limites a produção da moradia social no centro de SP

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pesquisa de iniciação científica que aborda as barreiras a produção de habitações populares no centro de são paulo com a participação dos movimentos populares de luta por terra e moradia: uma impossibilidade pelo sistema capitalista. façamos a revolução socialista!

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limites à produção da moradia social

no centro de São Paulo relatório final

pesquisa de iniciação científica PIBIC – CNPQ

faculdade de arquitetura e urbanismo da USP

2003

bolsista. Francisco Toledo Barros

orientadora. Profa. Dra. Ermínia Maricato

coorientadora. Profa. Dra. Maria Lúcia Refinetti Martins

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2

agradecimentos a todos entrevistados

e colaboradores da ‘máquina’

companheiros de trabalho

xu, carol, barba, taís, ...

e, principalmente, pacientes,

Malú e Ermínia

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3

resumo

A presente pesquisa tem por objetivo identificar os limites,

barreiras e dificuldades enfrentadas tanto pelo poder

público, como por movimentos sociais, construtoras,

cooperativas, assessorias técnicas e arquitetos na produção

de moradia social na região central de São Paulo em

quantidade e qualidade arquitetônica adequadas.

Para tanto foram realizados quatro estudos de caso de

projetos habitacionais pertencentes a diferentes programas

de promoção pública, bem como uma análise da produção

habitacional privada promovida por construtoras e

cooperativas. Dentre os limites identificados, destacam-se os

ideológico-culturais, políticos, legais, técnico-profissionais,

arquitetônicos e de gestão dos programas habitacionais.

Estas barreiras puderam ser levantadas pelo estudo das

diferentes formas de produção pública e privada, realizado

através de depoimentos dos atores envolvidos, pela visita à

bibliografia existente e pela coleta específica de dados e

informações. Através do quadro de limites elaborado, torna-

se possível uma melhor compreensão das dificuldades

enfrentadas pela população de baixa renda na luta pelo

acesso à infra-estrutura urbana, equipamentos públicos e

serviços de qualidade: cidade a que todos temos direito.

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sumário

1. presentação...............................................................................................................................................................................10

2. introdução.................................................................................................................................................................................12

3. proposta de trabalho....................................................................................................................................................................17

3.1 tema e justificativa...........................................................................................................................................................17

3.1.1 justificativa da ampliação do tema de trabalho............................................................................................................21

3.2 objeto e objetivo de estudo.................................................................................................................................................22

3.3 metodologia....................................................................................................................................................................24

3.4 cronograma realizado........................................................................................................................................................27

4. produtos da pesquisa.....................................................................................................................................................................28

4.1 estudos de caso da promoção pública.....................................................................................................................................28

4.1.1 apresentação dos estudos de caso & dos programas habitacionais......................................................................................28

estudo I: Madre de Deus.........................................................................................................................................28

estudo II: Riskalah Jorge........................................................................................................................................31

estudo III: 21 de Abril............................................................................................................................................34

estudo IV: Favela do Gato.......................................................................................................................................37

4.1.2 relação dos agentes entrevistados.............................................................................................................................40

4.1.3 o papel dos movimentos populares de luta por terra e moradia no centro...........................................................................42

4.1.4 limites à promoção pública......................................................................................................................................44

4.1.4.1 limites gerais..........................................................................................................................................44

4.1.4.1.1 limites ideológico – culturais...........................................................................................................45

pré-conceito e discriminação...............................................................................................................45

escala urbana: a segregação sócio-espacial.....................................................................................45

escala da unidade habitacional: a idéia de ‘habitação popular’.............................................................51

especulação e ‘entesouramento’: influências de um sistema econômico............................................................56

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5

inércia operacional do poder público: manutenção da lógica vigente................................................................66

difícil articulação do povo encortiçado: imobilismo e espera pelo paternalismo estatal.........................................69

4.1.4.1.2 limites políticos............................................................................................................................72

4.1.4.1.2.1 limites da política formal....................................................................................................72

não há ‘vontade política’: conjuntura adversa e correlação de forças incipiente........................................73

falta de recursos: o discurso das limitações financeiras do estado..........................................................77

leis que não se aplicam: o discurso de que pouco se pode fazer diante da atual correlação de forças...............80

desarticulação dos diferentes níveis de governo: disputa pelos louros das unidades habitacionais....................84

o tempo da política: períodos das gestões, calendário eleitoral e o apagar da história adversária....................86

4.1.4.1.2.2 limites da economia política................................................................................................91

localização: o alto custo da terra na região central...........................................................................93

baixos salários e desemprego: não há renda que pague a habitação........................................................98

baixos salários e desemprego: não há renda que mantenha a habitação.................................................104

gentrificação: expulsão das famílias de baixa renda.........................................................................108

4.1.4.1.3 limites jurídico – legais.................................................................................................................120

lei de HIS: entrave a soluções inteligentes e econômicas.............................................................................120

uso misto: programas públicos não o comportam......................................................................................123

irregularidades fundiárias: dívidas, desvios e litígios de propriedade...............................................................125

burocracia: morosidade e demora nos processos públicos............................................................................127

4.1.4.1.4 limites técnico – profissionais.........................................................................................................129

poucos técnicos e despreparados: a fazer trabalhos nunca antes realizados......................................................129

tecnologia: haveria um novo ‘ovo de Colombo’?........................................................................................131

4.1.4.1.5 limites de gestão dos programas......................................................................................................134

operacionalização: estrutura ineficiente na gestão das ações.......................................................................134

relação inter-secretarial: atomização setorial e falta de integração...............................................................136

bases de dados: por onde e com quem começar?.......................................................................................137

estoque de terras: não há uma política fundiária favorável..........................................................................139

4.1.4.1.6 limites arquitetônicos...................................................................................................................143

casas de baixo custo: pequenas, mal iluminadas e superadensadas.................................................................143

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6

4.1.4.2 limites aos programas habitacionais específicos...............................................................................................146

4.1.4.2.1 limites ideológico – culturais específicos...........................................................................................146

especulação produtiva: normalidade na exploração do operário da construção civil.............................................146

o sonho da casa própria: por que pagar por aquilo que não é meu?.................................................................150

relação estado – associações: dificuldades de uma relação parietária..............................................................155

4.1.4.2.2 limites políticos específicos...........................................................................................................157

4.1.4.2.2.1 limite da política formal específico.....................................................................................157

clientelismo: servir apenas aos meus eleitores...............................................................................157

4.1.4.2.2.2 limite da economia política específico.................................................................................159

cadastro de seleção das famílias: mecanismo de exclusão sócio econômica.............................................159

4.1.4.2.3 limites jurídico – legais específicos.................................................................................................161

lei 8666: limites à aquisição de imóveis privados pelo poder público..............................................................161

lei 8666: limites à contratação de assessorias técnicas...............................................................................164

4.1.4.2.4 limites de gestão dos programas específicos.......................................................................................167

participação popular nos programas: necessidade de melhor qualificação da prática...........................................167

participação popular na concepção arquitetônica dos projetos: pontual e deficiente...........................................171

moradias transitórias: pequenas e de má qualidade...................................................................................175

4.2 análise da produção residencial pelo mercado.........................................................................................................................177

4.2.1 capitalismo sem mercado................................................................................................................................................177

4.2.2 lançamentos de empreendimentos habitacionais pelo mercado.......................................................................................179

4.2.3 lançamentos de empreendimentos de ‘HIS’ pelo mercado..............................................................................................184

4.2.4 a produção por cooperativas habitacionais autofinanciadas............................................................................................187

4.2.5 limites à produção residencial privada......................................................................................................................190

4.2.5.1 relação dos agentes entrevistados.................................................................................................................190

4.2.5.2 limites à produção por construtoras e cooperativas autofinanciadas........................................................................191

4.2.5.3 anexo I : agenda para ampliação da produção de HIS pelo mercado.........................................................................205

4.3 conclusões finais: limites à produção da moradia social no centro de São Paulo...............................................................................210

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7

5. bibliografia fundamental...............................................................................................................................................................214

6. Anexos.....................................................................................................................................................................................219

I projetos e fotos dos estudos de caso

II tabela dos limites à promoção pública

III tabela dos programas públicos e sua produção habitacional

IV tabela de cruzamento das informações de faixa de valor de imóvel e localização no centro

V pranchas: imóveis lacrados, mercado e cooperativas habitacionais autofinanciadas.

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siglas:

AVC – Associação Viva o Centro

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano

CEF – Caixa Econômica Federal

Fecoohesp – Federação das Cooperativas Habitacionais do Estado de São Paulo

Gov. Est. – Governo do Estado de São Paulo

MMC – Movimento de Moradia do Centro

MNLM – Movimento Nacional dos Movimentos de Moradia

MSTC – Movimento dos Sem Teto do Centro

MTSTRC – Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central

PAC – Programa de Atuação em Cortiços

PAR – Programa de Arrendamento Residencial

PHRCSP - Programa de Habitações da Região Central de São Paulo

PMSP – Prefeitura Municipal de São Paulo

RMSP – Região Metropolitana de São Paulo

Sciesp – Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo

Seade – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados

Secovi / SP – Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo

Sedu – Secretaria de Desenvolvimento Urbano (integrante da presidência da república, gestão Fernando Henrique Cardoso)

Sinduscon – Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo

UMM – União dos Movimentos de Moradia

ULC – Unificação das Lutas dos Cortiços

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tabelas:

tabela 1: quadro das ocupações na região central de São Paulo pelos movimentos de luta por terra e moradia.

tabela 2: domicílios particulares vagos dos distritos centrais de São Paulo

tabela 3: gestões governamentais por legenda partidária

tabela 4: evolução do preço do m² de terreno e do salário mínimo

tabela 5: renda familiar por faixas de salário mínimo

tabela 6: distribuição percentual do numero de famílias e moradores por estrato de renda familiar.

tabela 7: critérios para a definição do comprometimento máximo da renda familiar.

tabela 8: lançamentos habitacionais na RMSP por faixas de valor de lançamento

tabela 9: localização dos empreendimentos e unidades habitacionais lançadas pelo mercado nos distritos centrais.

tabela 10: unidades lançadas no centro por faixas de valor de lançamento

tabela 11: tabela comparativa dos extremos da produção habitacional pelo mercado

tabela 12: lançamentos residenciais de ‘HIS’ na RMSP

tabela 13: empreendimentos e unidades de HIS aprovadas pela PMSP durante o período de um ano

tabela 14: localização dos lançamentos residenciais de ‘HIS’ no centro

tabela 15: dados de exemplos da produção de cooperativas habitacionais de autofinanciamento

tabela 16: lançamentos habitacionais de cooperativas na RMSP por faixa de valor do imóvel

tabela 17: lançamentos residenciais de cooperativas habitacionais, cooperativas habitacionais de ‘HIS’ e ‘HIS’ em geral

tabela 18: localização dos lançamentos residenciais por cooperativas autofinanciadas

tabela 19: custos da construção habitacional – comparação aproximada entre promoção pública e privada

tabela 20: estimativas do déficit habitacional urbano por faixas de renda mensal familiar na RMSP

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1. apresentação

O presente relatório final de iniciação científica apresenta os

resultados da pesquisa intitulada “Limites à produção da moradia

social no centro de São Paulo”, realizada entre setembro de 2002 e

outubro de 2003.

Inicialmente, na Introdução, tecemos um breve apanhado histórico

acerca de questões que permeiam o tema da pesquisa: a moradia

das classes de baixa renda no centro de São Paulo.

Posteriormente, no capítulo 3 - proposta de trabalho, apresentamos

os objetivos, a metodologia empregada na pesquisa, bem como o

cronograma das atividades realizadas.

Mais adiante, no capítulo 4 - produtos da pesquisa, apresentamos os

resultados dos trabalhos, iniciando pelos estudos da promoção

pública, em que primeiramente caracterizamos os programas

habitacionais abordados, os estudos de caso, os agentes

entrevistados e, mais especificamente, o papel dos movimentos

populares de luta por terra e moradia na região central. Daí,

partimos para o relato da identificação dos limites à produção

habitacional de promoção pública, a partir de depoimentos dos

agentes envolvidos na cadeia produtiva das moradias e sobre o

conteúdo da bibliografia fundamental. A apresentação desses limites

organiza-se segundo temas e abrangência: primeiramente os limites

gerais a todos os programas habitacionais abordados, seguidos dos

limites específicos a cada um deles.

Findada a incursão pela promoção pública, adentramos na análise da

promoção residencial pelo mercado. Tecemos inicialmente algumas

considerações acerca de questões inerentes ao tema, para sua

posterior caracterização por meio de dados sobre os lançamentos

imobiliários na RMSP e no centro de São Paulo: tratamos de números

da produção residencial em geral, de interesse social e por

cooperativas autofinanciadas.

Em seguida apresentamos os limites à ampliação da produção da

moradia popular pelo mercado, identificados nas entrevistas com

dirigentes de entidades representativas do setor: empresários da

construção civil, cooperativas e corretores de imóveis. Como

complementação às informações das barreiras à produção

residencial privada, reproduzimos, como anexo a “Agenda para

ampliação do mercado da moradia popular”, produto do seminário

de mesmo nome, promovido pela PMSP em novembro de 2002.

A conclusão dos trabalhos encontra-se no final do relatório, em

capítulo à parte, e congrega, por meio de uma breve análise, o

esboço de algumas possíveis leituras acerca dos limites

identificados, bem como descreve a necessidade de posterior

continuidade da observação e da análise do material coletado, para

que daí, conclusões mais assertivas possam ser traçadas.

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11

As leituras programadas realizadas no decorrer dos estudos e a

bibliografia de referência podem ser observadas logo após a

conclusão, e antes dos anexos, que contém os projetos de

arquitetura dos estudos de caso, bem como outras tabelas e imagens

complementares à pesquisa.

Page 13: limites a produção da moradia social no centro de SP

12

2. introdução

Antes de adentrarmos na proposta de trabalho e nos resultados da

presente pesquisa, faz-se necessária uma breve abordagem histórica

da habitação das classes de baixa renda no centro de São Paulo1.

Segundo estudos de Flávio Villaça, há indícios da existência de uma

regra de ordenamento espacial das cidades brasileiras, que não

permite a ocupação habitacional das regiões consideradas centrais

por indivíduos não detentores de ‘poder’. Aqui, no caso das classes

de baixa renda, o econômico.

Iniciaremos nossa breve incursão histórica nos anos mais próximos da

república, certos de que se adentrarmos em períodos mais remotos,

como a fundação da vila paulistana, também encontraríamos

indícios da existência dessa regra de ordenamento espacial das

cidades brasileiras, como relatado por Antônio Rodrigues Porto em

“História Urbanística da Cidade de São Paulo”: “(...) Por essa época

[1560], já existiam numerosas casas em São Paulo; porém os índios

passaram a mudar-se para as aldeias de Nossa Senhora dos Pinheiros

e de São Miguel”2. Infelizmente por hora não temos como objetivo

adentrar neste período histórico, nem dispomos de informações que

expliquem a saída dos nativos da recente vila paulistana. O que é

certo é que os detentores de ‘poder’ na época não eram eles, mas

sim os recém chegados europeus.

1 A área central referenciada para esta pesquisa será aquela compreendida pelos dez distritos que compõem a Administração Regional da Sé: Bom Retiro, Pari, Brás, Cambuci, Liberdade, República, Sé, Bela Vista, Consolação e Santa Cecília. 2 Porto, Antônio Rodrigues. “História urbanística da cidade de São Paulo (1554 a 1988)”. 1992:11.

Deixemos essa questão para ser analisada em momento mais

oportuno. Vejamos, então, características mais recentes da

dinâmica urbana na qual o centro de São Paulo se insere. Para

tanto, serão abordados os trabalhos de Flávio Villaça acerca das

estruturas territoriais e suas localizações intra-urbanas, bem como

de sua constituição e movimentação.3

Ao observar as estruturas intra-urbanas de São Paulo, Rio de

Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife, Villaça nos

apresenta a segregação sócio-espacial4 como uma tendência

estruturadora das metrópoles brasileiras, apontada pela localização

das populações de alta renda numa “única região geral” da

metrópole. No caso de São Paulo, essa população concentra-se sobre

o vetor sudoeste, tendo primeiramente se estabelecido nos bairros

de Campos Elíseos, Higienópolis e Avenida Paulista, ao final do séc.

XIX. Esta localização deu “início então à clara ocupação do

quadrante sudoeste da capital pelos bairros de alta renda num

caminho que permanece até hoje e se firmou como um elemento

básico na definição de toda a estrutura territorial da metrópole”5,

até atingir na atualidade, Alphaville e Itapecerica da Serra, já

distantes do centro e fora do município de São Paulo.

Ao mesmo tempo em que as populações de alta renda se expandiam,

movimentando-se ao longo de um eixo, em busca de novos padrões

habitacionais e urbanos, o centro econômico da cidade, inicialmente 3 Villaça, “Espaço intra-urbano no Brasil”, 1998. 4 Compreenderemos como conceito de segregação sócio-espacial: “a alta concentração de camadas sociais [de renda próxima] em determinada parcela do espaço urbano”, proposto por Villaça, 1999: 224. 5 Villaça, 1998: 196.

Page 14: limites a produção da moradia social no centro de SP

13

localizado no centro histórico, passou a seguir “o encaminhamento

das camadas de alta renda, e ter as posições abandonadas ocupadas

pelo comércio e serviços orientados para as camadas populares.”6

Nas décadas de cinqüenta e sessenta “já eram notáveis os sinais de

estagnação [econômica] do centro principal e de formação de um

centro novo na região Paulista – Augusta.”7 Têm-se com o

deslocamento das atividades de comércio e serviço voltadas à

população de alta renda, um processo de criação de novas

centralidades, que se estende até a atualidade. Cria-se então um

novo paradigma de ocupação, que “pode envolver a região da

avenida Faria Lima, a da marginal do Rio Pinheiros e até mesmo a

avenida Luís Carlos Berrini.”8

Villaça conclui que o habitualmente chamado processo de

“decadência” ou “deterioração” da região central, trata-se do

“abandono do centro principal como local de emprego das camadas

de alta renda; abandono de diversão, lazer e atividades culturais;

como local de compras e moradia”.9 Afirmando ainda que “(...) na

década de 1980, os centros principais já estavam quase que

totalmente tomados pelas camadas populares”.10

Enquanto o comércio e os serviços da região central voltam-se para

a população de baixa renda, o mesmo ocorre com o uso

6 Idem: 265. 7 Idem: 278 8 Idem: 266. 9 Idem: 277. 10 Idem: 283.

habitacional, agora com maior intensidade, como observado por

Suzana Pasternak Taschner:

“Uma vez analisada a evolução dos níveis de pobreza, convém

enfatizar a existência de novas tendências na distribuição espacial

da pobreza. Essas tendências já eram insinuadas pelas mudanças no

padrão de crescimento demográfico intra-urbano: se o anel

periférico cresce a ritmo menor e a pobreza aumentou, certamente

ela se realocou espacialmente. Se até os anos 70 a associação

periferia-pobreza-população jovem espelhava um modelo de

urbanização concentrado no loteamento irregular – casa própria –

autoconstrução, nos anos 80 a inflexão do padrão periférico do

crescimento urbano, aliada ao empobrecimento, sugere uma forte

presença de cortiços em muitos pontos da área central”.11

O mais recente levantamento completo da população encortiçada na

cidade de São Paulo (FIPE, 1993), indica na área da Administração

Regional da Sé, a existência de 119.255 pessoas, em 4.441 imóveis

encortiçados, o que representa aproximadamente 25% dos

moradores da regional.12

A presença de cortiços na região central de São Paulo é dada desde

1870, e segundo os estudos de Nestor Goulart Reis, em 1900 o

cortiço é forma de residência para um terço das famílias da cidade,

devido à chegada de imigrantes europeus, e ao êxodo rural

resultante da abolição do trabalho escravo.13

11 Taschner, 1998: 175. 12 Taschner, 1994. 13 Reis, 1994: pág. 15.

Page 15: limites a produção da moradia social no centro de SP

14

Desde o aparecimento dos cortiços, o tratamento pelo poder público

sempre foi, em via de regra, o descaso ou a realização de uma

“limpeza urbana” com sua demolição ou remoção14.

Mais de um século depois, em 1985, na gestão municipal de Mário

Covas, o poder público passou a considerar o cortiço, sob o aspecto

legal e político, como um grave problema habitacional. O Plano

Habitacional do Município15 propõe a reabilitação de imóveis

encortiçados, através de programa de autogestão. São concretizadas

apenas intervenções diretas e pontuais, ‘não construtivas’, como a

assistência aos moradores para a individualização das contas de luz, 16 conforme a mudança de gestão e à conseqüente alteração das

políticas habitacionais.

Doravante nesse campo, a realização de planos e programas de ação

tornar-se-ia uma constante. Mas produziria apenas projetos pilotos

pontuais, em número relativamente pequeno diante da enorme

demanda, se observados os dados coletados por Helena Menna

Barreto Silva, entre os anos de 1965 e 1997 foram produzidas

153.758 unidades habitacionais na cidade de São Paulo pelo poder

público17. Deste universo, apenas 2,59 % localizam-se próximas à

região central, enquanto que 61,50% das unidades se encontram nos

extremos da zona leste da cidade.

14 Bonduki 1998: pág.41. 15 Sachs, 1990: pág. 190. 16 Taschner, 1997: pág 61. 17 Compreendidas a produção de COHAB, HABI e CDHU, segundo dados do levantamento realizado por Silva, Helena (tese de doutorado) 1998.

As primeiras unidades habitacionais produzidas diretamente pelo

poder público voltadas para a população encortiçada se deram na

gestão municipal de Luiza Erundina (1989-92) pelo Programa

Habitacional para a População de Baixa Renda da Região Central,

através do programa Funaps Comunitário. Essa iniciativa,

conquistada pela pressão dos movimentos populares de luta por

terra e moradia do centro, tem como resultado material a

construção de dois edifícios situados na Moóca e no Brás, através do

regime de mutirão autogerido. O primeiro destes, com 45 unidades,

nomeado “Madre de Deus”, foi finalizado em 1995 na gestão de

Paulo Maluf (1993-96). O segundo, de 182 unidades, sito à avenida

Celso Garcia, teve sua obra interrompida durante as duas

administrações seguintes18 e retomada pela gestão de Marta Suplicy

(2001-04), sendo inaugurado em maio de 2003.

No ano de 1997, com a crescente organização da população

moradora de cortiços na região central, deflagrou-se a ocupação de

imóveis vazios nos bairros centrais, por movimentos sociais de

reivindicação por moradia digna19. Foram ocupados 30 edifícios em

três anos, com o objetivo de pressionar o poder público pelo

cumprimento do direito à habitação de qualidade, bem como pela

efetivação de uma política de habitação de interesse social com

participação popular nas áreas centrais20. Ainda em agosto de 2003,

18 Piccini, 1999: pág. 94,95. 19Os movimentos de moradia referenciados para esta pesquisa são os seguintes: Movimento de Moradia do Centro (MMC), Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), Unificação das Lutas de Cortiço (ULC), Fórum dos Cortiços e sem teto do centro e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central (MTSTRC). 20 Jornal do Fórum Centro Vivo, no. 1, jun. 2001.

Page 16: limites a produção da moradia social no centro de SP

15

havia aproximadamente 1.500 famílias habitando 15 edifícios

ocupados21.

O Governo do Estado na gestão de Mário Covas (1995-98), através da

CDHU, criou o PAC - Programa de Atuação em Cortiços, que desde

então desenvolveu e encaminhou propostas de intervenção em áreas

encortiçadas de Santos e São Paulo, apesar de que estudos no

sentido da criação desse programa pela CDHU datam desde a criação

da companhia22. Em agosto de 2003, o programa atua por meio de

Setores Globais de Intervenção, nos quais pretende construir novas

unidades e reciclar imóveis encortiçados. Os recursos provêem do 1%

da arrecadação do ICMS estadual, e do BID - Banco Interamericano

de Desenvolvimento, que prevê um empréstimo de U$ 70 milhões

para o programa23. Em agosto de 2003 encontravam-se edificados

348 apartamentos no Pari e em Santa Cecília, e 66 em obras no

Cambuci.

Em abril de 1999 a gestão de Fernando Henrique Cardoso no Governo

Federal (1999-02), criou o PAR, Programa de Arrendamento

Residencial, que, por meio da Caixa Econômica Federal,

disponibilizou R$ 880 milhões para o financiamento de habitações

para famílias com renda de três a seis salários mínimos, em todo o

21 União dos Movimentos de Moradia, agosto de 2003. 22“A bem da verdade, programas novos como os de ação em cortiços, operações urbanas, inovações tecnológicas e renovação urbana estavam em estruturação na Companhia desde sua fundação. O fato de não terem sido implementados indica que, muitas vezes, os ‘programas em estruturação’ servem de espaço para a contenção de demandas que não estão no horizonte de realização da Companhia, ficando em estudo até que enfraqueçam”. Royer, Luciana. 2003:70. 23 Publicado no sítio da CDHU, outubro de 2001.

país24. Esse programa desencadeou o desenvolvimento de alguns

projetos de reciclagem de edifícios na área central para fins

habitacionais, com a participação direta dos movimentos de moradia

e assessorias técnicas. Em maio de 2001 um primeiro edifício, com

54 unidades habitacionais, teve sua reforma concluída. Em agosto de

2003 havia um total de 380 unidades edificadas e 84 em obras,

apesar do cemnúmero de estudos realizados não aprovados pela

CEF.

A gestão municipal de Marta Suplicy apresentou em maio de 2001

suas propostas para atuação na área central e realizou um convênio

com a CEF com o objetivo de acelerar os imóveis em reforma pelo

PAR. Deste então tem implementado o Plano Reconstruir o Centro,

que trata da questão habitacional através dos PRHI, Perímetros de

Reabilitação Integrada do Habitat, idealizados no Programa Morar

Perto, inicialmente formulado por movimentos de moradia e

assessorias técnicas. Outra forma de provisão habitacional é o

Programa de Locação Social, que prevê a construção de 1607

unidades até março de 2005, das quais 486 encontram-se em obras,

e o restante em fase de projeto.

Verificamos que nos últimos quinze anos são apresentados à cidade

de São Paulo programas, iniciativas e recursos para a produção de

moradias de interesse social na região central. O resultado até então

alcançado: 955 unidades habitacionais edificadas25, diante da

24 Publicado no sítio da Caixa Econômica Federal, junho de 2001. 25 Unidades edificadas pela PMSP, CDHU e CEF, até set de 2003.

Page 17: limites a produção da moradia social no centro de SP

16

premente demanda e dos objetivos do próprio poder público26,

encontram-se muito aquém do esperado.

Quais os impedimentos ou limites que tornam inviável o

atendimento da demanda e a concretização dos objetivos da

produção da moradia social no centro?

De modo que possa ser efetivada, de forma ampla, uma política

urbana que reordene a localização das moradias na cidade como um

todo, respeitando o meio ambiente e as áreas de mananciais.

É da identificação desses limites que pretendemos tratar no

presente relatório de Iniciação Científica.

26 A demanda habitacional e os objetivos do poder público serão tratados no decorrer de nossos estudos

Page 18: limites a produção da moradia social no centro de SP

17

3. proposta de trabalho

3.1 tema e justificativa

O presente relatório de pesquisa de Iniciação Científica aborda os

limites impostos ás iniciativas do poder público e do mercado de

reversão da histórica falta de qualidade e insuficiente quantidade de

moradias voltadas à população de baixa renda na região central de

São Paulo.

Optamos por este tema de estudo, dentre outros que serão mais

adiante apresentados, pois, é de se notar que a cidade de São Paulo

apresenta um quadro de demandas objetivas, que demonstram a

premente necessidade da produção destas moradias na região

central.

Essas demandas são aqui apresentadas pelo déficit habitacional,

como por dados urbanísticos e demográficos da cidade de São Paulo:

a) Déficit habitacional da cidade:

- Aproximadamente 2 milhões de favelados (FIPE 1993).

- Aproximadamente 600.000 encortiçados, dos quais 119.225 na

região central (20% dos cortiços da cidade e 25% da população

da região central) (FIPE 1993).

- 4.384 moradores de rua, apenas nos bairros da Moóca, Brás,

Sé, República e Liberdade. (FIPE 2000).

b) Dados urbanísticos e demográficos:

- As novas habitações para população de baixa renda se

encontram em grande parte na periferia, em conjuntos

habitacionais (produzidos pelo próprio poder público) ou

unidades autoconstruídas em diversas ocupações ilegais

(GROSTEIN, 1998). Muitas são uma ameaça aos mananciais ou

localizam-se em áreas de risco. Resultam em custos elevados

para o poder público pela demanda de nova infra-estrutura.

- Moradores de cortiço pagam o “aluguel” mais caro da cidade –

R$ 13,17/m², enquanto que a média da cidade é de R$

9,00/m² (Kohara, 1999).

- Nos últimos dez anos houve uma perda de 19,73% de

moradores do centro para as regiões periféricas, que no

mesmo período tiveram um crescimento de 210,30%, em

Anhangüera/zona norte, e 97,92% em Cidade Tiradentes/zona

leste, segundo a sinopse preliminar do recenseamento

realizado pelo IBGE em 2000.

- Trabalham na região central 38,5% dos paulistanos (FIPE,

1995), obrigando a realização de milhões de viagens

pendulares diárias, sobretudo na periferia, resultando em

sobrecarga no sistema de transporte.

- 59,9% dos chefes de família que habitam a região central vão

a pé para o trabalho, e 65% das famílias não têm automóveis

(FIPE 1998).

- Pressão dos movimentos de luta por moradia organizados,

com aproximadamente 1500 famílias ocupando 15 edifícios

(UMM, setembro de 2003).

Page 19: limites a produção da moradia social no centro de SP

18

Ao lado das demandas objetivas, podem ser apontadas diversas

potencialidades, que indicam a possibilidade do desenvolvimento de

uma ampla produção de moradias de interesse social, de qualidade,

localizadas no centro:

- 38.556 imóveis vazios no centro, dos quais 40 edifícios

completamente desocupados (IBGE, 2000), possíveis alvos de

reciclagem ou reforma para fins habitacionais.

- 784.066 m² de terrenos vazios – 4,9 % das áreas de quadras -

(PMSP/SEMPLA, 1999), potenciais áreas para a edificação de

moradias.

- Baixa densidade de bairros da região central - Pari: 53,2

hab/ha, Bom Retiro: 69,5 hab/ha, Brás: 76,2 hab/ha,

Cambuci: 82,3 hab/ha, e Sé: 101,2 hab/ha (IBGE1991).

- Trata-se de uma área totalmente servida por infra-estrutura,

dispensando grandes investimentos públicos para seu

adensamento.

- Experiências piloto de habitação de interesse social na região

central, realizadas durante a gestão Luiza Erundina como o

projeto elaborado por estudantes e professores do Escritório

Piloto do Grêmio Politécnico da USP, em setembro de 1999.

Este projeto demonstra possíveis alternativas de

requalificação de edifícios (LABORATORIO INTEGRADO E

PARTICIPATIVO PARA A REQUALIFICAÇÃO DE CORTIÇO, 1999).

- Presença de edifícios de valor arquitetônico ou histórico, que

com o uso habitacional poderiam ser recuperados e

preservados.

- Experiências internacionais e nacionais que poderiam

contribuir com o processo de formulação e gestão das

propostas, como Bolonha, Lisboa (CLADERA, 1995), Havana

(PLAN MAESTRO DE REVITALIZACIÓN INTEGRAL DE LA HABANA

VIEJA, 1999) e Salvador (FERRAZ, 1993 e BARDI, 1994).

- Três programas públicos em andamento: PAC, Programa de

Atuação em Cortiços, do governo estadual com US 70 milhões;

PAR - CEF, Programa Arrendamento Residencial, do governo

federal, com R$ 880 milhões; Programa de locação social,

parte integrante do Programa Morar Perto, com U$ 32

milhões.

Diante do quadro fornecido pelas demandas objetivas e

potencialidades, poderíamos concluir pela viabilidade de uma

significativa produção da moradia de interesse social na região

central, mas não é que ocorre.

Diante destas contradições, é que notamos a necessidade de uma

abordagem mais cuidadosa da questão da habitação das classes de

baixa renda no centro. Pois esta demonstrou ser reflexo claro e

didático dos conflitos de classe social presentes na lógica de

funcionamento da cidade de São Paulo.

Á partir da participação nos seguintes encontros: “Habitação no

Centro de SP: como viabilizar essa idéia?”, organizado pelo

LABHAB/FAUUSP em outubro de 2000; “Seminário dos Movimentos de

Cortiços” e “6º Encontro Estadual de Moradia Popular”, organizados

pela União dos Movimentos de Moradia de São Paulo, em março e

Page 20: limites a produção da moradia social no centro de SP

19

maio de 2001, respectivamente; e “Comissão Especial de Estudos

sobre Moradia na Região Central”, realizado na Câmara Municipal de

São Paulo, de maio a setembro de 2001, é que percebemos a

presença de barreiras, problemas ou limites à produção de HIS, a

partir de questões levantadas por representantes dos movimentos de

moradia, técnicos do poder público, arquitetos, engenheiros...

sempre a tentar identificar quais são e qual é a mais importante

barreira à produção de HIS no centro.

Enumeramos abaixo as questões levantadas nos eventos referidos,

colocadas por agentes da cadeia de produção dessas unidades. As

questões mais recorrentes foram:

- A moradia de interesse social na região central é tida como

prioridade nas gestões governamentais?

- Estariam os atuais programas organizados na maneira mais

econômica para a produção em massa e de qualidade dessas

habitações? A máquina estatal estaria preparada para esta

produção? Haveria uma integração entre as diferentes esferas

de governo (Federal, Estadual e Municipal), bem como entre

suas próprias secretarias?

- Devido à recente realização de investimentos na região

central, ocorre uma revalorização dos imóveis27 que

impossibilita sua compra pelo poder público ou pelos

moradores? 27Entre 1996 e 1999 o poder público investiu na região um total de 191,7 milhões de reais, e a iniciativa privada 152,1 milhões de reais. Tais recursos foram aplicados em reforma e reciclagem de edifícios para sala de concertos, teatros, museus, centros culturais, shoppings centers, hotéis, viadutos, dentre outros. (ANDRADE, 2001)

- É possível a construção de unidades habitacionais com uma

área útil aceitável diante dos atuais valores dos imóveis no

centro e os valores dos financiamentos dos programas

públicos?

- As exigências dos órgãos financiadores aplicam-se à realidade

das famílias de baixa renda?

- Há levantamentos, cadastros e bancos de dados dos cortiços e

imóveis ociosos, necessários para informar as intervenções e a

produção das moradias?

- Há uma legislação que possibilite a reabilitação e reciclagem

de edifícios com mudanças de uso (por ex. comercial para

residencial ou uso misto), ou que viabilize a reformulação de

seu projeto arquitetônico?

- Há técnicos suficientes e qualificados para a realização de

uma produção ou reforma em massa e de qualidade destas

habitações? Há tecnologia disponível no país?

- A população participa efetivamente dos programas públicos,

ou estes são impostos de cima para baixo, anulando a

importante sinergia gerada pelo trabalho participativo?

- As populações de baixa renda têm condições de permanecer

em seus novos imóveis, diante do atual estoque habitacional

e de um mercado residencial restrito? Há sustentabilidade

econômica para manutenção física destes edifícios? 28

28 Há casos como o de Salvador (após a gestão municipal de Mário Kertesz) em que parte da população original mudou-se da região central, devido à valorização imobiliária resultante da realização de investimentos no entorno, ou em suas residências. In: “Limites do habitar: segregação e exclusão na configuração urbana contemporânea de Salvador e perspectivas no final do séc. XX”. Souza, 1999: 125.

Page 21: limites a produção da moradia social no centro de SP

20

- Estão previstos incentivos fiscais para a produção de moradias

de baixa renda na região central?

Como se pode observar, essas questões demonstram haver

contradições ue levantam a possibilidade da existência de limites à

produção de HIS no centro.

Diante de tantas e ricas questões, inicialmente confusas e dispersas,

é que percebemos a necessidade de sua documentação, organização

e sistematização.

Pois, qualquer ação que se pretende transformadora, e que trabalhe

para a superação de entraves à equalização da qualidade de vida de

toda a população, necessita, primeiramente, do conhecimento e da

apreensão de quais são, e de como funcionam esses mesmos

entraves. Para que, posteriormente, sobre o universo desses

entraves, então apreensível, possa ser realizado um planejamento,

também cuidadoso, dos caminhos e das ações a se realizar para sua

clara e definitiva eliminação.

É de apresentar o estudo que buscou identificar quais são e como

agem os entraves, ou limites à produção de HIS no centro, que, por

hora, tratamos.

O mesmo fenômeno ocorreu em Buenos Aires, In: Revista Urbs, ano IV, no. 21, abril/mai de 2001: 40-46.

Page 22: limites a produção da moradia social no centro de SP

21

3.1.1 justificativa da ampliação do tema de trabalho

No início dos estudos dos limites à produção da moradia social

promovida pelo poder público no centro, deparamo-nos com diversas

barreiras a essa produção causadas por deficiências na produção de

residências promovidas pelo mercado imobiliário.

Essas barreiras são resultado da dificuldade de acesso à moradia

pelas classes sociais com faixas de renda entre seis e doze salários

mínimos. Não há meios relevantes de financiamento habitacional

para essas famílias, compostas por trabalhadores regularmente

empregados, como funcionários públicos, bancários, professores,

etc.

Há principalmente apenas duas formas predominantes de

financiamento: a de juros altos, cobrados pelo sistema bancário de

mercado, que permitem apenas o acesso de famílias de renda

superior a doze salários mínimos, e outra de juros mais baixos,

subsidiados, voltados para famílias de renda inferior a seis salários

mínimos, através dos programas públicos de habitação.

Esta situação faz com que as famílias excluídas do sistema de

financiamento, busquem as moradias produzidas com recursos

subsidiados voltadas às classes de baixa renda.

Esta ‘busca’ por moradias produzidas pelos programas públicos faz

com que seu valor de mercado se eleve, devido sua procura por

famílias de renda maior.

Diante deste ‘mercado estreito’, que atende apenas as famílias de

renda superior a doze salários mínimos, as classes de baixa renda

vêem-se portadoras de um bem pelo qual não conseguem se manter.

E, diante das dificuldades econômicas, elas vêem-se obrigadas a

vender suas casas, como forma de sobrevivência, utilizando-se dos

recursos para manutenção de suas despesas diárias, ou

simplesmente para se alimentar, ou “comer a casa” (segundo relato

de uma das lideranças populares dos movimentos de moradia:

Verônica Krol).

Assim, as famílias de renda média, que teoricamente deveriam ter

acesso à moradia através do mercado, usufruem dos recursos

públicos, que teriam de estar voltados às famílias de menor renda.

Desta forma, a presença de um ‘mercado estreito’ torna-se uma

barreira e até um limite à permanência das famílias de baixa renda

na região central.

Para a abordagem do limite identificado, aqui denominado como

‘mercado estreito’, foi necessária a realização de uma análise

paralela aos estudos dos programas públicos de habitação social no

centro, pois este limite se manifesta em uma esfera de produção

diferente da promoção pública. Trata-se de uma esfera diversa,

regida por outra lógica, mas que também sofre conseqüências de

barreiras colocadas aos programas públicos, como veremos mais

adiante.

Page 23: limites a produção da moradia social no centro de SP

22

3.2 objeto e objetivo de estudo

O objeto de estudo da presente pesquisa é a produção da moradia

social de promoção pública na região central de São Paulo, e a

produção habitacional através do mercado na Região Metropolitana

de São Paulo.

Trata-se de uma pesquisa que analisa a produção, compreendida

como um processo que envolve os agentes responsáveis pela

materialização das unidades habitacionais. Sua observação permite

nos revelar questões inerentes à prática, ao como fazer, de fato.

O objetivo do estudo é identificar os limites, barreiras ou

dificuldades impostos à produção da moradia social no centro, em

massa, com qualidade, e segundo as reais demandas e necessidades

da população.29

Para o alcance deste objetivo, dividimos o referido objeto de estudo

em duas partes consonantes: abordagem da produção da moradia

social promovida pelo poder público, através do estudo de quatro

projetos habitacionais pertencentes a diferentes programas; e

abordagem da produção habitacional promovida por empresas e

cooperativas privadas.

29 Compreenderemos como “edificação em massa”, a quantia necessária para uma efetiva diminuição do déficit habitacional paulistano, atingindo taxas aceitáveis de desocupação de imóveis da região central. A habitação “de qualidade” será compreendida como o conceito de “moradia digna”, apresentada pelo Tratado dos Direitos Econômicos e Sociais da ONU, ratificado pelo Brasil em 1992. Publicado pelo Instituto Cidadania, no “Projeto Moradia”, 2000, contracapa.

Nos estudos da promoção pública foram abordadas as diferentes

formas de condução das seguintes partes ou áreas do processo de

produção das unidades habitacionais:

- Contexto e elaboração da política de habitação e do espaço

urbano, bem como dos programas habitacionais.

- Financiamento – por exemplo: carência, faixa de renda,

quantia de recursos, taxa de juros, subsídios (...).

- Realização do projeto arquitetônico - ex: com a participação

da população moradora, isolado da população moradora (...).

- Construção/gestão da obra – por exemplo: mutirão,

terceirizada, autogestão (...).

- Acesso às unidades habitacionais – por exemplo: cadastro

público e sorteio por entidades públicas, cadastro de

pontuação por participação popular em movimentos populares

(...).

Para tanto, abordamos os agentes envolvidos na condução das

diferentes partes ou áreas do processo de produção:

- Poder público: governos federal, estadual e municipal.

- Financiador das habitações: bancos privados / fundos

públicos.

- Projetistas das habitações: assessorias técnicas / empresas

públicas ou privadas

- Construtores das habitações: construtoras privadas/

mutirantes / mistos.

Page 24: limites a produção da moradia social no centro de SP

23

- Usuários da habitação: movimentos de moradia / associações

/ encortiçados / cooperados.

Na análise da promoção pelo mercado residencial visitamos

informações acerca da produção habitacional por construtoras e por

cooperativas autofinanciadas.

Para tanto, abordamos dirigentes das instituições de representação

dos agentes produtores: construtoras e cooperativas.

De modo a certificar-nos da clareza dos objetivos da presente

pesquisa, reiteramos: a pesquisa de iniciação científica aqui

apresentada se trata de um despretensioso estudo que visa apenas

identificar os limites à produção da moradia social no centro.

Portanto, nossa única questão base é:

Quais são os limites à produção da moradia social no centro de São

Paulo?

Assim, não nos cabe aqui a elaboração de profundas conclusões,

hierarquização e comparação dos limites, e muito menos, o

apontamento de soluções para os limites identificados.

Nosso objetivo é de documentar ou retratar um dado momento da

história através do ponto de vista dos agentes envolvidos na

produção da moradia social no centro. Trata-se exclusivamente de

uma pesquisa de base, que objetiva alimentar futuros trabalhos ou

atividades acerca do tema.

Pois, como veremos na conclusão dos estudos, a tarefa do

apontamento de soluções aos limites identificados não cabe a apenas

uma pessoa, ela é essencialmente coletiva.

Page 25: limites a produção da moradia social no centro de SP

24

3.3 metodo

Partimos da premissa de que os estudos de caso de projetos

habitacionais e a análise das formas de produção pelo mercado nos

permitiriam identificar as barreiras mais relevantes à produção da

moradia de interesse social na região central.

Para tanto, foi construído ao longo do período da pesquisa um

embasamento teórico mínimo referente às questões arquitetônicas,

urbanísticas e sociais que permeiam o tema de estudo, por meio da

seleção, análise e fichamento de trechos da bibliografia fundamental

apresentada.

Concomitantemente, foram identificados os limites específicos e

comuns à produção da moradia social no centro de promoção

pública, por meio de quatro estudos de caso, a saber:

1 – Projeto habitacional edificado, integrante ao Programa

Habitacional para a População de Baixa Renda na Região Central de

São Paulo –desenvolvido pela SEHAB, gestão de 89/92 da Prefeitura

Municipal de São Paulo. Edifício “Madre de Deus”, com 45 unidades,

localizado na Moóca, erguido por mutirão.

2 – Projeto habitacional edificado, integrante ao PAR, Programa de

Arrendamento Residencial – desenvolvido pela Caixa Econômica

Federal, gestão de 99/2002 do Governo Federal. Edifício “Riskalah

Jorge”, com 167 unidades, localizado na região do vale do

Anhangabaú, reformado por empreiteira.

3 – Projeto habitacional em fase de projeto, integrante ao PAC,

Programa de Atuação em Cortiços – desenvolvido pela CDHU, pela

gestão de 95/98, 99/2002, 2003/2007 do Governo do Estado de São

Paulo. Empreendimento “21 de Abril”, em fase de finalização do

projeto executivo, localizado no Brás, a ser construído por

empreiteira.

4 – Projeto habitacional em fase de projeto, integrante do Programa

de Locação Social – desenvolvido pela Cohab – SP, pela gestão de

2001/2004 da Prefeitura Municipal de São Paulo. Empreendimento

“Favela do Gato”, em obras, com 486 unidades, localizado junto à

foz do rio Tamanduateí, a ser construído por empreiteira.

Os estudos da produção residencial pelo mercado foram subdivididos

em dois temas, segundo sua forma específica de produção:

A – Análise da produção residencial por empreiteiras ou construtoras:

empresas com fins lucrativos.

B – Análise da produção residencial por cooperativas habitacionais

autofinanciadas: sociedades civis sem fins lucrativos.

Page 26: limites a produção da moradia social no centro de SP

25

Os estudos de caso de promoção pública e a análise da produção

residencial pelo mercado foi organizada em duas etapas consecutivas

- o “estudo preliminar” e a “pesquisa de campo”, a saber:

Estudo preliminar:

Tratou de acumular informações gerais a respeito dos programas

habitacionais nos quais se inserem os projetos habitacionais, e as

formas de produção privada de HIS, publicadas em periódicos, sítios

na Internet, publicações e pesquisas acadêmicas. Os produtos

elaborados no estudo foram utilizados como subsídio para a

“pesquisa de campo”, sendo estes:

- levantamento das formas de produção específicas, e da

política pública no qual ela se insere.

- escolha dos projetos habitacionais a serem analisados (apenas

nos estudos de caso III e IV).

- levantamento de dados existentes sobre cada estudo de caso

de promoção pública: histórico, projeto arquitetônico,

organização da produção, etc.

- participação na organização do Seminário “Como ampliar o

Mercado de habitação popular? Construído uma agenda”.

- apoio à elaboração de um banco de dados de

empreendimentos de HIS aprovados pela PMSP.

- análise do material para desenvolvimento de novas hipóteses

e elaboração da pesquisa de campo.

Pesquisa de campo:

Esta etapa complementou os dados antes levantados através de:

- entrevistas com 19 agentes envolvidos na produção dos

estudos de caso da promoção pública e 3 dirigentes de

entidades representativas do setor privado residencial

(agentes públicos, privados ou associativos), totalizando 1.050

minutos de depoimentos.

- coleta de dados e consulta a arquivos primários e

secundários, como o banco de dados de lançamentos

imobiliários da Região Metropolitana de São Paulo, no

período de jan. de 1992 a set. de 2002, elaborado pela

Embraesp e o banco de dados de Projetos de Habitação de

Interesse Social aprovados pela PMSP.

- documentação fotográfica dos edifícios em estudo e de

imagens relevantes à compreensão das questões trabalhadas.

Durante o segundo semestre da pesquisa, foi realizado um

acompanhamento dos programas habitacionais em andamento,

através da participação nas reuniões semanais da coordenação

executiva da UMM – União dos Movimentos de Moradia, espaço de

articulação dos movimentos de luta por terra e moradia, dentre eles

os quatro movimentos em atuação na região central. Outro espaço

de acompanhamento dos programas habitacionais, mais

especificamente os promovidos pela PMSP, é Fórum do Centro, órgão

de participação popular criado pela municipalidade, para o

acompanhamento, discussão e elaboração de propostas dos projetos

Page 27: limites a produção da moradia social no centro de SP

26

em andamento na região central pela PMSP, no qual participamos de

suas reuniões quinzenais.

De modo a certificar-nos da clareza da metodologia empregada na

presente pesquisa, reiteramos:

Utilizamo-nos do método da ampla coleta de depoimentos dos

agentes envolvidos na produção das unidades habitacionais, pois são

estes que se encontram diretamente envolvidos com a prática, o

fazer, o materializar do dia a dia do processo de produção. Sendo,

portanto, os mais aptos a contribuir com qualquer questão referente

ao tema.

Trata-se de um trabalho próximo ao ‘jornalístico’, pois o quê se

realizou foi principalmente escutar, observar, redigir e documentar

limites já de conhecimento geral dos agentes produtores dessas

habitações. Realizamos, portanto, um trabalho de união,

aglutinação, organização e sistematização dos limites num mesmo

espaço, num mesmo documento.

Estamos certos de que a metodologia empregada foi responsável

pela identificação dos limites à produção da moradia social no

centro de forma superficial e passageira. Pois, diante da

quantidade, e da característica sistêmica dos limites identificados

(além das limitações de tempo para realização de nossos estudos:

um ano), tomamos o partido de realizar uma observação geral, um

sobrevôo do todo: do conjunto dos limites.

Para qualquer classificação de um limite de ‘maior relevância’ para

um ‘maior aprofundamento’, torna-se primeiramente necessária a

leitura, a apreensão do todo, do conjunto, do universo dos limites,

para que depois, lançar mão de outros métodos de pesquisa. Tais

como análises, conclusões, comparações, soluções, hierarquizações

dos limites, quais não pretendemos aqui realizar.

Page 28: limites a produção da moradia social no centro de SP

27

3.4 cronograma realizado

Atividade / Mês 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

seleção, análise e fichamento

bibliográfico

estudo preliminar

relatório parcial

pesquisa de campo

estudos da produção pelo

mercado

acompanhamento dos

programas

relatório final

Page 29: limites a produção da moradia social no centro de SP

28

4. produtos da pesquisa

4.1 estudos de caso da promoção pública

4.1.1 apresentação dos estudos de caso & dos

programas habitacionais

Estudo de caso I

Mutirão Madre de Deus: Projeto habitacional edificado,

desenvolvido pelo Funaps Comunitário

Vertical: PHRCSP - Programa de

Habitações da Região Central de São Paulo

– promovido pela SEHAB, gestão de 89/92

da Prefeitura Municipal de São Paulo.

I.I Programa Habitacional:

PHPRCSP – Programa de Habitações Populares da Região

Central de São Paulo, Programa de Produção de Habitação de

Interesse Social.

- Agente promotor: Habi / Sehab – Secretaria de Habitação

e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de São

Paulo, Equipe de Cortiços. Programa FUNAPS VERTICAL.

- Elaboração e gestão do programa: Realizadas “com a

contribuição e participação do movimento de cortiços e

de assessorias técnicas que desenvolviam trabalhos em

habitação popular especificamente para os movimentos

de habitação”, enquanto forma de “assegurar a discussão

constante do processo de elaboração do trabalho, naquilo

que os projetos tinham de específico ou de sua

contribuição para uma política geral”. 30 O programa

tinha como objetivo “tratar da constituição e

implementação de instrumentos públicos de cogestão

entre poder público e movimentos populares e

assessorias técnicas”.31

- Objetivos da promoção: “Intervenções de produção de

unidades novas, objetivando tratar da constituição e

implementação de instrumentos públicos de cogestão

entre o poder público e movimentos populares e suas

assessorias técnicas”.32 “Essas intervenções constituir-se-

ão exemplos referências a posteriores propostas de

recuperação dos bairros centrais, segundo diretrizes a

30 Comaru, 1998, p.17. 31 São Paulo, 1992; apud Comaru, 1998: 19. 32 São Paulo, 1992, apud Comaru, 1998: 19.

Page 30: limites a produção da moradia social no centro de SP

29

serem definidas em conjunto com SEMPLA, tanto para os

projetos públicos quanto para os privados”.33

- Estágio atual do programa: finalizado.

I.II. Financiamento:

- Agente financiador: FUNAPS – Fundo de Atendimento à

População Moradora em Habitação Subnormal. Fundo

criado em 1979, pela gestão de Olavo Egydio Setúbal,

com o objetivo da aplicação de recursos públicos a fundo

perdido, para financiamento de soluções de problemas

habitacionais da população de baixa renda moradora no

município de São Paulo.

- Forma de financiamento: Autogestão, onde os recursos

são transferidos para, e geridos pela Associação

Comunitária para o Mutirão Madre de Deus. Os

financiamentos são individuais, voltados para famílias

com renda entre 1 e 4 salários mínimos, com limite

máximo de financiamento de US$ 12.000,00 (atualmente

em torno de R$ 42.000,00); dos quais aproximadamente

US$ 8.571,00 (R$ 30.000,00) poderiam ser utilizados para

a construção do imóvel, e U$ 3.430,00 (R$ 12.000,00)

deveriam ser utilizados para a aquisição da terra e infra-

estrutura.

33 Idem: 20.

I.III Projeto de Arquitetura

- Agente responsável: Pedro Sales, equipe de cortiços de

Habi, com coordenação de Cláudio Manetti.

- Forma de concepção: projeto realizado a partir de dados

sócio econômicos das famílias. Reuniões entre os

projetistas, comunidade alvo e assessoria técnica AD,

onde foram alteradas questões pontuais do projeto de

arquitetura, técnica construtiva e materiais.

I.IV Construção

- Agente construtor: Associação Comunitária para o

Mutirão Madre de Deus, com assessoria técnica da AD –

Ação Direta.

- Forma de construção: Mutirão autogestionário, com mão

de obra contratada para serviços específicos.

- Tipo de construção: edificação nova

- Processo de construção: Remoção das famílias para

outro local próximo à obra, onde habitaram em

alojamentos provisórios de madeira; demolição da antiga

residência encortiçada; construção de um barracão de

obras; edificação do novo imóvel.

- Estágio de construção: inaugurado em 26 de novembro

de 1995.

Page 31: limites a produção da moradia social no centro de SP

30

I.V. Demanda habitacional

- Agente catalisador: ULC – Unificação das Lutas dos

Cortiços

- Forma de cadastramento: Habi, através da ULC.

- Informações sociais: 20 famílias de baixa renda

originárias de três cortiços, antes existentes no local, 25

famílias de baixa renda provenientes de outros imóveis da

região.

I.VI Projeto Arquitetônico

- Localização: Rua Madre de Deus nº. 769 Moóca.

- Terreno: 750m²

- Área construída: 2.691,64 m²

- Programa: duas lâminas paralelas, compondo 2 edifícios,

totalizando 45 unidades habitacionais, com

aproveitamento quase total do lote.

- Área útil das unidades: 59,81m²

- Técnica construtiva: Alvenaria estrutural

I.VII Custos

- terreno: R$ 440.025,82 / U$ 145.938,67

- construção: R$ 1.162.022,10 / U$ 409.162,71

- total: R$ 1.735.472,43 / U$ 61.1081,84

- unidade: R$ 38.566,05/ U$ 13.579,60

- m² total: R$ 644,76 / U$ 277,03

I.VIII Outros empreendimentos do programa habitacional

- “Mutirão Celso Garcia”: Avenida Celso Garcia, 182

unidades.

Page 32: limites a produção da moradia social no centro de SP

31

Estudo de caso II

Riskalah Jorge: Projeto habitacional edificado, desenvolvido pelo

PAR - Programa de Arrendamento Residencial,

elaborado pela Caixa Econômica Federal, gestão de

99/2002 do Governo Federal.

II.I Programa Habitacional:

PAR – Programa de Arredamento Residencial

- Agente promotor: Caixa Econômica Federal

- Elaboração e gestão do programa: Caixa Econômica

Federal

- Objetivos da promoção: “O Governo Federal lançou este

Programa para atender, exclusivamente, a necessidade

de moradia da população de baixa renda, dos grandes

centros urbanos. Esse público terá acesso ao Programa

mediante contrato de arrendamento residencial, com

opção de compra ao fim do período”.34

- Estágio atual do Programa: “Em andamento por todo

Brasil, em 23 de abril de 2001, o Programa já envolvia

34 Sítio eletrônico da CEF: http://www.caixa.gov.br/casa/produtos/asp/par.asp (20.10.2003)

347 empreendimentos, totalizando 41.545 unidades

residenciais, a um custo médio de R$ 19.511,00, por

unidade. Na mesma data, encontrava-se em fase de

análise, 537 novas propostas de produção de

empreendimentos, contendo 89.114 unidades residenciais

em todo o território nacional”.35 Em setembro de 2003

ainda encontra-se em funcionamento. Deverá ser

finalizado em 31 de dezembro de 2003.

II.II Financiamento:

- Agente financiador: Caixa Econômica Federal,

utilizando-se de recursos do FAR - Fundo de

Arrendamento Residencial, criado pela Lei Federal

10.188/2001.

- Forma de financiamento: Este programa se caracteriza

pelo arrendamento de unidades habitacionais, destinadas

à famílias com renda mensal até 6 salários mínimos. O

financiamento tem duração de 180 meses, sendo que a

taxa de arrendamento mensal é de 0,7% do preço da

unidade habitacional. Após esse prazo, as famílias têm a

opção de comprar o imóvel. O valor máximo do

financiamento por unidade do edifício Riskalah Jorge, foi

de R$ 20.000,00 na data da concessão do arrendamento,

em setembro de 2003 é de R$ 32.000,00, apenas para os

centros metropolitanos.

35 Ídem.

Page 33: limites a produção da moradia social no centro de SP

32

II.III Projeto de Arquitetura

- Agente responsável: Arquiteta Helena Saia

- Forma de concepção: Com a participação dos futuros

moradores do MMC, em assembléias e reuniões.

II.IV Construção

- Agente construtor: Cury Empreendimentos

- regime de construção: mão de obra contratada

- Tipo de construção: reforma

- Processo de construção: demolição das paredes e

instalações indesejadas, construção das novas divisórias,

passagem das instalações, limpeza e lichamento da

fachada, acabamentos.

- Estágio de construção: inaugurado em 24.01.2003

II.V Demanda habitacional

- Agente catalisador: MMC – Movimento de Moradia do

Centro

- Forma de cadastramento: CEF, através do MMC.

- Informações sociais: famílias com renda entre três e seis

salários mínimos provenientes de cortiços da região e de

ocupação situada na rua do Ouvidor.

II.VI Projeto Arquitetônico

- Localização: Avenida Prestes Maia

- Terreno:

- Área construída: 7.472 m²

- Programa: torre única com 17 andares; 167 apartamentos

de área útil média de 30m²; com sala/dormitório, cozinha

americana, área de serviço integrada e banheiro.

- Técnica construtiva: estrutura pré-existente em concreto

armado e vedos em alvenaria, novas divisórias de gesso.

- Arquitetura (desenhos e fotos): favor ver no anexo

II.VII Custos

- edifício:

- reforma:

- total: R$ 4.124.900,00

- unidade: R$ 24.700,00

- m² construído: R$ 552,00

II.VIII Outros empreendimentos parte do mesmo programa

habitacional

- “Fernão Sales”: Rua Fernão Sales n° 24; 54 famílias.

- “Maria Paula”: Rua Maria Paula n°171; 75 famílias.

- “Banespa”: Avenida Celso Garcia n°787; 84 famílias.

- “Brigadeiro Tobias”: Rua Brigadeiro Tobias n°290; 84

famílias.

Page 34: limites a produção da moradia social no centro de SP

33

- Cerca de 1150 unidades, em 9 empreendimentos, em

negociação com a Caixa, por iniciativa dos movimentos de

moradia.

- Cerca de 880 unidades, em 11 empreendimentos, em

negociação com a Caixa, por iniciativa do Pró

Centro/Sehab.

Page 35: limites a produção da moradia social no centro de SP

34

Estudo de caso III

21 de Abril: Projeto habitacional em fase de finalização dos

desenhos executivos, desenvolvido pelo PAC - Programa

de Atuação em Cortiços, promovido pela CDHU –

Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano

do Estado de São Paulo.

III.I Programa Habitacional:

PAC – Programa de Atuação em Cortiços

- Agente promotor: CDHU – Companhia de

Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São

Paulo

- Elaboração e gestão do programa: SGPAC –

Superintendência de Gestão do Programa de Atuação em

cortiços.

- Atua através de nove diferentes “Setores

Básicos de Intervenção”, o projeto em estudo

situa-se no setor 4 – Moóca.

- Para sua implantação o programa prevê

parcerias com municípios, ONGs, e

associações de moradores.

- O Programa contempla programas sociais de

apoio, complementares ao desenvolvimento

social e integração das famílias aos serviços e

equipamentos existentes.

- Objetivos da promoção: “tem como objetivo melhorar as

condições de habitabilidade da população que mora em

cortiços, por meio de atendimentos diversificados. Tem

como foco principal as áreas centrais das grandes cidades

do Estado de São Paulo, onde se concentra a maior parte

dos cortiços. Áreas que, mesmo dotadas de infra-

estrutura e equipamentos públicos e privados adequados,

passaram, ao longo do tempo, por um processo de

transformação de uso, que levou ao esvaziamento e à

deterioração de grande parte dos imóveis lá edificados. É

também objetivo do PAC induzir processos de

requalificação urbana nos setores degradados onde se

encontram esses cortiços” 36

- Estado atual do programa: Levantamentos dos setores

básicos de Intervenção em finalização. Projetos diversos

em andamento. (mais informações não disponibilizadas).

36 CDHU, 2002: 10.

Page 36: limites a produção da moradia social no centro de SP

35

III.II Financiamento:

- Agente financiador: recursos do Governo do Estado e BID

– Banco Interamericano de Desenvolvimento.

- Aspectos do financiamento: convênio assinado em junho

de 2002, prevê o financiamento a 5 mil famílias, até

junho de 2006. Valor total desta etapa: US$ 70 milhões.

- Formas de financiamento: “Os tipos de atendimentos

propostos pela CDHU, no âmbito do PAC, estão

diretamente relacionados à situação sócio econômica das

famílias e ao seu interesse por uma solução habitacional

ou ajuda de custo. Especificamente para os moradores

do Hospital 21 de Abril, consistiram em”:

- Carta de crédito para compra de imóvel

ofertado pelo mercado (limitada a R$ 45 mil),

com subsídio de R$ 10 mil, financiamento de

até R$ 20 mil e o restante, se for o caso,

sendo coberto com recursos próprios e/ou

FGTS do beneficiário.

- Ajuda de custo única de R$ 1,8 mil, prevista

para pagamento de aluguel temporário, para

famílias sem renda e também para

interessadas nesse tipo de atendimento.

- Financiamento de imóvel da CDHU em outras

regiões da cidade, desde que disponível para

recomercialização.

- Apartamento no empreendimento Pari A –

para os que recebessem acima de 3,5 salários

mínimos (com subsídio de R$ 10 mil)

- Possibilidade de aguardar, em outro local e

por conta própria, pela construção ou

reforma do imóvel (com subsídio previsto de

R$ 10 mil), desde que comprovassem de

imediato – e também à época da

comercialização – a renda mínima exigida.

III.III Projeto de Arquitetura

- Agente responsável: escritório de arquitetura contratado

- Forma de concepção: a partir do programa requisitado

pelo edital de licitação do projeto de arquitetura

III.IV Construção

- Agente construtor: construtora, aguardando término do

proj. executivo para licitação.

- regime de construção: mão de obra contratada

- Tipo de construção: construção nova

- Processo de construção: demolição total do antigo

hospital por empresa contratada e construção de novas

torres residenciais

- Estágio de construção: hospital demolido, edital de

licitação de obra em formatação.

Page 37: limites a produção da moradia social no centro de SP

36

III.V Demanda habitacional

- Agente catalisador: ULC – Unificação das lutas de cortiços

- Forma de cadastramento: através da CDHU

- Informações sociais:

III.VI Projeto Arquitetônico

- Localização: Rua 21 de Abril, n° 569.

- Terreno:

- Área construída:

- Programa: 210 unidades habitacionais

- Técnica construtiva:

- Arquitetura (desenhos e fotos): favor ver no anexo

III.VII Custos

- edifício:

- reforma:

- total:

- unidade:

- m² constrído:

III.VIII Outros empreendimentos do programa habitacional

- “Pirineus”: Rua Pirineus, 28 unidades.

- “Cinema da Moóca”:

- “Prédio Ana Cintra”: rua Ana Cintra; 70 unidades.

- “Pulmão” ou “Pari A”: 320 unidades.

Page 38: limites a produção da moradia social no centro de SP

37

Estudo de caso IV

“Favela do Gato”: Projeto habitacional em fase de licitação:

desenvolvido pelo Programa Morar no Centro –

Locação Social, promovido pela Cohab – SP.

IV.I. Programa Habitacional:

Programa Morar no Centro / Projetos Especiais / Locação

Social

- Agente promotor: Cohab - SP

- Elaboração e gestão do programa: Cohab - SP

- Objetivos da promoção: “Visa a ampliação da oferta de

unidades de aluguel compatíveis com as necessidades das

famílias e com a capacidade de pagamento. Pretende

também atender às pessoas sem condições de renda para

serem incluídas nos programas de aquisição ou “leasing”

disponíveis, garantindo que possam permanecer no

Centro, onde estão suas fontes de renda ou redes de

solidariedade”.

- Estágio do programa: 486 unidades em obras e 1.144 em

projeto e órgão gestor das unidades de propriedade

pública em formatação.

IV.II. Financiamento:

- Agente financiador: Fundo Municipal de Habitação e BID

– Banco Interamericano de Desenvolvimento

- Aspectos do financiamento: Encontra-se em tramitação

a realização de convênio com o BID, para o

financiamento do “Programa Reconstruir o Centro”, sob

o valor total de US$ 167 milhões, dos quais quantia ainda

indefinida deverá ser alocada no programa específico de

locação social. Desta quantia, 80% serão providos pelo

BID e 20% pela PMSP.

- Formas de financiamento: Para beneficiários com renda

familiar até 2 salários mínimos, o comprometimento com

gastos de aluguel será de 10 % desse rendimento. Acima

de 3 salários mínimos, o comprometimento pode chegar

a 15 % do rendimento familiar (nesses casos, serão

admitidas famílias cuja renda per capta não ultrapasse 1

salário mínimo). Nos casos em que o valor calculado do

aluguel da unidade habitacional for maior do que aquele

que a família pode comprometer de sua renda mensal,

será concedido um subsídio pelo Fundo Municipal de

Habitação para suportar essa diferença.

Page 39: limites a produção da moradia social no centro de SP

38

IV.III. Projeto de Arquitetura

- Agente responsável: Projeto Básico - Wagner Germano,

Cohab – SP. Projeto Executivo – Caio Amore, Assessoria

técnica Peabiru.

- Forma de concepção: Elaboração do projeto a partir de

informações sócio – econômica das famílias e

apresentação à comunidade.

IV.IV. Construção

- Agente construtor: construtora a ser contratada

- Regime de construção: mão de obra contratada

- Tipo de construção: edificação nova

- Processo de construção: em estudos

- Estágio de construção: em licitação das obras

IV.V. Demanda habitacional

- Agente catalisador: Habi - Centro

- Forma de cadastramento: em elaboração

- Informações sociais: Parte da demanda será preenchida

diretamente pelas 350 famílias moradoras da favela do

gato, as unidades restantes deverão fazer parte do

estoque público de locação social.

IV.VI. Projeto Arquitetônico

- Localização: Na região da Foz do Rio Tamanduateí, onde

hoje se localiza a favela do gato.

