento da acção protectora e tranqüilizadora do Estado nesta esfera, a tendência universal dos factos, na mais perfeita antítese com essas pretensões, com o subjectivismo das teorias dessa nova classe de doutrinários, reforça, e amplia, entre os povos mais individualistas com o assentimento caloroso dos publicistas mais liberais, o círculo das instituições ensinantes alimentadas pelo erário geral; aduz todo o dia o concurso de novos argumentos em apoio da colação dos títulos universitários sob a garantia do Estado, e reconhece, cada vez com mais força, a necessidade crescente de uma organização nacional do ensino, desde a escola até às faculdades, profusamente dotada nos orçamentos e adaptada a todos os gêneros de cultivo da inteligência humana. (BARBOSA, 1952, p.221)

Além da que expõe-se, a respeito da laicidade do ensino, não há nenhuma

outra menção ao tema educação. A Carta Constitucional não aborda a gratuidade do

ensino, o que é, na verdade, um retrocesso do ponto de vista educacional, já que

sua gratuidade é fundamental para sua democratização, pois ninguém será excluído

dela por razões financeiras.

No Texto Constituinte atual a educação é tema latente, e sua gratuidade, um

princípio, como se lê no artigo 206 inciso IV “gratuidade do ensino público em

estabelecimentos oficiais.” (BRASIL, 1988).

Esta carta é lacônica ao tratar do assunto “educação”, fazendo apenas uma

referência indireta ao tema. Apesar de nesse momento histórico já existirem diversas

escolas no país, a sua importância não foi delimitada e tampouco determinada a sua

obrigatoriedade nas instituições de ensino, ou a criação de escolas suficientes para

atender a população.

O Brasil já conhecia a questão da educação desde a chegada dos jesuítas ao

Brasil, em 1549 (TOBIAS, 1986), quando iniciaram seus trabalhos no litoral

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brasileiro, instruindo, catequizando e educando. Desde 1550 trabalhavam na

fundação de escolas para os gentios. Traziam em sua concepção educacional um

conceito muito elevado de liberdade humana e universalização da espiritualidade da

alma humana, nos seguintes termos: “Educação é atualizar as potencialidades da

pessoa humana, de maneira a capacitá-la a receber a luz da fé e a salvar sua alma.”

(TOBIAS, 1986, p.41).

O Brasil possuía, em 1552, três escolas de formação básica: a do Espírito

Santo, a de São Salvador e a de São Vicente. Mas, como descreve Tobias (1986),

esses estabelecimentos eram ainda muito precários, porém, gratuitos e públicos,

refletindo as idealizações dos padres jesuítas.

Em 1759, a educação pública estatal vem substituir a educação pública

religiosa, a qual foi inaugurada pelos Jesuítas. Em uma reforma educacional

promovida por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marques de Pombal que

amplia os currículos escolares, antes direcionados apenas ao estudo do português,

da doutrina cristã e ao simples ato de ler e escrever, e passa a privilegiar também o

canto e a música, o aprendizado profissional e agrícola, além da gramática latina.

(POMPEU, 2005).

Em 1808, com a chegada da família real ao Brasil, há um progresso cultural

da cidade do Rio de Janeiro, o que resulta na necessidade educacional para o

desenvolvimento do poder. Ora, os nobres que vieram ao Brasil nesta data

trouxeram consigo as evoluções já adquiridas e a necessidade de aplicá-las a seus

descendentes. (TOBIAS, 1986).

Como se vê, em 1891, o país havia passado por diversas etapas do

amadurecimento educacional, já possuía escolas públicas e, zelava pela cultura e

formação de parte de sua população. O fato dessa carta não prever a gratuidade da

educação e nem as obrigações do Estado e ou responsáveis em prestá-la denota

uma falta de interesse do constituinte em promover socialmente e culturalmente seu

povo, uma desconexão com o direito fundamental que é a educação. Há um

descaso governamental com as necessidades de seu povo, como se o Estado não

tivesse obrigação e influência diretas em sua formação.

A educação, enquanto produto disponível a toda a sociedade, tende a diminuir as distâncias e desigualdades sociais, equalizando as oportunidades, densificando a consciência do igual e explicitando a noção

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do efetivo desigual, para muitos contribuindo no sentido de reduzir a sensação de injustiça social. (ANDRADE, 2010, p.53)

A Constituição de 1891 não teve relevância no que se refere à educação. A

responsabilidade com a prestação do serviço não ficou ainda a cargo do Estado,

sendo, desse modo, de livre escolha dos pais.

3.4 A Constituição de 1934

Quanto à forma de Estado, a terceira constituição do Brasil manteve a mesma

estrutura republicana implantada na carta anterior, com um aumento dos poderes da

União e restrição aos poderes do Estado.

Pela primeira vez no ordenamento nacional, é mencionado o direito ao voto

feminino, artigo 109: “O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para

as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e

salvas as exceções que a lei determinar.” (BRASIL, 1934). Esse artigo mostra o

início de uma visão diferenciada do Estado em relação a seu povo, com a tentativa

de acabar com suas diferenças.

Na Constituição de 1934, a educação vai ganhar também uma nova característica, influenciada, de um lado pelo novo quadro social do País, e de outro, pelas novidades e inovações que já se faziam presentes na educação em centros mais desenvolvidos e que, intelectuais do Brasil, tornaram-se adeptos. A educação aparece como direito social e define parâmetros de responsabilidade para assegurar e garantir esse direito. (PEREIRA et al., 2009, p.228).

Fato importante a ser ressaltado é que neste período já se encontrava em

vigor o Código Civil de 1916, um regramento com um caráter patrimonialista e

paternalista, mas um avanço no campo dos direitos civis, pois demonstra a

preocupação do Estado na regulamentação do Homem em suas questões privadas.

Analisando o contexto mundial, pós Grande Depressão, acontecida em 1929,

verifica-se que a partir de então, o mundo começa a se preocupar com outras

necessidades humanas. Surge, nesse período, a ideia do Welfare State, ou seja,

Estado de bem estar social, que passa a embasar as ideologias sociais e os

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contextos organizacionais. (MORAES, 2010).

O Direito à educação ganha contornos expressivos, a carta constitucional

regente dedica a ela um capítulo, e a figura da Escola ganha a projeção merecida. O

capítulo destinado a educação, sob o título V, nominado “Da Família, da Educação e

da cultura”, localizado no capítulo II - Da Educação e da Cultura -, rezava em seu

primeiro artigo:

Art. 149. A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana. Parágrafo único - O plano nacional de educação constante de lei federal, nos termos dos arts. 5º, nº XIV, e 39, nº 8, letras a e e, só se poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá às seguintes normas: a) ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória extensivo aos adultos; b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de o tornar mais acessível; c) liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observadas as prescrições da legislação federal e da estadual; d) ensino, nos estabelecimentos particulares, ministrado no idioma pátrio, salvo o de línguas estrangeiras; e) limitação da matrícula à capacidade didática do estabelecimento e seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento, ou por processos objetivos apropriados à finalidade do curso; f) reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino somente quando assegurarem a seus professores a estabilidade, enquanto bem servirem, e uma remuneração condigna. (BRASIL, 1934).

A referida Constituição estabelecia também competências para organizar e

manter este sistema que agora se delineia como de responsabilidade do Estado:

Art. 5º. Compete privativamente à União: XIV - traçar as diretrizes da educação nacional; (BRASIL, 1934) Art. 10. Compete concorrentemente à União e aos Estados: VI - difundir a instrução pública em todos os seus graus; (BRASIL, 1934)

Art. 151. Compete aos Estados e ao Distrito Federal organizar e manter sistemas educativos nos territórios respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela União. (BRASIL, 1934).

Das Constituições brasileiras, a de 1934 é a mais breve, mas tem como

mérito inaugurar uma visão educacional diferenciada, estendendo a necessidade da

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formação escolar além da formação básica17 e tornando a educação obrigatória. E

inova, mais uma vez, ao estender aos adultos o direito à educação18, o que denota o

interesse na formação cultural da nação, e não somente às crianças. Abrangendo a

todos e resguardando a educação como garantia constitucional.

A Constituição de 1934 resgata o princípio da gratuidade do ensino, como se

lê na alínea a. do parágrafo único, do art. 149. Essa medida é de extrema

importância, pois somente através do ensino gratuito pode-se falar em direito real de

educação, afinal, o direito só é pleno se, realmente, ninguém for dele excluído. A não

participação efetiva do Estado na prestação do ensino gratuito afasta os

necessitados desse direito, tornando-o elitizado. (BRASIL, 1934).

Diz-se, no caput do artigo 149, ser a educação uma obrigação do Estado e da

família, nos seguintes termos: “pode ser ministrada pela família ou pelo Poder

Público” (BRASIL, 1934). O referido artigo 149 não regulamenta a matrícula

obrigatória na Escola, e faz entender que a educação no lar era permitida. Ademais,

o Brasil não possuía escola em todos os locais, o que levava muitas famílias a

praticar a educação domiciliar.

Isto não quer dizer que a possibilidade de se oferecer educação escolar na família seja algo exclusivo ou original do Brasil. Países europeus contemplam em sua legislação esta possibilidade, como é o caso da Inglaterra ou da França. (CURY, 2006, p.680).

A carta de 1934, avança na regulamentação da educação, e faz surgir um

novo campo para o debate social, ainda que breve. (BRASIL, 1934).

3.5 A Constituição de 1937

Em 1937, temos a quarta Constituição Brasileira. Outorgada por Getúlio

Vargas e apelidada de “A Polaca”, é fruto de um regime ditatorial. Nela ocorreu uma

diminuição dos direitos fundamentais, tais como o direito à greve e ao mandado de

17 - art. 149, § único - b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de o tornar mais acessível; (BRASIL, 1934). 18 Art. 149 § único - a) ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória extensivo aos adultos; (BRASIL,1934)

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segurança. (BRASIL, 1937).

No campo educacional também houve retrocessos: apesar de manter um

capítulo destinado à educação e à cultura, rezando a gratuidade e obrigatoriedade

do ensino primário, o texto limita esse ensino à formação básica, não mais

estendendo esses direitos à formação contínua, como estabelecia o texto da

Constituição de 1934. (BRASIL, 1934).

Também não aparece nenhum destaque à figura da escola, como pode ser

lido nos dois artigos transcritos abaixo que abordam o tema:

Art. 130. O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar. Art. 125. A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular. (BRASIL, 1937)

A Constituição de 1937(BRASIL, 1937), que foi de curta trajetória (apenas oito

anos), refletia a idéia de uma educação de competência primeira da família, e, como

se leu acima, vinculada a valores cívicos de cooperação dos mais favorecidos com

as pessoas de menos recursos.

O artigo acima, que diz ser educação um direito natural das famílias, leva

novamente ao entendimento de um ensino domiciliar, uma vez que não há nenhuma

menção à obrigatoriedade de matrícula na escola. Nesse contexto, o Estado passa a

ser apenas um colaborador deste dever e não detentor de sua obrigatoriedade.

A educação ainda não recebe o relevo que se entende necessário neste texto

constitucional, entretanto, por ser uma constituição de curta duração, não há

correlação de relevância ao trabalho apresentado. Destaca-se as palavras da

professora Luzia,

Nessa Constituição fica mantido um tom elitista quando se refere à educação escolar, principalmente no que tange à privatização e à dualidade de ensino propedêutico e profissionalizante. É importante lembrar também que neste momento o analfabetismo incomoda a emergente sociedade industrial capitalista que almeja a modernização. (PEREIRA et al., 2009, p.229)

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3.6 A Constituição de 1946

A quinta Constituição Nacional ressuscita o texto de 1934 com duas

alterações significativas: a previsão da mudança de local da capital do Brasil para o

Distrito Federal e a criação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN)

Permaneceu em vigor até o golpe militar de 1964, trazendo a educação novamente

para a competência do Estado, assim como a Constituição de 1934. (BRASIL, 1934).

Como mencionou-se anteriormente, num contexto mais amplo, a ideia de

educação não era vista como um direito das pessoas, mas o discurso que permeava

a estrutura familiar ainda era paternalista, e entendia que os pais detinham um poder

quase absoluto sobre seus filhos, pertencendo a eles esse direito.

O texto “A educação na Assembléia Constituinte de 1946”, de Romualdo

Portela de Oliveira (2001), ao citar os debates que anteciparam a constituição,

transcreve o pensamento da época, ainda muito paternalista, que coloca os pais

como detentores de direitos absolutos em relação à família. O trecho destacado é de

Ataliba Nogueira que, ao apresentar a justificativa da subcomissão, alega que o

Estado quer absorver o direito das famílias à educação de seus filhos. O texto deixa

claro que o Estado não pode intervir na educação familiar dos filhos, ainda que seja

para regulamentar a forma como se dará a instrução e a legislação escolar,

[...] Chamo à atenção o espírito que está sendo inoculado em nosso meio educacional de uns 16 anos para cá. Ilustrados colegas participam da concepção de que a educação pertence ao Estado principalmente, de que o Estado pode contrariar a vontade dos pais, quando este art. 6º diz precisamente o contrário. O Estado não pode substituir aos pais de família na educação dos filhos. A tendência veio exatamente dos Estados antidemocráticos, que procuram modelar a infância à sua feição, ao passo que os pais perturbam tal modelação. [...] Se desejo dar a meu filho tal educação, não pode o Estado de maneira nenhuma impor que ele seja educado de outra forma. O mesmo deve acontecer com a instrução. (OLIVEIRA, 2001, p.176).

Neste momento cultural vivia-se sob a égide do Código Civil de 1916, reflexo

de um Estado liberal. Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, no texto “A

filosofia do Direito no Brasil e o papel de Miguel Reale” (FERRAZ JÚNIOR, 2010),

entendia-se a predominância desta cultura paternalista dentro de uma organização

política individualista, marcada por limitações constitucionais e que assegurava

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áreas de autonomia privada, tais como o poder quase ilimitado concedido aos pais,

no processo de criação e educação de seus filhos. O Código Civil de 1916

(BRASIL,1916)19 influenciou o pensamento social, pois reafirmava o poder,

principalmente do pai sobre os filhos.

Essas ideias, que predominavam em alguns discursos como o transcrito

acima, começam a ser debatidas por alguns pensadores e em alguns movimentos,

como o feminista, o qual buscava a igualdade entre homens e mulheres.

Novas ideologias surgiam na busca de um Estado maior, mas ainda sofriam

resistência por parte dos mais conservadores. A família paternalista era regida por

severos padrões morais e religiosos, que concediam aos pais, principalmente à

figura paterna, o poder supremo em relação à educação dos filhos, que lhes

reservava o direito de escolher seu futuro através de suas concepções pessoais.

A educação, para muitos, não havia atingido a categoria de instrumento de

formação pessoal no pensamento comum. Como as escolas não eram locais de fácil

acesso, a instrução dos filhos, se dava em alguns casos somente no âmbito familiar.

A educação realizada na Casa é um prática existente desde os tempos mais remotos, caracterizada em determinados períodos da história como o único recurso para a educação de crianças e jovens e, em outros períodos e circunstâncias, como a maneira utilizada pelos membros das elites econômicas e políticas para educar seus filhos, [...] (VASCONCELOS, 2005, p.1).

Por esse motivo, fez-se essencial o seu destaque constitucional como

obrigação das famílias, na forma determinada pelo texto constitucional de 1946: "Art.

166. A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se

nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana". (BRASIL, 1946,

grifo nosso)

A educação é, então, vista como dever dos pais e da escola, devendo, e

podendo, ser ministrada por ambos, pois o artigo nos transmite também a ideia da

existência do ensino domiciliar. Não há, nesta carta, nenhuma menção à

obrigatoriedade ou exclusividade da escola.

Convém enfatizar que esta carta mantém a obrigatoriedade e gratuidade do

ensino primário, estendendo-o aos anos secundários, quando provada a falta ou

19 Revogado pela Lei nº 10.406, de 10.1.2002. (BRASIL, 2002c).

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insuficiência de recursos por parte das famílias, como lemos no art. 168:

Art. 168. A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; (BRASIL, 1946)

Ver a extensão do ensino gratuito para as pessoas com falta de recursos não

apenas garante a todos a continuidade dos estudos, mas representa um retorno ao

avanço adquirido na Constituição de 1934 (BRASIL, 1934), com a diferença de que

naquele texto a gratuidade se estendia a todos, enquanto neste, somente às

pessoas carentes.

A Constituição de 1946 (BRASIL, 1946) é uma carta importante para a

educação, pois retoma algumas garantias mencionadas anteriormente, mas, que

ficaram esquecidas no texto de 1937 (BRASIL, 1937), como a extensão para os

anos posteriores ao primário. Desse modo, pode-se verificar que tal carta

constitucional revela uma preocupação não somente com a educação inicial, mas

com a formação completa de todo o povo, com o ensino primário e médio.

3.7 A Constituição de 1967

Em 1967, temos a sexta Constituição Nacional, fruto, novamente, de um

regime ditatorial, outorgada ao povo, como as novas diretrizes do Estado. (BRASIL,

1967).

A Carta em questão tem como características a redução dos poderes dos

Estados, a limitação dos direitos e garantias fundamentais, e o aumento dos poderes

da justiça militar, a qual ganhou competência para julgar os civis. A educação teve

um destaque moderado, uma vez que a Carta reitera o poder e responsabilidade da

família sobre a educação dos filhos e não menciona a obrigatoriedade de matrícula à

escola:

Art. 168. A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola ; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da

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unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana. § 1º - O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Públicos. (BRASIL, 1967, grifo nosso)

Porém, com o Ato Institucional de 1969, que praticamente modifica a Carta de

1967, aparece a menção ao ensino ministrado no lar. O Ato de 1969 explicita o

regime de exceção no texto constitucional quando reza que a educação será

inspirada na unidade nacional, ou seja, será um instrumento para manter e enaltecer

o sistema imposto, como se lê:

Art. 176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola. § 3º A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas: II - o ensino primário é obrigatório para todos, dos sete aos quatorze anos, e gratuito nos estabelecimentos oficiais; (BRASIL, 1969b, grifo nosso).

Observa-se ainda que o novo regime faz a tentativa de conter os movimentos

populares em busca de uma sociedade livre e igualitária:

A Constituição de 1967, em meio a uma complexa crise da sociedade brasileira, tenta conter os avanços de uma sociedade plural, uma sociedade que tem de certa forma um limite bastante demarcado entre a contradição do trabalho e do capital. Existia o início de formação de uma ideologia própria de uma classe social que começava a mostrar seu rosto. (PEREIRA et al., 2009, p.229).

Não há grande relevo ao tema “educação”. A regulamentação da educação

fica a cargo da Lei nº 4.024 de 1961 (BRASIL, 1961) e suas modificações

posteriores, da qual se falará posteriormente.

No que se refere à educação, o texto de 1967, alterado pela Emenda Constitucional nº 01 de 17 de outubro de 1969, representa talvez, o maior retrocesso educacional já conhecido na história do Brasil. Não fica previsto dotação orçamentária para o custeio educacional, ampliando espaço para a expansão do ensino pago e legalizar várias formas de transferência de recursos da União para as empresas de educação. (PEREIRA et al., 2009, p.229).

As Constituições nacionais até aqui estudadas mostram os caminhos

seguidos pelo país na formação do conceito educacional. Nesse sentido, o que é

possível constatar a partir da análise das cartas constitucionais mencionadas até

aqui é que, até 1967, não existia uma preocupação com a formação plena do

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indivíduo. Os direitos pessoais se encontravam em formação no pensamento

nacional. Em alguns textos, inclusive, encontramos a ausência de regulamentação

do tema, o que, de acordo com José Joaquim Gomes Canotilho (2002), deve ser

evitado. O que deve existir constitucionalmente, segundo o autor, é um princípio do

não retrocesso social, afinal, “o princípio da democracia econômica e social aponta

para a proibição de retrocesso social .” (CANOTILHO, 2002, p.336, grifo nosso).

Ora, uma vez regulamentada, a educação deveria sofrer avanços e não retrocessos,

fato este que representou uma grande perda social, pois a educação por longo

período foi uma pratica comum das elites, e não do povo, e ainda hoje, sofre-se com

este descaso.

O Conceito de educação era, no século XIX, um assunto polêmico e controverso. O debate baseava-se em uma oposição entre educação e instrução, entendendo-se que cada uma tinha seus próprios objetivos, métodos, agentes, e, conseqüentemente, poderiam ser separadas e reunidas, bem como destinadas para onde houvesse consenso. Na verdade, implícita nessa polêmica estava a luta marcadamente existente entre o Governo do Estado e o Governo da Casa20 quanto à educação de crianças e jovens, e a resistência das elites pela educação doméstica em oposição à legitimidade exclusiva da escola pública ou da escola particular autorizada pelo poder público. Isto num contexto em que todas conviviam, ainda sem um estatuto claro de qual a missão da educação doméstica e da escola diante das especificidades presentes naquela sociedade. (VASCONCELOS, 2005, p.204).

No entanto, após a Carta de 1967 as pessoas passam a buscar direitos

diferenciados, a sonhar com igualdade e liberdade em um regime democrático

pautado na proteção ao Homem. Essas ideias culminam nas “Diretas já” e na atual

Carta Constitucional. Os ideais de igualdade e democracia começam a nascer no

imaginário social.

3.8 A Constituição de 1988

O Brasil novamente sai de um regime ditatorial, mas desta vez, com uma

população mais participativa. O país gritava pela igualdade, as “Diretas já”

alcançaram todas as classes. 20 Aqui se refere ao poder dos pais sobre os filhos, a educação domiciliar. (VASCONCELOS, 2005)

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O pensamento social, decorrente de uma nova formação cultural nacional,

reflete uma nação mais organizada e participativa, pautada em valores maiores.

Nasce, nesse clima de renovação, a sétima Constituição Brasileira (BRASIL,

1988), elaborada por uma constituinte e gozando de alguns instrumentos de

participação social, como as possibilidades de plebiscitos e referendos. (SILVA,

2001)

Reinavam, naquele período, ideais de igualdade entre as pessoas, gritos por

um direito justo. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (1998) é,

provavelmente, o ponto inicial desse novo formato do direito, que passa a ter como

objeto principal o Homem e sua dignidade. Os ideais propostos por este documento

não são impostos e sim decorrentes de uma construção cultural dos povos, como se

depreende no seu objetivo principal, abaixo transcrito:

A Assembléia Geral proclama a presente Declaração U niversal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades , e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1998, grifo nosso).

A Declaração dos Direitos do Homem tem, antes de tudo, um caráter

pedagógico e não punitivo, por isso divulga ao mundo que todos são iguais em

direitos e deveres e devem ser educados para isso. As políticas exclusivistas

passam a ser repudiadas pela maioria dos povos. Em todo o mundo, já se via o

surgimento de regramentos mais protetivos, como a Constituição do México de 1917

e a da Alemanha de 1919, anteriores à Declaração.

Mas para a garantia desses direitos, consagrados como universais, os países

passam a ter de buscar meios para a sua concretização. Tem-se como instrumentos

primordiais para isto a garantia do direito à educação, através de princípios como o

de sua gratuidade e obrigatoriedade.

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Ao se determinar a obrigatoriedade da educação para os Estados, como

direito subjetivo21, esta tem que ser provida de meios para que se torne concreta.

Para tanto, é preciso que todas as classes tenham acesso a ela e que o fator

financeiro não sirva como forma de exclusão.

A Declaração dos Direitos do Homem já trazia essa idéia de garantia de

acesso e obrigatoriedade, ao menos na formação básica, como se lê no artigo 26:

Artigo XXVI. 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita , pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória . A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1998, grifo nosso).

A ideia da educação como direito humano, repetida no pensamento nacional,

ganha destaque, e o texto constitucional de 1988 passa a determiná-la como direito

de todos e dever do Estado22. Assim, o pensamento do Estado Democrático,

adotado pelo Brasil nesta Carta Constitucional, prega a necessidade da formação do

homem, do crescimento obtido através da instrução. A educação serve como meio

de consolidação dos valores e garantia de que o conhecimento é transmitido a

todos, de forma indiscriminada.

A Constituição de 1988, como observamos antes, deu relevante importância à cultura, tomando esse termo em sentido abrangente da formação educacional do povo, expressões criadoras da pessoa e das projeções do espírito humano materializadas em suportes expressivos, portadores de referencias à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, que se exprimem por vários de seus artigos (5º, IX, 23, III a V, 24, VII a IX, 30, IX e 205 a 217), formando aquilo

21 Art. 208. [...] §1º - o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. (BRASIL, 1988). 22 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 1988).

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que se denomina ordem constitucional da cultura, ou constituição cultural 23, constituída pelo conjunto de normas que contêm referências culturais e disposições consubstanciadoras dos direitos sociais relativos à educação e à cultura. (SILVA, 2001, p.812).

No capítulo que se refere aos direitos sociais, a educação é o primeiro direito

mencionado, e o texto destaca a sua importância:

Art. 6º. São direitos sociais a educação , a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).

A educação é instrumento para a dignidade humana e princípio para a

formação da cidadania, é a forma de tornar o Homem livre, portanto o direito a ela

encontra-se implícito dentro dos ideais do Estado.

Assim é que, dos fundamentos republicanos da dignidade da pessoa humana e da cidadania, a doutrina extrai, até sem muito esforço, o direito constitucional à educação (conjunto de regras e princípios jurídicos sobre educação) e suas características elementares. (ANDRADE, 2010, p. 63).

A Carta Magna também, como outras constituições, dedicou um capítulo à

educação, mas agora com um poder maior em relação à obrigatoriedade desta,

trazendo o conceito de educação como instrumento pleno de formação,

demonstrando a preocupação com os direitos fundamentais do Homem. E ainda, na

formação do Estado de Direito, dando visibilidade ao assunto,

"Além disso, no caso da Constituição de 1988, a inserção expressa de regras

e princípios sobre a educação fora decisiva na configuração de um regime jurídico-

constitucional objetivo sobre a matéria". (ANDRADE, 2010, p.63)

Que se apresenta nos seguintes moldes,

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

É necessário ressaltar que o artigo acima transcrito já demonstra o papel, que

a educação recebe atualmente, ou seja, o de instrumento de formação humana.