- Terreno: área de 175.000 m²

- Área construída:

- Programa: O projeto prevê para o setor leste, numa área

de aproximadamente 51.700,00 m², a implantação de

condomínios residenciais para habitação de interesse

social, resultando 486 unidades habitacionais distribuídas

em 04 condomínios; sistema viário público interno ao

empreendimento; edifícios não residenciais destinados a

Centro de Educação Infantil, padaria, farmácia e banca de

jornal.

- Área das unidades: três diferentes tipologias, 81

quitinetes de 28 m², 243 de um quarto com 36,01 m² e

162 de dois quartos com 44,32 m².

- Arquitetura (desenhos e fotos): favor ver no anexo

- Técnica construtiva: alvenaria estrutural sobre pilotis

IV.VII. Custos (estimados)

- terreno: R$ 25.850.000,00 (inclui área do parque)

- construção: R$ 16.887.000,05

- total: R$ 42.737.000,05 (inclui parque público)

- unidade: R$ 34.750,00 (apenas construção)

- m² construído: R$ 807,00

Page 40: limites a produção da moradia social no centro de SP

39

IV.VIII. Outros empreendimentos parte do mesmo programa

habitacional

- “Baronesa do Porto Carreiro”: Rua Baronesa do Porto

Carreiro n°167, 23 unidades.

- “Olarias (Semab)”: Rua das Olarias esquina com a Rua

Araguaia, 140 unidades.

- “Metrô Belém”: Rua Toledo Barbosa esquina com Rua

Álvaro Ramos, 180 unidades.

- “Bresser XIV”: Rua Visconde de Parnaíba esquina com Rua

Ariri Bresser, 140 unidades.

Page 41: limites a produção da moradia social no centro de SP

40

4.1.2 relação dos agentes entrevistados

Alguns entrevistados: Luiz Cavalcanti e sua filha, em sua casa, no Madre de Deus;

Sidney Eusébio em seu novo apartamento, financiado com carta de crédito da

CDHU.

1 - Órgão do Poder Público/empresa promotores do Projeto Habitacional

2 - Financiadores

3 - Projetistas

4 - Construtores

5 – Moradores ou representantes dos movimentos populares

I. Madre de Deus – PMSP/Gestão Erundina

1. Cláudio Manetti, arquiteto, Habi.

2. Reginaldo Ronconi, arquiteto, Funaps Comunitário.

3. Pedro Sales, arquiteto, Habi.

4. Joel Felipe, arquiteto, AD assessoria técnica.

5. Sidney Eusébio, liderança popular - ULC / UMM.

II. Riskallah Jorge CEF: PAR

1. /2. Marco Antônio, economista, CEF.

3. (não quis dar entrevista) Helena Saia, arquiteta, Helena

Saia arquitetos associados.

4. Kennedy, engenheiro, Cury Empreendimentos Imobiliários

LTDA.

5. Gegê, liderança popular, MMC - UMM.

III. 21 de abril – CDHU: PAC - BID

1./2. Lia Ferreira, arquiteta, CDHU – PAC/BID

3. (não identificado)

4. (não contratado)

5. Sidney Eusébio, liderança popular, ULC - UMM

Page 42: limites a produção da moradia social no centro de SP

41

IV. Favela do Gato – Cohab: Locação Social

1.1 Margareth Uemura, arquiteta, assessoria presidência da

Cohab

1.2 Luiz kohara, engenheiro, assessoria presidência de Habi

1.3 Helena Menna Barreto Silva, arquiteta, vice-presidente

do Pró Centro

1.4 Carolina Pozzi, arquiteta, Habi Centro

2. (não contatado) BID

3.1 Wagner Germano, arquiteto, Cohab.

3.2 Caio Amore, arquiteto, Assessoria técnica Peabiru

4. (não contratada)

5. Sassá, morador da favela do gato

depoimentos complementares:

- Verônica Krol, liderança popular, Fórum dos cortiços e sem

teto de São Paulo.

- Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente

Page 43: limites a produção da moradia social no centro de SP

42

4.1.3 o papel dos movimentos populares de luta por

terra e moradia

Cabe aqui, de forma deveras breve, antes de adentrarmos nos

limites identificados à produção de HIS pelo poder público, menção

específica aos movimentos populares de luta por terra e moradia.

São coletivos de organização, formação e atuação de base das

famílias de baixa renda que lutam contra as condições impostas pelo

sistema de relações sociais a que estamos submetidos, em busca do

direito de poder habitar, usufruir da cidade qual são parte

integrante.

A história dos movimentos de moradia que atuam na região central

tem origem na Moóca, na Associação dos Trabalhadores da Moóca,

desde fins dos anos 70. Atualmente são sete movimentos que atuam

na região central de São Paulo. Sua estruturação se deu a partir de

subdivisões do grupo inicialmente formado na associação acima

referida, chamado de ULC: Unificação das Lutas dos Cortiços. Daí, a

partir de seu crescimento e da necessidade de organização de mais

e mais famílias, é que o grupo inicial se desmembrou nos sete grupos

ao lado representados:

fonte: Sidney Eusébio (ULC) e Verônica Krol (Fórum dos Cortiços), maio de 2003.

A atuação desses movimentos na história dos programas públicos de

habitação social no centro (que trabalharemos a seguir) demonstrou

Page 44: limites a produção da moradia social no centro de SP

43

funcionar como espécie de ‘mola propulsora’ de ‘ignição’ e

‘manutenção’ das poucas unidades produzidas. Se não fosse sua

atuação é certo que esses programas não teriam sequer saído dos

planos de governo e das peças orçamentárias.

O reconhecimento da importância dos movimentos populares na

condução dos programas habitacionais nos levou a participar das

reuniões semanais da coordenação executiva da UMM – União dos

Movimentos de Moradia37 para o acompanhamento dos programas

habitacionais a partir do ponto de vista da população organizada

‘moradora’ dos estudos de caso.

Ao todo participamos de 12 reuniões, quais foram todas relatadas,

mas que por exigüidade de espaço e tempo, não cabe aqui

apresentar, tornando-se possível fonte de dados e informações para

futuros trabalhos acadêmicos acerca do tema.

Os movimentos populares de luta por terra e moradia atuam

pressionando a sociedade para que se altere suas formas de

organização social que resultam na atual condição de sobrevivência

das famílias de baixa renda. Essa atuação se dá através de variadas

formas de ação política. São atos públicos, seminários, marchas,

festas, panfletagens, incursões nos meios de comunicação e

ocupações de imóveis que não cumprem sua função social.

Apenas para uma melhor apreensão da escala das ocupações de

imóveis vazios ou subutilizados no centro, ações de maior

repercussão política realizadas por esses movimentos, é que

37 A UMM congrega movimentos populares de moradia de toda a cidade, inclusos quatro dos sete movimentos atuantes no centro: ULC, MMC, MSTC e Fórum dos Cortiços.

apresentamos abaixo uma tabela resumida dos edifícios e a

quantidade de famílias residentes:

Tabela 1: quadro das ocupações na região central de São Paulo

pelos movimentos de luta por terra e moradia.

movimento localização distrito famílias

1 ULC Rua Sólon Luz 100

2 ULC Rua Paula Souza B. Retiro 74

3 MMC Rua do Ouvidor Sé 85

4 Fórum Rua dos Fraceses Bela Vista 34

5 Fórum Rua da Abolição Bela Vista 163

6 Fórum Rua Paulino Guimarães 98

7 Fórum Av. Nove de Julho República 74

8 Fórum Rua Conde de São Joaquim 18

9 MSTC Rua Ana Cintra República 70

10 MSTC Bresser Bresser 18

11 MSTC Brigadeiro Tobias Bom Retiro 200

12 MSTC Rua Aurora 150

13 MSTC Rua Mauá 80

14 MTSTRC Av. Pres. Wilson Ipirinaga 180

15 MMTI Av. Pres Wilson Ipiranga 106

total fam. 1450

ULC Unificação das Lutas dos Cortiços

MMC Movimento de Moradia do Centro

MSTC Movimento dos Sem Teto do Centro

Fórum Fórum dos Cortiços

MTSTRC Movimento dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central

MMTI Movimento de Moradia dos Trabalhadores Independente

Fonte: UMM – União dos Movimentos de Moradia

Data base: 08.08.2003

Page 45: limites a produção da moradia social no centro de SP

44

4.1.4 os limites à promoção pública

4.1.4.1 limites gerais

Iniciamos aqui a apresentação dos limites, barreiras, dificuldades,

problemas impostos à produção da moradia social no centro de São

Paulo promovida diretamente pelo poder público.

Os limites aqui identificados foram listados através dos depoimentos

dos agentes envolvidos diretamente na produção das unidades

estudadas e das bibliografias visitadas.

A apresentação dos limites está organizada segundo a classificação

que acreditamos mais compatível com os temas identificados.

A ordem estabelecida para a apresentação não remonta uma lógica

hierárquica de relevância dos limites. Buscamos apenas enumerá-los

a partir da maior para a menor abrangência do limite: trata-se

apenas de uma questão de escala.

Desta forma, iniciamos com os limites gerais à produção pública, ou

seja, trabalharemos primeiramente enumerando as barreiras

relevantes encontradas nos quatro estudos de caso realizados, para

depois discorrer sobre os limites específicos a apenas um ou mais

programas.

A organização da apresentação se dará pelos temas dos limites, que

chamaremos de seções. Cada seção será subdividida em itens–limite

mais específicos, ou apenas itens. Dentro de cada item a

apresentação se dá segundo a forma específica que melhor coube à

compreensão das questões a serem explanadas.

Para a definição de quais trechos coletados deveriam constar no

presente relatório, buscamos escolher apenas a quantidade

necessária e suficiente para a abordagem mais didática possível que

demonstre a existência do limite em questão.

Por diversas vezes os limites aqui apresentados foram repetidos por

diversos agentes entrevistados, daí, escolhemos apenas aqueles

depoimentos que o melhor exemplificam. Para uma visão mais geral,

quase quantitativa dos limites mencionados em todas as entrevistas

realizadas, organizamos uma planilha geral dos limites à promoção

pública de HIS, que pode ser visitada ao final, no anexo.

Page 46: limites a produção da moradia social no centro de SP

45

4.1.4.1.1 limites ideológico – culturais

“O real não se apresenta claramente aos nossos sentidos. Por isso, ele comporta

diferentes versões ou interpretações. Entendemos por ideologia (Chauí, 1981:21)

aquela versão da realidade social dada pela classe dominante com visitas a facilitar

a dominação. Essa versão tende a esconder dos homens o modo real de produção de

suas relações sociais. Por intermédio da ideologia, a classe dominante legitima as

condições sociais de exploração e de dominação, fazendo com que pareçam

verdadeiras e justas. A ideologia surge no seio da classe dominante através do

descolamento das idéias da realidade social (atomização das idéias) e consiste na

transformação das idéias da classe dominante em idéias dominantes em uma

sociedade, em determinado período histórico”.

(Villaça38)

Iniciamos a apresentação da identificação dos limites à produção da

moradia social no centro pelas dificuldades geradas por posturas

ideológicas e culturais presentes em parte da sociedade paulistana.

Trata-se de um tema amplo, que interfere de modo orgânico, direta

e indiretamente nas ações inerentes à produção da moradia social

no centro.

Devido à amplitude com que o conceito ‘ideologia’ pode se vestir e

suas diversas leituras, utilizaremo-nos daquele acima proposto por

Chauí, através de Villaça.

É certo que as barreiras abaixo identificadas podem ser também

classificadas de outras formas, simplesmente como limites políticos,

38

Villaça, “Espaço intra-urbano no Brasil”, 1998: 343.

compreendendo aí política em seu estado mais genérico e irrestrito.

Mas, optamos aqui por classificá-los sob a ‘rubrica’ específica da

ideologia e da cultura, pois reservaremos a caracterização de limites

políticos apenas àqueles relacionados às questões da esfera da

política formal e da economia política, como veremos mais adiante.

pré-conceito e discriminação

Dentre os limites ideológicos e culturais pesquisados, destacamos

inicialmente aqueles encontrados no âmbito do preconceito e da

discriminação entre as diferentes classes sociais. Estes se

apresentam em duas escalas diferentes, a urbana, resultante na

“segregação sócio espacial”, e a do edifício, ou da unidade

habitacional, resultante na idéia de “habitação popular”.

Primeiramente trabalharemos com a escala urbana, a “segregação

sócio-espacial”:

pré-conceito e discriminação

escala urbana: a segregação sócio espacial

O preconceito e a discriminação dificultam e influenciam de modo

difuso e direto a presença da população de baixa renda na região

central. Diversos depoimentos revelaram esta realidade, que

demonstra não haver consenso de que as classes de baixa renda

tenham também o direito de desfrutar da parte da cidade dotada de

infra-estrutura, em fim, do direito à cidade. Esta postura, de certa

forma, aponta que há por parte de alguns paulistanos uma

concordância com a segregação sócio espacial que organiza nossas

cidades, com a idéia de que a população de baixa renda tem direito

Page 47: limites a produção da moradia social no centro de SP

46

apenas de se localizar nas periferias, onde a infra-estrutura é

precária ou inexistente.

Luiz Kohara, responsável pela implementação do programa de

locação social da PMSP, gestão Marta Suplicy, é que nos relata essa

realidade:

“Acredito que primeiro nunca se desenvolveu de forma mais

profunda de que morar no centro é um direito da população de baixa

renda (...). Isso é um problema conceitual, acho que é grave, pois

trabalhar pobre e periferia parece que tem muito a ver. Essa é a

primeira questão de fundo para mim, que é o básico”.(depoimento

de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP,

Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).

Este ‘problema conceitual’ foi encontrado em diversos depoimentos,

dos diferentes agentes envolvidos na produção da moradia social no

centro, que representam diferentes classes sociais. Apresentamos

abaixo trechos de entrevistas que revelam a existência desta

questão, resultante de posturas creditadas a ‘proprietários de

imóveis’, ou à Associação Viva o Centro39, identificada como grupo

39 “A Associação Viva o Centro nasce em 1991 como resultado da tomada de consciência das mais significativas entidades e empresas sediadas ou vinculadas ao Centro de São Paulo do seu papel de sujeitos e agentes do desenvolvimento urbano. Organizada como associação de caráter cívico e representativo, sem fins lucrativos e rigorosamente apartidária, é mantida por contribuições regulares de seus associados e mantenedores, pela venda de seus produtos e serviços e ainda por doações e contribuições outras. (...) Associação objetiva o desenvolvimento da Área Central de São Paulo, em seus aspectos urbanísticos, culturais, funcionais, sociais e econômicos, de forma a transformá-la num grande, forte e eficiente Centro Metropolitano, que contribua eficazmente para o equilíbrio econômico e social da Metrópole, para o pleno acesso à cidadania e ao bem-estar por toda a

organizado que representa os interesses dos proprietários de imóveis

e de estabelecimentos comerciais da região central:

“Há resistências [à presença da população de baixa renda no centro],

as maiores são por parte da Associação Viva o Centro. Você tem

sempre um discurso que você precisa ter diversidade. Mas eles ainda

não entenderam que para ter diversidade você tem que aumentar

em todas as faixas. Eles estão achando que tem muita população

pobre, e que você precisa ter mais renda média”. (depoimento de

Helena Menna Barreto Silva, estudo de caso favela do gato,

arquiteta, PMSP, Sehab - Pró Centro).

“Questionamento tem [sobre a presença da população de baixa renda

no centro]. A Viva o Centro sempre achou um absurdo isso, que a

Cohab está colocando pobre para morar lá. Eles acham que tem de

varrer, varrer os camelôs. (...) Resistência tem, mas eu acho que são

de grupos muito localizados. A Viva o Centro é uma delas, que tem

lá suas resistências, não sei que outro grupo mais teria algum

trabalho no sentido de impedir. Apesar de que, da Associação Viva o

Centro, eu nunca tenha visto nenhuma ação, mas tem a retórica, a

forma como eles apresentam, tem algum preconceito ali, isso tem.

Mas na minha opinião nada que impeça essa ação efetiva de estar

promovendo moradia para famílias de baixa renda na região

central”. (depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela do

gato, arquiteto, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

Quando os movimentos populares de luta por terra e moradia no

centro sentavam-se à mesa para negociar a compra de imóveis para população”. trecho extraído do sítio eletrônico da Associação: http://www.vivaocentro.org.br/vivaocentro/index.htm ,em 10.10.2003.

Page 48: limites a produção da moradia social no centro de SP

47

os empreendimentos de HIS do programa PAR, o limite do

preconceito e da discriminação teve de ser superado novamente:

“(...) a gente sempre enfrentou dificuldades. Quando a gente vai

conversar com o proprietário, e fala que é uma associação, dos

cortiços, dos sem teto: ‘ah não, pode parar, por que não quero nada

com essa gente’. Então a gente tem todo esses confrontos, não só

nas negociações. Agora as escolas, os postos de saúde, até que

pararam um pouco, até um tempo atrás não conseguia vaga na

creche, vaga na escola. Agora até que eles mudaram, mas nas

negociações continua. Os proprietários ainda acham que vender um

prédio para os sem teto no centro é crime”. (depoimento de

Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos cortiços).

Outros representantes dos movimentos populares, que enfrentam

diretamente este limite, creditam esta postura a uma classe social,

a burguesia:

“Eles [a burguesia] não pensam na questão do pobre morar no

centro. Eles pensam que o centro tem que ser para os ricos, trazer os

ricos de volta, fazer Shopping. Trazer os hotéis, trazer turismo para

o centro da cidade. Então eles estão planejando uma cidade de São

Paulo turística, e não para a população pobre morar no centro. Isso é

muito claro quando você lê as revistas da Viva o Centro, aqueles

caras burgueses lá. (...) É engraçado, que quando nós ocupamos o

Hotel São Paulo, em 1999, fui numa reunião do Conseg (conselhos de

segurança), de todos os Conseg do centro da cidade. E eles ficavam

dizendo que nós pobres estávamos enfeando o centro da cidade. Que

nós não tínhamos o direito de ocupar prédio no centro. Que nós não

tínhamos o direito de reivindicar moradia no centro, por que pobre

não gasta, pobre não tem dinheiro para comprar as coisas que os

ricos têm. Então por essa razão, nós não poderíamos morar no centro

da cidade. E foi um embate muito feio. Foi uma reunião de quatro a

cinco horas que durou, parece mentira”. (depoimento de Verônica

Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos cortiços).

“Os anos de 97, 98, 99 e 2000, foram os anos das grandes ocupações

na região central. Essas ocupações deram um impacto político na

burguesia nacional e internacional, ligada ao capital financeiro,

como Banco de Boston (dentre outros), que atuam como

representantes do neoliberalismo. Eles perceberam isso quando o

MMC ocupou um prédio da Caixa Econômica Federal na Roberto

Simonsem, e um do Banco Nacional, na Libero Badaró. Foi quando ela

[a burguesia] acordou e disse: ‘Pérai, tem alguma coisa errada’. Pois

quando ocupávamos apenas prédios públicos, como do INSS, da

Secretaria de Cultura, diziam que eram ocupações de movimentos do

PT, só por não estarmos no governo. (...) Foi quando a burguesia se

apercebeu disso. (...) Me lembro de uma frase no ‘Jornal Nacional’,

no sábado à noite, em que disseram : ‘as ocupações no Centro de São

Paulo começam a mexer com o capital financeiro. Ontem à noite o

MMC ocupou o edifício do Banco Nacional, falido e resgatado pelo

governo federal, dizendo que se o governo teve recursos do Proer

para garantir a falência do banco, por quê não tem dinheiro para

garantir a moradia?’ Como que avisando a burguesia: vocês estão

vendo, se cuidem que está aí. (...) Há uma dificuldade enorme de se

enxergar isso, inclusive por parte de alguns movimentos de

moradia”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso

Riskalah Jorge, integrante do MMC).

Page 49: limites a produção da moradia social no centro de SP

48

“Para quem não analisou do ponto de vista ideológico, se não tiver

essa consciência de luta de classes, de divisão de classes, está até

hoje sem saber o que e porque essas coisas aconteceram”

(depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção

Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso

Garcia” Comaru, Francisco, 1998:156).

A idéia de que as classes de baixa renda devam habitar na periferia,

encontra ressonância, até dentro dos movimentos populares de luta

pela moradia:

“Os movimentos perderam o norte da disputa, pois dentro da própria

UMM (na época do governo Maluf), tinha um setor que incriminava,

ou incrimina até hoje quem quer morar na região central, sem ver a

importância de valorizar a moradia na região central. Havia setores

do movimento que sempre combatiam isso. Afirmavam ser uma

forma ‘pequeno-burguesa’ de viver, de morar no centro. Era coisa da

burguesia”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso

Riskalah Jorge, integrante do MMC).

Segundo representantes da PMSP e dos movimentos de moradia, a

mesma postura pode ser encontrada dentro da máquina pública,

bem como dos órgãos públicos de financiamento:

“Os procuradores da área jurídica da PMSP, com todas as letras, só

não escreviam, mas diziam que ‘pobre não deveria morar no centro

da cidade’. Quase dizendo que isso é ilegal. Nós fizemos, os

arquitetos, vários pareceres jurídicos, para você ter uma idéia a

loucura que foi. Era uma contra-corrente de uma forma assim muito

louca. Pesada”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo

de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab - Habi gestão Luíza Erundina).

“(...) outra questão conceitual é a visão da moradia. Eu acho que por

muito tempo nós trabalhamos (os técnicos, quem elaborava a

política) que moradia eram as quatro paredes. É outra questão

conceitual que também leva para a periferia. Pois se são necessárias

só quatro paredes, então onde sai mais barato (onde dá para fazer

quatro paredes melhor) é melhor. Aí quando você traz o conceito de

que a moradia é o direito à cidade, e você extrapola isso: é

transporte, é acesso, tudo isso daí. Então você muda a visão. (...) é a

questão dos acessos, é você ter acesso à educação fácil, saúde,

transporte, uma série de questões”. (depoimento de Luiz Kohara,

estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab – Habi,

gestão Marta Suplicy).

“Tem questionamento sim [acerca da presença da população de

baixa renda no centro]. O próprio BID, o que eles colocam, é que

realmente em certas áreas da cidade, se você quiser valorizar, você

não pode ter habitação de interesse social, pois vai atrair população

de baixa renda. (...) Por que a lógica deles é a seguinte: mesmo que

você subsidie muito a população de baixa renda para morar no

centro, eles não são consumidores, portanto se você só tiver

população de baixa renda morando numa certa área, você não tem

outros serviços, de proximidade. Você só vai ter os serviços de

proximidade compatíveis que são compatíveis com essa faixa de

renda. Então você tem um problema geral. Então o que temos dito

(nós também defendemos isso), é que tem que ter diversidade, a

idéia tem lógica. Então você tem que ter diversidade, a diversidade

social interessa também à população de baixa renda, por que senão

Page 50: limites a produção da moradia social no centro de SP

49

tende realmente a acontecer isso”. (depoimento de Helena Menna

Barreto Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab

- Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

“(...) achavam um absurdo [técnicos da Cohab], colocar essa

população para morar ali, apesar deles já estarem morando ali, e a

reivindicação é para não sair dali. (...) Mas tinha algumas pessoas

[técnicos da Cohab] que não entendiam isso, viam isso de uma forma

muito crítica. Então, tinha toda uma ‘construção’ que tinha que ser

feita, dentro até do próprio poder público”. (depoimento de Wagner

Germano, arquiteto, PMSP, Sehab, Cohab, gestão Marta Suplicy).

“Eu sinto que eles [governo] não querem que a gente fique por aqui,

os encortiçados fiquem por aqui, na área central. (...) quem tem um

salário mínimo tem que morar na periferia, manda para a periferia,

vai, manda para lá! É uma pessoa a menos aqui na área central, para

dar problema na área central. Vai ser uma pessoa a menos na rua.

Por que se você não consegue pagar os dez salários mínimos, o que

acontece? Ou vai para a periferia, ou vai ficar na rua jogado. Então

se o governo der uma casa para você, dentro da sua renda familiar lá

na periferia, onde Judas perdeu as botas, ele vai ficar livre de você

aqui. Então, ele [governo] não sente isso: a discriminação de que

encortiçado não tem prioridade em nenhum dos governos.

Praticamente política para nenhum deles, eles não querem, são

tantas as dificuldades que o movimento tem”. (depoimento de

Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,

integrante da ULC).

Para os moradores ou instituições próximas dos empreendimentos

habitacionais de HIS, ou de imóveis ocupados por movimentos

organizados, a presença da população de baixa renda no entorno,

também não é tida como consensual:

“(...) há dois exemplos: quando nós [mutirantes do empreendimento

do PAC – Cdhu na rua Pirineus e a assessoria técnica Ambiente]

estávamos fazendo o mutirão e começou a demolição, (...) colocaram

a placa do governo, da associação [dos futuros moradores do imóvel].

Daí, vários vizinhos vinham e brigavam mesmo. Puseram na

imprensa, chamaram polícia, fizeram o que estava ao alcance deles.

Foram extremamente grosseiros, tratando-os como bandidos. Essa

história toda, de achar que já que tinha povo ali, pessoal de baixa

renda, aquilo ia ser um cortiço. Então tem uma pressão ali do

entorno, da sociedade próxima dali, muito grande. Há uma

resistência cultural muito grande: ‘não vamos nos misturar’. São

Paulo foi e é tratada desse jeito, a mistura nunca é bem vista, não

que a gente espere que ela seja bem vista, mas há essa cultura

mesmo. Há uma resistência, muito grande”. (depoimento de Isabel

Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente).

“(...) houve até uma festa [conquista de terreno para mutirão, não

viabilizado], de capinamento, de tirar muro. Mas no dia seguinte,

apareceu tudo [tapumes da obra] pintado de fascista, com coisas

nazistas. Havia uma reação bárbara não se sabe de quem. Se era da

vizinhança, era muito pouco provável, pois era também de baixa

renda, cortiços. Mas havia isso, pois estávamos lidando com 12.000

metros, três terrenos. (...) Eram 450 unidades, com uma densidade

legal”.(depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo de caso

Madre de Deus, PMSP Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).

Page 51: limites a produção da moradia social no centro de SP

50

“A gente escuta cada coisa... Nós estamos sempre no convencimento.

(...) Eu recebo aqui pelo menos uma entidade (ong) por semana

dizendo: ‘Como vocês estão promovendo de trazer os pobres para

cá?’. Acontece às vezes nas entrelinhas, e mesmo o mais simples não

entendem. (...) É cultural. (...) E os alunos para quem dou aula

também: ‘por quê que vou ficar pagando impostos para atender os

pobres?’, e olha que são da universidade”. (depoimento de Margareth

Uemura, estudo favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab,

gestão Marta Suplicy).

“Os colégios particulares, as indústrias e moradores de classe média

do bairro apoiaram o despejo, por que ‘o casarão’40 sempre foi uma

exposição da miséria brasileira, como também um local de tráfico de

drogas, usado pelos passadores de drogas, portanto não teve

nenhuma sensibilidade ao sofrimento das famílias. (...)”. (Habitat

International Coalition, Estratégias populares en los centros

históricos, vol1.,1998: 5).

O mesmo limite revela-se agora nas palavras de um integrante da

Ação Local João Mendes41, um comerciante, que nos indica e

confirma a existência do preconceito, seguido de comentário e

Heitor Frúgoli Jr. acerca dessas entidades, em “Centralidade em São

Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole”:

“O que tem que acontecer no nosso Centro aqui em São Paulo, na

minha opinião, é faxina, é limpeza. Depois sim, para vir algum

construtor, que tenha o maior interesse em construir aqui uma

40 Imóvel situado nos Campos Elíseos, antes ocupado por famílias de baixa renda, alvo de um despejo pelo Governo do Estado. 41 Forma de organização de base da Associação Viva o Centro.

grande torre, um grande prédio, um grande Shopping no centro. Mas

como é que a gente vai trazer o nosso convidado para cá, se a gente

tem vergonha de trazer um convidado dentro do nosso escritório? Eu

tenho vergonha! É prostituição senhor secretário! (...) tem que

limpar a praça”. (depoimento de representante da Ação Local João

Mendes, em 16.06.1997. in: Frúgoli Jr., 2000:93).

“Dessa forma, ainda que possa influir por melhorias nos

equipamentos e serviços públicos do Centro, do modo até agora

estruturado, a ‘organicidade de baixo’ representada pelas Ações

Locais tem acarretado uma atuação conservadora e policialesca, ao

demandar principalmente a expulsão de uma população

‘indesejável’, que sobrevive nas ruas, sendo esta tendência, ao

menos até aqui, a predominante”.(Frúgoli Jr., 2000: 95).

Ainda, segundo Audefroy, em ‘Estratégias populares en los centros

históricos’, e Maricato, nos debates da Comissão de estudos sobre

habitação na área central, realizada em 2001, na Câmara Municipal,

a imprensa também coopera para a difusão deste conceito acerca da

população de baixa renda:

“Outro problema encontrado é relativo à imprensa, é sua

agressividade com a população de baixa renda. A imprensa põe em

evidência a ilegalidade das ocupações, relacionam-nas com o tráfico

de drogas, e os habitantes destas ocupações são tratados como

delinqüentes”. (Audefroy, in: Habitat International Coalition,

Estratégias populares en los centros históricos, vol1.,1998:23)

“A ocupação de terra é admitida de uma forma hipócrita. Essa

hipocrisia, reforçada pela mídia, é tão grande que, quando a

Page 52: limites a produção da moradia social no centro de SP

51

ocupação é de um prédio abandonado no centro da cidade, trata-se

como uma comoção, porque pobre no centro não pode. Mas lá na

várzea do Tietê pode. Ocupar área frágil ambientalmente, protegida

por lei, arriscando a ser levado pela enchente a cada período de

chuvas, isso é permitido”. (Maricato, in: Relatório final da Comissão

de estudos sobre habitação na área central, 2001:84)

Os depoimentos abaixo transcritos demonstram a existência de uma

ideologia, que é propagada por uma determinada classe social, a

burguesia. Esta realidade é confirmada nas conclusões dos estudos

de Villaça, em “Espaço intra-urbano no Brasil”:

“A segregação espacial das burguesias é um traço comum presente

em todas nossas metrópoles. Trata-se de um aspecto

excepcionalmente importante para a compreensão das estruturas

espaciais. É um processo que está longe de ser uma particularidade

das décadas recentes e de uma eventual atuação do capital

imobiliário ou das leis de zoneamento contemporâneo. Ele vem se

constituindo no Brasil há mais de um século”. (Villaça, “Espaço intra-

urbano no Brasil”, 1998: 327).

“(...) os homens não disputam enquanto ‘indivíduos’, mas enquanto

classes, e essa disputa determinará a estrutura intra-urbana em

qualquer modo de produção – não apenas no capitalismo – em

qualquer sociedade de classes (...)”(p.333). “As camadas de alta

renda controlam a produção do espaço urbano por meio do controle

de três mecanismos: um de natureza econômica – o mercado, no

caso, fundamentalmente o mercado imobiliário; outro de natureza

política: o controle do Estado, e, finalmente, através da ideologia”.

(Villaça, “Espaço intra-urbano no Brasil”, 1998: 335).

Já Lefebvre credita a segregação sócio-espacial à toda a sociedade

capitalista:

“A sociedade capitalista ‘tende a separar umas das outras suas

próprias condições’.O efeito de separação é inerente a essa

sociedade, à sua eficácia; ela se funda, praticamente, na divisão

social do trabalho, levada ao extremo pelo intelecto analítico. A

separação manifesta (projetando-as no campo, tornando-as

evidentes) as contradições internas da sociedade, inacessíveis aos

sentidos. Quando separa elementos da população, tal segregação

pode ter vantagens para o capitalismo; quando sai de certos limites,

a operação dissociante não ocorre sem inconvenientes. (entre aspas

de Marx, Cf. Teorias da Mais valia, t.II p. 488s e Obras escolhidas, II,

1, p.260. in: Lefebvre, A Cidade do Capital, 2001:143).

pré-conceito e discriminação

escala da unidade habitacional: a idéia de ‘habitação popular’

O preconceito e a discriminação sobre a população de baixa renda,

também atua sobre o conceito ideológico de ‘habitação popular’,

que é constantemente aplicado na projetação e edificação das

unidades habitacionais voltadas para as classes de baixa renda. Este

conceito, pré-concebido, é dado como imutável, e acaba por

distorcer e influenciar de modo difuso e direto a qualidade, a

dimensão e a aparência das unidades habitacionais produzidas.

Diversos depoimentos revelaram a existência deste limite a uma

produção de qualidade das moradias populares no centro. É uma

Page 53: limites a produção da moradia social no centro de SP

52

constante a ideologia de que a população de baixa renda pode

apenas ter acesso a habitações baratas, e que isso deve resultar

necessariamente em unidades pequenas e de má qualidade

construtiva. Estas ‘habitações’ são consideradas ‘normais’ ou

‘coerentes’ com as ‘condições em que vivemos’, negligenciando o

fato de que este grupo social também tem o direito de usufruir

unidades dotadas de uma área mínima por pessoa, de uma qualidade

construtiva que cumpra suas necessidades, bem como de uma

aparência que siga os anseios de seus habitantes.

Destacamos abaixo, trechos do depoimento de Ronconi, arquiteto

coordenador do programa Funaps Comunitário, da PMSP, gestão

Luíza Erundina, que explicita a existência deste limite:

“Eu acho que uma questão cultural que é violenta é o estigma que

você tem da casa popular. (...) Uma pessoa nasce e já sabe que casa

popular é um quadradinho, com um triângulo encima, e é tudo igual,

colocado num terreno plano, sem árvores, sem nada. E isso é no

Brasil inteiro, em qualquer lugar que você vá, você reconhece o

conjunto popular, e reconhece por essa falta de qualidade, por essa

falta de inteligência colocada no projeto. Porque se você analisar um

absurdo desses, não significa que ela custou barato, ás vezes ela

custou e custa para o poder público muito caro. Porquê ela não custa

só na hora que ela é mal feita, mas custa depois para corrigir

problemas que quando o conjunto é ocupado, começam a aparecer.

Então essa questão cultural, ela é complicadíssima, e a nossa

categoria, dos arquitetos, se recusa a aportar inteligência para esse

problema, e ficam correndo atrás do que o mercado dita. Então

querem o material mais barato, a casa mais barata, a casa mais

rápida. Isso é uma falácia, porque se fosse verdade esse caminho, eu

duvido que a gente não tivesse resolvido, desde a época do BNH que

se propôs a estimular a construção civil e a enfrentar a questão da

quantidade. Então é uma falácia, mas que a gente topa, porque a

única voz que empurra é o mercado. E não faz da forma que seria

compreender aquela comunidade culturalmente, socialmente,

financeiramente, olhar o sítio adequadamente e fazer para aquela

comunidade um projeto que a atenda. E você não faz isso, e isso foi

o que você jurou que ia fazer, quando você se formou. Quando você

se formar, você vai fazer um juramento lá que é isso. Mas daí você

não faz, e você só atende a um grande senhor que é o mercado.

Então essa falta de compromisso, de inteligência, que a nossa

categoria aporta com o problema, eu acho que é uma grande

loucura. Bom isso não é culpa dos arquitetos, a sociedade inteira vê

a habitação popular dessa forma, porém a nós cabe uma

responsabilidade importante. Você pode até falar, o Reginaldo está

viajando por quê está falando confortavelmente, por que não está

vivendo do mercado. Mas vivi do mercado há muito tempo então eu

tenho tranqüilidade em dizer isso. É difícil, mas você tem que

enfrentar essa questão, e tem de criar parâmetros para reverter

esse quadro. Enquanto a gente tiver uma ação política dominante

apoiada nesse quadro, em que habitação popular é a restrição da

qualidade, por que é assim mesmo, porque é gente que não tem

dinheiro. O prejuízo social que isso causa é enorme. Eu defendo o

subsídio porque sempre vai ter gente fora da faixa de salário que

possa resolver o problema de moradia por si só. Agora, muita gente

ataca o subsídio, por que imagina que o subsídio é voltado para

aquela família, e no fundo, quando você projetar um conjunto

habitacional adequadamente, com qualidade de desenho, não é jogar

dinheiro fora, mas é botar a inteligência onde tem de ser, você não

Page 54: limites a produção da moradia social no centro de SP

53

está beneficiando só aquela família, a sociedade inteira é

beneficiada. O entorno próximo é diretamente beneficiado, a

sociedade que vai ter pessoas com capacidade de desenvolvimento

maiores, por que isso está intrinsecamente ligado ao lugar que você

vive, também vai estar recebendo parcelas desse subsídio. Na

medida em que as pessoas dormem melhor, vivem melhor, seus

filhos estudam melhor, ela sai melhor para o mercado de trabalho,

produzem mais, bom, é um ciclo. Então essa questão é cultural,

agora que a gente vai abrindo os raios dessa questão, você vai vendo

como ela é cultural, e como ela é importante. (...) O ideal é que

você pudesse ter uma... é isso, eu não sei se aquilo é popular ou

não, isso aqui é bonito, e isso que podia ser para todo mundo. E isso

não significa jogar dinheiro fora, significa botar a inteligência como

um investimento. Então eu acho que esse é um problema

complicado”. (depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo

de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab, Funaps Comunitário, gestão

Luíza Erundina).

Logo abaixo reproduzimos novos trechos de depoimentos de agentes

participantes da concepção arquitetônica e da construção dos

empreendimentos em estudo, que apontam a existência do conceito

de habitação popular em questão. Eles apontam para uma

sobreposição da limitação de recursos para a reforma/construção

das unidades habitacionais sobre sua qualidade, área, aparência... :

“Eu ainda acho que devia crescer um pouco as unidades

habitacionais, infelizmente não tinha como, por que a gente

[técnicos de Habi] estava meio amarrado. Eram várias camisas de

força. Tinha a questão do financiamento que era forte”.

(depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo de caso Madre de

deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).

“A dificuldade maior foi na questão de verba. Por que a gente tinha

orçado um valor e estourou esse valor, em reforma você tem muito

imprevisto pelo caminho. Você não sabe o quê que vai aparecer.

Você começa a quebrar uma parede e caem três ou quatro, esse é o

grande problema. O problema financeiro foi um obstáculo grande

para a gente. No Par não há aditamento, e você tem valor fixo, que

fica fixo até o fim. E no final a construtora arcou com os custos que

teve extra, e está arcando até hoje. Tem algumas manutenções, as

vezes é uma água que vaza: está tendo manutenção. A tendência da

manutenção é piorar, pois o pessoal vai começar a morar, e os

problemas vão aparecendo. Obra sempre tem problema, ainda mais

reforma. (...) É complicado, por que você nunca vai ter duas

reformas iguais. Fica aquela discussão de tentar reaproveitar ao

máximo aqueles insumos, em vez de trocar, por causa do custo.

Estamos muito presos no custo, por que o ‘PAR reforma’ está

limitado R$ 35 mil cada unidade, enquanto o ‘PAR cosntrução’ está

em R$ 32.200,00. Então tínhamos que fazer uma pesquisa, por

exemplo: caixilhos. Dá pra recuperar os caixilhos ou tem que ter

troca total? Piso: a maioria desses prédios antigos era taco, então

tínhamos que retirar o taco de alguns quartos, pra deixar pelo menos

um andar todo por igual. E isso aí depois de pronto, trazia alguns

inconvenientes. Por que embora o movimento participasse dessa

negociação desde o início, depois de pronto, se queixaram que

poderia ter sido melhor, poderia ter colocado cerâmica. A CAIXA

também concorda com isso. Porém isso tem um ônus financeiro que

eles não teriam condição de pagar”. (depoimento de Kennedy,

Page 55: limites a produção da moradia social no centro de SP

54

engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury – Empreendimentos

Imobiliários).

“(...) também se discutiu no projeto [dos apartamentos da favela do

gato] para que todas unidades pudessem ser transformadas para um

uso de portadores de deficiência física, que de alguma maneira nos

possibilitou rever alguns conceitos de arquitetura de interesse

social. Isso foi uma discussão que as pessoas achavam ótimo, quando

apresentávamos isso, todos aplaudiam, diziam ‘grande’, isso pode

ser uma marca da gestão, maravilha. Mas na hora que você mostrava

o resultado, e aí quando percebiam que o espaço deveria ser um

pouco mais generoso, aí as pessoas: ‘ai, mas esse banheiro está

muito grande’,‘puxa, isso custa muito’, então aí vinha o facão. Então

foram muitas brigas assim, até que chegou um momento que eu

fiquei cansado, e falei: ‘olha, eu não quero mais saber dessa

história, toca aí o projeto’. (...) O projeto chegou num ponto que

não o reconheço mais, a gente conseguiu recuperar algumas coisas,

outras não, mas saiu o projeto”. (depoimento de Wagner Germano,

arquiteto, PMSP, Sehab-Cohab, gestão Marta Suplicy).

“A outra [dificuldade] é a própria cultura que tem dentro do poder

público. Era um apartamento de 53m² e foi, foi, foi, diminuiu para

43m², por um motivo ridículo: ‘as habitações da Cohab de dois

dormitórios tem 42m²’. E daí? Vamos fazer maior então por que

42m² é pouco. E aí, ao longo do projeto, a Cohab ia falando algumas

vezes isso, e ia depenando o projeto. Vai tirando uma coisa, vai

tirando outra”. (depoimento de Caio Amore, estudo de caso favela

do gato, arquiteto, Assessoria técnica Peabiru).

Mesmo nas unidades habitacionais que deveriam imbuir-se do

emprego de componentes de maior durabilidade, por serem parte de

um programa de locação social, onde os imóveis são de propriedade

do Estado, a mesma idéia de ‘habitação popular’ continuou a ser

aplicada:

“Era motivo para colocarmos materiais de melhor qualidade, para

ter menos manutenção. (...) Foi um dos argumentos: já que é um

projeto de locação social, vamos colocar coisas melhores, que você

diminui a manutenção, que seria da Cohab. Mas também não rolou

como argumento”. (depoimento de Caio Amore, estudo de caso

favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica Peabiru).

O conceito de que a unidade habitacional para a classe de baixa

renda, deve ser pequena e barata, resiste até a projetos em que a

limitação orçamentária não seja condicionante na concepção

arquitetônica do empreendimento, como observado no depoimento

de Amore:

“(...) quando a gente fez o projeto, a gente procurou colocar as

coisas do bom e do melhor. Acabamento no banheiro inteiro, enfim,

um monte de coisas. Quando vimos o orçamento no final, você vai

adequando todo o projeto, para uma quantidade de dinheiro que

tem. (...) Aí foi tudo cortando. É uma galinha que você vai tirando

uma pena, depois outra, e daqui a pouco está peladinha mesmo. (...)

Acaba-se usando de artifícios para baratear. Tirou-se a qualidade das

esquadrias, do banheiro, que tem só três fiadas de azulejo. Então

por um lado, tem esse movimento de ir depenando, e por outro tem

outro movimento, de quê na ‘favela do gato’, por ser um projeto

Page 56: limites a produção da moradia social no centro de SP

55

que é ‘de visibilidade’, o projeto que vai ser ‘uma marca da

habitação social’. Eu me lembro dos técnicos da Cohab falando: ‘a

gente quer que isso seja uma referência como foi o Zezinho

Magalhães’. E aí a aparência dele, para a cidade, tem de ser de uma

habitação muito bacana, mesmo que você vá enxugando as coisas,

perdendo a qualidade da habitação. Por exemplo: a concepção

estrutural que a Cohab tinha era alvenaria estrutural e um térreo

sob pilotis. Aí fizemos, colocamos um monte de pilotis, e eles

disseram: ‘não, não, aqui tem muito pilotis, vamos tirar alguns

pilotis’ e a estrutura hoje é quase 50% o valor da unidade, a

estrutura toda. Então você vai tirando dos outros tudo que você

puder para poder ter pilotis a menos, ter vãos maiores e tal”.

(depoimento de Caio Amore, estudo de caso favela do gato,

arquiteto, assessoria técnica Peabiru).

Segundo Ronconi, em sua dissertação de mestrado ‘Habitações

construídas com gerenciamento pelos usuários, com organização da

força de trabalho em regime de mutirão (o programa Funaps

Comunitário)’, as construtoras de empreendimentos de interesse

social valem-se desta ideologia e da realidade econômica das

famílias de baixa renda, para aumentar as rendas provenientes da

construção:

“Nesses projetos [mutirão do Funaps Comunitário] foram

empregados materiais que tradicionalmente não são utilizados em

projetos para essa população, ou por ela. Seja por que as

construtoras em busca da ampliação dos lucros e fiscalizadas

precariamente pelo empreendedor (geralmente público) empregam

material de péssima qualidade, seja por que a população, quando

pratica a autoconstrução, dificilmente encontra no comércio da

periferia, material normatizado e de boa qualidade, para todas as

etapas da obra”.(Ronconi, ‘Habitações construídas com

gerenciamento pelos usuários, com organização da força de trabalho

em regime de mutirão (o programa Funaps Comunitário), 1995: 135).

Nas palavras de integrantes de movimentos populares, os usuários

destas habitações, a questão se confirma:

“(...) naquele dia nos foi apresentada uma unidade com dois

quartos, sala cozinha e banheiro. E o pessoal achou que estava

pequeno. Tudo bem que era dois quartos, mas estava pequeno (...) o

apartamento era muito pequeno. A cozinha era muito pequena. E foi

assim apresentado, com o questionamento de algumas pessoas.

Ninguém entendia o posicionamento da equipe de cortiços da Sehab,

com um apartamento que se projeta pensando na própria família. Na

formação que os técnicos têm, não se compreende a necessidade das

famílias. Não é possível que os técnicos não tiveram a sensibilidade

de captar a crítica que foi apresentada pelos futuros mutirantes,

futuros moradores”. (depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in:

“Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O

mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco. 1998:145).

Uma inversão de prioridades se faz necessária, segundo intervenção

de arquiteto integrante de assessoria técnica, no encontro

‘Habitação no Centro São Paulo: Como Viabilizar essa idéia?’,

organizado pelo Lab Hab Fau Usp, em agosto de 2000:

Page 57: limites a produção da moradia social no centro de SP

56

“Os projetos a serem financiados pelo PAR partem do estudo de um

programa de necessidades. Mas, para ser viabilizado o financiamento,

são forçados a reduzir muito a área dos apartamentos. Essa não é

uma abordagem correta. O programa de necessidades deve ser

priorizado”. (arquiteto integrante de assessoria técnica, in: Relatório

do encontro: Habitação no Centro São Paulo: Como Viabilizar essa

idéia? Lab Hab Fau Usp. 2000:23).

É interessante notar o funcionamento de tal limite: como que

cultural e ideologicamente ele se enraíza na concepção

arquitetônica das unidades habitacionais de interesse social. Se

observarmos outras obras públicas, como hospitais, pontes, ou

estações do metrô, a condicionante ‘custo’ também estará presente

em seus orçamentos. Mas, diferentemente das habitações, serão

construídos sob rígidos e severos parâmetros de segurança, conforto

e aparência. As condicionantes: qualidade, segurança, conforto e

aparência, definitivamente não se aplicam ao direito à habitação,

tão deflagrado em diversas ocasiões.

especulação e ‘entesouramento’:

influências de um sistema econômico

Dentre os limites ideológicos e culturais identificados, os que nos

foram apontados como uma das principais barreiras à produção da

moradia social no centro de São Paulo, são a especulação e o

‘entesouramento’. Eles interferem nas ações dos proprietários e

inquilinos de imóveis bem como dos investidores imobiliários,

induzindo e cerceando-os a agir segundo essas ideologias,

alimentadas pelas leis do mercado capitalista e a tradição burguesa

de acumulação.

Segundo Aurélio Buarque de Holanda, especulação significa: “ato ou

efeito de especular”, que por sua vez: “valer-se de certa posição,

de circunstância, de qualquer coisa, para auferir vantagens;

explorar”42, ou o simples ato de ‘tomar vantagem’ e ‘ganhar

dinheiro’ sem realizar esforço algum.

Já ‘entesouramento’, significa: “ato de entesourar”, que por sua

vez: “Juntar, ajuntar, acumular, amontoar (dinheiro, riqueza, etc.)

2. Arrecadar, guardar em tesouro ou como em tesouro (dinheiro,

bens, etc.): ‘vendo, pela primeira vez na vida, dinheiro grosso,

achou de bom aviso entesourá-lo para se resguardar de futuros

apertos)”.43

A ideologia da especulação e do ‘entesouramento’, apesar de

aparentemente contraditórias podem resultar em limites parecidos,

e, aos olhos de um transeunte podem até ser confundidas.

Estas duas ideologias, ou conceitos, atuam sobre os programas

públicos de habitação de forma direta, muitas vezes até impedindo

a realização de um empreendimento habitacional. Há exemplos da

inviabilização da produção devido à especulação de um proprietário

de imóvel, que demanda do poder público quantia muito acima de

seu valor real, entesourando-o para ‘mais tarde’.

42 Aurélio Buarque de Holanda, “Novo dicionário Aurélio”. 1975:566. 43

Aurélio Buarque de Holanda, “Novo dicionário Aurélio”. 1975:534.

Page 58: limites a produção da moradia social no centro de SP

57

Em outros exemplos veremos a avareza de um proprietário de

cortiço, que também extrai renda, explorando e especulando sobre

os encortiçados, forçando a manutenção desta forma de moradia.

Os depoimentos nos indicam inúmeras formas de especulação

(extração de renda) e ‘entesouramento’ (manutenção da renda),

que dificultam a produção da moradia social no centro.

Destacaremos abaixo apenas as consideradas mais relevantes para

nossos estudos.

A especulação e o ‘entesouramento’ estão tão presentes em nossa

cultura, dita capitalista e arcaica, que até podem ser consideradas

como princípios, regentes da moral dos cidadãos em geral. Elas

chegam até mesmo a acarretar na impossibilidade do abrigo de

famílias de baixa renda no centro da cidade, segundo o depoimento

de integrante de movimento popular de luta por terra e moradia,

Sidney Eusébio:

“O mercado imobiliário no Centro é completamente capitalista. É

aquele que não quer saber se você tem ou não tem condições: ou

você vem [para o centro] por que você tem condições, ou você vai lá

para a periferia, por não ter condições. Ele é excludente, ao

extremo. Não tem meio termo. Ele não pensa nas condições humanas

um momento sequer (...). A briga pelo espaço se torna como se fosse

ouro, cada metro quadrado se torna super valorizado. (...) a

dificuldade toda é essa, a questão da terra, a questão dos metros

quadrados, a questão dos valores, a especulação imobiliária”.

(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21

de Abril, integrante da ULC).

Antes de adentrarmos no limite da especulação imobiliária, mais

específica dentre as diversas formas de especulação que veremos,

vejamos rapidamente, como a afirmação de Sidney Eusébio é

trabalhada por estudiosos do tema.

Lefevbre, pesquisador das relações econômicas que regem a cidade

capitalista nos confirma o depoimento de Sidney Eusébio,

reafirmando os poderes do mercado imobiliário em impor a

localização das moradias da população de baixa renda. Lefevbre

tece essa conclusão a partir da observação do funcionamento de

cidades capitalistas européias, que, neste ponto específico, muito se

assemelham à lógica de funcionamento da cidade de São Paulo:

“Quando esse último [capitalista industrial], chega a se apossar do

solo e da propriedade imobiliária, quando ela se concentra nas

mesmas mãos do capital, os capitalistas detêm um poder tão grande,

que eles podem até impedir os operários em luta de escolher

domicílio sobre a terra”. (Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:163).

Segundo estudos de Maria Lúcia Martins, a especulação econômica

característica do sistema capitalista encontra-se intrinsecamente

vinculada ao ‘setor imobiliário’, ou seja, trata-se da especulação

imobiliária. Desta forma, ‘grande parte dos ganhos do capital’ se dá

em transações imobiliárias, o que muitas vezes é ignorado pela

sociedade em geral.

“(...) o setor imobiliário é hoje intrinsecamente associado a outros

setores do capital, fazendo parte dos setores de operação dos mais

diversos grupos econômicos. É possível assim, considerar os

interesses fundiários sob o capitalismo em sua forma atual como um

Page 59: limites a produção da moradia social no centro de SP

58

setor do capital. No entanto, o debate público normalmente enfoca

apenas os investimentos em bolsas de valores ou de mercadorias,

mas grande parte dos ganhos de capital são gerados no setor

imobiliário”. (Maria Lúcia Martins. ‘São Paulo, entre o

‘entesouramento’ e o processo de reestruturação’. 1999:17).

Novamente, Lefebvre nos confirma a importância do setor

imobiliário, e o responsabiliza diretamente pela organização do

território urbano:

“O setor imobiliário se torna tardiamente, mas de maneira cada vez

mais nítida, um setor subordinado ao grande capitalismo, ocupado

por suas grandes empresas (industriais, comerciais, bancárias), com

rentabilidade cuidadosamente organizada sob a cobertura da

organização do território”.(Lefevbre, a Cidade do Capital.

2001:164).

Temos, desta forma, amarrados: os ganhos, as rendas do capital, e a

especulação do setor imobiliário ao desenho e à organização

espacial das cidades. Mais adiante, na seção limites da economia

política, item gentrificação: expulsão das famílias de baixa renda,

enfrentaremos novamente esta questão.

Voltando a questão específica da especulação imobiliária, esta será

a primeira forma de especulação que trataremos, pois é uma

importante barreira a ser vencida na produção da moradia social no

centro. Esta pode se dar de duas formas: a partir dos proprietários

de imóveis, ou dos investidores, os detentores de capital.

Primeiramente abordaremos a especulação imobiliária realizada

pelos proprietários:

Os proprietários de imóveis vazios no centro44 fazem de tudo para se

manterem donos de seus imóveis até que o valor da procura por seu

imóvel atinja a quantia em dinheiro que gostaria de receber em

troca de sua propriedade. Ou seja, a oferta por ele lançada é fixa, é

ela quem define o valor da procura. Incrivelmente a lei da oferta e

da procura não se aplica neste caso, pois os proprietários do centro

não vendem se não querem, e lacram suas unidades com tijolos dos

mais variados.

janela lacrada em vila do Cambuci, set. 2003.

Vejamos com mais cuidado como isso se dá. Eles atingem este

objetivo de duas formas diferentes: eles ‘seguram’ suas

44 Há 38.556 imóveis vazios no centro, dos quais 40 edifícios completamente desocupados.(IBGE, 2000).

Page 60: limites a produção da moradia social no centro de SP

59

propriedades dizendo que simplesmente ‘não querem’ vendê-las,

deixando-as completamente lacradas e sem uma placa de ‘vende-se’

à fachada. Eles as colocarão à venda apenas quando ‘houver

mercado’, ou seja, quando houver uma procura tal que possa pagar

pelo valor por eles desejado/fixado.

Desta forma, está excluída a possibilidade de acesso da população

de baixa renda à esses imóveis. O proprietário aguarda que classes

mais altas tenham o interesse pela região central, o que deverá

acontecer num médio prazo, como veremos mais adiante, na seção

limites da economia política, item gentrificação: expulsão das

famílias de baixa renda.

A segunda forma de se atingir o objetivo inicial, é os proprietários já

colocarem seus imóveis à venda, mas pelo valor que almejam

receber, ou um ‘valor futuro’, de quando revalorizada a região. Daí,

os proprietários aguardam a demanda (famílias de renda superior)

atingir o valor fixado pela oferta. Novamente há a exclusão das

classes de baixa renda, pois a oferta é fixa.

Este fenômeno, aparentemente estranho à lógica do mercado, como

vimos, vai de encontro à lei da oferta e da procura (resultando num

‘não mercado’), e será novamente abordado na seção dos limites da

economia política.

O relato de uma das lideranças do movimento popular e o pequeno

trecho bibliográfico, que reproduzidos abaixo, enriquecem esta

constatação, de modo a confirmar o limite em questão:

“Primeira coisa, para negociar com o dono do terreno, foi uma

dificuldade, por que o dono valoriza o seu imóvel, (...) tudo foi com

os proprietários, a maior dificuldade nossa foi essa, a negociação

com os proprietários. Na área central é essa dificuldade, que é

assim: o dono do terreno sou eu e eu vendo pelo preço que eu quero,

peço um x e aí a prefeitura não tem, não compra, por que é muito

alto, o preço médio do metro quadrado aqui na área central é muito

caro, então não dá, o valor é muito alto. (depoimento de Luiz

Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus,

integrante da ULC).

“Em razão da instabilidade da mão de obra (crises), ruas inteiras

ficam algumas vezes desertas. A avareza preside a construção: As

habitações ficam desocupadas”. (Lefebvre, A cidade do capital.

2001:21).

Margareth Uemura, arquiteta responsável pelos empreendimentos da

Cohab na região central, nos demonstra de modo explícito a postura

de proprietários de imóveis localizados nos ‘Perímetros de

Reabilitação Integrada do Habitat’, áreas delimitadas pela PMSP

como foco de futuras intervenções públicas devido à alta densidade

de cortiços e imóveis subutilizados45:

45 Em um dos levantamentos realizados pela PMSP, através da assessoria técnica Passo, na região do Cambuci/Ipiranga, compreendido entre as Avenidas Radial Leste (ao sul), Linha Férrea e Av do Estado, foram identificados os seguintes dados: no. de edificações encortiçadas/pensões: 86, edifícios sem uso (completamente vazios) : 258, terrenos sem uso/ e sem edificação: 129, terrenos subutilizados (menos de 20% de uso/edificação): 9, terrenos sem edificação e com uso comercial (ex: estacionamentos, ferro velho): 222. fonte: Sehab/PMSP, dez de 2002.

Page 61: limites a produção da moradia social no centro de SP

60

“É tudo uma leitura curta: ‘então essa área está no BID, e como o

parque Dom Pedro também vai ter investimento, então o PRIH da Luz

também vai ter, então essa área vai valorizar’. E aí começa o

discurso de alguns proprietários que vieram aqui discutir conosco,

que é o seguinte: ‘A gente está esperando a valorização da área

mesmo’, declarando isso. ‘ A prefeitura vai fazer investimento,

então nós estamos esperando’. E aí é isso, ele quer usufruir do

benefício, mas não quer participar da valorização. Então a conversa

dos mais abertos é essa. Uns não falam isso, mas outros falam

claramente ‘nós vamos segurar a área, se quiser desapropriar,

desaproprie, mas a gente não vai vender agora’. Então tem um pouco

disso também”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso

favela do gato, estudo favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão

Marta Suplicy).

O fenômeno da revalorização imobiliária do centro, citado no

depoimento acima, tem como um importante motor os desejos dos

proprietários pelo aumento da renda de seus imóveis, segundo a

ideologia dominante em questão. Meyer e Frúgoli nos demonstram

essa realidade, ao se referirem à Associação Viva o Centro e seus

braços, as Ações Locais:

“(...) organizações que procuram relacionar interesses de

proprietários de imóveis localizados em áreas que estão sofrendo

processo de transição/deterioração com os interesses mais amplos da

área onde estes imóveis se localizam [tendo] como objetivo

primordial reverter situações de declínio, de abandono e ameaça

para a área urbana onde estão instaladas as entidades que compõe a

organização. (Meyer et al., 1993:9. in: Frúgoli Jr. 2000:92)

“Ao menos até o estágio em que hoje se encontra, a organização

desses grupos comunitários [Ações locais] – na maioria dos casos, com

predomínio de comerciantes – é marcada pelo conservadorismo, ao se

pautar por interesses diretamente ligados às suas condições de

proprietários, enfatizando soluções de expulsão dos camelôs e da

população de rua, além de maior policiamento, com base em ações

que vão da concorrência desleal do comércio informal a interesses

diretamente ligados à valorização de seu patrimônio imobiliário”.

(Frúgoli Jr. 2000:92).

Em artigo recentemente publicado no jornal Estado de São Paulo, a

valorização imobiliária demonstra ser de fato esperada pelos

proprietários da região:

“Setor imobiliário pretende investir no centro. Mas para que isso se

concretize empresários aguardam iniciativas da Prefeitura da

Capital. (...) ‘Estamos numa época virtuosa e se a economia

melhorar as pessoas voltarão a dar valor ao centro’. Para ele46,

‘pequenas coisas’ como a mudança da prefeitura. secretarias

municipais e estaduais incentivam a iniciativa privada. ‘A ação

pública vem em primeiro lugar, mas uma andorinha só não faz

verão”. (jornal O Estado de São Paulo, 5 de outubro de 2003, caderno

móveis:11)

Para melhor compreensão do funcionamento econômico da idéia da

especulação, acima referida, reproduzimos alguns trechos de

estudos realizados por Lefebvre, objetivando compreender os

mecanismos da cidade capitalista. Focaremos mais especificamente

46 Ruy Pereira de Queiroz Filho, administrador de bens do centro.

Page 62: limites a produção da moradia social no centro de SP

61

no fenômeno do distanciamento, ou separação do ‘valor de troca’ do

‘valor de uso’ das mercadorias, aqui as imobiliárias:

“O valor de uso corresponde à necessidade, à expectativa, à

desejabilidade. O valor de troca corresponde à relação dessa coisa

com as outras coisas, com todos os objetos e com todas as coisas, no

“Mundo da mercadoria”. (Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:135).

Em nosso caso específico, da especulação imobiliária, há uma

separação, um descolamento febril do valor de troca e do valor de

uso. A troca sobrepõe-se ao uso, e de forma tão clara: qualquer tipo

de uso é impedido nos imóveis lacrados do centro, segundo a

vontade de seus proprietários de especular. Continuemos:

“(...) a sociedade continua ligada e mesmo amarrada a terra. Pela

propriedade e pelas múltiplas servidões que ela mantém.

Especialmente e, sobretudo subordinando a terra ao mercado,

fazendo da terra um ‘bem’ comercializável, dependente do valor de

troca e da especulação, não do uso e do valor do uso. O cordão

umbilical, que levava a seiva e o sangue da matriz original à sua

filiação, a comunidade humana se transformou em uma corda, laço

seco e duro, que entrava os movimentos e o desenvolvimento dessa

comunidade. È esse o entrave por excelência”.(Lefebvre, A Cidade

do Capital. 2001:161).

“Com a burguesia, o valor de troca venceu o uso e o valor de uso; ela

o trata como uma serva, como uma escrava. Pouco importa a

necessidade que o objeto satisfaz, que venha ele do ventre ou do

imaginário, contanto que o objeto se venda e se compre”. (Lefebvre,

A Cidade do Capital, 2001:112).

“Assim e somente assim, a esse grau de desenvolvimento, nesse

quadro e nesse sistema ‘artificiais’, tão distanciados da natureza

quanto possível, o dinheiro, com o que ele carrega em si (o capital e

a força dos capitalistas) domina a mercadoria, sua condição, seu

antecedente, o mundo onde ele nasce, do qual ele se aproveita e que

ele mantém. O dinheiro se torna então a ‘matéria social da riqueza’,

liberando-se ao máximo do valor de uso e das matérias reais”.

(Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:148).

Uma segunda forma de realização de lucros pode ser deflagrada por

indivíduos detentores de capital, que realizam então investimentos

através da compra de imóveis, que já sofreram valorização

imobiliária, para sua posterior locação ou até mesmo a revenda.

Vejamos então, como funcionam as barreiras da ideologia da

especulação, quando posta em ação especificamente pelos

investidores, como nos descreve Pedro Sales:

“Isso eu acredito estar dentro do embate ideológico do capital estar

querendo se reproduzir, eu acho que na hora que você conseguir

revitalizar o centro, seja qual for o conceito que você adote para

revitalização, o capital vai estar lá, para querer ele ocupar. E daí, se

tem população de baixa renda morando lá, o capital vai falar: não,

aqui eu posso locar para ganhar, isso a gente já viu acontecer em

alguns lugares do mundo, vão surgir os loft´s, e aí vão para lá. Eu

acho que essa discussão ideológica do capital querendo se

reproduzir, ela vai acontecer sempre. E ele vai lançar mão para

Page 63: limites a produção da moradia social no centro de SP

62

tomar para si um espaço que não foi ele quem construiu. (...) A

questão do interesse imobiliário, é no ponto de vista ideológico, o

maior [limite].” (depoimento de Pedro Sales, arquiteto, estudo de

caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).

Da mesma forma que na especulação imobiliária realizada pelos

proprietários, para os investidores há também a espera pela

valorização imobiliária da região resultante dos investimentos

públicos. A diferença é que os investidores, enquanto aguardam a

valorização do centro, continuam a investir nas áreas mais rentáveis

a cidade, como relatado por Miranda e Caruso Jr:

“A iniciativa privada fica à espera; se o poder público investir para

valer ela investe naquele pedaço da cidade. Caso contrário, ela

continua a investir no vetor de maior interesse. Isso é um problema

para a cidade, (...)” (Rosana Miranda, in: Relatório final Comissão de

Estudos da Habitação no Centro. 2001: 87).

“(...) há pessoas que possuem escritórios aqui, mas não estão aqui

devido ao escritório, mas sim por que eles têm interesse no Centro,

interesses de construção. Há construtores que têm escritórios aqui

no Centro, mas constroem em outros locais da cidade. Na verdade, o

interesse deles seria no centro, mas não estão fazendo aqui por que

não há retorno. Então, qual a função deles? É tentar melhorar isso,

para reverter essa situação. O Centro é um excelente local para se

investir”.(depoimento de Luiz Caruso Jr., comerciante e presidente

da Ação Local João Mendes, em 13.08.1997. in: Frúgoli Jr. 2000:93).

Segundo o depoimento de Caruso Jr, acima reproduzido, os

investidores (assim como os proprietários) também ‘tentam

melhorar isso’ defendendo a região como local de investimento. O

depoimento de Manetti, também revela essa realidade, durante o

processo de desapropriação de terrenos no Pari para a edificação de

unidades habitacionais de interesse social através de mutirão, no

final da gestão de Luíza Erundina na PMSP:

“Eram terrenos que historicamente sempre foram desocupados, e foi

muito estranho, pois o decreto de interesse social foi publicado na

sexta feira, e na segunda os proprietários apareceram com projetos

para a área, mesmo que os projetos fossem absurdos. Em um dos

terrenos que era um quadrado, eles apareceram com uma planta

também de um quadrado grande desenhado, era um supermercado,

apesar do zoneamento não permitir, o que quero dizer é que havia,

e há alguns espiões de diário oficial, devem ser alguns advogados que

devem ficar catando essas coisas, intermediando, impedindo, etc. Eu

me lembro que por causa disso aqui veio até um grandão do Secovi,

botar o dedo no meu nariz dizendo: ‘você sabe quantos empregos a

cidade estará perdendo se não for feito o meu investimento? ’ Eu

não sei e não quero saber. Tudo pela questão de estarem

desapropriando. Isso foi uma batalha, que durou até a outra gestão,

quando o governo que sucedeu levantou todos os decretos”.

(depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo de caso Madre de

Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão de Luíza Erundina).

Outro campo agravado pela cultura especulativa em questão é a

compra dos imóveis pelo poder público, que resulta num aumento

ainda maior dos valores ofertados. Mais uma vez, as propriedades

têm seu valor de troca elevado, dificultando ainda mais o acesso da

população de baixa renda:

Page 64: limites a produção da moradia social no centro de SP

63

“Em alguns casos eles [proprietários] procuram a CEF para saber de

fato existe esse programa. Se a CEF tem interesse mesmo em fazer

aquilo que o movimento está se propondo. A gente até esclarece,

explica, como é que funciona. Aí eu acho que ajuda o movimento

também um pouco, nesse sentido. Com respaldo da CEF eles têm um

poder de fogo muito maior. É que a CEF não gosta muito de

aparecer, por que uma coisa é um proprietário vender uma coisa

para um movimento. Outra coisa é o proprietário vender seu imóvel

para a CEF. É evidente que para o movimento ele tem um preço, e

para CEF, que é um banco, ele tem um outro preço. (...) a CEF hoje

faz muita avaliação, a gente aluga imóveis para as nossas agências, e

é evidente, que hoje se você for negociar com um banco, o teu preço

é sempre outro, né doutor. De trinta por cento para cima. Para CEF

a conversa é outra”. (depoimento de Marco Antônio, estudo de caso

Riskalah Jorge, técnico da CEF, gestão Luiz Inácio Lula da Silva).

“É a dificuldade mesmo de negociação com alguns proprietários. (...)

Temos um primeiro contato com o proprietário aí ele fala: é X, aí

você se mostra interessado, enquanto poder público, aí passa um

tempo e o cara vê que você está mesmo interessado, e fala assim:

‘olha, eu não quero X, quero X mais 20% de X’. Isso aconteceu

algumas vezes, com alguns imóveis. O cara pediu uma coisa, depois

após todos os estudos, e ele resolve aumentar o valor, então aquele

trabalho todo que você tinha feito, tem de ser revisto, quando ele

não desiste, ou não joga o valor para um patamar

absurdo”.(depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela do

gato, arquiteto,PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

Esta iniciativa de compra de imóveis especificamente pelo poder

público, já gerou, segundo a Arquiteta Isabel Cabral, um aumento

dos valores dos imóveis ofertados pelos proprietários:

“(...) é o que o pessoal tem falado, a própria Caixa, que hoje está

bem mais difícil. Percebe-se que tem um aumento sim. (...) Por que

os proprietários, naquela época achavam que nunca ia vender, um

prédio invadido, nunca. Hoje os proprietários já sabem: ‘bom a CEF

vai comprar e é dinheiro ali, na mão’, a CDHU também, não fica

aquela coisa, que era o entendimento dos proprietários: ‘ah, vai

levar anos para pagar, aquela coisa’, hoje eles pagam rápido, nem

pode mais demorar tanto, né? Estão vendo como um bom negócio. É

um mercado promissor. É a procura, como faz bem a cidade

capitalista”. (depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria

Técnica Ambiente).

Esta mesma prática se aplica quando o poder público utiliza-se do

Decreto de Interesse Social, para a desapropriação do imóvel objeto

do empreendimento, gerando uma disputa jurídica:

“E muitas vezes que realizamos o Decreto de Interesse Social, há

problemas de que o proprietário não concorda com o preço, aí há

todo um procedimento, se a negociação não for favorável, então vai

para uma ação do juiz, então há um processo com um pouco de

litígio. Pois o proprietário discorda do valor, então o juiz nomeia um

perito dele, e isso vai ampliando o prazo, certo? ”. (depoimento de

Lia Ferreira, Gov. Est., Cdhu – PAC, gestão Geraldo Alckmin).

Page 65: limites a produção da moradia social no centro de SP

64

Outra forma relevante de especulação é a realizada pelos

proprietários de imóveis encortiçados, que perpetuam a existência

desta forma de habitação de baixíssima qualidade, a preços muito

acima dos praticados pelo mercado formal de locação. Esta também

é considerada uma barreira à produção da moradia social no centro,

pois se os proprietários não tivessem como objetivo primordial a

especulação e a exploração indiscriminada, parte dos recursos

captados pelos aluguéis poderiam ser revertidos em ampliações e

melhorias das unidades habitacionais. Elas até mesmo poderiam ser

vendidas ao poder público por valores acessíveis, ou diretamente às

famílias encortiçadas, que poderiam investir o valor dos altos

aluguéis na melhoria de suas unidades.

Reproduzimos abaixo depoimento e trecho bibliográfico de

pesquisadores de questões relacionadas aos cortiços paulistanos,

Kohara e Piccini, bem como de Lefebvre, que relata fenômeno

semelhante nas cidades capitalistas Inglesas, no séc. XIX:

“Outra questão, que a pesquisa mostrou, é que o cortiço existia só

por que tinha o intermediário explorando. Tem uma questão aí, que

é importante a gente discutir, que é a questão fundiária do centro.

Por que existe um grande percentual de proprietários que estão

satisfeitos do imóvel ser cortiço. Por que se ele investir para

melhorar o cortiço dele, ele vai gastar muito dinheiro, e quando ele

melhora não dá para alugar para aqueles, por aquele valor de

mercado ali. Então ele prefere ter aquela situação, para explorar

quem tem condições econômicas baixas e também tem uma baixa

expectativa, até por toda a negação que a pessoa vem, aquilo da

mais lucro. Então enquanto no mercado ganha 0,8% [do valor do

imóvel ao mês], no cortiço, a hora que você somar toda a renda,

chega a ganhar 3% e pouco. Aí você está ganhando um sobre-lucro em

cima de um investimento que você não fez. (...) Quem constrói essa

lógica, de manter essa situação de exploração, tem interesses.

Quando alguém está ganhando, tem um interessado, com mais força

ou menos força. Então tem toda uma lógica que resolve isso daí e há

a manutenção dessa lógica de exploração”. (depoimento de Luiz

Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab –

Habi, gestão Marta Suplicy).

“Esse tipo de moradia [cortiço] ainda é um negócio imobiliário com

certa lucratividade, como o foi em diferentes períodos históricos ao

longo da urbanização da cidade, devido à máxima subdivisão de cada

lote e da moradia em diversas unidades habitacionais e à falta de

despesas com impostos e com a manutenção do imóvel”. (Piccini,

1999:36).

“A indústria tratou como uma coisa o trabalhador liberado da

servidão. Ela o prende entre paredes que tombam em ruínas e que

ele deve adquirir pagando-as muito caro. O menor espaço foi

utilizado” (p.20). “(...) os empreendedores e proprietários fazem

pouca ou quase nenhuma manutenção. Eles não querem reduzir seus

lucros”. (Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:92).

Agora, de modo diferente da especulação, a cultura do

‘entesouramento’, ou o simples ‘apego aos bens’, aqui, no caso os

imobiliários ou patrimoniais, em grande quantidade, tão louvados

pelas elites, é também identificada como barreira à produção de HIS

no centro paulistano. Silva nos revela em depoimento, que há

ocasiões em que os proprietários (à luz da cúria metropolitana, que

Page 66: limites a produção da moradia social no centro de SP

65

possui terrenos na região da Luz) deixam seus imóveis ‘parados’, ou

seja, vazios, como ‘patrimônio’:

“Tem a lógica do proprietário, a lógica de proprietário da cúria, é de

que aqueles terrenos sirvam para fomentar as vocações, e manter o

seminário, e fazer mais alguma coisa. Então ela não vai soltar o

terreno assim, é um patrimônio. (...) Os proprietários, a lógica deles

é manter parado, há muito tempo no centro como no restante da

cidade, enquanto não incomodar ele vai ficar parado. Um

instrumento, ele vai demorar anos para ele chegar na cabeça de um

proprietário de que é desvantajoso ele manter parado”. (depoimento

de Helena Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP,

Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

Vejamos ao lado tabela que indica o número de imóveis vagos no

centro, segundo recenseamento realizado pelo IBGE, em 2000:

tabela 2: Domicílios particulares vagos dos distritos centrais de

São Paulo

Distritos centrais de São Paulo. Domicílios particulares vagos

Distritos Total derecenseados

vagos vagos/total

Barra Funda 5 486 685 12,5%

Bela Vista 33 848 5 479 16,2%

Belém 14 997 2 500 16,7%

Bom Retiro 10 807 1 821 16,9%

Brás 11 622 2 789 24,0%

Cambuci 11 370 1 910 16,8%

Consolação 29 577 3 694 12,5%

Liberdade 29 392 5 283 18,0%

Mooca 25 331 3 675 14,5%

Pari 5 817 1 223 21,0%

República 30 849 7 007 22,7%

Santa Cecília 36 171 6 343 17,5%

Sé 11 410 3 055 26,8%

Total 13 distritos 256 677 45 464 17,5%

Município de São Paulo 3 554 820 420 327 11,8%

fonte: IBGE. Censo de 2000

Podemos tratar o limite do ‘entesouramento’, como resultado direto

do sistema econômico a que estamos submetidos, calcado na

competição e nas incertezas individuais, exemplificadas pelas frases

comumente ouvidas: ‘e amanhã? Terei o que comer? ’, ou ‘quero

guardar para meus filhos um futuro seguro’...

Se o sistema econômico vigente tivesse como objetivo a garantia de

sobrevivência de todos seus indivíduos, a necessidade, hoje tida

como aceitável, de ‘entesouramento’, desapareceria, pois teríamos

a segurança de ‘amanhã ter o que comer’, e a certeza de que

‘nossos filhos vão viver bem melhor que nós...’.

Page 67: limites a produção da moradia social no centro de SP

66

O entesouramento de bens imóveis tornou-se possível a partir da

propriedade privada da terra (ou fundiária), que exerce uma pressão

sobre o desenvolvimento das cidades, como podemos rapidamente

observar em novo trecho de A Cidade do Capital:

“A propriedade fundiária puxa, por assim dizer, para trás a

sociedade inteira; ela não somente freia o crescimento, paralisa o

desenvolvimento, mas os orienta por meio de uma pressão

constante. Não é a esta ação imperceptível e perpétua que é

necessário atribuir o caráter bastardo das extensões urbanas? (...) A

posse não tem sido destituída; ela não perdeu seu lugar, nem mesmo

seu prestígio. A pressão prática e ideológica da propriedade privada

(a da terra, se junta à dos capitais) cega os dirigentes, os próprios

intelectuais; ela obscurece a imaginação dos arquitetos, dos

urbanistas”.(Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:168).

inércia operacional do poder público:

manutenção da lógica vigente

Um novo limite ideológico e cultural identificado é a idéia presente

nos órgãos públicos de que as operações que alterem a ordem

estabelecida de funcionamento da máquina devam ser rejeitadas.

Trata-se de uma inércia, que dificulta qualquer tipo de proposição

de um novo ordenamento do sistema organizacional da instituição.

Esta cultura da manutenção e reprodução de um status quo

funcional, dito como eficiente, devido sua repetição, torna-se

barreira à busca de novas soluções. A máquina não acompanha a

dinâmica da sociedade. A alteração de uma operação significa um

re-aprender, um re-organizar, que é muitas vezes combatido pelos

funcionários públicos, os operacionalizadores destes sistemas.

A dificuldade que o funcionalismo possui em enfrentar e propor

formas diferentes de ação, que façam com que ele se responsabilize

por elas faz com que os processos administrativos demorem muito

tempo para se realizar. Segundo Ronconi, que enfrentou este

problema no programa Funaps comunitário (primeiro estudo de caso:

mutirão Madre de Deus), este é um dos principais entraves à

produção da moradia social através da autogestão (na época uma

novidade para a máquina pública), seja ela no centro, ou em

qualquer outra localidade da cidade:

“Uma primeira [barreira] é uma cultura na administração pública,

que é super complicada, sempre, pois a máquina pública vem num

movimento inercial se movimentando muito pouco ao longo do seu

desenvolvimento. A burocracia, de uma certa forma, que tenta

proteger um encaminhamento desprovido de interesse particular, no

fundo, acaba emperrando soluções mais ágeis, que queiram ser

implementadas. Muitas vezes, há uma noção do que deveria ser

burocrático, mas de fato nem é, e às vezes nem chega a ser algo que

esteja registrado em procedimento, lei ou em decreto, mas que o

funcionário público passa a adotar como uma norma de

procedimento. Então, toda vez que se entra com um programa novo,

inovador no sentido mudar o olhar público sobre uma questão, você

vai enfrentar esta bruma, esta coisa até um pouco velada, que não é

muito explícita, mas que é uma resistência do funcionário. Que não

tem nada a ver com que ele tenha que trabalhar mais, ou menos,

mas é uma postura que ele tem, basicamente de não assumir

Page 68: limites a produção da moradia social no centro de SP

67

responsabilidades. O funcionário público tem uma coisa que demora,

se você pesquisar os processos na prefeitura, você verá processos

com oito, nove despachos, que é de uma pessoa mandando para

outra, para dar opinião sobre um problema que foi dado para ela

resolver. Só que para tentar se resguardar, ela empurra para outro,

e o outro também vai para outro. Essa dificuldade em assumir

responsabilidades, é um elemento complicado, quando você vai

trabalhar uma proposta nova, que é, sobretudo você assumir uma

responsabilidade sobre um novo encaminhamento. Acredito que isso

afetava diretamente a gestão da Luíza Erundina na secretaria, eram

problemas (...) que enfrentávamos muito, que era de reformar, ou

formar de novo o funcionário público que estava lá. E isso o tempo

inteiro foi aparecendo em diversos momentos da gestão do

programa. Então aparecia desde os processos que você tinha para

qualificar a demanda, para aprovar a demanda, depois para verificar

projeto, aprovar projeto, até liberação de recursos e verificar o

dinheiro que havia sido gasto, aí se falava muito assim: mas o

tribunal de contas é um grande vilão. Realmente era, não estou

querendo desresponsabilizá-lo dos tormentos que causou, porém era

internamente, dentro mesmo da prefeitura, os contadores que

estavam lá, dentro de Habi, também sofriam deste mesmo

problema, questionando: como é que nós estamos passando dinheiro

direto para a população? Para eles isso era inconcebível. Eles não

conseguiam estruturar uma norma de procedimentos que deixasse

isso límpido e transparente para qualquer consulta da população, ou

ao menos não tinham segurança suficiente para isso. Essa mesma

deficiência você encontrava nos procuradores, que hora davam um

parecer para um lado, hora parecer para outro. O que acredito que

suporta todas essas atitudes de certa forma desviadas dos interesses

da administração, no fundo resume-se a uma inércia de resposta do

poder público, que é uma coisa muito difícil de mudar. E é assim até

hoje, se procurarmos na prefeitura, em diversos órgãos, vamos

encontrar esse problema, sendo este um dos grandes complicômetros

”. (depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de caso

Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps comunitário, gestão Luiza

Erundina).

Na Caixa Econômica Federal, gestora do PAR, dificuldades como as

apresentadas acima também tiveram, e têm ainda, de ser

enfrentadas, segundo liderança do MMC, que desenvolveu com o

órgão os dois primeiros edifícios de reciclagem habitacional no

centro de São Paulo:

“Nesses três anos a CEF se preparou, mudou algumas posturas. No

início ela era dura, ela não tinha jogo de cintura, ela só sabia dizer

não. Depois, quando apresentamos uma proposta, eles dizem: ‘vamos

ver, vamos estudar’. A cada dia ela melhora, apesar de ainda haver

um setor reacionário dentro da Caixa. Se fosse para a burguesia esse

projeto aqui, eles fechavam os olhos e deixavam passar mais rápido.

O problema é porque é para pobre, para miserável, para pedinte,

mendigo. Isso é para mim ainda uma questão de preconceito”.

(depoimento de Gegê, liderança popular, integrante do MMC).

Já o PAC- Programa de Atuação em Cortiços, gerido pela CDHU, teve

de atravessar anos de acertos para sua operacionalização, segundo a

arquiteta Lia Ferreira, integrante do corpo técnico da companhia:

“O PAC toma forma de programa a partir de 1998... isso requer um

processo de maturação”. (depoimento de Lia Ferreira, arquiteta,

Page 69: limites a produção da moradia social no centro de SP

68

estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU – PAC, gestão Geraldo

Alckmin).

Segundo o depoimento de Isabel Cabral, este ‘processo de

maturação’ do programa, que lentamente ajusta a lógica de

funcionamento do órgão às especificidades do trabalho com imóveis

encortiçados, ainda está sendo atravessado pela CDHU e seus

técnicos. Cabral comenta questões referentes às tipologias

habitacionais, que no centro, devem ser tratadas com maior

especificidade:

“Nós não podemos dizer que vai ter um outro Pirineus47, outra Maria

Paula48, não vai existir outro hotel São Paulo49, cada projeto é um

jeito, no centro da cidade. O da Joaquim Murtinho50 já é de outro

jeito. Se você pegar outro cortiço, já vai ter outro projeto de outro

jeito. Então eles [CDHU] não estão preparados para fazer essa

análise, com esse olhar, de aprovar, por que o centro é diferente,

eles não têm essa visão ainda. Eles ainda vêem como aquela coisa

que eles constroem na periferia, aqueles conjuntões enormes, e é

isso que a CDHU tem. E para mudar isso é um jogo duro danado. Tem

que ser muito bom de bambolê senão você não muda mesmo”.

(depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica

Ambiente).

47 Empreendimento do PAC – BID na região da Barra Funda, recém inaugurado. 48 Empreendimento do PAR – CEF na região da Praça da Bandeira, em obras de reciclagem. 49 Edifício desapropriado pela PMSP, no Vale do Anhangabaú, que será requalificado para o uso habitacional. 50 Empreendimento da PMSP, alvo de reforma para o programa de locação social.

A inércia que tem de ser vencida para o ajuste do funcionamento da

máquina pública aos novos programas encontra-se personificada nos

funcionários da Cohab. Temos aí nova dificuldade a ser vencida na

elaboração do programa de locação social, segundo o depoimento de

Wagner Germano, arquiteto do órgão:

“Não sei se há um grande limite, há sim uma ‘renca’ de empecilhos,

que são como um inferno, de todas as ordens, (...) não apenas para

uma produção de moradias no centro, mas de uma maneira geral, na

estrutura da Cohab, há uma série de empecilhos. Desde a

morosidade para se contratar alguns serviços, há todas as

dificuldades, principalmente para coisas novas, aí a coisa fica um

pouco mais delicada ainda. Esse programa teve de ser construído,

tudo foi e está sendo estudado (...) essa experiência de se produzir

em área central, houve vários seminários com o pessoal da França,

da Itália (...). Você junta então isso com a própria dificuldade do

próprio poder público para contratar, licitar, tudo é super

demorado. Às vezes se emperram em situações que nem são tão

difíceis de serem resolvidas, mas às vezes falta gente que diga ‘olha

é assim, faça isso’, enfim. Às vezes isso é meio complicado, de as

pessoas assumirem, e se responsabilizarem”. (depoimento de Wagner

Germano, estudo de caso favela do gato, arquiteto, PMSP, Sehab –

Cohab, gestão Marta Suplicy).

Ermínia Maricato, secretária municipal de Habitação da gestão Luíza

Erundina, confirma a presença da referida barreira aos novos

programas de habitação social no centro, e afirma até haver um

desejo do poder público51 de enfrentar a questão da moradia social

51 Refere-se às gestões do poder público em cargo no ano de 2000.

Page 70: limites a produção da moradia social no centro de SP

69

no centro, mas pondera que este desejo deveria ser de toda a

sociedade, pois o governo “pode encontrar resistências no interior

da própria máquina administrativa pública”52.

difícil articulação do povo encortiçado:

imobilismo e espera pelo paternalismo estatal

A população encortiçada, alvo natural dos programas públicos de

habitação no centro, enfrenta questões específicas inerentes a sua

inserção social. Estas especificidades os condicionam a posturas de

imobilismo e de desarticulação coletiva para a luta pela moradia de

qualidade no centro: trata-se de um novo limite. Este ainda se

insere no campo da ideologia e da cultura, como um conceito, ou

idéia, presente nas mentes da população encortiçada, que emperra

e dificulta a mobilização popular.

Uma das causas desta dificuldade de mobilização é muitas vezes

resultante de um limite ideológico e cultural anteriormente

identificado, que concebe a população de baixa renda como classe

social que deva necessariamente habitar as periferias urbanas, e não

as regiões centrais. Este conceito, observado agora pelo lado da

população de baixa renda, influencia diretamente a identidade

desta população, e faz com que não se considere parte integrante

dos ‘espaços centrais’ da cidade. Como demonstração desta barreira

cultural, reproduzimos abaixo depoimento de Kohara:

52 relatório final do encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”. Lab Hab Fau Usp, 2000:60.

“Essa falta de identidade é essencial de trabalhar no centro. Por que

a pessoa não sente identidade? Por que a forma em que está

organizado o centro não é para a população pobre, ele não é

voltado, e aí não possibilita que se construa uma identidade. E uma

população que não tem identidade, ela não luta por aquilo que não

se identifica, não se sente parte. (...) [a partir dos trabalhos no

Gaspar Garcia, nos anos 80] percebemos que as pessoas precisam que

se crie uma identidade, pois ela sentia que era ilegal, porque mora

no cortiço, ela está entrando, ela é invasora de um espaço que ela

não tinha direito, que o lugar era ir para as periferias. (...) tinha

que comprar um barraco na favela, mas sempre longe. (...) Se fica

uma identidade só para banco, só para comércio, só para trânsito,

você não é dali, você acaba morando, as pessoas de cortiço moram,

mas você não se sente parte. Ela se identifica pela situação dela”.

(depoimento de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato,

engenheiro, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).

Esta resistência em ‘sentir-se’ parte do centro pode novamente ser

identificada em relato de Ronconi, que aponta haver características

específicas da população encortiçada, se comparadas às diferentes

situações de carência habitacional. A vida nos cortiços impõe

condições que muitas vezes anulam o fomento da mobilização

popular:

“Claro que no centro havia questões específicas da organização do

movimento no centro, a evolução da organização dos movimentos de

cortiço foi mais lenta, do que o movimento de favela ou por moradia

na periferia. O centro, o cortiço, ele tinha uma dificuldade histórica

de organização, pois o morador de cortiço se recusava a admitir-se

Page 71: limites a produção da moradia social no centro de SP

70

na posição de encortiçado, (...) na realização de algumas entrevistas

em cortiços da região da aclimação, ao dizer que era uma entrevista,

o que a maioria dos moradores falavam era de que não adiantava os

entrevistar, pois na semana seguinte não se encontrariam mais lá,

pois estavam mudando e que sua vida estava melhorando. Ao voltar

lá semana depois, ele não estava mais lá, tinha saído mesmo, mas

você andava um pouco mais, e em duas ou três semanas o encontrava

em outro cortiço, ele ia mudando de cortiço para cortiço. Acredito

que esta resistência, essa dificuldade em se assumir naquela

situação, foi o que demorou a organização dos cortiços e foi algo

difícil de superar mesmo quando o movimento de cortiços estava se

organizando. Era quase que uma mácula a pessoa se identificar como

tal. E por exemplo a organização de favelas venceu isso muito antes.

Acredito que toda a questão violenta na estrutura do aluguel do

cortiço também dificultava essa organização, essa coisa de você ter

os xerifes de cortiço, que muitas vezes resolviam as questões

locatárias com o auxílio de um parabelo na mão. Então acho que isso

também dificultava a organização”. (depoimento de Reginaldo

Ronconi, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab –

Funaps Comunitário, gestão Luíza Erundina).

Além do ‘parabelo na mão’ dos intermediários, Joel Audefroy, em

“Estratégias Populares en los centros históricos” (p.6), inclui como

agravante à construção de relações coletivas nos cortiços, a

presença do tráfico de drogas, que, apesar de atuar em toda a

cidade, se aproveita dos espaços socialmente mais vulneráveis para

se estruturar.

Segundo Gegê, liderança do MMC, estas dificuldades de mobilização

da população encortiçada são resultado de um processo histórico,

que resultou em indivíduos desprovidos da compreensão de que são

sujeitos de seu destino, ficando a aguardar orientações superiores

para a resolução de seus problemas. Para Gegê, este se trata de um

dos principais limites, pois se assim não fosse, as pressões populares

seriam de tamanha envergadura que todas as barreiras estariam

resolvidas:

“Há falta de valores humanos... Não se preocupam [população

encortiçada] consigo mesmo. Isso é um limite, e que cresce. A

construção individual de cada um não está completa. Se não tenho

completa minha individualidade, é muito difícil que se chegue a uma

construção coletiva. Isso passa pela formação política-ideológica. As

pessoas devem aprender a se defender e não serem defendidas. (...)

Cidadania e dignidade não é um prato de comida ou um cigarro que

se dá por aí, não. (...) É como um emprego, que a partir dele pode

se conseguir comida, roupas. Deve haver um esforço pessoal. (...)

Não é Jesus Cristo desceu do Céu, ou o diabo veio do inferno e tudo

se deu, não. Pode governar Jesus Cristo, que não vai melhorar. (...)

Nesses 503 anos estamos num vício desta cultura muito grande. É

preciso que se tenha claro que isso é um limite. (...) Nós não temos

salário, temos de criar condições para que o povo possa viver em

suas casas, com emprego e salário digno. Do contrário seria

paternalismo, seria o governo dando casas para o povo. (...) Achar

que um governo resolve, não resolve. É um erro achar que com uma

eleição e tudo está resolvido. Os grandes pensadores da revolução,

como Rosa Luxemburgo, Marx, Engels, Lênin, Trotski devem se

estremecer só de ouvir falar. É algo que se resolve com décadas. (...)

São 503 anos de uma cultura em que o pobre tem de baixar a cabeça,

tem de andar de cabeça baixa, e para ele entender que tem de

levantar a cabeça, serão dezenas de anos. É muito mais o limite do

Page 72: limites a produção da moradia social no centro de SP

71

movimento, esperando que alguém lhe dê, do que por problemas

específicos de um programa habitacional. Pois se eu percebo que,

por exemplo, a Cohab está segurando algum projeto, eu organizo o

povo e vou lá e quebro, ocupo, estouro. E pronto, esse limite

desapareceu”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de

caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).

Page 73: limites a produção da moradia social no centro de SP

72

4.1.4.1.2 limites políticos

4.1.4.1.2.1 limites da política formal

“(...) então não acontecerão novos projetos. E nem novos

projetos de cortiços, porque a maioria dos cortiços está no

centro da cidade. Isso faz lembrar aquela frase: “isso é filé

minhon, morar na cidade é filé minhon, e pobre não come

filé minhon”. Esta é a antiga frase de um sujeito, um

especulador, Benjamim Barreira, aqui na Moóca que tem

uma imobiliária e uma construtora. E dizia sobre um terreno

na Barão de Monsanto, que nós do movimento

reivindicávamos à muito tempo atrás, desde o tempo do

prefeito Jânio Quadros, e ele dizia que aquilo é filé e pobre

não come filé. Então eu nunca pensei tanto nessa frase,

como na época em que o Maluf entrou (...) e o PPB, a classe

social que ele representa, a burguesia que ele

representa(...),”

Maria Nilce Ferreira Souto53

As diferentes posturas ou concepções políticas sobre as diversas

questões inerentes às relações humanas, organizam-se (dentre

diversas outras formas) em partidos políticos, que conduzem as

ações do poder público e influenciam de modo direto e decisivo a

produção da moradia social no centro.

53Mutirante do Projeto Celso Garcia, e membro da coordenação da Associação dos Trabalhadores da Região da Moóca e do Fórum dos Mutirões da cidade de São Paulo. Depoimento em 05/09/97. In: Comaru, 1998: pág.155.

Estas influências se dão através das disputas políticas entre as

diferentes legendas partidárias, durante as gestões, e mais

intensamente nos períodos eleitorais. Diversas barreiras à produção

da moradia social no centro têm de ser enfrentadas neste ‘jogo das

forças políticas’, qual buscaremos apenas identificar nesta seção.

Cabe aqui uma ressalva: acabamos de adentrar em terreno de

disputa, e, dado que as ações humanas são emanadas segundo

concepções políticas inerentes a cada cidadão, e por termos como

principio que nenhuma ação foge do campo da política: desde o

estar sentado a escrever um relatório de iniciação científica, até

estar sentado a analisar um determinado relatório de iniciação

científica. Daí, é dado que qualquer contribuição, seja ela em forma

de depoimento ou de trecho bibliográfico, emitirá uma postura

política. Ou seja, estamos a pisar em ovos, e qualquer conclusão

pode ser precipitada e parcial. Buscaremos então, apenas identificar

e relatar a barreira criada pelas atuais formas que essa disputa tem

se dado, encerrando-se, ela mesma, a disputa, enquanto um limite.

Para a apresentação dos limites da política formal, apresentaremos

em cada item as questões referentes a cada gestão, de modo a ter

uma leitura mais clara do enfrentamento da questão habitacional

segundo cada período político.

Page 74: limites a produção da moradia social no centro de SP

73

não há ‘vontade política’:

conjuntura adversa e correlação de forças incipiente

No item dos limites ideológicos e culturais tivemos contato com a

falta de consenso na sociedade paulistana acerca da presença das

classes de baixa renda na região central de São Paulo. Parte da

população concorda e defende esta idéia, ou concepção de cidade,

que exclui para a periferia os menos favorecidos no jogo do

capitalismo.

É certo que esta concepção de cidade, sustentada por uma parcela

influente da população, tenha repercussão nas políticas e ações

governamentais. Ou seja, a parcela da população que sustenta a

idéia ‘pobre = periferia’, vai sustentar ações que sejam coerentes

com esta concepção de cidade. Daí, as ações governamentais que

fugirem a essa regra não deverão ter o apoio desta população para

que sejam colocadas em prática: temos aí um novo limite.

Há uma relação direta entre a sustentação das ações

governamentais pela sociedade que elege a própria gestão

governamental. Se determinado governo implementa ações em

desacordo com a vontade da maioria da população, este estará

fadado a não se reeleger, ou até a não se manter no poder.

Cabe aqui ressaltar que por diversas vezes a ‘vontade da maioria’

não exerce tal influência sobre as ações do poder público, pois esta

não possui meios para exprimir e exigir ‘sua vontade’ ao longo do

período de uma gestão. Ficando este momento restrito apenas às

eleições diretas. Cabe também ressaltar que esta ‘vontade da

maioria’ é por certas vezes manipulada pelo poder midiático e

desbalanceada pelo poder econômico.

Portanto, de modo geral, o que muito importa às gestões

governamentais é a realização de ações que visem alcançar o

máximo possível de aceitação, ou sustentação pela população. Este

estado, ou retrato dessa sustentação, que varia de acordo com a

correlação das forças ideológico – culturais, ou políticas, em disputa

na sociedade, trataremos aqui como ‘conjuntura política’, ou

apenas ‘conjuntura’. Desta forma, as diferentes conjunturas

políticas, exprimem determinadas tendências de ação

governamental.

Segundo os depoimentos e trechos bibliográficos coletados, cada

gestão sustenta-se sobre uma diferente conjuntura política, mais ou

menos favorável à produção de HIS no centro. Desta forma, temos aí

um limite importante a ser considerado. Como cada gestão encara a

produção de HIS no centro? Em outras palavras, qual a ‘vontade

política’ de cada gestão?

Na gestão da PMSP de Luíza Erundina, há um consenso dentre os

agentes ouvidos. Segundo os técnicos e representante do movimento

popular, a realização de apenas 227 unidades no centro pelo

programa Funaps Comunitário, é resultado direto da não priorização

deste tipo de intervenção. A gestão teve como principal foco de

ação a edificação de unidades habitacionais em regiões periféricas:

Page 75: limites a produção da moradia social no centro de SP

74

“Tudo isso que nós fizemos sempre esteve nessa coisa do impossível,

primeiro que ninguém bancou com fichas muito pesadas esse

negócio, sempre foi um programa que era tido como experimental,

então não tinha grandes recursos”. (depoimento de Cláudio Manetti,

arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão

Luíza Erundina).

“Não, não foi [prioridade do governo], sempre foi tratado como um

protótipo, sempre foi tratado como uma experiência, antes de tudo

(...). Por um lado já não era uma prioridade de Governo, que estava

querendo demonstrar a questão da quantidade muito mais na

periferia, que é onde Habi tinha uma prática, desde o mutirão até

assentamentos diversos. Então a questão do cortiço na área central

era muito mais demonstrativa e quase qualitativa. Isso apesar de que

essa qualidade foi muito uma questão que a gente conseguiu trazer,

segurar esse projeto, nós dentro de Habi, do grupo de cortiços

conseguimos realizar. (...) [técnicos da PMSP questionavam] porque

que eu vou pagar trezentos no centro da cidade? Acredito que na

época era isso (o que não importa). E aí voltamos para aquela

questão política que se remete para uma questão economicista e,

portanto tem a ver com a questão da quantidade. Não se imagina e

não se dispõe de instrumentos ou recursos para que eu tenha ganhos

de escala com um m² de terra valendo sessenta vezes mais que na

periferia. (...) Esse projeto sempre foi visto meio com desconfiança,

no mínimo, delírio, diziam coisas diversas. Mas havia de um lado

uma pressão muito forte do movimento, muito firme. Teve até uma

das invasões aqui na Sehab, quando vieram trezentas pessoas do

Celso Garcia e do Madre de Deus. Foram lá para cima, e naquele

mesmo dia, o terreno do Banespa na Avenida Celso Garcia já tinha

um decreto de interesse social”. (depoimento de Pedro Sales,

arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão

Luíza Erundina).

“Por que ela fez só dois mutirões na área central? Ela [prefeitura]

tinha muita dificuldade aqui na área central, (...) e não houve muito

empenho da secretaria em relação à área central, não houve

empenho. O governo Erundina fez dois empreendimentos, e foi

muito difícil para chegar a esses dois. (...) Eles falavam que era

inviável fazer um projeto aqui na área central, um projeto grande,

nas áreas encortiçadas. A dificuldade é essa, que a gente sempre

encontrou. Agora se o governo quiser fazer, faz, mesmo sendo caro.

Se quiser fazer faz. Só que o retorno para o cofre público não vai ser

como o governo quer, ele vai pagar 100% e vai receber 50%, aí esses

50% é um fundo perdido, (...) isso que seria subsídio, é a dificuldade

que a gente tem. Nenhum governo garante, e se garante é muito

pouco, e não contempla o metro quadrado aqui da Mooca, ou na área

central, é muito caro. Então essa que é a dificuldade que a gente

percebe, que eles falam para nós. (...) Por isso é que eu falo, que é

uma dificuldade do governo, de achar que aqui na área central é

mais caro, é mais caro, mas já tem toda a infra-estrutura, então

acaba sendo mais barato”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,

liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da

ULC).

Os projetos iniciados na gestão de Luíza Erundina na PMSP foram

imediatamente paralisados quando iniciada a gestão seguinte, de

Paulo Maluf, sustentada por um partido diferente (antes PT, agora

PPB). Desta forma podemos identificar a interferência direta da

gestão municipal e seu partido político na produção de HIS no

Centro. Esses dados podem ainda indicar a existência de uma

Page 76: limites a produção da moradia social no centro de SP

75

possível outra barreira à produção de HIS no centro, exatamente

quando há uma mudança de gestão entre partidos políticos

diferentes. Mais adiante enfrentaremos esta questão mais

específica, no item o tempo da política: períodos das gestões,

calendário eleitoral e o apagar da história adversária.

No governo municipal de Celso Pitta, também do PPB, foi criado um

programa habitacional voltado às classes de baixa renda da região

central, que segundo Maria Souto, não foi levado à diante:

“A política da PMSP não existe (...), um programa com nome bonito,

mas que não saiu do papel: o Programa de Revitalização de Áreas

degradadas do Centro (PRADE)” (depoimento de Maria Nilce Ferreira

Souto, in: “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São

Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:52).

Acerca da ‘vontade política’ da gestão federal de Fernando

Henrique Cardoso, na qual foi criado o PAR, os agentes entrevistados

não opinaram diretamente sobre a questão, deixando-a, portanto,

em aberto. A apresentação da arquiteta Helena Saia54 no encontro:

“Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”, ao

menos nos indica a não existência de uma ‘pró-atividade’ da CEF no

sentido da construção de uma política habitacional nas regiões

centrais. O órgão entendia (na época) não ser de sua atribuição o

traçado destas políticas:

54 Arquiteta projetista dos empreendimentos ‘Fernão Sales’ e ‘Riskalah Jorge’, reformas de edifícios pertencentes ao programa PAR – CEF.

“A instituição financeira não poderia ser responsável por traçar

políticas, contudo, aceitaria propostas que se enquadrassem no PAR.

Com esta abertura conclui-se que o que faltou durante décadas foi a

vontade política de se enfrentar com coragem e criatividade as

questões específicas sobre a habitação popular e também quanto a

preservação do patrimônio histórico”. (Helena Saia, in: relatório

final do encontro: Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar

essa idéia? 2000: 16).

Na gestão de Mário Covas e Geraldo Alckmin (pertencentes ao

mesmo partido – PSDB) nas quais insere-se o programa PAC, há uma

discordância a respeito da ‘vontade política’ destes governos. Como

podemos observar através dos depoimentos de técnicos do poder

público, assessores técnicos e representantes de movimentos

populares:

“Eu entendo que sim [é uma prioridade de governo], pelo volume de

ações que estamos colocando em prática, acredito que sim. Em

entrevistas, quando a questão é habitacional, é sempre lembrada a

questão de cortiços”. (depoimento de Lia Ferreira, arquiteta, estudo

de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU - PAC, gestão Geraldo Alckmin).

“Um dos empecilhos também é a forma, enquanto governo, a forma

que eles [governo do Estado] vêm trabalhando, não há interesse

político. Por que não há? É aquela velha história que a gente sabe, a

colocação de toda a produção de HIS para fora do centro da cidade,

longe, para não ter essa interferência, para realmente não misturar,

ficar separado. Eu acho que a questão é de entendimento da cidade,

política mesmo, da divisão de classes”. (depoimento de Isabel

Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente).

Page 77: limites a produção da moradia social no centro de SP

76

“Estrutura e dinheiro eles [governo do Estado] têm. Falta vontade

política e parceria com os movimentos. (...) Diziam que amenizariam

os problemas do centro, e nós não imaginávamos que iríamos

enfrentar esse paredão, essa burocracia de um governo não

democrático, não socialista. (...) Nenhum governo do estado, este e

todos os outros, nunca teve a moradia para a baixa renda nos

grandes centros urbanos como uma prioridade”. (depoimento de

Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,

integrante da ULC).

Na gestão de Marta Suplicy na PMSP, há depoimentos que apontam a

existência de uma disputa interna dentro do próprio governo. Hora a

moradia social no centro é apresentada como prioridade, hora a

reabilitação do centro (voltada para outras ações que não a moradia

social) são consideradas prioritárias. Temos aí mais um retrato da

correlação de forças de sustentação do governo municipal, que

resulta em ações ambíguas do poder público. Mais adiante, na seção

dos limites da economia política, onde identificaremos o fenômeno

da gentrificação, esta contradição tornar-se-á mais nítida. Por hora,

observemos depoimentos de técnicos da PMSP, assessor técnico e

representante de movimento, ilustradores desta contradição:

“Eu acho que existe muita fragmentação nesse sentido [se é

prioridade da gestão investir em HIS no centro]. Muitas vezes essas

intenções se fragmentam. É importantíssima essa questão da

reabilitação, só que, como se amarra uma reabilitação assegurando

que a população não seja expulsa? Pra poder assegurar isso teríamos

de ter um estoque imobiliário. Não temos conseguido, mesmo por

falta de recursos, primeiro ter o estoque, para depois fazer a

discussão. Na verdade, o próprio poder público é um elemento de

valorização, um ator que também precisa comprar. Teríamos de ter

primeiro o estoque, para depois assegurar isso. Eu acho muito difícil

que uma reabilitação de uma região consiga assegurar uma

população. Acho que tem uma fragmentação: todo mundo

investindo, só que eu acho que os tempos deveriam ser diferentes.

Tem uma contradição, eu não conheço nenhum lugar onde se fez

reabilitação, (de forma geral, no mundo inteiro, que eu tenha lido):

Se não se preparou a reabilitação, [é difícil] que se consiga assegurar

a população. É quase um a conseqüência do outro”. (depoimento de

Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab

– Habi, gestão Marta Suplicy).

“Olha eu acho que é prioridade [produção de HIS no centro],

internamente no discurso do Paulo55, já entrou que é uma

prioridade. Acredito mesmo que as nossas dificuldades são

operacionais, não é nem de recurso. Ela é também de recursos, mas

eu digo que com os recursos que nós temos disponíveis, nós estamos

com muita dificuldade de fazer andar alguns projetos, por uma série

de coisas. (...) Então é prioridade sim”. (depoimento de Helena Silva

estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro,

gestão Marta Suplicy).

“No discurso aparece como prioridade a intervenção no centro, (...)

E no discurso aparece como uma tábua de salvação mesmo: ‘ah, tudo

que os movimentos vem reivindicando’, eles pegam aquele discurso e

jogam para a administração pública, sem ter um orçamento para

55 Secretário de Habitação de Desenvolvimento Urbano da PMSP, gestão Marta Suplicy.

Page 78: limites a produção da moradia social no centro de SP

77

isso, não tem um programa. Exceto o programa de locação social,

não tem um programa que eu conheça. O Morar no Centro é muito

mais um apoio aos recursos outros. Então como você constrói política

sem fundo público. Isso que é um dos paradoxos, que vira muito mais

programas de discurso, que ações concretas”. (depoimento de

Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica

Peabiru).

“Desde o orçamento participativo a idéia é de habitar o centro,

nesse programa da Marta. A idéia primordial deles é habitação (...).

Mas sem a prática, sem apoio político, sem querer. Falta querer

fazer”. (depoimento de Sassá, liderança popular, morador da favela

do gato).

O discurso de que habitação popular no centro é uma ‘prioridade de

governo’ é encampado pela maioria das instâncias governamentais,

quando diretamente questionadas. Ao passo que o discurso: ‘o que

falta é vontade política’ é sustentado pelos movimentos populares.

A partir dos depoimentos coletados e das experiências acumuladas

no decorrer de nossos estudos, observamos que estas informações

devem ser analisadas com maior profundidade para a emissão de

qualquer conclusão acerca do tema.

Mas temos apenas como certo que os resultados alcançados por

todos os programas estão muito aquém das necessidades da

população.

Portanto, se é verdadeiro o discurso de que a habitação social no

centro é uma ‘prioridade de governo’, há então outros fatores

limitantes para que tenhamos a atual produção. Pois, diante de sua

priorização pelo poder público, é de se esperar que melhores

resultados sejam alcançados.

Agora, se de fato a produção de HIS no centro não se trata de uma

‘prioridade de governo’, é certo que esta postura se trata de um

limite importante à produção da moradia social no centro.

falta de recursos:

o discurso das limitações financeiras do estado

Dentre os limites políticos identificados, inclui-se a quantidade de

recursos empregados para a implementação das políticas de HIS no

centro. Esta quantia se relaciona à ‘vontade política’, mas não

necessariamente de forma diretamente proporcional, de modo que

não significa que quanto maior a ‘vontade política’, mais recursos

deverão ser empregados na produção de HIS no centro, ou: se há

pouca ‘vontade política’ não haverá recursos.

As questões que envolvem este tema são por demais complexas para

uma presente análise, e certamente deveriam ser alvo de estudos

mais aprofundados. Por hora nos limitaremos a apontar alguns

pontos de vista acerca da questão: os recursos disponibilizados para

a produção de HIS no centro são suficientes para uma produção

massiva e de qualidade destas unidades?

É certo que não. O que pudemos identificar é que cada gestão

aporta recursos para a implementação destas políticas de modos

bastante diferentes:

Page 79: limites a produção da moradia social no centro de SP

78

“A prefeitura que sempre chora que não tem dinheiro, que tem que

pagar a lei de responsabilidade fiscal, essa coisa. O Governo do

Estado nunca falou que não tem dinheiro, o que dificulta ele é

sempre a questão da lei 8.666. O Governo Federal nunca disse que

não tem dinheiro, pelo contrário, os dois sempre falam assim tem

dinheiro o que precisa é agilizar a questão da moradia. Mas como é

que você agiliza, se a renda das pessoas é baixa. Se não tem

subsídio, você não consegue agilizar. Então eu acho que tem que

botar o dedo na ferida, que é a questão do subsídio. (...) Tem

dinheiro, pelo contrário. Tem que mudar a lei para agilizar mais”.

(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do

Fórum dos cortiços).

Na gestão de Luíza Erundina na PMSP, a relação da ‘vontade

política’ e do orçamento empregado para os programas habitacionais

na região central, segundo os agentes entrevistados, é a seguinte:

“Se não havia uma política de massa, não seria necessário também

uma destinação orçamentária equivalente”. (depoimento de Joel

Felipe, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, assessoria técnica

AD).

Já no Programa de Arrendamento Residencial, da CEF, a quantidade

de recursos disponíveis é suficiente para uma produção de

aproximadamente 25.000 unidades habitacionais em todo o país. A

demanda direta por unidades habitacionais apenas pela população

encortiçada na região central é da ordem de 110.400 unidades

habitacionais, segundo o último recenseamento total de cortiços de

São Paulo, de 1993, realizado pela Fipe.

A falta de recursos neste caso parece não ser fator de limitação à

produção, pois as dificuldades encontram-se no atual sistema

financeiro de habitação, que pouco pode fazer para atender as

faixas de renda mais necessitadas, segundo André Luiz de Souza,

representante da CUT no conselho curador do FGTS, em participação

no encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar

essa idéia?”:

Souza afirma que o FGTS só pode emprestar para quem pode

ressarcir, de modo que ele nunca atinge as famílias com até três

salários mínimos. Já a CEF está subordinada ao Banco Central que

compreende crédito habitacional como crédito individual e não uma

política pública, devendo o risco ser operado pela própria instituição

financeira. Ao mesmo tempo o Orçamento Geral da União (OGU) não

estabelece nenhum tipo de “mix” com o FGTS, nem mesmo as

políticas habitacionais dos estados.

Segundo Souza o principal limitador para que a CEF passe a atuar

junto às faixas de menor renda é o seguinte:

“(...) o setor público endividado não pode tomar novos

financiamentos, por causa da lei 2682. Assim, a Caixa só poderá

retomar o financiamento para o poder público daqui a 50 anos. Os

bancos privados podem conceder empréstimos, mas seu ‘spread’

mínimo é de 3%, enquanto o da Caixa é de 1%”. (André Luiz de Souza,

representante da Cut no conselho curador do FGTS. In: relatório final

do encontro: Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa

idéia? Lab Hab Fau Usp, 2000: 38).

Page 80: limites a produção da moradia social no centro de SP

79

Para a atual gestão do Governo do Estado, de Geraldo Alckmin, a

habitação popular no centro é uma prioridade. A CDHU conta com

recursos suficientes para uma produção massiva de HIS no centro, a

partir de parte da receita gerada pelo ICMS, que rende

aproximadamente R$10.850.000,00 reais/mês56, além do

empréstimo junto ao BID de U$ 70mi para financiamento específico

do PAC.

Segundo integrantes do movimento, a aplicação destes recursos tem

se realizado de forma equivocada, já que os resultados práticos

(número de unidades habitacionais produzidas) não são perceptíveis

aos olhos da população:

“(...) tem muito dinheiro, não faz nada, só faz pesquisa (...) e fica

sem utilizar, quando há tanto para resolver. (...) porque o governo

não decide colocar uma parte do dinheiro a fundo perdido e pelo

menos fazer algum projeto?”. (Verônica Krol, integrante do Fórum

dos cortiços, in: relatório final do encontro: Habitação no centro de

São Paulo: como viabilizar essa idéia? Lab Hab Fau Usp,2000:52).

Para a atual gestão da PMSP, a restrição orçamentária é um fato,

mas não é fator limitante à quantidade e à qualidade das unidades

habitacionais produzidas para o programa de Locação Social. O

depoimento de Wagner Germano, técnico da Cohab, afirma a

presença de limitações de outra ordem:

56 segundo a média de arrecadação dos 1% do ICMS destinados à habitação no período de dez anos (1990-1999). fonte: sítio eletrônico da CDHU, página: http://www.cdhu.sp.gov.br/http/indexhtm.htm

“Não teve esse problema [falta de recursos], eu acho que esse

‘vamos fazer menos’, é por que houve os episódios em que alguns

empreendimentos não se viabilizaram pelas questões que já falei

[entraves enfrentados no decorrer da operacionalização do

programa], então tivemos de rever as estimativas em algum

momento, por conta das dificuldades naturais, problemas que foram

aparecendo. Mas eu acho que o programa só não tem mais recursos,

um aporte financeiro considerável para essa ação no centro, por toda

essa dificuldade, essa morosidade, inclusive até de conseguir achar o

caminho das pedras. Se estivéssemos ainda no segundo ano da

gestão, com certeza teria mais recursos. Então você abre frentes, e

aloca os recursos. Esse é um problema que administração vive. No

meio do ano há diversas reuniões para cortes no orçamento. (...) O

programa de locação social, habitação no centro, só não tem mais

recursos, por que não conseguimos abrir frentes”. (depoimento de

Wagner Germano, estudo de caso favela do gato, arquiteto, PMSP,

Sehab, Cohab, gestão Marta Suplicy).

Já para morador da favela do gato, alvo do empreendimento de

locação social em estudo, a ‘falta de verba’ lhe foi confiada como

uma barreira à atual produção:

“Área tem, tem bastante área desativada aí, área na própria mão

deles, são áreas grandes, para conjuntos habitacionais. Só que

sempre alegam que é falta de verba, falta disso, falta daquilo”.

(depoimento de Sassá, estudo de caso favela do gato, liderança

popular, morador da favela do gato).

Page 81: limites a produção da moradia social no centro de SP

80

leis que não se aplicam:

o discurso de que pouco se pode fazer diante da atual correlação

de forças

É dado que as ações dos governos devem estar apoiadas em

instrumentos legais, ou leis, que as regulamentem. Para que

estas leis sejam criadas, precisa-se de uma correlação de

forças favorável à sua aprovação, dentro dos parlamentos

municipais, estaduais e federal. Passada essa disputa política

pela criação das leis, faz-se necessária uma nova correlação de

forças, que favoreça sua aplicação. Desta forma, apesar de

adentrarmos no campo da legislação, ainda reportamos a

causa deste fenômeno à esfera política.

Das leis necessárias à produção de HIS no centro, algumas

foram aprovadas pelos parlamentos, faltando ainda diversos

instrumentos para uma produção massiva e de qualidade

destas unidades. Estas leis, ditas como ‘necessárias’, são de

várias ordens, desde as que regulamentam a construção das

unidades habitacionais, como as leis edilícias, às que dispõem

sobre a ordenação urbanística da cidade, incidindo sobre a

função social da propriedade. Abaixo trataremos apenas da

não aplicação dos instrumentos legais considerados centrais à

produção de HIS no centro.

Segundo depoimentos e trechos bibliográficos visitados, diversas

destas leis tornaram-se ‘letra morta’, devido à não existência de

uma correlação de forças que sustente sua aplicação. Desta forma,

tem-se uma inoperância governamental, que muitas vezes pouco ou

nada realiza para a implementação de uma política pública que

incida sobre o tema em questão.

Para Verônica Krol, liderança do Fórum dos cortiços e Ermínia

Maricato, professora da Fau Usp, a legislação urbana existente não

se aplica à realidade de nossas cidades. Neste aspecto, há também

uma divisão da cidade, em ‘cidade da lei’ e ‘cidade sem lei’:

“Eu sempre digo, que para qualquer governo, o maior desafio é a

questão do centro. Por que o centro, ele parece que é uma coisa que

se fala: É um centro sem lei, é um mundo do cão, são os despejos de

cortiço, são os intermediários, é o valor do metro quadrado da terra,

é você viabilizar um projeto, tudo é muito difícil, então é o desafio

de qualquer prefeito, qualquer governo”. (depoimento de Verônica

Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos cortiços).

“A aplicação da legislação urbana não é universal. Esse é um dos

paradigmas da sociedade brasileira. A aplicação da lei não é igual

para todos. Nós não conquistamos a cidadania prevista na Revolução

Francesa”. (Ermínia Maricato, in: Os centros das metrópoles,

reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI”.

2001:95).

Mais especificamente, dentre as leis da ‘cidade sem lei’, destaca-se

a ‘Lei Moura’, proposta pelo vereador Luiz Carlos Moura, em 1991,

que desde então nunca foi aplicada. A lei Moura tem por objetivo

regulamentar a locação de quartos, pensões ou cortiços,

estabelecendo parâmetros de qualidade mínima ambiental e

Page 82: limites a produção da moradia social no centro de SP

81

construtiva, bem como regras para a relação entre locadores e

locatários.

Diante das atuais condições habitacionais na cidade de São Paulo, e

da conjuntura a que estamos submetidos, sua aplicação tem se

tornado inviável. Reproduzimos abaixo trecho do caderno:

Laboratório Integrado e Participativo para Requalificação de

Cortiço, que publica texto de Andréa Piccini, pesquisador do tema,

da escola Politécnica da USP:

“Com relação a sua legalidade, as normas específicas de edificação

definidas em lei, como, por exemplo, a Lei Moura, colocam a maioria

dos edifícios encortiçados, localizados na área central fora da

legalidade. (...) A falta de fiscalização, que é uma função básica

atribuída por lei à administração pública municipal, acaba por

perpetuar condições de irregularidades em relação às edificações e

de ilegalidade com relação à locação. (...) A fiscalização depende de

vontade política e de um programa de ação que possa dar conta de

uma quantidade tão grande de edificações irregulares. Por outro

lado, se os proprietários forem multados de forma generalizada,

provocar-se-ia uma falta de habitações na cidade, sem que exista um

estoque de moradias pronto para a substituição. A conclusão de que

é melhor deixar como está, dada a complexidade do problema e a

falta de fiscalização, levam à tolerância que, por sua vez, beneficia

o profícuo mercado clandestino de aluguel”. (p.37) “Parece existir

um abismo entre a formulação jurídica dos instrumentos legais e a

prática do que se constrói em grande parte da cidade e onde mora a

maior parte da população. À distância às vezes é tão grande que os

instrumentos propostos parecem feitos para a sua não aplicação

ou,quando são, criam situações incoerentes provocando sua própria

anulação; na prática acaba por auto-invalidar-se”. (Andréa Piccini,

in: “Laboratório de projeto integrado e participativo para

requalificação de cortiço”. 2002:38).

Estas dificuldades apontadas por Piccini têm repercutido na atual

administração municipal. Luis Kohara, técnico de Habi, afirma ser

de responsabilidade da PMSP a fiscalização destes estabelecimentos,

mas que, enquanto governo municipal, estão ‘discutindo isso’, e até

agora não realizaram nenhuma ação no sentido da aplicação da lei:

“(...) Então enquanto no mercado ganha 0,8% [do valor do imóvel ao

mês], no cortiço, a hora que você somar toda a renda, chega a

ganhar 3% e pouco. Aí você está ganhando um sobre-lucro em cima

de um investimento que você não fez. Então há uma lógica aí, que se

permite que isso aconteça, eu acho que a gente teria que fazer algo.

Lógico cabe à prefeitura, e estamos discutindo isso”.(depoimento de

Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab

– Habi, gestão Marta Suplicy).

Outra ação do poder público vital à produção de HIS no centro, e

que possui arcabouço legal e não é colocada em prática devido à

falta de sustentação conjuntural, é o controle dos preços dos

imóveis na região central, através da imposição do cumprimento da

função social da propriedade, constante no plano diretor estratégico

do município.

Como vimos na seção dos limites ideológico – culturais, tópico

especulação e ‘entesouramento’, há uma manutenção artificial dos

preços dos imóveis na região central, acima da capacidade de

Page 83: limites a produção da moradia social no centro de SP

82

pagamento das classes de baixa renda (como também veremos na

seção dos limites da economia política).

A necessidade de se estabelecer um controle sobre os valores dos

imóveis é latente. Mas há teses que consideram a possibilidade da

produção da moradia social dentro do atual sistema capitalista de

mercado, através de sua regulamentação legal. Meses antes da

aprovação do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, Nabil Bonduki,

arquiteto e vereador, possuía como estratégia a criação de leis que

apenas interferissem nas leis de mercado, mas sem ‘revogá-la’:

“(...) um desafio que temos: ninguém aqui quer revogar a lei de

mercado por decreto ou mesmo no plenário da Câmara, mas temos

claro que a legislação é uma clara interferência, ela deve interferir

nas leis de mercado, e tem de ser encontrados mecanismos para que

se viabilizem condições concretas para esse mercado

imobiliário”.(Nabil Bonduki, Vereador, in: “relatório da ‘Comissão de

Estudos sobre Habitação na Região Central”, 2001: 107).

Uma das leis que tem como objetivo interferir na lógica de mercado

imposta pelos proprietários de imóveis, é o IPTU progressivo no

tempo, que funciona através do aumento da alíquota incidente

sobre o valor do imóvel, no calculo anual do IPTU. Quando um

imóvel se encontra vazio ou subutilizado por mais de cinco anos, a

alíquota de incidência pode ser de até 15% sobre o valor do imóvel,

a cada ano de sua não utilização. Se o proprietário não lhe destinar

algum uso, este poderá até ‘perdê-lo’ para o município, pois em

pouco tempo o valor do imposto será igualado ao valor de seu

imóvel. Trata-se de uma forma de penalização do proprietário que

especula com seu imóvel, forçando-o a colocá-lo à venda, ou a dar-

lhe algum uso. Ou seja, destinar-lhe a uma ‘função social’.

Os instrumentos urbanísticos que definem e regulamentam o

cumprimento da função social da propriedade nas cidades brasileiras

estão no ‘Estatuto da Cidade’, aprovado em julho de 2001 pelo

Congresso Nacional. Diversas publicações recentes debatem a fundo

seu funcionamento e os meios de sua implementação57. Por hora

limitar-nos-emos a identificar a falta de sua aplicação e as

conseqüências disso à produção da moradia social no centro, muito

dificultada.

Desde a aprovação do Plano Diretor Estratégico pela Câmara

Municipal, em setembro de 2002, o IPTU progressivo no tempo não

foi aplicado em nenhuma propriedade. Segundo Kohara, o maior

limite à produção da moradia social no centro é a manutenção de

imóveis vazios na região central, ou a ‘questão fundiária’. As

dificuldades do enfrentamento desta questão são tão grandes que se

tornaram um ‘mito’ urbano. E, para ser quebrado, transformações

substanciais no modo de concepção de cidade seriam necessárias:

“(...) O programa [morar no centro, PMSP, gestão Marta Suplicy]

também previa, (não especificamente em relação à favela do gato)

que se trabalhasse com a contradição de termos um dado do IBGE

57 Por exemplo, o guia editado pela Câmara dos deputados, realizado pelo Instituto Pólis: “Estatuto da Cidade. Guia para implementação pelos municípios e cidadãos”, Câmara dos Deputados, Coordenação de publicações, 2001.

Page 84: limites a produção da moradia social no centro de SP

83

que diz haver em São Paulo 40 mil unidades vazias só na região da

subprefeitura Sé. Por que não se aproveitam essas moradias? O que é

um outro mito. Por que se temos 40 mil unidades domiciliares,

teríamos pelo menos 150 mil podendo morar no centro. (...) A

questão fundiária é o maior limite, nós ainda não sabemos como

mexer com os imóveis vazios. Pra mim essa questão é a mais central.

(...) Acho que ainda estamos muito longe do poder público fazer esse

enfrentamento das unidades vazias. (...) Muitas coisas dizemos ser

difíceis, mas ainda não foi enfrentado. Qualquer dificuldade que não

é enfrentada acaba sendo um mito, na verdade. No centro lidamos

com muitos mitos; a questão dos imóveis vazios mesmo, não foi

enfrentada.”. (depoimento de Luiz Kohara, estudo de caso favela do

gato, engenheiro, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).

O ‘tabu’ mencionado por Kohara é explicitado por Maricato, e

pertence à esfera política, criada pela correlação de forças

resultante do poder encampado pelos proprietários imobiliários e o

já abordado ‘‘entesouramento’’. Para Maricato, as leis, sozinhas,

não possuem poder algum, e são dependentes da correlação de

forças:

“(...) Nenhum desses argumentos se iguala ao principal obstáculo ao

fortalecimento do IPTU, em especial à implementação do IPTU

progressivo, que é dado pela correlação de forças que tem, nos

proprietários imobiliários e na histórica relação entre poder e

‘entesouramento’, os limites para a aplicação da função social da

propriedade”. (p.176). “Nesse caso, a questão central é fundiária e

imobiliária. Não há planos ou fórmulas para superar os conflitos que

essa questão implica. Instrumentos urbanísticos, textos legais podem

ser melhores ou piores, adequados ou inadequados tecnicamente,

mas nada garante aquilo que é resultado das correlações de forças,

especialmente em uma sociedade patrimonialista, onde a

propriedade privada da terra tem tal importância. Estamos no

terreno da política e não da técnica. A discriminatória das terras

públicas aí está. É lei. Ela é, provavelmente, o mais radical

instrumento da política fundiária”.(Ermínia Maricato, in: “As idéias

fora do lugar e o lugar fora das idéias”, A cidade do pensamento

único, desmanchando consensos. 2000:185).

Para Amore, arquiteto da Assessoria Técnica Peabiru, mesmo se

aplicados os instrumentos do estatuto da cidade, a forma que se

viabilizaria a ‘reforma urbana’, tão defendida por parte de

urbanistas e movimentos sociais, ainda seria nos moldes do sistema

capitalista.

Ações mais duras do poder público não se realizariam por falta de

uma correlação de forças favorável a isso, da mesma forma que um

instrumento legal que revogasse a lei de mercado, não seria

atualmente factível, segundo Bonduki. Diante da atual conjuntura

política, o fato de se democratizar o acesso à propriedade, no

Brasil, já teria ‘um peso enorme’:

“A história da reforma urbana, ninguém fala em expropriação de

imóveis vazios ou subutilizados. O que sempre se fala é: ‘incentivos

ficais, compensações para o proprietário’. (...) Sempre você vai

encontrando um jeito de se compensar isso. Então é uma reforma

urbana, na legislação mesmo, é uma reforma urbana, mas ela é

pensada por uma via capitalista. É reforma urbana, por que

democratiza o acesso à propriedade. E no Brasil, isso tem um peso

enorme, não é desprezível, mas é uma reforma urbana pela via

Page 85: limites a produção da moradia social no centro de SP

84

capitalista, compensando o proprietário e tal”. (depoimento de Caio

Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica

Peabiru).

desarticulação dos diferentes níveis de governo:

disputa pelos louros das unidades habitacionais

Um novo entrave a uma maior e melhor produção de HIS no centro é

a falta de integração dos diferentes níveis de governo: município,

estado e união. Ações sobrepõem-se, repetem-se estudos, e

trabalhos são feitos e refeitos. Nos últimos quinze anos, os três

níveis de governo sofreram sempre alterações de composição

política, sem que nunca houvesse um governo municipal que tivesse

como ‘aliado’ político, o governo estadual ou federal, com exceção

dos últimos sete meses, em que união e município são do mesmo

partido.

Apesar da obviedade teórica da necessidade de uma relação

harmônica entre os diferentes níveis de governo,

independentemente do partido que compõe a gestão, a prática da

não realização de acordos, convênios, ou contratos de cooperação

entre as gestões, tem demonstrado a necessidade de um diálogo

mínimo ou uma mínima compatibilidade programática entre as

diferentes partes.

A composição política das gestões nos diferentes níveis

governamentais, segundo os períodos de atuação, pode ser

observada abaixo, e serve como ilustração aos trechos dos

depoimentos coletados:

Tabela três: gestões governamentais segundo legenda partidária

ano 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04

município

Jân

io Erundina Maluf Pitta Marta

estado Quércia Fleury

mário

covas mário covas

alckmi

n

união Sarney Collor Itamar FHC FHC Lula

PSDB

PMDB

PPB

PT

PRN

PTB

Durante a gestão de Luíza Erundina na PMSP, período 89-92, as

relações com a gestão estadual eram exceções. Quando ocorriam

acessavam também outras secretarias, que não a pasta de

habitação:

“Não havia [relações entre governos municipal e estadual]. Exceções

existiam ou por necessidade muito concreta de divisão de tarefas

Page 86: limites a produção da moradia social no centro de SP

85

(caso do Cinema da Mooca, que, aliás, resultou em: ‘então, tocam

vocês...’ da PMSP para a CDHU) e quando os movimentos

demandavam recursos de outras áreas, como no Jd. São Francisco, o

convênio com a Secretaria da Cultura para oficinas culturais com

crianças e adolescentes”. (depoimento de Pedro Salles, arquiteto,

estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza

Erundina).

Relações de integração com o governo federal também não

ocorreram, ao menos aos olhos da população participante do

programa:

“Não, não tinha [integração entre os governos], na época era só a

prefeitura, em nossa época nunca teve não, nenhum dinheiro federal

para construir casa. Se veio, para nós não chegou”. (depoimento de

Luiz Cavalcanti, liderança popular, integrante da ULC).

Na atual conjuntura, junho de 2003, as relações entre o município e

o estado têm se dado de modo incipiente, e fatos concretos não são

conferidos pelos movimentos populares:

“Não existe relação entre os governos. Eu vejo a secretaria do

município pedindo: ‘pelo amor de Deus’ para a Secretaria do Estado,

e a Secretaria do estado, não diz nem sim nem não. Para mim é não,

pois não faz. A Secretaria Municipal não tem recursos, apesar de ter

um pouco de política. Têm companheiros na Secretaria Municipal,

capazes de tocar. E o Governo do estado tem dinheiro, mas não tem

política”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso

Riskalah Jorge, integrante do MMC).

A oposição política entre os partidos responsáveis pelas gestões

municipais (PT) e estadual (PSDB), tem minado as diversas

tentativas de estabelecimento de parcerias entre os governos.

Técnicos dos órgãos Cohab e Cdhu têm se comunicado de modo

proveitoso por diversas vezes, mas quando há a necessidade de um

comprometimento maior entre as partes, nada é realizado. Ambas

gestões possuem financiamento do BID para a implementação de

seus programas habitacionais, mas os conceitos de intervenção

empregados têm se mostrado conflitantes, como nos indica

Margareth Uemura, técnica da Cohab:

“A gente está sinalizando há bastante tempo, uma das primeiras

propostas que a gente fez para a CDHU, por exemplo, foi de utilizar

os subsídios diretos, que ela poderia jogar isso no programa de

locação social, já que ela não tem programa de locação. Com isso ela

poderia estar financiando algumas unidades de locação social, mas

essa discussão ela não avançou por várias coisas. Primeiro que a

nossa discussão sobre o BID apoiar um programa de locação social, e

o BID financia tanto um programa quanto o outro, ela demorou

muito tempo, foi uma batalha enorme. As pessoas não têm idéia do

que foi o desgaste que a gente teve aqui dentro, por que o BID tem

todo aquele discurso da análise neoliberal sobre os programas de

habitação da Europa e outras. Ele acha que tem que se privatizar

mesmo os parques europeus. Então por que estar criando um

programa de locação social aqui, quando a tendência em todos os

países, que fizeram reformas liberais, por exemplo, a Inglaterra, foi

desfazer os parques de locação social, por que se tornaram guetos de

população pobre com vários problemas socais, urbanos e etc... então

foi muito difícil de convencer que o programa de locação social,

Page 87: limites a produção da moradia social no centro de SP

86

(...). Então a nossa negociação com a CDHU também teve essa

dificuldade, acho que agora que está claro para o BID que nós vamos

fazer o programa, pode ser que a retomada do subsídio para a

locação seja mais fácil, esse convênio da CDHU para o centro. (...) A

gente começou uma atuação agora mais em detalhes, no PRIH da

Luz, mas realmente precisamos ver melhor como isso funciona, tem

reuniões [com a CDHU] que estamos marcando e tudo”. (depoimento

de Margaret Uemura, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP,

Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

o tempo da política:

períodos das gestões, calendário eleitoral

e o apagar da história adversária

O tempo, os períodos estabelecidos pela política formal organizam e

interferem diretamente nas políticas de habitação social no centro.