23 Esta expressão também é utilizada por Canotilho (2002) em sua obra já referenciada.

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Nesse sentido, tal instrumento vai além da mera educação formal ou instrumental,

uma vez que representa, acima de tudo, a possibilidade de uma formação social. A

educação é, portanto, nos termos da Constituição, um direito de todos e um dever do

Estado e da família. (POMPEU, 2005, p.89).

A educação é um instrumento para a construção da democracia.

O verdadeiro regime democrático, igualmente, corre sério risco de ser mera aspiração, ideologia afastada da efetiva aplicação, se o direito à educação não manifestar sua força. A democracia e o princípio do Estado Democrático de Direito somente germinam em campo fértil, adubado por cidadãos conscientes de sua responsabilidade em face dos problemas que, em linha última, interessam a toda comunidade, atinentes a seu patrimônio político, material, moral, ético e social. (ANDRADE, 2010, p.55).

O Direito à educação tem, de um lado, como beneficiário, toda pessoa

humana, e, de outro, o Estado, com a obrigação de prestar esse benefício. É um

direito amplo, de aplicabilidade genérica. Um direito subjetivo, exigível por todo

cidadão.

À família incumbe o dever da educação de forma diferente da estatal, pois

recebe o papel de gerir a educação informal, complementar a educação obrigatória e

participar da formação psicológica da criança e do adolescente.

No dever de educar está implícita a obrigação de promover no filho o desenvolvimento pleno de todos os aspectos da sua personalidade, de modo a prepará-lo para o exercício da cidadania e qualifacá-lo para o trabalho, mediante a educação formal e informal, o que atende aos arts. 3º e 53 do ECA. (TEIXEIRA, 2009, p.145).

Ao estado há a incumbência da prestação do “serviço”, devendo este fornecer

locais apropriados, educação de qualidade e gratuita, como se lê na Constituição:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. (BRASIL, 1988).

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A família entra como mediadora no cumprimento desta obrigação, com o

dever de matricular os filhos na escola e acompanhar o desenvolvimento escolar

desses menores.

O ensino trazido pela nova ordem constitucional vem cercado de ideologias,

que são traduzidas em seus princípios, como se lê no art. 206 da Carta

Constitucional de 1988 (BRASIL, 1988), e que são os seguintes: igualdade de

condições, acesso e permanência na escola, liberdade nos aspectos educacionais

de sua prática efetiva, pluralismo de ideias, e gratuidade do ensino, para propiciar a

sua efetiva igualdade.

O primeiro dos princípios é a igualdade de condições de acesso à escola. A

lei cria normas gerais como a idade mínima para se ingressar na escola, a educação

inclusiva, criação de meios para as crianças chegarem à escola, dentre outros. A

permanência na escola é outro fator importante, daí a preocupação com o

fornecimento de livros didáticos e da merenda escolar. A atual legislação busca

formas de impedir a evasão escolar, problema tão comum as classes menos

favorecidas, que por questões de sobrevivência deixam os bancos escolares, para

ingressar muito cedo no mercado de trabalho.

Outro princípio é a liberdade do ensino, da aprendizagem, da pesquisa e da

divulgação do pensamento, arte e saber, que é o reflexo de um Estado Democrático.

A escola torna-se, assim, o lugar do respeito às diferenças e onde se pode discutir

as diferenças de pensamento na construção da sociedade.

As diferenças pedagógicas garantem às pessoas a transmissão dos ideais e

valores e, aos pais, o exercício de seus deveres paternos, através do tipo de

educação que os pais entendam como a mais correta.

Entre todos os princípios, o mais importante é a gratuidade, pois não há como

se falar em direito à educação sem se garantir a sua viabilidade.

A educação, porém, só poderá ser considerada como um direito de todos se houver escolas para todos. Se há um direito público subjetivo à educação, isso quer dizer que o particular tem a faculdade de exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional pelos poderes públicos. (POMPEU, 2005, p.92).

Quando o Estado determina a obrigatoriedade do ensino, tem que prover as

formas para que este se desenvolva, através de escolas e um corpo docente

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preparado. É preciso haver regras que disciplinem a prática da educação e, além de

criar locais apropriados para o ensino e contratar profissionais capacitados, tem

ainda o Estado que exercer a função fiscalizatória as famílias, que o faz através do

controlar a frequência dos alunos à escola, para que o seu dever seja plenamente

cumprido, artigo 208, “§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no

ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis,

pela freqüência à escola.” (BRASIL, 1988).

Nos regimes democráticos pressupomos uma preocupação maior com a

educação, a qual tem como intuito a formação dos cidadãos, para que estes

construam uma sociedade justa e fraterna. O conhecimento das regras sociais leva a

seu fortalecimento, pois os cidadãos são capazes não somente de lê-las, mas de

entendê-las em sua essência.

A Carta Magna, em todo o seu texto, exalta princípios inerentes à educação.

No entanto, a cidadania e a garantia aos direitos fundamentais - preocupações

maiores do ordenamento - só podem ser atingidas por um povo consciente e

instruído, com uma educação solidificada em conceitos morais.

Somente a educação continuada é capaz de construir a sonhada sociedade

livre, justa e solidária, objetivo maior da nossa República. É fato que não existe

nenhum país desenvolvido que não educou o seu povo.

A educação de qualidade, calcada em valores éticos e morais, é fundamental

para a construção de uma sociedade solidária, é ela que aprimora a população,

libertando-a de preconceitos e eliminando as desigualdades. A atual Carta preocupa-

se com esta educação moral, que vai muito além da mera instrumentalização da

educação. Por esse motivo, rompe todos os valores das constituições anteriores, na

busca de um povo que realmente pode ser democratizado.

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Cada pessoa que entra em contato com a criança é um professor

Que incessantemente lhe descreve o mundo, até o momento em que a criança

é capaz de perceber o mundo tal como foi descrito.

Carlos Castañeda

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4 FAMÍLIA, ESTRUTURA E DEVERES

4.1 Conceito e natureza de família

Sílvio de Salvo Venosa (2010, p.5) lembra que a família atual “difere das

formas antigas no que concerne a suas finalidades, composição e papel de pais e

mães”. Não obstante, a nossa sociedade - e consecutivamente o direito positivo

brasileiro – reconhece a importância que a família tem no processo de configuração

e desenvolvimento da pessoa humana. O reflexo de tal importância surge em

legislações, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), bem

como em projetos de leis, tais como o Estatuto das Famílias24 (Projeto nº

2.285/2007), que busca compreender os novos fenômenos da família

contemporânea. (INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 2007).

Algo que ultrapassa qualquer alteração estrutural hodierna, entretanto, é o

papel dos pais (ou equivalentes), insubstituível e determinante na educação dos

seus filhos. A atribuição dos pais, obviamente, não inclui apenas a de autoridade

instituída por uma sociedade historicamente patriarcal, mas abarca a afetividade e a

educação em sua forma plena. De acordo com a psicóloga Ana Maria Iencarelli,

Toda criança precisa de mãe, mas nem sempre da sua mãe. Uma mulher pode até ser uma boa mãe operacional (limpar, alimentar e colocar no berço para dormir), e, no entanto, não conseguir ser uma mãe, saudavelmente, afetiva e cuidadosa. Exercer a função de mãe não é a mesma coisa que executar tarefas. [...] Exercer função de pai não se reduz a ser ou não ser apenas, em parte, provedor. (IENCARELLI, 2009, p.168).

Uma das vertentes mais importantes da função parental se refere ao quadro

de valores que todo Homem necessita - principalmente em determinadas fases da

vida – como orientação ou referência para que suas escolhas sejam feitas, afinal “o 24 Atento às transformações, o Instituto Brasileiro de Direito de Família, desde março de 2007 vem trabalhando, de acordo com seus objetivos institucionais, na construção de um projeto de lei para a criação do Estatuto das Famílias, ou seja, uma nova legislação que visa positivar um Direito de Família mais adequado às necessidades e à realidade da sociedade contemporânea. Mais que uma reforma no Código Civil, o projeto desmembra o título que trata do Direito de Família e reestrutura toda a matéria, criando um estatuto autônomo, com novas regras materiais e processuais. (INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 2007). É, ainda, apenas um projeto de lei, não tendo força vinculante.

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ideal de construção de uma vida digna se adquire no processo de transmissão

cultural. É na construção do laço social que se preserva um ethos (morada, conjunto

de hábitos) onde o homem se reconhece e, na alteridade, persevera na existência.”

(MAIA, 2009, p.360).

De fato, as primeiras escolhas e deliberações, bem como o movente de todas

as iniciativas humanas, acontecem e se concretizam no seio familiar, considerando-

se família enquanto instituição construída juntamente com o desenvolvimento do ser

humano.

Portanto, as mudanças sensíveis que vêm ocorrendo nas atitudes e

comportamentos familiares (e, consequentemente, nos padrões de organização

doméstico-familiar) não implicam que a família, sob o ponto de vista axiológico,

tenha perdido a sua força. Conforme já salientado, a família proporciona em amplo

grau de eficácia a função de determinar um padrão valorativo, pois ela é quem

oferece o primeiro - e, portanto, o mais acessível - quadro emocional e moral para

uma criança ou jovem estabelecer seus próprios valores. O ambiente em que se

insere a pessoa - evidentemente englobando o familiar - é fundamental para o seu

desenvolvimento pleno. Para Vigotski (1998),

Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidas a objetivos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social. (VIGOTSKI, 1998, p. 40).

Certo é que não cabe apenas à família sustentar esse padrão original e muito

menos os conhecimentos e competências exigidos pelas sociedades modernas. O

antropólogo Roque de Barros Laraia em seu livro Cultura - um conceito

antropológico (2009), discorre sobre um certo “determinismo cultural”, que

estabelece padrões comportamentais. Ele recorre, inclusive, à antropóloga Ruth

Benedict que, na obra O crisântemo e a espada (2007), afirma que a cultura é uma

lente através da qual o homem vê o mundo.

De acordo com Laraia,

O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são

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assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de determinada cultura. (LARAIA, 2009, p. 68).

Tal concepção, contudo, é generalizante, como se vê. A cultura, além de ser

dinâmica, têm uma lógica própria (LARAIA, 2009). Como o presente trabalho não

foca nas influências culturais, limitou-se a analisar como as instituições, em um

panorama político e jurídico, são responsáveis por estabelecer os valores que

regerão os indivíduos. Dessa forma, é possível asseverar que a família não é a única

instituição que tem essa função e responsabilidade:

Atualmente, a escola e outras instituições de educação, esportes e recreação preenchem atividades dos filhos que originalmente eram de responsabilidade dos pais. Os ofícios não mais são transmitidos de pai para filho dentro de lares e das corporações de ofício. A educação cabe ao Estado ou a instituições privadas por ele supervisionadas. A religião não mais é ministrada em casa e a multiplicidade de seitas e credos cristãos, desvinculados da fé originais, por vezes oportunistas, não mais permite uma definição homogênea. (VENOSA, 2010, p.5).

Nesta parte do trabalho, afirma-se a necessidade de um padrão valorativo

original, definido pelo Estado, que tenha por escopo o desenvolvimento da

personalidade das crianças e dos jovens em direção à formação de homens livres e

responsáveis, à fraternidade e à participação solidária. O ideal é que, a partir desse

padrão, os indivíduos possam, depois, vir a fazer o contraste racional com outros

códigos e normas de conduta, aceitando-os ou rejeitando-os, no permanente

processo de integração na sociedade.

Especificamente em relação ao padrão valorativo original, este resulta de

diversos contributos e influências de muitos lados, sobretudo nos tempos atuais, em

que a tecnologia da informação molda rapidamente os comportamentos. Destaca-se,

entretanto, entre todos os padrões valorativos e influencia social, a escola, enquanto

instituição especializada no serviço da educação, que realizará tanto melhor a sua

função educativa quanto mais perfeita for a cooperação entre ela e a família de cada

criança ou jovem.

Assim, ainda hoje - e talvez, principalmente hoje - é preciso reafirmar que a

formação humana plena deve estar na complementaridade entre família e escola.

Sendo assim, pode-se dizer que tal relação só poderá funcionar bem se pais e

professores partilharem a responsabilidade sobre a educação.

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Ao lado dessa dialética entre educação e ensino (ou educação escolar), comparece na Lei essa peculiar “competência concorrente não-competitiva” entre sujeitos da ordem sociopolítica e sujeitos da ordem privada, inclusive familiar. As disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pedem por uma “participação das comunidades escolar e local” de modo a propiciar a “valorização da experiência extra-escolar” (art. 3º, X da LDB). (CURY, 2006, p.675).

Portanto, a família é um dos instrumentos de socialização dessas

personalidades em desenvolvimento. O professor Carlos Roberto Jamil Cury, em

seu artigo “Educação escolar e educação no lar: espaços de uma polêmica” (2006),

diferencia a socialização em primária e secundária. Enquanto aquela seria derivada

de um conceito amplo de educação, ocorrendo na família e em outros espaços, esta

envolveria os demais segmentos nos quais a pessoa influencia e é influenciada,

junto com as demais pessoas, como no ambiente laboral ou nos espaços de lazer.

Nesse processo, a escola tem grande ou preponderante significância, como se lê

nas palavras do professor:

Mas a família não dá conta das inúmeras formas de vivência de que todo o cidadão participa e há de participar para além dessa primeira socialização. Na consolidação de formas coletivas de convivência democrática a educação escolar dada em instituições próprias de ensino torna-se uma importante agência de socialização secundária para a vida social e formação da personalidade. (CURY, 2006, p.670).

A família, então, recebe um novo contorno constitucional, o de tutelar os seus

membros e dar-lhes condições de desenvolvimento e promoção de seus direitos

fundamentais. Assim, deve-se entender os pais como cuidadores da personalidade

de seus filhos, e não atores únicos desse ato.

Diante das diretrizes constitucionais e estatutárias que ressaltam a função promocional do Direito, o relacionamento entre os genitores e o filho passou a ter como objetivo maior tutela a sua personalidade e, portanto, o exercício dos direitos fundamentais, para que possa neste contexto, edificar sua dignidade enquanto sujeito. A autoridade parental, neste aspecto, foge da perspectiva de poder e de dever, para exercer sua sublime função de instrumento facilitador da construção da autonomia responsável dos filhos. Nisso consiste o ato de educá-los, decorrente dos Princípios da Paternidade Responsável, e da Doutrina da Proteção Integral, ambos com sede constitucional, ao fundamento de serem pessoas em fase de desenvolvimento, o que lhes garante prioridade absoluta. (TEIXEIRA, 2009, p.138).

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Ainda, nas palavras de Ana Carolina Brochado Teixeira, a pessoa é um ser

em construção, e tal processo se dá através da interação desta com a sociedade.

[...] é também na interação com o outro, na coexistência e na solidariedade, que a pessoa se realiza sob a perspectiva mais sublime. Parte-se da premissa de que ninguém nasce “pronto”. A pessoa constrói, no decorrer da vida, a sua identidade e personalidade. Enfim, ela vai-se edificando em um processo de autoconhecimento e da interação social. É a partir do relacionamento com o outro que ela se molda e, verdadeiramente, constitui-se, em todas as suas dimensões. E, por conseguinte, edifica, também, a sua dignidade de forma genuína, pois, embora, esta seja concebida de forma singular, visto que compõe a humanidade de cada ser, ela só se forma plenamente através do olhar do outro. (TEIXEIRA, 2004, p.70).

Mas, afinal, o que se pode entender por “família”? Verdadeiramente, os

conceitos são sempre abertos, suas definições ocorrem mais como possibilidades do

que como determinações completas. Diante do termo “família”, uma gama enorme

de significados pode surgir, sobretudo os que a centralizam na figura de um lar

composto por um casal e seus filhos. Segundo o dicionário Aurélio, há quinze

acepções para o vocábulo família, dentre os quais destacamos os dois primeiros:

família [Do lat. familia.] Substantivo feminino. 1.Pessoas aparentadas, que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos. 2.Pessoas unidas por laços de parentesco, pelo sangue ou por aliança: uma festa de família; os membros de uma família. (FERREIRA, 2004).

Como se pode perceber nesta citação - e em outros dicionários em circulação

- a definição predominante de família é a de um grupo de pessoas vivendo sob o

mesmo teto. Esse conceito preponderou por muito tempo na história como o

fundamento da família. As pessoas se encontravam ligadas pelo vínculo do

matrimônio, sacralizado e, desta forma, deveriam permanecer até que a morte

determinasse fim à união, havendo, para o ordenamento jurídico, um entendimento

muito mais contratual do que afetivo, sendo este último muito mais valorizado

atualmente.

Quando da edição do Código Civil de 1916, era de tal ordem sacralização da família, que havia um único modo de se constituir: pelo casamento. A família tinha viés patriarcal , e as regras legais refletiam esta realidade. Somente era conhecida a família ungida pelos sagrados laços do

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matrimônio. Não havia outra modalidade de convívio aceitável. O casamento era indissolúvel . A resistência do Estado em admitir relacionamentos outros era de tal ordem, que a única possibilidade de romper com o casamento era o desquite , que não dissolvia o vínculo matrimonial e, com isso, impedia novo casamento. (DIAS, 2009, p.139).

Destarte, apesar de cantado por muitos e ser tema fundamental da literatura,

o amor, concretizado no sentido do afeto, não era relevante para as uniões

familiares, sob a égide da legislação brasileira até meados do século XX, ou, mais

precisamente, até o advento da Constituição Cidadã, que deu novo relevo aos

valores humanos.

A imagem da família patriarcal, sendo o pai a figura central (em companhia da

esposa submissa e rodeado de filhos, genros, noras e netos), não é mais a imagem

única de família que a sociedade moderna possui. As ligações afetivas para

desenvolvimento da pessoa enquanto ser dotado de plena dignidade são os reais

fatores determinantes para a constituição de um núcleo familiar. Com efeito,

a compreensão da família contemporânea perpassa pelo reconhecimento de uma nova função primordial, qual seja servir de recurso para estruturação pessoal, para a livre e plena formação da personalidade de seus componentes. Ganha realce, nesses termos, a proteção dos familiares. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p.69).

Evidentemente, a família abrange muito mais do que o aspecto de lar, de

estrita convivência. Antropologicamente, a família é a unidade primária da cultura

humana e da socialização. Citando Lévi-Strauss, o Professor João Carlos Petrini, em

seu livro Pós-modernidade e família: itinerário de compreensão (2003), afirma: “no

decorrer da evolução histórica, a família permanece como matriz do processo

civilizatório, como condição para a humanização e para a socialização das pessoas.”

(PETRINI, 2003, p.7).

É universal a noção de que as sociedades sejam constituídas por famílias

como subsistema da mesma cultura. No entanto, de acordo com a literatura

antropológica, a definição de família não se restringe ao grupo domiciliar, pois os

laços de família extrapolam o domicílio, a cidade e até o país. Não é raro encontrar

afirmações segundo as quais

apesar da variedade de formas que assume e das transformações pelas quais passa ao longo do tempo, a família é identificada como o fundamento

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da sociedade. Nesse sentido, podem ser reconhecidos na família os caracteres de universalidade e de constância no tempo, como relação social primordial e universal. (PETRINI, 2003, p.7).

Nessa perspectiva, uma família engloba pessoas com diferentes graus de

parentesco, definidos a partir da descendência e/ou ascendência sanguíneas,

através do casamento ou da adoção. Em todas as civilizações, as funções da família

geralmente podem ser agrupadas em quatro categorias:

a. sexual;

b. reprodutiva;

c. econômica;

d. educacional.

Essas funções são universalmente desempenhadas pela família como

unidade social. (LABURTHE-TOLRA; WARNIER, 2003).

Para Francisco Amaral, a família que hoje se delineia tem, além das funções

enumeradas acima, a função psicológica, uma vez que deve zelar pelo

desenvolvimento e equilíbrio afetivo-emocional de seus membros. Desse modo,

Suas principais funções são, portanto, de natureza biológica, garantindo a descendência e a permanência do grupo; educadora e socializadora, adequando o comportamento de seus membros aos valores dominantes no grupo familiar e na sociedade, transmitindo-lhes a linguagem, os hábitos, a cultura; econômica, proporcionando-lhes as condições materiais de subsistência e conforto, e psicológica, contribuindo para o equilíbrio, o desenvolvimento afetivo e a segurança emocional de seus membros. (AMARAL, 2008, p.176).

As funções básicas da família podem ser desempenhadas com diferentes

graus de eficiência, de cultura a cultura, e os detalhes das maneiras como as

famílias desempenham essas funções produzem personalidades notadamente

diferentes. Nesse aspecto, o fato mais relevante é que nenhum substituto pode

servir às funções de desenvolvimento da criança tão bem como um grupo de

parentesco íntimo, ou seja, a família.

No espaço da vida familiar, verificam-se experiências humanas básicas que duram no tempo, independentemente da vontade das pessoas envolvidas, tais como, a paternidade, a maternidade, a filiação, a fraternidade, a relação

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entre as gerações e seu impacto na descoberta do nexo com a geração da vida e com a realidade da morte. Em suma, a família é um requisito do processo de humanização, que enraíza a pessoa no tempo, através das relações de parentesco, destinadas a permanecer durante toda a existência. (PETRINI, 2003, p.16).

Portanto, não existe nenhuma sociedade conhecida na qual não somente o

conhecimento básico inicial, mas também uma parte substancial dele - isto é, o

conhecimento que, institucionalmente, espera-se que seja partilhado por todos, - não

sejam adquiridos num contexto de família para a grande maioria dos membros da

sociedade produtiva. (LEVI-STRAUSS, 1980)

4.2 O conceito jurídico de família

Com o advento do Estado Social e a crescente preocupação das declarações

universais com o desenvolvimento humano pleno, o conceito de família ampliou-se,

deixando de ter aspectos meramente de parentesco, para caracterizar-se como um

ambiente de amparo e de desenvolvimento de seus membros. Como se pode ler na

doutrina atual, a família é compreendida como um “ambiente no qual as pessoas

afetivamente relacionadas se auxiliam mutuamente no desenvolvimento da

personalidade de cada um.” (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p.473).

A família stricto sensu, da qual trata este texto, compreendida pelo núcleo pai,

mãe e filhos, abandona seus antigos aspectos e passa a se justificar pelos vínculos

afetivos. O amor (ou afeto) é agora considerado a base estrutural para formação da

família e sua ausência é justificativa para seu rompimento. O vínculo conjugal

dissolve-se ante à ausência do amor, de maneira que não há mais necessidade de

prova de culpa, lapso temporal ou outra justificativa culposa para o seu rompimento.

Como determinou a Constituição, em seu artigo 226, § 6º, “O casamento civil pode

ser dissolvido pelo divórcio” (BRASIL, 1988). Não mencionando nenhum outro

requisito para que ele ocorra.

Dessa forma, a família pode ser considerada, e assim o é por algumas

sociedades, de maneira mais ampla. Recebe, então, a denominação de “família

extensa”, que corresponde à sociedade, e é reconhecida por determinados padrões

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comuns de comportamento. (LABURTHE-TOLRA; WARNIER, 2003). Assim, “a

família é, de fato, uma grande produtora de identidade evolutiva, na medida em que

os membros de uma sociedade tendem a se identificar entre si, distinguindo-se das

sociedades vizinhas pela criação da diferença.” (LABURTHE-TOLRA; WARNIER,

2003, p.125).

A presente pesquisa deteve-se ao estudo família restrita, aquele núcleo

menor formado geralmente pelos genitores e sua prole. No entanto, esse mesmo

trabalho reconhece a influência exercida por esse núcleo mais amplo mencionado

acima, ou seja, a família extensa, também referida neste e em outros capítulos como

sociedade. (LABURTHE-TOLRA; WARNIER, 2003).

Na atualidade, a família é uma instituição regulamentada e protegida pelo

ordenamento jurídico, em bases constitucionais e civis, e goza de uma proteção

diferenciada em relação a outros institutos, por ser considerada a base da

sociedade. O Estado se aproximou das famílias não somente para determinar as

formas de sua instituição, mas para proteger seus membros e conduzi-los a um

pleno desenvolvimento. O ordenamento inovou com as normas protetivas como, por

exemplo, com a publicação da Lei nº 11.340 de 2006 (BRASIL, 2006d), denominada

“Lei Maria da Penha”, que tem como intuito proteger a mulher das agressões no

âmbito familiar.

Repugnam-se todas as formas de violência contra as pessoas em geral, e

preservam-se as individualidades dentro do núcleo familiar. A instituição “família”,

entende-se, somente será preservada se houver entre seus membros a cooperação

e afeto. Nesse diapasão, afirma Paulo Lôbo: “Assim, enquanto houver affectio

haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que

consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida”. (LÔBO, 2009, p.1).

Logo, o objetivo da instituição não pode ser, sob o risco da

desistitucionalização, a satisfação de necessidades pessoais. Aliás, como esclarece

Silvio de Salvo Venosa (2010), esta seria a orientação de uma sociedade primitiva:

As sociedades primitivas tinham como preocupação básica a satisfação das necessidades primárias. Com meios técnicos rudimentares para enfrentar os rigores da natureza, o problema central do homem primitivo era prover sua própria subsistência. (VENOSA, 2010, p.23).

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Os primeiros laços familiares do homem, então, não se deram pelo afeto, e

sim pela necessidade de sobrevivência e pelas regras de procriação. A propósito, as

motivações para a integração entre as pessoas em um núcleo familiar variaram ao

longo da história, sob determinantes sociais e também jurídicas. No direito romano,

por exemplo, havia um fator peculiar para tal união: as famílias se formavam para a

propagação do culto religioso, pois os antepassados representavam parte integrante

das famílias, i.e., de maneira que a família romana ligava-se pela identidade de culto

(VENOSA, 2010).

Por vários motivos distantes, nos tempos atuais não se concebe mais a

família para a sobrevivência, pois o mundo moderno não traz mais os riscos

naturais. Do mesmo modo, não se tem a necessidade da caça primitiva ou da vida

em comunidades nômades em busca de recursos para sua subsistência. Tampouco

há justificativa para as razões romanas citadas acima, haja vista que se modificaram

as ideias de relação com os mortos, sendo as populações atuais “libertas” de muitos

rituais religiosos.

O afeto e a cooperação mútua dos membros de uma família são, hoje, os

motivos principais para a constituição e mantença do instituto. Portanto, não há mais

que se falar na família formada exclusivamente pelo casamento e gerida pela figura

paterna. Os núcleos familiares são considerados nas mais diversas formas: tem-se a

família monoparental, composta de somente um dos genitores; aquela formada por

parentes colaterais, como as constituídas somente por irmãos; também como se

considera as famílias formadas por avós e netos. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR,

2010).

Há que se considerar, ainda, as famílias denominadas recompostas, que são

aquelas formadas por pessoas que já possuíram outra espécie de família e se

uniram na constituição de uma nova, tais como pessoas divorciadas (com filhos) que

se unem a outras formando um novo núcleo. Doutrinadores como Venosa (2010),

e.g., afirmam que “o século XXI trará importantes modificações em tema que cada

vez mais ganha importância. A seu tempo, quando a sociedade absorver os

reclamos desses direitos, haverá a resposta legislativa e judicial adequada.”

(VENOSA, 2010, p.7).

De qualquer forma, esses novos modelos familiares - que, aliás, não podem

ser dispostos em um elenco exauriente (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010) -

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são a base deste estudo, o qual mantém seu direcionamento voltado para a relação

entre pai, mãe e filho, independente do vínculo conjugal entre os genitores.

Nesse breve relato, pôde-se observar que a família - núcleo de

desenvolvimento do ser humano - com foco na criação dos filhos, deve ser gerida

pelos pais ou, em situações especiais, por substitutos, - por exemplo os tutores -

com igualdade de deveres a todos os responsáveis por aquele núcleo. De forma

específica, fala-se aqui do direito/dever à guarda e à educação em sua concepção

mais ampla.

O pátrio poder era, até a vigência do Código Civil de 1916 (BRASIL, 1916),

determinado ao homem, responsável por prover financeiramente a sua família, a

qual, por este motivo, gozava de privilégios. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR,

2010, p.473). Nesse sentido, o pai detinha o poder quase absoluto sobre os demais

membros, e a família, na concepção do Brasil Império, era vista como um local para

desenvolvimento das idéias paternas. Havia o intuito claro de manter a figura

masculina como detentora de poder, num patamar diferenciado, designando ao

homem atributos especiais, tais como inteligência e força, e colocando os demais

membros subordinados à vontade dele.

Entretanto, de acordo com a professora Ana Carolina Brochado Teixeira e

Renata de Lima Rodrigues (2010),

Desde a mudança do foco do direito civil do patrimônio para a pessoa humana, o Direito de Família assumiu novas vertentes. O papel do marido de protagonista da família foi cedendo espaço, pouco a pouco, para a elevação de novas figuras – tão ou mais importantes – no cenário familiar. O marido não mais sobressai, mas, sim, os cônjuges, os companheiros e, principalmente, os filhos. (TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010, p.203).

O novo contexto histórico, portanto, rompe com os conceitos patriarcais,

colocando os membros da sociedade em igualdade de direitos e deveres. Essa

mudança, levada à letra pela Constituição de 1988, reflete-se na sociedade como

um todo, já que a Carta ultrapassa os limites da família, “Art. 5º, I - I - homens e

mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”;

(BRASIL, 1988).

Assim, a sociedade brasileira, acostumada a conceituar o direito através da

ótica masculina e valorizando sempre o poder do homem adulto em relação aos

demais, possuía em seus textos expressões que demonstravam e ressaltavam esse

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poder. Resquício que permanece em nosso idioma, que associa os adjetivos

masculinos a valores positivos.

O patriarcado, contudo, não era característica exclusiva da sociedade

brasileira. O linguista Malcom Montgomery, na obra An introduction to language and

society, exemplifica a representação de gênero, em que homens e mulheres são

designados por vocábulos específicos, que permitem um mapeamento da posição

social de cada um. Logo, mediante o uso palavras, o autor mostra que as mulheres

inglesas (e talvez se possa aqui relacionar também as brasileiras) são representadas

em segundo plano, como o sexo frágil, manipulada pelo homem. Na lista de pares

de termos em inglês (como courtier/courtesan, por exemplo) pode-se perceber como

o sentido atribuído aos vocábulos femininos sofreu, em geral, mudanças negativas,

enquanto o atribuído ao masculino manteve-se fiel ao significado original. Courtesan,

e.g., passou a designar “prostituta de luxo”, mas courtier permaneceu vinculado a

determinada posição social respeitosa. (MONTGOMERY, 1995).

Portanto, os termos utilizados ao se conceituar o poder de direção da família

eram dirigidos à figura paterna, já que o pai era o detentor de um total poder sobre

sua esposa e filhos. Com a modificação dos papéis ocorridos na história há, por

parte do ordenamento jurídico e da doutrina, uma necessidade de readequação dos

vocábulos e expressões utilizados. Exemplo disso é a preocupação com a

substituição da expressão “pátrio poder”.

O Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002c) preferiu a utilização de “poder

familiar”, como se le no capítulo V, do subtítulo II, do livro de Direito de Família, em

substituição a “pátrio poder”, utilizado pelo Código Civil de 1916. Apesar de ainda

não ser perfeito, o termo, que diz respeito ao “poder” dos pais na criação dos filhos,

é mais abrangente que o anterior. Como se pode ver, “Entende-se por poder familiar

a autoridade jurídica dos pais sobre os filhos menores no propósito de preservação e

promoção dos interesses destes.” (ALMEIDA; RODRIGUES JUNIOR, 2010, p.473).

Baseado na evolução do instituto, o presente estudo preferiu a utilização da

palavra “parental”, que faz referência aos pais e remonta à idéia de distribuição de

direitos e deveres aos membros da família. Ainda, como esclarece Renata Barbosa

de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior (2010), o termo “parental” é mais

adequado em virtude da amplitude sugerida pela idéia de família. Além disso, o

termo é mais amplo em relação aos seus titulares, uma vez que pode ser qualquer

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deles responsável pela gerência daquele núcleo, em igualdade de poderes. (2010).

A moderna doutrina, como mencionado, utiliza o termo “autoridade parental”.

Essa discussão terminológica tem um intuito muito mais amplo do que a mera

classificação do poder dos genitores ou a nominação de um capítulo do Código Civil.

A correta classificação do instituto demonstra a preocupação com a real concepção

deste e com o alcance do poder e da vontade dos pais na criação dos filhos diante

das ideologias de nosso Estado de Direito.

Esse enfrentamento terminológico serve à promoção de um correto entendimento da matéria. Ler autoridade parental onde o legislador escreve poder familiar traz a vantagem de favorecer a lembrança de que os deveres imputados aos pais o objetivam a promoção efetiva de uma autônoma constituição pessoal dos filhos, sendo este, inclusive o preciso limite do exercício deste múnus jurídico. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 475).

Todavia, a expressão “poder parental” aqui recebe algumas restrições, pois

não há que se falar em um poder absoluto dos pais na criação de seus filhos. Por tal

motivo, o presente trabalho intitulou o poder/dever dos pais como “autonomia”, no

que tange à educação dos filhos menores, pois tem o intuito de fazer uma discussão

a esse respeito. Entende-se, portanto, que os pais possuem uma margem de

escolha dentro das determinações do Estado, mas não é garantido a eles um poder

amplo ou ilimitado, já que ficam sujeitos a limites legais e às necessidades dos filhos

como sujeitos de direito.

Os filhos, como foi mencionado, não são sujeitos passivos da relação com os pais. Também não constituem objeto dos poderes e dos deveres embutidos no conteúdo da autoridade parental. Tornaram-se protagonistas da própria história e do próprio processo educacional. A função educativa se consubstancia em um processo dialético entre pais e filhos. (TEIXEIRA, 2009, p.140).

O Estado Social, preocupado com a proteção integral da pessoa em sua

dignidade, trouxe avanços no contexto indivíduo-família, estabelecendo tais limites.

O ordenamento jurídico nacional reflete essas modificações (LÔBO, 2009), visto que

as Constituições, a partir da Carta de 1934, demonstram uma progressiva

preocupação com a questão familiar até o atual texto constitucional, o qual traz um

amplo rol de direitos e garantias que visam à proteção à família.

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A família, primeiro espaço reconhecido para o desenvolvimento da pessoa e

seus ideais, passou a ser o primeiro objeto de proteção do Estado. A vigente Carta

Magna considera a família a base para o Estado, como expresso no artigo 226: “A

família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. (BRASIL, 1988)

Desse modo, o Estado deve buscar o desenvolvimento e proteção para cada

membro da sociedade - e também do núcleo familiar - em conformidade com suas

necessidades.

Ora, o Estado e o ordenamento jurídico são, em regra, o reflexo da formação

de um povo, fruto das experiências e anseios sociais. E o primeiro local de formação

do individuo é a família. Aquele que recebe padrões educacionais e morais

adequados em sua infância tem, também como regra, condições de repeti-los em

seus demais grupos de convivência.

Como tratado no início do capítulo, o Homem - aqui entendido como um ser

que necessita da criação e da educação constantes para se desenvolver - deve

estar inserido em um Estado cuja preocupação maior é a proteção do núcleo

responsável por este desenvolvimento. As crianças necessitam do amparo familiar

para sua formação, uma vez que por si só não se educam. Nas palavras de Kant:

Mas o Homem tem necessidade de sua própria razão. Não tem instinto, e precisa formar por si mesmo o projeto de sua conduta. Entretanto, por ele não ter a capacidade de o realizar, mas vir ao mundo em estado bruto, outros devem fazê-lo por ele. (KANT, 1999, p. 12).

A história de Kaspar Hauser (SABOYA, 2001) é um exemplo da necessidade

do homem de inserção em um grupo social para desenvolvimento de determinadas

capacidades. Trata-se de um personagem real, com muitas questões ainda para

serem descobertas. Encontrado em Nuremberg no ano de 1928, com a idade

aproximada de 15 anos, Kaspar Hauser não tinha atitudes humanas e não sabia

falar nem andar.

A história relata que o garoto foi criado desde seu nascimento sem nenhum

contato social. Em sua adolescência foi encontrado na cidade de Nuremberg e, em

virtude de sua falta de convivência, não desenvolveu a fala e as demais habilidades

sociocomunicativas. Mesmo após receber instrução e desenvolver algum tipo de

aprendizado, ainda apresentava aspectos de imaturidade e estranheza. Assim, foi

afastado dos filtros e estereótipos culturais que ajudam o homem a se integrar no

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seu meio social, ficando totalmente impossibilitado de se desenvolver culturalmente,

por falta de um modelo que lhe propiciasse esse aprendizado. (SABOYA, 2001).

A educação, devida ao homem para uma total incorporação social, não é feita

somente da instrução formal, que o leva a ter acesso ao conhecimento científico; há

que se considerar, também, os conhecimentos adquiridos no convívio social,

filtrados pelos valores desenvolvidos no solo familiar.

Kaspar Hauser não teve acesso ao convívio social e tampouco à instrução

formal durante toda a sua infância e início da adolescência. Mesmo recebendo a

educação formal - foram-lhe ensinadas a fala e a escrita - não conseguiu obter o

desenvolvimento completo de sua capacidade, pois lhe faltou a educação tida como

informal, ou seja, o desenvolvimento dos aspectos homem/sociedade. Ele era,

enfim, apresentado em atividades circenses como um ser bizarro, diferente dos

demais humanos. (SABOYA, 2001).

Na leitura do caso Kaspar Hauser, vê-se a importância da educação, do

convívio social e da educação formal na infância para o desenvolvimento pessoal do

indivíduo. Essa obrigação é, como determina nossa Carta Magna, da família, do

Estado e da sociedade, pois são os ambientes em que a pessoa deve se encontrar

inserida para seu pleno desenvolvimento.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).25

A Constituição de 1988 distribui a obrigatoriedade de cuidado com as crianças

e adolescentes, entre o Estado, os pais e a sociedade. Conforme a ideologia

expressa na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança

do Adolescente, deve o Estado prestar assistência integral ao menor, evitando que

ele sofra algum tipo de agressão ao seu desenvolvimento. (BRASIL, 1990).

Nesse âmbito, o Estado é obrigado a oferecer proteção integral ao menor,

conforme se lê no artigo primeiro do ECA: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral

à criança e ao adolescente”. (BRASIL, 1990). É justamente esse princípio que regerá

25 Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010 (BRASIL, 2010c).

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toda a lógica do Estatuto, ou seja, a proteção integral à criança e ao adolescente,

sendo o Estado o maior responsável pela vigilância ao cumprimento dessa garantia.

Entretanto, a sociedade é o núcleo de convivência de todas as pessoas que

se encontram nela inseridas, por isso deve propiciar um ambiente saudável para o

desenvolvimento de todos, especialmente dos menores. Com efeito, cabe ao poder

público regrar a sociedade, para que haja ambientes livres da exploração infantil e

saudáveis para todos, sem propagação de pornografias e atividades ilícitas e

tampouco incentivo ao uso de qualquer tipo de droga e afins. Além disso, é dever do

Estado estimular no meio social a cultura, o lazer e o esporte, que são partes

fundamentais da educação informal de cada indivíduo.

Figurando também como titulares desses deveres, encontram-se os pais, que

são os responsáveis diretos pela proteção dos incapazes em sua guarda, já que

possuem deveres e direitos mais amplos, o que será explicado de forma mais

individualizada nas próximas linhas.

4.3 Os pais e seus deveres

Os pais são os responsáveis legais, aqueles que possuem um vínculo de

filiação direto com os menores, e mais, são aqueles a quem se estende um vínculo

diferenciado, o do amor. Exercem a função educativa e funcionam, figurativamente,

como um espelho para seus filhos, visto que estes tendem, em virtude do vínculo

formado, a imitar as atitudes paternas.

Os pais que convivem maritalmente possuem direitos e deveres iguais na

guarda e educação de seus filhos, sendo ambos responsáveis por gerir o interesse

dos menores sem diferenciação entre o casal, conforme a atual legislação civil. “Art.

1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido

e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos”. (BRASIL, 2002c).

Quando os pais não vivem em sociedade conjugal, não ficam, por tal motivo,

isentos de suas responsabilidades em relação aos filhos. A relação se modifica,

ficando limitada ou restrita quanto à convivência com o menor, mas os deveres não

se alteram. Ambos os pais devem zelar pela educação dos filhos, podendo,

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inclusive, serem considerados omissos, vindo a perder a guarda ou o direito de

visita, caso ocorra ao menor algum dano que poderia ter sido evitado com a sua

vigilância. O Código Civil regulamenta as hipóteses de perda e extinção do poder

familiar, em seus artigos 1635 a 1638 (BRASIL, 2002c), estando o desleixo para com

filho em suas cláusulas implícitas, quando se fala do abandono:

A defesa da família como societas naturalis que assegura formas institucionais de reprodução da espécie e de manutenção e desenvolvimento dos filhos tem um vasto fundamento no direito. É a chamada potestas ex generatione ou ex nature. Mas, ao mesmo tempo, é de se afirmar que os filhos não pertencem aos pais já que, ainda que menores, são pessoas dotadas de direitos e deveres que devem ser respeitados. [...] (CURY, 2006, p.675).

Logo, a obrigação atribuída aos pais não conviventes com os filhos não

diminui, ou fica extinta, caso algum deles venha a contrair uma nova união.

Conforme as regras positivadas, não há e não pode haver diferenciação a nenhum

filho, independente da forma que se deu a filiação.

Art 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro. Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável. Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 2002c).

A filiação pode se dar de várias formas. Pode ser biológica, quando os

menores possuem laços genéticos com seus genitores, com a concepção natural do

embrião. Pode ser também civil, quando não se tem um laço biológico, mas civil,

como acontece na adoção em que, por motivos diversos, homem ou mulher optam

por se tornarem pais de filhos que não têm com eles ligação genética. Atualmente,

pode-se considerar ainda a filiação decorrente da inseminação artificial, que poderá

ser homóloga, quando o material genético utilizado é dos pais, e a heteróloga,

quando se utiliza material genético de terceiros.

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o

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marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (BRASIL, 2002c).

Apesar das diversas formas pelas quais se pode gerar o vínculo entre pais e

filhos, em nenhum deles pode haver diferenciação entre os filhos, nem mesmo entre

os deveres decorrentes dessa relação. Aos pais sempre caberá os deveres de

guarda e proteção dos filhos menores ou incapazes.

Os pais têm liberdade de criar seus filhos dentro das concepções filosóficas e

religiosas que entenderem mais adequadas, desde que não firam a dignidades dos

menores nem interfiram em seu desenvolvimento saudável. Também têm eles, como

postula o direito parental, que preservar os interesses relevantes de seus filhos, tais

como a vida, a honra e a educação.

Portanto, apesar de possuírem direitos do livre planejamento familiar, assim

como o poder de direcionamento da família dentro de concepções filosóficas e

religiosas, tais direitos somente podem ser impostos aos menores se não

contrariarem os direitos a eles determinados.

Os menores devem ser respeitados em seus valores e crenças, enfim, merecem respeito por serem pessoas - principalmente, por estarem em processo de desenvolvimento. Seu papel ativo cresce na medida em adquirem discernimento e em que sua liberdade é acompanhada pela responsabilidade. (TEIXEIRA, 2009, p.140).

Nessa situação, destaca-se a competência dada aos pais para a função

educativa de seus filhos, que ressalta, é o dever a educação em todos os seus

aspectos. Ora, cabe aos pais a responsabilidade e o dever de preparar os filhos para

a vida e, nesse processo de socialização, é essencial a transmissão de valores que

a comunidade em que estão inseridos entende como primordiais. Nesse sentido,

Rosa Martins (2009) aponta:

Desse modo, os pais, na sua tarefa de educação do filho, desenvolvem toda uma série de actividades com o objectivo de lhes proporcionar a formação da sua consciência moral, social, religiosa, cívica e política ou, dito de outro modo, a formação de sua personalidade. (MARTINS, 2009, p.92).

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Aos pais compete o dever de inserção da criança na sociedade. O homem é

um ser social e, como tal, deve ser preparado para este convívio. A educação

referida aos pais é ampla, e esta preparação da criança para a fase adulta consiste

na educação informal, sem deixar de lado o acompanhamento na educação formal,

evidentemente. Esta última só será efetivamente realizada mediante obediência às

determinações legais, tais como a matrícula dos filhos na escola, frequência e

desenvolvimento escolar.

Assim, é dentro da família que se estrutura o cuidado e o desenvolvimento do

menor, sendo os pais titulares dessa obrigação. Segundo Rosa Martins,

"De facto, a verdadeira justificação da autoridade parental é a educação do

filho; educação que visa o desenvolvimento físico, intelectual e moral do filho, de

modo a prepará-lo para a liberdade e para a autonomia". (MARTINS, 2009, p.92).

4.3.1 Responsabilidades parentais

O ordenamento jurídico é claro ao determinar as responsabilidades paternas,

as quais se podem classificar em deveres de criação, de assistência (durante o seu

desenvolvimento) e de fornecer a educação. “ Art. 229. Os pais têm o dever de

assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e

amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. (BRASIL, 1988).

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina em seu texto,

acompanhando as determinações constitucionais, o seguinte: “ Art. 22. Aos pais

incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes

ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações

judiciais”. (BRASIL, 1990).

O ser humano não nasce pronto e acabado, é uma peça a ser lapidada. A

criança em seus primeiros meses de vida é um ser totalmente dependente de

cuidados e proteção, sendo incapaz de cuidar-se sozinha.

Nessa perspectiva, nenhum indivíduo nasce homem, mas constitui-se e se produz como tal, dentro do projeto de humanidade do seu grupo social, num processo contínuo de passagem da natureza para a cultura, ou seja, cada

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indivíduo, ao nascer, vai sendo construído e vai se construindo enquanto ser humano. (DAYRELL, p.141).

Essa condição especial da criança, como pessoa em desenvolvimento, irá

persistir até que esta entre na fase adulta. É lógico que os cuidados devidos a um

recém-nascido se diferem, e muito, daqueles necessários a um adolescente, uma

vez que este último possui uma independência muito maior. No entanto, os cuidados

afetivos em muito se aproximam.

Essa característica especial levou o ordenamento atual a atribuir ao Estado,

aos pais e à sociedade a proteção integral às crianças e adolescentes. Como

mencionado no artigo 1º, da Lei nº 8069/90, o ECA que determina: “Esta Lei dispõe

sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.” (BRASIL, 1990).

Assim, para cada fase do desenvolvimento dos menores, devem ser

observados preceitos e cuidados básicos para o seu desenvolvimento. Portanto, os

deveres de criação, que têm início na concepção e/ou na adoção, devem perdurar

até a criança atingir a maioridade. (TEIXEIRA, 2009).

O munus que o poder familiar representa tem conteúdo condizente a seu fundamento. Nessa feita, as incumbências às quais os pais estão obrigados legalmente relacionam-se à proteção e ao acompanhamento dos menores, ora suprindo-lhes as necessidades, ora lhes oferecendo suporte para a maturação de seu discernimento na realização de certos atos. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 475).

Desse modo, compete aos pais, durante toda a fase de desenvolvimento dos

menores, o dever de sustentá-los, devendo-lhes prover alimentos, roupas, higiene e

tudo o que se faça necessário para o seu pleno desenvolvimento. Porém, a

assistência vai muito além de simplesmente prover as necessidades materiais do

menor que, além dessas necessidades, também precisa de afeto, respeito, atenção,

amor.

Da mesma forma, são importantes à criança e ao adolescente os cuidados

referentes à educação. A educação pode ser dividida em educação informal, não-

formal e informal, o que será devidamente delimitado no capítulo posterior. Assim,

compete aos pais o dever de educar seus filhos num sentido amplo, orientando-os

na construção de seus valores morais e pessoais. É através dessa orientação que a

criança formará seus valores básicos de referência para a construção de seus

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próprios valores pessoais e, consequentemente, conseguirá caminhar sozinha ao

atingir a fase adulta.

Ora, a grande pluralidade institucional no mundo social implica também a distribuição social dos conhecimentos dentro das sociedades modernas. Assim, há que se reconhecer o papel original da família na aquisição de padrões comuns e de um quadro social de referências relativo a um sistema social. Nesse processo as crianças vão aprendendo a cumprir papéis e assumir valores básicos de referência a esse sistema, dando-se tanto uma ação objetiva da sociedade para a pessoa quanto uma ação subjetiva da recepção por parte da mesma. Nesse sentido, a família é um agente original e imediato de socialização da criança. [...] (CURY, 2006, p. 670).

Sem dúvida, a educação, dever dos pais perante os filhos, contribui para a

formação de sua personalidade. E uma das vertentes do processo de educar está no

dever de socialização da criança e do adolescente, a qual deverá ser feita de forma

gradativa. No entanto, essa socialização não se configura como algo de

responsabilidade exclusiva dos pais, afinal, a família não é capaz, sozinha, de

contribuir em todos os aspectos das diversas formas de vivência. Desta maneira, a

criança ou o adolescente atuarão (ou não) na sociedade, independentemente de sua

primeira socialização. (CURY, 2006) o Homem é um ser social, portanto, criado para

este convívio.

De todo modo, compete aos pais educar seus filhos para a convivência social

e uma dessas formas é a inclusão da criança à rede regular de ensino. Nela, além

de receber a educação formal, o menor terá contato com as diversas formas de

democratização do indivíduo e de desenvolvimento da cidadania. Para tanto, a lei

determina aos pais o dever de matricularem seus filhos na escola e, além disso,

acompanharem a sua frequência e seu desenvolvimento escolar:

Assim, as famílias têm o “dever jurídico” de matricular seus filhos nas instituições escolares de modo a superarem, desde cedo, um egocentrismo próprio da infância, um convite à anomia; e a estabelecerem com os outros relações maduras de reciprocidade. Nesse sentido cabe o pensamento Kantiano de que a pessoa é sempre um fim e cuja autonomia tem a reciprocidade do outro, repudiando a regressão do outro à condição de meio. (CURY, 2006, p.674).

Uma das faces do dever de educar o menor é a sua preparação para o

mercado de trabalho, bem como o pleno desenvolvimento da pessoa humana.

Educar é construir a autonomia do menor, o que é explicado por Ana Carolina

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Brochado Teixeira nestes termos:

[...] o poder familiar de deve ser um veículo propiciador de autonomia ao menor, para que ele tenha condições de fazer suas próprias escolhas e exercer as próprias possibilidades, enfim, para que se torne um cidadão, tanto na órbita estatal quanto no exercício dos direitos e deveres éticos. (TEIXEIRA, 2009, p.146).

Por tais motivos, tem-se como responsabilidade parental o dever de

preparação da criança e do adolescente para uma vida adulta, moral e afetivamente

estável. Através do afeto, deve-se ensinar o menor a percorrer sozinho e com plena

sensatez e dignidade os caminhos trilhados, como um cidadão completo,

conhecedor e respeitado em seus direitos fundamentais.

4.4 Conceito de criança e adolescente

Bem como o conceito de família, o conceito de criança está diretamente

ligado ao momento histórico e social de cada povo. Os direitos educacionais dos

menores, atualmente tema recorrente de debates e discussões, foram esquecidos

durante séculos. Portanto, o que é discutido nos últimos cinquenta anos, em relação

à história humana, é um nada diante da história do conhecimento.