O sistema de democracia formal a que estamos condicionados,

necessita de uma organização severa que ordene as ações realizadas

pelo poder público. Esta organização estabelece períodos

determinados para a duração das gestões, e conseqüentemente para

a realização das eleições para as gestões conseguintes.

Os períodos da política formal são rogorosamente estabelecidos e

condicionam toda a vida da população. Ou seja, a existência destes

períodos é pressuposto a todas as atividades relacionadas à política

formal, até que se altere a constituição federal.

Desta forma, é de se esperar que tamanha camisa de força gere

algum tipo de conflito, ou incompatibilidade com os períodos do

viver humano, incerto e maleável, quando mais em sociedades

complexas como a que se insere São Paulo. Estes conflitos e

incompatibilidades se tornam muitas vezes barreiras aos objetivos

que buscamos compreender de sua não realização: a produção da

moradia social no centro de São Paulo.

Segundo depoimento de Cláudio Manetti, técnico de Habi na gestão

de Luíza Erundina, podemos observar uma das barreiras resultantes

dos conflitos gerados pelas diferenças entre o ‘tempo social’ e o

tempo da política formal:

“Fui eu e o Zico em uma reunião lá [Belenzinho], quando já tinham

se passado seis anos depois da gestão. E o cara falou: ‘fizemos uma

reunião recentemente, e discutimos que fizemos uma besteira em

não aceitar o subprograma na época’. Eu aí falei: ‘Mas seis anos

depois?’ E caiu uma outra ficha, que é pouco essa coisa do tempo de

decantação desses instrumentais, não que você desconfie deles. Mas

parece que eles precisam ter uma clareza ideológica, ou compatível

às linhas das lutas de base daquele grupo organizado, ou o que

significa isso em termos de desenvolvimento social. Parece que essas

coisas vão mais no tempo das coisas do que você simplesmente

implantar e acabou. (...) É uma pena essa coisa de interromper,

justamente na hora que a gente estava para começar realmente o

programa, em larga escala. Tinha uma série de imóveis no Pari,

algumas áreas na Moóca. Se não saísse a gente realmente teria

constituído programa em larga escala, numa história interessante,

inclusive discutindo alguns modelos de habitação, se tivesse um

exercício contínuo, teria sido, e saído coisas muitíssimo

interessantes”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo

de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).

Page 88: limites a produção da moradia social no centro de SP

87

Esta mesma problemática é identificada na publicação da ‘Coalizão

Internacional pelo Habitat’, por Joel Audefroy, que congrega

experiências de resistência das classes de baixa renda, que

organizadamente conseguiram fazer frente ao desalojamento

resultante dos processos de gentrificação nos centros de metrópoles

de diversos países do mundo:

“Este princípio [harmonia dos ritmos administrativos e políticos com

os ritmos sociais] não foi contemplado em nenhum dos casos

estudados. Os ritmos sociais são completamente diferentes dos

ritmos administrativos e políticos. Os habitantes necessitam de

tempo para se organizar e para enfrentar as novas situações. Não

atuam como a mecânica administrativa, que aplica regras e leis

sistematicamente”. (Joel Audefroy, Estrategias populares en los

centros historicos. 1998:29).

Outra barreira direta à qualidade dos programas habitacionais,

gerada pelo ‘tempo político’, é o período estabelecido para duração

das gestões governamentais. Diversos depoimentos apontaram para

a existência deste problema, que obriga a realização de ações

precipitadas, realizadas de modo rápido e sem o cuidado necessário

para a construção de uma política pública habitacional. Isto faz com

que as realizações tornem-se apenas respostas às pressões, em

forma apenas de ‘ações políticas’.

Pedro Salles, arquiteto de Habi na gestão de Luíza Erundina nos

indica esta problemática, enfrentada pelo Programa de Habitações

Populares da região central de São Paulo:

“Agora, no centro (...) deveríamos ter uma composição de áreas mais

ampla do que a que aconteceu, mas também é difícil resolver essas

questões todas no tempo que o Funaps Comunitário durou, que de

fato, durou dois anos, na verdade um ano e dez meses, pois no

finalzinho do último ano já não havia mais o que fazer. Então

devemos olhar um pouco esse período também, o período de

gestação, de gerar o programa, e depois de gerir a implantação do

programa, e trabalhar com quase 12 mil unidades num período muito

curto, então há várias pontas que acredito que deveriam ser

resolvidas mais tarde. Uma delas eu acho que é esta, ainda hoje

acredito que os edifícios que foram construídos para cortiço

deveriam ter uma multiplicidade maior de ofertas. Deveriam ter

apartamentos maiores do que tem e menores, e apartamentos

médios, para poder realmente abarcar o universo complexo que é

demanda de cortiço. Porque nos demais extratos de demanda por

moradia são mais uniformes, a família é mais estável”. (depoimento

de Pedro Sales, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP,

Sehab – Habi. Gestão Luíza Erundina).

Ainda como demonstração das interferências causadas pelo curto

período das gestões, que resulta até em remendos e subterfúgios na

condução dos programas habitacionais, relatamos trecho do

depoimento de Cláudio Manetti, também técnico integrante da

equipe de cortiços de Habi, na gestão de Luíza Erundina na PMSP:

“Não foi um programa montado logo no começo, não tinha tempo, as

pressões eram muito grandes. Não tinha recurso, então tudo era

criado dessa maneira. Outra coisa importante, o Funaps, que é o

fundo financiador, foi um fundo criado pela Marta Gordinho, na

Page 89: limites a produção da moradia social no centro de SP

88

Gestão de Mário Covas, é um fundo de assistência, e não um fundo

de produção em larga escala de habitação. O que faz com que Habi,

não conseguiu romper com isso, na época o Nabil58 queria criar uma

fundação. Ele queria criar um fundo que pudesse fazer um programa

habitacional em larga escala. E o Funaps, (...) ele não era um fundo

criado para isso, então o dinheiro público, ele não funciona tão fácil

assim, ele tem regras de uso e tal. Então ele podia usar, gastar

desde que você tivesse uma resolução votada no conselho do Funaps,

e esse dinheiro iria para uma frente de produção... Então foi tudo

um grande subterfúgio institucional para usar uma fonte de

recursos, (...) tudo isso foi meio montado numa estrutura muito

frágil. Não só o programa de cortiços, também o programa de

favelas, mutirão (...)”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto,

estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza

Erundina).

Os problemas resultantes do curto período para concepção,

planejamento, organização, construção e implementação de

políticas públicas de HIS no centro seriam minorados se as gestões

conseguintes não tivessem como objetivo primordial de governo o

desmonte e a desconsideração das ações realizadas pelos governos

anteriores. Quando a substituição de gestões ocorre entre partidos

políticos adversários, como observado em São Paulo, entre as

gestões de Luíza Erundina e Paulo Maluf, este desmonte se faz de

modo mais perverso. Ações já colocadas em andamento, com

recursos públicos aplicados, foram completamente paralisadas,

todos os investimentos iniciais foram desconsiderados e totalmente

perdidos, segundo lideranças dos movimentos populares MMC e ULC: 58 Superintendente de Habi, PMSP, gestão de Luíza Erundina.

“Nós indicamos três terrenos, para o governo da Luíza Erundina, no

Pari Canindé, que foram decretados área de interesse social, que

Maluf depois devolveu esses terrenos, sendo que alguns deles já

haviam sido parcialmente pagos para seus donos, e o dinheiro, pelo

que me pareceu, não foi devolvido”. (depoimento de Gegê, liderança

popular, estudo de caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).

“Teve um problema na administração Maluf e depois Pitta, que a

verba que era para sair mensalmente (há uma verba que estava

destinada para os mutirões), com a mudança de governo, entrando

governo Maluf, entrando governo Pitta, tudo parou. A gente recebeu

ainda, no final do governo Pitta, as últimas parcelas, de 25.000,00

para o pára-raio e outras coisas. (...) o cronograma era de um ano e

seis meses de obra, e nós demoramos quase quatro anos para

construir, ficou parado aqui, durante um ano e meio, levando chuva

e sol, imagine tudo levando água. Nesses governos que entraram a

gente sofreu demais, a gente sofreu. Por que não tinha nenhuma

vontade política”. (depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança

popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da ULC).

“Nos primeiros meses de 1994 as perspectivas eram bastante

desfavoráveis. O canteiro paralisado e sem materiais, diversas

famílias sofrendo ações de despejo nos cortiços onde moravam, e

todos os problemas sociais decorrentes” (p.53). (depoimento de

Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,

integrante da ULC).

Por parte dos mutirantes do conjunto ‘Madre de Deus’, havia a

consciência de que se a gestão de Luiza Erundina não conseguisse

Page 90: limites a produção da moradia social no centro de SP

89

eleger seu candidato, as obras poderiam ser paralisadas. Isto fez até

que alguns mutirantes se pusessem pessoalmente a participar da

campanha eleitoral para prefeito:

“Bom, muita gente trabalhou nas eleições. A gente era apaixonada

(...) a gente distribuía papelzinho (...) e dizia: vamos lá

companheiro para o nosso mutirão continuar” (depoimento de Maria

Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção Habitacional em cortiços na

Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco,

1998:152).

Para os técnicos da atual administração da PMSP, que desenvolvem o

programa de Locação Social, há o receio do que pode vir a ocorrer

se a próxima administração não der continuidade aos trabalhos

programados:

“Então é um programa difícil, por que ele está nascendo agora, a

gente espera que ele tenha continuidade na próxima administração.

Por que senão é um trabalho grande que vai ser perdido”.

(depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela do gato,

arquiteto, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

Um último aspecto problemático relacionado às imposições do

calendário político, que se torna muitas vezes um empecilho à

normal condução das obras públicas, é o período das eleições. As

obras têm seu ritmo ditado pelo período eleitoral, pois quando as

eleições estão distantes, as obras caminham em ritmo lento:

“(...) uma análise mais crítica permite perceber que tudo parece

indicar que o andamento da obra do mutirão Celso Garcia esteve

influenciado pela conjuntura política por que passava a PMSP. No 1º

período (1993/1996) as liberações possuem alguma uniformidade a

certa constância. A partir do segundo semestre de 1993 as liberações

são interrompidas pelo prazo de dois anos e 9 meses no ano em que

ocorre a mudança na administração na PMSP. Em 1996 a Associação

volta a receber recursos para a obra nos meses de maio, julho,

setembro e outubro. Em 1997 recebe liberações em março, abril e

junho. A maior liberação de verba ocorrida durante todo o

empreendimento ocorre no mês de setembro de 1996. Os meses das

eleições para a PMSP foram outubro e novembro de 1996” (Francisco

Comaru, “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São

Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:94).

Quando as eleições se aproximam a liberação de recursos aumenta.

Apesar de parecer positivo, pois as obras acontecem, muitas vezes

isto se torna também prejudicial à qualidade das unidades

habitacionais. Pois quando o período eleitoral se aproxima, tudo

deve se voltar à rápida finalização das obras, para sua inauguração

numa data próxima das eleições. Ou seja, não importa em que fase

esteja a obra, o que importa é que ela deve ser terminada, e

inaugurada próximo ao período eleitoral. E de qualquer jeito:

“(...) em 1996 vimos a tentativa de cooptação pelo ano eleitoral,

ofereceram dinheiro para terminar logo o mutirão, para virar palco

político para o Pitta. (...) eles pediram para a Assessoria Técnica

atestar em um documento que era possível terminar a obra em um

certo prazo, setembro parece. E é claro que o mutirão não terminou.

Page 91: limites a produção da moradia social no centro de SP

90

Descobriram que não dava, mas já tinham liberado o dinheiro

mesmo, a gente continuou a construção até dezembro (...)”.

(depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção

Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso

Garcia” Comaru, Francisco, 1998:167).

Mesmo sem a finalização completa das obras, mutirantes e

assessoria técnica decidiram concluí-las. Ainda faltavam serviços

diversos como o reservatório e a entrada de água, mas como

estavam com receio de não receberem mais recursos do novo

prefeito, Celso Pitta, inauguraram a obra.

O mesmo fenômeno se repete na atual gestão municipal, limitando a

qualidade do projeto de arquitetura do conjunto ‘Favela do Gato’.

Segundo Caio Amore, arquiteto da assessoria técnica Peabiru, as

condições de trabalho são agravadas pela pressão exercida pelo

calendário eleitoral:

“Tem sido o caminho da prefeitura em todas as áreas, tem saído no

jornal isso, que vão transformar a cidade num canteiro de obras,

nesses um ano e meio finais de governo. Para então dois anos de

projeto e construção nos outros dois. Isto é um problema só para o

lado dos movimentos, nos mutirões, em que você os vai apertando

com prazos inviáveis para poder inaugurar. O calendário eleitoral

vira uma condição. (...) O prazo de execução do projeto executivo

foi de quatro meses e meio, para fazer um projeto dessa dimensão,

quinhentos hectares, quase quinhentas unidades, e ainda querer

discutir tecnologias novas, é impossível. Acaba essa loucura, temos

de trabalhar doze horas por dia. Não tem como, nem se tivesse dez

pessoas trabalhando. Ainda que pelo projeto, estamos recebendo

nem um por cento da obra, o que deveria ser 5%. Isso impede um

projeto mais elaborado e outras coisas”. (depoimento de Caio

Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica

Peabiru).

Page 92: limites a produção da moradia social no centro de SP

91

4.1.4.1.2.2 limites da economia política

“No sistema capitalista, o problema social não será resolvido.

(...) Neste sistema, no qual estamos, é impossível,

mesmo que um iluminado ganhe a eleição”.

(Gegê59).

“Para Engels a questão da habitação

é somente um aspecto subordinado

de um problema central [o sistema econômico]”.

(Lefebvre60).

“No capitalismo, a base econômica comanda.

O econômico domina”.

(Lefebvre61)

Diante dos limites já abordados, podemos ter uma compreensão do

relacionamento e da interdependência de cada uma das questões

enfrentadas em cada seção, bem como entre elas. O ideológico e

cultural resultam em determinadas posturas políticas, que ao se

realizarem alimentam novamente uma nova ideologia e cultura,

diferente da inicial, mas baseada em seus princípios.

Diversos outros depoimentos apontam em consonância para um

outro grupo de questões centrais à produção de HIS no centro: o 59 Gegê, liderança popular, in: Relatório final da Comissão de estudos sobre a habitação. 2001:39. 60Lefebvre, A Cidade do capital. 2001:117. 61Idem: 112.

sistema econômico a que estamos submetidos. Dizem ser uma

‘questão econômica’, que não dá para resolver... como se fosse,

apenas, uma questão setorial e cientificamente separada, e

incompreensível. Algo técnico e apolítico, discutível apenas

seguindo-se as ‘leis’ da economia, que comentadas apenas por

‘especialistas’, repercutem por programas de rádio, jornal e

televisão. São de ‘ordem econômica’. Se assim ordenado realmente

fosse, classificaríamos então os próximos limites apenas de: ‘limites

econômicos’, e todos dormiríamos tranqüilos.

Já, segundo alguns pensadores por hoje tidos como ‘antigos’, e

‘ultrapassados’, as coisas não são tão simples assim. E, bem que não

é tão impossível assim de se compreender dessa outra forma: mais

total, e integrada, complexa ou completa.

Segundo Carl Marx, pensador europeu do século XVIII: “Quando

estudamos um país do ponto de vista da Economia Política,

começamos por sua população, sua divisão de classes, sua

repartição entre cidades e campo, na orla marítima; os diferentes

ramos da produção, a exportação e a importação, a produção e o

consumo anuais, os preços das mercadorias, etc.”62 Marx segue

adiante e afirma ser uma forma de abordagem que observe as coisas

como ‘um todo’ (para sermos rápidos e resumidos).

Ainda, Lefebvre, em ‘A Cidade do Capital’ comenta a denominação

utilizada por Marcos em sua obra ‘O Capital. Crítica da Economia

política’. Lefebvre considera (aqui também comentamos a questão

62 Marcos, Carlos. “Para a crítica da economia política” 1857, in: Os pensadores, Marx. 1978: 116.

Page 93: limites a produção da moradia social no centro de SP

92

de modo rápido e resumido, pois é o que nos permite o

espaço/tempo) que o subtítulo da referida obra não pretende de

modo algum, e pelo contrário, caracterizar seu ensaio sobre o

capital como algo parecido com um tratado sobre economia. Marx

objetivava realizar exatamente uma crítica “do econômico enquanto

‘separado’, da ciência fragmentada que se transforma em

dispositivos de coação, da ‘disciplina’ que fixa e cristaliza certas

relações momentâneas, elevando-as ao estatuto de ‘verdades’ ditas

científicas”63. Ou seja, na economia capitalista, não há apenas

‘relações econômicas’, em que há uma simples troca de produtos.

Há sim relações políticas, entre pessoas, que estão colocadas por

detrás de todos os produtos: as ‘coisas’. A separação do político e

do econômico tem como objetivo cristalizar e deixar intocáveis as

relações políticas entre as pessoas, quando realizam as trocas de

mercadorias.

Feito este rápido ‘pormenor’, continuemos a tratar as questões com

cuidado, e com muito cuidado, mesmo, para buscarmos não incutir

nos mesmos erros que resultaram no exato presente momento: que

os trata como ‘antigos’ e ‘ultrapassados’. Continuemos.

63 Lefebvre, A Cidade do capital, 2001:76.

Page 94: limites a produção da moradia social no centro de SP

93

localização

o alto custo da terra na região central

Ao indagarmos os agentes envolvidos na produção da moradia social

no centro, notamos ser unânime a identificação do limite: ‘a terra

no centro é muito cara para a classe de baixa renda’.

Trata-se de uma característica das cidades de mercado livre, onde o

valor monetário exigido na troca da mercadoria terra/imóvel que se

localiza em áreas dotadas de infra-estrutura urbana completa e

centralmente localizadas seja considerado: ‘alto’.

Portanto, parece lógico concluir que tudo estaria solucionado se as

famílias de baixa renda tivessem sua renda aumentada, e daí

poderiam ter acesso a esses imóveis! Mas não é o que acontece.

Desta forma, temos então um binômio limite: terra cara e renda

baixa.

Se mantida a lógica vigente, ilustrada pelo gráfico ao lado, esta

oposição tende a não se resolver, como se vê o crescer do valor dos

imóveis em geral e o decrescer da renda dos trabalhadores:

Tabela 4: Evolução do preço do m² de terreno e do salário

mínimo.

Abordaremos esta questão em suas duas partes. Inicialmente nos

deteremos na identificação deste valor ‘alto’ dos imóveis centrais, a

partir de depoimentos e trechos bibliográficos.

Lideranças populares que atuam no centro apontam com clareza ‘o

valor da terra’, como uma efetiva barreira à presença da população

de baixa renda na região:

“Outra dificuldade, é quando se tem grandes centros urbanos, onde

se tem muita especulação imobiliária, onde há a disputa por espaço,

a gente sabe que nos grandes centros urbanos, é onde se desenvolve

a economia, onde se tem dinheiro, onde tudo é gerado, renda,

dinheiro, tudo. A briga pelo espaço se torna como se fosse ouro,

cada metro quadrado se torna super valorizado. O governo até

Page 95: limites a produção da moradia social no centro de SP

94

compra, até constrói em áreas urbanizadas, mas os preços do metro

quadrado são muito caro, que depois vêm cair nas costas das

famílias. Aí é que se emperra a questão da renda. Faz-se uma conta

do valor do terreno mais da reforma, que vai dar um valor X, em que

as famílias não vão poder pagar, né. É um valor que é

absurdo”.(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular,

integrante da ULC).

“Inicialmente eles [PMSP] estavam propondo verba para nós, ou uma

moradia que seria de baixo custo, só que na periferia. Para nós que

temos criança, e emprego aqui no centro, fica difícil para se

deslocar, como seria o nosso caso. Aqui no centro eles [PMSP] alegam

que a área é cara. Tudo fica em torno do financeiro”. (depoimento

de Sassá, estudo de caso favela do gato, liderança popular, morador

da favela do gato).

A constatação de Sidney Eusébio e Sassá, de que a área central é

‘muito cara’, lhe é dado um valor que é ‘um absurdo’, pois tudo fica

‘em torno do financeiro’, é confirmada por Villaça, em seus estudos

sobre a localização dos imóveis no espaço urbano e sua concepção

como mercadoria.

“Na cidade de economia de mercado, a localização é a mercadoria

mais importante no mercado imobiliário”. (Villaça, O uso do solo

urbano. 1978:12).

Caderno especial de imóveis, Folha de São Paulo, 18.10.2003.

A influência deste fenômeno na localização das pessoas na cidade é

decisiva, pois dita o local em que cada classe social poderá se

estabelecer:

“(...) as pessoas de diferentes faixas de renda decidem sua

localização na cidade conforme o preço que podem pagar pelos

imóveis, pela moradia. O preço dos terrenos ou prédios é mais caro

em áreas atrativas para uma demanda de maior renda, e mais baixo

nas zonas menos atrativas” (Helena Menna Barreto, Silva – “O

movimento pela reabilitação do centro de SP e a problemática

Habitacional”.200X:41).

Page 96: limites a produção da moradia social no centro de SP

95

Ainda como caracterização e compreensão da localização enquanto

mercadoria, e seu poder ditatorial sobre a espacialização das

pessoas de diferentes ‘faixas de renda’, ou classes sociais,

utilizaremo-nos novamente de trechos escritos por Villaça, em A

localização como mercadoria:

“No modo de produção capitalista as localizações são mercadorias.

Inseparáveis de sua base material que é a terra, a localização é

produzida e distribuída como valor de troca. (...) quando uma pessoa

compra um terreno ela compra duas mercadorias. Um pedaço de

terra e uma localização. A primeira muda pouco ou nada, e no caso

das localizações urbanas tem pouca importância. (...) A segunda está

em constante transformação, independentemente do fato do

proprietário do terreno nela fazer ou não melhorias ou edifícios.

(...) As localizações são contínuas e ininterruptamente produzidas

(alteradas) não só pelas obras públicas, mas também pelos

progressos ou transformações nos meios de transportes, pelas

construções privadas ou pelos loteadores. (...) Nunca será possível

produzir duas localizações iguais. Esse fato e ainda a outra

peculiaridade dela ser indispensável a todo ser humano, fazem com

que a distribuição desse produto vital seja um problema crucial em

todas as sociedades. Daí provém o fato de todas as sociedades serem

obrigadas a desenvolver mecanismo cujo objetivo é distribuir por

entre seus membros, esse produto que é necessariamente desigual.

(...) Essas características fazem do espaço – ou a terra quanto base

material das localizações – uma mercadoria altamente disputada,

presa fácil da especulação e finalmente, inclusive pela

indisponibilidade de sua distribuição eqüitativa, o produto cuja

divisão melhor exibe a luta de classes. (...) Vê-se portanto que a

organização do espaço é feita pela disputa entre as diversas classes

ou grupos sociais”. (Villaça, “A localização como mercadoria”. Fau

Usp, 19-?).

Talvez seja até desnecessário completar que quando Villaça refere-

se ao ‘mecanismo’ de distribuição deste produto ‘desigual’ e

escasso, ele se refere às relações de compra e venda, mediadas pelo

dinheiro, ou o capital.

Desta forma, têm acesso às melhores áreas apenas os detentores de

mais capital, sendo sumariamente excluídas as classes de baixa

renda:

“Em uma sociedade em que a desigualdade social é radical como a

brasileira, o direito à cidade é uma utopia. O fato de um terreno

contar com investimentos de infra-estrutura urbana e interessar ao

mercado imobiliário, já é motivo para excluir a maior parte da

população de seu acesso”. (Ermínia Maricato, in: Laboratório de

projeto integrado e participativo para requalificação de cortiço.

2002: 33).

Page 97: limites a produção da moradia social no centro de SP

96

vista das janelas de um dos apartamentos do Riskalah Jorge, centralmente

localizado.

Mesmo que ‘mais caros’, os imóveis da região central poderiam ser

alvo da ocupação por classes de renda mais baixa. Há urbanistas que

consideram a presença da população de baixa renda no centro uma

estratégia de economia urbana, afirmando ser ainda mais barata que

se localizada na periferia. Esta leitura difere-se da comumente

efetuada, pois sua apreensão é mais ampla. É de outra escala. Ela

circunscreve a questão da ‘economia para a produção da moradia’

no perímetro de toda a cidade, e não apenas em cada família, cada

lote, ou empreendimento. Ela observa o custo da implantação de

infra-estrutura na periferia mais o valor das unidades, e o compara

com o custo quase nulo de implantação de infra-estrutura no centro

mais o valor das unidades.

Vejamos o que nos dizem Pedro Salles, técnico de Habi, gestão de

Luíza Erundina e Francisco Comaru, em sua dissertação de mestrado

acerca do mutirão Celso Garcia, edificado pelo mesmo programa em

abordagem no estudo de caso ‘Madre de Deus’:

“O solo, a questão fundiária e imobiliária essa é a questão

fundamental, são questões inter-relacionadas, mais a questão dos

recursos necessários, e isso tem a ver também com os valores

imobiliários praticados no centro, (...). A questão mesmo do solo,

valores, recursos disponíveis pelo poder público e instrumentos que

viabilizassem essa questão, acredito serem esses primeiros dados

fundamentais. (...) Outra dificuldade que a gente encontrava para

provar que era viável morar na área central, é que nunca ninguém

fez, ou porque não quis, ou por que não sabe fazer dos custos gerais

de uma política urbana que privilegia construir na periferia, contra a

re-ocupação da área central. (...) se você começar a colocar, escola,

a infra-estrutura disponível etc. Enfim, toda aquela gama enorme de

recursos públicos para transformar uma área rural em urbana: esse

custo nunca entrou naquela conta da comparação dos ‘cinco com os

trezentos’. Então como é que é isso? Ninguém quis fazer, ninguém

sabe fazer, como é que se agrega, apropria esses custos. Então essa é

uma questão fundamental, por que na hora de comparar seco

[isoladamente], evidentemente, em termos de viabilidade

financeira, parece melhor”. (depoimento de Pedro Salles, estudo de

caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).

“O objetivo de executar o conjunto na área central, com custos

equivalentes aos dos conjuntos executados em outras regiões da

cidade, inclusive na periferia, foi alcançado. Ou seja, o custo mais

elevado do terreno na região onde foi implantado o empreendimento

foi compensado pelo custo não incidente, portanto nulo, da infra-

Page 98: limites a produção da moradia social no centro de SP

97

estrutura urbana” (Francisco Comaru, “Intervenção Habitacional em

cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia” 1998:117).

Madre de Deus em rua dotada de infra-estrutura completa, na Moóca.

Há ainda uma outra forma de concepção de cidade que parte da

compreensão do acesso à cidade como um direito, e que deve ser

sustentado por todo o coletivo urbano. Outro ‘mecanismo’ de

distribuição da mercadoria ‘localização’ é empregado. Trata-se da

sustentação estatal direta da moradia, ou locação social, que é uma

forma artificial de manter a população de baixa renda no centro,

sem interferir nas causas estruturais do sistema econômico. As

famílias são sustentadas pelo programa, enquanto são re-inseridas

na sociedade capitalista, recebendo formação para o trabalho

assalariado de baixo rendimento.

Wagner Germano, arquiteto responsável pelo risco inicial do projeto

de locação social da favela do gato, nos relata abaixo como se deu a

abordagem da PMSP no enfrentamento da questão ‘custo da terra’

na formatação do programa de locação social:

“Um dos problemas que é meio óbvio até, é a questão do custo, o

terreno, o custo do imóvel no centro, (...) No início da gestão, muito

se discutiu o que fazer com um dos terrenos da Cohab, localizado no

Belém, um terreno que é caro. Está do lado da estação do metrô do

Belém, num bairro que tem toda a infra-estrutura. Um bairro

central, absolutamente bem localizado (um terreno que vale muito)

e aí pensar em fazer qualquer empreendimento habitacional para

atender a população que a gente quer atender, de baixa renda,

ficava inviável. Por que a hora que você colocava o custo do terreno

na discussão, já de cara, só pelo custo do terreno, já ficava inviável

o empreendimento. Me lembro de algumas reuniões na Cohab, em

que se discutia em vender os terrenos do Belém, do Bresser, que

valem muito, e aí com o dinheiro que a gente arrecadar com a

venda, a gente compraria terrenos maiores. E aí me recordo que

ficamos discutindo (...) temos poucos terrenos no centro (...) temos

de arranjar alguma maneira de equacionar essa questão do custo.

Essa história ficou em cima da mesa (...) aí discutindo o programa de

locação social, percebemos que estava lá a solução, dado que aí

então não seriam vendidos, ficando como um patrimônio público,

continua na companhia. Perfeito, com isso a gente conseguiria

trabalhar no centro, e sem esse problema inicial, da compra dos

imóveis, o dinheiro necessário para comprar o imóvel”. (depoimento

de Wagner Germano, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

Page 99: limites a produção da moradia social no centro de SP

98

vista da favela do gato, com Anhembi ao fundo, extremamente bem localizada.

Já para a construção de um cenário que permita uma efetiva

produção massiva, e de qualidade, da moradia social no centro,

algumas modificações no ‘mecanismo’ de distribuição de terras

urbanas faz-se necessária:

“O que fica evidente é que sem reforma fundiária e imobiliária nós

não vamos avançar. É necessário mexer nos lucros imobiliários

especulativos e construir uma aliança entre os que querem

democratizar o acesso à moradia e os representantes do setor de

construção”. (Ermínia Maricato, in: Relatório final da comissão de

estudos sobre habitação na área central. 2001:79).

baixos salários e desemprego:

não há renda que pague a habitação

Completando o ‘binômio limite: terra cara e renda baixa’,

adentramos agora nas condições econômicas de

pagamento/endividamento da população de baixa renda para o

acesso à mercadoria habitação.

Quão baixa é essa renda? O que diz essa população ao se ver

impedida de acessar uma moradia na ‘cidade’, apenas por possuírem

uma renda baixa?

Ponderações acerca dessas questões poderão ser observadas nos

relatos e trechos da bibliografia, que identificaram de forma

consensual o limite da renda das famílias interessadas em morar no

centro. Buscamos abaixo apenas identificar e organizar estas

constatações, pois acreditamos necessárias à compreensão das

contradições e conflitos da metrópole paulistana.

Segundo lideranças dos movimentos populares e assessores técnicos,

a renda de parte das famílias para a compra da moradia é tão baixa,

que o parcelamento de seu pagamento por 25 anos é insuficiente.

Desta forma, reivindicam políticas de subsídio e alternativas de

acesso à moradia para estas famílias:

“Não [as famílias não conseguiam pagar as prestações de sua

moradia]. Há famílias que sobrevivem de doação de cestas básicas.

Seguramente são necessárias políticas de subsídio, assim como outras

formas de produção alternativas para mais baixa renda”.

(depoimento de Joel Felipe, estudo de caso Madre de Deus,

Assessoria Técnica AD).

Page 100: limites a produção da moradia social no centro de SP

99

“Mas como é que você agiliza [a moradia no centro], se a renda das

pessoas é baixa. Se não tem subsídio, você não consegue agilizar.

Então eu acho que tem que botar o dedo na ferida, que é a questão

do subsídio”. (depoimento de Verônica Krol, liderança popular,

integrante do Fórum dos Cortiços).

“Então eles [governos] alegam, tanto a prefeitura, como o governo

estadual, que as famílias que residem nas áreas encortiçadas não

contemplam o programa deles, por que o programa deles é de três

salários mínimos para cima, e que acontece? Como a maioria aqui

ganha um salário mínimo, então é claro que não entra mesmo. Ai

eles dizem o seguinte, que não tem o suficiente para financiar, para

ajudar as famílias a pagar. Por que se tem um subsídio, o governo

paga uma parte e a família paga outra. Essa é uma dificuldade que

estamos enfrentando. Eles não têm nenhuma política para atender

famílias até três salários mínimos. Eles têm de três para cima, só

que ninguém ganha isso, R$ 720,00 por mês. Então essa é a

dificuldade que estamos enfrentando, tanto com o governo do estado

como com prefeitura”. (depoimento de Luiz Cavalcanti. liderança

popular, integrante da ULC).

Essa dificuldade de compra da moradia com recursos próprios,

enfrentada pelos trabalhadores de baixa renda, é confirmada por

Ermínia Maricato, em ‘A cidade do pensamento único,

desmanchando consensos’, que credita essa barreira à estrutura de

trabalho e renda do sistema econômico a que estamos submetidos.

Os salários dos operários objetivamente os impedem de comprar

uma moradia:

“O custo de reprodução da força de trabalho não inclui o custo da

mercadoria Habitação, fixado pelo mercado privado. Em outras

palavras, o operário da indústria brasileira, mesmo muitos daqueles

regularmente empregados pela industria moderna fordista (industria

automobilística), não ganha o suficiente para pagar o preço da

moradia fixado pelo chamado mercado formal. A situação é

freqüentemente mais precária em se tratando de relações de

trabalho também precárias. O acesso ao financiamento é quase

impossível. (...) O consumo da mercadoria habitação se deu,

portanto, em grande parte, fora do mercado marcado pelas relações

capitalistas de produção” (Ermínia Maricato, A cidade do pensamento

único, desmanchando consensos. 2000:155).

Parte desta moradia acessada ‘fora do mercado de habitação’ se dá

nos cortiços, ocupações, ruas ou praças localizadas na região

central de São Paulo. Essa população é considerada a ‘população

alvo’ dos programas habitacionais em estudo. Para compreendermos

melhor a renda destas pessoas, observemos alguns dados de

levantamentos sócio econômicos recentemente realizados.

Page 101: limites a produção da moradia social no centro de SP

100

A tabela ao lado apresenta porcentagens incidentes da renda

familiar por salários mínimos de moradores de edifícios

encortiçados. A primeira e segunda coluna possuem dados coletados

por Francisco Comaru64, em dois imóveis ocupados por movimentos

populares de luta por terra e moradia, em 2000. O imóvel ‘Ana

Cintra’, localizado na rua de mesmo nome, abriga 73 famílias. A

segunda ocupação era de um imóvel de propriedade do banespa,

localizado na avenida Celso Garcia, com 84 famílias. A terceira

coluna é de dados coletados pela Fipe, em 1997, nas áreas da

Subprefeitura da Sé e Mooca. O universo referido é de 31.500

famílias, em 4.500 imóveis encortiçados. Na quarta coluna os dados

são referentes ao levantamento realizado pela Fundação Sead -

Sistema Estadual de Análise de Dados, em dezembro de 2001, em

oito ‘Setores Básicos de Intervenção’65, áreas delimitadas para

intervenção da CDHU, programa PAC. O universo é de 15.950

famílias, em 1.648 imóveis encortiçados.

Como a tabulação das faixas de renda se deu de forma diferente em

cada levantamento, a elaboração de um resultado médio das quatro

medições é impossibilitada, além da nítida diferença dos resultados

encontrados em cada uma delas; daí sua apresentação em colunas

separadas:

64 Para o encontro promovido pelo Lab Hab Fau Usp e a CEF: ‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?’. 65 Pari, Barra Funda/Bom Retiro, Brás, Bela Vista, Belém, Cambuci, Liberdade, Mooca e Santa Cecília.

Tabela 5 – renda familiar por faixas de salário mínimo

levantamento

Comaru Fipe

1997

Sead

2001

renda ana cintra banespa

salários mínimos % de famílias % de famílias % de famílias % de famílias

s/ renda 6,2 13,5

23,8

3,5

0 a 1 0 13,6 3,2

1 a 2 18,8 9,1

19,3

2 a 3

56,6

3 a 4 37,5 50 26,7

4 a 5

5 a 10 37,5 9,1 39 14,7

mais de 10 0 4,5 10,5 2,7

total 100 100 100 100

Fonte: relatório do encontro ‘habitação no centro de SP: como viabilizar essa

idéia?’ , Lab Hab FAU USP,2000.

Relacionando os dados levantados pela Fipe em 1997, apresentados

na tabela, ao número de pessoas por família e à idade dos

integrantes, Silvia Schor, economista da Fipe, realizou uma análise

das possibilidades de acesso à moradia segundo as faixas de renda

familiar, ou ‘estratos de renda familiar’. Schor estabeleceu três

estratos: 1 - os que não têm condições de acessar nenhum programa

de financiamento no centro; 2 - os que têm condição para adquirir

um imóvel na periferia; 3 - os que podem acessar programa de

financiamento c/ base nos atuais valores imobiliários do centro. Na

Page 102: limites a produção da moradia social no centro de SP

101

tabela abaixo podemos observar as porcentagens incidentes para

cada ‘estrato de renda familiar’:

Tabela 6 – distribuição percentual do número de famílias e

moradores por estrato de renda familiar.

estratos famílias moradores

de renda % %

1 23,8 17,1

2 39,6 38,3

3 36,6 44,6

total 100 100

Fonte: relatório do encontro ‘habitação no centro de SP: como viabilizar essa

idéia?’, Lab Hab FAU USP, 2000.

Os moradores de rua, também considerados ‘população alvo’ dos

programas habitacionais em estudo, foram pesquisados pela Fipe,

em 2000. O universo analisado foi de 4.676 pessoas em situação de

rua, na região central da cidade. A renda média foi de 1,5 salários

mínimos por pessoa, extraída principalmente de trabalhos

relacionados à reciclagem de lixo.

Os programas habitacionais PAC e PAR, têm apresentado

dificuldades de acesso às famílias de renda até 3 salários mínimos.

Entrevistados queixam-se das exigências de comprovação de renda,

que têm impossibilitado o acesso à moradia de muitas destas

famílias. Segundo os levantamentos da FIPE e Sead apresentados,

esta população representa respectivamente 23,8% e mais de 26% das

famílias encortiçadas.

Os depoimentos coletados ilustram essa constatação:

“Me parece que são prestações de R$ 180,00 , e que muita gente já

na CEF foi barrada, que não conseguiu o financiamento”.

(depoimento de Kennedy, engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge,

Cury Empreendimentos Imobiliários).

“Eu sempre disse que o PAR é excludente. Ele é muito excludente.

Ele limita as famílias de três a seis salários mínimos. É uma faixa

que poucas pessoas aqui alcançam”. (depoimento de Gegê, liderança

popular, estudo de caso riskalah Jorge, integrante do MMC).

“O pessoal aqui, grande parte, que é carroceiro, eles ganham, não é

renda, eles ganham mesmo, sabe, as pessoas dão, uma ajuda ali,

uma cesta básica. Não tem carteira nem nada. Eles nunca vai poder

estar de frente com uma Caixa Econômica ou um PAC. (...) A média é

um salário, mas um salário de duzentos”. (depoimento de Sassá,

estudo de caso favela do gato, liderança popular, morador da favela

do gato).

A necessidade de comprovação de renda e a lógica da forma de

acesso à moradia através do PAC podem ser compreendidas em

depoimento de Lia Ferreira, técnica da CDHU, que reproduzimos

abaixo:

“Estamos dentro do sistema financeiro habitacional, que tem regras,

e quais são as regras básicas desse sistema? Você tem que ter uma

capacidade de pagamento, você tem, portanto de ter alguma forma

Page 103: limites a produção da moradia social no centro de SP

102

de comprovar qual é a sua renda, então a CDHU tem alguns

procedimentos, para que você comprove. Então ao você comprovar

sua renda, você tem acesso até um determinado limite de

financiamento, do qual a sua renda permite que você se comprometa

com esse financiamento. É uma operação da qual você tem que ter: a

renda, e o que ela é capaz de pagar, o objeto, que seria a unidade

habitacional, e o prazo que você vai ter para pagar isso, como

qualquer sistema financeiro. (...) Sim, enfrentamos barreiras, como

em todo o sistema habitacional, pois é a sua renda que vai delimitar

o que você é capaz de você ter como ‘dívida’ (...)”. (depoimento de

Lia Ferreira, arquiteta, Gov. Estado, estudo de caso 21 de Abril,

CDHU – PAC, gestão Geraldo Alckmin).

Não apenas de dificuldades de acesso ao sistema de crédito

padecem as famílias de menos de três salários mínimos. Mesmo que

tenham sido ‘aprovadas’ pela análise sócio-econômica de concessão

de crédito, elas têm problemas em quitar as prestações de sua

unidade:

“Se não alterarem as regras, as pessoas não vão morar. Vai acontecer

o que ocorre no Pari66 hoje que tem uma inadimplência de 50%. O

pessoal não consegue pagar nem o gás de rua. Está muito difícil no

Pari, eles [CDHU] deveriam aprender com o Pari, e alterar o

programa, e não entrar com recursos jurídicos para tirar as famílias

que não pagam”. (depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular,

estudo de caso 21 de Abril, integrante da ULC).

66 Primeiro empreendimento finalizado pelo PAC – CDHU.

Como observamos nos dados das pesquisas de renda familiar, parte

da população moradora em cortiço possui renda suficiente para o

pagamento das prestações, já que o valor pago pelo aluguel nas

pensões significa uma certa capacidade de pagamento. Para essas

famílias, parar de pagar o aluguel, e passar a pagar uma prestação

de um imóvel do qual futuramente terão a posse, é um avanço

considerável:

“A Maria Paula67 vai ficar com a prestação em R$ 130,00, mas parece

que é R$ 9,00 de seguro (no caso de morte de um dos cônjuges passa

a pagar metade), aí tem mais não sei o quê que é $R8,00. Aí tem o

condomínio, estamos vendo que vai dar uns R$ 60,00, R$ 70,00, se

for em auto-gestão, vai dar uns R$ 220,00, por unidade, para morar

naquele lugar ali, pelo amor de Deus, né? A Pirineus68 a prestação

deve chegar a uns R$90,00 pelo menos, a água é tudo individual.

Então as prestações, se você analisar, elas são até menos que as

pessoas pagam nos cortiços, que você aluga um quarto por $R 250,00

e você tem que pagar luz, e água, e corre o risco de não amanhecer

no cortiço. Então a gente fala para o pessoal, e eles falam, nossa

mas só isso? O povo tá achando bom. Olha eu estou pagando 20 anos

de aluguel, e olha como é que eu estou hoje? Então o povo pobre,

ele pensa que ele quer uma coisa para ele. Se não as casas Bahia,

Marabráz, não existiam né? Tinha acabado. (...) O pessoal pobre dá

jeito para tudo, pode atrasar um pouco, mas paga”. (depoimento de

Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos Cortiços).

67 Edifício em reforma pelo PAR - CEF, inicialmente ocupado pelo Fórum dos Cortiços. 68 Edifício construído pelo PAC – CDHU, em terreno ocupado pelo Fórum dos Cortiços.

Page 104: limites a produção da moradia social no centro de SP

103

Para as famílias de renda até três salários mínimos, o poder público

prevê que a forma de acesso à moradia deverá ser através da

locação social. Neste caso o imóvel é de propriedade do Estado,

devendo a família pagar um aluguel proporcional à sua renda.

Segundo os planos do poder público, mesmo as famílias sem renda

deverão ter acesso às unidades e passarão por um processo de

inserção no mercado de trabalho.

Reproduzimos abaixo trechos de entrevistas com técnicos do poder

público que justificam a existência do programa, contextualizando

sua criação:

“É uma opção entre aspas, (...) por que no fundo, a locação é a única

opção que a família até três tem, por enquanto, por que não tem

outra política. Seja no centro, ou na periferia, por que todos os

financiamentos, eles não aceitam, não comportam. Então o

problema não é aqui na área central, é no todo, a política não

existe. Então o que tem de problema, são as famílias até três, as

acima de três, poderiam tentar entrar num programa outro que Habi

ofereça, ou que o fundo ofereça, ou o Par, pela CEF, que é de três a

seis”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do

gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão de Marta Suplicy).

“A locação social foi uma alternativa que desvincula o pagamento,

do custo do financiamento; vinculando-o à capacidade de pagamento

das famílias. Reponde àquele setor específico daqueles que não têm

acesso. Dá-se também certa prioridade aos idosos, aos deficientes, a

quem está em situação de rua ou em situação de risco. É o público

que menos tem acesso à habitação.” (depoimento de Luiz Kohara,

estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab – Habi,

gestão de Marta Suplicy).

“As pessoas têm renda para alguma coisa, tanto que elas se mantém

e pagam muito no cortiço para morar muito mal. Se elas usarem uma

parte do que elas usam lá, para manter um condomínio

adequadamente, e continuar tendo recursos do poder público para

irmos aumentando o nosso estoque de locação social, ele também vai

influindo mais na oferta de locação na área central. Ele vai tendo a

presença no equilíbrio da oferta. E acho que a gente vai demonstrar

uma qualidade, que vai promover uma aceitação maior. Eu não vejo

uma outra solução para pessoas mais idosas, para famílias que a

renda está muito baixa. E às vezes o estar na locação social, não

significa que vá se manter lá o tempo todo, ela pode de repente

fazer uma poupança e acessar uma outra modalidade. Mas deixar

aquilo ali para outras famílias”. (depoimento de Helena Barreto

Silva, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

Um problema não mencionado nas entrevistas e na bibliografia

visitada, mas muito debatido nas reuniões da coordenação da União

dos Movimentos de Moradia, é a quantidade de unidades

habitacionais que deverão ser construídas em curto-médio prazo

pela PMSP. Estão previstas 1144 unidades, quando havia ao menos

7.245 famílias encortiçadas de renda inferior à três salários

habitando a região central, em 1997, quando realizado o

levantamento da Fipe.

Page 105: limites a produção da moradia social no centro de SP

104

baixos salários e desemprego:

não há renda que mantenha a habitação

Observando as condições econômicas das famílias interessadas em

morar no centro, ainda segundo o binômio-limite ‘terra cara e renda

baixa’, identificamos dificuldades na manutenção das unidades

habitacionais pelas famílias de baixa renda. Despesas como

condomínio, água, luz, gás, tornam-se muito altas, pelos mesmos

motivos acima elencados.

Destacamos alguns trechos de depoimentos, que ilustram a presença

deste novo limite da economia política:

“Acho também que as contas de água e luz são abusivas e deveriam

ser pagas, por exemplo, pelos bancos”. (depoimento de Joel Felipe,

arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, Assessoria Técnica AD).

“Hoje o condomínio aqui é de 80,00 para manter, o custo maior aqui

é de água. (...) Além disso, a gente paga a luz nossa, cada

apartamento tem a sua luz separado, que dá uma média de 30 a 40

reais. (...) Não tem condições de pagar, para quem ganha 250 reais

não tem condições de pagar, atrasa, quem fica desempregado acaba

atrasando, por que não tem condições. Depois negocia e paga

parcelado”. (depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança popular,

estudo de caso Madre de Deus, integrante da ULC).

No Edifício Riskalah Jorge, estudo de caso da presente pesquisa,

reformado através do PAR – CEF, pela Cury Empreendimentos, o

custo de manutenção do edifício também é alto. Segundo Kennedy,

a falta de recursos para a obra ainda deixou algumas pendências

onerosas às famílias:

“Tivemos problema com o gás, e a tubulação de rua não comporta,

então haverá uma central de GLP, e vão ter de instalar o sistema

assim que se mudarem, e vão ter que desembolsar dinheiro do

condomínio para fazer isso, e isso já vai causar um transtorno, por

que o pessoal já está pagando prestação, e já não tem muito

dinheiro, que é pessoal de baixa renda, e agora vai ter que colocar

gás, e isso e aquilo. (...) E os elevadores, que vai ter o problema de

colocar ascensorista nos elevadores, nós mantivemos a mesma linha

dos elevadores, nós não mexemos em nada, não tinha custo para

isso, por que muita agente deu a idéia de colocar uma régua com

sensor. A régua com sensor ia ficar uma nota. Então se deixou como

está. Quando o edifício era comercial, tinha um ascensorista, então

o pessoal vai ter que contratar um, por que tem muita criança,

muita gente idosa. A porta abre e não dá tempo, ela fecha e se pega

uma porta daquela lá no braço... outro dia pegou no braço de um

pessoal da caixa, que a mulher ficou dolorida. Vai ter que pôr, não

adianta. Isso vai ser também um outro probleminha que eles

[moradores do edifício] vão ter que enfrentar”. (depoimento de

Kennedy, engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury

Empreendimentos Imobiliários S.A.).

Page 106: limites a produção da moradia social no centro de SP

105

elevador, edifício Riskalah Jorge

Segundo a arquiteta Isabel Cabral, da Assessoria técnica Ambiente,

projetista do edifício ‘Pirineus’, localizado em Santa Cecília, as

famílias arrendatárias do PAC, programa qual pertence o imóvel,

também sofrerão revés com os custos de manutenção do edifício:

“Esse programa, em especial que tem que pagar o arrendamento, e

depois tem que ter dinheiro para a administração do condomínio, aí

é complicado, eles não vão conseguir sobreviver. Então é uma

discussão difícil, que nesse aspecto, até acho que para atender nesse

prédio, com esse valor, família com um salário, é muito difícil. Ela

não vai conseguir manter um prédio que tem elevador, que precisa

de manutenção. Só se houver também um subsídio depois, também

do Estado, junto com um acompanhamento e outros programas para

aquelas famílias. Mas por enquanto não há nada nesse sentido”.

(depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica

Ambiente).

No programa de locação social, em formatação pela PMSP, acredita-

se que as dificuldades financeiras recaiam mais sobre o valor da

manutenção dos edifícios, do que sobre o aluguel. Para Margareth

Uemura, técnica da Cohab, a gestão desses imóveis, em formatação

pela companhia, poderá transformar-se num problema para as

futuras famílias locatárias:

“Qual é o nosso medo? Não é o do aluguel, viu? Eu acho que o aluguel

não vai ter problema deles pagarem, a gente tem medo, e aí por isso

nós estamos fazendo um investimento grande na discussão, é na

gestão condominial. Porque em alguns casos o condomínio vai ficar mais caro do que aluguel, e há famílias que vão pagar mais de

condomínio do que de aluguel. (...) Pelo que temos visto com os

síndicos dos edifícios do PAR, percebemos que quando tem água

coletiva, vai para cinqüenta, quando a água não é coletiva, desce.

Qual que é o nosso objetivo em todos os empreendimentos de

locação? É a água não ser coletiva para diminuir. Vamos dizer que

tenha um bom gerenciamento e a gente consiga chegar a 25, 30, que

é o que achamos que pode ser, se for autogestão, que é o queremos

que Habi trabalhe muito com os moradores. A gente acredita, até

tendo como parâmetro o mutirão, que esse custo pode se manter.

Possam ter um fundo de reserva que eles mesmos possam constituir,

e que esse fundo ajude essas famílias mais carentes. Agora tudo isso

é um arranjo nos tais modelos de gestão, que a gente acha que é o

grande gargalo que nós temos, que o maior problema é como gerir os

condomínios”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso

Page 107: limites a produção da moradia social no centro de SP

106

favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão de Marta

Suplicy).

A conseqüência última da renda baixa das famílias, identificada

como barreira à moradia no centro, é a venda/repasse do imóvel

acessado através dos programas públicos de habitação.

“(...) não é verdade que todos os moradores atuais vão poder pagar

(...). Como é possível uma mulher só, com filho, que ganha R$

300,00 pagar uma prestação? Não adianta discutir como vai ser o

apartamento (...). Sem emprego, quem garante que poderão estar

aqui daqui a 15 anos? A miséria é que faz as pessoas precisarem

vender, ‘comer’ os apartamentos” .(Verônica Krol, liderança

popular, integrante do Fórum dos Cortiços, in: relatório final do

encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa

idéia?” Lab Hab Fau Usp, 2000:51).

“Aquelas famílias que não têm condição de ficar pagando, dentro

desse custo, com certeza saiu, ai venderam, venderam o

apartamento. (...) Das 45, mais ou menos umas dez, saíram. (...) O

convênio não prevê venda, mas se você já comprou, já tem direito

adquirido grande, então para eles que estão entrando é bom, por

que se comprou, tem condições de pagar”. (depoimento de Luiz

Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus,

integrante da ULC).

“Tem muita gente querendo vender, não por oportunismo, mas

porque não agüenta pagar o empreendimento. Não se pode vender

na verdade. Mas como elas vão conseguir viver lá? Saindo na rua com

uma mão na frente e outra atrás, sem recursos? Então as pessoas

acabam vendendo, elas não conseguem permanecer. Acho que

deveria haver mudanças no programa, já no Pari. As pessoas que lá

vivem estão com um pé fora e um dentro de suas casas”.

(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21

de Abril, integrante da ULC).

Apesar da recorrente venda das moradias nos programas públicos, os

contratos de compra e venda e arrendamento, não permitem essa

prática, como já afirmou Sidney Eusébio. A CDHU não tem

conhecimento dessa prática, como nos explica Lia Ferreira, técnica

da companhia:

“Não sei se elas têm interesse [de venda das moradias], pode ser até

que tenha. As pessoas confundem a forma de financiamento, elas

pensam que elas têm a posse [do imóvel], mas não, elas têm a

concessão onerosa para usá-lo, nos cinco anos. Se você estiver em dia

com a sua prestação, ao final desse prazo você passa para o

financiamento, que aí você tem a prestação de um financiamento.

Então se elas têm interesse ou não [de vender as unidades], elas não

têm essa capacidade perante a forma da concessão de uso que elas

têm. Elas não podem fazer isso, diferentemente com o que acontece

em outros empreendimentos, em que há os famosos contratos de

gaveta. Mas nesse caso é diferente, pois foi dado àquela família, foi

dado àquele indivíduo o subsídio, que é familiar, não é para o

imóvel, é para a família, daí o fato de ser uma concessão onerosa,

então não há essa possibilidade legal de venda, isso não existe”.

(depoimento de Lia Ferreira, arquiteta, estudo de caso 21 de Abril,

Gov.Est., CDHU – PAC, gestão Geraldo Alckmin).

Page 108: limites a produção da moradia social no centro de SP

107

Uma das causas da pressão identificada para a venda das unidades,

que potencializa o limite da renda baixa das famílias, é um

problema crônico do capitalismo brasileiro: ‘o capitalismo sem

mercado’, comentado por um dos participantes do encontro

‘Habitação no centro: como viabilizar essa idéia?”

“Não há como impedir que uma pessoa de baixa renda venda seu

apartamento. Primeiro, porque isso pode corresponder à sua

necessidade de obter recursos; segundo, porque há um déficit

habitacional também para a classe média. O mercado precisa

viabilizar empreendimentos para a classe média” (comentários do

público, in:‘relatório final do encontro: Habitação no centro de São

Paulo: como viabilizar essa idéia?. Lab Hab Fau Usp. 2000:23).

Segundo Maricato, um grande problema para a realização dos

programas de moradia social no centro é o “travamento do mercado

habitacional brasileiro”, que considera extremamente concentrado:

“Nosso grande problema é o travamento do mercado habitacional

brasileiro. Em geral é necessário um financiamento privado, mas os

bancos não se interessam muito e atingem apenas as faixas de 10

salários mínimos para cima. Por isso, 60% dos moradores de São

Paulo e 70% da população brasileira não têm acesso ao mercado”.

No decorrer dos trabalhos da presente pesquisa, consideramos o

‘travamento’ do mercado habitacional uma importante barreira à

produção da moradia social no centro. Portanto, atribuímos a essa

questão um cuidado maior de análise, reservando parte de nossos

estudos à produção de HIS através de empresas privadas e

cooperativas. Limitaremo-nos agora apenas a identificar esse limite,

que será mais bem abordado no capítulo análise da produção

residencial pelo mercado.

Para Verônica Krol, do Fórum dos Cortiços, essa barreira é latente,

bem como para Luiz Kohara, que se queixa da falta de uma ‘política

habitacional’ e de incentivos à reabilitação de imóveis:

“Como que a gente faz para que o mercado imobiliário abaixe o

valor da terra? Com o governo produzindo habitação. Se o governo

não produzir habitação, o mercado cada vez vai aumentando mais [o

valor dos imóveis], isso é óbvio. Sem explicação nenhuma muito, né?

Por isso que o mercado está do jeito que está hoje, por que nunca

houve uma política habitacional. Se houvesse uma política

habitacional, talvez o mercado não tivesse com tanto poder como

está hoje. A verdade é essa. Eu avalio por esse lado”. (depoimento

de Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos

Cortiços).

“Se não há incentivos por um lado, por que não se pune [os

proprietários de imóveis vazios], por outro lado também não há

incentivos de reabilitar. Há também a questão da política financeira

no Brasil. O investimento no mercado financeiro é o que traz

retorno, muito maior do que fazer investimento no mercado

imobiliário. Então gastar 50 mil para fazer reforma num predinho de

apartamentos, na hora de locar, o retorno é muito

menor”.(depoimento de Luiz Kohara, engenheiro, estudo de caso

Favela do Gato, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).

Page 109: limites a produção da moradia social no centro de SP

108

gentrificação:

expulsão das famílias de baixa renda O fenômeno da gentrificação, identificado também como um limite

da economia política, nasce atrelado à barreira acima verificada: a

escassez de recursos das classes de baixa renda.

Para compreender melhor essa relação, vejamos primeiramente, o

significado do termo ‘roubado’ do inglês ‘gentrification’:

“Gentrification é o processo pelo qual a população de classe média

(do inglês britânico ‘gentry’, pessoas bem abaixo da nobreza) ocupa

residências numa área tradicionalmente operária, alterando seu

caráter. Segundo o dicionário de Inglês Collins (Collins, 1989, pág.

314)”. (Eduardo A. C. Nobre, in ‘Intervenções Urbanas em Salvador:

turismo e ‘gentrificação’ no processo de renovação urbana no

Pelourinho’, X Encontro Nacional da Anpur).

Numa sociedade como a paulistana, já conhecida pela brutal

diferença de renda entre as famílias que a compõe, a gentrificação

atrela-se ao problema da renda baixa da seguinte forma:

Há uma família de baixa renda (operária) que possui a propriedade,

posse ou uso de um determinado imóvel. A partir de diversas causas,

seja por melhorias no entorno, na edificação, ou pela simples

expansão populacional, uma outra família, de renda superior, passa

a ter interesse em habitar nesse imóvel. Diante disso, o que

normalmente ocorre é a venda desse imóvel para a família de renda

superior por um valor maior ao inicialmente despendido pela família

de baixa renda, que desloca-se para um outro imóvel, normalmente

de valor inferior ao recebido pela moradia vendida. A diferença

entre o valor recebido e o gasto para o pagamento da nova moradia,

tende a ser incorporado nos diversos custos de manutenção da

família.

Quando esse processo ocorre não apenas com uma família, mas com

toda uma comunidade, bairro, ou coletividade urbana, temos então

a gentrificação.

O processo de gentrificação pode se dar também de formas

diferentes da exemplificada acima, mas sempre análogas ao

conceito mais geral da mudança de classe social que ocupa uma

determinada área da cidade. Passando de uma classe de renda x,

para uma classe de renda x+y.

Desta forma, se não houvesse as enormes diferenças de renda, e

daí, a baixa renda, esse processo não seria deflagrado. Assim, a

gentrificação é alimentada pela barreira da renda baixa, e tem

como causa inicial a procura, a busca de novas áreas de ocupação

por classes sociais de renda superior.

Diversos depoimentos e trechos bibliográficos indicam a

possibilidade da ocorrência de um processo de gentrificação do

Centro de São Paulo, devido às intervenções urbanísticas e edilícias

que vêm sendo empreendidas pelo poder público, seja ele o

município, estado ou união. Há também opiniões que dizem que esse

processo já teve início, bem como, por outro lado, há crenças de

que isso não venha a ocorrer.

Antes de adentrar na questão específica sobre se há, haverá ou não,

gentrificação no centro de São Paulo, observemos algumas

Page 110: limites a produção da moradia social no centro de SP

109

características de funcionamento deste fenômeno e como ele se

funde a questões urbanas também presentes em outros países. Mais

especificamente as questões tangentes à ação do capital imobiliário

e o deslocamento forçado, ou a expulsão, das populações de baixa

renda dos centros históricos em ‘recuperação’:

“As políticas de recuperação de áreas centrais são mais recentes (a

partir dos anos 70/80). E mesmo em países onde os direitos humanos

são mais respeitados, a expulsão da população pobre, de áreas

renovadas e recuperadas é mais regra do que exceção. Esse

fenômeno é conhecido por gentrification. (...) Atualmente, o

interesse do capital imobiliário por áreas urbanas centrais

decadentes constitui uma tendência mundial. Como se sabe,

mercado e moradia social não guardam muita afinidade”. (Ermínia

Maricato, in: Laboratório de projeto integrado e participativo para

requalificação de cortiço’. 2002:32).

Seguindo a mesma tese de Maricato, de que as ações de

‘recuperação’ das áreas centrais são uma ação do capital

imobiliário, Otília Arantes estabelece uma relação mais ampla, a de

que o Planejamento Estratégico, cartilha de muitos prefeitos do

mundo, também possui estreitas relações com a especulação

imobiliária de capitais transnacionais, nos planos de renovação

urbana de áreas centrais, tendo como eixo investimentos na área da

cultura. Trata-se de um amplo tema, qual não poderemos aqui nos

deter com a devida atenção. Recortamos apenas um trecho do

referido texto, como ilustração de uma das pontas do imenso

iceberg que conforma as ações capital-estado na recuperação, ou

requalificação dos centros urbanos:

“Pois é: da carta de Atenas à corretagem intelectual de planos de

gentrificação, cujo caráter de classe o original inglês (gentry) deixa

tão vexatoriamente a descoberto. Daí a sombra de má consciência

que costuma acompanhar o emprego envergonhado da palavra, por

isso mesmo escamoteada pelo recurso constante ao eufemismo:

revitalização, reabilitação, revalorização, reciclagem, promoção,

requalificação, até mesmo renascença, e por aí afora, mal

encoberto, pelo contrário, o sentido original de invasão e

reconquista, inerente ao retorno das camadas afluentes ao coração

das cidades. Como estou entendendo, o planejamento estratégico

pode não ser mais do que um outro eufemismo para gentrification,

sem no entanto afirmar que sejam exatamente a mesma coisa, (...)”.

(Otilia Arantes, in: A cidade do pensamento único, desmanchando

consensos’, 2000: 31).

Outra citação que merece destaque é Maura Veras, proferida no

encontro ‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa

idéia?, que indica a influência do capital internacional nas

centralidades mundiais, gerando produtos edilícios e sociais:

“As funções das áreas centrais, sob a influência dos setores do

capital internacional, tornando-as competitivas no cenário global,

procuram concentrar serviços especializados ligados à gestão e

controle do capital, ocorrem processos de verdadeira autofagia

urbana. Buscam-se edifícios inteligentes, parques de hotelaria de

luxo, centros de covenção, ocorre ‘gentrification’ e expulsão dos

mais pobres. Ora, manter os habitantes no centro, nesse cenário, é

ainda uma utopia e merece apoio e estímulo de muitas reflexões

para viabilizar essa idéia”. (Veras, Maura P.B., in: relatório do

Page 111: limites a produção da moradia social no centro de SP

110

encontro: Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa

idéia? ’Lab Hab Fau Usp. 2000:6).

Sarah Feldman, estudiosa dos processos de gentrificação, ao

participar de um dos seminários organizados pela ‘Comissão de

Estudos sobre Habitação na Área Central’, promovida pela Câmara

Municipal de São Paulo em 2001, também tece relações entre a

‘revitalização’ das áreas centrais e os objetivos do mercado

imobiliário paulistano:

“A chamada ‘revitalização’ das áreas centrais é hoje um dos esteios

das políticas neoliberais em nível municipal, pautadas na prevalência

dos interesses de mercado e conseqüente redução e mudança do

papel do estado. Para dar nome certo, não se trata de estratégia de

‘revitalização’, mas de ‘revalorização imobiliária’ dos centros. E há

inúmeros exemplos de projetos, nessa perspectiva, bem-sucedidos na

Europa e nos Estados Unidos, e alguns em curso no Brasil”. (Sarah

Feldman. in: “Comissão Especial de Estudos sobre Moradia na Região

Central”, Câmara municipal de São Paulo. 2001:20).

Bem, a presença de relações entre os interesses imobiliários e a

política de requalificação da área central de São Paulo já foi

identificada na seção ‘limites ideológico – culturais’, item

‘especulação e ‘entesouramento’, bem como na seção ‘limites

políticos’, sub-seção ‘limites da economia política’, item

‘localização’. Com o objetivo de apenas relembrar o funcionamento

da captação da renda por parte de um proprietário imobiliário, nos

utilizaremos de trecho organizado por Lefebvre, em A Cidade do

capital:

“Marx se pergunta como o proprietário fundiário, sem dispor de

capitais, sem investir, pode captar uma parte da mais-valia.

Resposta: O caráter formal da propriedade (do direito de

propriedade) permite-lhe isso. Ele extrai da terra, sem mesmo

explorá-la, sem tocá-la com seus dedos, mesmo ausente, a renda

dita absoluta e uma grande parte das rendas ditas diferenciais, vindo

da diversidade das terras, de sua fertilidade variável, da localização

mais ou menos favorável, dos trabalhos de infra-estrutura efetuados

e dos capitais investidos.” (Lefebvre, ‘A Cidade do capital’.

2001:166).

Retomamos também o conceito de localização, que a define como

um produto social coletivo, mas privatizado, a partir de estudos de

Flávio Villaça:

“(...) a localização é um produto social, uma vez que é claramente

um produto do trabalho coletivo. Na cidade capitalista a localização

é apropriada pelo proprietário do respectivo terreno, juntamente

com a propriedade deste”. (Villaça, ’ O uso do solo urbano’.

1978:15).

Por último, revemos as influências do alto custo dos imóveis, ou

‘maiores exigências locacionais’ nas funções urbanas, e a

impossibilidade de mistura das atividades de menor renda,

consideradas ‘pobres’ com as de mais alta renda, em localizações

‘mais disputadas’:

Page 112: limites a produção da moradia social no centro de SP

111

“A localização tem profundas implicações sobre os custos

operacionais das funções urbanas, inclusive sobre a residencial.

Quanto mais ricas e desenvolvidas essas funções, maiores são suas

exigências locacionais, (...) Quanto mais pobre a atividade, menos

exigente ela é forçada a ser quanto à localização, já que não pode

pagar pela localização mais disputada”. (Villaça, ’ O uso do solo

urbano’. 1978:17).

Relembrada a lógica de funcionamento da organização dos processos

urbanos, vejamos como se dá em São Paulo, o processo de

‘revitalização’ engendrado pelos poderes públicos. Sabido que se dá

segundo a idéia dominante sobre a cidade, gerida pelas classes de

alta renda, que considera atualmente o centro da cidade como

‘deteriorado’:

“O processo rotulado de ‘deterioração’ pela idéia dominante refere-

se ao estado de quase ruína em que são deixados muitos edifícios dos

centros tradicionais, em virtude de seu abandono pelas camadas de

alta renda, que produziram novos centros. Como o centro é uma área

importante da metrópole, a classe dominante não pode assumir esse

fato e precisa ocultá-lo, formulando uma versão que não

comprometa sua posição de classe dominadora. Cria, então, a

ideologia da “deterioração”, que é uma versão que “naturaliza” um

processo social. (...) veiculando a idéia de que o que ocorria era um

processo normal e inexorável, decorrente do envelhecimento do

centro. É claro que a ideologia dominante procurou difundir a idéia

de que, apesar dessa inexorabilidade, ela estava fazendo de tudo o

que estivesse a seu alcance para “salvar” o centro, para que esse

fosse “revitalizado” e voltasse a ser como antigamente”. (Villaça,

‘Espaço intra-urbano no Brasil’. 1998:345).

A idéia de ‘salvação’ do centro pelas burguesias será tratada com

maior cuidado mais adiante, quando observada a ‘Associação Viva o

Centro’. Por hora abordaremos os relatos que consideram possível a

ocorrência de um processo de gentrificação no centro, ou que ele

‘voltasse a ser como antigamente’.