Apesar da abordagem anterior sobre o surgimento da escola dirigida à

formação dos menores, não se pode afirmar que os cuidados com a educação foram

criados para atender às necessidades das crianças ou por motivos sociais e/ou

políticos. No Egito, por exemplo, sabe-se que as crianças eram educadas para que

mais tarde assumissem as funções de seus pais. No entanto, em virtude da vaga

noção histórica que se tem, não se sabe ao certo se essas crianças eram vistas

como seres dotados de direito ou como meros instrumentos sociais para sua família.

(ARIÈS, 1981)

Ainda assim, sobre esse tema, um fato interessante pode ser observado na

obra de Philippe Áries (1981), para distinguir a divisão entre infância e a fase adulta:

A idéia de infância estava ligada à idéia de dependência: as palavras fils, valets e garçons eram também palavras do vocabulário das relações feudais

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ou senhoriais de dependência. Só se saia da infância ao se sair da dependência, ou, ao menos, dos graus mais baixos de dependência. Essa é a razão pela qual as palavras ligadas à infância iriam subsistir para designar familiarmente, na língua falada, os homens de baixa condição, cuja submissão aos outros continuava a ser total: por exemplo, os lacaios, os auxiliares e os soldados. (ARIES, 1981, p.42).

Entende-se, pois, que a criança era reconhecida como ente incapaz - havia

uma categoria que a colocava como incapaz e dependente, e esta era gerida por um

responsável. Nessa ótica, a criança não era considerada um ser em formação,

dotado de personalidade jurídica dissociada de seus genitores (como se faz hoje),

mas um ser dependente de outro por questões meramente financeiras. Portanto, a

transição da adolescência para a fase adulta não constituía um marco na vida da

pessoa, esse marco era, ao contrário, a independência financeira. (ARIÈS, 1981)

No Brasil e no ordenamento atual, a ideia da incapacidade da pessoa em

razão da idade é tratada através de uma ótica diferente da criança e do adolescente

na passagem do século. No passado, a criança era vista como um ser totalmente

incapaz de reger seus atos, como descreve Philippe Ariès (1981). Na atualidade,

porém, a criança é reconhecida como sujeito de direito, possuindo garantias e

deveres a partir do início de sua personalidade, ou seja, desde o seu nascimento

com vida. Conforme preceitua o Código Civil, em seu artigo 2º, “A personalidade civil

da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a

concepção, os direitos do nascituro”. (BRASIL, 2002c)

Ao atingir a idade de 16 anos de idade, o adolescente passa a ser

considerado relativamente incapaz, ou seja, recebe uma preparação para a vida

adulta. Dessa forma, ele se torna sujeito de determinadas responsabilidades,

podendo exercer os atos da vida civil (desde que assistido por um representante

legal até a maioridade). A partir dos 18 anos, o adolescente se torna plenamente

capaz e cessam os poderes dos pais em relação a ele.

Os menores de dezoito anos são, para efeitos jurídicos, considerados incapazes de realizar certos atos de maneira autônoma. Até os dezesseis anos, carecerão de alguém que os realize por si, em seu nome e interesse. Entre os dezesseis e dezoito anos, já lhes é reconhecida alguma independência volitiva que precisa, no entanto, ser ratificada por alguém que tenha plena capacidade civil. Absolutamente incapazes, no primeiro caso e relativamente incapazes, no segundo, têm, respectivamente, representantes e assistentes legais. (ALMEIDA; RODRIGUES JUNIOR, 2010, p. 481).

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Conforme preceitua o Código Civil de 2002:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de dezesseis anos; Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; (BRASIL, 2002c).

Observa-se na atual sociedade uma transformação do conceito de criança a

partir da mudança do conceito de pessoa investida de dignidade. A tão discutida

dignidade da pessoa humana trouxe consigo uma nova lente que proporcionou uma

visão mais apurada da criança que, sob essa ótica, passa a ser vista como ente

digno de proteção pelo direito. Como ser digno que são, as crianças e os

adolescentes devem ser protegidos e resguardados pelo Estado, já que sobre eles é

depositada uma expectativa social, a qual é refletida pela importância da educação a

eles determinada.

Num primeiro momento, deve-se entender o conceito de criança e de

adolescente, para então delimitar a quem é deferido o direito à educação e demais

garantias constitucionais. O presente trabalho menciona a limitação dos pais à

educação dos filhos, mas quem são esses menores, visto que esse conceito é

histórico-social?

O conceito de criança e adolescente é um conceito técnico e não referente à

parcela desassistida da população. Apesar de legalmente serem tidos como

incapazes, não tratamos aqui de pessoas sem nenhum tipo de discernimento, mas

daqueles determinados por lei como incapazes, conforme artigo 2º da Lei nº 8.069

de 1990, o ECA: “Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa

até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito

anos de idade”. (BRASIL, 1990). Portanto criança até os doze 12 anos incompletos e

de 12 aos 18, adolescente,

Independente de serem crianças ou adolescentes, o fato é que todo menor

deve ter sua vida guiada por seus genitores (ou responsável legal) e seus interesses

protegidos pelo Estado.

De acordo com Rosa Martins (2009), a criança do século XIX era comumente

explorada como mão-de-obra barata e não era considerada titular de direitos da

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personalidade. Felizmente, essa mesma criança recebe uma visão diferenciada no

século XX, passando a ser vista como um sujeito de direitos, digna de respeito e

protegida. No entanto, resquícios dessa visão antiga persistem até os dias atuais, e

ainda existe uma grande exploração dos menores. Por tal motivo, a proteção integral

é devida pelo Estado e referendada pelo Estatuto da criança e do adolescente em

seu artigo primeiro.

A fase da infância fica claramente dividida da fase adulta, por diversos sinais.

Algumas culturas utilizam determinados rituais de passagem da infância para a vida

adulta. Tais rituais demonstram, com clareza, que a criança deixou a primeira fase e

entrou para a vida adulta, na qual terá responsabilidades diversas conforme o

mundo em que está inserida. Nesse sentido,

Tornar-se homem ou mulher significa encontrar o próprio lugar no sistema social. Significa aceitar os status atribuídos e conquistar os status que podem ser devidamente conseguidos. Psicologicamente, significa interiorização de uma auto-identidade que está convenientemente relacionada com o sistema social no qual a pessoa deve desempenhar suas funções. Significa ancorar-se primariamente dentro do grupo dos parentes. Em ambos os casos, como toda sociedade é maior que o núcleo familiar, torna-se universalmente necessário separar – até certo ponto -, o indivíduo da família em que nasceu. (HOEBEL; FROST, 2005, p.169).

As culturas civilizadas demonstram esta ruptura com as fases da educação, já

que existe um marco diferencial entre o ensino básico e a educação superior. Nesta

última, o adolescente integra o mundo adulto e passa a ser dotado de

responsabilidades.

Hoje se tem uma concepção diferenciada em relação aos direitos da criança,

que passaram a ser assim denominados após a Declaração dos Direitos da Criança

de 1924. Esses direitos, apesar de ainda não serem totalmente abrangente,

trouxeram à tona o debate do direito à proteção do menor. (MARTINS, 2009).

Posteriormente acontece o marco do progresso dos direitos da criança com a

Declaração Universal do direito das Crianças, de 1959 (MARTINS, 2009). Nesta

declaração conceitua-se como figura da criança aquela pessoa até 18 anos, o que

aparece mais tarde no artigo primeiro da Convenção dos Direitos da Criança, de

1989. Desse modo, passa-se à nova visão da criança e do adolescente:

A criança é um ser humano, ser em desenvolvimento, especialmente vulnerável mas dotado de uma capacidade progressiva, igual em dignidade

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ao adulto, sujeito activo na construção do seu futuro numa relação intersubjetiva com os pais, titular de direitos fundamentais. E essa concepção da criança espelha-se na consagração dos direitos que lhe são reconhecidos. (MARTINS, 2009, p.87).

As crianças e os adolescentes são reconhecidos como entes dotados de

personalidade e capacidade e, por isso, necessitam receber uma formação especial

voltada a desenvolver suas capacidades. Portanto, as diretrizes educacionais foram

direcionadas ao grupo dos menores, de maneira que a educação básica para o

adulto é uma exceção e somente deve ocorrer para reparar a sua falta na idade

correta.

Na educação básica, crianças e adolescentes, que são pessoas ainda em

desenvolvimento, evoluem para a entrada no mundo adulto. Com efeito, a

aprendizagem à qual devem ser submetidos faz parte de um contexto mais amplo do

qual participarão em sua vida adulta, uma vez que se encontram inseridos em uma

sociedade.

Os menores, em decorrência das mudanças sociais ocorridas e da

perspectiva social recebida, gozam de direitos, mas também de deveres. À família,

por exemplo, devem obediência, respeito e serviços adequados a sua condição e

idade. Todavia, não há que se confundir obediência com submissão. Ora, o dever de

obediência não requer uma hierarquia onde os pais sejam superiores aos filhos, mas

sim um ambiente onde prepondere o respeito aos pais e não imposições que firam

os interesses e/ou a dignidade do menor. Do mesmo modo, não se pode confundir

autoridade com violência física ou psicológica, afinal, o que se pretende a partir da

adoção dos direitos referidos é promover entre pais e filhos uma troca de

experiências, através da qual os mais novos possam reconhecer a autoridade

decorrente da experiência e do afeto de seus genitores:

[...] Ser obediente não equivale a ser submisso. Os pais não podem transmitir aos filhos sob poder familiar a convicção de serem inferiores. Há muito está superada a disposição hierárquica do elo filial. Permitir exigir obediência é autorizar que os pais se façam respeitar também pelo seu maior discernimento e maturidade, oriundos das experiências já por eles vivenciadas, pelas quais, dada a diferença de idade, ainda não passaram os filhos. Mas ressalve-se: a autoridade, resultante dessa credibilidade etária, não se pode confundir com o autoritarismo. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 483).

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Quando se menciona a possibilidade dos pais exigirem dos filhos

determinados serviços (condizentes com seu estágio de desenvolvimento e idade),

não se pretende relacionar esse tipo de trabalho a atividades meramente lucrativas,

mas à colaboração doméstica, que tem o propósito educativo. (ALMEIDA;

RODRIGUES JÚNIOR, 2010) Ora, a execução desse tipo de trabalho nada mais é

do que uma forma de preparação do menor para a vida adulta, um meio através do

qual ele aprenderá a assumir responsabilidades, as quais serão cada vez maiores

durante sua trajetória. Certamente, esses pequenos trabalhos farão parte de seu

desenvolvimento não apenas físico, mas também influenciarão na formação de seu

caráter e de sua personalidade.

4.5 Família como um espaço socioeducativo

A família é o primeiro ambiente do homem, é nela que a pessoa recebe

proteção, afeto, amor; desenvolve seus primeiros conhecimentos e é apresentada às

primeiras informações formadoras de sua personalidade.

O dever da família para com a educação implica uma posição de educadora especialmente na faixa de 0 a 3 anos. Isso não significa a desconsideração do papel de uma orientação que os adultos possuem em relação às gerações mais jovens. (CURY, 2006, p.674).

É a família a base formadora do Estado26 e é ela que reflete os ideais deste. A

Carta Magna aponta a família como base da sociedade, sendo ela a instituição

responsável pela propagação de valores sociais e morais.

No ordenamento em vigor, os pais gozam de autonomia na criação e

educação de seus filhos, devendo o Estado intervir somente em situações

prejudiciais ao menor. Portanto, os pais podem gerir a criação de seus filhos em

todos os aspectos da vida civil, tais como nas questões religiosas (tendo liberdade

para transmitir-lhes as suas concepções), na imposição de regras de comportamento

e em outros quesitos que julgarem necessários ao sadio desenvolvimento do menor.

26 Esta mesma ideia é um dos fundamentos de nosso Estado.

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Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL, 2002c).

O direito dos pais sobre os filhos configura-se em um poder-dever, pois eles

têm não apenas o poder de gerir a criação e educação de seus filhos, mas, também

e principalmente, a obrigação de oferecer ao menor um pleno desenvolvimento.

Assim sendo, os casos de omissão devem ser punidos pelo Estado, com pena de

suspensão e até mesmo de perda do poder familiar, sobretudo em situações

extremas, como as de total abandono. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010)

É no ambiente familiar que a criança recebe as primeiras fontes do saber,

neste ambiente desenvolve a fala, aprende a caminhar, a se higienizar, dentre tantos

outros conhecimentos relevantes. No contexto familiar poderá aprender (e

apreender) ainda uma cultura musical, o gosto pelas artes, pela leitura e todos os

outros aspectos que integrarão a sua educação informal, o seu saber de modo

amplo.

É fato que uma criança que se encontra inserida em uma família equilibrada

emocionalmente e preocupada com o desenvolvimento psíquico e emocional dela,

será uma criança que apresentará mais capacidade na fase adulta e dotada de uma

cultura maior. Por outro lado, as crianças que crescem em lares não estruturados e

se envolvem em situações de conflitos tendem a serem menos preparadas para a

fase adulta. Não se trata de um determinismo, através do qual nenhuma criança

pode fugir dos elementos caracterizadores de sua família; afinal, assim como o ser

humano é dotado de grande capacidade de aprendizado, também possui

capacidade o suficiente para fazer as próprias escolhas.

É da natureza do homem desenvolver suas habilidades, capacidades e

conceitos, de acordo com o meio onde se encontra inserido. Dessa forma, o ser

humano tende a reproduzir os conceitos e preconceitos que lhe foram incutidos,

caso não tenha contato com outras idéias que confrontem as ideias primitivas. Com

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efeito, o saber se forma através do confronto de ideias e valores, o que faz com que

a pessoa reflita sobre determinados conceitos e os aperfeiçoe.

O desenvolvimento humano acontece pela busca do saber, de maneira que

os preconceitos se desfazem apenas quando se conhece e se entende a diferença

que existe entre os seres humanos e entre os grupos sociais. Assim, para que o

convívio social seja possível e saudável, é preciso proteger as classes que já foram

marginalizadas pela história mundial, como os negros e as mulheres, ambos vítimas

de preconceitos de gênero e de raça. Há que se proteger, também, as pessoas com

orientação sexual diferente da dita “tradicional”, ou seja, os homossexuais, também

vítimas do preconceito e da intolerância. Para garantir tal convívio em sociedade, é

fundamental que o poder público lance mão de todos os mecanismos de proteção

necessários, para que todos possam ter direito à participação no meio social.

Como já mencionado, o ambiente familiar é o espaço onde os pais

desenvolvem suas responsabilidades parentais, e os filhos exercem o dever de

obediência27. No entanto, a família não deve ser o único local de desenvolvimento

das pessoas. A criança, ao conhecer outros meios ou grupos sociais, poderá

confrontar os conceitos que possui com os demais valores sociais e, desse modo,

formar a sua própria estrutura de pensamento.

A oportunidade de conhecer fatos diferentes e desenvolver aptidões diversas

daquelas estimuladas em seu grupo social poderá fazer com que a criança tenha um

conhecimento muito mais amplo e maduro da realidade que a cerca, realidade esta

que, sem dúvida, não se encerra nos muros que cercam sua casa. Diante isso,

pode-se tomar as palavras de Kant: “A educação doméstica, além de engendrar

defeitos do âmbito familiar, os propaga.” (KANT, 1999, p.32). Tal ideia é endossada

pelo professor Carlos Roberto Jamil Cury, que afirma: “Um processo de educação

escolar limitado ao âmbito familiar corre o risco de reduzir o campo de um

pertencimento social mais amplo e de petrificar a interiorização de normas”. (CURY,

2006, p.685)

Para que essa petrificação não ocorra deve-se estimular na criança o convívio

social, para que ela possa formar uma estrutura própria de pensamento e confrontar

os valores estabelecidos por seu núcleo familiar. Há diversos ambientes onde pode

27 Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. (BRASIL, 2002c).

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acontecer essa troca de experiências e valores, sendo os principais a igreja, o

trabalho, os ambientes de lazer e a escola.

4.6 Sistemas de proteção

A proteção à criança e ao adolescente apresenta-se de forma prioritária na

Carta Constitucional, bem como nas demais legislações infraconstitucionais. O texto

que dá maior relevo a esta proteção é o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei

nº 8.069 de 13 de julho de 1990, denominado ECA. (BRASIL, 1990).

Vigorou no Brasil entre 1979 e 1990 o código de menores, que se pautava

ante a concepção de menores em situação de irregularidade, protegendo somente

estes, não tinha como foco a proteção de toda a infância e adolescência. Com a

promulgação da Constituição de 1988 e do princípio da proteção integral, fez-se

necessária a criação de uma nova legislação - o ECA. Já em seu artigo primeiro28, o

Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece o princípio que o norteará, ou seja,

o princípio da proteção integral ao menor. (ISHIDA, 2010).

O ECA é dividido em três sistemas de garantias: um primário, um secundário

e um terciário. O primeiro deles consiste na proteção integral, que é uma garantia

dada a toda criança e adolescente em seus direitos mínimos (vida, educação,

cultural, lazer, integridade), para que estes sejam cumpridos com primazia. São

responsáveis pelo cumprimento de tais direitos a família, o Estado, a sociedade e a

comunidade em geral.

Conforme expresso no artigo 4º do ECA, o Estado deve priorizar as políticas

públicas, que são normas voltadas para o gestor público, para uma proteção efetiva

da criança e adolescente:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990).

28 Art. 1º - “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. (BRAISL, 1990).

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O sistema secundário, o qual deve ser acionado somente se o sistema

primário não for cumprido, elenca as medidas de proteção e o do poder fiscalizatório.

Nesse sistema de garantias frisa-se a intervenção do Estado caso haja

descumprimento das garantias concedidas aos menores, como por exemplo, a

matrícula na escola e a frequência escolar.

O sistema terciário, com aplicabilidade somente para os adolescentes, é um

sistema de medidas sócio-educativas e, como se lê no art. 129 do Estatuto, tais

medidas apontam, mais uma vez, os deveres dos pais e/ou responsáveis em relação

aos menores:

Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar; VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII - advertência; VIII - perda da guarda; IX - destituição da tutela; X - suspensão ou destituição do poder familiar. (BRASIL, 1990).

Deve-se ressaltar ainda que a Lei de Introdução ao Código Civil (2002c) prevê

que a interpretação das normas deve ser direcionada ao bem comum e aos fins

sociais a que ela se dirige; portanto, o ECA (BRASIL, 1990) deve zelar pela condição

peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento. Vale

lembrar que esse termo “em desenvolvimento” de forma alguma se refere ao menor

como um ser incapaz de pensar por si mesmo, mas considera-o alguém capaz de

ser ouvido, capaz de emitir uma opinião que será levada em conta, uma vez se

acredita que a vida da criança e do adolescente não pode ser governada somente

pela vontade paterna.

Outro princípio refletido pelo estatuto é o do melhor interesse do menor - um

princípio casuístico. De acordo com esse princípio, o caso deve ser decidido pelas

autoridades e não baseado em formulações genéricas. Nesse contexto, deve-se

observar o melhor interesse no caso concreto, em relação à criança e ao

adolescente.

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Dessa forma, garantindo a proteção ao menor, bem como os meios para a

sua consecução, dar-se-á à criança e ao adolescente a garantia da concretização de

seus direitos e a certeza de um desenvolvimento pleno.

A educação, direito fundamental, tem por parte do poder público a garantia de

sua execução, através de medidas de responsabilização das autoridades públicas

no seu descumprimento. Assim, caso o Estado, através de seus representantes, não

forneça à população o acesso a educação - e educação de qualidade - poderá haver

a responsabilização da pessoa que exerce essa administração.29

29 Art. 208 § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. (BRASIL, 1990).

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A educação é um processo social, é desenvolvimento.

Não é a preparação para a vida, é a própria vida.

John Dewey

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5 EDUCAÇÃO FORMAL E EDUCAÇÃO NO LAR

A polêmica quanto à maior eficácia do ensino não é algo atual. Sabe-se

que a discussão a respeito da educação domiciliar e da educação escolar não é um

privilégio do século XXI, uma vez que ela existe no Brasil desde o Oitocentos.

O debate acerca da escolha da educação a ser ministrada às crianças e aos jovens para prepará-los para a vida religiosa, para a carreira das letras ou das humanidades, ou como forma de distingui-los de acordo com o estatuto social da época, vai consequentemente situando-se no âmbito das possibilidades existentes: a educação “pública” e a educação “particular” doméstica. (VASCONCELOS, 2005, p.3).

Primeiramente, deve-se situar o papel da educação e da escola na estrutura

organizacional nacional. Viu-se que a educação aparece na organização política

nacional com a Carta Constitucional de 1934 (BRASIL, 1934) e, desde então, recebe

maior ou menor relevo, de acordo com o contexto político. No entanto, é a partir da

Carta Constitucional de 1988 (BRASIL, 1988) que a educação recebe de fato

destaque como direito fundamental. Desse modo, torna-se obrigatória a educação

formal nos ambientes escolares, desaparecendo do texto constitucional qualquer

possibilidade de interpretação da educação domiciliar.

A partir da Constituição de 1988 e, sobretudo, com o advento da Lei n.8.096/90 e da Lei n.9.394/96, essa possibilidade de educação no lar para o ensino primário deixa de constar de modo claro, direto, de sorte a configurar um direito líquido e certo com provisão legal explícita e distinta. (CURY, 2006, p.682).

A educação no Brasil era regulamentada na legislação infraconstitucional, por

decretos régios, antes mesmo da formação do Brasil Império. Depois esse tema

aparece timidamente na Constituição de 1934 (BRASIL, 1934), mas é com a Carta

Magna de 1988 (BRASIL, 1988) que se diferencia a educação formal ou escolar, ou

seja, aquela definida pelo Estado (atualmente pela LDB), prestada por

estabelecimento público ou privado - devidamente autorizado - e que tem como

função a transmissão de conhecimentos didáticos previamente definidos. É dentro

dos preceitos educacionais da constituição que a Lei de Diretrizes e Base da

Educação conceitua a educação ampla e especializa-se na educação formal. Nesse

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sentido,

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituiç ões próprias. (BRASIL, 1996, grifo nosso).

A educação formal caracteriza-se pelos conhecimentos estabelecidos pelos

currículos escolares diversos, os quais integram, dentre outras matérias, o

conhecimento da gramática, da aritmética, da geometria, da física etc. Nas palavras

de Maria da Glória Gohn “[...] a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas,

com conteúdos previamente demarcados”. (GOHN, 2006, p.2). A educação é,

portanto, uma das etapas da formação do indivíduo, que tem como objetivo prepará-

lo para o mercado de trabalho e para o convívio social. Segundo a LDB, “artigo 1º §

2º “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”.

(BRASIL, 1996).

Mas a educação de uma pessoa não se limita ao saber ler e escrever

corretamente, ou conhecer a história de seu país e/ou do mundo. Ela é

representada, também, pelo conjunto dos conhecimentos práticos, éticos e morais

que possui o indivíduo. Tais conhecimentos são fruto de todas as experiências

adquiridas ao longo da vida não apenas escolar, mas de sua formação como

cidadão. Desse modo, pode-se considerar a formação da pessoa como o resultado

de sua educação formal, informal e não-formal.

A educação, já dissemos anteriormente, é o processo por meio do qual o ser humano desenvolve suas capacidades física, mental, moral, espiritual etc., e que pode ser aplicado nos mais diversos ambientes (cultural, familiar, escolar, religioso, profissional etc.), por diferentes métodos que não necessariamente os de ensino. A pessoa humana é educada no seio de sua família, quando, pela convivência e observação dos ascendentes, apreende modelos de conduta que serão úteis em face de diversos grupos, além do familiar. Na igreja, as instruções transmitidas pelos líderes religiosos (ou membros mais experientes) estabelecem um contínuo processo de formação moral, o que se dá pelas visitações aos cultos e palestras. Nos museus, por exemplo, interage-se com o passado mediante o contato do educando com partes da realidade neles depositadas. No ambiente de trabalho, as pessoas são convocadas, pela prática. A um crescente aperfeiçoar de suas habilidades. (ANDRADE, 2010, p.47).

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É preciso diferenciar a educação não-formal da informal, uma vez que ambas,

apesar de parecer, não são sinônimas. Essa diferenciação é feita por Gohn (2006)

nestes termos:

a informal [é vista] como aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização – na família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias de pertencimento e sentimentos herdados: e a educação não-formal é aquela que se aprende “no mundo da vida”, via processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas. (GOHN, 2006, p.2, grifo nosso).

Desse modo, a diferença entre a educação informal e a não-formal é que

nesta última há “uma intencionalidade na ação, no ato de participar, de aprender e

de transmitir ou trocar saberes”. (GOHN, 2006). Assim,

A educação não-formal designa um processo com várias dimensões tais como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimentos de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidianos; a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma nova leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor; a educação desenvolvida na mídia e pela mídia, em especial a eletrônica etc. Em suma, consideramos a educação não-formal como um dos núcleos básicos de uma Pedagogia Social. (GOHN, 2006, p.2).

Às famílias, naturalmente, compete a educação informal, a qual se inicia com

o nascimento da criança e sua inserção na sociedade através de seus genitores.

Essa forma de educação se dá por meio dos princípios éticos e morais pelos pais

determinados, assim como por preceitos religiosos, pelas noções de justiça e outros

tantos conhecimentos transmitidos pelo núcleo familiar.

Como descrito no capítulo anterior, desde os primórdios da civilização o

homem encontra-se inserido em núcleos familiares, os quais que desempenham

diversas funções. Entre elas, está a função de promover valores e expressões na

criança e adolescente, já que estes não têm ainda o seu caráter formado e, por isso,

necessitam ser preparados para a convivência social. (LABURTHE-TOLRA;

WARNIER, 2003).

As sociedades se modificaram juntamente com a educação, de maneira que

houve um aprimoramento dos conhecimentos. Para que essa evolução do ensino

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ocorresse, o conhecimento passou a ser transmitido de forma metodológica, ou seja,

adotou-se um método organizado para a transmissão do saber. Nessa perspectiva, o

saber formal recebeu como instrumento principal a figura do professor, um

profissional preparado para a prática educacional em áreas específicas do saber

humano. Posteriormente, tem-se a escola, local destinado à prática desse saber.

A educação discutida neste trabalho é a denominada “educação formal”, que

a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988) determina

como de obrigatoriedade do Estado. Através de mecanismos estipulados de forma

legal, dentre eles a LDB,(BRASIL, 1996) os Estados juntamente com a escola,

através dos profissionais de educação, escolhem e determinam os sistemas

pedagógicos mais eficazes para que esta educação seja, de fato, transmitida.

Os agentes da educação formal divergem-se dos demais, uma vez que o

profissional da educação é alguém que possui uma formação técnica ou profissional

sobre determinada área do saber e está (teoricamente, pelo menos) preparado para

a prática desse ensino. Na educação não-formal, por sua vez, o agente é a pessoa

que participa com o indivíduo de suas experiências pessoais, mesmo que seja de

forma indireta ou involuntária. Já a educação informal tem como agente natural a

família, o que não impede a inserção dos demais grupos de relacionamentos

pessoais do indivíduo nesse âmbito:

Na educação formal sabemos quem são os professores. Na não-formal, o grande educador é o outro, aquele com quem interagimos ou nos integramos. Na educação informal os agentes educadores são os pais, a família em geral, os amigos, os vizinhos, colegas de escola, a igreja paroquial, os meios de comunicação de massa etc. (GOHN, 2006, p.2).

Vale frisar que a escola representa, assim como outros locais, o ambiente

para o desenvolvimento do saber não-formal também. Isso se verifica pelas

ideologias e vivências que a escola propicia a seus alunos, através da interação

entre alunos, professores e profissionais da área pedagógica e administrativa, o que,

sem dúvida, influencia consideravelmente a educação informal de crianças e

adolescentes.

Sobre o significado da escola, as respostas são variadas: o lugar de encontrar e conviver com os amigos; o lugar onde se aprende a ser “educado”; o lugar onde se aumentam os conhecimentos; o lugar onde se tira diploma e que possibilita passar em concursos. Diferentes significados

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para o mesmo território, certamente irão influir no comportamento dos alunos, no cotidiano escolar, bem como nas relações que vão privilegiar. (DAYRELL, 2001, p.144).

Não se pode eleger nenhum ambiente como o único transmissor do

conhecimento. Isso seria uma falácia, visto que o conhecimento é vivo, está em tudo

que o Homem faz ou realiza; está, enfim, onde o Homem está. Por isso faz-se

necessário delimitar práticas específicas do saber bem como ambientes mais

propícios ao seu desenvolvimento.

É importante salientar que a diferenciação de conceitos e estudos específicos

da relação do homem com a educação não veio juntamente com a construção da

instituição escolar. Esta a princípio parece ter sido criada unicamente para a

transmissão de saberes específicos para formar governantes (o que foi observado

no capítulo 2).

É recente a preocupação em estudar o Homem através de métodos

sistematizados e suas necessidades relativas à educação. Apesar de existirem na

história diversos pensadores preocupados com o desenvolvimento do saber - como

Kant (1999) e Platão (1996) - naquela época não havia ainda conhecimento a

respeito do tema, até mesmo por não existirem escolas como as contemporâneas.

Os séculos passados refletem um momento em que predominava a educação

domiciliar, de forma que as sociedades daquela época cresciam, modernizavam-se e

estruturavam-se de uma maneira muito diferente do que ocorre hoje em dia. Talvez

as coisas se conduzissem assim pela falta de prédios escolares, de profissionais o

suficiente e, principalmente, de interesse do Estado. No Brasil do século XVIII, por

exemplo, o ensino era voltado apenas para as classes dominantes.

[...] o sistema escolar incitado pelo Estado não se destina a toda a população e parte dela permanece utilizando as práticas já consagradas de educação realizadas no âmbito doméstico. Inaugura-se a discussão quanto à adequação de tais espaços para a educação: a Casa e a escola. Todavia, a questão da educação e a escolha entre as modalidades possíveis eram colocadas somente às camadas situadas nos estratos sociais mais elevados e não ao povo. (VASCONCELOS, 2005, p.3).

No Brasil, mesmo após a construção de alguns prédios escolares, cabia aos

pais o direito de escolher para os filhos a educação domiciliar ou a educação formal.

Nesse contexto, pode-se observar que apenas uma pequena parcela da população

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buscava a educação formal:

Em 1886, Pires de Almeida informa que há, no Brasil, 6.161 escolas primárias, das quais 5.151 públicas e 1.010 particulares, e o número de alunos é de 248.396. A população do Império era, na mesma época, de quase 14 milhões de habitantes, o que significa que apenas em torno de 2% da população freqüentava a escola. (ALMEIDA apud VASCONVELOS 2005, p.50).

No século XIX a educação no lar representa para as famílias uma espécie de

status social. As famílias contratavam professores particulares ou preceptores,

sendo estes últimos pessoas que tinham a função de educar as crianças e jovens de

forma ampla. Esses profissionais residiam juntamente às famílias, dando

atendimento integral a seus alunos:

É importante lembrar que, ao longo de todo o século XIX, a educação doméstica, na perspectiva de educação formalizada, era destinada às elites e que essas elites é que dela faziam uso. Constituía-se num diferente diferencial de lugar social ter um preceptor, um professor particular ou até algum membro da família que ministrasse aulas domésticas. Eram práticas características das elites e a literatura clássica do Brasil de Oitocentos também está marcada por afirmações referentes a personagens de camadas médias urbanas, que teriam tido educação nas formas anteriormente descritas, o que faria do personagem alguém com “possibilidades de ascensão social”. (VASCONCELOS, 2005, p.46).

Assim, as elites buscavam a educação domiciliar como forma de “proteger”

seus filhos do convívio com pessoas de classes diferenciadas e da possibilidade de

serem prejudicados. Acreditava-se, naquela época, que a escola faria um

nivelamento por baixo dos alunos, de maneira que o ritmo educacional seria

conduzido de acordo com o rendimento daqueles que apresentassem maiores

dificuldades. (VASCONCELOS, 2005).

O livro A Casa e seus mestres: A Educação do Brasil de Oitocentos (2005),

de Maria Celi Chaves de Vasconcelos, relata a prática da educação domiciliar no

Brasil dos séculos XVIII e XIX. A obra traz diversos recortes de jornais da época que

denotam a importância dada pela elite ao ensino domiciliar e o lugar que este

ocupava como diferencial de classes.

Havia uma preocupação em incutir nos jovens, além do ensino das letras,

uma educação para o convívio social. Para tanto, os pais buscavam como

professores de seus filhos pessoas com larga experiência e formação, como se pode

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verificar no artigo trazido por Maria Celi Vasconcelos, publicado no Jornal do

Comércio (2005), em 15 de janeiro de 1889 às páginas 7:

PROFESSORA. Uma senhora, filha de uma das primeiras famílias da corte, perfeitamente habilitada a lecionar inglez, francez, portuguez, arithmetica, geographia, historia, princípios de piano e trabalhos de agulha, offerece seus préstimos aos Srs. Pais de família, podendo dar de si as melhores referencias; informa-se na travessa de S. Francisco de Paula n. 22 A. (VASCONCELOS, 2005, p.43).

Tem-se ainda outro anúncio, também do Jornal do Comércio, de 5 de janeiro

de 1889, constante às páginas 8, Maria Celi Vasconcelos,

UM professor diplomado e de idade, com longa pratica de magistério, propõe-se leccionar em casas particulares: francez, inglez, geographia, historia, desenho e musica (piano ou rabeca); trata-se na rua do Hospício n. 81, sobrado, de meio-dia ás 3 horas. (VASCONCELOS, 2005, p.41).

Por esses anúncios e pelas explanações feitas pela Professora Maria Celi,

pode-se notar o destaque dado à situação social dos professores bem como a sua

experiência na prática educacional. Ressalta-se ainda a diversidade de matérias a

ser lecionadas, estando sempre presentes as aulas de música e, para as meninas e

moças, a prática de trabalhos manuais, como o bordado.

Houve grande resistência por parte de muitos pais em permitirem que seus

filhos frequentassem as instituições escolares. Eles se consideravam capazes de

proporcionar uma educação mais adequada e coerente a seus filhos, propiciando,

principalmente às meninas, uma preparação para a vida social. (VASCONCELOS,

2005).

O Brasil Império formou-se através da diferença de classes, uma vez que

existiam pessoas que pertenciam a diferentes “categorias” – como os escravos, os

nobres, os comerciantes, o povo. Havia ainda, naquele período, a superioridade,

dada pela lei, de uns sobre os outros, como dos Homens brancos e livres sobre as

mulheres. Essa diferença afetava diretamente a educação, que nos seus primeiros

passos para a institucionalização foi vista com maus olhos pelas elites (que julgavam

prejudicial misturar sua prole às demais classes sociais).

[...] Certo era que a escola “pública” permitia a mistura de diversas crianças e jovens, o que representava o perigo da reunião de sujeitos de categorias

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sociais diversificadas. As elites temiam a possibilidade de laços de amizade surgidos entre pessoas iguais, mas com fortunas desiguais e apenas confortava-as o fato de que tais amizades não teriam uma duração constante. [...] (VASCONCELOS, 2005, p.6).

Esse não era o único pensamento da época, mas era o dominante. A

conscientização a respeito da escola e de seu papel social ocorre gradativamente e

as Constituições retrataram este fato. A própria conscientização do Homem a

respeito de seus direitos é gradativa, de modo que, ainda hoje, há dificuldade em se

entender a escola como um ambiente que oferece ao aluno muito mais do que o

saber formal. Muitos pais não veem essa instituição como local de socialização da

criança do adolescente, um ambiente para a criança construir o papel do outro.

(ARENDT, 1979)

Naquele período, não havia no pensamento das famílias a intenção de

preparar a criança como pessoa, dentro de um crescimento estrutural adequado. O

que havia era o objetivo de prepará-la para ingressar de forma nobre na sociedade,

oferecendo a ela os conhecimentos necessários a um jovem de melhor condição

social.

Mas, aos poucos, a escola começa a ganhar destaque e a importância de sua

função começa a ser levada em conta. Na atualidade, a escola recebe um novo

enfoque, fruto de uma discussão que se inicia no final do século XIX. Não que a

educação domiciliar tenha desaparecido, pois ela ainda persiste na história nacional,

mas a importância da escola, com o seu papel específico, ganha destaque na nova

estruturação social.

O crescimento do número de colégios particulares e a emergência da escola pública estatal suscitavam a discussão que antevinha à escolha, ou seja, já se supunha, sem muita clareza, que algo estava para mudar nas relações educacionais que iriam se estabelecer a partir da hegemonia da escola e era preciso delimitar o campo de ação das instituições: Casa e Estado. Como não poderia ser diferente, tratando-se de uma transição, tentava-se conciliar o “velho” e o “novo”, as antigas formas de educação e as emergentes, encobrindo-se as possíveis conseqüências do estabelecimento da nova instituição de caráter educativo, isto é, a possibilidade de que tendo o aparato e a chancela estatal, a escola se convertesse na única forma reconhecida e legalizada de educação e instrução, acabando por substituir, definitivamente, todas as formas tidas como válidas anteriormente. (VASCONCELOS, 2005, p.51).

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Na escola, crianças e adolescentes têm a possibilidade de conhecer em um

único ambiente as três formas de educação30.

De qualquer forma, o cotidiano na sala de aula reflete uma experiência de convivência com a diferença. Independente dos conteúdos ministrados, da postura metodológica dos professores, é um espaço potencial de debate de idéias, confronto de valores e visões de um mundo, que interfere no processo de formação e educação dos alunos. Ao mesmo tempo, é (mas poderia ser muito mais) um momento de aprendizagem de convivência grupal, onde as pessoas estão lidando constantemente com as normas, os limites e a transgressão. (DAYRELL, 2001, p.150).

O Estado, a sociedade e a família vão se especializando em seus deveres

políticos, para uma formação justa e plena da sociedade. Nesse contexto, os papéis

começam a se delinear e a educação formal ganha destaque constitucional. Em

meio a tudo isso, a família desempenha um papel crucial, assumindo a função de

executora e guardiã dos direitos da infância e da adolescência. Essa mesma família

passa, então, a ter seus direitos e deveres devidamente especificados em lei, o que

possibilita aos seus membros um pleno desenvolvimento humano.

5.1 A Regulamentação Constitucional da educação

A educação, direito fundamental incluído na Constituição (1988) de maneira

explícita, é garantida a todos e deve ser fornecida pelo Estado de forma

indiscriminada.

Em seu artigo 205, o texto constitucional fala de uma educação capaz de

preparar a pessoa para o exercício da cidadania e prover sua qualificação para o

trabalho. Ora, tais objetivos apenas serão alcançados se a pessoa se encontrar

preparada para a convivência social, conhecendo e respeitando as diferenças

culturais. Para tanto, é preciso que haja ambientes que consigam delimitar o espaço

do outro, promovam o respeito à sociedade e ao meio ambiente no qual a pessoa

está inserida.

30 Educação formal, informal e não-formal. (DAYRELL, 2001).

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Assevera-se ainda a importância da formação e desenvolvimento pleno, o que

também garante a Constituição (BRASIL, 1988). Nesse âmbito, podem-se considerar

crianças e adolescentes sujeitos privilegiados, em virtude do princípio da proteção

integral31, a qual é dada tendo como sujeitos ativos desse dever os pais (e/ou

responsáveis legais), o Estado e sociedade.

Segundo Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior, na

obra Direito Civil Famílias (2010), dentro das relações familiares, determinados

sujeitos recebem proteção diferenciada, entre eles as crianças, os adolescentes e os

idosos, por estarem situados em fase especial do processo de autoformação. Já os

doentes e deficientes mentais recebem atenção diferenciada por serem portadores

de delicada condição especial.

Num contexto em que o Direito se dispõe a proteger a pessoa em sua concretude, decorrência lógica é a atenção dispensada à percepção das peculiaridades individuais. É isso que pode garantir a realização de uma tutela adequada ao incentivo da livre formação da personalidade. Nessa esteira, ganha relevo o tratamento jurídico dispensado a alguns sujeitos, ora porque situados em fases especiais do processo de autoformação, ora porque portadores de delicada condição pessoal, a tornar qualquer fase de seu desenvolvimento uma fase especial. As crianças, os adolescentes e os idosos compõem o primeiro grupo; os doentes e deficientes mentais, o segundo. (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p.65).

O artigo 205 da Constituição reza,

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

A educação, relacionada como um direito de todos, tem prioridade para

crianças e adolescentes por dois motivos principais: primeiro por se encontrarem em

um estado de desenvolvimento mental e social - momento ideal para o ensino das

práticas educativas de forma ampla; em segundo lugar porque, em virtude de sua

condição especial de pessoas em desenvolvimento, não possuem capacidade para

suprirem sozinhas sua própria educação, necessitam que terceiros o façam.

31 Que consta no artigo 1º do Estatuto da Criança do Adolescente que reza serem estes merecedores de proteção integral. (BRASIL, 1990)

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Para melhor distribuição dessas funções, o Estado, através de sua Carta

Magna delimita os direitos, os deveres e as competências de cada sujeito no

processo educacional.

A competência para legislar sobre educação é privativa da União, de acordo

com o artigo 22, XXIV da Constituição:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

XXIV - diretrizes e bases da educação nacional” (BRASIL, 1988).

A União é responsável, portanto, por ditar os parâmetros da educação dentro

do território nacional. Desse modo, cabe a ela o dever da distribuição desses

parâmetros e do conteúdo mínimo a ser cumprido. Ademais, compete à União

decidir a quem esse conteúdo será direcionado, em qual idade e quais serão os

sistemas legais de responsabilização em caso de descumprimento da lei.

O dever de prestar a educação é do Estado, ainda que ela seja ministrada

pelo setor privado. Nesse caso, ou seja, quando a educação é oferecida por

instituições particulares, tem-se o serviço público não privativo, como se pode ler na

ADI nº 1.007-7/PE, Rel. Ministro Eros Grau, em março de 2006, deverá obedecer às

seguintes regras estatais.

[...] os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, sejam os prestados por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser desenvolvidos pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização. (PERNAMBUCO, 2006).

O Estado possui mecanismos para a fiscalização do cumprimento e qualidade

na prestação desse serviço, tanto no âmbito público quanto no privado. Essa

fiscalização é feita através de órgãos destinados a essa função, como as delegacias

regionais de ensino e, ainda, por meio de avaliações periódicas por que passam as

escolas e os estudantes para se testar a qualidade do ensino nacional.

É importante ressaltar que a educação tratada no texto constitucional é ampla,

voltada para o desenvolvimento pleno do indivíduo. Porém, em conceitos mais

técnicos, pode-se dividir a educação em três tipos (formal, não-formal e informal). A

educação, como meta constitucional, trata da preparação da criança e do

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adolescente para um exercício pleno da cidadania, uma responsabilidade conjunta

do Estado, da família e da sociedade. (GOHN, 2006)

Para tanto, o Estado delimita as funções de cada sujeito nesse processo,

sendo que ao Estado compete a prestação da educação formal. Nessa perspectiva,

criam-se situações de igualdade para todos os sujeitos com relação ao ingresso ao

mercado de trabalho e demais práticas sociais. Assim, a escola passa a ser vista

como o local apropriado à prática da cidadania, o espaço onde a criança e o

adolescente poderão receber os outros aspectos educacionais.

Às famílias, por sua vez, compete a preparação da criança, bem como o

devido acompanhamento de seu desenvolvimento. Enquanto ente dotado de

incapacidade e carecedor de proteção, deve a criança ter o respaldo da família em

todas as suas atividades, cabendo aos pais e/ou responsáveis o dever de

acompanhar o seu desenvolvimento escolar, a frequência e o rendimento ao ensino

recebido.

Há mecanismos para fiscalizar os menores e as famílias, como o controle de

frequência feita pela escola e acompanhado pelo poder público. Esses mecanismos

existem para melhor controlar as famílias no cumprimento de sua obrigação de

guarda e educação dos filhos menores. Nas palavras do Ministro Celso de Mello, no

AI nº 596.927-6/SP, em 15 de fevereiro de 2007, vê-se essa preocupação.

a educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, §2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. (SÃO PAULO, 2007).

O Direito à educação tem eficácia vertical, ou seja, o Estado encontra-se

como devedor principal desse direito, pois deve garantir a sua prestação. Assim

como assegura (ou deveria assegurar) outros direitos - como a vida, por exemplo - é

responsabilidade dele assegurar a educação, podendo, inclusive, ser

responsabilizado pela sua não prestação.

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No entanto, pode-se falar também em uma eficácia horizontal dos direitos

fundamentais, isto é, aquela que se aplica entre os particulares. Existe uma

responsabilidade direta, também denominada de mediata, destinada ao legislador na

criação de mecanismos de convivência entre os particulares (MORAES, 2010), neste

sentido o controle do Estado a relação entre pais e filhos.

Quando se fala do direito à educação, refere-se a um direito dos pais (a

escolha da educação filhos) ou a um direito privativo dos menores? Parece haver

uma concorrência, um conflito entre os direitos. Para sair desse impasse, faz-se

necessária uma análise da “importância” desses dois direitos comparados, para

medir o grau de importância de cada um e assim definir qual sobressairá ao outro.

Não há que se falar em prevalência de direitos fundamentais, pois, neste

caso, o único direito fundamental discutido diz respeito ao direito à educação, que é

o instrumento maior para a formação e desenvolvimento pleno da pessoa. E este

direito é pessoal, ou seja, não é um direito dos pais educarem os filhos, mas um

dever.

O Estado diz ser a educação um direito de todos e dever do Estado. Diz ainda

ser dever dos pais garantir a seus filhos o sustento e a educação Esse direito é

garantido a toda pessoa, independente de sua condição física ou mental, pois o

Estado deve buscar uma forma de atender a todos.

A educação nacional, em busca de padrões democráticos, estatuiu

determinados princípios, como se lê no artigo 206 do texto Constitucional.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas. VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade . VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da

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União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)32 (BRASIL,1988, grifo nosso).

Conforme preleciona José Afonso da Silva (2001), são princípios da educação

no Brasil: igualdade de acesso e permanência na escola, liberdade de aprender,

ensinar, pesquisar e divulgar, pluralismo de idéia e de concepções pedagógicas, a

gratuidade do ensino em estabelecimentos públicos oficiais, valorização dos

profissionais do ensino, a gestão democrática e a garantia de padrão de qualidade.

(SILVA, 2001) Após a emenda constitucional 53 de 2006 (BRASIL, 2006a), fica

garantido também o piso salarial dos profissionais da educação, como forma de se

estabilizar as diferenças sociais e garantir um padrão econômico aos professores, o

que leva a atrair bons profissionais para o mercado.

Percebe-se na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) uma redefinição da

função da educação, a qual ganha ideais democráticos dentro de um novo conteúdo

de valores propiciados pelos princípios da igualdade de condições, liberdade de

aprendizado, pluralidade de ideias, gratuidade, valorização dos professores e

administração democrática. Todas essas medidas visam à garantia da efetividade do

processo educacional de qualidade, trazendo como princípio implícito a sua

universalidade.

O Estado possui deveres educacionais e, para garanti-los, deve prestar o

serviço educação. A constituição dá preferência ao ensino público:

A preferência constitucional pelo ensino público importa em que o Poder Público organize os sistemas de ensino de modo a cumprir o respectivo dever com a educação, mediante prestações estatais que garantam, no mínimo: ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurado inclusive sua oferta gratuita a todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria (EC 14/96); progressiva universalização do ensino médio gratuito (EC 14/96); atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático- escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; conteúdo mínimo para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais (208 e 210). (SILVA, 2001, p.815).

32 (BRASIL, 2006a).

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De acordo com o texto constitucional, artigo 208, o Estado tem a

obrigatoriedade de prestar assistência básica e gratuita às crianças de 4 anos até os

17 anos de idade, assim como de oferecer o ensino fundamental para as crianças

acima de 6 anos. Essa medida tem como meta a universalização do ensino médio

gratuito, o qual deve crescer e atingir a demanda nacional, devendo sempre

privilegiar a prestação do serviço público ao privado.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediate a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; (BRASIL, 1988).

Ainda em conformidade com a Constituição, o Estado deve propiciar, através

de ações efetivas, meios para que a população carente tenha acesso à escola. Para

tanto, deve o Estado fornecer a essas pessoas transporte, alimentação, material

didático, bem como a real oferta do serviço, com escolas acessíveis em todos os

municípios.

Art. 208 [...] [...] VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (BRASIL, 1988).

Ditar princípios de igualdade e não colocá-los em prática é ignorar a sua

determinação. Exatamente por isso, a legislação deve propiciar o acesso das

pessoas aos serviços já mencionados e garantir a prestação deles à população.

Nesse contexto, a insuficiência de vagas representa uma falha grave na prestação

do serviço, que é bem público e dever do Estado:

A educação escolar, pois, é erigida em bem público, de caráter próprio, por ser ela em si cidadã. E por implicar a cidadania no seu exercício consciente, por qualificar para o mundo do trabalho, por ser gratuita e obrigatória no ensino fundamental, por ser gratuita e progressivamente obrigatória no

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ensino médio, por serem também a educação infantil um direito, a educação básica é dever do Estado. (CURY, 2008).

Ainda como dever do Estado tem-se a implementação do já mencionado

Plano Nacional de Educação cujo objetivo consiste em erradicar o analfabetismo e

universalizar o atendimento escolar.

O Estado, após clamar para si a responsabilidade e obrigatoriedade da

educação formal, determina aos pais regras para que a exigência da educação seja

efetivada, uma vez que são eles os detentores do dever legal de educar os filhos.

(BRASIL, 1988).

Nessa direção, o poder público utiliza a obrigatoriedade da matrícula escolar,

assim como o controle de frequência das crianças e adolescentes à escola, para

fiscalizar se há por parte dos genitores o cumprimento às determinações impostas.

Conforme artigo 208 § 3º, “Compete ao Poder Público recensear os educandos no

ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis,

pela frequência à escola” (BRASIL, 1988).

O Estado se utiliza da legislação infraconstitucional para regulamentar os

deveres do Estado, a prestação do serviço e as imputações aos responsáveis legais.

Esse tema será abordado a seguir, através do estudo da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação (BRASIL, 1996) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL,

1990).

5.2 Legislação infraconstitucional - Lei de Diretri zes e Bases da Educação

Como mencionado, há uma responsabilidade do legislador quanto à

regulamentação infraconstitucional dos direitos fundamentais que assim se fazem

necessários. A educação, que se encontra dentro desses direitos fundamentais,

necessita, porém, de regulamentação especial, para se fazer entender por todos.

A Lei ordinária que fundamenta e regulamenta o direito expresso na

constituição é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394 de dezembro

de 1996 (BRASIL, 1996), denominada de LDB. A lei, que fundamenta a educação

formal, veio substituir a antiga legislação educacional, a Lei nº 4.024 de 1961

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(BRASIL, 1961), a qual fixava as diretrizes e bases da educação nacional.

Posteriormente, esta última foi reformada pela Lei nº 5.692/71 (BRASIL, 1971), que

tinha como intuito reformar a educação de 1º e 2º grau.

A LDB trouxe para a sociedade a nomenclatura de “educação básica”, termo

inexistente na legislação anterior, como aquela necessária a todo cidadão. Ao

mesmo tempo em que transmite a idéia de conhecimentos necessários para a vida,

bem como aponta o surgimento de novos valores e padrões que busca instituir, a

LDB passa a idéia de sistematização, ou seja, de uma “vontade geral democrática”,

conceitos novos em nosso ordenamento. (CURY, 2008).