Os primeiros relatos comentam que os investimentos públicos e

privados nas áreas de hotelaria e cultura funcionam como ‘atração

turística’, ou seja, para ‘freqüentadores que vêm de fora’:

“O mercado hoje está se planejando para o futuro, de um centro

histórico da cidade de São Paulo, turístico. Quando você pega uma

esquina da Martins Fontes da Rua Augusta, onde era o antigo diário

popular, transformado em um hotel, flat. Você espera o quê? Quanto

que não valorizou aquela área ali? Que era uma área degradada,

então quando você vai vendo isso, você já vai se preparando”.

(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do

Fórum dos Cortiços).

“Sou um defensor da cultura, mas cultura para quem tem onde

morar. Ter os prédios da cultura, em que os freqüentadores vêm de

fora, pois o povo da região não tem condições de acompanhar. É

preferível não ter nenhum dos dois. Deve-se construir os dois por

igual”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso

Riskalah Jorge, integrante do MMC).

Não apenas lideranças de movimentos sociais revelam este

direcionamento dos investimentos. Estudos realizados por Júlia

Andrade, em seu trabalho final de graduação do curso de geografia

Page 113: limites a produção da moradia social no centro de SP

112

da USP, revelam dados que comprovam essa tendência de perfil de

investimentos. Em fevereiro de 2001 o centro já concentrava a

perspectiva de investimentos da ordem de R$ 343,8 milhões, dentre

órgãos do poder público e iniciativa privada. São obras na Bolsa de

Mercadorias e Futuros (R$ 27mi), no Hotel Mercure Down Town (R$

24 mi), no Shopping Light (R$ 50mi), Mappin Extra (R$ 15mi), Hotel

Normandie Design (R$ 6 mi), Centro comercial São Bento (R$ 2,1

mi). Os investimentos públicos de maior porte são: Sala São Paulo

(R$ 50 mi), Centro Cultural dos Correios (R$ 20 mi), Teatro São

Pedro (R$ 11,5 mi), Pinacoteca do Estado (R$ 14 mi), Dops (R$ 9 mi),

Centro Cultural Banco do Brasil (R$ 8 mi).

Em 2003, há novos investimentos não contabilizados pelos estudos

de Andrade, provenientes de contratos de empréstimos junto ao

BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento com a PMSP, o Gov.

Estado e União. O contrato com a PMSP resultará em mais U$

100,4mi de investimentos na região69, com o Gov. Estado são U$

70mi, para o programa PAC, e União U$ 8mi70, programa BID

Monumenta.

69 "O programa revitalizará o desenvolvimento econômico e social do centro de São

Paulo, que sofre uma perda de população da classe média e teve o valor das

propriedades muito diminuído", afirmou o BID em um comunicado.O banco

multilateral financiará também a restauração de moradias e proporcionará

"hospedagem temporal para as famílias do bairro". artigo de jornal pela Internet:

agência REUTERS, 01/10/2003.

70publicado no sítio da Associação Viva o Centro, em dez de 2001.

alguns dos edifícios alvo dos investimentos de reforma e restauração

Page 114: limites a produção da moradia social no centro de SP

113

Dentre os investimentos realizados pela PMSP em contrapartida

(metade dos recursos são do BID e metade da PMSP) do

financiamento com o BID, parte são resultado de arrecadação da

‘Operação Urbana Centro’:

“A Operação Urbana Centro abrange as áreas chamadas de Centro

Velho e Centro Novo, e parte de bairros históricos como Glicério,

Brás, Bexiga, Vila Buarque e Santa Ifigênia. Esta Operação Urbana foi

criada para promover a recuperação da área central de cidade,

tornando-a novamente atraente para investimentos imobiliários,

comerciais, turísticos e culturais. Serão concedidos vários tipos de

incentivos, tais como o aumento do potencial de construção, a

regularização de edificações, a cessão de espaço público aéreo ou

subterrâneo, em troca das contrapartidas pagas à Prefeitura.

Conforme previsto em todas as Operações Urbanas, os recursos delas

advindos devem ser obrigatoriamente aplicados na própria região de

cada Operação Urbana. A remodelação da Praça do Patriarca, por

exemplo, foi feita com recursos dessa operação”. (sítio da Prefeitura

municipal de São Paulo71).

Helena Silva, no encontro “Habitação no centro de São Paulo: como

viabilizar essa idéia?”, organizado pelo Lab Hab Fau Usp, considera

que esta legislação, criada em 1997, deve ser revista, devendo-se

“repensar os instrumentos que se baseiam na obtenção de recursos

advindos da valorização imobiliária, inclusive as operações urbanas.

(...) Isto é, supostamente promovem benefícios numa ponta, mas

71 http://portal.prefeitura.sp.gov.br/empresas_autarquias/emurb/operacoes_urbanas/operacao_centro/0001

excluem na outra” 72. Desde sua criação, a lei não foi revista, tendo

vigência ainda em setembro de 2003.

Os investimentos realizados no centro, que resultam em valorização

imobiliária direta, também incluem os realizados pelos programas

habitacionais públicos abordados pela presente pesquisa. Há

depoimentos que indicam este fato, que contribui para o

aprofundamento do mecanismo da gentrificação. Apesar de

aparentemente paradoxal, vejamos por que isso ocorre:

“A especulação imobiliária não deixa viabilizar os programas, e os

governos alimentam isso, dizendo nos jornais e televisões que vão

comprar imóveis. (...) Quando um governo vem implementar um

projeto no centro, falam em questões de compra e venda de imóveis,

elas abrem muitas obras para grandes empresas, construtoras, e isso

acaba elevando os preços no mercado, e isso acaba inviabilizando os

projetos, que se tornam pontuais. (...) O governo, desta forma,

acaba não favorecendo as classes mais baixas e sim os grandes

especuladores, as grandes imobiliárias, as grandes construtoras”.

(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21

de Abril, integrante da ULC).

Técnicos da PMSP, gestão Marta Suplicy, também externam

insegurança quanto aos investimentos habitacionais no centro, pois

podem ‘dar comida para o mercado’:

72 relatório do encontro “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”. Lab Hab Fau Usp, 2001: 62.

Page 115: limites a produção da moradia social no centro de SP

114

“(...) temos [PMSP] o objetivo de atender a uma população que não

consegue a carta de crédito da CDHU e da CEF. No entanto não

sabemos, ou melhor, estamos pesquisando qual é o potencial de

imóveis que tem essa característica que queremos ofertar. Então,

reunir as duas coisas é difícil. E como esse nosso mercado é uma

coisa oportunista, temos que ter um critério muito firme por que

todo o imóvel vai ter o valor da carta de crédito, ou seja, a gente vai

inflacionar todos os imóveis, todos eles vão valer a mesma coisa”.

(depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,

arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

“A maioria dos investimentos da prefeitura, nesse sentido de

assegurar a população, não é com área [terreno disponível] do

mercado, são áreas que a própria prefeitura já possuía: favela do

gato, Belém, Bresser, SEMAB. Então o grosso do nosso investimento

ainda está sendo nas áreas públicas; por que ainda não temos forma

de enfrentar o mercado. Pode ser que estejamos dando comida para

o mercado também, na hora que se faz reabilitação”. (depoimento

de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP,

Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).

Segundo Aser, representante da CEF no encontro “Habitação no

centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”, organizado pelo

Lab Hab, “aumentar o limite de financiamento quase nunca é uma

solução, pois o mercado de alguma maneira se ajusta” (p.38). Ele

considera que a CEF estava com “muita dificuldade para viabilizar a

utilização destes recursos (...)” (p.38), pois apenas com a

possibilidade do aumento do patamar máximo de financiamento em

São Paulo, “os movimentos passam a ter dificuldades em negociar os

prédios pelos valores anteriormente praticados ou comprometidos”

(p.38).

Segundo Helena Silva, no mesmo encontro73, o fenômeno da

valorização imobiliária já ocorreu quando anunciada a existência do

PAR – CEF: “logo subiram o valor dos imóveis. Foi só dizer que o

Centro ia ser reformado que veio a especulação imobiliária. (...) o

MMC recebe pelo menos uma carta por dia oferecendo imóveis.

(...), mas os valores são muito altos. Os proprietários vêm oferecer

imóveis com valores que assustam”. Desta forma, Silva considera

que o poder público “atrapalha a si mesmo”, com as ações que

valorizam o Centro, “forma de tirar cada vez mais os pobres do

Centro e jogar para a periferia”.

O depoimento de Marco Antônio, gerente da CEF – São Paulo, nos

aponta a mesma barreira: Há uma valorização imobiliária no centro

de São Paulo, e ela já causa problemas para a viabilização de

empreendimentos do PAR – CEF:

“O mercado no centro velho de São Paulo, onde a gente mais está

trabalhando, a gente tem notado que ele está começando a ter uma

valorização imobiliária. Acho que com a inauguração desses novos

PAR no centro, e você vê que no centro já foi a faculdade Anhembi

Morumbi, não é? Haverá também um SESC, não é? Com a mudança

agora da prefeitura, que vai para o banespinha, não é? E eu acho que

isso daí vai começar a dar uma melhorada boa, em termos

imobiliários na cidade. Eu acho que o foco é esse mesmo. Eu acho

73 Idem:64.

Page 116: limites a produção da moradia social no centro de SP

115

que tanto os governos federal, estadual e municipal tem que

procurar fazer isso daí, ao meu ver, opinião minha, com bastante

cuidado. (...) Esse que é o problema [manter a população de baixa

renda com a valorização imobiliária], se esse boom imobiliário, se a

iniciativa privada começar a enxergar isso como bom negócio, e

começar a aplicar recursos próprios aqui no centro, talvez nós vamos

começar a enfrentar problemas, principalmente para atender esse

pessoal aí. O regime capitalista é complicado, quanto mais custa o

preço da terra, fica mais complicado da gente atender mesmo. (...)

O governo vai ter que intervir pesado, se deixar só na iniciativa

privada, nós corremos o risco de explodir o custo disso e aí nós não

vamos poder atender esse pessoal não”. (depoimento de Marco

Antônio, estudo de caso Riskalah Jorge, técnico da CEF – São Paulo,

gestão Luiz Inácio Lula da Silva).

Se observarmos dados de pesquisa realizada pelo Secovi – SP

fornecida à PMSP, acerca da evolução dos valores dos aluguéis na

cidade de São Paulo, constatamos que entre os meses de janeiro e

março de 2003 houve um aumento médio de 5,54% dos valores das

locações residenciais do centro, enquanto que em toda a cidade

esse índice foi de 0,3%.

Um novo depoimento, central para as questões trabalhadas em

nossos estudos, é o proferido por Helena Silva, que identifica as

barreiras da revalorização imobiliária e a conseqüente gentrificação,

como fenômenos já em andamento:

“Eu acho que a gente [PMSP] mudou muito a situação de 2000 para

cá, em 2000 você tinha só um discurso da reabilitação, então você

sabia que ia valorizar e etc. De 2001 para cá, você já tem

investimentos concretos, programados de valorização da área

central. Você tem discurso, você tem investimento, você tem uma

ação do poder público mesmo com relação a isso. Então vamos ter

uma dificuldade maior [em produzir HIS no centro], inicialmente se

contava ainda com terrenos, que já eram um pouco mais caros que

na periferia, mas claro com um aproveitamento intensivo você podia

ainda pensar em habitação popular. Cada vez vai ficar mais difícil. As

zeis, elas tentam se contrapor a isso, mas a experiência que nós

estamos tendo é de que nas áreas de zeis o terreno não está

diminuído de preço, o pessoal da CDHU já fez uma pesquisa na área

da Luz, e o terreno da Luz aumentou depois da zeis. E aumentou por

que subiu o coeficiente de aproveitamento. (...) Eu tenho falado

muito do problema do estoque, do estoque. Agora, para você pensar

numa produção de larga escala, que vai dialogar com o processo de

revalorização que já está aí, e vai ser muito maior, você tinha que

estar realmente mobilizando recursos em estoque de habitações.

Agora, neste momento, nós não temos linhas de recursos, de

financiamento para fazer estoque. Por exemplo, o PAR não pode

fazer estoque. O PAR só pode negociar o prédio no final da linha.

Quer dizer, quando você já está com tudo fechado, projeto

aprovado, proprietário e etc. Então o PAR, do ponto de vista da

relação com a valorização imobiliária ele é a pior coisa possível. Ele é

um programa que tem muito dinheiro, e não consegue, não vai

conseguir fazer um programa de larga escala, por que ele está sendo

atropelado pela valorização imobiliária”. (depoimento de Helena

Silva, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

Bem, os valores dos imóveis podem estar mais altos, ou mantidos

artificialmente em seu valor de procura por classes de alta renda,

como vimos no item especulação e ‘entesouramento’. Mas, segundo

Page 117: limites a produção da moradia social no centro de SP

116

Gegê, liderança do MMC, se aplicados os instrumentos previstos no

Plano Diretor, que obrigam o cumprimento da função social da

propriedade, o ‘mercado imobiliário vai ter que se enquadrar’. Caso

estes instrumentos sejam realmente aplicados, o processo de

gentrificação previsto pode ser enfraquecido:

“Com o novo Plano Diretor, e o estatuto da cidade, o mercado

imobiliário vai ter de se enquadrar. Daqui uns cinco anos para

frente, esse mercado perde espaço, pois se o prédio que está ali,

vazio a cinco anos, sem cumprir sua função social, vai ser tomado

pela prefeitura. O mercado não vai fazer nada no prédio, e vai

perder. (...) Hoje um cara ligou para mim para oferecer quitinetes a

270.000,00 reais, aqui no Centro”. (depoimento de Gegê, liderança

popular, estudo de caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).

Já segundo a economista Silvia Schor e o empreendedor imobiliário

Cláudio Bernardes, a resposta para nossa questão, de se haverá ou

não um processo de gentrificação no centro, será determinada pelo

perfil futuro da demanda por habitação e outros serviços da região

central. Pois, como já vimos anteriormente, a demanda é quem

define o perfil do mercado, independentemente da aplicação ou não

dos instrumentos urbanísticos defendidos acima por Gegê, como

passíveis de ‘enquadrar o mercado’:

“Para saber o que vai acontecer com os preços, precisamos saber o

que vai acontecer com a demanda. A demanda corresponde às

receitas futuras, as curvas de demandas estão cheias de expectativas

dos proprietários para a valorização. (...) A oferta de terra é

elástica em função do uso que se pode fazer dela. (...) A combinação

de HIS com novos investidores é a grande contradição e o grande

desafio. O Estatuto da Cidade é uma condição necessária mas não é

suficiente”. (Sílvia Schor, in: relatório do encontro: ‘Habitação no

centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia? ’. Lab Hab Fau Usp,

2000:4).

“Respondendo à pergunta do vereador Laurindo sobre a questão do

mercado imobiliário estar atento a essas reformas e iniciar um

processo de valorização da circunvizinhança, impossibilitando o

barateamento da unidade habitacional refeita: o processo de

revitalização se baseia nisso, na valorização que vai sendo induzida

pelas readaptações. Se houver condições de mercado para levar

habitação para o centro da cidade a preços convidativos, a iniciativa

privada também o fará. A partir do momento em que se leva

habitação e unidades de lazer para o Centro e se valorizam as áreas,

atraindo outro público, os valores vão ser maiores. Então a

utilização do centro não revitalizado para a solução de baixa renda

teria um tempo de vida limitado”. (Cláudio Bernardes, representante

do Secovi, in: relatório do encontro: ‘Habitação no centro de São

Paulo: como viabilizar essa idéia? ’. Lab Hab Fau Usp, 2000:97).

Tudo vai depender da demanda. Se seduzidas as burguesias a

regressar ao centro, e resolverem assim o fazer, o centro sofrerá um

processo de gentrificação. Atualmente quem se dá o direito de

decidir sobre as questões urbanas no tocante à localização espacial

das classes sociais em todo o perímetro da cidade é a burguesia.

A última palavra cabe a ela, segundo Villaça74, é ela quem comanda

o mercado.

74 Villaça, ‘Espaço Intra-urbano no Brasil’, 1998.

Page 118: limites a produção da moradia social no centro de SP

117

Segundo seus estudos acerca das estruturas territoriais e suas

localizações intra-urbanas, bem como de sua constituição e

movimentação, a tendência estruturadora das metrópoles Brasileiras

é a segregação sócio-espacial das classes de alta renda. Ou seja,

essas populações localizam-se numa “única região geral” da

metrópole, pois o mercado submete-se a elas, como se viu no Rio de

Janeiro, Barra da Tijuca:

“(...) as investigações precedentes [para a construção da barra da

tijuca no rio] revelaram quais os interesses concretos das burguesias

ao definirem a localização de seus bairros e ao se segregarem numa

mesma região geral da cidade, condicionando desse modo o mercado

imobiliário. Quando o setor imobiliário procura contrariar os

interesses das burguesias ele fracassa. (p.352). (...) Quando o setor

imobiliário, representando os interesses das burguesias, escolhe uma

determinada localização para um empreendimento, ele pesa os

vários prós e contras envolvidos nessa escolha. Dentre os primeiros,

destaca-se o meio ambiente e dentre os segundos, os deslocamentos

envolvidos. A infra-estrutura vem depois, ela é trazida pelas

burguesias”. (Villaça,”Espaço intra-urbano no Brasil”. 1998:355).

Desta forma, a burguesia ‘domina’ as cidades brasileiras pelo espaço

urbano, portanto, se a burguesia ‘resolver’ voltar ao centro haverá

gentrificação. Mas a burguesia quer voltar ao centro? Que fez com

que ela algum dia saísse de lá? Vejamos:

Ainda segundo Villaça, “entende-se por dominação por meio do

espaço urbano o processo segundo o qual a classe dominante

comanda a apropriação diferenciada dos frutos, das vantagens e dos

recursos do espaço urbano”. Dentre as vantagens geradas pelo

usufruto de determinados espaços urbanos, o tempo é um dos mais

valiosos, devido sua imutabilidade, inelasticidade e congelamento: o

tempo não pode ser alterado. Lefevbre denomina esse fenômeno de

‘dialética do tempo e do espaço’:

“Comprasse um emprego de tempo, e esse emprego de tempo é o

valor de uso do espaço. (...) o espaço envolve o tempo e que esse

não se deixa reduzir. É o caso do espaço urbano, no qual se atua

sobre o espaço para reduzir o tempo, já que não se pode atuar sobre

o próprio tempo, pois este não se deixa reduzir” (Lefebvre, Dialética

do tempo e do espaço. 1974:391, in: Villaça “Espaço intra-urbano no

Brasil”. 1998:357).

Segundo Villaça, a quantidade de tempo gasto no deslocamento das

pessoas pelas localizações no espaço urbano das classes de alta

renda tem o poder de desenhar a cidade:

“A luta de classes pelo domínio das condições de deslocamento

espacial consiste na força determinante da estruturação do espaço

intra-urbano (p.329). (...) A produção do espaço aparece, então,

como forma de controle do tempo, por meio de um trabalho

coletivo, social, no qual as classes entram em conflito visando

apropriar-se diferenciadamente dos frutos do trabalho envolvido

nessa produção”. (Villaça,”Espaço intra-urbano no Brasil”.

1998:359).

Desta forma temos como importante determinante para a

localização das ‘classes de alta renda’ a escolha de locais que lhes

Page 119: limites a produção da moradia social no centro de SP

118

proporcionem uma ‘economia de tempo’, já que podem adquirir as

terras onde bem desejarem, pois o custo não lhes imprime barreiras.

Assim, a rápida locomoção pela cidade, segundo Villaça, possibilitou

a saída das classes de alta renda do centro da cidade:

“A verdade é que a nova mobilidade territorial, (...) aliada à

conveniência de acessibilidade das burguesias e à produção de

bairros novos por parte do capital imobiliário, é que impulsionou o

abandono dos centros tradicionais. Não foi nem o congestionamento,

nem a poluição, nem a idade”. (villaça, intra-urbano, p.346).

Nos últimos anos os congestionamentos na cidade têm consumido

muito tempo dos paulistanos de todas as classes sociais. Desta

forma, a burguesia tenderá a localizar sua moradia em área próxima

do local de trabalho. Se este local for o centro, talvez tenhamos

como certa sua gentrificação.

Agora, a burguesia tem interesse em trabalhar e morar no centro?

Esta nos parece uma questão central. Se dependermos das ações de

propaganda e marketing da Associação Viva o Centro, a resposta é

sim.

Como já vimos na seção limites ideológicos culturais, item pré-

conceito e discriminação, escala urbana: a segregação sócio

espacial, a Associação Viva o Centro, representa uma das entidades

que atuam na região central que se pronuncia de modo

preconceituoso no que se refere à presença da população de baixa

renda no centro. Na mesma seção, item especulação e

‘entesouramento’: influências de um sistema econômico, a mesma

associação é identificada como congregadora dos ensejos dos

proprietários de imóveis, tendo como objetivo defender um processo

de valorização imobiliária da região, caracterizando a presença da

‘ideologia da especulação’, no caso, a imobiliária.

Vejamos como constam publicados formalmente os objetivos dessa

associação, segundo seu sítio eletrônico:

“A Associação objetiva o desenvolvimento da Área Central de São

Paulo, em seus aspectos urbanísticos, culturais, funcionais, sociais e

econômicos, de forma a transformá-la num grande, forte e eficiente

Centro Metropolitano, que contribua eficazmente para o equilíbrio

econômico e social da Metrópole, para o pleno acesso à cidadania e

ao bem-estar por toda a população”.75

A Associação Viva o Centro tem como principais patrocinadores as

seguintes empresas: Banco de Boston, Bolsa de Valores de São Paulo,

Bolsa de Mercadorias e Futuros, Banco Itaú, Serasa, Pinheiro Neto

Advogados, dentre outras empresas, bancos e estabeleciemntos

comerciais.

Segundo a arquiteta Sarah Feldman, em apresentação na “Comissão

l de Estudos sobre Moradia na Região Central”, realizado na Câmara

Municipal de São Paulo, de maio a setembro de 2001, “a Associação

Viva o Centro é a expressão da nova disputa pela área central, do

interesse imobiliário pela sua valorização”,(p.22).

75 http://www.vivaocentro.org.br/vivaocentro/index.htm

Page 120: limites a produção da moradia social no centro de SP

119

Observando as dezenas de publicações, eventos e pronunciamentos

públicos da associação, pode-se notar de modo direto as ações de

propaganda pela necessidade da volta dos investimentos públicos e

privados na região, e consigo moradias de renda mais alta.

Temos aqui mais um nó que necessita de mais estudos e que mais

anos de passem para termos uma resposta às questões levantadas.

Trata-se de uma grande incerteza, pois, como vimos, há

pronunciamentos dos mais diversos.

Em novo seminário organizado pelo Lab Hab, em 2002, com o tema:

“Habitação no centro de São Paulo: viabilização de programas

habitacionais”, a questão da valorização dos imóveis da região

central e sua conseqüente gentrificação demonstram a falta de

consenso entre os atores envolvidos no tema, como relatado em

trecho do relatório do encontro:

“A redução de preços dos imóveis pode ser uma decorrência da

aplicação de seus instrumentos [estatuto da cidade / Plano Diretor],

porém ainda aparece como uma questão incerta que dependerá em

grande parte do processo de requalificação urbana da área central.

(...) Uma das principais questões discutidas em várias sessões do

evento é o preço dos imóveis, existe uma expectativa de valorização

imobiliária na área central em função das intervenções e

conseqüente expulsão da população de baixa renda da área. Alguns

técnicos apontaram que a redução do preço dos imóveis está

relacionada com o esvaziamento populacional enquanto

requalificação da área apontaria para a valorização imobiliária”.

(Lab Hab Fau Usp, relatório resumo do Seminário “Habitação no

centro de São Paulo: viabilização de programas habitacionais”,

2002:2).

Como últimas informações coletadas, acerca da incerta volta das

classes de renda mais alta para o centro, reproduzimos abaixo

trecho do depoimento de Orlando de Almeida Filho, presidente do

Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo:

“Olha rapaz, daqui a uns três anos, vai haver uma super valorização

dos imóveis no centro (...)” (depoimento de Orlando de Almeida

Filho, presidente do Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de

São Paulo).

Page 121: limites a produção da moradia social no centro de SP

120

4.1.4.1.3 limites jurídico - legais

“No projeto Madre de Deus a história foi uma loucura. O

filho do dono (herdeiro) era um deficiente físico. A

propriedade não estava sendo usada. A lentidão é prejudicial

para todas as partes envolvidas. No caso do Casarão já são

seis anos. As leis emperram. As leis da propriedade foram

tão bem elaboradas que praticamente inviabilizam qualquer

proposta desse tipo.”

(Maria Nilse Ferreira Souto76).

Nesta seção identificaremos a presença de limites à produção da

moradia social no centro impostos pela legislação e pelo sistema

jurídico em vigor. As barreiras impostas pela legislação são das mais

variadas, são problemas para a aprovação de projetos arquitetônicos

que resolveriam de melhor forma questões da falta de qualidade

projetual das unidades, questões da forma de ocupação dos

terrenos, que resultariam em menor custo das mesmas, entraves na

gestão da máquina pública, que tem de seguir procedimentos muitas

vezes morosos e descabidos às práticas de produção habitacional,

bem como pelos processos de litígio fundiário que se estendem por

anos a fio, enquanto o imóvel ‘aguarda’ uma decisão judicial.

76 in: “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão

Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:144).

Primeiramente observaremos os limites gerados especificamente

pela legislação em vigor, apesar de por diversas vezes,

representantes do poder público terem sinalizado para uma rápida

alteração desses entraves legais. O que pudemos notar no decorrer

de um ano de estudos foi nenhuma alteração significativa na

legislação.

lei de HIS:

entrave à soluções inteligentes e econômicas

A barreira imposta pela atual legislação municipal para a produção

de HIS, que aufere parâmetros projetuais para as unidades

habitacionais, é considerada, nos depoimentos coletados, como

secundária às questões limitantes à produção da moradia social no

centro. Isso não significa que não deva ser considerada, pois ela

impede, de fato, que soluções de desenho coerentes com o

programa arquitetônico específico da moradia social no centro se

materializem. Se diferente da atual, a legislação possibilitaria ao

projeto do edifício o cumprimento de seu papel, de ‘resolução’ de

tão difícil construção, e não de arremedo formal de imposições

jurídicas artificiais à habitação nas áreas centrais da cidade.

O depoimento do arquiteto Wagner Germano nos exemplifica essa

característica da legislação municipal de HIS:

“De cara a gente viu que a lei tem de ser revisada, deveria ter um

olhar particular para a questão da reciclagem. Uma questão é o

estacionamento, que não tem como ter vaga de garagem num

Page 122: limites a produção da moradia social no centro de SP

121

edifício da área central, que não tem garagem. Apesar de que

acredito que a legislação nunca foi um empecilho, uma barreira. (...)

Era lógico, mais uma pimentinha na história, mas muito pequenina

se comparada a questão de como que deveria ser feita a compra do

imóvel. (...) Há uma proposta de alteração já feita, que falta ser

aprovada”. (depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela

do gato, arquiteto, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

De fato, a lei de HIS é instaurada através de decreto, de 26 de maio

de 1992, sob no. 31.601. Segundo a arquiteta Heléne, em palestra à

‘Comissão de Estudos sobre Moradia na Região Central’, realizada

na Câmara Municipal de São Paulo, seu objetivo maior é de

regulamentar a construção de unidades em terrenos na periferia da

cidade. Desta forma torna-se “totalmente inapropriada para

construção em lote urbano, na medida em que exige

estacionamento descoberto e garagem e outras questões que não se

adequam de maneira alguma às necessidades de um programa

habitacional em áreas centrais”.77

Novas considerações acerca das legislações urbanísticas para a

regulamentação de unidades de interesse social podem ser

encontradas em publicação organizada por Cláudio Moretti,

intitulada “Normas urbanísticas para habitação de interesse social.

Recomendações para a elaboração”.

Moretti nos indica a presença constante de três problemas nas

normas municipais brasileiras: edificações isoladas nos centros dos

77Heléne, in: relatório da “Comissão de Estudos sobre Moradia na Região Central”, Câmara Municipal de São Paulo, 2001: 75.

lotes, sejam elas horizontais ou verticais, devido à exigência dos

recuos, resultando em barreiras à aprovação de vilas, condomínios

horizontais, prédios em lâmina com fachada contínua, ou

configurando pátios internos às quadras e residências geminadas.

Diversos projetos econômicos e de boa qualidade construídos no

exterior, ou mesmo no Brasil, antes das atuais normas urbanísticas,

atualmente não seriam aprovados.

Moretti também comenta a existência de dificuldades na

“caracterização dos empreendimentos e agentes que poderão se

utilizar das prerrogativas da legislação. A polêmica se estabelece

quanto à eficácia dos meios legais para impedir a utilização dos

critérios especiais da HIS para produção de moradia para população

de maior poder aquisitivo” (p.18). Desta forma, há o risco de que as

normas e “privilégios” concedidos para HIS beneficiem as famílias

de maior renda não apenas em sua comercialização inicial, mas de

que estes imóveis sejam rapidamente transferidos para famílias fora

da faixa de renda de interesse social.

Moretti também considera que “a produção de unidades

habitacionais de interesse social através da reforma de edificações

existentes é uma alternativa que deve ser contemplada na

legislação” (p.18).

Em capítulo posterior aborda a problemática presente no “controle

do poder público versus autonomia do projetista” (p.29), pois da

forma que a legislação se apresenta, esta “pode tolher a autonomia

dos projetistas e impedir boas soluções de projeto” (p.29).

As ‘boas soluções de projeto’ que são impedidas pela legislação

extremamente amarrada, resulta em projetos quase que

Page 123: limites a produção da moradia social no centro de SP

122

padronizados, centralizados em seus lotes e impossibilitados de se

adequarem às características do entorno. Quando a ‘autonomia do

projetista’ foi respeitada, pois a legislação foi completamente

descartada78, as soluções de projeto podem ser consideradas

‘melhores’, como nos relatam Cláudio Manetti e Pedro Sales,

responsáveis pelo projeto do edifício Madre de Deus, estudo de caso

da presente pesquisa:

“(...) e o mais interessante foi assim. Foi uma única exigência [da

comissção de aprovação de projetos habitacionais de interesse social

da PMSP]: ‘faz um diagrama de sombras’. Por que nós estamos

encostando o edifício sem recuo, para ver se não vai fazer sombra na

piscina do vizinho. E o mais legal disso tudo, na hora que se fez, é

que não só não fazia sombra, como se fizesse o edifício nos moldes

da legislação, aí sim o edifício faria. (...) Nós começamos a discutir

que os projetos da região central, pelas configurações das quadras,

pelas configurações de vizinhanças, eles precisariam de uma forma

de compreensão de que a quadra é um edifício de vários edifícios

diferenciados, mas que tem que ter uma relação da sua

espacialidade. O que cheio, o que é vazio, o quê é cego, o quê é

aberto. E nós começamos a ver o seguinte, você pega um edifício no

centro da cidade, ele tem uma empena de não sei quantos andares,

por não sei quantos metros de largura. Você falar que aqui tem um

sol nascente é brincadeira, por que o próprio edifício vai fazer um

sombreamento de sol nascente. Então tem uma outra forma de pegar

o sol, uma outra forma de captar, uma outra forma de ter conflito

de vizinhança. E no caso do Madre de Deus, o pessoal da comissão,

que estava com medo de enfrentar a Luíza, e os movimentos

78 O projeto foi aprovado por decreto emtido pela prefeita em cargo.

politicamente fortes, resolveram sair por aí, que eu acho mais

interessante, que acabou dando uma solidez. Está completamente

fora da legislação”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto,

estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza

Erundina).

“E tudo isso, acabou gerando um outro conflito, (...) que era a

legislação vigente na época, e vigente até agora. Questão 1 : recuo.

Com aquela exigüidade de terreno, a gente não poderia de frente,

nem lateral, nem de fundo, então fomos obrigados a realizar um

projetinho demonstração para comparar o uso daqueles 15 x 50

metros, usando o que dispunha os parâmetros de zoneamento

daquela área. Cinco de frente, um meio de não sei do quê, duas

vezes a área do terreno, que resultava numa torrezinha, de dez a

doze andares, e a idéia era fazer isso para demonstrar que essa

torre, em relação à posição da orientação, mostrando que a

configuração regular causava muito mais impacto no vizinho, em

termos de sombra, em termos de privacidade, nos dois vizinhos, do

que o nosso bloquinho, encostado nas divisas, e tudo mais. Outra

questão que se coloca até hoje, a Helena79 cansa de lutar contra isso,

é a questão do estacionamento, as vagas de estacionamento. É uma

legislação super arcaica, que pede uma vaga a cada três unidades,

mas que é descabido, no fundo, no sentido de que se está falando de

área central, presumivelmente você tenha essa maior

disponibilidade de transporte”. (depoimento de Pedro Salles,

arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão

Luíza Erundina).

79 Helena Menna Barreto Silva, vice-presidente do Pró Centro, gestão Marta Suplicy.

Page 124: limites a produção da moradia social no centro de SP

123

implantação edifício Madre de Deus, sem recuos laterais e frontal.

O edifício Madre de Deus, também não possui vagas de

estacionamento, além dos recuos laterais, frontais e de fundo.

uso misto:

programas públicos não o comportam

Apesar de aparentemente sem muita importância, a impossibilidade

da instalação de estabelecimentos comerciais nos primeiros pisos

dos edifícios tem por diversas vezes interferido de maneira decisiva

na qualidade dos projetos habitacionais, bem como na manutenção

física dos imóveis.

A renda gerada pela locação destes espaços para fins comerciais

poderia direcionar recursos para os condomínios, que melhor

investiriam na manutenção dos imóveis, além de configurarem uma

ocupação mais racional dos exíguos espaços centrais.

Como os edifícios voltados para famílias de baixa renda produzidos

pelos programas públicos têm de, ao menos inicialmente, de

pertencer ao estado, para que as famílias de baixa renda os

adquiram através das prestações, estes imóveis estão sujeitos à

legislação incidente sobre a propriedade pública.

Para o arquiteto responsável pelo projeto arquitetônico do edifício

Madre de Deus, Pedro Salles, a legislação que impede a instalação

de estabelecimentos comerciais nos imóveis habitacionais públicos,

gerou conseqüências irreparáveis ao edifício, como comenta em seu

depoimento:

“O fato de o solo ser público, subsidiado, colocou uma outra questão

importante, particularmente no Celso Garcia, onde havia solo

publico, habitação de interesse social, e a pretensão de que o térreo

fosse comércio voltado para os moradores. E não houve jeito de

equacionar isso: solo público, habitação de interesse social e

exploração de atividades comerciais sob solo público. Eu me lembro

de passar tardes com figuras renomadas, para a gente tentar chegar

e definir um instrumento jurídico, uma abertura jurídica, mas não

conseguimos. Essa é uma questão que se coloca, de caráter jurídico,

de caráter legal, mas que acaba influindo no próprio programa, e

impede realmente uma possibilidade de financiamento dessas

unidades. Precisava ter uma licitação, mas você não pode licitar algo

em terreno que foi desapropriado. Então há uma série de impasses

que de repente acabam travando a exploração de novas tipologias,

de uso misto e etc. que são no meu ponto de vista fundamentais para

a área central. Elas têm que absorver essa variedade de funções por

diversas razões, o retorno financeiro para a comunidade, gerar esse

Page 125: limites a produção da moradia social no centro de SP

124

ambiente realmente mais coletivo de funções que as cidades

européias cansam de dizer para a gente e etc. Mas que de certa

maneira, continua impedido, então o próprio projeto, acho que ele

tem que começar a considerar isso aqui, como é que eu reproponho

essas linhas alternativas em solo desapropriado. Esse era um outro

limite, que no fundo inibiu o projeto, mas que gerou conseqüências

complicadas depois”. (depoimento de Pedro Salles, arquiteto, estudo

de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).

No estudo de caso do PAR – CEF, a mesma barreira se coloca. Helena

Saia, arquiteta responsável pelo projeto de restauração afirma80 que

o edifício Riskalah Jorge, anteriormente de uso comercial no térreo,

teve de ser adaptado ao uso apenas habitacional, devido exigências

da CEF. O engenheiro responsável pelas obras do edifício, também

identifica a existência do limite:

“Como é arrendamento, quem detém o prédio é a CEF, então ela não

está querendo liberar o térreo para comércio”. (depoimento de

Kennedy, engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury

Empreendimentos Imobiliários).

80 relatório do encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”, Lab hab Fau Usp, 2000:16.

espaço térreo que poderia ser de uso comercial, Riskalah Jorge.

O mesmo ocorre no Programa de Atuação em Cortiços da CDHU, que

impede a locação do térreo para usos diversos:

“Não, não, nada [permite o uso comercial], inclusive tem uma

questão que também se encontra em outros programas. Sempre eles

esbarram com a questão de uso misto, sempre se aprova só a

habitação, a gente fala e fala que tem que misturar, e não se tem

como aprovar. É uma loucura, numa cidade como São Paulo”.

(depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica

Ambiente).

Ao que tudo indica, os imóveis de locação social também não

poderão ceder espaços para fins comerciais privados, devendo ficar

reservados a áreas anexas às moradias.

Page 126: limites a produção da moradia social no centro de SP

125

irregularidades fundiárias:

dívidas, desvios e litígios de propriedade

Problemas na titulação da propriedade privada da terra é um fato

comum na área rural, já de conhecimento público notório. Distante

dos centros urbanos.

A produção da moradia social no centro tem demonstrado que o

mesmo ocorre nos grandes centros urbanos, ao menos em São Paulo.

Identificamos a presença de imóveis com dívidas impagáveis de IPTU

e comprovação incipiente de propriedade como os mais comuns a

emperrar os processos de aquisição de imóveis.

Para o poder público dar início a um processo de compra ou

desapropriação de algum imóvel, ele tem de certificar-se da

regularidade deste. Lia Ferreira, técnica da CDHU nos revela a

existência deste limite, que leva processos aparentemente fáceis a

levarem anos de espera pela decisão judicial:

“Então um segundo problema é o tempo para que se tenha a situação

fundiária definida, e aí poder executar o empreendimento. Isso não

quer dizer que enquanto o processo de DIS esteja em

encaminhamento, a gente não tenha outros procedimentos paralelos

para agilizar esse empreendimento, certo. Mas é sim uma das

dificuldades que a gente encontra.” (depoimento de Lia Ferreira,

arquiteta, estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU – PAC, gestão

Geraldo Alckmin).

Na Cohab - SP, o mesmo fenômeno se repete:

“E a COHAB recebe muito telefonema, a pró-centro então, nem se

fala. A dificuldade é sempre que tem alguma irregularidade de

alguma natureza. E aí a gente não consegue como poder público

fazer a desapropriação”.(depoimento de Margareth Uemura, estudo

de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta

Suplicy).

Mais especificamente, as irregularidades podem se dar pelo atraso

no pagamento de impostos incidentes sobre a propriedade ou infra-

estrutura urbana. Um dos casos freqüentes é o simples não

pagamento do IPTU, enquanto o imóvel fica subutilizado, devido à

morosidade na cobrança judicial. Há em trâmite na câmara

municipal um projeto de lei (decreto de remissão) que permitiria o

‘desconto’ do valor devido na desapropriação do imóvel, como nos

apresentam Helena Silva e Margareth Uemura, técnicas da PMSP,

gestão Marta Suplicy.

“Acredito mesmo que as nossas dificuldades são operacionais, não é

nem de recurso. (...) É muito lento. A maneira de tratar com a

questão de obtenção dos terrenos está na raiz disso. Como o PAR

encara essa questão da obtenção do imóvel está na raiz. Então eu

acho que poderia ser mais rápido. É uma prioridade, agora nem

todas as soluções apontadas, são mágicas. Por exemplo, a questão

dos edifícios com dívidas do IPTU, por exemplo, se tem um problema

na justiça, se a justiça cobrasse muito mais rapidamente as dívidas,

nós conseguiríamos negociar muito mais rapidamente o terreno.

Nesse momento, o proprietário deixa de pagar (caso do Brigadeiro

Page 127: limites a produção da moradia social no centro de SP

126

Tobias) um tempão; não registrou a propriedade. Agora fizemos uma

proposta de lei que eu acho que é interessante, de que é possível

perdoar a dívida, no momento em que o prédio é adquirido para

habitação de interesse social. As pressões não são suficientes para

você forçar o pagamento”. (depoimento de Helena Silva, estudo de

caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão

Marta Suplicy).

“A gente percebeu que tem dois pontos que emperram essa operação

nossa, de desapropriação. Uma é imóveis irregulares e imóveis com

dívida. Eu acho que esses imóveis não valorizam por que tem

também esses problemas, eles estão quase abandonados. Qual é a

dinâmica desses proprietários (e não são pequenos proprietários)?

Eles são proprietários de várias áreas no centro. Agora o que ele faz?

Aluga o térreo, que é o que tem valor; mantém mais ou menos o

restante do edifício e deixa isso pra lá, e vai arrastando a dívida.

Então parece que é uma dinâmica aqui, por isso está se repetindo

muito. Todo prédio que a gente ouve o proprietário que levanta, é a

mesma coisa: está desocupado o resto dos andares, o térreo está

ocupado. O cara tem uma dívida altíssima de IPTU, e, portanto não

pode negociar o terreno conosco. Por que ele quer além de não pagar

a dívida, receber. Tem a história da dação do pagamento, como se

chama. Agora, é isso. O cara pra fazer a dação, tem que concordar;

você não tem como obrigar o cara. Tem um outro instrumento que

chama decreto de remissão. Com esse acho que a gente pode compra

o imóvel com dívida, mas com outro procedimento. Esse ainda não

está aprovado, esse está tramitando. Parece que esse é um

instrumento legal que pode cobrir o que a dação não pode fazer”.

(depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,

arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

Outra forma de irregularidade fundiária recorrente é a falta de

título de propriedade, que por razões diversas não se encontram

regularizadas. Trechos de relatos e bibliográficos nos indicam de

forma clara a existência do problema:

“Então, agora, é claro que você tem os problemas objetivos da

situação de propriedade aqui da área central. As escrituras são

enroladas, múltiplos proprietários num prédio só (...)”. (depoimento

de Helena Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP,

Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

“Então a gente tem problema com titularidade de terreno,

unificação de título, que é uma parte burocrática, e isso eu acho que

é um trabalho longuíssimo, por que são terras devolutas, é margem

do rio, então há uma série de problemas e de ajustes técnicos a

fazer. (...) No São João a gente tem tido uma série de dificuldades,

mas é por que o proprietário tinha pendências, dívidas, problemas

de herança, de quem assina o documento. Se não, acho que teria

sido mais curto o prazo”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo

de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta

Suplicy).

“Os imóveis a serem adquiridos com recursos do PAR devem, por

preceituação legal, possuir regularidade documental, o que é raro na

área central. Muitas vezes são imóveis frutos de herança ou espólios

mal resolvidos, com documentação duvidosa ou que não podem ser

regularizados para uma operação envolvendo recursos públicos, com

legalidade ou titularidade apresentando restrições documentais”.

(Bruno Sandin, in: relatório final da “Comissão de Estudos sobre

Page 128: limites a produção da moradia social no centro de SP

127

Moradia na Região Central”, Câmara Municipal de São Paulo,

2001:94).

burocracia:

morosidade e demora nos processos públicos

Relatos de demora nos processos administrativos são também

unânimes, poder público e movimentos populares identificaram essa

realidade, que muitas vezes resulta em conflitos e enfrentamentos

políticos diretos.

É certo que o emprego de recursos públicos deva ser realizado com

todas as garantias de lisura necessárias. O limite aqui identificado

não se refere a esta ‘burocracia necessária’, mas sim a

procedimentos excessivamente controlados e compartimentalizados

que resultam em ações extremamente morosas. Como vimos na

seção dos limites ideológicos e culturais, item inércia operacional do

poder público: manutenção da lógica vigente, há por diversas vezes

procedimentos que não necessariamente significam um controle ou

zelo pelos recursos públicos, mas que são realizados pelos

funcionários públicos, de modo a dirimir responsabilidades pessoais

sobre as decisões tomadas. O depoimento de Cláudio Manetti em “Intervenção Habitacional em

cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”, nos

aponta diversos problemas, a começar pela morosidade na

contratação de serviços terceirizados, e cita como o exemplo a

contratação de projetos executivos. É certo que, se parte dos

serviços hoje terceirizados fossem realizados por funcionários

públicos, a demora nos processos de licitação seria minorado.

O relato de Maria Souto, também para a dissertação de Francisco

Comaru, nos demonstra a insatisfação do movimento popular ULC

com a morosidade dos processos:

“(...) no dia da invasão do prédio Martinelli, nós estávamos com dois

anos de Administração Luíza Erundina. Naquele dia se somavam 54

reuniões com representantes da prefeitura e o movimento de

moradia por cortiços, dia 8 de abril de 1991. E projeto ainda não

havia começado.” (depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in:

“Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O

mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:143).

A mesma demora também é identificada nos processos

administrativos da CDHU para o desenvolvimento do PAC. Lia

Ferreira técnica do órgão, gestão Geraldo Alckmin, nos aponta

motivos para que o órgão opere desta forma:

“Se você considerar o prazo de execução de um empreendimento, ele

é longo, mesmo numa obra particular. Desde que você tenha o

terreno, até que seja concluída a edificação, é um processo bastante

lento, desde equacionar o fundiário, até todos os projetos, é normal.

Edificação, casa, não é uma coisa rápida. Ela requer uma série de

atitudes e de procedimentos, para que você tenha um produto, não é

assim num estalar de dedos. (...) Cabe uma informação mais didática

[aos movimentos populares], pois isto é moroso mesmo, por mais que

a gente agilize, se você pegar a sua experiência, ou de qualquer um:

quero construir! Mas tem todo um procedimento, certo? (...) a

Page 129: limites a produção da moradia social no centro de SP

128

construção civil é o setor mais burocratizado de todos os outros

setores, porque você está gerando um bem patrimonial, então têm

muitas ações, muitos cuidados que tem que ser feitos. São

procedimentos legais, são procedimentos técnicos, e isso tudo tem

de ser percorrido sim”. (depoimento de Lia Ferreira, arquiteta,

estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU – PAC, gestão Geraldo

Alckmin).

Da mesma forma, para Sidney Eusébio e Luiz Cavalcanti, da ULC, a

‘burocracia’ do PAC – CDHU torna-se uma barreira às reivindicações

do movimento:

“Diziam que amenizariam os problemas do centro, e nós não

imaginávamos que iríamos enfrentar esse paredão, essa burocracia

de um governo não democrático, não socialista”. (depoimento de

Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,

integrante da ULC).

“O governo do estado tem o projeto do cinema, de trezentas

unidades, que já toma aí quase doze anos no papel. Mas se

considerar a parte política da negociação, tem mais de vinte anos.

Fizemos o mais difícil, comprou o terreno, tirou as famílias, demoliu

o prédio, o cortiço, e aí está lá o terreno no chão criando rato e

barata. O mais difícil nós fizemos e o mais fácil o governo não faz,

que é a construção. Já tem aí, praticamente, desde o terreno vazio,

já faz dezoito meses”. (depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança

popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da ULC).

O programa de Locação Social não foge desta barreira. Segundo

Margareth Uemura, os cronogramas de ações do programa estão

todos atrasados. O fragmento de depoimento posterior, de Helena

Silva, demonstra o fato da lentidão na operacionalização do

programa:

“Está atrasado (...) a previsão era que já se tivesse unidades agora

para ser gerenciada. Então teve um atraso de projeto, de execução,

e por isso a gente agora vai ter que correr atrás para tentar ter esse

piloto das 1.600 unidades operando até o fim do ano que vem”.

(depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,

arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

“(...) independente do preço, ou qualquer coisa, você não tem

estruturas operacionais que façam você obter facilmente coisas que

aparentemente são muito fácil de se obter. Existe todo o diálogo

com o movimento social: ‘e por que não isso, e por que não aquilo?’

A gente realmente não consegue, a máquina pública ainda está

muito lenta. Uma parte são dificuldades legais, e outra é

operacionalizar isso, é ter a estrutura adequada, com as pessoas

adequadas, para tomas as decisões adequadas, com tempo e com

recurso chegando a tempo. Então muitas vezes eu acho que

misturando todos os instrumentos que você tem você poderia fazer

muito mais coisas do que você consegue objetivamente fazer. E às

vezes não é má vontade, é que tudo é muito lento, tudo é muito

lento”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso favela do gato,

arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

Page 130: limites a produção da moradia social no centro de SP

129

4.1.4.1.4 limites técnico – profissionais

“Tem uma fala do Antônio José (MNLM), num seminário em

Guarulhos, que dizia assim: ‘experiências nós já

acumulamos, técnicos nós não temos muito, mas temos o

suficiente, mas mesmo assim eu não conheço nenhum bairro,

nenhuma região da cidade, que tenha sido construída

segundo os preceitos da reforma urbana, que os movimentos

defendem’. Se há um número de técnicos suficiente? Há o

número de técnicos na estrutura das assessorias, que

aglutinam esses técnicos, que estão interessados em

produzir desta forma. (...) As assessorias, do jeito que estão

estruturadas não resolveriam o déficit habitacional, bem

como o poder público, do jeito que se estrutura,

dificilmente resolveria sozinho. (...) Isso resulta numa

dicotomia atual: ‘quantidade, em massa x qualidade e

participação popular’”.(depoimento de Caio Amore,

arquiteto, assessoria técnica Peabiru)

poucos técnicos e despreparados:

a fazer trabalhos nunca antes realizados

É de se esperar que os técnicos do poder público e das assessorias

técnicas aos movimentos e moradia estejam despreparados para

lidar com as questões que envolvam a produção da moradia social

em regiões centrais. Trata-se de uma novidade. A formação

profissional nas universidades não está voltada para o trabalho com

reciclagem de edifícios, imóveis para locação social, empreitadas

em mutirão autogerido ou apenas em autogestão. Muito menos ainda

estão os profissionais preparados para lidar com movimentos

populares de luta por terra e moradia. Trata-se de uma

irresponsabilidade das universidades diante das necessidades da

população, muitas vezes alimentada pela negligência histórica do

estado brasileiro diante da questão.

A metodologia de trabalho dos programas em estudo tem de ser

desenvolvida no fazer de cada ação. Daí tantos desacertos, erros e

recuos.

Identificamos a presença desse relevante limite a partir da

observação do funcionamento do poder público e das assessorias

técnicas que trabalham com os movimentos populares, bem como

pelos depoimentos coletados. Vejamos algumas colocações

pertinentes à questão, segundo as especificidades dos modos de

produção de cada programa abordado:

“Ainda dentro da esfera pública, outra questão complicada, é a falta

de pessoal formado para isso [trabalho com mutirão autogerido].Essa

formação, no fundo, ela é muito específica, e não ocorre, não

ocorria nas escolas, nas mais diversas áreas, e não ocorria num

processo de reciclagem do poder público. Então, um engenheiro que

estava lá para fiscalizar uma obra, já tinha uma metodologia para

fiscalizar uma empreiteira. Esses técnicos, eles não dispunham de

segurança técnica para trabalhar com os processos de auto-gestão.

Então isso se tornava uma loucura, pois ao mesmo tempo em que

colocávamos o programa para andar, tínhamos de formar uma equipe

para fiscalizá-lo. Outra dificuldade interna violenta”. (depoimento

de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus,

PMSP, Sehab – Funaps Comunitário, gestão Luíza Erundina).

Page 131: limites a produção da moradia social no centro de SP

130

“Um dos grandes problemas que a gente teve foi equacionar essas

questões todas que a gente não tinha experiência. (...) É um

procedimento que é novo, não existia, então tem todo um

aprendizado mesmo, de todos os técnicos (...)”. (depoimento de

Wagner Germano, estudo de caso favela do gato, arquiteto, PMSP,

Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

Como o poder público não possui funcionários para dar conta dos

trabalhos demandados pela população, seja por falta de recursos ou

por questões ideológicas (modelo do estado gerencial), a maior

parte das atividades inerentes aos programas são realizadas por

escritórios técnicos contratados. São as assessorias técnicas:

entidades de direito privado sem fins lucrativos que atuam em

parceria com os movimentos populares os assessorando

profissionalmente nas questões enfrentadas em suas lutas pela terra

e pela moradia. Essas entidades são formadas por profissionais de

engenharia, arquitetura, sociologia, direito, dentre outras.

Abaixo, o relato de Ronconi refere-se ao final dos anos 80, momento

de estruturação das assessorias técnicas, para atuação no Programa

Funaps Comunitário, qual foi responsável nos primeiros anos da

gestão de Luíza Erundina:

“Havia outros problemas que influenciavam o poder público, mas

cuja origem era exterior, era a não existência de uma base técnica

instalada também fora da Prefeitura. As assessorias técnicas foram

se formando ao longo do processo do Funaps comunitário, havia

poucas assessorias. Na verdade havia apenas duas em São Paulo, e

durante o processo é que o pessoal foi se instituindo, o que era um

processo de descoberta para todo mundo, para o técnico, para a

organização que ele está montando. O que foi muito positivo, pois

muita gente saiu formada neste processo. Porém para o programa,

na época isso significava um girar mais lento das engrenagens que

deveriam produzir habitações. Isso era uma dificuldade que não dava

nem para a prefeitura, nem ninguém mais conseguir abreviar este

processo, o único caminho que poderia tornar isso mais fácil, era que

a formação desses profissionais tivesse esse conceito sendo

trabalhado anteriormente. Como não existia, não dava para correr

atrás”.(depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de caso

Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps Comunitário, gestão Luíza

Erundina).

O trabalho das entidades de assessoria técnica aos movimentos

populares voltou-se inicialmente à condução de mutirões

autogeridos na periferia de São Paulo. Sua atuação nas áreas

centrais da cidade tornou-se mais constante com as ocupações de

imóveis vazios da região pelos movimentos populares. Como já

vimos, trabalhos deste tipo em regiões centrais dotadas de infra-

estrutura são uma novidade, portanto pouca experiência foi

adquirida para estas atividades. Como tem se mostrado de praxe, é

a prática que tem formado esses profissionais. Como os projetos de

HIS no centro têm se mostrado exceções aos projetos de HIS pela

cidade, torna-se ainda mais difícil a formação de técnicos para essa

prática.

Helena Silva, em seu depoimento identifica esse problema:

Page 132: limites a produção da moradia social no centro de SP

131

“Eu acho que é um limite no programa sim. Há muito que avançar na

capacitação das assessorias técnicas. Acho que estamos tendo

problemas, e precisamos avançar mais. Estamos tentando

desenvolver isso através de seminários, dos seminários que a gente

fez, parte delas compareceu, estamos conseguindo levantar um

pouco os problemas da reforma, mas eu acho que ainda tem o

problema de projeto”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso

favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta

Suplicy).

Já para o arquiteto ex-integrante de assessoria técnica, Joel Felipe,

a qualificação dos quadros técnicos é suficiente para os trabalhos

necessários para uma produção massiva e de qualidade de HIS no

centro:

“Acho que não há o problema de ‘quadro técnico suficiente e

qualificado’ no poder público. Principalmente se se pode contar com

a ampliação do quadro com o trabalho dos escritórios de Assessoria

Técnica”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto, assessoria técnica

AD).

Um dado é certo. O número de técnicos qualificados para

desenvolver os projetos de moradia popular na região central de São

Paulo na quantidade e qualidade necessárias é insuficiente. Como

observa Antônio José, do Movimento Nacional de Luta por Moradia,

através do depoimento de Caio Amore, na abertura dessa seção:

“Tem uma fala do Antônio José (MNLM), num seminário em

Guarulhos, que dizia assim: ‘experiências nós já acumulamos,

técnicos nós não temos muito, mas temos o suficiente, mas mesmo

assim eu não conheço nenhum bairro, nenhuma região da cidade, que

tenha sido construída segundo os preceitos da reforma urbana, que

os movimentos defendem’. Se há um número de técnicos suficiente?

Há o número de técnicos na estrutura das assessorias, que aglutinam

esses técnicos, que estão interessados em produzir desta forma. (...)

As assessorias, do jeito que estão estruturadas não resolveriam o

déficit habitacional, bem como o poder público, do jeito que se

estrutura, dificilmente resolveria sozinho. (...) Isso resulta numa

dicotomia atual: ‘quantidade, em massa x qualidade e participação

popular’”.(depoimento de Caio Amore, estudo de caso favela do

gato, arquiteto, assessoria técnica Peabiru)

tecnologia:

haveria um novo ‘ovo de Colombo’?

Por diversas vezes a falta de uma tecnologia nacional para a

produção das moradias populares é apontada como uma das

barreiras à sua produção. Dentre os depoimentos coletados, e as

experiências estudadas nas disciplinas de tecnologia da construção,

este tem se demonstrado um ‘limite dependente’. Ou seja, é fato

que dispomos de técnicas suficientes para o enfrentamento das

questões tocantes à construção civil, mas também é fato que por

diversas vezes elas não são aplicadas.

O que nos parece é que se trata mais de uma questão de

dependência da política, ou da economia política, a sua não livre

difusão entre as obras civis. Talvez royaltes e concentração de renda

excessiva imponham a falsa idéia de que ‘o que falta é tecnologia’,

Page 133: limites a produção da moradia social no centro de SP

132

como se para a edificação das moradias de alta renda ela também

faltasse.

Trata-se de um amplo campo de estudo, que infelizmente não

poderemos por hora abordar, pois não dispomos de dados e

informações suficientes.

O depoimento Joel Felipe, da assessoria técnica AD, aponta para

esta mesma conclusão:

“Sobre Tecnologia, permita-me expressar a minha ojeriza por esse

debate, uma vez que permanece a preocupação dentro da

universidade de ficar formando arquitetos-Colombos que precisam

criar ovos (de pré-fabricados de concreto ou argamassa armada, de

adobe, cascas autoportantes, de aço, de solo-cimento...) que possam

reproduzir alojamentos em massa. Como se esse fosse o problema da

habitação popular... Então vamos virar o disco, né?”. (depoimento

de Joel Felipe, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, assessoria

técnica AD).

A faceta da ‘falta de tecnologia’, compreendida como um ‘limite

dependente’ é revelada em trechos de depoimentos destacados

abaixo. As colocações versam sobre as dificuldades técnicas para

intervenções em edificações já existentes, ou a reciclagem de

edifícios para habitação, devido ao costume das empresas

construtoras em apenas edificar novas unidades e pouco reutilizar

imóveis já erguidos:

“Mas tem também o problema da industria e das construtoras, as

indústrias de componentes que não está acostumada. Temos de fazer

um esforço maior aí para melhorar a tecnologia da reforma, sem a

menor duvida”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso favela

do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

Como há o limite de custos para a produção da moradia social,

devido às questões tratadas na seção limites da política formal, item

falta de recursos: o discurso da limitação financeira do estado, as

reformas de imóveis podem tornar-se um empecilho para a moradia

social, pois durante as obras há sempre a possibilidade de alterações

orçamentárias devido aos imprevistos de projeto, como nos

explanam Marco Antônio e Kennedy, atores envolvidos no projeto

Riskalah Jorge:

“Dentre os dificultadores (...) em terceiro: chegar ao produto ideal

(muito complicado); (...) a insegurança muito grande com relação ao

orçamento apresentado. Como são prédios na maioria bem antigos

da década de ’40, ’50 em alguns sequer tínhamos a planta original

dele lá atrás. Tínhamos que fazer mais um trabalho de prospecção.

Alguns lugares, com alguma planta antiga de estrutura que você

tinha, achava que tinha um pilar passando num lugar; quando você ia

mexer, não era lá, aparecia em outro lugar. Lugar que você achava

que não tinha uma viga, aparece. Então tudo isso fazia com que seu

orçamento previsto desse um furo grande. Então acho que hoje ainda

a dificuldade grande nossa é poder fazer um orçamento bem

detalhado das interferências que nós vamos ter que fazer”.

(depoimento de Marco Antônio, estudo de caso Riskalah Jorge,

técnico da CEF, PAR, gestão Luiz Inácio Lula da Silva)

“A dificuldade maior foi na questão de verba, né? Por que a gente

tinha orçado o valor e estourou esse valor, por que reforma você

Page 134: limites a produção da moradia social no centro de SP

133

tem muito imprevisto pelo caminho, você não sabe o quê que vai

aparecer, você começa a quebra uma parede e caem três ou quatro,

esse é o grande problema entendeu? O problema financeiro foi um

obstáculo grande para a gente. No PAR não há aditamento, e você

tem valor fixo, que fica fixo até o fim. E no final a construtora arcou

com os custos que teve extra aí, e está arcando até hoje. Por que

tem algumas manutenções, as vezes é uma água que vaza, está tendo

manutenção, e a tendência de manutenção é piorar, pois o pessoal

vai começar a morar, e os problemas vão aparecendo. Obra sempre

tem problema, ainda mais reforma”. (depoimento de Kennedy,

engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury Empreendimentos

Imobiliários).

Page 135: limites a produção da moradia social no centro de SP

134

4.1.4.1.5 limites de gestão dos programas

“Há uma pesquisa, realizada pela Poli, que nos dá o custo da unidade considerando

a máquina. Eles estudaram quantas unidades são produzidas, qual o valor dela,

somado às folhas de pagamento do órgão, entre outros gastos. (...) A conclusão que

eles chegaram é que o custo da unidade da Cohab é uma coisa extremamente cara.

Você tem uma estrutura enorme lá, e quantidade de unidades produzidas ridícula.

Isso chegou a um valor tal (em dinheiro, lógico que não em política) que valia mais

a pena ter apenas um escritório que comprasse unidades produzias pelo mercado, e

repassasse para o pessoal, do que uma máquina montada para fazer as coisas”.

(depoimento de Caio Amore, arquiteto, assessoria técnica Peabiru)

operacionalização:

estrura ineficiente na gestão das ações

A escala de produção responsabilizada aos órgãos públicos que tem o

papel de gerir e executar as políticas habitacionais é enorme. As

dificuldades enfrentadas por estes órgãos em fazer cumprir sua

importante missão, de não apenas produzir unidades habitacionais

em quantidade suficiente, mas de dar-lhes um caráter de ‘política

pública’, com a qualidade inerente a cada cidadão não tem se

mostrado uma tarefa fácil.

Os órgãos públicos estão suficientemente organizados para cumprir

essas responsabilidades?

Segundo a bibliografia visitada, e os depoimentos coletados, a

resposta é não. Temos aí um novo limite, a falta de organização e

de estrutura dos órgãos públicos responsáveis pelas políticas de

habitação social, especificamente as voltadas para a região central.

Muitas vezes o problema é estrutural. A máquina pública

historicamente nunca foi pensada para trabalhar com estes

objetivos. Seu arcabouço organizacional está começando a ser

montado, como demonstra o depoimento de Cláudio Manetti para a

dissertação de Francisco Comaru:

“(...) no começo de 90 começaram a pensar na coisa de um programa

de cortiços, me colocaram como coordenador (...) Não tinha sala,

tive de serrar o cavalete na mão para poder apoiar uma prancheta,

coisas assim, não tinha secretária. E o nosso desconhecimento da

administração pública. (...) lá na prefeitura nós tivemos essa coisa

assim: precisa de um projeto dessa ordem? Custa x. Qual é a classe

de licitação que ele vai cair? Então monta lá. Quem monta? Bola

pingando na área” (Cláudio Manetti, in: “Intervenção Habitacional

em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”.

Comaru, 1998:137).

Quando questionada se a Cohab está atualmente preparada para

uma produção massiva e de qualidade de unidades habitacionais de

interesse social no centro, Margareth Uemura, técnica do órgão

respondeu:

“Acho que não, a gente vai se estruturar para isso. E por isso, todo o

resto a CoHAB já faz, a avaliação... todo esse procedimento é um

procedimento que entra na linha da COHAB. Qual é o procedimento

que a COHAB não tem? (vamos dizer assim, não tem por que a gente

vende a unidade habitacional ), é mais a tutela. Por que tá cheio de

inadimplência... então, no fundo, a COHAB já faz um trabalho via

Page 136: limites a produção da moradia social no centro de SP

135

assistentes sociais, nos empreendimentos que são ‘dívida em dívida’.

Só que como a gente acha que a operação para locação social é muito

mais assistida, tem que ser muito mais acompanhada, a COHAB está

querendo montar uma estrutura especial para o acompanhamento.

Então estamos contando que a HABI se encarregue de toda a parte

social, e toda a parte financeira e administrativa a COHAB faz o

acompanhamento. HABI também já tem uma avaliação que também

já dá conta disso. Então qual é o grande trunfo que a gente tá

querendo trabalhar? É capacitar a ponta, que são os moradores, para

fazer a gestão. É lógico que isso tudo é uma perspectiva de melhorar

a operação. Agora isso não exime a COHAB de convocar o que é dela,

manutenção vai ter que ter. Então não tem estrutura hoje pra isso,

ela vai ser montada”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de

caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta

Suplicy).

Outros órgãos mereceriam uma revisão em sua organização

operacional, segundo a arquiteta Isabel Cabral, da assessoria técnica

Ambiente, contratada para a realização de diversos projetos para a

CDHU, órgão em questão:

“Eu acho que eles têm corpo para isso, é o que me parece, mas eu

acho que às vezes, por um lado tem pouca gente, por que a coisa não

anda, e por outro lado, em outros momentos eu acho que é

superdimensionada. Está sobrando e está faltando, eu acho que ela

tem de ser revista, tem de ser reorganizada”. (depoimento de Isabel

Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente).

Diante da grande escala de produção desses órgãos, eles enfrentam

questões quanto à massificação e estandardização de suas soluções

projetuais, o que tem levado a soluções muitas vezes sem

qualidade, como veremos na seção limites arquitetônicos. Os

técnicos destes órgãos aprovam apenas projetos de arquitetura que

possam ser facilmente fiscalizados e aferidos. Qualquer alteração

das normas, ou um desenho diferenciado é visto com maus olhos:

“Fazer um piso de qualidade, já que vai abrir para a cidade:

propusemos um piso orgânico. E a Cohab disse: ‘poxa, mas isso daqui

como é que executa?’, aí e explicamos como executar. (...) A gente

sabe aqui como é a Cohab, a construtora, no começo, fala que faz

aquilo, e aí chega no final, a construtora está desgastada, já pediu

mil aditamentos, e acaba que fica ruim. E a Cohab não consegue

acompanhar isso. Aí discutimos, para que então toda a estrutura da

Cohab, a final de contas, que só está aí para avaliar projeto,

contratar e acompanhar obra. Se não vai fazer isso, se vai depenar

de novo o projeto, para que serve a Cohab?”. (depoimento de Caio

Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, assessoria técnica

Peabiru).

Page 137: limites a produção da moradia social no centro de SP

136

relação inter-secretarial intra-governamental:

atomização setorial e falta de integração

Uma nova barreira ao eficiente funcionamento dos programas de HIS

no centro é a falta de um relacionamento e, conseqüentemente, de

ações integradas entre as diferentes secretarias de um mesmo nível

de governo. As pastas não se articulam para potencializar os

resultados e o alcance das políticas habitacionais, que muitas vezes

ficam fragilizadas por suas ações isoladas.

Podemos apontar, apenas como exemplo da existência desse limite,

que se mostrou presente nos quatro programas estudados, o

depoimento de Sidney Eusébio, liderança da ULC. Ele nos relata a

falta de integração entre as frentes de trabalho promovidas pelo

Governo do Estado, geridas pela Secretaria do Emprego e Relações

do Trabalho, e o Programa de Atuação em Cortiços, gerido pela

CDHU. Se os programas fossem integrados, certamente o nível de

inadimplência no pagamento das prestações das unidades

habitacionais não seria tão elevado81, pois as famílias não sofreriam

de desemprego e de salários baixos.