A Lei de 1961 não representou nenhuma modificação para o contexto

educacional, diferentemente do que propunha sua ementa. Na prática, essa lei

tratava a Educação Nacional de uma maneira bastante restrita, pois limitou-se à

organização escolar; e, quanto a esta, cingiu-se a regular o funcionamento e controle

do que já estava implantado. (SAVIANI, 1989). Ademais, não responsabilizava os

pais pela ausência da matrícula dos filhos menores na escola. Como mencionado, o

Brasil estava sob a égide de um regime patriarcal, pautado pela liberdade paterna

mais ampla. Nesse contexto, o país passava por uma série de problemas nacionais,

entre eles a dificuldade de acesso às escolas.

[...] A Constituição de 1946 dizia, em seu art. 166, que a educação “é direito de todos e será dada no lar e na escola”. A Lei nº. 4024/61 repete, também, no seu artigo 2º esta mesma formulação constitucional e que também aparecerá no art. 168 da Constituição de 1967. O art. 4º da Lei n. 4024/61 também dizia que é assegurado a todos, na forma da lei, o direito de transmitir seus conhecimentos. (CURY, 2006, p.680).

Atualmente vigente, a Lei de Diretrizes e Bases busca, em conformidade com

os preceitos nacionais, elencar de forma clara os deveres do Estado e dos pais

quanto à educação dos menores. Trata em seu corpo da educação básica,

destinada a crianças e adolescentes - por estarem estes submetidos à autoridade

parental e não possuírem ainda amadurecimento suficiente de sua personalidade

para a prática das escolhas relacionadas à própria educação.

Por ser o direito à educação algo previsto constitucionalmente e ser mais

amplo que a mera educação formal - uma vez que incorpora todas as áreas do saber

humano e da convivência social - a LDB reconhece esse direito em seu artigo

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primeiro, como traduzido na respectiva Lei:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1996).

A educação é, portanto, um somatório de processos formativos, escolares e

informais (grupos de trabalho, lazer, religião, vizinhança etc.). (SOUZA, 1997).

Devido a sua complexidade, esses grupos não serão tratados neste estudo.

A LDB, conforme se pode ler acima, também se reteve à regulamentação da

educação escolar - denominada formal - que deverá ser desenvolvida em

instituições próprias. Estas últimas se referem às escolas regulares, as quais

integram os sistemas de ensino e se limitam a regulamentar esse tipo de educação,

que é de responsabilidade estatal: “§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que

se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias .”

(BRASIL, 1996, grifo nosso).

A educação não-formal e a informal não são submetidas à fiscalização da

Secretaria de Educação e Conselhos de Educação (MEC) e não são abrangidas

pela LDB.

A atual legislação preocupou-se em regulamentar os meios para se

desenvolver a educação. Em contrapartida, a Lei nº 4024/61 preocupou-se apenas

em conceituar a educação (SOUZA, 1997) e o fez voltada à liberdade e aos ideais

de solidariedade humana, como um processo formativo da infância e juventude,

entendendo a educação como um processo sociológico e tem o objetivo de integrar

o homem à vida em sociedade.

O corpo da legislação nacional busca uma educação igualitária, com acesso a

todas as pessoas independente de classe social, o que se comprova pela gratuidade

da educação.

Art. 5º O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo. (BRASIL, 1996).

A LDB apresenta diretrizes gerais sobre a educação, regulamentando o

sistema da organização nacional do ensino, o que aparece em seu título IV. Nesse

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âmbito, há uma divisão da educação básica em etapas, priorizando-se sempre o

ideal de desenvolvimento pleno da pessoa humana. Com esse intuito, a meta é

desenvolver no educando os conceitos de cidadania e fornecer a ele meios para que

possa progredir no trabalho e nos estudos posteriores. Conforme o artigo 22,

Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. (BRASIL, 1996).

A primeira etapa é a educação infantil, destinada às crianças de até 6 anos de

idade. Regulamentada na seção II, do título IV da referida lei, deve ser oferecida

para as crianças de até 3 anos de idade em creches ou entidades equivalentes, e às

demais, em pré-escolas. Essa etapa visa à preparação da criança para as fases

posteriores, não sendo de caráter obrigatório. Nessa fase, as crianças não são

submetidas a avaliações promocionais, uma vez que ela se direciona apenas ao

desenvolvimento das primeiras capacidades. (BRASIL, 1996).

A segunda etapa, regulamentada na seção III e objeto do presente estudo,

tem caráter obrigatório, iniciando-se aos seis anos de idade, com duração de nove

anos. Constitui uma obrigação dos pais e/ou responsáveis legais a efetivação da

matrícula: “Art. 6º - É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos

menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental.” (BRASIL, 1996).

Até a Carta Constitucional de 1988 havia a possibilidade da prestação do

ensino domiciliar. Com o advento do texto constitucional, não havia mais clareza

quanto a esta possibilidade, já que o texto legal não a determinava. Desse modo,

essa possibilidade passava a ser interpretativa, de maneira que os agentes

interessados na continuidade da tradicional educação domiciliar encontravam nesse

texto algum respaldo, já que ele era, no mínimo, confuso. (CURY, 2008). A fim de

evitar qualquer tipo de interpretação errônea, a Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) vem,

em nome do Estado, determinar a obrigatoriedade de matrícula.

É importante frisar que a obrigatoriedade de matrícula não é meramente um

ato formal, pois tem caráter dúplice: ao mesmo tempo em que atribui aos pais a

responsabilidade de matricular os filhos na escola, incumbe o Estado de oferecer

vagas suficientes para atender toda a população. A matrícula escolar transforma a

criança em membro oficial de uma sociedade organizada para seu desenvolvimento,

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caracterizando-a como cidadã dentro de um Estado democrático.

A matrícula, ato formal pelo qual o aluno se torna membro formalmente discente e devidamente habilitado a freqüentar uma instituição escolar, é obrigatória para todos, ela o é assim de tal modo que sua oferta irregular atinge também os poderes públicos, pois eles podem ter sido omissos ou coniventes nesse dever. Nesta medida, também os poderes públicos podem estar incluídos no § 2º do art, 208 da Constituição Federal, que diz: “o não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”. (CURY, 2006, p.684).

Pode-se dizer, portanto, que a obrigatoriedade da matrícula é também dever

do Estado, o que é expresso no texto constitucional nestes termos:

Art. 87 [...] §3º O Distrito Federal, cada Estado e Município, e, supletivamente, a União, devem: I – matricular todos os educandos a partir dos 6 (seis) anos de idade no ensino fundamental; (BRASIL, 1988).

A idade obrigatória para a matrícula, até o ano de 2005, era de sete anos.

Entretanto, como houve o acréscimo de um ano à educação fundamental,

atualmente a obrigatoriedade se dá aos seis anos de idade. (BRASIL, 1988).

A educação fundamental tem como objetivo desenvolver nas crianças e nos

adolescentes a capacidade de aprender, de desenvolver a leitura, a escrita e o

cálculo, a compreensão do ambiente social e natural. Tem-se ainda como metas o

desenvolvimento da capacidade de aprendizagem e o fortalecimento dos vínculos

familiares, os laços de solidariedade humana e tolerância recíproca, expressos na

Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

É também parte da educação básica o ensino médio, o qual constitui sua

última etapa e deve ter a duração mínima de três anos.

A LDB regulamenta, ainda: a educação profissional técnica de nível médio, a

educação de jovens e adultos (destinada àqueles que não tiveram acesso ao ensino

fundamental e/ou ao ensino médio na idade adequada), a educação profissional e

tecnológica, a educação superior e a educação especial, sendo esta última a

modalidade escolar oferecida na rede regular de ensino aos educandos portadores

de necessidades especiais. (BRASIL, 1996).

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A LDB remonta alguns princípios gerais que merecem destaque, como a

obrigatoriedade e universalidade do ensino fundamental. Para que isso ocorra, é

essencial que se garanta a igualdade de acesso e permanência na escola. A

igualdade de acesso resolve-se, de certa forma, pela gratuidade do ensino; já a

permanência na escola requer outras medidas, como um incentivo financeiro, por

exemplo. Sabe-se que uma parte considerável das evasões escolares ocorre em

virtude das necessidades financeiras por que passam as famílias menos

favorecidas. Esses núcleos familiares se veem obrigados a inserir seus filhos no

mercado de trabalho de forma direta ou indireta, pois precisam garantir seu sustento.

Ainda para incentivar a permanência na escola, é preciso que o Estado aja através

de políticas públicas que conscientizem a população em geral da real importância da

educação.

Paulo Nathanael Souza e Eurides Brito da Silva (1997) destacam em sua obra

a preocupação que deve existir quanto à reprovação escolar, a qual também

acarreta evasões. A obra faz ainda críticas ao pragmatismo da LDB em relação à Lei

nº 4.024/61 (BRASIL, 1961), dizendo que a lei atual abandonou os princípios

políticos e filosóficos (os quais iluminavam os fins da educação) para trocar-lhes por

objetivos, que empobrecem os fins legais. Ora, uma lei principiológica é

aparentemente mais abrangente do que uma lei mais pragmática, o que é o caso da

nova LDB. No entanto, o Brasil ainda caminha em muitos aspectos de seu

desenvolvimento, de forma que necessita de leis mais objetivas e limitadoras, até

porque estas exercem também um papel educativo. A antiga legislação preocupava-

se com contextos mais filosóficos, mas uma grande parcela da população

encontrava-se distante da ideia de educação como direito inerente à criança,

entendendo-a como um atributo dos pais. Hoje o Brasil tem se aproximado mais de

uma real prestação educacional, visto que a população parece mais consciente de

seus deveres e direitos.

Como se mencionou anteriormente, a Constituição de 1967 (BRASIL, 1967)

não obrigava a matrícula na escola, de forma que a transmissão dos conteúdos

escolares acontecia com muita frequência nas próprias residências. Muitas vezes

nem acontecia esse processo de aprendizagem, o que deixava uma grande parcela

da população relegada ao analfabetismo total ou ao semi-analfabetismo.

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Com o advento da Carta Constitucional de 1988 (BRASIL, 1988), a matrícula

na escola torna-se obrigatória e o direito à educação é visto de forma ampla. Nesse

contexto, passa a existir uma responsabilização do Estado, da família e da

sociedade por seu cumprimento. A LDB teve, portanto, que se ater a questões mais

objetivas, como sua obrigatoriedade, sua adequação e seus princípios de igualdade

na prestação do serviço. Dessa forma, não só serão atendidos os princípios

constitucionais como serão delimitadas as diferenças na prestação do serviço

público e do particular. De todo modo, o princípio fundamental é o da

obrigatoriedade do ensino:

Art. 5º […] § 2º Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais. (BRASIL, 1996).

Pesquisas mostram que a previsão no texto constitucional - o qual determina

ao Estado a prestação do serviço educação e obriga este cumprimento às famílias -

levou o Brasil a progressos quantitativos (SOUZA, 1997). Em 1950, de uma

população de 7 a 14 anos que somava 10.402.700 crianças, apenas 3.767.900

estavam matriculadas (36,2%), já em 1990, para um total de 26.757.300 crianças em

idade escolar, 23.252.100 encontravam-se matriculadas (86%).

A quantificação em números é expressiva e mostra o avanço conseguido em

virtude de uma legislação mais rigorosa, que permite um acompanhamento mais

amplo da população em geral.

A legislação atual busca não somente a prestação do serviço, mas também o

controle na prestação do serviço e frequência dos menores à escola. Assim, é

obrigatoriedade dos Estados e Municípios fazer a chamada pública dos alunos e

zelar, junto aos pais, pela frequência à escola.

Art. 5º [...] §1º II - fazer-lhes a chamada pública; III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. (BRASIL, 1996).

A legislação vigente preocupa-se, como expresso em sua ementa, em

estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional. Para tanto, determina, em

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conformidade com preceitos maiores, que a população seja atendida com a

obrigatoriedade do ensino fundamental. Na busca da concretização desse direito, há

a criação de normas que obrigam o Estado a prestar esse serviço, assim como

obrigam os pais a garantir a seus filhos esse direito personalíssimo.

5.3 Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente busca a proteção integral à criança e

ao adolescente, entendendo-os como sujeitos de direito, pessoas com necessidades

especiais no processo de desenvolvimento. Atendendo ao preceito constitucional do

artigo 227, que determina a prioridade absoluta ao atendimento de suas

necessidades,

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade , o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Para a efetividade dessa proteção integral, há a necessidade de que o Estado

articule, juntamente à sociedade, um conjunto de ações que vão desde a concepção

de políticas públicas até a realização de programas locais de atendimento por

entidades governamentais e não-governamentais. (ISHIDA, 2010). Faz-se também

necessária a prestação de assistência direta aos menores e suas famílias para a

concretização de todos os direitos fundamentais.

O ECA declara explicitamente em seu texto a configuração da criança e do

adolescente como pessoas dotadas de todos os direitos da personalidade:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990).

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O artigo em questão trata da preservação de seus direitos fundamentais

visando garantir de um pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e

social. A educação33 está inserida, implicitamente, em todos os direitos citados

acima, pois é através dela que crianças e adolescentes podem atingir o pleno

desenvolvimento, sendo livres e iguais. O artigo 53 endossa essa concepção e

repete os preceitos constitucionais:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV - direito de organização e participação em entidades estudantis; V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais. (BRASIL, 1990).

O artigo 53, além de garantir o direito à educação a crianças e adolescentes,

deixa claro os direitos referentes ao respeito e à participação que os alunos têm em

relação à escola. Pelo texto acima, pode-se observar que há uma busca a

assegurar ao menor a melhor prestação do serviço educacional e também de se

promover o respeito pleno por parte de seus educadores. Ora, a partir de uma

convivência escolar calcada no respeito mútuo, a educação será fornecida de

maneira eficaz, resguardando-se a dignidade moral e psíquica do aluno. A esse

respeito, Válter Kenji Ishida (2010), afirma:

O direito à educação é direito subjetivo da criança e do adolescente, devendo ser garantida pelo Estado. Elenca o dispositivo os direitos do menor quanto ao acesso e permanência, devendo haver critérios claros e isonômicos por parte do responsável legal: Diretor, Delegado de Ensino e Secretário da Educação. Ainda elenca referida norma o direito de respeito pelos educadores, o direito a contestar critérios avaliativos, de organização em entidades estudantis bem como o acesso a escola pública e gratuita. Aos pais, cabe-lhes o direito de participação. (ISHIDA, 2010, p.124).

As escolas devem possuir normas que regulamentem o seu funcionamento e

seus métodos avaliativos. Essas normas darão maior exatidão ao processo

educacional implementado na escola, estabelecendo direitos e deveres que devem 33 Aqui referenciando ao conceito amplo de educação, que é o desenvolvimento pleno do indivíduo.

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ser cumpridos por todas as partes envolvidas nesse processo.

Em seu artigo 54, o ECA reafirma os direitos e princípios determinados na

Constituição e também na Lei de Diretrizes e Bases da Educação:

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador; VII - atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência à escola. (BRASIL, 1990).

Novamente tem-se, agora sob a ótica do Estatuto, o direito à Educação como

um direito fundamental da pessoa e garantia inafastável. Em conformidade com a

Constituição, este texto também determina aos pais o dever de matricular os

menores na rede regular de ensino, como se lê no artigo 55 do ECA: Art. 55. “Os

pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede

regular de ensino”. (BRASIL, 1990).

Há que se ressaltar que a determinação de matrícula obrigatória tem um

significado que vai além da mera educação formal, pois preserva ainda o direito à

convivência social, que proporciona ao menor experiências diversas do simples

aspecto da alfabetização.

E o Estatuto traz como punição para o descumprimento das determinações de

matrícula dos menores à rede regular de ensino, a determinação de obrigatoriedade

de matrícula compulsória dos filhos na rede escolar, como determina o artigo 129:

Art. 129 - São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: […] V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar. (BRASIL, 1990).

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Deve-se enfatizar que somente os pais podem ser responsabilizados pelo

delito de abandono intelectual, que é previsto no Código Penal, artigo 24634. Nesse

âmbito,

A obrigação do genitor ou responsável legal elenca-se dentro dos mandamentos do art. 22, no que tange à garantia da educação. O descumprimento implica aplicação da medida de proteção mencionada no artigo 129, inciso V, do ECA, e o cometimento do delito do art. 246 do CP somente pelos genitores. (ISHIDA, 2010, p.131).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) representa a

legislação de amparo e proteção aos menores, que traz claramente em seu corpo o

direito à educação formal e considera a convivência social um direito fundamental. O

ECA tem a função de proteger os menores e, a partir dessa finalidade, reafirma a

obrigatoriedade paterna de matricular os filhos na rede regular de ensino, na

proteção destes ao direito personalíssimo da educação.

A Constituição (BRASIL, 1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

(BRASIL, 1996) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990)

caminham no sentido de garantir aos incapazes o direito à formação completa de

sua personalidade. A meta de todos esses documentos é que o menor obtenha a

educação plena e, ao mesmo tempo, seja protegido pelo Estado, pela sociedade e

pela família, principalmente por esta última. Portanto, a criança e o adolescente são

vistos, pela lei, como sujeitos de direito e, como tal, não podem ficar à margem do

processo educacional. Ao contrário, crianças e adolescentes devem ter acesso ao

único instrumento que os levará à prática social e à construção de seus próprios

conceitos pessoais. Fora dos limites e preconceitos familiares, a educação – e

apenas ela – proporciona ao aluno uma busca constante do amadurecimento de sua

cidadania. Por tudo isso, pode-se dize que

A reafirmação do valor da instituição se dá não só lócus de transmissão de conhecimentos e de zelo pela aprendizagem dos estudantes. Ela é uma forma de socialização institucional voltada para a superação do egocentrismo pela aquisição do respeito mútuo e da reciprocidade. O amadurecimento da cidadania só se dá quando a pessoa se vê confrontada por situações nas quais o respeito de seus direitos se põe perante o respeito pelo direito dos outros. (CURY, 2006, p.685).

34 Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. (BRASIL, 1940)

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5.4 Breves notas sobre a educação domiciliar na leg islação estrangeira

Como foi dito, no Brasil, desde a Carta Constitucional de 1988, existe a

proibição à prática do ensino domiciliar. Assim, atualmente a educação se configura

como um instrumento que deve propiciar a igualdade social e o direito de

convivência social aos menores. Nesse processo, há uma clara distinção entre a

educação formal das demais (também já expostas neste trabalho).

É importante ressaltar que alguns países ainda utilizam o método de

educação domiciliar. Inclusive no Brasil, apesar de proibida, essa prática é solicitada

por alguns pais. No inglês, o termo usado para designar o ensino domiciliar é

“Homeschooling”. Traduzindo-o ao pé da letra, pode-se entendê-lo da seguinte

forma: "home" = lar, casa + "schooling" = escolarização. Em português, seria

“educação domiciliar”, "aprender fora das escolas institucionalizadas" ou ainda

"aprender em casa". (ALVES, 2010).

Em alguns países (como Austrália, Japão, Nova Zelândia, Canadá, África do

Sul, Reino Unido e Estados Unidos) o “Homeschooling” conta com apoio oficial e

legislação própria. (BOUDENS, 2001). Nos Estados Unidos, por exemplo, a

legislação é dividida por Estados, cabendo a eles dar maior ou menor ênfase à

questão.

A National Homeschool Association observou que "o homeschooling é legalmente permitido em todos os 50 estados dos EUA, mas as leis e regulamentações são muito mais favoráveis em alguns estados do que em outros." Por exemplo, o estado de Oklahoma é considerado mais amistoso em relação ao homeschooling, pois os pais não são obrigados a contactar as autoridades do estado antes de começarem a educar seus filhos em casa. No estado de Massachusetts, entretanto, a regulamentação é ferrenha (aprovação de currículo, avaliação de trabalhos dos alunos, etc.). (LYMAN. 2008).

Entretanto, em todos os países mencionados, a educação domiciliar existe

paralelamente à educação formal. Assim, para que seja praticado o ensino nos lares,

é necessário regulamentação dos currículos escolares, carga horária, qualificação

profissional dos pais, inspeção e aferição de rendimento dos alunos. (BOUDENS,

2001).

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O Homeschooling representa, portanto, um movimento cujo objetivo é a

legitimação da prática, que é vista como um fator impeditivo de convivência social do

menor. Exatamente por isso, o Homeschooling pretende alcançar o reconhecimento

da educação domiciliar nos países onde essa prática não é regulamentada, assim

como busca sua legitimação nos locais onde ela é legalizada:

Merece uma atenção analítica a defesa da chamada educação (escolar) doméstica, ou na versão inglesa home scholling. Ela vem sendo postulada por famílias interessadas nessa forma doméstica de educação escolar. Constata-se a existência de movimentos em prol da legalização dessa forma escolar, sobretudo, onde não haja um reconhecimento legal dessa proposta e em defesa de uma legitimidade onde essa legalização já existe. (CURY, 2006, p.668).

Os defensores desta prática alegam que o ambiente escolar é perigoso e, às

vezes, violento. Apontam, ainda, o risco dos menores sofrerem algum tipo de

violência moral - denominada Bullying - como se lê nas palavras de Rubem Alves:

Há a insatisfação com as escolas, o temor em relação ao seu ambiente, interno e externo. Os pais temem pela integridade física dos filhos. O que é compreensível em ambientes onde existe violência. Há também as situações em que as crianças e adolescentes são vítimas de bullying. Ir à escola é um sofrimento diário e silencioso. A provisão legal da possibilidade de estudar em casa eliminaria esse sofrimento que atinge milhares de crianças e adolescentes. (ALVES, 2010).

Deve-se ressaltar que, mesmo nos países onde a prática do Homeschooling é

permitida, ela não é completamente aceita, pois a escola representa um papel

importante em toda sociedade democrática. Uma série da TV Americana chamada

The O'Keefes (2003), narrava a vida de uma família que praticava o ensino

domiciliar, fazendo-o de forma bem pejorativa. Esse fato leva à compreensão de que

as crianças adeptas à prática conviviam muito restritamente no âmbito familiar. Além

disso, elas passavam por situações bem constrangedoras ao adentrarem as

vivências da adolescência.

Não compete a este trabalho adentrar a legislação específica dos demais

países, mas cabe a ele ressaltar que alguns Estados, como o da Califórnia, possuem

um código educacional próprio, que dita regras rígidas para e educação domiciliar.

De acordo com esse código, a educação domiciliar deve cumprir padrões rígidos,

como o horário mínimo. As crianças devem ser submetidas às aulas no período

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compreendido entre às 8 da manhã e às 16 horas, e os pais devem possuir uma

formação específica para realizar a prática educacional. (HOMESCHOOL

ASSOCIATION OF CALIFORNIA, 2007).

Portanto, sabe-se que a legislação escolar de alguns países permite esta

prática, mediante, é claro, legislação específica. Para que tal prática não prejudique

os alunos, há que se seguir o contexto próprio das organizações escolares desses

países, e não apenas retirar os filhos da rede escolar sem utilizar critérios para isso.

5.5 O valor da instituição escolar

A instituição escolar passa por diversas críticas que não podem ser

descartadas. No entanto, tais críticas devem considerar a situação socioeconômica

do país. A distribuição precária de renda contribui, e muito, para a baixa qualidade

de rendimento dos alunos na rede pública de ensino. Daí a importância de políticas

públicas que incentivem o acesso e a permanência na escola. Observa-se que

vários problemas ocorridos na escola não pertencem a ela, mas que estão nela. Do

mesmo modo, há problemas próprios que estão presentes na escola, como o

despreparo de alguns profissionais. (CURY, 2002).

Diante de tudo isso, o que é inegável é que os problemas socioeconômicos

afetam diretamente a escola, o que pode favorecer a violência, por exemplo. No

entanto, esses mesmos problemas decorrentes da falta de estrutura financeira

podem ser encontrados em outros ambientes sociais e não apenas no âmbito

escolar.

Os problemas nacionais aumentam ainda mais as desigualdades sociais, pois

as pessoas que possuem maior poder aquisitivo vão cada vez mais se

especializando em alguma área, o que contribui decisivamente para uma bem-

sucedida trajetória profissional. Por outro lado, as pessoas menos favorecidas

enfrentam muitas dificuldades em dar continuidade aos seus estudos. Muitas vezes,

até mesmo permanecer na escola torna-se um desafio para muitas delas.

Exatamente por isso, é preciso que o Estado aja cada vez mais em favor das

classes que passam por maiores dificuldades, para que assim se evite a evasão

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escolar, que agrava ainda mais as distorções sociais.

Entretanto, a escola não perde em nenhum momento a sua característica

fundamental, que é a de representar a esperança de se eliminar, ou pelo menos

suavizar, as desigualdades sociais, as quais afetam toda a prestação de serviço no

país., através da especialização do conhecimento.

Na escola os jovens têm acesso à diversidade cultural, podem confrontar os

valores que possuem e descobrir conceitos novos, desde que sejam acompanhados

pela instituição em parceria com a família:

[...] Os alunos podem personificar diferentes grupos sociais, ou seja, pertencem a grupos de indivíduos que compartilham de uma mesma definição de realidade, e interpretam de forma peculiar os diferentes equipamentos simbólicos da sociedade. Assim, apesar da aparência de homogeneidade, expressam a diversidade cultural: uma mesma linguagem pode expressar múltiplas falas. (DAYRELL, 2001, p.142).

A Escola não deve acabar, o que deve acabar é a escola para ricos e para

pobres. A instituição escolar tem que ser o primeiro espaço a refletir os valores da

cidadania e da democracia. A formação dos iguais inicia-se na educação infantil, que

tem que primar pela qualidade. É preciso que o Estado se preocupe cada vez mais

em oferecer um ensino não apenas gratuito, mas, principalmente, de qualidade.