Reproduzimos abaixo dois trechos de depoimentos que tratam do

tema, como breve identificação de sua existência. São depoimentos

de Margareth Uemura, técnica da Cohab, e de Caio Amore, arquiteto

da assessoria técnica contratada para a realização do projeto

executivo dos edifícios da favela do gato.

Segundo Uemura, a ação inter-secretarial no programa de Locação

Social é um ‘modelo’ que deve ser seguido pela gestão de Marta 81 Os dados exatos da inadimplência nos empreendimentos do PAC não foram fornecidos pela CDHU, mas o depoimento de Sidney Eusébio, liderança da ULC, nos informou que ‘são altos’.

Suplicy na PMSP, mas que para sua efetivação tem enfrentado uma

série de ‘desafios’. Identificamos abaixo as dificuldades para sua

implementação.

O depoimento de Caio Amore recai sobre o mesmo programa, qual

acredita funcionar aquém de um trabalho inter-secretarial:

“A favela do gato, que é uma das primeiras áreas de locação social a

entrar em obra, tem uma especificidade de tratar a favela do gato

como um todo, não só a parte habitacional, então ela tem um terço

de área habitacional e os outros dois terços ocupados com outros

usos. E eu acho que o grande desafio da favela do gato é para a

gente conseguir fazer a área toda. (...) E a gente tem uma

dificuldade de gestão, porque a gente tem várias secretarias atuando

lá para se tornar esse projeto o modelo que a gente quer. Que é ter

habitação, área verde, a revitalização do espaço do CDM, que

queremos dar outro uso, e inserir aquela área no Bom Retiro, que é

outro desafio, e que a gente tem um projeto viário com a Siurb”.

(depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,

arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

“No gato, a Cohab está de um lado e Habi do outro. Uma faz o

projeto e a obra e a outra faz o social. O quê é essa integração? É

cada um fazer o seu papel, ou é pensar o problema junto? Cada

poderia trazer sua ótica, e fazer uma discussão disso, junto com a

população local. (...) Falou-se que o gato seria o plano inter-

secretarial, mas eu como projetista nunca participei de reuniões com

outras secretarias. (...) Parece que houve reuniões antes de

fazermos o projeto. (...) Deve-se qualificar o que é essa integração.

(...) Não há uma coordenação do projeto que seja integrada. Por

exemplo, ter reuniões periódicas dessa comissão, e transformar isso

Page 138: limites a produção da moradia social no centro de SP

137

em trabalho, mesmo”. (depoimento de Caio Amore, estudo de caso

favela do gato, arquiteto, assessoria técnica Peabiru).

O depoimento de Sassá, liderança dos moradores da favela do gato

exprime sua desconfiança em relação às ações intersecretariais de

geração de em prego e renda, prometidas pela PMSP:

“Eles [PMSP] falam que vão resolver o problema de trabalho, vão

fazer cooperativas. Mas como vai saber quanto vai ganhar isso aí, às

vezes vale mais a pena ser mesmo carroceiro. Mas como até agora é

tudo papo, a gente não sabe. A gente não sabe que emprego que

é”.(depoimento de Sassá, estudo de caso favela do gato, liderança

popular, morador da favela do gato).

bases de dados:

por onde e com quem começar? Para a organização e o embasamento das ações do poder público

faz-se necessária uma base de dados acerca da demanda por

moradia na região, dos imóveis encortiçados em que ela se

encontra, do valor dos imóveis e das condições de operação do

mercado, dentre outras informações. Segundo os depoimentos

coletados e a bibliografia visitada, a prática da organização de

dados pelos órgãos do poder público para intervenções habitacionais

tem se mostrado falha, ou até inexistente.

Nos programas estudados, a falta de dados não se apresentou como

uma barreira limitadora à produção da moradia social no centro,

devido à presença de problemas mais amplos e estruturais. Caso o

poder público dispusesse das bases de dados necessárias, não

teríamos uma significativa alteração da atual escala e qualidade de

produção. Se as barreiras mais centrais à produção deixarem de

existir, os efeitos da não existência de bases de dados poderiam ser

mais bem observados. O que ocorreria seria uma melhor aplicação

dos recursos públicos, a fim de potencializar sua aplicação, pois

desta forma os órgãos públicos poderiam planejar onde, quando,

com quem e como intervir.

Como identificado em outros itens, a falta de uma base de dados

não se trata de um limite estanque, mas de mais um dificultador,

que se não existisse facilitaria e potencializaria o alcance dos atuais

programas habitacionais.

Cada programa, segundo sua lógica de funcionamento necessita de

mais ou menos dados para a operacionalização de suas ações. Há

dados em falta, bem como dados em excesso. Segundo depoimentos

coletados há um mau planejamento acerca de quando e quais dados

são realmente essenciais à condução desses programas, pois:

“(...) não adianta ter uma grande base de dados, se não for ter

investimentos naquela área. Estamos pensando assim, onde formos

investir, é preciso conhecer melhor a área a se investir”.

(depoimento de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato,

engenheiro civil, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).

Page 139: limites a produção da moradia social no centro de SP

138

“Eu acho que é importante ter base de dados, agora eu acho que tem

horas não vale a pena. A realidade do centro é dinâmica, então não

adianta você ter levantamentos muito detalhados, num determinado

momento. Acaba se gastando muito em levantamentos, e depois não

os mantém”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso favela do

gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

“Falta uma discussão um pouco mais séria de qual a base que se

precisa. Por que senão vai sempre justificando: ‘não fazer por que

não tem uma base’. O Morar Perto foi um pouco isso: ‘antes vamos

fazer um levantamento’, aí demorou dois anos para contratar os

levantamentos, para ter uma base que no final do levantamento já

está desatualizado, por que a dinâmica do mercado imobiliário é

louca. Aí chega no final e fala: ‘ah, essa base já não funciona, então

vamos fazer de novo’. Então ficaremos só fazendo bases de

levantamento e não se atua no programa. Falta uma discussão mais

qualitativa, sobre qual base de dados de cortiços seria estratégica

para as intervenções nos cortiços”. (depoimento de Caio Amore,

estudo de caso favela do gato, arquiteto, assessoria técnica Peabiru).

Segundo Joel Felipe, o Funaps Comunitário, em sua atuação na

região central através do Programa de Habitações da Região Central

de São Paulo, não dispunha de dados precisos acerca das carências e

potencialidades da região. Quando eles começaram a ser tratados

com maior cuidado, não puderam mais ser utilizados, devido a

mudança de gestão, como vimos na seção limites da política formal,

seção o tempo da política: períodos das gestões, calendário eleitoral

e o apagar da história adversária.

É certo que, como já comentado acima, se a PMSP dispusesse de

mais dados os resultados do programa não sofreriam significativa

alteração:

“Não [não havia uma base de dados]. Quase no final do governo, se

não me engano, foi contratada por HABI uma consultoria de Maura

Veras Pardini (PUC-SP) para o trabalho sobre dados do IBGE para a

definição do déficit de moradias em cortiço. Mas acho que já não foi

utilizado para nada”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto, estudo

de caso Madre de Deus, assessoria técnica AD).

O programa PAC, da Cdhu, dispõe de levantamento socioeconômico

das famílias moradoras em cortiços e físico, dos imóveis em que

habitam, realizado pela fundação Sead, em 2000. Esses dados foram

coletados nos setores básicos de intervenção, divisão territorial que

organiza o programa. O programa não dispõe de dados sobre o

mercado imobiliário suficientes para a aquisição dos imóveis, como

relatado por integrantes dos movimentos de moradia do centro em

reuniões da coordenação da UMM.

A CEF dispõe de dados pontuais acerca do mercado imobiliário de

locação da região, pois suas agencias estão em parte localizadas em

imóveis alugados. Outras informações são normalmente adquiridas

através de consultorias específicas, também pontuais.

Os banco de dados da Cohab, órgão executor do programa de

locação social está em fase de construção, e atualmente tem se

utilizado de dados produzidos por entidades privadas. Segundo

Page 140: limites a produção da moradia social no centro de SP

139

Margareth Uemura, a PMSP pretende organizar um ‘observatório’ do

mercado imobiliário da região, mas que atualmente encontra-se em

fase de projeto.

“Não [há uma base de dados]. Na verdade essa base [de dados] está

sendo construída. Acho que tem um avanço em organização de dados

no centro, que o pró-centro já vem fazendo há algum tempo. Hoje, a

COHAB conta com uns dados que estamos recolhendo via alguns

organismos como o SECOVI, CRECI, que estão se dispondo a abrir

esses dados. Uns dos projetos do Pró-Centro é ter um observatório.

Então os dados hoje estão em montagem, servem para uma análise,

uma discussão, mas não é ainda o que se deseja. A falta desse

observatório é um nó. É um nó”. (depoimento de Margareth Uemura,

arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

estoque de terras:

não há uma política fundiária favorável

Muitas vezes uma política de terras é reivindicada pelos movimentos

de moradia, e é tida como inexistente. Partimos do pressuposto que

atualmente há uma política de terras em implementação pelos

poderes públicos, mas que não tem se mostrado favorável à

produção da moradia social no centro. Vejamos como se dá essa

política, de forma breve:

“A dificuldade hoje é não ter um banco de terras”. (depoimento de

Luiz Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus,

integrante da ULC).

“O governo não tem um banco de terras, não tem áreas próprias, ou

de imóveis no centro, pois depois os custos recaem sobre as costas

das famílias”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de

caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).

Os depoimentos acima reproduzidos identificam a falta de um

planejamento por parte do poder público no que se refere à

consolidação de um banco de terras, ou um estoque público no

centro que subsidie as ações dos programas habitacionais.

Historicamente os estoques de terra para as políticas públicas de

habitação têm se localizado nas franjas da cidade, nas distantes

periferias, como vimos na seção limites ideológico – culturais, item

pré-coceito e discriminação, escala urbana: a segregação sócio-

espacial.

A consolidação de um estoque de terras públicas no centro é

necessária para que a escala da produção habitacional passe das

intervenções pontuais a uma produção massiva. Devido a questões já

tratadas nos limites da política formal, como o pouco empenho de

recursos para a implementação dos programas, a não realização de

um estoque de terras resulta em entraves estruturais nos programas

habitacionais, que sofrem de falta da matéria prima essencial para a

produção das unidades: terra.

O Programa de Habitações da Região Central de São Paulo, da PMSP

gestão Luíza Erundina, sinalizou algumas ações que levariam a

criação do que poderia se chamar de um estoque de terras, mas que

foi limitado por sua escala, pequena:

Page 141: limites a produção da moradia social no centro de SP

140

“Timidamente, havia um estoque de terras, através do Sub-programa

de Cortiços. Foi criada uma linha que destinava recursos

diretamente a Associações de Moradores de cortiços para a aquisição

dos imóveis onde moravam para a reforma ou produção habitacional.

Acho que foram somente 5 ou 6 terrenos bem pequenos (em torno de

1.000 m²)”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto, estudo de caso

Madre de Deus, assessoria técnica AD).

A CEF tem até então efetuado apenas a compra dos imóveis

destinados ao PAR, não realizando um estoque prévio, capaz de

interferir nos preços do mercado da região. Além de, por lei, ser

obrigada a efetuar as transações imobiliárias segundo os preços

estabelecidos pelo mercado. Portanto, se o mercado trabalha com

valores irreais, como visto na seção limites ideológico-culturais,

item especulação e ‘entesouramento’: influências de um sistema

econômico, a CEF tem de segui-los.

A arquiteta Lia Ferreira, técnica da CDHU, nos informou que para a

produção das 5.000 unidades da primeira etapa do PAC, a companhia

está desapropriando imóveis na região, mas não dispunha da

quantidade e o valor específico das desapropriações e nem de sua

localização. Não encontramos dados que nos indiquem ou não a

realização de um estoque de terras pelo Governo do Estado. Temos

aí uma lacuna de informações para que possamos classificar com

segurança a não realização de estoques de terras públicas como um

limite geral a todos os programas. Estamos certos que tais dados

seriam necessários para estudos mais detalhados e aprofundados, o

que não é o caso da presente pesquisa. Desta forma identificamos e

classificamos o limite em questão como geral a todos os programas,

segundo os depoimentos das lideranças dos movimentos populares

logo acima reproduzidos, e a falta de informações acerca da

realização de um estoque de terras pela CDHU, ou seja, pelo

Governo do Estado, gestão de Geraldo Alckmin.

As entrevistas realizadas com técnicos da PMSP nos informaram que

a atual gestão não pretende realizar uma política de estoque de

terras específica do centro. Há uma política geral, para toda a

cidade. Normalmente assim é feito, e quando comparados os valores

dos imóveis, por toda a cidade, normalmente o poder público opta

pela compra da terra aparentemente mais barata, na periferia,

como vimos na seção limites ideológico-culturais, item preconceito

e discrimnação, escala urbana: a segregação sócio espacial.

O depoimento de Margareth Uemura, arquiteta da Cohab, é que nos

informa da situação:

“Não, não chega a ser uma política de estoque. Não, não chega a ser

mesmo por que não tem recurso pra isso. A COHAB tem uma política

de estoque de terra, por que a COHAB agora não tem mais estoque.

Tem uma política de estoque de terras, mas ela é ampla, geral e

irrestrita. Pra cidade toda, ninguém diz que é pro centro. O projeto

do centro não tem uma política de estoque. O que a gente tem feito,

é usando o que tem de informação organizada pelo pró-centro, e as

informações que recebemos via movimento, ou via CRECI, ou via

quem for; estamos tentando montar os potenciais. Tendo o

orçamento, a idéia é ir negociando. Como esses processos são longos,

hoje nós temos 1.600 unidades no programa de locação social. Agora,

Page 142: limites a produção da moradia social no centro de SP

141

a primeira pesquisa é dentro da prefeitura, sobre os terrenos

municipais, pra não ter despesa na compra da área.” (depoimento de

Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP,

Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

Segundo Helena Silva, vice-presidente do Pró Centro, a criação de

um estoque de terras no centro seria fundamental para os programas

habitacionais do centro, pois ‘com a valorização imobiliária que está

aí’, a produção de HIS num médio prazo vai ser inviabilizada.

Silva também comenta a impossibilidade da realização de um

estoque através do PAR - CEF, bem como dos problemas causados

pelas ocupações dos movimentos populares, que muitas vezes

ocupam imóveis que seriam destinados para uma renda maior,

atropelando o planejamento do poder público. É interessante notar

a transferência da responsabilidade pela produção pontual de

unidades para os movimentos populares em vez do próprio poder

público:

“Para mim essas duas coisas seriam essenciais. Uma política

fundiária, que se compõe de instrumentos adequados,

operacionalização muito mais eficiente e recursos específicos para a

política fundiária. (...) Eu tenho falado muito do problema do

estoque, do estoque. Agora, para você pensar numa produção de

larga escala, que vai dialogar com o processo de revalorização que já

está aí, e vai ser muito maior, você tinha que estar realmente

mobilizando recursos em estoque de habitações. Agora, neste

momento, nós não temos linhas de recursos, de financiamento para

fazer estoque. Por exemplo, o PAR não pode fazer estoque. O PAR só

pode negociar o prédio no final da linha. Quer dizer, quando você já

está com tudo fechado, projeto aprovado, proprietário e etc. Então

o PAR, do ponto de vista da relação com a valorização imobiliária ele

é a pior coisa possível. Ele é um programa que tem muito dinheiro, e

não consegue, não vai conseguir fazer um programa de larga escala,

por que ele está sendo atropelado pela valorização imobiliária.

Agora, o problema do estoque também, ele dependeria de um acordo

com o movimento social muito claro em relação a isso. Da maneira

que nós estamos atuando hoje, que é o meu projeto e meu projeto...

Quer dizer, você não consegue trabalhar, você só vai conseguir

discutir o problema do estoque numa discussão mais ampla com o

movimento popular, do quê que é programa de curto prazo. Que

parcela investir no estoque. Por que se você investe mais no

estoque, você tem menos para a produção. Como dialogar com a

questão do médio prazo, com a questão dos compromissos, e que o

estoque não seja, não entre também na linha de ‘bom vamos ocupar

o estoque enquanto ninguém faz nada’. Se a gente não tiver o

mínimo de lógica de planejamento na região central, de gestão, e

dos atores todos entendendo. Os financiadores, os promotores, o

pessoal do projeto e da produção, e os movimentos sociais se

entendendo sobre isso, vai ser muito difícil passar da situação de

projetos pontuais. Essa questão do projeto pontual, nós já tínhamos

apontado naquele seminário de 2000. A gente já tinha falado muito

sobre isso, que os da Luíza Erundina tinham sido pontuais. Eu receio

que realmente a gente continue com coisas pontuais com o PAR, se a

gente não conseguir definir essas questões maiores”. (depoimento de

Helena Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab –

Pró centro, gestão Marta Suplicy).

O depoimento de Caio Amore, arquiteto da assessoria técnica

Peabiru confirma a política da PMSP de não direcionar recursos para

Page 143: limites a produção da moradia social no centro de SP

142

a consolidação de um estoque de terras na região central, e é crítico

quanto a isso:

“(...) Pois como que a reforma urbana é vista, como que é tratada a

política para áreas públicas, tanto de consolidação de um estoque de

terras, quanto as que já tem, como que se trata tudo isso, é um

problema. (...) Uma política de estoque mesmo, eu não conheço.

Parece que os hotéis, hoje de moradia provisória, parece que

poderão possivelmente ser requalificados, com recursos públicos,

caixa ou CDHU. É aquela história, a PMSP tem construído essa

política sem recursos próprios, só articulando recursos externos”

(depoimento de Caio Amore, arquiteto, estudo de caso favela do

gato, assessoria técnica Peabiru).

Page 144: limites a produção da moradia social no centro de SP

143

4.1.4.1.6 limites arquitetônicos

“Nossos projetistas,

ao invés de aumentar o banheiro,

querem diminuir o nenê!”

Suzana Pasternak82,

Apresentamos abaixo os limites arquitetônicos à moradia social no

centro de São Paulo. O fazemos por último dentre os limites gerais a

todos os programas, pois observamos que o projeto arquitetônico é

decorrente de todos os limites anteriormente identificados. Trata-se

da materialização possível aglutinadora de todas as dificuldades

mapeadas. O projeto de arquitetura sozinho não tem o poder de

‘milagrosamente’ resolver a falta de qualidade e a insuficiência

quantitativa das moradias populares no centro. Necessariamente, os

diversos limites visitados, de ideológicos a legais, de políticos a

profissionais, irão imprimir, cada um deles, uma condicionante

plástica aos projetos de arquitetura.

Por exemplo, o limite da renda baixa das famílias incide sobre a

obrigatoriedade de edificação de unidades de baixo custo, o que,

segundo os limites ideológicos vigentes significa casas de pouca

área, com materiais de baixa qualidade, e localizadas em terrenos

de implantação desfavorável.

Temos novamente, um ‘limite dependente’.

82in: relatório do encontro “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”. Lab Hab Fau Usp, 2000:45)

casas de baixo custo:

apertadas, mal iluminadas e superadensadas Há uma dificuldade enorme entre os arquitetos em projetar

moradias que arquitetonicamente imprimam uma qualidade de vida

necessária para uma vida saudável diante de todas as condições

limitantes à produção da moradia social no centro. São casas

pequenas, sem dependências básicas, como área para secar roupas,

sem ventilação e iluminação suficientes.

Se as famílias que habitam as unidades aqui estudadas, tivessem a

possibilidade de habitar em outro lugar certamente já teriam o

teriam feito. Mas como é de se imaginar, a necessidade as obriga a

habitar em tais condições. Desta forma, consideramos os projetos

arquitetônicos estudados, idealizados para as famílias de baixa

renda, como a materialização do limite por hora abordado.

Os apartamentos abordados nos estudos de caso não são moradias

‘de qualidade’, não ‘resolvem’ a produção da moradia colocada no

objetivo da presente pesquisa: identificar os limites à produção da

moradia social no centro, em quantidade e qualidade necessárias

para as famílias de baixa renda.

A característica dos projetos de arquitetura é a materializar as

condições impostas à sua realização. Portanto, se mantidos todos os

limites, barreiras, problemas e dificuldades à produção da moradia

social no centro, o tipo de moradia que buscamos não se fará

possível. Trata-se de um conjunto de questões, que se encontram

intrinsecamente amarradas e inter relacionadas.

Page 145: limites a produção da moradia social no centro de SP

144

Observemos os relatos:

Reproduzimos abaixo trechos dos depoimentos de Luiz Cavalcanti e

Gegê, lideranças de movimentos populares de luta por terra e

moradia que acompanharam o desenvolvimento dos projetos:

“Para algumas famílias não foi de acordo [o tamanho da unidade],

aceitou por que não tinha outra opção, mas pela quantidade de

filhos, não dá, tem uns aí que tem cinco seis filhos, então realmente

não dá, é pequeno. (...) Tem família aqui que tem oito filhos, oito

filhos num apartamento desse aqui, como é que fica? Não dá. (...)

Mas comparando como era antes no cortiço, aí mudou para esse

espaço aqui e ficou melhor”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,

liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da

ULC).

“A discussão era: ou a gente fazia até R$ 20.000,00 para dar certo83,

ou fazia mais de 20.000,00 para não dar certo. A gente discutiu isso,

metragem e valor. (...) Qualquer reforma, haverá imposições da

estrutura, diferente da construção nova, não tem como mexer na

estrutura do prédio. Não tem como deixar tudo do mesmo tamanho.

Isso é uma questão para o movimento, que aceita ou não o projeto,

não é o arquiteto, não é a assessoria que tem de ser responsável por

isso. As assessorias cumprem com um papel importantíssimo,

fundamental, mas com limites. O projeto arquitetônico passa pela

política do movimento. Apesar de estar aquém do ideal, muito

aquém do ideal”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de

caso Riskalah Jorge, integrante do MMC). 83 Na época da realização do projeto o limite de custos por unidade do PAR era de R$20.000,00.

As áreas de serviço das unidades são pequenas, e às vezes até

inexistentes, como verificamos no edifício Riskalah Jorge:

“O único problema que eu vejo ali, que o pessoal vai ter que ser bem

educado, é que por ser muito pequena a área de serviço, é o pessoal

não ficar pendurando toalha na fachada do prédio. Isso eu acho que

é uma coisa que vai ficar deplorável se o pessoal não tiver uma

educação, não começar a doutrinar. O único problema do centro que

eu vejo é esse, de o prédio ficar muito fantasiado na parte de fora,

com roupa, toalha. Isso que vai pegar, pois a área de lavanderia é

muito restrita”.(depoimento de Kennedy, engenheiro, estudo de caso

Riskalah Jorge, Cury Empreendimentos Imobiliários).

interior de apartamento de aproximadamente 28 m²,

Page 146: limites a produção da moradia social no centro de SP

145

edifício Riskalah Jorge: PAR – CEF.

O mesmo edifício apresentou problemas sérios de iluminação nas

unidades voltadas para o interior da quadra. O imóvel teve seus

apartamentos divididos em diversas unidades menores, sendo que

algumas delas ficaram com a área antes utilizada como área de

serviço. O depoimento do engenheiro responsável pela obra de

reforma do edifício nos indica a ‘fatalidade’:

“Sobre os apartamentos escuros? Isso não tem nem que discutir

muito é a sorte do cara que pegar esse apartamento para morar,

(...) o problema é a luminosidade, que tem alguns que é muito

falha, né? Mas nada inabitável, dá para viver tranqüilamente desse

jeito, por ser um prédio alto, ele ventila bem, então não tem

problema de mofo e essas coisas”. (depoimento de Kennedy,

engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury Empreendimentos

Imobiliários).

janela da sala de uma unidade ‘dos fundos’, Riskalah Jorge.

Para as famílias moradoras da favela do gato, outro

descontentamento é a tipologia adensada em blocos de

apartamentos que desagradam os anseios das famílias. Sassá,

liderança das famílias é que faz essa consideração:

“Já imaginou num terrenão desse, se fossem casinhas, e cada um

pagando trinta ou quarenta anos, a gente estaria de bom tamanho.

Aí seria a revitalização do Centro. Sem exclusão social. Ia gastar

menos e o pessoal ficava mais animado”. (depoimento de Sassá,

liderança popular, estudo de caso favela do gato, morador da favela

do Gato).

Passaremos agora a discorrer sobre os limites identificados na

produção da moradia social no centro apenas em alguns programas

habitacionais. Ou seja, aqueles que foram identificados desta forma

não são consideramos ‘estruturais’, ou gerais a toda a produção de

HIS no centro.

Page 147: limites a produção da moradia social no centro de SP

146

4.1.4.2 limites aos programas habitacionais específicos

Neste grupo de limites apresentaremos os limites ou barreiras

identificados em programas habitacionais específicos. Trata-se de

um grupo de questões inerentes a um ou mais programas, e que não

constituem uma barreira sistêmica ou universal. São problemas

pontuais, que certamente poderiam ser minorados, ou até

eliminados se alteradas as práticas que levam a estas condições. Ou

seja, se um dos quatro programas não apresentou este limite, é

certo que os programas que o manifestaram poderiam ao menos

‘aprender’ com os que não o apresentaram.

4.1.4.2.1 limites ideológico - culturais específicos

especulação produtiva:

normalidade da exploração do operário da construção

“Acredito ser de fundamental importância que a população possa exercer cada vez

mais,

e muito de perto, o gerenciamento de qualquer projeto que lhe diga respeito.

Sem dúvida esse é o grande exercício da cidadania,

normalmente praticado apenas por alguns setores sociais,

que dispõe de espaços de manifestação reconhecidos

e que conseguem influir mais diretamente nas decisões do Estado” .

(Reginaldo Ronconi84).

Novamente discorremos sobre as dificuldades impostas aos

programas habitacionais originárias na esfera da ideologia e da

cultura. Na produção das unidades habitacionais, há uma idéia que

beira o senso comum em nossa cultura construtiva, trata-se da

forma de construção das moradias em estudo. Esta idéia, ou

ideologia nos afirma que os empreendimentos habitacionais devam

ser realizados por empresas construtoras. Seu modo de produção,

muitas vezes imbuído por anseios especulativos, de gerar lucro e

renda a partir da edificação de uma unidade habitacional, resulta

em unidades habitacionais 20% mais caras (no mínimo) do que as

produzidas em autogestão85. Este ‘sobrecusto’, ou lucro, tem muitas

vezes impossibilitado o acesso às unidades pelas famílias de renda

mais baixa.

O depoimento de Gegê, liderança do MMC, é esclarecedor quanto à

posição do movimento em que atua frente ao funcionamento das

empresas construtoras:

“O problema é que ainda há um setor da sociedade que se beneficia

com o Programa, e não é quem vai morar. Quem é esse setor? São as

84 in: “Habitações construídas com gerenciamento pelos usuários com organização da força de trabalho em regime de mutirão”. 1995:53. 85 Para uma melhor apreensão das obras realizadas em autogestão na cidade de São Paulo, visitar: Ronconi, “Habitações construídas com gerenciamento pelos usuários com organização da força de trabalho em regime de mutirão”. 1995. e Comaru, “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”, 1998.

Page 148: limites a produção da moradia social no centro de SP

147

empreiteiras. Enquanto continuar esta lógica de que quem tem que

construir o PAR, são as empresas gericada86 pela CEF, o cartel das

empreiteiras continuará ativo. Isso pode não ser intenção da CEF,

mas desta forma, ele se mantém. (...) Sem pensar no lucro, eu

poderia chamar um amigo aqui para fazer a reforma daqui do

ouvidor. Apesar de entendermos por que a CEF faz isso. Mas de

qualquer modo um incentivo às pequenas empresas deveria existir.

(...) Poderia ser em autogestão, que para mim significa o homem

controlando o dinheiro, sem pensar no lucro. Pensou no lucro, deixou

de ser autogestão. Já virou um empreendimento imobiliário

qualquer. Parte do dinheiro deveria também servir para a formação

político - ideológica da população, lazer, direito à vida”.

(depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso Riskalah

Jorge, integrante do MMC).

Além de ‘se beneficiarem’ dos programas as obras realizadas por

empreiteiras tem apresentado qualidade inferior àquelas

gerenciadas através da autogestão. Verônica Krol, do Fórum dos

Cortiços, participante de obras autogeridas, nos coloca as diferenças

qualitativas entre os modos de produção:

“A construtora, ela não faz de uma boa qualidade, (...) eu acredito

que tanto na Pirineus, como na Maria Paula, se nós tivéssemos a

86

Empresa ‘gericada’, ou que ‘tem geric’, é aquela que preenche requisitos de ‘risco de crédito’ da CEF. Ou seja, são empresas que possuem um capital suficientemente grande e outras ‘seguranças’, para que a CEF não corra ‘riscos’ no decorrer das obras (por exemplo, a empresa falir, ou simplesmente não conseguir honrar os contratos com a CEF). Geric vem de ‘gerência de riscos de crédito’, setor da CEF que emite os certificados de que a construtora pode participar de licitações realizadas pelo banco.

autogestão, seria feito com melhor qualidade. Claro que ficou

bonito, mas aqui, ali deu umas escorregadas, que não era o que a

gente queria que tivesse feito. Como é pela construtora, qualquer

coisinha ela está aditando. Como nós acompanhamos de perto, a

gente queria saber por quê esse aditamento, questionava. Mas, se

deixava liberado, eles fazem aditamento, e quando você vai ver,

ficou num custo muito alto. (...) A Maria Paula, mesmo no PAR, nós

discutimos o projeto. E quando não estava a coisa bem feita, no

projeto (...) Então eu sempre brigo com o Dr. Paulo [CEF], que se nós

tivéssemos o dinheiro na mão, nós tínhamos terminado o prédio em

muito melhor qualidade que está, e não tinha gastado os R$

800.000,00 com aquela reforma, com certeza. Então tem essa

diferença, da autogestão para a construtora. A construtora visa o

lucro dela. O quanto que ela vai ganhar por metro cúbico de

concreto, eu vi muito claro essa diferença”. (depoimento de

Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum de Cortiços).

A falta de qualidade, indicada por Verônica, e de cuidado com a

escolha dos materiais nas obras realizadas por empreiteiras não tem

ocorrido nas obras por autogestão, como constatou Reginaldo

Ronconi, em sua dissertação de mestrado, para a Escola de

Engenharia de São Carlos:

“Nesses projetos [mutirão do Funaps] foram empregados materiais

que tradicionalmente não são utilizados em projetos para essa

população, ou por ela, seja por que as construtoras em busca da

ampliação dos lucros e fiscalizadas precariamente pelo

empreendedor (geralmente público) empregam material de péssima

qualidade, seja por que a população, quando pratica a auto-

construção, dificilmente encontra no comércio da periferia, material

Page 149: limites a produção da moradia social no centro de SP

148

normatizado e de boa qualidade, para todas as etapas da obra”.

(Reginaldo Ronconi, “Habitações construídas com gerenciamento

pelos usuários com organização da força de trabalho em regime de

mutirão”. 1995:135).

Outra diferença é o menor desperdício de material na obras de

autogestão. O que repercute diretamente em seu custo final:

“Essa é uma coisa importante da auto-gestão: se incorpora por um

lado uma vantagem que é do capitalismo, da iniciativa, do benefício

pessoal e ao mesmo tempo está beneficiando uma produção social,

uma produção apropriada pelo trabalhador e pelo consumidor. E aí

vem todos os outros ganhos: a redução do desperdício que pode

acontecer numa obra desse tipo, que precisa ser melhor

quantificada. Uma coisa é um trabalhador de numa empresa, se ele

não desperdiçar a massa, se ele quebrara menos bloco, se ele não

deixar a areia escorrer quando chove, etc. a vantagem é do patrão;

outra coisa é a vantagem ser dele por que ele também o beneficiário

daquela produção. Essa é uma coisa fundamental: a não alienação do

trabalhador em relação ao produto do trabalho, a questão do

desperdício, a questão da qualidade”. (depoimento de Nabil Bonduki,

in: Ronconi, “Habitações construídas com gerenciamento pelos usuários com organização da força de trabalho em regime de mutirão”. 1995:254).

A diferença de custo entre as obras em autogestão e empreiteira

gira em média entre 20 a 40%. O exemplo destacado pela arquiteta

Isabel Cabral, no projeto Pirineus, pelo PAC – CDHU, nos dá um valor

de 27%, como se pode ver:

“O terreno custou 175 mil reais, a construção estava me 17.000 reais

por unidade, em mutirão, hoje eu sei que está em torno de 23.000 a

unidade, por construtora. (...) Eles devem ter dado de BDI em torno

de 17 a 15%, bem baixo, pois queriam ter cadastro, foi oportuno

para eles”. (depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria

técnica Ambiente).

Já no caso estudado por Francisco Comaru em sua dissertação de

mestrado que aborda o mutirão Celso Garcia, pertencente ao mesmo

programa habitacional do mutirão Madre de Deus, na gestão de

Luíza Erundina na PMSP, podemos notar a economia gerada pela mão

de obra mutirante. Este valor é de 10,33% do custo global do

empreendimento, calculados pelo custo médio da mão de obra

aplicada pelas famílias, sem compararmos com os acréscimos de BDI

das construtoras:

“Como aspecto específico das obras realizadas através do sistema de

mutirão, devemos destacar a “economia” realizada pela mão de obra

mutirante. Esta economia tem influência direta nas contas públicas

voltadas à produção habitacional. Computando todas as horas

trabalhadas durante a construção dos edifícios, e dando-lhes um

“valor de mercado”, como pago nas obras de construção civil, e

retirando-lhe 20% de seu valor, devido à sua produtividade

relativamente mais baixa, encontra-se o valor de US$ 283.067,71, se

o valor de cada hora custar US$ 2,26. Dividindo o valor total pelo

número de famílias, cada uma contribuiu com US$ 1.583,81 para a

construção de sua casa. Esse valor, considerado “não pago” pela

PMSP, representa 14,91% do custo de construção, ou 10,33% do custo

global do empreendimento (incluindo terreno). Certamente, se

realizadas as obras por empreiteiras, as unidades teriam um custo

Page 150: limites a produção da moradia social no centro de SP

149

mais alto. Para aferir a produtividade da mão de obra (incluindo a

contratada), de maneira comparativa com as médias realizadas nas

obras realizadas por construtoras, chega-se aos valores de 34h/m2

no mutirão e 37h/m2 nas obras tradicionais. Os custos finais da obra

apresentam valores próximos aos realizados em obras da CDHU

localizados na periferia. O valor de construção e do terreno por m²

foi de US$ 310,14”. (Francisco Comaru, “Intervenção Habitacional em

cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”, 1998).

O ‘BDI das construtoras’, acima mencionado significa ‘Bonificação e

Despesas Indiretas’, que incute no valor da obra uma porcentagem

voltada para custos diversos e principalmente, o lucro das empresas.

Wagner Germano, técnico da Cohab nos exemplifica seu cálculo e

sua lógica de funcionamento nas licitações públicas da Cohab:

“No gato, quando fizemos o orçamento chegamos num valor da

unidade, e a Cohab fala: ‘põe 25% de BDI’, então aumenta em ¼ o

valor da unidade para a licitação. Na licitação, a empreiteira vai

baixar um pouco esses preços, pois a base utilizada para orçamento é

feita, sobretudo sobre valores unitários de tabela, pois eles

negociam esses valores em escala, e com garantia de fornecimento.

Então nessas negociações, item por item, eles conseguem baixar

bastante. Enquanto que a Cohab parte dos valores unitários e 25% de

BDI. A empreiteira consegue baixar isso e capitaliza os recursos, é o

lucro, né? E se comparar com o mutirão, se eles conseguirem algum

desconto no valor dos materiais, ou se reverte isso na qualidade da

moradia, ou o mutirão pode optar por devolver os recursos,

barateando o valor a ser pago pelas unidades. Então essa história do

BDI vira uma caixa preta mesmo. Ninguém sabe o que é Benefício de

Despesas Indiretas, que pode ser qualquer coisa, eles põem tudo lá”.

(depoimento de Wagner Germano, arquiteto, estudo de caso favela

do gato, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão

Marta Suplicy).

Nas palavras de Cláudio Bernardes, empresário da construção civil,

podemos notar a diferença de 20% entre o custo real das unidades e

valor de sua colocação para o mercado pela empresa que é

proprietário, na compra, reforma e venda de um edifício na região

central de São Paulo:

“O custo da compra e reforma de cada unidade foi de R$ 40.000,00

em média, já sua venda foi de R$ 50.000,00 em média, em sua

maioria financiados individualmente pela CEF, com prazo de

pagamento em torno de 20 anos, e prestações máximas de R$ 140,00.

O custo da reforma foi de R$ 118,00 o metro quadrado”. (Cláudio

Bernardes, diretor do secovi, in: “relatório do encontro: Habitação

no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”. Lab Hab Fau

Usp, 2000).

As obras, quando realizadas em autogestão, são acompanhadas por

escritórios de assessoria técnica aos movimentos de moradia,

entidades sem fins lucrativos contratadas pelas associações

responsáveis pelas obras. O depoimento de Ronconi nos elucida a

existência de preconceitos ideológico - culturais contras essas

entidades, configurando a raiz do limite em abordagem:

“As assessorias técnicas tinham que enfrentar uma cultura

estabelecida de projeto, uma cultura estabelecida de relações

comerciais, uma cultura estabelecida de relações técnicas, com Crea

Page 151: limites a produção da moradia social no centro de SP

150

e etc... (...) Nessa história, a assessoria precisava de assistente

social, advogado, às vezes de biólogo, era uma composição

interdisciplinar muito múltipla”. (depoimento de Reginaldo Ronconi,

arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps

Comunitário, gestão Luíza Erundina).

O programa habitacional que, segundo seus princípios iniciais de

funcionamento, não suportaria obras autogeridas seria o de locação

social, pois o imóvel construído é de propriedade do estado, como

aponta Wagner Germano:

“Há o impedimento para a autogestão, por que o proprietário é o

estado, não é o cara que vai morar lá. (...) Para possibilitar o

programa de LS, temos de fazer primeiro o ‘arroz com feijão’, que é

isso, o estado vai ser proprietário, é gestor dessa encrenca, ele tem

que produzir e oferecer o imóvel para a população interessada, de

baixa renda, que precisa morar no centro. Depois de realizadas as

primeiras ações, aí serão discutidas outras alternativas. Que possam

até aumentar o número de unidades”. (depoimento de Wagner

Germano, arquiteto, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –

Cohab, gestão Marta Suplicy).

o sonho da casa própria:

por que pagar por aquilo que não é meu?

Desde os anos de governo ditatorial no Brasil é presente o discurso,

ou a idéia, de que em nossas vidas devemos necessariamente

realizar um sonho: morar em nossa ‘casa própria’.

Inseridos na lógica da cidade capitalista, ao observarmos os valores

dos imóveis na região central e a renda da população alvo dos

programas, chegamos a uma conta que ‘não fecha’, como já

abordado na seção limites da economia política. Diante desta

‘equação aberta’, torna-se necessária a inserção do fator ‘poder

público’, que insere recursos próprios, ou subsídios (das formas mais

variadas), na produção destas unidades habitacionais.

A partir dos estudos dos programas habitacionais de HIS no centro,

nos deparamos com deferentes formas de enfrentamento da questão

do subsídio e da propriedade dos imóveis. Foram identificadas

diferentes barreiras, de maior ou menos intensidade, em cada

programa.

Antes de apresentar as barreiras identificadas, observemos de forma

bastante breve algumas questões que permeiam o tema.

A questão da propriedade das unidades habitacionais é alvo de

controvérsias ideológicas profundas. Há setores que defendem que a

propriedade dos imóveis deva ser estatal, compreendendo que a

moradia é um direito universal, portanto deveria ser tratada como

mais um dos serviços públicos básicos à sobrevivência humana, como

educação e saúde. Esta idéia foi, e ainda é, muito combatida

durante os governos ditatoriais no Brasil, pois consideravam essa

prática no mínimo inoportuna à sociedade:

“Era la época del trinunfo de la revollución cubana [anos sessenta] y

de los moviminetos de esquerda em Latinoamérica. La influencia de

la Alianza para el progresso, favoreció que los programas se

orientaram a la vivienda en propriedad, y dejaram fuera a los de

Page 152: limites a produção da moradia social no centro de SP

151

vivienda en alquiler por considerar-los ideológicamente perigosos”.

(Audefroy Jr, “Vivir em los centros históricos”, 1999:14).

Diante do pouco espaço que dispomos para a apreciação da histórica

imposição ideológica do ‘sonho da casa própria’, limitaremos-nos

apenas a seguir os objetivos iniciais da presente pesquisa, que busca

identificar os limites à produção da moradia social, certos que este

trabalho se trata de uma pesquisa de base, e de que haverá outros

momentos e indivíduos que poderão realizar essa importante

‘conversa’ com o merecido cuidado. Desta forma, apontamos abaixo

trechos bibliográficos e de depoimentos coletados demonstrativos

das diferentes conseqüências de cada modelo de propriedade

adotado.

No programa Funaps Comunitário, da PMSP, gestão Luíza Erundina,

houve um intenso debate sobre o modelo de propriedade a ser

adotado pelo programa. A forma encontrada foi a concessão de um

‘termo de permissão de uso’ provisório às famílias, devido a

questões legais pela demora para a regularização do imóvel,

desapropriado pela PMSP, segundo Cláudio Manetti:

“Outra coisa importante, que não conseguiu se fazer, conseguir ter

clareza, de quem era dono de quê. Tinha uma corrente que achava

que as habitações públicas deveriam ser como equipamentos, já que

há uma alta rotatividade de famílias, isso não era de ninguém, era

público, você tinha um gestor público, (...) Tinha gente que achava

que deveria vender mesmo, tinha gente que achava que não era uma

coisa e nem outra. Pela figura de Habi e pela própria desapropriação

[do terreno], foi a tal da permissão de uso, por tantos anos, não deu

para desafetar”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo

de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).

Devido à interrupção do programa pelas duas gestões conseguintes,

o modelo de propriedade dos imóveis ainda é alvo de debates entre

a PMSP e os movimentos de moradia, como nos apresenta Luiz

Cavalcanti, liderança da ULC:

“Aqui mesmo, isso [barreira do enquadramento financeiro das

pessoas] se dá aqui no caso do Madre de Deus, (...) hoje nós estamos

discutindo a questão do contrato, e é a dificuldade que nós estamos

enfrentando. Pois quando nós entramos aqui era de zero até cinco

salários mínimos, isso era o que nós sabíamos desde o início do

governo de 89 a 91, e essa era a política. Quando chegou agora, eles

descartaram quem ganha de zero a três salários mínimos. Só estão

considerando a renda familiar de três salários mínimos para cima. E

o que acontece com aqueles que ganham menos? Esse apartamento

que a gente fez, é nosso, por que nós construímos, foi com dinheiro

público, mas ele é nosso, por que nós fizemos em mutirão. É claro

que a gente vai pagar, o dinheiro que entrou a gente vai pagar para

a prefeitura, que é um dever nosso pagar. Só que para aqueles que

tem renda maior que três eles consideram donos e aqueles que não

tem essa renda, não é dono, daí acontece que vai ter uma TPU, vai

morar lá dez, quinze anos, mas não é seu, e você que construiu ele,

você acabou construindo ele, você fez isso todo dia. Agora um

exemplo, eu ganho mais de três salários mínimos e tenho direito de

compra e venda do meu imóvel, enquanto que outro companheiro

que teve a mesma mão de obra, fez o mesmo serviço que eu fiz, e

ele não tem direito de compra e venda, por que ganha menos de três

Page 153: limites a produção da moradia social no centro de SP

152

salários mínimos? Essa que é a questão. Estamos debatendo isso, que

as famílias tem fez e ganha um, ganha três, ganha cinco, ganha dez,

tem que ter o mesmo critério. Inclusive tem um encontro sábado, e

depois uma reunião com a Cohab”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,

liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da

ULC).

Como se pode notar, a formatação de um modelo que agrade os

anseios do ‘sonho da casa própria’, ideologicamente consolidados

nas mentes das famílias de mais baixa renda não é tarefa fácil, pois

segundo a lógica do sistema econômico a que estamos submetidos,

essas famílias não conseguirão pagar pelos imóveis com recursos

próprios. Bem, mas aí a PMSP poderia entrar com subsídios a fundo

perdido e quitar a diferença faltante? Sim. Mas como já

deflagramos, trata-se de uma questão que envolve diversas questões

políticas, e aqui, ideológicas. Limitaremos-nos novamente a apenas

identificar mais esta barreira.

Já o programa PAC - CDHU, segundo as lideranças de movimentos

ouvidas, o modelo de propriedade proposto não tem causado

discordâncias com os anseios das famílias:

“Cinco anos é locação social [arrendamento], e depois você tem a

compra. De alguma forma, eu acho que é uma proposta boa, por que

assim, tem muitas pessoas que ficam no movimento, lutam, lutam, e

aí pegam uma casa, como um apartamento desses da Pirineus, e às

vezes a pessoa pega e vende a troco de dois, três mil reais, quatro

mil, e volta para o cortiço de novo, vai para a favela, ou vai querer

voltar para o movimento de novo. Nós tivemos casos, a gente sabe

disso. Então, talvez cinco anos, a pessoa sabe se ela quer morar ali

ou não, pagou, não deve nada para a CDHU, nem a CDHU para ela e

está pronto”. (depoimento de Verônica Krol, liderança popular,

integrante do Fórum dos Cortiços).

Segundo técnicos da CDHU esse modelo de propriedade é adotado,

pois a companhia considera que os subsídios são direcionados

especificamente a cada família. Daí, se uma família vende sua

unidade para ‘comê-la’, esse subsídio seria apropriado por uma

outra família talvez de renda não tão baixa quanto a que se deseja

subsidiar.

O mesmo ocorre com o PAR – CEF que tem os subsídios embutidos

nos juros de 6 % (abaixo dos 12% normalmente cobrados pelo

mercado de financiamento habitacional). Daí o arrendamento para

as famílias por 15 anos e a posterior opção de compra do imóvel,

considerado o valor já pago na locação do imóvel durante os quinze

primeiros anos.

O modelo de propriedade que mais tem gerado polêmicas e

enfrentado resistências por parte das famílias beneficiadas pelo

programa, é o da locação social. Neste programa, a propriedade é

do Estado, da PMSP, e é alugado às famílias de baixa renda, segundo

a renda de cada família, a partir de um cálculo de porcentagem,

segundo a tabela na página seguinte:

Page 154: limites a produção da moradia social no centro de SP

153

tabela 7: critérios para a definição do comprometimento máximo

da renda familiar.

renda familiar

número de

pessoas por

família

comprometimento

máximo de renda

até 2 salários mínimos

(até R$ 480)

qualquer

quantidade 10%

de 2 a 3 salários mínimos

(R$ 480 a R$ 720)

1 a 4 12%

5 a 7 11%

8 ou mais 10%

acima de 3 salários * (mais

de R$ 720,00)

3 a 4 15%

5 a 7 14%

8 ou mais 13%

* permitido apenas famílias com renda per capita inferior a 1 salário mínimo (R$240,00)

Fonte: Cohab – SP, 2003.

A posição das famílias moradoras da favela do gato é a seguinte:

“Eu não concordo com o aluguel social, por que é uma coisa que a

gente vai pagar, estar pagando, todo mês vai ter que tirar aquele

dinheiro, e aquele imóvel nunca vai ser nosso. Eu acho que isso não é

um futuro. Ele nunca vai ser da gente. Se fosse nosso, todo mundo ia

pagar. No Cingapura, todo mundo faz um esforço lá para pagar, os

carnezinhos, todo mês. Mas sabe que um dia aquilo vai ser da

pessoa. Aí a pessoa ainda se anima, ela está pagando ali sabendo que

é um futuro. Mas pagar um aluguel social, que a pessoa sabe que

aquilo nunca vai ser dele. Não tem condição.(...) E o carroceiro, que

ganha pouco, vai pagar parte desse pouco, para nunca ser dele? Sou

contra a locação social. Nem que fosse um financiamento de trinta

anos. (...) A maioria é de opinião iludida, com os problemas

enfrentados nos alojamentos, e a locação social, pois falaram que a

gente ia ter um apartamento, uma coisa de cada um, e acaba nisso...

o apartamento que nós vamos mudar nunca vai ser nosso. (...)

Mesmo assim, vai para o aluguel social, e vem o mês de frio ou de

chuva, e ele não vai poder sair na rua, não vai poder pagar, e a

prefeitura põem eles na rua, e vai para outra favela. (...) É uma

meia exclusão ainda, sabe. É meio bom para quem tem emprego

fixo, mas poucos aqui têm”. (depoimento de Sassá, liderança

popular, estudo de caso favela do gato, morador da favela do gato).

“Quando eles apresentaram o projeto, eles falaram que ia ser da

gente. Que ia fazer um carnê para a gente pagar uma prestação todo

mês. E a gente ficou feliz com isso. Só que nessa reunião de agora,

que fizeram, saiu todo o mundo revoltado com esse negócio de

aluguel social. (...) Vai pagar aluguel o resto da vida para a

prefeitura? E nunca vai ser da gente? É igual aluguel. Só que se não

pagar vai para o olho da rua. Acho que ninguém gostou aqui...

Mesmo que sejam dois dormitórios, não ajuda, se eu colocar cinco

crianças, e as outras, que tenho dez?”. (depoimento de Cláudia,

liderança popular, estudo de caso favela do gato, moradora da favela

do gato).

Apesar de serem alvo de um programa que possibilita o acesso à

moradia de famílias de renda muito baixa, e até sem renda, com um

comprometimento de renda aceitável, as famílias ainda se negam a

concebê-lo como viável. Como fazer para que essas famílias possam

Page 155: limites a produção da moradia social no centro de SP

154

acessar suas ‘casas próprias’ tão sonhadas? É certo que sua renda

pode, e deve, ser melhorada, mas por quê tamanha dificuldade de

se habitar algo que apenas juridicamente não se tem a propriedade?

Luiz Kohara, técnico de Habi, responsável pela criação do programa

de locação social pondera acerca da questão:

“A discussão da locação social no Brasil é antiga, mas a

implementação nunca ocorreu. Nós vemos toda essa ideologia da

casa própria. O direito da propriedade muitas vezes foi superior ao

direito à moradia, e muitas vezes ao direito à vida: você vê o que

acontece com os sem-terra...”. (depoimento Luiz Kohara,

engenheiro, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Habi,

gestão Marta Suplicy).

“Acho que devemos explicar [a favela está contra a locação], por que

eles seriam o público que ficaria excluído de um programa de

financiamento. Outra fantasia que se tem, é que o CINGAPURA é de

propriedade ‘deles’. Não é. Até hoje ninguém tem propriedade de

nenhum CINGAPURA, por que também não é permitido. Fora a

questão da regularização. Na verdade, eles têm uma concessão do

CINGAPURA ( até deu a maior confusão...). Acho que na verdade o

aluguel social procura ser mais transparente: se é locação, é locação.

È um parque público, onde vai se concentrar investimento social,

usando como base a moradia. A gente sabe que não adianta investir,

se não há uma referência à moradia. Quando se dá moradia e

estabilidade [econômica], há uma melhoria social. (...) Às vezes a

pessoa não tem condição de pagar, mas ela quer ter uma mercadoria

para ser comercializada (apesar de não ser dela). Nós achamos que

não, que isso tem que mudar. Nós queremos dar estabilidade para

aquela família. (...) O problema muitas vezes não é a forma de

acesso, é o quanto se gasta para morar naquela unidade e a

estabilidade [econômica]. Esses dois referenciais são mais

importantes do que a forma de acesso. (...) Seria estranho se o

pessoal aceitasse de primeira, se tivesse clareza. Por que é uma

coisa nova, que vai contra a ideologia de nossa sociedade. Mas temos

que ter a convicção de que essa é uma forma possível também. É o

jeito que se tem para garantir o acesso [à moradia] a eles. Tanto é

que o grande problema do PAC é que ninguém consegue pagar. (...)

O que muita gente diz: ‘ Por que faz locação social? Por que não dá

de graça? Eu vejo assim: estamos numa sociedade capitalista. Então

muitas vezes receber de graça, não é receber. Aquilo acaba não

sendo um valor. Por que eles querem um contrato que eles

paguem... existe toda uma pedagogia, onde você sente

responsabilidade. Outra coisa é ter um parque público, onde quando

as pessoas não precisarem mais da locação, possam passar àqueles

que precisam. Acho que a locação [social] é a alternativa na falta

das alternativas. Sabemos que vamos enfrentar diversas

dificuldades, sem dúvida”. (depoimento de Luiz Kohara, engenheiro,

estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta

Suplicy).

Essas ‘dificuldades’ mencionadas por Kohara também já foram

enfrentadas nas negociações com o órgão financiador do programa,

o Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID:

“Primeiro que a nossa discussão sobre o BID apoiar um programa de

locação social, (...) ela demorou muito tempo, foi uma batalha

enorme. As pessoas não têm idéia do que foi o desgaste que a gente

teve aqui dentro, por que o BID tem todo aquele discurso da análise

Page 156: limites a produção da moradia social no centro de SP

155

neoliberal sobre os programas de habitação da Europa e outras. Ele

acha que tem que se privatizar mesmo os parques europeus. Então

por que estar criando um programa de locação social aqui, quando a

tendência em todos os países, que fizeram reformas liberais, por

exemplo, a Inglaterra, foi desfazer os parques de locação social, por

que se tornaram guetos de população pobre com vários problemas

socais, urbanos e etc... então foi muito difícil de convencer que o

programa de locação social, primeiro ele não é único, ele é um

programa que acompanha outros programas, então ele está

destinado a uma população específica, que ele apóia um programa, e

que ele era a única maneira de evitar um processo geral de

gentrificação na área central, que não interessa para ninguém.

Primeiro que as pessoas não vão embora, elas vão ficar aqui, e vão

voltar, vão ficar no cortiço ou na rua, se valorizar. (...) Uma coisa

que fica clara, é que não se vai conseguir fazer na área central

abaixo de uma certa faixa de renda, com casa própria. Eu acho que

duas coisas a gente avançou muito no programa de locação social.

Uma foi montar na prefeitura e ter financiamento, uma outra é a

atitude do movimento com relação à locação social, eu acho que está

extremamente positiva, e eu acho que se a gente tiver uma parceria

com o movimento na gestão, que é a coisa mais difícil, pode dar

certo”. (depoimento de Helena Silva, arquiteta, estudo de caso

favela do gato, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

O depoimento de Helena Silva considera que os movimentos de

moradia estão de acordo com a forma de acesso à moradia através

da locação social, apesar das famílias que habitam a favela do gato,

desorganizadas enquanto movimento, não concordarem com a

proposta. Essa disparidade de posições e de nível de participação

nas discussões inerentes ao programa será tratada com maior

cuidado na seção limites de gestão dos programas específicos, item

participação popular nos programas: necessidade de melhor

qualificação da prática.

relação estado – associações:

dificuldades de uma relação parietária

Temos aqui um limite ideológico – cultural identificado

especificamente no programa Funaps Comunitário, estudo de caso

Madre de Deus. Os técnicos coordenadores do programa tinham

como um dos objetivos estabelecer parcerias com as associações das

famílias mutirantes e suas assessorias técnicas, indo além da simples

participação popular, tema que será debatido na seção limites de

gestão dos programas específicos, item participação popular nos

programas: necessidade de melhor qualificação da prática. Para

tanto se estabeleceu um convênio entre poder público, Associação

Comunitária para o Mutirão Madre de Deus e assessoria técnica AD,

onde a produção das unidades foi realizada por todos, como

parceiros, ou sócios, cada qual com suas responsabilidades.

O objetivo de uma relação de co-responsabilidade na produção das

unidades não foi atingido por uma série de mutirões. Os

movimentos, acostumados com uma relação de produtor – cliente,

não se comportavam como parceiros do poder público. O mesmo

ocorria com alguns técnicos da PMSP, que se viam no papel de

prestadores de um serviço às famílias.

Pudemos identificar essa dificuldade de postura e de

comportamento na parceria estabelecida entre poder público e

associações de moradores, no programa Funaps Comunitário, a

Page 157: limites a produção da moradia social no centro de SP

156

partir do depoimento de Ronconi, coordenador do programa, gestão

Luíza Erundina:

“Acredito que um problema complicado era a organização dos

movimentos, que agiam segundo a possibilidade de atendimento de

uma demanda reprimida, que era muito grande, através de uma

pressão direta, política. Isso até deixou de lado um importante

momento de avançar na própria organização, para se qualificar para

o programa e daí pressionar não tanto esperando uma resposta como

um cliente, mas induzindo a resposta como um parceiro.

No fundo o programa propunha, a coordenadoria do funaps

comunitário, uma parceria entre poder público, assessoria técnica e

comunidade. A gente propunha o entendimento de que a comunidade

deveria ser um dos empreendedores deste processo.

Agora, este entendimento não era claro nem no poder publico, nem

na comunidade. O poder público queria agir como um executor e

para a comunidade era fácil se deixar levar como aquele que estava

recebendo um atendimento, que era historicamente o que o Funaps

fazia. Essa tensão perdurou durante o programa inteiro.

Claro que isso não dá para generalizar que todos os movimentos

agiram dessa forma, e acho que todos eles foram evoluindo nesse

processo, mas a tensão dessa evolução estava um pouco nisso, que

era de conquistar o status de parceiro, não o status de atendido.

Quer dizer, até que o poder público e o movimento conseguissem

evoluir na compreensão de que o valor da hora trabalhada de cada

um poderia ser entendido como um dinheiro que estava sendo

bancado ali pelo empreendimento, era difícil. Pois para o poder

público parecia ser obrigação deles trabalharem, e para o

movimento, não percebia o valor das horas de trabalho, pois não os

recebiam diretamente. Então para ele visualizar àquela hora

trabalhada como moeda mesmo, colocada no empreendimento, era

mais difícil. Para o movimento, e igualmente para o poder público,

talvez com interesses diferentes, situações e entendimentos

diferentes, mas toda vez que você afirmava que o movimento era

sócio do empreendimento, você tomava pau nas esferas da

prefeitura, e alguns eram sócios a ponto de eles terem comprado o

terreno. Era terreno deles que estava sendo colocado para o

financiamento da prefeitura”. (depoimento de Reginaldo Ronconi,

arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps

Comunitário, gestão Luiza Erundina).

Page 158: limites a produção da moradia social no centro de SP

157

4.1.4.2.2 limites políticos específicos

4.1.4.2.2.1 limite da política formal específico

clientelismo:

servir apenas aos meus eleitores

A prática do favorecimento de grupos políticos alinhados às gestões

governamentais, demonstrou-se presente em apenas um dos

programas habitacionais. Apenas dois depoimentos identificaram a

existência dessa prática, relatando como ela pode interferir

negativamente no cumprimento dos objetivos dos programas.

A partir da metodologia empregada: coleta de depoimentos dos

agentes participantes do processo de produção habitacional dos

programas públicos, estamos certos de que o clientelismo

dificilmente poderia ser identificado, pois é tema que pode causar

constrangimentos aos entes envolvidos. Desta forma, não temos

como nos certificar da presença ou não desta prática em outros

programas, que não apenas naquele aqui citado.

Reproduzimos abaixo trechos de depoimentos que demonstram a

presença do clientelismo, e como ele se dava, no Programa Funaps

Comunitário, gestão de Luíza Erundina da PMSP:

“Uma terceira dificuldade interna, complicada de se falar até, é

uma prática do clientelismo batendo no poder público. E é interna

porque, claro, trata-se de uma resposta a uma pressão externa.

Eram vereadores, eram líderes de comunidades, querendo conseguir

ali pavimentar melhor o seu caminho para obter o financiamento. E

isso era complicado, pois encontrava eco na máquina. Então você não

conseguia criar de uma vez por todas um único portão por onde

passasse qualquer movimento que tivesse organizado dentro dos

parâmetros que você estava ditando, e este era nosso objetivo. Pelo

menos da coordenadoria do Funaps Comunitário, que estava sob

minha responsabilidade. Era construir um portão que criasse ali uma

lista de pré-requisitos que um movimento devesse possuir, e que não

importava muito qual a origem deste movimento, pois entendíamos

que eram sempre movimentos carentes por habitação,

independentemente de sua filiação política. O que não era o

entendimento de todo mundo. Então sempre tinham ali as pressões

clientelistas e seus reflexos dentro da máquina. Sendo este um

problema complicadíssimo dentro da Superintendência de

Habitação”. (depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de

caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps Comunitário, gestão Luíza

Erundina).

Abaixo, o depoimento de Salles identifica o mesmo problema, o

considerando como uma ‘restrição’ a uma produção em maior escala

das unidades habitacionais:

“Um terceiro aspecto: a questão da pontualidade e da escala.

Acredito que tem a ver um pouco com a visão política que

preponderava em habi naquela época, ou seja, primeiro a questão

dos movimentos organizados. Segundo, os movimentos organizados

estarem mais ou menos filiados a uma corrente político-partidária.

Então isso gerava uma certa seleção, um certo filtro, que também de

certa maneira entrava como um certo limite. Não sei se exatamente

como uma dificuldade, mas era um critério que de certa maneira

Page 159: limites a produção da moradia social no centro de SP

158

restringia, até estrategicamente para aquele momento,

demonstrativo mesmo, e que de certa maneira limitava uma

produção maior”. (depoimento de Pedro Salles, arquiteto, estudo de

caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).

Como já mencionamos, esta ‘restrição’ aqui identificada é

específica ao programa referido, o que não impede que a mesma

prática também possa ocorrer nos outros programas habitacionais

em estudo, pelos motivos de seu compreensível ‘sigilo’.

Page 160: limites a produção da moradia social no centro de SP

159

4.1.4.2.2.2 limite da economia política específico

cadastro de seleção das famílias:

mecanismo de exclusão sócio econômica

Como pudemos observar na seção limites da economia política, item

baixos salários e desemprego: não há renda que pague a habitação,

parte das famílias de baixa renda não possuem rendimento

suficiente para a compra de unidades habitacionais. Desta forma, há

programas habitacionais que lançam mão de formas de seleção das

famílias de maior renda e conseqüente exclusão das famílias de

renda inferior.

Isto tem ocorrido nos programas PAR – CEF e PAC – BID. Os

programas geridos pela PMSP, seja o Funaps Comunitário ou o de

Locação Social, não possuem mecanismos de seleção das famílias por

renda insuficiente. Todas as famílias inscritas que comprovarem

baixa renda participam do programa. O que ocorre é que as de

renda inferior a três salários mínimos não serão proprietárias do

imóvel.

Segundo lideranças dos movimentos populares filiados a UMM, o PAR

– CEF, quando implementado no centro de São Paulo, tem

possibilitado a inscrição de famílias apenas com renda acima de 5

salários mínimos. No empreendimento Fernão Sales, desenvolvido

pelo MSTC com a assessoria técnica Grão, apenas dez por cento das

famílias que atualmente ocupam o imóvel foram aceitas pelo

sistema de seleção de famílias da CEF. Ou seja, quando finalizada a

reforma do edifício, apenas 10% das famílias poderão habitá-lo. Os

outros 90% deverão necessariamente buscar outro local de abrigo.

Já o PAC – BID tem atendido famílias de menor renda, mas aquelas

sem renda, ou com renda de até um salário mínimo não são

contempladas pelo programa. Segundo Eduardo Trani, técnico da

Cdhu, em seminário organizado pelo órgão em maio de 2003, essas

famílias ‘não poderão habitar no centro’, a não ser que consigam

habitar em uma das futuras unidades do programa de locação social

da PMSP.

O depoimento de Verônica Krol, Sidney Eusébio e Luiz Kohara

ilustram de modo breve a situação enfrentada por essas famílias:

“Hoje a CEF e a CDHU não exigem que você esteja registrado, que

comprove renda, essas coisas, mas ainda tem o raio do cadastro que

é feito lá. É uma ficha cadastral, em que fazem umas cinqüenta

perguntas para a pessoa, que a pessoa acaba ela mesmo se

excluindo. Por que quanto mais coisa você paga, menos chance de

entrar no projeto você tem. Por que se tivesse um subsídio, isso não

iria acontecer, de precisar excluir a família por conta disso”.

(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do

Fórum dos Cortiços).

“O governo não tem o bom senso de uma mudança nos critérios de

seleção das famílias”. (depoimento de Sidney Eusébio, estudo de

caso 21 de Abril, liderança popular, integrante da ULC).

Page 161: limites a produção da moradia social no centro de SP

160

“Por que dentro dos critérios do PAC - BID grande parte da população

dos cortiços tá fora. Por que de novo, aquele problema que tem na

CEF e na CDHU. A história de comprovação de renda é um critério

rigorozíssimo, não vai atender [a demanda]”. (depoimento de Luiz

Kohara, engenheiro, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –

Habi, gestão Marta Suplicy).

Page 162: limites a produção da moradia social no centro de SP

161

4.1.4.2.3 limites jurídico – legais específicos

lei 8666:

limites à aquisição de imóveis privados pelo poder público

A lei de licitações promulgada em 1993 pelo então presidente em

cargo, estabelece regras para o relacionamento comercial do Estado

com a sociedade, nos atos de compra de bens ou serviços acima de

um valor determinado, exigindo que todas essas transações

comerciais devam ser efetivadas através da licitação pública.

A referida lei é popularmente conhecida como ‘lei 8666’, e tem

como objetivo, segundo os princípios do ‘Estado gerencial’, tentar

impedir qualquer forma de favorecimento de empresas ou outros

grupos econômicos privados nas transações comerciais Estado –

sociedade.

Como já abordado na seção limites jurídico-legais, item uso misto:

programas públicos não o comportam, os imóveis de HIS edificados

por programas públicos, têm de inicialmente ser de propriedade

estatal. Para tanto o Estado tem de adquiri-los cumprindo os

ditames da ‘lei 8666’.

A tentativa de aplicação desta lei na compra de imóveis de forma

direta pelo poder público tem se demonstrado juridicamente difícil,

segundo o depoimento de Fernando Aith, advogado da Cohab, em

seus trabalhos recentemente realizados:

“O artigo 24 inciso 1870 da lei 8.666 autoriza a compra direta de

imóveis quando é um imóvel que atende às especificidades. Em tese

a gente até poderia comprar, com base nesse artigo da lei de

licitações, direto. Em que escolhemos, e pela falta de imóveis, é

geralmente o único que tem disponível, e compramos, justificamos.

Essa é uma das possibilidades. A outra é fazer um processo

licitatório falando ‘A COHAB quer comprar imóveis com tais

características, quem quiser vender, venha’, é uma licitação, com

competição, e tal. E a outra é a desapropriação. A gente [COHAB] só

está usando a via da desapropriação, judicial ou amigável, conforme

for. Por que tem dado muito problema junto ao tribunal de contas e

ministério público a compra direta. Essa justificativa de dizer que

deve ser tal imóvel é uma dificuldade convencê-los da necessidade

daquele imóvel. E um procedimento licitatório é quase impossível de

se fazer um critério objetivo de classificação, dizendo por que

imóvel x é melhor do que y. Tem dois imóveis, como vou saber qual é

melhor? A gente até tentou elaborar um edital, mas paramos no

meio por que é muito difícil. A desapropriação é mais simples,

envolve todo esse mesmo trabalho que envolveria uma compra

direta. Mas aí você faz um decreto de necessidade social, interesse

social etc. Homologa-se judicialmente um acordo. Então os gestores

públicos não compram direto por medo. Por que tem muito

problema, ou pra justificar o imóvel escolhido, ou pra justificar o

preço pago, sempre inventam algum problema. Se você faz pela via

87 “para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 8.6.94)”

Page 163: limites a produção da moradia social no centro de SP

162

judicial, acaba tendo homologação judicial que supera todos os

questionamentos, por que o juiz acompanha, tem laudo judicial”.