Educação de qualidade não deve ser um privilégio reservado apenas à rede privada.

No entanto, para que isso seja possível, há que se ter primeiramente uma

comunidade participativa, que cobre seus direitos, na qual os pais recebam o papel

mais importante desta construção.

Os pais não podem simplesmente querer tirar seus filhos da escola e impor a

eles uma educação ministrada dentro de casa. Ora, a educação domiciliar não

reflete os valores amplos da sociedade, que cada vez mais especializa suas redes

de convivência social. A educação formal desenvolve valores e objetivos que jamais

serão alcançados em outros âmbitos educacionais, principalmente no ambiente do

lar, onde não há troca de experiências entre o aluno e seus colegas e/ou

professores. Em casa não há interação, não há crescimento humano, não há

aquisição de valores e princípios capazes de formar, sozinha, a personalidade da

criança ou do adolescente. Nessa perspectiva, considera-se

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[...] a educação como promotora de mecanismos de inclusão social. Entende-se por inclusão as formas que promovem o acesso aos direitos de cidadania, que resgatam alguns ideais já esquecidos pela humanidade, como o de civilidade, tolerância e respeito ao outro; contestam-se concepções relativas às formas que buscam, simplesmente, integrar indivíduos atomatizados e desterritorializados, com programas sociais compensatórios. (GOHN, 2006, p.6).

A escola, por seu papel socializante, pode ser considerada um instrumento

eliminador de diferenças sociais. É neste ambiente que se constrói o Homem, indo

muito além de um prédio físico. Responsável pela educação formal, a escola é o

ambiente de idealização da democracia.

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Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle.

Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono.

Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados.

O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar.

Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros.

O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

Rubem Alves

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6 CASOS RECENTES DA MÍDIA

O Estado, além de oferecer as garantias mínimas ao desenvolvimento da

pessoa humana (em todos os aspectos), tem também como dever fiscalizar o

cumprimento de suas leis.

Como mencionado, determinadas pessoas gozam de proteção diferenciada,

pelas características especiais que possuem - como os menores de idade e os

idosos, que recebem do Estado proteção integral. (ALMEIDA; RODRIGUES

JÚNIOR, 2009).

Muitas vezes ocorrem divergências e impasses sociais, nos quais o Estado

deve intervir para que tais conflitos sejam solucionados. Para tanto, têm como

instrumento o Poder Judiciário, o qual atua como intérprete da lei, adequando-a a

cada caso concreto, de forma que a Justiça e os ideais de nossa Nação sejam

preservados. Assim,

[...] seu mister é ser o verdadeiro da Constituição, com a finalidade de preservar, basicamente, os princípios da legalidade e igualdade, sem os quais os demais tornariam-se (sic) vazios. Esta concepção resultou da consolidação de grandes princípios de organização política, incorporados pelas necessidades jurídicas na solução de conflitos. (MORAES, 2010, p.504).

Recentemente destacam-se duas importantes divergências sobre o direito dos

pais de escolherem livremente a educação que será dada a seus filhos menores e

que foram abordados pela mídia em geral, - gerando uma discussão em torno da

sociedade -, sobre a quem pertenceria esse direito, se aos pais ou aos filhos. Não

possuem os pais liberdade na escolha dos métodos de educação aos quais são

submetidos seus filhos?

Essa discussão abordou os reais (e muitos) problemas enfrentados pela

realidade educacional - como a falta de recursos e de investimentos neste campo, o

despreparo de alguns professores e o descaso de algumas famílias que delegam à

escola não apenas o dever de transmitir ao aluno a educação formal, mas também o

de “criá-lo”. Há uma visão distorcida sobre o real papel da família e o da escola, e

isso tem gerado graves transtornos no delineamento das responsabilidades.

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É importante ressaltar que a educação passa por uma crise generalizada em

sua estrutura, o que também acontece com a saúde e a segurança. A política

nacional não se apresenta mais como um método eficaz para a solução de

determinados conflitos. Consequentemente, o país enfrenta uma grave crise

estrutural, decorrente, em muito, do despreparo de seus governantes e também da

população, que ainda não sabe utilizar de forma correta os instrumentos que a

democracia lhe proporciona.

Para usufruir de forma plena os benefícios trazidos pelo Estado Democrático,

é necessário que se tenha uma população, conhecedora de seus direitos e

cumpridora dos seus deveres, o que somente será possível através de uma

educação de qualidade, tanto no âmbito escolar quanto no doméstico.

Desse modo, a população precisa conhecer o seu papel social e buscar meios

para que os serviços por parte do Estado sejam prestados com a máxima qualidade

e melhor aplicação dos recursos públicos. Quando, ao contrário, a sociedade traz

para si a responsabilidade da prestação do serviço que caberia ao Estado, a única

consequência que se tem é o aumento das desigualdades sociais.

É interessante que existe todo um questionamento a respeito da educação

domiciliar. No entanto, ninguém cogita a ideia de se operar uma criança em casa,

por exemplo. Ora, se os pais entendem claramente a necessidade de um ambiente

diferenciado para a prestação dos serviços relacionados à saúde, por que não o

entendem em relação à educação, que é um direito tão fundamental quanto a

saúde?

O contexto atual revela-nos a má interpretação dos deveres paternos, e até

mesmo o enfoque equivocado que se dá à criança e ao adolescente dentro do

ordenamento jurídico. O menor nem sempre é visto plenamente como um sujeito de

direito, mas como uma extensão das figuras materna e paterna. Sabe-se que até

bem pouco tempo atrás praticou-se a educação domiciliar (VASCONCELOS, 2005),

de maneira que a educação formal, ministrada dentro das instituições escolares, não

recebia o destaque merecido.

A partir da concepção da educação como um direito fundamental, abriu-se

uma acirrada discussão a respeito do tema e algumas questões ainda ecoam dentro

dos Tribunais. Afinal, será a educação um direito paterno ou um direito do menor? A

educação livre consiste na autonomia paterna de escolher e determinar a forma, o

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método e o local a serem ministrados? Diante desse impasse, discutiu-se se há uma

real limitação do poder parental na educação dos filhos e, exatamente como diz o

texto constitucional, na liberdade de escolha à educação dos filhos.

A questão do afeto, que surge implícito no atual ordenamento, modifica a

ótica das relações familiares, dissociando um quase direito de propriedade das

relações parentais para um núcleo de assistência. Nesse sentido,

A ascensão do afeto como núcleo epistemológico do Direito de Família provocou uma grande revolução e remexeu as bases da própria Teoria Geral do Direito, diante do tumulto gerado pela interpretação da afirmação de que o afeto - sentimento - tem valor e, por certo, eficácia jurídica. (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2010, p.174).

Dentro deste contexto, dois casos interessantes chegaram ao conhecimento

da mídia e foram muito debatidos pela sociedade, com características que merecem

análise. Trata-se de dois casais, um residente em Timóteo e o outro, em Anápolis.

Em momentos diversos, decidiram aplicar em seus filhos o sistema do ensino

domiciliar (popularmente denominado homeschooling). Como já foi colocado, essa

prática é adotada em alguns países, e permite aos pais educarem seus filhos dentro

de suas próprias residências. Nesse sentido, as disciplinas são ministradas pelos

pais ou por terceiros escolhidos por eles, em conformidade a legislação pertinente

desses países. (IOSCHPE, 2008).

Em ambos os casos - considerados a fundamentação de outros países para a

liberação do ensino domiciliar - os pais, alegando insatisfação com o ensino regular

oferecido pelo Estado, retiraram os filhos da escola e partiram para a prática do

ensino domiciliar. Esses pais clamavam por um direito paterno quanto à educação

de seus filhos, por uma liberdade na escolha do ensino direcionado a eles.

No entanto, os casos em questão possuem algumas diferenças estruturais

básicas, as quais serão tratadas distintamente.

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6.1 Primeiro caso: Timóteo

Conforme relatou o especialista em educação Gustavo Ioschpe (2008), o

casal formado por Cleber de Andrade Nunes e Bernadeth de Amorim Nunes,

residente na cidade de Timóteo (Minas Gerais), possuía dois filhos em idade escolar

(J.A.N.A e D.A.N.A., na época com 14 e 15 anos, respectivamente). No entanto, o

casal optou por não matricular os filhos na rede escolar de ensino. Essa decisão,

tomada em 2006 pelo casal, foi decorrente da opinião que tinham os pais a respeito

do ensino aplicado no país. Segundo eles, o ensino oferecido na escola era de má

qualidade e, além disso, havia um confronto entre os conceitos morais da família e

os transmitidos pela escola, o que, de acordo com os pais, seria prejudicial ao

desenvolvimento dos menores.

O caso foi denunciado ao Conselho Tutelar pelos vizinhos do casal. Após

comparecerem ao Conselho, os pais confirmaram o ato e afirmaram que os filhos

não retornariam ao sistema de ensino. Por essa atitude, desrespeitaram as

orientações do órgão, o que culminou num termo de encaminhamento ao Ministério

Público. (GUIMARÃES, 2010).

O Ministério público denunciou o casal pela prática do crime de abandono

intelectual, na forma do artigo 246 do Código Penal: “Deixar, sem justa causa, de

prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena - detenção, de quinze

dias a um mês, ou multa.” (BRASIL, 1940). Os pais foram também processados

civilmente com base no artigo 1.634 do Código Civil, artigos 22 e 55 do Estatuto da

Criança e do Adolescente. De acordo com o Artigo 1.634, "Compete aos pais,

quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação". (BRASIL,

2002c). Segundo o Art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “Aos

pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-

lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as

determinações judiciais.” Já o Art. 25 desse mesmo Estatuto reza: “Os pais ou

responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de

ensino”. (BRASIL, 1990).

No processo que tramitou perante segredo de justiça, o casal foi condenado,

em primeira instância civil, no processo de abandono intelectual, por infringir o ECA.

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Como pena, os pais receberam uma multa de 12 salários mínimos e foram obrigados

a rematricular os filhos na rede regular de ensino. O casal, então, impetrou um

recurso contra a decisão do juiz e o processo tramite perante o Tribunal de Justiça

de Minas Gerais:

Na esfera civil, Cleber e Bernadeth foram condenados, por infringir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao pagamento de multa de 12 salários mínimos e obrigados a rematricular os filhos na escola. Eles recorreram e o processo tramita no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. (IOSCHPE, 2008).

No processo criminal as crianças seriam submetidas a uma avaliação através

de cronograma definido pela Secretaria de Estado de Educação e pelo Ministério

Público Estadual (MPE) para avaliar se houve ou não o crime de abandono

intelectual. (IOSCHPE, 2008) A justiça poderia se posicionar a partir dessa avaliação

(na qual os menores obtiveram boas notas - 68% e 65% - e da avaliação do estudo

social efetuada pelo Serviço Social do Fórum de Timóteo. (IOSCHPE, 2008).

No dia 22 de fevereiro de 2010 o juiz Augusto Gardesani, do Juizado Especial

Criminal da comarca de Timóteo, condenou o casal por abandono intelectual dos

menores. (GUIMARÃES, 2010).

Através de um email enviado a Gustavo Ioschpe, colunista da revista Veja,

Cleber, o pai dos adolescentes, muito antes da condenação criminal, manifesta sua

indignação e defende o seu direito paterno da seguinte forma:

Oi Gustavo, meu nome é Cleber. Acabo de ler seu artigo "Dever do próximo presidente: vetar a expansão curricular". Achei oportuno te enviar este e-mail. Minha esposa e eu fomos processados pelo Ministério Público por crime de abandono intelectual, porque nossos filhos estão sendo educados fora da escola. Mesmo após terem sido aprovados em 7º e 13º lugares em uma faculdade particular aos 13 e 14 anos. A Justiça ignorou o resultado e fomos condenados sem que nos permitissem exercermos o direito de ampla defesa. Não tiveram nem a curiosidade de checar se foi pura sorte ou se os garotos realmente estavam preparados. Só um ano e meio depois, no processo criminal, decidiram testar os meninos. A justiça oficiou a secretaria de educação para avaliarem os garotos. Foi então convocada uma equipe de 16 profissionais que trabalharam tempo integral por duas semanas para elaboração das provas que foram: matemática, português, história, ciências, geografia, inglês, artes e até educação física. O objetivo da determinação judicial foi averiguar se estava realmente havendo o crime de abandono intelectual, mas parece que os pedagogos convocados entenderam que deveriam avaliar se os meninos estavam aptos a cursar uma universidade. Caíram até questões extraídas de vestibulares da UFMG, PUC, Enem. Mas o tiro acabou saindo pela culatra. Os meninos

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foram aprovados com médias 68 e 65 em testes que grande parte dos estudantes, até mesmo do ensino médio, falhariam. Resta saber qual será a decisão da "Justiça". Se permitirão seguir nosso caminho ou se nos condenarão por colocarmos a mão na massa e fazer o que o estado assumidamente não tem conseguido fazer. Gostaria de ouvir sua opinião sobre este fato. A escola cumpre sem dúvida um papel importante na sociedade. Mas teria o estado o direito de obrigar a todos os pais darem a seus filhos a educação básica exclusivamente em instituição de ensino? Afinal, não trata o artigo 206 da Constituição do pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas? Quais seriam os limites deste pluralismo? Estou à disposição para conversarmos a respeito. Cleber de Andrade Nunes. (IOSCHPE, 2008).

O pai dos adolescentes mantém o seu discurso diretamente ligado à questão

única da educação formal, e entende como absoluto o direito dele e de sua esposa

de educar os menores. No entanto, no posicionamento do pai frente à educação dos

filhos, vê-se que não há uma preocupação no que tange à formação de valores

diversos, assim como não se leva em conta a possibilidade dos menores

confrontarem os ensinamentos passados por seus genitores. Além disso, não é

considerado o isolamento que é imposto aos menores em relação aos conflitos

sociais típicos da adolescência, fase que os garotos somente vivenciarão junto a

seus pares.

Ainda que esses jovens participem de outras atividades sociais, fora do

âmbito escolar, a escola tem valores próprios e situações que pertencem somente a

ela. Entretanto, o que não foi dito nesse email e que justifica em muito a retirada dos

filhos da rede regular de ensino é a questão religiosa.

Há que se considerar, também, que os pais não possuem conhecimento

técnico em todas as áreas, fato que não aconteceria na escola. Ora, no ambiente

escolar há profissionais formados para atuarem especificamente em uma área, de

acordo com o conhecimento técnico que possuem.

Neste caso específico, os garotos receberam um currículo escolar

determinado pelos pais e não aquele oferecido aos demais adolescentes da rede

regular do ensino. Do mesmo modo, os jovens não seguem um padrão legal, pois

não há nenhuma legislação que regulamente essa situação educacional. Na

verdade, os menores recebem os conhecimentos escolhidos por seus pais, não

tendo, portanto, como ter acesso ao padrão curricular que o Estado entende como

formador de políticas sociais.

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Nos dois processos em que o casal figurou - um de Abandono material de

natureza criminal e outro de natureza civil - as sentenças foram proferidas. No

processo criminal, os menores obtiveram um bom desempenho escolar na avaliação

a que foram submetidos. Os menores foram submetidos, inclusive, à prova de

exame vestibular, na qual obtiveram ótima classificação, mesmo não tendo

concluído sequer o Ensino Fundamental. D.A.N.A. foi aprovado em 7º lugar e

J.A.N.A em 13º para o curso de Direito.

Porém, esse mérito não pode ser atribuído à educação domiciliar recebida

dos pais, mas a todo um contexto educacional ao qual foram submetidos desde o

início de sua alfabetização. Ora, os irmãos cursaram boa parte do Ensino

Fundamental na rede regular de ensino. D.A.N.A cursou até a sexta série do Ensino

Fundamental e J.A.N.A até a quinta série do Ensino Fundamental. Os meninos

frequentaram a escola até o ano de 2005, apenas no ano seguinte é que passaram a

receber a educação domiciliar. Como afirmou o pai dos menores, a partir de 2006 os

jovens passaram, durante um ano, por um processo de “desintoxicação escolar”.

Nesse “processo”, os menores possuíam horários livres para estudar, seguindo

métodos e horários determinados pelos pais, somente no ano seguinte. (IOSCHPE,

2008).

Em 2006, Davi e Jonatas passaram por um processo chamado pelo pai de desintoxicação escolar: Ficaram livres para estudar quando tivessem vontade e buscar os conhecimentos que eram interessantes a eles. No ano seguinte os estudantes passaram a seguir uma rotina mais rígida, com horários definidos para os estudos. Sozinhos, acompanhados dos pais ou de professores particulares, eles aprendem retórica, dialética e gramática, aritmética, geometria, astronomia, música e duas línguas estrangeiras - inglês e hebraico. Estudam, em média, seis horas por dia. (IOSCHPE, 2008).

O Poder Judiciário, em uma decisão proferida no processo criminal em 22 de

fevereiro de 2010, condenou o casal ao crime de abandono intelectual. O juiz em

sua sentença admitiu o debate, mas destacou a importância da escola na formação

dos alunos. Assim, os pais foram condenados não apenas à pena de multa, mas

também, na instância civil, a rematricularem seus filhos na rede regular de ensino.

Na sentença proferida em 22 de fevereiro de 2010, o juiz Eduardo Augusto Gardesani Guastini admitiu que o tema demanda "fervorosa" discussão entre aqueles que defendem o chamado homeschooling e os que se mostram contrários à metodologia. (GUIMARÃES, 2010).

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O magistrado, em sua decisão, perpassa pelos problemas sociais enfrentados

pelo Brasil admitindo-os, mas busca o enfoque constitucional e a fundamentação

para a aplicação da lei, de forma clara.

Não obstante ter mencionado que o Ministério da Educação tenha um dos piores sistemas educacionais do mundo e que o Brasil, nas avaliações internacionais de educação, figure sempre entre os últimos colocados, o magistrado destacou que a legislação é expressa em vetar tal prática no Brasil. (GUIMARÃES, 2010).

Para o juiz Guastini, citado por Guimarães (2010), a atual Constituição

Federal "cuida da educação como algo que transcende o implante de conhecimento:

é uma forma de preparo para o exercício da cidadania".

Entretanto, as condenações não representaram valores elevados, assim como

a sentença civil, pela qual os pais foram condenados a rematricularem seus filhos na

rede regular de ensino. Os pais não rematricularam os filhos, recorrendo da decisão,

a qual ainda se encontra em tramite.

"Na ação cível, o casal foi condenado ao pagamento de multa, bem como

restabelecer a frequência dos filhos à escola. Por motivos óbvios, os pais ignoraram

essa ordem judicial, proferida em dezembro de 2007". (GUIMARÃES, 2010).

Já na ação criminal, com sentença proferida em 2010, o juiz Eduardo Augusto

Guardesani Guastini, citado por Guimarães (2010), "estipulou uma multa simbólica:

Cléber terá que pagar multa equivalente a 1/10 do salário mínimo (R$ 51) e

Bernadeth, 1/30 do salário (R$ 17)".

Essas decisões jurídicas são de caráter educativo, elas demonstram a esses

pais que, por mais bem intencionados que estejam, o direito à educação não

pertence a eles. Esse é um direito fundamental dos menores, que têm o direito a se

desenvolver plenamente, construindo valores diferentes dos de seus pais. Do

mesmo modo, aos menores não pode ser negado o direito de formarem sua própria

personalidade, através das diversas formas de educação que recebem, e devem

receber.

A posição dos pais de descumprimento às determinações legais pode levá-los

a perder a guarda dos menores, afinal, os seus filhos não são obejtos que lhes

pertencem, são pessoas com personalidade própria, indivíduos diferentes deles e

que, portanto, merecem respeito a seus direitos fundamentais. Para garantir a

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plenitude dos direitos individuais, o poder judiciário deve primar pela obediência à

Constituição e aos valores sociais estabelecidos, de forma programática.

Ademais, a alegação feita por esses pais a respeito da prática do

homeschooling não procede, pois como mencionado, a educação domiciliar deve

seguir regras determinadas para a prática desse ensino. Ora, nos países onde essa

prática é adotada, as crianças são submetidas a avaliações do Estado que têm

como objetivo analisar a qualidade desta educação, que não consiste no mero

afastamento da criança da rede regular de ensino.

6.2 Segundo caso: Anápolis

Um casal residente na cidade de Anápolis (GO), com cinco filhos, também

optou pela prática do ensino domiciliar em três deles, que estavam em idade escolar.

(PAIS que educam os filhos..., 2001).

No entanto, este segundo caso diferencia-se do primeiro no seguinte aspecto:

o casal Nunes retirou os filhos da escola e o poder judiciário tomou conhecimento

dos fatos, pois foram denunciados pelos vizinhos. Já neste caso o casal recorreu ao

poder judiciário, buscando o reconhecimento do ensino ministrado a seus filhos, para

evitar que estes tivessem que se submeter a cursos supletivos para obterem o

diploma.

Desse modo, o casal Carlos Alberto Carvalho de Vilhena Coelho e sua

esposa Márcia Marques de O. V. Coelho, educaram em sua própria residência os

filhos Felipe, Gabriela e Pedro Henrique, que à época do processo tinham a idade de

9, 8 e 6 anos, respectivamente. (PAIS que educam os filhos..., 2001).

Nesta situação, os pais efetuaram a matrícula de seus filhos na rede escolar,

porém os menores não frequentavam as atividades regulares da escola,

comparecendo apenas para se submeter às avaliações escolares, o que não

garantiria sua aprovação, já que a lei exige, no mínimo, 75% de frequência às aulas.

O casal, no ano 2000, requereu ao Conselho Estadual de Educação de Goiás

(CEE), pleiteando o reconhecimento do ensino escolar ministrado por eles. O

Conselho Estadual de Educação (CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE

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GOIAS, 2010), por entender que o pedido extrapolava sua competência,

encaminhou o requerimento ao Conselho Nacional de Educação (CNE)

(CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2010). Este órgão recebeu o

requerimento e, através do Parecer nº 34/2000 da Câmara de Ensino Básico (CBE),

indeferiu-o. A referida decisão foi homologada pelo Ministro da Educação e

publicada no DOU de 18.12.2000, do qual se destaca o seguinte trecho:

Salvo melhor juízo, não encontro na Lei 9394/96 (sic), de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nem da Constituição da Republica Federativa do Brasil, abertura para que se permita a uma família não cumprir a exigência da matricula obrigatória na escola de ensino fundamental. (GOIÁS, 2000).

Contra a decisão que negou a pretensão do ensino domiciliar, os pais e os

menores impetraram um Mandado de Segurança, sob o número 7.407 - DF

(2001/0022843-7), (DISTRITO FEDERAL, 2001a) que tramitou perante o Superior

Tribunal de Justiça. Para impetrar o referido remédio, alegaram direito líquido e certo

de educarem seus filhos em casa, fazendo uma interpretação restritiva do dever de

educação e indo de encontro aos artigos legais que determinam a matrícula e

frequência dos menores à rede regular de ensino. Apesar de, neste caso, os

menores se encontrarem matriculados na rede de ensino.

O casal de Anápolis foi impetrante de mandado de segurança contra o

Ministro da Educação e solicitou também a inclusão do Colégio Imaculada

Conceição de Anápolis Ltda, na cidade de Anápolis, onde os seus filhos

encontravam-se matriculados.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou-se contrário ao pedido dos

pais. Houve por parte dos Ministros uma concordância plena a respeito do direito

líquido e certo alegado pelos pais como fundamento pelo remédio. Por outro lado,

entenderam falacioso o argumento de ser a educação um direito dos pais,

concebendo-a como um dever de fazê-lo em consonância com as diretrizes do

Estado e para a construção nos menores de uma formação plena para a vida. No

Voto da Ministra Laurita Vaz, destaca-se:

Educar é um processo bastante complexo. E, portanto, não pode ser encarado sob uma perspectiva singular, restrita. Há nesse processo pressupostos éticos, políticos e pedagógicos a serem observados, tendo em vista o objetivo que se pretende atingir ao final.

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[...] A Escola, com diretrizes traçadas pelo Estado, refletindo a cultura e os interesses da sociedade que representa, é uma das Instituições mais importantes para firmar os pilares fundamentais, os princípios balizadores para a formação do indivíduo, do cidadão. (DISTRITO FEDERAL, 2001a).

Os menores tiveram um bom desempenho escolar, como consta no relatório

do Ministro Francisco Peçanha Martins. No ano 2000 as crianças foram matriculadas

no Colégio Imaculada – em conformidade com o artigo 24, II, “c” da LDB - após

terem recebido a educação domiciliar. Entretanto, por não terem antes ocupado os

bancos escolares, os menores foram submetidos a uma prévia avaliação:

Art. 24. [...] II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita: c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino. (BRASIL, 1996).

Após serem submetidos à avaliação, pode-se constatar que todos estavam,

pelo menos, um ano à frente das séries correspondentes as suas idades. Esse fato

demonstra que a educação domiciliar, no caso deles, foi eficiente quanto à questão

instrumental. Entretanto, não há como avaliar as perdas efetivas quanto à falta de

convivência no grupo de iguais, pois a escola não tem como única função transmitir

ao aluno a educação formal. Novamente ressalta-se o voto da Ministra Laurita Vaz:

E essa formação não se restringe aos aspectos formais de conteúdos previamente estabelecidos. É mais que isso. O ambiente escolar possibilita o convívio com o diferente, com o igual, com o parecido, com o desconhecido. Aprende-se o significado da palavra participação. O aluno não é um mero receptor passivo, ao revés, é provocado a interagir, a opinar, a concordar ou discordar. Aprende-se o significado da palavra cidadão, do que é cidadania. (DISTRITO FEDERAL, 2001a).