(depoimento de Fernando Aith, advogado, estudo de caso favela do

gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

Apesar de considerar a desapropriação, ou DIS - decreto de Interesse

Social, ‘mais simples’ que a compra direta ou a licitação, sua

aplicação tem se mostrado problemática e demorada pelas

companhias Cohab e Cdhu.

Já na gestão de Luiza Erundina, anterior a aprovação da Lei 8.666, o

acesso aos imóveis do Programa Funaps Comunitário no centro se

deu através do DIS. Desde então este processo tem se mostrado

moroso e mais caro, quando comparado com a compra direta do

imóvel pela associação das famílias moradoras, como realizado no

‘subprograma’, também gerido pela PMSP, Sehab – Habi, na gestão

Luíza Erundina:

“O tempo que nós levamos para obter os imóveis foi um tempo muito

longo, por quê nós não encontramos outro meio, a não ser por

desapropriação. A idéia que nós tínhamos, e eu acho que é a idéia

mais interessante, é a idéia de se fazer uma permuta. (...) de uma

certa maneira, a gente iria gastar muito menos dinheiro que

desapropriar. Por que o juiz estabeleceu, junto com o perito, o valor

potencial que é o preço lá na frente. Então você comprava o imóvel

degenerado, que valia aquilo, por um valor lá na frente, como se

fosse um imóvel muito bom. Com base nisso, desenvolvemos um

subprograma que passaria os recursos para as famílias comprarem

diretamente os imóveis (...) negociando com um valor de mercado

real”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, PMSP, Sehab –

Habi, gestão Luíza Erundina).

Atualmente, a Cohab retornou à aplicação do DIS, que tem durado

por volta de três meses, apenas quando amigável, ou seja, quando o

proprietário do imóvel concorda com sua desapropriação. Quando

este não concorda, os prazos têm durado tempo maior. Segundo

Margareth Uemura, técnica do órgão, não tem sido ‘ruim’ o método:

“O que a COHAB conseguiu foi fechar tudo em três meses. O

problema é que os três meses é o prazo ideal, se o proprietário não

negar, se o juiz não pedir perícia, se ele... várias coisas; aí você

consegue fechar esse processo num período curto. (...) A DESAP diz

que demorava um ano pra fazer isso. O fato da COHAB poder

operacionalizar a desapropriação não é ruim. E se for amigável, acho

que não é problema. E tem sido amigável”. (depoimento de

Margareth Uemura, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP,

Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

A Cdhu também tem aplicado o DIS para a aquisição de imóveis, o

que tem tomado, segundo Lia Ferreira, tempo considerável dos

empreendimentos de HIS da companhia, que o caracteriza como

‘moroso’:

“A CDHU, também como agente promotor, não apenas no PAC, um

dos grandes problemas é o acesso a terra. Por sermos uma empresa

pública, a gente não tem nenhuma compra direta. São todas

concorrências, portanto não existe a possibilidade de a gente

comprar diretamente qualquer coisa, e dentro disso, os terrenos.

Page 164: limites a produção da moradia social no centro de SP

163

(...) Portanto a maneira que encontramos de ter acesso a terra foi

através do DIS, Decreto de Interesse social.

Este processo, independentemente do órgão publico, é moroso.

Então nós realizamos um diagnostico da área, mapeamos as

oportunidades, simulamos uma intervenção conforme as regras do

PAC e observamos sua viabilidade. Se o empreendimento atender

nossa demanda então realizamos o DIS. O DIS tem um processamento

meio lento, antes ele era mais moroso, agora já houve a supressão

de algumas instâncias, então ele foi agilizado, apesar de ainda

requerer um certo tempo. Antes ele durava em torno de dois anos,

atualmente ele foi reduzido para um tempo inferior, que não saberia

dizer qual é. Mas ele é sim a forma que nós encontramos para

realizar os procedimentos. É realizado então um laudo de avaliação,

como qualquer outro laudo existente no mercado, com um

responsável que faz a avaliação. É a partir desta avaliação que

fazemos então a simulação, estando viável, a gente envia então para

DIS com este valor avaliado pelo mercado”. (depoimento de Lia

Ferreira, arquiteta, Gov.Est., CDHU – PAC, gestão Geraldo Alckmin).

Segundo lideranças dos movimentos populares de luta por terra e

moradia, as atuais gestões governamentais (PMSP e Gov. Est.) não

têm possibilitado a compra de imóveis diretamente pelas

associações das famílias moradoras. O acesso aos imóveis através do

DIS resulta em valores superiores à compra direta. A diferença entre

os valores, logicamente, tem ser paga pelas famílias, em prestações

mais caras:

“O governo não deixa o movimento negociar os edifícios, que muitas

vezes conseguem negociar diretamente com os proprietários por

preços menores, favorecendo o próprio governo. Mas quando vai

diretamente o governo (...) eles põe o preço lá encima, e aí não se

viabiliza nada. Nem para o movimento, nem para o governo, ficando

lá o imóvel fechado, mais anos e anos”. (depoimento de Sidney

Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril, integrante da

ULC).

“O cinema da Moóca e o prédio da São João88, cujos valores ficaram

tão caros que certamente não permitirão que as famílias de

encortiçados possam morar neles. Os movimentos precisam ter

autonomia para comprar e podem fazer isso bem” (p.52). (Verônica

Krol, integrante do Fórum dos Cortiços, in: “relatório final do

encontro ‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa

idéia?”. 2001:52).

Diferentemente da Cohab e CDHU, a Caixa Econômica Federal pode

realizar a compra direta de imóveis. Essa possibilidade tem se

mostrado um fator de sucesso do programa, neste item específico,

quando comparado aos outros programas em estudo. Verônica Krol,

liderança do Fórum dos Cortiços nos apresenta o ‘salto’ da CEF:

“E a outra questão, que esbarra quando você fala que vai fazer

moradia, entra a desapropriação. A desapropriação de terra é

inviável. Então eu acredito que a CDHU, tanto a PMSP, e a CEF já fez

isso, é sair fora da desapropriação. Os governos têm de acreditar nas

entidades que estão fazendo essa luta pelo movimento. Então não

adianta. Nós vimos o exemplo do Hotel São Paulo, o tanto que

demorou. A Joaquim Murtinho, pelo governo do estado, demorou

88 Empreendimentos habitacionais do PAC atualmente em fase de projeto.

Page 165: limites a produção da moradia social no centro de SP

164

dois anos para desapropriar um cortiço. A desapropriação em si, é

muita burocracia que trava. A CEF, conseguiu dar esse salto, quando

ela criou esse programa que diz: ‘vocês negociam o valor do prédio,

faz o projeto, aprova e compra o prédio junto com a construtora’.

Mas aí o que acontece? A PMSP e Gov. do estado, tem a tal da lei

8666. Essa lei deveria ser revista, essa lei é que entrava tudo. Então

eu acredito que o governo federal, o senado, o congresso, deveriam

rever essa lei. Por que enquanto existir essa lei, para fazer política

de moradia para a população pobre, eles não vão ter acesso mesmo a

nada. (...) Parece que essa lei virou um bicho para a gente. (...) O

PAC é um programa bom que nós temos do governo do estado,

infelizmente são as leis que os deputados votam. O que demora

mesmo é a desapropriação, é difícil. Se a CDHU tivesse a autonomia

de fazer como a CEF faz, de nós achar um predinho ali, (...) em

qualquer órgão, se fugir da questão da desapropriação, a habitação

vai andar mais rápido. O que pega tudo é a terra, tem que ter uma

outra forma de comprar a terra sem ser desapropriação”.

(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do

Fórum dos Cortiços).

Marco Antônio, técnico da CEF nos apresenta a questão, que tem

sido resolvida ‘sem problema algum’:

“A relação é de compra. A CEF nem tem poder para desapropriar

ninguém, o único órgão que pode desapropriar seria a PMSP. Mas nós

[CEF] não. É um contrato de aquisição normal, uma relação

comercial, sem problema algum. (...) Em alguns casos os movimentos

até trouxeram os proprietários aqui, sentaram conosco na mesa (...).

Se a CEF tem interesse mesmo em fazer aquilo que o movimento está

se propondo, a gente até esclarece, explica, como é que funciona. Aí

eu acho que ajuda o movimento também um pouco, nesse sentido,

né? Com respaldo da CEF

eles têm o pode de fogo muito maior (...)”. (depoimento de Marco

Antônio, estudo de caso Riskalah Jorge, técnico da CEF, PAR, gestão

Luiz Inácio Lula da Silva).

Desta forma, parece-nos clara a presença da barreira imposta pela

lei 8.666, que imprime custos maiores à aquisição dos imóveis, além

da morosidade dos processos burocráticos, quando comparada com a

compra direta por órgão público ou por associação das famílias

moradoras.

lei 8666:

limites à contratação de assessorias técnicas

Da mesma forma que a lei de licitações conduz o acesso aos imóveis

para o DIS, com valores mais altos que a compra direta, o mesmo

tem ocorrido com a contratação de escritórios de assessoria técnica

para a execução de projetos e acompanhamentos de obras através

da auto-gestão. A lei 8.666 tem também dificultado a contratação

desses escritórios pelas associações de moradores. Se realizadas as

obras através da auto-gestão com a parceria das assessorias

técnicas, os imóveis seriam mais baratos que os desenvolvidos por

empresas construtoras, como vimos na seção limites ideológico-

culturais específicos, item especulação produtiva: normalidade na

exploração do operário da construção civil.

Page 166: limites a produção da moradia social no centro de SP

165

O depoimento de Verônica Krol aponta para a existência desse

limite, imposto pela lei 8.666, no programa PAC – BID, gerido pela

CDHU. Nos últimos meses o órgão tem se mostrado aberto à

apresentação de propostas pelos movimentos para que o programa

possa também funcionar através da auto-gestão, com a contratação

dos escritórios de assessoria técnica, o que não tem se mostrado

fácil:

“(...) a única droga [do PAC – BID], para falar a verdade, é a

licitação, que tem que ser aberta. Não pode fazer um convênio com

a associação, que era a nossa reivindicação também, que o projeto e

a obra fosse feito em auto-gestão e que o projeto fosse feito um

convênio com a associação para contratar assessoria. E aí isso estava

no PAC, e quando entrou em vigor o diacho da lei 8666, acabou

tirando essas famílias nossas, se não fosse a questão dessa lei, o PAC

seria o programa ideal para a gente, por que atenderia a família

dentro do cortiço, poderia fazer convênio com associação e fazer a

auto-gestão. O que pegou foi aí. Hoje estamos rediscutindo a carta

de crédito com esse subsídio de fazer o PAC reforma, por exemplo,

em auto-gestão. A CDHU deu autonomia para a gente discutir isso, e

agora nós vamos apresentar, e acredito que agora é o momento de

nós fazermos isso”.(depoimento de Verônica Krol, liderança popular,

integrante do Fórum dos Cortiços).

A atual gestão da PMSP também tem buscado alternativas de

produção dos imóveis de HIS no centro através da auto-gestão, pelo

programa de carta de crédito coletiva, mas tem enfrentado

dificuldades jurídicas para sua implementação. O depoimento de

Helena Silva, técnica do Pró Centro, nos esclarece as dificuldades

enfrentadas pela Cohab:

“Eu acho que a carta de crédito coletiva é excelente para trabalhar

com auto-gestão. Aliás, ele foi pensado nisso, e toda nossa

preocupação, é que não estamos conseguindo criar condições para

operacionalizar esse instrumento, para empreendimentos de porte

médio a pequeno. Está exposto conceitualmente da seguinte forma:

Uma associação adquire um imóvel, seja um terreno, seja um prédio,

e à partir de um projeto de construção ou de reforma. Pode-se pagar

um arquiteto e etc. ela pode fazer uma gestão dessa obra. O que

está esbarrando exatamente, é por que você tem vários empréstimos

sucessivos, e o pessoal do jurídico está encontrando, que em algumas

partes, está se ferindo a lei de licitação, que isso seria escapar da

nova lei de licitação. A autogestão, não necessariamente seria

mutirão, a associação formada estaria contratando uma empresa. O

problema é de ela contrata uma empresa sem licitação, na prática

você está passando um recurso público para uma empresa, sem

licitação. Então o que nós estamos tentando dar um nó no pingo

d´água é fazer uma licitação em que se faça uma seleção de

associações, com renda dentro três e seis salários. E aí vinculasse o

projeto, como no PAR, onde há um terreno e uma empresa. Então

haveria associações pré-selecionadas, que vem oferecendo um

determinado produto para aquele terreno. Que é uma empresa que

pode construir um determinado projeto. A dificuldade é a seguinte,

se você tem uma associação só, perfeito, certamente os preços dela

vão estar mais baixos, se você tiver duas, qual o melhor projeto? Se

você tiver dois projetos, você vai ter que analisar projeto, então

partimos do seguinte: partimos de um projeto de reforma para um

projeto já realizado por nós, e abrimos uma licitação para ver que

Page 167: limites a produção da moradia social no centro de SP

166

associação (pré-selecionada) que oferece o menor custo, para

executar aquela obra. Se tiver três, tudo bem, eu seleciono aquela

que ofereceu o melhor preço. Essa pode ser uma modalidade. Então

nós estamos fechando a maneira de poder não ferir a legislação.

Acredito que para o ano que vem isso já vai estar podendo

funcionar”. (depoimento de Helena Silva, arquiteta, estudo de caso

favela do gato, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão de Marta Suplicy).

O Programa de Arrendamento Residencial, gerido e financiado pela

CEF tem atualmente impossibilitado a contratação de empresas

menores para a condução das obras dos edifícios, bem como sua

realização através da auto-gestão. O programa atravessa um período

de alterações em suas regras de funcionamento, sendo que o atual

modelo impede a participação de assessorias técnicas e de empresas

não ‘gericadas’89, o que tem impedido a produção de unidades de

menor custo.

Novamente, Helena Silva é que nos indica a presença dessa barreira,

que alimenta a produção de unidades por um custo maior do que

outras formas de produção, que não se valem da lucratividade

imperante nas empresas construtoras:

“Além do mais no PAR, há a história do Geric, que só lida com

empresas grandes, e quando começar a lidar com empresas menores

89 Empresa ‘gericada’, ou que ‘tem geric’, é aquela que preenche requisitos de ‘risco de crédito’ da CEF. Ou seja, são empresas que possuem um capital suficientemente grande e outras ‘seguranças’, para que a CEF não corra ‘riscos’ no decorrer das obras (por exemplo, a empresa falir, ou simplesmente não conseguir honrar os contratos com a CEF). Geric vem de ‘gerência de riscos de crédito’, setor da CEF que emite os certificados de que a construtora pode participar de licitações realizadas pelo banco.

ele pode reduzir o custo, aí poderia se fazer o PAR sem lucro, com

muito pouca reforma. A proposta para auto-gestão, se ela for

voltada para prédios menores, ou para grupos de prédio menores,

casarões, enfim, pode ser interessante”. (depoimento de Helena

Silva, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Pró

Centro, gestão Marta Suplicy).

Esta barreira à produção de unidades a preços menores foi aqui

classificada como limite específico, pois o programa Funaps

Comunitário de atuação no centro, gestão de Luíza Erundina

possibilitava a contratação de assessorias técnicas e obras em auto-

gestão, o que resultou em unidades habitacionais significativamente

mais baratas, como visto na seção limites ideológico-culturais

específicos, item especulação produtiva: normalidade na exploração

do operário da construção civil.

Page 168: limites a produção da moradia social no centro de SP

167

4.1.4.2.4 limites de gestão dos programas específicos

“Se há uma política de se cercear os direitos do povo, aí sim é um limite.

O governo Maluf, Pitta e agora, do PSDB, em São Paulo, têm esse limite.

É dificultar os direitos de participação e de conquista do povo”.

(depoimento de Gegê, liderança popular, integrante do MMC).

participação popular nos programas:

necessidade de melhor qualificação da prática

Diversos depoimentos coletados indicam a falta de participação das

famílias moradoras na elaboração das diretrizes de ação dos

programas habitacionais bem como em sua implementação. Cada

programa demonstrou tratar a questão da participação popular de

forma diferente. Há aqueles que travam uma relação constante

entre movimentos populares e técnicos, desde a formatação dos

programas, até a materialização das unidades, e outros que

estabelecem contatos pontuais, o que tem gerado maiores ou

menores dificuldades para a produção das unidades habitacionais.

De certa forma, acreditamos que uma maior integração entre

moradores e poder publico tende a facilitar a condução dos

programas, pois possíveis discordâncias seriam sanadas no decorrer

do processo, e concordâncias seriam potencializadas, numa soma de

esforços mútuos para o enfrentamento dos diversos limites outros

identificados na presente pesquisa.

Um dos programas que não apresentou dificuldades significativas no

que tange a participação popular, foi o Funaps Comunitário,

especificamente o que atuou na região central. Sua condução se deu

através de convênios de parceria entre poder público, movimento

popular e assessoria técnica. Segundo o depoimento de Joel Felipe,

da assessoria técnica AD, responsável pela execução da obra, a

participação do movimento popular ULC foi central e indutor na

criação e formatação do programa.

“Sim, os movimentos foram protagonistas, uma vez que os

moradores que então eram representados pela ULC – Unificação das

Lutas de Cortiços (que deu origem aos atuais MMC, MSTC, Fórum de

Cortiços e o que restou da ULC) forçaram o surgimento uma política

para cortiços. No primeiro semestre de 1989 foi apresentado um

projeto para o Casarão da Celso Garcia à prefeitura, baseado no

trabalho de um TFG de Selma Scarambone, então membro da AD”.

(depoimento de Joel Felipe, arquiteto, assessoria técnica AD).

O Programa de Arrendamento Residencial da CEF, em sua

elaboração (1998), passou por períodos de participação dos

movimentos populares do centro de São Paulo, mas por medidas

políticas foi alterado e implementado sem a incorporação das

questões debatidas com as lideranças. Verônica Krol, do Fórum dos

Cortiços é que nos esclarece como se deu o processo:

“Na verdade, nós [movimentos do centro] discutimos o PAR, com o

Sérgio Cutoudo [ex - diretor da CEF] (em 1998). Aí, eu não sei por

quê, tiraram o Sérgio, e colocaram outro diretor, que já veio com

essa proposta do PAR, que a gente não discutiu, pois para a gente

Page 169: limites a produção da moradia social no centro de SP

168

atender as famílias de baixa renda é muito difícil. O outro que nós

discutimos, sim ele atendia, porque tinha condições de fazer

autogestão. Deram um fim no programa nosso, tínhamos discutido

com o pessoal do Belém. O que a gente queria e não queria, dentro

do programa. E aí por nossa surpresa, quando nós amanhecemos sem

o Sérgio, sem o programa, aí veio esse, de goela abaixo socado na

goela da gente, e aí a gente tem tentado trabalhar, o que é muito

difícil para nós”. (depoimento de Verônica Krol, liderança popular,

integrante do Fórum dos Cortiços).

O depoimento de Gegê, do MMC, nos indica como se deu a

‘apresentação’ do PAR pela CEF aos movimentos, que já ‘chegou

pronto’ para implementação:

“Sem políticas públicas com participação popular, pode governar

Jesus Cristo, que não vai melhorar. Essas políticas não devem ser

apenas de conhecimento dos governantes. Parece que o povo deve

apenas usufruir as políticas, não é preciso que o povo tenha

entendimento. (...) O programa chegou pronto, criado pela caixa.

Não houve participação. A gente ia ser despejado de um prédio da

Caixa, na Roberto Simonsem, mas para eles não nos despejarem, eles

nos apresentaram o PAR, e nós apresentamos o Fernão Sales”.

(depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso Riskalah

Jorge, integrante do MMC).

A participação dos movimentos no PAR CEF ocorre em momentos

pontuais de implementação do programa, como na escolha dos

imóveis, elaboração do projeto arquitetônico e indicação das

famílias moradoras. Todas essas ações devem ser enquadradas nas

diretrizes e restrições impostas pelas regras antes estabelecidas pela

Caixa Econômica Federal.

Na elaboração do Programa de Atuação em Cortiços, gerido pela

Cdhu, também houve momentos de participação das lideranças dos

movimentos populares, que exigiram a participação das

comunidades na condução do programa:

“O PAC, em jan de 1999, nós ficamos quatro dias dentro da CDHU, os

movimentos do centro e o BID, discutindo a sua proposta do PAC.

Então cada um colocou seu ponto de vista. Aí a partir dessas

propostas formuladas, que a CDHU começou a formular o PAC,

enviou para Brasília assinar. Com o PAC nós tivemos uma

participação mesmo com esse governo. O que conseguimos arrancar

desse PAC BID é que tem que ter a participação da comunidade. (...)

O PAC demorou, foi uma coisa demorada, mas teve a participação”.

(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do

Fórum dos Cortiços).

Há uma significativa diferença entre participação e parceria na

elaboração e condução dos programas habitacionais. Sidney Eusébio,

liderança da ULC reconhece que houve participação dos movimentos

na elaboração do programa, mas que suas reivindicações não foram

atendidas. Segundo ele, uma parceria se faz necessária, e afirma

que buscarão alterações no programa que contemplem suas

necessidades ‘na porrada mesmo’:

“A primeira dificuldade é: quando os movimentos elaboram um

programa de uma forma, mas ao chegar nas mãos do governo, estes

Page 170: limites a produção da moradia social no centro de SP

169

alteram tudo, suas cláusulas, fazem mudanças que em vez de

beneficiar, vêm a dificultar o acesso da população de baixa renda.

(...) Esse não é o programa que a gente queria, não é o Programa de

Atuação em Cortiços. (...) Nós não temos abertura neste governo, e

o que eles fazem não nos contempla em nada o que nós queremos.

(...) Falta vontade política e parceria com os movimentos. O

programa só funcionaria só com a parceria com os movimentos

populares. (...) Se tem uma coisa que a gente sabe fazer, é bater,

quando é preciso. E a gente vai bater mesmo. Se não sair [as

alterações do programa] por compromisso com a população, vai sair

por dor, vai sair na porrada mesmo, a gente vai ter que arrancar

mudança deste governo, do Geraldo Alckmin”. (depoimento de

Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,

integrante da ULC).

Um dos indícios da falta de parceria entre associações de moradores

ou movimentos e órgãos do poder público (aqui no caso a Cdhu) é o

depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança da ULC, que demonstra

desconhecimento total acerca de informações básicas do

empreendimento Cinema da Mooca, qual tem acompanhado pelo

movimento:

“Ficam dizendo, ah estamos revendo o projeto, que inicialmente era

de 180 famílias, mais ou menos, e aí disseram que eram poucas

famílias para o valor do terreno, então não dava, e iam aumentar

para duzentos e pouco, para baratear mais o custo do terreno. (...)

Isso são eles que falam. E esse último estudo agora ficou com

trezentas unidades, só não sabemos o valor dos apartamentos, não

sabemos como foi feito esse cálculo, quantos prédios vão ser, de

quantos andares, tudo isso a gente não sabe, pegamos essas

informações essa semana”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,

liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da

ULC).

Segundo Lia Ferreira, técnica da CDHU, a dificuldade de acesso a

informações do programa PAC pela população alvo dos

empreendimentos se tornou um dos limites à produção da moradia

social no centro. Há dificuldades de compreensão do funcionamento

do programa e das ações que necessariamente precisam ser

realizadas pelo órgão, o que tem gerado mal entendidos entre

população alvo e poder público:

“Um limite é o nosso público alvo, a população a quem a gente se

direciona entender todos os passos desse processo. Uma forma de

intervenção junto ao nosso público alvo, de deixar claro quais são os

procedimentos, para que depois não haja talvez um mal entendido

na compreensão das ações de uma agente financeiro, promotor ou de

comercialização, do porque de isso tudo”. (depoimento de Lia

Ferreira, estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est, CDHU, PAC, gestão

Geraldo Alckmin).

A elaboração do programa de Locação Social da PMSP, gestão Marta

Suplicy teve a participação dos movimentos de moradia do centro

em reuniões e seminário entre poder público municipal, movimentos

e técnicos estrangeiros de países onde a locação social é comum. Já

para a gestão do programa, a PMSP instituiu um fórum de

acompanhamento dos programas municipais de habitação no centro,

onde participam técnicos do poder público, movimentos e suas

assessorias técnicas, e se reúne a cada quinze dias.

Page 171: limites a produção da moradia social no centro de SP

170

O depoimento de Margareth Uemura comenta brevemente a

existência do fórum e seu funcionamento. O trecho que se refere às

limitações de atendimento da demanda por habitação no centro

diante da ‘pouca área’, demonstra a utilização deste espaço como

mesa de negociações de locação de demandas reprimidas dos

movimentos, bem como possível espaço de cooptação destes, pois aí

‘cada um sede um pouco para acontecer o programa’:

“Instituiu-se um fórum, que eu tenho esperança que seja o local de

debate, de participação da população, e de unificação do

conhecimento sobre o programa (estabelecer critérios...). Como ele

[o programa] está em processo de montagem, é um espaço

importante para aparar as arestas. Vai ter sempre discussão entre os

movimentos, mas é um pouco pra não ter disputa, por que como eu

disse tem pouca área pra muita demanda. Se o critério estabelecido

fica de comum acordo, acho que fica mais fácil de discutir essa

limitação. E aí, cada um sede um pouco pra poder acontecer o

programa”. (depoimento de Margareth Uemura, arquiteta, estudo de

caso favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

O depoimento de Caio Amore, arquiteto responsável pelo projeto

executivo do empreendimento Favela do Gato, estudo de caso da

presente pesquisa e parte integrante dos projetos da PMSP no

centro, pondera acerca da representatividade dos movimentos de

moradia do centro diante das famílias da região e a forma que esta

participação tem se dado. Segundo Amore os movimentos

reivindicam projetos pontuais e isolados no centro, deixando de lado

uma ação articulada, o que configuraria uma política urbana

integrada:

“Não é uma participação da população moradora, mas é do

movimento. Isso é uma diferença fundamental de se fazer. Por que

você entra nessa discussão de quanto que o movimento representa a

população moradora. É uma questão, sim. Como é? Três por cento da

população encortiçada é ligada ao movimento. (...) Teve uma

participação do movimento na elaboração do programa. Falta

qualificar essa participação. Teve reuniões com lideranças dos

movimentos, o que não gerou alteração de sua participação, que é

de resultados, de número de unidades. Ficando na história da

reivindicação pontual de edifícios. (...) Mudar essa lógica é difícil,

trazer os movimentos para a discussão de política urbana, mais

abrangente, dos movimentos se colocarem como população

moradora, por exemplo, que tem também outras demandas que não

moradia. É um salto difícil de ser dado, devido à lógica de atuação

dos movimentos. Eles fazem sim essa discussão, posteriormente à

conquista da moradia, como por exemplo, nos mutirões”.

(depoimento de Caio Amore, arquiteto, estudo de caso favela do

gato, assessoria técnica Peabiru).

Sassá, liderança das famílias atualmente alojadas na favela do gato,

e futuras locatárias do programa, confirma a pouca participação das

famílias, demonstrando não possuir informações a respeito da

distribuição das famílias nos imóveis. Ele nos informa também as

poucas vezes que formam ‘chamados’ a receber informações acerca

do projeto e do programa:

“A nossa preocupação é saber quem vai ter direito a um, a dois

quartos, a quitinete. É que eles estão estabelecendo um critério.

Isso é muito dúbio. De repente ela tem três filhos, e um é casado. Se

Page 172: limites a produção da moradia social no centro de SP

171

ele vai ficar junto? Não tem condições. (...) A gente só foi chamado

duas vezes, na primeira apresentaram o projeto e na segunda

falaram da locação. Foram mais de cem pessoas, eles queriam que

fosse um a cada dez, mas acabou indo mais gente”. (depoimento de

Sassá, liderança popular, estudo de caso favela do gato, morador da

favela do Gato).

participação popular na concepção arquitetônica dos projetos:

pontual e deficiente

Apenas um dos programas habitacionais visitados teve a participação

das futuras famílias moradoras na concepção do projeto

arquitetônico90.

As dificuldades, e até a impossibilidade de participação das famílias

de baixa renda na definição do desenho arquitetônico da moradia

que irão habitar trata-se de uma manifestação do limite ideológico –

cultural identificado na seção limites ideológico-culturais, item pré-

conceito e discriminação, escala da unidade habitacional: a idéia de

‘habitação popular’. Pois, para realizar projetos ‘individualizados’

horas de trabalho de prancheta são necessárias, o que significaria

custos indesejados aos projetos.

Por outro lado, a participação de famílias de alta renda na definição

de questões arquitetônicas de suas futuras moradias é tida como

ideal aos projetos de arquitetura. Sua participação é muitas vezes

essencial, e sua prática é considerada ‘louvável’.

90 Compreendemos como ‘concepção do projeto arquitetônico’ a definição do programa das unidades, seu dimensionamento, técnica construtiva, materiais empregados e, finalmente, sua concepção estética.

Já na produção de HIS pelo poder público essa etapa é, em via de

regra, simplesmente subtraída, como se fosse desnecessária.

A falta de participação das famílias de baixa renda na concepção

arquitetônica de suas residências não é um limite determinante à

produção da moradia popular no centro. Ela não impossibilita sua

produção, mas impede que as unidades sejam erguidas com

qualidade. Compreendemos como ‘moradia de qualidade’ aquela

moradia que cumpre as necessidades das famílias moradoras,

incluída aí concordância com seu projeto arquitetônico.

A argumentação recorrente é de que não há tempo hábil para uma

discussão de projeto, e que a produção de HIS não pode ser

individualizada. Temos aí um falso paradigma, como veremos mais

adiante.

Observando os estudos de caso de cada programa habitacional

podemos verificar as diferentes formas de tratamento da questão:

No item anterior vimos a importante participação das famílias do

edifício Madre de Deus na elaboração do programa habitacional e de

sua implementação, mas na elaboração do projeto arquitetônico, a

participação das famílias na discussão do projeto arquitetônico foi

considerada ‘pouca’. Segundo Joel Felipe, um dos arquitetos

responsáveis pela obra do edifício, em sistema de mutirão

autogerido, a participação foi restrita a questões pontuais de

projeto e de técnica construtiva:

Page 173: limites a produção da moradia social no centro de SP

172

“Houve pouca participação [dos mutirantes]. Foi montado um GT-

Cortiços em Habi, sob coordenação de Cláudio Manetti (...). As

discussões com a comunidade se reduziram à apresentação da

proposta do GT em assembléia e a proposta de algumas alterações

(tanque no interior da unidade, p. ex.) e a técnica construtiva

sugerida pela Assessoria”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto,

assessoria técnica AD).

Apesar da possibilidade de poucas interferências no projeto Madre

de Deus, como nos relatou o arquiteto Joel Felipe, Luiz Cavalcanti

ainda considera que através do sistema de mutirão, ‘a qualidade é

outra’:

“Com o empreiteiro você não participa de nada, você só recebe a

chave, se não consegue nem opinar sobre nada, sobre se o material é

de primeira ou de segunda, você não pode falar. Se ele põe uma

porta aqui de isopor, você não pode falar nada, se põe uma janela

aqui do jeito que eles querem, não pode falar nada. Aqui, nós

escolhemos tudo, a qualidade é outra”. (depoimento de Luiz

Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus,

integrante da ULC).

No projeto do edifício Riskalah Jorge, do PAR – CEF, a participação

das famílias chegou ao debate da concepção arquitetônica do

projeto, mas como já vimos na seção limites arquitetônicos, item

casas de baixo custo: pequenas, mal iluminadas e superadensadas, o

projeto de arquitetura é dependente de muitos dos limites

identificados em nossos estudos. Daí, neste projeto, onde houve

uma interferência das famílias na projetação das unidades, pudemos

conferir pouca (ou nenhuma) materialização dos anseios dessas

famílias, sendo o resultado final muito aquém do por elas requerido.

Reproduzimos abaixo novamente o trecho do depoimento de Gegê,

liderança do MMC, onde podemos melhor compreender como as

pressões externas (dos diversos limites) resultam na impossibilidade

da materialização construtiva dos ensejos arquitetônicos reais

dessas famílias, quando estas são chamadas a opinar diante dos

projetos.

Desta forma, à partir das condições impostas pelo sistema a que

estamos submetidos, nós nunca saberemos, de fato, como é o

desenho, o projeto, a forma, a plástica de uma habitação popular

em sua essência projetual. Não sabemos como quer, nem como

gostaria de morar o povo paulistano no centro da cidade.

Seriam apartamentos grandes, com diversos quartos, e banheiros?

Haveria uma lavanderia? E um lavabo? Nem eles sabem, pois não

podem nem pensar em saber. Vejamos:

“A discussão era: ou a gente fazia até R$ 20.000,0091 para dar certo,

ou fazia mais de R$20.000,00 para não dar certo. A gente discutiu

isso, metragem e valor. (...) Qualquer reforma, haverá imposições da

estrutura, diferente da construção nova, não tem como mexer na

estrutura do prédio. Não tem como deixar tudo do mesmo tamanho.

Isso é uma questão para o movimento, que aceita ou não o projeto,

não é o arquiteto, não é a assessoria que tem de ser responsável por

isso. As assessorias cumprem com um papel importantíssimo,

fundamental, mas com limites. O projeto arquitetônico passa pela

91 Na época da concepção do projeto de arquitetura o limite do financiamento por unidade pelo PAR era de R$ 20.000,00.

Page 174: limites a produção da moradia social no centro de SP

173

política do movimento. Apesar de estar aquém do ideal, muito aquém

do ideal”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso

Riskalah Jorge, integrante do MMC).

Os projetos arquitetônicos do programa PAC – CDHU, são realizados

por escritórios de arquitetura contratados através da lei 8.666, e

devem ser realizados para famílias genéricas, segundo o ‘termo de

referência’ elaborado pela companhia. Trata-se da prestação de um

serviço, considerado apolítico e impessoal, segundo a concepção de

um Estado gerencial. Não importa quem irá habitar essas unidades,

a participação dos futuros moradores não ocorre e é evitada pelo

termo.

A arquiteta Lia Ferreira, uma das responsáveis pelo projeto, nos

esclarece da postura da companhia diante da não participação

popular na concepção arquitetônica do projeto:

“Voltando à lei 8.666, que é a lei de licitação. A gente vai comprar

um serviço [projeto de arquitetura], é uma compra. É feita então

uma licitação, é feito o termo de referência, que é o que nós

queremos, com o programa. É feita a licitação, e nós acompanhamos

o desenvolvimento do projeto. É a compra de um serviço. (...) Tanto

no Hospital92, como em outros projetos, a CDHU comprou o imóvel

vazio. Eles não eram moradores do imóvel, é uma postura diferente.

Ele foi ocupado93 e houve uma concessão da companhia para essa

população morar nesse imóvel. Então, dentro das regras de

92 O estudo de caso referente ao programa PAC é uma intervenção em um terreno anteriormente ocupado por um hospital. 93 Há dois movimentos populares de luta por terra e moradia que ocupavam o imóvel, a ULC e o MSTRC.

financiamento junto ao BID, essa população não morava no imóvel,

pelo fato de tê-lo comprado vazio. Acredito ser essa a situação desse

endereço. Não serão necessariamente essas pessoas que irão morar

neste imóvel, pois há as regras de acesso. Se dentre o valor do

imóvel e o valor da obra, há uma equação que temos de atender, se

a família tiver renda, ela pode pleitear. (...) Nós ainda não temos

ainda o formato de escolha das famílias, mas é certo que ficarão

dentro do setor básico de intervenção, pois é característico dessas

famílias não querer sair do centro, então ela tem que ter esses pré-

requisitos para ter acesso ao financiamento. Se vai ser sorteio ou

não, eu desconheço, não foi feito ainda, não sei como foi feito no

Pari94, que é uma outra situação. Isso ainda não está concluído. Há

algumas formas, mas ainda não está concluído.” (depoimento de Lia

Ferreira, arquiteta, estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est., CDHU –

PAC, gestão Geraldo Alckmin).

Na concepção do projeto arquitetônico das novas moradias da favela

do gato, integrantes do programa de locação social, a participação

da população se deu apenas em uma reunião, onde o projeto (já

pronto) foi apresentado às famílias. Wagner Germano, arquiteto

projetista dos edifícios, justifica a metodologia adotada, devido à

‘insegurança’ política para sua realização. Ele afirma que se as

famílias tivessem questionado e discordado do projeto, eles teriam

realizado as alterações possíveis. Logicamente segundo as restrições

limitantes já observadas por nossos estudos:

94 Empreendimento do PAC – BID edificado, localizado nom Pari, onde suas unidades formam (a contragosto da companhia) ‘fatiadas’ entre os movimentos de moradia do centro, após ocupação política do imóvel.

Page 175: limites a produção da moradia social no centro de SP

174

“Não tiveram uma participação muito efetiva no processo de

concepção do projeto. Obviamente, quando fizemos o estudo, eu

venho dessa escola, que está acostumada a fazer projeto discutindo

com a população, então para mim isso é complicado, fazer o projeto

da nossa cabeça. Ao mesmo tempo, nesses dez anos de Usina95, nessa

linha de trabalho, nos sensibiliza muito nessas questões. Então,

obviamente, que a minha postura em relação ao projeto, ela

contempla, ela observa algumas questões que dizem respeito a essa

expectativa, a esse diálogo com a população. Não era possível a

gente fazer um projeto participativo. Tinha uma dificuldade, até por

que a gente tinha tantas dúvidas em relação a esse empreendimento.

Se ele seria realizado ou não, (...) achavam [técnicos da Sehab] um

absurdo, colocar essa população para morar ali. Mas, não, essa

população já mora ali, eles já moram ali e a reivindicação é para não

sair dali. Mas tinha algumas pessoas que não entendiam isso, viam

isso de uma forma muito crítica, então, tinha toda uma ‘construção’

que tinha que ser feita, dentro até do próprio poder público. Esse

projeto, quando fizemos os estudos na Cohab, o fizemos por

encomenda do próprio Paulo Teixeira96, que recebeu a população:

‘olha precisamos dar uma resposta para a população’ (...). [contatos

com outras secretarias, costuras internas ao poder público que

demoraram, em dado momento ficou em ‘banho maria’, dúvidas. Até

que se falou ‘vamos fazer’, e tocamos a parte hab. (Peabiru),

enquanto se articulava os trabalhos paralelos] (...) Foi um processo

que não teve um ritmo, uma linearidade, então por isso também era

complicado trazer a população, por que a gente tinha uma

insegurança de dizer ‘traz a população para discutir’ e levantar uma

95 Assessoria técnica aos movimentos de moradia, onde os projetos de arquitetura provêm de uma ampla discussão com os moradores das unidades. 96 Secretário da Habitação PMSP gestão Marta Suplicy.

expectativa, e em dois ou três meses, deveríamos voltar tudo atrás

por causa de uma alteração no projeto que se alterava devido

discussões com outra secretarias da PMSP. E meio que fomos levando

a coisa. E obviamente, assim que concluímos o estudo (...) chamamos

a população para apresentar a proposta, e discutir com eles e ver

como é que era a aceitação e tal. Mas estávamos sabendo que

corríamos o risco de levar uma vaia e de ter de rever, e se assim

fosse reveríamos. Quando chamamos a população, a aceitação foi

total. A gente também trabalhou com conhecimento do perfil da

demanda, do perfil familiar (...) vimos que tinha um número

considerável de pessoas que moravam sozinhas, por isso que fizemos

as quitinetes (...). Há um trabalho de Habi constante na favela, e

quando a obra for encaminhada, vão fazer um recadastramento para

ver a evolução da população”. (depoimento de Wagner Germano,

arquiteto, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab,

gestão Marta Suplicy).

O arquiteto Caio Amore, da assessoria técnica contratada para a

realização do projeto executivo dos edifícios, participou da reunião

de apresentação do projeto, referida por Wagner Germano, e nos dá

maiores detalhes do ocorrido, confirmando seu relato:

“Quando a gente [técnicos da assessoria técnica Peabiru] foi fazer a

sondagem, nem entramos na favela, a gente teve de entrar pelo

alojamento, onde parte dos prédios vai ficar. E entramos nos

clubes97. O outro contato que tivemos com a população foi uma

apresentação que teve em uma salinha da PMSP, para um grupo de

moradores, de 60 pessoas (mais ou menos). (...) tinha uma

97 A implantação dos blocos habitacionais do conjunto favela do gato se dará onde hoje há CDM´s, Clubes Desportivos Municipais.

Page 176: limites a produção da moradia social no centro de SP

175

maquetinha eletrônica da escola, que a gente acabou levando, foi

tudo meio assim. Disseram [técnicos da Cohab] antes para

prepararmos o material, por que não estava no contrato, então foi

meio improvisado. (...) Foi mais explicar como é que era o prédio,

quantos prédios seriam, uma explicação bem rápida. Não foi uma

discussão, com aprovação, nada. Foi uma mera apresentação do

produto mesmo. (...) As perguntas, na verdade ficaram mais

dirigidas à história da obra. Quando que vai fazer, qual o prazo. Mas

não questionando o projeto. Eu não me recordo de nenhuma

pergunta nesse sentido”. (depoimento de Caio Amore, arquiteto,

assessoria técnica Peabiru).

O depoimento de Sassá, liderança dos moradores da favela do gato,

que também participou da mesma reunião relatada por Germano e

Amore, nos informa que no momento da reunião qualquer alteração

do projeto tornava-se difícil. Considera ainda que seria ‘melhor’ se

tivessem os convocado para uma discussão do projeto:

“Em nenhum momento fomos chamados para discutir o projeto. A

gente conheceu a Maquete e a planta, numa reunião. O projeto já

estava pronto, e não tinha jeito de mudar, já estava até em

concorrência. (...) Seria melhor se tivessem chamado, aí cada um já

dava a sua opinião certa”. (depoimento de Sassá, liderança popular,

estudo de caso favela do gato, morador da favela do gato).

moradias transitórias:

pequenas e de má qualidade

Segundo a ideologia e a cultura operante, observada na seção

limites ideológico – culturais, item pré-conceito e discriminação, escala da unidade habitacional: a idéia de ‘habitação popular’, é

‘normal’ a falta de qualidade nas moradias das famílias de baixa

renda. Daí, como pressuposto, ‘normal’ seria se os alojamentos para

elas erguidos seguissem a mesma lógica.

As famílias desalojadas pelo incêndio ocorrido em 2001 na favela do

gato foram alvo dessa prática, possivelmente alimentada pelo

referido limite.

Essa prática deflagra a existência de mais um limite, agora

específico, ao programa de locação social em implementação pela

PMSP, gestão Marta Suplicy.

Ele se manifesta como uma barreira à produção massiva e de

qualidade de moradias na área central, compreendida a produção

em todas suas etapas, inclusive as moradias transitórias.

Os depoimentos reproduzidos abaixo identificam com clareza a

presença desse limite:

“E a gente vai ter que fazer outra mudança... isso ñ está certo.

Dessa forma assim, tudo descontrolado, a gente vai sem saber se vai

para um lugar melhor ou pior! (...) Imagine só, já colocaram a gente

em barracos apertados, se mudarmos para um menor ainda... não

está certo. (...) Sem saber quando que estes prédios estarão

prontos... eles dizem um ano. Mas se for como nos alojamentos, que

Page 177: limites a produção da moradia social no centro de SP

176

nos prometeram que sairíamos em seis meses, e já estamos lá a dois

anos? (...) Eles prometeram ainda que teria segurança, que não

seríamos jogados, largados aqui... e que fizeram? Segurança

nenhuma! Você nem imagina os riscos que corremos aqui... quantos

coitados tiveram de deixar aqui por causa disso..., deixar tudo para

trás”. (depoimento de Sassá, liderança popular, estudo de caso

favela do gato, morador da favela do gato).

alojamentos provisórios favela do gato

foto: Pedro Arantes, 2001.

Uma produção habitacional de moradias de qualidade não pode

deixar de lado as famílias durante o processo de produção das

unidades, logicamente compreendendo como parte do processo, já

de responsabilidade da PMSP, as moradias transitórias. Cristina,

moradora da favela do gato complementa o depoimento de Sassá,

reafirmando as condições dos barracos transitórios:

“E agora que vai mudar para um alojamento de dois andares.

Imagina o pessoal que trabalha, ninguém consegue dormir à noite.

(...) Eles [PMSP] não poderiam fazer um pouco maior? Esses aí que

não cabe nada, mal cabe a cama e um fogão, nem uma geladeira,

que não tenho, não teria condição de por”. (depoimento de Cristina,

liderança popular, estudo de caso favela do gato, moradora da favela

do gato).

Page 178: limites a produção da moradia social no centro de SP

177

4.2 análise da promoção residencial pelo mercado

4.2.1 capitalismo sem mercado

A presente pesquisa tem como objetivo identificar quais são as

barreiras à produção da moradia social no centro. Como já antes

mencionado, não de qualquer produção, mas aquela realizada

segundo as qualidades necessárias à boa habitabilidade das famílias

moradoras. Buscamos entraves à produção de habitações

minimamente humanas.

Se estudarmos toda a produção habitacional para as famílias de

baixa renda no centro, certamente estaríamos adentrando nas

pensões, quartos, cortiços, favelas e casebres. Formas de habitação

que são mais regra que exceção no centro de São Paulo. Abrigos sem

qualidade para o bom desenvolvimento das atividades humanas

caseiras.

Ao nos depararmos com a questão, de como se daria a produção de

unidades voltadas para essas famílias, mas ‘de qualidade’, tivemos a

primeira notícia de que essa produção só seria possível através de

programas públicos de habitação. Pois, como vimos na seção limites

da economia política, item baixos salários e desemprego: não há

renda que pague a habitação, a renda dessas famílias é

extremamente baixa, e o acesso à moradia só seria possível com o

aporte de recursos do Estado. Pusemo-nos então a observar como se

dá o processo de funcionamento dos programas públicos e a

identificar por que mal funcionam esses programas. Em determinado

momento de nossos estudos deparamo-nos com uma barreira que

transcendia a produção habitacional de promoção pública. Tratava-

se do extremamente concentrado mercado imobiliário paulistano,

resultante do fato de que apenas um pequeno número de famílias

tem a possibilidade de adquirir suas casas ‘de qualidade’.

Este ‘extremamente concentrado’ mercado imobiliário realiza uma

forte pressão de valorização das unidades habitacionais ‘de

qualidade’ produzidas pelo poder público para as famílias de baixa

renda. Diante de um grande número de famílias de renda média que

também não conseguem acessar moradias habitacionais ‘de

qualidade’, pelos motivos que veremos mais adiante, as unidades

alvo da primeira parte de nosso estudo podem ser rapidamente

transferidas para as famílias de renda média, num processo análogo

ao da gentrificação, abordada na seção limites da economia política,

item gentrificação: expulsão das famílias de baixa renda, só que

desta vez, pontual: unidade a unidade é passada a famílias de renda

maior. Ao mesmo tempo em que as famílias de renda menor voltam

para suas antes má condições de habitação.

Partimos do pressuposto de que todas as famílias têm o direito ao

acesso à moradia digna, mas diante de uma sociedade

extremamente estratificada, desigual e de renda absurdamente

concentrada, seria possível um normal funcionamento de uma

economia de mercado? Para que todos possam participar deste

mercado, que tem como regra de funcionamento a competição entre

seres humanos, estes devem estar dotados de condições

minimamente igualitárias. Temos então um nó. É de identificar o

atamento desse nó mercadológico que se trata esta breve segunda

Page 179: limites a produção da moradia social no centro de SP

178

etapa da presente pesquisa: Como funciona o já antes mencionado

‘capitalismo sem mercado’?

Page 180: limites a produção da moradia social no centro de SP

179

4.2.2 lançamentos de empreendimentos habitacionais

pelo mercado

Antes de adentrarmos nos depoimentos de agentes envolvidos na

produção habitacional de interesse social através do mercado, faz-se

necessário um breve sobrevôo sobre a produção habitacional

paulistana privada em geral: O quê e onde o mercado produz?

Para uma breve análise desta questão, é que elaboramos algumas

tabelas compostas por dados gerais dos lançamentos residenciais

pelo mercado na região Metropolitana de São Paulo, de janeiro de

1992 a setembro de 2002. Essas informações foram extraídas de um

banco de dados elaborado pela EMBRAESP – Empresa Brasileira de

Estudos de Patrimônio, fornecido pela PMSP.

A partir deste banco de dados organizamos uma primeira tabela, que

nos informa a quantidade de unidades habitacionais lançadas pelo

mercado segundo faixas de valor de lançamento98. Nela, podemos

observar o total de unidades lançadas no período, que é de 350.469

unidades, dentre residências unifamiliares horizontais e verticais.

Deste total, apenas 2,78% são de imóveis de até U$ 20.000,00 (R

$56.800,0099), accessíveis através de financiamento bancário por

famílias de renda de mais de 10 salários mínimos, como veremos

mais adiante, na página 194 (quando compreenderemos por quê uma

casa de R$ 60.000,00 só pode ser acessada por uma família de renda

de 10,8 salários mínimos, através de financiamento da CEF). Isso nos

98 Atenção, pois as faixas de valor não estão subdivididas de forma proporcional. 99 U$ 1,00 = R$ 2,84 , câmbio de 16 de outubro de 2003

indica que o mercado habitacional privado praticamente não

atende, através de financiamentos, as classes de renda inferior a

esses 10 salários mínimos, o que representa mais de 80% da

população brasileira.

Page 181: limites a produção da moradia social no centro de SP

180

Tabela 8 : Lançamentos habitacionais na RMSP por faixas de valor

de lançamento

lançamentos habitacionais na RMSP

por faixas de valor

1.000 U$ unidades hab % do total

0 a 10 0 0,00

10 a 20 9.732 2,78

20 a 30 41.578 11,86

30 a 40 52.967 15,11

40 a 50 49.467 14,11

50 a 60 43.495 12,41

60 a 70 25.342 7,23

70 a 80 25.649 7,32

80 a 90 18.312 5,22

90 a 100 14.397 4,11

100 a 125 22.285 6,36

125 a 150 14.417 4,11

150 a 175 8.759 2,50

175 a 200 5.514 1,57

200 a 300 10.778 3,08

300 a 400 3.755 1,07

400 a 500 1.643 0,47

500 a 750 1.493 0,43

750 a 1.000 397 0,11

continuação

1.000 U$ unidades hab % do total

1.000 a 1.500 237 0,07

1.500 a 2.000 192 0,05

2.000 a 3.000 60 0,02

total 350.469 100,00

Fonte: EMBRAESP, Jan de 1992 a Set de 2002.

Page 182: limites a produção da moradia social no centro de SP

181

Com o objetivo de identificar a localização dos imóveis lançados

pelo mercado no centro da cidade, área de nosso estudo, é que

elaboramos a tabela abaixo. Pode-se notar que apenas 8.821

unidades foram lançadas na região, totalizando 2,52% dos

lançamentos em toda a RMSP. Destacamos o dado de que 4.167

unidades, quase metade do total lançado na região encontram-se

em áreas consideradas ‘nobres’, onde atualmente há interesse em

realização de empreendimentos residenciais, ou seja, onde ‘há

mercado’:

Tabela 9 : localização dos empreendimentos e unidades

habitacionais lançadas pelo mercado nos distritos centrais.

localização lançamentos unidades

barra funda 14 1.516

brás 5 812

bela vista 52 3.003

cambuci 7 1.065

consolação 13 1.164

liberdade 2 174

pari 2 156

santa cecília 10 703

sé/republica 2 228

total centro 107 8.821

total RMSP 5.000 350.469

% da RMSP 2,14 2,52

Fonte: EMBRAESP, jan de 1992 a set 2002.

Para melhor espacialização destes distritos elaboramos mapa

simplificado contendo as principais vias de circulação:

fonte: sítio da PMSP:

http://portal.prefeitura.sp.gov.br/subprefeituras/spse/mapas/0001

Para identificação dos valores dos imóveis lançados na região

central, elaboramos uma tabela de cruzamento dos dados das faixas

de valor pela localização dos imóveis (uma tabela que separe por

distrito as faixas de valor dos imóveis também foi elaborada, mas

encontra-se nos anexos, devido sua dimensão avantajada). Á partir

da tabela abaixo verificamos que há uma similaridade nas

proporções de lançamento de unidades no centro e na RMSP. Ou

seja, para cada faixa de valor, as porcentagens são próximas, por

exemplo, o lançamento de unidades de valor até U$ 20.000 (R

Page 183: limites a produção da moradia social no centro de SP

182

$56.800,00100) é parecida: 2,2% no centro e 2,76 na RMSP, e assim

por diante, com algumas diferenças em determinadas faixas de

valor. Na tabela localizada em anexo, identificamos que 85% dos

lançamentos localizados no distrito da bela vista são de valor

superior a U$ 30.000,00, acessíveis apenas pelas camadas de renda

mais alta, demonstrando ser a parte do centro que encontra-se ‘no

mercado’.

tabela 10 : unidades lançadas no centro por faixas de valor de

lançamento

valor UH centro RMSP

por 1.000 U$ UH % UH %

0 a10 0 0 0 0

10 a 20 195 2,2 9.684 2,76

20 a 30 909 10,3 41.626 11,88

30 a 40 1.340 15,2 52.807 15,07

40 a 50 688 7,8 49.627 14,16

50 a 60 2.332 26,4 43.466 12,40

60 a 70 720 8,2 25.371 7,24

70 a 80 1.328 15,1 25.649 7,32

mais de 80 1.309 14,8 102.239 29,17

totais 8.821 100 350.469 100

fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2003.

100 todas os cálculos de dólar para real estão na cotação de U$ 1,00 = R$ 2,84 , câmbio de 16 de outubro de 2003

Algumas outras considerações podem ser feitas a partir de nossa

visita ao banco de dados da EMBRAESP, mas que não podem ser

visualizadas nas tabelas apresentadas. A primeira delas é a

constatação de que o mercado formal de habitação não consegue

produzir unidades de valor inferior a U$ 12.750,00, ou R$ 36.210,00

, mas cabe informar sua localização e área útil: Itaquaquecetuba,

com 48,46 m². Logicamente distante das áreas mais valorizadas da

cidade.

Outra consideração relevante é acerca da amplitude do mercado de

habitação e de suas disparidades, a ponto de termos uma produção

de 826 unidades habitacionais de valor superior a U$ 1.000.000,00,

num período próximo de dez anos. Desta forma, elaboramos uma

tabela complementar a nossos estudos, de relevância certa para a

compreensão das disparidades sócio-econômicas a que estamos

submetidos.

Page 184: limites a produção da moradia social no centro de SP

183

É interessante notar a coluna do meio, que nos indica o fator de

proporção diferencial, ou seja, quantas vezes a maior unidade

habitacional é maior que a menor unidade habitacional lançada ao

mercado:

Tabela 11: tabela comparativa dos extremos da produção

habitacional pelo mercado

quesito valor uni// fator quesito valor uni//

mais caro 3.000.000,00 U$ 235 mais barato 12.750,80 U$

maior área 800 m² 38 menor área 21 m²

mais qtos. 5 uni//s 10 menos quartos 0,5 uni//s

mais wc´s 6 uni//s 6 menos wc´s 1 uni//s

mais vagas 8 uni//s menos vagas 0 uni//s

m² mais caro 2.670,23 U$ 17 m² mais barato 154,87 U$

Fonte: EMBRAESP, Jan de 1992 a Set de 2002.

Page 185: limites a produção da moradia social no centro de SP

184

4.2.3 lançamentos de empreendimentos de ‘HIS’ pelo

mercado

Observada a produção habitacional privada, voltada mais

especificamente às classes sociais de maior renda, buscaremos a

seguir, também de forma rápida, coletar alguns dados relevantes à

compreensão do universo específico da produção de HIS pela

iniciativa privada. Quantos são esses empreendimentos? Onde se

localizam na RMSP?

Antes de adentrarmos nas informações que buscam responder as

questões colocadas, algumas ressalvas e considerações acerca da

formatação do material coletado são necessárias, pois até agosto de

2002 não havia há dados específicos acerca da produção de HIS pelo

mercado. Devido ao fato de até então não haver um sistema de

armazenamento e tabulação dessas informações pela PMSP, ou por

qualquer outra entidade de pesquisa. As planilhas elaboradas pela

EMBRAESP aqui utilizadas não diferenciam a característica de

aprovação dos lançamentos imobiliários, se são HIS ou não. Desta

forma, utilizamos a metodologia elaborada por Carolina Pozzi de

Castro, em sua dissertação de mestrado: “A Explosão do

autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos

90”, no qual realizou uma aproximação de quais empreendimentos

dos fornecidos pela EMBRAESP podem ser considerados de Interesse

Social. Esta aproximação foi possível pela seleção das unidades que

se enquadram nos parâmetros de caracterização de HIS segundo a

legislação que regulamenta a Habitação de Interesse Social. O

decreto considera os empreendimentos que podem usufruir dos

benefícios fiscais e urbanísticos aqueles que possuírem área total

máxima de até 72 m², apenas um banheiro, máximo de uma vaga de

estacionamento descoberta por unidade, áreas máximas de lote de

100m² quando unifamiliar e 20.000m² quando multifamiliar, e,

finalmente, as famílias que podem ter acesso a essas unidades

podem ter renda de até 12 salários mínimos101.

Desta forma temos as unidades de ‘HIS’, que servirão de base para

nossos estudos. Essa aproximação é suficiente para a busca das

informações necessárias para a presente pesquisa. Apenas para

aferir o valor dos imóveis do universo de ‘HIS’ encontrado,

observamos que o imóvel de ‘HIS’ de maior valor de lançamento

encontrado segundo a metodologia apresentada é de U$ 61.122,24

ou R$ 173.546,00. Para aferir sua ‘veracidade’, o comparamos com o

valor máximo de um imóvel que pode ser comprado por uma família

de renda de 12 salários mínimos (como vimos na lei de HIS), e

comprometimento de renda de 20% para o pagamento das

prestações do financiamento, com juros de 8%, e chegamos a uma

habitação de R$ 170.400,00. O que nos parece suficientemente

próximo.

101 segundo o decreto lei de 26 de maio de 1992

Page 186: limites a produção da moradia social no centro de SP

185

A seguir podemos identificar o universo de ‘HIS’ lançadas na RMSP,

no período de jan de 1992 e set de 2002:

Tabela 12 : lançamentos residenciais de ‘HIS’ na RMSP

lançamentos res. RMSP

HIS' total RMSP %

empreendimentos 146 5.000 2,92

unidades 16.216 350.469 4,63

Fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.

Apenas como informação complementar, apresentamos abaixo o

número de HIS aprovadas pela PMSP de agosto de 2002 a julho de

2003. Atentamos aqui que estes dados da produção de HIS são os

únicos que podemos tratar como certos ou exatos, pois foram

extraídos do banco de dados recentemente elaborado pela PMSP102,

em Aprov, órgão da Sehab responsável pela aprovação de

edificações.

Devido sua recente criação, não o utilizaremos para subsidiar as

questões por hora trabalhadas, mas sim apenas para aferir e

comparar com os dados de ‘HIS’ extraídos do banco de dados da

EMBRAESP.

Segundo o referido banco de dados de Aprov, foram aprovadas 3.792

unidades habitacionais de HIS em todo o município de São Paulo no

102 Este banco de dados foi elaborado em agosto de 2003, momento qual me foi dada a possibilidade de contribuir em parte de sua elaboração inicial como parte dos trabalhos de campo da presente pesquisa.

período de um ano (agosto de 2002 a julho de 2003). Se

compararmos com os imóveis de ‘HIS’ lançados e documentados pela

Embraesp, e fizermos uma média de quantas unidades são lançadas

por ano, chegaremos a 1.520 imóveis de ‘HIS’/ano. Esta diferença

pode talvez ser explicada pelo crescimento verificado nessa

modalidade de produção durante o período utilizado como base de

estudo. Há, por exemplo, no ano de 1992, 874 unidades de ‘HIS’

lançadas; já em 2001, o mercado lançou 2002 unidades.

Tabela 13 : empreendimentos e unidades de HIS aprovadas pela

PMSP durante o período de um ano

empreendi/os unidades

ago/02 11 1246

set/02 6 324

out/02 4 185

nov/02 7 222

dez/02 4 123

jan/03 3 224

fev/03 3 165

mar/03 3 308

abr/03 1 36

mai/03 7 218

jun/03 12 501

jul/03 9 240

total 70 3792

localizados no centro 0 0

fonte: PMSP, Sehab – Aprov banco de dados.

Page 187: limites a produção da moradia social no centro de SP

186

Dos empreendimentos de HIS aprovados pela PMSP elencados na

tabela anterior (tabela 13) nenhum deles localiza-se no centro de

São Paulo. Mas se observarmos os imóveis de ‘HIS’ lançados pelo

mercado no centro, segundo a Embraesp, veremos que totalizam 993

unidades, o que significa 6,12% dos lançamentos de ‘HIS’ de toda a

RMSP.

Tabela 14 : localização dos lançamentos residenciais de ‘HIS’ no

centro

lançamentos de ‘HIS’ no centro

empreendi/os unidades ‘HIS'

barra funda 14 1.516 210

brás 5 812 0

bela vista 52 3.003 0

cambuci 7 1.065 0

consolação 13 1.164 404

liberdade 2 174 0

pari 2 156 0

santa cecília 10 703 151

sé/republica 2 228 228

total centro 107 8.821 993

total RMSP 5.000 350.469 16.216

% da RMSP 2,14 2,52 6,12

Fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.

Page 188: limites a produção da moradia social no centro de SP

187

4.2.4 a produção por cooperativas habitacionais

autofinanciadas

A produção habitacional por cooperativas foi pela primeira vez

regulamentada em 1964, com o advento do golpe militar, e a

criação do BNH. Anos após, são criados os INOCCOPS, entidades civis

sem fins lucrativos que então incubariam cooperativas habitacionais

por todo o país. Desde sua regulamentação muitas alterações em

suas regras de funcionamento foram estabelecidas, como a

obrigatoriedade de incursão de agentes do governo central militar

em suas estruturas com o objetivo de ‘fiscalizá-las’.

Á partir da constituição de 1988, uma nova onda de produção de

unidades por cooperativas habitacionais se deu nas cidades

brasileiras, e em nosso caso, em São Paulo. É deste período da

produção cooperada de habitações que iremos de forma muito breve

tratar mais adiante. Para um maior aprofundamento acerca desse

tema, pós 1988, da produção habitacional por cooperativas, visitar a

dissertação de Mestrado de Carolina Pozzi de Castro: “A Explosão do

autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos

90”.

Há dados que indicam uma intensa produção habitacional por

cooperativas autofinanciadas em toda a RMSP. Entre janeiro de 1992

e setembro de 2002, foram lançadas ao mercado 67.702 unidades,

ou 19,32% de todos os lançamentos residenciais na RMSP. Trata-se

de uma produção significativa, mas pouco presente na região central

de São Paulo, onde houve o lançamento de apenas 496 unidades, ou

0,7% do total produzido pelas cooperativas na RMSP.

Antes de compreender o por quê da presença maciça de

cooperativas apenas nas regiões menos centrais, vejamos alguns

dados e características de sua produção:

tabela 15 : dados de exemplos da produção de cooperativas

habitacionais de autofinanciamento

quadro resumo da produção de cooperativas habitacionais de

autofinanciamento

coop. UH

prod. localiz. Q

area

útil

uni//

custos (R$)* financiam/o

m² uni// m² prestaç.

Inocoop

- SP 115 RMSP

2 57,86 69.000,00 1.192,53 487,00 CEF, Bancos

Privados e

Autof. 3 71,85 79.500,00 1.106,47 550,00

Coop.

Hab

Piratin.

714 Zona

NO MSP 2 61,68 65.704,32 1.065,25 456,28 Autof.

Bancoop 2.598 RMSP e

litoral

1

a

3

37 a

67

38.000,00

a

147.900,00

753,00 a

1.613,00

300,00 a

1.200,00 Autof.

Coop.

Hab. do

Estado

de São

Paulo

4.200 RMSP

1

e

2

indef.

38.480,00

a

71.500,00

indef. 313,00 a

706,00 Autof.

*valores de agosto de 2002

Page 189: limites a produção da moradia social no centro de SP

188

fonte: material apresentado por cooperativas habitacionais no Seminário “Como

ampliar o mercado de habitação popular? : construindo uma agenda”, promovido

pela Sehab/PMSP e LabHab Fau Usp, em novembro de 2002.

Na tabela ao lado podemos ver a quantidade de imóveis produzidos

por faixa de valor de lançamento, onde se pode notar um maior

volume de lançamentos nas faixas de 30 a 40 mil U$, ou R$

85.200,00 a R$ 113.600,00, totalizando quase a metade dos

lançamentos da faixa em toda a RMSP: 49,62%. Essas unidades

voltam-se às rendas mensais familiares de oito a dez salários

mínimos, caracterizando a produção de unidades de cooperativas

habitacionais como uma forma massiva de produção habitacional

para a classe média paulistana.

Vale ainda ressaltar os extremos da produção cooperativa, que

produz unidades de U$ 16.938,00 (R$ 47.535,00) no Tremembé, com

45,5 m² de área útil, e U$ 117.790,00 (R$ 334.523,00) em Cotia,

com 184 m² de área útil, demonstrando a amplitude das faixas de

renda que atende.

tabela 16 : lançamentos habitacionais de cooperativas na RMSP

por faixa de valor do imóvel.

lançamentos habitacionais RMSP

preço UH cooperativas total RMSP

por 1.000 U$ UH

% das

coop

% das UH total

RMSP UH %

mais de 80 160 0,24 0,16 102.239 29,17

70 a 80 575 0,85 2,24 25.649 7,32

60 a 70 1.770 2,61 6,98 25.371 7,24

50 a 60 9.441 13,94 21,72 43.466 12,40

40 a 50 19.823 29,28 39,94 49.627 14,16

30 a 40 25.573 37,77 48,43 52.807 15,07

20 a 30 9.112 13,46 21,89 41.626 11,88

10 a 20 1.248 1,84 12,89 9.684 2,76

0 a10 0 0,00 0,00 0 0

totais 67.702 100 19,32 350.469 100

fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.

Page 190: limites a produção da moradia social no centro de SP

189

Aprofundando um pouco mais a caracterização da produção

habitacional por cooperativas autofinanciadas, vejamos a tabela

abaixo, que nos fornece dados acerca dos lançamentos cooperados

de ‘HIS’, totalizando 6.634 unidades: 9,79% da produção por

cooperativas na RMSP, e 40,91% dos lançamentos de ‘HIS’ de toda a

RMSP.

tabela 17 : lançamentos residenciais de cooperativas

habitacionais, cooperativas habitacionais de ‘HIS’e ‘HIS’ em geral.

lançamentos residenciais RMSP

total coop coop 'HIS'

total 'HIS'

RMSP

total

RMSP

quanti//

% do

total

RMSP

quanti//

% do

total

'HIS'

RMSP

quanti//

% do

total

RMSP

quanti//

empreendi/os 194 3,88 31 21,23 146 2,92 5.000

UH 67.702 19,32 6.634 40,91 16.216 4,63 350.469

fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.

A localização das cooperativas habitacionais pode ser observada

abaixo. Como se vê, há apenas 496 unidades lançadas no centro, das

quais 208 localizam-se no distrito da consolação, rua Bela Cintra,

por U$ 38.628,47 (R$ 109.704,85) e US 52.083,33 (R$ 147.916,66) e

do Brás, rua Ipanema, por U$ 73.890,51 (R$ 208.890,51).

tabela 18 : localização dos lançamentos residenciais por

cooperativas autofinanciadas

lançamentos residenciais por cooperativas

coop no centro coop no MSP

total

coop

RMSP

quanti//

% do

total

coop

RMSP

quanti//

% do

total

coop

RMSP

quanti//

empreendimentos 3 1,5 108 55,7 194

unidades 496 0,7 30.268 44,7 67.702

fonte: Embraesp, jan 1992 a set 2002.

Page 191: limites a produção da moradia social no centro de SP

190

4.2.5 limites à produção residencial privada

4.2.5.1 relação dos agentes entrevistados

A. cooperativas habitacionais autofinanciadas

- William Kun Niscolo, advogado, presidente da Fecoohesp.

B. construtoras

- Celso Luiz Petrucci, engenheiro, diretor do Secovi.

- Orlando de Almeida Filho, corretor de imóveis, presidente do

Sciesp.

Page 192: limites a produção da moradia social no centro de SP

191

4.2.5.2 limites à produção por construtoras e cooperativas

autofinanciadas

Como relatado no início desta etapa acerca da produção privada de

HIS, a presença de um mercado estreito, ou de um regime de

‘capitalismo sem mercado’, acaba por se tornar mais uma barreira à

produção da moradia social no centro.

Alguns depoimentos e trechos bibliográficos coletados já apontaram

para este fato. Antes de apresentarmos as considerações dos

agentes diretamente envolvidos na produção de HIS pelo mercado,

vejamos alguns trechos de depoimentos dos agentes inseridos no

processo de produção de HIS pelo poder público acerca do tema.

Margareth Uemura, técnica da Cohab, nos indica algumas das

barreiras à produção privada de HIS no centro. Trata-se da falta de

incentivos aos empreendimentos, falta de punições dos proprietários

que não cumprem a função social de seus imóveis, bem como a

inexistência de uma política nacional de investimentos em

habitação:

“Não há incentivos [a produção privada de HIS no centro], por um

lado por que não se pune, por outro lado também não há incentivos

de reabilitar. Há também a questão da política financeira no Brasil.

O investimento no mercado financeiro é o que traz retorno, muito

maior do que fazer investimento no mercado imobiliário. Então

gastar 5o mil para fazer reforma num predinho de apartamentos, na

hora de locar, o retorno é muito menor”. (depoimento de Margareth

Uemura, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –

Cohab, gestão Marta Suplicy).

Helena Silva, vice-presidente do Pró Centro, PMSP, também

considera a falta de incentivos, e de financiamento, como barreiras

à produção privada, considerando-as tão relevantes quanto os

instrumentos do Estatuto da Cidade, já aplicados na região central

nas ZEIS 3103, que buscam incentivar a produção de HIS. Ou seja,

Silva conclui que de nada adianta a presença destes instrumentos se

não há incentivo e financiamento:

“Em função da questão fundiária, nós definimos o instrumento Zeis,

foi um avanço, é muito importante. Mas a Zeis, assim como qualquer

instrumento do Estatuto da Cidade, ele não funciona sozinho,

nenhum instrumento urbanístico, por melhor que ele seja, ele

funciona se ele não for acompanhado de gestão, de promoção

mesmo, de mobilização que o poder público faz dos agentes

envolvidos, e se não tiver financiamento para responder. Ontem eu

discuti essa questão, também noutro Seminário do Ministério das

Cidades. Por exemplo: em todas as áreas de zeis 3, você tem o

instrumento da urbanização com edificação compulsória, que tem a

taxação progressiva. Vamos falar da urbanização compulsória. Ela

serve para quê? Quando você sabe que se o proprietário, ele não

fizer aquilo [destinar algum uso ao seu imóvel], depois de um certo

tempo, ele vai ter o imposto progressivo. E depois de mais algum

tempo ele vai ter a desapropriação por títulos da dívida. Bom para

que serviria isso? O proprietário, ele vai raciocinar, e vai ver que o

103 Os imóveis inseridos nas áreas delimitadas como Zeis 3 no plano diretor estratégico de São Paulo, devem, dentre outros requisitos, reservar nos novos empreendimentos 50% de sua área construída voltada para HIS.

Page 193: limites a produção da moradia social no centro de SP

192

imposto dele vai aumentar muito, e que vai ficar caro aquele

terreno, e muito melhor seria ele vender. Uma das idéias da

urbanização compulsória é aumentar a oferta, ela aumenta, mas ela

tem de ser aproveitada por alguém. Então para o poder público

aproveitar a oferta, ele tem que ter recurso para adquirir. Para o

setor privado também aproveitar, ele também tem que ter recurso

para adquirir para uma demanda, que é aquela que nos interessa

colocar nas zeis. Se você não tiver recursos para produzir habitação

de interesse social, você corre o risco de estar congelando,

imobilizando zonas, por que você não tem saída. Não adianta você

ter instrumentos, dos quais você não tem uma saída de viabilidade.

Então a questão da política é uma política fundiária, que conta com

instrumentos operacionais e que conta com recursos: é base para

que os instrumentos funcionem. Se não é discurso, é demagogia, e o

movimento fica achando que o programa vai andar e não anda. Por

que primeiro você tem a propriedade privada, a propriedade

privada. (...) Agora, outra coisa, é também a parceria entre os

construtores e os proprietários de terreno. Então o poder público,

ele pode até entrar com um pouco de recursos, mas ele tem que

entrar muito é mostrando como os instrumentos funcionam. Que é,

por exemplo, o que estamos fazendo na Cúria104”. (depoimento de

Helena Silva, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –

Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

104 O Pró Centro, através do ‘escritório antena’ (grupo de técnicos voltados à atuação em um perímetro pré-definido do centro) tem realizado reuniões sistemáticas com a Cúria Metropolitana, proprietária de imóveis em um dos perímetros delimitados, para que lá possam realizar uma parceria público-privada de investimentos, onde 50% da área construída deverá ser de unidades de HIS. Isto ocorre no PRIH – Luz (Perímetro de Reabilitação Integrada do Habitat, localizado na região da Luz).

Ermínia Maricato, professora da Fau Usp, em participação no

encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa

idéia?”, considerou que se faz necessária a criação de um programa

nacional de financiamento habitacional especificamente voltado à

produção de HIS nas regiões centrais das grandes cidades, segundo

consta no ‘Projeto Moradia’, proposta de política habitacional

nacional organizada pelo Instituto da Cidadania:

“Precisamos de Um programa nacional de financiamento voltado

para a moradia social em áreas centrais de grandes cidades. Algo que

tem sido discutido e está no Projeto Moradia, é a questão dos

subsídios escalonados. Toda faixa de renda tem alguma capacidade

de poupança. Alguns podem até autofinanciar suas moradias, como

revelou a pesquisa da Fipe sobre a capacidade de poupança de um

terço dos entrevistados” (Ermínia Maricato, in: relatório final do

encontro “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa

idéia?”, Lab Hab Fau Usp, 2000:59).

Maricato teceu estas considerações a partir de estudos que indicam

como barreira à produção habitacional pelo mercado a falta de um

modelo de financiamento compatível com a realidade econômica da

maior parte das famílias brasileiras. Vivemos sob um modelo

produtivo que não foi criado para produzir para estas pessoas:

“Nos anos 90, o financiamento habitacional oferecido pelo mercado

privado ilegal, ou seja, pelos bancos, não atinge aqueles que ganham

menos de 10 salários mínimos, de modo geral. Algumas cooperativas

associativas como é o caso da Cooperativa do Sindicato dos

bancários, em São Paulo, chegam com seus produtos à faixa mínima

Page 194: limites a produção da moradia social no centro de SP

193

de 8 salários mínimos (1999). Essa, entretanto, não é a regra. Para

dar uma idéia de grandeza, na região metropolitana de São Paulo

apenas 40% das famílias, aproximadamente, tem renda de dez

salários mínimos para cima. Ou seja, quase 60% da população da

metrópole paulistana estão excluídos do mercado legal privado de

moradia”. (Maricato, in: “A cidade do pensamento único,

desmanchando consensos”, 2000:156).

Para compreender melhor o porque da não inclusão destes 60% da

população paulistana na produção habitacional pelo mercado,

realizamos uma entrevista com um dos diretores do Secovi -

Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração

de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo, Celso Luiz

Petrucci. Engenheiro e responsável pela diretoria de produção

habitacional voltada aos 60% excluídos do mercado: a produção de

HIS pública e privada. Possui, portanto, olhos treinados para

observar a produção de HIS pela ótica empresarial, compreendendo

suas dificuldades e carências.

Petrucci inicia sua explanação sobre o tema apontando como

deveria funcionar o financiamento habitacional para uma sociedade

estratificada e marcada pelas desigualdades: de forma desigual. As

famílias de renda acima de dez salários mínimos devem acessar

maiores vultos de dinheiro (o que resulta em casas maiores e

melhores) diretamente das cadernetas de poupança dos bancos

privados. As famílias de renda até 10 salários, recursos razoáveis da

maior ‘poupança pública’, o FGTS, com juros mais baixos que os de

mercado (resultando em casas suficientemente boas para

habitação), e as de até três salários, recursos subsidiados pelo OGU –

Orçamento Geral da União (que produziriam unidades mais baratas e

simplórias).

Petrucci, ao comparar o modelo supra citado com o atual

funcionamento do sistema de financiamento habitacional, afirma

que há muitas diferenças. Entre elas é a “dificuldade de critérios de

aprovação de financiamento: elitizando a aplicação dos recursos do

FGTS: a caixa é seletiva na aplicação dos recursos”.Daí, “quem

poderia ter recursos do SBPE (acima de 10) utiliza o FGTS, que é

subsidiado, perde-se o subsídio para até os 10 salários, e quem

toma é quem tem bem mais condições”.

Atualmente o FGTS assiste famílias com até 4.500,00 de renda (18

salários mínimos). Petrucci reivindica formas de “trazer este

funding (FGTS) para uma classe mais baixa, de 2.400, 3.500,00,

vendo se despreciona os recursos do FGTS para quem realmente

precisa”.

Petrucci lista as maiores barreiras à produção de HIS privada no

centro, muitas delas comuns à produção pública, já vistas nas seções

anteriores:

1: alto custo da terra: “Falta disponibilidade de terra a um preço

compatível com o preço que tem que ter o imóvel”.

Page 195: limites a produção da moradia social no centro de SP

194

2: desconhecimento dos incentivos existentes: “Falta um pouco de

conhecimento para os nossos empresários, da Operação Urbana

Centro105, por que ela traz uma série de incentivos”.

3: demora na aprovação dos projetos pela PMSP: “Apesar de todas

as iniciativas, do pessoal de Aprov on-line106, nós ainda temos uma

demora muito grande para aprovação de projetos. Ainda é, a gente

houve muitos empresários que tem dificuldade. A gente vê a

dificuldade que é para se detectar uma oportunidade, e sair dessa

oportunidade até a aprovação do projeto e a incorporação”

4: falta de um banco de dados de demanda e ofertas: “Os

programas que tem, o PAR, por exemplo, são bastante burocráticos,

você tem uma exigência de memorial descritivo muito forte, e você

tem os números deles, que são muito apertados para você trabalhar.

(...) Se torna muito difícil você detectar oportunidades no centro.

Para o Cláudio Bernardes107, eu tenho a certeza que as pessoas

oferecem as coisas, por que como ele fez dois projetos no centro, ele

acaba tendo ofertas até de terrenos. Mas você não tem um banco de

ofertas imobiliárias, você depende, eu fico pensando: ‘como é que

eu vou prospectar um negócio no centro da cidade. (...) ninguém tem

uma base de dados. Essa era uma idéia de um antigo convênio, (...)

um acordo de cooperação entre a SEDU, no ano retrasado: Sedu, gov.

105 A operação Urbana Centro, criada em junho de 1997, abre a possibilidade de maiores taxas de ocupação para novos empreendimentos imobiliários no centro, além de outros incentivos. 106 Trata-se de uma nova forma de gerenciamento dos processos de aprovação de edificações pela PMSP/Sehab/Aprov, que permita o acompanhamento dos processos pela Internet, e outras facilidades. ver sítio da PMSP: http://plantasonline.prefeitura.sp.gov.br/ 107 Empresário que recentemente realizou dois empreendimentos habitacionais na região central, a partir da compra dos imóveis, reforma e posterior venda.

estado, o município, CEF e sindicatos. Havia um acordo de

cooperação técnica, uma das propostas era montar um banco de

ofertas, e a outra, lógico, era de fazer um banco de demandas. Para

ver se conseguíamos que qualquer nível de governo tivesse acesso às

mesmas informações e procurassem formatar programas mais

integrados. (...) É uma idéia que se tem que conseguir desenvolver,

a gente houve muito: ‘no centro tem não sei quantas mil unidades

desativadas, não sei quantos prédios abandonados’ mas cada um faz

um pedacinho do levantamento. Eu imagino, que no centro deva ter

milhares de metros quadrados parados. Só que ninguém sabe disso,

ninguém sabe quem é o dono, se a propriedade está legalmente

acessível, por serem propriedades antigas”.

5. conjuntura econômica: “Um construtor, um empreendedor vai

para qualquer lugar que tiver oportunidades, se o Cláudio foi lá

mexer nesse prédio, no centro, é por que quando ele fez a conta, no

final dava lucro, se não ele não ia. Só que para começar a pensar em

alguma coisa, nós estamos passando por uma conjuntura tão

complicada que as empresas mal e mal estão dando conta daquilo

que estão fazendo. E tem que ser muito competente nas coisas que

está fazendo, para não piorar a conjuntura da própria empresa,

então eles não têm o tempo para ver se tem alguma opção de

negócio numa região central”.

6. limitação cultural do empresariado brasileiro: “Há uma limitação

cultural, isso deu para perceber quando estivemos outro dia com um

Francês, numa consultoria. Ainda estamos, o empresário nosso, numa

cultura de que construir significa... como a história da nossa

construção é muito engraçada: a maioria das grandes empresas de

hoje começaram quando esses engenheiros eram recém formados na

Page 196: limites a produção da moradia social no centro de SP

195

USP, Mauá, e faziam sobradinhos, com o dinheiro do pai (assim

começaram as empresas de engenharia). Essas empresas de

engenharia, que são espacializadas no ramo imobiliário, elas nunca

(São Paulo tinha tanta coisa por se fazer nos últimos anos,

principalmente durante os anos 80) viram o mercado de reforma,

como um mercado empresarial, para se ganhar dinheiro, para se

consolidar uma empresa nesse mercado. E eu acho que esta questão

hoje, ela começa a ser vista de uma outra forma. A partir do

momento que você começa a perceber que aquilo que se investe na

França em reformas, é de 50%. Eu tenho visto no Brasil inteiro que se

começa a pegar uma cultura desse tipo, agora, sempre que a gente

fala isso em termos empresariais, outro dia vi um empresário que

fez uma revitalização no centro do Rio, e fica muito legal, mas veja

só o resultado do negócio: um negócio de um milhão de reais, vamos

dizer que este foi o custo, e no fim que tenha sobrado, um lucro de

200.000 reais, o que é uma rentabilidade boa, mas você pega o

tempo que ele demandou para conseguir isso: conseguir aprovar um

projeto desse, conseguir colocar dentro das diretrizes da prefeitura.

Deve ter sido em uns 20 meses, por exemplo. Dá 10.000 reais por

mês. E com um empresário nosso da indústria imobiliária, ele está

acostumado com um outro tipo de coisa: É um ‘developer’108 mesmo,

bem no estilo americano. Está acostumado a ver um terreno, ver que

existe uma oportunidade, é o ‘filing’109 dele. Uma pesquisa, um

estudo, diz que ali dá para fazer um bom negócio: ele desenvolve o

produto, aprova o projeto, registra a incorporação, vai a um banco

ou não e lança esse produto no mercado. É muito diferente da

logística que exige você ir ver o prédio que está disponível para

vender, você ter que imaginar o que está por trás das paredes. Ter

108 ‘desenvolvedor’, do Inglês. 109 ‘sentimento’, faro pelo ‘negócio’, enquanto transação comercial, do inglês.

que imaginar a reforma que você vai ter que fazer, saber a

adaptação que você vai ter que fazer, a legislação que mudou (por

que esse prédio tem 30 anos), ou seja, o quê que você vai ter que

fazer para transformar esse prédio numa mercadoria para venda.

Mas eu tenho percebido nos próprios empresários, e aqui em

particular, que já existe um interesse muito grande nesse tipo de

coisa. Eu acho que o que falta ainda é oportunidade. De aparecer

alguém falando: ‘olha, eu tenho ali um hotel que está sendo

desativado. É tudo conta110, para mim é tudo conta: estou vendendo

a mil reais, quantos apartamentos dá para fazer nesse hotel? Dá para

fazer 20 apartamentos de 40.000,00 (dentro dos dez salários), dá

uma receita de R$ 800.000,00, quanto que eu vou gastar para pegar

esse prédio, re aprovar, transformar uma matrícula só em várias

matrículas, numa fração ideal, ir ao registro de imóveis, transformar

isso numa incorporação imobiliária e tal, vou ver se dentro desses R$

800.000,00 dá para fazer tudo isso. Se dá para reformar, e se dá

para ganhar dinheiro, né? Isso aqui hoje é ainda muito, é muito

complicado. As pessoas não estão para isso, ainda que a conjuntura

não permite, elas não estão para perder tempo. Se chegasse alguém

e falasse assim: ‘tenho dez imóveis lá no centro, vamos lá dar uma

olhada para ver se algum interessa e tal, os imóveis estão sendo

vendidos a preço de mercado, eu tenho um terreno, que dá para

fazer uma operação urbana, que me permite um aproveitamento de

seis vezes’. Não existe isso, não existe essa oferta no mercado. Eu

acho que essa informação é hoje muito mais dos poderes públicos,

que da iniciativa privada. Você deve ter esse tipo de levantamento

na Viva o Centro, na Prefeitura, mas ninguém junta isso para dizer:

‘olha ali tem um terreno vazio ali, vamos tentar viabilizar um

110 matemática, equação que informa se o empreendimento imobiliário gera lucro.

Page 197: limites a produção da moradia social no centro de SP

196

empreendimento ali, tem um monte de imóvel que dá para fazer

retrofit, e nós vamos ofertar esses imóveis’”.

7. Falta de parceria entre o poder público e a iniciativa privada:

“Tem este exemplo do Rio de Janeiro (é muito complicado você fazer

uma operação imobiliária) onde ele pegou dois imóveis antigos, e

transformou esses dois imóveis comerciais antigos em uns doze

apartamentos. Agora, seria muito mais atrativo, se isso fosse, por

exemplo, uma quadra. Estou falando isso pelo seguinte: se a PMSP

conseguisse fazer no centro o que em Salvador eles conseguiram

fazer, no pelourinho, ou seja, você atrair os proprietários de uma

certa região, mostrando para eles tudo que vai ser feito de melhor

nessa região. Se você melhora aqui, questões de circulação,

estacionamento, colocar serviços, colocar comércio, em regiões hoje

degradadas. Por exemplo, se pegarmos uma quadra da Conselheiro

Crispiniano, onde hoje para andar é complicado. (...) e se você ao

invés de estar trabalhando imóveis isoladamente e estiver

trabalhando numa área um pouquinho maior, você gera

oportunidades, utilizando-se de instrumentos como o recém criado

agora pela medida provisória: os Programas de Parceria Privada, o

tal dos PIPS, e o FIDC da CEF, que é Fundo de Investimento de

Direitos Creditórios, que serve para esse tipo de coisa: eu detecto

uma oportunidade, um terreno numa área que esteja precisando de

desenvolvimento. Eu vou ao poder público e falo ‘vou fazer um

pouco de habitação social, um flat, algumas lojas, um prédio de

estacionamento e tal’, faz um fundo e pulveriza-se isso. É muito

mais fácil do que essa iniciativa isolada, às vezes até quixotesca, de

eu conseguir um imóvel na cidade, fazer um retrofit dele, e ter um

sucesso, e depois virar um ‘case’111 mas que é um ‘case’ que no fim

vai atender aqui doze famílias. Bem diferente do que você ter uma

ação integrada, ás vezes de um dois órgãos do poder público, e

tentar fazer um negócio um pouco mais atrativo”.

8. Morosidade na regularização das antigas escrituras: “O que está

vago e disponível, pode se tornar indisponível por problema de

documentação. Todas as regiões mais antigas você tem isso.

Antigamente as escrituras não tinham uma frase que é muito comum

hoje: ‘um terreno que encerra a área de 250 m²’. Se não tem isso

ele se torna indisponível. Aí você tem que chamar todos os imóveis

lindeiros, e tem que provar que 10x25m dá 250m², e todos os

vizinhos têm que concordar”.

9. Dificuldades na realização de obras na região central: “Entre

você começar alguma coisa num bairro como na Vila Mariana, e

começar uma coisa no centro, eu acho que as pessoas acabam

optando pelo centro, pelas dificuldades todas que tem no centro.

Inclusive pelas restrições para obras, como horários para

determinados serviços, o que pode envolver num aumento de custos

nas obras”.

Acerca da questão anteriormente trabalhada na seção limites da

economia política, item gentrificação: expulsão das famílias de

baixa renda dos limites à promoção pública, que trata das

dificuldades da permanência da população de baixa renda em um

centro em processo de valorização imobiliária, Petrucci considera

esse processo ‘natural’:

111‘Caso’, do inglês, projeto piloto, pontual, exemplo.

Page 198: limites a produção da moradia social no centro de SP

197

“Isso [revalorização imobiliária] vale para qualquer região. E eu acho

que o centro fica cada vez mais atrativo. Agora parece que a PMSP

vai lá para o Banespa112, algumas secretarias também. Até a própria

CDHU parece que deve ir para o centro. Eu acho natural que aja uma

valorização. Da mesma forma de quando saiu todo mundo do

centro113, houve uma desvalorização acelerada. Eu acho que a partir

do momento que você começa a voltar, vai haver essa valorização.

Mas eu acho isso natural no mercado. Não acho que isso seja ruim. A

gente vai vendo isso em diversos bairros: Eu, quando era moleque

morava em pinheiros, e era um bairro completamente de classe

média, com as casinhas todas, sobradinhos. Você vai hoje e vê

prédios de altíssimo padrão, coisas caríssimas na Capote Valente, na

Cristiano Viana, a Vila Madalena. Hoje você acha apartamentos de

3.000,00 o m² de área útil. Há uma grande concentração de

intelectuais, bastante coisa de cultura. Então eu acho isso natural, e

eu acho que se voltar para o centro, e eu acho que isso vai

acontecer, da mesma forma que aconteceu em Nova York, da mesma

forma que acontece em outras cidades. Quando você começa a puxar

um bairro, isso é natural, é do ser humano, com certeza”.

Em seguida, o questionamos acerca da população de baixa renda,

público alvo de nossa pesquisa. Como ela habitaria em um centro

‘re-valorizado’?

Petrucci afirma que essas famílias só poderão habitar no centro com

investimentos públicos diretos (apesar de a seu contra-gosto), como

medida mitigadora dos efeitos da alta dos preços dos imóveis:

112 Edifício do Banespa localizado entre o vale do Anhangabaú e a praça do Patriarca, diante do viaduto do Chá. 113 Petrucci deve aqui se referir à classe social de maior renda.

“Eu sou contra propostas que tenham a intervenção pública de

qualquer forma. Mas eu acho que aí, eu acho que se nós temos um

centro da cidade que efetivamente poderia estar morando lá o dobro

da população que hoje mora, e o poder público precisasse investir

zero de infra-estrutura (lá é bem atendido de sistema viário, de

transporte de massa) eu acho que aí se você quer preservar algumas

áreas, para que você possa trazer hoje pessoas que estão morando

em Guaianazes ou em Perus, eu acho que aí só com intervenção

pública que você consegue, (eu ouso dizer). Só com intervenção

pública é que você conseguiria segurar esse tipo de coisa. Ou seja,

não é dentro do meu liberalismo, mas eu acho que se existem não sei

quantos mil prédios parados no centro da cidade, uma das coisas que

podia ser feita é começar a mexer nesses prédios, se pensar em

desapropriação, pensar em maneiras de se fazer retrofit nesses

edifícios. (...) Pois se eu tenho uma população X hoje no centro e eu

acho que poderia ter uma população Y, e quero conseguir fazer que

o poder público possa ocupar toda a infra-estrutura e tirar a

ociosidades, isso vai levar vinte anos. A não ser que eu atraia a

iniciativa privada, e se eu fizer algumas interferências pode ser que

eu consiga fazer isso em cinco anos, em dez anos. Daí eu acho que

valeria a pena se começar a fazer a conta do quê que é melhor para

a cidade, em termos de investimento. Se for melhor fazer isso, do

que fazer infra-estrutura lá em Valo Velho, eu ouso dizer que aí você

precisaria ter intervenção pública para você preservar algumas

possibilidades para se construir HIS na cidade. (...) Mais ou menos

dentro de uma linha para um ‘edge city’114: eu fico pensando muito

na Avenida São Luiz, que teria tudo para ser um lugar maravilhoso

na cidade. Se você for conhecer aqueles prédios lá (é tudo

114do inglês: ‘cidade de fronteira’, ou cidade ‘de vanguarda’, ‘cidade limite’.’

Page 199: limites a produção da moradia social no centro de SP

198

apartamento de um andar), onde poderia ser um belo boulevard,

cheio de mesas nas calçadas, um exemplo do que poderia ser feito

ali. Mas com isso eu acho que atraía esse público, eu não afasto a

hipótese de você ter que levar famílias de uma classe de renda

melhor, até para atrair as famílias de renda mais baixa. Em outras

palavras, poderia ser que algum movimento de modismo, como hoje

é a Vila Madalena, de repente virasse moda morar na Avenida São

Luiz. Com certeza seria mais fácil você conseguir viabilizar coisas ali

do lado, na República, na Ipiranga. Agora, sempre com intervenção

pública”.

Segundo Petrucci já há notícias de empreendimentos habitacionais

no centro voltados à classe média, que sofreram considerável

valorização desde seu lançamento. Ele nos dá o exemplo de imóveis

recentemente erguidos no Cambuci, próximos à avenida do Estado:

“Sabe quantos apartamentos a Gafisa vendeu ali? 1100, e vendeu

todos. O mais caro a R$ 80.000,00 (de três dormitórios), e começou

vendendo à vista, por R$ 49.000,00 (de dois dormitórios)”.

Quando questionado se é consensual na sociedade paulistana a

realização de investimentos no centro para a manutenção e

aumento da população de baixa renda na região, Petrucci afirma:

“Eu acho que no centro da cidade tem lugar para todo mundo (...) e

não acho que você está trazendo HIS para o centro, você vai o

desvalorizar (...) apesar de que acho que isso não é consensual, acho

que tem essa visão, é por que tem uma visão elitista, tem uma visão

sectária. (...) Eu acho que pode ter gente que não concorda com

isso”.

Ainda com o objetivo de compreender e identificar os limites à

produção de HIS no centro realizada por entidades privadas, é que

realizamos uma entrevista com William Kun Niscolo, advogado,

presidente da Fecoohesp – Federação das Cooperativas Habitacionais

do Estado de São Paulo.

Niscolo inicia sua explanação respondendo a questão já por muitos

colocada. Por quê não há nenhuma unidade habitacional produzida

por cooperativas na região central de São Paulo?

“O por que as cooperativas não trabalham no centro? É simples, o

nosso problema continua sendo dinheiro. (...) Qual o problema de se

ter dinheiro de um banco, como, por exemplo, da CEF, que vai ter

aqueles 5 bilhões do Lula? É por que um banco quer lucro. (...) E aí,

o grande problema é a capacidade de pagamento do cidadão. (...) Ou

há um subsídio, uma participação dos poderes públicos, ou haverá

sempre gente na favela, sem saúde, sem educação, sem nada. (...) A

falta de cooperativas trabalhando no centro? O problema é

financeiro, 95% das cooperativas habitacionais no Brasil, são auto-

financiadas. As pessoas pagam uma mensalidade, segundo um plano

de pagamento, e vai se construindo segundo a entrada de recursos.

Para eu pegar um prédio aqui no centro para reformar, eu posso até

fazer isso. Fazer um orçamento, com uma construtora, ver quanto

que custa para reformar, criar um plano de pagamento, e fazer com

que as pessoas paguem por mês o necessário para a reforma.

Brasileiro é imediatista, ele quer um prazo curto, quer pagar hoje e

já estar morando amanhã. Então não adianta chegar e cobrar 50

reais por mês de um prédio só de 80 apartamentos, que vai dar um

pagamento de R$ 4.000,00 por mês. Para reformar um prédio

inteiro, não dá nada. É impossível, eu vou ficar anos reformando o

Page 200: limites a produção da moradia social no centro de SP

199

prédio, com o pessoal pagando pouquinho, então se for para atender

essa camada que pudesse pagar R$ 50,00 , que é a classe baixa, eu

vou ter uma obra muito lenta, e eles vão demorar muito para morar.

E se cobrar aí 350,00 da classe média, vezes 80 apartamentos, já são

R$ 28.000,00 mês, o que para uma reforma já começa a melhorar,

mas ainda é insuficiente. (...) Ou vem alguém para me ajudar no

lado financeiro, para que eu consiga para dar agilidade na reforma

ou não vai para frente”.

A produção de poucas unidades, como se dá no centro, para uma

cooperativa autofinanciada gera os problemas acima identificados:

uma obra muito lenta, pois arrecada poucos recursos por mês. Seu

funcionamento se dá em empreendimentos de maior escala, como

nos apresenta Niscolo:

“Funciona assim: tem uma construtora, e dentro da projeção

financeira, fazemos um planejamento físico-financeiro e vamos

executando. (...) Hoje nossa forma de produção é como uma escada.

Enquanto um está na fundação, outro está na estrutura e outro está

no telhado. Eu destino os recursos para três prédios. Isso me dá uma

agilidade de entregar um prédio de oito andares a cada três meses. É

uma máquina construtiva. (...) Isso é muito bem administrado. (...)

O cooperativismo moderno, acha um terreno, monta um projeto, vê

quanto custa tudo, monta-se o produto, aí você vai para o mercado,

para chamar os cooperados. A cooperativa hoje nasce com seu

produto, não vai primeiro chamar as pessoas para depois fazer. Há

cooperativas aí que estão a dez anos aí, e não tem nada feito. Tem

que nascer com o produto pronto. (...) Cooperativa é um método que

a gente não visa somente a casa, temos todo o lado social que pode

ser dado de apoio, pode-se organizar esse pessoal para uma

cooperativa de trabalho, tem situações que as cooperativas

poderiam amparar o lado social da classe de baixa renda. Agora

quem tem que amparar financeiramente é o governo”.

A partir desta colocação, Niscolo nos responde a seguinte questão:

se houvesse um aporte de recursos públicos que complementasse a

renda das famílias, as cooperativas poderiam trabalhar no centro?

“Então, o que uma cooperativa habitacional poderia fazer em termos

de centro de São Paulo, para atender a classe baixa? É a aglutinação,

a administração, o caráter social, de educação social, e de ir

administrando o financeiro junto com um órgão público, ou com um

banco que não seja tão feroz na forma de arrecadar juros, de cobrar

em cima do pessoal, por que é uma capacidade de pagamento que

eles não tem”.

Outra dificuldade, já identificada nas seções dos limites à promoção

pública, é o alto valor da terra no centro de São Paulo. Niscolo

discorre também sobre a questão, comparando valores praticados

nos empreendimentos que atualmente tem trabalhado:

“O valor da terra em Cotia, dá R$ 26,00 o m². Já em São Paulo

(risos), em Guilhermina, esse é o único terreno que nós estamos

pagando ainda, é um terreno muito caro. (...) Terreno em São Paulo

é muito caro, há muita especulação com os terrenos, e como nós

pagamos em longo prazo, então o proprietário adicionou juros em

cima. Eu recebo, por exemplo, R$ 100.000,00 (dos cooperados) por

mês e tenho de dirigir R$ 70.000,00 para o terreno e o restante para

a obra. Então o proprietário recebe em 40 meses e vai colocar juros

em cima. Lá foi R$ 416,00 o m², por que teve a desapropriação de

Page 201: limites a produção da moradia social no centro de SP

200

uma parte do terreno no meio das obras (CPTM), e não tínhamos

como voltar atrás. (...) Eu recebi uma proposta outro dia de R$

120,00 o metro, o que já é caro para a cooperativa autofinanciada.

(...) O preço de mercado é menor, mas como pagamos em vezes

aumenta mais o valor. (...) Demoramos ainda um ano para começar a

pagar o terreno, que é para juntar os cooperados. Aí, eles

[proprietários dos terrenos] pedem um sinal: ‘sinal é tchau’, não

tem jeito... Ás vezes alguns proprietários aceitam em área

construída”.

Mais adiante, William Niscolo refere-se ao programa PAR – CEF, e

por que não trabalham com os recursos do programa:

“O PAR, da CEF, é interessante, mas depende da vontade da CEF de

investir em um prédio aqui ou ali, e tem que ser construtora

gericada. Tem uma burocracia que às vezes estrangula as ações. Ou

muda-se a lei da CEF, ou cria-se algum método, como em Pelotas

(RS), em que foram realizadas 900 unidades pelo PAR, numa parceria

da prefeitura com as construtoras, empresas de material de

construção, cooperativas de construção: montaram um plano de

atendimento à população de baixa renda. E está dando certo. São

900 unidades em um ano e meio de obras. (...) Estive com o

secretário de habitação de pelotas e estamos conversando para ver

como que ele conseguiu esse apoio da CEF. Ela é muito complicada, é

um banco, e tem seus acionistas. Temos que ver que tem uma

camada da população que tem carência habitacional. Ou se abaixam

os juros, ou utiliza-se de outros métodos. (...) CEF e Cooperativas

Habitacionais nunca deu certo. (...) Eu acho que para a CEF nós não

somos seguros, pois se ela acaba investindo numa cooperativa...

quantos donos tem uma cooperativa? Aqui nós temos 2.000. Então a

CEF tem medo de negociar com 2.000 donos. Ao passo que com uma

construtora, você tem garantias, tem aval. Se der um ‘piripac’ ela

sabe quem acionar: a construtora. Se acontece isso com uma

cooperativa, ela vai acionar pessoas físicas, uma sociedade formada

por pessoas físicas. Então isso não dá segurança, para todo

financiamento. (...) Além do que tem cooperados que não seriam

aceitos pela burocracia da CEF. Numa cooperativa é só entrar e

pagar. Ela [CEF] tem de rever os seus conceitos para atender a

demanda. E eu duvido que vá mudar, pois é um banco, e que visa o

lucro e quer garantias. (...) Por exemplo, se você pegar um crédito

de R$ 50.000,00 num consórcio da CEF, você vai pagar R$ 65.000,00.

Nós lançamos um empreendimento em Cotia em 1996, a R$ 206,00

hoje está a R$ 380, 00, em quase oito anos, aumentou R$ 180,00. Nós

não cobramos os juros, sim a correção monetária, a CUB. (...) Eu

acho que a CEF deveria se transformar num banco social do país, (...)

e deixar os bancos privados fazerem sua especulação, que ganhem

seus lucros, de quem puder pagar”.

As cooperativas também enfrentam dificuldades com a legislação de

HIS, que é diferente em cada município. Outro problema apontado

por Niscolo são os trâmites para a aprovação dos projetos pelas

municipalidades, que são demorados e tratam as cooperativas da

mesma forma que as construtoras:

“Os três projetos nossos são de HIS, e cada cidade da região

metropolitana tem a sua legislação. Que lei rege a produção

imobiliária? É uma pluralidade de leis, (...) deveria se ter uma

padronização mínima, para facilitar para os produtores. (...) Já para

a aprovação dos projetos, é uma briga nossa, de termos

procedimentos mais fáceis para as cooperativas. Pois nós temos o

Page 202: limites a produção da moradia social no centro de SP

201

mesmo tratamento, que as construtoras que gasta 25.000,00 para

construir e vende a R$ 120.000,00 , e eu que construo a R$ 25.000,00

vou passar pelos mesmos trâmites. Desde que seja uma cooperativa

filiada a OCESP, constituída, independente, que siga realmente os

princípios, essa poderia ter um tratamento diferenciado. Agora tem

umas construtoras que se fazem de cooperativas para ter

facilidades, aí não. Estamos com um convênio da OCESP com o

ministério público para moralizar as cooperativas, que é um

problema, e temos que limpar. Nós que somos sérios acabamos mal

por parecer estarmos no mesmo barco”.

Uma última barreira apontada é de âmbito cultural. Niscolo queixa-

se que poucos conhecem a produção habitacional por cooperativas,

mais especificamente, os promotores de justiça:

“Quando chega o processo nas mãos de um promotor de justiça, eles

olham e dizem ‘ah cooperativa, isso é loteamento clandestino’. Há

entendimento, aprendizado sobre o que é cooperativa. Estava outro

dia (no seminário da Prefeitura) conversando com o representante

dos cartórios de imóveis, e falamos que cooperativas não precisavam

fazer incorporação, ele não acreditou. (...) É lógico que não, eu não

vendo nada. É rateio de despesa. É diferente de venda, que tem

lucro. Então na incorporação existe sempre um empresário, um

dono, a unidade tem que ser determinada e tem o objetivo de lucro.

Cooperativa: tenho pluralidade de donos, ninguém sabe onde vai

morar, é sorteio, e eu não tenho lucro. Há um dossiê do ministério

público que diz que se é incorporação não é cooperativa e se é

cooperativa, não é incorporação. E na lei, eu tenho redução na taxa

de registro de imóveis. (...) Muitos cartórios não gostam disso daí,

por que vão deixar de ganhar dinheiro”.

Para finalizar, Niscolo coloca ‘o que falta às cooperativas’ para que

sua posição no cenário da produção possa ser de maior escala:

“O que nos falta? É apoio do governo para essa camada da sociedade.

Como o que meche com tudo no mundo capitalista é o dinheiro. Se a

gente conseguisse abrir as portas tanto do governo estadual,para

criar algum subsídio, ou que venha do governo federal, as

cooperativas tem total situação de apoio para desenvolver esse

trabalho. Nós trabalhamos. Se vier o financeiro, a gente une o útil

ao agradável. (...) O que falta é a gente sentar para conversar, a

caixa e os governos: estamos todos aí”.

“Falta uma lei habitacional, que regulamente a produção por

cooperativas. Portugal tem uma lei, o Uruguai tem a sua também. Eu

sempre digo uma coisa: o poder executivo quer saber quanto que eu

faturo para me tributar; o legislativo quer acabar comigo por que as

construtoras têm um lobby muito forte, nós somos uma pedra no

sapato das construtoras; e o judiciário nem sabe que a gente existe,

eles olham: ‘cooperativa? consumo! Então é o código do consumidor’,

mas péra aí, e a lei do cooperativismo? Quando que eles vão

aprender?”.

Como última fonte de informações ‘vivas’ para a redação da

conclusão da presente pesquisa realizamos uma conversa com

Orlando de Almeida Filho, presidente do Sindicato dos Corretores de

Imóveis do Estado de São Paulo. Dentre as inúmeras questões

tratadas em nosso encontro, destacamos apenas aquelas referentes

Page 203: limites a produção da moradia social no centro de SP

202

a sua opinião quanto a não existência de um mercado atuante no

centro.

Almeida Filho afirma ainda “não haver compradores para os

imóveis” da região, não há interesse do mercado pela moradia no

centro “devido principalmente a questões de falta de segurança”:

“as pessoas tem medo de andar por lá”. Caso os investimentos na

área de segurança forem concretizados, Almeida Filho acredita que

pode ocorrer o mesmo que ocorreu na Avenida Paulista, que teve o

valor de aluguel dos escritórios dobrados apenas com a instalação de

mais cabines115 pela Polícia Militar com o patrocínio da Associação

Paulista Viva116, financiada principalmente por bancos e

proprietários de imóveis na Avenida.

115 “Trata-se da implantação de 40 cabines móveis denominadas "Supedâneos", permitindo um esquema ostensivo de vigilância. Após a instalação das primeiras 15 ao longo da Avenida Paulista foi registrado uma queda de 70% no índice de criminalidade na região. Os policiais estão equipados com modernos e eficientes recursos e estão monitorados por sistema de comunicação inteligente. Para a realização deste projeto, a Prefeitura do Município autorizou o uso da via pública e o Governo do Estado de São Paulo criou o 34º BPOE (Batalhão de Policiamento Ostensivo Especial) que conta com policiais especialmente treinados para, além de combater a criminalidade, auxiliar a população e orientar o turista que circula pela região. Os policiais têm ainda o diferencial de serem bilíngües e utilizam uma braçadeira com a indicação do idioma que o mesmo domina”. : trecho extraído do sítio Associação Paulista viva: http://www.paulistaviva.com.br/index2.htm

116 A Associação Paulista Viva conta com a colaboração de diversos associados da ‘comunidade’ da avenida, dos quais 16 são bancos: “a COMISSÃO PAULISTA VIVA que, mais tarde, em 1996, veio se transformar em associação, cujo mantenedor é o próprio empresariado da região da Avenida Paulista. Até Outubro de 2001, contava com a administração do Dr. Olavo Setúbal, quando passou a ser administrada por

Somando-se este fato, Almeida Filho nos confirma haver uma espera

dos proprietários de imóveis do centro e dos investidores

imobiliários pela consolidação dos investimentos públicos

recentemente anunciados pela PMSP na região: “se ocorrer o que se

promete, o centro vai ficar lindo”, “haverá oferta e procura”, e

conclui: “Daqui a uns três anos vamos ter [no centro] uma

valorização imobiliária muito grande”.

O encontro com Almeida Filho nos proporcionou uma melhor

compreensão dos custos básicos de um empreendimento

habitacional promovido por uma empresa com fins lucrativos em

comparação com um promovido pelo poder público. Desta forma ele

pode nos melhor esclarecer quais as dificuldades enfrentadas pela

promoção privada para a produção de imóveis por valores acessíveis

pelas classes com renda de até três salários mínimos. Como resumo

desta conversa elaboramos a tabela apresentada na próxima página.

voluntários, empresários e executivos de grandes empresas sediadas na região que aceitaram o desafio de manter a AVENIDA PAULISTA como o orgulho maior dos paulistanos”. sítio da associação: http://www.paulistaviva.com.br/index2.htm

Page 204: limites a produção da moradia social no centro de SP

203

tabela 19 : custos da construção habitacional – comparação

aproximada entre promoção pública e privada

despesas

custos da produção habitacional

promoção

privada promoção pública

% da

prom.

pública

em

relação

à prom.

privada

valor em

R$

% do

custo

total

comparação

com a

promoção

privada

valor em

R$

terreno 9.000,00 15

mantém-se o

valor dos 15% 9.000,00 100,0

construção 33.600,00 56

mantém-se o

valor dos 56% 33.600,00 100,0

financeiras

(juros) 3.000,00 5 baixa para 2% 869,39 29,0

comercialização 3.600,00 6 inexistente 0,00 0,0

impostos 1.800,00 3 inexistente 0,00 0,0

lucro 9.000,00 15 inexistente 0,00 0,0

total 60.000,00 100 43.469,39 72,4

fonte: conversa com Orlando Almeida Filho, agosto de 2003.

A partir da tabela ao lado, Almeida Filho pondera que a diferença

entre os custos de uma produção e outra é de aproximadamente

30%, se mantido o lucro mínimo de 15%117.

Para exemplificar as proporções propostas por Almeida Filho,

optamos por aplicar um valor de R$ 60.000,00 para a produção

privada para que possamos atingir na promoção pública um valor

próximo dos R$ 42.000,00 atualmente praticados pela Cdhu na

produção das unidades de HIS no centro, através do programa PAC –

BID.

Cabe aqui agora uma importante ressalva: o valor de R$ 60.000,00,

que poderíamos considerar o valor mais baixo para a promoção

privada no centro é exclusivamente apenas o valor de produção das

unidades. Para termos o valor real de acesso desse imóvel para as

famílias, devemos incluir ainda as despesas com os juros do

financiamento, que é de 8,16% ao ano para a carta de crédito da

CEF (mais baixos que os praticados pelos bancos privados, acima de

10% ao ano). Teremos então um valor final de pagamento de R$

116.995,29, quando ela custou R$ 60.000,00 para ser produzida, se

financiada em 180 parcelas, ou 15 anos, resultando em parcelas

(corrigidas) de R$ 649, 97, o que pode ser pago apenas por famílias

de renda superior a 10,8 salários mínimos, se comprometerem 25%

de sua renda.

117 Almeida Filho considera o lucro mínimo como 15% dos custos do empreendimento, pois é o mesmo valor aproximado das despesas com um novo terreno. Base para um novo empreendimento, de modo a ‘fazer girar o capital’.

Page 205: limites a produção da moradia social no centro de SP

204

Temos aí, nos juros do financiamento uma das maiores dificuldades

de acesso à moradia pelas famílias de renda média, como se vê na

reprodução da manchete abaixo:

folha de São Paulo, 03.07.2003

É por isso que, segundo Mário Watanabe em artigo ‘O desafio de

privatizar a moradia popular’ na revista ‘Qualidade na construção’

do Sinduscon São Paulo: “Existe um buraco negro no mercado, na

faixa de renda de 6 a 12 salários mínimos”, pois poucas são as

famílias que dispõe de recursos para comprar um imóvel à vista,

tendo de necessariamente de se utilizar dos financiamentos

imobiliários, muito onerosos, ainda que praticados por bancos

públicos como a CEF.

Se observarmos a tabela abaixo, que nos indica o déficit

habitacional da RMSP, por faixas de renda familiar mensal, veremos

que 23% da população não tem meios de acesso à moradia, segundo

os caminhos acima trilhados. Os que necessitam de subsídios

governamentais são nada mais que 72% da população:

tabela 20 : estimativas do déficit habitacional urbano por faixas

de renda mensal familiar na RMSP

faixas de renda mensal familiar (em salários mínimos)

até 3 de 3 a 5

de 5 a

10

mais de

10

total (inclusive

sem renda)

792.466 132.598 100.437 46.994 1.087.316

401.239 81.766 58.661 22.204 577.195

1.193.705 214.364 159.098 69.198 1.664.511

72 13 10 4 100

fonte: Dados básicos: IBGE 2000

elaboração: Fundação João Pinheiro, Centro de Estatísticas e Informações.

Page 206: limites a produção da moradia social no centro de SP

205

4.2.5.3 anexo I : agenda para ampliação da produção de HIS

pelo mercado

Com o objetivo de melhor compreender as barreiras à produção de

HIS no centro pelo mercado, é que inserimos aqui, como um anexo,

os resultados do Seminário ‘Como Ampliar o Mercado de Habitação

Popular? Construindo uma agenda’, qual participei de sua equipe de

organização, como parte integrante dos trabalhos da presente

pesquisa, através do Laboratório de Habitação e Assentamentos

Humanos da FAU USP, prestador de serviços à Sehab - PMSP.

Este seminário teve como objetivo reunir os setores da produção de

HIS pelo mercado, como construtoras, cooperativas autofinanciadas

e suas entidades representativas para a formatação de uma agenda

que conduza as ações do poder público e iniciativa privada para a

superação dos entraves à ampliação dessa produção.

O produto final do evento, a ‘Agenda para a ampliação do mercado

de habitação popular’, é material que consideramos relevante às

questões trabalhadas na presente pesquisa. Deste modo, aqui a

reproduzimos , para composição dos insumos à elaboração das

conclusões de nossos estudos.

a. aspectos financeiros da produção habitacional

- Estabelecer um novo modelo de financiamento que garanta

uma política ampla de subsídios para os setores de baixa

renda118, inclusive com subsídios diretos para as famílias.

- Adequar as prestações dos financiamentos à capacidade de

pagamento dos beneficiários, para isso desenvolver estudos

específicos sobre a demanda.

- Diversificar os agentes financeiros: companhia hipotecária,

cooperativa de crédito, agente público (não financeiro) de

apoio à estruturação de operações, agentes públicos, entre

outros.

- Utilizar fontes de recursos estáveis, permanentes e com baixo

custo de captação, para a promoção de uma política de

financiamento e sustentação de subsídios, como o FGTS,

Poupança e os orçamentos: federal, estadual e municipal.

Para isso, é necessário que a Lei de Responsabilidade Fiscal

adote uma diferenciação entre investimento e despesa no

cálculo do limite de endividamento dos municípios.

- Incentivar (pela via tributária) os Fundos de Pensão a investir

no mercado habitacional popular

- Criar um agente regulador para o financiamento imobiliário

para substituir o Banco Central que não é considerado o órgão

adequado para exercer tal função.

118 O Projeto Moradia propõe a criação de fundos especiais de moradia nas três esferas de governo, o Fundo Nacional de Moradia seria formado por um Fundo de Aval, um Fundo de Subsídios e um Fundo de Equalização de taxas e juros.

Page 207: limites a produção da moradia social no centro de SP

206

- Revisar os critérios de Provisão de Risco da Resolução 2.682 do

Banco Central. Os critérios precisam ser compatíveis com a

demanda popular e com o agente financeiro e não

determinados para todo o mercado.

- Revisar a MP 2.221 referente ao Patrimônio de Afetação a fim

de garantir que novos empreendimentos não sejam afetados

por fracassos antigos.

- Criar incentivos para o mercado secundário por meio da

desoneração tributária.

- Reduzir os juros para o financiamento.

- Criar seguros para os mutuários nos casos de desemprego,

problemas de saúde, entre outros.

- Criar linhas de crédito e financiamento específicas para as

cooperativas e para empreendimentos de HIS e HMP.

- Garantir a vigência das regras contratuais de financiamento

independentemente das mudanças governamentais.

- Explicitar e simplificar os critérios e procedimentos de

aprovação de financiamentos junto a CEF.

- Revisar legislação referente a: execução na Vara de

Habitação, arbitragem, firmeza à alienação, pagamento

principal indiscutível amortizando saldo devedor, dando maior

agilidade ao Judiciário.

2. Padrões habitacionais para os empreendimentos

populares (HIS/HMP)

- Definir padrões urbanísticos e arquitetônicos específicos para

HIS e HMP.

- Desenvolver alternativas regionais e específicas para cada tipo

de problema de moradia, levando em consideração as

características da população local, suas formas de organização

e as suas condições econômicas e urbanas.

- Alterar a legislação para permitir a construção de vilas com

padrões habitacionais diferenciados

- Definir como requisito básico para qualquer intervenção

habitacional a sustentabilidade social, econômica e ambiental.

- Revisar da Lei de Interesse Social, assegurando um nível

adequado de regulação com alguma flexibilização, eliminando

assim o conflito com o Código de Obras e facilitando a

produção habitacional pela iniciativa privada.

- Criar incentivos para o setor privado de construção atuar

também na reabilitação de edifícios precários e promoção

habitacional em áreas centrais e na reurbanização de favelas.

Para tal:

• Incentivar Fundos imobiliários a investir em áreas

centrais

• Criar condições de absorver imóveis desocupados e

estoques existentes.

- Incluir a avaliação pós-ocupação nos empreendimentos

habitacionais HIS/HMP.

Page 208: limites a produção da moradia social no centro de SP

207

- Criar mecanismos de participação da demanda e usuários.

c .fluxos e procedimentos: licenciamento e registro de

imóveis

- Criar um Grupo de Trabalho formado por todos os órgãos

municipais e estaduais envolvidos com a aprovação e o

licenciamento de projetos com a finalidade de agilizar e

otimizar os procedimentos e fluxos. Esse GT teria como

atribuições e objetivos:

• Revisar e definir as devidas competências de cada um dos

órgãos municipais e estaduais envolvidos com o

licenciamento de empreendimentos, inclusive o ambiental,

para evitar a repetição e sobreposição de análises técnicas.

• Revisar a legislação vigente, propor alterações

necessárias e tornar compatíveis leis concorrentes.

• Propor alteração da Norma da Corregedoria 211 (item C).

• Revisar, conjuntamente com a Corregedoria dos Cartórios

de Registro de Imóveis, o Provimento 58 referente ao

registro dos conjuntos habitacionais

• Simplificar as exigências (lista de documentos) para o

licenciamento.

• Definir como atribuição do Município a regularização

técnica de conjuntos habitacionais e loteamentos já

implantados.

• Simplificar o processo de anuência do Estado nos casos de

empreendimentos previamente aprovados pelo Município e

dispensá-la nos casos de aprovação de empreendimentos

habitacionais por meio de plano integrado (quando não

ocorre somente o parcelamento)

• Propor a criação de mecanismos específicos para

viabilizar e agilizar a aprovação de empreendimento de HIS

e HMP tendo em vista as dificuldades existentes.

• Verificar a possibilidade de diminuir ou isentar de

emolumentos cartoriais os empreendimentos de HIS e HMP.

d. o mercado de terras e a política urbana.

- Garantir na política habitacional: definição específica do

público alvo, recursos e agentes; regionalização dos

programas, formas alternativas ao financiamento para o acesso

à moradia e integração das políticas nacional, estadual e

municipal.

- Definir uma política fundiária que favoreça o capital produtivo

- Aumentar a oferta de terrenos para a construção de

empreendimentos habitacionais de HIS e HMP.

- Estabelecer metas para implantação de instrumentos119 do

Estatuto da Cidade, previstos no Plano Diretor, no intuito de

aumentar a oferta de terrenos desocupados, inclusive galpões

(vazios ou subutilizados) localizados em áreas industriais que

não tenham mais interesse para esse uso, desde que não

119 ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social; Outorga Onerosa; demarcação de imóveis sub-utilizados; taxação progressiva: IPTU – progressivo no tempo; Operações Urbanas.

Page 209: limites a produção da moradia social no centro de SP

208

apresentem riscos para a implantação de empreendimentos

habitacionais.

- Desenvolver programas de habitação na área urbanizada do

município visando ao aproveitamento máximo de terrenos

vazios ou subutilizados.

- Criar um sistema público de gestão para a questão da oferta e

do preço da terra. Para tanto, deve utilizar os instrumentos de

gestão e concertação previstos no Estatuto da Cidade e que

estão no Plano Diretor para a produção projetos habitacionais,

visando a atender o mercado de habitação popular – HMP e o

mercado de Habitação de Interesse Social – HIS.

- Criar e manter atualizado um banco de dados sobre a oferta de

imóveis.

- Criar um sistema de informações sobre moradia que

disponibilize dados sobre os recursos públicos e privados,

investidos e disponíveis, para a produção e o financiamento

habitacional e sobre as características da demanda e dos

beneficiários.

- Promover alteração do zoneamento de glebas de terra

passíveis de utilização para empreendimentos habitacionais

bem como a construção de imóveis de uso misto -

comercial/serviços e residencial - principalmente em

corredores e pólos comerciais regionais.

- Diminuir os custos de taxas, impostos e despesas cartoriais

para negociações de terrenos destinados a empreendimentos

imobiliários residenciais de HMP e HIS.

- Incentivar a formação de técnicos em moradia para a política

urbana e habitacional.

e. produtividade na construção habitacional

- Controlar, pela legislação vigente, os preços de materiais e

insumos básicos oligopolizados.

- Definir padrões urbanísticos para a elaboração de projetos que

garantam a qualidade ambiental com menor custo de infra-

estrutura.

- Fixar parâmetros e exigências para projetos executivos que

viabilizem preços mais precisos e licitações e cronogramas

físico/financeiros mais confiáveis.

- Normatizar os componentes e materiais de construção, além

dos insumos básicos, visando garantir a compatibilização e a

qualidade.

- Estruturar um programa de aumento da produtividade e

qualidade que tenha como foco:

• Analisar a formação de preços da cadeia produtiva para

identificar os fatores que interferem na redução de custos.

• Analisar os fatores que interferem no prazo e,

conseqüentemente, na rentabilidade da construção.

• Estruturar uma rede de conhecimento que informe aos

usuários sobre fatores que interferem na qualidade e

produtividade da construção e forneça índices de produção

para melhorar os orçamentos.

• Unificar as certificações de qualidade nos níveis federal,

estadual e municipal.

• Revisar o pagamento por tabelas estimativas de INSS e ISS

quando as empresas já recolhem pelos dados reais.

Page 210: limites a produção da moradia social no centro de SP

209

• Criar um programa de capacitação e valorização

profissional para profissionais liberais, oficiais, serventes,

mestres, técnicos, desenhistas, entre outros.

• Desenvolver um programa de formação gerencial para

empresários e gerentes de pequenas empresas, de

cooperativas e de assistência técnica à autoconstrução

• Incorporar o terceiro setor como instrumento de

participação e controle das políticas públicas

•Adotar princípios éticos que garantam que quem estiver

trabalhando na formulação dos planos e programas não

sejam contemplados na sua implementação operacional

• Articular a Política Habitacional com uma política de

desenvolvimento nacional e geração de emprego.

Page 211: limites a produção da moradia social no centro de SP

210

4.3. conclusões finais: limites à produção pública e

privada da moradia social no centro de São Paulo

“Para quem não analisou do ponto de vista ideológico, se não tiver

essa consciência de luta de classes, de divisão de classes, está até

hoje sem saber o que e porque essas coisas aconteceram”

Maria Nilce Ferreira Souto120

Realizamos a seguir, de forma breve e resumida, algumas

considerações finais acerca do universo visitado nas páginas

anteriores de intensa documentação dos limites impostos à produção

da moradia social no centro.

Mas vejamos antes, como se portava a hipótese lançada na redação

do projeto da presente pesquisa, há mais de ano atrás:

“A hipótese central que norteia esta pesquisa será que a produção da

moradia social na região central de São Paulo tem como um de seus

principais limites: o preço da terra. Esta hipótese fundamenta-se no

relato da apresentação da pesquisadora Helena Silva, no encontro

‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?’121, e

120 depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção Habitacional em

cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco,

1998:156. 121 LABHAB/FAUUSP, 2000.

na formulação do conceito de localização, proposto por Flávio

Villaça.122

Helena afirma ser “(...) a principal dificuldade para acesso à

moradia na cidade de São Paulo: o preço da terra. Ou seja,

enfrentar a questão do mercado imobiliário. O acesso à moradia nas

cidades brasileiras (...) está determinado pelo mercado. As pessoas

de diferentes faixas de renda decidem sua localização na cidade

conforme o preço que podem pagar pelos imóveis, pela moradia.”123

Essa localização, segundo Villaça é “ a mercadoria mais importante

no mercado imobiliário, (...) e na formação da estrutura intra-

urbana.”124 “ A localização tem profundas implicações sobre os

custos operacionais das funções urbanas, inclusive sobre a

residencial. (...) Há um preço da localização que é função da renda

da terra, o qual, em última instância, é determinado pela

acessibilidade ao centro da cidade (no caso da terra urbana)”.125

Deste modo, acreditamos que o centro de São Paulo, ainda que

considerado desvalorizado pelo mercado imobiliário, possui imóveis

com custos superiores aos alcançáveis pelos financiamentos dirigidos

à população de baixa renda, principalmente de zero a três salários

mínimos.

A segunda hipótese a ser colocada, trata das dificuldades de

operacionalização da máquina estatal para a produção da

moradia social na região central, causadas pela não priorização

destas moradias nas políticas públicas implementadas pelas gestões

em estudo. Esta hipótese fundamenta-se nos depoimentos dos

movimentos de moradia e assessorias técnicas, realizados nos

122 In: Uso do solo urbano. CEPAM, 1978. 123 Silva, 2000: 41. Grifo nosso. 124 Villaça, 1978: 13. 125 Villaça, 1978: 17. (grifo do autor).

Page 212: limites a produção da moradia social no centro de SP

211

encontros e seminários citados no item “Tema e Justificativa” deste

projeto de pesquisa”.126

Bem, nos parece que a hipótese levantada ao menos não ‘errou o

alvo’, mas vejamos por quê acreditamos não ter acertado

diretamente em seu centro:

A resposta para nossa ‘falta de mira’ está no objetivo inicial da

pesquisa, e no método empregado em nossos estudos, somados à

característica dos limites identificados.

Nossa ‘meta’ tratava de apenas identificar os limites à produção da

moradia social no centro. Portanto, não nos propúnhamos a analisar,

hierarquizar, selecionar os mais relevantes limites. E, nos parece

que assim foi feito, e apenas isso, por compreendermos (agora

enquanto metodologia), que se trata de uma etapa primeira, inicial,

ou seja: de base. Um momento de ‘colocar as cartas na mesa’ para

‘ver como jogar’. Um momento de apreensão ‘do estado da arte’,

para preparar ‘um samba’. Para daí, então, em outro momento, nos

debruçarmos, qualquer cidadã(ao), sobre o material coletado, de

forma mais cuidadosa, e ensaiar conclusões mias estratégicas.

Ainda, como relatamos acima, soma-se ao objetivo e ao método

recitados, as características dos limites identificados:

Estes demonstraram um comportamento de inter-relacionamento,

de modo sistêmico. Ou seja, encontram-se interligados, 126 Barros, Francisco. Projeto de pesquisa de iniciação científica: “Limites à produção da moradia social no centro de São Paulo”. maio de 2002:10.

interdependentes, como numa teia. Devemos, portanto, para

compreensão de apenas um limite, observar primeiramente o todo,

o universo: visualizar ‘o baralho completo sobre a mesa’. Por isso

essa necessidade da identificação de todos os limites,

primeiramente, para posteriores incursões localizadas.

Identificados os limites, as incursões mais pontuais sobre apenas

alguns limites devem se dar com certo cuidado. Pois, há

determinados limites que se ‘mexidos’, esbarram n’algum outro.

Vejamos alguns exemplos hipotéticos:

Caso, resolvêssemos agir sobre o limite do preconceito operante.

Trabalhar a vontade coletiva de que a população de baixa renda tem

de morar na periferia, por meio de publicação de mensagens nos

outdoors, esbarraremos na dificuldade financeira de realizar essas

ações. Procuraríamos então o poder público para financiar

campanhas sobre o tema, mas que talvez não possuirá recursos para

tanto, ou simplesmente os funcionários discordariam dessas ações,

que alterariam o ‘bom’ funcionamento da máquina pública.

Então que tal alterarmos as leis que atrapalham a produção de HIS

no centro, como a que impede unidades sem vagas de automóvel, ou

o uso misto. Haveria resistência das montadoras de automóvel, que

se colocariam contra a matéria na Câmara de Vereadores, pois

querem produzir mais, extraindo mais renda dos operários da

indústria automobilística, à luz das empreiteiras.

Page 213: limites a produção da moradia social no centro de SP

212

Ou ‘simplesmente resolver ter’ recursos públicos ‘ad eternum’ para

produzir as unidades necessárias para zerar o déficit! Mas como

agirão os funcionários em uma máquina pública burocratizada e

voltada historicamente para outras ações. Lembremos que não há

técnicos preparados para encampar esses trabalhos e a legislação

não permitirá o acesso aos imóveis, a desapropriação tomará muito

tempo, e a população não possui renda suficiente para quitar as

prestações das unidades. Mas então, vamos fazer só locação social!

Os financiadores não aprovarão, pois discordam de ações

estatizantes, e não haverá recursos.

Outro caminho então seria reformar todo o centro, para que possam

ao menos viver numa cidade mais bela, se não se consegue intervir

nos cortiços. Mas essas ações resultarão na demolição dos cortiços, e

as famílias terão de migrar novamente para suas terras de origem

com passagem paga pela PMSP. Mas desta forma não enfrentamos a

questão, voltamos quase aos tempos da cidade escravocrata de

outrora...

A latente dificuldade de encontrar apenas um limite que se

solucionado, não seja anulado pela presença de outro, não significa

que não possamos eleger alguns deles, um grupo, como um foco,

centrais. Seriam limites que amarram e potencializam todos os

outros. Que, se por obra da população alguns destes ‘nós’ do

sistema forem alterados, ou até eliminados, o desmanchar dos

outros limites pode ser facilitado.

Seria esse limite a posse da terra?

Ou melhor, seria ele a especulação sobre a terra?

Pois, se tratada, de fato, como um crime, como consta na

constituição, poderia ser combatida. O que resultaria em valores de

imóveis mais baixos, ao ponto da população de baixa renda poder

ter-lhes acesso. Os imóveis seriam reformados, empregos seriam

gerados, uma cadeia virtuosa se formaria?

Com a aplicação dos instrumentos do estatuto da cidade, talvez isso

tudo ocorreria.

Ou seria também um destes limites nodais, a existência de classes

sociais tão antagônicas, com diferenças sociais tão alarmantes, e a

renda tão concentrada, que impossibilitam as classes de renda mais

baixa de ‘acumular’ o mínimo para sobreviver? Mas como combater

esse limite, sem alterar o sistema econômico a que estamos

submetidos?

Seria este limite, as altas taxas de juros, que se baixadas

aumentariam a produção habitacional como um todo, em tamanha

escala, que o valor dos imóveis baixaria vertiginosamente?

Agora, apesar de corriqueiras e de superficialmente colocadas, as

hipóteses acima, podem, pelo leitor que transpassou por todas as

páginas anteriores, ser mais bem ponderadas e analisadas.

Isto posto, fechamos, então, a ‘casa para balanço’, ou seja, para

uma posterior necessária análise mais profunda do material

coletado. Estão todos convidados.

Page 214: limites a produção da moradia social no centro de SP

213

Há ainda mais considerações:

Devido à característica sistêmica dos limites aqui identificados,

concluímos que qualquer ação prática de tentativa de superação das

barreiras à moradia social no centro, deve abranger ‘no mínimo’

uma grande (não sabemos dizer quantas) parte dos limites. Assim,

para uma ação que altere algo ‘sistêmico’, necessariamente deve

ser dada e sustentada por parte da coletividade que opera este

mesmo sistema: trata-se de uma ação coletiva.

Ou seja, na prática, de nada adianta agir sobre apenas um dos

pontos da ‘teia limite’, de forma ‘voluntarista’, por meio de ações

‘iluminadas’. São necessárias ações deflagradas de forma coletiva e

organizada, concomitante e harmônica, de preferência sobre os nós

do sistema, nos pontos que mais o enfraquecem. Daí, a importância

do convite acima: estão todos convidados.

Page 215: limites a produção da moradia social no centro de SP

214

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*leituras programadas realizadas no segundo semestre de atividades

Sítios visitados na Internet

Page 219: limites a produção da moradia social no centro de SP

218

ASSOCIAÇÃO VIVA O CENTRO. www.vivaocentro.org.br

CAIXA ECONOMICA FEDERAL.

FÓRUM CENTRO VIVO. www.forumcentrovivo.hpg.com.br

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. www.saopaulo.sp.gov.br

OFICINA DEL HISTORIADOR DE LA CIUDAD.

PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. www.prefeitura.sp.gov.br

SECRETARIA ESPECIAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO – SEDU.

www.planalto.gov.br

Revistas e periódicos consultados

O Estado de São Paulo (OESP)

Folha de São Paulo (FSP)

Jornal do Fórum Centro Vivo, Fórum Centro Vivo.

Revista Istoé.

Urbs, Associação Viva o Centro.

Page 220: limites a produção da moradia social no centro de SP

219

7. anexos

I projetos e fotos dos estudos de caso

II tabela dos limites à promoção pública

III tabela dos programas públicos e sua produção habitacional

IV tabela de cruzamento das informações de faixa de valor de

imóvel e localização no centro

V pranchas: imóveis lacrados, mercado e cooperativas habitacionais

autofinanciadas.