Por todos os motivos acima elencados, decidiu o Tribunal, por maioria de

votos, a denegação da segurança. Nessa decisão foi ressaltada, acima de tudo, a

importância da escola, assim como as bases nacionais que direcionam e

fundamentam a educação. Essas diretrizes demonstram que a frequência à escola

não é um capricho governamental, mas a forma mais correta de direcionar a

educação de maneira completa, como se pode verificar na ementa decisória.

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EMENTA MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO FUNDAMENTAL. CURRICULO MINISTRADO PELOS PAIS INDEPENDENTE DA FREQUÊNCIA À ESCOLA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ILEGALIDADE E/OU ABUSIVIDADE DO ATO IMPUGNADO. INOCORRÊNCIA. LEI 1.533/51, ART. 1º, CF, ARTS. 205 E 208, § 3º; LEI 9.394/60, ART. 24, VI E LEI 8.096/90, ARTS. 5º, 53 E 129. 1. Direito líquido e certo é o expresso em lei, que se manifesta inconcusso e insuscetível de dúvidas. 2. Inexiste previsão constitucional e legal, como reconhecido pelos impetrantes, que autorizem os pais ministrarem aos filhos as disciplinas do ensino fundamental, no recesso do lar, sem controle do poder público mormente quanto à frequência no estabelecimento de ensino e ao total de horas letivas indispensáveis à aprovação do aluno. 3. Segurança denegada à míngua da existência de direito líquido e certo. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, denegou a segurança. Vencidos os Srs. Ministros Franciulli Netto e Paulo Medina. Votaram com o Relator os Ministros Humberto Gomes de Barros, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Laurita Vaz e Garcia Vieira. (DISTRITO FEDERAL, 2005).

O Poder Judiciário, na decisão deste remédio constitucional, analisou o

requerimento dos pais considerando os fatos alegados, como o bom

desenvolvimento dos menores na parte acadêmica, por exemplo. No entanto, o

órgão não desconsiderou a possibilidade dos menores frequentarem a escola –

conforme requerimento dos pais – e somente serem submetidos a avaliações. Ora, a

justiça entendeu a escola como o ambiente que desempenha um papel fundamental

na formação das crianças e dos adolescentes, lugar onde eles podem buscar a

complementação da educação recebida no âmbito familiar.

6.3 Análise dos casos

Nos dois casos, vê-se claramente que os pais alegam o direito à liberdade de

educação dos próprios filhos, tratando este direito como se fosse pessoal. Porém, de

acordo com o "Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos

menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,

carência ou enfermidade". (BRASIL, 1988).

O texto constitucional é bem claro quando menciona o dever dos pais na

educação dos filhos, e não direito dos pais à educação dos filhos. Apesar disso, os

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pais em questão buscam em seus argumentos demonstrar uma discordância entre

os valores escolares e os familiares, alegando que a escola não teria um papel mais

importante na educação dos filhos além da mera transmissão do conhecimento

formal. Partindo desse pressuposto, os casais descartam as experiências de vida

que seus filhos irão ser adquiridas através do convívio social.

Mas, afinal, o que pensam esses pais? Seriam os filhos propriedade paterna?

Ou uma mera extensão dos valores de seus genitores?

Em meio a tantos questionamentos, o que se percebe por parte dos pais é

uma real preocupação com o possível choque entre os valores familiares e os

transmitidos pela escola. Os pais temem algum tipo de confronto ético ou moral, mas

se esquecem de que tais confrontos são parte da educação informal, a educação

ampla. Ora, mesmo que os pais tentem proteger os filhos na fase inicial de sua vida,

isso não será possível durante toda a existência deles, de forma que mais cedo ou

mais tarde esses jovens estarão expostos a todo tipo de conflito, seja ele familiar,

ético, religioso, político ou moral.

Afinal, os filhos são criados para a convivência social e não para serem

colocados em uma redoma. Além disso, os pais devem confiar na educação que

transmitiram aos filhos, acreditando que eles seguirão por toda a vida os caminhos

trilhados pelos pais, independente do lugar onde estudaram. Como reflete Salomão,

no livro dos Provérbios, “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda

quando for velho, não se desviará dele". (PROVÉRBIOS, 2006).

Ademais, a escola tem outras funções na atualidade, além de ser o local

institucionalizado para a prática do ensino e convivência social dos menores. Sabe-

se que ela é também uma das formas que o Estado possui de fiscalizar as famílias

quanto ao cumprimento de seus deveres parentais. Sendo assim, a escola fica

obrigada a comunicar às autoridades os casos de maus tratos sofridos; do mesmo

modo, os professores podem (e devem) analisar o comportamento psicológico de

seus alunos.

Apesar dos problemas enfrentados pelos professores em relação à

superlotação das salas de aula e outros - o que não permite um acompanhamento

mais próximo dos alunos - a escola continua sendo um instrumento de supervisão

social. Exemplo disso é o caso de um casal, residente em Nova Jersey, que

praticava maus tratos aos seus seis filhos adotivos. As crianças foram tiradas da

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escola em 1995, o que impediu que o Estado tivesse notícia do fato anteriormente (A

ESCOLA dentro de casa…, 2003). Se as crianças frequentassem a escola, o caso

poderia ter sido descoberto anteriormente. Assim, pode-se afirmar que

A freqüência à escola pode servir também para que as autoridades fiquem sabendo se as crianças estão sendo tratadas adequadamente em casa. No mês passado, a polícia americana descobriu que os seis filhos adotivos de um casal de Nova Jersey estavam doentes e subnutridos, por negligencia dos pais. As crianças tinham sido tiradas da escola em 1995 e, oficialmente, recebiam educação em casa. Se estivessem na escola, os maus-tratos provavelmente teriam sido descobertos mais cedo. (A ESCOLA dentro de casa…, 2003).

Portanto, a escola deve ser vista de forma mais ampla, uma vez que ela

funciona não apenas como o ambiente no qual seus princípios são transmitidos, mas

é também um instrumento através do qual o Estado consegue fiscalizar os pais.

O âmbito escolar serve, ainda, como uma forma dos menores conhecerem

culturas e valores divergentes dos que receberam de seus pais, o que, de maneira

alguma, tem um cunho negativo, como acreditavam os casais citados anteriormente.

Ao contrário, a convivência com o Outro através da educação é saudável e

fundamental para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Nesse sentido, a

educação tem justamente o papel de fortalecer os valores os valores adquiridos em

casa, equilibrando-os com os estabelecidos pela escola.

Entretanto, não se pode garantir que os valores ministrados no ambiente

familiar estão isentos de preconceitos e equívocos - estes nos sentido mais amplo

do termo. Kant (1999) já nos alertava sobre a possibilidade de propagação dos

vícios paternos na educação domiciliar. Para que as crianças possam confrontar os

ensinamentos, e evitar a propagação de defeitos na formação, é necessário um

amplo convívio social, do qual, a escola se coloca como o ambiente mais sadio fora

do lar.

Para que a escola não seja a transmissora de valores inadequados é de

obrigatoriedade dos pais o acompanhamento do desenvolvimento escolar de seus

filhos, assim como a vigilância deles em todos os ambientes de convivência social

dos menores. Para que crianças e adolescentes não incorporem valores incorretos,

é necessário que os pais cumpram o dever de interagir com o ambiente escolar.

Nesse contexto, o desenvolvimento psíquico da criança se dá não pelo

isolamento dela, mas a partir da construção de seu discernimento. Ora, ninguém

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vive isoladamente, e a todo momento o Homem enfrenta situações de valoração e,

para superá-las, ele deve saber receber todas as informações recebidas e optar pela

mais adequada. No entanto, ele somente conseguirá optar por essa ou aquela

posição se possuir discernimento para isso, se essa capacidade foi desenvolvida de

forma correta e firmada em fortes valores morais - os quais devem ser transmitidos

pela tríade família, sociedade e Estado.

Na tentativa de se compreender o que teria levado os pais dos referidos casos

a retirarem os filhos da escola, foram localizados dois problemas principais na

cultura nacional, motivos que talvez tenham levado esses pais a tal atitude.

Em primeiro lugar, há uma falta de imputação de responsabilidades a crianças

e adolescentes, o que é comum à cultura latina. Nessa direção, a lei responsabiliza

pelo menor tão somente os pais ou os responsáveis legais. Entendendo-se

“responsável” como aquele que, por lei, responde pelo ato de um incapaz, pode-se

inferir que o texto constitucional afasta a ideia de criança e adolescente dotados de

personalidade e vontade próprias, o que permite aos pais decidirem por seu futuro,

inclusive educacional.

Na cultura latina, a criança é vista, muitas vezes, como uma extensão

paterna, uma projeção do desejo parental. Em contrapartida, a cultura anglo-

saxônica atribui maiores responsabilidades aos menores. Como se pode observar na

legislação americana, por exemplo, em diversos Estados o menor responde,

inclusive criminalmente, pela prática de seus atos.

Outro problema grave que se coloca em relação à educação domiciliar é a

visão que se tem da família como o agrupamento social mais confiável e

responsável, o qual busca para si responsabilidades exclusivas do Estado.

(LABURTHE-TOLRA; WARNIER, 2003). Não há por parte da sociedade uma cultura

de responsabilização do Estado, mas a resolução pelos particulares dos problemas

de políticas públicas. Exemplo disso é o que acontece com a segurança pública e a

saúde, que atravessam problemas estruturais graves, o que também ocorre com a

educação. Nesse sentido, observa-se que não há por parte da população

movimentos sociais em prol de responsabilização do Estado por esses direitos, mas

uma busca pela saúde particular (por meio de convênios), pela educação privada e

por uma segurança que não dependa do poder público.

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Por tal motivo, talvez não devesse se falar em punição para os pais que

buscam esse tipo de solução, como se lê no voto da ministra Laurita Vaz, no

mandado de segurança nº 7.407 - DF, impetrado no caso de Anápolis, Goiás.

[...] Antes mesmo de apresentar minha convicção como Magistrada, não poderia deixar de tecer breves comentários acerca da iniciativa dos Impetrantes. Pais. Sem qualquer intenção de criticar o sistema sócio econômico que tem prevalecido, o fato é que o ritmo hodierno de vida tem trazido como conseqüência insofismável a diminuição do tempo de convivência familiar, o que praticamente obriga os pais a confiarem boa parte de seus deveres para com os filhos a terceiros. E sem perder de vista esta realidade da chamada era da modernidade, é digna de elogios a iniciativa desses Pais, que lutam para ter sua prole mais próxima, numa demonstração clara de amor, carinho e dedicação, transpondo as barreiras de um estilo de vida em que o tempo é escasso. Não poderia, pois, deixar de consignar a minha admiração e prestar reverencias a esses Pais tão valorosos e ciosos de seus deveres. Contudo não posso olvidar da função em que estou investida, qual seja, a de Juíza. E como tal, meu dever é de dirimir as querelas, aplicando a Legislação vigente. Boa ou ruim, adequada ou inadequada, retrógrada ou progressista, oportuna ou inoportuna, é a Lei Vigente , elaborada, discutida, votada, aprovada e sancionada por legítimos representantes do povo, democraticamente eleitos, que deve disciplinar a vida em sociedade . É o nosso sistema, que pode não ser o ideal, mas é o que temos. (DISTRITO FEDERAL, 2001a, grifo nosso).

Ainda que de forma contrária à lei, é inegável que os pais em questão

demonstraram amor e preocupação com a situação de desenvolvimento educacional

de seus filhos. Eles agiram na certeza de que estavam aplicando de forma plena a

educação formal. Não se reconhece nesse ato uma infração grave no que se refere

ao amparo dos filhos, mas uma falsa interpretação da relação entre pais e filhos,

assim como dos deveres parentais. Até mesmo por excesso de zelo, fizeram estes

pais uma interpretação errônea da função escolar.

O psicólogo Lev Vygotsky citado por Rego (2001) comprovou como é

estimulante o convívio em turmas heterogêneas para o desenvolvimento das

crianças. Há um estímulo de diferentes áreas da inteligência humana bem como um

desenvolvimento considerável da tolerância diante do diferente, o que a educação

restrita à família não pode oferecer. Como o psicólogo destaca em sua obra, a

educação domiciliar é pobre e restrita a questões meramente instrumentais. Essa

mesma opinião é emitida por Teresa Cristina Rego, que possui uma obra acerca

desse estudo do psicólogo. A obra é intitulada: “Vygostski: Uma Perspectiva

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Histórico-Cultural da Educação”. (2001).

6.4 Educação: um problema do Direito

O Direito educacional, que tem como principal frente e fonte o Direito à

educação, constitui-se em um tema que tem início, mas não se esgota no Direito

Constitucional. (ANDRADE, 2010). Existe no Brasil uma vasta legislação (Quadro 1)

infraconstitucional, elaborada pelos estados e municípios dentro de sua competência

própria, bem como dos Conselhos de Educação, responsáveis por organizar e

fiscalizar o serviço dentro de seus âmbitos de competência.

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Legislação infraconstitucional

Leis/Decretos Ano

Lei n° 7.853 24 de outubro de 1989 (BRASIL, 1989)

Lei n° 8.069 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990)

Lei n° 8.859 23 de março de 1994(BRASIL, 1994)

Lei n° 9.394 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996)

Lei n° 10.048 08 de novembro de 2000 (BRASIL, 2000a)

Lei n° 10.098 19 de dezembro de 2000 (BRASIL, 2000b)

Lei n° 10.172 09 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001c)

Lei n° 10.436 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002b)

Lei n° 10.845 05 de março de 2004 (BRASIL, 2004a)

Decreto n° 3.298 20 de dezembro de 1999 (BRASIL, 1999)

Decreto n° 3.860 09 de julho de 2001 (BRASIL, 2001a)

Decreto n° 3.956 08 de outubro de 2001 (BRASIL, 2001b)

Decreto n° 5.296 02 de dezembro de 2004 (BRASIL, 2004b)

Decreto n° 5.397 22 de março de 2005 (BRASIL, 2005b)

Decreto n° 5.626 22 de dezembro de 2005(BRASIL, 2005c)

Decreto n° 5.773 09 de maio de 2006 (BRASIL, 2006b)

Decreto n° 5.904 21 de setembro de 2006 (BRASIL, 2006c)

Além de portarias e resoluções e pareceres que busc am organizar e delinear a educação no território nacional

Quadro 1: Legislação infraconstitucional Fonte: Elaborado pela autora

O Direito à educação é uma das faces do conceito de Dignidade da Pessoa

Humana. Afinal, é através da educação que a pessoa se torna capaz de se

desenvolver em sua plenitude. A educação é, portanto, um ramo complexo dos

direitos fundamentais que deve ser trabalhado juntamente aos demais ramos, tão

importantes também à concretização desse direito. Do mesmo modo, faz-se

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necessária uma interpretação desse direito que esteja em conformidade a sua real

extensão:

Portanto, cabe ao intérprete do direito educacional conhecer as limitações inerentes ao seu trabalho, não invadindo, assim, o mérito das opções pedagógicas ou políticas contidas na legislação infraconstitucional, que derivem legitimamente dos poderes conferidos aos órgãos produtores dos referidos atos normativos. (ANDRADE, 2010, p.186).

O direito à regulamentação das diretrizes educacionais deve perpassar pelas

questões que se apresentam mais importantes para a educação. Um desses fatores

é a troca de experiências, o que resulta na construção da cidadania, como preceitua

a Constituição. Dentro da vasta legislação educacional, utiliza-se como instrumento

para o desenvolvimento da cidadania a obrigatoriedade de jovens e crianças a

frequentarem a rede escolar de ensino, como fruto de um amadurecimento histórico.

Entretanto, apesar da questão educacional aparecer nos textos constitucionais

desde 1934, esse amadurecimento ainda é um processo que precisa se fortalecer

tanto para os governantes, como para a sociedade. Esse processo apenas passará

a ser uma realidade quando conseguir formar uma sociedade democrática, na qual

todos possuam as mesmas condições de competir com os demais.

Finalmente, é preciso ponderar que, em virtude de uma sistematização ainda timidamente amadurecida do direito educacional, muito do que será dado ao intérprete conhecer e resolver dependerá de uma verdadeira imersão no casuísmo, já que o material normativo disponível, apesar de extenso, porque desordenado, ainda se mostra, de longe, insuficiente para esgotar toda a disciplina. De fato, todo e qualquer ramo do Direito depende do enfrentamento do caso concreto e isso não seria um privilégio do direito educacional. Apenas pretendemos dizer, em acréscimo, que, em decorrência das incontáveis situações problemáticas que as relações educacionais suscitam no seu cotidiano, o casuísmo será primordial para que se coloque à prova e, quiçá, identifiquem-se novos princípios e institutos juspedagogicos específicos. O direito educacional mostra-se, pois, como ramo em constante expansão. (ANDRADE, 2010, p.188).

A discussão levantada pelos pais a respeito da possibilidade de prestarem a

educação domiciliar foi de enorme importância para a prática do direito educacional.

Com efeito, a partir de tal discussão, pôde-se confrontar interesses particulares e

avaliar o dever dos pais que, em ambos os casos, agiram guiados pelo amor e afeto

aos filhos, na tentativa de oferecer-lhes uma educação de qualidade. Entretanto, a

educação, que se apresenta como um direito personalíssimo, inclui não somente a

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compreensão de um currículo predeterminado, mas abarca toda uma gama de

conhecimentos práticos e cognitivos. Esses conhecimentos somente são adquiridos

através das múltiplas formas de convivência experimentadas pelo ser humano, que

necessariamente precisa conhecê-las durante o processo de seu desenvolvimento.

O Estado, ao se posicionar a respeito de questões por ele ditadas, confronta

algumas de suas estruturas fundamentais. A criação da norma decorre do poder

legislativo, que tem como função elaborar leis, as quais foram exaustivamente

estudadas e debatidas, e estão em conformidade com o ramo que lhes deu origem.

O direito à educação, por exemplo, deve ser legislado em conformidade com os

princípios pedagógicos e filosóficos que lhe deram embasamento, não constituindo

um mero capricho do corpo legislativo. Nesse âmbito, o Poder Judiciário apresenta-

se como o intérprete da Constituição, com o objetivo de lapidar a lei a fim de atender

as exigências do Estado Maior.

As decisões, nos dois casos, não foram simplórias a ponto de enfocar apenas

a matrícula escolar dos menores ou a determinação de frequência à escola. O que

esteve também em questão e foi de grande relevância é o direito à convivência

social oferecido pela escola, fator que tem um papel fundamental na construção da

cidadania. Ora, os ideais de democracia somente poderão ser desenvolvidos através

dos conflitos cotidianos, os quais são vivenciados pelo menor dentro do âmbito

escolar.

Desse modo, o Poder judiciário concebeu a criança e o adolescente como

sujeitos de direito, que devem ser respeitados em seus direitos fundamentais. Entre

esses direitos está a possibilidade de moldar sua personalidade além dos laços

familiares. Portanto, nessa decisão não houve nem há o intuito de colocar a escola

como o único ambiente de convivência social para os menores, mas como o primeiro

deles. Nas palavras de Hannah Arendt,

Normalmente a criança é introduzida ao mundo pela primeira vez através da escola. No entanto, a escola não é de modo algum o mundo e não deve fingir sê-lo; ela é, em vez disso, a instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de fazer com que seja possível a transição, de alguma forma, da família para o mundo. Aqui, o comparecimento não é exigido pela família, e sim pelo Estado, isto é, o mundo público, e assim, em relação à criança, a escola representa o mundo, embora não seja ainda o mundo de fato. Nessa etapa da educação, sem dúvida, os adultos assumem mais uma vez uma responsabilidade pela criança, só que, agora, essa não é tanto a responsabilidade pelo bem-estar vital de uma coisa em crescimento como por aquilo que geralmente

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denominamos de livre desenvolvimento de qualidades e talentos pessoais. (ARENDT, 1979, p.238).

Não há que se fazer aqui um comparativo às legislações alienígenas, pois a

educação é parte estruturante do próprio direito a que um Estado se submete. As

práticas educativas devem ser prestadas em conformidade com os ditames de uma

sociedade democrática baseada nos princípios da igualdade e dignidade. Dessa

forma, não se pode permitir a ninguém a infringência aos direitos fundamentais de

seus semelhantes, ainda que essa infração seja alegada pelo argumento do afeto,

como fizeram esses pais.

A educação é a forma de o Estado propiciar a seu povo liberdade de

pensamento e de consciência. A partir da construção do pensamento livre, é dever

do Estado oferecer à sociedade uma educação de qualidade, que prima pela melhor

interpretação do texto Constitucional.

Clarividente a fundamentabilidade da educação para que se concretize a

liberdade de um povo, ela também é requisito mínimo para uma vida digna. Resta ao

Estado, então, o desafio de concretizar o direito à educação e o acesso de todos à

educação escolar de qualidade. E, claro, que esta educação contribua para a

construção de uma sociedade justa e igualitária.

A regulamentação da educação e sua forma de concretização são partes

integrantes da construção de um Estado Digno, devendo ele primar pela proteção

desse direito a todo cidadão.

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7 CONCLUSÃO

Na empreitada humana de garantir às pessoas dignidade e cidadania, a

educação surge como um direito fundamental merecedor de proteção e garantias. O

Estado Democrático trouxe alguns aperfeiçoamentos à educação, que cresce como

ferramenta para o desenvolvimento dos ideais de respeito e justiça.

A educação, instrumento humano de liberdade e direito fundamental do

Homem, caracteriza-se como um dever do Estado, da família e da sociedade, cada

qual com um papel diferenciado nesse processo, mas extrema e igualmente

importantes.

Constatou-se com a presente pesquisa que a educação tem evoluído, mas

necessita, ainda, de uma maior atenção não apenas dos responsáveis pelas

políticas públicas, como também de todos os profissionais que se vinculam, de

alguma forma, à seara pedagógica, a fim de ocupar o espaço que lhe é devido, vale

dizer, a prioridade dentre as missões estatais.

Ao longo da história, as formas de transmissão do conhecimento se

transformaram e a escola foi, concomitantemente, sendo consolidada como o local

próprio e específico para a formação das crianças e adolescentes, daí a ínsita e

amalgamada relação entre educação e escola.

Assim, a escola é, por excelência, o ambiente para se desenvolver a

educação formal, de responsabilidade do Estado, caracterizada pelo caráter

instrumental e devida a toda pessoa, indiscriminadamente, sendo regida por

princípios constitucionais amplos, com intuito de construir a democracia.

Além da educação formal, há ainda a informal e a não-formal. Não-formal é

aquela que se adquire em espaços coletivos, mediante o compartilhamento

intencional de experiências, o que se dá, efetivamente, em associações,

agremiações, sindicatos ou agrupamentos similares. A informal é marcada pelos

valores próprios da sociedade e do núcleo familiar onde o indivíduo se encontra

inserido.

A família é, logo, o ambiente em que se desenvolve a educação informal. Não

que as demais formas de educação estejam excluídas de seu escopo; antes, pelo

contrario, é na família que a criança e o adolescente fundamentam-nas. Portanto, a

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construção de preceitos morais que nortearão todo o desenvolvimento da criança e

do adolescente ocorre no seio familiar.

Configura-se, então, a família como a instituição responsável pelo

desenvolvimento sadio de seus membros, na qual todos são dignos de respeito e

proteção. Se não há diferenciação hierárquica entre eles, as crianças e adolescentes

não se apresentam pertencentes aos genitores, não sendo, consecutivamente,

guiadas a seu bel prazer, tal qual previsto em legislações obsoletas.

O Estado, na busca de garantir um desenvolvimento saudável às crianças e

adolescentes, transformando-os em sujeitos individualizados em seus anseios e

sonhos, criou mecanismos próprios de limitação aos pais no exercício do poder

familiar. Essas limitações não são meras limitadoras dos direitos parentais, mas

forma de garantir à criança e ao adolescente uma formação plena, com o intuito de

desenvolver não somente o aprendizado, mas outras necessidades sociais, tais

como a de convívio.

Nesse contexto, a Escola apresenta-se primordial, desenvolvendo diversos

papéis, desde ambiente de transmissão do saber formal até local propício às

necessárias interações sociais. Nela, e somente nela, o educando pode desenvolver

experiências singulares e imprescindíveis.

A legislação nacional, numa correta divisão da educação domiciliar e da

formal, criou mecanismos para garantir a educação escolar a todos as crianças e

adolescentes, determinando aos pais a obrigatoriedade de matrícula e de controle

de frequência de seus filhos à Escola.

Dessa forma, a educação atua incisivamente na construção da cidadania, que

se baseia no respeito às diferenças, na valorização dos mecanismos democráticos,

no fomento à autonomia intelectual e crítica, agindo como transformador histórico-

social.

Enfim, as determinações estatais que obrigam matrícula e frequência à escola

não devem ser encaradas como limitadores, mas como exigências ao pleno

desenvolvimento da pessoa humana, pois deve o Estado primar pela formação de

seus membros e, assim, assegurar que o indivíduo possa ter oportunidade de

exercitar, na escola, aquilo que lhe é caro em qualquer coletividade: a importância

do outro.

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REFERÊNCIAS

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doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. 2006d. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso em: 07 dez. 2010. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Emenda constitucional nº 65, de 13 de julho de 2010 : Altera a denominação do Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal e modifica o seu art. 227, para cuidar dos interesses da juventude. 2010c. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc65.htm > acesso em: 25 set. 2010 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa Relatório Mandado de Segurança 7.407 - DF (2001/0022843-7) . 2005a. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=507748&sReg=200100228437&sData=20050321&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 24 nov. 2009. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Editora Almedina, 2002. CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 2., 2000, Belo Horizonte, MG ; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Anais ... Belo Horizonte: IBDFAM: Del Rey, 2000. CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE GOIAS (CEE). Disponível em: < http://www.cee.mg.gov.br/ > Acesso em: 06 fev. 2010. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (CNE). Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12449&Itemid=754> Acesso em: 06 fev. 2010. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil : adolescência, educação e participação democrática. Salvador: Fundação Odebrecht, 1998. COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral: volume único. 9 ed. São Paulo:

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